Revista Mediação - Número 24

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Diretor Pe. Rui Körbes, S.J.

Diretor Acadêmico Prof. Adalberto Fávero

Diretor Administrativo Gilberto Vizini Vieira

Coordenação Editorial Cezar Tridapalli

Revisão Cezar Tridapalli

sumário

expediente

Revista de educação editada e produzida pelo Colégio Medianeira ISSN 1808-2564

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As ruas da cidade e o escândalo da verdade

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A leitura como “ato de forjar mundos”

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Direitos Humanos: para que a vida viva

Mayco Martins Delavy

Flávio Stein

Redação Diego Zerwes

Projeto Gráfico Liliane Grein

Ilustração e imagens Shutterstock

Entrevista com Jelson Roberto de Oliveira

Colaboraram nesta edição Mayco Martins Delavy, Flávio Stein, Joelson Roberto de Oliveira, Martinha Vieira, Priscila Andretta Melcherts, Guilherme Augusto Pianezzer, Claudio Piechnik, Wilson Beleski de Carvalho, Valdemiro Ruppenthal, Vinícius Soares Pinto, Rafaela Pacheco Dalbem, Diego Zerwes.

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Arte (e tudo mais) fora da caixa Martinha Vieira

Tiragem 3500

Papel Capa: Papel reciclato 180g Miolo: Papel reciclato 90g

Numero de Páginas

20

Alfabetização ecológica e sustentabilidade: um desafio moderno

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A lógica e a suposição: como a física lida com estes conceitos

Priscilla Andretta Melcherts

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Impressão Gráfica Radial Tel: 3333-9593

Equipe Pedagógica Supervisão Pedagógica Claudia Furtado de Miranda, Danielle Mari Stapassoli, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy e Fernando Guidini

Educação Infantil e E. Fundamental de 1º a 5º ano Coordenação Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro

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Guilherme Augusto Pianezzer

Greenwashing, você já caiu nessa Claudio Piechnik

Ensino Fundamental de 6º e 7º ano Coordenação Profª Eliane Dzierwa Zaionc

Ensino Fundamental de 8º e 9º ano Coordenação Profª Ivana Suski Vicentin

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Ensino Médio

Hepatite C: continuando a conversa Wilson Beleski de Carvalho Valdemiro Ruppenthal

Coordenação Profº Marcelo Pastre

Coordenação de Pastoral Pe. Guido Valli, S.J.

Coordenação Comunitário e de Eportes Francico Alexandre Faigle

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Não a uma hiperescola Vinícius Soares Pinto

Coordenação de Midiaeducação Cezar Tridapalli

Comunicação e Marketing Vinícius Soares Pinto

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria. Linha Verde - Av. José Richa, nº 10546 Prado velho - Curitiba/PR fone 41 3218 8000 Fax41 3218 8040 www.colegiomedianeira.g12.br mediação@colegiomedianeira.g12.br

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Experiências de viagem

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Como me tornei compositor

Rafaela Pacheco Dalbem

Leonard Cohen - Tradução de Diego Zerwes

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editorial

C

aro leitor

O ecletismo sempre foi um

uma colcha de retalhos aleatórios.

dos objetivos da nossa Mediação.

Ou, caso aceitemos a imagem da

Claro, porque quando falamos de

colcha de retalhos, vale lembrar

educação os temas se abrem mui-

que uma colcha tem costuras. E a

to. Formação competente, que

nossa costura – o fio que liga os

saiba ser excelente acadêmica e

retalhos tão distintos e distantes –

humanamente, não ocorre dentro

é o desejo de humanizar, de levar

de um saber estanque, segmenta-

ao leitor posições e temas às vezes

do e específico de uma área do sa-

pouco difundidos, ou que remam

ber. Queremos abrir as gavetas do

na contracorrente de um discurso

conhecimento

hegemônico. E por aí vai.

compartimentado

e promover diálogos. Mas, quando colocamos uma experiência de viagem na mesma edição que traz um artigo sobre hiperescola, qual o pano de fundo comum? Quando falamos de Hepatite e de Filosofia, qual a conversa possível? E se colocamos Física e Direitos Humanos em um mesmo número, como aproximá-los? O que um escritor e compositor canadense poderia ter em comum com o discurso algumas vezes falacioso da sustentabilidade? A edição 24 da revista Mediação é uma das mais ecléticas da nossa história, que já dura 9 anos.

Na capa, trazemos um tema que volta e meia aparece em edições anteriores, mas que nunca ganhou maior destaque: a arte e a complexa experiência que ela oferece a quem assiste e a quem faz, aos artistas, alunos-artistas e ao público. Fazer arte na escola é uma oportunidade de se apropriar do discurso das outras ciências e recriá-lo, além de tornar inesquecíveis os anos escolares ao lado de um grupo unido por interesses e objetivos comuns. Uma boa leitura. Cezar Tridapalli

Mas esse fato está longe de significar

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Procure as edições anteriores, que podem ser lidas na íntegra, no nosso

www.midiaeducacao.com.br 2

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artigo

As RUAS da CIDADE

e o ESCÂNDALO da VERDADE

Ao caminhar diariamente pelas ruas da cidade, o comum é sermos interpelados pela verdade nua, verdade inconveniente e que salta aos olhos - que é aquela dos seres humanos humildes, machucados pela vida e excluídos do sistema por uma série de fatores que não nos cabe refletir aqui - causandonos sentimentos dos mais diversos e paradoxais. Por Mayco Martins Delavy

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Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. (A terceira Margem do Rio, João Guimarães Rosa)

A

os que somos ligados à filo-

xandre, o homem mais poderoso

difícil encontrarmo-nos com um

sofia, especialmente à história

da terra, que lhe disse: ‘Pede-me

filósofo tal como Diógenes que,

da filosofia, é-nos bastante co-

o que quiseres’; ao que Diógenes

por opção, tenha seguido as tri-

nhecida a história de Diógenes

respondeu: ‘Afasta-te do meu

lhas da “mendicância” – que os

de Sinope (404 a .C.– 323 a.C),

sol’” (Idem., 1990, p. 233). A úl-

historiadores e filósofos não ve-

um dos grandes, senão o maior

tima passagem conta que Dió-

jam nesta expressão um anacro-

propagador do cinismo, corrente

genes perambulava pela cidade,

nismo, utilizamo-la apenas como

filosófica fundada por Antístenes

desapegado de tudo e de todos,

artifício argumentativo – e esteja

(444-365 a.C), na Grécia antiga.

fazendo as suas necessidades à

a nos gritar, nas praças – melhor

Para fins ilustrativos, seleciona-

luz do dia, alimentando-se com

seria nos shoppings e nos condo-

mos três entre tantas outras ane-

aquilo que a sorte trazia, habitan-

mínios de luxo –, nas ruas e locais

dotas ligadas à vida de Diógenes.

do um barril e, empunhando uma

públicos: “Vejam bem, procuro

A primeira aponta para insistência

lamparina, gritava a todos: “Pro-

um homem ou mulher autêntico,

dele em receber os ensinamentos

curo (o) homem”.

que seja capaz de reconhecer a

do mestre Antístenes. O encontro entre o mestre e o futuro discípulo teria ocorrido nos seguintes termos: “Perto de Atenas, Diógenes se aproximou de Antístenes. Embora este não quisesse receber ninguém como aluno, rejeitando-o, Diógenes, perseverante, conseguiu vencer a resistência. Certa vez, Antístenes ergueu o bastão contra ele, mas Diógenes apresentou-lhe a cabeça, acrescentando: ‘Podes golpear, que não encontrarás madeira tão dura que possa fazer-me desistir de obter que me digas alguma coisa, como me parece que deves’” (ANTISERI,

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Não se preocupe, leitor. Não estamos a fazer uma história de Diógenes, tampouco do cinismo como corrente filosófica do período helênico. Resgatamos esses exemplos emblemáticos do pas-

vida inútil que vive”. Topamos, e desviamos, sim, com seres humanos humildes, esfomeados, machucados pela vida e excluídos do sistema por uma série de fatores que não nos cabe refletir aqui.

sado para lermos o presente e as

Mas, esse grupo de pessoas,

contradições a que somos leva-

cada vez mais numeroso na capi-

dos (e também aceitamos) a vi-

tal onírica, incomoda, machuca e

ver. Ora, perguntamo-nos, como

fere os olhos, rompe a rotina da

a leitura dessas histórias poderia

pequena e medíocre classe mé-

nos ajudar a ler o presente? Em

dia. Concordam? Explico-me: de-

que consiste a atualidade dessas

pois de um excelente jantar e de

três histórias? São duas questões

um bom vinho nos nossos requisi-

a que tentaremos responder nas

tados restaurantes, somos obriga-

próximas linhas.

dos a retornar aos nossos carros

REALE, 1990, p. 231). A segun-

Comecemos, pois, pela pri-

ou ao ponto de ônibus e, quando

da, talvez a mais famosa, narra o

meira. É claro que, aos que ca-

menos esperamos, nos chega o

brevíssimo encontro de Diógenes

minhamos pelas ruas da Curitiba

desconhecido: “Fala, patrão! Me

com Alexandre Magno (356-323

real, tomamos o ônibus, enfrenta-

dá uma ajudinha aí”, “Ô, chefe,

a.C): “quando Diógenes tomava

mos filas, pagamos contas, somos

me dá um real pra tomar uma ca-

sol, aproximou-se o grande Ale-

assaltados, quase atropelados... é

chaça”, “Moço, me arranja uma


moedinha pra ‘interar’ o dinheiro

ruas?”. Esse primeiro grupo é fácil

pra comprar um lanche”... Enfim,

de reconhecer, mas difícil de dia-

as narrativas deste gênero são das

logar. Para eles, há trabalho para

mais criativas e tristes.

todos e a culpa da desigualdade

O fato é que, aos que caminhamos diariamente pelas ruas da cidade, o comum é sermos interpelados por essa verdade nua, verdade inconveniente e que salta aos olhos, causando-nos sentimentos dos mais diversos e paradoxais. Temos aqueles que fazem parte do grupo defensor de uma “eugenia social” e simplesmente ignoram – “ignoram” é apenas um eufemismo que esconde de-

está enraizada na “vontade” do “vagabundo”. O silogismo deles seria mais ou menos esse: Curitiba tem vários problemas sociais. Termos mendigos é a causa dos problemas sociais. Logo, os problemas sociais da cidade são fruto da falta de vontade dos miseráveis, que não se dedicam ao trabalho. Silogismo ridículo, bem sabemos. Assim como as conclusões de um raciocínio muito em voga hoje.

mas, infelizmente, vivemos em uma sociedade desigual e não vai ser o meu ato de coragem que vai mudar isso”. Geralmente esse é um grupo que levanta com mais ênfase as bandeiras da “igualdade social”, da “justiça”, da “ajuda aos necessitados” etc. É também um grupo de sentimento idílico de erradicação da pobreza: desde que não se mexa no essencial, i.é., que os que consomem muito continuem a consumir muito, não alterando o atual padrão de acesso aos bens da “minha classe social”. Seriam os famosos “hippies

sejos muito mais profundos de

O segundo grupo é o grupo

de cartão de crédito”: roupas al-

aniquilação do outro – e, mes-

dos “medrosos caridosos”, ou

ternativas, hábitos de “esquerda”,

mo que não proclame o desejo

seja, é aquele grupo com “certo

frequentadores de locais onde se

de destruição do mais fraco pelo

senso” de justiça, que se comove

encontram barbudos, cabeludos,

medo da ruptura com o “politica-

pelos problemas dos que estão

tatuados... mas, para isso, pagam

mente correto”, expressam-na no

à margem da sociedade, mas,

um preço alto na bandeira Visa,

modo de ser e agir: “A existência

acuados pelo medo endêmico,

Master, American etc.

desses ‘marginais’ suja a imagem

afastam-se daquele que manifes-

da cidade”, dizem eles; e se per-

ta um perigo potencial: “Diante

guntam: “Onde está a polícia?

de um pivete, o melhor a fazer é

Como é possível pagarmos tantos

atravessar a rua”, ou “Tudo bem,

impostos para não termos paz nas

ele está em uma situação de risco,

Nosso terceiro grupo é complexo e de certa forma está muito próximo do grupo dos “medrosos caridosos”. É o grupo dos “hipó-

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critas esquizofrênicos”, criador de

Haveria, também, um quarto

outros significados ao “cinismo”,

máscaras para suportar os efeitos

grupo não nomeado, composto

um pouco distantes da sua origi-

da maldade social presente nos

por várias pessoas que se dedicam

nalidade grega, mas não menos

quatros cantos. Dono de forte

inteiramente à justiça e ao bem-

interessantes.

consciência dos fatos, geralmente

comum. Mas, sobre esse grupo, o

é um grupo de leitores, estudio-

melhor é deixarmos que eles mes-

sos, com tendência à justiça na

mos narrem, questionem, nos aju-

sua forma de equidade, mas que,

dem a pensar outra(s) realidade(s).

pela complexidade das relações sociais imbricadas na atual teia financeira, acabam criando essa carapaça que impede que as reais consequências da pobreza e da miséria irrompam com tal força que os levem à insanidade. Daí a “fuga” do real para suportar o peso e a dureza de uma brutalidade interpelativa: “Como viver tranquilamente sabendo que, ao sair às ruas, encontraremos pessoas em situação de miséria tão extrema?” é uma das perguntas

modo mais veemente o atual sis-

praças, seus espaços de encontros

tema financeiro de vidas e a su-

e desencontros que compõem o

perficialidade da ação humana.

grande cenário onde se encena o teatro das existências. Nesse sentido, o plano de fundo de nossa reflexão sobre o cinismo e dos cínicos modernos, deve, sim, se travar dentro das contradições da cidade.

ou, se quisermos, o desenvol-

como um fato intransponível.

vimento do “cinismo” tal qual

a realidade seria tão recortada a ponto de, observadores que somos, sermos capazes de reconhecer claramente a identidade de cada grupo tão isoladamente. A complexidade das relações sociais faz que todos esses grupos se comuniquem de modo constante, diário, interpelando-se uns aos outros e recorrendo a diversas formas e subterfúgios para sobreviver à seleção natural a que todos estamos submetidos.

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mentos em que se questiona de

tos: são as ruas da cidade, suas

intelectual e a aceitação do real

Tampouco tende a pensar que

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cujos efeitos se notam nos mo-

ço de tessitura de questionamen-

timos sobre um tipo de cinismo,

diversos agrupamentos sociais.

e a fluidez da vida contemporânea”, apresenta a sua atualidade

posta provisória é o conformismo

seja esgotar as características dos

fragilidade da moralidade objetiva

percebemos a cidade como espa-

levantadas por esse grupo. A res-

pos fictícios de modo algum de-

enquanto “aquele que revela a

Tais grupos contribuem para

Até agora, na verdade, refle-

A longa descrição desses gru-

Todavia, o lugar do “cínico”,

nós o conhecemos hoje, no seu aspecto negativo. No dicionário Houaiss Eletrônico, a definição de cinismo, por derivação de sentido, é “atitude ou caráter de pessoa que revela descaso pelas convenções sociais e pela moral vigente; impudência, desfaçatez, descaramento”. Ou seja, na linguagem comum, dizemos que uma pessoa é cínica quando as suas ações são indiferentes aos posicionamentos éticos e morais da maioria da comunidade: “Ele teve uma postura cínica diante da verdade desvelada”, “Ela portou-se cinicamente quando foi convidada a se reti-

Retornemos, pois, às anedotas de Diógenes, especialmente a segunda e terceira, pois a primeira história contada, ligada à perseverança de Diógenes para receber os ensinamentos do mestre, é reveladora da força de sua personalidade. A segunda anedota nos fala do encontro entre a personificação do poder de Alexandre Magno, instituído e reconhecido socialmente, e aquele que, nos moldes de hoje, está no antissistema, na contracultura e, por desdenhar das formas instituídas, questiona e incomoda: Diógenes. Se por um lado há a oferta da realização de todos os sonhos “compráveis”, por outro temos a força da personalidade que se nega a seguir os caminhos já trilhados: “Peçame o que quiseres!”, propõe o Poder, enquanto o heteropoder responde: “Afasta-te do meu sol” ou “Não há nada que me ofereças do mundo que já não seja meu”.

rar”... Creio que a nossa lingua-

Nesse aspecto, analisando a

gem corriqueira acabou dando

anedota com as lentes do presente,


a pobreza não poderia ser perce-

de uma autenticidade que não

cidade de julgar, atributo próprio

bida apenas como uma situação

se compra a prazo, que possuam

dos seres humanos, gradativa-

a ser “resgatada” para que todos

uma existência em que a verdade

mente vai cedendo lugar às res-

possam chegar a um patamar

é portadora da nudez capaz de

postas prontas e irreflexas. Julgar

pequeno-burguês de consumo do

fazer das nossas vidas uma gran-

e agir compõem, então, um binô-

mundo e de si mesmo. A pobre-

de questão. E ao fazermos isso

mio essencial, constituidor de um

za pode ser compreendida como

com a lanterna acesa em plena luz

modo humano de ser-no-mundo,

contracultura, não apenas no seu

do dia, partiremos do pressuposto

modo que reconhece a pluralida-

sentido material, mas espiritual e

que o que chamamos de “dia”, ou

de e a diversidade da vida; postu-

humano. Deve-se, sim, atacar a

de ordem instituída, passa por um

ra que aceita a circunstancialida-

desigualdade social como princí-

período de difícil compreensão.

de do existir individual e a beleza

pio motor dos problemas sociais

Hannah Arendt, em uma série de

e profundidade das liberdades

vividos na esfera pública e com-

ensaios que foram publicados no

que se encontram e se reconhe-

partilhados por homens e mu-

Brasil com o título de Homens em

cem na forma de dignidade e do

lheres. Tanto o miserável como o

tempos sombrios, alude ao fato

bem-comum.

filantropo nos servem de análise

de que algumas personalidades

e são reveladores dos tempos tur-

importantes, no século XX, pos-

vos a que somos submetidos hoje.

suidoras de cultura e pensamento

Mayco Martins Delavy

Por fim, poderíamos inquerir,

eruditos, não foram capazes de

com Diógenes: “Procuro (o) Ho-

fazer a leitura dos acontecimentos

mem”? ou, pelas ruas da cidade,

que se descortinavam diante dos

procuraríamos pessoas que vivam

próprios olhos, ou seja, a capa-

é supervisor pedagógico de 8º e 9º anos do Colégio Medianeira. É bacharel e licenciado em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (MG). Tem especialização em Filosofia e Ética (PUCPR) e é mestrando em Filosofia, também pela PUCPR.

comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

recomendações Homens em tempos sombrios Autora: Hannah Arendt Cia. das Letras Os textos reunidos neste livro são biografias comentadas de homens e mulheres que viveram os “tempos sombrios” da primeira metade do século XX. Mergulhando em mundos internos tão díspares como os de Hermann Broch e João XXIII, Rosa Luxemburgo e Jaspers, Isak Dinesen e Bertold Brecht, Heidegger e Walter Benjamin, Hannah Arendt submete a uma reflexão apaixonada, e por vezes implacável, seus erros e acertos, culpas e vitórias, responsabilidades e irresponsabilidades perante a realidade que enfrentaram. A beleza destes relatos reside na sólida crença arendtiana na solidariedade e dignidade humanas, valores morais ainda capazes de impedir o triunfo do niilismo e do totalitarismo numa época de experiências

A coragem da verdade - o governo de si e dos outros - volume II Autor: Michel Foucault Martins Fontes Esta segunda parte do último seminário de Michel Foucault ministrado no Collège de France é tida como seu testamento. O curso termina no dia 28 de março de 1984 e ele morre três meses depois. É sua última meditação, sobre o “dizer-a-verdade” e a prática filosófica; o filósofo não é caracterizado por deter o saber, mas pela prática que se esforça em realizar: um estilo de vida. mediação

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A leitura como

“ato de

forjar

mundos” Da mesma maneira que podemos entender a criação de uma obra literária como um processo individual e solitário – mas fruto de experiências e vivências de vida, a leitura também se intensifica quando vai além da compreensão individual e se encontra com a pluralidade de descobertas de uma leitura compartilhada. Por Flávio Stein

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15h.

Café Vitrine. Encontro com meu amigo Luís Henrique Pellanda. Ele me presenteia com um livro. O título me inquieta. Me parece um material instigante para o laboratório que coordeno de formação de mediadores de leitura. Saber como os escritores criam suas obras. Saber como eles pensam. Volto para casa animado e, mesmo tendo milhões de coisas para fazer, não consigo deixar de começar a ler. Nos últimos anos tenho procurado e colecionado (outra maneira de nominar uma pesquisa bibliográfica sobre um tema especifico) livros que tratem da leitura em algum sentido. Elaborar um programa para um laboratório deste tipo exige de quem o faz um olhar muito aberto, disponível.

Perder a inocência faz muito mal ao escritor (p. 37). É fazer isso, e desaparecer: livro bem traduzido é aquele que você não percebe que foi traduzido (p. 46). Bendita cegueira, a do escritor (p. 53). Tratava-se de outra coisa: de escrever uma ficção. De usar o que eu tinha para chegar ao que eu não tinha (p. 69). Sou um colecionador de ideias incompletas, que vão sendo anotadas num caderno para futuras necessidades (pg. 71). [...] e só então eu percebi que algumas realidades só a ficção suporta (p. 96). São frases, ideias, percepções, enfim, exemplos do que vou colhendo conforme percorro o livro. Todas advindas de experiências vividas entre uma pessoa (um/a escritor/a) e um texto literário. Formam um caleidoscópio ímpar.

Ficcionais: escritores revelam o ato de forjar seus mundos, publicado pela Companhia Editora de Pernambuco – CEPE, com organização de Schneider Carpeggiani, é um tipo de antologia não convencional, que se encontra raramente. Primeiro pela proposta em si, como o próprio título já informa. Reunir textos curtos de diversos escritores (ao total são 32 depoimentos) que procuram revelar, em alguns casos confessar, como conseguiram elaborar, realizar e concluir seus romances, contos e poesias. Em segundo, pelo caleidoscópio que resulta da proposta. A meu ver, acaba por ser um tipo de enciclopédia contemporânea. Entusiasmado com esta enciclopédia, resolvo presentear os participantes do laboratório com um exemplar. E o presente dá novos rumos para as discussões. Apesar de em sala conseguirmos nos deter somente em um ou outro depoimento, cada participante fez a sua leitura, escolheu as obras e os autores dos quais desejava saber mais, e as descobertas, as revelações foram transformadoras. Não foi só a mim que os depoimentos instigaram. De maneira unânime, a leitura de Ficcionais uniu a todos, a mim e a estes participantes vindos das mais diversas áreas do conhecimento na compreensão de que esta espécie de antologia, de panorâmica da produção literária brasileira contemporânea, apresentava não só questões centrais do processo

de criação de um texto literário, como também revelava um novo olhar, indagador, agora sob a perspectiva do leitor. Ela acaba por se configurar como uma antologia de leituras, de maneiras de se ler um texto literário. O leitor é confrontado com as influências, os diálogos, as fontes literárias de inspiração destes escritores. Outros autores são citados, exemplificados, indicados. Essa imensa rede que se forma ao lermos as 110 páginas do livro revela também a diversidade de processos de leitura. Revela como não existe uma leitura certa, uma compreensão específica de um texto de ficção. Revela como a literatura está profundamente imbricada com a vida, não apenas do seu criador, mas também do seu leitor. Esse número significativo de escritores vivos em plena produção, oriundos literalmente dos quatro cantos do país (Ceará, Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e, por que não incluir, Portugal e Chile como países de nascimento), acaba por apresentar ao leitor um panorama muito rico, não só pela quantidade de temas e questões ligadas aos processos de escrita, mas também pela sua forma, pela sua maravilhosa concisão. São textos, como revela uma das autoras, de até 5.000 mil toques, portanto de no máximo duas páginas e meia.

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Espaço pré-determinado pelo organizador, já que o convite apareceu em primeira instância para que os convidados produzissem textos para uma coluna do Suplemento Cultural Pernambuco chamada Bastidores. E é deste espaço restrito que tudo emerge. Um espaço, restrito, que me causou sensações diversas. Essa concisão, induzida aos autores, trouxe a mim, leitor, uma sensação de montanha russa assustadora. Viaja-se ao ler os 32 depoimentos no tempo e no espaço de uma maneira, no mínimo, inusitada. O leitor embarca nas questões, angústias, alegrias, dilemas, sucessos e, especialmente, nos fracassos de cada escritor de maneira intensa e radical. Não há tempo de respirar. Quando você vê, já teve outra queda, e logo em seguida, outra subida vertiginosa. São flashes de autobiografias, porque mesmo aqueles que não apresentam questões que envolvam a vida privada e dedicam-se a tentar explicitar processos, escolhas e

técnicas, de alguma maneira acabaram por revelar aspectos da sua biografia e maneira de ver o mundo, a vida e a literatura. Não são dados objetivos, mas o que se consegue entrever em seus relatos. Exatamente como nos proporciona uma obra de ficção. Mas o que enriquece ainda mais a coletânea é a sensação de incompletude. Primeiro, porque o leitor se depara com um texto sobre um texto. Isto é, não temos a matriz, a obra em si. Em segundo lugar, por- que é visível (e imaginável) a dificuldade de cada autor de escrever sobre processos, ideias e descobertas, na maior parte das vezes, como já se sabe, bastante improváveis de se planejar na sua completude. Portanto, a sensação de que não nos foi revelado tudo, seja por que não há espaço para tanto, seja porque não é possível, é constante. Para mim, ao menos, percorre todos os textos. Afinal, por mais que se queira, não é possível falar tudo que se gostaria, do que se conseguiu realizar em comparação ao que se almejava, etc. Mas é uma incompletude apenas, não uma insatisfação. É algo que instiga, que faz o leitor pensar, querer obviamente ler as matrizes, mas vai além, instiga a pensar sobre o que é escrever, criar uma obra literária, em qualquer tempo e lugar. Desmistifica

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a arte da escrita, esse lugar sagrado reservado apenas àqueles que têm o dom, mas em hipótese alguma vai para o lado oposto, banalizando processos, invenções e o imaginário de cada um. Pelo contrário, humaniza. Mostra ao leitor como a literatura, mesmo que não se queira, está profundamente ligada à vida, é feita por seres humanos com todas as suas imperfeições. Por todas essas razões, o que descobri juntamente com os participantes do laboratório não foi apenas um rico material que revela processos de criação de uma obra literária, mas foi além. Reconhecemos inúmeros exemplos que confirmam como a leitura também é um “ato de forjar mundos”. Como uma obra de ficção, o livro organizado por Carpeggiani surpreende o leitor e deixa claro como a literatura não pode e nem deve


se restringir a especialistas. Ela é feita para as pessoas. Não importa quem seja, nem sua origem. A literatura provoca, instiga, irrita, emociona a quem é de direito, no momento de direito. E da mesma maneira que podemos entender a criação de uma obra literária como um processo individual e solitário – mas fruto de experiências e vivências de vida, portanto resultante do convívio social seja em que instância for –, a leitura

também se intensifica quando vai além da compreensão individual e se encontra com a pluralidade de descobertas de uma leitura compartilhada. Por fim, confirma a importância de obras deste tipo para qualquer um que se interesse pela literatura, que aqui tem toda sua força de transformação revelada.

comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Flávio Stein

é músico – especializado em música antiga – e mestre em Estudos Literários pela UFPR. Como diretor teatral, encenou recentemente Esperando Godot, de Samuel Beckett, e o monólogo A Queda, de Albert Camus. De 2009 a 2011, foi curador de eventos dedicados a leituras públicas de obras literárias no Teatro da Caixa, como Brasis: leituras plurais eentreMundos: mundo da leitura, leitura do mundo, entre outros. Como mediador de leitura, atuou em projetos como Extremos: ciclo de leituras radicais, com José Castello, nos Ciclos de Rodas de Leitura e como orientador nos laboratórios de formação de mediadores dos editais da Fundação Cultural de Curitiba.

recomendações Ficcionais Organizador Schneider Carpeggiani Companhia Editora de Pernambuco – CEPE Esta obra reúne textos de 32 autores, nos quais eles procuram esmiuçar seus processos de criação. Dentre os eles estão Rubens Figueiredo, José Castello, Ana Maria Machado, Santiago Nazarian e Marcelino Freire.

Literatura para quê? Autor: Antoine Compagnon Editora UFMG Nesta obra, Antoine Compagnon propõe-se a responder à pergunta que intitula sua aula inaugural no Collège de France - ‘Literatura para quê?’. O livro pretende ser uma reflexão sobre os poderes da literatura que colocam em relevo a convicção de que o texto literário ainda cumpre uma função no mundo do início do século XXI.

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Direitos Humanos:

para que a

VIDA VIVA

Mesmo muito discutidos em alguns segmentos sociais, os Direitos Humanos precisam de maior visibilidade no âmbito de sua contextura teórica e de sua permeabilidade no dia a dia. O respeito à pessoa, por mais que estejamos no século XXI, ainda é um entendimento crivado de relativismos e preconceitos. Entrevista com Jelson Roberto de Oliveira 12 mediação


P

ara entender melhor diversos aspectos da questão, Mediação entrevistou o Dr. Jelson Roberto de

Oliveira, Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUCPR. A entrevista foi realizada por Mayco Delavy, Orientador Pedagógico do Colégio Medianeira. Mediação: Como poderíamos empreender uma discussão sobres os Direitos Humanos hoje? Qual a importância da reflexão política na ampliação dos direitos dos homens e mulheres?

Jelson de Oliveira: Todo o

a relação entre família e escola

sores responsabilizando os pais

debate a respeito dos direitos

na promoção de uma educação

pelo insucesso ou pela indiscipli-

humanos tem em vista a criação,

para (os) direitos humanos que

na dos alunos. Seria muito mais

a confirmação e a atualização

rompa com a lógica do direito

produtivo se pensássemos con-

constante dos acordos e pactos

individual? Dada a atual configu-

juntamente as soluções. E para

de convivência baseada no res-

ração da sociedade, mergulhada

isso, precisamos pensar coletiva-

peito à integridade da pessoa

na lógica do direito econômi-

mente os problemas. E um deles

humana. Por isso, discutir esse

co, haveria possibilidades para

tem a ver com os direitos huma-

assunto é absolutamente urgen-

a reconstituição de um direito

nos, os quais, no âmbito dessas

te e necessário, porque não só

comum não vinculado à lógica

duas instituições, alcançam um

nos ajuda a entender o que são

econômica?

debate ainda bastante incipiente

direitos humanos (em termos

Jelson: Primeiramente, acre-

e, por isso mesmo, amplamente

dito que a família e a escola

educativo. Se nossos filhos e fi-

devem ser pensadas de forma

lhas aprenderem que precisam

integrada. Para mim essas duas

respeitar o coleguinha que é ne-

instituições devem ser entendi-

gro, certamente sua vida adulta

das conjuntamente, atuando de

será muito mais ética e compro-

forma complementar quando se

metida com o bem comum. E só

trata de buscar a educação dos

assim poderemos afirmar que a

membros mais jovens da nos-

escola e a família tiveram suces-

sa sociedade. Isso significa que

so e cumpriram seu papel social.

Mediação: Em palestra mi-

precisamos reconhecer que o

Precisamos, além disso, traba-

nistrada no dia 13 de junho, no

problema da escola reverbera

lhar com a ideia de que os direi-

Colégio Medianeira, você afir-

na família e, não raro, origina-se

tos humanos não são apenas in-

mava que a escola não deve ser

nela e vice-versa. Por isso deve-

dividuais, ou detentores de uma

compreendida como parte de

mos evitar o discurso fácil: pais

garantia individual. Direitos hu-

outra sociedade. Como situar

acusando professores, profes-

gerais), como também a atualizá-los (no sentido de estendêlos a pessoas e grupos ainda não protegidos) e, sobretudo, para manter e desenvolver um sistema de vigilância que evite as violações constantes que, infelizmente, se reproduzem facilmente na sociedade.

manos é assunto de todos e tem

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do, que eles eram derivados da simples participação de um indivíduo na espécie humana ou porque ele era feito à imagem de Deus. Direitos devem ser reivindicados. Por isso, para que eles de fato existam, a sociedade precisa saber lidar com as reivindicações. O que assistimos, muitas vezes, é que o Estado manda as forças repressoras calar a voz de quem está reivindicando, bem antes de saber por que eles estão gritando. O Estado democrático só será democrático de fato quando aprender a dialogar com as vozes dissonantes e conviver com as forças antagônicas. Mesmo que isso não seja fácil e nem, por vezes, agradável. É para isso que a estrutura do estado existe.

direitos de primeira geração (os

Mediação: Como você avalia, na sociedade brasileira, os avanços na luta pelos direitos humanos?

afirmar que não vai permitir que

Jelson: Temos melhorado muito, mas existe muito caminho ainda a seguir. Precisamos ampliar a compreensão do que são direitos humanos, melhorar a participação da sociedade nas decisões a respeito das políticas

realmente, uma nova fase políti-

públicas, ampliar a rede de pro-

Mediação: Quais seriam os caminhos possíveis de fundamentação dos direitos humanos?

ções são bastante ambivalentes:

teção e promoção dos direitos

há coisas boas e há perigos. É

para milhões de pessoas que

preciso fazer com que os apro-

ainda estão excluídas. Há muita

veitadores de plantão não se

Jelson: Os direitos humanos são direitos históricos. Não se acredita mais, como no passa-

gente que pensa os direitos hu-

apropriem da energia que vem

manos só a partir dos chamados

das ruas. Mas é preciso que as

a ver com a vida em sociedade, portanto, o que é direito de um é também de outro. Se um se sente afetado ou impactado, o outro também. Se alguém viola os direitos de alguém, toda a sociedade deve saber que é violada. Porque os direitos humanos são sempre plurais, indivisíveis e universais. Esses princípios devem ser levados em conta se queremos pensar uma sociedade de direitos. É o que faz com que os direitos humanos sejam para todos, o que inclui os criminosos, os bandidos ou mesmo os indesejados socialmente. Também eles são seres humanos e portanto, também eles merecem respeito. E isso não tem nada a ver com a sua responsabilização criminal. Se alguém comete um crime, deve pagar judicialmente por ele. O que não podemos aceitar é que haja violação dos direitos dos presos, por exemplo, porque são presos. Porque amanhã, quem sabe, vão querer violar os direitos dos negros, porque são negros; e depois dos judeus (como já se fez!) porque são judeus; e depois dos maridos que traem as esposas, porque traem... Onde isso vai parar?

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civis e políticos) e não os outros (econômicos, sociais, culturais e ambientais). No Brasil essa consciência precisa mudar. Quem passa fome ou não tem escola sofre uma violação de direitos humanos tão grave quanto quem não pode votar ou quem não pode exercer sua religião livremente. Mediação: O cenário político brasileiro parece dar mostras de um “revigoramento” da força política da população. Ao mesmo tempo, há, por parte do poder público, uma forte reprimenda de qualquer manifestação popular, de modo que o poder público, no contexto das grandes manifestações em defesa do Passe Livre, chegou a ninguém impeça a realização dos grandes eventos. Que leitura você faz desses conflitos? Seria, ca do Brasil? Jelson: Tenho esperança de que essa movimentação toda nos ajude a ser uma sociedade melhor e mais participativa. Mas creio que todas essas manifesta-


ruas canalizem suas energias para o debate político do cotidiano: não basta irmos às ruas a cada vinte anos se no dia a dia continuarmos passivos e submissos, assistindo despreocupados e praticando, nós também, a corrupção dos pequenos delitos cotidianos. Precisamos fortalecer a participação popular nos movimentos, associações, cooperativas e toda a rede social concreta que nem sempre aparece e é reconhecida na virtualidade da internet. Mediação: No dia 14 de junho a PUCPR abriu, oficialmente, o Núcleo de Direitos Huma-

nos. Quais seriam, a seu ver, as contribuições desse espaço de reflexão para a sociedade paranaense? Jelson: A PUC é signatária do Pacto Global, que foi assinada na Rio+20, da qual os direitos humanos são uma das quatro bandeiras centrais. O Núcleo é uma forma de concretizar esse compromisso. Nesse espaço de pesquisa, de intervenção e de diálogo com a sociedade civil organizada, queremos desenvolver uma consciência maior sobre os direitos humanos e contribuir para que a nossa sociedade seja cada vez mais justa e solidária.

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Jelson Roberto de Oliveira Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUCPR.

recomendações Direitos humanos, cidadania e violência no Brasil Organizadores: Carlos Avila, Lídia de Oliveira Xavier e Vicente Fonseca Editora CRV Este livro reúne trabalhos de professores, pesquisadores, mestres e intelectuais provenientes das melhores universidades, núcleos e centros de ensino e pesquisa de nível superior no Brasil. A obra apresenta caminhos cruciais para o aperfeiçoamento do povo brasileiro; sobretudo no que tange a busca de soluções pragmáticas para o bem-estar presente e futuro. Para tanto, cada capítulo tem o objetivo de mostrar e procurar sensibilizar através de pesquisas inéditas, quais são as soluções possíveis para as questões relacionadas com os DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E VIOLÊNCIA, muito desejadas por todas as camadas da população.

A afirmação histórica dos direitos humanos Autor: Fábio Konder Comparato Editora Saraiva Esta obra procura expor as sucessivas etapas da evolução histórica dos direitos humanos, examinando grandes documentos normativos, como leis, constituições e tratados internacionais, no contexto da realidade econômica e social de sua época. Recolhe-se, assim, o material para a construção de uma teoria renovada dos direitos humanos, procurando-se compreender as instituições jurídicas na inesgotável complexidade social.

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artigo

Arte

(e tudo mais) fora da

CAIXA No maremoto de subjetividades e do pensamento se funda a criatividade, pois a busca pelo equilíbrio, pelo conforto e pela acomodação é que desacomoda, fazendo caminhar a ciência, a arte, o conhecimento da humanidade, a fim de atingir o conforto que não será confortável por muito tempo, até que seja colocado em dúvida novamente. Por Martinha Vieira

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O que é bonito (Lenine e Bráulio Tavares – do CD Olho de peixe)

O que é bonito É o que persegue o infinito (...) Eu gosto é do inacabado O imperfeito, o estragado que dançou O que dançou...

O

que é mesmo bonito? É preciso ser bonito? Ou nem sempre o mesmo é bonito para os mesmos? Ou os mesmos não são bonitos sempre? Perguntas, perguntas, perguntas. São elas, as perguntas, que desequilibram, que provocam a criatividade humana em busca de respostas para a solução dos problemas. Mas a tendência quase geral, ao se falar em solucionar problemas, parece nos remeter mais ao científico, ao tecnológico, ao racional, aos números, aos cálculos, do que às subjetividades. Isso porque separamos muito bem esses aspectos, criando para as questões subjetivas uma condição de clausura. O estado de incômodo, de desequilíbrio, as emoções turvas de significados obscuros e transitórios, agitadas no mar da dúvida buscam saídas na transformação do caos em linguagem. Nesse maremoto de subjetividades e do pensamento se funda a criatividade, pois a busca pelo equilíbrio,

Eu quero mais erosão Menos granito Namorar o zero e o não Escrever tudo o que desprezo E desprezar tudo o que acredito (...) Mas eu persigo o que falta Não o que sobra (...)

pelo conforto e pela acomodação é que desacomoda, fazendo caminhar a ciência, a arte, o conhecimento da humanidade, a fim de atingir o conforto que não será confortável por muito tempo, até que seja colocado em dúvida novamente. Na arte, os movimentos de mudança se constituíram quase sempre gerando um padrão de negação de estilos anteriores e de retomada de um passado mais distante. Mas é a modernidade que vai romper de vez com o passado, ousando desconstruções por meio de suas vanguardas, para Bauman, “modernas em suas intenções, mas pós-modernas em suas consequências”. Definindo o moderno como um movimento de aceleração no qual todo rastro do passado é entendido como retrógrado e o presente é valorizado na perspectiva de que o que virá será ainda melhor, temse a impressão de um avançar da história de forma revolucionária

rumo ao futuro, porém, temporalmente linear. Seria a vanguarda o motor desse acalentado futuro, a que vai à frente, chocando, desconcertando com sua capacidade estética, assumindo uma posição de prestígio criativo, intelectual, de quem enxerga além do seu tempo. Então tudo deve ser reinventado, ou seja, o nível de rompimento anuncia uma desvinculação que desestabiliza conceitos arraigados, que desacomoda por um tempo para acomodar e arraigar em novas formas, que acabam assimiladas a ponto de serem consumidas como um novo padrão. E as consequências? A fragmentação e a instantaneidade começam a tomar um lugar nessa arena. Não se trata de novas vanguardas que vão inaugurar um novo padrão, mas o que se inaugura é uma coexistência, uma simultaneidade sem precedentes na história da arte. O pós-moderno se estende para qualquer lado, numa tendência

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não mais de linearidade e sim de rede, de teia, em que para qualquer direção se pode puxar um fio. Os estilos são múltiplos, não se dividindo mais em retrógrados e progressistas, sem que um tome o lugar do outro. Apenas há que se buscar o espaço para a coexistência nesse momento em que a tensão do contraponto entre local e global gera novas percepções sobre diversidade. Repensar, refletir, reposicionar, relativizar, abandonar modelos fechados que inviabilizam a constituição do sujeito e fatalmente a do conhecimento, que é por esse sujeito constituído e viceversa: nesse contexto a palavra ‘arte’ denota incerteza, quebra de padrões estéticos cristalizados, determinantes das oficialmente aclamadas belas artes, destinadas mais às elites do que ao público em geral, em oposição a outros tipos de arte aos quais se atribuía um status de inferioridade como fronteira e não a diferença. Por mais que haja um excesso e até certa competição mercadológica forçando uma tendência ao máximo impacto, seguido por imediata obsolescência, a busca de todo tipo de experimentação estética abre campos inusitados para a pesquisa e para a criação, que, hoje múltipla e abundante, desafia o potencial criativo da humanidade no sentido tanto de produção como de leitura de obras, buscando o entendimento do processo como central, e não o resultado. E nesse processo está incluso o papel do leitor da obra, não se formalizando um criador absoluto e nem uma criação fixa e

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estável, mas múltipla e variável de significados, dada a complexidade dos contextos e a marca subjetiva dos atores que vão interagir com a obra. Sendo assim, o seu alcance passa a ser inifinito e a obra sempre inacabada, passível de nova leitura, nova interação e (por que não?) nova criação. Criar é um ato de subjetividade pelo qual o homem desenvolve possibilidades e potencialidades que se convertem em necessidades existenciais no processo de compreensão da vida; portanto, o homem cria não apenas porque quer, mas porque precisa. Assim como a busca pelo conhecimento deixa de ser um exercício de busca da verdade e de permanências, a arte, na pósmodernidade, tende à desestabilização e à provocação, suscitando reflexões diversas, gerando questões e modos diferenciados de traduzi-las. Diante desse contexto de transitoriedade das verdades científicas e de desestabilização, a necessidade de transformações curriculares começa a ficar evidente. Se a função do currículo escolar é a de transmitir e produzir conhecimento para a sociedade, gerando também descoberta e construção, fica à instituição escolar a missão de formar a pessoa em todas as suas dimensões, colaborando de forma significativa para a compreensão ampla do mundo na complexidade que o constitui, e na complexidade dos seus atores, estabelecendo uma rede de relações entre os acontecimentos e os discursos sobre eles.

O diálogo entre as especialidades, numa visão mais abrangente de currículo, desinstala o conhecimento de um único foco, desenvolvendo uma compreensão mais ampla, não bastando situar as coisas no contexto, mas a partir da necessidade da compreensão da complexidade dos contextos. A visão transdisciplinar do currículo, entendendo-o como toda ação dentro de uma escola, imprime à Arte, dentro e fora da sala de aula, uma condição privilegiada na instituição escolar, sobretudo pelo seu caráter desestabilizador e seu poder de colocar tudo em movimento, caracterizando-se como subjetividade, pensamento. Como o currículo escolar deve fazer sentido para a formação da pessoa, também a Arte, como disciplina desse mesmo currículo ou em outras formas de experimentação dentro e fora da escola, deve fazer sentido e, mais do que isso, exercer um papel fundamental na constituição do sujeito, dado o seu potencial subjetivo. A Arte precisa dialogar com os outros campos do conhecimento e com os contextos em toda a sua multiplicidade, e por meio desse diálogo criar possibilidades e desestabilização de certezas a ponto de gerar movimento. Pensar a arte, com seu caráter desestabilizador, como extrapolação do currículo tradicional é um desafio para a escola e um passo estratégico na contaminação desse currículo através do qual, se o entendemos como caixinhas separadas de conhecimentos a se transmitir à sociedade, acabamos por encaixotar as possibilidades de ação


BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da PósModernidade. Tradução: Mauro gama e Cláudia Martinelli. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma – reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 16ª edição, 2009. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Editora Vozes. Rio

do currículo no mundo, sublimando sua razão de ser: a de produzir conhecimento e formar seres pensantes e criativos, superando a ideia de acúmulo e linearidade. Se encaixotamos, a tendência é guardar para cobrir de poeira. Então, caro leitor, o que você escolheria? Eu prefiro a faxina!

Martinha Vieira é foi professora de Língua Portuguesa do Colégio Medianeira por 20 anos e atualmente é responsável pelo Departamento de Arte. É formada em Letras Português, pela UFPR, pós-graduada em Currículo e Prática Educativa, pela PUC-RJ e pósgraduanda em Produção da Arte e Gestão da Cultura, pela PUC-PR.

de Janeiro, 1977. 187p. ROLNIK, Suely. In Caos e Ordem na Filosofia e nas Ciências, org. Lúcia Santaella e Jorge Albuquerque Vieira. Face e Fapesp, São Paulo, 1999; PP. 206-21. ZOLBERG, Vera L. Para uma sociologia das artes. Tradução: Assef Nagib Kfouri. São Paulo: Editora Senac, 2006.

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recomendação O mal-estar na pós modernidade Autor: Zygmunt Bauman Editora Jorge Zahar Neste livro, o sociólogo Zygmunt Bauman tem o intuito de mostrar que a marca da pósmodernidade - ou seu valor supremo - é a ‘vontade de liberdade’ que acompanha a velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas, culturais e do cotidiano. Daí resulta um mundo vivido como incerto, incontrolável e assustador - bem diverso da segurança projetada em torno de uma vida social estável, ou em torno da ordem, como pensava Freud em ‘O mal-estar na civilização’.

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artigo

Alfabetização ecológica e

Sustentabilidade:

um

desafio moderno

O desenvolvimento do ser humano ocorreu de forma desequilibrada, por meio da extração dos bens ambientais em patamares cada vez maiores e seguindo escalas comerciais, dando início a toda a problemática ambiental. Neste contexto, muito se fala em sustentabilidade. Mas o que se entende por sustentabilidade? 20 mediação

Por Priscilla Andretta Melcherts


S

egundo a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD, 1987), a sustentabilidade é definida como desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. O desenvolvimento do ser humano ocorreu de forma desequilibrada, por meio da extração dos bens ambientais em patamares cada vez maiores e seguindo escalas comerciais, dando início a toda a problemática ambiental, devido ao modo como a humanidade foi construindo seu modo de civilização, sem atentar para a finitude dos recursos naturais. Por muito tempo, acreditouse que os bens ambientais eram inesgotáveis. Atualmente, sabese, por meio de diversos estudos e comprovações científicas – e segundo também as três grandes conferências ambientais realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), nos anos 1972, na Suécia, 1992, no Brasil, e 2002, na África do Sul –, que diversas atitudes decorrentes dos processos de desenvolvimento estão modificando o ambiente em sua plenitude, gerando degradação em níveis alarmantes, dizimando espécies, provocando alterações climáticas e empobrecimento do solo. Sendo assim, o ser humano tomou consciência de que os problemas ambientais e a poluição não encontram barreiras ou limi-

tes geográficos, convertendo-se, então, em problemas globais. Desta forma, torna-se imprescindível que se pense sobre o planeta de maneira orgânica, como sistema interconectado, para viabilizar a sustentabilidade ambiental. O progresso da tecnociência trouxe um dimensionamento ainda sem percepção de limites, no qual o homem atuante não conhece plenamente de que maneira suas inovações poderão provocar desdobramentos para as possibilidades de vida que hoje conhecemos. Aprender a cuidar do planeta passa a ser uma exigência, que necessita de mobilização e responsabilidade de todos. Trata-se de pensar globalmente e de agir e atuar localmente. A decorrência dos princípios – interdependência, reciclagem, parceria, cooperação, flexibilidade e diversidade – é a viabilidade do ecossistema, ou, em outras palavras, a sua sustentabilidade. Capra (2006) afirma categoricamente que a sobrevivência da humanidade dependerá da alfabetização ecológica, ou seja, da nossa habilidade em compreender esses princípios da ecologia e viver de acordo com eles. A mensagem ideológica que a Alfabetização Ecológica carrega, na concepção de Capra, diz que, se a natureza é cooperativa e harmoniosa, então as comunidades humanas, enquanto organismos que fazem parte dessa complexa rede de relações da teia da vida, também

deveriam se curvar às leis da natureza. A educação para uma vida sustentável é uma pedagogia que facilita o entendimento por ensinar os princípios básicos de ecologia e, com eles, um profundo respeito pela natureza viva, por meio de uma abordagem multidisciplinar baseada na experiência e na participação. Segundo Junges (2010), a alfabetização ecológica significa uma mudança de paradigma cultural que regeu as relações entre os seres humanos e a natureza nos últimos quinhentos anos. Esse câmbio cultural só é possível pela conversão mental de atitudes de consumo e convivência vigentes. Poderá dar origem a um novo ethos cultural que esteja mais atento aos ciclos da natureza, superando comportamentos exagerados e irresponsáveis de consumo, produtores de desperdício, lixo e poluição ambiental.

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“A classe docente acredita que, idealmente, as escolas devem ser ‘comunidades de aprendizes’ onde experiências e desafios intelectuais sejam realmente vivenciados e não apenas verbalizados” (Capra, 2006). Ainda segundo o autor, o novo entendimento do processo de aprendizagem sugere a necessidade de estratégias de ensino mais adequadas. Em particular, torna evidente a necessidade de um currículo integrado que valorize o conhecimento contextual, no qual as várias disciplinas sejam vistas como recursos a serviço de um objetivo central. Uma boa forma de conseguir esse tipo de integração é a abordagem conhecida como “aprendizagem baseada em projetos”, que consiste, também segundo Capra, em “fomentar experiências de aprendizagem que engajem os estudantes em projetos complexos do mundo real, através dos quais possam desenvolver e aplicar suas habilidades e conhecimento”. Como um exemplo de solução, pode-se apontar o incentivo à alfabetização ecológica desde

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os primeiros contatos com a prática escolar, conscientizando os alunos de que só será possível obter qualidade de vida mediante a preservação do ambiente. Na essência das primeiras tarefas, deve-se conceituar reciclagem e transformação do lixo, economia de energia, aproveitamento de materiais descartáveis, preservação de espécies, uso consciente de água, entre outros.

e aceitar as diferenças, será realizada uma revolução no sistema social, reestabelecendo um equilíbrio harmônico entre o homem e o meio ambiente. Propõe a “recuperação do sentido humano do espaço habitado, abrangendo tanto a dimensão biosférica quanto as dimensões socioinstitucionais e mentais” (Moraes, 2000).

Incutindo essas ideias no imaginário dos pequenos, vai se moldando gradativamente a consciência sobre as escolhas, pensando na vida futura. Assim, a ideia de sustentabilidade, para que tenhamos dignas condições de sobrevivência em um futuro não tão distante, deve ser trabalhada na iniciação estudantil. É de fundamental importância se repensar e discutir com esta geração os atuais padrões de consumo e todas as alterações climáticas, incluindo a extinção de animais e plantas. Pretendem-se reforçar ideias de que, para se produzir algo, necessita-se da utilização dos recursos da natureza e que esses recursos são finitos. Daí a necessidade de uma conscientização acerca da educação ambiental. O pano de fundo da alfabetização ecológica é a percepção de que por trás desses conceitos e preocupações está a vida. Alimentando-se do paradigma ecológico, interrogando sobre as relações entre o ser humano e o mundo, será construído um mundo sustentável, a partir do conhecimento da natureza, pois, aprendendo a economizar, reciclar, compartilhar, preservar

sas a partir da vida cotidiana. Os

É uma pedagogia que promove a aprendizagem do sentido das coiprincípios acentuam a unidade de tudo que existe, a inter-relação, a auto-organização dos diferentes ecossistemas, o reconhecimento do global e do local na perspectiva de uma cidadania planetária, a centralidade do ser humano no processo educativo voltado para a vida do dia a dia (Libâneo, 2005, p. 4). Desenvolve a prática por intermédio de projetos trans/multi/ interdisciplinares. Voltando a Capra, o autor nos diz que com o passar dos anos, passou-se a definir currículo como os “conteúdos e contextos que ajudam o estudante a criar significados, desenvolver comportamentos e valores e compreender o mundo”. É evidente que só é possível integrar o currículo por meio de projetos de orientação ecológica, se a escola se tornar uma verdadeira comunidade de aprendizagem. As relações conceituais entre as várias disciplinas podem ser explicitadas apenas se existirem relações humanas correspondentes entre professores e administradores. Em uma comunidade de aprendizagem como


essa, professores, alunos e admi-

Priscilla Andretta Melcherts

nistradores estão todos conec-

é Professora Regente do Ensino Fundamental com 11 anos de docência. Ex-aluna do Colégio Nossa Senhora Medianeira, é Graduada em Pedagogia, pós-graduada em Psicopedagogia, pós-graduada em Alfabetização e Letramento, Mestranda em Bioética PUCPR.

tados em uma rede de relações, trabalhando juntos para facilitar a aprendizagem.

O ensino não acontece de cima para baixo, mas existe uma troca cíclica de informações. O foco está na aprendizagem, e todos no sistema são ao mesmo tempo mestres e aprendizes (...). O pensamento sistêmico é crucial para a compreensão do funcionamento das comunidades de aprendizagem, pois na verdade, os princípios da ecologia podem ser também interpretados como princípios da comunidade. (Capra, 2006) comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

fica a dica

REFERÊNCIAS BIO(ÉTICA) ambiental: estratégias para enfrentar a vulnerabilidade planetária[internet].[acesso 12 abr 2013]. Disponível: htpp//revistabioetica.cfm. org.br CAPRA, F. A teia da vida. Uma nova compreensão dos sistemas vivos, São Paulo: Ed. Cultrix; 1996. CAPRA, F. e outros. Alfabetização ecológica: a educação de crianças para um mundo sustentável. São Paulo: Ed. Cultrix, 2006. JUNGES, José Roque. (Bio) ética ambiental, São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, 2010. LIBÂNEO, J. C. “As teorias pedagógicas modernas revisitadas pelo debate contemporâneo”. In: LIBÂNEO, J. C. e SANTOS, A.(Orgs.) Educação na era do conhecimento em rede e transdisciplinaridade. Campinas, SP: Alínea, 2005. MORAES, Maria C. O Paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.

Alfabetização ecológica Autor: Fritjof Capra Editora Cultrix O conceito de “alfabetização ecológica”, inspirado nas teorias de Fritjof Capra e de outros líderes do Centro de Eco-Alfabetização, localizado em Berkeley, na Califórnia, vai além de educação ambiental como disciplina escolar. Ele visa, como escreveu David W. Orr em seu Prólogo, “uma transformação mais profunda no conteúdo, no processo e no alcance da educação em todos os níveis”. ecológicos das crianças vão encontrar neste livro uma fonte inestimável de idéias.

(Bio)ética ambiental Autor: José Roque Junges Editora Unisinos Buracos na camada de ozônio, aumento gradativo da temperatura, degelo das calotas polares, mutações climáticas, desaparecimento de espécies vegetais e animais, são muitos os problemas que ameaçam nosso ecossistema. Em contrapartida, também crescem a consciência e a sensibilidade ecológicas. Em (Bio)Ética Ambiental, segunda edição ampliada, José Roque Junges escreve a respeito do paradigma ecológico e defende a necessidade de uma resposta ética - e não apenas procedimentos técnicos - para a solução dos problemas ambientais. mediação

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A lógica e a suposição: como a física lida com estes conceitos Hoje a ciência desenvolveu diversas respostas a algumas questões fundamentais que nos cercam, mesmo que muitas delas continuem em aberto, como “O que nos define como seres humanos?”, “O que é a consciência?”, “Para onde caminha o universo?”, entre infinitas outras questões. Esse artigo busca discutir, rapidamente, como operam a Física e as ciências em geral, entendendo como elas lidam com o conceito de lógica e intuição para tentar questionar o quão confiável é o conhecimento gerado pelas ciências naturais. Por Guilherme Augusto Pianezzer

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A

Física, como conjunto de conhecimento formal, assim como as outras ciências, derivou-se da Filosofia (Do grego: Sophia – “sabedoria” – e Philo – “amor” ou “amizade”). Nos tempos antigos, ainda antes de Cristo, os problemas relacionados à existência, ao conhecimento, aos valores morais e aos fenômenos físicos eram justificados através da criação de lendas e mitos. Hoje a ciência desenvolveu diversas respostas a algumas questões fundamentais que nos cercam, mesmo que muitas delas continuem em aberto, como “O que nos define como seres humanos?”, “O que é a consciência?”, “Para onde caminha o universo?”, “Qual é – se existe – um propósito para nossa existência?”, entre infinitas outras questões. Esse artigo busca discutir, rapidamente, como operam a Física e as ciências em geral, entendendo como elas lidam com o conceito de lógica e intuição para tentar questionar o quão confiável é o conhecimento gerado pelas ciências naturais.

Para entendermos o desenvolvimento da Física ao longo da história, é necessário compreender suas origens. Antes do advento do método científico, com os trabalhos de René Descartes (em especial, o Discurso do método), a fundamentação filosófica que embasava o pensamento geral da época eram os trabalhos de Platão e Aristóteles.

formal das ciências. A de Platão, por exemplo, era a de buscar definições de valores morais abstratos, como “justiça” e “virtude”. Platão é famoso pelo seu método investigativo, representado nas palavras de seu mentor, Sócrates: “Só sei que nada sei”. Sócrates estava preocupado em conhecer a realidade do mundo que o cercava e viu como caminho para esse encontro a maravilha do entendimento que a matemática proporcionava. O que o deixava maravilhado, do ponto de vista epistemológico, era que nós, seres humanos, possuímos a capacidade de entender ideias matemáticas que não existem no mundo real. Conseguimos apreender as formas geométricas perfeitas, mesmo que elas não existam na vida real. Pensando assim, Platão especulou que tais formas perfeitas poderiam existir em outro lugar e por isso desenvolveu sua famosa discussão sobre a existência de um mundo das ideias. Essa filosofia fortaleceu o desenvolvimento e as crenças na Matemática que a fizeram tão forte a ponto de que aqueles que vieram a estudar Física, não o fi-

zeram sem buscar uma conexão com a Matemática. Após Platão fundamentar a importância da Matemática, Aristóteles, seu aluno, apareceu. Aristóteles teve várias influências de seu antecessor. Entretanto, refutou as ideias a respeito de como adquirimos ou apreendemos a realidade do mundo. Para ele, à medida que encontramos exemplos de justiça ao longo de nossas vidas, aprendemos a reconhecer as qualidades que tais exemplos têm em comum. Mesmo pensando diferente de seu mestre, Aristóteles também entendeu a importância da razão para o entendimento do mundo, sendo que um de seus trabalhos mais importantes veio formalizar a ideia de lógica matemática. Aristóteles trouxe à tona um processo lógico conhecido como silogismo, representado por: “Se todo A é B, e C é A, logo C é B”. Ou ainda, na forma do silogismo clássico: Todo homem (A) é mortal (B). Sócrates (C) é homem (A). Logo, Sócrates (C) é mortal (B).

A preocupação original destes filósofos (e dos filósofos no geral) não era com o desenvolvimento

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O silogismo fortaleceu ainda mais o desenvolvimento da Matemática. A Física, como ciência, também cresceu ao lidar com este tipo de conhecimento. Mas de que maneira esse tipo de raciocínio pode ser utilizado pela Física? A Física é uma ciência que busca entender os fenômenos que ocorrem no mundo e não existe a possibilidade de escrever afirmações como “Todo A é B” se não possúirmos uma visão que nos leve a acreditar que, de fato, todo A é B. Para utilizarmos o silogismo, necessitamos afirmar esta hipótese (de que todo A é B). Mas de que maneira? Como sabemos que todo evento A gera B? Ao nos lembrarmos da preocupação que a Física tem com a geração de conhecimento confiável e preciso, fica o questionamento: Quantos experimentos são necessários para comprovarmos a hipótese do silogismo? O que nos garante que ao fazermos n experimentos, o experimento n+1 não nos trará resultados absurdos e imprevistos? Essa confiança no determinismo nos indica que, em seus pressupostos, a Física também agrega o conceito de suposição. A suposição é entendida como a ação ou o efeito de fazer inferências (o silogismo é uma inferência), baseando-se em intuições, provas inconclusas ou em conjecturas. Acreditar que aquilo que sempre aconteceu continuará a acontecer é um exemplo claro de que as ciências naturais continuam embasadas em suposições.

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Se não há nada que nos diga com clareza que o mundo continuará a ser determinado por leis físicas nos próximos instantes, se não há nada que nos indica que todo evento A continuará gerando B, como podemos concluir que a Física é uma ciência determinística? Se você acredita que a Física sempre terá resposta para todos os eventos do mundo, me diga: porquê os físicos atuais têm tido um choque tão grande com os presupostos da Mecânica Quântica? Esses questionamentos são um convite para que você possa mergulhar na longa discussão que a humanidade tem feito ao tentar entender a realidade do mundo que nos cerca. Para você poder refletir um pouco mais sobre isso, segue uma passagem de Pierre Simon Laplace, grande matemático, físico e filósofo que viveu no século XVIII:

Nós podemos tomar o estado presente do universo como o efeito do seu passado e a causa do seu futuro. Um intelecto que, em dado momento, conhecesse todas as forças que dirigem a natureza e todas as posições de todos os itens dos quais a natureza é composta, se este intelecto também fosse vasto o suficiente para analisar essas informações, compreenderia numa única fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do menor átomo; para tal intelecto nada seria incerto e o futuro, assim como o passado, seria presente perante seus olhos” .

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Guilherme Augusto Pianezzer é ex-aluno do Colégio Medianeira, formado em Matemática pela PUCPR e com mestrado em métodos numéricos em Engenharia pela UFPR. É doutorando em métodos numéricos e está concluindo o curso de Física na UFPR. Também é professor substituto do Departamento de Matemática da UFPR, onde dá aulas de Cálculo para os cursos de engenharia. Nos tempos livres, lê tudo o que pode sobre Filosofia.


(Gravura de Flammarion, publicada originalmente no livro ‘L’atmosphère: mètéorologie populaire’ (1888) de Camille Flammarion)

Recomendações Introdução à lógica Autor: Cezar A. Mortari Editora: Unesp Ao contrário do que pensam alguns, a lógica é uma ciência apaixonante e viva, fruto de rica história de evolução e transformação. Essa mesma história dinâmica é refletida por este livro, no qual se constrói uma rigorosa e abrangente introdução aos desenvolvimentos recentes e ao conteúdo clássico dessa ciência ilustre.

Alice no país do Quantum Autor: Robert Gilmore Editora Jorge Zahar Nessa genial mistura de fantasia e ciência, Alice, aquela do País das Maravilhas, está prestes a embarcar em outra jornada. Ela conhecerá o País do Quantum, uma espécie de parque de diversões intelectual menor que um átomo e irá se deparar com desafios, jogos e atrações que esclarecem os diferentes aspectos da física quântica. Através dessa alegoria, o leitor conhece de forma acessível e divertida os domínios fundamentais da física quântica. Inteligentemente concebido e escrito, e com muitas ilustrações, Alice no País do Quantum coloca conceitos físicos ao alcance do leitor comum. Não é necessário conhecimento de matemática para acompanhar as travessuras da heroína, só gosto pela aventura intelectual e uma forte curiosidade pelo mundo que nos rodeia.

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Greenwashing você já caiu nessa

Greenwashing é definido como o ato de enganar os consumidores sobre as práticas ambientais de uma empresa ou sobre os benefícios ambientais de um produto ou serviço. Por Claudio Piechnik

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teus olhos não estão te enganando, mas pode ser que as propagandas e rótulos sim! Há muito mais produtos que afirmam ser “verdes” nas prateleiras das lojas hoje em dia; no entanto, esses produtos “tudo-natural” e “orgânicos” podem estar cometendo, ao menos, um dos sete “pecados” do Greenwashing, por não representarem a verdade completa. Greenwashing é definido como o ato de enganar os consumidores sobre as práticas ambientais de uma empresa ou sobre os benefícios ambientais de um produto ou serviço. O Greenwashing está mudando de forma criativa. Ele já foi utilizado em propagandas de cidades e, atualmente, produtos como alimentos, roupas, feiras livres, mercados e até empreeendimentos imobiliários se aproveitam da estratégia. Vale a pena ficarmos atentos. As empresas que foram resistentes em lidar com o impacto ambiental de suas operações e produtos e não iniciaram a implementação de iniciativas de sustentabilidade podem estar sentindo a pressão de uma onda verde. Este cenário vem sendo montado há algum tempo – embora em um ritmo diferente em cada respectivo setor. Ele representa a convergência da exigência do consumidor e a demanda por parceiros comerciais para a demonstração de práticas de negócios sustentáveis​​e responsáveis. Isto não significa que houve uma completa

revolução do padrão de consumo ou o surgimento de leis regulatórias. No entanto, as diretrizes para a sustentabilidade alcançaram tal diversidade que atinge quase todos os negócios e indústrias. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o mercado de produtos orgânicos movimenta hoje, no Brasil, “em torno de meio bilhão de reais”. Esse mercado cresce entre 15% e 20% ao ano. Entre 2007 e 2009, a disponibilidade na loja de produtos ditos “verdes” aumentou entre 40% e 176%. Lindo, não? Nem tanto. Um olhar mais profundo revela a prática desonesta. É possível identificar, pelo menos, um “pecado” de Greenwashing em 98% dos produtos. Eis aqui os sete pecados do Greenwashing: CUSTO AMBIENTAL CAMUFLADO Cometido quando se sugere que um produto é “verde” com base em um conjunto extremamente restrito de atributos, sem dar atenção a outras questões ambientais importantes. O papel, por exemplo, não é ambientalmente preferível só porque é obtido de uma área reflorestada. Outras importantes questões ecológicas no processo de fabricação do papel, incluindo a energia, as emissões de gases de efeito estufa, utilização de produtos químicos e a poluição da água e do ar podem

ser tão ou mais importantes. Outros produtos que também cometem tal pecado são desinfetantes, eletrodomésticos, inseticidas, etc. Você percebeu que o detergente da sua cozinha é biodegradável? Biodegradável não é sinônimo de não poluente! FALTA DE PROVA Cometido por uma declaração ambiental que não possa ser comprovada pelo fácil acesso à informação de suporte ou por uma certificação confiável de terceiros. Os exemplos mais comuns são os produtos de tecido que afirmam conter diversas porcentagens de material reciclado pós-consumo, sem fornecer qualquer prova. Ou ainda produtos que dizem não ser testados em animais, mas não comprovam tal afirmação; eletrodomésticos que promovem sua eficiência energética sem certificação de terceiros, etc. INCERTEZA Cometido por um tipo de declaração que é tão mal definido ou vago que seu real significa-

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do é suscetível de ser mal interpretado pelo consumidor. Por exemplo, a utilização das expressões como: “Não tóxico”: tudo é tóxico em dosagens suficientes. Água, oxigênio, sal, todos são potencialmente perigosos. “Natural”: arsênio, urânio, mercúrio, formaldeído são todos naturais, mas venenosos. “Verde”, “Amigo do Meio Ambiente”, “Ecologicamente Correto” (e mais outras variações de terminologia): são algumas características sem significado caso não contenham alguma explicação adicional. Entre todos os pecados, o “Pecado da Incerteza” é o mais cometido entre os produtos brasileiros. IRRELEVÂNCIA Cometido ao fazer uma declaração ambiental que pode ser verdadeira, mas é pouco importante ou relevante para consumidores em busca de produtos ecologicamente corretos. Desodorantes e outros produtos spray/ aerossol dão a impressão de que foram certificados ao exibir o apelo “Não contém CFC – Inofensivo à Camada de Ozônio”. Tal substância já está banida por lei há 30 anos. Mesmo assim, muitos produtos ainda apresentam o apelo “Não contém CFC” como sendo uma aparente vantagem ambiental. Os edifícios ditos ecológicos, que na verdade somente cumprem as novas leis de edificação, também entram nesta categoria.

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MENOR DE DOIS MALES Cometido por declarações que possam ser verdadeiras dentro da categoria do produto, mas que correm o risco de distrair os consumidores dos maiores impactos ambientais da categoria como um todo. Por exemplo: cigarros orgânicos podem ser uma escolha mais responsável para fumantes, mas cigarros, orgânicos ou não, são notoriamente conhecidos por fazer mal à saúde. Assim como veículos que têm como combustível o etanol e são menos eficientes; inseticidas e pesticidas que se apresentam como ecologicamente mais corretos por serem solúveis em água, etc. MENTIRA Cometido por fazer alegações ambientais que são simplesmente falsas. Os exemplos mais comuns são os dos produtos que alegavam falsamente ser certificados como eficientes em termos de gasto de energia ou ainda cosméticos e produtos de higiene pessoal “sustentáveis” que em nada se diferenciam dos não sustentáveis. CULTO AOS FALSOS RÓTULOS O pecado de adorar falsos rótulos é cometido por um produto que, através de palavras ou imagens, dá a impressão de endosso de terceiros em que não existe realmente essa aprovação; rótulos falsificados, em outras pa-

lavras. Um exemplo deste pecado são as propagandas que mostram fazendas com rios cheios de peixes em meio de pomares floridos, camponeses felizes e ou animais alegres em campos floridos. Algumas empresas têm um compromisso explícito publicado em seu site como parte de sua missão e visão. Outras serão capazes de fornecer um relatório de sustentabilidade formal ou uma lista de certificações que possuem. Quaisquer fornecedores que fazem propaganda relacionada a sustentabilidade ambiental devem estar mais do que dispostos a esclarecer com maior detalhes as suas práticas. Fazendo perguntas e usando o bom senso, você pode evitar a armadilha de greenwashing e garantir que as crenças dos seus fornecedores correspondam às suas. Certificação e Selos: Produto Orgânico – Brasil

A certificação de produtos orgânicos é o procedimento pelo qual uma certificadora, devidamente credenciada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e “acreditada” (credenciada) pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normali-


zação e Qualidade Industrial (Inmetro), assegura por escrito que determinado produto, processo ou serviço obedece às normas e práticas da produção orgânica. A certificação é, portanto, uma garantia de que produtos rotulados como orgânicos tenham de fato sido produzidos dentro dos padrões da agricultura orgânica. A emissão do selo ou do certificado ajuda a eliminar, ou pelo menos reduzir, a incerteza com relação à qualidade presente nos produtos, oferecendo aos consumidores informações objetivas, que são importantes no momento da compra. Somente os produtos vendidos diretamente por agricultores familiares não precisam de certificação, segundo o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (Sisorg). FSC, Forest Stewardship Council

IBD

Instituto Biodinâmico Certifica produtos de limpeza, cosméticos, alimentos e algodão orgânico. A certificação sugere que o produto obedece ao Código Florestal Brasileiro e a Leis Trabalhistas. PROCEL

Certifica equipamentos eletrônicos e eletrodomésticos. O selo Procel tem por objetivo indicar os produtos que apresentam os melhores níveis de eficiência energética dentro de cada categoria, proporcionando assim a redução do consumo de energia elétrica. ECOCERT

Certifica empreendimentos ou produtos de origem florestal quanto ao cumprimento de questões ambientais, econômicas e sociais. Por exemplo: se a origem do produto é um processo produtivo ecológica e socialmente responsável, se obedece às leis ambientais, etc.

garantido como um cosmético orgânico, o produto deve ter ao menos 95% de ingredientes vegetais e 95% destes ingredientes devem ser orgânicos certificados – no caso de cosméticos naturais, 50% dos insumos vegetais devem ser orgânicos. A certificação também pondera o comércio justo, o bem estar animal e a responsabilidade da empresa com o social e o ambiente. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Claudio Piechnik

é ex-aluno e ex-professor de Biologia do Colégio Medianeira. Doutorando em Biologia Celular e Molecular – UFPR

O critério básico para receber o selo é um mínimo de 95% de ingredientes orgânicos nos alimentos processados; já para ser

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Hepatite C: Continuando a conversa

Na edição anterior de Mediação, o tema da hepatite veio à tona e agora retorna com explicações detalhadas do gastroenterologista Dr. Wilson Beleski de Carvalho – que fala sobre os processos de tratamento da doença – e com o depoimento de um hepático tratado, Valdemiro Ruppenthal, professor de Matemática do Colégio Medianeira. Por Wilson Beleski de Carvalho

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vírus da hepatite C foi descoberto em 1989 e está relacionado à doença hepática crônica progressiva, podendo ocasionar cirrose e carcinoma hepatocelular (câncer hepático). Além disso, sabe-se atualmente que o vírus está associado a outras patologias extra-hepáticas como linfoma e doença renal.

Estima-se que 3% da população mundial esteja infectada pelo vírus. A transmissão do HCV ocorre pelo contato com sangue infectado. Assim sendo, as principais formas de transmissão são o compartilhamento de equipamentos para uso de drogas, confecção de tatuagens e implantação de piercing, além de objetos de uso pessoal, como lâminas de barbear e instrumentos para pedicure/ manicure, sendo a transmissão sexual possível, embora menos frequente. É importante destacar que pessoas que receberam transfusão de sangue antes de 1993 constituem população de risco, já que antes de 1993 não era feito o teste específico para hepatite C nos hemoderivados. O alvo principal do tratamento é o que chamamos de resposta virológica sustentada, definida quando o vírus torna-se negativo ao final do tratamento e se mantém assim 6 meses após o seu término. Uma vez atingida a resposta virológica sustentada, normalmente mantém-se, a longo prazo, o que define atualmente a chamada cura. No entanto, as taxas de cura variam de acordo com diversos fatores, como características do paciente, tipo do vírus e

medicações utilizadas, variando de 40 a 70%. É fundamental para o atendimento desses pacientes a presença de uma equipe bem treinada, incluindo médico, enfermeira e psicólogo, com o objetivo de acolher, aconselhar e desenvolver uma relação de confiança com o paciente, o qual deve ser orientado quanto ao tratamento, incluindo saber os efeitos adversos, os objetivos e as chances de cura. Saber o que o paciente pensa, quais são suas dúvidas, seus anseios, é de suma importância para um bom resultado no tratamento. Tendo em vista não existir uma vacina contra o vírus da hepatite C, a prevenção é fundamental como o uso adequado do preservativo e o não compartilhamento de instrumentos perfurocortantes e objetos de higiene pessoal, sendo essas orientações importantes ao paciente. Normalmente, a hepatite C é diagnosticada em sua fase crônica (anos após o contágio). Como os sintomas são inespecíficos ou ausentes, a doença pode evoluir durante décadas sem ser descoberta. O diagnóstico específico ocorre após exame de sangue (teste sorológico anti HCV) realizado em exame de rotina ou mesmo numa doação de sangue. Posteriormente deve ser feita a confirmação com outro teste laboratorial (PCR). Muitos pacientes apresentam o vírus, mas não apresentam evidências de atividade inflamatória (exames laboratoriais, de imagem

ou biópsia normais). A indicação do tratamento se faz quando o paciente apresenta alterações de exames laboratoriais hepáticos, da biópsia do fígado ou sintomas extra-hepáticos. O tratamento disponível inclui a associação de Interferon e Ribavirina, sendo mais recentemente associada em alguns casos outra medicação, o Inibidor de Protease. O tratamento dura de 24 até 72 semanas, e gera uma série de efeitos colaterais, tanto físicos quanto psicológicos, ocasionando, não raramente, o afastamento do paciente de suas atividades profissionais durante esse período. É importante ressaltar que Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza as medicações de forma gratuita aos pacientes com indicação de tratamento. O interferon é considerado a principal droga para o tratamento. É aplicado como injeção subcutânea de uma a três vezes por semana, dependendo do tipo do interferon utilizado. Está associado a uma grande variedade de efeitos colaterais como alterações cardiológicas, renais, neuropsiquiátricas, hematológicas. O efeito mais comum no início do tratamento é o aparecimento de sintomas que se assemelham a um quadro gripal como febre, dor muscular, mal estar. A ribavirina é a outra medicação utilizada, e deve ser usada associada ao interferon. São comprimidos que devem ser ingeridos diariamente durante o período do tratamento. A taxa de cura com o

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uso de interferon e ribavirina não é considerada satisfatória (inferior a 50%), razão pela qual existem diversos estudos de novas drogas. Recentemente, foi aprovado o uso de uma nova medicação em casos selecionados: o inibidor de protease teleprevir ou boceprevir, que devem ser utilizados associados ao interferon e a ribavirina. Pesquisas recentes mostraram que com essa nova medicação as taxas de cura podem ser superiores a 70%.

Para aqueles pacientes que não obtêm a negativação do vírus com o tratamento, existe a possibilidade de um retratamento,

lizados com o objetivo de se encontrar medicações mais eficientes e com menos efeitos colaterais para o tratamento da hepatite C.

embora as taxas de reposta sejam menores. Por representar uma doença crônica, que compromete parcela significativa da população e que está associada à disfunção hepá-

Wilson Beleski de Carvalho

é médico gastroenterologista com residência médica em Gastroenterologia pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.

tica avançada, diversos estudos e pesquisas continuam sendo rea-

A voz de um hepático tratado Por Valdemiro Ruppenthal

Em 1991, eu, Valdemiro, sofri um assalto e fui baleado, como infelizmente acontece com tantos outros brasileiros. Graças ao excepcional desempenho de vários médicos, fui salvo. Na oportunidade, precisei de sangue, pois havia sangrado muito por causa do tiro que atravessou o abdômen. Porém, ele provavelmente estava contaminado com o vírus da Hepatite C. Com muito sacrifício, consegui sobreviver e passei vários anos, de vez em quando, com alguns problemas mínimos de saúde. A Hepatite C é uma doença silenciosa e esteve presente comigo desde aquela época até novembro de 2009, ou seja, durante 18 anos sem que eu soubesse. Toda pessoa que recebeu sangue antes de 1993, pois até então pouco se sabia sobre este vírus, poderia ter se contaminado, o que foi o meu caso.

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Durante uma consulta a um velho amigo médico que me havia salvado tanto tempo atrás, este resolveu pedir um exame de sangue da Hepatite C. O número de referência, que deveria ser menor que 1, apontou 11. Também outro exame, o TGO, estava em 111 e deveria ser até 33. Do mesmo modo, a TGP estava em 134 e deveria ser até 49. Com a constatação deste quadro, este médico deu algumas orientações preliminares e me mandou procurar imediatamente um infectologista de uma lista de quatro que me havia fornecido. Quando finalmente consegui uma consulta, o primeiro não me inspirou confiança. O segundo da lista, este sim um sujeito muito cuidadoso, tendo vários outros pacientes com o mesmo tratamento, dá uma explicação mais

detalhada para mim e encaminha os próximos procedimentos. Inicia com um exame de sangue para verificar a carga viral: a minha estava com 1.222.623 UI/ml log 6,09 e, portanto, acima dos 700 mil, número mínimo exigido para o tratamento. Passo seguinte foi o de biópsia do fígado que, segundo a classificação da Metavir, foi de A2F3, que é quadro de danificação suficiente para o tratamento. Por fim, então, faltava somente verificar o genótipo do vírus, exame mais difícil de conseguir na época, e que constatou 1B, o pior deles. Diante disto tudo, então, foi preciso o tratamento. Este é fornecido gratuitamente pelo SUS, sendo que a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná é que faz todo o controle e o procedimento dos remédios. Foi preciso encaminhar toda uma


documentação, com laudos de laboratório e requerimentos feitos pelo próprio médico solicitando a terapia. Tudo isto passou pela análise de um especialista junto à Secretaria de Saúde e, após 40 dias, foi preciso uma conversa com um assistente social para, finalmente, liberar a medicação. Tratava-se da ribarivina, produzida pela Fiocruz. Acompanhava uma injeção semanal, o Interferon pequilado 2b, feito na Inglaterra, embalado na Bélgica e importado pelo Brasil. Na primeira retirada da medicação, 150 comprimidos e 4 injeções, o suficiente para um mês. Fui devidamente orientado por uma enfermeira, pois, além dos cuidados práticos de manuseio, eram necessários cuidados nos horários da medicação e quanto aos efeitos. Depois de 6 meses de buscas por documentação e espera de procedimentos técnicos, inicio o tratamento em maio de 2010. Ele dura 48 semanas, ou seja, quase um ano. Tomava três comprimidos de manhã, no café, e dois no jantar. Toda quinta feira, às 18h, tomava a injeção que, em média, após 6 horas, começava a dar reações que se estendiam por 72 horas. 15h após a injeção, era comum ficar 24 horas deitado, por estar me sentido realmente muito mal. O organismo se alterava. O humor e a vida passaram a ter outros sentimentos. Somente com a ajuda do médico, de pessoas mais

próximas e amigos é que foi possível conviver e suportar esta situação. O tratamento é variado para as diferentes pessoas. Uns quase nada sentem, outros um pouco mais e alguns, inclusive, quando vão tomar a injeção, sempre se internam em hospitais. Enfim, o médico acompanhou os diferentes efeitos nos primeiros 15 dias, depois de mês em mês e, a partir do sexto mês, de 3 em 3 meses. Eu sentia ânsias, dores de cabeça e musculares, sangramentos, redução do peso. Os hemogramas, que demonstravam o comportamento do sangue, foram indicadores muito importantes para a prescrição de remédios que amenizassem os efeitos. Tive que ser internado duas vezes. Apesar disto, sempre trabalhei de segunda a quinta. Após algumas injeções, verifica-se o nível da carga viral. Esta verificação depende de como o paciente reage ao tratamento e pode acontecer nas primeiras injeções ou até em doze semanas. No meu caso, isto aconteceu na semana de número 12. O teste se chama PCR Qualitativo para o vírus da Hepatite C, e, no meu caso, atestou “não detectado”, ou seja, a carga viral estava abaixo do limite de detecção, que é de 40 UI de RNA – HCV/mL. Assim, tivemos um indicativo de que o tratamento estava dando certo. Faltaria cumprir as próximas 36 semanas.

No final, felizmente, confirmou-se que eu havia negativado a hepatite. É importante esclarecer que, para quem não faz o tratamento, só existe um caminho: a morte. Os testes têm mostrado que, para quem faz o tratamento com as 48 injeções, mesmo sem a queda da carga viral, há um prolongamento razoável da vida. Se, no entanto, a carga viral tiver sido zerada, mas voltar no exame feito após o tratamento, a chance de vida aumenta muito. É importante ressaltar que, em média, só metade dos que se tratam realmente zera a carga viral, além de alguns genótipos terem mais chance de tratamento. Mas, apesar do problema, é importante perceber que, seja como for, este tratamento tem início e tem fim, diferentemente, por exemplo, da Aids, que é, por enquanto, para o resto da vida. Os que não têm sucesso no tratamento estão à espera da evolução dos remédios pesquisados. Caso o quadro se agrave, inicia-se um tratamento disponível no momento, conforme ficou descrito acima, pelo médico. Enfim, terminei o tratamento em fins de abril de 2011. Depois de meio ano, foi feito novo exame para verificar se a carga viral havia voltado ou não. Constatou-se, por sorte, que ela estava zerada. Um ano depois, mais uma vez,

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confirmou-se a não existência da carga viral, o que dá como definitiva a cura da Hepatite C. É preciso, assim mesmo, ano após ano, um acompanhamento médico.

brecarregar o trabalho do fígado,

Finalmente, a vida voltou ao normal com os devidos cuidados. São recomendações: não exagerar na alimentação, para não so-

quila, que evite o estresse e impe-

e não ingerir álcool. Todos sabem que o fígado é um órgão que tem a potencialidade de se regenerar. É essencial ter uma vida mais trança a baixa na imunidade, a fim de evitar qualquer risco de retorno do vírus.

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Valdemiro Ruppenthal é professor de Matemática do Colégio Medianeira e especialista em Currículo e Práticas Educativas (PUCRJ).

recomendações Hepatite C - minha história de vida Autora: Natália Mira de Assumpção Werutsky Editora M. Books Aos 24 anos de idade, no momento de iniciar uma carreira profissional, Natalia foi diagnosticada como portadora do vírus da hepatite C (HCV). Ela havia concluído o curso de Administração de Empresas na Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP e curiosamente iniciaria um novo curso superior em Nutrição no Centro Universitário São Camilo. O diagnóstico fez com que ela adaptasse sua vida às novas condições e mergulhasse fundo nos conhecimentos sobre nutrição e sobre a hepatite C. Este livro, além de relatar uma experiência de vida, traz luz e ensinamento sobre a hepatite C, incluindo hábitos alimentares e cuidados a serem tomados pelos portadores da doença, para que tenham uma qualidade de vida melhor.

Fio da vida - uma luta contra a hepatite C Autora: Eli Angela Croffi de Camargo Editora Gaia Nesta obra escrita em prosa poética, a autora busca apresentar aos leitores diversas informações sobre a doença - desde os diágnósticos até uma possível cura, utilizando também sua experiência pessoal.

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artigo

NÃO a uma hiperescola

Enquanto a escola parece estar parada no tempo, o entorno avança de forma veloz. O que não deixa de ser um paradoxo, pois como um sistema educacional estagnado tem conseguido, ainda assim, formar pessoas para uma realidade complexa e altamente especializada nas diferentes áreas da ciência? Talvez não forme. Apenas molde. Por Vinícius Soares Pinto mediação

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uando a conversa é sobre o modelo de educação na sociedade da informação, não é difícil surgir o comentário de que se algum antepassado nosso da época da revolução industrial acordasse hoje, seria sem dúvida surpreendido com as mudanças no modo de vida atual, porém não com o jeito de ensinar das escolas. Não por acaso, as salas de aula que conhecemos não são muito diferentes desde o século XVII, período em que o sistema educacional precisou privilegiar a formação de mão de obra em série e em grande escala para as linhas de produção. Ao mesmo tempo, enquanto a escola parece estar parada no tempo, o entorno avança de forma veloz nas diferentes áreas do conhecimento. O que não deixa de ser um paradoxo, pois como um sistema educacional estagnado tem conseguido, ainda assim, formar pessoas para uma realidade complexa e altamente especializada nas diferentes áreas da ciência? Talvez não forme. Apenas molde. E molda para o que mesmo? Para o mercado. Como afirma Vítor Teodoro, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa, a escola tem lidado de maneira pobre e utilitarista com a educação, fazendo com que jovens terminem seus estudos apenas com intuito meramente econômico. É aí que mora o problema. Somos testemunhas de uma realidade que tem o presente, a

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instantaneidade e a performance individual como referenciais para uma vida bem sucedida. A noção de coletividade é ignorada e a opção pelo consumo nos é oferecida goela abaixo de maneira onipresente por anúncios publicitários inchados de pessoas bonitas, sorridentes e ricas, ou seja, um estilo de vida insustentável e inalcançável para qualquer trabalhador, mas que é, ainda assim, desejado por quem é moldado a crer que este é o modelo de vida ideal. O filósofo francês Gilles Lipovetsky, a partir do termo “hipermodernidade”, caracteriza bem a esquizofrênica vida contemporânea:

A sociedade hipermoderna é a que é dominada pela categoria temporal do presente. Consumo, publicidade, informação, modas, lazeres: sobre o fundo do esgotamento das grandes doutrinas futuristas, é toda a cotidianidade que é agora remodelada pelas normas do aqui-agora e da instantaneidade. Nos antípodas da transmissão das tradições seculares, vemos desenvolver-se uma cultura de tipo presenteísta que se escora no tempo curto dos ganhos financeiros, na imediatez das redes digitais e dos gozos privados.(LIPOVETSKY, 2009, p.158). Diante deste modelo de sociedade apresentado por Lipovetsky como hipermodernidade, a escola torna-se estratégica, tanto para deixar as coisas como estão quanto para tornar-se um agente desestabilizador da esquizofrenia contemporânea.

Porém, infelizmente, não são poucas as instituições de ensino preocupadas em transformar a educação apenas num estágio preparatório para o mundo corporativo, deixando claro que o ensino realmente não evoluiu desde o período da revolução industrial e que as coisas devem permanecer como estão. “Muitas formas de ensinar hoje não se justificam mais. Perdemos tempo demais, aprendemos muito pouco, desmotivamo-nos continuamente” (MORAN, 2000, p.11). Desta maneira, a educação pode ser comparada com a principal engrenagem de uma grande máquina complexa: ela pode estar ajustada minuciosamente, mantendo a produção a todo vapor; ou pode sair do eixo, paralisar a produção em série e conseguir desconstruir paradigmas, permitindo que ascoisas sejam repensadas e tecidas de maneiras diferentes. Portanto, almejo o ensino capaz de causar a grande pane no maquinário. Quero acreditar em uma escola que seja o espaço de discussão de ideias, sendo possível questionar as coisas como são. Afinal, a instituição de ensino que apenas observa de maneira apática o que acontece além de seus muros e tenta adaptar-se à lógica do consumo, torna-se cúmplice da pasteurização do estilo de vida contemporâneo e incoerente com sua prática pedagógica ao dizer que o ensino é transformador. Fazendo analogia à hipermodernidade,


estas não são escolas, mas hiperescolas. “Os homens da hipermodernidade tendem a perder não apenas o senso de perspectiva, mas também o alicerce comum de conhecimentos comuns que constitui propriamente uma cultura (LIPOVETSKY, 2011, p.161). O modo de trabalhar a tecnologia na educação pode ser um bom exemplo prático de separar uma hiperescola de uma escola. A primeira cultua de maneira exacerbada as mtelas e os modernos gadgets, quase como um fetiche pela tecnologia, tornando esses aparelhos os novos protagonistas no processo de aprendizagem. Não percebem que o excesso de luz também cega, como a cegueira branca na obra já clássica de Saramago, Ensaio sobre a cegueira. De outro lado, uma escola séria e responsável com o seu programa pedagógico não é ingênua para

apenas aceitar ou negar a tecnologia em sala de aula, mas está criticamente comprometida com a análise e o julgamento de como e quais ferramentas têm potencial de agregar algo significativo no modo de ensinar. Pode-se dizer, com tranquilidade, que em momento algum o professor e o aluno deixarão de ser protagonistas do processo de aprendizagem, independente se na sala de aula houver livros, tablets, quadro-negro ou lousa interativa. “Sem formação inicial e competências intelectuais, a abundância informacional apenas cria a confusão, o zapping do turismo intelectual” (LIPOVETSKY, 2009, p.261). No fim das contas, a mediação do excesso de informação e o modo de trabalhar com as diferentes linguagens é que permitirão novas maneiras de ensinar, sem precisar apelar para o modelo herdado da revolução industrial.

O especialista em políticas de educação e formação da Universidade de Lisboa, João Barroso, utiliza o termo hiperescolarização para definir o movimento das escolas de apenas realizar upgrades tecnológicos e, na prática, continuarem ensinando como antigamente. Ou seja, substituem-se as ferramentas da sala de aula, como o quadro-negro pela lousa interativa, mas a tabuada continua sendo escrita pelo professor em uma tela, enquanto cerca de trinta alunos enfileirados o observam. “A tela hipermoderna só realizará todas as suas potencialidades se for acompanhada pela insubstituível ação de mestres e bússolas de sentido, representadas pela cultura do livro e das humanidades clássicas. A telepresença das telas exige o enquadramento e a presença muito real de pais e professores” (LIPOVETSKY, 2009, p.262).

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Na realidade em que o hiper e a tela tomaram conta das relações sociais, a hiperescola torna-se o caminho mais fácil para a pasteurização em massa, ou seja, continua sendo aquela engrenagem muito bem encaixada para que tudo continue como está e a todo vapor. Desta forma, torna-se fundamental que a escola de verdade consiga utilizar a tecno-

logia de maneira virtuosa para que, por meio da mediação de professores capacitados, consiga formar pessoas aptas a lidarem com a conververgência dos meios e a pulverização da informação, mas, acima de tudo, que sejam humanas.

Vinícius Soares Pinto é formado em Publicidade e Propaganda (UP), especialista em Comunicação, Cultura e Arte (PUCPR) e pós-graduando em Cinema (Tuiuti). Trabalha na Comunicação e Educação Digital do Colégio Medianeira.

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recomendações A Tela Global. Mídia culturais e cinema na era hipermoderna. Autor: Gilles Lipovetsky Editora Sulina Na contramão dos discursos apocalípticos sempre em moda nos ambientes mais tediosos, Lipovetsky e Serroy sustentam que a profusão de imagens da atualidade não significa um empobrecimento da cultura nem a morte da arte ou a destruição da sensibilidade e da estética. A imagem é a representação de uma nova era, sem drama nem tragédia, aberta a finais felizes ou infelizes, feita de divertimento e de reflexão.

Novas tecnologias e mediação pedagógica Autor: José Manuel Moran Editora Papirus As tecnologias digitais desafiam as instituições a buscar alternativas ao ensino tradicional e a focar na aprendizagem mais participativa e integrada, com momentos presenciais e outros com atividades on-line. Assim, professor e alunos interagem virtualmente e também mantêm vínculos pessoais e afetivos. O risco está no encantamento que as tecnologias mais novas exercem em muitos jovens e adultos, no uso mais para entretenimento do que para estudo e pesquisa e na falta de planejamento das atividades didáticas. Sem a mediação efetiva do professor, a utilização dessas ferramentas na escola pode favorecer a diversão e o lazer, comprometendo os resultados esperados. Numa abordagem de mediação pedagógica, as discussões convergem a uma revisão do papel do professor.

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de

experiências viagem Em um belo depoimento sobre a busca de suas raízes e a magia que é viajar, Rafaela Dalbem conta, em primeira pessoa, como foi conhecer a pequena cidade de Montagnana, na Itália. Por Rafaela Pacheco Dalbem Por Rafaela Pacheco Dalbem

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É

muito clichê encontrar viajantes/mochileiros dizendo algo do tipo: “a melhor noite da minha vida foi numa cidadezinha quase fantasma, no centro da Eslováquia, tomando cerveja Tcheca, ouvindo música de Mali e tentando falar com pessoas que não falavam inglês/meu idioma”...

Correndo o risco de soar banal no mundo mochileiro, afirmo aqui: um dos melhores dias da minha vida foi em Montagnana, uma cidadezinha de cerca de 9500 habitantes, na região do Vêneto – Itália, perto do meu aniversário, em dezembro de 2008... No final daquele ano, fui à Itália por cerca de 15 dias, viajar sozinha. Tinha planos para cerca de 10 dias e os outros 5 eu iria para onde o vento mandasse (uma das magias de se viajar só). Montagnana foi um desses destinos programados e por um motivo muito prático: pegar documentos para dar entrada no meu processo de reconhecimento da cidadania italiana. Apesar de programada, eu não pesquisei nada sobre a cidade, fiz a reserva no albergue, comprei um bilhete a partir de Bologna e fui... Bem... Chegando lá, fui pedir informação sobre a localização do meu albergue. A menina disse que sabia, mas que era longe. O pai dela estava indo pegá-la e ela disse que eu poderia esperar com ela, que me dariam uma carona. Agradeci e ficamos esperando. Ela me contou que fazia faculdade de Economia em Padova e que voltava todos os finais de semana para casa para ver a família e o namorado. No meio dessa conversa, um pouco confusa em inglês e italiano, 42 mediação

Depois, li que Montagnana é uma cidade medieval e, como tal, foi construída dentro das muralhas por questões de segurança. Li também que essa muralha não é só uma das mais preservadas da Itália, mas sim da Europa toda. Vi um mapa antigo no escritório de turismo da cidade que mostrava que a cidade era rodeada por água – no melhor estilo “desenho animado com crocodilos fazendo a segurança do fosso do castelo”. Hoje, no lugar da água, encontra-se grama e o local é utilizado como parque linear... A cidade acabou crescendo em volta das muralhas, mas os 1950 metros de muralha e as torres ainda estão totalmente conservados. ela me disse que não entendia as pessoas que iam até ali visitar a cidade, já que eles só possuíam duas festas no ano e que ela, pessoalmente, nunca tinha tido oportunidade de viajar na vida. Eu fiquei envergonhada em dizer que nem a respeito das duas festas eu sabia e que só ia usar a cidade como dormitório, então eu não disse nada. O pai dela chegou, ficou feliz em poder ajudar e depois do primeiro minuto, ao descobrir uma brasileira no carro, descambou a falar de futebol! – Os italianos são tão fanáticos por futebol que existe cartão postal da Copa de 82! Ele virou uma rua e demos de cara com uma muralha medieval. Fiquei de boca aberta e imediatamente entendi a razão das pessoas que vão até lá (o turismo na cidade ainda é pequeno – o que eu adorei –, mas deu para perceber que a prefeitura está em esforço constante para mudar esse quadro).

Enquanto chegávamos perto da muralha, percebi um grupo de pessoas vestidas com roupas medievais entrando na cidade antiga. Perguntei para a menina o que estava acontecendo e ela me disse que era o Paglio. Eu não entendi direito. Estávamos quase em frente ao hostel, desci, agradeci e eles foram embora. Eram 13h30 quando apertei a campainha do hostel... Nada... Percebi uma placa dizendo que eles ficavam fechados das 10h às 16h30, todos os dias, para limpeza. Coloquei a mochila nas costas e fui procurar um lugar pra comer. Entrei na cidade antiga por uma das portas e fui andando em direção ao que parecia ser o centro (e era). Como tudo parecia estar fechado, a fome e a vontade de ir ao banheiro apertavam, entrei no primeiro bar que encontrei. Pedi uma coisa para comer, uma coca, fiquei lendo meu guia de viagem (que obviamente nem citava Montagnana), e fui perguntar para


Tempos depois, descobri que essas feiras medievais são muito comuns na Itália, França, Espanha e Portugal. Mas geralmente acontecem no verão.

a pessoa do caixa o que estava acontecendo na cidade. Ela não me entendeu (perguntei em inglês – estava cansada e o italiano não saía com muita facilidade naquele tempo), mas chamou uma outra mulher que entendia inglês (mas não falava), e em uma conversa um pouco confusa ela me explicou tudo! Ela disse que a festa acontece todos os anos desde os tempos medievais, poucos dias depois do começo do inverno. E eu chegara no dia 28 de dezembro, em pleno início do inverno europeu (olha a minha sorte! Foi praticamente um presente de aniversário, atrasado e surpresa, de mim para mim mesma). As pessoas vão para a praça central da cidade, vestidas como antigamente, e colocam à disposição produtos manufaturados, comidas e bebidas. Eu disse pra ela que queria ir olhar a festa, mas que meu albergue estava fechado e que a mochila estava pesada... pedi pra deixar a mochila lá, ela deixou. Larguei minhas coisas e fui andar na cidade.

a céu aberto. Havia ainda um caldeirão de vinho quente, e músicos andando pelo meio das pessoas tocando músicas que, até aquele dia, eu só tinha escutado em filmes antigos. Tinha uma mulher com seu gavião... Eu não era a única estrangeira ali, mas eu me sentia como se fosse… Umas 17h voltei ao bar, peguei minha mochila, bati mais um papinho e fui para o hostel, que, teoricamente, já estaria aberto. Mas não estava... O hostel ainda estava fechado, achei um portão

na lateral, entrei, toquei campainha, fiquei sentada esperando e nada... Daí comecei a ligar e não parei até um senhor atender (cerca de 15minutos depois). Eu disse que estava ali esperando o hostel abrir, que eu tinha uma reserva e que precisava de um lugar pra descansar. O cara me disse que não tinha reserva nenhuma para aqueles dias e que por isso o hostel estava fechado. Eu disse que era para ele dar um jeito de checar os e-mails, que eu tinha, sim, reservado, que não tinha dinheiro para outro hotel que não fosse o deles e que eu estava sentada nas escadas esperando. Daí ele pediu a data em que eu fiz a reserva e disse que me ligava de volta em 5 minutos. Ele obviamente não ligou... Comecei a ligar de novo, até que ele atendeu e disse que alguém iria aparecer ali para abrir a porta pra mim. Dez minutos depois, chega um velhinho de pijama, abre a porta, me mostra onde é o ba-

Na praça central tinha um porco cortado ao meio e dele tiravam pedaços para assar em braseiros Nesse livro está o registro de Ambrogio Dal Ben, em 18/02/1869 mediação

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nheiro, como funciona o aquecimento, onde é meu quarto, anota meu nome e então fala “Ma Dalbem! Temos muitos Dalbens aqui na cidade, mas escreve diferente (Dal Ben)! Por que está em hotel, menina? Deve ter muito parente por aqui”... Expliquei que era por isso que eu estava por ali (o meu passado), mas que não conhecia ninguém a ponto de pedir um lugar pra ficar. Ele deu risada, me deu aquela olhada de avô, me deu a chave que estava com ele e disse que os donos do hostel chegariam no dia seguinte para pegar o dinheiro. Bateu a porta e me deixou ali, sozinha... Juro que fiquei com medo, mas ao mesmo tempo estava tão cansada que só tomei meu banho, me certifiquei de que tudo tava bem trancado e caí no sono.

Toquei na Casa Paroquial e ninguém me atendeu... Tentei entrar na igreja e estava fechada... Pensei “Droga! O padre foi viajar”... Fui a um bar em frente à igreja, pedi alguma coisa para beber, fiquei repassando as informações que eu tinha a respeito do meu trisnonno e de cara por ter ido ali ‘por nada’... O ônibus para Montagnana era só às 11h. Depois de esfriar um pouco a cabeça eu pensei: não, o padre não foi viajar, é época de Natal, o padre não iria abandonar seu rebanho nessa época tão importante. Toquei de novo na casa paroquial, de novo ninguém atendeu... Saí andar ao redor da igreja e vi que tinha um mural de informações, onde avisavam (com foto e tudo!) que dois senhores tinham morrido e que estavam sendo velados naquele dia. Então, presumi que o padre estava nos velórios. Nisso, chega uma senhora na Casa Paroquial, eu vou correndo falar com ela e ela, extremamente mal educada, me diz: “eu tô saindo, aqui o celular do padre, ligue pra ele se quiser”. Quase xinguei a mulher... Fiquei sem jeito de ligar para o padre, afinal de contas a mulher acabou confirmando que ele esta-

No dia seguinte, sai do hostel antes das 7h da manhã. O ônibus para Pojana Maggiore (onde de fato estava o documento) era 7h30, em uma das portas da cidade. Peguei o ônibus e parei em frente à igreja, em Pojana Maggiore. Eram 8h…

Uma das portas de entrada da cidade murada 44 mediação

va nos velórios. Como tinha tirado o dia para isso mesmo, sentei em frente à Casa Paroquial e fiquei esperando... Duas horas e meia depois, o padre apareceu. Fui lá, me apresentei, disse o que queria, ele me perguntou se eu tinha certeza que o documento estaria ali, eu disse que sim, que a comune de Roncade tinha me enviado uma carta dizendo onde ele tinha nascido, a data de nascimento e a igreja em que foi batizado (naquela época, 1869, o certificado de batismo era a certidão de nascimento, já que ainda não existia Registro Civil)... Ele me olhou meio desconfiado, perguntou meu sobrenome de novo, eu disse, ele: “ah, sim, sim, temos mesmo muitos Dal Ben por aqui, venha cá, minha filha, que ano ele nasceu?”... Dei as informações e menos de 10 minutos depois eu estava com o documento na mão. Saí da Casa Paroquial toda saltitante, liguei para o meu pai e depois para minha mãe contando que tinha dado tudo certo e fiquei esperando o ônibus de volta pra Montagnana. Cheguei em Montagnana, fui comemorar o êxito comendo o não tão famoso (injustamente, diga-se de passagem) Prosciutto Dolce de Montagnana D.O.P. (se


um dia você for a Montagnana, não deixe de provar, acompanhado de legumes grelhados e um vinho tinto). Andei um pouco pela cidade, fui para o hostel, conheci os donos, paguei, eles se desculparam pela noite anterior, mas ainda deixaram a chave comigo já que realmente não tinham outros hóspedes... Peguei minhas coisas e saí andar na cidadezinha de novo... Voltei para o hostel mais tarde, fui fazer alguma coisa para comer ali mesmo, tomar um banho e dormir... Só que, daí, menos cansada, comecei a ter ideia besta... Pensava: “Eu, aqui, sozinha, ninguém vai dar conta do meu sumiço até o dia em que eu teria que chegar de volta à Holanda... alguém vai me matar, tenho certeza”... Sério, eu só conseguia pensar no filme O Iluminado... Aí comecei a tentar pensar em outras coisas, resolvi ligar a TV para ver o que estava passando e me deparei com outra coisa assustadora: Chucky Norris em italiano! O susto inicial passou e estava até me divertindo... Quando toca a campainha do hostel... Frio na espinha de medo... Fiquei quieta, não fui abrir... Daí tocou mais

umas vezes... Fiquei pensando que poderia ser um viajante solitário como eu, precisando de um lugar para dormir (estava muito frio aqueles dias), resolvi ir até a porta (que ficava longe do portão) e ver o que era... Não era um viajante, eram DEZESSETE! Um grupo de teatro ucraniano, que estava fazendo uma turnê pela Europa. Fui ao portão, expliquei que não trabalhava ali, que estava sozinha, mas dei o telefone do dono do hostel e eles poderiam ligar... Eles ligaram, falaram com os donos e fecharam de ficar ali umas noites, pegariam 3 quartos e mais um dos chalés que havia nos fundos. Fiquei bem faceira em saber que não dormiria ali sozinha, dei boa noite para todo mundo e fui para o meu quarto arrumar tudo, já que no dia seguinte eu sairia cedinho pra Veneza. Tinha acabado de colocar tudo na mochila quando batem na porta do meu quarto. Era a menina com quem eu tinha conversado lá fora (só duas pessoas falavam inglês entre eles, nenhuma italiano), ela disse que estavam todos agradecidos pelo número que eu tinha passado, que deu tudo certo, que estavam passando muito frio e que gostariam de me agra-

decer convidando para tomar uma sopa com eles no chalé. Bah, não pensei duas vezes, pulei fora do quarto e fui, de pijama e tudo (infelizmente, sem uma câmera fotográfica). Foi LINDO. Mesmo só conseguindo conversar com duas pessoas, a atmosfera era muito agradável. Tomamos a sopa, e fiquei conversando com a Gena mais tempo – coincidências da vida: Gena, 26 anos, geógrafa que trabalhava com cartografia! Depois da sopa, eles disseram para a Gena me perguntar se eu queria ver uns pedaços da peça deles e, antes mesmo de eu responder, eles começaram a cantar, dançar, representar... Como não entendo nada, eles poderiam estar falando mal de mim ou falando palavrões, mas soavam como anjos. Depois fomos para o quarto dos ‘jovens’, passei umas músicas brasileiras para eles, tentamos dançar samba, e resolvemos sair pela cidade para andar. Plena segunda-feira, 2h da manhã.

mediação

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Ficamos andando por cerca de uma hora, conversando, comparando... Gena me disse várias coisas em relação à Ucrânia... A dificuldade de se integrarem ao lado ocidental europeu, a pobreza e o fato de não serem mais da União Soviética era o mais corrente... Mas uma coisa me deixou bastante perdida/pensativa: durante a conversa com essa ala jovem, um dos meninos pediu para que ela me perguntasse qual era a língua brasileira. E eu disse: português, oras! Ela traduziu para o menino e ele “não, não, português eu sei, mas português é a língua de Portugal, no Brasil só passaram a falar português depois da colonização. Quero saber qual é a língua do país Brasil, não dos colonizadores. Como nós, que preservamos nosso ucraniano durante a dominação russa, que falamos todos russo, mas nossa língua, nossa identidade, é ucraniana”... Fiquei paralisada, nunca tinha pensado no fato de que a nossa língua ‘identidade’ seria, provavelmente, o tupi-guarani. Mas expliquei para ele que o domínio foi muito intenso e violento e, junto com a imigração europeia, de onde as cidades se iniciaram (já que, me corrijam se eu estiver errada, as tribos indígenas no Brasil eram predominantemente nômades), o tupi ou qualquer outra língua indígena saiu de uso. Ex-

pliquei também que não era uma única língua falada pelos nativos. Ele ficou muito impressionado, disse que não se sentiria brasileiro se não falasse pelo menos uma língua indígena, mas que se isso acontece com toda a população, ele admitia que eles tinham tido sorte de poder preservar a língua deles. Voltando para o hostel, eles me perguntaram o que eu ia fazer no dia seguinte. Eu disse que ainda não tinha comprado minha passagem, mas que cedinho seguiria pra Veneza. A Gena disse: a gente está indo passar o dia lá, quer uma carona no nosso ônibus?! Aceitei, lógico. Saímos de Montagnana por volta das 9h, a viagem durou menos de duas horas e eles foram cantando e brincando o tempo todo. Juro que não entendi NADA. Chegando a Veneza, eles pegaram meu e-mail dizendo que iriam fazer umas apresentações no Brasil. Um deles, um senhor, disse que o único lugar no Brasil que ele já tinha escutado falar, além de São Paulo, era Curitiba (!!!!), porque uns conhecidos da família dele vieram para cá há muitos anos…

po’ foi para um lado... Entrei no vaporetto e fui para o hostel me perguntando se tudo aquilo, da igreja em Pojana Maggiore até a descida em Veneza, tinha mesmo me acontecido em menos de 24 horas. Gena me escreveu umas poucas vezes (não me responde mais) e o menino que me perguntou sobre o nosso ‘idioma brasileiro’ escreveu pedindo ajuda para comprar um berimbau (na época eu morava na Holanda e não fui de muita ajuda)... Por questões de burocracia, tive que voltar mais uma vez a Montagnana e Pojana Maggiore, cerca de 18 meses depois. Tinha decidido morar lá por 3 meses, o tempo médio que a cidadania demora a ficar pronta em solo italiano. Mas acabei arrumando um emprego na cozinha de um hotel fazenda em San Giuliano Terme, perto de Pisa... Mas isso é outra história…

Descemos do ônibus. Despedi-me. Agradeci. Eles me filmaram um pouco e acabou! Cada ‘gru-

recomendação Gatti Mézzi Para ouvir, a sugestão é o grupo italiano Gatti Mézzi https://www.youtube.com/watch?v=brXJu3dJ5MM

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Rafaela Pacheco Dalem, é professora de Geografia do 8° ano do ensino Fundamental e 1° ano do Ensino Médio, no Colégio Medianeira. Formada em Geografia pela UFPR e mestrado em Geografia Física, Ambiente e Ordenamento do Território, pela Universidade de Coimbra – Portugal.


me tornei compositor Como

O poeta, compositor e romancista Leonard Cohen foi premiado em 2011 com o Prêmio Príncipe das Astúrias, na categoria literatura. Ao agradecer pelo prêmio, ele faz uma homenagem ao país que, segundo ele, forjou-o como artista. Por Leonard Cohen mediação

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O

poeta, compositor e romancista Leonard Cohen foi premiado em 2011 com o Prêmio Príncipe das Astúrias, na

categoria literatura. Ao agradecer pelo prêmio, ele faz uma homenagem ao país que, segundo ele, o forjou como artista. Leonard Cohen é compositor, cantor e escritor. Nascido em Montreal, no Canadá, em 1934, foi agraciado no ano de 2011 com o Prêmio Príncipe das Astúrias, na categoria Literatura. O prêmio existe desde 1980 e é concedido pela Fundação Príncipe das Astúrias, cujo objetivo é “encorajar e promover a ciência, cultura e valores humanos que são parte do legado universal do homem”. Além da categoria de Literatura – que já homenageou escritores consagrados como Amós Oz, Ismail Kadaré e Philip Roth –, são premiadas também as personalidades que se destacam nas seguintes áreas: Artes, Comunicação e Humanidades, Cooperação Internacional, Pesquisa Técnica e Científica, Ciências Sociais, Concord (Organização Espanhola pelos Cegos) e Esportes. Ao anunciá-lo como vencedor, o júri salientou que “suas músicas e poemas exploram com profundidade as grandes questões que dizem respeito à humanidade” e que sua vasta obra “influenciou três gerações ao redor do mundo”. Leonard Cohen publicou seu primeiro livro, Let Us Compare Mythologies, em 1956. Ao todo, escreveu 13 livros de poesia e dois romances – Beautiful Losers (sem tradução para o português) e The Favorite Game (A brincadeira favorita, Cosac Naify, 2012). Sua carreira como compositor começou um pouco mais tarde, quando já tinha 33 anos, mesmo sendo um escritor já respeitado. O primeiro álbum, Songs of Leonard Cohen, foi lançado em 1967, e o último, Old Ideas, em 2012. Entre tantas composições, destaca-se a canção “Hallelujah”, que já foi objeto de análise em artigo na Revista Mediação número 16. Acompanhe agora o discurso de Leonard Cohen, em agradecimento pelo Prêmio Príncipe das Astúrias.

É uma grande honra estar diante de vocês esta noite. Talvez como o grande maestro Riccardo Muti, não tenho o costume de ficar diante de uma notável plateia sem uma banda, mas darei o meu melhor como artista solo.

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Passei a última noite acordado, pensando naquilo que poderia dizer nesta assembleia. Depois

consultá-las. Obviamente, estou

de ter comido todas as barras de

nesta noite, vou expressar uma ou-

chocolate e amendoins do mini-

tra dimensão de minha gratidão.

bar do hotel, escrevi umas pou-

Acho que posso, e tentarei, fazer isso em três ou quatro minutos.

cas palavras. Acho que não devo

profundamente lisonjeado por ser reconhecido pela Fundação. Mas,


Enquanto fazia as malas em Los Angeles, senti-me desconfortável, pois não sei o que pensar sobre a concessão de prêmios à poesia. Ela vem de um lugar que ninguém controla, que ninguém conquista. Por isso, pensei em mim como uma espécie de charlatão, ao aceitar um prêmio por uma atividade que não domino. Em outras palavras, se soubesse de onde vêm as grandes canções, visitaria esse lugar com mais frequência. Fui forçado, no meio daquela martírio que é fazer as malas, a abrir o estojo do meu violão. Tenho um violão Conde, feito na Espanha, no grande Ateliê da Rua Gravina, número 7. Segurei um instrumento que adquiri 40 anos

atrás. Retirei-o do estojo, ergui-o. Ele estava tão leve que parecia estar cheio de hélio. Trouxe-o para perto do meu rosto, fui em direção à roseta belamente desenhada, e inalei a fragrância da madeira viva. Vocês sabem que a

madeira nunca morre. Inalei a fragrância do cedro, tão fresco como no dia em que o adquiri. Uma voz parecia me dizer: “Você é um senhor e ainda não agradeceu, não levou sua gratidão de volta ao solo, de onde essa fragrância nasceu”. Portanto, venho aqui agradecer ao solo e à alma deste povo, que tem me oferecido tanto. Pois sei que uma carteirinha de identificação não é um homem e uma classificação de crédito não é um país. Pois bem, vocês sabem da minha profunda ligação e afeição com o poeta Federico García Lorca. Posso dizer que quando era jovem, um adolescente, eu desejava ter uma voz. Estudei os poetas ingleses e conheci suas obras muito bem. Copiei seus estilos, mas não con-

seguia encontrar uma voz. Foi apenas quando li, mesmo em tradução, os poemas de Lorca que compreendi que ela existia. Não que tenha copiado a sua – eu não ousaria –, mas ele me permitiu encontrar uma voz, procurar por

ela, encontrar um eu, um eu que luta pela própria existência. Amadureci, entendi que as instruções vinham com essa voz. Quais instruções eram essas? Elas diziam que nunca se deve lamentar de forma casual. E que se for para expressar a grande inevitável derrota que espera por todos nós, isso deve ser feito dentro de um estrito limite de dignidade e beleza. Então, achei a minha voz, mas aí não tinha um instrumento. Não tinha uma canção. Vou contar agora, muito brevemente, a história de como me tornei compositor. Eu não era um bom violonista. Arranhava os acordes. Conhecia apenas alguns deles. Eu me reunia com amigos da universidade, bebia e cantava canções

populares da época e música folk, mas nem em milhares de anos me imaginei como músico ou cantor. Um dia, no começo dos anos 60, estava visitando minha mãe em Montreal. Sua casa fazia divisa com um parque e, ao lado dele,

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– uma progressão de seis acordes.

recebia muitas pessoas para as-

“Não, eu não sei tocar”. Ele disse: “Antes de mais nada, deixe

sistir aos belos jovens praticarem

eu afinar seu violão. Está comple-

são baseadas nela.

seu esporte. Passeando pelo par-

tamente desafinado”. Depois de

que, que conhecia desde a infân-

fazer o serviço, completou: “Não

cia, encontrei um jovem, rodeado

é um instrumento ruim”. Não era

por dois ou três meninos e meni-

o Conde, mas não era desprezível.

nas. Ele estava com um violão de

Quando devolveu, disse: “Agora

flamenco. Amei a maneira como

toque”.

tocava. Havia algo nessa maneira

Não melhor.

havia uma quadra de tênis, a qual

que me prendeu. Era deste jeito que eu desejava, mas sabia que jamais seria capaz de tocar.

Sentei-me, então, junto com sua plateia por alguns instantes e quando houve um silêncio apropriado perguntei se ele estava interessado em dar aulas de violão para mim. Ele era um jovem rapaz espanhol. Como não falava inglês, conseguíamos conversar apenas num péssimo francês, meu e dele. O rapaz aceitou me dar aulas. Apontei para a casa da minha mãe, que ficava na direção da quadra de tênis, marcamos um horário e acertamos o preço. No outro dia, ele foi à casa da minha mãe e disse, “Toque algo para eu ouvir”. Tentei tocar algo e ele falou: “Você não sabe tocar, não é?”.

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consegui

desempenho

“Vou te mostrar alguns acordes”. Ele pegou o violão e produziu

um som que jamais tinha ouvido naquele instrumento. Tocou, então, uma sequência de notas com um trêmulo e disse, “Sua vez”. Respondi, “Isso está fora de questão. É impossível”. O rapaz respondeu, “Deixe-me pôr seus dedos nos trastes”. Depois de feito, completou, “Toque, toque agora”. Foi um terror. “Eu volto amanhã”, foi o que disse. Ele voltou no outro dia, colocou minhas mãos no violão, posicionou-o em meu colo na maneira que era apropriada e comecei novamente com aqueles seis acordes

Muitas, muitas músicas flamencas

Fui um pouco melhor naquele dia. No terceiro, melhorei – melhorei um pouco. Mas agora eu conhecia as notas. Sabia que apesar de não conseguir coordenar meus dedos com o dedão para fazer o padrão correto do trêmulo, eu sabia os acordes; conhecia-os muito, muito bem.

No próximo dia, ele não foi. Não apareceu. Eu tinha o seu número, da pensão em que ele estava hospedado em Montreal. Telefonei para saber por que ele não havia comparecido, e me disseram que ele tinha se matado. Que ele tinha cometido suicídio. Não sabia nada sobre aquele homem. Não sabia de que parte da Espanha ele viera. Não sabia por que tinha ido para Montreal. Não sabia por que estava tocando lá. Não sabia por que ele tinha aparecido na quadra de tênis. Eu não sabia por que havia tirado sua própria vida.


Fiquei profundamente chateado, é claro. Mas agora eu revelo algo que nunca havia dito em público. Aqueles seis acordes – aquele padrão – foram a base de todas as minhas canções e minha música. Portanto, agora vocês podem entender as dimensões da gratidão que eu sinto por esse país.

Portanto, agradeço muito pela calorosa hospitalidade que vocês têm mostrado pelo meu trabalho, porque, na verdade, ele é de vocês, foram vocês que permitiram fixar minha assinatura na parte de baixo da folha.

Sobre o tradutor Diego Zerwes é formado em Publicidade e Propaganda (Universidade Positivo) e pós-graduado em Literatura Brasileira e História Nacional. Trabalha na equipe de comunicação do Colégio Medianeira

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Tudo o que vocês acham bom em minha obra vem deste lugar. Tudo, tudo o que vocês acham digno nas minhas canções e na minha poesia são inspiradas neste solo.

recomendações A brincadeira favorita Autor: Leonard Cohen -Tradução: Alexandre Barbosa de Souza Editora: Cosac Naify O livro segue a trajetória de Lawrence Breavman, desde a adolescência em Montreal no final dos anos 40 a suas aventuras afetivas e literárias em Nova York, em meados dos 50. Nesse período, Lawrence perde o pai, elabora suas primeiras brincadeiras sexuais, afina a elegante ironia e as dúvidas existenciais com o amigo Krantz, enfrenta a loucura crescente da mãe, publica um bem sucedido livro de poemas, envolve-se com Tamara, Shell, Lisa, Wanda... até que um episódio trágico numa colônia de férias o faz repensar a vida

Atrás das linhas inimigas de meu amor Tradução: Fernando Koproski Editora: 7 Letras É a primeira tradução brasileira da obra poética do famoso músico e compositor canadense Leonard Cohen. Esta coletânea, cuidadosamente elaborada pelo também poeta e músico curitibano FernandoKoproski, apresenta um belo panorama da obra de Cohen, que trata do amor, do tempo e dos horrores da guerra. Os poemas têm uma linguagem única, simples e coloquial, e diversos deles foram musicados pelo compositor.

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