Revista Mediação - Número 30

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revista de educação do colégio medianeira NÚMERO 30

ANO XIII - 2017 ISSN 1808-2564

Porque

outro mundo é possível

Educação integral: uma formação

global

A Sustentabilidade e o compromisso com os demais

Educação, ideologia e cidade

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Diretor P. Carlos Alberto Jahn, S.J.

Diretor Acadêmico Prof. Fernando Guidini

Diretor Administrativo Gilberto Vizini Vieira

Jornalista Responsável Carlos Alberto Jahn (MTB 9977)

Coordenação Editorial Vinicius Soares Pinto, Jonatan Silva e Liliane Grein

Revisão

sumário

expediente

Revista de educação editada e produzida pelo Colégio Medianeira ISSN 1808-2564

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O Desafio e a oportunidade da globalização

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Medianeira: uma história com o cinema brasileiro

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P. José Alberto Mesa, S.J.

Jonatan Silva Projeto Parcerias: uma experiência de gestão compartilhada e formação continuada de educadores entre instituições de ensino

Danielle Mari Stapassoli

Bruno Sanroman

Redação Jonatan Silva

Projeto Gráfico Liliane Grein

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A vida em busca de sentido

P. Dionysio Seibel, S.J.

Ilustração e imagens Adobestock, Hugo Harada, Paulinha Kozlowski, Marcelo Weber e Shutterstock

Colaboraram nesta edição Andressa Medeiros, Daniella Mari Stapassoli, Fernando Guidini, Francisco Carlos Reme, Ilka Fichtner, Jonatan Silva, Marcelo Weber, Martinha Vieira, Miguel Angelo Manasses, P. Dionysio Seibel, S.J., P. José Alberto Mesa, S.J., Paulo Venturelli, Roberto Casagrande Filho.

Equipe Pedagógica Serviço de Orientação Pedagógica Claudia Furtado de Miranda, Danielle Mari Stapassoli, Juliana Cristina Heleno, Mayco Delavy e Ivana Suski Vicentin

Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1º a 5º ano Coordenação Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro

Outro mundo possível e Colégio Medianeira: Um Projeto individual e coletivo 20 mediatizado pela atualidade da proposta Pedagógica Jesuíta Fernando Guidini

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Darcy Ribeiro

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Educação, Ideologia, Cidade

Miguel Angelo Manasses

Paulo Venturelli

Ensino Fundamental de 6º e 7º ano Coordenação Profª Eliane Dzierwa Zaionc

Ensino Fundamental de 8º e 9º ano Coordenação Prof° Marcelo Pastre

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Ser e Agir Entrevista com Sueli Takemori

Jonatan Silva

Ensino Médio Coordenação Profº Adalberto Fávero

Coordenação de Pastoral Isabel Cristina Piccinelli Dissenha

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Sustentabilidade e Pesquisa no Medianeira

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Escola e cidade: parcerias e caminhos

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Conexão Medianeira

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Uma reflexão em imagens e palavras

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Charge

Francisco Carlos Rehme e Roberto Casagrande Filho

Coordenação de Midiaeducação Vinicius Soares Pinto

Comunicação e Marketing Vinícius Soares Pinto

Martinha Vieira

Tiragem 3500

Papel Capa: Papel 210g Miolo: Papel 115g

Ilka Fichtner

Número de Páginas 60

Impressão Gráfica Radial Tel: 3333-9593

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Colégio Nossa Senhora Medianeira. A reprodução parcial ou total dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria. Linha Verde - Av. José Richa, nº 10546 Prado velho - Curitiba/PR Fone 41 3218 8000 www.colegiomedianeira.g12.br mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Andressa Medeiros

Marcelo Weber

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editorial

Em 2017 chegamos aos 60 anos de Colégio Medianeira – e também à 30ª edição da Mediação – com a missão de fazermos do mundo um lugar melhor e mais justo para todos. A excelência humana e acadêmica que ensinamos, vivenciamos e partilhamos é o norte para que possamos (re)pensar a escola que queremos, tudo o que já fizemos nessas seis décadas e o que queremos fazer nos próximos anos. Muitas pessoas, famílias e instituições contribuíram para ser o que somos. O Medianeira é uma das instituições educativas da Companhia de Jesus mais jovens, mas não menos engajada em formar sujeitos que se desenvolvam e se reconheçam nas dimensões afetiva, espiritual, ética, estética, cognitiva, comunicativa, corporal e sociopolítica (PEC, n. 40). Nesse sentido, construímos nossa história visualizando que outro mundo é possível. A fé em um mundo mais fraterno – por meio das aprendizagens e das trocas de conhecimento – é a força-motriz para acreditar que a

globalização é uma oportunidade, e ao mesmo tempo o desafio, de preparar homens e mulheres com e para os demais. E o Medianeira desde a sua gênese está a serviço de Curitiba e do Brasil. Respeita a diversidade e se constitui como uma instituição plural e relevante. Das experiências de nossos estudantes fora do Brasil, dos projetos de professores e educadores, do modo de proceder institucional da Companhia de Jesus, às interações e integrações que acontecem e aconteceram na nossa cidade, nas artes, nos esportes e nos processos de ensino-aprendizagem. São 60 anos de práticas e projetos que não devem e não podem ser esquecidos. Fazemos o importante resgate da participação do Colégio Medianeira na produção do longa A Primeira Missa, de Lima Barreto. Relembramos também a trajetória de Darcy Ribeiro, importante educador brasileiro e figura central na discussão por uma pedagogia democrática.

Tendo em vista esse mosaico, podemos dizer que a aprendizagem acontece no mundo e para o mundo. Por isso, ao colocar a desterritorialização em seu o horizonte, a Rede Jesuíta de Educação propõe novas ações, ações nas quais o educando participa ativamente por meio de um caminho mapeado pelo educador (PEC n. 32). Esse mesmo caminho é traçado com livros, com criticidade, cuidado com o outro e, claro, alicerçado pela pedagogia jesuítica. Nesse ínterim, articulamos as relações que fortalecem nosso Projeto Político-Pedagógico, como o Projeto Parcerias e as iniciativas de Sustentabilidade, e promovemos a valorização da vida e da dignidade humana. Por fim, convidamos você, caro leitor e cara leitora, a compartilhar desse ano de celebração e reflexão. Boa leitura.

Jonatan Silva

Envie sugestões e comentários para:

mediacao@colegiomedianeira.g12.br Procure essa e as edições anteriores, que podem ser lidas na íntegra, no nosso site:

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O Desafio

e a oportunidade

da globalização Secretário Mundial para Educação da Companhia de Jesus comenta sobre a importância de usar a globalização a favor da missão evangelizadora dos colégios jesuítas. P. José Alberto Mesa, S.J. Tradução por Jonatan Silva

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A

história da educação da Companhia de Jesus remonta aos inícios da mesma, quando os primeiros jesuítas dedicaram suas vidas a servir a Deus e ajudar as pessoas. Diante deles estava o começo da ideia de fundar escolas. No entanto, rapidamente o próprio Santo Inácio e outros se deram conta de que os colégios ofereciam uma oportunidade única de servir à missão e ter um impacto difícil de lograr de outra maneira na sociedade. Com entusiasmo começaram o caminho educativo e, em 1548, abriram o primeiro Colégio em Messina, Sicília. Muitos outros seguiram em tantas partes do mundo, criando “uma rede internacional de colégios, de longe a maior que o mundo havia visto sob um mesmo patrocínio. (O’Malley, J. Os Primeiros Jesuítas. Unisinos, São Leopoldo: 2004). A Companhia nasceu quando o que hoje chamamos de globalização se insinuava, e os jesuítas contribuíram de muitas formas para torná-la possível: escreveram inúmeros textos sobre outras terras, costumes e produtos contribuindo para uma consciência global. Hoje muito se debate sobre o significado da globalização e se ela é ou não positiva para o mundo. A Congregação Geral (CG 35), de 2008, consciente do desafio da globalização, afirmou que

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vivemos em um mundo global, de interdependência crescente.

A globalização tem continuado a um ritmo rápido e, como resultado, nossa interconectividade tem aumentado. Seu impacto tem se deixado sentir mais profundamente em todos os campos de nossas vidas e sustenta sobre estruturas interrelacionadas de caráter cultural, social e político que afetam o núcleo de nossa missão de fé, justiça e a todos os aspectos de nosso diálogo com religiões e culturas. (Decreto 3, Nº. 9)

A CG 35 está também consciente que esta nova interconexão também tem provocado novas formas de isolamento, exclusão e marginalização. Esses chamados nos obrigam a repensarmos se em seu início os jesuítas criaram em um sistema de escolas internacionais. Certamente essa não era uma rede como a entendemos hoje, já que se embasou em um modelo de escola reproduzida muitas vezes em diferentes partes do mundo, ainda que com certas diferenças locais. Atualmente não buscamos esse tipo de organização. Queremos manter a tensão entre estar arraigados localmente e abertos à cooperação internacional, e educar em uma cidadania global na qual os estudantes reconheçam sua interdependência, responsabilidade e solidariedade não apenas sob


o solo de seus países de origem, mas sim por toda a humanidade e o mundo. Certamente se trata de uma visão global que é, em muitos sentidos, nova para nós e para nossos estudantes e suas famílias. Um ciclo contínuo de renovação: Durante os mais de 400 anos de história da educação a Companhia de Jesus tem mantido uma atitude de abertura à renovação educativa necessária de acordo com os tempos sempre cambiantes da história. Em tempos recentes, o P. Arrupe deu início a um grande e fecundo caminho de renovação que tem feito com que nossa educação se centre na formação de homens e mulheres para os demais, que desdobram a excelência humana expressadas nos 4 C’s: mulheres e homens conscientes, competentes, compassivos e comprometidos, que dão testemunho de Jesus em nosso mundo de hoje. Nos últimos anos temos visto como as mais recentes congregações gerais da Companhia e os PP. Gerais nos têm urgido a responder ao contexto particular da globalização. Dentro desta resposta, a educação da Companhia tem implementado um ciclo contínuo de renovação, que já tem dois momentos importantes: o ICJSE (Colóquio Internacional da Educação Secundária Jesuíta) e o SIPEI (Seminário Internacional de

Pedagogia e Espiritualidade Inacianas). Um novo momento está em preparação: o JESEDU-Rio (Congresso Internacional dos Delegados de Educação da Companhia de Jesus). No verão de 2012, os diretores de um bom número de colégios de ensino médio de todo mundo se reuniram em Boston, Estados Unidos, para participar do ICJSE como uma oportunidade para nos reconhecermos como rede e explorarmos juntos o futuro. Ao final do colóquio se expressa bem essa nova realidade:

Nossa rede internacional de escolas está em uma posição única para educar cidadãos globais capazes de participar de um processo de globalização da solidariedade, a cooperação e a reconciliação que respeita completamente a vida humana, a dignidade e toda a criação de Deus. Nosso compromisso de construir uma rede, tanto em corpo universal e nosso chamado às fronteiras provêm de nossa consciência de mundo e de nosso desejo de ajudar efetivamente aos nossos estudantes a estar face aos desafios globais.

Durante o SIPEI em Manresa em 2014 dedicamos tempo para explorar nossas raízes espirituais e as novas tecnologias pedagógicas. Foi um diálogo fecundo em que novamente reconhecemos o desafio da globalização:

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Em todo o mundo, a educação se encontra em uma encruzilhada resultado das mudanças extraordinárias na sociedade que nascem da globalização, o abismo cada vez mais amplo entre os ricos e os pobres, as inovações tecnológicas, as mudanças nas famílias e as novas buscas por paz e igualdade. No SIPEI afirmamos que as respostas de nossos colégios a esta encruzilhada implicam em uma nova maneira de ser e proceder:

Portanto, estamos convencidos de que é necessária uma mudança profunda em nossas escolas… temos experimentado as imensas possibilidades que nos abrem a todos o feito de pensar, trabalhar e sonhar juntos como uma rede global. Queremos levar muito a sério a chamada da CG 35, D.2 N.20: “Servir à missão de Cristo hoje implica prestar

atenção especial ao contexto global. Esse contexto requer de nós atuar como uma instituição universal com uma missão universal, constatando, ao mesmo tempo, a radical diversidade de nossas situações. Buscamos servir aos demais em todo o mundo, como uma comunidade de dimensões mundiais e, simultaneamente, como uma rede de comunidades locais.” (Declaração final) Em outubro de 2017 teremos o primeiro congresso de Delegados de Educação Jesuíta no Rio de Janeiro. Este será um momento muito importante para observar o desafio da globalização e convertê-lo em uma oportunidade de servir melhor nossa missão de fé, justiça e diálogo com os outros e com a ecologia. O principal propósito do congresso será “a criação de uma agenda global comum que oriente o trabalho em rede

dos colégios Jesuítas no mundo como resposta ao chamado de “atuar como corpo universal com uma missão universal”. Nossa missão é uma tradição viva que hoje reconhece o desafio da globalização e quer vislumbrar uma oportunidade única de servir nossa missão.

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P. Jose Alberto Mesa, S.J. é atualmente Secretário Mundial para Educação da Companhia de Jesus. É responsável pela coordenação da Rede Jesuíta de Educação e renovação permanente da Educação Jesuíta. P. Mesa é também professor visitante na Universidade Loyola, em Chicago (EUA), é mestre em Educação pela Unidade de Harvard (EUA) e Ph.D. em Filosofia e Educação pela Teachers College, da Universidade Columbia, de Nova York (EUA).

Recomendações Filme: Ignácio de Loyola (2016) Direção: Paolo Dy | 118 min O longa narra a vida de Santo Inácio de Loyola e traz o ator espanhol Andreas Muñoz, conhecido pelo filme de Guillermo del Toro A Espinha do Diabo, no papel do fundador da Companhia de Jesus. O filme, rodado nas Filipinas, é uma biografia emocionante, rendendo elogios até mesmo do Vaticano.

Competentes, conscientes, compasivos y comprometidos Josep Maria Margenat | PPC e FLACSI A educação integral e integradora da Companhia de Jesus busca formar uma pessoa completa e que possa contribuir para uma sociedade mais justa e fraterna. O processo educativo global passa pela formação de sujeitos que tragam consigo os 4 C’s da proposta pedagógica Jesuíta e que estejam preparados para o mundo.

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Medianeira:

uma história com o cinema brasileiro Por Jonatan Silva

ugura a n i , eto a Barr

a Lim . t s a e o ci n em a d n , i ) 1 c 6 o 9 da com issa (1 o i a M e r i a m r e i , p or Prime edian A m rte. M a a a z o g i l a d n a r o m u i OL as at la sét e amo n e d u l p o a o ã ç aixã nos e p u a rela l a s a s s afia, e is seu r o g p o e t os d e Fo a m e 60 an e Cin d a n i c Of i

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diretor Lima Barreto (1906 – 1982) levava para o Festival de Cannes o longa A Primeira Missa (1960), sua última produção. Apesar dos esforços de Barreto, a Palma de Ouro seria dividida entre Viridiana, de Luis Buñuel, e Uma Tão Longa Ausência, de Henri Colpi. No Brasil, foi premiado no IV Festival de Cinema de Curitiba, pela Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos e recebeu destaque no Festival de Cinema de Poços de Caldas, em Minas Gerais.

O

Inspirado no conto Nhá Colaquinha Cheia de Graça, de Nair Lacerda (1903 – 1996), o filme narra a trajetória de Bentinho ao sacerdócio por meio das memórias de sua mãe, Dona Escolástica, ou Nhá Colaquinha, como era chamada na cidade de Remanso. Ainda criança, Bentinho ajudava a mãe, que trabalhava como lavadeira, e precisava se libertar do fantasma do pai alcóolatra, que morre em decorrência do alcoolismo. A amizade com Mestre Zuza, um homem muito sábio, mas que não acredita em Deus, desperta no garoto a vocação para padre.

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Barreto faz um importante retrato das décadas de 1920 e 1930, abordando temas delicados como a Crise de 1929, a ascensão do fascismo na Europa e a religiosidade popular. O que pouca gente sabe é que A Primeira Missa faz parte da história do Colégio Medianeira. A Companhia de Jesus patrocinou a produção e o dinheiro da bilheteria ajudou a financiar as obras do Medianeira. P. Valério Alberton, S.J. representou a Companhia nas negociações e acompanhou Lima Barreto em Cannes. Segundo relatório produzido pelo P. Alberton, o longa foi exibido 20 vezes na Europa, sendo quatro no festival francês, oito em Roma, três em Paris, duas em Madri e uma vez nas cidades de Santa Margarida, Milão e Rotemburgo. A campanha para vender e distribuir a película rendeu ao jesuíta a pecha de gostar de viajar e duas apreensões dos rolos: a primeira na alfândega e, logo em seguida, na Espanha. P. Alberton fez parcerias com diversos distribuidores estrangeiros e trouxe para o Brasil alguns títulos inéditos por aqui na época.

Ana Dice Sí (1958), de Pedro Lazaga, Sólo Para Hombres (1960), de Fernando Fernán Gómez, e El Canto del Gallo (1955), de Rafael Gil, são alguns dos longas que estrearam em solo tupiniquim graças ao intermédio jesuítico. Produção Lima Barreto precisou de quatro anos para finalizar A Primeira Missa. No dia 15 de dezembro de 1959 a Folha de S. Paulo publicou um relato do diretor, à época já consagrado por O Cangaceiro (1953), sobre as dificuldades do cineasta em encontrar quem interpretasse Bentinho. “Está ‘quase’ tudo pronto para a realização de A Primeira Missa. Explico a razão desse impertinente ‘quase’. Imaginei para o papel do moleque ‘Bentinho’, a aparecer em grande parte do filme, um menino de oito para dez anos, altura aproximada de 1m20, peso proporcionado, vivo, inteligente, desembaraçado e, sobretudo, muito simpático. Esclareço ainda que esse garoto deve ser de cor branca e tez morena”, revelou. A pressa de Barreto se justificava: o


filme deveria estar pronto em abril

gênio e todos sabiam disso, mas

de 1960 para ser exibido no Con-

fingiam não sabê-lo”.

gresso Eucarístico e de Vocações Sacerdotais, em Curitiba. A Primeira Missa não conseguiu obter o mesmo sucesso e destaque que a produção anterior de Lima Barreto, que chegou a discordar do corte final. Para o diretor, o longa deveria ter 180 minutos (3 horas), entretanto, os produtores o cortaram pela metade. Anos mais tarde, o desempenho do filme na cidade de Joinville (SC) surpreendeu, superando inclusive A Noviça Rebelde (1965), de Robert Wise, e que naquele ano levou cinco Oscar (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Edição, Melhor Som e Melhor Trilha Sonora). Nordestern Victor Lima Barreto é uma figura singular na história do cinema brasileiro. Com apenas dois longas-metragens, O Cangaceiro e A Primeira Missa, dois documentários, Santuário (1952) e São Paulo em Festa (1954), e alguns curtas, o diretor ajudou a criar o nordestern, uma espécie de faroeste do cangaço, mas acabou esquecido pelo público e pela crítica. Dias depois da morte de Barreto, Rogério Sganzerla (1946-2004), realizador d’O Bandido da Luz Vermelha (1968), afirmou que “Lima era um

P. Alberton, em uma carta datada de 2002 para o Provincial relembrou sua trajetória ao lado do cineasta e comentou: “no Brasil se produziu uma série desses filmes [nordestern] mas jamais atingiram o nível de O Cangaceiro”. Entre os admiradores do trabalho de Lima Barreto estava James Dean (1931 – 1955), que afirmou que a estética do filme chamou sua atenção porque “era algo muito diferente”. O cineasta e escritor Jean Cocteau (1889 – 1969) também foi devoto ao filme. Ele foi presidente do Festival de Cannes de 1953 e elogiou publicamente O Cangaceiro. Já o ator de Vidas Amargas (1954) e Juventude Transviada (1955) afirmou em uma entrevista ter se entusiasmado com o trabalho do diretor brasileiro. Viva Cangaceiro (1970), do italiano Giovanni Fago e que trazia Tomas Milian como Espedito, personagem inspirado em Lampião alcança admiradores na Europa. Ainda que não tenha recebido o reconhecimento que lhe é devido, Lima Barreto é um dos nomes mais inovadores do cinema nacional e ajudou a criar a imagem – no sentido estético – da figura do cangaceiro. Sem dúvida, sua marca está gravada na história da sétima arte.

Ontem, hoje e sempre A promoção e a valorização da cultura fazem parte do modo de proceder da Companhia de Jesus. Muito antes do Medianeira conceber iniciativas como a Oficina de Cinema e Fotografia, e outras atividades do Centro de Artes, o Colégio já escrevia seu nome ao lado da sétima arte. As produções artísticas e culturais são ferramentas fundamentais do processo pedagógico do Medianeira e também da Rede Jesuíta de Educação (RJE). O Projeto Educativo Comum (PEC), documento basilar da RJE e que irá nortear as ações dos colégios, n. 34, ilumina a necessidade de renovação do currículo e do modo de ensinar, colocando o estudante como centro de todo o processo. Os frutos de todos os esforços são colhidos pouco a pouco. O curta-metragem Reviravolta (2014), produzido pela turma de cinema do professor Alexandre Rafael Garcia, recebeu no final de 2016 o prêmio de Júri Popular no Festival Pequeno Cineasta, no Rio de Janeiro. O estudante Vítor André Guaresi Portela participou do Festivais B. Green, em Portugal, e do 1º Festival de Curtas Ecológicos da WWF-Brasil, com o vídeo Mais Que o Necessário (2014). “Esse é nosso maior orgulho: o aluno se apropriar do conhecimento e seguir

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o seu próprio caminho”, comentou o professor Alexandre. Entre os anos de 2009 e 2010, os trabalhos produzidos pelos alunos do Medianeira foram aclamados nas 8ª e 9ª edições do Festival de Vídeo Estudantil em Guaíba, recebendo o 1º lugar na categoria Animação (2009) e destaque nas categorias Educação e Criatividade. No ano seguinte, os estudantes foram agraciados com o 2º lugar na Mostra Estudantil – do mesmo festival. Em 2011, no II Festival de Vídeo nas Escolas, o Medianeira garantiu o 1º lugar entre os alunos. O curta O Último Dia de Aula (2013) foi premiado no festival Roda Aí, do mesmo ano, promovido pela Rede Globo e suas afiliadas.

O fortalecimento das relações de estudantes, e também de educadores, com a cultura evidencia “todos são protagonistas do processo educativo, participando de diferentes formas e lugares da vida escolar” (PEC n.32). Em outras palavras, é o compromisso de formar alunos e alunas para toda a vida e que eles sejam capazes de olhar o mundo de maneira justa e fraterna, articulando o diálogo e o respeito. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Jonatan Silva é formado em Jornalismo e pósgraduado em Marketing Digital. Trabalha como jornalista e assessor de imprensa no Colégio Medianeira e colabora com o jornal Rascunho e o portal A Escotilha. É autor do livro O Estado das coisas.

Recomendações O que é cinema? Jean-Claude Bernadet | Editora Editora Brasiliense Obra fundamental para quem desejar conhecer a história e o modus operandi da sétima arte, o livro é um excelente apanhado reflexivo e cronológico do cinema. Bernardet não se furta em desmitificar os filmes e a noção de realidade que eles criam.

O Sentido do filme Sergei Eisenstein | Editora Zahar O cineasta soviético, responsável pelo clássico O Encouraçado Potemkin (1925), faz um importante balanço sobre a atividade cinematográfica até o começo da década de 1940. O livro é uma importante peça para cinéfilos e para quem se interessa por cinema: seus artigos funcionam até hoje como norteadores teóricos para cineastas e demais profissionais.

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uma experiência de gestão compartilhada e formação continuada de educadores entre instituições de ensino Por Danielle Mari Stapassoli

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Este artigo tem por objetivo relatar uma experiência de gestão compartilhada e formação continuada de educadores entre escolas, a partir de um projeto denominado Projeto Parcerias, que surgiu em 2000 como contraponto ao conceito de convênio educacional. Por ser conduzido pelo Colégio Jesuíta Nossa Senhora Medianeira, em Curitiba-PR, segue a inspiração inaciana de educação e amplia seus estudos com palestras de pesquisadores de universidades locais.

ensar o cotidiano nas escolas é refletir sobre os processos educacionais, explícitos e implícitos neste cotidiano, que constituem o currículo escolar como um todo, o que inclui considerar também o modo como este espaço é administrado. Isto porque, conforme Sacristán, currículo é “o projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada.” (SACRISTÁN, 2000, p.34) O currículo se nutre dos conteúdos e sua concretização não é independente dos formatos que o currículo adota (documentos, planejamentos e materiais didáticos) e nem das condições nas quais se desenvolve (sociais, políticas e econômicas). Portanto, tudo o que é vivido e experienciado em uma instituição de ensino faz parte do currículo.

P

A reflexão sobre estas questões, a elaboração e a consolidação de um currículo, são demandas que exigem das escolas uma estrutura de formação continuada

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de seus educadores. Como motivar os educadores para o estudo permanente, elaboração e qualificação de seus planejamentos? Como fidelizar um quadro de educadores diante de oportunidades de trabalho oferecidas por grandes Colégios e Redes de Ensino? Como profissionalizar o educador no que diz respeito ao conhecimento do que é próprio da sua formação e na defesa deste conhecimento diante das famílias? Muitos gestores sentem-se sozinhos diante do enfrentamento destas questões e não raro pensam que os problemas do cotidiano escolar são próprios apenas da sua realidade. Foi diante desta situação que surgiu o Projeto Parcerias, que tem como ponto de encontro e administrador o Colégio Jesuíta Nossa Senhora Medianeira.

Breve histórico O Projeto Parcerias é um grupo de instituições educativas, particulares e públicas, que se reúne para estudar e discutir temas relacionados à educação, além de trocar experiências educativas e

administrativas e refletir sobre questões que qualificam suas propostas pedagógicas, buscando na inspiração Inaciana a excelência humana e acadêmica. O Projeto surgiu em 2000 como um contraponto ao conceito de convênio educacional. Como tem por objetivo o estudo e qualificação de propostas pedagógicas, fortalecendo identidades, o Projeto Parcerias não oferece material didático obrigatório ou interfere na ação formativa própria de cada instituição. Busca, pelos estudos e discussões coletivos, consolidar princípios comuns e conceitos fundamentais para a estruturação das propostas pedagógicas. Com isso, o que se quer é profissionalizar gestores


e educadores, dando-lhes condições de analisar e avaliar materiais educativos e administrativos, bem como o processo de ensino-aprendizagem.

Fortaleza/CE onde há um grupo que iniciou este ano um projeto no mesmo formato, denominado Projeto Tecitura.

si só não dá conta desta formação

Os encontros são quinzenais, sendo um somente de gestores e outro para formação de educadores, com temas definidos previa e coletivamente pelo grupo do Projeto. Não há cobrança de mensalidade ou taxa de adesão. O compromisso é a presença e a participação ativa nas atividades do Projeto.

fletida, pensada ou como respos-

Temas como alfabetização e letramento, currículo, metodologia e avaliação, psicomotricidade relacional, tecnologias na sala de aula, entre outros, têm sido estudados e discutidos tanto a partir de experiências vividas pelas escolas do projeto, como também a partir da necessidade das propostas pedagógicas.

mente, um dos objetivos do Pro-

Recentemente, diante da organização da Base Nacional Curricular Comum e da relevância para as escolas do Projeto a proposta curricular para a Educação

No Projeto está inserida a for-

Infantil, as escolas se debruçaram

mação continuada dos sujeitos,

sobre a compreensão do que seja

a disponibilidade de espaços de

infância e currículo na educação

uso comum, a troca de informa-

infantil. Para isso, contamos com

ções e experiências educativas,

a Prof.ª Dr.ª Angela Scalabrin Cou-

contribuições na elaboração dos

tinho, coordenadora do curso de

projetos pedagógicos, assessoria

Pedagogia da UFPR e uma das or-

em necessidades administrativas e

ganizadoras do Fórum de Educa-

outras específicas.

ção Infantil do Paraná, o FEIPAR.

e tendo consciência ou não, toda instituição tem um currículo com uma intenção de fundo, seja retas às demandas. Adotar material apostilado, por exemplo, é trabalhar com uma concepção que ali está posta. O currículo é representativo de escolhas da instituição.

Gestão Compartilhada Como comentado anteriorjeto é a troca de informações e experiências educativas e a assessoria nas questões administrativas. Compartilhar ideias sobre a educação é o que fazem os jesuítas desde 1599 por meio da Ratio Studiorum. A LDB 9.394/96 também traz a ideia do partilhar, ao apontar a gestão democrática para as escolas do ensino público na educação, defendendo a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolares e local em conselhos escolares ou equivalentes. As instituições de ensino particulares se organizam de forma diferenciada das instituições da rede pública de ensino, mas se submetem às leis que regem a educação no país. Lück afirma

Atualmente o Projeto conta

Conforme a Prof.ª, é afirmativo

que “a gestão democrática ocor-

com 10 escolas, localizadas em

dizer que há muita coisa definida

re na medida em que as práticas

Curitiba e Região Metropolita-

para a Educação Infantil, mas que

escolares sejam orientadas por fi-

na/PR, atendendo alunos desde

é preciso também muito processo

losofia, valores, princípios e ideias

a Educação Infantil até o Ensino

de formação para estes profissio-

consistentes, presentes na mente

Médio. A ideia já foi levada para

nais. A formação acadêmica por

e no coração das pessoas, deter-

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minando o seu modo de ser e de fazer”. (LÜCK, 2006, p. 41) Reunindo escolas em torno de princípios comuns, o Projeto Parcerias parte do pressuposto de uma gestão democrática, mas como as instituições que compõem o projeto são autônomas, o espaço de trocas não interfere diretamente na organização de cada escola, influencia na medida que discute possibilidades de ação efetivas e eficazes, tanto no que diz respeito ao cumprimento da legislação para a educação, como no caso recente do corte etário ou das questões trabalhistas com educadores efetivos e profissionais contratados, quanto na formação continuada dos seus educadores. Neste espaço de gestão compartilhada, as escolas do Projeto Parcerias, por meio dos seus gestores, estudam teóricos e textos que fundamentam um conjunto de princípios comuns para a qualificação das suas propostas pedagógicas. É o caso, por exemplo, do documento atual em elaboração no Projeto sobre Princípios Curriculares para a Educação In-

ceito de Educação para se chegar ao foco de trabalho da Educação Infantil. Atualmente, como sequência dos estudos, as escolas estão discutindo o que é fundamental garantir como método de trabalho na Educação Infantil para que haja a transposição destes princípios para o cotidiano das escolas. A gestão compartilhada se dá tanto nos aspectos pedagógicos quanto administrativos. No que se refere aos aspectos administrativos próprios de uma instituição de ensino, recentemente discutiu-se os encaminhamentos sobre o Corte Etário, não aplicado ainda oficialmente no Paraná, mas com recomendação de implantação devido ao contexto nacional e legal. Esta discussão influencia diretamente a organização curricular bem como questões administrativas, como número de alunos a serem matriculados e, consequentemente, educadores. No caso das escolas particulares, todo impacto no número de alunos causa também impacto financeiro, o que influencia diretamente na qualidade da estrutura e materiais oferecidos.

fantil. A partir de estudos, discussões, palestras, o documento traz

Formação Continuada

conceitos importantes a serem considerados com seus educadores. Iniciou-se com o conceito de Infância na relação com estudos sobre o contexto, a sociologia da infância e documentos nacionais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Na continuidade, o conceito de Infância se relaciona com o con-

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No que tange à formação continuada dos educadores, a busca pela profissionalização não é nova e procura sempre resgatar uma formação fundamentada em pesquisas científicas e realimentadas pela prática num movimento dialético constante. Já dizia Paulo Freire, que “(...) na formação

permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. (FREIRE, 1996, p.43) O Projeto Parcerias encara a formação continuada dos educadores como o grande objetivo do seu trabalho, pois é na troca de experiências e na reflexão crítica destas experiências à luz das pesquisas científicas que as escolas se reconhecem como escolas e veem que não estão sozinhas na busca pela superação dos problemas cotidianos. No caso de escolas pequenas, muitos educadores buscam uma experiência que os leve para escolas maiores. No entanto, temos observado que é em muitas escolas pequenas que o currículo e a estrutura podem ser mais inovadores, principalmente com relação à Educação Infantil. É nos momentos de reuniões entre gestores que todos os envolvidos aprendem a discutir seus problemas, a trocar experiências de sucesso ou insucesso, informações importantes sobre caminhos a serem percorridos. Além disso, elaboram os planos de formação dos seus educadores com base nos estudos realizados previamente nestes encontros. Posteriormente, os educadores participam de palestras ou oficinas que visam refletir sobre sua prática local, estabelecendo assim uma relação teoria-prática. Obviamente que cada escola fará localmente, des-


tes encontros e estudos, seu material de formação de professores. Por isso, a participação de todas as escolas na escolha dos temas é fundamental, pois o que se quer são implicações locais diretas na formação dos educadores. A formação permanente deve construir-se a partir de uma rede de comunicação, que não se deve reduzir ao âmbito dos conteúdos acadêmicos, incluindo também os problemas metodológicos, pessoais e sociais que, continuamente, se entrelaçam com as situações de ensino. A inovação educativa está sempre ligada à existência de equipes de trabalho que abordam os problemas em comum, refletindo sobre os sucessos e as dificuldades, adaptando e melhorando as práticas de intervenção (objetivos, métodos e conteúdos). (ESTEVE, 1995, p.119-120)

A citação acima relaciona formação permanente à inovação educativa e isto se evidencia nos espaços de estudo e discussão, com a necessária sistematização, proposta pelo Projeto. A formação continuada supõe o conhecimento dos sujeitos envolvidos nos processos de aprendizagem, bem como o levantamento das problematizações para que se possa compreender suas causas e projetar as devidas estratégias de ação, embasadas em princípios que formulem eixos estruturantes de um trabalho que possam orientar as atividades com bases sólidas e que dialoguem entre si. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Danielle Mari Stapassoli é formada em Pedagogia (PUC-PR), com especialização em Organização do Trabalho Pedagógico (UFPR) e Currículo e Prática Educativa (PUC-RJ). É supervisora Pedagógica de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental do Colégio Medianeira.

REFERÊNCIAS ESTEVE, J.M. Mudanças Sociais e Função Docente. In: NÓVOA, A. Profissão Professor. Portugal: Porto Editora, 1995, p.93-124. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 11ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. JUNGES, M.; FACHIN, P. A Atualidade da Pedagogia Inaciana. Revista IHU On-Line, São Leopoldo-RS, 10 de novembro de 2008, Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos. br/index.php?option=com_content&view =article&id=2311&secao=281 LÜCK, H. Concepções e processos democráticos de gestão educacional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. Série: Cadernos de Gestão. LUCKESI, C.C. O educador: quem é ele? Revista ABC EDUCATIO, nº 50, outubro de 2005, páginas 12 a 16. NASCIMENTO, R.S.; PONTES, R.A.V. Gestão Compartilhada: Desafios E Perspectivas. Revista Gestão Universitária. Luziânia, Goiás, 10 de fevereiro de 2014, Disponível em: http://www.gestaouniversitaria.com.br/ artigos/gestao-compartilhada-desafios-e-perspectivas--2 SACRISTÁN, J. G. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Recomendações Projetos pedagógicos no contexto escolar Maria Antonia Graville | Editora Mercado das Letras O livro aborda a realidade dentro das escolas e os trabalhos realizados na educação básica. A obra fornece um mapa com caminhos a serem percorridos no currículo e no planejamento, além de oferecer também uma análise e uma reflexão às práticas comuns do cotidiano escolar.

A Organização do trabalho escolar Monica Gather Thurler e Olivier Maulini | Editora Artmed Os textos que formam o livro se dedicam a apresentar ao leitor a maneira como se organiza o trabalho escolar, como e porque ele é determinado, em que condições pode se transformar e como a organização condiciona o saber a cada aluno de uma instituição.

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sentido

a vida em busca de

Faz parte da natureza humana perseguir a felicidade a todo custo. Mas o que realmente significa ser feliz se a felicidade não é feita apenas de satisfações e afetos momentâneos? Por P.Dionysio Seibel, S.J.

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Cada pessoa se torna aquilo em que deposita sua esperança. Quem espera a morte, torna-se seu filho e produz a morte. Quem espera pelo Senhor Jesus possui sua própria vida de Filho do Pai. (Silvano Fausti)

N

o dia 26 de julho de 2016,

de que os parlamentares esti-

em suas vidas. A espiritualidade

dois membros do Estado

vessem com uma história pre-

inaciana, ao lado de muitos outros

Islâmico entraram numa

gressa digna.

caminhos espirituais, tomou vulto

igreja da diocese de Rouen,

assassinaram o P. Jacques Hamel, durante uma celebração. Feriram algumas pessoas presentes. O assassinato estava revestido de requintes de fria crueldade. Depois disso se dirigiram aos presentes e com ar desanuviado iniciaram uma conversa com uma das Religiosas, chegaram inclusive a sorrir de maneira desarmada e conversaram sobre a paz com a Irmã Huguette Perón. “Tens medo da morte? ” A Irmã disse que não, pois acreditava em Deus e tinha a certeza de ser feliz. Outra realidade está fortemente presente em nossa sociedade. É o narcisismo vivido individualmente, mas tem forte repercussão na vida das pessoas e no tipo de sociedade que assume suas características. Um grupo minoritário usa os bens comuns em

Os noticiários apresentam um número expressivo de assassinatos. As vítimas são praticamente

a partir do final da Idade Média.

Espiritualidade Inaciana

as mesmas. A rejeição da pessoa

A espiritualidade inaciana se

que é diferente, tanto na raça,

origina na experiência humana e

na classe social, na confissão re-

espiritual de Inácio de Loyola. A

ligiosa, no gênero, é considerada

sua vivência está relatada no livro

inimiga e como tal pode ser eli-

autobiográfico que leva o títu-

minada. E diante dessa realidade

lo de Autobiografia de Inácio de

a justiça é lenta. O Bispo Romero

Loyola. A prática oriunda de sua

de El Salvador disse que a justiça é

vida está apresentada detalha-

como a serpente. Só morde quem

damente no Livro dos Exercícios

está descalço.

Espirituais. Nestes escritos há al-

Espiritualidade

gumas propostas que possuem uma importância para a situação

Espiritualidade pode ser defi-

que nossa sociedade civil e educa-

nida como a lógica, ou o caráter

cional está enfrentando. Entre as

ou a qualidade própria da vida de

grandes linhas podem ser toma-

uma pessoa voltada para uma re-

das as seguintes:

alidade última. A espiritualidade não pode ser

O sentido da vida

considerada como privilégio de

O texto inicial dos Exercícios

algumas pessoas que vivem uma

Espirituais leva o nome de Prin-

relação profunda com um sentido

cípio e Fundamento. Numa lin-

último que pauta sua conduta.

guagem sintética Inácio coloca o

Alguns vivem como ideal a ética

sentido da existência humana e a

e valorização da vida e da digni-

maneira prática de assumir a vida

dade. Outros se comprometem

dentro de um significado último.

com uma vida coerente de acordo

Não é apenas a apresentação

com os princípios que são propos-

duma meta a ser vivida, mas inclui

Milhares de assinaturas foram

tos por sua fé que se origina em

a forma de a colocar em prática.

coletadas para que se fizesse uma

Deus e especificamente na vida

Usando os elementos teológicos

lei da ficha limpa como condição

de Jesus Cristo e sua proposta

correntes no fim da Idade Média

para ser candidato a um cargo.

de Reino. Dentro do âmbito da

e início da época moderna, era

Sem maiores justificativas, essa

espiritualidade cristã há diversos

natural que cada pessoa se co-

lei foi desclassificada, desconside-

caminhos, muitos deles baseados

locasse diante de Deus. O texto

rando a expectativa de milhões de

em pessoas que viveram coeren-

inicial coloca a pessoa diante do

brasileiros que viam a necessidade

temente uma proposta encarnada

sentido último da sua vida: O ser

proveito próprio numa luta em que o mais forte ou o mais astuto se torna o herói do momento. O exercício do poder civil e religioso nem sempre está voltado para a justiça e a igualdade.

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humano é criado para louvar, re-

ciedade. As decisões livres exigem

pelo critério da finalidade última,

verenciar e servir a Deus e assim

reflexão, distância e devem tomar

criam um dinamismo necessário

salvar-se. Os conceitos apresen-

em consideração os valores que

para sair de si, usar todos os bens

tados definem claramente que a

fundamentam a existência.

na medida em que ajudam nesta caminhada para a felicidade.

pessoa tem um objetivo na vida. A felicidade consiste na busca

O discernimento como processo continuado

desta meta. Esta formulação não cria uma dicotomia entre a vida pessoal e a vida social e profissio-

Percebemos um fato básico

nal, mas empenha a totalidade da

que se dá na nossa consciência:

pessoa, tanto suas ações pessoais

um coro de vozes diferentes e

como sua relação com os outros

discordantes se confronta e nos

seres humanos e toda a criação.

impulsiona ou nos segura. Para Inácio de Loyola estamos diante

O louvor, a reverência se di-

da interioridade submetida a um

rigem para Deus, o serviço inclui

conflito proveniente de dois es-

também os outros. A expressão

píritos contrários. Já os filósofos

comum: “Em tudo amar e servir”,

gregos se ocuparam em buscar

formulada expressamente na con-

um sentido para a existência e

clusão dos Exercícios é a forma de

se perguntavam como agir dian-

sair de si e de sua relação intimista com Deus, para que o homem e a mulher tratem as pessoas com

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O desejo como busca constante

amor e se coloquem a serviço

O desejo expressa a dinâmica

para que a construção da socie-

unitiva em que o amor assume um

dade se realize na concretude da

intento de eliminar toda a distân-

vida. Para realizar a sua vocação

cia e toda a diferença com o ob-

de amor e serviço é necessário

jeto desse amor. O desejo possui

cultivar a liberdade. Superar os

um objeto que almeja alcançar. E

preconceitos e prejulgamentos

esse desejo coloca a pessoa num

para tomar todas as decisões de

constante desafio e movimento. A

forma livre. A palavra que chama

finalidade da vida coloca o ideal

a atenção é “Indiferença”. A indi-

de realização mais adiante. A fe-

ferença inaciana não é uma forma

licidade não é feita apenas de sa-

de não se envolver com a vida dos

tisfações e afetos momentâneos.

outros, mas diante de qualquer

Os próprios afetos, relação com

decisão distanciar-se para poder

os outros, busca de êxito, forma-

ser objetivo na tomada de posi-

ção intelectual e humana, bens e

ções, tendo como critério a fina-

seguranças pessoais passam pelo

lidade da existência humana. Esta

critério da busca da verdadeira

posição de indiferença inaciana

liberdade na perspectiva da reali-

ou liberdade é fundamental para

zação humana. Mas o desejo não

tomar decisões e fazer opções

deixa nenhuma pessoa tranquila

diante da realidade conflitiva com

e instalada numa segurança pes-

que a situação econômica, políti-

soal. Sempre existe algo a mais a

ca, social e religiosa desafia a so-

ser atingido. Os desejos, passados

te dessas forças que se moviam interiormente. Platão chama essas forças de harmonia e desenfreio. O seguimento dessas diversas atrações encaminhava a pessoa por caminhos muito diversos. A mesma confrontação pode ser encontrada nos evangelhos, nos símbolos da vida e da morte: “Quem busca ganhar a vida vai perdê-la (Mt 16, 25). “Se vivem segundo os instintos, morrerão” (Rom 7, 12-15). “Se o grão de trigo não morre, permanecerá infecundo” (Jo 1223-26). O Espírito Santo exerce sua missão invisível na forma de uma relação amorosa com Deus, mas enfrenta a ação insidiosa daquilo que Inácio denomina de “inimigo da natureza humana”. Toda a pessoa se sente acometida de sentimentos contraditórios, tanto o crente como o não crente sentem diante de si a dúvi-


da. Diante das diversas possibilidades de agir, é necessário tomar decisões. A espiritualidade Inaciana ajuda a entrar num processo para conseguir o que mais ajuda para a realização do desejo profundo de realizar o sentido da vida.

Educar inacianamente Nos fins do século XVI nascia a “Ratio Studiorum”, um documento que orientou o processo pedagógico dos primeiros colégios jesuítas. Em 1986 foram publicadas as “Características da Educação da Companhia de Jesus”, a partir das quais foi elaborada uma proposta pedagógica. Na América Latina as pesquisas e as propostas educacionais prosseguem, rumo a uma qualidade de educação dentro da realidade que os diversos países atravessarem. Alguns sonhos educacionais teimam em marcar presença na formação da geração nova. Uma sociedade narcisista reforça uma geração preocupada consigo, com seu

bem estar e com sua segurança. A pedagogia inaciana mostra um homem e uma mulher capazes de se abrir para a outra pessoa, com profundo respeito às diferenças, convivendo pacificamente, sem abrir mão dos valores pautados a partir da coerência de vida dos educadores e com conteúdos atualizados, capazes de dialogar com a realidade atual e contribuir com uma presença transformadora, tanto pela presença como pela busca constante duma ciência a serviço da humanidade. Para isso a comunidade, formada por pessoas comprometidas com um sentido de vida, movidas por um desejo que aponta o ideal sempre mais à frente para alcançá-lo, está num processo de discernimento. As atitudes contraditórias de fundamentalistas religiosos colocam a sociedade mundial num clima de medo. O narcisismo isola as pessoas num sonho de um mundo feliz para si e para um grupo de pessoas selecionadas.

O latim nos apresenta uma palavra sobre a qual vale a pena se deter. Fanum significa templo. Profano denota o que está fora do templo. Reduzir tudo ao templo cria fanáticos, acentuar o profano constrói um mundo sem o desafio de buscar o sentido que se encontra num horizonte de valores inerentes à natureza humana. A realização do desejo de viver como homens e mulheres de serviço, com os outros e para os outros, torna possível a fraternidade diante daquele que a fé cristã assume como Pai. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

P. Dionysio Seibel, S.J. é formado em Letras e Filosofia pelas Faculdades Anchieta, em São Paulo, e em Teologia pela Faculdade de Teologia Cristo Rei, em São Leopoldo (RS). Tem especialização em Teologia Espiritual (PUG, Roma) e foi educador do Colégio Medianeira por 26 anos, atuando em diversas funções. Atualmente, vive em São Leopoldo.

Recomendações Espiritualidade cristã para buscadores Roger Haight, S.J. | Editora Vozes Apresenta a possibilidade de vivenciar a Espiritualidade Inaciana também por pessoas não católicas ou não crentes A obra introduz e interpreta os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de modo a torná-los acessíveis a pessoas de outras experiências de fé e religiões diversas.

A sabedoria dos jesuítas para (quase) tudo James Martin | Editora Sextante A espiritualidade Inaciana apresentada através de um comentário simples e cativante. Martin interpreta os ensinamentos de Santo Inácio de modo a fazê-los presentes no nosso dia a dia. O autor examina questões como problemas conjugais, preocupações financeiras, doenças graves sob a luz da sabedoria inaciana.

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Outro MUNDO possível e

Colégio Medianeira: Um Projeto individual e coletivo mediatizado pela atualidade da proposta Pedagógica Jesuíta Por Fernando Guidini

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Fotos: Paulinha Kozlowski


Colaboraram na elaboração do texto os educadores: Ana Carolina Snege, Cláudia Furtado, Isabel Dissenha, Juliana Heleno, Kleber Klos, Martinha Vieira, Sidney Luiz Mayer, Silvana Ribeiro, Sueli Takemori e Tatiana Mielke.

D

AS PREMISSAS ÀS PROBLEMATIZAÇÕES

A pergunta motivadora desta reflexão nos remete a quatro premissas introdutórias: a condição de possibilidade de pensarmos juntos projetos e processos relacionados à educação e à escolarização básica, tendo em vista a formação de pessoas integrais nas dimensões espiritual-religiosa, cognitiva e socioemocional. Igualmente, o acento sobre o chão da escolarização básica, construindo conhecimentos e aprendizagens pertinentes, a partir da experiência que temos em nossos colégios e escolas, oportunidade para que situemos nossos projetos pedagógicos locais na dimensão da cultura, objetivando transformação individual e coletiva de excelência. Também, a possibilidade de juntos atualizarmos dimensões da proposta pedagógica jesuítica a partir daquilo que nos inspiram os atuais documentos e referenciais educativos da Companhia de Jesus, em abertura e diálogo com as macropolíticas de estado no campo da educação, com projetos pedagógicos embasados no respeito e na dignidade ao ser humano e ao espaço em que vivem, em uma dimensão de justiça socioambiental. Por fim, a Rede Jesuíta de Educação (RJE) nos incita ao magis, à acuidade da prática pedagógica

compreendida como dimensão da prática social, à fidelidade criativa, à colaboração tendo em vista a transformação de nossas unidades educativas de escolarização básica. Pelas premissas destacadas, os nossos projetos político-pedagógicos são convidados a se atualiarem, dialogando com quatro grandes eixos problematizadores: (i) formação integral de homens e mulheres a serviço da fé, da promoção da justiça, do diálogo com os outros e do cuidado com o meio ambiente; (ii) formação humanista como um processo educativo integrador, na qual o estudante de um colégio jesuíta torna-se pessoa consciente, competente, compassiva e comprometida; (iii) o estudante como foco do processo das aprendizagens, uma Aprendizagem Integral, processual e sistêmica; (iv) gestão pedagógica e curricular estratégicas, articuladas com estrutura e recursos, clima escola, família e comunidade local, compreendendo as unidades de escolarização básica como centros de aprendizagem.

A COOPERAÇÃO É certo que as provocações do Projeto Educativo Comum (PEC) da RJE têm nos conduzido ao conceito e às práticas de uma Aprendizagem Integral, o que nos trouxe novos desafios epistemológicos,

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antropológicos e cosmológicos, dentre outros, ao contexto e às práticas de escolarização básicas. Neste sentido, as perguntas o que significa ser Colégio?, e o que significa ser Colégio Jesuíta?, exigem respostas novas, com inovações no currículo, nos processos de ensinoaprendizagens, nas concepções dos espaços físicos, competências em liderança jesuítica e na gestão escolar, além de constante atualização sobre os referenciais pedagógicos e documentos orientadores da Proposta Educativa da Companhia de Jesus. De igual modo, se nossos colégios e escolas querem ser compreendidos e vistos como centros de aprendizagem, decorre a necessidade da formação contínua e integral dos professores, equipes pedagógicas e demais educadores que os compõem. O trabalho com profissionais que, pela sua prática, sejam capazes de formar, transformando espaços e tempos da educação básica em produtores de sentido: conhecimentos decentes para uma vida decente. O trabalho acadêmico com quadros cooperativos de excelência, atentos ao movimento do contexto e continuamente atualizados, pode ser o diferencial dos Colégios da Companhia de Jesus nesta civilização tecno-científica de permanências, rupturas e constante atualização da prática pedagógica.

IDENTIDADE E MISSÃO: A MATERIALIDADE DE UM PROJETO O Colégio Medianeira, instituição educativa da Companhia de Jesus, atua na sociedade curitibana há exatas seis décadas. Sua

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missão é a excelência na educa-

gral, uma articulação das dimen-

ção e a formação de sujeitos com-

sões espiritual-religiosa, cognitiva

petentes, conscientes, compassi-

e socioemocional. O horizonte

vos e comprometidos com foco

dos nossos projetos e processos

sobre a formação integral de seus

formativos visa formar pessoas

estudantes. Decorre desses prin-

conscientes, competentes, com-

cípios a constituição de uma pro-

passivas e comprometidas. Nes-

posta pedagógica que responda

se sentido, no Medianeira temos

à missão da Companhia de Jesus

como pressupostos: 1) A cons-

desenvolvendo de forma harmô-

tante avaliação e efetividade da

nica e integral a pessoa toda e to-

nossa proposta pedagógica; 2)

das as pessoas, auxiliando em sua

A promoção da atualização do

realização mais completa possível

nosso currículo na expressão da

para que responda à sua vocação

identidade inaciana; 3) A revisão

mais profunda de ser humano. De

da organização e planejamento

acordo com o Projeto Político-Pe-

dos diferentes componentes cur-

dagógico do Medianeira, a educa-

riculares; 4) O redirecionamento

ção se dirige ao desenvolvimento

dos tempos escolares, que geram

de todas as dimensões da pessoa:

maior mobilidade e criatividade

afetiva, espiritual, ética, estética,

no processo educativo; 5) A atu-

cognitiva, comunicativa, corporal,

alização dos recursos didáticos; 6)

sociopolítica.

A garantia dos componentes ne-

Somos, portanto, educação Jesuíta. Como Unidade Educativa da RJE, queremos reafirmar nossa

cessários para que se materialize o ideal de formação integral proposto pela Companhia de Jesus.

missão, visão, princípios e valores.

Da dimensão identitária e a

Nossa proposta de formação inte-

partir dos pressupostos apon-

gral se faz via Aprendizagem Inte-

tados, decorre nosso projeto e


responsáveis e prazos, exigindo de todos responsabilização frente ao sonho e projeto de aprendizagem que queremos para nossos estudantes.

AS MEDIAÇÕES

prática pedagógica, considerando

estudantes; estrutura, organiza-

as prioridades acadêmicas anuais,

ção e recursos; clima institucional;

o movimento experienciado a

relações com a comunidade local.

partir do contexto e da cultura local, bem como os planejamentos e planos de trabalho das unidades, serviços e centros. O currículo, com foco sobre a Formação e Aprendizagem Integral constitui-se como eixo estruturante deste amplo movimento, dialogando com metalinguagens curriculares, com pressupostos pedagógicos da Companhia de Jesus e, por fim, com foco naquilo que é estratégico em nível de conhecimentos pedagógicos e específicos para a Educação Básica. Como eixo estruturante transversal, e em uma perspectiva de qualificação constante dos processos pedagógicos, o Medianeira tem contemplado em seus projetos pedagógicos os quatro âmbitos propostos pelo Sistema de Qualidade da Gestão Escolar (SQGE), desenvolvido pela Federação Latino-Americana dos Colégios da Companhia de Jesus (FLACSI), com foco sobre a Aprendizagem Integral: currículo e acompanhamento aos

Em 2016 o Colégio Medianeira delimitou as áreas e desenvolveu os Planos de Melhora: Acompanhamento aos Estudantes e Gestão de Pessoas. Emerge com força nossa preocupação com a eficácia escolar, com uma maior e melhor aprendizagem. O horizonte é transformar nosso colégio num Centro de Aprendizagem Integral, articulando fé e justiça em um currículo evangelizador. Nesse contexto, equipes, séries, áreas do conhecimento e disciplinas têm se dedicado ao aprofundamento destes referenciais em semanas pedagógicas, reuniões das quartas-feiras, seminários de estudos. No Plano de Melhora “Acompanhamento aos Estudantes”, somos instados a “elaborar o plano sistêmico de acompanhamento processual aos estudantes nos diversos espaços formativos do Colégio, tendo em vista a Aprendizagem Integral”. O Plano contempla cinco objetivos específicos, com detalhamento de momentos, atividades previstas,

De igual modo, o PEC da RJE nos instiga a ver o estudante, à abertura de horizontes pedagógicos, às novas formas de aprender, ao olhar sobre o currículo, a estrutura, o clima institucional e às relações com a comunidade, tendo à frente o conceito de Formação e Aprendizagem Integral. O documento destaca que a Aprendizagem Integral só se efetiva quando o estudante é considerado como um ser complexo e sujeito do conhecimento com possibilidades reais de se desenvolver na diversidade de dimensões que o compõe como pessoa. Em reflexão interna realizada junto ao grupo de professores, problematizamos a centralidade do estudante em relação à aprendizagem do seguinte modo: “os jovens do século XXI lidam com diferentes dinâmicas de tempo e espaço dentro e fora da escola, mas os processos educacionais são lineares e expositivos. Construir estratégias em que os alunos possam opinar, propor e inovar como sujeitos críticos e participativos nos vários espaços da escola, inseri-los na dinâmica de monitorias e grupos de estudo, criar espaços complementares para as disciplinas, núcleos e temas que desejam aprofundar, criar projetos que possam ser investigados em práticas reais e pluridisciplinares, podem ser alternativas

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para tecer o conhecimento acadêmico de forma mais significativa e duradoura”. Diante da centralidade do estudante, o Medianeira insiste que o currículo se configura como o todo envolvente à aprendizagem, ethos institucional, desde a metalinguagem específica da ciência ou serviço, chegando às atividades propostas pelos Centros de Arte ou Esporte, ou mesmo ao trabalho sistemático e sistêmico desenvolvido com nossos estudantes em um Acantonamento ou Aula de Campo. Integrar frentes e linguagens, sentidos pedagógicos atribuídos, avaliação e retroalimentação de processos são indicadores que podem incidir sobre o aprender integral do estudante. Como discutíamos com os professores, a inter, pluri e transdisciplinaridade exige saídas de si, atingindo o contexto social, cultural, político, econômico, valorizando a diversidade de formas vividas e atendendo ao estudante. Frente aos estudantes e ao currículo, bem como diante daquilo exposto até o momento, algumas questões nos vêm à tona: O currículo pensado e sistematizado em nossos planejamentos contempla as dimensões do aprender integral, no diálogo entre as séries e unidades? O método de trabalho de cada serviço ou componente curricular considera o estudante como sujeito real/concreto em nossas aulas? Em nossas estratégias, consideramos o ensino de forma transmissiva com um aluno passivo ou com uma metodologia ativa com um aluno dinâmico? O aluno aprende de fato a ser crítico

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e reflexivo manifestando o que aprendeu e o que não aprendeu de que forma? Como compreendemos e praticamos uma Aprendizagem Integral em nossos planejamentos e em nossas aulas? A cultura de transição como “acompanhamento ao aprender do aluno” é estanque, tripartida, encaixada ou sistêmica e orgânica, com espiralidade ao longo das séries? Como mapeamos e nomeamos as aprendizagens sistematizadas? Quais os sujeitos que são realmente “sujeitos do aprender” em nossos planejamentos e planos de aula?

a relação teorianprática educativa. Em nosso Projeto Político-Pedagógico, partimos da construção de uma epistemologia coletiva como eixo norteador de projeto. Pensamos num trabalho educativo transdisciplinar no qual a cosmovisão coletiva (contexto mediato e imediato e visão que temos desse contexto), a utopia (o sonho de pessoa e sociedade que temos no nosso horizonte) e as concepções de ciência e das ciências que servem de referenciais, pano de fundo, inspiração e fundamento de toda nossa estruturação educativa, pedagógica e didática.

Como Medianeira, partimos da concepção e prática coletiva de que os sujeitos do processo formativo da matriz transdisciplinar que sustentam a proposta de formação, currículo e Aprendizagem Integral do Colégio Medianeira são a concepção coletiva de educação, de utopia educacional, de ciência, de contexto, de educador e de educando, os quais orientam

A FORMAÇÃO E APRENDIZAGEM INTEGRAL EM SUAS DIMENSÕES De acordo com nosso projeto, buscamos uma aprendizagem que reforça a prática reflexiva sobre a ação-reflexão-ação, porém não apenas do professor, mas também do estudante, que refletirá sobre sua aprendizagem e desenvolverá seu próprio processo de


metacognição, ou seja, o “aprender a aprender”. Segundo o PEC n.41, garantir a Aprendizagem Integral exige do colégio, hoje, a compreensão de que o contexto mudou, os estudantes aprendem de formas e tempos distintos, em espaços que não se limitam ao escolar, exigem respostas individualizadas, diversos modos de fazer e de mediar a construção do saber, oportunizando vivências que atendam a diferentes necessidades de aprendizagem e de desenvolvimento.

Sendo assim, nossa prática e concepção de aprendizagem é aquela que nos remete ao pensar sobre o pensar, à percepção dos caminhos presentes no conhecer; à leitura do estudante em sua real condição existencial; ao atender à cultura; ao priorizar o professor como sujeito; ao tentar atingir as pessoas em sua dimensão existencial; a uma prática pedagógica compreendida como prática social.

Como exposto, a proposta pedagógica de formação integral da Companhia de Jesus procura abranger a pessoa toda e todas as pessoas. Em todos e em cada um encontram-se aspectos de uma realidade existencial que se complementam e, no coletivo, adquirem sentido. No entanto, é uma necessidade pedagógica materializarmos estas questões. A formação é entendida como processo, e a palavra processo nos traz o conceito

de contínuo, mas não linear. Todo processo relaciona-se a um objetivo, concepção de uma formação integral que entende o ser humano como uno e também como múltiplo, como pluridimensional. Não é possível separar o conceito de formação integral do conceito de desenvolvimento humano. É certo, portanto, que o currículo tematizador desta aprendizagem, ao dialogar com o uno e

com o múltiplo, com o concreto e com o abstrato, dentre outras categorias, conduz ao aprender integral que congrega circunstâncias, imaginação, emoção, vontade, entendimento, relações. Comprometer-se com a educação jesuítica implica comprometer-se com a formação integral: tematizar valores, responder a perguntas essenciais e assumir prioridades existenciais, configuram-se como articuladores de uma aprendizagem ativa e significativa que, em constante reflexão, levam à constituição de mapas conceituais em caráter de liberdade, autonomia, discernimento e acuidade diante das amarras ou preconceitos ideológicos. É certo que a educação jesuítica assume que nossos estudantes sejam críticos na sociedade em que vivem, o que nos implica tanto na formação de educadores, quanto na busca da profundidade como critério de nossas aprendizagens, daí a leitura e pesquisa, para além das ideologias, simplismos, modismos ou mesmo emoções egoístas. Este ideal formativo, também conforme exposto, nos põe em relação direta com o conceito de magis, articulando ação e contemplação e elegendo o melhor para nossas vidas e para o momento da história em que vivemos. Desta articulação evidenciamos o compromisso com a justiça individual e coletiva que emana da Trindade, tendo em vista o maior bem para conosco e para com todas as pessoas ao nosso redor. É a partir deste princípio e fundamento que nos colocamos a caminho. Nosso projeto e processos de aprendizagem, ao sintetizar a máxima inaciana de colocar o “mundo a

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serviço do humano”, demanda opções metodológicas inclusivas e comprometidas. Precisa atender ao o quê e para quê; à participação ativa da pessoa e à pertinência da aprendizagem trabalhada. É aqui que ultrapassamos o nível do ensino e atingimos a formação integral da pessoa, por meio do trato e da interação com a cultura, de forma sistemática e criativa. Como decorrência, assumimos o compromisso de um projeto educativo global, cujo princípio pressupõe o equilíbrio entre a diversidade de dimensões, programas, projetos, processos e estruturas. O dialogismo entre dimensões da formação integral implica que uma não sobrepõe a outra em níveis ou graus de importância. Em outras palavras, a dimensão espiritual religiosa não deverá ser sobreposta à dimensão cognitiva e vice-versa; bem como a dimensão socioemocional não deverá estabelecer relações somente com a dimensão cognitiva. A ética pedagógica cristã que subjaz a este projeto relaciona-se aos valores que nos movem e identificam, individual e coletivamente, externalizando nosso modo de proceder. As práticas pedagógicas daqui decorrentes devem ser coerentes com ele. O que nos identifica mais uma vez é sermos “Colégio” e, em seguida, “Jesuíta”. Substantivo e adjetivo precisam ser integrados entre si; a cultura escolar e a consciência católica fundamentam o binômio que dá consistência ao projeto educativo do nosso Colégio. É na realidade do cotidiano do Medianeira, na sala de aula e

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fora dela, nas relações de poder que se estabelecem entre os diferentes sujeitos, nos valores e no modo como as decisões são tomadas, além da maior coerência entre o que declaramos e fazemos que isso tudo adquire forma e identidade. (PEC n.30) Em um contexto de mundialização econômica e cultural, de ausências de sentidos, de um realnvirtual, bem como diante do que até agora foi exposto, como compreender as dimensões do formar/aprender integral? O que resgatar, reatar e reforçar? O que problematizar? Qual o sentido, o porquê e finalidade destas dimensões? Como compreendê-las em sua particularidade, mas também como unidade? Quais outras dimensões ou processos pedagógicos daqui decorrem, e que devem ser integrados para que a Aprendizagem Integral que queremos adquira sentido formal e político, tematizando uma aprendizagem

competente, compassiva, consciente e comprometida, levando à excelência acadêmica e humana? Como Colégio Jesuíta assumimos o conceito de formação integral como sendo um processo sistêmico de formação permanente que busca desenvolver todas e cada uma das dimensões do ser humano: ética, espiritual, cognitiva, afetiva, comunicativa, estética, corporal e sociopolítica, a fim de alcançar sua plena realização na sociedade. Esta formação ocorre em todos os espaços da instituição e envolve todas as pessoas e processos: “A formação integral supõe que todos os membros da comunidade educativa são educadores, e, por esta razão, não existe processo que esteja desvinculado deste propósito”. Eleger um conjunto de dimensões significa considerar que estas são indispensáveis para o desenvolvimento pleno dos sujeitos e que, por isso, precisam estar no


centro do processo educativo. Desenvolvimento este que se concretiza no processo de Aprendizagem Integral, compreendendo o aprender como um processo que se tece por meio de redes de conhecimento que são objetivas e subjetivas, disciplinares e multidisciplinares e, por serem redes de significados para as pessoas que aprendem, são redes grávidas de conhecimento bio-physis, antropossociais, ou seja, ligadas à realidade em suas múltiplas facetas.

AS DIMENSÕES EM SEU PROCESSO METODOLÓGICO nAVALIATIVO Se nossa ação educativa converge para a formação da pessoa toda, enfatizando a necessidade de reconhecer as potencialidades do indivíduo e garantindo o desenvolvimento das dimensões afetiva, espiritual, ética, estética, cognitiva, comunicativa, corporal e sociopolítica, quais são as implicações para o método, a metodologia e a avaliação no contexto do processo de ensino e da aprendizagem? De acordo com o PEC n. 43, “quando se trata de avaliação, consideramos essencialmente que se avalie tanto o ensino quanto a aprendizagem, uma vez que a finalidade do primeiro é o alcance da excelência no segundo. A avaliação da aprendizagem é sempre uma avaliação do ensino. Trata-se do lugar pedagógico de acompanhamento da caminhada dos alunos e professores...”. Com efeito, para que a aprendizagem individual e coletiva se desenvolva no contexto escolar,

o acompanhamento das aprendizagens dos estudantes depende sistemicamente do método de ensino que promova o estudante e o professor como interlocutores na criação dos significados do e entre o que se aprende. Assim sendo, o sistema metodológico e avaliativo que nos orienta como colégio jesuíta deve necessariamente englobar as dimensões espiritual-religiosa, cognitiva e socioemocional como aspectos centrais da formação e da Aprendizagem Integral. Dito de outra forma, as dimensões orientam de forma didática o sistema metodológicoavaliativo e as suas estratégias de diagnóstico e acompanhamento da aprendizagem dos estudantes.

DIMENSÃO ESPIRITUAL-RELIGIOSA Funda-se na afirmação filosófica/antropológica de que o homem é um ser de relações (categoria relacional), as quais são garantidas por uma estrutura essencial (categoria estrutural): corpo próprio, psiquismo e espírito. Essa unidade essencial possibilita o discurso sobre o sujeito humano como ser com/para os outros, cujas relações se caracterizam pela objetividade, no contato com o mundo (corpo próprio); intersubjetividade, na relação com outros sujeitos; subjetividade, na relação consigo mesmo (psiquismo) e de transcendência, na relação com o absoluto (espírito). Ainda que a vida humana seja somática e psiquicamente determinada não poderia simplesmente ser denominada “vida segundo o corpo”, devido a limitação da exterioridade, ou “vida segundo o

psiquismo”, devido a limitação da interioridade. O trato pedagógico da dimensão espiritual no Colégio Medianeira encontra suporte no referencial epistemológico pautado na complexidade, no Projeto Político-Pedagógico que opta pela transdisciplinaridade como ação curricular transgressora das fronteiras estabelecidas pelo saber técnico, o qual não considera a pessoa toda na relação com todas as pessoas. Essa acepção curricular pressupõe a necessária abertura intelectual/cognitiva no âmbito das ciências particulares, bem como, engloba e tem por essência a abertura da consciência e da existência à autotranscedência. Tal abertura considera as muitas características do saber humano, em vista da não dicotomização entre real e imaginário, por isso, fundante acerca daquilo que entendemos por dimensão espiritual-religiosa enquanto aspecto formativo aglutinador do currículo integral. Toda ação educativa do Colégio contribui com o desenvolvimento da dimensão espiritualreligiosa sempre que garantir aos estudantes experiências significativas de humanização, de sensibilização, de discernimento e de busca de sentido: da vida, do outro, da aprendizagem, do conhecimento e de Deus. A experiência e reflexão de temas como a sustentabilidade ambiental (relação com o mundo) e a articulação entre fé e justiça (relação com outro e com o absoluto) são exemplos para o agir ético, e, portanto, para o desenvolvimento da dimensão es-

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piritual-religiosa. Especialmente, ajudarão o estudante a se conscientizar de seu papel como sujeito na sociedade: o compromisso de um Projeto de Vida, pessoal e coletivo, pelo qual se disponha a tecer um mundo humano, uma sociedade justa, fraterna e solidária. Faz-se, pois, necessário que sejam competentes nessa forma de agir, tenham sensibilidade para ver e responder às necessidades do próximo e sejam pessoas comprometidas com o bem comum e com a “casa comum”. No longo percurso de sua formação acadêmica e humana, o estudante haverá de: • Constituir um Projeto de Vida solidário, pautado no pessoal e coletivo; • Perceber que é na complexidade e justiça das relações que o ser humano elabora sua identidade, e, define livremente seu Projeto de Vida de ser livre com/para os outros em um mundo humano; • Reconhecer os valores fundamentais da vida como referência para ação ética; • Buscar autoconhecimento / Consciência de si mesmo; • Fazer uso da reflexividade (razão); • Reconhecer-se como parte do cosmos e valorar a vida em todas as suas manifestações; • Expressar sentimentos/ emoções (sensibilidade/indignação) diante das injustiças e dos problemas sociais; • Perguntar-se pelo fundamento último da existência, da verdade e do bem;

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• Entender a dinâmica humana de transcendência e que a busca por sentido não encontra fundamento último na imanência; • Identificar o sentido e fundamento da existência na dinâmica da autotranscedência; • Abstrair criticamente o significado de experiências para tomar decisões conscientes e interferir na sociedade; • Buscar a excelência do fazer/ agir humano; • Atribuir sentido ao mundo pelas aprendizagens.

DIMENSÃO COGNITIVA A dimensão cognitiva envolve uma relação de aprendizado que é dialogicamente humana e acadêmica, ou seja, envolve o aprender e o saber pensar nas múltiplas relações com o conhecimento da ciência em conexão com o conhecimento da vida. Estas interfaces do conhecimento não estão separadas e por isto englobam: • O domínio processual do saber historicamente acumulado (trabalhado no colégio por meio dos conteúdos disciplinares) no que se refere à totalidade da ciência e das ciências e de “suas partes”. Os conhecimentos das disciplinas são compreendidos a partir deste campo do conhecimento e da sua história, mas em conexão com outras áreas do conhecimento e com a realidade local e global; • Na sua dimensão formal e política (as categorias de análise específicas de cada campo da ciência e a relevância social do mesmo – não neutralidade);

• O domínio da estrutura conceitual, das informações, da linguagem científica, das habilidades do pensar crítico, criativo e comprometido; • O domínio do método específico de cada uma das ciências e das metalinguagens no sentido que cada ciência e/ou disciplina é portadora de linguagem, informações, conceitos, método e compreensão que lhes são próprias; • O domínio processual crítico e criativo do contexto em que vivemos, por meio do trabalho com o conhecimento como meio privilegiado da leitura da realidade local e global; • A relação com a tessitura pessoal e coletiva do conhecimento de modo rico e diversificado, na complexidade dos métodos e metalinguagens próprios de cada ciência, para a formação pessoal com excelência. Trata-se do saber pensar individualmente (com autonomia) e do saber pensar com o(s) outro(s), em uma dimensão, portanto, coletiva. O domínio do conhecimento via a especificidade das disciplinas e dos núcleos/áreas, implica na excelência acadêmica que possibilita a ação intencional para a formação da autonomia do pensar e/ ou do sujeito crítico. O propósito é a formação de sujeitos que sejam capazes de tecer relações com a realidade em que vivem de forma justa e humana, e que tenham competência para os desafios da vida, sejam os exames externos (vestibulares, ENEM), seja a escolha da profissão, seja o compromisso com o presente.


DIMENSÃO SOCIOEMOCIONAL O Colégio Medianeira quer formar integralmente pensando mais no SER da pessoa que no seu ter ou saber para poder. Nossa formação não é mera capacitação para ascensão a um título acadêmico e adquirir prestígio ou status por ser egresso de uma instituição de renome. Trata-se também de SER, de inspiração inaciana, é a busca de ser com os demais e para os demais, a fim de servir melhor.

cada vez maior para atuar de forma responsável e coerente segundo o que pensa, sente e valoriza, favorecendo seu desenvolvimento pleno.

consciência que permita à pessoa

Na relação com os outros, pelo pressuposto da liberdade, busca-se o desenvolvimento da empatia, de ser capaz de compreender a realidade alheia e se relacionar com ela da perspectiva do outro, não apenas da própria. Tal empatia leva à compaixão e à capacidade de trabalhar como

de como homens sensíveis, infor-

exercer uma cidadania democrática e participativa. Busca-se o desenvolvimento de atitudes que favoreçam a inserção na sociedamados, responsáveis e solidários, chamados a transformar seu contexto local de convivência respeitosa, justa e fraterna. Estas relações que os indivíduos estabelecem acontecem de maneira sistêmica e englobam: • A experiência contínua e processual, pessoal e coletiva, de viver na relação consigo mesmo e na relação com os demais, centrada na opção fundamental de contribuir para a construção de um mundo melhor, mais justo, mais solidário, de maior reciprocidade entre as pessoas e de compromisso efetivo com os demais; • A tessitura da construção de caminhos próprios, que passa pelo conhecimento significativo, exercitado pelo respeito à diversidade e que se constitui pessoal e coletivamente, centrado no projeto de vida e de mundo que propomos em nosso projeto educativo; • O sentido e o compromisso

A dimensão socioemocional busca o desenvolvimento da iden-

fundamentais para relacionamen-

em relação à vida, à cidadania, à

tos significativos. Procura também

solidariedade/alteridade, à auto-

tidade pessoal dos nossos estu-

o desenvolvimento da capacidade

nomia/heteronomia, ao sentido

dantes, a qual se constrói a partir

de estabelecer relações saudáveis

de viver, aos horizontes/ideais de

da integração de seu corpo, suas

e construtivas que favoreçam o

futuro pessoal/coletivo para que

emoções, pensamentos e valores

trabalho cooperativo, um clima

o compromisso com um amanhã

e nas relações que estabelece

emocional positivo e de atenção

mais justo, fraterno e cristão seja

consigo mesmo, com os outros e

às necessidades dos demais.

possível;

com o mundo.

Na relação com o mundo, a

• A criticidade em vista de um

Na relação consigo mesmo

dimensão socioemocional pre-

projeto formativo de pessoa e de

busca-se o autoconhecimento

tende o desenvolvimento de uma

mundo, na relação de serviço com

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e desafio, no diálogo entre e com as dimensões do formar e aprender integral. Outro mundo é possível porque é sonhado, projetado e vivido por crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. São pessoas com projetos de vida individual e coletivo. A educação jesuíta, de acordo com alguns dos princípios expostos neste texto, quer ser um dos caminhos possíveis nesta realização, tendo em vista ser para e com os demais.

A pergunta introdutória deste texto nos remetia ao seguinte questionamento: por que outro mundo é possível e como a educação jesuíta pode nos auxiliar a visualizar tal projeto?

da nossa identidade e missão, demonstrando materializações de um projeto possível, ao que se seguiram as mediações que, sob o signo do estudante e do currículo, nos conduziram ao formar e aprender integral em suas oito dimensões. Então, da dimensão abstrata do conceito adentramos na materialidade pedagógica, reflexão metodológica-avaliativa mediatizada pelas dimensões espiritual-religiosa, cognitiva e socioemocional. Neste último momento do texto, além de garantir o elemento identitário, discorremos sobre as práticas possíveis, tendo em vista responder ao questionamento norteador deste texto.

A reflexão proposta nos conduziu por premissas e problematizações naquilo que, como Colégio Jesuíta, nos defrontamos na atualidade da nossa prática pedagógica. Em seguida, o acento sobre a cooperação, pressupondo como ponto de partida de outro mundo possível a dimensão da coletividade pedagógica feita por pessoas. Então, aprofundamos elementos

Acreditamos que formar integralmente significa considerar todo conhecimento acadêmico como humano. Para aprendermos, mobilizamos conhecimentos e experiências mediatizados pelo conhecimento estudado ou por aquele vivido em sociedade. Atribuir sentido à educação e às práticas pedagógicas desenvolvidas em nosso colégio torna-se convite

e para os demais e na ressignificação dos sujeitos históricos, capazes de contribuir na construção de um mundo novo e solidário; • Sujeitos reflexivos que busquem constantemente o conhecimento e encontrem sentido na sua pertinência em relação à pessoa e ao mundo mais justo, fraterno e solidário com que sonhamos.

À GUISA DE CONCLUSÕES

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Nossa proposta pedagógica pretende uma formação integral do sujeito, na qual ele possa se reconhecer como responsável por si e pelo mundo, consciente de seu papel na escola e sociedade. Competente na busca de fazer o melhor possível, não ficando na superficialidade, mas aprofundando a busca pelo sentido último da existência. Compassivo ao revelar sensibilidade para ver e responder às necessidades do outro, aberto para aprender com os demais. Comprometido consigo, com o outro e com o mundo, inserindo-se como sujeito solidário nas diversas relações que estabelece a partir de suas aprendizagens nas diferentes dimensões do aprender. Desse modo, podemos afirmar com segurança que formar e educar pessoas conscientes, competentes, compassivas e comprometidas ocorre por meio de um projeto educativo cujo currículo tematiza uma Aprendizagem Integral, na inter-relação entre conhecimentos de núcleos e disciplinas, na religação entre a ciência, os


sujeitos, a realidade e a utopia que nos move. Um currículo integral e integrado, que realmente forme, pressupõe uma prática pedagógica também consciente, competente, compassiva e comprometida. A pergunta “como colégio, qual é o nosso lugar na formação e educação dos sujeitos, diante de cenários educacionais, políticos, econômicos e religiosos tão adversos e excludentes? O que reatar, resgatar, afirmar?”, continua a nos impulsionar à compreensão e ao magis de uma práxis pedagógica integral, porque compreendemos que outro mundo é possível. Encerramos este texto resgatando uma das falas do P.

Kolvenbach, S.J. ao reafirmar nossa identidade e projeto neste longo percurso pedagógico: nossa educação tem uma determinada visão de Deus, de ser humano, de mundo, e uma missão muito precisa. Essa missão e visão não são negociáveis. Elas são como nossas carteiras de identidade, que nos distinguem dentro deste oceano globalizador e dele nos diferencia. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Referências Documento Interno do Colégio Imaculada. Córdoba, 2015. Guia de Autoavaliação FLACSI, 2013. MARGENAT, Josep M. Competentes, conscientes, compassivos y comprometidos: la educación de los jesuítas. Lima, Peru: CECOSAMI, 2011. PLANO APOSTÓLICO DA PROVÍNCIA DOS JESUÍTAS DO BRASIL-BRA 2015-2020. Rio de Janeiro, 2015. Projeto Educativo 2013-2018.

Inaciano.

Equador

REDE JESUÍTA DE EDUCAÇÃO. Projeto Educativo Comum. São Paulo: Loyola, 2016.

Fernando Guidini é Diretor Acadêmico do Colégio Medianeira. Mestre (2010) e Doutor (2014) em Educação pela PUCPR, trabalhou como Orientador Pedagógico de 6º e 7º anos, também no Medianeira.

SANTOMÉ, Jurjo T. Currículo escolar e justiça social: o cavalo de Troia da educação. Porto Alegre: Penso, 2014. VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Loyola, 1991.

Recomendações Educação jesuítica e teoria da complexidade Fernando Guidini | Editora Appris O questionamento sobre a expressão acerca da articulação entre os fundamentos teóricos da educação jesuítica em relação à abordagem epistemológica da teoria da complexidade conduz o leitor ao aprofundamento de dois dos componentes fundantes que dialogam com a formação da cultura moderna: a educação e a ciência. Pelo viés da educação, o estudo da proposta pedagógica da Companhia de Jesus em seu percurso histórico e na atualidade; pelo viés da ciência, a sistematização da episteme moderna até seus desdobramentos ao longo do século XX, chegando aos componentes estruturantes do pensar complexo.

Propuesta educativa de la Compañía de Jesús Carlos Vásquez | ACODESI e FLACSI Vásquez coloca o leitor em contato com os pilares da educação jesuíta e da pedagogia inaciana. A obra é chave para o desenvolvimento e implantação de um sistema de gestão escolar sob a luz dos ensinamentos deixados por Santo Inácio. O livro faz parte de uma coleção que investiga os fundamentos e as práticas da educação da Companhia.

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DarcyRibeiro Por Miguel Angelo Manasses

Dono de uma grande capacidade intelectual, Darcy Ribeiro pensou o Brasil, e também seu povo, em diversas áreas do conhecimento, como a literatura, a educação e a política.

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I

lustre filho da cidade mineira de Montes Claros, nascido no dia 26 de outubro de 1922 e falecido no dia 17 de fevereiro de 1997, em Brasília, Darcy Ribeiro, o “fazedor”, se tornou um dos maiores antropólogos do país, com destacada atuação em defesa da causa indígena. Porém, devido a sua impressionante capacidade intelectual, Darcy também contribuiu para o desenvolvimento nacional em outras áreas, notadamente na educação, literatura e política. Darcy cursou a faculdade de Medicina de Belo Horizonte por cinco anos, entre 1939 e 1943, contudo, a paixão pela sociologia o fez abandonar o sonho inicial de ser médico e, em 1944, matricula-se na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na qual se graduou em Antropologia, com especialização em Etnologia, em 1946. No ano seguinte ingressa no Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão que antecedeu a Fundação Nacional do Índio (Funai), e trabalha com Cândido Mariano da Silva Rondon, o Marechal Rondon, que presidia o Conselho Nacional de Proteção ao Índio. Em 1948, casa-se com a romena Berta Gleiser, que seria sua esposa até 1975, quando o casal se separa. Durante o período em que esteve no SPI, entre 1947 e 1956, realiza um vasto trabalho com comunidades indígenas, convivendo com os índios Kadiwéu, no sul do Mato Grosso, e com os Urubu-Kaapor, na floresta amazônica. “A pacificação dos índios Urubus-Kaapor teve início em 1911 e se prolongou até 1928,

quando os primeiros membros da tribo confraternizaram com os servidores do SPI, no Posto de Atração da Ilha de Canindéua-açu, no Alto Gurupi, entre o Pará e o Maranhão (Ribeiro, 1977, p. 176-177). Comprometido com a preservação da cultura e história dos povos indígenas, em 1953, Darcy cria o Museu do Índio, no Rio de Janeiro, no qual, dois anos depois, oferta o primeiro curso nacional de pós-graduação em antropologia cultural. Após sua saída do SPI, Darcy vai trabalhar com o pedagogo Anísio Teixeira, o “príncipe da educação”, na condição de chefe da divisão de estudos sociais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, do governo Juscelino Kubitschek. A amizade entre o “fazedor” e seu mestre, o “príncipe da educação”, se fortalece e, em 1959, ambos coordenaram o projeto de criação da Universidade de Brasília (UnB), da qual Darcy se tornaria o primeiro reitor, em 1961. A amizade e a troca de ideias entre Darcy e Anísio a respeito da criação da UnB, bem como sobre os rumos da educação brasileira, foram tão frutíferas que resultaram na publicação de um livro, em 2012, intitulado Diálogos entre Anísio e Darcy: o projeto da UnB e a educação brasileira, organizado pelos autores José Luiz Villar e Remi Castioni. Ainda em 1961, Darcy assume o ministério da Educação do governo João Goulart para, em seguida, se tornar chefe do gabinete civil da presidência da República. Entretanto, em 1964, com o golpe militar que depôs o presidente João Goulart, teve seus

direitos civis cassados, se exilando no Uruguai, onde lecionou antropologia na Universidade da República Oriental do Uruguai, em Montevidéu, até 1968, ano em que recuperou seus direitos civis. Contudo, em 13 de dezembro de 1968, com a edição do Ato Institucional nº5, o AI-5, Darcy foi preso, sob a acusação de infringir a Lei de Segurança Nacional. Ele permaneceu detido até setembro de 1969, na fortaleza de Santa Cruz, uma unidade da Marinha localizada no bairro Jurujuba, em Niterói, no Rio de Janeiro, quando foi julgado, absolvido e aconselhado e deixar o país mais uma vez. Darcy, então, escolhe Caracas, a capital da Venezuela para morar, tendo vivido também em Lima, no Peru. Durante a primeira metade da década de 1970, ele colaborou com projetos educacionais de diversos países sul-americanos, com destaque para o Chile, onde atuou como pesquisador do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile, a convite do presidente chileno, Salvador Allende. Em 1974, quando atuava como pesquisador em um projeto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi internado após ser diagnosticado com um tumor cancerígeno no pulmão. Em virtude da doença, retorna ao Brasil para realizar um procedimento cirúrgico emergencial, permanecendo no país até maio de 1975, sempre sob vigilância policial. Após a operação, na qual um dos seus pulmões foi retirado, Darcy retorna ao Peru e, no ano seguinte, volta em definitivo para o Brasil, indo morar no Rio de Janeiro.

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Em 1978, Darcy lança o livro UnB: invenção e descaminho, no qual relata como foi planejada a criação da Universidade de Brasília e como o projeto que inicialmente era considerado utópico se transforma em realidade, enfatizando sempre a grande colaboração de seu mestre Anísio Teixeira, bem como o apoio dos presidentes Juscelino Kubitschek de Oliveira, Jânio Quadros e Jõao Goulart, o que revela a generosidade e a gratidão de Darcy Ribeiro. Ainda em 1978 ele casa-se pela segunda vez, com Claudia Zarvos, com quem viveu junto por 10 anos. Em 1979, beneficiado pela Lei da Anistia, Darcy foi reintegrado ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sendo nomeado para o cargo de diretor-adjunto do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. No mesmo ano recebeu o título de Doutor Honoris Causa, na Universidade Paris V, na França. Esta mesma honraria lhe seria concedida por outras universidades na Dinamarca, Uruguai Venezuela e também no Brasil. A década de 1980 marca o início de uma participação mais efetiva de Darcy na política brasileira. A convite do ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, ele participa da tentativa de reorganização do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), porém a disputa pela legenda foi vencida por Yara Vargas, filha do presidente Getúlio Vargas, que criou o partido, em 1945. Em maio do mesmo ano Darcy, junto com Brizola e Doutel de Andrade fundam

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o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Com o processo de redemocratização do País em curso, em 1982 ocorrem as primeiras eleições diretas para governador após o golpe militar de 1964 e Darcy é eleito vice-governador do Rio de Janeiro, no governo Brizola, acumulando também a função de secretário de Ciência e Cultura. Neste período, sua maior realização foi a criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS), um projeto educacional que oferecia ensino integral, das 8h às 17h, na rede estadual de ensino. Em 1986, Darcy se lança candidato a governador do Rio de Janeiro, mas é derrotado por Moreira Franco e, no ano seguinte, é convidado pelo governador mineiro Newton Cardoso para assumir a Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Social, definindo como meta a construção de mil CIEPS em quatro anos de governo. Contudo, em setembro de 1987 Darcy deixa o cargo alegando que o governador mineiro não estava empenhado em cumprir a meta de seu programa educacional. Em 1990, Darcy é eleito senador pelo PDT do Rio de Janeiro e, com o retorno de Leonel Brizola ao cargo de governador fluminense, ele se licencia do Senado e assume a Secretaria Estadual Extraordinária de Programas Especiais, dando continuidade ao projeto dos CIEPS. Em 1992, Darcy é eleito membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira número 11. Dois anos mais tarde, participa da campanha presidencial como candidato a vice-presidente da

República, na chapa de Leonel Brizola, pelo PDT. Ainda em 1994, e já sofrendo com o câncer em estado avançado, Darcy é internado em estado grave no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, vítima de uma pneumonia, onde

permaneceu internado até o início de 1995, quando fugiu da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital e se refugiou em sua casa, no município de Maricá, na Região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Contudo, a doença não o impediu de concluir a que é considerada uma de suas principais obras intitulada O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, na qual faz uma reconstituição de como se deu a “gestação” dos habitantes desse imenso país deixando claro, por exemplo, que a miscigenação racial no Brasil nunca foi pacífica. “Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consequência de si, afundada na ninguendade. Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-


-racial, a de brasileiros. Um povo, até hoje, em ser, na dura busca de seu destino. Olhando-os, ouvindo-os, é fácil perceber que são, de fato, uma nova romanidade, uma romanidade tardia mas melhor, porque lavada em

sangue índio e sangue negro” (Ribeiro, 1995, p.453). Um ano mais tarde retorna ao Senado e se torna relator da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

sancionada em 20 de dezembro de 1996, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Ciente que seu quadro clínico era irreversível, visto que o câncer já tinha se espalhado pelo seu corpo, Darcy reúne forças e escreve Confissões, obra lançada no dia 01 de janeiro de 1997 na qual ele registra toda a sua trajetória. “Termino esta minha vida exausto de viver, mas querendo mais vida, mais amor, mais saber, mais travessuras. A você que fica aí, inútil, vivendo vida insossa, só digo: “Coragem! Mais vale errar, se arrebentando, do que poupar-se para nada. O único clamor da vida é por mais vida bem vivida” (Ribeiro, 1997, p. 12). Mais do que um antropólogo, educador, escritor e político, Darcy foi um homem que se dedicou de forma intensa, durante toda a sua vida, a realizar. Profundo estudioso da causa indígena; comprometido com a melhora da educação brasileira; político de postura ética

inabalável e um escritor de primeira grandeza, Darcy Ribeiro foi, em síntese, como ele mesmo gostava de dizer o “fazedor”. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Miguel Angelo Manasses é graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Tuiuti do Paraná (2004) e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2010). É professor da PUCPR e já fez parte da redação do portal Paraná Online e do jornal Tribuna do Paraná. Referências Fundação Darcy Ribeiro in http://www.fundar. org.br/ RIBEIRO, Darcy. Confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. RIBEIRO, Darcy. Os Índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 1982. VILLAR, José Luiz; CASTIONI, Remi (organizadores). Diálogos entre Anísio e Darcy: o projeto da UnB e a educação brasileira. Brasília: Verbena Editora, 2012.

Recomendações O Povo brasileiro Darcy Ribeiro | Editora Global Obra seminal de Darcy Ribeiro, o livro é um importante e inovador estudo sobre a gênese da identidade da sociedade brasileira amparado por uma vasta biografia e pela sua vivência como intelectual. O autor fez d’O Povo brasileiro uma vitrine daquilo que o Brasil tem de melhor: sua gente.

O Brasil como problema Darcy Ribeiro | Editora Global Darcy Ribeiro traça neste livro o diagnóstico dos obstáculos que (ainda) impedem o Brasil de crescer. Com olhar arguto e realista, o autor cria espelhos de um país doente e desmente os chavões que, por décadas, justificaram o atraso do Brasil.

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Educação, Ideologia, Cidade Por Paulo Venturelli Foto: Hugo Harada

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educação é um processo eminentemente ideológico..Quando educamos, transmitimos conhecimento, valores, ideias. E mais: usamos a língua. Nada neste campo é neutro. Aliás, a neutralidade é impossível entre humanos. Ao falarmos ou escrevermos, fazemos uso de palavras e, por meio delas, transmitimos nossa posição no mundo. Ou, como quer Bakhtin, falamos verdades ou mentiras. Ainda: todos nós ocupamos um mirante do qual vemos o mundo. Assim, ao falar ou escrever, cada um de nós está passando uma visão dos fatos e esta visão está carregada de nossos princípios e os princípios são ideológicos. O humano é um ser de linguagem, logo, desde o aprendizado desta, está absorvendo dados que vão constituir sua plataforma de existência e toda vez que este ser comunicar-se ele não fará uso de um processo longe de marcas que constituem sua história. Cada palavra tem um feitio, uma substância. Cada substância faz parte de uma dada ideologia. Por mais que conservadores e liberais de fachada esperneiem em favor de uma “escola sem partido”, isto é um absurdo, um contra-senso. O homem é o partido. Viver, ser, estar aqui já são tomadas de partido contra ou a favor do humano. Se você é católico, evangélico, mulçumano, você está defendendo um baú de pesos diferentes, você está carregando uma dada visão (crença) de Deus e tudo o que a fé acarreta. A fé é uma ideologia, é um pedágio no mundo que você aprendeu a pagar dentro de sua

A

história. E você levanta esta bandeira diante da comunidade. Ser cristão, judeu, mulçumano, para ficar nas religiões reveladas, é um recorte sobre o mundo. Não por acaso cada religião tem seu livro sagrado. O que é este? Páginas e páginas que ditam forma de conduta, ou seja, regulam a vida por meio de ênfases em certos princípios e, um princípio pertence a uma teia intrincada de pautas que, para simplificar, chamamos de ideologia. Se você leitor, está a duvidar de tudo isto, pense na HISTÓRIA. Pense em fatos relativamente recentes com consequências trágicas para a humanidade: o nazismo e o stalinismo. Você põe a mão no fogo por Hitler e Stálin? Você será tão ingênuo de acreditar que tanto um como outro agiram de forma neutra? Agiram por que eram movidos por determinada crença. Hitler em sua paranoia, via o judeu como causador dos males do mundo. Isto é ou não é um ponto de visão? Stálin, outro doente, com sua sede de poder, mandava matar os próprios companheiros de luta, no medo de que fossem lhe roubar o trono de onde ele se rotulava como o pai dos povos. Guardadas as devidas proporções, é a atitude que tem um professor em sala de aula ou que um pai tem na família, quando educa o filho. Vamos no entreter com um fato comezinho: você torce para o Atlético, para o Coritiba ou para o Paraná. Como é que você faz para seu filho torcer para o mesmo time? Não preciso entrar

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em detalhes. É só você fazer um exame de consciência e encontrará os momentos em que fez a cabeça do moleque a fim de que ele seja do seu time. Caro leitor, estamos aqui afundados no campo da ideologia. Torcer por um time é desprezar o outro. O âmago desta atitude é ideologia, logo... Outro pequeno exemplo bem real: quando os pais formam um grupo no WhatsApp para condenar a atitude de uma professora, eles estão ou não tomando partido? (este é o sentido de partido aqui). Quer dizer: eles podem ter sua consideração, a professora, não. Seria cômico, mas em verdade é trágico, é farsa, é hipocrisia. É mais ou menos o mesmo caminho que seguimos no que chamamos educação. Aliás, a educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-se instrumento (dos) estigmas da sociedade capitalista, como quer o eminente Emir Sader. Percebeu? Chamei o autor de eminente, logo, lhe dou um rótulo, logo, transmito minha visão sobre ele. Estou sendo ideológico. Vamos pensar junto com ele: a educação fornece os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria em expansão do sistema capitalista, mas também gera e transmite um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. Ou não é isto? Você já deve ter notado: grita-se que é ideologia somente quando algo cheira à esquerda. Quando é de direita, a favor do capitalismo, aí ninguém reclama... Por tudo isto e muito mais, devemos educar nosso aluno contra

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o mundo que está aí, educar contra a vida que está aí. O sistema em que vivemos é excludente, concentrador. Sistema de morte, massacre, alienação que gera muito mais vítimas que beneficiários. Alguém já se pronunciou há uns dois mil anos: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. A vida estruturada como está é um ato de amor? Ou de exploração? A educação deve ser a alavanca de mudança e não podemos continuar educando para o mundo ir sendo o que é. É preciso que nosso aluno saia da escola com instrumental crítico de tal natureza que, seja qual for sua área de atuação, ali ele aja de tal modo que coloque uma cunha em nome da transformação radical como pregou Paulo Freire. A educação tornou-se mercadoria. Talvez nada exemplifique melhor o universo do neoliberalismo em que tudo se vende, tudo se compra, tudo tem um preço. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar a educação em shopping centers, fucionais à sua lógica do consumo e do lucro, na ótica de Emir Sader. EMANCIPAÇÃO! A educação em nossa cidade emancipa o aluno? Ou cada jovem tem a cabeça feita no pior sentido: uma profissão para ficar rico? Nossa juventude cai nas drogas, no álcool, no sexo desenfreado porque está protestando contra um modelo de vida. O modelo que impingimos a ela. O jovem não está sendo educado e, sim, submetido ao nosso cabresto. Julio Ramón Ribeyro escreve: a única coisa que pode me redimir é talvez minha

lucidez(...), minha tenacidade em continuar escrevendo (...), e esta espécie de irradiação interior (a que, na falta de outro termo, chamo de saúde moral) que me permite atravessar minhas adversidades para continuar vivendo. Tais palavras esboçam um programa de ensino. Nosso aluno é lúcido? É tenaz? Alcança a SAÚDE MORAL? Ou sai do colégio, vai para a universidade e assume uma profissão não para servir ao outro, à cidade, ser o bólido que rompe as velhas estruturas e sim para faturar bem? Trago outro pensador: István Mészáros: o que torna as coisas ainda piores é que a educação contínua do sistema do capital tem como cerne a asserção de que a própria ordem social estabelecida não precisa de NENHUMA MUDANÇA SIGNIFICATIVA. Leitor, seja sincero: nossa Curitiba cercada de favelas, com homens de carrinho catando papel para sobreviver de modo pior que nossos cachorros, com as multidões sob viadutos e marquises NÃO precisa de mudanças? Espero que você seja humano e cristão. Ou você é covarde a ponto de acreditar que os pobres são pobres porque são vagabundos, não gostam de trabalhar? Educação é uma prática que ajuda a acabar com injustiças... comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Paulo Venturelli nasceu em Brusque, no Verde Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Formado em Letras pela UFPR, Venturelli é autor de mais de 20 livros, entre eles: O Anjo rouco (1994), Visita à baleia (2012) e Madrugada de farpas (2015).


Muito mais que um esporte, o Judô é um manual de respeito ao próximo. A educadora Sueli Takemori é a professora responsável por levar as práticas da arte marcial ao cotidiano de muitos alunos e alunas. Por Jonatan Silva Foto: Paulinha Kozlowski

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á 15 anos no Colégio Medianeira, a professora de Judô Sueli Takemori é um exemplo de excelência humana e acadêmica. Dona de diversos títulos na modalidade, em campeonatos nacionais e estaduais, Sueli trouxe para a escola as suas experiências dentro e fora do tatame, ensinando os estudantes não apenas técnicas mas também lições que levarão para toda a vida.

H

O Judô significa “caminho suave” e foi criado por Jiroko Kano em 1892, no Japão, como um aperfeiçoamento do juijtsu, porém, como golpes baseados na dinâmica de ação e reação. Kano queria fazer da luta uma aprendizagem racional e fácil, buscando explicações científicas para os golpes. O Judô é um importante instrumento de formação dentro do currículo do Medianeira, permitindo que os estudantes se desenvolvam integralmente e sejam pautados em suas ações diárias por um prisma de fraternidade e respeito. Confira a entrevista com Sueli Takemori.

Para começarmos, gostaria que você comentasse sobre a sua trajetória no Medianeira. Eu comecei no Colégio Medianeira em 2001. Fui justamente convidada para trabalhar com o Judô e eram apenas duas turmas, uma pela manhã e a outra à tarde – até porque eu trabalhava em outras escolas. Nessa época, se não me engano, o Chicão [coordenador do Centro de Esportes] comentou que só tinha um ano de trabalho com o Judô, ou seja, eu entrei no segundo ano. Hoje são 14 turmas e quase 150 alunos. Eu lembro até hoje: minhas primeiras turmas tinham quatro [manhã] e seis [tarde] alunos. Assim foi o início. Foi um trabalho de introdução do Judô no Colégio, foi um projeto piloto.

E o que você fez para que o Judô crescesse dentro do Colégio? Acho que tudo mudou quando eu tive espaço com a Educação Física, já em 2002. As crianças começaram a me conhecer, os pais começaram a me conhecer.

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Eles conheceram meu trabalho na Educação Física e depois descobriram que eu também dava aula de Judô. Isso ajudou bastante: primeiro conhecer o professor, que é uma preocupação dos pais e depois a modalidade em si. É uma relação de confiança. O Judô não era algo tão divulgado, que passava na televisão. Hoje sim, mas naquela época não. Apesar do Brasil sempre se sair muito bem no cenário mundial, dentro do Colégio ainda era um esporte desconhecido.

Nas Olimpíadas do Rio de Janeiro o Judô recebeu grande destaque graças ao desempenho dos judocas Rafaela Silva e Tiago Camillo. Como essa exposição ajuda na divulgação e serve de incentivo aos alunos que praticam Judô? Eu até falo que é uma pena que a Olimpíada aconteceu em julho. Se fosse lá no início do ano, talvez iria impactar muito mais os alunos. Durante semanas, e até hoje, eu chegava a ter vários

柔道

e-mails e ligações pedindo informações sobre aulas de Judô e recomendações. Depois das olimpíadas a repercussão é sempre muito grande.

Como foi a descoberta do seu amor pelo esporte, em especial o Judô? Essa história é longa. Ninguém acredita, mas eu sempre fui uma criança agitadíssima, hiperativa. Se fosse hoje, eu certamente seria tratada como hiperativa. Eu não parava nunca, sempre estava fora de casa, não gostava de brincar dentro de casa. Eu lembro que na esquina da minha casa tinha um bar e eu sempre passava em frente para ir ao supermercado. Entre esse bar e o mercado tinha um corredorzinho. Passando por ali eu ouvi uns gritos e, de curiosidade – eu sempre fui muito curiosa –, fui ver o que estava acontecendo. E no fundo desse bar tinha uma academia: uma salinha pequena, até meio escura, uma coisa meio sombria, escondida. Assim, eu descobri o Judô.


Eu comecei a assistir às aulas, sempre sentadinha lá no banquinho, uma vez, duas vezes, três vezes. O professor até me convidou para fazer aula, mas eu sempre fui muito tímida. Até que meu pai descobriu. Ele questionou onde eu estava. No começo eu dizia que estava brincando por aí, até que um dia eu contei a verdade. Meu pai, por ser descendente de japoneses, fez Judô, mas nunca comentou, nunca incentivou. Ele achava que o judô era para meninos e não para meninas. E quando fui [para a aula] eu observei que só tinha meninos mesmo, não tinha nenhuma menina. Como eu comecei a assistir todas as aulas, que era segunda, terça e sexta, meu pai percebeu que aquilo estava me chamando a atenção. Eu falei: “o professor me convidou para fazer uma aula”. “Você quer fazer? Você sabe que os meninos não vão ter dó”, ele respondeu. “Não tem problema”, eu falei. E eu fui. Depois desse dia eu nunca mais larguei o Judô. Sofri um pouco de preconceito porque meu pai achava que isso era coisa de menino, mas não teve mais jeito e isso faz 43 anos. Naquela época, as academias de Judô eram escondidas, elas não eram muito aceitas pela sociedade. E não era só com o Judô, qualquer arte marcial era tratada com certo preconceito, coisa de gente que procura confusão ou usa dessas lutas para atacar. Essa foi outra barreira a ser quebrada. Eu tinha vergonha de andar de quimono, e era só atravessar a rua. Isso mudou muito. É da essência do homem e da mulher, a gente luta a vida inteira.

Aqui no Medianeira as aulas são mistas. Já não existe mais essa separação, correto? São bem mistas, graças a Deus. Acho que por ser uma professora ajuda bastante. Eu trabalhei em uma escola em que meninos faziam Judô e as meninas Balé. Uma mãe questionou: “como a minha filha não pode fazer Judô se quem dá a aula é uma mulher?”. O argumento dela foi muito forte e, a partir daquele dia, a escola liberou para que as meninas escolhessem entre Balé e Judô – e os meninos também, por que não? Esse tabu se quebrou e o Medianeira sempre foi muito aberto. Acho que o fato de eu ser mulher ajuda nessa identificação. Eu vejo uma aceitação muito grande da criança, porque quem tem preconceito não é a criança, são os adultos com relação às questões culturais. Eu nunca sofri nenhum tipo de discriminação do tipo: “não vou colocar a minha filha no Judô porque é coisa de menino”. Pelo contrário, muitos pais dizem: “vou colocar minha filha no Judô para ela aprender a se defender, melhorar a autoestima”.

Quais as suas conquistas com o Judô? Quando eu comecei a treinar o Judô era um lazer, uma atividade física. Comecei a me destacar em festivais e até hoje eu não esqueço dos meninos tirando sarro: “você vai perder, você é uma menina”. Como não tinha meninas, eu tive que lutar com meninos e acabei vencendo. Aí, começou o meu gosto pela competição. Ganhei vários títulos paranaenses, acho que mais de dez vezes

campeã no Estado, jogos abertos do Paraná, campeonato brasileiro. O último título importante que eu ganhei foi vice-campeã do Master, em 2007. Antes de ser professora eu fui atleta.

E o que é ser atleta no Brasil? Hoje eu posso falar que o atleta de alto rendimento consegue sobreviver com o dinheiro do esporte. Muito tempo atrás não. Muitos lutadores tinham que trabalhar e treinar. Hoje eles se dedicam somente ao treinamento. Num período pré-olímpico ou pré-mundial. Cerca de seis meses antes, eles se dedicam a estudar e recebem para isso e recebem muito bem. Claro, não tanto quanto no futebol, mas dá para viver relativamente bem, sem a necessidade de ter um outro trabalho. No meu auge era diferente. Além de você não ganhar nada, ainda tinha que tirar do próprio bolso. Em uma seletiva que fui para o Pan-americano, que eu até venci, mas não pude ir porque não tinha verba. Chegaram e me disseram: “você tem que ter 3 mil dólares depositados na conta da Confederação”. “Eu não tenho esse dinheiro”, respondi. E se não tivesse [o dinheiro] ia outro [atleta]. E foi o outro. Era assim que funcionava. Se você não tivesse um “paitrocínio” sua carreira se restringia aos torneios e competições locais. Era difícil, mas acho que o Judô se profissionalizou muito depois da Confederação ter se estruturado. O atleta do cenário nacional – olímpico ou da seleção – não pode reclamar do apoio.

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De que maneira o Judô está alinhado à formação de um sujeito competente, consciente, compassivo e comprometido? Eu sempre tive ótimos professores, que não só passaram a questão técnica, mas a sua formação. Isso está na essência do Judô. Quando Jikoro Kano fundou o Judô ele pensou justamente em criar algo que não fosse uma luta, mas sim a prática de atividade física, em que se trabalhasse o corpo, a mente e o espírito. Por isso eu digo que na essência do Judô tem os ensinamentos que casam perfeitamente com a proposta da Companhia de Jesus de formar alunos e alunas nas dimensões espiritual-religiosa, cognitiva e socioemocial. São questões como o respeito ao outro, por exemplo. O Judô também trabalha esses valores. Eu sempre falo que os ensinamentos que um judoca completo deve são: técnica, força física, mas acima de tudo respeito, disciplina e ser educado. Esses não são princípios que eu criei, mas sim o próprio Jikoro Kano.

O que se percebe no aluno depois que ele começa a treinar Judô? O aluno aprende a canalizar a sua energia de uma maneira positiva. Se não tem o que fazer, a criança vai inventar algo que não é tão bom assim. A criança não deixa de ser agitada, ela aprende a ter autocontrole. Existem momentos em que você precisa ser mais agitado e vai ser agitado, porém, quando é importante estar calmo, vai estar tranquilo. É um equilíbrio.

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Quais são os desafios do ensino do Judô na escola? É preciso adaptá-lo ao currículo?

problema nenhum cair, não é demérito. Se caiu, levanta, mas tem que tentar derrubar.

Esse é um desafio que, de dois anos para cá, tem gerado muitas reflexões. Eu posso dar o exemplo do Período Integral. Quando eu estava no Centro de Esportes, o Judô era visto como um esporte, como um exercício. No Integral, como ele tem um eixo voltado à questão da linguagem corporal, eu tive que adaptá-lo, passando por essa concepção.

A gente trabalha muito a autoconfiança. Acho que é nesse sentido que a concentração é trabalhada. A nossa mente é a mesma nos diversos espaços e momentos.

Isso ajuda a mudar a ideia de que o Judô é apenas um esporte. Ele é formador. Eu parti do princípio da cultura corporal e de que ela trata de vários eixos, um deles é a luta. E por que Judô, você pode perguntar, se poderia ser qualquer outra luta? Acho que tem a ver com o que o Medianeira e também a Rede Jesuíta de Educação propõem de formar sujeitos competentes, conscientes, compassivos e comprometidos. Parece que é um encontro marcado entre o Judô e a Pedagogia Inaciana.

O Judô possui princípios filosóficos, estimula a autonomia e a concentração. De que maneira a prática do Judô ajuda no cotiano em outras disciplinas? Acho que, principalmente, na questão da concentração. Citando exemplos bem práticos: quando o aluno está no momento da luta, um golpe leva milésimos de segundos para derrubá-lo. Se não tiver uma concentração muito grande, o aluno vai cair mais que derrubar. Durante o processo dos treinos você percebe um equilíbrio. Eu sempre falo que não tem

E por falar nos ensinamentos do Judô, o que o aluno pode levar do tatame para a vida cotidiana? Como a prática de um esporte interfere na realidade do atleta? Quando eu trabalho o Judô com as crianças tem o intuito da formação, de vê-las chegar à faixa preta, mas não é o principal. Tem alguns alunos que já estão na faculdade ou já se formaram na universidade – com quem eu ainda tenho contato – e eles dizem: “nossa, sensei, eu lembro que você dizia ‘pense antes de fazer, respire primeiro, reflita’”. Pensar e agir. Pensar e agir. Eu fico muito feliz que eles lembrem. Eu acredito muito que o aluno vai usar os ensinamentos do Judô em algum momento na vida. O principal, eu sempre falo, é que eu não quero que eles sejam campões de Judô, mas na vida. Que eles saibam respeitar o outro, antes de tudo, que se cumprimentem, que agradeçam. Isso está na rotina do Judô, eu espero que eles levem isso para a vida. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Jonatan Silva é formado em Jornalismo e pósgraduado em Marketing Digital. Trabalha como jornalista e assessor de imprensa no Colégio Medianeira e colabora com o jornal Rascunho e o portal A Escotilha. É autor do livro O Estado das coisas.


Sustentabilidade e

Pesquisa no Medianeira

Qual o papel da escola na educação ambiental e no uso consciente dos recursos? Por meio do projeto Abra seus olhos e veja coisas novas a comunidade escolar adotou uma nova postura de cuidado com a natureza e também com as pessoas. Por Francisco Carlos Rehme e Roberto Casagrande Filho

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A

sensibilidade com a pre-

dos recursos naturais e perda da

com o desenvolvimento do sen-

servação do ambiente vem

biodiversidade), além de graves

so crítico e da aprendizagem que

ganhando

problemas socioambientais (HAR-

visa à transformação da realidade

VEY, 1992).

social, a Companhia sabe que agir

apelo

global

expressivo, sendo obser-

vada na Encíclica Papal Laudato Si (2015), assim como nos meios de comunicação e nas temáticas de grandes eventos internacionais como na Assembleia Ambiental das Nações Unidas (UNEA-2) em Nairóbi, no Quênia, 2016. A comunidade científica constantemente se manifesta sobre o fato de que as alterações climáticas pelas quais estamos passando são fruto das ações humanas, e que a perda da biodiversidade chega a níveis alarmantes. Sabemos que a crise ambiental atual adquiriu força pelo desenvolvimento econômico iniciado no século XVIII com o início da Revolução Industrial, no momento em que a invenção da máquina a vapor, em 1769 por James Watt, modificou radicalmente a relação de produção e de trabalho entre os homens e destes para com a natureza. As máquinas forneciam a força necessária para que os teares e moinhos pudessem trabalhar com maior velocidade e produção. Entretanto, essa prática barateou os preços, promovendo

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Neste contexto, a Sustentabilidade e a Educação Ambien-

de forma sustentável exige uma formação sustentável.

tal surgem como alternativas de

Assim sendo, o Projeto Abra

transformação da complexidade

seus olhos e veja coisas novas

desta realidade, pois são proces-

propõe uma reflexão profunda a

sos educativos que nos permitem refletir e redefinir nossas relações com a natureza e com a sociedade, apontando perspectivas de superação da crise em que nos encontramos. Leonardo Boff, no livro Sustentabilidade: O que é O que não é (2015) propõe uma definição sistêmica, ecocêntrica e biocêntrica de sustentabilidade:

respeito das práticas e ações em direção à sustentabilidade. Como instituição de ensino e empresa, o Colégio consome materiais das mais variadas origens, além de utilizar recursos energéticos e produzir inúmeros tipos de resíduos. Em sua missão de educar, estabelece

relações

comerciais

e parcerias com várias empresas e instituições. É visto e visitado

“Sustentabilidade é toda ação

por diferentes comunidades e

destinada a manter as condições

públicos. Todas estas relações re-

energéticas, informacionais, físi-

ferenciam o Medianeira frente à

co-químicas que sustentam todos

sociedade, quer diretamente no

os seres, especialmente a Terra

local de atuação ou indiretamente

viva, a comunidade de vida, a so-

pelos recursos que consome e os

ciedade e a vida humana, visando

resíduos que gera em seu descar-

sua continuidade ainda atender as

te e reciclagem.

necessidades da geração presen-

Com uma visão crítica e sistê-

te e das futuras, de tal forma que

mica sobre estas relações, o Pro-

os bens e serviços naturais sejam

jeto tem implantado no Colégio

mantidos e enriquecidos em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução.”

a competitividade, estimulando o

Atento a esta realidade, o

comércio e exploração dos recur-

Colégio Medianeira traz em sua

sos naturais e do trabalho huma-

identidade, visão e valores a tra-

no. O resultado foi a consolidação

dição e atualidade da proposta

de um mundo neoliberal, globa-

educativa da Companhia de Je-

lizado e consumista (século XX e

sus. Preocupada com a forma-

XXI), marcado pela crise ambien-

ção integral, com a construção

tal (mudanças climáticas, redução

de valores humanos e cristãos,


estratégias que levem à reflexão e

pelo selo Abra seus olhos e veja

conduziam

novas formas de relacionamento

coisas novas, entre elas podemos

recém-adquirida

visando à sustentabilidade (social,

citar:

Piraquara. Atualmente, o espa-

econômica, ecológica e cultural), à preservação da vida, ao desenvolvimento de uma nova política de civilização e de humanidade, contribuindo na construção de um novo paradigma.

A ação das Canecas, que substituiu o uso dos copos plásticos descartáveis por canecas. A ação do Papel, encabeçada pelos alunos do 7º ano, mas estendida à participação de toda a comunida-

Assim, as ações do Projeto de

de do Colégio. A ação do Perpe-

Sustentabilidade podem ser reco-

tóleo que, em parceria com o San-

nhecidas nos espaços do Colégio

tuário Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, coleta óleo usado de cozinha. A Festa Julina Sustentável, um conjunto de ações visando diminuir os impactos provocados pela maior comemoração do Colégio. A Carona Solidária uma inciativa em prol da mobilidade, da sustentabilidade e das relações dentro da comunidade educativa. E a Coleta do Resíduo Eletrônico, proposta pela equipe de professores do 4ºano e estendida para todo o Colégio. CEA e as aulas de campo

as

crianças

pela

Chácara

de

ço abriga o Centro de Educação Ambiental (CEA) –, exuberantemente situado aos pés da Serra do Mar e revestido pela mágica combinação entre a Mata das Araucárias e a Floresta Atlântica. O CEA tem, em homenagem ao P. Bruno Kreutz, o mitológico Morro do Bruninho e seus 1200 metros de altitude, o qual sinaliza o encontro entre o mundo tropical e o subtropical, a escarpa e o planalto, a pré-história e a história do povoamento dessa parte do Paraná. Mal sabíamos (o professor Francisco Carlos Rehme, conhecido como Chicho, e que foi aluno do Medianeira naquela época) que o ar puro exalado pela floresta que respirávamos naquele sítio nos inspirava a olhar e a compreender a natureza de uma forma mais “arejada” e apaixonada. A cultura pedagógica das au-

De igual modo, a educação

las de campo – em que o estu-

ambiental apresenta uma desta-

dante se insere de corpo e cons-

cada tradição no Colégio Media-

ciência com o ambiente, seja ela

neira. Ela está impressa na cultu-

mais natural ou mais urbana, uma

ra do colégio e de seus alunos e

caverna ou o interior de uma in-

presente de forma transdisciplinar

dústria – prosseguiu nos anos se-

nas diferentes ciências, séries e

guintes, tornando-se uma prática

atividades escolares. Na mesma

curricular e associada às pesquisas

época em que se realizava a Pri-

de caráter interdisciplinar. E assim,

meira Conferência das Nações

professores e seus alunos percor-

Unidas sobre o Homem e o Meio

rem as ruas históricas de Curitiba,

Ambiente, em Estocolmo, no iní-

Antonina, Morretes, Paranaguá,

cio da década de 1970, P. Bruno

Lapa e Castro. Conhecem as com-

Kreutz, as religiosas e as profes-

plexas relações mercantis entre o

soras do antigo Ensino Primário

campo e a cidade, ao visitar um

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assentamento rural, a germânica

quem conhece, cuida – e cuida

para cá e para lá, ou os paredões

Colônia Witmarsum ou a bata-

com carinho, além da razão. Em-

majestosos e, ao mesmo tempo,

va Castrolanda e, de outro lado,

brenhar-se na floresta ou no breu

assustadores da Serra do Marum-

o Mercado Municipal e o Ceasa.

de uma caverna, geralmente leva

bi. Nada disso. A antiga trilha in-

Ora têm seus olhares e todos os

as pessoas – destacadamente, as

dígena e colonial, foi percorrida

sentidos guiados para as estre-

mais jovens – a um sentimento

com os olhos, na maior parte do

las, planetas, cercados de luas ou

de compartilhamento do mundo:

tempo, cravados no solo. Era pre-

anéis, nebulosas, que aconche-

o campo, a caverna e outros mo-

ciso cuidar onde se pisava (aliás,

gam em seu gasoso interior estre-

numentos rochosos, a mata e sua

isso é recomendável nessas trilhas

las recém-nascidas (mesmo que

biodiversidade, a cidade, as pes-

da Serra do Mar sob qualquer

isso possa ter ocorrido há alguns

soas são parte integrante de uma

tempo), as pedras que calçam a

milhões de anos); ora para as mis-

mesma e entrelaçada teia. Há um

trilha estavam mais escorregadias

teriosas e fascinantes formações

sentimento de pertença ao plane-

do que costumeiramente. Estavam

do mundo subterrâneo das caver-

ta, de acolhimento e de respeito

mais itupavas do que nunca! A ex-

nas calcárias.

em escala planetária.

periência da travessia do Itupava

Por trás disso tudo há algo

A título de exemplo, certa

mais importante do que colher in

ocasião, ao descer o Caminho do

loco uma série de informações en-

Itupava com um grupo de alunos

riquecedoras: o processo de edu-

de Ensino Médio, o professor Chi-

cação para os sentidos. Trata-se de

cho e cerca de 30 alunos e alunas

aprender a sentir, a sensibilizar-se

podiam ter apenas guardado lem-

diante da diversidade e complexi-

branças não muito animadoras

dade de cenários que compõem

de sensação de frio e de ex-

esse mosaico planetário. No que

cesso de umidade. Choveu

tange a Educação Ambiental, a

durante todo nosso percur-

abertura para a sensibilidade é

so, que se iniciou a partir da

fundamental. Pode-se entender

antiga estação ferroviária

e

conscientemente

Véu de Noiva – e como

com a necessidade de se reduzir

muitas outras da linha

emissões de gases estufa – e mes-

férrea Curitiba-Parana-

mo de outros que sejam tóxicos,

guá,

ainda que não necessariamente

abandonadas pelo des-

“estufa” –; pode-se, de forma ra-

caso e em ruínas, após a

cional, facilmente simpatizar com

privatização da rede – e,

a defesa da preservação do que

cerca de seis horas depois,

nos resta da Floresta Atlântica,

culminou em outra estação, a

da Amazônia, do Cerrado, mas

de Engenheiro Lange. As nuvens

passa-se a valorizar muito mais

baixas e a chuva intermitente não

tais elementos da biosfera e se

nos descortinaram aquele pano-

engajar, de fato, na luta pela de-

rama deslumbrante dos dias de

fesa dos diferentes ecossistemas,

céu limpo. Não se pode apreciar

quando se os conhece. E, mais

a vista da baía de Paranaguá, a foz

ainda, mesmo que possa ser clichê,

do Nhundiaquara, após serpentear

concordar

criminosamente


poderia ter sido uma coleção de

pedagógica, esses jovens carre-

escorregões, somados ao corpo

gam consigo e aprimoram um

encharcado até os ossos... Mas, o

bem valioso: sua formação eco-

contato com a mata, a serra, os

lógica e de responsabilidade so-

rios nos leva a conhecer e expe-

cioambiental. Esse espaço tem se

rienciar a essência do ambiente.

tornado um campus para um pro-

Além disso, de tomar conheci-

jeto de educação que tanto preza

mento de nossos limites (físicos,

pelo desenvolvimento da pesqui-

de paciência, de serenidade,...) e

sa, como pela via imprescindível

de nossas possibilidades. Isso se

da

torna a principal matéria dessa

sempre, de “abrir os olhos, e ver

aula. Da aula sem quadro negro,

coisas novas”.

sustentabilidade.

Trata-se,

da aula sem as paredes da sala. Nos últimos cinco anos, desde as turmas da Educação Infantil

comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Francisco Carlos Rehme, geógrafo e professor de geografia da 1ª e da 3ª série do Ensino Médio no Colégio Medianeira. Especialista em Geografia Física - Análise Ambiental, pela UFPR e em Currículo e Prática Educativa, pela PUC- Rio. Mestre em Geografia, em Dinâmica da Paisagem, pela UFPR. Roberto Casagrande Filho é graduado (bacharelado e licenciatura) em Biologia pela PUC-PR, especialista em Currículo e Prática Educativa pela PUC-Rio e professor do Colégio Medianeira desde 1987. O educador é responsável pelo Centro de Educação Ambiental (CEA) do Medianeira.

até culminar no encerramento do Ensino Médio, os estudantes do Medianeira têm desenvolvido ati-

Referências

vidades orientadas de Educação Ambiental, que perpassam pelos

BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: O que é – O Que não é. Editora Vozes: Petrópolis, 2015.

currículos de várias disciplinas, no

HARVEY, David. Condição Pós-moderna. Edi-

CEA. Ao percorrer tal caminhada

ções Loyola: Rio de Janeiro, 1992.

Recomendações Sustentabilidade: o que é - o que não é Leonardo Boff | Editora Vozes A sustentabilidade representa, diante da crise socioambiental generalizada, uma questão de vida ou morte. O autor faz um histórico do conceito desde o século XVI até os dias atuais, submetendo a uma rigorosa crítica os vários modelos existentes de desenvolvimento sustentável.

A invenção da natureza: A vida e as descobertas de Alexander Von Humboldt Andrea Wulf | Editora Planeta A invenção da natureza revela a extraordinária vida do explorador, geógrafo e naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769-1859), o cientista mais conhecido de seu tempo. Com suas descobertas, fruto de expedições pelo mundo afora (escalando os vulcões mais altos do mundo, cruzando a Sibéria em plena epidemia de praga, navegando pela então ameaçadora Amazônia), gerou inveja em Napoleão Bonaparte, inspirou Simón Bolívar em sua revolução e Darwin a zarpar com seu navio Beagle.

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Paraná Fachada da Biblioteca Pública do

Escola e cidade:

parcerias e caminhos

A cultura fervilha nas ruas e nas praças transformando a cidade em um riquíssimo espaço de múltiplas aprendizagens. É fundamental ir além dos muros da escola e descobrir os caminhos não lineares que levam à formação de homens e mulheres conscientes de seu papel na sociedade. Por Martinha Vieira Fotos: Paulinha Kozlowski

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bservem o ritmo alucinado das pessoas pelas ruas. Não olham nem para a direita nem para a esquerda, preocupadas, com os olhos fixos no chão, como os cães. Seguem adiante, mas sempre sem olhar para a frente, pois refazem, maquinalmente, um percurso já conhecido. Em todas as grandes cidades do mundo as coisas são assim. O homem moderno, universal, é um homem atarefado: não tem tempo, é prisioneiro da necessidade, não compreende como algo possa não ser útil; não compreende nem mesmo como, na realidade, até mesmo o útil possa ser um peso inútil, esmagador. Se não se compreende a utilidade do inútil, a inutilidade do útil, não se compreende a arte; um país que não compreende a arte é um país de escravos ou de robôs, um país de pessoas infelizes, de pessoas que não riem nem sorriem, um país sem espírito, onde não há humor, não há riso, há cólera e ódio”. Eugène Ionesco (1961)

O

No calçadão da Rua XV de Novembro, a Rua das Flores, ou Boca Maldita, ele pinta o rosto e vai atrás de alguém, fazendo graça. Outro afina as cordas do violão, coloca o chapéu na calçada e arrisca uma canção. No sinaleiro próximo ao Teatro Guaíra há o grande pirata da perna-de-pau, que do alto de suas pernas diverte quem por ali passa. Mas alguns apenas passam, sem parar, sem olhar, ou num gesto de incômodo apressam mais ainda o passo como quem não tem tempo a perder com inutilidades. Manhã de domingo em Curitiba, e aquele passeio pela feirinha do Largo da Ordem ainda é um programa interessante, mesmo no mundo dos shoppings centers. E lá está ele, contando histórias com suas miniaturas, suas obras de arte, encantando e divertindo (a ele, Helio Leites, mais interessa essa dinâmica interativa do que a quantidade de obras vendidas). Assim como a doce e sapeca Efigênia, a Rainha do Papel de Bala que, entre piruetas e papéis de doce brilhando ao sol, no ritmo do seu corpo com eles vestido, sempre embalou o imaginário infantil do curitibano, adulto ou criança.

Um pouco adiante, seguindo a multidão que pela feira circula, já se pode ouvir o som do choro, do Conjunto Choro e Seresta, que há muitos anos faz a trilha sonora das manhãs domingueiras.

movimentando coletivos de jovens dispostos a mudar o mundo com sua bicicleta e seu estilo despojado.

Ainda nas manhãs de domingo, em muitas delas, há apresentações gratuitas da Orquestra Sinfônica do Paraná, no Teatro Guaíra. Entre os SESCs e os SESIs da cidade também circulam tantas outras possibilidades de contato com a arte, desde mostras cinematográficas a artes visuais, literatura, teatro, dança e música, em sua maioria com entrada franca, em variados dias da semana.

lo que na sua pobre visão é inútil.

Então, curitibano, a vida acontece, a arte pulsa e circula pela cidade muito além das portarias dos grandes e suntuosos auditórios, muito além dos megaeventos. Vida e arte pulsam nos espaços públicos, resistem às cidades dos automóveis e dos gigantes de cimento e grades de ferro, impulsionam a dinâmica da rua, revitalizando e inventando espaços alternativos, como a Bicicletaria Cultural, que abre vasto leque da criação e do pensar, de sustentabilidade e de viabilidades, interferindo no rumo da cidade e

leva a nós mesmos. Mas essa per-

Em tempos de crise alguns governos promovem o estúpido corte das artes, da cultura, ou daquiAquilo que é inútil do ponto de vista do utilitarismo, do “tempo é dinheiro”, é útil para o espírito, para a subjetividade, para a felicidade do humano. Encantar, emocionar, impactar, abalar certezas, experimentar, sentir, ser à flor da pele, viver muito além de respirar e estar vivo. Essas são potencialidades humanas que a arte não deixa perecer. É a arte que nos cepção nem sempre está no imaginário da maioria, ela precisa ser despertada, e pela própria arte. Só é preciso abrir caminhos. Essa é a função das instituições governamentais via implementação de políticas culturais nas cidades, estados e país. É função também da escola, que deve preparar a pessoa para a vida, e vida contempla a dimensão da subjetividade. Não se pode preparar um ser humano apenas para enfrentar o mercado de trabalho; é preciso que ele reconheça a si mesmo e desenvolva a consciência

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da vida em coletividade e da sua capacidade de transformação. A escola, na elaboração do seu currículo, deve ter a coragem de abandonar a visão utilitarista, que trata a arte como decoração de festas juninas e de outros eventos escolares, mas propiciar vivências, experiências, pensar a formação como uma atividade de alta complexidade, já que o ser é multidimensional e, portanto, é também subjetivo no corpo, na mente e na pele. É necessário também ir além dos muros da escola, afinal, a consciência de coletividade não acontece automaticamente pela noção de morar em uma cidade. As noções geográficas precisam sair dos mapas e se misturar com a realidade dos espaços, com a cultura vivenciada em cada região da cidade. O estudo da língua materna não pode se confinar na sala de aula, mas perceber a sua dinamicidade na literatura e nas conversas informais que revelam a diversidade, superando os preconceitos culturais e linguísticos.

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A vida acadêmica não suporta mais os muros que separam o aprendizado formal da vida real. À escola cabe a superação das verdades cristalizadas, a experiência múltipla de saberes, que tira as ciências exatas da gaveta e busca o seu entendimento na relação profunda com as humanidades e vice-versa. Objetivando transformação social e a formação integral de pessoas comprometidas com o seu tempo, com o seu entorno e com os demais, o Colégio Medianeira sintetiza a sua essência enquanto instituição Jesuíta de educação. Desde a sua fundação, nesta terra das araucárias, em 1957, a busca incansável por um projeto educativo nessa perspectiva, que não fique apenas nos arquivos da Secretaria de Educação e que não se detenha aos muros da escola e às paredes das salas de aula, tem sido a missão do Medianeira. Nem sempre acertando de primeira, sabendo que o caminho não é linear, mas trilhando-o com

insistência e intensidade, pela reflexão, pelo estudo, pela experimentação, pela pesquisa, e assumindo cada vez mais o compromisso de interferir no contexto global e local. Muitas iniciativas, nesses 60 anos de vida em Curitiba, têm acontecido no sentido de buscar a vivência no espaço coletivo, entender e participar da sua dinâmica, como as pesquisas promovidas pelos núcleos das áreas do conhecimento, que realizam jornadas e aulas de campo em espaços da cidade, em áreas tanto de preservação ambiental como em locais que já sofrem sérios comprometimentos pela ação humana; em espaços culturais alternativos e nas ruas, com tudo o que têm a dizer e com as suas diversas linguagens. Também, desde 2011, é realizada a Festa das Linguagens do Medianeira (FLIM) cuja proposta é trazer um pouco da cidade para dentro da escola, tanto abrindo para o público externo palestras com escritores, como oficinas e mostras de arte,


bate-papos de interesse literário, educacional, filosófico. A semana da FLIM também oferece inúmeras apresentações e mostras dos alunos que participam, durante o ano, das oficinas de arte (Artes Visuais, Cinema e Fotografia, Dança, Teatro, Violão e Violino); a Feira do Conhecimento, que apresenta a finalização das pesquisas realizadas pelos alunos orientados por seus núcleos de educadores; a publicação da coletânea de textos dos alunos, antes impressa e, desde 2016, em formato virtual. E como encerramento acontece um show de música com artistas locais: em 2011, com o Trio Quintino; a partir de 2012 o Medianeira passou a fomentar a música local por meio de apoio financeiro para gravação de CD ou DVD. O primeiro passo desse projeto se deu com o apoio ao DVD Da Tamancalha ao Sampler, do Grupo Fato; em 2013 o subsídio foi para a gravação do CD Invento, de Juliana Cortes; e a par-

tir de 2014, formalizado via edital, com a seleção do projeto de gravação do CD Zero, de Fred Teixeira; em 2015 foi a vez do samba paranaense, com o CD Ascende o Samba, do Braseiro, e em 2016 foi selecionado o Sincopé, para a gravação do DVD Caça-palavras, de clipes. A cada ano o artista escolhido para esse apoio realiza o show de encerramento da FLIM para o lançamento do seu CD ou DVD, ofertando ao público curitibano mais um trabalho artístico de qualidade. Segundo Luciane Alves – vocalista e produtora artística do Braseiro – “receber o fomento do Edital Medianeira Nossa Música foi o divisor de águas para a trajetória do projeto que fundamenta o Braseiro. Pudemos gravar nosso primeiro CD, repleto de sambas de compositores locais, e desde o lançamento do disco já fizemos viagem ao exterior (lançamos o disco na Cidade do México, em três espaços ligados à UNAM

– maior universidade da América Latina). Tivemos a oportunidade de enveredar pelo ambiente de ensino com nosso projeto, com composições do nosso disco sendo usadas em sala de aula, dando visibilidade a tanta pauta importante e urgente: as tradições negras da nossa cultura, a exclusão social dos negros e sambistas (em nível local e nacional), a voz dessas pessoas que resistem e fazem cultura como assinatura de sua passagem pela história que não vai para os livros.” E para Natália Bermúdez, do Sincopé, “a escola, como instrumento de formação de seres humanos capazes de conviver em sociedade, tem o dever primordial de manter estreitas relações com seu entorno social, cultural e histórico. Evitando-se a formação de “bolhas” esterilizadas e dissociadas da realidade, que em nada contribuem para a melhoria da qualidade de vida tanto

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dos alunos quanto da comunidade em geral, evita-se também a alienação provocada por falta de empatia e falta de conhecimento do que há além dos muros do ambiente de ensino formal. Assim, o relacionamento com manifestações culturais geradas no mesmo contexto em que a escola se insere permite aos cidadãos-alunos obter o conhecimento para valorizar cada vez mais sua própria cultura. Isto gera noções de pertencimento e identificação, tão necessários num mundo que, apesar de estar inundado de informações, esvazia-se em sentido de forma muito veloz. Nesse sentido o projeto Medianeira Nossa Música age para suprir a necessidade de identificação dos alunos com seu entorno, o que é um tesouro de valor indiscutível na formação

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de seres humanos conscientes e atuantes para a melhoria da sociedade. Além disso, o projeto promove o fomento da produção artística local através do incentivo financeiro, tão negligenciado aos artistas independentes que buscam um lugar ao sol. Considero que a escola também deve atuar na formação de plateias, sendo um campo fértil para a germinação do pensamento crítico. A parceria com artistas locais e inserção dos mesmos no espaço de educação vêm ao encontro desta urgência.” E a cada escolha realizada nesse projeto, se reafirma, por mais essa via, o vínculo tão necessário entre a escola e a cidade na qual se insere e com a qual deve estabelecer parceria para formar cidadãos.

Estamos situados em um tempo em que mais da metade da população mundial vive nas cidades (até 1900 apenas 10% das pessoas viviam nos centros urbanos). Esse fato exige políticas públicas que coloquem a política cultural na centralidade, buscando alternativas criativas para a vida em coletividade. Para isso a revitalização de espaços públicos e ações culturais não apenas no centro da cidade são fundamentais, e não somente por vias governamentais, mas a sociedade, as empresas, também devem se mobilizar para gestar uma cidade melhor para todos, estimulando a diversidade cultural e o desenvolvimento humano, seguindo a recomendação contida no artigo 8 da Agenda 21 da Cultura, assinada em Barcelona em 2004, que diz que “a convivência,


nas cidades implica um acordo de responsabilidade conjunta entre cidadania, sociedade civil e governos locais”. O desafio é de todos, e o caminho é o desenvolvimento humano acima do desenvolvimento econômico. O desenvolvimento das pessoas com aquilo tudo que há dentro delas, suas necessidades além das utilidades da vida material, sua expressão e sua relação com o outro e com o mundo. E aí a escola deve marcar a sua posição, como possibilidade de crescimento subjetivo e intelectual, de ampliação do pensar, dos entendimentos. Para que o humano pense mais, seja mais, aja mais e para os demais. Um humano precisa enxergar o outro, considerá-lo na coletividade, ser junto, pensar junto, agir junto e ser cada um, em diferentes entendimentos

o entendimento da diversidade. E na diversidade se enxerga a real existência de uma cidade. “O que será desta calma cidade se progredir nesta velocidade há de conter toda elasticidade ou transbordar sua capacidade”. Milton Karam, poeta curitibano (esse poema foi musicado por Carlos Careqa e gravado no seu disco Os homens são todos iguais, em 1993).

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Martinha Vieira é supervisora do Centro de Artes do Medianeira, onde foi professora de Língua Portuguesa por 21 anos. É formada em Letras Português, pela UFPR, pós-graduada em Currículo e Prática Educativa, pela PUC-Rio e em Produção da Arte e Gestão da Cultura, pela PUC-PR.

Recomendações A utilidade do inútil: um manifesto Nuccio Ordine | Editora Zahar O filósofo italiano Nuccio Ordine mostra como a lógica utilitarista e o culto da posse acabam por murchar o espírito das pessoas, pondo em perigo não só a cultura, a criatividade e as instituições de ensino, mas valores fundamentais como a dignidade humana, o amor e a verdade.

A Cultura pela cidade Teixeira Coelho (Org.) | Editora Iluminuras O livro explica a importância de perceber os espaços públicos como “palcos” permanentes, nos quais a cultura transparece e transborda. Isso acontece após a educação do olhar e o despertar do desejo de encontrar a cultura em todos os cantos.

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Conexão Medianeira

Sempre-aluna da turma de 1982 comenta experiência na Alemanha e revela como o Medianeira a preparou para o mundo. Por Ilka Fichtner

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u vim para Munique, Alemanha, com a finalidade de estudar alemão, por um ano. Acabei, por obra do destino, conhecendo meu marido por aqui. A decisão em deixar tudo para trás, família, amigos, carreira e recomeçar do zero, num país com cultura e costumes tão diferentes do nosso, acarretou uma mistura de sentimentos conflitantes. O início não foi simples. Ter que ouvir um idioma estrangeiro o dia inteiro, trocar o certo pelo duvidoso, se adaptar aos costumes e ao estilo de vida, ao clima de frio intenso e a falta de luz solar, a forma reservada do povo alemão, dentre tantas outras coisas, e mesmo assim, preservar as origens, não foi fácil.

E

No entanto, com o passar do tempo, tudo começou a se encaixar de maneira sutil e quando eu menos esperava, percebi o quanto eu havia absorvido a cultura alemã. Esta percepção inconsciente se deu, num primeiro momento e a título ilustrativo, quando retornei ao Brasil e desci no aeroporto de Guarulhos. Fiquei com dor de cabeça e meio perdida com tanto barulho. O Brasil é um país barulhento, ao contrário daqui, onde o silêncio predomina. Outra percepção teria ocorrido na rua. Eu via as pessoas atravessando a rua sem obedecer ao sinal de pedestre e não conseguia ir junto, por mais que não houvesse carros transitando na rua. Sim, aqui na Alemanha somente se atravessa a rua quando o sinal de pedestre sinalizar o verde. No supermercado também não foi diferente. Imaginem que aqui a pessoa que trabalha no caixa é ultrarrápida, não

conversa com absolutamente ninguém enquanto trabalha – para não perder a concentração, devolve o troco exato e o próprio comprador empacota seus produtos. Hoje, morando há quinze anos na Alemanha, possuo dupla nacionalidade. Absorvi o estilo de vida no país em que vivo, sem ter perdido as minhas origens. Vendo mais longe

Uma profissão Sou advogada, formada em 1988 pela PUCPR. Sem dúvida alguma, acredito que o conhecimento adquirido no Medianeira e na faculdade contribuíram de forma incisiva para a minha aceitação aqui na Alemanha. Vale ressaltar que o sistema educacional alemão é muito diferente do nosso, e, como os governos estaduais

Viver em outro país amplia a capacidade de interagir com as mais variadas culturas e costumes. Dá a chance de conhecer histórias e temas hodiernos de outra parte do mundo que são pouco discutidas no Brasil, por fazerem parte de outra realidade. Com o conhecimento das dificuldades e desafios enfrentados em outro lugar do mundo, abrem-se novos horizontes. O que pode significar novas ideias de como solucionar problemas enfrentados no Brasil, novos projetos, a capacidade de aceitar as diferenças. Morar fora é uma forma de criar independência e confiança. É uma experiência enriquecedora e cheia de desafios.

possuem autonomia sobre seu

Com o aprendizado escolar adquirido no Medianeira, houve um preparo inicial para a vida. Descobri que podemos, por meio do conhecimento, transformar e modificar o mundo em que vivemos. Creio que o Medianeira influenciou em diversos aspectos que fortaleceram a minha experiência fora do país, lições como a tolerância, respeito à diversidade, princípios éticos e morais, a cidadania, foram essenciais nesta minha experiência. E aqui fica registrada minha eterna gratidão ao Colégio.

atividade na indústria ou na agri-

sistema de ensino, as características variam de estado para estado. De forma genérica, a criança, ao concluir o primário, começa a esboçar a sua orientação profissional, em conformidade com o desempenho realizado nos quatro primeiros anos de escola. A professora recomenda aos pais o tipo de escola que seu filho se adequará melhor, cabendo aos pais e filhos a decisão. Há três opções: 1) Hauptschule: escola de formação geral básica. Após a conclusão, os alunos seguem, via de regra, para uma formação profissionalizante que os habilita a exercer uma ocupação ou uma cultura. O período de duração varia entre cinco a seis anos. 2) Realschule: escola que habilita o aluno a frequentar cursos avançados em escolas profissionalizantes, escolas secundárias vocacionais ou o segundo ciclo do ginásio. Tem a duração de seis anos. 3) Gymnasium: escola que proporciona uma formação básica bem mais aprofundada. O certificado de conclusão chama-se Abitur – equivalente ao vestibular

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brasileiro, é que irá habilitar o aluno no ingresso a uma universidade. Sua duração varia entre oito e nove anos. Deste modo, verificamos que há uma diferença enorme entre o sistema educacional brasileiro e o alemão. Certamente que os diplomas universitários são muito valorizados por aqui. Isso não significa que o reconhecimento do mesmo seja um caminho fácil. Saudade Na trajetória de minha vida escolar, muitos foram os momentos que contribuíram para meu desenvolvimento pessoal e profissional. Um momento especial e marcante, foi sem dúvida, uma conversa que tive com a Professora Sheila que me orientou com o maior carinho e dedicação na escolha de minha profissão.

Tenho muitas boas lembranças da época em que estudei no Medianeira, foi uma escola muito importante na minha formação como pessoa. Cultivo amizades da época até hoje. Difícil descrever algo que mais me deixou saudades, foram muitos os momentos especiais que vivi por lá. Um deles, certamente, foram as olimpíadas. Desafios Uma das diferenças que mais chamou minha atenção seria a forma distante, reservada e formal com que o alemão interage. Já o brasileiro é mais emocional, demonstra seus sentimentos com mais facilidade. Acredito que a educação que obtive no Medianeira baseada em valores como a benevolência e o respeito ao próximo, foram fundamentais neste contexto de adaptação e aceita-

ção cultural. Conheço muitas pessoas que não conseguiram se integrar à cultura alemã, bem como outras que vivem aqui à margem da sociedade. É preciso ter perseverança e fazer um grande esforço em assimilar as diferenças culturais, sem perder nossas raízes. A oportunidade de estudar no exterior ou fazer um intercâmbio é singular. Estudar no exterior é um desafio constante. Uma experiência repleta de aprendizados que só têm a acrescentar para o seu futuro. É uma oportunidade de conhecer o novo, de ampliar horizontes. Vale a pena. comente este artigo: mediacao@colegiomedianeira.g12.br

Ilka Fichtner é sempre-aluna do Colégio Medianeira e advogada formada pela PUCPR. Atualmente vive em Munique, na Alemanha.

Recomendações O Incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação Haruki Murakami | Editora Alfaguara Tsukuru Tazaki é um homem solitário, perseguido pelo passado. Na época da escola, morava com a família em Nagoya e tinha quatro amigos inseparáveis. Após algo aparentemente inexplicável ele é expulso do grupo de amigos. Dezesseis anos mais tarde, Tsuruku escolhe descobrir a verdade. O livro é um relato emocionante sobre a busca pela identidade.

Família e educação: quatro olhares Júlio Groppa Aquino, Rosely Sayão, Sérgio Rizzo e Yves de la Taille | Editora Papirus As transformações da família a partir dos anos 1960 são o tema central dos artigos que compõem o livro. Questões como individualismo, consumo desenfreado, a busca pela juventude permanente também recebem atenção dos autores, que discutem as relações entre pais e filhos e papel da educação.

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Uma reflexão em

imagens e palavras

A Mata dos Medos é um livro ambicioso e cheio de significados. Com um enredo intrincado, Álvaro Magalhães cria uma história para encantar adultos e crianças. Por Andressa Medeiros

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uerido leitor, esta resenha é dividida em duas partes: a primeira conta um pouco do enredo do livro A Mata dos Medos. A segunda fala quem é o autor e analisa como as palavras e as imagens são utilizadas para transmitir significado ao texto.

Tudo começou no Largo do Pinheiro Grande, no meio da mata, aos primeiros raios de sol da primavera. Todos os animais acordam e se deparam com presentes. Ops! Todos, menos o Chapim; este havia sido roubado. Instalou-se o mistério! .Ah! Antes de falar do mistério é preciso salvar o Coelho, que havia caído numa armadilha para ursos, mas afinal como podia ter caído numa armadilha para ursos, se era um coelho? Enfim, vamos salvar o Coelho, antes que a chuva encha a armadilha. Sabe, o Coelho tem muito medo de se afogar, e por isso vive a catar rolhas para fazer um colete salva-vidas, e ele ainda nem sabe se sabe nadar. Você, leitor, sabe como sabemos o que não sabemos fazer? Pergunta complicada. Melhor salvar o Coelho. Ufa! Coelho salvo. Hora de resolver o mistério. Os animais se reúnem na casa da Toupeira para solucionar o mistério do Fantasma de Abril Bom para Todos Menos para o Chapim. O problema precisava ser solucionado, pois se o fantasma não era bom para o Chapim poderia prejudicar a todos. A primeira resolução: encontrar um investigador; segunda resolução: devolver a comida roubada da despensa do Chapim. O Coelho, furioso com o egoísmo

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do Chapim. Decide lançar-lhe a pergunta terrível: “Você é feliz?”. Ficou curioso para saber a resposta do Chapim para a pergunta e descobrir quem é o Fantasma de Abril? Leia o livro! Garanto que não se arrependerá.

Segunda Parte A Mata dos Medos foi escrita pelo premiado autor português Álvaro Magalhães, que possui uma obra de mais de 80 títulos dedicados a crianças e jovens, encantando também os adultos tanto pela originalidade temática quanto pelo cuidado estético. Os Contos das Matas dos Medos são compostos por quatro livros ambientados na Reserva Natural Mata Nacional dos Medos em Portugal. A palavra Medos não

está relacionada ao sentimento, a palavra relaciona-se ao termo antigo para dunas e é pronunciada com “e” aberto. Hoje, na Mata dos Medos há uma grande diversidade de flora e fauna representadas na coleção de Álvaro Magalhães, com ilustrações de Cristina Valadas. A história e as ilustrações nos transportam para o universo das fábulas. As personagens são desenhadas em preto e branco contrastando-se às pinturas coloridas da flora. As ilustrações são complexas, mas ao mesmo tempo relembram os traçados dos desenhos feitos por vocês, crianças. Talvez aí esteja um dos valores estéticos fundamentais das ilustrações que associam texto e imagem, poetizando cenário e personagens, enfatizando a importância da biodiversidade para a manutenção da vida. O livro apresenta as reflexões das personagens a respeito da história e da vida por meio de uma brincadeira bem-humorada de perguntas e respostas, fazendo com que nós, leitores, participemos


ativamente das reflexões, que questionam o senso comum sobre sentimentos e modos de viver. O livro A Mata dos Medos nos traz a sensação de que as ideias prontas sobre o mundo real estão sendo demolidas e que a partir de sua ruína novos modos de experimentar o mundo das ideias são construídos; parodiando Manoel de Barros, uma construção de despropósitos, no Exercício de Ser Criança. A história também permite uma reflexão sobre escrita e leitura tão cara a nós professores e alunos. Logo no início do livro o Ouriço encontra um bilhete do Coelho que diz: “Fugi procausa das bolhas”; como não consegue decifrar a mensagem, procura a Toupeira, letrada, que o decifra: “Aqui diz: Fui à procura de rolhas”. Há outras situações divertidas ao longo do livro sobre como decifrar os códigos da nossa língua.

As perguntas e reflexões são muitas e nos fazem pensar o mundo de um jeito novo, no qual existe a possibilidade de uma convivência harmônica entre modos diferentes de ser, mostrando que as diferenças fortalecem o grupo ao permitirem observar o universo por diversos ângulos, a fim de encontrar soluções e respostas.

Que tal convidar os seus familiares para dividir com você essa leitura?

Assim, no Largo do Pinheiro Grande, no meio da Mata dos Medos, o Ouriço, a Toupeira, o Coelho, o Caracol, a Lagarta Processionária e o Chapim vivem suas aventuras, questionando o mundo e a ordem das coisas. O que é ser feliz? Por que temos que andar sempre em fila sem poder pensar o que queremos?

A criatura medonha - Novos Contos da Mata dos Medos (2007)

Álvaro Magalhães trata todos esses temas com humor e poesia, inventando novas palavras, brincando com os sons delas, criando o inesperado num encontro poético e filosófico entre a ficção e a realidade.

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A coleção Contos da Mata dos Medos é composta pelos títulos: A Mata dos Medos (2003)

Um problema muito enorme - Novíssimos Contos da Mata dos Medos (2008) O Lugar Desconhecido - Últimos contos da Mata dos Medos (2010) Andressa Medeiros é formada em Letras pela UFPR. Mestranda em Literatura e Alteridade (UFPR). Na Universidade de Oxford (Inglaterra), frequentou cursos nas áreas de Cinema, Filosofia, Literatura e Escrita Criativa (2007-2008). Integra a companhia Ilíadahomero, realizando recitais e apresentações teatrais do Canto XXIV da Ilíada em diversos espaços.

Recomendações Tempo de Voo Bartolomeu Campos de Queirós | Editora SM O que é o tempo, afinal? As marcas físicas do envelhecimento do narrador são o mote para o diálogo entre um adulto e uma criança sobre a passagem do tempo e a percepção que as pessoas têm da memória e das etapas da vida. Devaneios e caracterizações surpreendentes marcam a narrativa – o tempo passa mais depressa que voo de passarinho; troca a roupa do mundo; não tem marcha a ré. Pura poesia aliada à reflexão filosófica.

A mata dos medos Álvaro Magalhães | Editora SM ‘Como sobreviver ao dilúvio?’; ‘Como alcançar a felicidade?’; ‘É possível voar sem asas?’; a ficção do escritor português Álvaro Magalhães se passa em um cenário real - a mata dos medos, reserva ambiental situada entre as terras de Almada e Sesimbra, em Portugal. Inspirado no imaginário das fábulas, o autor procura aliar referências bíblicas, filosóficas e poéticas, com doses de humor e lirismo.

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A natureza oferece um espetáculo variado de formas, cores e sons. Mutações e adaptações produziram a diversidade dos seres vivos. Eu sou o Pelicano. Tenho um bico que funciona como uma rede.

O Maçarico tem o bico pontiagudo e o usa com flecha contra caranguejos, baratas, peixes, pequenos seres.

Sou a única ave que tem o bico apropriado para comer caranguejos que moram dentro das garrafas PET.

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A parte inferior é mole e abre-se ao meio formando um saco para pescar.

O Colhereiro tem bico em forma de colher. Ele agita o bico dentro d’água confundindo e capturando, caranguejos, peixes e camarões.

Vivendo em um meio abundante de PET, apropriado pros caranguejos, tenho abundância sem competição.

Isso compensa o fato de eu ser lento e pesado.

Já o bico curvo do Alfaiate serve para remexer o lodo e catar crustáceos, baratas, lesmas, minhocas, larvas e outros invertebrados.

Então, tenho maior chance de sobreviver.

Marcelo Weber


VAI LÁ E FAZ! Um mundo mais igualitário.

Mais do que acreditar que outro mundo é possível, o Colégio Medianeira está comprometido na construção dele agora, neste exato momento. E provoca você a ser o protagonista dessa história, a ser um agente dessa mudança, a fazer o sonho virar realidade. A aprendizagem integral e a criação coletiva são a essência dessa proposta. E nesses 60 anos de atuação fomos guiados por valores sempre atuais e universais, respeitando diferenças e acolhendo o novo.

Vai lá e faz representa a nossa fé nos valores humanos transformados em atitudes mais conscientes, competentes, compassivas e comprometidas, onde cada um tem um papel importante para a construção de mundo melhor para todos.

(41) 3218-8000 f colmedianeira www.colegiomedianeira.g12.br mediação

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Linha Verde – Av. José Richa, nº 10546 Prado Velho - CEP 81690 100 Fone 41 3218 8000 - Curitiba - PR www.colegiomedianeira.g12.br 64 mediação


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