Pensamento Lean 2014

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[CAPITULO 1]

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO LEAN A filosofia das organizações vencedoras JOÃO PAULO PINTO, PhD MSc(Eng) CLT Services, Março de 2014 www.cltservices.net

.objectivos Bem vindo ao mundo do pensamento lean. Neste capítulo pretende-se fazer uma introdução à filosofia do pensamento magro (lean thinking), apresentando as suas origens, evolução, actuais princípios e pilares. Este capítulo serve de introdução a esta obra e abre as portas para os diferentes temas a desenvolver. Pense lean, faça da sua empresa uma vencedora.

.estrutura do capítulo 1.1.

Introdução ao lean thinking

1.2.

Breve revisão bibliográfica

1.3.

O significado de valor

1.4.

O significado de desperdício

1.5.

Os princípios lean thinking revistos

1.6.

Toyota Production System (TPS)

1.7.

Do TPS ao lean thinking

1.8.

Lean thinking nos serviços

1.9.

Conclusão

Nota: Se pretender obter uma cópia em pdf deste documento envie um email com a sua identificação para: jpintus@gmail.com


INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO LEAN

1.1.

INTRODUÇÃO AO LEAN THINKING

A designação lean thinking (pensamento magro), como conceito de liderança e gestão empresarial, foi pela usada pela primeira vez por James Womack e Daniel Jones (1996) na obra de referência com o mesmo nome. Desde então, o termo é mundialmente aplicado para se referir à filosofia de liderança e gestão que tem por objectivo a sistemática eliminação do desperdício e a criação de valor. Trata-se de um dos mais bem sucedidos paradigmas de gestão que o mundo empresarial conheceu. Womack e Jones referem-se ao lean thinking como o “antídoto para o desperdício”. De acordo com estes autores, o desperdício refere-se a qualquer actividade humana que não acrescenta valor. Contudo, na modesta opinião do autor, o conceito de desperdício deve ser alargado passando a incluir não apenas as actividades humanas como também qualquer outro tipo de actividades e recursos usados indevidamente e que contribuem para o aumento de custos, de tempo e da não-satisfação do cliente ou das demais partes interessadas (stakeholders) no negócio. A filosofia lean thinking alcançou enorme reputação mundial, sendo aplicada em todas as áreas de actividade económica desde organizações com fins-lucrativos ao sector público, sendo já possível encontrar aplicações lean na gestão de organizações não-governamentais e sem fins-lucrativos. A validade dos princípios e das soluções lean é corroborada pelo sucesso de empresas como a Toyota Motors Corporation (TMC) que em 2007 alcançou o patamar de topo da indústria automóvel ao destronar da primeira posição a General Motors (GM) que desde 1930, era classificada como a maior empresa do sector. Outras empresas, como a Dell ou a Zara, reportam ganhos significativos com a implementação dos princípios lean. Desde o seu desenvolvimento inicial, até aos nossos dias, a filosofia lean thinking tem vindo a evoluir, muito graças aos seus percursores e às empresas que lhes serviram de referência, como também devido ao contributo e à experiência de entidades espalhadas por todo o mundo que vão contribuindo para o crescimento da filosofia desenvolvendo-a e implementando-a nos mais diversos sectores de actividade. A filosofia do pensamento magro tem as suas raízes no sistema de produção da Toyota (TPS, Toyota Production System) criado por Taiichi Ohno (1988) e seus pares a partir dos anos 1940s, e foi inicialmente aplicado no sector da indústria automóvel. Um conjunto de ferramentas e métodos práticos foi desenvolvido ao nível operacional para apoiar o pensamento magro. Estas ferramentas incluem, por exemplo, o mapeamento da cadeia de valor: VMS (value stream mapping) que é utilizado para identificar o fluxo de recursos e identificar áreas onde as operações consomem recursos mas não acrescentam valor na perspectiva do cliente. Este mapa é posteriormente utilizado para gerar ideias que levarão ao re-desenho dos processos. Embora aplicadas com grande sucesso no sector industrial, muitas das ferramentas e métodos lean continuam sem aplicação nos serviços (públicos ou privados). Pouca investigação foi feita no sentido de avaliar a aplicabilidade destas no sector dos serviços e que impacto estas terão na produtividade e na qualidade do serviço prestado (SESR, 2006).

Estrutura do livro Ao longo de nove capítulos, o leitor irá aperceber-se do que é a filosofia lean thinking, quais os elementos fundamentais que a constituem e a forma como estão relacionados entre si. Este primeiro capítulo introduz os conceitos fundamentais lean, apresenta o significado de valor e de desperdício nas organizações e explica a evolução do TPS até ao Lean Thinking. O segundo capítulo dedica-se à filosofia de melhoria contínua e a importância que esta tem no âmbito do pensamento lean. O terceiro capítulo aborda com detalhe as diferentes soluções lean (métodos e ferramentas). A panóplia de soluções disponíveis é bem vasta, sendo possível identificar, para cada situação, a solução mais adequada. O quarto capítulo dedica-se em exclusivo ao sistema just in time (JIT). JIT é uma das mais populares componentes do TPS, e a abordagem que é feita neste livro procura ser mais aprofundada que a generalidade dos trabalhos publicados neste domínio, ao concentrar-se em temas como a programação nivelada (heijunka) e o sistema de logística interna baseada na lógica pull. O quinto capítulo centra-se na aplicação do pensamento magro na gestão da cadeia de fornecimento (lean supply chain management, ou lean SCM). Um dos maiores desafios da filosofia lean é saltar das fronteiras da organização e envolver todos os intervenientes na cadeia de fornecimento, de modo a que todos, em sintonia e colaborando, possam eliminar os desperdícios e continuamente criar valor para todos os stakeholders. O sexto João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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capítulo dedica-se ao principal ingrediente do sucesso das organizações lean (lean enterprises): as suas pessoas. A ênfase deste capítulo está na liderança de pessoas e não na sua gestão, procurando perceber de que forma esta filosofia potencia o talento e a contribuição das pessoas nos processos. O sétimo capítulo recorre à metodologia hoshin kanri para orientar o leitor no desdobramento da política lean por toda a organização. Trata-se de um método muito simples mas eficaz que as empresas podem usar para fazer o desdobramento estratégico, garantindo que todos percebem o que fazer, quando e que resultados alcançar. Recorrendo a simples formulários A3, esta metodologia provou ser um enorme aliado na comunicação, envolvimento e comprometimento das pessoas. O oitavo capítulo apresenta-nos sete casos de estudo de empresas Portuguesas que aplicaram a filosofia lean thinking. A pedido das empresas a sua identificação foi omitida. Finalmente, o nono capítulo aponta orientações, faz o resumo das lições aprendidas, deixa alertas e propõe um roadmap lean thinking de implementação para as organizações. Esta obra é ainda complementada com uma extensa lista de referências e bibliografia e um conjunto de anexos de suporte. Estes anexos estão disponíveis em formato digital e podem ser descarregados no seguinte endereço: http://sites.google.com/site/leanmanagementbook/

1.2.

BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

São inúmeros os trabalhos publicados sob o tema lean thinking. Sem ser possível fazer uma análise exaustiva de todos os trabalhos publicados até à data, apresenta-se alguns dos mais significativos: Lean thinking (Womack e Jones, 1996 e re-editado em 2003), Learning to see (Rother e Shook, 1999), Seeing the whole (Womack e Jones, 2002) e Lean lexicon (The Lean Interprise Institute, 2003). Mais recentemente, os trabalhos de JK Liker e DP Meier (2004 a 2007) revelaram ainda mais os segredos e o DNA1 da Toyota e do pensamento lean. Liker (2004) com a obra “The Toyota Way” e as que se seguiram marca uma importante viragem no estudo e conhecimento do sistema TPS e, consequentemente, no pensamento lean. The machine that changed the world (Womack et al,1991) faz um estudo de abrangência global sobre a indústria automóvel na década de 1980. Este estudo mostra que o sistema de produção da Toyota (TPS) era já naquele tempo muito superior ao de todas as outras empresas de automóveis. Mostra, através de estudos comparativos, a superioridade dos métodos Japoneses em relação aos Europeus e Norte-Americanos (não somente em termos de gestão de inventários mas também na produtividade, qualidade, gestão da cadeia de fornecimento e velocidade de desenvolvimento de novos produtos). Mais tarde, Lean thinking dos mesmos autores (1996), fornece uma excelente análise das diferenças entre a abordagem da produção tradicional e a abordagem lean thinking. É um grande ponto de partida para compreender o lean thinking. Estes autores detalham as vantagens da abordagem lean thinking e fornecem ao leitor uma compreensão global de todo o conceito. Nesta obra, retratam a história, o desenvolvimento e o estado actual da abordagem lean thinking. Fornecem excelentes descrições e definições dos cinco princípios-chave e terminologia standard da filosofia lean thinking. Também fornecem uma análise detalhada, com uma grande variedade de exemplos de empresas que implementaram o lean thinking. O capítulo 11 desta obra fornece um excelente plano de acção (roadmap) para implementar o lean thinking. Learning to see, de Mike Rother e John Shook (1999), apresenta ao mundo empresarial a ferramenta de mapeamento da cadeia de valor (VSM – value stream mapping) desenvolvida pela Toyota. Rother e Shook forneceram um processo detalhado, bem conhecido, para o mapeamento da cadeia de valor para a fábrica, com diagramas e exemplos. Definem a cadeia de valor e explicam por que é que é uma ferramenta essencial. Referem-se igualmente a materiais e fluxos de informação, identificam as linhas de produtos e as pessoas responsáveis pela cadeia de valor, incluindo a descrição de funções. Os autores detalham o que é que torna a cadeia de valor lean, a geração de um mapa do estado actual (as-is) e como se atinge o estado futuro (to-be) da cadeia de valor. Após a publicação desta obra, o VSM tornou-se das mais populares ferramentas lean, sendo hoje em dia aplicada para dar o tiro de partida ao processo de desvendar o desperdício na cadeia de valor. Value stream e process mapping, de Quarterman Lee e Brad Snyder (2006), complementa o livro Learning to see. Os autores, além de explicarem para que serve o VSM e como se desenha um VSM, explicam também como é que se calculam os dados necessários ao desenho do mapa da cadeia. Nesta obra são também descritas as 1

Deoxyribonucleic acid – acido nuclear que contém as instruções genéticas usadas no desenvolvimento e funcionamento de todos os organismos vivos (fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/DNA). João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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ferramentas e técnicas lean thinking, acabando na parte final do livro a explicação do desenho e implementação de uma estratégia lean manufacturing. Seeing the whole, de Womack e Jones (2002), é considerado uma referência para o aumento do campo de visão do mapeamento da cadeia de valor, desde as matérias-primas até ao cliente. É tido como uma extensão do livro Learning to see. Womack e Jones cobrem todos os passos e o tempo necessário para movimentar um produto típico, desde a matéria-prima ao produto final nas mãos do cliente final. Os autores detalham um exemplo real de quando as empresas partilharem a criação da cadeia de valor de ganhos mútuos, do estado actual (as-is) ao estado futuro (to-be), para todas as empresas e o cliente, incluindo o problema-chave na cadeia de valor partilhada. Fornecem uma implementação para gestores do processo do mapeamento da cadeia de valor, passo-apasso. Creating the lean culture de David Mann (2005) mostra o caminho para criar uma cultura lean thinking. Para chegar lá, define duas fases: na primeira aponta quais são os elementos que fazem parte da cultura lean thinking e a importância de cada um deles e, na segunda fase, descreve o que é que se pode fazer na prática, para garantir que os elementos definidos foram criados e como podem ser mantidos. No final, é fornecido um conjunto de check lists para cada elemento. Lean transformation, de Bruce Henderson e Jorge Larco (2003), apresenta importantes conselhos a serem seguidos para se fazer a transformação lean thinking. Os autores referem a importância da estratégia para o sucesso da transformação lean thinking. Mencionam, ainda, uma série de ferramentas que, quando bem implementadas, levam a que a empresa se torne lean (magra). Depois de explicarem as ferramentas que se deveriam usar na fábrica, mostram como é que os outros departamentos de suporte à produção deveriam trabalhar para que toda a empresa fosse lean. No final, descrevem uma série de factores que, no seu ponto de vista, garantem que a empresa lean thinking tenha sucesso. Better thinking, better results, de Emiliani (2003), relata cronologicamente, em detalhe, as acções que foram tomadas pela empresa Wiremold Company, entre 1991 e 1999, para conseguir uma transformação lean thinking. Ao longo do livro são apresentadas algumas comunicações publicadas na Wiremold pelo Art Byrne e as acções que se fizeram por lá. No final deste livro, o leitor poderá encontrar uma extensa lista bibliográfica que serviu de apoio à elaboração desta obra e serve de referência à filosofia lean thinking e ao TPS. Uma obra que sai um pouco fora estilo de livros referidos anteriormente, não apenas pela abordagem como pelos temas que versa, é Hoshin Kanri for the lean enterprise de TL Jackson (2006). Esta obra apresenta o poderoso sistema de planeamento estratégico desenvolvido na Bridgestone Tire a partir dos anos 1960s e através de um caso prático revela todo o procedimento hoshin e as ferramentas que lhe estão associadas. Os dois livros com o título The Toyota Way de Liker e Meier (2004/05) marcam um importante ponto de viragem no conhecimento sobre o TPS (Toyota Producion System) e fazem dos autores respeitadas autoridades a nível mundial. Toyota Way (2004) explica o enorme sucesso da Toyota através do modelo 4P (philosophy, people, problem solving e process) e dos 14 princípios que o sustentam (ver explicação no ponto 1.6). A obra Toyota Talent de 2007, dos mesmos autores, revela como a Toyota através das suas pessoas alcançou o topo. Neste trabalho são identificadas as práticas de liderança e de gestão de pessoas na Toyota e é revelado o modo como o TPS, através do envolvimento e empowerment, faz das pessoas o mais crítico e valioso elemento. As três obras de Liker e Meier, juntamente com as de Womak e Jones (incluindo “Lean Solutions” de 2005) e as de Rother e Shook (1999) devem ser os alicerces de uma boa biblioteca em Lean Thinking/TPS. A pretensão do autor deste livro, é que o Sr(a) leitor(a) possa incluir na sua listagem esta obra (não por ser a primeira na língua de Camões, mas pela abordagem dos temas e a actualidade dos mesmos).

1.3.

O SIGNIFICADO DE VALOR

Geralmente, quando nos referimos a um produto ou serviço que adquirimos ou usamos temos a tendência de usar a designação “valor” para o classificar ou julgar. Se sentirmos satisfação pelo produto ou serviço diremos que “valeu a pena a sua compra ou uso”. Deduz-se, então, que “valor” é a compensação que recebemos em troca do que pagamos. Mas valor não é apenas aquilo que recebemos em troca pelo que pagamos. Se assim fosse não poderíamos usar a designação “valor” nos produtos ou serviços que usufruímos gratuitamente (ex. um programa de rádio ou de televisão, um espectáculo organizado ou uma visita a uma feira de livros). Valor é, portanto, mais que a compensação que recebemos do dinheiro dado em troca. Valor é tudo aquilo que justifica a atenção, o tempo e o João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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esforço que dedicamos a algo. Quando sentimos que não vale a pena, não vamos, não compramos nem dedicamos tempo ou atenção. Apenas o valor justifica a existência de uma organização. É para isso que elas existem: para criar valor a todas as pessoas que directa ou indirectamente se servem dos seus produtos ou serviços. Isto aplica-se a organizações com ou sem fins lucrativos, entidades privadas ou públicas. E todas as pessoas que nelas colaboram devem ter isto sempre presente! Não apenas os clientes esperam receber valor das organizações com que interactuam. Os colaboradores (trabalhadores), os accionistas, os fornecedores e a sociedade em geral também esperam receber algo que “valha a pena” para que continuem a apoiar o desenvolvimento da organização. Não pensar em “valorizar” estas partes é comprometer seriamente o futuro de qualquer organização. Consegue o leitor imaginar uma empresa que apenas se preocupe em satisfazer os pedidos dos seus clientes ignorando os interesses dos seus colaboradores? Consegue imaginar uma organização que apenas se preocupe em satisfazer os interesses dos seus accionistas negligenciando os seus clientes? E que futuro está destinado às empresas que, a troco da satisfação dos seus interesses económicos, destroem o meio ambiente? O valor que as organizações geram destina-se à satisfação simultânea de todas as partes interessadas (ou stakeholders), ver figura 1.1. Todas elas têm interesses e necessidades específicos e a sua satisfação resulta no valor criado pela organização. Para melhor avaliar o valor que cada parte interessada espera receber da sua empresa considere a Matriz dos Stakeholders, apresentada no final deste capítulo.

Figura 1.1. As diferentes partes interessadas numa organização.

Criar valor nas organizações Uma terrível dúvida: como poderemos nós numa organização ter a certeza que aquilo que fazemos cria valor para as partes interessadas (em especial para os nossos clientes)? Resposta: em primeiro lugar, é importante saber quem são as partes interessadas que servimos, conhecendo depois quais as suas necessidades e expectativas. Depois, todas as actividades que fazemos e que não vão ao encontro dessas necessidades e expectativas devem ser classificadas como “desperdício” por muito que nos pareça que essas actividades sejam úteis. Muitas vezes fazemos na perfeição aquilo que não necessita de ser feito e, desta forma, demoramos mais tempo e consumimos mais recursos que o necessário e não criamos valor algum. Assim, uma organização para criar valor para os seus stakeholders deve centrar-se nas actividades que vão ao encontro da satisfação destes, procurando eliminar todas as formas de desperdício (muda em Japonês). Por muito incrível que pareça, mais de 95% do tempo de uma organização é despendido na realização de actividades muda que não acrescentam valor (muitas delas feitas com enorme dedicação e carinho, mas que no final não criam valor para ninguém, ex. processos burocráticos, deslocações, inspecções, tempos em fila de espera, etc.). Como consequência disto, cerca de 40% dos custos em qualquer negócio resultam da manutenção do desperdício. Procurando por de parte toda a carga negativa associada ao “desperdício” e assumindo uma atitude proactiva (algo fundamental ao pensamento lean), não se trata mais de 95% de desperdício mas sim de 95% de oportunidades. De facto, a organização ao identificar e quantificar o desperdício que gera está simultaneamente a João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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revelar um mundo de novas oportunidades. Afinal, se à palavra “crise” retirarmos o “s”, esta deixa de ser uma ameaça para ser uma oportunidade: “crie, pense lean!”

1.4.

O SIGNIFICADO DE DESPERDÍCIO

Desperdício refere-se a todas as actividades que realizamos e que não acrescentam valor. A estas actividades os Japoneses chamam de muda porque consomem recursos e tempo e, em última análise, fazem com que os produtos ou serviços que disponibilizamos no mercado sejam mais dispendiosos do que deviam. O muda torna os produtos ou serviços mais caros; fazendo com que estejamos a pedir muito mais do que o valor que entregamos, praticando assim um preço injusto. Quando outros conseguem entregar o mesmo valor ao menor preço ou, alternativamente, ao mesmo preço entregam mais valor que nós, estarão a reforçar a sua vantagem competitiva no mercado e nós estamos a iniciar a retirada do mesmo. A vantagem competitiva mede-se pelo valor que as organizações criam e por aquilo que pedem em troca. Quanto mais favorável for esta relação para o cliente, maiores as hipóteses de vencer no mercado.

O desperdício que geramos Como se manifesta o desperdício nas organizações? Através de todas as acções, materiais e processos que o nosso cliente não perceba ou sinta como importantes (ie, que não valorize ou reconheça como úteis). Mais de 95% do tempo de uma organização é despendido na realização de actividades que não criam valor. No dia-a-dia passamos muito do nosso tempo empenhados em actividades “muda”. Exemplos disso são: deslocações, inspecções e controlos, burocracia, verificações, ajustes e acertos, armazenamento de materiais, resolver problemas de qualidade, arquivamento de documentos, tempo interminável ao telefone ou na Internet, entre muito outras formas. Além destas, há outras actividades que são declaradamente muda, como por exemplo pausas excessivas para o “café ou o cigarro”, longas conversas nos corredores, reuniões infindáveis onde nada se decide e apenas pessoas se gladiam entre si ou aproveitam a plateia para glorificar os seus feitos. O desperdício é como o “pecado”, manifesta-se de várias formas mas resulta sempre no mesmo: mais tempo e mais custo sem benefícios. As empresas que estão empenhadas em combater o desperdício ou a gordura em excesso devem começar primeiro por classificar as suas diferentes formas. Para isso podem faze-lo da seguinte forma: •

O puro desperdício – Actividades totalmente dispensáveis, ex. reuniões onde tudo se fala e nada se decide, deslocações, paragens e avarias. As empresas têm a obrigação de eliminar totalmente este tipo de muda. O puro muda chega a representar a 65% do muda nas organizações;

O desperdício necessário – Embora não acrescentando valor, estas actividades têm de ser realizadas. Exemplo: inspecção da matéria-prima comprada, realização de setups, serviço de contabilidade numa unidade de prestação de serviços de saúde. As empresas têm a obrigação de reduzir a presença deste tipo de muda, para o primeiro exemplo anterior, a empresa poderá optar por um fornecedor mais fiável ou em colaboração com este melhorar a qualidade dos materiais de forma a dispensar a inspecção e o controlo. Para o último dos exemplos, a unidade prestadora de serviços poderá fazer o outsourcing da função.

O muda pode ainda ser classificado como visível e invisível, existindo este último em maior abundância nas organizações e sendo o mais difícil de combater. Qualquer que seja a classificação que se usa, o primeiro passo deverá ser sempre a identificação do desperdício, seguindo-se a quantificação dos diferentes mudas identificados.

A identificação do desperdício A gestão empresarial Japonesa forneceu-nos uma série de técnicas e ferramentas para identificar os desperdícios. Destas destacam-se as seguintes: •

Os três MU’s;

Os 5M+Q+S; João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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O fluxo de operações;

Os sete desperdícios de acordo com Taiichi Ohno.

Os três MU´s Nesta abordagem de identificação dos desperdícios, o objectivo é chegar a uma condição onde a capacidade e a carga sejam iguais. Por outras palavras, nas empresas existem pessoas, processos, materiais e tecnologia para produzir a quantidade certa do produto/serviço que foi pedida para entregar a tempo ao cliente. As situações onde há desequilíbrio entre a carga e a capacidade resultam em perdas para a empresa. Para a gestão empresarial Japonesa, isto é expresso em termos de muda, mura e muri, ver a figura 1.2. Estes três vocábulos Japoneses significam o seguinte: MUDA (refere-se ao desperdício) – tudo o que não acrescenta valor é desperdício e, como tal, deve ser reduzido ou eliminado. Posto de uma outra perspectiva, desperdício refere-se a todas as componentes do produto e/ou serviço que o cliente não estará disposto a pagar; MURA (o que é variável, refere-se às irregularidades ou às inconsistências) – É eliminado através da adopção do sistema JIT (jus-in-time) procurando fazer apenas o necessário e quando pedido. Este é aplicado através do sistema pull deixando o cliente puxar os produtos ou serviços (ver capítulo 4); MURI (o que é irracional, manifesta-se através do excesso ou a insuficiência) – É eliminado pela uniformização do trabalho (garantindo que todos seguem o mesmo procedimento, tornando os processos mais previsíveis, estáveis e controláveis).

Figura 1.2. Os três MU’s identificados pelo sistema TPS (Toyota Production System).

Os 5M+Q+S (men, machines, materials, management, method, quality e safety) Outra maneira de pensar nos desperdícios é analisar as áreas onde estes podem ocorrer. A figura 1.3. que se segue dá algumas pistas para começar a pesquisa de desperdícios na sua organização. Como referido anteriormente, os desperdícios representam um enorme tesouro à espera de ser revelado. Seguir um método sistemático e disciplinado nesta conquista poderá ajudar imenso.

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Figura 1.3. Os 5M+Q+S e os possíveis desperdícios (adaptado de Productivity Press, 2003).

Sugestão ao leitor: para cada uma das áreas identificadas na figura anterior, procure desenvolver um questionário (checklist) que o orientará na descoberta dos desperdícios. Não se fique pela identificação, procure classificar e quantificar. Em gestão lean, as decisões devem ser tomadas com base em factos, não em opiniões ou “acho que”.

O fluxo de operações O fluxo de operações (fabrico e/ou serviços) resume-se a quatro acções: retenção, transporte, processamento e inspecção. A retenção quer dizer parar o fluxo sem acrescentar valor. Isto pode assumir várias formas, ex.: stocks e armazenamento. A retenção origina inventário (stocks): materiais antes de serem processados, stocks em curso de fabrico (WIP, work in process) e produto final. O inventário forma-se decorrente das seguintes situações: •

O processo anterior move-se mais rápido do que o processo seguinte (falta de balanceamento e sincronização entre processos);

Tempos de espera de mudança de ferramentas (setups);

O material é comprado em avanço (por erros de planeamento, para obter descontos de volume, para optimizar transportes, ou outra estratégia de optimização local);

Existência de problemas com fornecedores, manutenção de equipamentos ou problemas de qualidade que levam ao acumular de stocks nos processos para que a existência desses problemas não seja sentida;

O produto final é fabricado em avanço (por erros de planeamento, para manter recursos fabris ocupados, fazer por antecipação na expectativa de vender mais cedo ou para rentabilizar setups).

A retenção acrescenta custo sem criar valor. Para muitos gestores é muito cómodo pensar que os stocks resolvem os problemas de produção, mas de facto só os escondem. Além disso, com a crescente necessidade de reduzir tempos e custos, a acumulação de stocks não é decerto a melhor das estratégias porque as sufoca. O transporte, qualquer que seja, refere-se à deslocação de artigos sem criar valor. Os transportes acontecem porque os locais de fornecimento, de fabrico e de consumo não estão localizados no mesmo ponto geográfico. Os transportes e as movimentações devem ser minimizados através da revisão de layouts e da colocação dos pontos de produção. Por outro lado, o processamento significa criar valor. Mas o sobre-processamento não! Exemplos de sobreprocessamentos acontecem quando são realizadas operações desnecessárias na perspectiva do cliente, ex. retoques finais nos produtos ou serviços. A inspecção identifica e elimina defeitos da produção. Esta acção não cria valor porque não elimina a causa dos defeitos, mas apenas o resultado. É necessário tomar acções para identificar as causas dos defeitos em vez de as controlar. Os conceitos de “qualidade na fonte” desenvolvidos pelos Japoneses são um bom exemplo para João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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eliminar a inspecção. Para apoiar a qualidade na fonte, os Japoneses desenvolveram ferramentas como o pokayoke e o jidoka (a descrever no capítulo 3).

Os sete desperdícios (7W, seven wastes) As sete categorias de desperdícios mais conhecidas foram identificadas por Taiichi Ohno (1912-90) e Shigeo Shingo (1909-90) no decorrer do desenvolvimento do TPS. Esta classificação, sendo a mais popular, reúne o essencial das ideias discutidas anteriormente. Assim, as sete formas de desperdícios identificadas por Ohno e Shingo são as seguintes: 1. EXCESSO DE PRODUÇÃO – esta é a mais penalizantes das sete categorias de desperdícios, é o oposto da produção just-in-time (ie, just in case). Produzir mais do que necessário quer dizer fazer o que não é necessário, quando não é necessário, em quantidades desnecessárias. Algumas das consequências do excesso de produção (ou serviço) são: •

Ocupação desnecessária de recursos;

Consumos de materiais e de energia sem que isso represente retorno financeiro para a empresa;

Antecipação de compras de peças e materiais;

Aumento dos stocks;

Ausência de flexibilidade no planeamento.

As causas mais comuns deste tipo de desperdício são as seguintes: •

Grandes lotes de produção (o lote de produção por norma calculado com base no pressuposto do equilíbrio entre custos de setup e custos de posse de materiais. Muitas empresas industriais ainda não se conseguiram libertar do paradigma do lote económico e da constante preocupação em optimizar);

Necessidades de rentabilizar esforços feitos em actividades que não acrescentam valor, ex. transportes, inspecções e setups;

Antecipação da produção (just-in-case) na expectativa de venda antecipada ou resultante da imposição de elevados níveis de serviço por parte de clientes;

O efeito bullwhip ao longo da cadeia de fornecimento e canais de distribuição que faz com que as empresas mais afastadas do cliente final sofram com as enormes variações do consumo (este é apenas um dos preversos efeitos das previsões da procura, ver também o capítulo 5);

Criação de stock para compensar o número de peças com defeito, para compensar atrasos nas entregas ou avarias nos equipamentos.

Para equilibrar a capacidade com a procura sem produzir em excesso, é necessário implementar métodos de produção magra (lean manufacturing). Exemplos: •

Trabalho programado e uniformizado ao longo da cadeia de valor;

Postos de trabalho balanceados;

Fluxo contínuo (peça-a-peça);

Usar a produção puxada (just-in-time);

Nivelar a produção – trabalhando em lotes pequenos, produção flexível (heijunka);

Mudança rápida de ferramentas (quick change-over).

2. ESPERAS – referem-se ao tempo que as pessoas ou os equipamentos perdem sempre que estão à espera de algo (ex. uma autorização). As causas mais comuns das esperas são as seguintes: •

Fluxo obstruído (ex. uma avaria, defeitos de qualidade ou acidentes);

Problemas de layout (que originam excessivos transportes, provocam erros ou acidentes);

Problemas e/ou atrasos com entregas de fornecedores (internos ou externos);

Capacidade (oferta) não balanceada ou sincronizada com a procura;

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Grandes lotes de produção.

Como eliminar a inactividade? •

Optando pelo nivelamento das operações (heijunka);

Implementando um layout específico por produto/serviço, de preferência celular;

Fazendo mudanças rápidas de ferramentas (rápidos setups);

Melhorando o planeamento e a sincronização entre áreas de trabalho (eventualmente, optar por desligar o sistema de planeamento MRP...);

Realizar o balanceamento dos postos de trabalho.

3. TRANSPORTE E MOVIMENTAÇÕES – Transporte é qualquer movimentação ou transferência de materiais, partes montadas, peças acabadas, de um sítio para outro por alguma razão. Os sistemas de transporte e movimentação causam efeitos perversos nas organizações. Estes ocupam espaço na fábrica, acrescem os custos, aumentam o tempo de fabrico, e muitas vezes levam a que os produtos se danifiquem com as movimentações. Não se deve esperar eliminar todas as transferências de materiais, mas sim reduzir as distâncias e, deste modo, reduzir ou eliminar os stocks. Para reduzir os transportes e movimentações é necessário corrigir layouts, alterar o planeamento das operações e optar por sistemas de transporte mais flexíveis (mais pequenos, rápidos e modulares). Algumas das metodologias para reduzir ou eliminar o fluxo de transportes e movimentações são: •

Utilização de células de fabrico (produção e/ou montagem);

Produção fluida e puxada;

Operadores e equipamento flexíveis;

Flexibilidade operacional;

Produtos e serviços modulares.

4. DESPERDÍCIO DO PRÓPRIO PROCESSO – Os desperdícios do processo referem-se a operações e a processos que não são necessários. Um aumento dos defeitos pode ser consequência de operações ou processos incorrectos. A falta de treino e/ou uniformização pode também provocar desperdícios de processo. Todos os processos geram perdas, contudo estas devem ser eliminadas ao máximo. Isto pode ser alcançado através de esforços de automatização, de formação de colaboradores ou, ainda, pela substituição de processos por outros mais eficientes. 5. STOCKS – são a mãe de todos os males. Stocks denunciam a presença de materiais retidos por um determinado tempo, dentro ou fora da fábrica. Uma das melhores maneiras de encontrar desperdícios é procurar os pontos onde há tendência a existirem stocks. Escondida por detrás dos stocks pode estar uma variedade enorme de causas que têm que ser analisadas. Causas mais comuns dos stocks: •

Aceitar os stocks como normais, algo que faz parte do activo da organização;

Fraco layout dos equipamentos, o que origina armazenamentos ou transportes;

Elevados tempos de mudança de ferramentas;

Existência de gargalos ou estrangulamentos nos processos;

Antecipação da produção (just-in-case);

Problemas de qualidade (defeitos, controlos e inspecções);

Processos a trabalhar a diferentes velocidades/ritmos.

Contributos simples e eficazes para eliminar os stocks: •

Reforço do planeamento e controlo de operações;

Nivelamento da produção garantindo um fluxo estável e contínuo;

Regulação do fluxo de operações;

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Produção puxada;

Melhoria da qualidade dos processos;

Mudança rápida de ferramentas.

6. DEFEITOS – a definição de desperdício inclui os defeitos ou problemas de qualidade. A este estão também associados os custos de inspecção, resposta às queixas dos clientes e as reparações (rework). Os erros humanos criam defeitos. Quando os defeitos ocorrem, as queixas dos clientes aumentam. Esta é uma medida da taxa de defeitos (%). Quando os defeitos acontecem com alguma frequência, são aumentadas as inspecções para evitar que os defeitos passem para os clientes, e os stocks aumentam para compensar as peças com defeito. Em consequência, a produtividade diminui e o custo dos produtos e serviços aumenta. Causas dos defeitos: •

Pensar que errar é humano2, mas não é!

Ênfase na inspecção final, no controlo e no policiamento das pessoas e dos processos;

Ausência de padrões de auto-controlo e de inspecção;

Ausência de padrões nas operações de fabrico e de montagem;

Falhas e erros humanos;

Transporte e movimentação de materiais.

Formas mais comuns de eliminar os defeitos: •

Implementar operações padrão (sempre que possível, uniformizar operações, materiais e processos);

Presença de dispositivos de detecção de erros ou error-proofing;

Construir qualidade na fonte e em cada processo/operação (garantir que cada um faz bem à primeira, evitando posteriores inspecções e controlos);

Incentivar a produção em fluxo contínuo (sem stocks para camuflar problemas);

Eliminar a necessidade de ter que movimentar peças e materiais;

Se possível, automatizar determinadas actividades.

Para se reduzir os defeitos, a causa-raíz tem que ser encontrada. A inspecção detecta peças com defeito, mas não é a solução para eliminar os defeitos. 7. TRABALHO DESNECESSÁRIO – refere-se ao movimento que não é realmente necessário para executar as operações. Ou é muito lento, ou muito rápido ou excessivo. Causas comuns do trabalho desnecessário: •

Operações isoladas;

Desmotivação das pessoas;

Incorrecto layout de trabalho;

Falta ou insuficiente formação e treino das pessoas;

Capacidades e competências não desenvolvidas;

Instabilidade nas operações.

Formas de eliminar o trabalho desnecessário: •

Gradualmente conseguir um fluxo contínuo de produção/serviço;

Promover a uniformização das operações de trabalho;

Apostar na formação e treino dos colaboradores.

2

Que diria o leitor se um médico lhe dissesse que se enganou na prescrição do medicamento e como consequência disso acaba de perder um ente querido? Aceitaria como justificação “errar é humano”? Provavelmente não! Humano é acertar (é fazer bem à primeira), pois é essa a forma correcta de estar perante todos os processos de trabalho. João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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Muitos dos movimentos que fazemos podem não ser necessários, o trabalho é o movimento que se faz para criar valor ao produto ou ao serviço. Brunt et al (1998) além destas categorias definiram mais sete classes de desperdícios que se aplicam também aos serviços. Estas novas formas de desperdícios são as seguintes: A não-utilização do potencial humano - Ohno (1988) afirmou que um dos objectivos do TPS era “criar pessoas pensantes”. As grandes empresas aprenderam de uma forma dura e dispendiosa que a automatização da fábrica e dos armazéns não beneficia a melhoria contínua e consequentemente a produtividade. Nas últimas décadas, milhões de Euros foram gastos para retirar as pessoas das fábricas quando afinal são as pessoas o principal recurso de qualquer organização. As organizações lean, através da utilização da capacidade mental (o brain power) e da vontade dos seus colaboradores, não só a dos gestores, promovem e premeiam a intervenção e a criatividade das pessoas. Estas organizações reportam ganhos significativos de eficiência e de desempenho financeiro, são constituídas por pessoas com poder (empowered people) e são por norma conhecidas por learning organizations. Convey (2004) apresenta excelentes exemplos de como liderar pessoas e dessa forma obter delas resultados extraordinários. A verdade fundamental é que as pessoas não são coisas que possam ser motivadas ou controladas; as pessoas são o resultado de quatro dimensões: corpo, mente, coração e espírito. As pessoas fazem opções (logo não podem ser geridas mas sim lideradas). Conscientemente ou não, as pessoas decidem quanto delas dedicam ao trabalho (ie, às causas em que acreditam) em função da forma como são tratadas e das oportunidades de usar e desenvolver as quatro dimensões referidas antes3. Às pessoas não basta ter liberdade. É necessário comunicar, estar presente e apoiar, é necessário uma envolvente-suporte, uma cultura de confiança e respeito mútuo. Neste sentido, também a abordagem da gestão Japonesa foi inovadora ao propor o envolvimento e o comprometimento de todos os colaboradores. Os líderes (ex. chefes de equipa) assumem por vezes o papel de mestres (senseis) ensinando e encaminhando os seus colaboradores. O desperdício da utilização de sistemas inapropriados. A aplicação incorrecta de sistemas e de tecnologias está na origem de grandes fontes de desperdício nas organizações. Exemplo disso são as peças de software que pouco são usadas, o mesmo acontece com os sistemas de gestão do tipo ERP (enterprise resource planning) que as empresas investem milhares de euros e pouco benefício retiram deles. A presença, per si, de sistemas tecnológicos não é garantia de sucesso. A não correcta utilização ou a utilização parcial é uma fonte de desperdício bem marcante nas modernas organizações. Desperdícios de energia. Esta energia refere-se a fontes de potência: electricidade, gás, óleo, petróleo, etc. A generalidade das fontes de energia usadas são provenientes de recursos que são finitos. O preço dos combustíveis fósseis tem aumentando assustadoramente nestes últimos anos e, consequentemente, os custos operacionais aumentam. A necessidade de conter custos, de poupar energia proveniente de recursos finitos e a premente necessidade de preservar o meio ambiente sugerem a adopção de uma nova postura perante a energia. É portanto necessário ser-se lean neste domínio, desenvolvendo deste modo práticas de lean energy. Desperdício de materiais. Hoje em dia as actividades de fabrico e de construção não são apenas uma responsabilidade ambiental, mas uma questão de lucro. Para reduzir os desperdícios de materiais é necessário fazer uma abordagem ao tempo de vida do produto/serviço, para conservar os materiais durante a concepção (design), o fabrico, durante a sua utilização e reutilização no final do seu tempo de vida. Desperdícios nos serviços e escritórios. O sector dos serviços está gradualmente a despertar para a aplicação lean thinking. Não é apenas na indústria que se identificam os desperdícios, eles acontecem em todas as actividades económicas e em todas as formas de ocupação humana. No back office a maioria dos desperdícios referidos anteriormente podem ser identificados usando um pouco de imaginação. Por exemplo, o “excesso de produção” relaciona-se com o excesso de fotocópias, desperdícios de comida, etc. No front office é também possível identificar muitas das formas de desperdício já mencionadas (em especial o não aproveitar o potencial de cada uma das pessoas que trabalha numa unidade prestadora de serviços). Desperdício do tempo do cliente. Acontece quando o cliente é forçado a esperar pelos produtos/serviços que pretende, quando tem que ir de departamento em departamento para ter o que necessita. Em resumo, foram apresentadas várias classificações de desperdício, muitas delas aparentes outras não. No entanto, é convicção do autor, que a maior manifestação de desperdício actualmente em qualquer empresa ou

3

A título de desafio, procure avaliar na sua organização, perguntando a cada uma das pessoas que a ela se dedicam se a sua organização está a usar na plenitude a totalidade das quatro dimensões humanas. Verá que aí os potenciais de ganho serão imensos! João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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organização é a não utilização do potencial que cada pessoa carrega em si. Não ouvir, não envolver e não comprometer é desperdiçar oportunidades de melhoria e de crescimento nas organizações.

1.5.

OS PRINCÍPIOS LEAN THINKING REVISTOS

Womack e Jones (1996) identificaram cinco princípios da filosofia lean thinking: criar valor, definir a cadeia de valor, optimizar o fluxo, o sistema pull e perfeição. Estes foram ainda colocados numa sequência tal que a sua realização poderá servir como roadmap para a implementação da filosofia lean nas organizações. No entanto, os cinco princípios apresentados apresentam algumas lacunas: consideram apenas a cadeia de valor do cliente (de facto, numa organização não há uma mas várias cadeias de valor: uma para cada stakeholder), pelo que o desafio não está na criação de valor mas sim na criação de valores. Uma outra limitação dos cinco princípios iniciais é que estes tendem a levar as organizações a entrar em ciclos infindáveis de redução de desperdícios ignorando a crucial actividade de criar valor através da inovação de produtos, serviços e processos. Para evitar que as organizações caiam em histerismos de redução de desperdícios, que muitas vezes se traduzem em despedimentos, esquecendo a sua missão e o seu propósito de criar valor para as partes interessadas, a CLT (2008), através dos seus esforços de investigação e desenvolvimento, propôs a revisão dos princípios lean thinking sugerindo a adopção de mais dois princípios, ver figura 1.4 que se segue. Estes dois novos princípios (“Conhecer o stakeholder”,e “Inovar sempre”) procuram colocar a empresa no caminho certo rumo à excelência e ao desempenho extraordinário.

Figura 1.4. Os sete princípios lean thinking.

Assim, os novos princípios lean thinking são os seguintes: 1.

Conhecer quem servimos, ie, conhecer com detalhe todos os stakeholders do negócio. Uma organização que apenas se concentre na satisfação do seu cliente negligenciando os interesses e necessidades das outras partes (ex. colaboradores) não pode augurar um bom futuro. O mesmo se aplica às empresas que a troco da redução de custos dos seus produtos/serviços continuam a destruir o ambiente ou a explorar indiscriminadamente os recursos naturais. A história mostra que não vale a pena tentar ludibriar as leis naturais, porque tudo o se semeia será colhido; Uma outra alteração proposta a este nível consiste em focalizar a atenção no cliente final e não apenas no próximo cliente da cadeia de valor. Não importa em que etapa da cadeia de valor a empresa se encontra, a

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sua preocupação deverá ser sempre melhor servir o cliente final. Se este não compra os produtos/serviços, toda a cadeia estará condenada a capitular; 2.

Definir os valores – porquê valores e não apenas o valor? Porque, mais uma vez, uma organização que se limite a satisfazer apenas o seu cliente negligenciado as demais partes interessadas (ex. colaboradores, accionistas e a sociedade) não pode ambicionar um futuro prospero. A história recente é fértil de exemplos de empresas que na cegueira de obtenção de lucros rápidos e fáceis conseguidos à custa dos seus colaboradores ou do ambiente (e recursos naturais), saíram do mercado por não terem satisfeito as partes interessadas; Com esta nova abordagem, muitas das actividades que antes eram classificadas como desperdício necessário são agora classificadas como valor-acrescentado porque criam valor para outras partes que não o cliente. Exemplos disso são todos os esforços que as organizações desenvolvem para valorizar os seus recursos humanos (ex. formação). As empresas que incluem nas suas preocupações a responsabilidade social são exemplos de organizações que procuram criar valor para todas as partes;

3.

Definir as cadeias de valor – se a organização tem de satisfazer simultaneamente todos os seus stakeholders, entregando-lhes valor, é natural que terá que definir para cada parte interessada a respectiva cadeia de valor. Nenhuma destas se deverá sobrepor às demais e a empresa deverá, sempre que possível, procurar o equilíbrio de interesses;

4.

Optimizar o fluxo, procurando sincronizar os meios envolvidos na criação de valor para todas as partes. Fluxos de materiais, de pessoas, de informação e de capital;

5.

Se possível, implementar o sistema pull nas cadeias de valor. A lógica pull em oposição ao push procura deixar o cliente (e outros stakeholders) liderar os processos, competindo-lhes, apenas, a eles desencadear os pedidos, evitando que as empresas empurrem para as partes aquilo que julgam ser a necessidade destas. É a imposição do just in time em vez do just in case. No final do capítulo 4 será considerada uma alternativa ao sistema pull: o sistema push-pull. Esta alternativa é, na opinião do autor, aquela que melhor se ajusta às diferentes cadeias de valor presentes. O sistema pull puro já demonstrou não ter resposta para todos os desafios (Suri 1998 e Levi, 2003) e como tal torna-se necessário avaliar outras alternativas;

6.

A procura pela perfeição sabendo que os interesses, as necessidades e as expectativas das diferentes partes interessadas estão em constante evolução. Incentivar a melhoria contínua a todos os níveis da organização, ouvindo constantemente a voz do cliente e procurando ser rápido permitirá às organizações melhorar continuamente;

7.

Finalmente, inovar constantemente. Inovar para criar novos produtos, novos serviços, novos processos, numa palavra: para criar valor. O processo de inovação proposto neste princípio é descrito na figura 1.5.

Para ilustrar o 7º princípio, considere uma pequena história criada pelo autor: A Diz-ket Corp Inc. tornou-se a maior e a melhor empresa do mundo produtora de disquetes para computador. Ninguém faz melhores e mais baratas disquetes que esta empresa. Os seus processos estão de tal forma optimizados que é quase impossível detectar alguma forma de desperdício, no entanto a empresa está à beira da falência... que se terá passado com esta empresa? Moral da história: reduzir desperdícios é importante sim, muito importante! Mas cuidado, para que a sua empresa não se torne uma Diz-ket é crucial que após a fase inicial da eliminação do desperdício (o emagrecimento controlado) passe à criação de valor (criando músculo). Muita da gordura das organizações poderá ser transformada em músculo.

João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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Figura 1.5. O papel do lean thinking na eliminação do desperdício e na criação de valor.

1.6.

TOYOTA PRODUCTION SYSTEM (TPS)

Uma das correntes de gestão que está na origem do pensamento magro é o sistema de produção da Toyota (TPS). As outras são resumidamente a gestão da cadeia de fornecimento (SCM, supply chain management) e a crescente preocupação pelo serviço ao cliente (customer service), que a partir dos anos 1990’s emergiram ganhando grande reputação e aplicação a nível global. Os primeiros passos do desenvolvimento do sistema TPS foram dados pela mão de Taiichi Ohno nos anos 1950’s e mais tarde por Shigeo Shingo. Quando se estuda o TPS é frequente apresentá-lo como um edifício (casa) que encerra em si várias divisões que apesar de terem funções bem determinadas, estão intimamente ligadas, ver a casa do TPS na figura 1.6. O autor chama a atenção para a base e os alicerces do edifício TPS; nestes poderá identificar aspectos fundamentais como a filosofia Toyota (a qual assenta em princípios e valores simples e imutáveis), a gestão visual como forma de envolver todos através da aplicação dos sentidos, a uniformização e a estabilização de processos como forma de reduzir a variabilidade tão prejudicial ao desempenho dos processos e o nivelamento da produção. Por de trás, e também na base desta casa, está o “respeito pelas pessoas”, algo que foi crucial ao desenvolvimento do TPS e agora também ao desenvolvimento da filosofia lean thinking.

Figura 1.6. A casa do TPS (adaptado de Liker et al, 2004).

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O sistema TPS foi concebido para fornecer as ferramentas e as soluções para que as pessoas que nele trabalham possam melhorar continuamente o seu desempenho. O termo “Toyota way” significa mais dependência nas pessoas, e não o oposto. TPS é, muito mais que um conjunto de ferramentas e soluções de melhoria, uma cultura. Inevitavelmente, as empresas dependem das pessoas para identificar os problemas, para reduzir custos e aumentar o desempenho dos seus processos. As pessoas no sistema TPS denotam um sentido de pertença muito grande, uma enorme preocupação e curiosidade em resolver problemas evitando que apareçam ou que os seus efeitos se propaguem. Diariamente, engenheiros e gestores, e principalmente os operadores de linha, são envolvidos em projectos de melhoria contínua, que com o tempo faz com que cada um se torne cada vez mais autónomo e poderoso. Um dos segredos do sucesso do sistema TPS é a sua incrível consistência em termos de desempenho (sendo este resultante da excelência operacional conquistada ao longo de mais de cinco décadas de desenvolvimento do TPS). A excelência operacional alcançada é baseada em métodos e ferramentas de melhoria contínua que tornam o TPS famoso além fronteiras da indústria, sendo mesmo replicado em processos de serviços. Destas técnicas destacam-se o just-in-time, kaizen, one-piece flow, jidoka e heijunka. Estas técnicas ajudaram a desenvolver a revolução lean manufacturing. Mas as ferramentas e as soluções não são o segredo do TPS, longe disso! As ferramentas e as soluções não são a arma secreta para transformar um negócio em sucesso. O sucesso da Toyota Motors Corporation (TMC) na aplicação continuada destas ferramentas e soluções resulta de um profundo conhecimento das pessoas e dos mecanismos de motivação. O sucesso da TMC baseia-se na sua capacidade para cultivar a liderança, o trabalho em equipa, a cultura empresarial, o desdobramento e alinhamento da estratégia (strategy deployment e hoshin kanri), a criação de fortes relações com os fornecedores e a manutenção de uma organização em permanente aprendizagem (learning organization). Para melhor se perceber o DNA da TMC é preciso interiorizar as quatro regras que se seguem (adaptado de Spears et al, 1999): •

Todas as operações devem ser devidamente especificadas relativamente ao conteúdo, sequência, tempos e resultados;

A relação cliente/fornecedor deve ser directa, inequívoca no envio de solicitações e recebimento de respostas (ex. do tipo sim/não);

O fluxo de cada produto ou serviço deve ser simples e directo;

Qualquer melhoria deve ser feita de acordo com o método científico, sob a supervisão de um responsável (sensei4) ao mais baixo nível da hierarquia da empresa.

Como complemento à compreensão do TPS, sugere-se a consulta às obras de Liker (2004) e Liker et al (2005), onde estes identificam os 14 princípios de gestão da Toyota. Estes são, resumidamente, os seguintes: 1.

Basear as decisões de gestão numa filosofia de longo prazo, mesmo que à custa de resultados financeiros no curto prazo;

2.

Criar processos/fluxos contínuos de forma a tornar os problemas evidentes;

3.

Usar o sistema pull para evitar excessos de produção;

4.

Nivelar a carga de trabalho;

5.

Criar o hábito de interromper os processos para resolver os problemas;

6.

Uniformização é a base da melhoria contínua e o empowerment das pessoas.

7.

Usar controlos visuais para que os problemas não se escondam.

8.

Usar apenas tecnologia fiável e já testada que suporte as pessoas e os processos;

9.

Facilitar o desenvolvimento de líderes que verdadeiramente conheçam o trabalho, vivam a filosofia e ensinem os outros;

10. Desenvolver pessoas e equipas excepcionais que sigam a filosofia da sua empresa; 11. Respeitar e estender isto à rede de parceiros (incluindo fornecedores) desafiando-os e apoiando-os a melhorar; 4 Palavra Japonesa para se referir ao Mestre, aquele que orienta e apoia as pessoas. Estas e outras definições estão disponíveis no glossário de termos apresentado no final do livro. Ver também o capítulo 6 (lean people) deste livro.

João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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12. “Vá e veja por si e verdadeiramente perceba a situação” (genchi genbutsu); 13. Tomar decisões consensuais – considerando todas as opiniões; implementar as decisões rapidamente; 14. Fomentar a criação de uma learning organization através da reflexão segura (hansei) e da melhoria contínua. Um outro aspecto, já referido antes, apontado como factor de sucesso do TPS, é a elevada consistência dos processos. A consistência consegue-se uniformizando processos e diminuindo o seu desvio padrão. O desvio padrão de um processo está associado à variabilidade dos processos. O aumento da variabilidade dos processos resulta sempre na degradação do seu desempenho. A resposta que, por norma, as empresas dão à variabilidade é acumulando capacidade, stocks e/ou tempo. Qualquer um destes resulta em excessos desnecessários (mura, ver figura 1.2). É por esta razão que o TPS elegeu a variabilidade como um dos alvos a eliminar, e orientou a sua atenção para as seguintes áreas: •

Variabilidade na procura – recorrendo ao nivelamento da produção/oferta (heijunka);

Variabilidade nos processos de design e de fabrico – sempre que necessário, a TMC faz uso de buffers de capacidade para responder à variabilidade nos processos;

Variabilidade de fornecedores – transferindo conhecimento, envolvendo-os o mais cedo possível e partilhando com estes informação e conhecimento.

Ignorar a variabilidade, procurando viver com ela, sai caro. A empresa que agora se recusa pagar investimentos no sentido da redução da variabilidade irá pagá-lo mais tarde na forma de (Hopp et al, 2000): •

Redução do output produtivo;

Perda de capacidade;

Aumento do tempo;

Aumento de stocks intermédios (WIP, work in process);

Aumento do tempo de ciclo.

A Toyota Motors Corporation A Toyota Motors Corporation (TMC) foi fundada em 1937 por Kiichiro Toyoda (1894-1952), que uma década depois lança o primeiro veículo (modelo SA). O sucesso à escala mundial da TMC que em 2007 se tornou o maior fabricante da indústria automóvel destronando a General Motors (líder deste ranking durante mais de sete décadas), corrobora a validade dos princípios e conceitos do lean thinking. Não é por acaso que tal sucedeu, basta recordar que há 30 anos atrás, a TMC não fazia parte do grupo dos 10 maiores fabricantes mundiais. Por detrás de todo o sucesso desta empresa, está uma filosofia de liderança e de gestão única, muito difícil de replicar, que consistentemente tem vindo a ser desenvolvida há mais de cinco décadas. A evolução do TPS foi acompanhada por enormes mudanças económicas e sociais, levando ao alargamento do âmbito da filosofia além dos processos de fabrico. Womack et al, (1996), após mais de uma década a estudar o sucesso das empresas nipónicas, cunharam o termo Lean Thinking para se referirem à evolução do TPS e à consideração de novos conceitos desenvolvidos durante a década de 1990s. O sistema TPS foi abusivamente replicado por outras empresas, não apenas do sector automóvel, que foram substituindo o T (Toyota) pelas suas designações. Não é, portanto, difícil encontrar designações como XPS (X Production System, sistema de produção da empresa X). No entanto, este sistema é difícil de ser copiado, tal como Spears revelou em 1999. As ferramentas e os métodos são a parte visível do TPS (estes estão massivamente divulgados em vários livros, artigos e páginas na Internet). De pouco vale ter conhecimento porque a essência do TPS não é visível e as ferramentas e métodos acabam por ter pouco peso na caminhada lean bem sucedida. Mostrando mais uma vez a sua vitalidade, a Toyota renovou recentemente o significado das siglas TPS, de tal forma que actualmente TPS significa Thinking People System (sistema de pessoas pensantes tal como Ohno o idealizou), algo que não mais será abusivamente adulterado dada a dificuldade em substituir o T.

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1.7.

DO TPS AO LEAN THINKING

O resultado da evolução do TPS (sistema de operações) até à filosofia de gestão empresarial lean thinking é apresentado na figura 1.7 que se segue. Nesta figura, apelidada pela CLT (2008) como o “edifício lean”, é possível identificar os principais blocos que se acrescentaram ao TPS: Gestão da cadeia de fornecimento (supply chain management, SCM) – a cadeia de fornecimento envolve todas as organizações que estão empenhadas no fabrico ou prestação de serviços e é através de cada uma que o valor é criado e transferido até ao cliente final. Aplicação da filosofia lean thinking não se pode limitar à empresa, devendo ser disseminada por todas as partes para que a maximização do valor seja atingida. Neste domínio, conceitos como lean SCM têm ganho cada vez mais adeptos a nível mundial, ver capítulo 5. Os principais desafios neste âmbito são: colaboração entre todas as partes, sincronização e sintonia com o cliente final, redução de tempos e de custos, adaptabilidade (flexibilidade) de toda a supply chain e crescente reactividade às mudanças; Customer service (serviço ao cliente) – este conceito começou a ganhar popularidade a partir dos anos 1990’s e desde então a generalidade das filosofias de gestão tendem a incorporá-lo. O cliente (final) é a razão de viver de cada organização, é para ele que toda a cadeia se coordena e cria valor. Cada vez mais, o serviço é valorizado pelo cliente. O serviço é portanto um factor de diferenciação crítico para todas as organizações. Se nos anos 1990’s o TPS passou a ser chamado de lean manufacturing ou lean production, com a publicação da obra de referência de Womack e Jones, a filosofia lean thinking iniciou o seu caminho, e cada vez mais se distanciou do “mundo industrial” para entrar no sector dos serviços públicos e privados (ver ponto 1.8). As características centrais do lean thinking podem ser descritas do seguinte modo: •

Organização baseada em equipas envolvendo pessoas flexíveis, com múltipla formação, com elevada autonomia e responsabilidade nas suas áreas de trabalho;

Estruturas de resolução de problemas ao nível das áreas de trabalho, em sintonia com uma cultura de melhoria contínua;

Operações lean, o que leva os problemas a revelarem-se e a serem posteriormente corrigidos;

Políticas de liderança de recursos humanos baseadas em valores, no comprometimento, as quais encorajam sentimentos de pertença, de partilha e de dignidade;

Relações de grande proximidade com fornecedores;

Equipas de desenvolvimento multi-funcionais;

Grande proximidade e sintonia com o cliente.

Figura 1.7. Integração da “casa TPS” no “edifício lean thinking” (CLT, 2008).

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A entrada em novos territórios empresariais (ex. os serviços) tem levado académicos e praticantes a desenvolver novas metodologias e soluções lean (Womack et al, 2005 e Moreira, 2008). Tal como antes aconteceu, quando o homem abandonou a agricultura para se dedicar à indústria, serão necessárias novas ferramentas e novas soluções para o lean services. Numa economia de conhecimento, já muito antes anunciada por Druker (2001), novos desafios se aplicam ao pensamento magro ao potenciar a criação de valor através de recursos não materiais. Também agora impulsionado pela necessidade de um maior respeito pelo ambiente, pela crescente preocupação pela escassez de fontes de energia não renováveis, o lean thinking irá adaptar-se a novos desafios recorrendo a conceitos já estabilizados (ex. criação de relações win-win com todas as partes). A transição para novos campos de aplicação será tão melhor sucedida quanto maior for a orientação para a criação de valor para o cliente final, ao invés de se continuar a insistir na redução dos desperdícios. Valor será sempre aquilo que o cliente considera como compensação pelo seu tempo, esforço e/ou investimento. É importante compreender que o lean thinking não é apenas um conjunto de práticas que usualmente se encontram no chão de fábrica (shop floor ou genba5), mas antes uma mudança cultural profunda na maneira como as pessoas e a organização pensam e se comportam. Os resultados positivos são conseguidos através de práticas sustentadas por um conjunto de convicções e princípios que são compreendidos e adoptados. Numa organização lean, toda a gente está apostada na identificação e eliminação de todas as fontes de desperdício e ineficiências. Olha-se para o mundo através dos olhos do cliente e procura-se satisfazer as expectativas deste. Infelizmente, verifica-se que a generalidade das empresas tem adoptado uma perspectiva muito restrita do lean thinking. Este é muitas vezes visto como uma colecção de práticas, com normas como o kai-zen, poka yoke, sistema kanban. Como consequência disto, a filosofia lean thinking tem sido aplicada apenas no Genba, de tal modo que o verdadeiro poder de transformação da adopção do lean thinking tem sido perdido, com as organizações a implementarem somente uma fracção do seu potencial. De acordo com experiências anteriores, o verdadeiro poder de transformação do lean thinking é conseguido se for aplicado em toda a organização e, posteriormente a toda a cadeia de fornecimento. O lean thinking consegue transformar toda a gente e tudo o que a empresa faz. De facto, quando totalmente adoptada, esta filosofia pode não só ajudar, mas também estender o poder da transformação aos fornecedores e aos clientes. O lean thinking revoluciona a maneira como a organização pensa e se comporta. Este acreditar na mudança e na melhoria contínua leva à aplicação correcta das práticas lean thinking e sustenta a dinâmica e o processo de melhoria contínua.

1.8.

LEAN THINKING NOS SERVIÇOS

No sector dos serviços é possível identificar duas aproximações ao lean thinking. A implementação completa da filosofia lean thinking e a opção de realizar eventos de melhoria rápida (RIE, rapid improvement events). Exemplos de implementações completas da filosofia são também caracterizados por recorrem a RIEs, e são mais difíceis de identificar no sector dos serviços. A estratégia de implementação global, embora bem mais demorada e dispendiosa, alinha a visão de melhoria contínua com o todo (a organização e as demais partes interessadas). Em alguns casos é possível identificar organizações de serviços que recorrem ao método kai-zen blitz ou RIE. Os métodos baseados nos RIE recorrem a workshops de rápida melhoria para fazer pequenas e rápidas mudanças. Começam, por norma, com um período de preparação de dois a três dias, seguidas de um evento de cinco dias para identificar as alterações necessárias, e um período de três a quatro semanas de seguimento (follow up) após cada evento onde as mudanças são implementadas. Uma das vantagens dos RIE é a capacidade de anular a tradicional resistência à mudança das organizações e, ao mesmo tempo, a capacidade para ultrapassar a lenta resposta ou iniciativa dos colaboradores nas áreas de intervenção. É ainda possível identificar como vantagem deste método o rápido retorno do investimento, sem que isso implique grandes choques com os actuais estilos de gestão nas organizações, tal como acontece com a implementação global da filosofia lean thinking. A produção de quick wins (resultados rápidos) garantida pelos RIE é mais facilmente percebida pelos colaboradores, principalmente quando estes são envolvidos na realização dos eventos de mudanças. Um dos 5

Termo Japonês para se referir ao local onde se trabalha e o valor é criado. João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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pontos fracos da abordagem RIE é que os benefícios alcançados com os quick wins são difíceis de manter dado que não têm por detrás uma estratégia de melhoria contínua de longo prazo. Por outro lado, o modelo de implementação completa tem a vantagem de ligar as acções de melhoria a uma estratégia global e integrada, que no médio/longo prazo demonstra ser bem mais vantajosa e sustentada do que a abordagem RIE.

Aplicabilidade dos tradicionais métodos e ferramentas lean nos serviços A revisão bibliográfica efectuada identificou algumas diferenças entre o lean no sector dos serviços e aquele usado no sector de origem. Na indústria, a ênfase é colocada num conjunto de ferramentas e métodos utilizados para combater o desperdício e uniformizar procedimentos e produtos. No sector dos serviços, embora haja uma grande identificação com os sete princípios do lean thinking, uma boa parte das ferramentas e métodos tradicionalmente aplicados na indústria é desconhecida dos agentes ligados aos serviços. Uma grande parte das organizações de serviços utiliza ferramentas como os 5S, VSM e pouco mais. Isto sugere que as ferramentas e métodos lean tradicionais não encontra aplicação óbvia e imediata no contexto dos serviços. De facto, muitas ferramentas e métodos necessitam de ser adaptados para responderem aos pedidos de maior flexibilização de processos encontrada no sector dos serviços públicos e privados. De que modo o lean funciona nos serviços? •

De um modo geral, lean pode ser considerado como uma filosofia, que procura desenvolver boas práticas de gestão que permitem a redução do desperdício e o aumento do valor através de uma cultura de melhoria contínua;

A abordagem lean requer uma nova forma de encarar a organização, incentivando todos os colaboradores a considerarem as suas acções sob o ponto de vista do cliente. Deste modo, o fluxo de informação e o contacto com o cliente é melhorado;

A implementação da filosofia lean thinking deve envolver o maior número possível de pessoas, sem excluir fornecedores e clientes, durante o processo de transformação, de forma a alcançar uma mudança cultural dentro da organização.

Nos serviços, o pensamento lean envolve a melhoria contínua? •

A melhoria contínua é um aspecto integrante da filosofia lean thinking. No entanto, é sugerido na literatura não considerar o lean thinking como um atalho para o desenvolvimento de uma cultura de melhoria contínua;

Deduz-se pela literatura disponível que as principais barreiras ao lean, em particular no sector público, são: cultura, falta de ênfase no cliente, demasiados procedimentos, pessoas a “trabalhar em silos”, demasiados objectivos, falta de uma orientação estratégica, ideia generalizada de que as pessoas estão sobrecarregadas e mal-pagas, domínio dos stockholders, ausência de sistemas de avaliação do desempenho e falta de compreensão do efeito da variação nos processos.

Lean services Lean services representa uma das mais recentes áreas de aplicação do pensamento magro. O sucesso granjeado na indústria atraiu a atenção dos gestores de unidades de serviços. As características únicas dos serviços levantam novos desafios ao pensamento lean. Não é apenas o campo de aplicação que é novo como também a abordagem tem de ser nova e suportada por novas ferramentas e novas metodologias. Neste sentido, Womack et al (2005) sugerem a adopção de novos princípios: •

Resolve o meu problema;

Não me faças perder o meu tempo;

Disponibiliza-me exactamente o que eu desejo, onde desejo e quando desejo;

Continuamente agrega soluções para reduzir o meu tempo perdido e as minhas chatices.

Estes são, resumidamente, os princípios do lean consumption [Womack e Jones, 2005] e criam novos desafios a todos os gestores de serviços. O cliente típico dos serviços é por norma bem mais exigente e informado que o

João Paulo Pinto, 2014 Março 07


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cliente industrial, muito menos paciente e tem acesso a melhores e mais eficazes sistemas de defesa dos seus interesses.

Lean no sector público De acordo com a pesquisa bibliográfica realizada no âmbito do lean services foi possível confirmar que há grandes benefícios para as organizações públicas que implementem a filosofia lean thinking. Destes benefícios destacam-se os mais importantes: melhoria do serviço ao cliente e da qualidade, redução de custos e de tempos (Porter, 2005), bem como melhor gestão e organização das operações de serviços. O sector público deverá olhar para o sector industrial para aprender a ser lean e. embora a filosofia lean tenha de ser alterada para se ajustar às particularidades dos serviços públicos, os princípios são os mesmos bem como as lições aprendidas da configuração dos sistemas (Radnor et al, 2006). No entanto, muitos argumentam que o pensamento lean terá grandes dificuldades de implementação fora dos sistemas de produção em massa ou repetitivos (Hines et al, 2004). Como complemento, outros autores afirmam que as formas de trabalhar lean são afectadas pelo contexto organizacional no qual é inserido (ie, dimensão, sector de actividade, presença de sindicatos, tipo de instalação, quadro legal, etc.), portanto o lean ou a ausência de gordura (leanness) não é um conceito homogéneo ou invariável mas sim um processo dependente do contexto onde é aplicado.

1.9.

CONCLUSÃO

Lean thinking é um modelo de liderança e de gestão auto-evolutivo que continuamente se melhora, encorajando as pessoas a pensar e a resolver problemas, criando valor. O pensamento magro surge como um modelo de gestão cujo objectivo é o desenvolvimento de pessoas, processos e sistemas tendo em vista a redução ou eliminação do desperdício em toda a organização e a criação de valor para todas as partes interessadas. Lean thinking é lean, desde que proporcione uma maneira de se fazer mais com menos, ie, com menos esforço, menos equipamento, menos tempo e até mesmo menos espaço, enquanto que simultaneamente se produzem produtos que os clientes realmente querem, na quantidade certa e no momento certo. Desta maneira consegue-se aumentar o valor enquanto se reduzem os desperdícios. Pensar lean requer a adopção de um novo paradigma, o abandono de ideias e preconceitos e, principalmente, estar aberto à mudança e ao permanente desafio. Tal como Einstein uma vez disse: os problemas que hoje enfrentamos não podem ser resolvidos com o mesmo nível de conhecimento que tinhamos quando eles surgiram, e pensar lean é aceitar isto de forma proactiva. O ponto de partida para o lean thinking é reconhecer que apenas uma pequena fracção do tempo total e esforço de uma organização adiciona valor ao cliente. Após definido o valor de um produto ou serviço na perspectiva do cliente final, todas as actividades que não acrescentam valor (desperdício) devem ser identificadas e eliminadas gradualmente. Em média, 40% dos custos em qualquer negócio são puro desperdício. Em média, a eficiência dos processos administrativos (definida como a relação entre o tempo real de valor acrescentado e o tempo total), na maioria das organizações, é inferior a 1%. Eliminar este desperdício permite, além de reduzir custos, dispor de um negócio mais rápido e flexível no mercado. Actualmente, dispomos de um novo paradigma de gestão, com técnicas e ferramentas bem consolidadas, que sob a designação de lean thinking, ajuda a melhorar a eficiência global das organizações. Para que esta oportunidade seja realizada é necessário contar com as pessoas. Atrair, preparar, comprometer, mobilizar, compensar e fazer um seguimento dos resultados das pessoas é um elemento-chave. Apesar dos conceitos que estão na origem da filosofia lean thinking já terem mais de 50 anos, só recentemente é que estes começam a ser conhecidos e a receberem o devido reconhecimento e aceitação. A crescente popularidade do lean thinking resulta do recente abrandamento da economia mundial, deixando muitas empresas em dificuldades para sobreviverem (lutando através de todas as formas para reduzir custos sem penalizar qualidade e serviço ao cliente). A filosofia lean thinking abre novas janelas de oportunidades para as organizações se adaptarem e desenvolverem num mundo cada vez mais complexo e instável. Lean thinking, nos tempos que correm, é um eficaz antídoto para a crise. Pense lean, faça da sua empresa uma vencedora.

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Desafio ao leitor: O primeiro dos passos na implementação da filosofia lean thinking na sua empresa consiste em conhecer quem servimos, ie, quem são as partes interessadas (stakeholders) que esperam receber valor. Para isso é necessário o preenchimento da Matriz dos Stakeholders. O modelo que se apresenta é para ser aplicado numa folha A3 e deve ser preenchido por todos os representantes dos stakeholders na sua empresa.

A CLT Services A CLT Services é uma empresa criada para o desenvolvimento e a implementação de sistemas de operações baseados na filosofia lean thinking. Para tal, através da Consultoria Empresarial e da Formação e Coaching, a CLT colabora com os seus clientes no sentido da eliminação dos desperdícios e da criação de valor para todas as suas partes interessadas. As principais áreas de actuação da CLT Services são: Gestão de Operações; Lean Management Lean Maintenance Six Sigma Supply Chain Management Lean Coaching Visite-nos em:

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