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Por onde passam mais de 220 milhões de toneladas

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BOMBOU NAS REDES

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Como é o trabalho dos práticos de São Paulo no segundo porto da América Latina e no complexo onde opera o maior terminal da Transpetro

Terminal de São Sebastião Cais Comercial

Quem mora de frente para o canal de navegação em Santos a todo momento vê o vaivém de navios. Afinal, por ali escoa 28,8% do comércio exterior brasileiro. A média diária é de 34 manobras. No ano passado, foram 11.771 fainas, com 162,4 milhões de toneladas movimentadas (+10,5%). Mas a Zona de Praticagem de São Paulo (ZP-16) vai além do segundo maior porto da América Latina. A 160 quilômetros, está o complexo portuário de São Sebastião, com o cais comercial e o terminal da Transpetro, por onde passa 50% do petróleo do país, alimentando quatro refinarias no estado. São 50 petroleiros por mês. Em 2022, a movimentação foi de 58,9 milhões de toneladas de granéis líquidos, incluindo derivados. Para a Praticagem de SP, os desafios em ambos os complexos são distintos, como aponta Rumos Práticos na décima matéria da série sobre as zonas de praticagem brasileiras.

No complexo santista, 67 pontos de atracação estão distribuídos ao longo de 16 quilômetros de cais. Nas margens de Santos e Guarujá, há terminais arrendados na área do porto organizado – que vai até Alemoa, onde opera outra unidade da Transpetro – e terminais de uso privado (TUPs). No fim do canal de acesso, em Cubatão, ficam os TUPs da Usiminas e da VLI. Em frente à Alemoa, está sendo construído um novo terminal de regaseificação de gás natural liquefeito. Segundo o gerente executivo da Praticagem de SP, Alexandre Canhetti, sendo Santos um porto multicargas e de passageiros, há todo tipo de navio, exceto plataformas. As principais mercadorias são as do agronegócio e as conteinerizadas. O porto não movimenta minério.

Toda essa carga é escoada por um canal sinuoso, estreito e raso, em um cenário em que os navios só crescem de tamanho. Quando o presidente da Praticagem de São Paulo começou na profissão, há 53 anos, as embarcações tinham, em média, 150 metros de comprimento.

– Hoje, navio pequeno tem 270 metros – observa o prático Fabio Mello Fontes.

O maior a atracar em Santos foi um porta-contêineres de 347,50 metros e 45,20 metros de boca, mas o porto já está homologado para receber os de 366 metros. Para garantir essa operação com segurança, os práticos estudaram dois anos e fizeram treinamento em modelos em escala reduzida, nos Estados Unidos.

A profundidade no canal é de 15 metros, e o calado máximo autorizado pela Autoridade Marítima na preamar (maré alta) de 14,50 metros em quase toda a extensão. Para o vice-presidente da Praticagem de SP, prático Bruno Tavares, o desafio ambiental mais significativo é quando entra uma frente fria forte, o tempo vira e tem-se um aumento de ondas e intensidade dos ventos que atuam sobre o navio, intensificando o risco de ele vir a tocar o fundo. Em certas condições, as operações se tornam mais delicadas, sendo estabelecido pela Capitania dos Portos o fechamento do canal ou restrição de calado.

– Ficamos constantemente atentos à altura e ao período de onda no canal de acesso, porque temos condições meteorológicas limitantes para os navios (comprimento maior que 306 metros ou boca maior que 46 metros). Dependendo da situação, temos que solicitar à Capitania a restrição do calado por causa das ondas, lançando mão das informações de duas boias posicionadas estrategicamente no canal de acesso medindo altura e período de onda.

Segundo Bruno, às vezes, por conta de uma condição que impede o desembarque fora de barra, o prático desembarca do navio para a lancha de praticagem em local interno do canal, seguro e abrigado:

– Desembarcamos e vamos embarcados na lancha de praticagem à frente do navio, guiando e assessorando o comandante do navio (praticagem indireta). No entanto, nem sempre é possível, se o comandante não tem muita experiência de vir a Santos ou se não sentimos confiança nele para fazer esse procedimento de praticagem indireta. Nesse caso, somos obrigados a seguir no navio e fazer uma sombra (manobra de proteção) para desembarcar com segurança fora de barra.

Outro ponto de atenção no canal é o tráfego intenso de embarcações de esporte e recreio e de pesca.

– No fim de semana, é uma loucura. Fica cheio, e redobramos o cuidado. Há muitas lanchas de pescadores também. Algumas vezes, temos que ir na frente e solicitar que saiam para o navio passar. Eles deixam até o último momento para se retirar. Numa dessa, se a máquina do navio não funciona, já era, né? De vez em quando, o próprio motor do pesqueiro falha ao tentar sair do caminho e temos que puxá-lo. Volta e meia fazemos isso – conta o mestre de lancha Jorge Moura, desde 1989 na praticagem.

Há ainda preocupação com as estações das balsas que fazem a travessia de veículos Santos-Guarujá, onde são proibidos cruzamentos de navios. O ex-presidente da Praticagem de SP, prático Carlos Alberto de Souza Filho, evitou um acidente de madrugada no local:

– Depois que girei o navio, comecei a navegar e liberei o rebocador. Fazendo a curva para o ferryboat, com leme a boreste, o navio apagou completamente, com tendência para boreste, indo para cima do ferryboat. Era 1h30 da manhã e eu estava a 8.2 nós de velocidade aproximadamente. Pedi ao comandante para largar apenas uma manilha (27,45 metros) do ferro (âncora) de bombordo, para exercer uma força e reduzir velocidade e taxa de guinada para boreste. Pelo meu VHF, avisei sobre a possibilidade de choque com a balsa, para retirar as pessoas, e acionei rebocadores em emergência. O ferro safou a situação, segurando a proa, e um rebocador chegou a tempo de segurar a popa que estava indo para cima.

Quando problemas assim surgem ou as condições mudam drasticamente no meio da manobra, o prático precisa agir dentro dos limites de um canal sem fundeadouros, cuja largura média é de 220 metros, de acordo com a Autoridade Portuária. Após a área de jurisdição da companhia, a partir da Alemoa, o canal se estreita para cem metros, em direção aos terminais de Cubatão. Lá, a bacia de evolução tem diâmetro limitado. Os navios giram muito próximo dos que estão atracados nos terminais e passam perto uns dos outros.

Mesmo com as restrições de largura e profundidade, a Praticagem de SP tem conseguido trazer mais eficiência para o complexo santista, a despeito do crescimento dos navios. Em 2022, a maioria tinha mais de 50 mil toneladas de deslocamento, ou 336 metros de comprimento e 48 metros de boca. Em 2003, lideravam as manobras as embarcações com 225 metros e 32 metros de boca.

O ponto de virada para não perder agilidade e manter a segurança foi a nova concepção, em 2012, do centro de operações da praticagem (C3OT). O espaço conta com sistemas de monitoramento de tráfego por AIS; sensoriamento remoto de altura de maré, corrente, vento, altura e período de onda; visibilímetros; sistemas de comunicação potentes e de imagem cobrindo todo o canal.

Em 2016, foi incorporada a ferramenta do ReDRAFT, que utiliza dados do C3OT para determinar com mais precisão o calado seguro dos navios, ampliando as janelas de operação. E, há dois anos, ocorrem tráfego em mão dupla e evoluções simultâneas (giro, atracação e desatracação) em trechos antes restritos, contribuindo também para aumentar a produtividade dos terminais. Para isso, a praticagem adquiriu um software que calcula o ponto de cruzamento das embarcações e passou a analisar o timing de cada manobra de navio especial ou de cada manobra casada.

A sede da praticagem conta ainda com um serviço de batimetria para atualizar as profundidades no canal, nas bacias de evolução e nos berços. O estuário recebe sedimentos fruto de ressacas e de rios que nele desembocam. Segundo o gerente de logística da entidade, o hidrógrafo Hélder Puia, a taxa de assoreamento mensal é de 12 centímetros. Sempre que os práticos sentem qualquer dificuldade para navegar, a lancha de batimetria vai a campo com equipamento multifeixe para fazer uma "ultrassonografia" do fundo. Em caso de assoreamento, a Autoridade Portuária é avisada para que tenha tempo hábil de resolver a questão.

A praticagem dispõe de outras cinco lanchas de barra de 34 pés, duas de 44 pés, cinco lanchas de porto de 28 pés e quatro botes de amarração. Todos os motores mecânicos estão sendo substituídos por eletrônicos, mais eficientes e menos poluentes, dentro de um programa ambiental, social e de governança (ESG). O estaleiro de manutenção, que está construindo mais um bote, fica do outro lado da sede e da ponte de embarque dos práticos, na margem do Guarujá. Ao todo, a entidade reúne 63 práticos e 104 funcionários.

O Complexo De S O Sebasti O

Duas das lanchas de barra ficam sempre em São Sebastião, onde há dois práticos na escala. Em Santos, são 12. Além do terminal da Transpetro, existe o cais comercial, administrado pelo governo do estado por delegação federal. Em 2022, foram 918.879 toneladas de carga movimentadas, alta de 30,26%. Barrilha, malte, cevada, açúcar, silicato de vidro, sulfato de sódio, madeira e gado bovino estiveram entre as principais movimentações, mas o porto também recebe veículos e passageiros de cruzeiros.

É na unidade da Transpetro, entretanto, que acontecem as manobras mais sensíveis, devido ao grande potencial de dano ambiental e turístico. Na temporada, o fluxo de lanchas de banhistas é intenso.

Localizado de frente para Ilhabela, o terminal movimentou, no ano passado, 58,9 milhões de toneladas de petróleo e derivados, crescimento de 8%. Trata-se de um porto de profundidade natural que opera navios VLCC (very large crude carrier), com 333 metros de comprimento, 60 metros de boca e até 22 metros de calado, apesar do predomínio de navios Suezmax, com 278 metros e 49 metros de boca.

São dois píeres com quatro berços: dois externos voltados para Ilhabela e dois internos no lado de São Sebastião. O terminal também faz operações a contrabordo para transferência de óleo com navio atracado (ship to ship).

Normalmente, manobra-se com quatro rebocadores. Por causa da responsabilidade, o prático só pode iniciar o treinamento em São Sebastião após três fases de habilitação restrita em Santos, nas quais progride conforme o porte e o calado dos navios.

– As manobras são bem mais críticas. Os pesos são muito maiores, e as potências das embarcações, menores. Um petroleiro tem pouca força, e os terminais são delicados. Não se pode atracar com violência, porque o cais não é sólido, é construído sobre pilotis Além disso, as correntezas são oceânicas e, em regra, muito fortes (às vezes, superam três nós) – explica o prático Mello Fontes.

Segundo o prático Souza Filho, outra característica é que o terminal foi implantado sem um estudo adequado de correntes dominantes, estando ele desalinhado de 15 a 30 graus das correntes:

– Isso dificulta muito. Na fase final das manobras, temos que brigar contra a natureza.

Os berços internos são mais apertados. Para o prático Carlos Eduardo Balthazar, a atracação no P2 por bombordo, quando a corrente vem de sul, talvez seja a manobra mais complicada da ZP-16:

– A gente gira o navio, vem de ré e atraca. Há um baixo (parte rasa) de um lado, píer do outro e atrás. Temos que tomar cuidado e usar a corrente para fazer a manobra, não apenas rebocadores.

Os ventos constantes e de grande intensidade são mais um complicador, e as condições podem mudar subitamente. Na tempestade que atingiu São Sebastião em abril de 2019, a velocidade passou de cem nós, e dois petroleiros carregados que estavam a contrabordo em operação ship to ship ficaram à deriva rumo às pedras em Ilhabela. Os práticos Marcio Santos e Fábio de Abreu conseguiram embarcar nos navios e evitar um grave acidente. Eles receberam o prêmio por bravura da Organização Marítima Internacional (IMO).

– Naquele dia, o mestre da lancha (Sandro Carvalho) saiu daqui navegando por instrumento. Não dava para enxergar nada –recorda o mestre Ilenildo Louredo.

O comandante Abel, quase dez anos de comando na Transpetro, lida com práticos no mundo inteiro e elogia a competência dos profissionais brasileiros:

– A praticagem nos auxilia na chegada nos portos e na saída deles com segurança. Os práticos são os especialistas nas manobras aonde vamos. Sou um oficial de náutica nato, mas eles têm o conhecimento da área na qual são treinados. Conhecem a correnteza, o vento, o impacto no abatimento (diferença entre o rumo no fundo e o real da proa) e já sabem o que está acontecendo. Os práticos brasileiros são muito bons.

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