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Um ano sabático e de vitórias
Após explorar com a família os recantos da região Sul, prático Hans Hutzler faz história na Refeno e termina em segundo na Cape2Rio
No ano em que completou 50 anos, o prático Hans Hutzler, da Zona de Praticagem de Pernambuco (ZP-09), tirou um período sabático com a família e dedicado a competições, a bordo do catamarã Aventureiro 4
De janeiro a julho de 2022, velejou na região Sul, com a esposa, Karina, e o filho, Felipe, de dez anos. Depois, participou da Semana de Vela de Ilhabela, em São Paulo, vencendo na categoria multicascos, de forma invicta, as seis regatas disputadas. Em setembro, fez história conquistando a Regata Internacional Recife-Fernando de Noronha (Refeno). Hans completou as 300 milhas náuticas até o arquipélago em 32 horas, 49 minutos e 56 segundos. Nunca um velejador solitário havia concluído a prova em barco tão grande – o Aventureiro 4 foi construído, em 2020, na França, e tem 51 pés.
Em novembro, após minuciosa revisão do barco, a família partiu para a Cidade do Cabo, na África do Sul, de onde largou, em janeiro de 2023, para o Rio de Janeiro, na única regata transoceânica do Hemisfério Sul, a Cape2Rio, que acontece a cada três anos. Terminou em segundo lugar, igualando feito do Brasil em 2003, após navegar 3.646 milhas náuticas durante 20 dias.
A aventura de Hans, porém, começou bem antes, quando a família partiu do Recife (PE) até Porto Alegre (RS) para explorar os três estados do Sul. Na Lagoa dos Patos (RS), estiveram em lugares surpreendentes como Porto do Barquinho, Cristóvão Pereira, Saco de Tapes e São Lourenço do Sul. Em Santa Catarina, um dos destaques foi Armação da Piedade. Já na Baía de Paranaguá (PR), encantaram-se com a Comunidade de Medeiros, em Guaraqueçaba, a Ilha do Puruquara e o Canal do Varadouro, que desemboca na Baía do Trapandé, já em São Paulo.
Foi no Paraná, aliás, que enfrentaram o maior perigo da viagem, a caminho da Comunidade de Medeiros. Era um dia calmo, e o catamarã seguia no piloto automático. Hans viu na carta eletrônica uma pedra submersa com quatro metros de profundidade, mas não avistou nada e desceu para pegar um chocolate. Ao retornar, a pedra estava a dez metros da proa, com apenas "quatro dedos fora d'água".
– Só deu tempo de tocar no piloto automático e girar o leme inteiro. Por sorte, sou prático. O barco girou jogando a popa para cima da pedra. Aí, eu girei o leme para o outro lado para safar a popa. Passamos a menos de um metro da pedra – contou ao canal Hashtag Sal, do YouTube.
Um dos pontos negativos da viagem foi ver a quantidade de plásticos em cada recanto, uma preocupação global. Para a família, cada velejada e ancoragem é um aprendizado, principalmente pela receptividade dos brasileiros.
– Conhecemos lugares fantásticos. Mas o que fica são as pessoas e o calor humano que encontramos no caminho. Estamos sempre aprendendo.
Após participar da Semana de Vela de Ilhabela (SP), Hans encarou um grande desafio: pela primeira vez tripular solitário um catamarã nas 300 milhas da Refeno (Recife-Fernando de Noronha). Seria também o maior barco velejado solo na competição. E, graças a uma estratégia diferente da dos demais competidores, ele deixou para trás o pernambucano Patoruzú, tricampeão da regata.
Não foi uma prova rápida. Nas primeiras horas após a largada, em 24 de setembro, o vento estava fechado em relação ao rumo da ilha (vento contra) e Hans optou por seguir mais arribado (mais aberto em relação ao vento), ganhando velocidade, mas sem conseguir fazer rumo para a ilha. Naquela noite, o sistema de rastreamento permitia ver que a tática dava certo e, à medida que o vento abria, o Aventureiro 4 tomava a liderança para não mais perdê-la.
– No comecinho do amanhecer de domingo, avistei o Patoruzú a 2,2 milhas na popa. Às 6h30, estava chegando um pirajá grande (nuvem de chuva que traz vento muito forte). A essa altura, eu já estava a 2,5 milhas do meu adversário. O vento chegou a 33 nós. Consegui tirar a vela de proa bem a tempo.
O Patoruzú não pegou esse vento todo, mas sofreu uma quebra que o deixou à deriva por seis horas, tirando sua chance de disputar a Fita Azul da prova. Em 2021, o Aventureiro 4 havia chegado menos de 12 minutos depois do "rival".
– Aquela foi a primeira Refeno nesse barco, e vi que tinha muito potencial. Nos catamarãs, entretanto, peso é um fator muito importante. Velejar o mais leve possível era a melhor estratégia –explicou Hans.
A Refeno 2022 reuniu 81 embarcações. A largada no Marco Zero é sempre uma grande festa e atrai público expressivo. É possível assisti-la pelo YouTube com narração de Karina Hutzler, esposa de Hans e velejadora, que detalha cada barco que passa.
Em novembro, a família partiu para a Cidade do Cabo a fim de se preparar para a Cape2Rio. Na verdade, a preparação começou em 2020, com o Aventureiro 4 ainda no estaleiro na França passando por modificações visando atender aos 93 requisitos de segurança da prova, sendo os últimos cumpridos poucos dias antes da partida para o Rio de Janeiro. Naquele ano, Hans participou da Cape2Rio como navegador de um barco do Rio de Janeiro e terminou em quarto lugar, experiência que contribuiu bastante para o novo desafio.
O planejamento envolveu também um estudo meteorológico, analisando dados históricos e simulando rotas, fundamental para uma regata. Ao longo da travessia, com informações atualizadas, esses planos vão sendo refeitos utilizando softwares especializados em roteamento. Esse ano, as condições foram atípicas, com ventos mais fracos e até inexistentes em algumas regiões, mudando as rotas.
Segundo Hans, a experiência como prático ajuda muito nas disputas no mundo da vela:
– Trazemos uma bagagem de conhecimento náutico. Estudamos meteorologia e navegação não apenas para o processo seletivo a praticante de prático. Com certeza isso colabora.
No barco da família do comandante e navegador, eram seis tripulantes, entre eles o filho, Felipe, o mais novo da turma. Ele veleja desde os seis anos na classe Optimist e se aventura também como escritor. Em seu terceiro livro, com ilustrações próprias, Felipe irá contar como foi a travessia de ida para a África e a volta ao Rio. Na primeira publicação, Velejando de cueca, o tema foi a vinda do Aventureiro 4 do estaleiro para o Brasil. O segundo livro abordará o ano sabático, todas aventuras em que teve o privilégio de estar a bordo.
O pai ainda não sabe se vai participar da Cape2Rio, em 2026. Em seu horizonte, ele pretende se dedicar às participações do filho na classe Optimist, já que Felipe não pôde concorrer no campeonato brasileiro de 2022. Uma boa causa, não?