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Os superlativos nos portos paranaenses
Navegação extensa, condições extremas e passagens críticas caracterizam trabalho dos práticos em um dos maiores complexos portuários da América do Sul
praticagem no Brasil
Rumos Práticos chega à oitava matéria da série sobre as zonas de praticagem brasileiras e apresenta particularidades e desafios superados pelos práticos nos portos de Antonina e Paranaguá (PR), tendo este último estado entre os cinco maiores em movimentação portuária em 2021, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Juntos, os portos paranaenses movimentaram, no ano passado, 57,52 milhões de toneladas de cargas, recorde histórico que conta com a contribuição da praticagem não apenas na eficiência das 7.009 manobras de navios, mas também em investimentos e consultoria para otimizar as operações com segurança.
Este ano, até agosto, 39,86 milhões de toneladas foram carregados e descarregados, constituindo alta de 2% e volume recorde para o período considerando os últimos dez anos, segundo a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APA). Dar fluidez a esse escoamento não é tarefa fácil. A primeira dificuldade que se impõe é a extensão da Zona de Praticagem 17, entre as maiores das ZPs portuárias. Do ponto de embarque do prático fora de barra até a parte central de Paranaguá, dentro da baía, são 19 milhas náuticas. Dali até Antonina, na Ponta do Félix, percorrem-se mais seis milhas.
A praticagem está localizada às margens do Rio Itiberê, onde concentra toda a estrutura administrativa e operacional (píer, oficina e centro de operações). São 13 mestres de lancha, nove marinheiros e 19 funcionários na manutenção. Para o prático chegar até o ponto de embarque, a lancha atravessa o rio, as instalações da Techint, as ilhas do Mel e da Galheta e, por fim, mais seis milhas fora de barra (a APA quer ampliar mais uma milha para receber navios mais carregados). Esse trajeto demanda de 45 a 60 minutos, dependendo do estado do mar. Isso porque a região sofre muita ocorrência de frente fria, com vento sul predominante, cuja intensidade pode chegar a 30 nós, provocando ondas de até três metros que incidem de frente na lancha.
Para enfrentar o longo percurso e as condições severas em mar aberto, a praticagem está concluindo a modernização de sua frota de barra. Em 20 de setembro, estava prevista a chegada da quarta lancha de 44 pés e 14 toneladas, contra 33 pés e sete toneladas das antigas. A primeira embarcação entrou em operação em 2016. Com a aquisição, a impraticabilidade de barra por risco no embarque e desembarque do prático foi praticamente zerada. A praticagem planeja ainda a renovação das seis lanchas de porto. Uma delas é voltada exclusivamente para levantamento hidrográfico.
– Toda essa logística de lanchas, o desgaste que sofrem e o tempo de prático a bordo são de administração muito custosa e complexa. O que tentamos sempre fazer são as chamadas dobradas, ou seja, encaixar um navio que entra com outro que sai, com o mesmo prático, economizando lancha, pessoal e otimizando o porto –explica o diretor administrativo da praticagem, prático Victor Demaison.
O mestre de lancha Ivaldo Muniz recorda como era a realidade em 1986, quando entrou na atividade:
– Antigamente, eram barcos de madeira e casco de ferro, pisávamos na água de manhã cedo, de madrugada, em qualquer horário que chegasse o prático. A gente encarava cada coisa... Hoje em dia, temos tudo na mão.
O prático Moniz de Aragão lembra que era comum ter que seguir viagem para outro porto por impossibilidade no desembarque:
– Geralmente, íamos para Santos (SP) − ou para Itajaí (SC), embora com menor frequência porque, quando as condições eram ruins aqui, lá também estavam, pois é de onde vem o vento. De Santos, retornávamos em outro navio ou de carro. De Itajaí, sempre tive a sorte de voltar de navio.
Além das quatro lanchas novas, a praticagem investiu na instalação de uma boia Odas (Ocean Data Acquisition System) próxima às boias um e dois, na entrada do Canal da Galheta, que tem 15 metros de profundidade. O equipamento provê informações de altura de onda, direção e intensidade de vento, corrente e visibilidade; aprimorando com objetividade a avaliação do risco para embarque e para navegação.
É exatamente naquela área e nas duas milhas seguintes que se apresenta o segundo desafio para o prático, após o do embarque. O canal ali é estreito, com águas rasas em ambos os lados. E a incidência de fortes ventos, grandes ondas e correntes intensas de través tem impacto no abatimento do navio (diferença entre o rumo no fundo e o real da proa), fora a visibilidade reduzida. Durante a visita de Rumos Práticos, de 6 a 9 de setembro, a barra ficou fechada uma manhã inteira por causa da cerração.
"Após embarque a apenas duas milhas da entrada do canal, o prático precisa subir a escada de quebra-peito, dirigir-se ao passadiço, estar ciente do tráfego esperado, ajustar a velocidade e o aproamento do navio de forma a compensar as forças externas e evitar cruzamentos perigosos", relatam o prático Helio Sinohara e o professor Eduardo Tannuri (USP) em artigo publicado na edição 58 da revista.
Rumos Práticos acompanhou a bordo a entrada de um Ro-Ro/portacontêineres de 210,92 metros de comprimento e 32,26 metros de boca, com calado de 8,80 metros (o calado máximo é 12,80 metros). Assim que chegou no passadiço, após a troca inicial de informações com o comandante, o prático Jhony Cipriano já se inteirou com a operadora Cléia Pires sobre o tráfego esperado (o centro de operações oferece dados de antena de AIS, câmeras, marégrafos, estações meteorológicas, sensores de corrente e da boia Odas). Na sequência, o prático combinou o primeiro cruzamento da rota com o prático Moniz, que conduzia embarcação no sentido oposto.
Os cruzamentos constantes são outra particularidade da ZP. Afinal, com navegação tão extensa, não se pode esperar um navio atravessar todo
Mestre Ivaldo Pilotando Uma
Das Novas Lanchas De Barra
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o canal para sair com outro, sob pena de comprometer a eficiência do porto. Por isso, a comunicação entre os práticos é fundamental para calibrar velocidades e combinar cruzamentos em trechos seguros. Em 20 de setembro, os práticos simulariam na USP cruzamentos de navios de 333 metros com mais de 11,50 metros de calado.
Também a fim de otimizar as operações, a maioria das embarcações entra diretamente para uma das muitas áreas de fundeio, onde agências e autoridades cuidam de burocracia e inspeção antes da atracação, diminuindo tempo ocioso no berço.
Outro ponto crítico de atenção para os 32 práticos que atuam no Paraná é a passagem estreita, em curva e em meio a pedras, no quadrilátero formado pelas boias 28A, 29, 30 e 31 do canal. A incidência de corrente de até dois nós do Rio Itiberê é mais um complicador naquele trecho, assim como a força do vento. O terminal de contêineres (TCP), onde atracam os navios com maior comprimento e área vélica, está situado bem na lateral dessa cadeia rochosa.
– Você vem navegando protegido e, de repente, incide uma corrente muito forte no navio, que, dado o seu tamanho, fecha praticamente o rio, vira uma comporta. Se estiver enchendo, a corrente te joga para boreste e, vazando, para bombordo. Não se pode chegar nem muito devagar, porque a corrente vai incidir muito forte, nem muito rápido a ponto de não conseguir parar com embarcações adiante. É um jogo de equilíbrio, e cada navio é um navio. O prático tem que entender como cada embarcação manobra, se tem máquina fraca, queixo duro... E não há muito tempo para isso.
Rumos Práticos acompanhou a saída de um porta-contêineres de 330 metros de comprimento e 48,2 metros de boca (calado de 11,80 metros), com os práticos Moniz e Cláudio André na manobra. O TCP e demais terminais em Paranaguá estão concentrados ao longo de três milhas do canal. De acordo com a APA, 63% da movimentação até agosto foi de granéis sólidos, 23% de carga geral e 14% de granéis líquidos. Na exportação, as principais cargas foram soja em grão, carne de frango, farelo de soja, óleo de soja, carne bovina, açúcar, milho e celulose (em 2021, Paranaguá foi o segundo porto em escoamento de soja e milho, atrás de Santos). Na importação, destacaram-se fertilizantes, carga geral e derivados de petróleo.
– Como são diversos produtos, decorrentes classes de navio e condições de carregamento, nunca pegamos uma embarcação igual. Nesse sentido, cada manobra tem um aspecto particular, além das condições ambientais, que mudam. Cada dia é uma manobra. O desafio é constante, não tem manobra ganha –observa o prático Cláudio.
A chegada ao Porto de Antonina não é menos desafiadora. O canal por onde passam navios de até 8,5 metros de calado é estreito e com profundidades rasas fora dele, de até dois metros. Não há margem para erro, e um rebocador escolta a embarcação em todo o trecho. Da Ponta do Félix, são praticamente quatro horas de manobra. De Paranaguá, a média fica entre duas horas e duas horas e meia. Uma forte corrente contrária – que, às vezes, chega a 3,5 nós – aumenta o tempo de travessia.
O diretor-presidente da APA, Luiz Fernando Garcia, enaltece o trabalho dos práticos:
– A eficiência de um porto passa muito pela praticagem. No Paraná, a excelência dos serviços é comprovada pelo baixíssimo índice de acidentes, pelo reconhecimento do mercado e pelo cuidado ambiental. A Paranaguá Pilots tem 164 anos e une experiência e inovação, passando por processo contínuo de modernização. Os portos paranaenses ocupam, por três anos consecutivos, o primeiro lugar em gestão portuária do Brasil, segundo o Ministério da Infraestrutura. Paranaguá também é o porto público mais bem colocado no Índice de Desenvolvimento Ambiental (IDA) da Antaq, e nos consolidamos como o segundo porto mais importante do país. Acredito que o grande diferencial é a sinergia entre Autoridade Portuária, poder público, praticagem e comunidade portuária.
A ocorrência de acidentes ambientais é um dos indicadores do IDA da Antaq. Em 2021, o prático Cirio Cipriano evitou um encalhe com um porta-contêineres que apresentou falha de máquinas, obrigando-o a executar uma manobra de emergência por 25 minutos. A embarcação tinha 299,98 metros de comprimento e 40,3 metros de boca, com 11,6 metros de calado. Após a saída do terminal, o problema ocorreu na passagem entre as boias 19 e 20, quando o navio ainda estava a três milhas da primeira área possível para o fundeio de emergência.
Imediatamente, Cirio alertou o centro de operações, pediu que as âncoras ficassem prontas para largar (caso a situação fugisse de controle) e solicitou prontidão de rebocadores. Ele controlou o rumo do navio com o restante da velocidade residual que diminuía rapidamente devido à corrente de enchente. Outro desafio foi uma chuva de verão que se aproximou, reduzindo a visibilidade e com rajadas de vento. A embarcação conseguiu navegar mais duas milhas até parar, momento em que o prático teve que controlar a proa com leme e depois por meio do bow thruster, para evitar colisão com a boia. Os rebocadores, finalmente, chegaram para o auxiliar.
– O rebocador da proa seguiu rebocando pelo centro, para o navio adquirir velocidade, e o da popa se posicionou no espelho de popa, atuando como leme e propulsor. Dessa forma, navegamos uma milha final até o ponto de fundeio de emergência – relatou Cirio na época.
TERMINAIS EM PARANAGUÁ ESTÃO CONCENTRADOS AO LONGO DE TRÊS MILHAS