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Praticagem investe em sistema de calado dinâmico no Rio Amazonas

Testes para validação do calado de 11,90 metros já começaram na região que sofre maior descarga de sedimentos do mundo

Um sistema de calado dinâmico está em implantação na barra norte do Rio Amazonas, por meio de um protocolo assinado entre a Cooperativa de Apoio e Logística aos Práticos da Zona de Praticagem 1 (Unipilot) e o Comando do 4o Distrito Naval.

O sistema integrado de coleta e processamento de dados calcula o quanto um navio pode aumentar seu volume submerso, sem risco de encalhe, considerando informações como intervalos de maré, entre outras. O dado é fundamental para ampliar o carregamento das embarcações, já que a barra norte é um trecho raso e lamoso de 23 milhas náuticas (42,6 quilômetros) na foz do Rio Amazonas, que delimita o calado de todos os navios na Bacia Amazônica.

A região é extremamente complexa, pois o chamado arco lamoso sofre grande descarga de sedimentos do rio, que tem uma das maiores vazões do mundo. Além disso, soma-se a ação de outros três componentes: a maré astronômica, gerada por forças gravitacionais no sistema Terra-Lua-Sol; a maré meteorológica, influenciada pelos fortes ventos; e o nível do rio, em função do regime de chuvas.

A primeira de três boias meteoceanográficas do sistema foi fundeada na barra norte e passou por ajustes estruturais para ficar menos suscetível a enganchamentos de redes de pesca, por exemplo. Além disso, foi reforçada a estanqueidade de seus sensores, que fornecem dados de correntes, altura de maré e densidade da água. A vigilância da boia funciona sem registros de vandalismo, graças a uma parceria com pescadores locais.

A iniciativa conta com o apoio técnico da Argonáutica, empresa que nasceu na Universidade de São Paulo (USP) e desenvolveu o calado dinâmico no Porto de Santos, e do Laboratório de Dinâmica de Sedimentos Coesivos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Todas as informações coletadas são compartilhadas via satélite com a Marinha, responsável por autorizar o calado máximo na região.

Por enquanto, foram realizados dois testes com 11,75 metros de calado. Estão programadas mais duas passagens com 11,80m; quatro com 11,85m; e outras quatro com 11,90m para validação deste calado − todas aproveitando maré de 3,10m ou mais. O trecho requer navegação de extrema precisão para que a embarcação não toque o fundo. Por isso, deve ser feito em baixa velocidade, monitorando-se o tempo todo a folga abaixo da quilha. Acompanham os testes a bordo um representante da Autoridade Marítima (do Centro de Hidrografia e Navegação do Norte) e um inspetor naval PSC (port state control).

– O resultado foi bom, o navio passou bem – conta o presidente da Unipilot, prático Adonis dos Santos, que realizou a segunda travessia com 11,75m.

Para prosseguir com os testes, a Autoridade Marítima prefere aguardar o funcionamento de um marégrafo na Ponta do Céu, no Canal Grande do Curuá, a 70 milhas da barra norte. No local, foi iniciado, em 2017, o estudo técnico para implantação do calado dinâmico. Os marégrafos da Marinha e da praticagem foram derrubados por um tronco durante uma pororoca. O aparelho da Unipilot estava previsto para ser reinstalado em 31 de agosto.

Outra iniciativa da praticagem fundamental para o sucesso do projeto é a sondagem regular das profundidades dos rios da região, de modo complementar às sondagens oficiais. O trabalho é realizado há mais de dez anos, sendo crucial para a navegação de navios mais carregados, porque na Amazônia bancos de areia se movimentam constantemente sob as águas, alterando os canais de navegação. Esses investimentos em batimetria e no estudo das marés contribuíram para a Marinha aumentar o calado de 11,50m, em 2017, para os 11,90m em fase de testes (ganho de mais de US$ 1 milhão de carga por navio). A praticagem acredita ser possível chegar a 12,50m com o avanço do sistema.

– Temos essa série de testes para consolidar o aumento do calado máximo autorizado para 11,90m. Será um marco que vai potencializar a exportação do agronegócio pelo Arco Norte e a produtividade dos terminais de Itacoatiara (AM), Santarém (PA) e Santana (AP), promovendo a expansão da hinterlândia (área de abrangência comercial) dos portos da Amazônia. O investimento é custeado pela praticagem, em parceria com a Autoridade Marítima – destaca o presidente da Unipilot.

O presidente da Praticagem do Brasil, prático Ricardo Falcão, que também atua na Bacia Amazônica Oriental, lembra que todo o aporte de recursos só é viável porque, nos anos 1960, a Marinha tornou a praticagem uma atividade privada:

– Além de suportar o alto custo de funcionamento da atividade, com lanchas especiais e centros de operações em prontidão 24 horas, todas as praticagens fazem pesados investimentos que conciliam navegação segura e eficiência. A consequência da decisão da Marinha no passado é vista na qualidade do serviço e na produtividade que ele gera para o país.

Somados a bauxita, contêineres, petróleo e derivados, produtos como soja e milho são cada vez mais escoados pelos rios da Amazônia. A produção do agronegócio do Centro-oeste chega em barcaças pelo Rio Madeira até Itacoatiara (AM) e pelo Rio Tapajós até Santarém (PA). Nos terminais portuários, a carga é transferida para os navios que descem o Rio Amazonas.

De acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), no primeiro semestre de 2022, os terminais do Arco Norte, que incluem os do Maranhão, pela primeira vez ultrapassaram os portos das demais regiões na movimentação de soja e milho, com 51% de participação nacional (41,5 milhões de toneladas).

Na Amazônia, trafegam cerca de 1.300 embarcações por ano, sendo quase metade transportando cargas do agronegócio. O Mato Grosso, principal produtor, responde por 72 milhões de toneladas de grãos, e a estimativa é alcançar 120 milhões em 2030, sendo que dez anos depois 60 milhões serão exportados pelo Arco Norte, segundo previsão do Movimento Pró-logística de Mato Grosso. A progressão do calado é essencial para o escoamento da crescente produção.

Praticagem Abre Caminhos Para A Exporta O

Os práticos da ZP-1 atuam na maior zona de praticagem do mundo. São 1.416 milhas náuticas (ou 2.622km) de navegação e manobras nos rios da Amazônia, na área compreendida entre a foz do Rio Amazonas e a cidade de Itacoatiara (AM), atravessando três estados (Amapá, Pará e Amazonas). Isso exige uso muito intensivo de práticos, elevado custo de deslocamento interno para atendimento e milhões em investimentos para garantir a movimentação com segurança e eficiência.

Além da checagem rotineira do leito dos rios e da análise das marés, a praticagem passou a estudar rotas alternativas a caminhos que antes limitavam a navegação, como era o caso do Canal do Mazagão, a 13 milhas de Fazendinha (AP), sentido Itacoatiara (AM). A expertise dos práticos contribuiu ainda para ultrapassar limites operacionais de curvas muito apertadas nos rios Jari e Trombetas, com embarcações até 50% maiores.

Já no Rio Trombetas, após o balizamento noturno, a praticagem fez grande esforço para ajustar a sinalização e treinar manobras à noite. Outro porto que poderá operar 24 horas com balizamento noturno e rebocadores adequados é Santana (AP), graças à participação dos práticos em simulações no Tanque de Provas Numérico da Universidade de São Paulo (TPN-USP). O trabalho também confirmou a possibilidade de entrada de navios New Panamax no Amapá, com dois porões a mais de carga e capacidade de até 100 mil toneladas. A travessia da barra norte com navios mais carregados é o próximo gargalo a superar.

Projeto Da Praticagem Grande Incentivo Ao Desenvolvimento De Estudos Meteocenogr Ficos Na Barra Norte

Em entrevista à Rumos Práticos, o comandante do 4o Distrito Naval, vice-almirante Edgar Luiz Siqueira Barbosa, avalia a evolução do projeto de calado dinâmico na barra norte e destaca sua importância para o crescimento do escoamento seguro de cargas pelo Arco Norte.

RUMOS PRÁTICOS: Qual a importância do projeto de calado dinâmico na barra norte para a economia e a região?

Nesta fase do projeto, a coleta de dados e, consequentemente, sua análise, nos permitirá aprimorar os estudos referentes às marés (astronômica e meteorológica). Diante desses estudos, há a possibilidade de otimização da navegação, acarretando a diminuição dos custos de transporte no Arco Norte, em virtude do aumento do calado com segurança e do consequente aumento da quantidade de carga transportada por navio.

RP: Que avaliação o senhor faz do projeto até agora?

A região, por se tratar da maior descarga fluvial do mundo, é peculiar, por sua complexidade ambiental, exigindo longo tempo de coleta de dados ambientais, bem como a criatividade da comunidade científica para realizar essa coleta. O projeto, até o momento, mostrou a importância da participação da indústria nacional no desenvolvimento de boias para a barra norte.

RP: Existe previsão para o funcionamento do marégrafo da Marinha? É uma condição para retomada dos testes ou, enquanto isso não ocorre, a Marinha pode se valer dos dados do marégrafo da praticagem?

O marégrafo da Marinha tem a previsão de ser instalado no último trimestre do ano, por ocasião do próximo levantamento hidrográfico que será realizado no Canal Grande do Curuá. Em relação aos dados coletados pelo equipamento de marés da praticagem, serão analisados pela Marinha, sendo importante ressaltar que é condicionante para o prosseguimento dos testes de passagem de navios pela barra norte.

RP: Essas dificuldades naturais da região são um desafio ao projeto?

O grande desafio do projeto é a adaptação das tecnologias existentes às características da foz do Rio Amazonas. Não somente na aquisição de dados, como também em sua transmissão online

O VICE-ALMIRANTE EDGAR LUIZ SIQUEIRA BARBOSA E O PRÁTICO ADONIS DOS SANTOS NA ASSINATURA DO PROTOCOLO PARA IMPLANTAÇÃO DO CALADO DINÂMICO

Outro desafio existente é o vandalismo dos equipamentos, interrompendo a coleta dos dados ambientais.

RP: O senhor acredita ser possível validar os 11,90m de calado ainda este ano?

Não é possível prever uma data nem o valor final do calado, neste momento. Tudo dependerá dos resultados dos testes de passagem dos navios para os calados estipulados na portaria do Comando do 4o Distrito Naval que rege sobre a navegação de navios com calado de até 11,90m no Canal Grande do Curuá, haja vista que a segurança da navegação é o fator primordial para prosseguimento dos testes e o estabelecimento do calado.

RP: Há algo mais que o senhor queira destacar sobre o projeto?

O projeto apresentado pela praticagem é um grande incentivo ao desenvolvimento de estudos meteocenográficos na barra norte, contribuindo com a Autoridade Marítima para a segurança da navegação.

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