Os fatores que articulam um grupo de trabalho 2

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Os fatores que articulam um grupo de trabalho: uma leitura da concepção de Pichon-Rivière.

Adaptado de: Denise Vieira da Silva Lemos Programa de Formação em Agentes Sociais de Mudança da UFBA


• Tomamos como referência as contribuições da Psicologia Social de Pichon-Rivière e da teoria dos grupos operativos, pelo fato de integrar dialeticamente as dimensões:

objetividade e subjetividade; individualidade, grupalidade e estrutura social, o que imprime ao modelo teórico-metodológico uma amplitude fundamental na compreensão da complexidade da interação humana no contexto grupal.


O Indivíduo (sujeito) e o Grupo Tradicionalmente, a Psicanálise, através de seu método e de seu aparato teórico, constituiu e tomou a categoria do sujeito particular como seu objeto primordial de intervenção. O sofrimento psíquico a ser tratado é aquele "localizado" em determinada pessoa que se apresenta ao tratamento. O pensamento de Pichon-Rivière altera essa percepção ao propor um olhar duplo sobre o grupo e os sujeitos. Propõe que, ao pensarmos o que ocorre em um grupo, tenhamos em mente sempre dois eixos, assim nomeados e definidos: 1) vertical: assinala tudo aquilo que diz respeito a cada elemento do grupo, distinto e diferenciado do conjunto, como, por exemplo, sua história de constituição e seus processos psíquicos internos; 2) horizontal: refere-se ao grupo pensado em sua totalidade.


GRUPOS OPERATIVOS • Segundo Pichon-Rivière (1991), o grupo operativo assemelha-se ao funcionamento do grupo familiar (como também propõe Zimerman, 2000) e pode ser definido como um “conjunto de pessoas reunidas por constantes de tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe, implícita ou explicitamente, uma tarefa que constitui sua finalidade” (p. 157). Um dos objetivos da técnica dos grupos operativos, como sinaliza Pichon-Rivière (1991) é o de auxiliar na minimização dos medos básicos e o de favorecer o rompimento dos estereótipos que funcionam como barreira à mudança.


Articuladores centrais de um grupo • a tarefa a realizar, • os vínculos interpessoais a constituir e • os papeis, as contribuições de cada integrante a estabelecer. Esses articuladores operam no processo grupal a partir de variáveis constantes de tempo, espaço e objetivo comum.


• Interesses e necessidades individuais

C

surge o espaço para gratificação ou frustração

relação com o outro, com o grupo C

É preciso encontrar o elo que as une na realização da tarefa para que possam se constituir como grupo


Definição de Grupo “Grupo é um conjunto restrito de pessoas, ligadas por constantes de tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna,que se propõe a realizar de forma explícita e implícita uma tarefa, que constitui sua finalidade, interatuando através de complexos mecanismos de assunção e atribuição de papéis” (PICHON-RIVIERE,1988,p. 20).

Enrique Pichon Rivière , nascido em Genebra, em 1907, e morreu em Buenos Aires, em 1977, foi um psiquiatra e psicanalista nascido na Suíça. Ele é um dos fundadores da Associação Psicanalítica Argentina (APA)


• Os grupos que não funcionam a partir desses critérios podem ser denominados de série, nos termos sartrianos, ou de “bandos”. • “Série” - quando as pessoas dividem o mesmo espaço, um objetivo comum, mas não há comunicação entre elas, não há uma articulação interpessoal, não há vínculo, como é o caso da fila de ônibus, da plateia do cinema.


•Os “bandos” são os agrupamentos onde as pessoas se unem pela semelhança, não havendo espaço para o diferente, para o questionamento. As regras são rígidas e as pessoas que não as cumprem são excluídas, como na dinâmica de algumas tribos urbanas.


A tarefa do grupo

A tarefa é o conjunto de ações destinadas à consecução de objetivos comuns. É a razão de ser do grupo, o motivo das pessoas estarem juntas. Essa tarefa pode ser explícita, objetiva e observável, e, também, implícita constituída pelos medos e ansiedades que emergem no processamento da tarefa explícita.


Tarefa explicita requer

processo de comunicação e entendimento.

motivo da constituição do grupo

Na falta, pode gerar

insegurança nos grupos

inquietude nas pessoas

resistência à mudança.


Tarefa explicita

... onde exatamente queremos chegar?

... somos nĂłs que devemos fazer?

... afinal, estamos fazendo tudo isso para quĂŞ mesmo?


conflitos, mitos grupais e sentiment os

Processo de comunicação

processo de resistência à mudança dimensão da subjetivida de

tarefa implícita “agenda oculta” , ideias que não são colocadas em discussão.


- não sei porque, mas este trabalho não está rendendo...

por que estamos competindo tanto?

é impossível o consenso neste grupo.. há alguma coisa no ar - não sei o que é...

só eu falo ....

em nossas reuniões conversamos de tudo e não resolvemos nada!


Tarefa implícita • O nível implícito da tarefa caracteriza-se pela existência de medos e ansiedades a serviço da resistência à mudança dos integrantes. • A evitação de conflitos, o receio da exposição, a dificuldade de enfrentamento dos obstáculos e de assumir o risco de engajar-se emocionalmente, são atitudes que reforçam e acumulam os conteúdos implícitos de um grupo.


• Apenas por uma questão didática, estamos separando a tarefa explícita da tarefa implícita, as duas dimensões estão estreitamente relacionadas, atuam juntas num processo dialético de mútua modificação. • Portanto, não é possível desenvolver grupos operativos, criativos, que utilizam as suas potencialidades, trabalhando apenas a tarefa explícita ou as duas dimensões separadamente.


A construção do vínculo O vínculo é um tipo de relacionamento de natureza complexa, pois cada integrante traz para o grupo a história pessoal permeada de experiências marcantes que configuram o seu mundo interno. O vínculo se constitui na interação estabelecida entre os integrantes de um grupo, a partir do entendimento do outro enquanto diferente, do reconhecimento da existência de necessidades comuns e complementares e da satisfação recíproca dessas necessidades através dos mecanismos de comunicação e de aprendizagem. O resultado é um processo de desenvolvimento mútuo baseado em sensibilidade e cooperação.


A construção do vínculo Para haver vínculo é preciso um processo de descentramento, de afastamento do mundo interno, do “pedestal narcísico” e um caminhar em direção ao outro, podendo senti-lo e compreendê-lo na sua integralidade. Em outras palavras, ser capaz de empatia solidária, o outro passa a ser significativo num processo de troca, de cooperação, alcançando a mútua representação interna, ou seja, um integrante é capaz de perceber o outro na sua necessidade por um processo de internalização desse outro, onde um passa a ser significativo para o outro, a ausência faz diferença no processo grupal. Quando existe o esforço e o interesse de clareamento da comunicação, os integrantes do grupo podem ser afetados mutuamente no sentido de favorecer o aprendizado e o processo de transformação pessoal e coletivo.


A construção do vínculo A existência de um vínculo frágil pode trazer algumas dificuldades para a produtividade grupal, estereotipando e até paralisando a comunicação e a tarefa. Situações reveladoras da necessidade de exame do processo vincular do grupo: individualismo acentuado; impaciência ou intolerância; desqualificação do outro; isolamento da tarefa; egocentrismo; formação de sub-grupos e competição predatória.


Os papéis que vivemos no grupo O terceiro articulador de um grupo são os papeis atribuídos e exercidos que incluem expectativas de comportamento ou de desempenho que podem ser assumidas ou não pelos integrantes. Os papéis podem ser estabelecidos formalmente, através da definição dos cargos, das funções, das posições instituídas ou, informalmente, quando emergem no acontecer do processo das relações intra grupais. Esses, muitas vezes se dão no nível implícito da tarefa.


contexto social histรณria de vida papeis processuais de um grupo

Context o vincular


Necessidade individual de assunção

Qual papel pode ser exercido Necessidade grupal de atribuição


Os papéis que vivemos no grupo • A cada papel corresponde o seu complementar, o seu par, um precisa do outro para funcionar: professorestudante; • Todo papel tem uma função e denota uma posição no grupo. • O que transforma um conjunto de pessoas em um grupo de trabalho é ter um projeto comum, uma tarefa em marcha para alcançá-lo, através da constituição de vínculos, e do exercício de papéis cooperativos, e contributivos para a produtividade grupal, definida com base nas necessidades articuladas dos integrantes.


Os papéis que vivemos no grupo É importante que o grupo represente um espaço para satisfação dessas necessidades individuais e coletivas para que se constitua como unidade, o que não implica em pensamento único, em unanimidade, mas em integração dialética das diferenças ou em convivência com elas.


Os papeis processuais Pichon-Rivière (1988)

porta voz

líder de tarefa

sabotador

bode expiatório

impostor


Os papeis processuais Pichon-Rivière (1988)

• Existe uma tendência a interpreta-los como positivos ou negativos, entretanto , possuem uma função instrumental no processo de aprendizagem e mudança em grupo. • Se os integrantes promovem o desvendamento e a compreensão dos papeis emergentes, podem obter um salto qualitativo em termos de operatividade grupal.


O porta-voz • A partir das experiências sociais com a técnica dos grupos operativos, Pichon-Rivière (1988) verificou que em alguns momentos um integrante do grupo não fala só por si, fala pelo grupo ou por parte dele. Frequentemente traz uma temática implícita, ou seja, um conteúdo grupal que todos ou muitos percebem, sentem, mas não explicitam por algum motivo e nesse momento,o integrante que fala, assume o papel de porta-voz.


O porta-voz • A Esse processo ocorre em função das características pessoais e do contexto do grupo, o integrante, no papel de porta-voz, vivencia essa temática de forma mais intensa, e, portanto, tem uma necessidade mais premente de explicita-la. • Inclui uma importante função, a de revelar o "não dito" da dinâmica das relações interpessoais, que está obstaculizando a integração e o desenvolvimento da tarefa. • Para Pichon-Rivière (1991) o doente costuma ser o porta-voz das angústias e conflitos do grupo. Inconscientemente, o grupo “elege” essa pessoa porque é insegura, característica essa que tende a deixar o indivíduo paralisado e doente (quando a natureza do papel for patológica).


Líder de tarefa Quando o porta-voz é aceito pelo grupo ele se torna um líder, que é o papel de alguém que orienta a ação, preocupando-se em igual dimensão com os resultados e com o clima interno determinado pela qualidade das interações. Existe uma relação de escuta ativa, possibilitando uma rede de comunicações e contribuições efetivas à operatividade grupal.


Bode expiatório

O porta-voz nem sempre é aceito pelo grupo, porque muitas vezes ainda não é o momento mais adequado para revelar determinados conteúdos, ou não há um grau de amadurecimento, de compreensão coletiva que possibilite ao grupo assumir uma determinada questão como própria.


Bode expiatório

Por exemplo, ocorrer condutas de resistência a algum procedimento novo de trabalho, que está sendo proposto ou implementado. Se alguém traz essa percepção à tona pode acontecer que o grupo se volte contra o “denunciador”, identificando o problema como individual, negando-o como uma realidade coletiva. O integrante que trouxe, ou que traz normalmente questões semelhantes fica no lugar do depositário dos problemas, do "problemático”.


Bode expiatório

A atenção do grupo a esse tipo de interação torna-se relevante, uma vez que, frequentemente, é muito difícil para o integrante que é colocado no papel de bode-expiatório suportar essa centralização, pois funciona como pressão, como crítica com o objetivo de mudança de comportamento. A resolução dessa situação está relacionada com a capacidade do grupo em identificar a modalidade da sua comunicação, direcionada para um único integrante, com um esforço de todos em convencê-lo,o que pode significar um processo de depositação das razões das dificuldades do grupo nesse integrante. A redução da tensão pode ocorrer se o grupo cria condições para uma reflexão, onde é possível perceber o fenômeno, a participação grupal, e cada um é capaz de assumir a parte que lhe cabe do problema, dividindo a carga e facilitando a resolução da dificuldade.


Bode expiatório

Por outro lado, pode ser que esse indivíduo permaneça no grupo, servindo como o “bobo da corte”. Portanto, é uma situação que deverá ser trabalhada pelo terapeuta.


Sabotador e impostor

É o papel oposto ao do líder, é o papel que indica a resistência à mudança, é o jogador que durante a partida joga a bola fora do campo ou coloca a perna para derrubar o adversário. Pode ser consciente ou não. O papel do grupo, nesse caso, é procurar compreender as razões que levaram o integrante a dificultar a realização da tarefa.


Sabotador e impostor

Geralmente é um papel, segundo Zimerman (2000), que é executado por pessoas invejosas e narcísicas, que procuram criar obstáculos e prejudicam o bom andamento do grupo. Para Pichon-Rivière (1991) o sabotador representa a resistência à mudança, característica esta que faz parte de qualquer processo psicoterápico, seja ele individual ou grupal.


Sabotador e impostor

A impostura é um tipo de sabotagem, em que a verbalização e alguns comportamentos aparentam adesão e afinidade com o que está sendo proposto, mas um olhar mais apurado, descobre atitudes de resistência e impedimento da tarefa.


A descrição dos papéis processuais de um grupo pode levar ao julgamento dos que são corretos e errados, entretanto, todos nós podemos eventualmente nos ver e aos outros exercendo qualquer um desses papéis durante a nossa vida. O importante é investigar a sua origem e funcionalidade em relação à tarefa, pois facilita o processo de aceitação das diferenças e a constituição dos vínculos. A compreensão dos papéis que vivemos nos grupos, nos diversos âmbitos da vida, pode proporcionar uma fonte de informação importante para o nosso processo de crescimento e desenvolvimento como sujeitos da nossa história.


Os papéis denotam a diversidade humana de um grupo, expõem as diferenças de participação. A unidade de um grupo não significa, em sentido dialético, a exclusão dos opostos. Pichon-Rivière (1988) ressalta que a diferença pode ser operativa, que quanto maior for a heterogeneidade dos integrantes de um grupo e mais homogêneo o investimento na tarefa, mais produtivo será.


Existem outros papéis propostos por outros téoricos: -Radar - aquela pessoa do grupo que capta, antes dos demais, os primeiros sinais de angústias e ansiedades do grupo. Geralmente, esses conflitos são expressos por intermédio de abandono do tratamento, somatizações e outras atuações; ou seja, de forma não verbal (ZIMERMAN, 2000). -Instigador - conforme Zimerman (2000), aquele membro do grupo que costuma fazer intrigas e que acaba perturbando o campo grupal. -Apaziguador - conhecido como “colocar pano quente”. Como afirma Zimerman (2000) é desempenhado por pessoas que apresentam dificuldades de lidar com situações tensas, ou de agressividade.


O pensar em Grupo Operativo

O estar em grupo é lançar-se numa corrente de possibilidades, para isso é importante à tolerância a ansiedade e ambiguidade, a perda de controles seguros. Objeto e sujeito tendem a coincidir e, no processo de questionamento do objeto, também o sujeito será problematizado. É imaginar, fantasiar e propor hipóteses científicas.


O pensar em Grupo Operativo O grupo cria seus objetivos e faz suas descobertas utilizando o que existe em cada ser humano em termos de experiência de vida. Cada grupo escreve a sua história, trabalha no melhor nível que pode e esse ritmo precisa ser entendido. Aprender a aprender como o resultado fundamental do processo humano nos espaços grupais operativos, pressupõe o aprender a pensar, a integrar pensamentos e sentimentos, a transformar o pensamento crítico em ação social.


O pensar em Grupo Operativo As principais dimensões dessa forma de aprendizagem em grupo são: 1. A informação é trazida fragmentada e o grupo a reconstrói e quando a apreende já é superior à original.

2. Em geral se aprende mais do que é possível pensar, demonstrar ou declarar conscientemente.


O pensar em Grupo Operativo 3.Cada um contribui com o que pode, com seu repertório de condutas e sua forma de ser. O conjunto das contribuições articuladas em relação ao objetivo é que vai produzir um novo conhecimento, uma nova possibilidade. 4. Para isso, é necessário a valorização da opinião de cada um e o reconhecimento das limitações humanas frente ao conhecido e desconhecido. A fala é um importante meio de comunicação no grupo, possui uma dupla função, paralisar ou libertar.


O pensar em Grupo Operativo • Em síntese, articular pessoas em grupo operativo para o desenvolvimento de um projeto, na perspectiva pichoniana, é possível através da regulação e aproveitamento das contribuições individuais, tendo em perspectiva a apropriação da tarefa, o desenvolvimento da rede vincular e a cooperação entre os diferentes papéis. • É pelo movimento dialético do mundo interno-mundo externo onde o eu e o outro se confrontam atravessados pelo contexto social, em um processo criador, que vai sendo configurada a estratégia da descoberta e da transformação.


tipos de lideranças •Pichon-Rivière (1991) descreve quatro tipos de lideranças: autocrática, democrática, demagógica e laissez-faire. •A liderança autocrática é, costumeiramente, executada por pessoas narcísicas, rígidas, cujos seguidores são pessoas inseguras e dependentes. •A democrática é aquele tipo de liderança considerada mais saudável, uma vez que os papéis, funções e limites estão organizados. •Já a do tipo laissez-faire caracteriza-se pela ausência de agente continente para as angústias e ansiedades. •E por fim, a liderança demagógica, que consiste na figura de um líder que prega falsas ideologias, permanecendo num discurso distante da prática.


Pichon-Rivière (2000) atenta para o fato de que o terapeuta também desempenha um papel e posição no grupo, que pode ser diferente em cada grupo que se forma. Por exemplo: um paciente emocionalmente fragilizado pode atribuir ao terapeuta o papel maternal, isto é, de uma pessoa que provê a segurança de uma mãe. Esse papel, orienta o autor, pode ser de natureza boa (maternal, paternal, etc.) ou má, nas situações em que predominam fantasias paranoides, persecutórias, etc. A tarefa do grupoterapeuta, como aponta PichonRivière (2000) e Zimerman (2000), é a de identificar e trabalhar esses papéis no grupo.


Referência bibliográfica • PICHON-RIVIÈRE, Enrique. O processo grupal. São Paulo: ed. Martins Fontes, 1988. • ZIMERMAN, D. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2000.


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