CORREIO
SEMPRE ATUAL, COM O MELHOR DO CONTEÚDO ESPÍRITA
ISSN 2176-2104
FRATERNO
ENTREVISTA
Ano 53 • Nº 495 • Setembro - Outubro 2020
Professor titular de Filosofia da Unicamp, Silvio Chibeni fala sobre a necessidade de se considerar a metodologia, a teoria e a prática de Kardec para a verdadeira compreensão do espiritismo. Páginas 4 e 5.
O abuso do
álcool
no isolamento social
U
m dos desdobramentos do isolamento social pela Covid-19 vem sendo o expressivo aumento no consumo de álcool e de outras drogas por parte da população. Segundo a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, as vendas de bebidas em distribuidoras cresceram 38% e 27% foi o que aumentou de consumo de bebidas alcoólicas nas lojas de conveniência, desde a decretação da pandemia. Na esteira desses acontecimentos, também a busca por ajuda na questão da dependência química aumentou consideravelmente nas organizações de mútua-ajuda, como Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA) O especialista em dependência química, Arnaldo Rodrigues de Camargo, faz o alerta sobre os impactos físicos, sociais e os desdobramentos espirituais sobre esta impactante realidade. Leia nas páginas 8 e 9.
Inteligência artificial Ameaça ou progresso para o espírito?
ANNA PRADO
As aventuras de Fraterninho
A médium amazonense que produziu fenômenos de raríssima Compor sonetos, criar textos, corrigir erros gramaticais, prospectar leis, sintetizar sentenças são algumas das tarefas triviais que os robôs de inteligência artificial podem realizar sem nenhum esforço. Saiba o que esta realidade significa para nós, espíritos encarnados, no esforço de nossa evolução. Leia na página 11.
ocorrência e que foram referenciados na Revista Espírita, em Paris. Página 7.
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EDITORIAL
CORREIO FRATERNO SETEMBRO - OUTUBRO 2020
Liberdade e Q
responsabilidade
uando refletimos sobre as transformações que a Covid-19 vem operando na Terra, percebemos que mais uma oportunidade de evolução e retomada de rumo está nos alertando sobre a necessidade de mudanças para que o progresso fale mais alto como lei divina, condição da natureza humana. Em termos de comunicação, estudo e trabalho, uma revolução se espreita no que se refere à liberdade e à responsabilidade. A tecnologia possibilita que as ideias sejam transmitidas livremente, independentemente de ações presenciais, numa horizontalidade que valoriza o esforço e o trabalho de cada um. O espiritismo, também assim, mesmo com os centros
espíritas fechados, vai sendo divulgado através de grupos virtuais de estudo, lives e palestras. Mas, como alerta Silvio Seno Chibeni em Entrevista, não se pode esquecer da urgente necessidade da compreensão do trabalho de Allan Kardec para que se tenha base sólida para se falar sobre espiritismo. O tema principal desta edição é preocupante: o aumento do consumo de bebidas alcoólicas na pandemia. É outro desafio que, segundo Arnaldo Camargo, deve ser encarado com seriedade, mesmo porque a dependência química toca de perto os aspectos espirituais da vida, as obsessões. Ainda tem Anna Prado, no Baú de
FALE COM O CORREIO Hospital de campanha para socorro espiritual Fiquei feliz com essa informação do Correio Fraterno, sobre a resposta do dr. Bezerra de Menezes à dona Nena Galves (edição 494). Na minha cidade de Igarapava, SP, desde minha infância, estou com 86 anos, havia um médium caridoso, Aristides Néri, que recebia, psicograficamente, receitas fitoterápicas ou homeopáticas do dr. Bezerra de Menezes, e era eu quem ia na
casa dele buscá-las. Depois, eu mesmo buscava nas cercanias as ervas para os chás curativos. Na nossa família, sempre que alguém adoece ou tem algum problema, invariavelmente recorremos, em preces, à bondade do dr. Bezerra de Menezes, sendo agraciados pela bondade do “Médico dos pobres”. Graças a Deus! Eurípedes Kuhl Muito obrigado por mandar essa publicação preciosa! Grande abraço! Rita Cirne, São Paulo, SP
memórias; um artigo especial de Ademir Xavier sobre inteligência artificial; a resposta de Alexandre Fonseca para a dúvida do leitor sobre o caráter progressivo do espiritismo; e os bastidores do portal de estudos sobre os documentos inéditos de Allan Kardec. Na Homenagem a Herminio C. Miranda, o resgate de um texto atemporal do “velho escriba” sobre os comprometimentos advindos da preguiça de pensar, “Viver é escolher”. Preparamos essa edição com o carinho de sempre e esperamos que ela chegue até você levando essa vibração amorosa e de respeito por essa parceria! Boa Leitura Equipe Correio Fraterno Direto ao ponto Excelente o artigo do escritor Umberto Fabbri (“Enfrentando a tempestade”, edição 492). Citações muito pertinentes e leitura apropriada para o momento em que vivemos. Célio Alan, Belo Horizonte, MG Parabéns, caro Umberto Fabbri. Muito oportunas as reflexões para o momento de transição que a humanidade terrena passa. Dirceu Lüttke, São Paulo, SP Espiritismo com talento, humor e muito riso Ficou muito bacana essa entrevista (com Fábio de Luca, do Amigos da Luz, edição 494). Parabéns! Alexandre Caroli, Belo Horizonte, MG
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FRATERNO ISSN 2176-2104 Editora Espírita Correio Fraterno CNPJ 48.128.664/0001-67 Inscr. Estadual: 635.088.381.118
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Uma ética para a imprensa escrita Em dois artigos, escritos por Allan Kardec e publicados na Revista Espírita, em 1858, estão encerradas as diretrizes que o Correio Fraterno adota como norte para o trabalho de divulgação: • A apreciação razoável dos fatos, e de suas consequências. • Acolhimento de todas observações a nós endereçadas, levantando dúvidas e esclarecendo pontos obscuros. • Discussão, porém não disputa. As inconveniências de linguagem jamais tiveram boas razões aos olhos de pessoas sensatas. • A história da doutrina espírita, de alguma forma, é a do espírito humano. O estudo dessas fontes nos fornecerá uma mina inesgotável de observações, sobre fatos gerais pouco conhecidos. • Os princípios da doutrina são os decorrentes do próprio ensinamento dos Espíritos. Não será, então, uma teoria pessoal que exporemos. • Não responderemos aos ataques dirigidos contra o Espiritismo, contra seus partidários e mesmo contra nós. Aliás, nos absteremos das polêmicas que podem degenerar em personalismo. Discutiremos os princípios que professamos. • Confessaremos nossa insuficiência sobre todos os pontos aos quais não nos for possível responder. Longe de repelir as objeções e as perguntas, nós as solicitamos. Serão um meio de esclarecimento. • Se emitirmos nosso ponto de vista, isso não é senão uma opinião individual que não pretenderemos impor a ninguém. Nós a entregaremos à discussão e estaremos prontos para renunciá-la, se nosso erro for demonstrado. Esta publicação tem como finalidade oferecer um meio de comunicação a todos que se interessam por essas questões. E ligar, por um laço comum, os que compreendem a doutrina espírita sob seu verdadeiro ponto de vista moral: a prática do bem e a caridade do evangelho para com todos.
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Manuscritos de Kardec acessíveis para pesquisa Por IZABEL VITUSSO
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ançada no mês de setembro pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, a plataforma digital do projeto Allan Kardec tem tudo para ser um divisor de águas no acesso a fontes primárias de pesquisas sobre o codificador e sobre o espiritismo. No dia do lançamento, o portal já disponibilizava 50 manuscritos inéditos, coletados pelo pesquisador brasileiro Silvino Canuto de Abreu (1892-1980) em suas viagens pela França no século 20. Todo esse material, fisicamente falando, está sob a tutela do Centro de Documentação e Obras Raras da Fundação Espírita André Luiz, em Guarulhos-SP. Assim como esses documentos, centenas de manuscritos de Kardec ainda se encontram dispersos em instituições e em acervos pessoais pelo mundo, explica o professor Klaus Chaves Alberto, um dos coordenadores do Projeto Allan Kardec, juntamente com os professores Alexander Moreira de Almeida e Ely Mattos, que desenvolveu a plataforma. Com o portal, a UFJF cria a oportunidade do acesso a fontes primárias de pesquisa que estão dispersas fisicamente, mas que poderão enriquecer o trabalho de pesquisadores e o conhecimento do público em geral sobre as bases históricas da codificação.
Além da UFJF, a iniciativa reúne pesquisadores também do ITA, da Unicamp, do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais e inúmeros colaboradores. Cada manuscrito terá a imagem digitalizada e sua versão em texto no francês e português. O material será continuamente disponibilizado à medida que novos documentos forem chegando, através de instituições ou pessoas que detenham documentos relevantes e se sensibilizem para compartilhar. Segundo o professor Klaus, grande número de manuscritos que estão no Museu AKOL – Museu Allan Kardec Online, já estão sendo digitalizados para em breve estarem liberados para consulta. O professor Klaus acredita no impacto acadêmico do portal do Projeto Allan Kardec, que é inspirado em outros dois projetos bem-sucedidos: o “The Newton Project”, da Universidade de Oxford, que, além de textos científicos, disponibiliza dezenas de conteúdos religiosos escritos por Isaac Newton; e o “Darwin Correspondence Project”, da Universidade de Cambridge, que apresenta a correspondência de Charles Darwin, além de textos sobre diversos estudos e temas, incluindo muitos deles sobre ciência e religião. Uma outra função do Portal é a disponibilização das referências de estudos
acadêmicos sobre Allan Kardec, explica o professor. “Espera-se que, com essa iniciativa, a UFJF, por meio do Projeto Allan Kardec, se torne uma referência obrigatória para os estudos na área”. Segundo Klaus, ainda não foram disponibilizados links para os livros e outras obras citadas nos manuscritos, o que será feito futuramente. “Kardec é muito conhecido no Brasil por esse viés religioso. Existe um crescente número de estudos acadêmicos no Brasil e no exterior, em diversas áreas do conhecimento, que abordam sua vida, suas obras ou mesmo o contexto de suas investigações no século 19”, enfatiza Klaus. Para acessar: http://projetokardec.ufjf.br
SAIBA MAIS • Itens do material do acervo digital poderão ser compartilhados, desde que mencionados os titulares dos direitos autorais e a URL da parte selecionada. • Para distribuição, publicação e comercialização de qualquer conteúdo da plataforma em outros veículos, impresso ou digital, será necessária a autorização prévia dos responsáveis. • Para facilitar a contextualização da leitura dos documentos, verbetes biográficos dos correspondentes de Allan Kardec estão sendo preparados pela equipe do desenvolvimento do projeto.
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ENTREVISTA
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A teoria, o método e a prática de
Allan Kardec Por ELIANA HADDAD
Você coordena o Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp. Como nasceu esse projeto? Silvio Chabeni: O grupo se formou no final de 1979, informalmente, e permanece assim até hoje. Não é um grupo da universidade; apenas se reúne para estudos espíritas, em horário de almoço e em espaços ociosos, para não interferir nas atividades oficiais da instituição. As reuniões são abertas à participação de pessoas externas à universidade e visam à análise cuidadosa de textos espíritas ou relacionados ao espiritismo. Desde o início, a ênfase tem sido nas obras de Allan Kardec.1 Quais as maiores dificuldades enfrentadas hoje para o estudo do espiritismo? Há um problema mais geral, que é a falta de formação e hábito de estudo das pessoas, decorrente do baixo nível educacional e cultural da sociedade brasileira. Isso afeta não somente estudos do espiritismo, mas também de qualquer outra área. No âmbito especificamente espírita, a dificuldade principal liga-se à perda de referência da abordagem metodológica, teórica e prática adotada por Allan Kardec. Refiro-me à perda efetiva de contato, não a meras menções a ele, sem a devida profundidade. Kardec hoje funciona mais como um ícone, uma marca, do que como uma referência intelectual sólida e não igualada por ninguém, desde sua época. Como analisar o tríplice aspecto da doutrina espírita? Já escrevi especificamente sobre o assunto no artigo “O Espiritismo em seu tríplice aspecto: científico, filosófico e religioso” (Reformador, agosto 2003, pp. 315-319, setembro 2003, pp. 356-359, outubro 2003, pp. 397-399). Embora esse texto já esteja, aos meus próprios olhos, um tanto envelhecido, depois de mais estudos e amadurecimento, ainda contém, penso, o prin-
Silvio Chibeni: Em defesa do estudo sério do espiritismo para não desacreditar Kardec por amadorismo e falta de rigor em propostas mal fundamentadas
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estre em física, doutor em lógica e filosofia da ciência, com pós-doutoramento na Universidade de Paris VII, Silvio Seno Chibeni é professor titular do Departamento de Filosofia da Unicamp. Ajudou a fundar, há cerca de 40 anos, um grupo de estudos que se reúne semanalmente na Universidade para estudar textos espíritas. Atento à necessidade de se considerar a metodologia, a teoria e a prática adotada por Allan Kardec, Chibeni afirma que vários dos desvios da essência do espiritismo poderiam ser evitados com a valorização do estudo da Revista Espírita, como fonte de pesquisa para melhor compreensão do surgimento e desenvolvimento do espiritismo, no século 19, em Paris.
cipal que teria a dizer sobre a questão. Parece-me importante enfatizar que Kardec não pensou o espiritismo nos termos dessa caracterização. Ele o formulou como uma “filosofia espiritualista”, conforme destaca a frase que encima a folha de rosto da segunda edição de O livro dos espíritos. Com isso, não quis escolher um dos membros da distinção tripartite que costumamos fazer hoje, por nossa conta e risco. Para entender bem isso, é preciso remontarmos ao contexto da época e examinar cuidadosamente as suas próprias análises da questão, que se podem encontrar em diversas de suas obras, sintetizadas no capítulo inicial de A gênese, intitulado “O caráter da revelação espírita”. Deve-se notar que, sob certa perspectiva
mais específica, Kardec considerou o espiritismo como a “ciência espírita”, como fica explícito em inúmeros textos seus, especialmente em O que é o espiritismo. Isso não significa que tenha escolhido um dos aspectos da distinção posteriormente introduzida por nós. Estudando e refletindo sobre o assunto, considero hoje mais adequado abandonarmos tal distinção. Ela não apenas não reflete bem o que Kardec propôs, como também tem levado a discussões e cismas lamentáveis entre espíritas, desde a morte de Kardec até nossos dias. Por que a ciência não admite a existência do espírito? A ciência, enquanto instituição, não pro-
põe nem rejeita a existência do Espírito (no sentido espírita do termo, que Kardec marcou usando iniciais maiúsculas) simplesmente porque estudar essa questão não está em seu escopo, nem deve estar. Esse ponto foi explicitamente abordado e explicado por Kardec, no item 7 da introdução da segunda edição de O livro dos espíritos (1860) e, com ainda mais detalhes, em O que é o espiritismo, décima quinta resposta ao Crítico (cap. I, Primeiro diálogo). Também no Segundo diálogo, com o Cético, Kardec trata do assunto: “As ciências ordinárias repousam sobre as propriedades da matéria, que se pode, à vontade, manipular; os fenômenos que ela produz têm por agentes forças materiais. Os do Espiritismo têm, como agentes, inteligências que possuem independência, livre-arbítrio e não estão sujeitas aos nossos caprichos; por isso eles escapam aos nossos processos de laboratório e aos nossos cálculos, e, desde então, ficam fora dos domínios da Ciência propriamente dita.” Sobre o assunto, recomendaria a leitura de artigos do professor Aécio Pereira Chagas, publicados ao longo de anos no Reformador e na Revista Internacional de Espiritismo; alguns deles encontram-se reproduzidos no site do GEEU (www.geeu.net.br). Como preservar a continuidade do espiritismo em sua essência, segundo Kardec? Revalorizando-se a obra de Allan Kardec, tomando-a como diretriz efetiva não apenas para a compreensão das bases já firmadas por ele, mas sobretudo para o prosseguimento dos estudos e pesquisas espíritas, e para a conformação de uma didática para sua transmissão para iniciantes. Nesse empreendimento é essencial compreendermos como Kardec trabalhava, e não apenas ver o resultado desse trabalho. Para isso temos a sorte de contar com a Revista Espírita. O estudo da Revista tem sido subestimado no meio espírita, em todos os tempos e luga-
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res. Várias das dificuldades que têm estorvado a continuidade do espiritismo “em sua essência” poderiam ser evitadas com a revalorização dessa fonte primária, fundamental para a formação de qualquer espírita. Kardec estaria ultrapassado diante das descobertas científicas após o século 19? Esse de nenhum modo é o caso. Kardec reconheceu a especificidade do campo de estudos do espiritismo e sua autonomia relativamente ao que ele chamava de “ciências ordinárias”, para distingui-las da ciência espírita. Foi essa independência, cuidadosamente observada por Kardec na elaboração do espiritismo, que lhe garantiu a preservação frente às muitas alterações sofridas pelas ciências acadêmicas desde aquela época até hoje. Vejo com preocupação a atitude
ENTREVISTA interpretado como uma mescla descuidada de espiritismo com ciência e outras áreas acadêmicas. Nos trabalhos a que me estou referindo, cada um dos âmbitos tem sua autonomia preservada, notando-se um salutar respeito mútuo, com ausência de qualquer tendência de “conversão” para ou contra o espiritismo. Quanto aos temas explorados, noto que há, como aliás sugeriu Kardec, uma concentração nas áreas fronteiriças entre o espiritismo e a ciência ou, mais geralmente, disciplinas acadêmicas, como por exemplo a literatura, a música, a história, a pedagogia, a filosofia, a psicologia e a psiquiatria. São, portanto, disciplinas que tratam do espírito no sentido filosófico do termo, ou seja, do ser humano enquanto ser pensante, com sentimentos, paixões, ideias e ideais. São áreas em que os lados podem aprender um com o outro. A observação desse ponto permite
É essencial compreendermos como Kardec trabalhava, e não apenas ver o resultado desse trabalho. Para isso temos a sorte de contar com a Revista Espírita” de pessoas que, ignorando ou desprezando essa sábia distinção, pretendem forçar a aproximação do espiritismo às atuais teorias científicas, especialmente as da física. É, como também notou Kardec, o caminho mais fácil para desacreditá-lo, dado o amadorismo e falta de rigor com que em geral essas propostas são feitas. Qual sua opinião sobre as teses espíritas defendidas no meio acadêmico? Esse é um fenômeno cultural relativamente recente e bastante auspicioso. Acompanhei, por vezes diretamente, a origem e desenvolvimento de vários desses trabalhos. Posso dizer sem hesitar que representam um esforço importante de compreensão do espiritismo a partir de um referencial independente. Os melhores desses trabalhos – dissertações, teses, alguns livros e artigos, a formação grupos de pesquisa, com intercâmbio interdisciplinar e internacional – começaram a recolocar, embora tardiamente, o espiritismo na esfera dos estudos acadêmicos. Isso não deve ser
um contraste com as disciplinas tipicamente voltadas ao estudo da matéria inanimada, como a física, a química e a biologia, em que nenhum contato frutífero existe nem deve ser procurado, ao menos a curto e médio prazos, como nos alertou Kardec nas obras já mencionadas. Como Kardec também observou, profissionais dessas áreas podem, naturalmente, se interessar pelo espiritismo, estudá-lo, discuti-lo, abstração feita de sua condição de cientistas. Um exemplo que merece nossa atenção seria o já mencionado professor Aécio Chagas, professor titular de química da Unicamp, e que soube, como poucos, contribuir de forma relevante quer para a química e sua divulgação, quer para os estudos espíritas, sem nunca ter forçado pontes duvidosas entre os dois domínios. Como você, como pesquisador e acadêmico, analisa a obra de Kardec? Justamente levando em conta o que acabo de propor, não cabe a mim, enquanto acadêmico profissional das áreas de filosofia e
física, opinar sobre a obra de Kardec. Pessoalmente, e aproveitando meus conhecimentos acadêmicos, estudo essa obra com muito interesse desde que aprendi a ler. Destacaria aqui a importância que teve para mim o contato com a Revista Espírita, especialmente quando seus originais franceses se tornaram acessíveis. O exame crítico dos bastidores da obra de Kardec e suas múltiplas atividades práticas e de pesquisa no desenvolvimento da teoria espírita foi, para mim, um verdadeiro divisor de águas. Pude perceber, entre outras coisas, como o exemplo dele, como pesquisador e como pessoa humana, está longe de ser seguido de forma geral e consistente no movimento espírita. Como vê o futuro do espiritismo no Brasil e no mundo? Vejo-o sob perspectivas contrastantes. Por um lado, há entraves enraizados na mentalidade de porção majoritária de espíritas e suas instituições, em decorrência da limitada assimilação efetiva do legado de Kardec. Mais grave ainda é o fato de que há pouca consciência disso e, em consequência, poucos esforços de superação, em que pese a boa vontade da generalidade dos espíritas, mesmo quando a solução está tão ao nosso alcance. Por outro lado, há iniciativas animadoras, tanto as de análise acadêmica de temas espíritas na fronteira com as disciplinas acadêmicas, como as mencionadas anteriormente, como de estudo e valorização do referido legado, considerado não apenas em sua superfície mais conhecida, mas principalmente como estratégia excelente de exploração racional e experimental da realidade espiritual do ser humano. Faz bastante tempo publiquei um artigo intitulado “O paradigma espírita” (Reformador, junho de 1994), em que aproveitei uma das mais importantes análises contemporâneas da ciência, a do filósofo Thomas Kuhn, para sugerir que a obra de Kardec poderia e deveria funcionar para os espíritas como um “paradigma”, ou seja, um exemplo de empreendimento de pesquisa a ser seguido. À época não me era inteiramente claro, porém, que a adoção desse paradigma é algo ainda a ser efetivamente feito, numa escala mais geral e de forma mais profunda. Nesse referencial de análise, o futuro do espiritismo – que está em nossas mãos – dependerá essencialmente de como a percepção desse ponto puder ser ampliada, a partir dos poucos bons exemplos que, felizmente, começam a surgir no meio espírita. Informações sobre o Grupo de Estudos e publicações de artigos podem ser acessadas em: www.geeu.net.br 1
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LIVROS & CIA. FEB Editora Telefone: 61 3550-8610 www.febeditora.com.br Parnaso de além-túmulo de espíritos diversos psicografia de Francisco Cândido Xavier 744 páginas 16x23 cm
Casa Editora O Clarim Telefone: 16 3382-1066 www.oclarim.com.br Cristianismo: a mensagem esquecida de Herminio C. Miranda 416 páginas 16x23 cm
Correio Fraterno Telefone: 17 3524-9800 www.correiofraterno.com.br/livros A mansão Renoir de Alfredo (espírito) psicografia de Dolores Bacelar 400 páginas 16x23 cm
Editora Academia Telefone: 11 3087-8848 www.planetadelivros.com.br O tempo do autoencontro de Rossandro Klinjey 256 páginas 16x23 cm
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LEITURA
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Retrato de amor e superação Por SÔNIA KASSE
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perda de um ente querido causa muita dor e sofrimento. A morte, inesperada ou não, pode causar problemas emocionais gravíssimos aos familiares, que necessitarão de ajuda apropriada para amenizar a dor da perda. Cada um reage de maneira diferente ao luto, por isso, precisamos aceitar o tempo e como cada pessoa lida com o sofrimento causado. A orientação consoladora pode ser obtida nas leituras e reuniões espíritas. A autora Juliana Ferezin Heck descreve com profunda emoção a trajetória de dor sofrida com a perda de sua filha primogênita Helena, narrada em seu livro O perfume de Helena, publicado pela
editora Correio Fraterno. A autora continua sua narrativa, agora, no livro As cores de Alice, da mesma editora. Nessa obra ela conta sua história e a de seu marido na continuidade do luto, tristezas, dores, angústia, aflição que se prolongam. Na luta constante para continuar a vida, sem a presença de sua amada filhinha Helena, os princípios do espiritismo se fazem presentes na vida do casal: a imortalidade da alma, a possibilidade de se comunicar com os mortos e a reencarnação abrandam seus corações e trazem um grande alento. A morte, nada mais é que a finalização de mais um ciclo, uma passagem para outra dimensão, e
aceitar que sua primogênita estaria feliz e em um corpo saudável trouxe conforto. O casal se empenha em ter outro filho e o nascimento de Alice faz renascer a alegria na vida da família. Leitura recomendada a todas as pessoas e em especial às famílias que passaram ou estão passando por situação semelhante à da autora. Encontrarão mensagens de esperança, alegria, fé e muito amor e a certeza de que o conhecimento da realidade espiritual ajudará a aceitar as provações a que estamos sujeitos, consequências de nossos atos em vidas passadas. As cores de Alice traduz a paz encontrada após a tormenta. Ótima leitura.
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BAÚ DE MEMÓRIAS
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O BAÚ DE MEMÓRIAS PODE SER FEITO POR VOCÊ! Envie para nós um fato marcante sobre o espiritismo em sua cidade. Ele pode ser publicado aqui nesta seção e em nossas redes sociais. E-mail: redacao@correiofraterno.com.br.
Anna Prado
e sua excepcional mediunidade Por SAMUEL NUNES MAGALHÃES
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prontada a codificação do espiritismo, a ciência oficial seria chamada a lhe examinar os fenômenos, concluindo pela existência da alma e sua imortalidade. William Crookes, o notável sábio inglês, à frente de ilustres cientistas, realizou vastíssimo estudo em torno dos fatos espíritas, dando início ao período clássico das investigações científicas do espiritismo1. Valendo-se de sensitivos do porte de Eusápia Paladino, Florence Cook, Daniel Home, Linda Gazzera, Katherine Fox, Marthe Béraud, Elizabeth d’Esperance, tomaram parte nessa elevada empreita, ao longo de meio século, William Crookes, Charles Richet, Gabriel Delanne, Albert de Rochas, Friedrich Zöllner, Ernesto Bozzano, Alexander Aksakof... As manifestações dessa natureza, naquele período, não ficariam circunscritas a países europeus; a mediunidade avolumara-se em todos os quadrantes; vivíamos um novo, admirável e transformador Pentecostes. Anna Rebello Prado, a grande médium amazonense, seria a pioneira desses eventos no Brasil. Portadora de excepcional mediunidade, comparável a dos maiores médiuns da história, colaborou, de modo efetivo, para a difusão do Espiritismo. Produzindo fenômenos de raríssima ocorrência e grande impacto naqueles que os assistiram – médicos, advogados, escritores, jornalistas, políticos, diplomatas, estudiosos do assunto e pessoas comuns – viu seus feitos mediúnicos serem apresentados, estudados e discutidos dentro e fora dos círculos espiritistas brasileiros, alcançando larga repercussão, inclusive, para além das nossas fronteiras, sendo noticiados na Revue Spirite, de Allan Kardec, em Paris, França; Psychische Studien, de Leipzig, Alemanha; e divulgados pelo Institut Métapsychique International, do qual eram sócios Charles Richet, Gustav Geley, Eugene Osty, Ernesto Bozzano, Camille Flammarion. Além dessas citações, todas importantes, Gabriel Delanne confere especial relevo às suas experiências, em sua obra A reencarnação.
Foto da Anna Prado – Processo de desmaterialização. A parte inferior das pernas da médium e de seu vestido está transparente, permitindo que se vejam as armações de madeira da cadeira. Seu ombro e seu rosto, também em processo de desmaterialização, permitem que se veja a madeira e a palhinha da cadeira em que a médium está sentada. No chão, nuvens de ectoplasma. Foto original cedida pela sua sobrinha, sra. Ana Augusta Nina Corrêa
A multiplicidade de fenômenos que prodigalizava – tiptologia, efeitos luminosos, sonambulismo, materializações, escrita direta, transportes, levitação, psicofonia sonambúlica, moldagens em parafina etc – é sem dúvida a principal característica de sua mediunidade. Fotografias registraram o seu corpo parcialmente desmaterializado – uma das mais incomuns manifestações medianímicas, e captaram a presença de vários ‘fantasmas’ à sua volta.
Médicos do Além, materializados por meio de suas faculdades, realizaram várias intervenções cirúrgicas, sem o uso de anestésicos, e manuseando pinças, bisturis e tesouras, cujos pacientes disseram sentir apenas leve incômodo durante o processo operatório; dentre esses pacientes, a própria Anna Prado. Em estado sonambúlico, descreveu fatos que se davam a centenas de quilômetros, os quais depois foram confirmados por carta vinda de Parintins, Amazonas. Via e ouvia os espíritos com meridiana
clareza, desdobrava-se com grande facilidade, produzindo com frequência fenômenos de levitação, transporte, voz direta e escrita direta. Seus abundantes fluidos ectoplásmicos – registram diversas atas daquelas memoráveis sessões – propiciavam a materialização de mais de um espírito ao mesmo tempo, atestando a grande força de seus poderes paranormais, dando-se, ainda, e com frequência, o uso simultâneo dos seus recursos psicofônicos, para instruções sobre os trabalhos em andamento. Testemunhos desses fenômenos, em especial, das materializações, remanescem fotografias originais, moldes de pés e mãos humanas, flores e outros objetos em parafina, além das atas registradas em cartórios de Belém, no Pará. Anna Prado, de fato, possuía prodigiosos dotes mediúnicos. Francisco Cândido Xavier, com sua palavra abalizada, disse, a seu respeito, no programa Pinga-Fogo, de 28 de julho de 1971, da TV Tupi, São Paulo: “A médium Anna Prado, em Belém do Pará, foi responsável por fenômenos de materialização dos mais legítimos”. E o livro Instruções psicofônicas, publicado pela Editora FEB, traz uma mensagem de Anna Prado, “Observação oportuna” – recebida pelo médium mineiro, em 24 de fevereiro de 1955. Anna Rebello Prado, sem favor algum, integra a galeria dos grandes médiuns da história do Espiritismo. Os fenômenos que protagonizou, em cinco anos de trabalhos e sacrifícios, ecoam como divino hino à existência da alma e sua imortalidade. E sua atuação fala-nos da elevada missão da Terra do Cruzeiro, o nosso Brasil. 1 Investigações da ciência materialista, iniciadas por volta de 1870. William Crookes observou os fenômenos produzidos por Kate Fox, Florence Cook, Eusápia Paladino e Daniel D. Home.
Samuel Magalhães é dedicado à preservação da memória espírita, autor de Charles Richet: o apóstolo da ciência e o espiritismo e Anna Prado: a mulher que falava com os mortos (FEB). Ambos os trabalhos se relacionam com o espiritismo no Pará e no Amazonas, no período em que a região tinha ligação direta com a Europa do século 19, pelo ciclo da borracha.
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ESPECIAL
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ÁLCOOL
Mitos e verdades em tempos de coronavírus Por ARNALDO DIVO RODRIGUES DE CAMARGO
Consciência é a parte da psique que se dissolve em álcool. H. D. Lasswell
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oisas ruins e boas continuam acontecendo no Brasil, enquanto estamos vivendo e sendo surpreendidos pela pandemia do coronavírus. O isolamento social atualmente vigente em razão das medidas necessárias à contenção do coronavírus, com bares e outros estabelecimentos comerciais fechados e muitas pessoas passando mais tempo em casa, vem sendo acompanhado de um aumento expressivo no consumo de álcool e de outras drogas por parte da população. Conforme pesquisa da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), houve uma alta de 38% nas vendas em distribuidoras de bebidas e de 27% nas lojas de conveniência desde a decretação da pandemia. Isso se reflete no aumento de busca por ajuda, conforme apontam as organizações de mútua-ajuda como Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA) e também as reuniões de recuperação, em um novo modelo (online), que cresceram expressivamente no Brasil. Ainda segundo o AA, também aumentaram
os pedidos de informação por e-mail, que passaram de cinco, em média por dia, para 12,5. Os impactos do consumo excessivo de álcool, considerando os efeitos no sistema imunológico e na saúde física e mental dos indivíduos, levaram a Organização Mundial de Saúde (OMS) a recomendar que os países limitem a venda de bebidas alcoólicas durante a pandemia da Covid-19, orientação que não foi seguida pelo Brasil (fora fechamento de bares e demais estabelecimentos comerciais em razão do isolamento). Um dos desdobramentos desse consumo se reflete no acréscimo de casos de violência doméstica. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) realizou levantamento, no qual, embora seja observada uma diminuição nos registros de boletins de ocorrência de casos de violência doméstica, o número de mortes de feminicídio aumentou. Importante também lembrar e desmistificar: o consumo de álcool não protege de forma alguma contra a Covid-19 nem previne que você seja infectado pelo vírus. Há relatos de que já houve em alguns países mortes relacionadas à ingestão de diversos produtos alcoólicos (inclusive detergentes e produtos de limpeza) em função da pandemia, com base na crença equivocada de que eles, de alguma forma, oferecem proteção contra o vírus.
Álcool, mulheres e envelhecimento
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esquisa elaborada pelo departamento de psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo alerta que mulheres estão bebendo mais do que os homens ou tanto quanto eles. Reportagens sobre a questão do álcool mostram que mulheres, tanto sozinhas quanto acompanhadas de parceiros ou amigas, afirmam que a bebida alcóolica as deixa mais à vontade, desinibidas e relaxadas. Muitas ainda dizem preferir bebidas mais fortes, evocando a igualdade de direitos para homens e mulheres. As mulheres estão mais libertas das amarras das opressões sociais. Estão sendo mais felizes? Em décadas anteriores, para cada sete homens que bebiam encontrava-se apenas uma mulher; hoje a média está em torno de 1,5 homens para uma mulher. Existe outro ponto importante que talvez muitos ainda não tenham se dado conta. Beber demais causa envelhecimento precoce. De acordo com estudos dos pesquisadores da Universidade de Milão, também apresentados na conferência anual da Associação Americana de Pesquisa do Câncer, a bebida acelera o processo natural de envelhecimento das células e pode também aumentar as chances de desenvolvimento de câncer.
O grego Hipócrates (460 a.C.377 a.C.) foi o mais célebre médico da Antiguidade e o iniciador da observação clínica, considerado o Pai da Medicina. A escola de Hipócrates ensinava além dos princípios da Medicina, as relações pessoais adequadas entre médico e paciente. Antes de Hipócrates o exercício da Medicina estava nas mãos dos sacerdotes de Esculápio, o deus grego e romano da cura. Via-se a doença como o resultado da zanga dos deuses com os homens. Hipócrates procurava explicação das doenças no mundo que os cercava e não nos caprichos dos deuses. Ensinava que o médico deve observar cuidadosamente o paciente e registrar os sintomas da doença, dando atenção ao aspecto dos olhos e da pele, à temperatura do corpo, ao apetite e à eliminação dos resíduos. Considerou que as doenças resultavam do desequilíbrio entre o que denominou Doutrina dos quatro humores: o sangue, a fleuma (estado de espírito), a bílis (amarela) e a atrabile (bílis negra). Para ele, todo corpo traz em si os elementos para a sua recuperação. Mas o Também conhecimento do corpo só é possível a partir do conhecimento do homem como um todo. Uma de suas principais defesas é de que existem pessoas que não podem ser curadas porque não querem abandonar o que as adoeceu. Daí a sugestão de se perguntar primeiro ao doente se ele quer mesmo se curar.
ESPECIAL O risco da dependência química Outro dado interessante que as pesquisas apontam é que quanto maior o grau de instrução, maior o consumo de bebida alcoólica. Hipócrates (460 -377 a.C.), considerado o Pai da Medicina, o mais célebre médico da Antiguidade e o iniciador da observação clínica, afirmava: “Antes de curar alguém, pergunte-lhe se está disposto a desistir das coisas que o fizeram adoecer”. É muito triste quando alguém fica com apenas uma
difícil é vigiar a si mesmo, afinal somos o inimigo mais perigoso que podemos encontrar pela frente, em função ainda das nossas más tendências e imperfeições. Ninguém nasce perfeito e sabemos que há uma escalada evolutiva para se atingir a perfeição. Pode-se até dizer: “Ah, mas Jesus era perfeito”. Isso só foi possível porque ele também fez a sua escalada em milênios, em outros mundos; ele era um ser “extraterrestre” para nós. Somos todos seres ainda imperfeitos, mas criados com todas as potencialidades do Bem, destinados à perfectibilidade estabelecida por Deus. A nossa finalidade é viver diversas experiências para que possamos desenvolver o conhecimento e o amor para que nos conscientizemos de todas oportunidades de descobrirmos a beleza e a misericórdia do maior desígnio de Deus: a felicidade de todos. Arnaldo Divo Rodrigues de Camargo é diretor da Editora EME, bacharel em direito, com especialização em dependência química pela USP/SP-GREA.
O perigo da fascinação
ideia na cabeça – a ideia de beber, porque nada mais lhe dá prazer. E aqui há de se considerar as influências espirituais, lembrando-se que a mais difícil obsessão de ser tratada é a fascinação (veja quadro), motivo que justifica plenamente o médico grego ter aconselhado perguntar se a pessoa deseja se curar. A verdade é que, pelas mais recentes estatísticas, para cada dez pessoas que consomem álcool, uma vai se tornar dependente química dele. É claro que, quando toda a sociedade abusa do consumo de álcool, mais esse número cresce. E sabe-se que a dependência química é uma doença física (a compulsão no organismo e a síndrome de abstinência) e psíquica (a ideação de uso, ou seja, a obsessão pelo consumo). Muitos desconhecem os efeitos nocivos do álcool no organismo e na mente. Há psicólogos, médicos e professores recebendo tratamento clínico por que, mesmo sabendo, não acreditaram nos perigos do alcoolismo. É bem fácil pedir a Deus para nos livrar das tentações,
Em O livro dos médiuns, o problema da obsessão é explorado em seus detalhes, mostrando-se como se dá esse controle que alguns Espíritos exercem sobre certas pessoas. “Nunca é praticada senão pelos Espíritos inferiores, que procuram dominar. “Os bons Espíritos nenhum constrangimento infligem”, já logo inicia Kardec no item 237, em capítulo especial da obra sobre o assunto. “Os bons aconselham, combatem a influência dos maus e, se não os ouvem, retiram-se. Os maus, ao contrário, se agarram àqueles de quem podem fazer suas presas. Se chegam a dominar algum, identificam-se com o Espírito deste e o conduzem como se fora verdadeira criança”, explica. A obsessão apresenta caracteres diversos, cujas principais variedades são: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação. Conforme alerta Kardec no item 239, a fascinação tem consequências muito mais graves. É uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio. O fascinado não acredita que o estejam enganando: o Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste. (...) Muito mais graves são as consequências da fascinação. Efetivamente, graças à ilusão que dela decorre, o Espírito conduz o indivíduo de quem ele chegou a apoderar-se, como faria com um cego, e pode levá-lo a aceitar as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a única expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações ridículas, comprometedoras e até perigosas. Para chegar a tais fins, é preciso que o Espírito seja destro, ardiloso e profundamente hipócrita, (...) Por isso mesmo, o que o fascinador mais teme são as pessoas que veem claro. Daí o consistir a sua tática, quase sempre, em inspirar ao seu intérprete o afastamento de quem quer que lhe possa abrir os olhos. Por esse meio, evitando toda contradição, fica certo de ter razão sempre. (Allan Kardec, O livro dos médiuns)
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Fatos e fakes Pesquisas de especialistas em saúde, coordenadas pela Organização Mundial da Saúde – OMS1 apuraram alguns mitos sobre o consumo de álcool e a Covid-19, tais como:
O consumo de álcool destrói o coronavírus Fato: O consumo de álcool não destrói o vírus que causa a Covid-19 e provavelmente aumenta os riscos para a saúde se a pessoa contrair o vírus. O álcool (a uma concentração de pelo menos 60% por volume) funciona como um desinfetante para a pele, mas não tem esse efeito dentro do seu organismo quando ingerido.
Bebida alcoólica forte mata o vírus inalado no ar Fato: O consumo de álcool não mata o vírus inalado no ar, não desinfeta a sua boca e garganta nem oferece nenhum tipo de proteção contra a Covid-19.
O álcool estimula a imunidade e a resistência ao vírus Fato: O álcool tem um efeito nocivo sobre o sistema imunológico e não estimula a imunidade nem a resistência ao vírus. O que sabemos é que o álcool afeta, tanto a curto como a longo prazo, quase todos os órgãos do corpo, e seu uso excessivo debilita o sistema imunológico, reduzindo sua capacidade de enfrentar doenças infecciosas. De modo geral, as evidências indicam que não existe um “limite seguro” de consumo. Realmente, o risco de danos à saúde aumenta com cada unidade de álcool consumida e pesquisas indicam que, mesmo em quantidades muito pequenas de consumo, ele é causador de certos tipos de câncer. Também se sabe que o seu uso excessivo aumenta o risco da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), uma das complicações mais graves da Covid-19. https://www.uniad.org.br/wp. Com bases em documento elaborado por Maria Neufeld, consultora do Escritório Europeu da OMS. 1
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FOI ASSIM
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Prenda-me, se for capaz Por RAMIRO GAMA
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ezerra de Menezes, quando encarnado, exercia a função de doutrinador em sessões realizadas no Grupo Espírita Ismael, com especial habilidade para sair-se bem de situações embaraçosas que espíritos travessos e gozadores costumavam lhe preparar, com o intuito de testar-lhe a fé e a paciência. Certa feita, depois de dialogar um certo tempo, em vão, com um espírito insensível, ele advertiu-o, firme, embora sereno: – Você precisa é de prisão e não de conselhos. E, virando-se para os companheiros concentrados à volta da mesa, enfatizou: – Chamem a polícia... O blefe deu resultado. O espírito, assus-
tado, desincorporou-se, às pressas, e se foi. Mas, em seguida, um outro, pelo mesmo médium, destemido, desafiou-o: – Chame, então, para mim a polícia e prenda-me... Vamos... Bezerra, com a mesma firmeza e tranquilidade, respondeu: – Aquele, que o antecedeu, precisava de prisão, de um corretivo policial, mas você, meu filho, precisa de prece. Oraram, então, pelo desafiante, que arrependido, chorou... E na despedida, disse: – Deus lhe pague, irmão! Ganhei algo de que precisava: prece e amor! Ramiro Gama, Lindos casos de Bezerra de Menezes, Lake, 1995.
ANÁLISE
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O progresso da
inteligência artificial Por ADEMIR XAVIER
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desenvolvimento da tecnologia, em especial dos computadores e programas, criou produtos nunca imaginados. Muitos serviços se somaram à lista de tarefas tipicamente realizadas por humanos que foram substituídas por máquinas. Recentemente, um termo tem apavorado ainda mais a sociedade: a inteligência artificial (IA). Realizar traduções simultâneas, compor sonetos, criar textos a partir de temas escolhidos, criar música, corrigir erros gramaticais, prospectar leis e sintetizar sentenças. Tais são algumas das tarefas que robôs de IA podem realizar sem muito esforço. A necessidade de criar e aprender uma língua universal, por exemplo, é consideravelmente reduzida, porque ela permitirá a comunicação instantânea de todos em seus próprios idiomas. Como podemos entender essas possibilidades e o impacto para a economia da sociedade, em particular, no mercado de trabalho e na redução da disponibilidade de empregos? Seria possível prever uma época em que todas as atividades humanas seriam substituídas por máquinas? A Lei do progresso Esses novos avanços são esperados conforme a “Lei do progresso”, como descrito no capítulo 8 de O livro dos espíritos, (questões 779-785), principalmente no sentido de melhorar a vida humana, libertando o indivíduo de tarefas repetitivas e mentalmente exaustivas. É preciso lembrar que os primeiros sinais de substituição de trabalho humano aconteceram com a revolução industrial e a invenção da máquina a vapor (a invenção da imprensa foi uma automatização ainda anterior). Embora não seja uma liberação de trabalho físico, os serviços de IA apenas aumentam a lista de tarefas automatizadas, reduzindo o cansaço mental e aumentando a eficiência dos resultados. Evolução intelectual e evolução moral Existe uma relação, sutil e ainda pou-
co apreciada, entre a “evolução intelectual” e a “evolução moral”. Essa relação, por exemplo, pode ser inferida a partir de parte da resposta à questão 781, que trata da possibilidade de se “obstar a marcha do progresso”. A isso, os Espíritos respondem com a negativa e complementam: “Assim será, até que o homem tenha posto suas leis em concordância com a justiça divina, que quer que todos participem do bem, que sejam abolidas as leis feitas pelo forte em detrimento do fraco. ”Será possível, assim, obstar a “marcha da IA” e tentar conter seus efeitos? Segundo a relação entre intelecto e moral, a resposta é “não” e quase sempre a motivação para o atraso está no “orgulho e no egoísmo” (questão 785). Além disso, conforme a resposta à questão 783 “...quando, porém, um povo não progride tão depressa quanto deveria, Deus o sujeita, de tempos a tempos, a um abalo físico ou moral que o transforma”. As transformações na ordem dos serviços e tarefas intelectuais criadas por IA podem fazer parte dessas revoluções que vêm para aumentar o ritmo do progresso e fazer concordar a moral com o intelecto. São inegáveis os benefícios do uso de
IA no desempenho e agilização dos serviços. Resta a questão: teria IA um limite? A resposta é sim e, para compreendê-la, é preciso explorar um pouco como ela funciona. Como surgiu a inteligência artificial O conjunto de funções e processos que a caracteriza tiveram seu início no século 19, quando Carl F. Gauss estabeleceu as bases para regressão estatística e inventou um método para o “ajuste de curvas” em suas pesquisas em astronomia. Com esse método, seria possível gerar informação a partir de “aprendizado de dados”. IA, entretanto, somente progrediu bastante com o desenvolvimento dos computadores e, principalmente, processadores rápidos. O termo “inteligência artificial” é, entretanto, um exagero. Não se trata de nenhuma “inteligência” no sentido “mental”, como a de seres humanos. Por mais que se sofistiquem as técnicas e se aumente a capacidade de armazenamento de dados, é evidente que IA extrai seu sucesso do incrível desempenho em realizar correlações estatísticas
em processadores eletrônicos, o que nada tem a ver com inteligência real. No limite do humano Os limites de IA estão fortemente estabelecidos na capacidade única da mente humana, ou seja, do espírito, em criar informação que somente pode ser validada por humanos. Assim como na revolução industrial, ela é uma manifestação da “marcha do progresso” oriunda da própria revolução intelectual e tecnológica. Seu limite já está estabelecido em sua técnica, mas continuará a ser aplicada a inúmeros outros serviços. Como outras revoluções tecnológicas que virão, ela alterará a sociedade e suas relações de trabalho, criando, porém, um período de ajustes e dificuldades. Os avanços tecnológicos de IA não são inerentemente ruins. O são apenas quando aplicada sem planejamento e com egoísmo. Em essência, esses novos serviços aumentam a importância da educação, que deverá desenvolver intelectualmente o indivíduo, no sentido de torná-la útil à sociedade, sem prendê-lo à necessidade de executar tarefas repetitivas. Ademir Xavier é doutor em física pela Unicamp.
NOV
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Lasanha solidária e Bazar de Natal
coração
Nenhum conhecimento é A educação é a chave do progresso O arrependimento ajuda no adiantamento do A alma que atingiu certo grau de pureza já desfruta da A moral sem as ações é a semente sem
felicidade trabalho bem fé escravidão
Na morte, o espírito sai da
justiça
Pouco importa o lugar quando se ora com o
moral
A esperança e a caridade são uma consequência da
tormentos
qualquer hora, em qualquer lugar
Resposta do Enigma:
Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as
divinas
Quanto menos imperfeições, menos
salvação
As missões dos espíritos sempre têm por objetivo o Todas as leis da natureza são leis
inútil coisas
Médiuns falantes
Curso sobre Léon Denis O Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa Eduardo Carvalho Monteiro está realizando todas as sextas-feiras, das 20 às 22 horas, o curso virtual sobre a obra No Invisível, que estuda as leis que regem as comunicações do mundo espiritual com o mundo físico. As reuniões irão até 19 de dezembro, através da plataforma Google Meet (USE Conecta). Informações: www.ccdpe.org
Fora da caridade não há
O médium falante
Filosofia Espírita O NEF - Núcleo Espírita de Filosofia - realiza às quintas feiras, às 19h30, momentos de reflexão e estudo sobre a filosofia espírita, com exposição de temas variados. A iniciativa está aberta ao público em geral pela plataforma ZOOM, através do ID 71490946921. Informações: www.nef.net
espírito
Como são chamados os médiuns em que os espíritos agem sobre seus órgãos vocais?
geralmente se exprime
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A reencarnação é uma questão de
ENIGMA
sem ter consciência
Congresso FEESP NOV Dias 6, 7 e 8 de novembro acontece de forma virtual o 10º Congresso Espírita FEESP 2020, tendo como tema central “Leis divinas: vencendo desafios com consciência social”. Não haverá necessidade de inscrição, estando aberto ao público em geral, através do site e das redes sociais da FEESP – Federação Espírita do Estado de São Paulo. Informações: www.feesp.org.br
Faça a correspondência entre a primeira e a segunda coluna e encontre alguns dos principais axiomas do espiritismo:
do que diz e, embora
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Elaborado por Izabel Vitusso e Hamilton Dertonio, especialmente para o Correio Fraterno
desperto, raramente
Homenagem a Fabiano de Cristo De 12 a 17 de outubro, às 19h30, será realizada no Núcleo de Estudos Espíritas Amor e Esperança a XV Semana Fabiano de Cristo, com palestras e participações artísticas, seguidas de passe (R. dos Marimbas, 220 - Vila Guacuri, São Paulo – SP). A Semana de homenagem ao patrono da casa se encerra com evento na Banca do Livro Espírita Joaquim Alves (Jô), no Centro de Diadema, às 15 horas. Informações: 11 2758-6345
OUT
TESTE SEU CONHECIMENTO
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lembra-se do que disse.
AGENDA
CULTURA & LAZER
(O livro dos médiuns –
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item165)
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Álcool Gel
Sábado, 7 de novembro, o Lar da Criança Emmanuel estará disponibilizando um delicioso almoço para você retirar e comer com a família: Lasanha a bolonhesa, ao molho branco e vegetariana (berinjela). As porções servem duas a três pessoas. Valor R$ 50,00. Reservas até o dia 30 de outubro pelo WhatsApp 11 999950548 e 99844-8540. Retirada: Salão do Lar da Criança Emmanuel: Av. Humberto Alencar Castelo Branco 2955, V. Alves Dias – São Bernardo do Campo - SP. No mesmo dia acontece o Bazar de fim de ano, com exposição e venda de lindos artesanatos de Natal.
Roteiro e Ilustração: Hamilton Dertonio
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ESPECIAL 100 ANOS
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VIVER é escolher Por HERMINIO MIRANDA
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ertencemos, os espíritas, a um grupo minoritário, graças a Deus. Não que possamos invocar qualquer argumento contrário às crenças e às doutrinas majoritárias. Nada temos a objetar a que cada um siga a sua concepção filosófica, qualquer que seja ela, ainda que totalmente negativa e desprovida de objetivos superiores. Quando dizemos que cada um tem a sua verdade, não emitimos conceito muito exato, porque não existem muitas verdades, e sim maneiras diferentes de apreensão de uma verdade única. Essa maneira é condicionada ao estado evolutivo do espírito. O que se dá é que grandes massas humanas se deixam docilmente levar por doutrinas dominantes, sem as examinar de perto, por simples comodismo intelectual ou, em palavras mais simples, por preguiça de pensar. Para muita gente é preferível ter uma religião ou uma filosofia política todinha pensada pelos outros e que tem atrás de si o suporte da maioria estatística. No entanto, pensar é uma atividade essencial ao desenvolvimento do espírito. Nós só nos evoluímos quando pensamos nossas próprias ideias, quando tentamos combinações novas partindo de conceitos antigos, quando abandonamos velhas fórmulas por novas concepções. Sem isso, ainda estaríamos na idade das cavernas, vivendo no escasso limiar da madrugada da consciência. A vida é um constante decidir entre duas ou mais alternativas. Para isso tudo é preciso saber pensar, porque é pensando que escolhemos e é escolhendo que vivemos. É a escolha entre o bem e o mal, entre a paz e o tumulto, entre a dor e o prazer, entre a sombra e a luz, entre o progresso e a estagnação. Por isso eu dizia no princípio que graças a Deus somos minoritários. É sinal de que já repensamos as velhas ideias e as recusamos, escolhendo outras que nos parecem melhores.
Grandes massas humanas se deixam docilmente levar por doutrinas dominantes, sem as examinar de perto, por preguiça de pensar” Percorrendo a história do pensamento humano, vemos sempre repetido esse mesmo ciclo. As ideias nascem em grupos numericamente insignificantes e se propagam em consonância com a força do seu conteúdo humano. Digo força do conteúdo humano e não do aspecto moral. Doutrinas lamentáveis e perniciosas também alcançam grande êxito entre os homens, porque encontraram quantidade suficiente de pessoas que acorrem ao seu apelo. O nazifascismo foi uma dessas doutrinas negativistas que medrou espantosamente no decurso de uma geração e ameaçou tragar o mundo. De outro lado do espectro vemos a ideia do cristianismo. Também nasceu minoritário, pregado por um mestre suave que os romanos não levaram muito a sério e que os judeus consideraram apenas mais um herético inconsequente. Sua doutrina, porém,
apelava para a profunda intuição de suas origens, que o Espírito traz em si mesmo. Com o passar do tempo, o cristianismo se viu envolvido num matagal teológico que o sufocou. Muitos daqueles que ajudaram a envolver o cristianismo no brilho falso da teologia ortodoxa estão hoje com a nova minoria do espiritismo para tentar a recomposição do cristianismo primitivo. Não importa que sejam agora minoria. Já o foram também, ao tempo em que a doutrina do Cristo amanhecia na consciência dos homens. O que importa é demonstrar uma tolerância que não tiveram no passado, uma humildade que não se deixe envolver pelas artimanhas das velhas vaidades intelectuais, uma caridade autêntica, cuja força está no próprio exemplo e não em palavras que nada dizem. Sendo, pois, uma minoria investida de
grande responsabilidade, é preciso meditar bem no que vamos dizer e agir com serenidade que nem sempre tivemos no passado. Somos hoje a maioria desprezada e perseguida para não nos esquecermos da lição, ao tempo em que, situados na confortável maioria, perseguíamos aqueles que não afinavam com as nossas ideias. Não se admira, pois, que venhamos nascer em famílias cuja religião dominante se oponha às nossas novas concepções doutrinárias. Nascidos de pais católicos, judeus ou protestantes, aprendemos com eles aquilo que nos podem dar de seu, como também podemos passar pela aflição de nascer em meio hostil a qualquer ideia de espiritualidade. É a nossa prova. Com o tempo, mesmo que tenha sido poderosa a influência externa nos anos formadores, começamos a abandonar as ideias que nos ensinaram, e a nos fazer perguntas a que, a princípio, não sabemos responder. E vamos chegando às fontes puras do Espiritismo, para onde nos conduzem a nossa intuição e o nosso desesperado desejo de paz espiritual. Quando lá chegamos, bebemos sôfregos e felizes os grandes goles dessa nova água batismal que nos lava do espírito as inquietações e as mágoas. Acontece, porém, que nem todos aqueles que nos cercam vão conosco à mesma fonte. Pais, esposos, filhos, irmãos, parentes e amigos não nos seguirão docilmente em novas crenças. Também isso não importa. Vamos em frente, sem ódios, sem mágoas e sem desprezos. Um dia poderão precisar de nós e nós voltaremos, pressurosos, para estender-lhes a mão, da mesma forma que tantos outros já nos estenderam. Do livro Candeias na noite escura, que reúne artigos do autor para a revista Reformador, com o pseudônimo de João Marcus, FEB.
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QUEM PERGUNTA QUER SABER
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O caráter progressivo do
espiritismo Por ALEXANDRE FONTES DA FONSECA
O
caráter progressivo do espiritismo pode gerar dúvidas, por desconhecimento sobre como progridem as diversas áreas do saber. Kardec no primeiro capítulo de A gênese (item55), comenta que uma das características da revelação espírita é que ela se apoia em fatos, não podendo deixar de ser, portanto, “essencialmente progressiva”, assim como ocorre com todas as ciências de observação. Ser progressivo não significa aceitar todo o tipo de ideia inovadora. Muitas pessoas têm acolhido o pensamento de que seria preconceito rejeitar ideias e práticas que não estejam contidas nas obras de Kardec, utilizando-se justamente do argumento desse caráter progressivo, na defesa de que no futuro virão a compreensão e entendimento de pontos hoje considerados incoerentes com a doutrina espírita. Repelir novidades, com base em uma boa análise, não é agir com preconceito, é ter prudência e fé raciocinada. Coerência doutrinária Kardec sabia disso, como explicita no mesmo capítulo I de A gênese: “O espiritismo só estabelece como princípio absoluto o que está demonstrado com evidência, ou o que resulta logicamente da observação”. E, ciente de que novas ideias poderiam gerar cismas na doutrina, também afirmou na Revista Espírita (dezembro, 1868): “O segundo ponto está em não se sair do âmbito das ideias práticas. Se é certo que a utopia da véspera se torna muitas
Como conciliar as novidades que surgem nos diversos campos do saber com o espiritismo? Carlos Albuquerque De Marco, São Paulo, SP.
Um protocolo de trabalho Para pesquisas, é necessário que se adote um protocolo de trabalho para assegurar a coerência entre os fundamentos da doutrina espírita e o caráter progressivo do espiritismo. Para isso, é preciso que sejam respeitadas as seguintes etapas:
Pesquisa
Comprovação
Adoção Pelo Movimento Espírita
A fase da Pesquisa consiste do trabalho teórico experimental, em torno de uma questão, problema ou conceito que se pretenda apresentar ao movimento espírita como uma contribuição ao avanço do conhecimento espírita. A fase da Comprovação consiste primeiro da publicação de um ou mais artigos sobre o trabalho em revista ou periódico com política editorial seletiva, baseada no método de análise por pares. Nesse primeiro momento, o artigo, ao ser aprovado para publicação, transmite para a comunidade espírita um selo de qualidade de que teve seu conteúdo lógica e previamente avaliado por pessoas conhecedoras tanto da doutrina quanto do assunto ou tópico do artigo. E ainda: após a publicação do artigo, aguarda-se que o movimento espírita possa reproduzir os resultados do artigo ou aproveitá-los em avanços posteriores do conhecimento espírita. Os trabalhos posteriores devem, igualmente, ser publicados em periódicos espíritas que oferecem análise por pares. A fase da Adoção pelo movimento espírita ocorrerá depois. Após a novidade resultante do trabalho de pesquisa e publicação ter sido amplamente confirmada pelo movimento espírita, e se tornar verdade comprovada como Kardec orientou, tornando-se, aí sim, parte do espiritismo.
vezes a verdade do dia seguinte, deixemos que o dia seguinte realize a utopia da véspera, porém não atravanquemos a doutrina de princípios que possam ser considerados quiméricos e fazer que a repilam os homens positivos”. Algumas pessoas pensam que o caráter progressivo do espiritismo só ocorrerá quando alguma novidade ou avanço demonstrar erros ou apresentar mudanças em seus conceitos, não havendo necessidade de concordância com seus princípios fundamentais. Kardec deixa claro que o programa da doutrina é progressivo, mas seus princípios fundamentais são invariáveis e sempre serão referência ao avanço do conhecimento espírita. “Não será, pois, invariável o programa da doutrina, senão com referência aos princípios que hoje tenham passado à condição de verdades comprovadas. Com relação aos outros, não os admitirá, como há feito sempre, senão a título de hipóteses, até que sejam confirmados (grifos nossos). Se lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ela se modificará nesse ponto”, assinala. Bibliografia: “Caráter progressivo do espiritismo versus responsabilidade do movimento espírita: Dúvidas e solução”, Jornal de Estudos Espíritas 8, 010101 (2020). http://dx.doi. org/10.22568/jee.v8.artn.010101 O Jornal de Estudos Espíritas é um periódico digital espírita onde pesquisadores espíritas apresentam o resultado de seus estudos e investigações, através de artigos de pesquisa, com respaldo doutrinário e técnico. Todos os artigos do JEE passam pelo método de análise por pares. Saiba mais: https://sites.google.com/site/jeespiritas/
VOCÊ SABIA?
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LEMBRANÇA DE UM
ESPÍRITO Por SENHORA S... DE CHERBOURG
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m marujo da marinha de guerra, chamado Arsène Gautier, voltou a Cherbourg há quinze ou dezesseis anos, muito doente, em consequência de febres adquiridas nas costas africanas. Veio à casa de um de meus genros, que sabia ser amigo de seu irmão, capitão da marinha mercante, e que era esperado dentro de poucos dias naquele porto. Nós o recebemos bem e, como estivesse doente, minha filha J..., então com quatorze ou quinze anos, pediu-me que o chamasse para se aquecer à nossa lareira e tomar um remédio, que não lhe seria dada em seu albergue, até que seu irmão chegasse. Essa menina teve para com ele cuidados compassivos. Ele morreu ao chegar à sua casa; depois ninguém mais pensou no caso. Seu próprio nome, escrito no início da comunicação espontânea, que recebemos em 8 de março último [1862], por minha filha J..., hoje médium, não fez com que dele nos lembrássemos. Só o reconhecemos pelos detalhes em que entrou. Era um homem de inteligência muito limitada e sua vida tinha sido muito difícil. Privado da afeição dos seus, a tudo se havia resignado. Eis a sua comunicação: “Vós me esquecestes há muito tempo, mi-
Porto de Cherbourg, 1860
nha amiga, mas eu não vos perdi de vista desde que deixei a Terra, porque sois a única pessoa, o único Espírito simpático que encontrei nesta terra de dores. Eu vos amei com todas as minhas forças, quando não passáveis de uma criança e não tínheis por mim senão um sentimento de piedade, devido à terrível enfermidade que me devia levar. Sou feliz... Esta era a primeira existência que Deus me tinha dado. Como meu Espírito era ainda novo e não conhecia nenhum outro Espíri-
to, liguei-me mais a vós. Estou feliz e prestes a voltar à Terra para avançar em direção ao Senhor. Tenho a esperança no coração; o caminho, tão difícil para alguns, parece-me largo e fácil. Um bom começo como minha existência passada é um encorajamento tão grande! Deus me ajudará. Orareis também por mim, para que minha prova tão próxima me seja tão proveitosa quanto a outra. Infelizmente não sou adiantado, mas chegarei.” Não fazíamos ainda a menor ideia do Espírito que dera aquela comunicação, e nos perguntávamos uma à outra quem poderia
ser. O Espírito respondeu: “Sou irmão de um ex-capitão de Nantes, que era amigo de um de vossos parentes.” (Isto nos despertou a memória e o Espírito continuou): “Obrigado por vos lembrardes de mim. Só lamento uma coisa, ao entrever a prova que se aproxima: ser separado de vós por algum tempo. Adeus; amo-vos muito. Arsène Gautier.” * Texto publicado por Allan Kardec na Revista Espírita, na edição de outubro de 1862
Observação de Allan Kardec Lida tal comunicação na Sociedade de Paris, perguntamos a um dos nossos guias espirituais se era possível que aquela tivesse sido, como dizia o Espírito, a sua primeira encarnação. Respondeu o guia: “Sua primeira encarnação na Terra, é possível; mas, como Espírito, não. Em suas primeiras encarnações, os Espíritos encontram-se num estado quase inconsciente e este, embora pouco adiantado, já está longe de sua origem; mas é um desses Espíritos bons, que seguiram o caminho do bem. Seu progresso será rápido, pois não terá de se despojar senão de sua ignorância, nem lutar contra as más tendências dos que trilharam o caminho do mal.”
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CORREIO FRATERNO SETEMBRO - OUTUBRO 2020
MÍDIA DO BEM
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Este espaço também é seu. Envie para nós as boas notícias que saíram na mídia! Se o mal é a ausência do bem, é hora de focar diferente!
Lição de honestidade
Voluntários se unem para consertar respiradores
Casal constrói casa com garrafas de vidro
Benício Hoffmann, 7 anos, estava andando de bicicleta com o pai na rua, em Curitiba, PR, quando se desequilibrou e bateu com o guidão em um carro. Deixou então um bilhete pedindo desculpas ao dono e, em casa, ficou pensando em como pagar o conserto. No final do dia, o vizinho, surpreso com sua atitude, mandou uma mensagem, elogiando-o pela honestidade, dizendo que não precisava pagar nada, pois nem iria notar o pequeno risco, se não fosse o bilhete. “Fiquei preocupado, mas o bem sempre vai e volta, vai e volta, vai e volta”, disse Benício.
Profissionais de engenharia do Rio de Janeiro se uniram de forma voluntária para fazer manutenção e conserto de ventiladores mecânicos de hospitais públicos do estado utilizados nas UTIs de pacientes com a covid-19. O núcleo da central de reparos fica nos laboratórios de eletricidade do campus Maracanã do CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica e funciona com voluntários com trabalho presencial e também de forma remota.
A educadora Dóris Dias e seu marido, Robson Lopes, sempre sonharam em ter sua casa própria, mas não tinham condições de adquirir o imóvel. Foi aí que ela teve a ideia de construir em Foz do Iguaçu, RS, uma casa inteirinha com garrafas de vidro. “Além de tirar as garrafas do meio ambiente, ainda vou ter meu cantinho”. contou Dóris. Ela já tinha o terreno, presente de casamento dos pais. E, de garrafa em garrafa, conseguiram arrecadar mais de 10 mil unidades para usar na construção da sua casa. “Procurei as garrafas em bueiros, nas ruas e fiquei impressionada com o tanto que encontrei. No Brasil não se pensa muito na sustentabilidade. Vi casas com garrafas na Bolívia, Tailândia e outros lugares“, afirmou.
Fonte: Portal G1
Fonte: Portal UOL
Fonte: Portal Razões para acreditar