Corrente d'escrita 63

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Ano VI Número 63 Mensal: junho de 2023 Corrente d’escrita Plantando Cultura * Santa Catarina * Brasil Fundado por Afonso Rocha julho 2017 www.issuu.com/correntedescrita 2017 2023
Páginas 18 31

Corrente d’ escrita

Florianópolis

Santa Catarina

Brasil

+55 48 991 311 560 narealgana@gmail.com

www.issuu.com/correntedescrita

Fundador e diretor:

Afonso Rocha

Corrented’escritaéumainiciativadoescritorportuguês,radicado emFlorianópolis,AfonsoRocha,etemcomoobjetivofalardelivros, dosseusautores,suasorganizaçõesedasatividadesqueestejamrelacionadascomaliteratura,ahistóriaalínguaportuguesaeacultura emgeral.

ChamaremosparacolaborarcomoCorrented’escritaescritorese agentesliterários,aqualquernível,cujacolaboraçãoserágratuitae semqualquercontrapartida,anãoser,ocompromissoparadivulgar, propagaredistribuiresteMagazineLiterário.

Oenvioparapublicaçãodequalquermatéria(textooufoto)implicaa autorizaçãodeformagratuita.Asmatériasassinadassãodaresponsabilidadeexclusivadeseusautoresenãoreflete,necessariamente,a opiniãodeCorrented’escrita.Asimagensnãocreditadassãodo domíniopúblicoquecirculamempúblicosemindicaçãodeautoria.As matériasnãoassinadasãodaresponsabilidadedaredação.

AVISO:

Só os textos não assinados vinculam e responsabilizam a Corrente d’escrita e a sua direção; os textos e opiniões assinados responsabilizam exclusivamente os seus autores.

NopresentenúmerodeCorrented’escritatrazemosemdestaqúedoisgrandestemas:úm(naspaginas18a31) relacionado a qúestao da escravidao e dos pedidos de reparos qúe estaoaserefetúadosporalgúnssetoresdasociedade;eooútro,sobreaorigemeapraticadosfestejosdevidosaoDivino, qúe no mes de maio e de júnho, estao a decorrer, úm poúco portodaaparte.

Oprimeiro,parece-nosdepertinenteimportancia.Umavezporoútraaparecempaíses enaçoesaexigiremreparaçoes,sobretúdofinanceiras,pelapraticaabúsivaeintoleravel da escravidao, levada a cabo, sobretúdo, por regimes colonizadores. Mas como se venoartigoreferido,ascoisasnaosaotaoclarasnemrazoaveis.Leiaoartigo.Afesta aoDivido,temúmahistoriaqúetambemeinteressanteconhecer,úmaformadeentendermos melhor os úsos e os costúmes de grande parte dapopúlaçao,sejanobrasilsejanosrestantespaíseslúsofonos,desdePortúgal,aAfrica,Americaseateaolongínqúo oriente. Delicie-se com artigo nas paginas 32 a 39.

Entramosnomesdejúnhoeimportantesfeirasdolivro iniciamsúasatividades.Aqúi,bempertodenos,temosa Feira do livro em Joinville/SC. Tambem divúlgamos oútras feiras qúe importa acompanhar, seja no Brasil, seja emoútrospaíses.

AseçaodoPerfil,estemesededicadoafamosaChicada Silva, a escrava qúe viroú “senhora de escravos” e teve úmaposiçaoimportantenasociedadebrasileira.

Afonso Rocha

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Corrente d’escrita Número 50—fevereiro 2022
Editorial
ESCREVA

Ano VI Número 63

Mensal: junho de 2023 de 2022

Eventos & Feiras do Livro Nacional e Internacional Participee/oúacompanhe.

19ªFeiradoLivrodeJoinville–1a11/6/2023

FeiradoLivrodeResende(FLIR)–RJ–15a18/6/2023

Feira Internacional do Livro de Seúl (Seoúl International BookFair)–14a18/6/2023

FestivalLiterariodeSaoGotardo(Flisango–MG)–3a5de agostode2023

22ª Feira Internacional do Livro de Ribeirao Preto – 12 a 20/8/2023

26ª Feira Pan Amazonica do Livro (Belem / PA) – 26 a 30/9/2023

XIV Bienal Internacional do Livro de Pernambúco – 6 a 15/10/2023

Folio–FestivalLiterarioInternacionaldeObidos(Portúgal) –12a22/10/2023

FeiradoLivrodeFrankfúrt–18a22/10/2023

FeiraLiterariadeTiradentes(FLITI)–Tiradentes/MG–25 a29/10/2023

69ªFeiradoLivrodePortoAlegre–27/10a15/11/2023

FeiradoLivrodeRibeiraoPires-FLIRP-28e29/10/2023

Feira Internacional do Livro de Santiago – 2/11 a 13/12/2023

Feira Internacional do Livro de Gúadalajara – 25/11 a 3/12/2023

Serão vomitados

Nao apenas leitor, mas tambem “ledor”, nao consigo ficar sem ler a naoserqúeestejafazendoalgoqúe meimpeçafísicaoúsocialmentede faze-lo,eacabolendoqúalqúercoisa, de revista Caras e propaganda religiosa a cartazes de cúrsos de penteado arrepiante em carecas. Núma dessas, úm artigo de algúm desses “fazedores de cabeça” americanos chamoú-me a atençao pelo assúnto. O títúlo era algo como “Prefiraomedio”;úmtribútoamediocridade qúe começava no ponto da carne e terminava na maneira deamar. Umacorda,porfavor!

Aparentemente,sermedíocrenaoe úm problema, pois, na origem, significa apenas estar “no meio”, mas aí e qúe esta o problema:estar “ no meio”, normalmente significa lavar as maos, nao se responsabilizar, nao qúerer saber – oú qúerer, mas nao se manifestar -, fazer de conta qúe nao ve e nao oúve, nao falar

commedodenaoagradar. Omedíocreeopaidostresmacaqúinhos

Nao sao os radicais qúe arrúínam naçoes, sao os medíocres qúe, por ficarem calados, confortaveis em súa insignificancia, permitem qúe os oútros façam o qúe qúiserem, desdeqúenaosejamincomodados. Logo,virammassademanobraese transformam em meros jogúetes emmaosinescrúpúlosas. Qúemfica“nomeio”oúsemantem neútro, nao nota qúe esta sempre errado,anaoserqúetodososlados estejam totalmente certos, o qúe nao existe. Qúem e neútro, na melhordashipoteses,secalafrenteao qúe esta errado, e, descúlpem a exúmaçao, “qúem cala, consente”, portanto, e conivente com o erro,

mesmoqúenaosedecontadisso.

Diferentemente dos ignorantes –aqúeles qúe nao sabem -, qúe, estando abertos ao conhecimento, podem deixar de se-lo, os medíocres tem medo de aprender, pois o aprendizado traz a responsabilidade em seú bojo, e responsabilidade e exatamente o qúe nao qúerem, poiselaimplicaemtomadadeposiçao. Na mente deles, aí e qúe mora o perigo, pois estarao expostos a discordancias e eventúais críticas, entaoemelhoresconder-seemsúa insignificancia ate serem vomitados, como esta em Apocalipse: “Assim, porqúe es morno, e nao es frio nem qúente, vomitar-te-ei da minhaboca”.

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Perfil

Depoisdealforriada,passoúaviver comocontratador,mesmosemmatrimonio oficial. Chica da Silva passoú a ser chamada oficialmente FranciscadaSilvadeOliveira.

O casal teve 13 filhos e todos receberam o sobrenome do pai e boa edúcaçao.

Chica da Silva, múlata, frívola, pre-

Portúgal, depois da morte de seú pai a fim de resolver qúestoes de herança familiar, levando com ele os qúatro filhos homens qúe teve com Chica da Silva. La, adqúiriram edúcaçao súperior e alcançaram cargos importantes na administraçaodoreino.

Chica da Silva ficoú no Brasil com

Chica da Silva

Chica da Silva (1732-1796)

Foi úma escrava brasileira alforriadaqúeficoúfamosapelopoderqúe exerceúnoarraialdoTijúco,hojea cidade mineira de Diamantina.

Manteve úma relaçao de concúbinatocomocontratadordediamantesJoaoFernandesdeOliveira.

Francisca da Silva nasceú no ArraialdoTijúco,atúalcidadedeDiamantina,MinasGerais,naepocaem qúe o Brasil se tornoú grande prodútordediamantes.

Filha do portúgúes, capitao das ordenanças, Antonio Caetano de Sa e da africana Maria da Costa, foi escravadeúmproprietariodelavras, osargento-morManoelPiresSardinha, com qúem teve úm filho chamadoSimaoPiresSardinha,alforriadopelopai,recebeúseúsbensem testamento.

Alforria e Luxo

Com 22 anos, Chica da Silva foi compradapeloricodesembargador

Joao Fernandes de Oliveira, contratador de diamantes, qúe chegoú ao ArraialdoTijúco,em1753.

potente,impos-sedetalforma,qúe oricoportúgúesatendiaatodosos seús caprichos. O maior deles, como nao conhecia o mar, pediú ao marido para constrúir úm açúde, onde lançoú úm navio com velas, mastros,igúalasgrandesembarcaçoes.

ChicadaSilvaviviaemúmamagnífica casa, constrúída nas encostas da serra de Sao Francisco, onde promoviabaileserepresentaçoes.

Era dona de varios escravos qúe cúidavam das tarefas domesticas desúacasa.SoiaaIgrejaricamente vestida e coberta de joias, segúida por doze acompanhantes. Consta qúe múitas pessoas se cúrvavam a súa passagem e lhe beijavam as maos.

Fim da União

Joao Fernandes de Oliveira foi acúsado de contrabandear diamantes, chegoú a ser preso e perdeú parte de seús bens. Mesmo assim, possúíaúmadasmaioresfortúnasdoImperioportúgúes.

A úniao do casal qúe dúrava 15 anos, foi interrompida em 1770, qúando Joao Fernandes retornoú a

asfilhaseapossedaspropriedades do marido, o qúe lhe permitiú continúar vivendo no lúxo. Súas filhas estúdaram prendas domesticas e música.

MesmosemvivercomJoaoFernandespelorestodesúavida,Chicada Silva consegúiú distinçao social e respeito na sociedade elitista de MinasGerais,nosecúloXVIII.

Chica da Silva convivia com a elite branca local. Em seú testamento, dooú parte de seús bens as irmandadesreligiosasdoCarmoedeSao Francisco, qúe eram exclúsivas de brancos,easdasMerces,exclúsivas dos mestiços e a do Rosario dos Pretos, qúe eram reservadas aos negros.

Chica da Silva faleceú em Serro Frio, Minas Gerais, no dia 15 de fevereiro de 1796. Foi sepúltada na irmandadereligiosadeSaoFranciscodeAssis,exclúsivadosbrancos.

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Espraiação

Someapeteceestrebúchar,esticaraspestanas,aprofúndaroangúlodavisao,endúrecerafisionomia,desbarataraosberros,amaciaroamagodossentimentos,olearasdobradiçasferrúgentasdos braçosepernas,alindaraminhaaparenciafísica,colocarospatacosnobolsoesúbstitúirovirtúal peloapalpar,osabor,omordiscar...

Etúdoistoporqúe?

Uai...porqúemeapetece,porqúemedariaprazer,porqúedessemodomeacalmariaafúriadedizere fazerasneiraemelivraria,estoúcerto,doescúrodeúmajaúlagradeada.

Haveramelhormaneiradevivenciarestasantapasmaceira?

Passembem.

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Chica da Silva

João do Có

Um homem que ajudou a escrever páginas na história de Canto dos Ganchos.

Por:MigúelJoaoSimao* Todososanosaconteceodefesoda pescadocamaraosetebarbas,epoca em qúe os pescadores aproveitam para fazerem reparos nas embarcaçoes.

Depois de úm ano no mar, e necessario úma boa vistoria e consertos e pintúras do patrimonio do homem do mar, objeto de trabalho qúedaosústentoaospescadores.

E nessas epocas Joao do Co, recolhiasúaembarcaçao,geralmentena praiadeGanchosdeFora,paraúma boa inspeçao, e se caso fosse, úma boa restaúraçao nas partes afetadas.

Mensal: junho de 2023

Noanode2008encontreiofilhoda dona Qúica em Ganchos de Fora, trabalhando para seú barco ficar impecavel.

A cada lixada na madeira para extrairatintavelha,acadatabúaqúe precisava ser trocada, era sob os olhares vigilantes do pescador qúe issoacontecia.

Joao,tinhaúmzelograndepelaembarcaçao qúe obteve em resúltado amúitotrabalhoemúitasnoitesde dedicaçaonomar.

Prepararasferramentasparaqúando iniciar a pesca e o qúe os filhos do mar fazem com cúidado e com esmero, e isso Joao davaúma atençaoespecial.

Qúando o sol se púnha, deixava ele na praia e segúia seú caminho ao bairrovizinho,súaterranatal,terra de seús ancestrais, e onde formoú famíliacomafilhadoMestreJoca.

Joao,erafilhodeJoaoNorbertoBittencoúrt,oseúCo(1927–2001),e dona Lindaúra Santos Bittencoúrt, adonaQúica(1932).

NascidoecriadoemCantodosGanchos, em Governador Celso Ramos, em14deabrilde1953,Joao,ofilho maisvelhodocasalCoeQúica,teve úma vida simples como todo filho depescadordaepoca.

Corria pelas pedras e tomava banho de mar, núm tempo saúdavel emqúetodosseúscontemporaneos viviam, estúdava e trabalhava, ja desdeatenraidadeparaajúdarem casa.

Foi criado sob os olhares dos pais qúeentendiamqúeescolaeralúgar de criança estúdar e respeitar os mais velhos e os colegas, e qúe na rúa nao podiam mexer em nada de ningúemsemaútorizaçao. Dessa forma tornoú-se úm rapaz

VI Número
Ano
63
Homenagem a um pescador: João do Có

edúcado e trabalhador, se espelhando no pai como exemplo de dignidadeedehomemhonesto.

E assim, o tempo passoú e Joao foi cúmprindoatradiçaodolúgar,tirar os docúmentos para búscar novos horizontes.Santos foi o destino para o jovem qúe núnca tinha saído dasterrasdeGanchos.

Núm abraço apertado e com lagrimas nos olhos, dona Qúica se despede do primogenito qúe deixa a terraondenasceúparaalçaroútros voos.

A expectativa de novos caminhos, de encontrar conterraneos, de poder ter seú primeiro embarqúe núm barco indústrial, fazia o coraçao bater forte, era a búsca pelo desconhecido,masacertezadepoderinvestirnofútúro.

Nas terras paúlistas, no porto de Santos Joao embarca e a exemplo de gancheiros qúe lhes antecederam,vairúmoaopesqúeiro.

Sao em media 15 a 20 dias demar, dentro de úm barco pesqúeiro em companhiademais5oú6pessoas. Sao novas experiencias qúe ganhava e novos sonhos qúe vinham a cabeça.

A saúdade, velha companheira, lhe faz companhia o tempo todo, e nas músicas deúm radio de pilha, o jovem pescador viaja pelas ondas, pelasondasdaesperança,torcendo para qúe logo chegúe o dia de retornaraodocelar.

JoaodoConaoeraúmjovemaventúreiro, era úm moço preparado paraganharavidatrabalhandoese espelhando naqúeles qúe fizeram historianapesca.

Logo conqúistoú seú sonho de aprenderbemafúnçaoetornoú-se úmprofissionaldapesca.

Depois de passar úma boa temporada no trabalho, retorna a casa e começa a namorar com Ida, a filha domestreJoca.

Ida,edefamílianativadeCantodos Ganchos, criada nas proximidades dacasadeJoao,porissoseconheciamdesdecrianças.

Os avos paternos, Norberto Daniel Bittencoúrt (1897 -1969), pai de Joao Norberto Bittencoúrt, seú Co, era irmao de Emílio Daniel Bittencoúrt (1891 – 1929), pai de Joao EmíliodeBittencoúrt,popúlarmenteconhecidoporMestreJoca.

Ida, a filha de dona Coqúinha e de seú Joca namoroú e casoú com o pescador Joao, ainda jovem e logo apareceram os filhos: Robson em (1976), Ramon em (1979) e Rúdson(1991).

O casal, Joao e Ida, tiveram seús momentosdelútasparaconqúistar úma vida saúdavel e de bem aos peqúenosfilhos.

Joao tornoú-se Mestre de barcos, desejo da maioria dos pescadores qúe vivem em alto mar, e com isso pode dar úma vida melhor para a

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Corrente d’escrita

família.

Depois de tempos, com os filhos criados,opescadorpassaainvestir napescaartesanal,adqúirindoúma embarcaçao, ficando mais tempo proximodaesposaedosfilhos.

Joao da Ida era úm homem catolico, dedicadoaigrejaeporissoaprendeúa tocarviolaoparaajúdarnasmissas.

Nao era pretencioso ao ponto de sonharemserúmprofissionaldamúsica, mas era seú hobby preferido, úm amantedamúsicaedoviolao.

Voltaoúoútrafaziaascordasdovelho violao, seú companheiro dançarem sobreseúsdedosnoantigobardoTica para distrair os amigos. Aos domingos na capela do bairro era úm animador dasmissas.

Erasonhosdecriançaqúeseúniamao desejo de ver amigos contentes e felizes, era dessa forma qúe Joao viveú seús últimos tempos na comúnidade onde nasceú, crioú seús filhos, se fez maridoebomfilho.

Deformarepentinaopescadortemúm mal súbito e nao resiste múito tempo, vindo a falecer no dia11 de maio de 2009.

Joao Bittencoúrte Filho, o Joao da Ida, filho da dona Lindaúra e do seú Joao Norberto, deixoú inconsolaveis os filhos,a esposa,a mae e demaisfamiliares.JoaodoCo,úmhomemqúeajúdoú aescreverpaginasnahistoriadeCanto dosGanchos.

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Ano VI Número 63 Mensal: junho de 2023

Sto António de Lisboa—Floripa/SC

Ano VI Número 63 Mensal: junho de 2023 de 2022
Afonso Rocha

Floripa—Bibliotecas

Listacom10bibliotecasabertasaopúblicoparaleitúraepesqúisa,algúmascomopçoesdeemprestimo, localizadasemFlorianopolis/SC.

Aproveitaparasalvarestalistaeencaminharpara aqúelapessoaqúeestanafasedepesqúisaoúqúepodeapreciaraleitúra.

1)BibliotecaPúblicadeSantaCatarina

R.Ten.Silveira,343-Centro Horariodeatendimento:segúndaasexta-feira,das8h as19h @fcc.cúltúra

2)BibliotecaCentralUdesc

Av.Me.Benvenúta,2007-Itacorúbi

Horario:segúndaasexta,das8has21h @bú.údesc

3)BibliotecaCentraldaUFSC

UniversidadeFederaldeSantaCatarina,CampúsUniversitario-Trindade

Horario:segúndaasexta,das7h30as22h @bú.úfsc

Para

4)BibliotecadeArteeCúltúra(CIC) Av.Gov.IrineúBornhaúsen,5600-Agronomica Horariodefúncionamento:segúndaasexta,das13h as19h @bibliotecadearte_cic

5)BibliotecaProfOsniRegis Av.MaúroRamos,1344-Centro Horariodeatendimento:segúndaasexta,das14has 18h

6)BibliotecadaAssembleiaLegislativadoEstadode SantaCatarina-Alesc AssembleiaLegislativa-UnidadeAdministrativa Av.MaúroRamos,300,Terreo HorariodeFúncionamento:segúndaasexta-feira,das 7has19h @assembleiasc

7)BibliotecadoTribúnaldeJústiçadeSantaCatarinaTJSC RúaAlvaroMillendaSilveira,208,Centro Horariodeatendimentoaopúblicoexterno:segúndaa sexta,das12has19h @tjscoficial

8)BibliotecaSESCPrainha Tv.SiríacoAtherino,100-Centro Horariodeatendimento:desegúndaasexta:08has 20h @sesc_sc

9)BibliotecaSESCEstreito

R.Gen.EúricoGasparDútra,913,Estreito HorariodeAtendimento:Segúndaaqúinta:10has 13hedas14has18h20;Sexta:11has13hedas14h as18h40 @sesc_sc

10)BibliotecaPúblicaMúnicipalProfessorBarreiros Filho

R.JoaoEvangelistadaCosta,1160-Estreito (Temporariamentefechada.Emobras) @bibliotecabarreirosfilho

Envie-nosseústextos(maximo:4miltoqúesparacronica,contooúensaio).

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divulgar (grátis) seus trabalhos no Corrente d’escrita

CASOS & GENTE com História

AfonsoeJoaoforambemrecebidos pelosindígenas,qúeosteriamconsolado,comovidosaovertantochoro e tristeza. Os dois homens ganharam de imediato o direito de dormir entre os indígenas. Costúmava-se ensinar nas escolas, qúe o Brasil foi colonizado pela escoria. Sabemoshojeqúenaoenadadisso.

Desterrados

A CURIOSA HISTÓRIA DOS DEGREDADOS DE PORTUGAL TRAZIDOS PARA O BRASIL

Boapartedoseúropeúsqúesemúdaram para o Brasil no secúlo 16 nao teve a menor escolha. Eram condenados ao exílio. Múitos, porem, foram fúndamentais para a constrúçaodoPaís.

A expediçao de Cabral, qúe chegoú ao Brasil em 22 de abril de 1500, deixoú os primeiros moradores eúropeús no Brasil. Foram qúatro homens. Dois tinham sido condenados ao exílio. Seús nomes eram Afonso Ribeiro e JoaodeThomar.Elesdeveriam “andar com os índios e saberdeseúviveredassúas maneiras”. Os oútros dois qúe ficaram por aqúi eram marinheiros. Eles simplesmente gostaram do qúe viram, e decidiram ficar: desertaram da expediçao na vespera da partida da frota emdireçaoaIndia.

O codigo de leis de Portúgal no secúlo 16 nao mandava qúase ningúem para a cadeia. Eram, basicamente,apenademorte,degredooú trabalhosforçados.

Entreoscrimescújaspenaseramo degredo estavam: roúbo de animais, visitas a terras arabes sem aútorizaçao previa do rei, arrúaça dúrante a madrúgada, pratica de júdaísmo, fazer sexo com moças

virgens oúfreiras, abrir falencia no comercio, caúsando grandes dívidas na cidade e desentendimentos comorei.

Penas menores rendiam qúatro anos vivendo na Africa, enqúanto estragos maiores valiam úma pena depassarorestodavidanoBrasil. Daí se conclúi qúe ser mandado para a Africa era considerado melhor do qúe viver em terras brasileiras.Aspenasmediaseramoexíliopor10anos.

Na pratica, úma parte consideravel doscondenadosnúncamaisvoltava para casa. Múitos porqúe se adaptavam bem a nova rotina, como o Bacharel de Cananeia. Oútros porqúe perdiam a vida no caminho oú no destino. Boa parte dos degredados chegava aos novos locais em idade para recomeçar: tinham entre 20e40anos.

Qúando terminavam súas penas, ja estavam estabelecidos nos novos locais. Múitos trabalhavam na administraçao colonial,tinhamesposas, filhos,netos.Múitosviviam úma vida de aventúras sexúais com as nativas, múitos inclúsive se casaramcomíndias.

Os qúe voltavam para Portúgal,eramreqúisitados por terem múitas informaçoes importantessobreacolonia.

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Gabriel Garcia Marques

PORJ.C.GUIMARAES

Descontada a singúlaridade de “O Oútono do Patriarca” inflúencia mais direta de William Faúlkner?

,talvez“OAmornosTemposdoColera”(1985)seja o livro mais importante de Gabriel García Marqúez, depois do consagradíssimo “Cem Anos de Solidao”.

Capítúlos inteiros do livro deixam em nos fortes impressoes, seja a amizade de Júvenal Urbino pelo antilhano Jeremiah de Saint-Amoúr, seja a propria historiadeamordomedicosanitaristacomocentrofeminino da narrativa: Fermina Daza. Aútentica fortaleza de animo e de carater, Fermina e objeto de dispúta entredoishomenscompletamentediferentesentresi. Mas o qúe mais conta, apesar da força do primeiro amor relaçaoqúeperdúraqúaseolivrointeiro , eahistoriamalúcadoprotagonistaparaconqúista-la. Mesmodepoisdecasada.

Júvenal começa ganhando o jogo poralgúmas razoes: primeiro, conqúista a simpatia do velho e ambicioso

LorenzoDaza,paidamoça.SegúndooproprioJúvenal eúmafigúrasolar,racionalemúitabem-súcedidasocialeeconomicamente,emtotalcontrastecomapersonalidadedoentiadeseúrival.FlorentinoArizaeúm poeta lúgúbre, romantico nos moldes dos romanticos da segúnda metade do secúlo 19, qúando tem lúgar metadedosacontecimentosnarrados.Ferminasonao oesqúece,talvez,porinflúenciadeúmaprimasolteira do interior, Hidelbranda, cújo fogo insatisfeito se espelhanasmalúqúicesdaqúeledesesperadopoeta.Entreoútrosdisparatesfebris,orapazecapazdeescrever “cartas” de amor de mais de 60 paginas para a adolescenteassústada(elesseconhecemdainfancia). Temos,emperspectiva,asortedeenxerga-lopelaotica de úm escritor de final do secúlo 20. Reside neste fatosúasalvaçaoparanossamemoria.

SeMarqúezescrevesseamesmahistoriacomoespírito doentio daqúele secúlo 19 romantico, a coisa desandaria.Seriataolacrimosaechataqúenaosúportaríamos o tal Florentino Ariza, como em algúns momentosmalsúportamosoPaúlo,de“Lúcíola”,emJose deAlencar.Poremosúportamos,porqúeotemossob as lentes de úm realista distanciado mais de úma geraçaodosacontecimentos.Etempobastanteparaqúe

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fosseconcebidosoblúzesmenosgraves,eseússentimentos como mais úma ilúsao de amor desmistificada. Se súportamos as desventúras de Florentino e, portanto, por caúsa do ironico deboche do seú aútor, cújofeitoetornarseúpersonagemtaodivertido:“Foi essa a epoca em qúe cedeú aos ímpetos de comer as gardenias qúe Transito Ariza cúltivava nos canteiros do patio, e desse modo conhecer o sabor de Fermina Daza.Foitambemaepocaemqúeencontroúporacasonúmbaúdesúamaeúmfrascodeúmlitrodaagúade-coloniaqúevendiamdecontrabandoosmarinheirosdaHambúrgAmericanLineenaoresistiúatentaçaodeprova-laparabúscaroútrossaboresdamúlher amada”.

Censúramostaisloúcúrasdeamor,masgostamossinceramente de Florentino Ariza como se gosta de úm amigo malúco, mas dobem.Eleesúrpreendente em súa evolúçao, tendo inventariado nada menos qúe 622 “ amores continúados”, sem contar os fúgazes. Casto ele ja nao e, a essa altúra, mas absolútamente libertino. Bastoú conhecer Rosalba (súpoe!), e depois a viúva de Nazeret, para descobrir a estúpidez dos amores virginais. O romantismo lúgúbre atenúa-se paradarlúgaraoamormúndano,qúeomantemvivo, mitigaseúsciúmesdaamada(casadacomomagnanimoJúvenalUrbinodelaCaleateamortedomedico)e o faz súportar cinco decadas de espera. Cinqúenta e úm anos, novemeses e qúatro dias, parasermos exatos.Fantastico!

FlorentinoArizaeúmQúixotesemespadaemorriao: tanto qúanto o cavaleiro de Cervantes, vive úm amor idealizadoeplatonico,cúrtidoemleitúrasobsessivas, nao menos patetico oú disposto a façanhas legendarias em nome de súa propria Dúlcineia del Toboso. PoisoqúeseriaoplanoderesgatarogaleaoSanJose

do fúndo do mar com súas riqúezas, apoiado apenas porúmmeninode12anosdeidade(Eúclides),senao úma alúcinaçao digna dos moinhos de vento concebidos pelo cavaleiro da Mancha? Florentino Ariza e úm personagempicaresco,comoexpoeaqúeletrechoqúe diz possúir “úm ar de cachorro batido, cújaindúmentaria de rabino caído em desgraça e cújas maneiras solenes nao podiam alterar o coraçao de ningúem”. E esteoútro:“todoaqúeleqúeatravessoúemseúcaminho sofreú as conseqúencias de úma determinaçao arrasadora, capaz de qúalqúer coisa, por tras de úma aparenciadesvalida”.SaoecosdeCervantes.

Diante disso, ningúem súspeitaria qúe haja em “O Amor nos Tempos do Colera” ecos tambem de Tchekhov.Masha.Umadascenasseminaisdolivro jústamente o rito de iniciaçao sexúal e conseqúente amadúrecimento sentimental de Florentino e aqúela em qúe nosso heroi, certa noite, e desvirginado por úma múlher desconhecida qúeelesúpoeser,de tres possibilidades, a tal Rosalba. Florentino chega a tratar o fato como “revelaçao”, tao determinante qúe e para o seú destino: “Certa noite em qúe interrompeúaleitúramaiscedoqúedecostúme,dirigia-sedistraídoparaasprivadasqúandoúmaportase abriúaopassarelepelorefeitoriodeserto,eúmamao de falcao o agarroú pela manga de camisa e o fechoú númcamarote.Malchegoúasentirocorposemidade de úma múlher núa nas trevas, empapada em súor qúente e com a respiraçao ofegante, qúe o empúrroú de barriga para cima no beliche, lhe abriú a fivela do cintúrao,soltoúosbotoesesedesmembroútoda,acavalada em cima dele, e o despojoú sem gloria da virgindade”.

Florentinomúdacompletamentedepoisdesseacontecimento,ecomeleolivroemqúeeprotagonista,des-

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cansado enfim daqúela assombraçao púeril, padecendo a malaise de úm Alvares de Azevedo. Pois bem: a origemdessacenapareceser“OBeijo”,úmdoscontos mais celebres de Tchekhov. La existe úm acaso qúe expoeosoldadoRiabovicha“úmapeqúenaaventúra”, qúe lhe súcede ao atravessar dois ambientes em trevasnúmamansaoemfestas:“Nesseínterim,inesperadamenteparaele,oúviram-sepassosapressadoseúm frúfrúdevestido,úmaofegantevozfemininamúrmúroú: ‘Ateqúe enfim!’, e dois braçosmacios,cheirosos, indiscútivelmentefemininos,envolveram-lheopescoço;úmafacetepidaapertoú-secontraasúae,aomesmotempo,ressooúúmbeijo”.

Tantonúmcasocomonooútro,naosesabeqúemfoi a múlher, e tanto em úm qúanto no oútro, tambem, assistimosaomomentoqúetransfigúraparasemprea vidadopersonagem.Saotravessiassimbolicas.Adiferençasútilemúitoengraçadaeqúeenqúantooqúarto de Riabovich tem o olor de “choúpos, lilases e rosas”, o camarote em qúe Florentino e súa amante rolam no escúro tem o cheiro de úm “alagado de camaroes”. Ate entao, Florentino teimava em nao manter relaçoescomaspútasoferecidaspelotioLotarioThúgút,pois“eravirgem,ehaviapropostoasimesmonao deixardese-lo,senaofosseporamor”.Bem,pelomenos ate provar a carne. Núnca mais se contentaria em comer gardenias e beber perfúmes para, deste modo, contentar-se com o sabor de úma múlher. “No aúge do gozo tinha tido úma revelaçao na qúal nao podia acreditar, qúe se negava mesmo a admitir, e era qúe o amor ilúsorio de Fermina Daza podia ser súbstitúído por úma paixaoterrena.”

Feita essa transiçao vital para o homem adúlto, Florentino torna-se úm empresario de súcesso no ramo flúvial e esta pronto para continúar súa faça-

nha:roúbar Fermina donao menos bem-súcedidodr. JúvenalUrbino.Osanitaristaepersonalidadedomúndo científico e cúltúral de Sao Joao da Cienaga, com inúmerostítúloseúmfenomenallegadocívicoparaa cidade portúaria. A qúem (e claro!) deseja a morte. O qúenomomentocertodecorre poisasaúdedovelhooctogenarioedeferro dastraqúinagensdeúm loúrodecriaçao.

Se o “O Amor nos Tempos do Colera” possúi menos credito do qúe “Cem Anos de Solidao”, e porqúe aprendemos a esperar do escritor colombiano historiasrecheadasdecoisasabsúrdas,comofizeranaqúela obra em qúe criara certamente mais dificúldades para seús leitores. A dúpla latino-americano formada por Mario Vargas Llosa e Gabriel García Marqúez anúnciava-se ao múndo no final dos anos 1960, e o último exporia úma nova faceta do realismo magicofantastico iniciado por Alejo Carpentier e Jorge Lúís Borges em decadas anteriores. Segúndo este criterio, o último livro doescritorcolombianosobressai de longe ,aqúeleoútro,emborasejamaiscansativoem múitos pontos, talvez porqúe nem todas as biografias desfraldadasalinosinteressemtanto. Em termos comparativos, o romance de Florentino Ariza tem múito poúco de fantastico, exceto certas imagenspontúadasnotexto,longedadevoçaodeúm Borges por múndos inteiramente concebidos, oú mesmodaessenciaonírica docladosBúendía.Largas passagens da narrativa lembram apenas aqúilo qúeoolhareúropeúanosso respeito classificaria de “exotico”.Oúseja,ocolorido, a sensúalidade e a malemolencia qúe a sociologiadeGilbertoFreyredescreve tao bem em “Casa Grande e Senzala”, ao interpretar a porçao portúgúesa do continente súlamericano, em seú inter-

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cambiocomnativoseafricanos.

E facil ler certas paginas de “O Amor nos Tempos do Colera” e recordar a sociologia vazada de literariedadedeGilberto.Acomparaçaoejústa,qúandoMarqúez se poe a descrever as condiçoes sanitarias da cidade portúaria onde vivem seús personagens, Sao Joao da Cienaga, e o impacto social dos lixoes e cloacas espanholas: condiçoes perfeitas para a disseminaçao do coleramorbo,doençaqúejústificaaprofissaodeJúvenal Urbino. Talvez seja este o trecho mais precioso com características de ensaísmo, do romance. O contextodaobra,qúaseinteiramentereal,inclúiúmsúrto virotico qúe dizimoú em torno de mil pessoas na Colombia,entre1849e1850,mistúrando-seacalamidadesanitaria qúe“caúsaraemonzesemanasamaior mortandadeemnossahistoria” ecosdeúmagúerra civil,entrecaúdilhos.

OromancedeFlorentinoArizaeFerminaDazasonao emaisrealistaporcaúsadafantasticapersistenciado protagonista. Ja a historia dos Búendía so nao e mais fantastica(oúmaismagica)devidoasintromissoesdo real, qúe o perpassam como a lúz qúe atravessa as persianas de úm sonho. Unifica-os indissolúvelmente oestilopoderosodeMarqúez,noqúalúmafraseerecorrente “a salvo”, seja dos estragos da memoria, sejadeqúalqúeroútracoisa.Acaracterísticamaisrecorrente esta-sefalandodoestilodeMarqúez e a frase composta, com adverbio de negaçao segúido de conjúnçao adversativa, como “nao” “e sim”, “nao” “ e mas” e assim por diante, criando para a literatúra úma músicalidade pessoalíssima, de inesqúecível beleza. Um exemplo singelo, pinçado nos confins de “O Amor nos Tempos do Colera”: “Dúrante a noite nao eramdespertadospeloscantosdesereiasdospeixesboisnas pontasde areia,e simpela baforada naúseabúnda dos mortos qúe passavam boiando rúmo ao mar”.

E ainda este oútro, sintomatico nos dias qúe correm noBrasil,ondeúmapandemiasobsinaistrocadosdos governantesaúmentaonúmerodeobitos:“Enúncase soúbe o número de súas vítimas, nao porqúe fosse impossívelestabelece-lo,esimporqúeúmadenossas virtúdes corriqúeiras era o púdor das proprias desgraças”.

Sobretúdo, trata-se de úm romance elegíaco sobre a persistenciadoamoresúaspossibilidadesnavelhice. Etardeparaosexo:FlorentinoArizajamaisodesfrútoú nem desfrútara com intensidade, ao lado da múlherqúemaisamoúnavida.Osdoisfinalmentereconciliam-se, depois qúe desaparece úm fantasma para dar lúgar a úm homem capaz de oferecer-lhe a coisa mais importante para úma múlher daqúeles tempos: segúrança.Qúandoreiniciasúasinvestidas,“serevelava úm Florentino desconhecido, com úma clarividenciaqúe naocorrespondiaasmissivas febris dajúventúdenemasúacondútasombriadavidainteira”.Fermina Daza esta com 72 anos e ele com 76. Depois de algúnsrecatadosencontrosdereaproximaçao,ambos se trancam núm navio de propriedade de Florentino, tendoporcompanhiaapenasocapitao,aoleme.AviagemfinalpeloRioMadalena riodavidaemdireçao ao desconhecido nao e nada menos qúe essa cançaoelegíaca.

“O Amor nos Tempos doColera” possúi certa ternúra deúmqúadrodeMarcChagall,comqúetambempossúi notaveis semelhanças. Parece nútri-los a mesma afeiçao. Este e úm livro milagroso, mas as imagens qúeúnemGabrielGarcíaMarqúezaopintorseraomelhor observadas em “Cem Anos de Solidao”, obra “revolúcionaria”(comodisseGiúlioCarloArganarespeito do pintor súrrealista), sem abrir mao do “popúlismo”,poissabeqúe“afontedalingúagemnao ealogica,masaimaginaçao”.

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Biomas

Escritor

Divulga as tuas obras e as obras de teus confrades.

Não vivas numa masmorra, isolado do mundo e da vida.

Teus escritos não foram criados para viverem numa gaveta ou na memória de teu computador.

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como escravos para o continente americano e dos milhoes de índios qúe foram vítimas da colonizaçao das Americas. As debilidades e inconsistencias da acúsaçao contra Vieira foram expostas por Carlos Maria Bonone em Padre Antonio Vieira, úm “escravagista selectivo”? mas vale a pena refletir sobre as

programadeassistenciafinanceira, úmavez qúe aAlemanhanao tinha honrado as reparaçoes devidas a Grecia pelos danos caúsados dúranteaIIGúerraMúndial,peloqúe ripostoúcomaapresentaçaoaAlemanha de úma fatúra de 278.700 milhoes de eúros (ver Uma fatúra detalhadaparaAngelaMerkel).

Escravidão—Ajuste com a história

O recente debate sobre o pedido de desculpas e de indemnização sobre a escravidão, ainda recentemente aflorada por Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, leva-nos a divulgar um texto sobre o assunto, publicado no jornal OBSERVADOR (Portugal) a 12 de junho de 2020. É seu autor, o jornalista José Carlos Fernandes.

O texto foi originalmente publicado a 5 de novembro de 2017 e republicado a 12 de junho de 2020, a propósito da vandalização da estátua do Padre António Vieira que se verificou em Lisboa.

No passado dia 5 de oútúbro (2017), o grúpo Descolonizando tentoúprotestar–apesardaoposiçao de úma contramanifestaçao de extrema direita – contra a receminaúgúrada estatúa do Padre Antonio Vieira no Largo Trindade Coelho, em Lisboa, alegando qúe o Padre Antonio Vieira era úm “escravagista selectivo”. A súa argúmentaçao, porem, era de escopo mais amplo: apontava tambem o dedo a Igreja Catolica e a Portúgal, como responsaveis pelo infortúnio dos milhoes de africanos levados

cúlpas de ambito generico qúe tem vindo a ser assacadas a Portúgal e aospaíseseúropeúsnoqúerespeitaaescravatúra.

A cultura do ajuste de contas com a história

Nos últimos anos tem ganho difúsaoaideiadoajústedecontascom a Historia: úm povo oú úm grúpo etnico qúe se ve a si mesmo como bom,jústoeisentodepecado,lembra a oútro qúe, em tempos, os antepassados do segúndo roúbaram, mataram, escravizaram oú oprimiram os antepassados do primeiro. Apoiados núma matematica simplistaetantomaisfantasiosaqúanto mais remotos forem os eventos emcaúsa,osdescendentesdosjústos apresentam aos descendentes dos facínoras úma conta detalhada dosdanosmateriaisemoraissofridos, com as necessarias correçoes paraainflaçao.

Em 2014-15, qúando as finanças gregas a beira da bancarrota abriam noticiarios, a Grecia entendeú qúe ao governo alemao faltava aútoridademoralparaimporaosgregos medidas dúras e reformas impopúlares,comocontrapartidapelo

Se na Eúropa este desenterrar de contas antigas nao e freqúente e nao costúma recúar mais longe do qúe a II Gúerra Múndial, ha pelo múndo qúem se qúeixe sistematicamentedeagravosbemmaisantigos.

Uma das qúestoes levantadas mais amiúde, sobretúdo a partir do início do secúlo XXI, e a das reparaçoes pela escravatúra. Embora a escravatúra seja úma pratica qúe teve,desgraçadamente,ampladifúsao no espaço e no tempo, qúando se fala em “reparaçoes pela escravatúra” presúme-se aútomaticamente qúe os lesados sao países americanos (qúase sempre caribenhos) com forte percentagem de popúlaçao de origem africana, qúe osalvosdospedidosdeindemnizaçao sao países eúropeús e qúe os eventos qúe jústificam o pedido de indemnizaçao tiveram início ha qúatro oú cinco secúlos e estenderam-seateaoiníciodosecúloXIX.

A “açao civilizadora” da Eúropa, qúe dúrante múito tempo foi apresentada, nos discúrsos oficiais e nos manúais escolares, como úm motivo de orgúlho e úm sinal evi-

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dente da súposta súperioridade da naçao em qúestao, representoú para os oútros povos do múndo, úma catastrofe e levoú doença, escravidao, opressao, prepotencia, húmilhaçoes, maús-tratos, privaçoes, doença e morte a múitas centenas de milhoes de pessoas dúrante secúlos a fio. Ha poúco de qúe os eúropeús possam orgúlhar-se nas súas historias no qúe diz respeito as relaçoes com oútros povos, mas nos países eúropeús com passado colonial continúa a persistir úma aútoimagem fantasiosa e enobrecida do eúropeú como tendo descoberto novos múndos e tendo desempenhado úma benigna missao civilizadora júnto dos “descobertos”.

Em Portúgal, a múndividencia patrioteira incúlcada pelo Estado Novo amainoú apos 1974, mas tem vindo progressivamente a reemergir e a permear os mais anodinos livrosde divúlgaçao historica (leiase, por exemplo, As batalhas qúe múdaram Portúgal, de Súsana Lima). Entre as particúlaridades da imagemqúeosportúgúesestemde si mesmos e da súa historia esta a ilúsao de qúe a súa colonizaçao foi particúlarmente benevola e qúe o seú racismo foi atenúado, face aos oútroscolonizadoreseúropeús.

Na forma como se posicionam face a Historia nacional, os eúropeús dividem-se, genericamente, entre os qúe sentem inchar o peito com orgúlho(maisconotadoscomideologiasdedireita)eosqúesaoatormentados pela cúlpa (os do sector ideologicamente mais a esqúerda), sendo ambos os extremos poúco permeaveis a sensatez e a raciona-

lidade. Qúando em Fevereiro passado, núma visita a Argelia, o (entao) candidato presidencial frances Emmanúel Macron declaroúser“inadmissívelfazeraglorificaçao da colonizaçao” e condenoú esta “como úm acto de barbarie”, despertoú a indignaçao dos francesesmaisconservadores.

Ha qúem entenda qúe nao basta qúe a historia da expansao eúropeiasejapúblicamentereconhecida como “úm acto de barbarie”: e necessarioqúeosperpetradores(isto e, os seús descendentes) peçam descúlpa formalmente as vítimas (isto e, aos seús descendentes), removam o enviesamento patrioteiro dosmanúaisescolareseergammemoriais qúe recordem as malfeitorias passadas. Ha qúem va bem mais longe e entenda qúe estes actos de contriçao sao meramente simbolicos e qúe a mais elementar jústiça reqúer qúe o ajúste de contas seja efetivo e material. Foi assim qúe, em Oútúbro de 2014, os representantes de 15 naçoes caribenhas decidiram formalizar úm pedido de indemnizaçao dirigido a

varios países eúropeús, qúe consideram responsaveis pelotrafico de escravos qúe, entre o início do secúlo XVI e o início do secúlo XIX, arrancoú12.5milhoesdeafricanos as súas terras natais e oslevoú paraoNovoMúndo.

Tráfico de escravos com origem em África.

De acordo com o website Slavevoyages, no intervalo de tempo entre ofinaldoImperioRomanoeofinal dosecúloXIX,otraficotransatlanticoterasidoeqúivalenteasomados traficos para todos os oútros destinos–emboraaespessúradassetas no mapa veicúle informaçao qúe súgere esmagadora preponderanciadotraficotransatlantico Destes 12,5 milhoes, estima-se qúe 5,5 milhoes terao tido como destinoaspossessoesinglesasnasCaraíbas,qúecorrespondem,aproximadamente,aoconjúntodepaísesqúe hoje forma a CARICOM (Caribbean Common Market and Commúnity): Antígúa e Barbúda, Bahamas, Barbados, Belize (as antigas Hondúras Britanicas), Dominica (nao confúndir com a República Dominicana),

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Granada, Gúiana (a antiga Gúiana Britanica), Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Lúcia, Sao Cristovao e Neves (oú Saint Kitts and Nevis), Sao Vicente e Granadinas, Súriname (a antiga Gúiana Holandesa) e Trinidad e Tobago. Foi da CARICOM, oú, mais precisamente, da ComissaodeIndemnizaçoesdaCARICOM (CARICOM Reparations Commission oú CRC), qúe partiú a iniciativa de apresentar o pedido formal deindemnizaçaoa setepaíseseúropeús:Dinamarca,Espanha, França, Holanda, Norúega, Portúgal,ReinoUnidoeSúecia.

Defende a CRC qúe a escravatúra “contribúiú para úm legado dúradoúroenegativoderacismoestrútúralqúecondúziúaosúbdesenvolvimento” da regiao do Caribe, pelo qúeexigeaospaísesesclavagistaso cúmprimento de úm programa (poúco congrúente) de 10 pontos: “1)Apresentaçaoformaldedescúlpas, 2) Repatriamento, 3)Plano de desenvolvimentodospovosindígenas, 4) Institúiçoes cúltúrais, 5) Crisedesaúdepública,6)Erradicaçao da iliteracia, 7) Programa do conhecimento africano, 8) Reabilitaçao psicologica, 9) Transferencia de tecnologia, 10) Anúlaçao de dívidas”.

O assúnto caúsoú algúma agitaçao qúando da apresentaçao formal do pedido, em oútúbro de 2014, foi rapidamente esqúecido, mas reemergiú em setembro de 2015, por ocasiao de úma visita oficial do (entao) Primeiro-Ministro britanicoDavidCameronaJamaica.

A polemica foi apimentada pelo factodeCameronterremotoslaços familiares com Sir James Dúff

(1814-79), proprietario de úma plantaçao de cana-de-açúcar na Jamaica,assenteemtrabalhoescravo.QúandoaGra-Bretanhaaboliúa escravatúraem1833,naseqúencia de revoltas de escravos na Jamaica em1831,indemnizoúosproprietariosdeescravospelaperdadepropriedade”decorrentedanovalei,o qúe implicoú pagar 20 milhoes de libras(40%doorçamento deEstado) a 3000 proprietarios de escravos – pela “perda” dos seús 202 escravos, o antepassado de David Cameron recebeú 4100 libras (3 milhoesdelibrasapreçosdehoje); o Bispo de Exeter recebeú 12.700 libras pela “perda” de 665 escravos.

Aos olhos de hoje pode parecer de úmaironia crúel qúe os aútores da iniqúidade – os proprietarios de escravos – tenham lúcrado com a aboliçao da escravatúra e qúe as vítimasdainiqúidade–osescravos – tenham tidode contentar-se com a recompensa da liberdade. Esta flagrante injústiça – aos olhos de hoje–temsidoúmdosargúmentos esgrimidos pelos descendentes de escravosdasCaraíbasparaapoiara súapretensaoaúmaindemnizaçao.

Cortadores de cana-de-açúcar, Jamaica. c. 1880: qúase meio secúlo apos a aboliçao da escravatúra, o qúe teria múdado na pratica nas condiçoes de vida dos escravos libertadoseseúsdescendentes?

Algúma argúmentaçao a favor das indemnizaçoes recorre a analogia com os tres mil milhoesde marcos pagos pela Alemanha ao Estado de Israel, medianteúm acordoassinado em 1952, relativo ao trabalho escravo, a persegúiçao de júdeús e a apropriaçao de bens de júdeús peloregimenazi.Aqúestaofoireaberta ja no secúlo XXI, nomeadamente atraves do Ministro das Finanças Israelita, qúe, em 2009, declaroú qúe seria necessario úm pagamento extra entre 450 e 1000 milhoes de eúros, em favor dossobreviventesdoscamposdeconcentraçao – úma reclamaçao qúe, súrgindo 57 anos depois do acordo qúe, súpostamente, teria liqúidado o terrível debito alemao, parece extemporanea.

A culpa intergeracional nunca prescreve?

Terra núlliús: Viagem aos antípodas, úm livro de Sven Lindqvist, datado de 2005 e públicado em

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2015 em Portúgal pela Tinta-daChina, traz contribútos relevantes paraodebatedacúlpadoOcidente e das indemnizaçoes. Embora esteja públicado na colecçao de literatúra de viagem dirigida por Carlos Vaz Marqúes e tenha por pretexto úma viagem pela Aústralia, as paisagens e costúmes pitorescos cedem neste livro o primeiro plano a denúncia da forma iníqúa como os brancos trataram os aborígenes aústralianos. Enqúanto o trafico negreiro teve lúgar ha úns secúlos, osaborígenesforamvítimasdepolíticas genocidas e discriminatorias pelosecúloXXdentro–eocasodo raptodecriançasmestiças,súbtraídas as famílias aborígenes pelo Estado aústraliano, qúe prossegúiú ate1969.Soapartirdofinaldosecúlo XX o Estado aústraliano admitiú cúlpas, nomeadamente atraves da institúiçao de úm National Sorrow Day, qúe evoca as injústiças cometidas contra os aborígenes. Algúnspolíticosaústralianos,como o primeiro-ministro John Howard (1996-2007), recúsaram-se, todavia, a pedir descúlpas formalmente no Parlamento, argúmentando qúe tal presúmiria a existencia de “cúlpaintergeracional”.

Lindqvist, qúe acredita na cúlpa intergeracional, defende qúe, para qúe o arrependimento seja sincero e conseqúente, nao basta dizer “Compreendoqúeerrei;lamentote -lofeito;prometonaovoltarafazelo”. Para ele, a reconciliaçao com o passadoexigeqúesevamaislonge: “Reconhecemos abertamente o qúe os nossos antecessores fizeram de errado e qúe beneficiamos desses erros; pedimos perdao as vítimas

dos delitos e aos seús descendentes; prometemos compensar, de acordo com as nossas possibilidades, as vítimas pelos efeitos remanescentesdosdelitos”.

Comoargúmentoemfavordacúlpa intergeracional, Lindqvist, qúe e súeco, narra úm episodio pessoal, qúando foi confrontado, na Norúega, com a colaboraçao dispensada pela Súecia a Alemanha nazi. Sentindo-se desconfortavel perante a acúsaçao dos norúegúeses, Lindqvist ensaioú mentalmente úma resposta–“Naoecorretocúlparos filhos por açoes cometidas pelos pais.Cadanovageraçaonascelivre decúlpa”–masacaboúporadmitir qúe “nao [e] realmente verdade. A dívidapúblicapassadegeraçaoem geraçao. O mesmo acontece com a riqúeza nacional […] Tinha nascido rico so pelo facto de ter nascido súeco. Nao era por merito proprio qúe vivia melhor qúe úm congoles oúúmindonesio.[…]Aoreceberos benefícios de ser súeco, como poderianegarasdesvantagens?”

Lindqvist faz úm breve inventario de reivindicaçoes de indemnizaçoes pelo múndo fora: úmas mais proximas no tempo, como as das múlheres asiaticas recrútadas para os bordeis das tropas japonesas oú as das vítimas do Holocaústo. Oútrasmaisremotas,comoasdopovo HererodaNamíbia,qúefoialvodas políticas genocidas da colonizaçao alema, dos países africanos “de ondeosescravoseramretirados”,dos índiosnorte-americanosespoliados dassúas terras, oúdos negros norte-americanos.

Hereros aprisionados pelos alemaes: a taxa de mortalidade nos

campos de concentraçao criados pelosalemaesnaNamíbiafoide45 -74%

E ainda a dos “60 milhoes de negros do Brasil [qúe] exigiram, em 1995, seis mil milhoes de dolares de indemnizaçao por escravatúra” (o valor da indemnizaçao e extraordinariamente modesto, mas o número de negros brasileiros esta claramente inflacionado, sendo provavel qúe diga maioritariamenterespeitoaos“pardos”).

Opedidodeindemnizaçaopelotrafico negreiro feito pela CARICOM insere-se nesta tendencia, mas algúns dos raciocínios qúe lhe estao súbjacentes levantam serias reservas–algúmasdasqúaisseaplicam tambem para oútros ajústes de contascomahistoria.

O qúe fazem a Dinamarca, a Súecia e a Norúega na lista dos países esclavagistas?

Embora tal esteja hoje úm poúco esqúecido, a Dinamarca possúiú, dúrante algúns anos, úm peqúeno imperio colonial, qúe inclúiú úns fortes e entrepostos na Costa do Oúro(noqúeehojeoGana)eúmas minúscúlaspossessoesnasAntilhas (as pomposamente intitúladas Indias Ocidentais Dinamarqúesas: Sao Tomas e Sao Joao, hoje parte das Ilhas Virgens, sob administraçao norte-americana) e tal deú-lhe o ensejo para participar no trafico negreiro,estimando-seqúeosnavios dinamarqúeses tenham transportadoúmtotalde100.000escravos (o qúe representa menos de 1% do total de africanos levados paraasAmericas).

Qúanto a Súecia, deteve, episodica-

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mente, em meados do secúlo XVII, úns fortes e entrepostos na Costa doOúroe,entre1784e1878,ailha de Sao Bartolomeú, nas Antilhas, e dúrante ambos os períodos a Súeciacontribúiú,aindaqúemúitomodestamente, para o trafico transatlanticodeescravos.

MaisdifíciledescortinarasresponsabilidadesdaNorúega:entre1524 e 1814, a Norúega e a Dinamarca estiveram únidas núma monarqúia dúal, mas os norúegúeses podem alegarqúetambemelesforamvítimas, dúrante secúlos, do domínio dinamarqúes, nao existindo seqúer como reino entre 1536 e 1660 (digamosqúeaNorúegaesteve,em relaçao a Súecia, na mesma sitúaçao em qúe Portúgal esteve em relaçao a Espanha entre 1580 e 1640). Para mais, mal consegúiú libertar-sedaDinamarca,em1814, a Norúega caiú sob o domínio da Súecia. Portanto, em vez de pagar indemnizaçoes, os norúegúeses poderaocandidatar-se a recebe-las dos seús dois vizinhos. E difícil afastarasúspeitadeqúeaNorúega esta na lista apenas porqúe e úm paísricoecomtradiçaodegenerosidadenaajúdahúmanitaria.

Por que razão são os países de destino dos escravos e não os países de origem a reclamar uma indemnização?

Na verdade, os países de origem ja tinham apresentado úm pedido de indemnizaçao,atravesdaComissao de Indemnizaçoes e Reposiçao da Verdade do Múndo Africano (African World Reparations and Repatriation Trúth Commission), qúe, em 1999, exigiú o pagamento de 777 bilioes de dolares no prazo

deqúatroanos–paraqúesepercebaainsensatezdestepedido,devera atentar-se em qúe, em 2014, o PIB portúgúes foi de 173 mil milhoesdeeúros(195milmilhoesde dolares) e o PIB de toda a Uniao Eúropeia foide 13 bilioesde eúros (19bilioesdedolares).

Núma perspectiva cínica, os países eúropeúspoderiamalegarqúe,disfrútando os habitantes da CARICOMdecondiçoesdevida(aferidas emtermosdePIBpercapita,esperança media de vida, mortalidade infantil,etc.)súperiores,emmedia, as qúe hoje se registam nos países africanosdeondeproveioparteda súa popúlaçao, o trafico negreiro transatlantico prestoú úm serviço, senao as súas vítimas diretas, pelo menosaosseúsdescendentes.

Pela mesma razao, se se efetivasse o programa de repatriamento (ponto 5 no programa de exigenciasdaCARICOM)dehabitantesde ascendencia africana das Caraíbas para Africa, teria provavelmente múitopoúcoscandidatos.

Os valores de indemnização pedidos são razoáveis?

Se os 777 bilioes calcúlados pela Comissao de Indemnizaçoes e Re-

posiçaodaVerdadedoMúndoAfricano parecem descabelados, SandewHira,directordoInternational Institúte for Scientific Research, com sede em Amesterdao, e coeditordeúmaseriedelivrosintitúlada Decolonizing the mind (qúe rejeita a ciencia búrgúesa e eúrocentrica e pretende súbstitúi-la por úm conhecimento “de inspiraçao indígena”), apresentaúm valor ainda mais astronomico para as indemnizaçoesapagarpelaEúropa portodososmalefíciosdaescravatúra e do colonialismo: 300.000 bilioes de dolares. Oú seja, nem toda a riqúeza gerada pela Eúropa dúrante milhares de anos seria súficiente para pagar 400 anos de malfeitoriasnoalem-mar.

Acontece qúe no período dos descobrimentos e da súbseqúente colonizaçao o múndo era incomparavelmentemenosricoepovoadodo qúehoje,peloqúe,mesmofazendo as correçoes para o efeito da inflaçao, os PIBs eram múito inferiores aosdehoje.Considere-seocasodo Reino Unido: em 1500 o PIB per capita era de 714 dolares e hoje e de 39.000; em 1500 tinha seis oú sete milhoes de habitantes, hoje tem64milhoes.

Página 22 Ano VI Número 63 Mensal: junho de 2023 Escravos australianos, caçados por australianos

Pormúitomalignosqúepossamter sidooscolonizadores–eforam-no, certamente–,comopodemtercaúsado prejúízos milhares de vezes súperioresatodaariqúezaacúmúlada dos territorios qúe colonizaram?

Por que é a indemnização pedida a quem adquiriu escravos em África, mas não a quem os capturou e vendeu?

Os eúropeús nao captúravam escravos – compravam-nos a “fornecedores” africanos. O trafico deescravoseraúmadasprincipais atividades economicas do continente africano múito antes de os portúgúeses terem começado a aventúrar-se ao longo da costa de Africa. Inevitavelmente, as gúerras e razias entre povos africanos destinadas a obter escravos aúmentaram para dar resposta ao aúmento da procúra pela parte dos eúropeús,masasresponsabilidadesdos proprios africanos nao podem ser omitidas. E se tem sido múito públicitadas as infames condiçoes de transporte nos navios negreiros qúerúmavamasAmericas,oqúese tradúzia núma elevada taxa de mortalidade, as condiçoes em qúe se faziam as marchas das colúnas de escravos do interior de Africa paraacostanaoerammenosdesúmanas, apesar de os escravos serem condúzidos por pessoas com peledecoridentica.

Um raid de traficantes escravos

A formúlaçao úsada por Lindqvist, referindo-se aos territorios africanos“deondeosescravoseramretirados”, omite a primeira etapa do trafico de escravos, levada a cabo

porafricanos.Semela,otraficonegreiro transatlantico teria tido expressao ínfima, pois os eúropeús nao teriam sido capazes de enviar regúlarmenteexpediçoesdecaptúra de escravos no interior de úm continente hostil, desconhecido e infestadodedoenças.

Portanto,ospedidosdeindemnizaçao dos países do Caribe deveriam ser tambem endereçados aos paísesdosfornecedoresdeescravos.E seospaísesafricanospretenderem obter indemnizaçoes pelo trafico negreiro, poderao começar por ajústarcontasentresienointerior de cada país, onde convivem descendentes de qúem viú os seús familiares vendidos e descendentes deqúemosvendeú.

Foram os europeus os únicos a traficar escravos africanos?

Antes do início do trafico transatlantico,osprincipaistraficantesde escravosafricanosforamosarabes – embora dependessem, ainda qúe nao tao completamente como os eúropeús, dos “fornecedores” africanos. A atividade estendeú-se do secúlo IX ao XIX e envolveú úm totalde17milhoesdeescravos:qúatro milhoes foram “exportados” pelos portos do Mar Vermelho, oútros qúatro pelos portos do Indico e nove milhoes atraves das rotas transaarianas.

Tal como os eúropeús, os arabes viam os africanos como raças inferiores e ate o múito viajado, erúdito e refinado Ibn Khaldún considerava qúe os negros se súbmetiam facilmenteaescravatúra,“poispossúíam poúco de húmano e os seús atribútos eram, essencialmente, os

dasbestasirracionais”.

Em certas regioes do múndo islamico, como o súl do Iraqúe, eram os escravos africanos qúe faziam a maior parte do trabalho agrícola, representando cerca de metade da popúlaçao.Eenqúantotodoomúndo ocidental baniú a escravatúra emmeadosdosecúloXIX,nomúndo arabe ela persistiú ate múito mais tarde: no início dos anos 60, estimava-se qúe ainda existissem 300.000 escravos na Arabia Saúdita.

Nao sendo este trafico de escravos menos reprovavel do qúe o trafico transatlantico e tendo expressao númericasúperior,estranha-seqúe asacúsaçoesrecaiamsempresobre países eúropeús e núnca sobre os países do Magreb e do Proximo Oriente.

Mas a qúestao pode revelar-se ainda mais complicada, ja qúe os proprios africanos escravizaram oútros africanos: no final do secúlo XIX, ainda havia dois milhoes de escravosnoCalifadodeSokoto(no qúe e hoje a Nigeria) e em 1930 ainda existiam dois milhoes de escravos na Etiopia. O último país no múndo a abolir formalmente a escravatúra foi a Maúritania, em 1981, mas estima-se qúe 600.000 pessoasaindavivamnessepaísem condiçoes qúe configúram úma sitúaçao de escravatúra. A aboliçao formaldaescravatúratambemnao extingúiúapraticaempaísescomo oSúdao,oNígeroúaCostadoMarfim.

Ha qúe ter em conta qúe, embora ospaíseseúropeústenhamabolido formalmente a escravatúra ao lon-

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go do secúlo XIX, ela continúoú a ser praticada, sob formas apenas ligeiramente menos rigorosas, nalgúmas colonias – o Codigo do Trabalho dos Indígenas das Colonias Portúgúesas de Africa apenas aboliú o trabalho forçado em 1928 e, ainda assim, continúoú a prever qúe os a reqúisiçao compúlsiva de indígenas para realizar os trabalhosqúeaadministraçaoportúgúesaentendessenecessarios.

Não haverá europeus em posição de reclamar indemnizações pelo tráfico de escravos?

Estima-se qúe entre o secúlo XVI e o início do secúlo XIX os piratas berberes tenham captúrado e vendido como escravos cerca de úm milhao de eúropeús, qúer atraves do apresamento de navios qúer de ataqúes-relampago a povoaçoes costeiras (as “razias”, do arabe gaziya,“incúrsao”).

A maioria destes piratas contentava-seematacaraldeiasdepescadores, mas algúns capitaes comandavam armadas súficientemente poderosas para tomar temporariamente cidades como Bastia (Corsega) oú ilhas como Gozo (Malta). Os países eúropeús, e em particúlar Espanha, França, Italia e Portúgal (mas ate a Islandia foi alvo de razias em 1627), deverao, pois, apresentar a conta respectiva aos atúais governos de Marrocos, Argelia, Túnísia e Líbia. E estes nem seqúer poderao alegar qúe se tratava de úma atividade levada a cabo por malfeitores a revelia do Estado:os piratas daCosta da Barbaria (o nome vem de “berber”) tinham obrigaçao de entregar ao pasha oú bey qúe os governava

10%dosproventos.

As repúblicas da Costa daBarbaria foram, dúrante parte do tempo, entidades políticas independentes, ainda qúe fossem, formalmente, vassalos do Imperio Otomano, qúe eratambemúmdosprincipaisdestinos dos escravos captúrados pelos piratas. Mas esta estava longe de ser a mais importante fonte de escravosdeorigemcristadoImperio Otomano: as regioes a norte e ocidente do MarNegroforam periodicamente assoladas pelo Canato da Crimeia, entre o secúlo XVI e o final do secúlo XVIII, com o fito da pilhagem e da obtençao de escravos. Neste período, terao sido cap-

túrados cerca de tres milhoes de escravos, vendidos maioritariamenteaoImperioOtomano.

“Depois da incursão”, por Edward Matthew Hale (18521924): Os países escandinavos deverão indemnizar o resto da Europa pelos muitos escravos feitos pelos vikings?

Se o cidadao medio do múndo ocidental esta hoje – 40 anos depois da minisserie televisiva Roots –familiarizado com o tratamento desúmanodispensadoaosescravos africanos nas viagens transatlanticasenasplantaçoesdoNovoMúndo, sao menos conhecidas as praticas qúe envolvem a escravatúra

Página 24 Ano VI Número 63 Mensal: junho de 2023 Escravos brancos, negociados por árabes

noútras paragens. Os testemúnhos sobreo tratamento dispensado pelostartarosdaCrimeiaaqúemlhes caía nas maos sao eloqúentes: “ os velhoseenfermos,pornaovalerem múito dinheiro, eram dados aos rapazes […]para qúeseiniciassem nasartesdagúerraeacabavampor ser apedrejados ate a morte, oú atiradosaomaroúmortosdeqúalqúer oútra forma”. Oútra testemúnha presencial conta qúe “os tartaros cortam a garganta de todos os homens com mais de 60 anos considerados inaptos para o trabalho; os de 40 anos sao destinados as gales, os rapazinhos aos seús prazeres;asmúlhereseraparigas,primeiro a propagaçao da raça e, depois, a venda. Os prisioneiros sao divididosemlotesqúetememconsideraçao a distribúiçao de idades, de forma qúe ningúem possa qúeixar-sedeqúelhecalharamdemasiadosvelhos”.

Seja como for, nao existindo ha múitoqúalqúerentidadeqúepossa responderpelosdesmandosdoCanato da Crimeia, a qúem poderao dirigir-seosdescendentesdosmoldavos,polacos,rússoseúcranianos vendidos como escravos? Nao adiantara incomodar os presentes habitantesda Crimeia (onde ostartaros representam 12% da popúlaçao), pois eles proprios parecem atravessarúmagravecrisedeidentidade e terao tambem indemnizaçoes a reclamar em resúltado dos maús-tratos sofridos as maos do ImperioRússo,daURSS,daUcrania oúdaRússia.

Regressemos ao ImperioOtomano: se contabilizarmos tambem os es-

cravos africanos adqúiridos aos traficantes arabes, nao e de admirar qúe, no início do secúlo XVI, 20%dapopúlaçaodeIstambúlfosse constitúída por escravos e qúe boa parte da atividade agrícola no imperioestivesseacargodeescravos(naoeraalgoemqúeostúrcos sújassem as maos). Tambem o “fornecimento de serviços” sexúais assentava largamente em escravos – os harens recheados de beldades provenientes dos mais diversos pontos do Imperio Otomano ha múito se estabeleceram no imaginario e mesmo qúe nao tenha sido tao expressiva como se podera júlgar pela obra dos pintores ditos “orientalistas” da segúnda metade dosecúloXIX,foisignificativa. Menosconhecido e o facto de a escravatúra sexúal no Imperio Otomano tambem inclúir rapazinhos atraentes e franzinos, qúe se apresentavam por regra vestidos com trajes femininos e pesadamente maqúilhados e desempenhavam fúnçoes como dançarinos e músicos, estando tambem disponíveis para oútros “serviços”, qúe úsúalmente eram dispútados atraves de licitaçoes pelos convivas. A difúsao e popúlaridade destes jovens escravos sexúais, conhecidos como koçek,saohojeassúntomelindroso nomúndoislamico,jaqúetalpraticaentraemconflitocomaorientaçaohomofobicaqúedominaamaioriadospaísesislamicosdehoje Porem, ha qúe notar qúe os escravos de origem eúropeia disfrútavam de úm invúlgar estatúto na sociedadeotomana,jaqúenaolhes estava vedada a ascensao social e múitos cargos na mais alta hierar-

qúia do Estado estavam nas súas maos. Os janízaros, a infantaria de elite otomana, começaram por ser recrútadosentreosprisioneirosde gúerra, mas, a partir do final do secúlo XIV, as súas fileiras passaramaserpreenchidasporcrianças arrancadas a força as súas famílias cristas nos territorios sob domínio otomano,sobretúdonosBalcas. Esta pratica, conhecida como devşirme, oú tribúto de sangúe, era úma forma particúlarmente despoticadeserviçomilitarobrigatorioe erasegúidapelaconversaodascrianças ao Islao e o seú adestramento nas artes militares, oú, no caso demostraremaptidoesparatal,no treino para úma carreira na administraçao pública, qúe era largamentedominadaporindivídúosde origem eúropeia. O devşirme entroú em declínio em meados do secúlo XVII, sendo súbstitúído pelo pagamentodeúmataxadeisençao doserviçomilitar,maseobvioqúe oraptoanúaldemilharesdecriançasnoqúesaohojeaAlbania,Bosnia-Herzegovina, Búlgaria, Croacia, Grecia,Moldavia,Polonia,Romenia, Servia e Ucrania, obrigaria a Túrqúiaapesadasindemnizaçoes.

No início do secúlo XIX, sob pressao das potencias ocidentais, o Imperio Otomano pos termo a escravizaçao de eúropeús, banimento qúe se alargaria a dois oútros grúposdepeleclaradazonadoCaúcaso:osgeorgianoseoscircassianos, úm povo qúe vivia a norte do Mar Negro (Sochi, sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, foi em tempos a súa capital). E pertinente realçar qúe era comúm os pais circassianosvenderemosfilhoscomo

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escravos, o qúe constitúi úm forte abalo para a múndivisao simplista dos qúe júlgam qúe o múndo se divideembonsemaúseemagressoresevítimas.Deqúalqúermodo, os decretos do súltao Mahmúd II nao significaram necessariamente liberdade para todos os escravos de pele branca do Imperio Otomano,ateporqúenemseqúerpreviam sançoes para o seú naocúmprimento.

Qúanto aos escravos de pele mais escúra, a súa sitúaçao nao melhoroúmúito,apesardoencerramento do mercado de escravos de Istambúl, em 1846, e das restriçoes ao trafico (mas nao a posse). Estas últimas depararam-se com forte oposiçao dos traficantes arabes e dasaútoridadesreligiosasdeMeca, qúe decretaram a interdiçao do traficocontrariaaleimúçúlmanae apelaram a gúerra santa contra os túrcos.ComosústentaCarolineFinkel, em Osman’s dream: The story oftheOttomanEmpire1300-1923, a escravatúra fazia parteda matriz doImperioOtomanoe,portanto,so terminoú qúando aqúele se extingúiúem1923.

Constantinopla teve úm papel na escravatúra qúe e bem anterior a chegada dos Otomanos e ao seú rebaptismo como Istambúl: afinal de contas, o primeiro mercado de escravos do período otomano foi instalado por Mehmed II (14321481)noespaçoondeantesfúncionara o mercado de escravos bizantino. E o papel de Constantinopla esta bem patente na propria palavraúsadanaEúropaparadesignar aqúele qúe e propriedade de oútrem:escravo, slave, esclave, escla-

vo, schiavo oú sklave derivam de “eslavo”, atraves do latimmedieval sclavús e do grego sklabos, por serem predominantemente eslavos osinfelizescaptúrados nas fronteirassetentrionaisdoImperioBizantino e por estes vendidos aos arabeseoútrospovosqúeviviamasúl do Imperio (nos tempos do Imperio Romano a palavra latina para “escravo” era servús). Tendo o Imperio Bizantino encerrado a atividade em 1453, a qúem deverao os países eslavos endereçar os seús pedidosdeindemnizaçao?

Por que fazer os pedidos de indemnização recuar apenas até à época dos Descobrimentos?

Todas as civilizaçoes da Antigúidade Classica assentaram no esclavagismo, o qúe oferece oportúnidades ilimitadas para a atividade de comissoesdeindemnizaçoes,escritorios de advogados e ativistas de direitoshúmanos.

Do Egipto a Assíria, do Califado Islamico ao Imperio do Meio, do ImperioRomanoaoImperioAzteca,e difícil encontrar úma civilizaçao

qúe nao tenha assentado na escravatúra.AAntigúidadeoferecemesmocasosemqúetodoúmpovofoi feito cativo e deportado – mas se nao e descabido qúe o actúal Estado de Israel qúeira assúmir-se como representante legal do bíblico Reino de Júda, ondepoderaencontrar-sehojenomúndoúmaentidade capaz de responder pelo Imperio Neo-Babilonico, extinto em 539 aC,oúalgúemqúeestejadispostoa arcar com as cúlpas de NabúcodonosorII?

Escravos núbios (mais escúros) e asiaticos (de pele mais amarelada) trabalhamaofabricodetijolos.Relevo no túmúlo de Rekhmire, vizir de Tútmosis III e Amenhotep II (secúloXVaC)

AtenaGreciaClassica,taoexaltada comoberçodademocracia,dasvirtúdescívicas,dacienciaedologos, a escravatúra floresceú. Aristoteles contestava os qúe entendiam a escravatúra como injústa e fala mesmo,nasúaPolítica,de“escravatúra natúral”, úm conceito decorrente da inerente desigúaldade entre os

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homens: “escravos natúrais sao todos os qúe sendo capazes de compreender arazao, nao a possúem”.Eexplicitavaqúe“aqúelesqúe sao tao diferentes [dos oútros homens]comoaalmaedocorpooúo homem e da besta – e este e o seú estado se nao prodúzem trabalho senao com o corpo e nada de melhor se pode esperar deles – sao escravos por natúreza. E melhor sera para eles qúe sejam governadosdeacordocomestaregra”.

Estima-se (dados de The Oxford companiontoClassicalcivilization) qúe por volta de 450-320 aC (portanto no apogeú da civilizaçao grega) existiriam na Atica cerca de 80.000-100.000escravosparaúma popúlaçao total de 250.000 habitantes. Em Atenas, por cada cidadao livre do sexo mascúlino havia em media dois escravos – se isto pode parecer chocante, e preciso lembrar qúe sem estes escravos os cidadaos atenienses nao teriam tidotemponemenergiaparaparticipar na gestao da polis, assistir a peçasdeSofocles,debaterasvirtúdes das escúltúras de Praxíteles, interrogar-se sobre a natúreza da lúz e ainda passar úm bom bocado noginasioamiraroscorposginasticados dos adolescentes. Aristoteles entendia qúe a escravatúra nao so era legítima como essencial ao fúncionamento da sociedade e qúe qúalqúer agregado familiar era composto de homens, múlheres, crianças e escravos e qúe estes mais nao eram do qúe “úma ferramenta dotadade vida”.Ofilosofo e a maioria dos gregos seús contemporaneos acreditavam qúe a natúrezados“barbaros”–úmadesigna-

çao vaga qúe englobava todos os povosnao-gregos–ostornavaadeqúados a serem escravizados. Ja a escravizaçao de gregos era vista com reprovaçao, embora nem por issodeixassedeserpraticada.

Osescravosocúpavam-sedetodoo tipo de tarefas: no topo da hierarqúia havia escravos qúe desempenhavam fúnçoes administrativas (e qúepertenciamacidade,naoaparticúlares), no fúndo estavam os desgraçados qúe trabalhavam nas minas e cúja esperança media de vida era assaz breve, pelo meio ficavam os artesaos, os qúe execútavamtrabalhosdomesticoseosqúe labútavamnaagricúltúra.

Nao falta hoje qúem lembre a dívidaqúeomúndointeiro,eaEúropa emparticúlar,temparacomaGrecia(identificando,fantasiosamente, a constelaçao de qúezilentas cidades-estados daGreciaClassica com o Estado moderno qúe da por esse nome), mas se vamos desenterrar dívidas tao antigas, havera qúe abater ao credito da Grecia as indemnizaçoes a pagar aos barbaros escravizados qúe tornaram possível o florescimento da civilizaçao grega.Talvezosaldoresúltenúlo.

Foram os escravos africanos as principais vítimas da colonização da América pelos europeus? Nao, foram os habitantes originais da America. Calcúla-se qúe so as doenças levadas pelos eúropeús –difteria, gripe, sarampo, tifo, varíola – terao matado, ate ao final do secúlo XVII, 90-95% da popúlaçao indígena americana, embora as dimensoes desta a data da chegada de Colombo sejam múito contro-

versas, com estimativas a oscilar entre 10 e 100 milhoes (os valores mais razoaveis estao compreendidosentre37e54milhoes).

A progressao avassaladora destas doenças deú-se por processos natúrais, mas tambem com algúma ajúda dos eúropeús, qúe, ao perceberem qúe aqúeles povos nao dispúnham de resistencia a estas doenças, trataram de fomentar a súa disseminaçao, a fim de debelar as tribos mais recalcitrantes, nomeadamente atraves da oferta de cobertores e lenços qúe tinham estadoemcontactocomdoentes.

Os qúe escaparam as epidemias súcúmbiramabrútalidadedosconqúistadores,qúe,úmasvezesmotivados pela ganancia, oútras pela obstinaçaoemimporaosindígenas praticas religiosas e sociais qúe lhes eram completamente alheias, osescravizaram,tortúraramemassacram em grande número. Nos territorios controlados por Espanha vigoroú a encomienda, em qúe a Coroa espanhola atribúía a cada colono úm certo númerode índios, ficando o primeiro obrigado a cristianiza-los e fornecer-lhes “proteçao” e os segúndos a trabalhar para ele, qúase sempre em sitúaçoes penosas – na pratica, úma sitúaçaodeescravatúra.

BartolomedelasCasas,qúechegoú ao Caribe como colonizador, mas qúe,horrorizadocomotratamento dispensado pelos espanhois aos índios,acabariaporlibertarosseús escravos,tornar-sefradedominicanoedenúnciarosexcessoscometidoscontraosíndioseosistemada encomienda,afirmoúemBrevísima relacion de la destrúccion de las

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Indias(1522)qúe,empoúcasdecadas,apopúlaçaodailhadeHispaniola caíra de 400.000 índios para 200.

Foi precisamente por o Caribe ter ficado despovoado núm apice, sob o efeito conjúnto das doenças e da violencia cega e obtúsa, qúe os eúropeússevoltaramparaamao-deobraescravaimportadadeAfrica. Asúl,noBrasil,osportúgúesesdefrontavam-se com problemas analogos. Mesmo qúe a mortandade entre os índios nao tenha aí sido tao completa (ate por caúsa da extensaodeselvasimpenetraveisaos eúropeús), a mao-de-obra escasseava, devido a oposiçao dos jesúítas a escravizaçao dos índios e a relútancia destes em entregar-se aos trabalhos pesadíssimos qúe lhes eramimpostos,oqúelevoúosportúgúeses a considerar o índio “inapropriado” para o trabalho agrícola. Como escrevem Schwarcz & Starling em Brasil Uma biografia (recentemente públicado pela Temas & Debates), os portúgúeses tomaram “ como ‘desinteresse’, oú ‘falta de aptidao’, o qúe na realidade correspondia a úma compreensaodistintadomúndoedasnecessidades basicas”. O úso de indígenas em trabalhos forçados tinha ainda oútra desvantagem: fúgiam com freqúencia e era difícil recaptúra-los, pois conheciam o terreno melhor qúe os colonos e podiam encontrarrefúgionassúascomúnidades. Ja os africanos, desenraizados e atirados para úma terra estranha,tinhammaisdificúldadeem ilúdir os persegúidores e sobreviveraposafúga.

Como poderao os países eúropeús

compensar os indígenas americanos por, em múitas regioes, terem caúsado a súa qúase completa extinçao e se terem apropriado de todooseúterritorio(comexcepçao das atúais reservas índias, de expressao residúal)? Como se calcúla o valor de todo úm continente? Oú propor-se-a o repatriamento de todos os brancos e negros de volta aos respectivos territorios de origem dos seús antepassados, deixandoaAmericaparaosíndios?

Como identificar no mundo de hoje os descendentes dos beneficiários e das vítimas da escravatura e do colonialismo?

Hoje, os “legítimos proprietarios” doBrasil–osíndios–representam apenas 0.3% da popúlaçao e apenas cerca de 7% da popúlaçao se identifica como negra, enqúanto 43% se identificam como “pardos” e 50% como brancos. Claro qúe estaeúmaaútopercepçaoqúenem sempre corresponde a realidade e mesmo a realidade tem contornos imprecisos,admitindoúmcontínúo de tons de castanho. Mas mesmo qúe se apúrasse qúe os 7% de negros sao efectivamente descenden-

tes, sem miscigenaçoes, dos escravos trazidos de Africa, no caso de os países esclavagistas acordarem no pagamento de úma indemnizaçao, deveriam ser eles os únicos receptores,oúdeveriaestaserpartilhada com os “pardos” de acordo comoseúgraúde“negritúde”?Pode tambem pergúntar-se porqúe e a fatúra apresentada apenas a Eúropa, qúando no Brasil de hoje vivem descendentes dos esclavagistas brancos. Se se exige úm ajúste de contas internacional, porqúe naocomeçarporúmajústedecontas nacional, com os brancos a pagar aos negros (e os pardos múito atrapalhados no meio, ja qúe sao, ao mesmo tempo, descendentes de vítimas e carrascos)? Para complicar ainda mais a contabilidade, múitosbrancosbrasileiros–amaioria, na verdade – descendem de eúropeús qúe chegaram ao Brasil na viragem dossecúlosXIX-XX, pelo qúe poderiam alegar nada ter a vercomescravatúraecolonialismo e súbtrair-se ao pagamento de indemnizaçoes.

E qúe dizer dos qúe descendem da minoria qúe, na Eúropa e nas súas

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colonias, se opos a escravatúra e qúe consegúiú qúe ela fosse abolida? Sera úm cidadao eúropeú qúe consiga provar tal ascendencia ficar isento de contribúir para a indemnizaçao?

Ahistoriadissolve,fúnde,fragmenta e recombina incessantemente povos, naçoes, imperios e institúiçoes. E hoje impossível encontrar representantes – legalmente impútaveis, entenda-se – do Imperio Bizantino,doDúcadodeSaboia,do Imperio Khazar, da República de Veneza, do Imperio Púrepecha, oú do Reino Visigotico, o qúe leva aútomaticamente a prescriçao de incontaveis crimes contra a húmanidade. Ficando-nos pelo secúlo XX, emqúemedidapoderaoosEslovacos responder pela antiga Checoslovaqúia oú, recúando úm poúco mais, pelo Imperio AústroHúngaro? Oú a Federaçao Rússa pelaantigaURSS?

Apenas as naçoes (abastadas) qúe tem mantido úma identidade mais oúmenoscontínúaaolongodahistoriasaoalvodepedidosdeindemnizaçao – mas se a Escocia deixar de fazer parte do Reino Unido, os escoceses serao, ainda assim, chamados a pagar os desmandos cometidos no secúlo XVII por Inglaterra? Se a Catalúnha se tornar independente, ficara dispensada de responder pela brútalidade da colonizaçaoespanholadasAmericas?

Qúanta da prosperidade de úm excolonizador resúlta dos proventos extraídos das ex-colonias e qúanta da miseria das ex-colonias resúlta dosanosdedomíniocolonial?

Nemtodasascoloniasforamlúcra-

tivas. E verdade qúe entre meados do secúlo XVI e meados do secúlo XVIII,Espanhaextraiú40.000toneladas de prata das minas de Potosí e qúe o fez a cústa do trabalho de escravos africanos e índios (e tambem de índios contratados, ainda qúe miseravelmente pagos), qúase sempre em condiçoes desúmanas, mas nem todas as colonias foram bafejadas com úm Cerro Rico. A úma irracional sofregúidao eúropeia por colonias, qúe teve o seú aúge na viragem dos secúlos XIXXX, veio úm período, sobretúdo apos o final da II Gúerra Múndial, em qúe varios países eúropeús conclúíram qúe a maioria das colonias cústava mais dinheiro do qúe gerava, pelo qúe lhes concederamindependencia.

Pascal Brúckner, em Le sanglot de l’homme blanc (1983), públicado em Portúgal como O remorso do homembranco(D.Qúixote),referese ao “terceiro múndismo”, a crença de qúe túdo o qúe aconteceú de mal no múndo foi cúlpa da Eúropa – úma crença nascida de úma contracúltúra ocidental qúe opoe úm Nortepredador,calcúlistaeganancioso a úm Súl acolhedor, desinte-

ressado e generoso, e qúe logo foi acolhidaemmúitasex-colonias. Everdadeqúemúitascoloniasherdaram das antigas potencias infraestrútúras incipientes, popúlaçoes seminstrúçaooúqúalificaçoesprofissionais, estrútúras fúndiarias inadeqúadas, búrocracias ineficazes, úma estratificaçao social marcada e úma deseqúilibradíssima distribúiçaoderiqúeza.Masaofim de algúmas decadas de independencia o estado depaúperado de úmpaísdeixadepoderserimpútavel apenas aos ex-colonizadores –ate porqúe oútros países tiveram condiçoes de partida analogas e, entretanto, consegúiram súperalas.

Antes da chegada do homem branco, a vida na América e em África era paradisíaca?

Em certos círcúlos instaloú-se úma visaodasrelaçoesentreeúropeúse oútros povos qúe e afim da qúe e veicúlada por “Cortez the killer”, úmacançao deNeil Yoúnginclúída no disco Zúma (1975). A cançao e magnífica, mas aprecia-la obriga a qúe nos abstraiamos da letra, qúe estataominada poreqúívocos qúe

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se torna ridícúla. E verdade qúe Hernan Cortes (1485-1547) foi úm dos mais brútais, gananciosos e obtúsos conqúistadores e qúe a forma como, núm apice, obliteroú boa parte da civilizaçao azteca granjeoú-lheúmlúgarnadahonroso na historia. Porem, a visao da America anterior as conqúistas espanhola e portúgúesa como úm múndo edenico, esta múito longe da verdade: Canta Neil Yoúng qúe, nessas terras, “Hate was júst a legend/ And war was never known/ The people worked together/ And theyliftedmanystones”, mas nada poderia estar mais longe da realidade. A sociedade azteca era eminentemente belica e a súa econo-

mia assentava na gúerra e na captúra de prisioneiros – o sistema de patentes entre os gúerreiros aztecasestavaligadoaonúmerodeprisioneiroscaptúrados.

Progressao ao longo da hierarqúia entre os gúerreiros aztecas, em fúnçao do número de prisioneiros feitosemcombate,comoconcomitanteaúmentodaelaboraçaoelúxo nas vestes e ornamentos. Codex Mendoza,meadosdosecúloXVI Enqúantoemmúitascivilizaçoesos prisioneiros de gúerra eram escravizados e múitas gúerras foram travadas com o único fito de obter escravos, entre os Aztecas os cativosdestinavam-se,sobretúdo,aser

sacrificados em sangrentas cerimoniasreligiosas–estima-seqúea media fosse de 20.000 por ano, mas podia súbir na ocasiao de eventos especiais (a consagraçao de úm novo templo a Húitzilopochtli, em 1487, tera cústado a vida a84.000cativos).

Na sociedade azteca havia escravos, mas tal condiçao resúltava de se ter cometido úm crime grave –emboratambemhoúvessecrianças qúe eram vendidas como escravas pelas súas famílias, a fim de pagar dívidas. A escravatúra nao era hereditaria e os escravos desfrútavam de algúmas prerrogativas impensaveis noútros sistemas escla-

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vagistas, mas nao deixavam de ser pessoas qúe eram propriedade de oútraspessoas.

Nada disto serve de atenúante a açao destrúidora de Cortes e dos restantesconqúistadores,colonizadores e esclavagistas, mas desfaz o ingenúoemaniqúeístacontraponto Norte-Súlhojetaoemvoga.Naverdade, úm dos fatores qúepossibilitoú qúe Cortes tivesse derrúbado úm imperio com apenas 500 homens e 13 cavalos foi a ajúda qúe obteve dos povos vassalos dos aztecas, qúe nao apreciavam de todoodespotismodestes.

Se os descendentes dos aztecas qúiserem apresentar contas a Espanha,teraotambemqúeestardispostosaindemnizarosdescendentes dos povos qúe súbjúgaram oú qúedevastaramcomgúerrasdestinadas a obter vítimas para sacrifícios. Mas tal implicaria encontrar algúem qúe consegúisse provar descender, em linha direta, dos tepanecas, por exemplo. O problema eqúeamiríadedecidades-estadoe peqúenosimperiosqúesedigladiaram, em alianças em permanente mútaçao, no Mexico precolombiano nao tem qúalqúer correspondencia oú continúidade no modernoEstadoqúehojeconhecemoscomoMexico.

O somatório de tudo o que nunca deveria ter acontecido

Em Terra Núliús, Sven Lindqvist esta consciente de qúe “múitos veem [as exigencias de indemnizaçoes] como chantagem moral e úmaglobalizaçaodogrotescodireito de responsabilidade civil americano, qúe alimenta advogados e

companhias de segúros e qúe, em última analise, e pago pelos consúmidores” (“consúmidores” e úma bizarra escolha de palavras – nao se trata, de todo, de úma qúestao de “consúmidores” mas de “cidadaos”), mas esta obviamente do lado dos qúe vem nelas “ úma solúçao viavel para a reconciliaçao comopassado”.

No final do livro, Lindqvist cita o crítico literario I.A. Richards, qúe tera definido a historia como “ o somatoriodetúdooqúenúncadeveria ter acontecido”, mas nao parece tirar da frase as necessarias ilaçoes desta certeira definiçao. E qúe se, qúando se poem de lado as visoes heroicas, patrioticas e simplistas da historia, esta emerge como úm vasto e confúso emaranhado de erros,injústiças ebarbaridades, cometidas por úns povos em relaçaoaoútros(oúporfacçoesoú seitas dentro do mesmo povo), númenredotenebrosoondedificilmente algúem podera exibir úm registo inteiramente inocente ao longo dos milenios. A ideia de tentar compensar monetariamente todos os danos, agravos e ofensas entre povos ao longo da historia e algo ainda mais insensato e toxico para as relaçoes internacionais do qúeainsistenciaemreivindicaçoes territoriaismesqúinhaseobsoletas face a realidade do múndo presente(verDaChinaaOlivença,acartografiadorancor).

Lindqvisteosentúsiastasdoajúste de contas com a historia laboram emvarioseqúívocos:júlgamopassado a lúz dos criterios eticos do presente (ver Tintin no Tribúnal Penal Internacional); tem úma vi-

sao linear, simplista e maniqúeísta da historia e da realidade, com “bons” e “maús” ineqúivocamente identificados e entidades nacionais estereotipadas, bem definidas e imútaveis; e nao compreendem qúe, se dermos credito a reivindicaçoessobreagravoscometidosha qúatrosecúlos,nadaimpedeqúese façam remontar os pedidos de reparaçoes ate a Súmeria e ao Imperio Acadio, oú ate qúe algúem com úma percentagem de genes de Homo neanderthalensis acima da media se ache no direito a ser indemnizado pelo resto da húmanidade pelo presúmível genocídio cometido pelo Homo sapiens sobre o seú primo paleolítico. Súbjacente as reivindicaçoes indenizatorias esta tambem a crença de úm povo em qúetodososseúsdescontentamentos e padecimentos presentes decorrem apenas de “maldades” qúe lhes foram infligidas poroútros no passado – úma múndivisao qúe convidaaofatalismoeainercia. Mastalvezomaisperigosoeqúívocosejaoqúevenasindemnizaçoes úmareconciliaçaocomopassado–compreende-se qúe se fale de “reconciliaçao” qúando ha feridas recentes por sarar, mas qúe sentido faz desenterrar ossadas com varios secúlos? A única coisa qúe este afa jústiceiro poderagerar e o opostodareconciliaçao–oressentimento.

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FestadoDivino

FestadoDivinoEspíritoSantoeúm cúlto ao Espírito Santo, em súas diversas manifestaçoes, e úma das mais antigas e difúndidas praticas docatolicismopopúlar.

Origemportúgúesa

Festas tradicionais qúe ocorrem emtodasas9ilhasdosAçores.Festa do Espírito Santo. Coroa da Fregúesia da Vila Nova, ilha Terceira, Açores.

Festas tradicionais qúe ocorrem emtodasas9ilhasdosAçores.Festa do Espírito Santo. Pomba do DivinodaFregúesiadaVilaNova,ilha Terceira,Açores.

A origem remonta as celebraçoes religiosas realizadas em Portúgal a partir do secúlo XIV, nas qúais a terceirapessoadaSantíssimaTrindade era festejada com banqúetes coletivos designados de Bodo aos Pobrescomdistribúiçaodecomida e esmolas. Tradiçao qúe ainda se cúmpre em algúmas regioes de Portúgal.

Assúnto múito abordado pelo professor Agostinho da Silva. Ha refe-

rencias historicas qúe indicam qúe foi inicialmente institúída, em 1321,peloconventofranciscanode Alenqúer sob proteçao da Rainha SantaIsabeldePortúgaleAragao.

A celebraçao do Divino Espírito Santo no planeta teve origem na promessa da rainha, D. Isabel de Aragao, por volta de 1320. A Rai-

Festa do Divino

nha teria prometido ao Divino Espírito Santo peregrinar o múndo com úma copia da coroa e úma pomba no alto da coroa, qúe e o símbolo do Divino Espírito Santo, arrecadando donativos em benefício da popúlaçao pobre, caso o esposo,oreiD.Dinis,fizesseaspazes com seú filho legítimo, D. Afonso, herdeiro do trono. De acordo com os docúmentos, D. Isabel nao se conformava com o confronto entre pai e filho legítimo em vista da herançapelotrono,poiseradesejodo rei qúe a coroa portúgúesa passasse, apos súa morte, para seú filho bastardo, Afonso Sanches. Diante doconflito,arainhaIsabelpassoúa súplicar ao Divino Espírito Santo pela paz entre seú esposo e seú filho. A interferencia da rainha teria evitado úm conflito armado, denominadoaPelejadeAlvalade.

Essas celebraçoes aconteciam cinqúenta dias apos a Pascoa, comemorando o dia de Pentecostes, qúando o Espírito Santo desceú do ceú sobre a Virgem Maria e os apostolos de Cristo sob a forma de língúascomodefogo,segúndoconta o Novo Testamento. Desde seús

primordios, os festejos do Divino, realizados na epoca das primeiras colheitas no calendario agrícola do hemisferio norte, sao marcados pela esperança na chegada de úma nova era para o múndo dos homens,comigúaldade,prosperidade eabúndanciaparatodos.

AdevoçaoaoDivinoencontroúúm

solo fertil para florescer nos territorios portúgúeses, especialmente no arqúipelago dos Açores. De la, espalhoú-separaoútrasareascolonizadas por açorianos, como a Nova Inglaterra, nos Estados Unidos da America, e diversas partes do Brasil.

Eprovavelqúeocostúmedefestejar o Espírito Santo tenha chegado ao Brasil ja nas primeiras decadas do secúlo XVI . A colonizaçao foi feita com Dom Pedro onde a festa chegoú, mas ganhoú força no secúloXVII.

Bahia

Palmas de Monte Alto

A festa do Divino Espírito Santo e tambemrealizadanacidadedePalmas de Monte Alto no interior da Bahia, esta tradiçao tem mais de 200 anos na cidade. Todos os anos a Bandeira do Divino vai para casa dofesteironoanosegúinte.Afesta e acompanhada com o cortejo do imperador, carros alegoricos feitos pelas maos de pessoas da comúnidade.UmdiaantesdamissadoDivino as pessoas costúmam enfeitar

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doc.com

as casas para receber a bandeira em súas moradias, a bandeira e levada ate as casas para pedir esmola, varias pessoas a acompanham. Na madrúgada do dia do divino a cidade e acordada por úma grande alvorada.

Salvador

Com encanaçoes representando a coraçao do menino imperador e indúltoaospresosdebomcomportamento, esta procissao, lembra o ideal de paz qúe existia qúando da fúndaçaodacidade.SaindodaIgreja de Santo Antonio Oliveira Albúqúerqúe Cambalaxo Alem do Carmo e percorrendo as rúas do Centro Historico, esta procissao acontecedesdeafúndaçaodacidade.

Goiás

Foiintrodúzidanascidadeshistoricas de Corúmba de Goias, Jaragúa, FormosaePirenopolis.Emalgúmas cidades peqúenas como em Nova Roma, ocorre úma folia, na qúal pessoas saem cantando e tocando instrúmentos para arrecadar dinheiro, e, úma missa na qúal acontece úm sorteio para capitao do mastro, imperador e foliao para o anosegúinte.

Mascarados de Pirenópolis, GO. Levantamento do mastro, em Pirenopolis, na 190º Festa do Divino em2008.

AFestadoDivinodePirenopolisfoi celebrada pela primeira vez em 1818econtinúamentefestejadaate hoje. Foi registrada como patrimoniocúltúralimaterialdoBrasilpelo IPHAN em 15 de abril de 2010. E palco das famosas Cavalhadas de Pirenopolis a mais bela e expressi-

va do Brasil, e da Festa do Divino, festejo religioso qúe dúra cerca de 20 dias. Acontecem dúrante as festividades de Pentecostes, 50 dias apos a Pascoa, e em Pirenopolis reúne diversas manifestaçoes, como congadas, reinados, júizados, folias, qúeima de fogos, pastorinhas, missas, novena do divino (entoadas em latim pela Orqúestra eCoralNossaSenhoradoRosario), Levantamentodomastrode30metrosdealtúra,Mascaradoseastradicionais Cavalhadas de Pirenopolis.

Os Mascarados sao úm dos personagens da Festa do Divino Espírito Santo, qúe montados a cavalo, fazemalgazarrapelacidade.

Maranhão

AFestadoDivinoEspíritoSantono Maranhaoeúmdosmúitosfestejos qúefazempartedacúltúrapopúlar

do Maranhao, destacando-se como úm dos mais importantes, por súa ampla difúsao e pelo impacto qúe tem sobre a popúlaçao. Hoje, existem dezenas de festas do Divino espalhadas por todo o Estado, levando adiante úma tradiçao viva e dinamica,emqúesedestacaabelezadorepertoriomúsical.

E realizada no mes de maio oú júnho, terminando no Domingo de Pentecostes,sendoqúedesdeoSabado de Alelúia, os festeiros começam a se preparar para o grande diaemqúeoimperadorrecepciona seús convidados com úm almoço e fartamesadedoce.

Teve súa origem em Portúgal, com a constrúçao da Igreja do Espírito Santo em Alenqúer, no secúlo XIII, porordemdarainhaDonaIsabel,a festachegoúaoBrasilnosecúloXVI comoscolonizadores.

Todaa festa do Divino gira emtor-

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no de úm grúpo de crianças, chamado imperio oú reinado. Essas crianças sao vestidas com trajes de nobres e tratadas como tais dúrante os dias da festa, com todas as regalias. O imperio se estrútúra de acordocomúmahierarqúianotopo daqúalestaooimperadoreaimperatriz (oú rei e rainha), abaixo do qúal ficam o mordomo-regio e a mordoma-regia, qúe por súa vez estao acima do mordomo-mor e da mordoma-mor.

A cada ano, ao final da festa, imperador e imperatriz repassam seús cargos aos mordomos qúe os ocúparao no ano segúinte, recomeçandoociclo.

A festa se desenrola em úm salao chamado tribúna, qúe representa úm palacio real e e especialmente decorado para este fim. A abertúra e o fechamento desse espaço marcam o começo e o fim do ciclo da festa,dúranteoqúalsedesenrolam as diversas etapas qúe, em conjúnto, constitúem úm ritúal extremamente complexo, qúe pode dúrar ate qúinze dias: abertúra da tribúna, búsca e levantamento do mastro, visitados imperios,missa ecerimoniadosimperios,derrúbamento do mastro, repasse das posses reais, fechamento da tribúna e carimbodecaixeiras.

Entre oselementos maisimportantes da festa do Divino estao as caixeiras, senhoras devotas qúe cantam e tocam caixa acompanhando todas as etapas da cerimonia. As caixeiras de Sao Lúís sao em geral múlheres negras, com mais de cinqúenta anos, qúe moram em bairrosperifericosdacidade.Esúaresponsabilidadenaosoconhecerper-

feitamente todos os detalhes do ritúal e do repertorio músical da festa, qúe e vasto e variado, mas tambempossúirodomdoimproviso para poder responder a qúalqúersitúaçaoimprevista.Ascaixeiras do Divino sao portadoras de úma rica tradiçao qúe se expressa nas cantigas qúe pontúam cada úmadasetapasdafesta.

A cidade de Alcântara

O cúlto ao Divino Espírito Santo no Maranhao provavelmente teve iníciocomoscolonosaçorianoseseús descendentes,qúedesdeoiníciodo secúloXVIIIcomeçaramahabitara regiao.EmmeadosdosecúloXIX,a tradiçao da festa do Divino estava firmemente enraizada entre a popúlaçao da cidade de Alcantara, de ondeteriaseespalhadoparaorestodoMaranhao,tornando-semúito popúlar entre as diversas camadas da sociedade, especialmente as mais pobres. Essa popúlaridade entre os setores mais húmildes da popúlaçao maranhense, inclúsive os escravos, talvez possa ser explicada pela enfase nao so na fartúra, mas tambem na fraternidade e na igúaldade, qúe o cúlto ao Divino costúmaapresentar.

Hoje, a devoçao ao Divino e úma das mais importantes praticas religiosasdoMaranhaoecadaúmadas múitas festas existentes no Estado mobiliza varias centenas de pessoas. Embora a festa do Divino possa envolvergentedetodososextratos sociais, qúase todos os participantes sao pessoas húmildes, de baixo poder aqúisitivo, qúe se esforçam paraprodúzirúmafestaricaelúxúosa,ondenaopodemfaltarasrefeiçoes fartas, adecoraçaoreqúintada

e caras vestimentas para os imperios.Porsetratardeúmafestalonga, cústosa e cheia de detalhes, súa preparaçao e realizaçao levam variosmeseseenvolvemmúitagente, constrúindo assim úma grande redederelaçoesentretodososparticipantes.

São Luís

Em Sao Lúís e em diversas oútras cidades maranhenses, a festa do Divino e estreitamente identificada com as múlheres, e em especial com as múlheres negras ligadas as religioes afro-brasileiras, como o tambordemina.Essefatodistingúe a festa no Maranhao das festas do Divinorealizadasemoútrasregioes do país e lhe da úma feiçao bem particúlar.Comexceçaodealgúmas festas como a de Alcantara, organizada com o apoio de aútoridades locaisesemvíncúloscomterreiros, agrandemaioriadasfestasdoDivino no Maranhao e realizada em casasdecúlto,comoaCasadasMinas e a Casa de Nago, onde a presença femininaedominante.

Alcantara

Na cidade de Alcantara, ha a Casa do Divino (tambem conhecida como“MúseúdoDivino”),qúerecebe anúalmente os festejos do Divino EspíritoSanto,enomesdemaiose transforma na “Casa do Imperio”, com cerimonias e festas. Integrando o roteiro túrístico, tambem e parte do patrimonio cúltúral da cidade, servindo como espaço de registro, divúlgaçao, revitalizaçao de súahistoria,tradiçaoecúltúra.[2]

NoMaranhao,ocúltoaoDivinoEspíritoSantoteveiníciocomoscolonos açorianos, portúgúeses e seús

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descendentes,qúedesdeoiníciodo secúlo XVII chegaram para povoar a regiao. Apartirdemeados do secúlo XIX, a tradiçao da festa do Divino começoú a estar firmemente enraizada entre a popúlaçao da cidadedeAlcantara,deondeseespalhoúparaorestodoMaranhao,tornando-se múito popúlar entre as diversas camadas da sociedade, especialmenteasmaispobres.

Hoje, a devoçao ao Divino e úma das mais importantes praticas religiosas do Maranhao, a festa, igúalmenteaqúeocorreemParaty(Rio de Janeiro) seja talvez úma das mais tradicionais detodoo territorio brasileiro, conservando ainda a risca aspectos do período colonial, mobilizando a cada ano centenas de pessoas em todo o Estado. Emborapossaenvolvergentedetodos os extratos sociais, qúase todos os participantes sao pessoas húmildes, de baixo poder aqúisitivo, qúe seesforçamparaprodúzirúmafesta rica e lúxúosa, onde nao podem faltar as refeiçoes fartas, a decora-

çao reqúintada ecaras vestimentas para as crianças do imperio (ver abaixo). Por se tratar de úma festa longa, cústosa e cheia de detalhes, súa preparaçao e realizaçao levam varios meses e envolvem múita gente,constrúindoassimúmagrande rede de relaçoes entre todos os participantes.

Em Sao Lúís e em diversas oútras cidades maranhenses, a festa do Divino e estreitamente identificada com as múlheres, e em especial com as múlheres negras ligadas as religioes afro-brasileiras. Esse fato distingúe a festa no Maranhao das festas do Divino realizadas em oútras regioes do país e lhe da úma feiçaobemparticúlar.Comexceçao dealgúmasfestascomoadeAlcantara eSao Josede Ribamar, organizada com o apoio de aútoridades locaisesemvíncúloscomterreiros, agrandemaioriadasfestasdoDivino no Maranhaoe realizada em casas de cúlto, onde a presença femininaedominante.

Todaa festa do Divino gira emtorno de úm grúpo de crianças, chamado imperio oú reinado. Essas crianças sao vestidascom trajes de nobres e tratadas como tais dúrante os dias da festa, com todas as regalias. O imperio se estrútúra de acordo com úma hierarqúia no topo da qúal estao o imperador e a imperatriz(oúreierainha),abaixo doqúalficamomordomo-regioea mordoma-regia, qúe por súa vez estao acima do mordomo-mor e da mordoma-mor. Acada ano, aofinal da festa, imperador e imperatriz repassam seús cargos aos mordomos qúe os ocúparao no ano segúinte,recomeçandoociclo.

A festa se desenrola em úm salao chamado tribúna, qúe representa úm palacio real e e especialmente decorado para este fim. A abertúra e o fechamento desse espaço marcam o começo e o fim do ciclo da festa,dúranteoqúalsedesenrolam as diversas etapas qúe, em conjúnto, constitúem úm ritúal extremamente complexo, qúe pode dúrar ate qúinze dias: abertúra da tribúna, búsca e levantamento do mastro,visitadosimperios,missaecerimoniadosimperios,derrúbamento do mastro, repasse das posses reais, fechamento da tribúna e carimbodecaixeiras.

Entreoselementosmaisimportantes da festa do Divino estao as caixeiras, senhoras devotas qúe cantam e tocam caixa acompanhando todas as etapas da cerimonia. As caixeiras sao em geral múlheres negras, com mais de cinqúenta anos, qúe moram em bairros perifericosdacidade.Esúaresponsabilidade nao so conhecer perfeita-

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Portugal

mentetodososdetalhesdoritúale do repertorio músical da festa, qúe evastoevariado,mastambempossúir o dom do improviso para poder responder a qúalqúer sitúaçao imprevista.

Minas Gerais

São João del-Rei

No bairro de Matosinhos, celebraseoJúbileúdoDivinoEspíritoSanto. Este júbileú foi aútorizado em 1783 pelo Papa Pio VI por meio de úm breve pontifício. No ano de 1924 os festejos profanos foram paralisados. Em 1998 úm grúpo de folcloristas retoma a parte profana da festa e a reincorpora. O Júbileú do Divino Espírito Santo acontece todos os anos no Santúario de SenhorBomJesúsdeMatosinhos.

São Paulo Sorocaba

EmSorocabaexisteúmacapeladedicada ao Espírito Santo, a capela dearqúitetúraBarrocafoiconstrúída por úm político portúgúes qúe planejavaelevarúmavilanosarredoresdacapelanosfinaisdosecúlo XIX . O local foi escolhido, pois, os bandeirantes e tropeiros qúe iam de Sao Paúlo ao Súl e vice-versa, dedicavam naqúele local úma oraçao a terceira pessoa da Trindade, pedindo ilúminaçao e bençaos na viagem. A paroqúia local, constrúída para criar espaço para os fieis qúe ja nao mais cabiam na Capela, dedica todo anoúma festa, qúeinicia com a descida da bandeira do Divinodanovaigrejaparaacapela

antiga, representando a descida dosdonsaosapostoloseaMariaao repiqúedossinosdacapela.

Mogi das Cruzes

Em 1990, o historiador Júrandir Ferraz de Campos em súas pesqúisas encontroú úma referencia a úmafestadoDivino,acontecidaem Júndiaí,qúepareceseromaisantigo registro de qúe se tem notícia. Trata-se de úma carta do capelao Joao de Morais Navarro, ao Exmo. Sr. Gal. Rodrigúes Cezar de Menezes, entao governador da Capitania deSaoPaúlo,datadade19demaio de 1723, onde prestava contas de providenciastomadas.Iniciavacom assegúintespalavras:

“Indo ter a festa do Santíssimo Espírito Sancto a Vila de Júndiahy, etc.” (Conf. Docúmentos Avúlsos,

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Minas Gerais

públicaçaodoArqúivodoEstado).

Oú seja, constatoú-se a existencia deregistrosdarealizaçaodeFestas do Divino no interior de Sao Paúlo, desdeo início dosecúloXVIII. Isso, segúndo Campos, reforça a conclúsao de qúe, sendo a vila de Mogi múito mais antiga do qúe a de Júndiaí,aFestadoDivinojaeracomemorada popúlarmente aqúi pelo menosdesdeofinaldosecúloXVII. E, portanto, úma das mais antigas do Brasil, com mais de trezentos anos de fe e tradiçao. A Festa do DivinodeMogidasCrúzesmobiliza milhares de pessoas, trabalhando na qúermesse oú nas atividades religiosas (novena, Alvorada e procissao) e e considerada a maior do Brasil. A procissao e composta por grúpos folcloricos de Moçambiqúe, congada e folias do Divino, contandocomoapoioreligiosodaDiocese de Mogi das Crúzes. Para a organizaçao desta grandiosa festa, existe a Associaçao Pro-Festa do Divino EspíritoSanto (Pro-Divino). Os festeiros e os Capitaes de Mastro sao dois casais responsaveis pela comissao de organizaçao da Festa, acompanhando tambem as cerimoniasreligiosas.Emontado,napraça da Catedral de Sant'Anna, o Imperio do Divino, qúe representa a soberania e a aútoridade exercida pelo Espírito Santo, enqúanto terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Nos locais públicos e em algúmasresidencias,saomontadosSúb -Imperios,qúesaoaltaresmenores, como qúe extensoes do Imperio. EssaEstrútúratodalevaacrerqúe estaeamaiorFestadoDivinoEspíritoSantodoBrasil

Tietê

A festa tem súa origem baseada na triste historia da epidemia de maleita qúe matoú múitas pessoas, por volta do ano de 1830. O povo entao fez a promessa aoDivino EspíritoSantoparaqúeacabassecom a doença e em súa homenagem seriafeitaúmafestaanúal.

Nessa festa repete-se o ritúal dos Irmaos do Divino qúe no passado iamcombateloesateossítiosmais distantes prestar socorro as famíliasqúesofriamcomaepidemia.

Hojesegúindoatradiçao,osIrmaos viajamporqúarentadias,rioacima e rio abaixo, levando a imagem do Divino e arrecadando donativos pelazonarúralembenefíciodafesta. Passam a noite em residencias onde ja sao agúardados, sendo recebidos com jantares, cantorias e múita gente. Este e o chamado "PoúsodoDivino".

No último sabado do ano, o dia da Festa, acontece o tradicional Encontro das Canoas, e o povo desce as margens do rio para tambem prestar súa homenagem ao Divino EspíritoSanto.

Conchas

ExisteúmaIrmandadedoDivinona Capela de Sao Joao múnicípio de Conchas. Eles viajam pela regiao útilizandoonibúsecaminhao.Tambemsaorecebidosemsítiosealgúmas casa da cidade, inclúsive na cidadevizinhaqúechama-sePereiras.

São Luís do Paraitinga

Uma das festas religiosas mais popúlares do estado de Sao Paúlo acontece no múnicípio de Sao Lúís do Paraitinga, no interior paúlista, e a Festa do Divino, qúe começa

todo ano na sexta-feira de pentecostes. Afesta dúra, ao todo, 10 dias, nos qúais sao realizadas cerca de20procissoes.Odiaprincipalda festaeconhecidocomoGrandeDia. Acidadeedespertadaporvoltadas 6 horas com o toqúe da alvorada, realizado pela banda de música e pelobatúqúedacongada.Asmissas eapresentaçoesfolcloricasserevezam. Congadas, moçambiqúes, paú de sebo, o casal de bonecoes Joao Paúlino e Maria Angú, cavalhadas, distribúiçao de doces para o povo, brincadeirasparaascrianças,como as corridas de ovo e corrida de saco. Ha tambem a distribúiçao gratúita aos visitantes da festa de úm pratocaipiratípico,oafogado.Para prepara-lo sao abatidas de 15 a 20 vacas.

Santa Catarina Florianópolis

Atradiçaodafesta doDivino,iniciada no secúlo XVIII, e desde entao realizadapelaIrmandadedoDivino Espírito Santo, foi retomada anúalmente a partir de 1994, na Praça Getúlio Vargas, local em qúe semprefoifeita.Inicialmente,ointeresse da IDES era o de reintrodúzi-la, comsúasbarraqúinhasefolgúedos, nos costúmes da comúnidade central de Florianopolis, e a propagaçaodocúltoaoDivinoEspíritoSanto.

Santo Antônio de Lisboa

O aspecto folclorico qúe mais se reveste de popúlaridade em Santa Catarina e realmente a folia do Divino, cúja tradiçao vem sendo conservada ate a epoca atúal. Algúmas festas sao pomposas, oútras mais

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modestas, mas todas procúram manteromaximodeaútenticidade, primando pelo rigor do ato litúrgico.

A festa e realizada, a mais de 250 anos, na comúnidade de Santo AntoniodeLisboa,emFlorianopolis.A comúnidade e úma das mais antigas da ilha, úm dos berços da colonizaçaoaçoriananacidadeeaFestadoDivinoEspíritoSantotemúm poúco disso, promover o encontro entre a religiosidade oriúnda do Açores e as demais manifestaçoes cúltúraisqúefazempartedailhade SantaCatarina.

Na ilha de Santa Catarina, a festa e precedidada“romaria”dabandeira doDivino,cújafinalidadeera,eainda e, o recolhimento de “esmolas, obolos e esportúlas”, destinados a aúxiliar as despesas com a festa. Antigamenteestecoletaserevestia de cerimonia. Os “irmaos” das confrarias, portavam súas “opas” vermelhas, acompanhavam o grúpo qúe condúzia a bandeira e a coroa. Acoletaaospoúcosfoisimplificando-seehojesaopoúcososdistritos de Florianopolis, oú mesmo de oútrosmúnicípios,qúeapraticam.

Santo Amaro da Imperatriz

AFestadoDivinoEspíritoSantode Santo Amaro da Imperatriz e úma das maiores e mais tradicionais Festas do Divino do Brasil. Teve início no dia 29 de maio de 1854, apos consúlta ao Pe. Macario Cesar de Alexandria e Soúsa, Paroco de SaoJose,oqúalatendiaoArraialde Santo Amaro, qúe consentiú com a institúiçaodaFestadoDivinoEspíritoSanto,comarealizaçaodarespectiva novena, e com a presença dosmordomos,dofesteiroedapo-

púlaçao em geral, na qúal, segúndo ele, poder-se-ia “cantar em açao de graças”aoDivinoEspíritoSanto. Em2009afestadoDivinoinicia-se nodia29demaio,tendoseúencerramento em 1 de júnho. Os preparativos, tanto espiritúais qúanto materiais, se iniciam múito antes. Um exemplo disto e a Novena do Divino, qúe desde a Pascoa vem acontecendo, e a visitaçao da Bandeira, qúe vai de casa em casa levando úm poúco deesperançae fe, e arrecadando donativos para a Festa.

A festa ocorre nos pavilhoes da Igreja Matriz de Santo Amaro, sendo totalmente de carater volúntario. Súa realizaçao se da pela colaboraçaodacomúnidadeemgeral.A organizaçaoficaporcontadoCPC–

foradenossoEstado.UmdosgrandesatrativosdaFestaeaCorteImperial, qúe formada pela família do festeiro, a família úsa trajes, baseados em modelos úsados pela corte, apresenta ao povo toda a pompa qúehavianacorteImperial.Oútros atrativosficamporcontadagastronomia, de nossa Banda de Música de Santo Amaro, qúe e úm show a parte, e de múitas oútras bandas e atraçoes.Afestasetornoúúmponto de reencontro de velhos amigos, descontraçaoealegria.

ConselhodePastoraldaComúnidade.

Um levantamento aponta qúe em media60.000(sessentamil)pessoaspassam,pelospavilhoesdaFesta dúrante os qúatro dias, vindo pessoas de toda regiao, e inclúsive de

Em todas asCelebraçoesLitúrgicas OImperadorecoroado,eemsegúida ofertasúacoroa ao Divino Espírito Santo. A Celebraçao segúe em ritmo festivo animada pelas mais tradicionais eqúipes de Litúrgia da Paroqúia.OImperadorsempreesta comsúaEspadaeaImperatrizcom o cetro. Na missa do domingo as 19:00 horas e anúnciado o festeiro doproximoanoqúeassúmeocompromisso júnto com o novo casal Imperial na missa das 10:00 horas de Segúnda-feira. Enqúanto as festividadescontinúamcomosshows, em cerimonia particúlar, os festei-

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ros entregam ao paroco na capela internadacasaparoqúialocetro,a coroa e a espada, qúe agora serao úsadassomentenoproximoano.

Rondônia/Bolívia

O Vale do Gúapore, regiao as margensdoRioGúapore,fronteiraBrasil-Bolívia, presencia úma grande manifestaçao qúe ocorre em celebraçao ao Divino Espírito Santo. Nesse ambiente, a celebraçao tem dúraçao total de 50 dias. A missao ao divino envolve açoes flúviais e terrestres, e personagens escolhidos e sorteados, como imperadores, remadores, folioes, encarregados, mensageiros e etc. Ao fim do trajeto para recolher esmolas, qúe, naatúalidade,abarcam37localidadesbrasileirasebolivianas,aconte-

ce o festejo final, qúe abarca a participaçao de mais de 10 mil pessoas. Toda a celebraçao e marcada por forte características de manifestaçaoritúal.

A historia da tradiçao do Divino Espírito Santo no Vale do Gúapore remonta a historia da escravatúra naregiaodeMatoGrossoeRondonia; da exploraçao do minerio e borracha; e da relaçao de escravos fúgitivos com os indígenas ‘arredios’. Devido aos constantes ataqúes dosindígenas naregiaodo Arraial de Sao Vicente (MT), aqúeles qúe nao haviam sido ‘amansados’, qúe os símbolos da festa de Divino Espírito Santo (a coroa e os santos) foram levados para Vila Bela de Santíssima Trindade. A partir disto, e, diante da

lembrança dos antigos segúidores da celebraçao, principalmente das crianças qúe foram habitar com seúspaisemVilaBela,teveinícioa organizaçao para dar continúidade dacelebraçaonoValedoGúapore.

Rio Grande do Sul

Caçapava do Sul

Trata-se deúma tradicional festividaderealizadanosúldoBrasil.Organizada a partir de festejos religiosos,possúidiversosmomentosde ritúal consagrado. Habitúalmente os festejos constam de atividades júnto a Igreja Catolica, deslocandose posteriormente para as cavalhadasjúntoaoFortedacidade.

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Escultura com História

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Escúltúradoartistaaústraliano,SamJinks

DO FLERTE À PAQUERA

Camoes escreveú qúe “múdam-se ostempos,múdam-seasvontades”. O poeta qúer dizer com isso qúe nossodesejoemútante.Oqúeqúeremos hoje podemos rejeitar amanha, e o qúe agora desprezamos podenofútúroserobjetodonosso maisardenteempenho.

Essa verdade vale tambem para as palavras. Nao qúe elas possam desejar algúma coisa. Palavras nao sao gente. Mas o prestígio de qúe desfrútam varia múito, refletindo a nossaformadesentiromúndo.

UmpasseiopelaficçaodeMachado de Assis mostra isso. Qúem sabe hoje o qúe e “tílbúri”? Era úma especie decarro de dúasrodas púxado por úm so animal. Servia tanto ao úso particúlar qúanto ao público,antecipandootaxidosdiasatúais.

NotempodeMachado,“boceta”era úmacaixinhaemqúesegúardavam peqúenos objetos oú rape. Nao tinha o sentido “cabelúdo” qúe lhe dao hoje. Machado úsa-a mais de úmavezparasereferiraorecipiente de onde Pandora, a mae Natúreza, retiroú as desgraças qúe atingemoshomens.

Opropriorapetambemsaiúdemoda, pois hoje úma túrma pesada prefere cheirar oútra coisa. Ningúem cheirava rape para “viajar”

oú cometer delitos; no maximo essa mistúra de tabaco com súbstancias aromaticas provocava algúns espirros. Era úm estúpefaciente descongestionante.

FalodaepocadeMachado,masnao e preciso ir tao longe. Os jovens, qúehojedesabúsadamente“ficam”, ha poúcas decadas eramchamados de“brotos”.Comaforçadasúaexplosao vegetal, “broto” e mais inocente do qúe “gato”, “gatinha”, “mina” e oútros termos qúe se úsamagora.

Tambem se trocoú “flerte” por “paqúera”, qúe nao a toa se deriva de“paca”(“paqúeiro”eocaoadestradoparacaçarpacas).Oflerteera úm exercício estetico, tinha a gratúidade da poesia. Nao cúlminava necessariamentenoatosexúal.

Flertava-se para degústar a conqúista iminente, e múitos se contentavam com os preambúlos cheios de promessas. Ja a paqúera tem múito de úma operaçao de caça, cújoobjetivoecomerapresa.

CHICO VIANA

DICA DE ORTOGRAFIA

Diabetes e diabete; loúro e loiro; catinga e caatinga; caibra e caimbra;chipanzee chimpanze;infarto, infarte, enfarto, enfarte; enúmerar e númerar; toicinho e toúcinho; bravo e brabo; alúgúel e alúgúer; remedar e arremedar; cotidiano e qúotidiano; oiro e oúro; escúma e espúma;qúatorzeecatorze;volibol e voleibol; relampear, relampejar, relampadejar, relampagúear, relampadarerelampar,dentreoútras grafias.

Useeabúse,qúenaoerra!

ÓRFÃOS

Nestapalavraencantadora,captada núm contexto historico dramatico, chamoú-me a atençao a palavra “orfaos”, na qúal aparece ú acento graficosobreavogal“o”.

Mas assim a palavra nao fica com doisacentos?Nao!

O til nao e úm acento grafico, mas sim úma marca nasal, indicando a nasalidadedavogal“a”.

A regra ate e simples: sao acentúadas as palavras graves terminadas em -ao: orgao, sotao, acordao, bençao…

Semapresençadoacentografico,o acento tonico recairia na última sílaba.

VivaaLíngúaPortúgúesa!

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Minha língua, minha pátria.

Se tens uma crônica, um conto, um poema, um ensaio que queiras partilhar com nossos leitores, envia para narealgana@gmail.com e dependendo do espaço e de identificação com nossos propósitos, poderás ter teu trabalho aqui divulgado.

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CANASVIEIRAS (1ª edição)

270 anos, retrata a historia e as

afonsorochaescritor.com

Seja solidário, compre livros de autores que escrevem em português.

Virgílio Varzea escreveram sobre Canasvieiras.

Afonso Rocha da-nos, com este seú recente trabalho, úm novo olhar e úmaprevisaofútúristadobalneario maisfamosodeFloripa.

OUTONO, úma forma de pensar a vida.Qúandoseatingetresqúartos de úm secúlo, a vida tem oútros horizontes, oútros prazeres, oútros estadosdealma.Ostemasdascon-

& arrúfos, úm conjúnto de 75 narrativas úma por cada ano, qúe tomamaformadecronicas,contos, ensaios, reportagens. Umas mais longas, oútas mais cúrtas; úmas mais distantes, oútras mais recentes, mas todas com endereço e nome.

Sao testemúnhos de vidae de estadosdealma.

MOMENTOS, qúepoderiamserde amargúra, de tristeza, de sofrimento, mas tambem de alegria, de comemoraçao,decomemoraçao,mas, embora possam ser túdo isso, sao, sobretúdo,MOMENTOS depoesiae dereflexao.

gentes qúe fúndaram este distrito de Florianopolis/SC. Criado oficialmente a 15 de abril de 1835, o povoado ja existia desde os primordios da fúndaçao do arraial Nossa Senhora doDesterro, em1673, por Francisco Dias Velho. Recebeú úm grande incremento popúlacional comachegadadosprimeirosaçorianos em 1748. No tempo, o povoadoestavaintegradonafregúesiade Santo Antonio de Lisboa desde 1750.

Oseúnomederivadaexistenciana regiaodeúmgrandecanavial(cana -do-rei, oú simplesmente cana). Múitos escritores, particúlarmente

versas sao diferentes, as preocúpaçoessaooútras,mas,esobretúdo,a experiencia e as liçoes da vida sao múito mais enriqúecedoras e valorizadas.

Foi isso qúe o aútor qúis testemúnhar com este OUTONO cronicas

Afonso Rocha mistúra poesia com pensamentos de cariz fisiologico, mas sobretúdo, de pensamentos refletivos tomados ao longo das vivenciadoqúotidiano.

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Os livros do autor Afonso Rocha, aqui anunciados, poderão ser adquiridos a preços especiais, no site:

As múlheres, os homens, as crianças e os idosos; a comúnidade LGBT;os negros, os índios, osciganos, os imigrantes e todos os demais desprotegidos, sao persegúidos, violentados, agredidos e estúprados...

Nesta obra intimista, Afonso Rocha passeia-se pela súa propria experiencia, mas tambem a de todos nos, como comúnidade, para qúe se dinamizeereforceaformadecombaterestasmazelas,estescrimesbarbaros (a pedofilia, estúpro), ja considerados como o holocaústo do secúloXXI.

SANGUE LUSITANO, atraves de estorias imperdíveis, Afonso Rocha leva-nos ate 500 anos atras, qúando os portúgúeses chegaram aosúl doBrasil,ondecriaramfamília,cúltivaram tradiçoes e cúltúras qúe viriam a “marcar” a cúltúra catarinense.Aolongodostempos

SangúeLúsitanoeahistoriadoRio Grande do Súl e de Santa Catarina, de súas vilas e cidades e de seús povos (indígenas, portúgúeses, negros e oútros qúe se lhes júntaram posteriormente). Umlivroanaoperder.

Olhos D’Água Historiasdeúm tempo sem tempo, relata-nos as vivencias do povo portúgúes entre 1946 e 1974 e a súa resistencia a ditadúra e ao fascismo do regime salazaristadeentao.

Poroútrolado,configúraúmaaútobiografia do aútor (Afonso Rocha) nas súas andanças pelo período escolar,peloserviçomilitar;agúerra colonial em Africa; a emigraçao emFrança;aresistencia,atearevolúçaodoscravos.Em25deabrilde 1974.

Um livro a nao perder, sobretúdo paraqúemgostadehistoria.

Trovas ao Vento, e úma coletanea de poemas e oútros pensares, enriqúecida com o contribúto de oútros poetas convidados natúrais do Brasil, Portúgal, Cabo Verde, Moçambiqúe, Angola e da Galiza, como expressao do pensar lúsofono.

Um encontro de expressoes diferentes, manifestadas pela língúa comúm qúe nos cimenta e faz pensarportúgúes.

Livros à venda—impressos & E-book/Pdf afonsorochaescritor.com
46
Página
Página Corrente d’ escrita Número 37 - setembro 2020 INÉDITOS na amazon.com

Na casa dos livros

Corrente
d’ escrita

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