COSTUMES
O Império De um peixe horrendo, antiquíssimo e desprezado, o esturjão, vem o alimento mais caro do mundo. Mas já houve tempo em que era servido de graça para acompanhar aperitivos
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do
Caviar
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m quilo custa mais de 1 000 dólares, o equivalente a quase 100 gramas de ouro puro. O metal se guarda, por avareza, investimento ou precaução. O caviar, porém, se come, e rapidamente — e na maior parte das vezes quem come o caviar nem mesmo sabe quanto a preciosidade custa, sem falar nas origens e razões do seu soberano paladar. São milênios de evolução. Aliás, muito e muito mais de mil milênios. Pois o caviar se compõe das ovas bem conservadas de um peixe antiquíssimo, o esturjão, cuja origem a Zoologia data em 1 milhão de séculos atrás. Raros seres na natureza se demonstram tão horrendos como o esturjão. Da classe dos Osteichtytes aqueles de esqueleto osteocartilaginoso, que predominam nas águas doces do hemisfério setentrional, o esturjão faz parte da ordem dos Condrostídeos e já foi muito abundante na América do Norte, Europa, Ásia oriental e, principalmente, em todas as bacias fluviais que demandam o mar Negro e o mar Cáspio, ao sul da União Soviética. Oito décadas atrás, o esturjão era um peixe tão comum que as suas ovas acompanhavam gratuitamente os drinques servidos no bar do famoso Waldorf-Astoria Hotel, de Nova York. Naqueles tempos, só nos Estados Unidos, se capturavam 11 mil toneladas do condrostídeo a cada ano. A sua carne, seca, servia de alimento aos estratos mais pobres da população da Nova Inglaterra. O caviar se desperdiçava, sem idéia da sua majestade. Os europeus, igualmente, dilapidaram a iguaria matriz e, por
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No Ocidente, a moda começou na Itália Medieval extensão, as suas conseqüências essenciais. Resultado da exploração indiscriminada — hoje, o peixe só existe nos entornos do Cáucaso e do Turquestão e em algumas paragens chinesas nas fronteiras dos rios Mekong e Yang-tsé. Numa frase: porque o planeta invariavelmente desprezou o esturjão como comida vulgar, sem imaginar as riquezas escondidas no belo ventre de cada fêmea, o condrostídeo enfrenta a ameaça da extinção. Situação patética, essa, pelo potencial prolífico do bicho e pelo exagerado volume que ele pode adquirir se protegido da predação. Mais de 25 espécies ainda sobrevivem ao sul da União Soviética, no Irã e nas fraldas himalaicas da China. Quase todas consistem em peixes de corpo alongado e coberto por cinco faixas sucessivas de placas rijas como as escamas de uma armadura medieval. A cabeça faz lembrar a ponta de um aríete e a boca, surpreendentemente miúda e desdentada, se localiza abaixo da couraça dianteira. Quatro bigodes gorduchos se dependuram nos maxilares e uma nadadeira dorsal e cinco ventrais anunciam a cauda, espinhosa e em leque. Um esturjão pode expelir mais de 2 milhões de ovas
Qualquer peixe é capaz de crescer indefinidamente, quando não morre de doença ou de velhice ou quando não sucumbe à mão impiedosa do ser humano. O esturjão pode chegar a 10 metros de comprimento com um peso formidável de 500 quilos, o que redunda, às vezes, em 150 quilos de caviar. O esturjão habitualmente mora nos fundos lodosos das redondezas dos deltas dos grandes rios e ali estaciona do verão até o inverno. Nos meses de primavera, reanimado pelo aumento da temperatura, corre em busca das tocas
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salobras da foz, a fim de depositar seu caviar. A maturidade sexual ocorre entre os 18 e os 20 anos e um esturjão adulto e sadio consegue expelir entre 800 mil e 2,4 milhões de ovas impecáveis, em torno de 3 milímetros cada qual. Já se recolheram esturjões com perto de 100 anos de idade e muito mais de 10 milhões de ovas. A sua alimentação consiste em pequenos crustáceos da lama, outros peixes insignificantes — e particularmente as larvas gordurosas de microinsetos e de vermes. Nos entornos do Cáspio e do Negro, o condrostídeo é, atualmente, o único peixe de importância alimentar e comercial. Das espécies utilizáveis, a mais providencial é o beluga (na ciência, Acipenser huso), de dimensões mais alentadas e um caviar soberbo, nos limites dos 2 milímetros de diâmetro e numa cor que varia do cinzento ao negro-brilhante. Também requisitado, o sevruga (Acipenser stellatus) ostenta ovas miúdas, de pouco mais de 1 milímetro, quase claras e transparentes. O refínadíssimo ster-
let (Acipenser ruthenus), nas bordas do desaparecimento fatal, além das ovas minúsculas e amarelo-avermelhadas, com 0,7 milímetro em média, oferece à gastronomia o privilégio da sua saborosíssima bexiga natatória, o órgão que permite ao peixe manter-se em equilíbrio na água sem afundar. Resta o
tipo mais econômico e trivial, bem trivial, 500 dólares por quilo, o esturjão osetra, ou osetrova (Acipenser sturio), de ovas entre o dourado e o castanho. O trajeto que conecta o esturjão ao caviar é rapidíssimo. Retirado da água, em cardumes, por meio de redes, coloca-se o peixe em tanques, nos barcos pesqueiros ou nos píers de atracação e dali, com extrema cautela, se arrasta o bicho, num lampejo, às bancadas de industriali-
zação. Tudo ocorre em plataformas limpíssimas, de pedra ou de aço inoxidável. Ainda vivo, o peixe passa por uma verdadeira incisão cirúrgica que lhe abre o ventre, em absoluta esterilização, e dele extrai o saco ovariano com o magnífico caviar. Quem pratica a operação possui uma especialização transcendental. Primeiro, sabe distinguir as fêmeas dos machos, que são devolvidos a seu meio ambiente de raiz. Depois, comete o corte sem ferir a proteção membranosa da raridade. Retiradas com angelical delicadeza, as bagagens do caviar tombam, então, sobre grelhas metálicas de trama calculada para cada espécie e cada dimensão de peixe. Nessas grelhas, o saco se rompe, e possibilita que as pelotinhas caiam em recipientes absolutamente desinfetados e secos. Lavam-se as ovas em água doce, várias e várias repetições. E elas se entregam enfim à magia que irá transformá-las
Onze toneladas para o czar a cada ano novo em relíquias — a etapa apelidada de salgamento, coordenada por um profissional com, no mínimo, dez ou doze anos de experiência e observação.
O mestre e grande sacerdote do caviar é a figura responsável pelo sucesso admirável ou pelo fracasso irrecuperável de toda a aventura. O mestre analisa o tamanho das ovas, o seu grau de maturação e, em função do examinado, decide a quantidade de sal a incorporar o conjunto: na pior das hipóteses, cerca de 3 por cento do peso da matéria-prima. O sal serve para eliminar a untuosidade original do caviar, torná-lo mais consistente, aumentar-lhe a resistência e afinar o seu sabor. Como um cirurgião diante de uma deliberação crucial, o mestre e sacerdote, de luvas nas mãos e máscara no rosto, mistura meigamente as ovas ao sal acrescentado, de modo a homogeneizar a sua criação. Cinco minutos depois, testa o que trabalhou e, satisfeito, retira as proteções. Operação perfeita, em 99 por cento das situações. O caviar nasceu. Da separação dos esturjões machos e da incisão nos esturjões fêmeas até a glória do operador, transcorreram meras três horas. Na linha de produção, as latinhas e os recipientes de vidro permanecem à espera do que irá preenchê-los. O melhor caviar se apelida malossol, palavra russa que significa, exatamente, “superpouco sal”. O privilégio do batismo malossol se destina àqueles produtos que o sacerdote julga insuperáveis no equilíbrio e na qualidade e, por isso, não precisam de corretivos. Menos de 10 por cento da produção mundial merece a caracterização. Num segundo plano se situa o caviar prensado, o payusnaya, espécie de gelatina que se obtém das ovas muito maduras e particularmente grandes, além das que se rompem no manuseio do caviar. Uma imperfeição, sem dúvida, mas ainda assim uma iguaria, 300 dólares o quilo. Parentes pobres do caviar são as ovas de salmão ou correlatos, principalmente os peixes das águas geladas dos rios dinamarqueses, de tonalidade dourado-refulgente, perfeitamente comestíveis, assim como as ovas de tainha ou de pacu
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O segredo é não deixar o peixe machucado que começam a aparecer no Brasil ou ainda a botarga dos italianos. Único problema: comerciantes inescrupulosos tingem esse falso caviar de negro, com sépia de lulas jovens, uma combinação que, entre outros perigos, estimula a fulminante deterioração do pro-
duto depois de sua embalagem ser aberta e as ovas expostas aos fungos existentes no ar. Gastronomicamente, o Ocidente aprendeu a apreciar o caviar apenas na Idade Média, quando os cristãos de Ferrara, na Itália, descobriram que os judeus evisceravam os esturjões então abundantes no rio Pó em busca das ovas. Uma curiosidade importante: a religião hebraica não libera o esturjão, pei-
Liturgias de um prazer Caviar não se mastiga, jamais. Caviar, apaixonadamente, se degusta com a língua, as refulgentes pelotinhas de encontro ao céu da boca, onde devem se romper à compressão, liberando nas papilas um sabor incomparável, um micro-suco picante e untuoso a se lavar, preferivelmente, com um gole imediato de vodka legítima e superge-lada. Caviar não se come, nunca. Caviar, respeitosamente, se desfruta, em pouquíssimas companhias. A tradição balcânica sugere a escolta dos blinis — delicadas lâminas de massa de farinha e leite, pequenas panquequinhas que embrulham as ovas com um tico de manteiga à temperatura ambiente. Isso basta, embora existam aqueles que preferem ampliar a relação das parcerias: clara e gema, cozidas, pica-dinhas; cebola crua, triturada; creme de leite, azedo; torradas frescas no lugar dos blinis. Para beber, além da vodka, uma única alternativa: um champagne, ou algum outro espumante de superior categoria. Só, com exclusividade. Por 1 (XX) dólares o quilo, afinal, respeitem-se os máximos requintes. Caviar se serve, por exemplo, num recipiente apropriado de porcelana, vidro ou prata, no qual se encaixa, perfeitamente, a latinha original, de marca bem visível aos olhos dos comensais. Esse recipiente se localiza dentro de um outro, maior, obrigatoriamente de prata, com abundante gelo picado. Aberta a sua embalagem, o caviar deteriora rapidamente se não for colocado sob a proteção de baixa temperatura. A colher do serviço, igualmente, precisa ser de prata, especial, as bor-
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das bem finas, de modo a não romperem as pelotinhas no momento da colheita. E nada pode sobrar. O caviar não se devolve ao refrigerador. Cuidado com eventuais canapés perpetrados com antecedência — todos, obrigatoriamente, têm de ser guardados em ambiente fresco e protegido, de modo a se preservar a qualidade das ovas sensíveis. Restaurantes famosos já cometem algumas receitas exóticas com o caviar. Está na moda um tal de filet mignon à moscovita, as ovas desembarcadas sobre a carne e flam-badas com um pouco de vodka. Este escriba uma ocasião experimentou um prato de Sobre blinis e massa, penne, creme de leite, com tirinhas com champagne de salmão, o destilado rus-so-polonês de cereais e caviar por cima. Tudo bem, na cozinha tudo se permite. Mais do que heresia, porém, é tolice e contra-senso aquecer-se aquilo que a magia propõe como gelado. Caviar se homenageia, se possível, à luz cálida das velas.
xe limoso, como alimento kosher, ausente de impurezas; o caviar de mil anos atrás, porém, já devia ser tão singular e delicioso que os israelitas ortodoxos da Bota inteligentemente acharam uma brecha em seu Talmude que lhes permitisse o consumo das ovas. Da Itália, o caviar — palavra que vem do turco khavyar — subiu a Europa pelos Alpes. No século XVIII, o produto se transformou em paixão na corte francesa de Luís XIV e de seu insaciável ministro Jean-Baptiste Colbert. Na Rússia czarista, a corte real impôs uma lei, que perdurou até o século XIX, obrigando os pescadores a enviar ao palácio um mínimo de 11 toneladas de caviar de primeiríssima qualidade a cada novo ano. E mesmo a Revolução Comunista não se poupou dos prazeres formidáveis da iguaria: Josef Stálin exigia que ao menos 2/5 do caviar de sterlet fossem remetidos às cozinhas cremlinianas, exatamente a mesma participação cobrada de comum acordo pelo xá da Pérsia. Não se sabe se a glasnost, na URSS, e os aiatolás, no Irã, continuam abusando do privilégio do domínio quase total dos produtos do sterlet. Por que o caviar custa tão caro? Os preços elevados não advêm, somente, da sua raridade. Na verdade, a metodologia artesanal da preparação ajuda as despesas a subirem a picos estratosféricos — assim como a complexidade da pesca de peixes bem acima dos 100 e até dos 200 quilos em geral. Como a dificuldade em se retirarem os esturjões ainda vivos dos barcos, manualmente, sem deixar que eles se machuquem. Como a imperiosidade de se removerem as ovas imediatamente, de modo que não percam o seu frescor. Como, enfim, a sensibilidade de
quem agrega o sal às pelotinhas diante de um dilema cruel: mais cloreto de sódio, mais conservação e menos sabor natural; menos cloreto de sódio, mais perigo e mais grandeza de paladar. Nesse impasse reside a diferença entre o processamento soviético e o processamento iraniano. Na URSS, hoje em dia, aposta-se na segurança, enquanto no Irã o objetivo é manter a qualidade. E, do ponto de vista da nutrição, como se localiza o caviar? Todas as suas espécies são muito ricas em proteínas, mas também ostentam taxas altíssimas de gorduras e de co-lesterol. Em contrapartida, ironicamente, todas possuem grandes dosagens de ômega-3, um ácido graxo cuja principal propriedade é, precisamente, dissolver o colesterol e impedir que ele crie placas na corrente sanguínea dos humanos. Detalhe importante: a fim de flavorizarem seus produtos, muitos exportadores iranianos adicionam bórax, ou borato de sódio, ao caviar. Tal circunstância tem de estar explicada no rótulo de cada lata ou de cada vidro. Não se provou, ainda, a nocividade do bórax para os efeitos da alimentação. Nos Estados Unidos, de todo modo, são rigorosamente proibidas as vendas de ovas imersas em borato de sódio. Um francês de origens armênias, Christian Petrossian, detém atualmente o domínio internacional das negociações com caviar e, por isso, manipula à sua vontade as cotações das ovas do esturjão. Herdeiro de uma família tradicionalíssima em seu departamento, Petrossian controla o mercado de duas sedes, em Paris e em Nova York. A casa francesa foi fundada em 1922 e pelos seus caixas passam milhões de dólares a cada mês. “Crise? Nunca ouvi essa palavra”, brinca Petrossian com o seu próprio poder. “Eu vendo sonhos e festas, e na fantasia não existe crise.” Ele confia tanto na classe superlativa de sua clientela que não hesita em aceitar enco-
mendas pelo seu telefone parisiense 45.51.59.73.
Sílvio Lancellotti
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ma esquadrilha de jatos da Força Aérea Brasileira decolou da Base de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, numa ensolarada manhã de julho de 1961 para cumprir uma missão inacreditável: destruir um ninho de aranhas. Os aviões de combate estavam equipados com poderosas bombas incendiárias, prontos para lançá-las sobre um recanto da baía de Guanabara, na zona norte da cidade. Em poucos instantes, um verdadeiro inferno de chamas espalhou-se por uma pequena nesga de terra junto à ilha do Fundão. Um destacamento de soldados da vizinha Base Aérea do Galeão completou o serviço, encharcando de gasolina e colocando fogo nos poucos metros quadrados que haviam escapado ao bombardeio. A área transformou-se num deserto de cinzas fumegantes, levando as autoridades sanitárias do então Estado da Guanabara a anunciar com satisfação uma fulminante vitória contra o reduto daquelas indesejáveis criaturas de oito pernas. Proclamou-se que a ilha do Fundão ficara livre de um terrível aracnídeo, cientificamente conhecido como Latrodectus curacaviensis. Trata-se, na verdade, de uma minúscula e pacata aranhazinha com listras pretas e vermelhas no abdome (daí o nome popular, flamenguinha), cujo veneno, acreditava-se, seria fatal para o homem.
Os filhotes escaparam em balões de seda O uso de aviões de guerra contra aranhas pode parecer aberrante. Mas é um excelente exemplo do pavor que elas inspiram — e da falta de conhecimentos com que frequentemente o homem as enfrenta. De fato, o que ninguém poderia imaginar é que as flamenguinhas dispunham de uma engenhosa estratégia de retirada e que sobreviveriam aos milhares ao ataque, formando colônias em outros pontos do litoral carioca. Os hábitos da curacaviensis eram então pouco conhecidos — principalmente o comportamento dos filhotes. Uma jovem flamenguinha, tão logo abandona o convívio com o resto da ninhada, tece um pequeno balão de fios de teia grudado ao abdome. Ao menor deslocamento de ar, o balão levanta o bichinho, que com as correntes ascendentes de ar quente pode chegar à altitude de várias centenas de metros.
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A inocente flamenguinha (Lactrodectus curacaviensis) causou pânico no Rio
As presas e os olhos da armadeira...
...da aranha-lobo...
Os olhos contam tudo A aranha não é um inseto. Apesar de pertencer ao mesmo fílo, o dos artrópodes (que têm patas articuladas), é de uma classe própria, Arachnida, da qual fazem parte também os piolhos e os escorpiões. As aranhas possuem quatro pares de patas e o corpo dividido em apenas duas porções: um rechonchudo abdome e uma estrutura dianteira denominada cefalotórax. Este nome estranho significa apenas que, nos aracnídeos, a cabeça e o tórax estão fundidos numa única peça. No cefalotórax acomodam-se, além das oito patas, os olhos e as peças bucais do animal. O número e a disposição dos olhos no cefalotórax são características de fundamental importância para o reconhecimento das aranhas, principalmente das três espécies mais venenosas existentes no Brasil; as armadeiras, assim chamadas pela agressividade com que
erguem as patas dianteiras quando ameaçadas, armando o bote, pertencem ao gênero Phoneutria, que tem oito olhos — dois situados logo acima das peças bucais, quatro numa fileira superior e mais dois no topo do cefalotórax; as aranhas-lobo, do gênero Lycosa, também contam com oito olhos, mas quatro deles se alinham acima das peças bucais, vindo logo em seguida outros dois, bem maiores, e o último par no topo; as aranhas-marrons, do gênero Loxosceles, só possuem seis olhos, numa única fileira, agrupados aos pares. Todas as aranhas são peçonhentas, isto é, inoculam em suas vítimas, geralmente insetos, uma substância que mata ou paralisa e desempenha muitas vezes a função de suco digestivo. Utilizam para isso as duas presas pontiagudas, chamadas quelíceras. No
A agressiva armadeira (Phoneutria nigriventer) invadiu mansões paulistas
Lá no alto. a pequena balonista até controla o nível do vôo, aumentando ou diminuindo o volume do balão consegue assim aterrissar quando bem entender. Não é difícil imaginar o que aconteceu na ilha do Fundão, quando as primeiras bombas de napalm atingiram o solo. Os grandes deslocamentos de ar causados pelos impacto dos projéteis e as colunas ascendentes de ar quente produzidas pelos incêndios carregaram para a atmosfera uma enorme quantidade de jovens curacaviensis em seus balões de seda. Portanto, enquanto a velha geração de aranhas ardia no solo da ilha, suas descendentes planavam tranquilamente ao sabor das correntes aéreas sobre a baía de Guanabara — algumas rumando para Niterói, outras em direção à Barra da Tijuca e mais além. Ironicamente, um ano depois do bombardeio, uma nova e saudável colônia de flamenguinhas foi encontrada nas proximidades da Base Aérea de Santa Cruz, exatamente de onde havia partido a missão exterminadora.
No Morumbi, arrepiantes encontros noturnos ...e da aranha-marrom:
as três espécies mais perigosas
homem, o veneno das aranhas-lobo faz apodrecer os tecidos do local atingido. O das aranhas-marrons também destrói os glóbulos vermelhos do sangue, o que causa obstrução renal. E o das armadeiras provoca uma dor tão intensa que acarreta hipertensão, sudorese (suores) e taquicardia (aumento dos batimentos cardíacos). Entretanto, poucas espécies injetam um veneno capaz de pôr em risco a vida humana, a não ser no caso de indivíduos de pouco peso ou em más condições físicas. Ainda que se possa contar com soros específicos para a picada de cada uma das aranhas perigosas, a melhor forma de lidar com elas é conhecer seus hábitos e procurar evitá-las — já que não é o caso de ficar contando seus olhos para saber se são menos ou mais venenosas. O maior número de acidentes acontece nos meses mais frios, durante as horas quentes do dia, e a metade dos casos, dentro de casa. As aranhas podem entrar numa casa por diversos motivos, mas não com o propósito de atacar o homem.
Quando suas habitações naturais nas florestas e campos são devastadas por queimadas ou des-matamentos, ou quando suas tocas subterrâneas são revolvidas ou inundadas, elas começam a vagar à procura de novos abrigos. Épocas de muito frio ou calor, bem como o período de acasalamento, também provocam o mesmo comportamento. Algumas espécies levam uma vida errante, sempre em busca de esconderijos para repousar durante o dia e de onde possam sair à caça com a chegada da noite. Tanto para aquelas sem endereço fixo como para as que procuram um abrigo mais duradouro, as casas, principalmente em sítios, chácaras ou praias, se apresentam como uma ótima opção. É conveniente, então, para evitar visitas inesperadas, vedar as frestas em janelas, portas e telhados, fazer dedetizações sistemáticas e jamais acumular entulho no quintal.
O bizarro caso das flamenguinhas fez com que o zoólogo Herman Lent, então diretor da Seção de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz, apresentasse um extenso relatório condenando o espetacular e ineficiente método de combate às aranhas e aconselhando que. no futuro, fossem utilizadas apenas as técnicas convencionais de borrifação com DDT ou BHC, supervisionadas por especialistas. A própria picada da Latrodectus curacaviensis foi considerada de baixa periculosidade, em comparação com a da Latrodectus mactans — a famosa viúva-negra — a ponto de o dr. Lent prever que as flamenguinhas não iriam atacar a população. O cientista estava certo: até hoje, banhistas e aranhas compartilham alguns pontos da orla marítima carioca sem maiores problemas. Mas poucos seres aterrorizam tanto quanto as aranhas. Anos depois do bombardeio das flamenguinhas, apareceram na imprensa paulista reportagens sobre uma incontrolável invasão de aranhas no elegante bairro do Morumbi, na zona sul de São Paulo. Donas de casa, em pânico, descreviam arrepiantes encontros noturnos com
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Inseticidas naturais, em áreas verdes
Terríveis só na aparência
enormes criaturas peludas que trafegavam pelos aposentos das mansões. As aranhas do Morumbi, segundo os relatos, eram consideravelmente maiores e mais agressivas que as curacaviensis bombardeadas no Rio. E pior — eram das duas espécies responsáveis pela maioria dos acidentes com aranhas em todo o Brasil. Uma delas, a aranha-armadeira (Phoneutria nigriventer), possuidora de um veneno perigoso, principalmente para as crianças. E a outra, a aranha-lobo (Lycosa erytrognata), cuja peçonha provoca forte reação na região da picada. Nenhuma delas faz teias. Quando os técnicos do Instituto Butantã inspecionaram o bairro, conseguiram coletar, em apenas dois ou três quarteirões, centenas desses aracnídeos, dentro e fora das casas.
O próprio homem estimulou a suposta invasão Mas não confirmaram a suposta invasão, pois, muito antes dos loteamentos e construções, as aranhas-lobo e as armadeiras já viviam nas matas da região do Morumbi. Aparentemente, a própria ocupação urbana estimulara a sua procriação, na medida em que as construções acabaram por afastar os principais predadores naturais daquelas aranhas — várias espécies de lagartos e vespas-caçadoras. Além disso, o lixo que se acumulara nos terrenos baldios deixara proliferar enorme quantidade de baratas e outros insetos, considerados o prato predileto dos aracnídeos, assim como o costume de amontoar o entulho das obras no fundo dos quintais propiciou excelentes abrigos para as duas espécies de aranhas. Desse modo, o próprio homem articulou a suposta invasão, proporcionando casa e comida em abundância e, simultaneamente, livrando as aranhas dos seus inimigos naturais. No Morumbi, os mesmos fatores que estimularam a proliferação daquelas espécies também causaram grande aumento nas populações de escorpiões e de uma pequena e tímida aranha — a Loxosceles rufescens, ou aranha-mar-
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A aranha comum de jardim (Argiope argentata) é um valioso inseticida natural, mas perseguida pelo homem
Apesar do tamanho, as caranguejeiras não são perigosas. Mas seus pelos causam irritação nos olhos e no nariz Eliminando insetos caseiros, a papa-mosca é extremamente útil
rom. Pouco maior que a flamenguinha, ela possui um poderoso veneno capaz de levar à morte por insuficiência renal, ou seja, os rins da vítima deixam de funcionar (veja quadro). Ao contrário da aranha-lobo ou da armadeira, que são animais errantes, a aranha-marrom prefere viver dentro das casas, escondida durante o dia atrás de móvel ou de quadro encostado à parede. Os raros acidentes causados por esta espécie acontecem quase sempre quando a vítima veste roupa que ficou pendurada junto à parede durante a noite, onde a aranha se escondeu. A importância das aranhas como devoradoras de insetos, principalmente daquelas que constroem delicadas teias nos jardins, pode ser avaliada pela incrível quantidade de
moscas, mosquitos, cupins e baratas que consomem anualmente. Mas nem todas as aranhas tecem teias e ficam à espera de suas vítimas. Algumas vivem em tocas, atacando os insetos que passam por ali; outras são caçadoras, vagando à procura da próxima refeição. Os habitantes das grandes metrópoles deveriam aprender a olhá-las com mais simpatia e aproveitá-las como eficientes inseticidas naturais em todas as áreas verdes disponíveis. No entanto, é recomendável uma cuidadosa escolha, pois não é exatamente agradável acordar com uma assustadora armadeira no travesseiro. n Roberto Muylaert Tinoco
Para saber mais As aranhas, Wolfganga Bücherl, Ediarte,São Paulo, 1972 A aranha-lobo, Roberto Muylaert Tinoco, Editora Moderna, São Paulo, 1984
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