3x4 o livro

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3x4 VIS(I)TA

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3x4 VIS(I)TA Carlos Krauz Helena d’Avila Laura Fróes Nelson Wilbert

Cristiane Löff organização organization


Todos os direitos reservados. Impresso no Brasil. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem autorização expressa, por escrito, dos artistas. Os relatos, ideias e opiniões contidos na publicação são de responsabilidade dos autores, não refletindo necessariamente o posicionamento dos artistas. All rights reserved. Printed in Brazil. No part of this book may be reproduced in any way or by any means, without the prior authorization in writing of the artists. The statements, ideas and opinions expressed herein are the responsability of the authors and do not necessarily reflect the position of artists.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca Pública do Estado do RS, Brasil)

T796 3X4 Vis(i)ta: Carlos Krauz, Helena d'Avila, Laura Fróes, Nelson Wilbert. / organizado por Cristiane Löff. – Porto Alegre, 3X4, 2016. 176 p. il. Contém fotografias. 1. Brasil – Artes Visuais. 2. Arte. I. Krauz, Carlos. II. d'Avila, Helena. III.Fróes, Laura. IV. Wilbert, Nelson. V. Löff, Cristiane (org.). VI.Título. CDU: 73/76 (81) (058)

FINANCIAMENTO


TEXTOS TEXTS Ana Maria Albani de Carvalho Carlos Krauz Helena d’Avila Laura Fróes Maria Margarita Santi Kremer Mário Röhnelt Nelson Wilbert Niura Legramante Ribeiro Paula Ramos Paulo Gomes Susana Rangel



SUMÁRIO CONTENTS

3X4 VIS(I)TA Carlos Krauz

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Carlos Krauz 16 A ESSENCIALIDADE DA IMAGEM Niura Legramante Ribeiro 17

Gonzaga REINO MALVA E QUIMERAS

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Carlos Krauz

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André Venzon PAISAGEM ROJO – MADEIRITE

132

Carlos Krauz

141

Maria Lucia Cattani REGALOS E RELÍQUIAS

160

Carlos Krauz

189

Mário Röhnelt MÚLTIPLA EXPERIÊNCIA

184

Helena d’Avila PINTURA – TEMPO E MATÉRIA

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Ana Maria Albani de Carvalho

25

Laura Fróes A RECONSTRUÇÃO POÉTICA DO COTIDIANO

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Maria Margarita Santi Kremer

33

Mário Röhnelt

193

Nelson Wilbert SOBRE A POÉTICA DO ARTISTA

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Frantz CARGA PICTÓRICA

210

Paulo Gomes

A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO

41

Laura Fróes

PETISCOS DA IMAGINAÇÃO

Carlos Krauz

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Vera Chaves Barcellos Patricio Farías ENLACES E CONTIGUIDADES

234 244

Susana Rangel

50

ARTISTAS VISITADOS

56

Roseli Jahn VIS(I)TAS E DERIVAS

58

Carlos Krauz

Carlos Krauz

67

Felix Bressan A (DES)CONQUISTA DO PUXADINHO

84

3X4 VIS(I)TA: AFETOS E PARCERIAS PARA GRANDES VOOS

Carlos Krauz

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Paula Ramos

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ENGLISH VERSION

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CURRÍCULOS

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3x4 VIS(I)TA Carlos Krauz

O grupo 3X4, constituído pelos artistas visuais Carlos Krauz, Helena d’Avila, Laura Fróes e Nelson Wilbert, lançou em dezembro de 2006 o projeto 3x4 VIS(I) TA, com o propósito de realizar exposições de curta duração em ateliês de artistas. Essas “visitas” resultariam na criação e mostra de trabalhos pelos componentes do 3X4, a partir de conversas travadas com cada artista, sua obra e seu espaço de trabalho. Os artistas foram escolhidos em consenso pelo grupo e, tão logo era definido um nome, formulávamos o convite. Se o artista concordasse com o projeto, iniciávamos a série de reuniões com o intuito de aprofundar os laços. Nesse tempo, íamos definindo os trabalhos a serem expostos no ateliê, com o questionamento e anuência de cada artista, e nós com respeito à configuração desse espaço de trabalho. Como diz Baravelli, o espaço de trabalho de um artista “é sua cabeça virada do avesso”. Desse modo, é o princípio da intimidade do artista e, como tal, deve ser respeitado. Para nós, este projeto significou trabalhar a partir de desafios, quer esse desafio fosse o de “viver” – por dois ou três meses – um pouco do cotidiano e cosmologia do artista visitado, quer o de elaborar, nesse curto período, cada um de nós, seu trabalho, e que os mesmos dialogassem, de alguma maneira, com o artista, seu espaço íntimo e sua obra. Também desse espírito, foi imaginado que um novo diálogo se estabeleceria após completarmos as VIS(I)TAS – que, à época, não sabíamos quantas seriam – quando todos os artistas visitados e o 3X4 fariam uma exposição coletiva e, como fechamento, a memória do projeto seria registrada em livro. Inicialmente planejamos realizar uma visita a cada três meses, o que significaria trabalharmos em um prazo bastante pequeno, mas talvez intensamente largo para tentarmos estreitar as distâncias, por vezes descomunais, que a atividade de artista plástico parece ter naturalizado. Essa “naturalização” possui como peculiaridade o fato de entrarmos em contato com a obra e o pensamento do artista – na maior parte das vezes –, quando seu trabalho está pronto e exibido em um espaço 11


expositivo. Nesse ponto, nosso projeto propunha essa aproximação, dando a ver o fazer de cada artista visitado em uma instância anterior, estabelecendo certo tipo de “escambo da produção subjetiva”. Assim, em cada ateliê, nos vimos diante de concretos desafios. Entendemos que estamos diante deles quando algo nos “desestabiliza”, exigindo-nos avaliar constantemente nossos pontos de vista, colocando-nos frente a frente e em convivência com o outro, com o diferente. Intuímos que só crescemos dentro do desacordo, colocando-nos em crise. Talvez uma boa imagem para exemplificar esse “desestabilizar” esteja no simples ato de caminhar: não conseguimos dar outro passo sem que nos arrisquemos a tirar um dos pés do contato com o chão, levantando-o. Esse fugaz gesto nos coloca diante de uma crise e nosso corpo todo procura logo o apoio do chão para manter a "instabilidade do deambular" e garantir o avanço. A mesma imagem nos auxiliará agora nesta publicação, para aproximarmos o leitor a respeito do que entendemos por processo de produção subjetiva e cultural, o que buscamos alcançar em nosso projeto ao longo de uma caminhada de nove visitas.

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OS ARTISTAS DO GRUPO 3x4

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Carlos Krauz A ESSENCIALIDADE DA IMAGEM Niura Legramante Ribeiro O olhar que Carlos Krauz (Porto Alegre, RS, 1958) instaura em algumas de suas obras reivindica do espectador um comportamento de depuração visual e um grau intimista na relação espacial com os trabalhos. Comprometido com uma economia formal em determinadas composições, o artista opera por meio da fotografia de encartes publicitários, da colagem e do desenho. São imagens que poderiam remeter às condições de conforto do corpo, como cadeiras, bancos, poltronas, mesas, camas, automóveis, travesseiros, janelas, perfumes e textos. Nas colagens fotográficas, por meio de procedimentos de recortes, justaposição, remontagens, interpenetração de planos de diferentes objetos e acréscimos de linhas, o artista retira o excesso de composição, como em Flickering II (2008), na qual elimina as pernas de uma cadeira, preservando apenas o assento. Isso leva a desconfiguração do referente, pela perda do caráter de realidade do objeto, gerando um estranhamento da representação e questionando, portanto, o limite do reconhecível. O aspecto gráfico de suas composições apresenta um rigor de acabamento na precisão dos recortes, o que acentua a ausência de uma ação configuradora de ênfase gestual. O sentido operativo de desconstrução e reconstrução também aparece ao utilizar o texto enquanto imagem: palavras encontradas em embalagens de perfumes, etiquetas, campos de preenchimentos de formulários, capas de livros, marcas de carros, letra set e stickers. Se, em algumas obras, preserva a visibilidade e a semântica do texto de embalagens, em outras, as letras só lhe interessam enquanto design da forma. No trabalho B R. Sp (2008), o artista preserva o texto “Radiator Springs, a Happy Place” presente na imagem de dois carrinhos, e acrescenta letras descartáveis de finos contornos no formato de “D”, funcionando não como significado semântico, senão enquanto forma. Por vezes, o objeto representado corresponde ao texto, como a imagem de um carro acompanhado da expressão “Made in Belgium”; por outras, pode haver certo descompasso entre a fotografia do objeto e o texto, ao associar um carro com as palavras “Eau de Toilette”. Um estranhamento semântico aparece em alguns dos títulos dos trabalhos, de caráter enigmático, como na obra O Tango, O Vagalume e A Sirene (2007). O título, 15


Carlos Krauz Recuos Rc | Retreats Rc, 2011 Letras transferíveis sobre papel | Transferable letters on paper, 29,8 x 42,3 cm Coleção particular | Private collection

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Carlos Krauz Recuos 7 | Retreats 7, 2011 Letras transferíveis sobre papel | Transferable letters on paper, 29,6 x 42 cm Coleção particular | Private collection

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O anjo do app...| The angel of the app..., 2015 Duas lâminas de acrílico sobrepostas (azul sobre luminescente verde) fixadas à parede por parafusos e pinos | Two overlapping acrylic sheets (blue on luminescent green) attached to the wall by screws and pins, 110 x 92 x 5 cm Coleção particular | Private collection

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Tilt | Tilt, 2015 Duas lâminas de acrílico (verde escuro sobre azul) sobrepostas fixadas à parede por parafusos e pinos | Two overlapping acrylic sheets (dark green on blue) attached to the wall by screws and pins, 110 x 130 x 3,3 cm Coleção particular | Private collection

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segundo o artista, “[...] decorre da forma como a imagem me atinge, não é para descrever uma situação, mas para criar um deslocamento, um movimento”.1 Krauz explora diferentes possibilidades expressivas de delicadas linhas retas e curvas. A partir de um desenho com lápis ou letra set, retira uma configuração de linha e elege-a como figura que pode ser materializada em vinil auto-adesivo dourado, prateado, em papéis acetinados ou coloridos, como campos de cores, de maneira a provocar efeitos de luminescências que instigam o espectador a se deslocar no espaço para perceber as sutilezas de efeitos de cores que a luz inscreve nas linhas. Ao trabalhar com a mínima intervenção formal no espaço, o artista agencia os elementos compositivos, procurando reciclar um olhar mais tradicional. As suas imagens, de escalas minúsculas, não podem ser dissociadas dos grandes planos da superfície do papel que as abriga, pois tais espaços não são um mero suporte, mas se configuram igualmente como elemento significante. As imagens exploram diferentes localizações espaciais: ora uma linha pode nascer das bordas do plano, ora pode aparecer centrada ou mais para a direita, para a esquerda ou na margem superior ou inferior. A periferia do plano passa a ser valorizada em detrimento do restante do espaço vazio, mas de um vazio que se constitui numa presença, que é altamente semântico. Essas explorações espaciais não são casuais, mas remetem a um processo intencionalmente meditado. Portanto, nos trabalhos de Krauz, há uma grande economia formal, não há excessos. Como ele próprio afirma: “[...] o excesso, a alta definição, pode sabotar a subjetividade. [...] É preciso acabar com o apelativo que te leva para o funcional. Desejo falar às pessoas que, na pequena quantidade, pode-se ver muito. Quanto menor o número de informações visuais, tanto melhor para potencializar o que precisa ser dito”.2 Neste sentido, o artista lembra as presenças marcantes em sua trajetória, de obras de Mira Schendel (1919–1988) e Waltércio Caldas (1946). O que Carlos Krauz procura fazer é depurar um cotidiano carregado de informações visuais, para trabalhar em prol da clareza e da essencialidade da imagem. Niura Legramante Ribeiro é crítica de arte, professora e pesquisadora junto ao Instituto de Artes da UFRGS

1 Depoimento do artista à autora, em 23 de janeiro de 2009. 2 Idem. 20


Tromb | Tromb, 2015 Duas lâminas de acrílico (verde sobre vermelha) fixadas à parede por parafusos e pinos | Two overlapping acrylic sheets (green on red) attached to the wall by screws and pins, 130 x 208 x 6 cm Coleção particular | Private collection

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Helena d’Avila PINTURA – TEMPO E MATÉRIA Ana Maria Albani de Carvalho Ao lançar um olhar panorâmico sobre os eventos e instituições que obtêm maior alcance midiático no circuito da arte contemporânea, observamos que a cena apresenta-se, em muitos casos, marcada por uma produção que se configura através de projetos, desmaterializada ou veiculada com os recursos tecnológicos para exibição de imagens – fixa ou em movimento – e em produções que discutem o papel da autoria individualizada, através de práticas colaborativas ou da interatividade. Ao diversificar suas inserções sociais e trabalhar por projetos com ênfase em conceitos ou temas, o artista contemporâneo também ampliou seu leque de opções, em termos de técnicas, procedimentos, linguagens. Dito de forma mais específica, na atualidade, um artista escolhe o meio técnico e a linguagem – por exemplo, fotografia, vídeo, instalação ou desenho, por que não, pintura – na medida em que este meio, linguagem ou procedimento é por ele considerado como o “mais adequado” para expressar ou veicular sua proposta de trabalho, via de regra, alicerçada em uma estrutura teórica, conceitual ou, no mínimo, projetual. Neste cenário, apresentar-se como pintor e, assim, como alguém que faz uso de tela, pincéis e tinta, parece exigir do artista uma explicação sobre suas motivações para o emprego de uma linguagem e de uma técnica que exigem, para dizer o mínimo, um razoável investimento de tempo para o domínio do ofício. Além da coragem para assumir o embate corporal com a tela em branco, do pintor é exigido que reconheça uma história e uma herança, tanto de pesquisas formais, quanto de repertório iconográfico, que se impõem ao debate crítico contemporâneo como um umbral difícil de ultrapassar. De um ponto de vista histórico e tomando por referência a arte brasileira em seu processo de constituição do campo artístico alicerçado em concepções estéticas modernas, por sua vez, observaremos o protagonismo de artistas que investiram na gravura, no desenho, na escultura. Se voltarmos a atenção para a produção de vanguarda realizada nos anos 1960 e 1970, por seu turno, veremos a recorrência no emprego da fotografia e de outros meios técnicos para produção de imagens. Este breve preâmbulo aponta, de forma resumida, em coerência com os limites do presente texto, para a complexa presença da pintura na cena contemporânea. 23


Ilhas I e II [díptico] | Islands I and II [diptych], 1998 Acrílica, gesso e resina sobre tela | Acrylic paint, plaster and resin on canvas, 150 x 300 cm Coleção da artista | Artist’s collection

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A praia | The beach, 2012 Acrílica sobre tela | Acrylic paint on canvas, 140 x 160 cm Coleção da artista | Artist’s collection

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Bariloche , 2012 Acrílica sobre tela | Acrylic paint on canvas, 150 x 180 cm Coleção da artista | Artist’s collection

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Se as formas e os temas tradicionais não estão mais a mão, “[...] escolher o embate direto com o mundo (pintar a paisagem, e não repintar a tradição da paisagem) significa verificar, no âmago das técnicas pictóricas tradicionais, se o mundo ainda está lá para ser pintado”.1 Não. O mundo não está mais à disposição. Nada está à disposição para ser revelado à visão, à luz da verdade. Na adversidade, porém, a pintura persiste. Com mais de 25 anos de trajetória nas artes visuais, Helena d´Avila ancora parte significativa de sua produção no terreno da pintura. Desde os trabalhos com camadas de gesso realizados nos anos 1990, às pinturas de grandes telas dos anos 2000, alguns pontos permitem observar a coerência e o adensamento de sua pesquisa pictórica. A pintura de Helena d´Avila articula-se a uma linha que ganha corpo no decorrer dos anos 1980 entre os jovens artistas do período e que permanece ao longo dos 1990 e mesmo após, na qual predomina a marca do gesto produzida com a mancha de tinta, resultante de um embate corporal com a superfície da tela. Uma imagem fotográfica pode funcionar como elemento deflagrador do processo pictórico. Na obra da artista, a cena fotografada é geralmente corriqueira, paisagem ou figura, com algum significado para ela. Sua escolha como deflagrador da pintura se dá, porém, mais por seu potencial de composição do que por aspectos temáticos ou iconográficos. Este procedimento que tem uma imagem como elemento disparador pode ser observado nas pinturas realizadas entre 2012 e 2015. A partir de uma marcação inicial na tela, camadas se sucedem, conduzindo – do ponto de vista do espectador – a um Baselitz em Lençóis | Baselitz in Lençóis, 2013 Acrílica sobre tela | Acrylic paint on canvas, 160 x 340 cm Coleção da artista | Artist’s collection

1 MAMMÍ, Lorenzo. O que resta: Arte e Crítica de Arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 189. 27


jogo de revelação/encobrimento. Como argumenta Jacques Aumont, “[...] narrativa ou menos narrativa, é toda pintura que se choca com esse impossível: figurar o tempo”.2 As camadas de tinta, aplicadas sucessivamente por Helena d´Avila, em seu procedimento de encobrir/descobrir a superfície da tela e suas marcações iniciais, produzem no espectador uma perturbação do olhar. Perturbação causada pela percepção simultânea dessas camadas de tinta enquanto camadas de tempo. A ambiguidade decorre do conhecimento objetivo de que uma pintura é um objeto espacial e não temporalizado. A percepção, porém, oscila no intervalo entre a mancha e a figura interrompida. Mais do que a possibilidade de operar com alguma definição de tempo ou memória, vivenciamos uma sensação de tempo e memória, à medida que nos concentramos nos planos de cor – azuis, vermelhos – ou nas linhas gestuais em preto que delimitam zonas no plano da tela, sem necessariamente afirmar uma determinada ilusão de profundidade. O olhar percorre a superfície da tela, afunda e, mais uma vez, emerge, flutua. Não se trata de uma imagem que possa ser “lida” apenas de forma intelectualizada, na medida em que a pintura foi produzida tendo como guia a sensação. E sendo essa sua diretriz, essa parece ser a modalidade preferencial para sua recepção. Sensação de cor e luz. Sensação da passagem do tempo. Nada disso, porém, deve elidir a vivência da materialidade da tinta em alguns pontos diluída, em outros, mais densa ou da expressividade gerada pelo gesto de marcar a tela. Estar diante de uma pintura deve ser vivência assumida pelo espectador em sua dimensão plena. O aqui e o agora, como um umbral que não devemos ter pressa em ultrapassar. Ana Maria Albani de Carvalho é crítica de arte, professora e pesquisadora junto ao Instituto de Artes da UFRGS

2 AUMONT, Jacques. O Olho Interminável [cinema e pintura]. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. p. 81 28


Stella, 2013 Acrílica sobre tela | Acrylic paint on canvas, 150 x 180 cm Coleção da artista | Artist’s private collection

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Laura Fróes A RECONSTRUÇÃO POÉTICA DO COTIDIANO Maria Margarita Santi Kremer

Aprender a desenhar é aprender a ver. Laura Fróes inicia a prática de desenhar muito cedo. Os desenhos transformam percepções e pensamentos em imagens. É o preâmbulo de uma linguagem toda própria com a sua sintaxe, com a sua gramática, com a sua delicadeza, com a elegância de nos ensinar a como pensar com os olhos. O estudo da figura humana, rigoroso, aconteceu de forma natural, independente e particular, e surge antes de sua formação acadêmica no Instituto de Artes da UFRGS. O uso da tinta se une aos demais elementos do desenho ao longo da graduação. As aguadas, as transparências sobre papel, serviram de cenário e fundo para as relações espaciais entre todas as formas que passaram a compor seu repertório de imagens. Paisagens improváveis, céus e horizontes invertidos, nuvens, águas, corações, flores, coroas, cornucópias, dourados, portais. Logo irá abandonar as grandes superfícies de tintas transparentes para substituí-las por peles sintéticas coloridas, espumas, tecidos estampados. “Uma escolha pelo suporte que mais se integre aos objetos que comporão a obra”.1 Escolhas de diferentes suportes para conversar com os mais diversos objetos. Ela é ágil em decidir qual meio irá escolher para acomodar a forma certa, que abrigará o conteúdo necessário do que quer nos dizer. Das coleções As coleções/repertórios da artista são de objetos cotidianos retirados das suas funções utilitárias, reposicionados e inter-relacionados. Para reposicionar estes objetos: decalques, adesivos, pequenos recortes em feltro, couro, rendas, flores de plástico, figuras da história da arte, chaveiros de patinha de coelho, badulaques, artigos de armarinho e das lojas de 1,99, procede com a costura e a colagem. Tanto os procedimentos sem demora, como a reflexão de que estamos inundados de itens de produção barata, resultam em uma mudança na relação de importância entre fazer novos objetos e escolher entre os que já existem. 1 ALFONSO, Luciano. Artes Plásticas, anos 90. In: Porto&Vírgula, Ano III, nº 22, ago. 1995. 31


A floresta | The forest, 1993 Técnica mista sobre papel | Mixed technique on paper, 80 x 140 cm Coleção Paulo Gomes | Paulo Gomes’ collection, Porto Alegre Sem título | Untitled, 1997 Colagem sobre tecido | Collage on fabric, 10 x 18 cm Coleção Constança Ritter | Constança Ritter’s collection, Rio de Janeiro

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Cabe destacar que a escolha pelo pronto é requintada e ocorre na medida da carga simbólica do afeto e deslumbramento suscitados em cada objeto e da finalidade de utilizá-lo onde realmente importa. Da necessidade da poesia e da estetização no cotidiano feminino Amor bordado, amor colado, amor em círculos. Ser a dona de casa, cantar o canto da sereia, cuidar do amor, arrumar a casa, esticar o lençol, fazer a cama. Amor colado, composições e recomposições, cuidar das filhas, cantorias, melancolia, lantejoulas. Lavar os pratos, secar a louça, lavar a roupa, estender, pendurar, secar, dobrar, guardar. Comprar, consumir, cozinhar, pagar contas, trabalhar para o pão de cada dia. Trabalho do lar que se repete todo dia, perpetua a angústia de uma rotina imposta, e que não deixa outra opção. Do esgotamento nada fica, a não ser enfrentá-lo com a construção de um discurso poético sentido, planejado, com silêncios e sutilezas. As almofadinhas e as etiquetas A “almofadinha sereia”, uma peça de 1996, feita da estampa de uma velha camiseta que Laura havia mandado imprimir para o namorado – e que trazia a imagem de uma sereia sentada nas pedras, originalmente um quadro de eucatex comprado em uma flora do Mercado Público – marcou o primeiro trabalho que assume

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Sem título | Untitled, 2005 Costura, etiquetas de roupa, algodão cru e enchimento | Sewing, clothing labels, raw cotton and filling material, 15 x 15 cm Coleção Tatiana Sperhacke | Tatiana Sperhacke’s collection, Porto Alegre

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totalmente o suporte de tecido. Em outubro de 1997, em sua instalação no projeto Plano B, montou um conjunto de diferentes almofadas/objetos carregados de significados e simbologias do feminino e do afeto. Na sequência participou do Remetente (1998) e da exposição de 10 anos do Projeto Fahrion (1999). Aqui, um hiato até a primeira almofada feita de etiquetas de roupas (àquelas com os códigos de lavagem e conservação que muitos retiram para não incomodar), em 2004. Na lida doméstica, aqueles pequenos símbolos intrigavam e atraíam, por suas cores, diferentes sequências, muito mais do que pelos significados – a sociedade de consumo tem suas próprias regras e as etiquetas de qualidade, de tecido, bordadas, vão sendo substituídas pelas descartáveis. A necessidade de capturar esses artefatos em processo de extinção faz a artista querer aumentar vertiginosa e quantitativamente a coleção de etiquetas. Em janeiro de 2005, mobilizou amigos e conhecidos. Recolheu o material em algumas casas ou recebeu doações dos que se dispuseram a cortar. Isso até propor uma ação dentro da programação do Fórum Social Mundial, na qual, com uma tesoura na mão e uma abordagem direta, interpelava os transeuntes do Fórum no Cais do Porto a doar as etiquetas das roupas que estavam usando. A experiência foi uma jornada de três dias, sem metas, desconhecida, uma jornada durante a qual se buscava um protagonista escondido em golas, nos cós, nas laterais, junto ao fecho das calças jeans, que fez alguns dos participantes se exporem, se virarem do avesso na intenção de colaborar. Uma coleta de um objeto anônimo, industrial, serial, provocando pequenas discussões sobre seus signos incógnitos e ilegíveis que ali serviram à ação/instante para depois servirem ao objeto artístico/estético. A série de almofadas de etiquetas elaboradas a partir dessa ação integrou a exposição 3X4 construindo a identidade, a primeira ação conjunta do grupo 3X4, na Galeria Xico Stockinger da Casa de Cultura Mario Quintana em Porto Alegre, em junho de 2005. Dos projetos inconclusos e que ainda não aconteceram São tantos planos e ideias, antes de projetos concretos, alguns dissipados pelos entraves da execução, outros por meras questões prosaicas (falta de recursos econômicos, falta de tempo, falta de perseverança ou procrastinações frente à possibilidade de um dia nunca realizá-los). Num deles, despertada pela novidade de uma máquina de pintar unhas com imagens programadas no computador, uniu a tecnologia com a história da arte. Fiz parte dessa experiência. Fui convidada pela Laura a ser uma das mãos a receber as imagens de mulheres em frente a espelhos que ela buscou na iconografia da arte. De Rubens, Klimt e Lichtenstein, foram as imagens selecionadas de uma infinidade de representações. Marina Camargo, artista visual, foi a outra colaboradora. Chegou o dia do experimento e meus dedos sangrando de tanto roer as unhas precisaram de um artifício urgente. A máquina imprimia as imagens ícones da vaidade e da introspecção feminina diretamente nas minhas impressionantes unhas de plástico, que depois foram fotografadas. 35


Aliás, o espelho é recorrente na obra de Laura. Lembro, assim, de repente, de minha almofadinha de tecido verde com a palavra espelho bordada em letra cursiva, que ela me deu num momento da minha vida em que o que eu menos queria era me olhar. Do recomeço e a epifania Tendo mantido, entre 2006 e 2012, apenas as participações pontuais no projeto 3X4 Vis(i)ta, em outubro de 2012, com a exposição Corte-Dobra – individual na Casa de Cultura Mario Quintana, por meio do edital do 2° Prêmio IEAvi (Instituto Estadual de Artes Visuais) –, Laura Fróes marcaria a retomada aos trabalhos. O empenho para tal fim tornou-se um laboratório. Um laboratório, lugar próprio para uma junção de partes divergentes, frágeis e parciais, onde se pesquisam meios para unir, separar e recombinar. Laura observou formas, linhas e cenas de cinco trabalhos em papel de grandes dimensões feitos nos anos 1990, que estavam armazenados sobre o seu roupeiro desde lá e, por isso, muito danificados em sua conservação. Destes, surgiram novos formatos cortados com estilete no tamanho de 22 x 22 com, numa 36

Corte e dobra I | Cutting and folding I, 2012 Tecnica mista sobre papel, 23 x 23 cm [cada], 41x 57 cm | Mixed technique on paper, 23 x 23 cm [each], 41 x 57 cm Colecao da artista | Artist’s private collection


espécie de reaproveitamento, de reedição. O restante do que não foi cortado em cada um dos suportes, ao fim do processo, foi livremente dobrado, sem intenção nenhuma a priori, mas nessas dobras se identificou a linha mestra de ligação com o fazer e com o tempo passado. Tempo. Em 2014, no Atelier Jabutipê, a exposição coletiva Tempo que se mostra serviu aos propósitos da epifania de 2015, que assegurou uma retomada mais concreta, com a nova rotina no espaço de um ateliê. Enquanto a busca pelo descobrimento do eu indivíduo, do eu artista, é permanente, o reconhecimento e a valorização das múltiplas mortes possíveis durante o processo de desconstrução e construção do eu também são necessárias para a percepção de novas subjetividades. A epifania também é a morte do eu, também é renascimento. Enquanto a artista propõe destruir e reconstruir sua obra, paradoxalmente, não abandona o encontro com o novo eu e procura desvendá-lo, por dentro e por fora. Sem título | Untitled, 2015 Bordado eletrônico sobre tecido | Electronic embroidery on fabric, 37 x 19 cm Coleção da artista | Artist’s collection

Maria Margarita Santi Kremer é artista plástica, professora, pesquisadora em arte e consultora para projetos culturais e pedagógicos

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Nelson Wilbert SOBRE A POÉTICA DO ARTISTA Paulo Gomes

Os caminhos para a reflexão sobre a poética de um artista podem ser o da análise crítica dos meios utilizados e dos fins almejados por sua obra ou o da imersão no seu universo criador. A este denominamos poética, ou seja: conjunto da produção do artista, e inclui seu universo mental e material. É sobre ele que se debruçam historiadores, teóricos e críticos de arte. Se a poética ocupa-se dos meios materiais, da obra acabada, a poiética, por sua vez, ocupa-se do processo. Trata-se de priorizar o olhar sobre o criador, o artista, aquele que não é mais sensível do que qualquer outro ser humano, mas tem a diferença de passar do pensamento ao ato, ocupando-se dos movimentos dinâmicos, voluntários e involuntários que o ligam à obra em execução.1 Vivemos em um tempo no qual predomina o pensamento criador como atividade que prescinde do artesanato artístico (lembremos que A Fonte, de Marcel Duchamp, completa cem anos em 2017); em uma época na qual os artistas têm a autoridade de definir e impor o que é arte, independente de sua qualificação técnico-formal. Aqueles artistas que criam a partir da manualidade, sejam pintores, gravadores, desenhistas e escultores, entre outros, permanecem como autores que, aparentemente, recusam os discursos. Nesses, a excelência da invenção, a superioridade da forma, a precisa adequação entre ambas na busca da melhor expressão são qualidades que precisam ser destacadas, não pelo elogio óbvio do domínio do métier, mas porque esses artistas, que passam discretamente pelo seu tempo, mantêm viva a longa tradição da arte ocidental e a atualizam diariamente para os seus contemporâneos. Suas obras continuam a ecoar e a reverberar as atividades artísticas como uma conquista civilizatória, como uma construção da inteligência humana e, ainda, como um domínio do homem sobre si mesmo em busca da superação de sua condição animal. Falemos da poética e da poiética da obra de Nelson Wilbert. É vária, marcada pela inquietação, pelo experimentalismo, pelas incursões em caminhos díspares e pela diversidade de meios e fins. Mas nos deteremos na obra pictórica de Wilbert,

1 PASSERON, René. Da estética à poiética. Porto Arte, Porto Alegre, v.8, nº 15, p. 103-116, nov. 1997. 39


que nos fornecerá os meios para uma imersão na sua poética. A escolha da pintura não é arbitrária, tampouco aleatória. Trata-se de uma eleição natural, considerando que sua carreira está fundada na questão do pictórico enquanto meio e fim. É na pintura que reconhecemos sua contemporaneidade, sua persistência, sua realidade e seu realismo, sua percepção, sua evolução enquanto artista e fabbro. A obra de Nelson Wilbert caracteriza-se por uma integração indissolúvel de elementos aparentemente inconciliáveis: procedimentos como o citacionismo; conceitos operacionais como a camuflagem; a ideia de arte e decoração indissolúveis; os movimentos estilísticos sucessivos e contrastantes, como o classicismo, o barroco, o romantismo, o pós-impressionismo, o fovismo, o pós-modernismo; artistas como Leonardo da Vinci (1452–1519), Giuseppe Arcimboldo (1527–1593), Jean-Auguste Dominique Ingres (1780–1867), William Morris (1834–1896), Vincent van Gogh 40

Sem título | Untitled, 1996 Acrílica sobre tela | Acrylic paint on canvas, 200 x 160 cm Coleção Julia Achutti | Julia Achutti’s collection, Porto Alegre


(1853–1890), Roy Lichtenstein (1923–1997), Andy Warhol (1928–1987); o gráfico versus o pictórico; a superfície versus a profundidade... Esses variados elementos compõem uma mescla de situações que aparentemente poderiam indicar uma divisão na sua obra e, assim, na sua coerência criadora. Mas não concordamos com a análise superficial das formas como indicador de cisões no discurso plástico e poético do artista; ao contrário, vemos nessa aparente fragmentação uma coesão incontornável, conquistada graças a um continuado esforço de pesquisa e síntese que perpassa sua carreira. Traçaremos um roteiro cronológico, respeitando o surgimento dessas questões e problemas e das suas respectivas respostas, em obras expostas em quatro momentos de sua trajetória. Sua mais distante mostra de pintura foi intitulada tão somente Pinturas (Galeria Iberê Camargo, Porto Alegre, 1996). Era marcada por telas de formas nítidas, por sobreposições, supressões, síncopes, cortes, recortes e uma paleta vibrante, mas ainda tradicional. Formalmente, estava vinculada ao seu tempo e modo (anos 1990): grandes superfícies, áreas com indicações de procedimentos (uma espécie de fascínio pelo esboço, pelo inacabado, pelo indicado), um modo característico de pintar da época, que deixa ver a pintura se fazendo, como uma forma de fortalecer a presença do artista como fazedor. O desenho predomina, na medida em que contém as formas significantes do trabalho, ou seja, figuras e objetos. As figuras têm tratamento pictórico tradicional, com modulações de cores para indicar volumes e texturas de suas peles. As outras partes – roupas, objetos e fundos – recebem tratamento mais simplificado, meramente indicativo. Há um jogo desconstrutivo das figuras, que são multiplicadas e divididas nas linhas indicativas de seus perfis, nas sombras descoladas das formas estáveis e nos desdobramentos da própria imagem que se repete. A pintura é dominada pelas formas humanas, antes personagens da história da arte do que meras figuras, pois suas identidades e propriedades pertencem a Leonardo da Vinci e a Jean-Auguste Dominique Ingres. São telas que têm por mote o retrato: não o retrato identitário ou psicológico, mas o retrato histórico. Assim, a grande personagem dessas pinturas é a história da arte e seus ícones, nada menos. Pintura citacionista, na melhor tradição dos anos 1990, ancorada na legitimação (pela citação) da tradição e na permanência do fazer manual. Uma coisa sustenta a outra e, ambas, no seu colóquio, fundam a legitimação da pintura do período. Comentamos que a pintura dos anos 1990 é caracterizada pela informalidade e por uma aparente ruptura com as regras do bem pintar. Suportes e materiais precários predominavam, em detrimento do bom fazer manual que, aparentemente, deslegitimava a pintura enquanto fim. Nas telas de Wilbert, o cuidado é extremo: chassis profissionais, telas bem esticadas, base aplicada para fazer a tela rufar, predominância do desenho de base sobre a gestualidade, uso comportado de cores, superfícies com tratamentos diferentes: as figuras são cuidadosamente modeladas, para não perderem suas identidades de “personagens” da história da arte, os objetos (poltronas) são configurações, nada mais. Os fundos, quando existem, são 41


pictoricamente abertos, sem indicar sua função além de fundos (não são paredes, nem céus, nem painéis, nada). A mostra seguinte foi Intersecção (Bolsa de Arte, Porto Alegre, 2004), exposição que, conforme escrevi na época, “[..] opera uma espécie de mixagem (como as mixagens musicais, um termo caro ao artista): uma base de arte (imagens icônicas da arte ocidental), uma sobreposição de referências culturais (biografia do artista, referências de outros artistas, citações etc.) e uma finalização artesanal (o próprio artista pintando)”.2 Trata-se da fundação do conceito operatório que irá permanecer como central na obra do artista: a camuflagem. Essa série estrutura-se no princípio da criação de uma imagem que é gerada a partir da coexistência com outras. Um modo de acumulação de informação que vai da simples sobreposição, passa 2 Intersecção. Catálogo de exposição. Porto Alegre: Bolsa de Arte, 2004. 42

Sem título, 2003 acrílica e óxido de ferro sobre tela Sem título | Untitled, 2003 Acrílica e óxido de ferro sobre tela | Acrylic paint and iron oxide on canvas, 200 x 160 cm Coleção do artista | Artist’s collection


pela justaposição e chega à própria formulação de uma terceira coisa. Nessa exposição, a emulação, através da série de cópias das imagens de Vincent van Gogh, assume características de homenagem explícita. São pinturas monocromáticas, que investem no reconhecimento das formas, enquanto desenho, antes do reconhecimento das imagens. É uma espécie de traição de Van Gogh, pois a cor, o elemento identitário mais evidente do artista para o público (os amarelos de Van Gogh!) está ausente. A cor expressionista, dramática e emocional dá lugar ao processo construRetrato de Marga Pasquali | Marga Pasquali portrait, 2001 Acrílica sobre tela | Acrylic paint on canvas, 200 x 145 cm Coleção Marga Pasquali | Marga Pasquali’s collection, Porto Alegre

tivo das formas: pequenos toques justapostos, em direções e inclinações variadas, como se fosse um grande desenho com pincel. Como se trata de uma emulação de Van Gogh, tem uma diversidade de temas: paisagens, autorretratos, interiores, 43


naturezas-mortas, nos quais os procedimentos pictóricos determinam os resultados de modo absoluto. Não se trata de pintura pura, mas de um modo de criar imagens através da pintura que utiliza procedimentos manuais extra-pictóricos e que, por sua vez, são a própria razão de ser dos trabalhos. Na sequência, a mostra Espelhos (Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006), constituída de retratos. Eram retratos de pessoas, não de personagens. Uma mostra aparentemente desconectada dos modos e meios utilizados pelo artista e que, ainda visivelmente, rompia com o distanciamento e o esfriamento da sua poética. Esses retratos, obras de encomenda (independente do fim a que se destinavam), foram elaborados entre 2001 e 2005, e eram a demonstração cabal de uma fase de grande experimentação pictórica. Experimentações que ocorriam nos modos de compor (de corpo inteiro, de três quartos, cabeça); de elaborar a composição: ora centralizadas, ora deslocadas; de compor o fundo de modo diversificado, com espatulados e riscados, gestuais e intensos; de elaborar as superfícies – peles e cabelos – desde um modo mais naturalista e delicado até a quase supressão da verossimilhança, pela rudeza da camada pictórica; de usar cores inconcebíveis para retratos (!), como fundos brancos e formas escuras contrastantes, formas escuras sobre fundos escuros indistintos, cores saturadas etc. Tudo declarava uma grande oficina de experimentações, uma espécie de tempo de ensaios, de esgotamento de possibilidades, de esvaziamento de expectativas. Não se tratava de uma mostra inócua na trajetória de Wilbert: ao contrário, era fundamental, pois após Espelhos, sua trajetória se direcionaria de modo incisivo para suas questões. Quanto ao significado simbólico da experiência de pintar e expor retratos, além da óbvia questão do espelhamento do artista na imagem do outro, ouçamos Maria Margarita Santi Kremer, que escreveu: “Desta vez, a identificação é a experiência dos afetos, com a análise das relações com as mulheres e com a pintura. É uma mostra de retratos que celebra não as personalidades, nem o pintor, mas sim o que lhe é mais precioso, ou seja, as possibilidades das ações e relações humanas”.3 A quarta mostra desse conjunto é Remix (Bolsa de Arte, Porto Alegre, 2011): uma exposição de síntese de resultados. Conforme escreveu o artista Carlos Krauz, para a apresentação da mostra, nelas ocorre “[...] o casamento de imagens de ícones da história da pintura com padrões formais. Esse casamento é aqui efetivado, grosso modo, em duas instâncias. [...] Uma delas é a da captura e manipulação da imagem no meio digital e, a outra, a sua transferência para a tela mediada pela pintura. [...] Esse empreendimento consiste em ‘casar’ as imagens e padrões formais sobrepondo-os, através da transparência e dos filtros de cor dos programas digitais que domina”. E continua afirmando que “Esta exposição opera uma espécie de mixagem (como as mixagens musicais, um termo caro ao artista): uma base de

3 Espelhos. Catálogo de exposição. Porto Alegre: Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, 2006. 44


Sem título, da série Camuflagens | Untitled, part of the Camouflages series, 2011 Acrílica sobre tela | Acrylic paint on canvas, 150 x 150 cm Coleção do artista | Artist’s collection

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Sem título, da série Camuflagens | Untitled, part of the Camouflages series, 2011 Acrílica sobre tela | Acrylic paint on canvas, 180 x 180 cm Coleção particular | Private collection

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arte (imagens icônicas da arte ocidental), uma sobreposição de referências culturais (biografia do artista, referências de outros artistas, citações etc.) e uma finalização artesanal (o próprio artista pintando). Obras originais, únicas e inequivocamente de Wilbert”.4 Uma síntese, como afirmamos no início. Presentes as citações de imagens (de Leonardo e de Ingres), citação de imagem e modo de proceder, como em Lichtenstein, citação e uso dos padrões de estamparia de Morris, as formas seriadas de Warhol, os procedimentos pictóricos em tela e papel. Assim, a síntese se dá de forma total: [1] no uso do conceito operatório de camuflagem, que consiste em uma ideia que se apresenta como questionadora de significados na produção de uma obra teórica e que se repete ao longo de todo o seu desenvolvimento. Ela exerce um papel fundamental no trabalho porque dá um rumo, um fio condutor a toda a investigação e repete-se em diferentes fases, ora por inversão, ora por desdobramentos múltiplos. Essa ideia apresenta-se sempre com o intuito funcional, auxiliando na clareza do enunciado. A camuflagem, aqui, consiste na operação de sobrepor diversas camadas de informações visuais até a saturação e a criação de uma nova imagem; [2] no uso extensivo das citações do mundo das artes, a um só tempo conceito operatório e procedimento construtor, que consiste em referenciar-se exaustivamente ao mundo da alta cultura como forma de manter a tradição e legitimar sua permanência; [3] na permanência da pictorialidade como meio e fim da sua expressão plástica. Esses jogos construtivos, elaborados dentro dos eixos dos estilos, dos assuntos e dos meios, reafirmam as características distintivas da trajetória de Nelson Wilbert. Inicialmente, enunciamos a sua fidelidade ao projeto de ser artista em tempo integral, projeto no qual ele perseverou, independente das dificuldades e percalços, atitude rara dentre os da sua geração (que na sua maioria destinaram-se a outras atividades para subsistência financeira). Como decorrência desse projeto, podemos listar como seus princípios norteadores: [1] a prática da pintura como princípio, como meio de expressão e como fim de sua poética; [2] a flexibilidade de postura que lhe permite as experiências autônomas; [3] o amor incondicional à arte e a sua tradição; [4] o apreço pelo ateliê, como lugar privilegiado de trabalho e de espaço para a invenção. Estas são características que lhe garantiriam o destaque que ele tem dentre os artistas de sua geração, mas que associadas ao princípio do respeito às técnicas e à fidelidade às suas metas, ou seja, decorrências da ordem regular das coisas lhe dão um lugar proeminente dentre os nossos artistas contemporâneos. Importante reforçar que essa descrição de sua poética mantém-se fiel ao princípio da irredutibilidade da obra ao discurso: não se trata de explicar como foi feito (isso é passível de conhecimento através da análise detalhada das obras), mas sim de entender o que foi feito e qual a sua razão. Paulo Gomes é artista plástico, professor e pesquisador junto ao Instituto de Artes da UFRGS 4 Remix. Catálogo de exposição. Porto Alegre: Bolsa de Arte, 2011. 47



A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO Susana Rangel Crianças e artistas fazem de conta que um rabisco, um objeto, um fragmento, um pensamento se transforma em uma outra coisa. Tanto as crianças, quanto aqueles adultos que persistem em deslocar a ordem estabelecida do mundo, compartilham de um pensamento similar, no sentido de que ambos propõem simulacros ou fingem que uma coisa é outra coisa. Por muitos motivos, e em um determinado tempo da infância, a maioria dos adultos abandona seus infindáveis processos de elaborar enunciados poéticos. Por outros motivos, alguns adultos persistem em suas buscas de alterar os sentidos das coisas, insistindo em transformar o ordinário em extraordinário, o vulgar em incomum. Brincam com o cotidiano, com a história, com os mitos, com os pensamentos. Na exposição 3x4 construindo a identidade, são apresentados 3 momentos diferenciados na trajetória de 4 artistas que continuam a desterritorializar objetos, imagens e a provocar nossos pensamentos acerca do que eles nos mostram. Os marcadores temporais escolhidos por eles foram as produções gráfico-pictóricas da infância, o período da formação no Instituto de Artes da UFRGS e as produções atuais. Entretanto, muito mais do que uma divisão cronológica, o que direcionou a escolha destes três períodos foram os significados destes momentos para eles: a infância como o tempo que marcou as descobertas das linguagens expressivas; os anos da faculdade como o encontro dos quatro, quando o desejo de se tornarem artistas estava se definindo. E, finalmente, as buscas atuais em torno de suas pesquisas visuais. Três tempos, quatro histórias, quatro percursos individuais, quatro identidades demarcadas por imagens. Da infância, surgem em lápis de cor a Fogueira de São João e a Casinha com menina, de Helena; a Loja de roupas desenhada com hidrocor por Laura; O vampiro elaborado com lápis de cor por Krauz e a Paisagem espelhada realizada a guache por Wilbert. Essas produções infantis mostram a diversidade dos universos de cada autor e as soluções plásticas que utilizam para configurar suas percepções sobre o mundo. Cada um, a seu modo, realiza seus registros. Registram-se. Fogueira, loja de roupa, vampiro, sol. Os modos particulares de ver e as representações que os quatro realizam na infância nos revelam seus modos poéticos, seus jogos de faz-de-conta de ser criança. 49


Anos 90, (in) (trans) formação. Período em que a arte se torna uma opção de vida, um ofício consciente. Talvez a afirmação de um desejo iniciado na infância. Encontro entre os quatro, afetos, trocas, descobertas, experiências, conhecimentos, saberes. Quatro outras identidades se manifestam nos fazeres e no pensar sobre a arte. O faz-de-conta vira trabalho sério, porém, mantendo a ludicidade da transformação e o impulso de buscar o inusitado. Wilbert, em Papel de bala, persegue a ideia do rebatimento da imagem, como se uma imagem fosse o reflexo da outra, entretanto, ele brinca com a crença de que uma imagem refletida é uma reprodução idêntica ao referente. Laura compõe, com diversos materiais, a colagem A gruta, invertendo a concepção de luz e profundidade que comumente temos em relação às cavidades das rochas. Helena pinta ossos sobre uma superfície azul que

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lembra uma cruz. Ao espectador, caberá formular perguntas e possíveis respostas sobre estes elementos. Krauz recorta o contorno de um círculo de papel marmorizado transformando-o em um filamento deslocado para a superfície, e assim, o plano sugere e se converte em volume. Um gesto mínimo, um corte na borda e a superfície adquire outra entidade. Hoje, Krauz continua perscrutando a linha e o espaço gerado por elas, propondo através de agulhas de costura de diversos tamanhos, linhas e ímãs um diálogo com o espaço expositivo. A intervenção no espaço nos convoca a percebê-lo de um outro modo, talvez, expandindo nossas maneiras de ver detalhes, até então, não observáveis, como, por exemplo, as agulhas “paradas” no ar formam linhas invisíveis, conduzindo nosso olhar a outros pontos do espaço, neste caso, o inexistente passa a existir. Laura elabora objetos aproveitando imagens de roupas que ela vestia nos anos 90, imagens essas que são, tanto para ela, quanto para nós, uma espécie de Vista parcial da exposição junto à Galeria Xico Stockinger da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre | Partial view of the exhibition at the Galeria Xico Stockinger at Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre No alto, detalhes da obra AK, de Carlos Krauz | At the top of the page, details of the work AK, by Carlos Krauz Ao lado, desenho de Laura Fróes aos 10 anos de idade. Na sequência, um dos trabalhos da artista, em tecido e bordado eletrônico. | On the side, Laura Fróes’ drawing at 10 years old, followed by one of her works with the use of electronic embroidery on fabric.

emblema visual-afetivo de uma época. Além dessas imagens, Laura recolhe etiquetas das roupas e as recompõe em outros objetos. De certo modo, é um trabalho de dar visibilidade aquilo que está escondido, de trazer à tona algo que não nos chama a atenção. As etiquetas que compartilham a intimidade de nossos corpos migram para a superfície e se transformam em protagonistas das superfícies. O interno toma o lugar do externo; brincadeira de “dentro e fora”. Wilbert busca referências em obras de arte para contar uma outra história sobre nós mesmos e nossas relações com o mundo. É uma narrativa sutil que se faz através de duas imagens de Adão. A duplicação de Adão, como possível reflexo de si, procura desestabilizar o sentido que construímos sobre esse mito, pois quando pensamos em Adão, lembramos de Eva. Wilbert, nesta pintura, altera o 51


enredo oficial, provocando-nos a pensar sobre os mitos construídos e consolidados em nossa sociedade. Helena agrupa flores artificiais como se fossem pequenos canteiros. Essas séries de canteiros nos remetem aos tapetes das procissões de Corpus Christi ou também às paisagens coloridas dos cemitérios contemporâneos, sem lápides, apenas buquês de flores de plástico no campo verde. Os canteiros também podem ser ouvidos como o refrão da música dos Titãs: "As flores de plástico não morrem". Flores que, recompostas, criam infinitas cadeias de significados. Faz-de-conta que as flores são... faz-de-conta que isso pode ser aquilo. A exposição 3x4 construindo a identidade, uma reunião entre Carlos Krauz, No alto, Carlos Krauz montando sua obra. | At the top of the page, Carlos Krauz setting up his work. Ao lado, Helena d’Avila em procedimento de montagem e Nelson Wilbert observando seu desenho infantil dentro da vitrine. | Helena d’Avila in assembling her work and Nelson Wilbert watching his children’s drawing in the showcase À direita, em sentido horário: | On the right side, clockwise: Artistas com Susana Rangel | Artists with Susana Rangel Artistas com o crítico de arte Eduardo Veras | Artists with the art critic Eduardo Veras Alunos de Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS, da turma do Prof. Paulo Gomes, em conversa com os artistas | Paulo Gomes’ visual arts students from the Art Institute of the Federal University of Rio Grande do Sul talking to the artists

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Helena d’Avila, Wilbert e Laura Fróes em 3 momentos de vida, não tem o caráter de uma retrospectiva, mas sim a intenção de realizar uma espécie de estudo arqueológico, em que os 4 buscaram percorrer suas pegadas, pistas, rastros, vestígios, indícios para entender como se constituíram como artistas. Uma arqueologia de si próprios através de suas produções. Uma pergunta: o que fomos – o que somos? Muito mais do que nos oferecer uma resposta objetiva, a exposição nos interroga: de onde vem e o que mantém o desejo de ser artista? Susana Rangel é professora e pesquisadora no campo da Arte e Infância FACED/UFRGS e Amarelo Van Gogh: Educação e Arte

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ARTISTAS VISITADOS


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Roseli Jahn É em meio a livros, objetos, louças brancas e desenhos em múltiplas formas e suportes que Roseli Jahn (Porto Alegre, RS, 1951) trabalha. Mais importante, todavia, são as flores e folhagens: lírios, bromélias, clusias, magnólias e “fitas de moça” vicejam pelo luminoso ambiente, exalando não apenas perfume, mas leveza, harmonia, placidez. As flores, em sua exuberância e frescor, são o leitmotiv da artista, que parte da observação arguta de suas formas para explorar, pela linha precisa e sensual, a fluidez e a airosidade. Obsessiva, bosqueja várias e várias vezes o mesmo referente, até alcançar a síntese, ou, como ela mesma coloca, “[...] a linha na sua aparente imaterialidade, escoando fluidez, balanço, leveza, gerando vários níveis de planos que possam ser, enfim, vivenciados – criando e recriando diálogos com o espectador, e é justamente neste diálogo que busco desencadear a possibilidade de uma experiência que possibilite sintonia delicada e profunda”.1 Formadora de gerações de artistas, Roseli Jahn atuou como docente junto ao Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) entre 1977 e 2004, sendo responsável por diversas disciplinas na área de Desenho. Foi nessa mesma instituição que se formou em 1975, tendo sido aluna, entre outros, de Dorothea Vergara (1923) e Alice Soares (1917–2005), essa última sua grande mestra. A artista também foi assistente de Ado Malagoli (1906–1994) e trabalhou, no início de sua trajetória, como restauradora junto aos acervos da Santa Casa de Misericórdia e do Museu de Arte do Rio Grando do Sul (MARGS). Em 1995, obteve o Diploma de Estudos Aprofundados em História, Teoria e Prática das Artes pela Universidade de Ciências Humanas de Strasbourg, na França, com a tese intitulada Do espaço e da intenção do desenho. Discutir esses aspectos, espaço e intenção do desenho, são os focos permanentes de sua obra. Embora trabalhe a partir da observação, Roseli Jahn não está interessada na representação naturalista do objeto, mas nos desdobramentos formais a partir desse intenso exame. Por conta disso, sobrepõe linhas ora delicadas, ora intensas, sugerindo não apenas ritmo e movimento, mas um amálgama de planos, trans1 JAHN, Roseli. In: Roseli Jahn por Roseli Jahn. Disponível em http://www.roselijahn.com/ sobre. Acesso em mar. 2015. 58



parências; também opera a planificação geométrica de estruturas tridimensionais. No limite entre figuração e abstração, seu delicado grafismo manifesta-se, assim, tanto de modo orgânico, como esquemático; tanto sussurrante, como sucinto. Pensando o desenho de modo ampliado, Roseli Jahn vem estendendo sua atuação ao campo do design. Além de joias, objetos em vidro e padrões de superfície, elabora artefatos a partir da justaposição de pratos, potes e tigelas de porcelana branca. São abajures e vasos que multiplicam os elementos que a cercam: plantas, flores, louças, todos tradicionalmente relacionados ao universo feminino, que a artista revisita com sutileza e contemporaneidade. É no escrutínio sensível do cotidiano e da natureza, suas formas e cadências, que Roseli Jahn desenvolve sua poética, convidando o espectador a frear o olhar e a permitir-se o deleite, pura e simplesmente.

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Despertar do jardim | Awakening garden, 2014 Serigrafia sobre acrílico com aquarela e tinta caligráfica sobre papel, políptico [12 caixas], 30 x 30 cm | Serigraphy on acrylic with water drawing and calligraphic ink on paper, polypthic [12 boxes], 30 x 30 cm MACRS, Porto Alegre


Flora francesa | French flora, 1996 Carvão e guache sobe papel, políptico [4 caixas], 81 x 81 cm | Charcoal and goauche on paper, polypthic [4 boxes], 81 x 81 cm Coleção da artista | Artist's collection

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Vaso | Vase, 2008 Colagem de porcelanas | Porcelain collage Coleção Paula Ramos | Paula Ramos’ collection, Porto Alegre Vaso, da série assinada para Arcade–Murano | Vase, Arcade-Murano signed vase series, 2008 Obra em diálogo com livros, pratos, quadros e obras em processo | Books, plates, pictures and works in progress Coleção da artista | Artist’s collection

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VIS(I)TAS E DERIVAS Carlos Krauz Dando continuidade às atividades do grupo 3X4, a presente edição – diferentemente da primeira exposição, denominada 3X4 construindo a identidade, realizada na Galeria Xico Stockinger no ano de 2005 – se lança a um propósito diferente. Esse propósito apresenta-se por duas vias. Uma delas refere-se à dimensão e à duração do evento, e a outra ao tipo de espaço para a sua ocorrência. Dentro desse mesmo espírito, optamos por escrever este texto como forma de nos apresentarmos um pouco mais, detalhando nossos propósitos. Tentaremos, ao longo dele, dar conta desse novo perfil. 65


Após essa introdução, precisamos esclarecer que, enquanto na edição anterior nos debruçamos durante um ano, desde o projeto até a mostra propriamente, nesta estamos empregando dois anos, pois concomitantemente à primeira, já projetávamos este segundo evento. Não sabíamos, entretanto, qual seria o seu perfil. E, ao longo de nossos encontros, optamos não por uma exposição com “longa” duração, como ocorreu com a primeira. Votamos por um tipo diferente de ação, ou seja, com a duração máxima de um dia ou, se fosse o caso, um turno. Para este tipo de perfil, estudamos e, ao longo de nossas conversas, chegamos à conclusão que, para continuarmos a imprimir um caráter afetivo às nossas ações, deveríamos – em vez de realizarmos uma exposição em uma galeria e/ou instituição – fazê-lo em um ateliê, que não fosse necessariamente dos componentes do grupo, formado por Helena d’Avila, Laura Fróes, Nelson Wilbert e Carlos Krauz. A primeira artista a ser sondada e para quem apresentamos nossa ideia foi Roseli Jahn. Mas onde estaria o caráter afetivo que nos aproximaria desta artista polivalente, inquieta e generosa? O primeiro aspecto, evidentemente, foi dela ter sido nossa professora no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, durante a década de 1990. O outro foi a resposta entusiasmada e imediata da Roseli ao formularmos o convite de uma “VIS(I)TA” a seu ateliê. Mas um outro ainda nos inquieta. E esse está relacionado ao porquê da escolha por um ateliê e não por um espaço expositivo “normal”. A resposta a essa inquietação está em andamento desde nossos primeiros encontros, que vêm acontecendo com a artista em seu estúdio desde meados de setembro. Uma das respostas preliminares que conseguimos elaborar é que, ao contrário de um espaço expositivo, que geralmente é aquele no qual apresentamos “resultados”, o espaço do ateliê é um tipo de usina; lugar de tentativa e erro; é nele e, por vezes com ele, que as respostas às nossas inquietações são transmutadas em novas e intermináveis perguntas. Por que produzimos e continuamos a fazê-lo? Ou: para quem dirigimos nossas indagações? Seria esse o caráter dessa “usina”? Mas dizer que o espaço do ateliê é uma usina geradora de perguntas é já uma resposta e, também, diz pouco dessa complexa tarefa que é a produção de conhecimento pela via da subjetividade. Em nossas conversas com Roseli, acordamos, no entanto, que o espaço do ateliê não é somente esse espaço exterior, mas, ainda, aquele que nos acompanha; e esse é a nossa mente. Como diz Baravelli, em um documentário: “[...] o espaço do ateliê é a nossa cabeça virada do avesso”. Talvez essa seja a chance de conhecermos este espaço normalmente tão íntimo do artista, deixando-nos contaminar nessa temporária permeabilidade. Acreditamos que essa imagem adotada por Baravelli tenha nos alimentado ao longo de nossos encontros e conversas e, o que parecia ser mais um encontro afetivo, o “(des)afinamento das discussões” permitiu perceber que o que nos aproxima enquanto grupo e de Roseli Jahn é o respeito e o reconhecimento das singularidades. Essas singularidades estão intrinsecamente relacionadas às diferentes convicções e visões de mundo de cada um que se firmam – ou relativizam – à medida 66


que nos permitimos dar a conhecer. E essa possibilidade é vislumbrada quando nos lançamos ao debate, pois é diante da crise que nos vemos expostos; é dentro dela que emergem a dúvida e o erro que nos permitirão dar novos passos. Mas, precisávamos, ainda que com essas respostas (?), indagar à própria artista: O que significa o espaço do ateliê para você? Roseli não demorou muito em responder que o ateliê, para ela, é uma âncora. Em outras palavras, os trabalhos e ideias podem começar dentro dele, mas não necessariamente. Um trabalho pode iniciar em casa, “transferir-se” para o ateliê e terminar na bancada de um marceneiro. Desse modo, não é apenas no interior deste cubo branco – o estúdio da artista é um cubo branco com generoso pé-direito – que emergem as obras, ideias e inquietações de Roseli Jahn. A imagem da âncora da qual se utiliza para referir-se a seu estúdio parece bem apropriada a seu espírito de artista e designer. Desse modo, a âncora garante, enquanto símbolo da esperança, o fundeamento de seu espaço de trabalho, não a sua permanência. É o símbolo da esperança e, poderíamos dizer, também, da deriva e da errância. De nossas conversas e “derivas”, chegamos à conclusão de que a escolha do espaço do ateliê afinava-se bastante com o que buscávamos, ou seja: não se trata de uma busca por resultados, mas por tentativas e erros. Seria justamente desses dois combustíveis, indispensáveis à produção subjetiva e presentes inalienavelmenBromélias aquáticas | Aquatic bromeliads, 2014 Serigrafia sobre acrílico com dobraduras em papel | Serigraphy on acrylic with folding paper, 42 x 20 cm Coleção Suzane Wonghon | Suzane Wonghon’s collection, Porto Alegre

te nos murmúrios do interior do espaço de um ateliê, que estaríamos nos afastando, se optássemos por um espaço expositivo “normal”. Desse modo, a conversa que o trabalho de cada um de nós estabelecerá com a artista se dará partindo das carac67


terísticas de seu espaço/âncora e de seu(s) trabalho(s) em andamento; da presença das linhas monocromáticas ou em preto em seu desenho que, por vezes, flutuam na superfície branca do papel ou da tela e, em outras, encontram-se “sanduichadas” em seu trabalho em vidraria e cujos desígnios evocam o universo vegetal. Assim, entre nossos propósitos está, por um lado, o de deixar, como herança de nossa Vis(i)ta, alguns vestígios, como a evocação e/ou presença da cor enquanto subsídio para indagação e, quem sabe, inserção em sua obra e, por outro, “carregarmos” conosco um pouco de “suas” linhas, para alinhavarmos outros e profícuos encontros. Entretanto, não podemos deixar de elucidar que, ao optarmos por um evento de “curta” duração, estamos conscientes de estarmos trabalhando “contra o tempo”, e que ele é o nosso balizador. Esse balizador vem nos alimentando nas conversas com a Roseli e sua produção e, fundamentalmente, na elaboração de nossos trabalhos, buscando o diálogo com sua obra e/ou espaço. Ao trabalharmos “contra o tempo”, intuíamos, também, que estaríamos atuando no limite tênue entre visita e invasão; perda e erro; tentativa e dúvida...

Roseli Jahn Desenho de observação de bromélias | Drawings based on bromeliads observation, 2004–2006 Carvão sobre tela a óleo | Charcoal and oil on canvas, 140 x 180 cm Coleção da artista | Artist’s collection

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Roseli Jahn Vaso e abajur | Vase and table lamp, 2008 Colagem de porcelanas | Porcelain collage Coleção Mariza Carpes [vaso] | Mariza Carpes’ collection [vase], Porto Alegre Ambientação no ateliê da artista | Artist’s studio installation

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DRIVE (-) IN PROGRESS Carlos Krauz

Relativamente ao título, o sentido que me interessa é a ideia de “DRIVE-IN”. Drive-in, para os norte-americanos, é um espaço no qual estaciona-se o automóvel para assistir a uma sessão de cinema a céu aberto. E é justamente a noção de “parar ou estacionar para ver” que me moveu na denominação deste trabalho, pois o mínimo que se espera de quem se proponha a espectar, é parar para ver; descolar-se do movimento ou do deslocamento para (con)centrar-se no ato de ver. A escolha do papel vegetal e do papel japonês brancos, cada um com uma translucidez peculiar, está relacionado a parar e centrar a atenção, já que a parede atrás deles também é branca. Um aspecto que talvez chame a atenção, em primeiro lugar, é de as folhas, pela sua leveza, oscilarem brevemente à brisa que as toca. Essa oscilação se deve ao fato de as tiras de papel estarem “penduradas” na cor do papel laminado. Em consequência disso, um discreto reflexo “lava” a parte superior dessas alvas folhas. É uma maneira de – mesmo que quase escondido na parede – conseguir atrair a atenção, ainda que imerso na penumbra de um abat-jour e vindo à tona às expensas de uma franzina luz colorida pertencente a seu próprio corpo. O trabalho é composto por 7 folhas de papel, todas com 6,4 centímetros de largura e 32,4 de comprimento, conforme especificações a seguir: 6 de papel vegetal 1 de papel japonês 7 de papel laminado em diferentes cores e dobradas em “L”

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SOBREPONDO LIMITES Helena d’Avila

Formada em pintura, familiarizei-me com o mundo das tintas e suas técnicas, como as aguadas, por exemplo, as sobreposições de camadas de tinta acrílica diluída, processo que permeou meu trabalho por muito tempo. Propositalmente muito diluída em água, esta tinta translúcida me permitia pintar a tela como se a estivesse “lavando”. Esta forma de pintar mais tarde me levou aos vídeos, em especial aos de imagens sobrepostas que lembram a aquarela, como também o gesto e o acaso que fizerem e ainda fazem parte do meu repertório de criação. Mergulhada em tintas, quase nunca percebi a falta que faz uma linha bem determinada, até reconhecê-la no desenho de Roseli Jahn. Observando a linha em seu desenho e a mancha na pintura que faço, senti a necessidade de experimentar uma nova interferência — usar esta linha que surge da observação, que nasce no pensamento, que vem do raciocínio. Estava sentindo falta da questão matemática do desenho, pois notei que na minha pintura uma cor era o limite da outra. Mesmo afirmando que uma pintura é por excelência cor, não encerrei a discussão sobre a linha neste universo, pois observo que em Roseli Jahn, onde existe uma abundância de linhas formando um emaranhado de detalhes — e onde a cor está praticamente ausente - curiosamente também estamos diante de uma pintura. Do diálogo entre linha e mancha, desenho e pintura surgiram questionamentos. Unindo nossas percepções sobre os limites, resolvemos eu e Roseli experimentar uma sobreposição. Com um retroprojetor usei fotos de natureza e de algumas de minhas pinturas para gerar novas camadas de imagens sobre uma tela de Roseli Jahn. Sobre a delicada natureza das linhas, que formam complexos motivos florais, foi sobreposta uma leve película de luz colorida, banhando por completo a superfície com a cor e naturalmente provocando e revelando novos limites. Em contrapartida pude comprovar o resultado de minha pintura somada às linhas da tela de fundo branco a qual foi projetada, pude ver incorporado de fato ao meu universo pictórico outro de formas lineares. Uma troca de experiências, uma sobreposição de universos, uma possibilidade de influências.

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PAISAGEM DE VIDRO E ADESIVO

dava acesso ao ateliê, sendo a única que trabalhou “fora” da sala. Ali, fixei-me

Laura Fróes

e destacava a figura de um cisne em um lago com vegetação ao redor e um sol,

Encontrei um campo de trabalho no pequeno corredor ao fim da escada que na forma e na luminosidade de um vitral que ficava no meio e no alto da parede nascendo ou se pondo, mais esquematizado. A ideia foi expandir as linhas de ferro bem marcadas do vitral através do recorte manual de vinil adesivo de cores próximas da paleta do objeto que foi ponto de partida. O resultado foi um desenho livre disposto do rodapé à maior altura possível, frente ao pé direito muito alto daquele corredor.

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ESPELHO QUEBRADO Nelson Wilbert

Procuro-me em uma imagem. No espelho, ao observar-me em posição frontal, vejo apenas uma parte de mim. Para me reconhecer, procuro um ângulo familiar e de aparência agradável. Mas o que encontro no espelho não é mais suficiente para que eu me reconheça. O que seria necessário então espelhar para achar uma imagem próxima do que penso ser? O primeiro passo para essa imagem foi posicionar-me diante de mais espelhos e direcioná-los a mim. Esses, fixados em alturas e ângulos diversos, “responderam-me” com uma vasta gama de imagens. Para me ver em todos os espelhos, procurei um centro – uma posição específica para que, imóvel, pudesse observar partes de mim em cada um deles. Conquistei outros ângulos de visão. Reflexos diversos de partes de mim. No entanto, o movimento necessário do meu olhar fragmentou a totalidade da imagem. Várias partes apareceram refletidas no “mosaico” de espelhos, porém percebê-las como uma única imagem se mostrou impossível. Deslocar-se na tentativa de se ver é mesmo um movimento necessário e também eficaz, mas provavelmente por fazer da pintura um exercício diário, meu olhar só se contentará com uma imagem sem movimento. ​ Mudando a direção Com esses resultados, mas sem muito sucesso até então, prossegui a busca intuitivamente e quebrei o espelho. Chegar aqui pode ter sido, assim como a maioria dos espelhos quebrados, apenas um acidente. Embora, agora completando meu primeiro ano de psicoterapia, não possa mais fazer "vista grossa" ao inconsciente. À procura de várias partes refletidas, precisei de mais de um espelho, mas a busca da imagem única me fez retroceder. Agora, diferente dos mosaicos, somando partes para construir ou reconstruir uma totalidade, o espelho quebrado divide o reflexo do todo que existia. Congruências com Roseli Jahn O impacto produz um desenho quase espontâneo – natural. A força aplicada irradia uma trajetória do ponto de colisão para fora, criando um centro ou apenas indicando um início, um gesto. A rede de rachaduras é um desenho único, inimitável. O desenho é o registro do impacto. Um novo olhar O impacto produz uma nova imagem refletida na superfície espelhada, permi-

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tindo (ou provocando) um olhar novo. O espelho quebrado perde a superfície plana – cada fragmento ganha independência e levemente um novo ângulo, mudando assim a direção em relação ao que está sendo refletido. Um mapa de “ilhas refletoras” delineadas por fissuras. Uma “teia de cacos” contendo partes de mim em desordem. A imagem real é espelhada de forma desigual. Algumas partes refletidas dessa imagem podem aparecer mais de uma vez, em alguns fragmentos do espelho. Outras partes podem ficar deformadas: a mudança na forma é provocada por alterações em proximidade e ângulo. Partes restantes são simplesmente refletidas em sua devida sequência. Mas há também partes que, ignoradas ou rejeitadas, não aparecem em nenhum fragmento – “ficam nas sombras”. O registro fotográfico No espelho quebrado, olho-me e registro o que percebo. Um todo feito de partes. Aglomerado de partes que fazem sentido. O reflexo fotografado é a imagem real, formada, deformada ou transformada. Fotos de imagens próximas do que penso ser. Imagens em que me vejo em partes sem perder a consciência das que ficam escondidas. Deslocar-se na tentativa de se ver é mesmo um movimento necessário e também eficaz, mas provavelmente por fazer da pintura um exercício diário, meu olhar só se contentará com uma imagem sem movimento.

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1 Adriana Pasquali 2 Nelson Wilbert junto a sua obra 3 Carlos Krauz concedendo entrevista para a Ulbra TV, que cobriu a estreia do projeto 4 Luciano Zanette 5 Roseli Jahn com sua filha Helena 6 Helena d’Avila, Philip De Lacy White e em primeiro plano, Ivete Brandalise 7 Neusa Poli Sperb, Carlos Krauz e Eunice Gavioli 8 Laura Fróes e Andréa Lopes 9 Roseli Jahn e Adriana Quinto Di Cameli 10 Carmem Salazar e Carlos Krauz 1

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Felix Bressan Escultor, cenógrafo e professor, Felix Bressan (Caxias do Sul, RS, 1964) explora em parte significativa de seu trabalho as relações de estranhamento, tendo como eixo o corpo e as proporções humanas. Herdeiro de certa tradição duchampiana, o artista apropria-se de objetos industrializados e opera sua desmontagem e sua reconstituição, inserindo elementos e propondo, com isso, inusitadas relações. Artefatos do cotidiano, como bancos, cadeiras, vassouras, talheres, máquinas de escrever, passando por ferramentas como ancinhos, foices, pás e chegando a louças sanitárias como pias e bidês para banheiro: haveria limites? A mesma abundância se verifica nas técnicas empregadas: encaixe, dobra, fundição, modelagem com resina de poliéster e, mais recentemente, impressão 3D. É na sequência de decomposição, deformação e recomposição que o artista gera seus objetos transfigurados, potentes em formas e significados. Calcadas majoritariamente em produtos industrializados, suas esculturas poderiam ecoar certa impessoalidade e distanciamento. Todavia, os liames com o corpo humano, matriz de sua poética, não o permitem. Durante sua juventude, Felix trabalhou na escola de modelagem industrial Eltobres, que a família mantinha em Caxias do Sul. Ali aprendeu, entre outros ofícios, a observar, medir e representar as formas femininas. Sua série Corpo ausente, iniciada durante o Mestrado em Poéticas Visuais junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS, nos anos 1990, evidencia essa gênese. Em proporções humanas e exibidas de modo a confrontar o espectador, sugerindo um desconfortável uso, as esculturas remetem a corpos de mulheres, porém não devido à representação do corpo em si, mas pelo que lhes envolve, a indumentária. Há, portanto, uma dualidade entre o que se vê e o que se imagina, entre o vazio e o cheio. A alusão a espartilhos e a saias de armação, empregados para delinear, mas também para tolir e aprisionar os movimentos, reforça o caráter de submissão, fetiche e dor imposta, recorrente na produção do artista. Pesquisador de técnicas e materiais, Felix Bressan trabalha com o desmonte de objetos, mas também insere couro, madeira, látex, plástico, borracha, ferro, resina, parafusos, mesclando procedimentos, consistências e texturas. Suspensas, 84



projetando-se a partir das paredes ou do chão, suas esculturas podem ser leves ou pesadas, flexíveis ou rígidas, mas são atravessadas, sempre, por um admirável equilíbrio e por uma dinâmica tanto de base estrutural, como sugerida pelas formas, que se encaixam, sobrepõem e espelham, criando um singular ritmo visual. Tais aspectos, aliados à cadência, à força e às conotações suscitadas por suas obras, fazem do contato com as mesmas uma experiência, se não transformadora, no mínimo inquietante.

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Felix Bressan Sem título | Untitled, 1998 Forcados, barra de aço e parafusos | Pitchforks, steel bar and screws, 100 x 200 x 140 cm Coleção particular | Private collection Felix Bressan Sem título | Untitled,1998 Carrinho de bebê e ferro | Baby carriage and iron, 170 x 70 x 100 cm Museu de Arte de Brasília, Brasília



Felix Bressan Sem título, da série O Corpo Ausente | Untitled, part of The Absent Body series, 1995 Couro, ferro e madeira | Leather, iron and wood, 180 x 180 x 120 cm Coleção Justo Werlang | Justo Werlang’s collection, Porto Alegre

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A (DES)CONQUISTA DO PUXADINHO Carlos Krauz Após nossa visita ao ateliê de Roseli Jahn, cá estamos de volta para visitarmos mais um artista em seu espaço de trabalho. Desta feita, o artista escolhido foi Felix Bressan. O artista reside no mesmo endereço que, há alguns anos, abrigou GRAVOSNKI, “Artista pintor”, como podemos ler na placa fixada à porta da casa. A família Bressan teve o cuidado de recuperar, preservando o máximo possível, a edificação original. E, a primeira razão que nos motivou escolhê-lo foi o fato de todos respeitarmos seu trabalho e, também, termos sido contemporâneos no Instituto de Artes da UFRGS, no final da década de 1980. 91


Para começarmos um contato, marcamos uma primeira visita a seu ateliê, para que pudéssemos dar início as nossas conversas com ele e com a Cristina, sua esposa (pois bem sabemos que quando um não quer, dois não fazem???), bem como conhecermos seu espaço de trabalho. Em nossos primeiros encontros, fizemos a mesma pergunta formulada à primeira artista visitada: "O que significa o espaço do ateliê para você?" Nesta primeira tentativa, não obtivemos uma resposta oral, pois nos encontrávamos na casa do artista. Parece-nos, no entanto, que ela o motivou a nos conduzir a seu espaço de trabalho. Lá chegando, Bressan nos apresentou o espaço no qual produz, atualmente, boa parte de seus trabalhos, ou seja, uma pequena peça que ele chama de “puxadinho”, quase ao fundo do quintal. A seguir, nos conduziu ao andar térreo de seu ateliê, composto de dois andares no prédio contíguo à residência. Segundo o próprio Felix, o ateliê “[...] se transformou em uma espécie de depósito de minhas obras e de outras em andamento”. Desse modo, no andar térreo, encontra-se a oficina e boa parte do “acervo” de obras em andamento e, no primeiro piso, obras concluídas, dividindo espaço com móveis e objetos como bicicletas e outros de uso doméstico que, aliás, compõem o rico manancial de peças que integram o repertório das obras deste artista. Entretanto, Bressan nos confidenciou (Felix, agora é tarde, não é mais confidencial!) que muitos daqueles objetos o atrapalhavam, dificultando a visibilidade das obras em andamento. E isso nos fez pensar “no espaço que o gesto do artista abarca”, como nos fala Florence de Mèredieu.1 Quais os limites deste gesto? Conseguimos controlá-lo? Até onde o espaço ganha vida 1 MÈREDIEU, Florence de. Histoire matérielle et immatérielle de l’art moderne. Paris: Bordas, 1994, p. 327. 92

Felix Bressan e Cristina Ferrony no ateliê do artista | Felix Bressan and Cristina Ferrony at Bressan’s studio


própria impondo-se, por vezes, como um corpo autônomo que rejeita qualquer alteração? Será que o gesto do artista, ao produzir seu trabalho, abarca e controla sempre este espaço ou se tornaria ele (o espaço), também mais um desafio e obra a ser enfrentada? E esse fato nos chamou a atenção para um aspecto relativo à instância produtiva, ou seja: os trabalhos realizados começam a ganhar vida própria, de modo a inviabilizar ou dificultar nossa ação dentro do espaço de trabalho. Essa vida própria das obras, particularmente em se tratando de tridimensionais, de grande dimensão, como é o caso da produção de Bressan, parecia ressaltar essa dificuldade. E foi assim que encontramos o seu ateliê: numa situação de impasse. Em outras palavras: ou o artista enfrenta a “população” das obras prontas e decide o destino daquelas em andamento, ou essa “população” vence e o artista é literalmente expulso. Era necessária uma negociação com o espaço. A partir disso, Felix, preocupado em abrir espaço para que os nossos trabalhos pudessem conversar com a sua produção, dispôs-se a um redimensionamento do ateliê. Esse redimensionamento foi, o tempo todo, fruto das nossas conversas e negociações. Diante disso, nos comprometemos com Bressan que, se fosse do interesse dele, ajudaríamos no redimensionamento do espaço, de modo a torná-lo fluido, armazenando as obras em pontos pouco aproveitados pelo artista, como o espaço aéreo do ateliê, e janelas sem abertura para a rua, por exemplo. E foi o que se desdobrou nos encontros que se seguiram. Colocamos-nos “em obras” aos sábados ou, eventualmente, também em algum feriado, durante o mês de junho, para que não apenas os trabalhos que viéssemos a elaborar dispusessem de um espaço dentro de seu ateliê – pois isso incorreria em uma contradição com nosso projeto –, mas que fosse (o nosso gesto) uma reconquista do espaço pelo próprio artista anfitrião. Com isso, a obra de cada componente do grupo cedeu um pouco àquela reconquista. Agradecemos à família Bressan por nos permitir incomodá-los por vários sábados consecutivos, prometendo que isso termina por aqui!!

Pátio do ateliê | Studio's backyard Ao lado, Felix Bressan e Carlos Krauz no ateliê do artista | On the side, Felix Bressan and Carlos Krauz at the artist’s studio

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LIÇÕES DE ABISMO Carlos Krauz

Este trabalho surgiu quando, na primeira visita ao ateliê do Felix Bressan, observei a distribuição de tomadas elétricas no pátio que separa o ateliê da casa. Nas paredes de ambos os prédios, encontramos estas tomadas que são encimadas por um “telhadinho”, com inclinação de 135 graus; largura de 12 centímetros e profundidade de 2 centímetros. Elas são popularmente denominadas “pingadeiras”. A sua função é proteger a tomada elétrica da umidade. Ao observá-las, me veio logo à mente colocar bonecos que, pelo seu tamanho e movimentos, as transformassem em beirais, trapézios, falésias, precipícios e abismos, de modo a transfigurar essas estruturas de proteção em espaços de risco, de ameaça... de jogar-se de cabeça no “vazio”. Devido à dificuldade em encontrar bonecos prontos no mercado, particularmente no que se referia ao tamanho que procurava, optei por elaborá-los em massa de “biscuit” e com estrutura interna em metal. A peça maior, o regente, não ultrapassa 10 centímetros de altura. Artistas que lembro com carinho: Caspar David Friedrich e Yves Klein.

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UMA CENA INTERNA Helena d’Avila

Iniciamos nossas “conversas” com Felix Bressan em um ateliê quase intransitável, um volumoso cenário de formas sensuais e pesadas ao mesmo tempo. A fim de torná-lo acessível para o público e para nossa Vis(i)ta, com a mesma força bruta que existe na obra do artista, intervimos na organização dos materiais ali acumulados. No entanto, além da força física, percebemos, sobretudo, a sutileza de sua produção. Verdadeiras engrenagens cheias de elos, suas obras lembram um corpo, remetem à força animal. A forma em suas belas esculturas – quase máquinas, quase orgânicas – despertou em mim um profundo respeito. De sucata a puro ferro ou uma elaborada combinação de couro, metais e resina, a obra de Bressan nasce junto ao enorme e diversificado estoque de matéria-prima que ali se amontoa. Refinadas e engenhosas obras de arte surgem de um conturbado coração, o centro da cidade. De uma movimentada esquina desta mesma cidade surge um roteiro simples, a vida que existe ali. Uma câmera, um ponto fixo e um foco permanente, registrando motoristas impacientes buzinando de modo frenético em meio à gente agitada em um final de tarde, por alguns minutos. Semelhanças ou não, vislumbro no trabalho de Felix uma inspiração na realidade. Acredito que somos influenciados diretamente pelo lugar onde é concebido nosso trabalho; afinal, isso deve ter relevância no que criamos. A arte se alimenta do que vivenciamos, portanto, também é a partir de nossas memórias que formamos o nosso repertório. Correria e barulho incessantes, rotina para quem possui um ateliê em uma rua do centro da cidade, trazidos para dentro através de uma projeção, uma janela feita de luz, câmera e ação. Mesmo que de forma imaginária, criar um elo entre o ateliê de Felix Bressan e a movimentada esquina, onde se revela a engrenagem da vida urbana, foi profundamente transformador. Acredito que, em meus próximos vídeos, ou em qualquer outra linguagem que venha adiante, esta oportunidade me fez refletir sobre a motivação do projeto Vis(i)ta. No embate com esta obra, abruptamente invadida por ela, aliás, senti-me, acima de tudo, olhando pra dentro de mim mesma.

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MISCELÂNEA Laura Fróes

Na intervenção no ateliê de Felix Bressan, fomos surpreendidos por um espaço tomado, do rodapé ao teto, por móveis, objetos, esculturas prontas, esculturas em andamento, abandonadas até, e todo sortimento de materiais em profusão, dos quais o nosso visitado se utilizava. Naquele ambiente, botei o olho num antigo gaveteiro de mantimentos. Ao abrir algumas das gavetas, deparei-me com um farto estoque de miudezas e itens úteis ao escultor, que subverteu o uso original do móvel: lixas variadas, pedaços de molas de aço, parafusos, chapas de metal, arames, borrachas, plásticos, tecidos, presilhas e fivelas. Num diálogo de coleções, fiz um jogo com gavetas abertas, semi-abertas, fechadas, invertidas, deixando algumas coisas do Felix no local em que estavam e acrescentando as minhas, levadas em quantidade. Pedaços de couro, feltro e códigos de cores de embalagens tetrapak recortados, etiquetas de roupas (daquelas com símbolos de conservação de lavagem), espelhos, imagens e objetos, que também foram inseridos no lugar onde deveriam estar escritos os nomes dos gêneros alimentícios que um dia estiveram ali guardados.

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RODAPÉ Nelson Wilbert

Estamos na segunda Vis(i)ta. Agora trazendo na bagagem o ateliê e a obra linear de Roseli Jahn. Coincidência ou não, dei início a minha conversa com Felix Bressan observando linhas em uma de suas esculturas. Linhas convergentes. Entrelinhas... A linha do escultor Deparo-me com pedaços aproximadamente iguais do que já foi uma pá. Não mais como uma ferramenta, o objeto útil destruído pelo artista é por ele também recriado. Conexões unem as partes, permitindo espaços vazios que favorecem o novo traçado. Refazendo a trajetória da linha, curiosamente nosso escultor desenha.1 Ver é desenhar? É arriscado afirmar um desenho sem o registro. No entanto, uma trajetória é criada quando observamos um objeto. Felix elabora uma escultura com as partes de um objeto seccionado, propondo um novo desenho a partir do que vê em sua imaginação. Através de uma linha ele nos oferece uma trajetória. Ao olharmos sua obra refazemos esta trajetória de forma inversa à medida que vamos percebendo o objeto “original”, seja uma enxada, seja uma pá. O espectador, de certa forma, também desenha. Forçando a convergência Avaliando minhas percepções – e já alinhavando meus projetos –, sobre um mosaico a céu aberto comecei a desenhar. Observando o tapete de ladrilhos hidráulicos, que se destaca entre a casa e o ateliê, percebi, na superfície horizontal, as “entrelinhas”. Ao lado, imaginei construir outro mosaico, “espelhando” o que me interessava: o traçado. Assim, cheguei ao material que compõe meu trabalho na visita a Bressan: os azulejos decorados. Encontrados em casas de material de demolição, as peças usadas estabelecem a primeira relação com este espaço de criação artística, no qual reside agora um sentimento de preservação – não só apontado pelo patrimônio histórico, mas também pelos novos proprietários. A escolha foi parcialmente intuitiva. Peças decoradas em bom estado de conservação, outras nem tanto, e também as mais simples e comumente usadas nas constru1 Cabe lembrar Rodin: o famoso escultor que desenhava a figura humana riscando a superfície do papel sem que seus olhos perdessem de vista o modelo. Seus esboços captavam o movimento da figura, mas eram, sobretudo, o registro do olhar do artista.

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ções da cidade. Provocando uma mistura, arrecadei uma variedade de padrões, cores e qualidades, procurando fazer também uma reciclagem, reutilizando o material aparentemente pouco atraente. No vértice Segundo Felix, “[...] o simples traçado de uma linha delimita um novo espaço”. Traçando então uma nova direção, busquei um trabalho de caráter provisório. Uma obra que sutilmente “vestisse” o espaço. Na dúvida – entre a parede e o piso –, encontrei no rodapé o espaço ideal para desenhar a minha linha. Linearmente dispostos, pares de azulejos espelhados se confrontam em parte do perímetro do ateliê. O que está colado à parede encosta no que está apoiado ao solo, formando aproximadamente um ângulo de 90°. Os pares justapostos lateralmente geram uma sequência. A linha do vértice surge no encontro do plano vertical com o horizontal. 103


1 Vista do pátio da casa do artista visitado com convidados 2 Viviane Gueller 3 Carlos Krauz, Clara Lopes e público

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4 Ateliê pronto para receber visitas, com Felix e Krauz 5 Vista captada de dentro do ateliê para o pátio. Ana Zavadil e Roseli Jahn 6 Carla Volkart, Vânia Mombach, Sebastian Del Rio e Rogério Pessôa 8

7 Zé da Terreira com Helena d’Avila 8 Laura Fróes e Camila Kieling frente ao trabalho de Laura 9 Marga Pasquali e o artista visitado, Felix Bressan

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10 Marilice Corona e Nelson Wilbert 11 Leandro Machado e Carlos Krauz 12 Maria Margarita Santi Kremer e Adriana Donato 13 Sebastian Del Rio, Rodi Nuñez e Hele-

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na Martins-Costa

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Gonzaga Luiz Gonzaga Mello Gomes, ou simplesmente Gonzaga, nasceu em 1940, na cidade de Júlio de Castilhos, noroeste do Rio Grande do Sul. Passa a maior parte de sua infância na fazenda Batú, propriedade de sua mãe, no município de Tupanciretã. Ali, frequentando zonas rurais e apreciando os fluxos do Rio Ijuizinho, aprendeu a amar a natureza. Era em meio à mata e às áreas ribeirinhas que coletava as pedras, as sementes e os gravetos a partir dos quais ele próprio confeccionava seus brinquedos. Esses mesmos elementos, anos mais tarde, protagonizariam a virada conceitual pela qual passaria sua vigorosa produção escultórica, reconhecida internacionalmente. Formado em 1966 pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gonzaga frequentou o ateliê de Christina Balbão (1917–2007), vindo rapidamente a ingressar na vida acadêmica. Entre 1969 e 1985, foi professor de Cerâmica junto ao Centro de Artes e Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde criou o Laboratório de Criatividade. Nesse período, entre 1978 e 1980, recebeu bolsa de estudos de especialização, frequentando a Escuela Superior de Bellas Artes San Fernando, em Madri, Espanha. Ao retornar, tornou-se professor do Instituto de Artes da UFRGS, ali trabalhando por onze anos, de 1985 a 1996. Se, em suas obras iniciais, principalmente em desenho, pintura e tapeçaria, Gonzaga revela a ascendência ora do mundo fantástico de Marc Chagall (1887– 1985), ora das composições de Pablo Picasso (1881–1973), ele recupera a si mesmo a partir da metade dos anos 1980, desenvolvendo, desde então, uma obra que é sua própria assinatura. Observador da natureza e do corpo humano, passou a aproximar e a propor relações formais e simbólicas entre esses dois campos. Enquanto o interior de uma vagem lhe sugeria um torso, as cápsulas lenhosas de jacarandá lhe remetiam a vulvas femininas, e espinhos lhe suscitavam a genitália masculina. Adotando a resina poliéster, deu forma a esculturas em proporção humana nas quais, justamente, propunha corpos atravessados por formas vegetais, pela força da natureza. É nelas que identificamos texturas de sementes, alusões a folhas e frutos, o fluxo das águas, características explícitas na monumental série Xingu (1990), apresentada em 1991, na XXI Bienal Internacional de São Paulo. Para o crítico francês 108



Pierre Restany (1930–2003), um dos criadores do chamado Nouveau Réalisme, “[...] é na poética cósmica da fecundação que a natureza detém o mistério da vida. É a partir dessa magia fundamental que o artista procura exprimir-se com suas esculturas, numa linguagem formal que não é nem descritiva, nem metafórica, mas emblemática e simbólica, sobre os elementos da natureza profunda”.1 Um aspecto notório da produção de Gonzaga é o uso da cor. Elemento tradicionalmente ligado a obras bidimensionais, sobretudo a pintura, a cor afeta nossas emoções de modo instantâneo. No caso de Gonzaga, os azuis, verdes, liláses e vermelhos, pinçados de flores e insetos, vicejam nas superfícies. Em seu apelo irresistível, atiçam não apenas os olhos, mas outros sentidos, operando de modo quase sinestésico. O diálogo não apenas com a pintura, mas com o desenho, manifesta-se também nos relevos parietais, a exemplo d'A sagração da primavera (1999), painel produzido para a estação de metrô Ana Rosa, em São Paulo, ou do conjunto As fases do dia (2002), instalado junto ao salão nobre da Reitoria da UFRGS. Enaltecendo a natureza e sua exuberância, Gonzaga nos oferece uma obra que ultrapassa o visível. 1 RESTANY, Pierre. Gonzaga e o naturalismo integral. In: Gonzaga. Porto Alegre: Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, 2002, p. 35. 110

Gonzaga Há uma linha curva na natureza | There is a curve in the nature, 2002 Escultura em resina | Resin sculpture, 250 x 152 x 19 cm Coleção Alfredo Fedrizzi | Alfredo Fedrizzi’s collection, Porto Alegre


Gonzaga Grande noturno: orvalho, areia e perfume da terra de Pindorama | The grand nocturnal: dew, sand and perfume of the land of Pindorama, 1999 Escultura em resina | Resin sculpture, 140 x 63 x 20 cm Coleção Sonia Sebenello | Sonia Sebenello’s collection, Porto Alegre

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Gonzaga Da série Xingu: o homem e o rio | Xingu series: the man and the river, 1990 Escultura em resina | Resin sculpture, 207 x 75 x 32 cm Pinacoteca Aldo Locatelli, Porto Alegre

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Gonzaga O rio | The river, 1989 Escultura em resina | Resin sculpture, 215 x 67 x 18 cm MARGS, Porto Alegre

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REINO MALVA E QUIMERAS Carlos Krauz Prezados amigos: “Oi nóis aqui traveis”, como diria o Adoniran Barbosa, para darmos continuidade ao 3x4 Vis(i)ta. Hoje nos encontramos no bairro Floresta, mais exatamente na Avenida América, número 130. É um sábado de virada da estação fria para a primavera e, enquanto o inverno insiste lá fora, nossa acolhida na casa-ateliê de Luís Gonzaga Mello Gomes é cálida. Preliminarmente, nossas conversas transcorrem a respeito dele (do tempo e da temperatura, pois, como me dizia há algum tempo a professora Christina Balbão, Porto Alegre é um dos poucos lugares onde o tempo e a temperatura são tema e motivadores de conversa). 115


Nesse íterim, Dona Nilza, funcionária do artista, prepara um café ao ponto, para aditivar e clarear as ideias, e esperamos, para ajudar a apagar as digressões, como aquela presente entre os parênteses acima, bem como, a justificativa das mesmas, discorrida nestas últimas linhas. Com a chegada do cafezinho, a conversa versa sobre política, docência e produção artística. Após muitas charlas e pausas, assistimos ao vídeo-documentário sobre o artista, com a vantagem e o privilégio de estarmos na presença e na casa do biografado. Pausas e conversas se animam e, imediatamente depois, Gonzaga nos conduz a seu ateliê, já meditando uma resposta à nossa clássica pergunta, ou seja: "O que significa para você o espaço do ateliê?" Gonzaga nos responde que o ateliê “[...] é o lugar onde tudo pode. Entrar no ateliê é uma imersão total. Ao ingressar nele, as coisas do mundo ganham outra relevância.” Entretanto, a caminho de seu ateliê, ingressamos em um tipo de antessala ao ar livre e que dá acesso a seu espaço de trabalho. Encontramos, em uma das paredes desta antessala, uma larga e alta cerca-viva, bem como algumas plantas cujas folhas são, por vezes, tema de estudos e trabalhos na produção artística de Gonzaga. Elas – as plantas – dividem espaço com várias obras do artista anfitrião, elaboradas em bronze. Em alguns momentos, essas peças, oxidadas pela aragem, mimetizam-se à vegetação escura e “rasteira à parede”, criando um contato cromático entre seus trabalhos e aquele habitat de passagem que liga casa e estúdio. Já no interior de seu espaço de trabalho, vemos, dispostos em prateleiras, os tacelos em grande formato, pertencentes a seu acervo de moldes já executados ou em andamento. Pela maneira organizada como estão dispostos, assemelham-se a volumes – livros – numa prateleira de biblioteca. E, com certeza, este vocá116

Gonzaga em seu ambiente de trabalho | Gonzaga in his work area


bulo – volume – é bastante caro na produção do artista, já que as obras realizadas, tendo os moldes como origem e não apenas meio, valorizam neles a sua dupla ou dúbia característica, que é a de possuírem, necessariamente, reentrância, saliência, registros. Da convivência com essas características inerentes ao procedimento de fatura dos moldes, o artista elabora seus trabalhos, apresentando-nos resultados que são oriundos da forma positiva para apresentá-lo no negativo. Em algumas situações, apresenta formas masculinas e femininas, que dialogam com formas positivas sobre uma mesma base, como podemos ver em seu trabalho intitulado Os sons na floresta, em certos momentos, nº 1. Os moldes também podem nos chamar a atenção para a presença e para a ausência de corpo; podem nos colocar em xeque a respeito do entendimento que tenhamos de “cheio” e de “vazio”; de vida e de morte. Também nos colocam diante das formas protuberantes e que se projetam no espaço e daquelas que recuam ao avanço do espaço e formam os negativos. Em seus avanços e recuos, quer propiciados pela forma, quer pela escolha de uma paleta de cores geralmente de tons baixos e refinada associada, algumas vezes, a tons fortes, suas obras parecem frutos diante dos quais experimentamos múltiplas reversões – como se o artista plasmasse; incansavelmente, o “avesso do avesso do avesso “, como nos diria Caetano Veloso em uma de suas canções. Não posso me furtar a mencionar que, ao ingressar no ateliê de Gonzaga e observando aqueles moldes enormes nas estantes, me veio logo à mente uma exposição da gravadora Maria Bonomi (Meina, Itália, 1935) na Galeria de Arte do Hotel Plaza São Rafael, há alguns anos, aqui em Porto Alegre. Naquela montagem, a artista mostrou xilogravuras gigantescas e, concomitantemente, as matrizes que deram origem às mesmas. E, ao mesmo tempo em que ficava estupefato pelo “gigantismo” daquelas matrizes, dava-me conta de que elas não eram apenas fonte ou origem das imagens, mas, acima de tudo, obras. E isso ficava evidente para mim, na medida em que era impossível não ver nelas “esculturas” e, atrás daquelas esculturas, não intuir o embate corporal da artista, quer ao elaborar aquelas pranchas de madeira, quer ao entintá-las e imprimir sobre uma folha de papel de tamanho generoso. Talvez a ideia de matriz, cara à gravura, possa aqui ser associada à forma de gesso e seus tacelos nos trabalhos de Gonzaga, pois, de certo modo, os tacelos formam um corpo em negativo ou o verso do corpo a ser replicado. O molde realiza o vazio que espera o vazamento da resina ou outro material, para que o artista possa “soprar um corpo” em seus vãos. Nos parece que é nesses vãos que a memória e a obra de Gonzaga operam, quer a obra se materialize sob uma forma do reino vegetal, do animal, do mineral ou, ainda, “profetizando” uma quimera, ao plasmar em um único corpo a união destes três reinos.

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ZONA ABISSAL

a Ingmar Bergman in Fanny e Alexander

Carlos Krauz

Tudo pode acontecer, tudo é possível e provável. O tempo e o espaço não existem. Sobre um ligeiro fundo de realidade, a imaginação tece sua teia e cria novos desenhos... novos destinos.1

O trabalho é constituído por seis relógios quartz em cujos ponteiros – das

horas e dos segundos – se encontram ímãs orientados. Esses ímãs frustram as “tentativas” de avanço do segundeiro, de modo a parar o andamento do relógio e das horas. O que frustra a interminável tentativa do segundeiro avançar é a aproximação de campo magnético de igual polaridade existente tanto nele, quanto no ponteiro das horas. Quando essas polaridades “ameaçam” estar frente-a-frente, o campo magnético se encarrega de empurrar o segundeiro de volta.

Metaforicamente, Zona Abissal trata do ofício do escultor, em que os

ponteiros se assemelham ao martelo, e o campo magnético gerado pelos ímãs, à matéria. Essa matéria é por vezes hostil, caracterizada pelo bater forte do ponteiro contra o campo; por outras, “macia” e quase imperceptível, quando o ponteiro dos segundos toca o campo magnético e desliza de volta a um quarto de minuto... interminavelmente. A matéria, aqui tratada, é invisível... mas presente.

1 Trecho de O Sonho, do escritor sueco August Strindberg (1849–1912), ao final do filme Fanny e Alexander, do diretor Ingmar Bergman (1918–2007), produzido em 1978. 120



INTERVENÇÃO NATURAL Helena d’Avila

Passamos dias muito agradáveis na companhia do artista e professor Luís Gonzaga Mello Gomes, conhecido por todos como “Gonzaga”. Suas histórias foram gentilmente compartilhadas conosco nas tardes de sábado, sem pressa alguma, sempre com riqueza de detalhes. Com um especial olhar voltado para a natureza, Gonzaga vive em uma casa-ateliê, repleta de verde e de arte, produzida por ele e também por outros. A natureza ali é colecionada lado a lado com suas obras. Raízes e troncos de árvores são também objetos de arte, ou simplesmente esculturas naturais. A natureza para ele é sagrada e, assim como sua arte, merece um altar. Entre a casa e o ateliê, coberto de heras por toda sua extensão, um muro imponente me despertou grande interesse. Nele “enxertei” flores sintéticas. As mesmas que usei em 2005 para produzir a obra chamada Canteiros. Esta foi montada no chão e lembrava os tapetes das procissões de Corpus Christi, “[...] ou também cemitérios contemporâneos, sem lápides, apenas buquês de flores de plástico no campo verde...”, como disse Suzana Rangel. Na visita ao ateliê de Gonzaga, o muro coberto de hera virou, para mim, um jardim. Só que, dessa vez, na vertical. Nele desenhei com flores de plástico e, nesse confronto entre o natural e o artificial, ergui meu altar.

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TAPEÇARIA EXPANDIDA Laura Fróes

Apropriei-me de detalhes da tapeçaria Grande noturno, de 1977, feita a partir de um desenho de Gonzaga, pendurada na parede da sala de jantar da casa do nosso artista visitado. Elegi cinco imagens e as reproduzi imprimindo em vinil adesivo com transparência. Numa das faces da porta de vidro desta sala, que leva ao jardim, uma das imagens; no chão do ateliê, correspondendo ao tamanho de 40x40 cm do porcelanato, outra. No espaço onde Gonzaga guarda um pequeno acervo de sua obra, trabalhei aplicando os demais adesivos nas portas e ao fundo de uma espécie de cristaleira embutida na parede, onde ele depositava objetos afetivos, de família, bibelôs e lembranças de viagens. Retirei esses objetos e os substituí por peças do meu repertório, como recortes em couro, feltro e também espelhos, que dialogaram com os símbolos da tapeçaria. Tirei partido das lâmpadas já existentes dentro deste “móvel”, apenas redirecionando-as de modo a explorar reflexos, luz e sombra, facilitados pela estrutura de vidro dominante.

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CORPO-JANELA Nelson Wilbert

À medida que as Vis(i)tas ocorrem, percebo a vontade de deixar o fazer de lado, ou seja, criar novo conteúdo a partir do que já existe no ambiente de trabalho deste artista. Embora seja esse o meu anseio, admito que a minha capacidade de “embaralhar cartas” ainda é bastante tímida, fato que me obriga a prosseguir com os inventos para validar minhas intervenções. Acredito ter avançado levemente nesse propósito, pois, na primeira exposição, na visita ao ateliê de Roseli Jahn, apostava que o trabalho não sofreria transformações se fosse remontado fora daquele espaço. E foi o que aconteceu, pois num segundo momento a mesma obra participou de uma nova exposição.

Já na visita ao ateliê de Felix Bressan, mesmo podendo mon-

tar o trabalho em outro local, essa versatilidade não aconteceria sem que houvesse perda ou alteração substancial de conteúdo, visto que não poderia deslocar as portas, nem as janelas e muito menos o piso e parede daquele ateliê, já que eles eram os “argumentos” que sustentavam a obra.

Agora, em Gonzaga, já de início, observando as esculturas do artista

visitado, fui buscar também no espaço físico um diálogo possível para minha intervenção. Na casa, além do recanto onde o morador se conforta, pude perceber a sua necessidade de colecionar referências oriundas de suas viagens e de sua permanência fora do país por alguns anos. Ao longo de nossas conversas, atrevi-me a perguntar se, no seu roteiro de viagens, constava visita a alguma pirâmide, pois via nas esculturas que ali estavam uma referência muito forte aos egípcios, em especial às câmaras mortuárias e aos sarcófagos.1 A resposta afirmativa à minha pergunta manifestou também a certeza de que essas referências eram positivamente assumidas por ele. Tal constatação fez nascer em mim a vontade de criar o meu trabalho estabelecendo uma relação com o artista e sua obra a partir de meus questionamentos sobre a vida e, por que não dizer mais claramente, sobre a morte. E esses questionamentos me conduziram a utilizar o espelho, fotos de meu próprio corpo e fotos da janela de um depósito ao lado do ateliê do artista, espaço que agora abriga meu trabalho. A passagem da luz natural através dos orifícios dos tijolos, que caracterizam a parede que separa o interior do exterior dessa pequena peça, lembra-me a 1 Sarcófago (em grego, σαρκοφαγος - sarx = carne, phagos = comer) significa literalmente “comedor de carne”. É um tipo de túmulo de pedra onde se deposita um cadáver, geralmente mumificado, para sepultamento. Usado no Antigo Egito. 126


renda de um tecido. Esse tipo de “parede vazada” cria uma dramaticidade à passagem da luz, que é essencial para a criação e a montagem deste trabalho.

No ateliê de Gonzaga, entre os vários moldes de gesso de suas

esculturas, encontrei um no qual pude constatar a presença daquilo que supunha ser uma referência aos sarcófagos. Novamente me atrevi e propus usá-lo em meu temporário espaço expositivo, claro que com a permissão dele que, atento, logo retrucou: “Muito cuidado, Wilbert!” E assim, com “muito cuidado”, levanto questões que confesso ainda não ter encontrado resposta: a morte é o limite? Criança ainda, eu imaginava – já consciente de que a vida termina – que a morte era, apesar de uma interrupção brutal, também uma passagem; para onde, eu não sabia. Mas o que me interessava mesmo era acreditar no reencontro com quem temia tanto perder. O corpo é realmente uma abertura quando se desfaz? Hoje, sobre isso eu sei menos ainda, pois minhas pequenas certezas de criança deram lugar à dúvida.

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1 Vista captada de dentro do ateliê para o pátio 2 Gonzaga, Rejane Vetorato e Nelson Jungbluth 3 Alfredo Nicolaiewsky e Blanca Brites 4 Anita Tachenco, Sílvia Livi e Naira Tagliari 5 Beth Mello, Angela Pettini e Ena Lautert 6 André Venzon, Beatriz e Lívio Paulo Susin 7 Nelson Wilbert e Gonzaga 8 Wilbert e Paula Ramos 9 Cristina Ferrony, Helena d’Avila e Rogério Pessôa

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10 Lucimar Predebon e Niura Ribeiro 11 Laura Fróes, Risomá Cordeiro e Rodrigo Peña 12 Maria Bonumá

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André Venzon Um cubo rosa, com pouco mais de 30 cm de altura, feito em compensado de madeira. Com ele, o apagamento do rosto, o apagamento da identidade. Quando André Venzon (Porto Alegre, RS, 1976) iniciou, em parceria com Igor Sperotto (Porto Alegre, RS, 1969), a série Cidade sem face (2005), fotografando habitantes de Porto Alegre com a caixa fúcsia sobre a cabeça, propunha uma reflexão sobre não apenas a invisibilidade dos sujeitos, mas sobre a invisibilidade da cidade, ou pelo menos de algumas de suas regiões. O material adotado, nesse sentido, já sugeria tal aspecto. Presente na construção civil, o tapume isola áreas, privando-as de um tipo de evidência, ao mesmo tempo em que, pela cor, lhes confere outra. Foi esse aspecto paradoxal que estendeu às pessoas fotografadas. Formado em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2005), com passagem pelo Curso de Arquitetura e Urbanismo da mesma instituição, Venzon calca sua produção nas relações entre urbe, corpo e identidade. Muito do que propõe emerge da região em que nasceu, cresceu e mantém ateliê até os dias de hoje: o Bairro Floresta, na Zona Norte de Porto Alegre. Conhecido por abrigar, ao longo do século XIX e da primeira metade do XX, o pólo fabril da capital, o antigo 4º Distrito congregava instalações industriais, ocupação residencial e comércio varejista. Seu eixo era o “Caminho Novo”, como era conhecida a Rua Voluntários da Pátria e em torno da qual se desenvolveram os bairros Navegantes, Floresta, São Geraldo e Humaitá. Outrora rica, a área passou por décadas de abandono e decadência, vendo sua identidade atrelada ao vandalismo e à prostituição. Principal acesso terrestre, fluvial e aéreo a Porto Alegre, ali estão dezenas de boates e casas noturnas, bem como a igreja e a rota que abrigam a maior festa religiosa da cidade, em honra a Nossa Senhora dos Navegantes. Essa dualidade e contemporização sempre atraíram Venzon, que comumente explora aspectos do sagrado e do profano, da fartura e da carência, do explícito e do sugerido. É mergulhado nessa história e nesse cenário que o artista desenvolve sua poética. Diz ele: “[...] quero questionar como, através da relação da arte com lugares, podemos lançar estratégias artísticas para manutenção de uma memória coletiva, ou observando o espólio arquitetônico das grandes cidades, como fazer para combater a imensa amnésia que agride a vida 132



urbana e nos cega para o mundo das coisas. O desenho urbano pode ser visto no meu trabalho como uma matriz conceitual, como forma de descoberta, primeira escrita, leitura da cidade através de suas imagens mais fortes”.1 Nesse processo, registra fotograficamente o seu percurso pela cidade, documentando acessos bloqueados, edifícios isolados por tapumes ou mesmo pessoas em situação de aniquilamento social; recupera fragmentos de letreiros, recados e anúncios distribuídos pelas ruas; apresenta montagens reunindo impressos efêmeros, objetos comprados em mercados de pulgas, espelhos, brilhos, purpurinas; ou suscita, por meio de excertos arquitetônicos, lugares perdidos, prédios destruídos, memórias aviltadas. Desenvolvendo trabalhos em intervenção, fotografia, maquetes e objetos e explorando ora um tratamento austero e enxuto, ora os excessos do kitsch, André Venzon fala de pertencimento: cidade, sujeito e suas várias formas de afeto.

1 VENZON, André. Sobre boates. Disponível em www.andrevenzon.com.br/texto_andre; acesso em mar. 2015. 134

André Venzon Série Consumidores de espaços | Space's consumer series, 2001 Fotografia | Photography, 102 x 146 x 5,5 cm Coleção do artista | Artist’s collection André Venzon e Igor Sperotto Série Cidade sem face | Faceless city series, 2005 Fotoperformance e fotografia | Photo performance and photography, 153 x 102,5 x 5,5 cm Coleção do artista | Artist’s collection



André Venzon Dreaming, 2012 Impressão offset (registro de intervenção diante da Casa de Cultura Mario Quintana) | Offset printing (photo of the performance in front of Casa de Cultura Mario Quintana), 76 x 54,5 x 4,3 cm Coleção do artista | Artist’s collection André Venzon A cidade é o meu corpo / A terra é o meu corpo | The city is my body / The earth is my body, 2009 Fotoperformance [49 fotografias de peles carimbadas e estojo com carimbos e almofada] | Photo performance [49 photographs and the case contning the stamps and the stamp pad] Porto Alegre, RS – Belém, PA

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PAISAGEM ROJO – MADEIRITE Carlos Krauz Neste momento, desloco-me nas “asas” da Santo Anjo da Guarda, em meu retorno semanal de Florianópolis a Porto Alegre. Já afundado na poltrona e há duas horas e meia de percurso, o sono não me abate. Para distraí-lo, injeto-lhe doses maciças de caneta, papel e... alguma ficção. A noite, que acaricia o lado de lá da vidraça desta casa em movimento, é macia. Ouço a fricção do vácuo dos caminhões e de suas estroboscópicas luzes que vêm no sentido contrário. A sôfrega aparição da paisagem que atravessa o fumê da vidraça é fixada pelos “flashes” da tempestade ao sul, indicando uma viagem longa. 139


Diante dessa folha lívida, sem pauta e sem escritos, sob a iluminação bruxuleante e hipnótica da lâmpada de leitura acima de minha cabeça, reporto-me ao dia 29 e estamos no início de outono, em pleno fechamento das águas de março de 2008. Neste sábado – entre-nuvens –, nós nos deslocamos para o ateliê do artista André Venzon. A caminho de lá, me dou conta de que já trafegamos pela avenida Cristóvão Colombo até a rua Ramiro Barcelos, na qual entramos. Desta, convertemos mais uma vez à direita, na avenida Voluntários da Pátria. Dela, convertemos no mesmo sentido na rua Câncio Gomes. Percorrermos mais cem metros e fechamos o quarteirão. Estamos diante do número 126 da rua Leopoldo Fróes, endereço do ateliê do artista anfitrião. É um prédio que abriga uma oficina mecânica que, vista da rua, possui fachada generosa. Entretanto, o que não esperávamos é que, para chegarmos ao estúdio do artista, percorreríamos um longo trajeto atravessando aquele espaço que, há alguns anos, abrigou o depósito de uma empresa conhecida. A arquitetura deste prédio, com amplo pé-direito e tesouras de madeira a sustentar o telhado, é encimada pela entrada de luz natural e de ar, característica dos longos pavilhões industriais existentes naquela região. Entre automóveis, macacos hidráulicos, compressores, mangueiras e muitas digressões, Venzon interrompe a caminhada para, cerimoniosamente, fazer deslizar uma gigantesca e escura porta de ferro que, silenciosamente, aciona seus rodízios hidraulicamente, fazendo-a abrir. O que vemos do lado de lá é um pequeno espaço a céu aberto que, à direita, conduz a seu espaço de trabalho. Ingressamos naquele pequeno espaço e, imediatamente, em seu ateliê. Cons-

Helena d’Avila, Carlos Krauz e Laura Fróes no ateliê de André Venzon | Helena d’Avila, Carlos Krauz and Laura Fróes at André Venzon’s studio

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tatamos que se trata de uma construção anexa, que se sustenta entre um alto muro e a parede de janelas tipo báscula da própria oficina, de modo que se pode acompanhar a movimentação dentro da oficina ou do estúdio de André através delas. Parece-me que, por meio das janelas, aquela estrutura de madeira pintada de branco que suporta o telhado da oficina ganha maior evidência. Talvez isso se deva ao fato de essas estruturas desenharem zigue-zagues, encaixes, apoios, avanços e recuos que caracterizam essas tesouras e das quais pendem calhas de lâmpadas fluorescentes horizontalmente dispostas. Agora, já dentro de seu ateliê e devidamente cafeinados, após aquela longa jornada, nos damos conta de que este reproduz, em menores proporções, as características físicas encontradas no prédio da oficina. Como se ele fosse uma maquete ou, neste caso, uma miniatura. Constata-se essa semelhança, inicialmente, nas tesouras metálicas que sustentam o telhado de seu estúdio. Elas, ainda que muito delgadas, possuem o modo construtivo do prédio “matriz”. Há aqui, também, a entrada de ar que encima o telhado, bem como de luz natural. Após aquelas breves observações relativas às características físicas de seu estúdio, notamos que o artista o mantém organizado, dos pincéis aos arquivos que cataloga, numa estante ao fundo de seu espaço de trabalho. Esta organização atinge, também, a disposição de suas obras ao longo das paredes ou suspensas nas tesouras do telhado, além daquelas armazenadas em sua mapoteca. Dentre as suas obras, chama-nos a atenção aquelas que o tornaram conhecido no meio artístico e que são elaboradas em madeirite ou, como são popularmente conhecidas, madeiras de tapume. É a partir da cor extraída e estranha deste material que Venzon elabora suas “caixas”. Uma delas, suspensa do teto, chama a nossa atenção de imediato. Ela se assemelha a uma concha “cúbica”, ou a um capuz rigorosamente geométrico, que permite a seu voluntário portador olhar apenas para baixo, podendo mirar, se muito, as pontas dos próprios pés vistos de cima. Descortinar o horizonte ou o céu constitui-se uma ficção. E, a partir disso, podemos depreender que o artista talvez esteja nos falando de um horizonte que é empurrado, pelo cotidiano massificado das grandes cidades, cada vez mais para baixo, vedando a possibilidade de olhar no olho. E, desse modo, olhar para diante ou o entorno é tarefa árdua que se conquista tirando o “capuz” ou deitando-se para espiar o que ocorre fora, pois o que nos atinge, em tais circunstâncias, é o som distorcido e o aguçamento de outros sentidos. Mas tal aguçamento corre o risco de ser obstruído ou embotado, pois vivemos, nas grandes cidades, o cotidiano imposto da indústria do medo. Além disso, pelo fato de encontrar-se suspenso, a única maneira de portá-lo é ficando em pé. Esse “capuz” lembra uma passagem do livro 10 de A República, de Platão. Nessa passagem, Platão discorre a respeito do homem aprisionado à caverna, dentro da qual vê apenas sombras que se “movimentam” nas suas paredes. Para aquele que nela se encontra aprisionado, as sombras de pessoas são tomadas pelas próprias; 141


conhece somente as sombras e nem cogita que elas não sejam seres, senão a sua projeção propiciada pela luz, pois desconhece também a luz que as atinge. Mas a nossa conversa com André retoma seu curso. Na sua sequência, o artista confidencia que o uso das caixas em seus trabalhos teve início no período de sua formação no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E essa aplicação das caixas, em sua produção artística, de certa forma está ligada à convivência na oficina mecânica de seu pai, na qual chegavam caixas de madeira embalando auto-peças. “Na época, desmontava essas caixas para elaborar meus primeiros trabalhos.” Dado relevante a ressaltar é que André Venzon, como ocorre com vários artistas, teve passagem pelo curso de Arquitetura e Urbanismo. Desta experiência, o artista herdou o hábito de fazer maquetes. Venzon chama a nossa atenção, no entanto, para o fato de que suas maquetes sempre serem bem maiores do que o padrão. Em suas palavras: “Precisava experimentar concretamente o espaço a ser projetado para, posteriormente, passá-lo para a representação perspéctica ou planta baixa. Ou seja: sempre preciso, primeiro, experimentar o espaço concretamente”. A partir disso, outro artista me vem à mente. Ele também teve passagem pela Arquitetura e, em alguns de seus trabalhos, utilizou o madeirite. Este artista é Carlos Fajardo, particularmente em sua obra intitulada Ao cubo. Nela, não constrói caixas, como no caso de Venzon, mas uma parede inclinada, que estabelece um corte no espaço expositivo. Esta parede, que vai do piso ao forro, encontra, neste último, uma complexa treliça em concreto, que obriga o artista a confeccionar contornos no madeirite minuciosamente, fazendo-o acompanhar cada avanço e recuo daquela treliça e tubulações, pertencentes àquele espaço expositivo. À cor artificial do madeirite, Fajardo associa um globo confeccionado com cipó, que nos aproxima das imagens da Terra vista da Lua, contra um fundo. Esse tipo de ninho repousa suspenso, fixo por cabos de aço, a vários pontos do espaço expositivo. A “gravitação” deste globo orgânico estabelece um outro corte, propiciado pela contraposição àquele fundo de madeira tingida. Esta contraposição constata-se no desenho da trama que o caracteriza e que nos permite ver, através dele, o espaço que o entorna, ao contrário da parede atrás, que “funciona” como um inquieto anteparo para o olhar. Em outras palavras, se, por um lado, o globo nos atrai pela sua forma esférica e gráfica, ao gravitar contra um fundo plano e politonal da madeira de tapume, por outro o tapume se encarrega de dispersá-lo devido à 142


diversidade vinho-tonal. Esta diversidade de tons veste a madeira, de modo a artificializá-la, a escondê-la assumidamente de sua origem; a distanciá-la de sua natureza; tornando-a uma superfície ricamente pictórica. Presenciamos, em Ao cubo, a convivência de duas variações pertencentes ao mesmo reino, mas não, certamente, à mesma “natureza”. E essa diferença de natureza é ressaltada pelo fato de o globo funcionar como uma esponja para o olhar, fazendo-o centrar-se nele, enquanto a parede politonal do madeirite dispersa-o, desestabilizando nosso andar dentro daquele espaço expositivo, devido à sua inclinação. Voltando à obra de André Venzon, particularmente Tesoura do antigo DEPRC, constatamos que a mesma também fora exposta suspensa e podemos ver o espaço através dela, como o globo na obra do artista paulistano acima analisada. Esta obra de Venzon, entretanto, reproduz aquelas tesouras existentes nos telhados dos armazéns do cais do porto de Porto Alegre. O procedimento construtivo desta obra em madeirite, parafusos, arruelas e borboletas evidencia a intimidade e convivência do artista com materiais, ferramentas e acessórios que o acompanham desde a infância. Também ressalta a sua preocupação ao conceber e montar o trabalho, visando a sua “fácil” desmontagem e transporte. Este trabalho, bem como vários de sua produção, constitui-se em um tributo à cidade e, mais em particular, aos bairros Navegantes e Marcílio Dias, que possuem

No alto | At the top of the page André Venzon Tripa, da série Fechamentos | Guts, of the Fechamentos series, 2007 Fotografia [políptico com quatro módulos de 11,5 x 101 x 5 cm cada] | Photography [polyptych with four parts of 11, 5 x 101 x 5 cm each] MACRS, Porto Alegre Ao lado | On the side of the page André Venzon Qual é o seu lugar? | What is your place?, 2003 Maquete em tapume da torre da igreja Dom Bosco | Dom Bosco church’s tower model made of siding wood Coleção do artista | Artist’s collection

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um estreito contato com o lago do Guaíba e, mais especificamente, ao porto, que tangencia as suas margens. Nesta obra, observamos que, devido à cor peculiar do madeirite, ela contrasta com as escuras estruturas existentes, a sustentar o telhado daqueles armazéns. Sua obra tira partido formalmente daquelas estruturas, subvertendo-lhes a função. Neste caso, sua obra não é estrutura de sustentação, senão é sustendada pelo tesouramento do telhado daqueles armazéns. Com isso, tanto a cor, quanto o fato de sua obra estar suspensa, conferem a este lugar um caráter fantasmático, já que, até há alguns anos, a “vida” daqueles armazéns caracterizava-se pela intensa movimentação humana e de mercadorias provindas de várias partes do planeta. Em outras palavras, este tipo de lugar, caracterizado pela permanência efêmera de pessoas e bens, tornava-o um verdadeiro entreposto de intercâmbios das mais diversas origens, formas e procedências. Exposta no atual contexto de abandono daqueles armazéns – ou de novas funções e ocupações às quais estão destinados –, sua obra nos faz pensar nos rumores e anseios ali guardados pelas pessoas que por ali passaram, viveram, trabalharam... 144

Acima, Carlos Krauz observando o espaço da oficina, junto ao ateliê de André Venzon | Above, Carlos Krauz observing the car repair shop at André Venzon’s studio A direita, vista da entrada do ateliê de André Venzon | On the right, view from entrance of André Venzon’s studio


Essa obra também nos faz voltar ao início deste texto, quando nos referíamos às características físicas do espaço do ateliê do artista, bem como àquele da oficina ao qual é contíguo, particularmente à presença das tesouras de sustentação do telhado. Essa constante presença talvez hoje possa nos conduzir a ler Tesoura do antigo DEPRC como sendo, além de um tributo à cidade, também a própria infância do artista que, acompanhando seu pai em seus afazeres na oficina desde a tenra idade, com este espaço conviveu e o internalizou. Certamente, a iminência de o artista e seu pai desocuparem este prédio auxilie, ainda mais, neste processo de internalização e prévia nostalgia. Pois bem, são seis e meia da manhã e a Santo Anjo ainda me guarda. E, antes de acordar, já pressinto estar passando diante dos armazéns do cais do porto de Porto Alegre... entrando na Rodoviária... papel, caneta e ficção no bolso... Neste momento, caio na cama... exausto! Até a próxima estação!

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NINFEIAS Carlos Krauz

“O olhar vê, a memória revê e a imaginação transvê.” Manoel de Barros no filme A Janela da Alma1 Numa das madrugadas, antecedendo a escolha e montagem do trabalho Ninfeias para a presente etapa do 3x4 Vis(i)ta, me deparei com essas luminárias compostas, cada uma, por quatro LEDS de cores diferentes e que se alternam em seu eterno movimento de acender e apagar. Esse pulso, ao vê-las dispostas no piso de meu ateliê, fez-me ver que, apesar das várias tentativas em utilizar outros materiais a elas associados, elas exigiam uma certa solidão. Essa solidão só poderia ser partilhada, na montagem, com a sua contumaz companheira... a neblina. Desse modo, seria possível tingir a noite com essas nove luminárias cujo pulsar cromático esboroado pela neblina em muito se assemelharia ao das flores assim denominadas, pois as ninfeias – as flores – abrem suas pétalas por volta das 18 horas, exalando um olor de apricot que atrai besouros polinizadores que ficam presos em seu interior, e fecham-se por volta das nove horas da manhã. Esse pulso e esse olor estão aqui manifestados pela neblina em sua gama, variação tonal e atmosférica, que transfiguram a oficina mecânica e seus “apretrechos intocados”. A Goethe, particularmente em O jogo das nuvens, e a Claude Monet.2

1 Manoel de Barros (1916–2014), poeta. A Janela da Alma, dos diretores João Jardim e Walter Carvalho, produzido em 2001. 2 GOETHE, Johann Wolfgang. O jogo das nuvens. Lisboa: Assirio & Alvim, 2003. Claude Monet (1840–1926), pintor francês. 148



ROAD MOVIE AQUARELADO Helena d’Avila

O ateliê de André Venzon ficava numa área junto à oficina mecânica do pai, um prédio enorme no bairro Navegantes, em Porto Alegre. Venzon trabalhava em uma das salas da garagem e, neste ambiente com pé-direito alto, várias caminhonetes, engrenagens, mecânicos trabalhando e cheiro de óleo diesel, eu me senti em um road movie. Por aqueles dias, fui a Santa Catarina, sete horas de estrada. Quando viajo, sempre levo uma máquina filmadora, e naquele momento não foi diferente. Fiz a gravação do percurso de ida e volta. Depois, no dia da Vis(i)ta, projetei os dois vídeos de modo que eles se cruzassem no espaço. Acrescentei uma trilha musical típica de festa rave, pois o local do ateliê, na minha cabeça, parecia propício para esse tipo de evento. Também não alterei a luz ambiente: trabalhei com a luz do dia e as imagens se sobrepondo; isso, para mim, estabelecia uma relação com minha própria pintura, aquarelada, com suas várias camadas, cores e imagens diluídas.

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REFLEXOS URBANOS Laura Fróes

Na visita a André Venzon, coloquei em prática o uso de um material que há muito me atraia, visto cotidianamente, no trânsito da cidade, imbuída do que suscitava o local dessa nossa quarta visita – uma oficina mecânica especializada. Utilizei as chamadas “faixas refletivas”, que são de uso obrigatório nas laterais e traseiras de veículos como caminhões e ônibus. A divisão simétrica da forma da placa retangular em duas cores – vermelho e branco – me remeteu a um jogo de dominó. É pelo tipo e jogada e junção de determinadas combinações que se forma um desenho diferente a cada vez. Na mesa de tábua e cavaletes do ateliê de Venzon, um espaço sui generis dentro da vasta oficina de carros suspensos ou parcialmente desmontados, dispus as placas. Trabalhei sobre cada uma com sutis interferências de uma variedade de etiquetas de identificação e marcadores colantes, coloridos, metálicos, fluorescentes, desses encontrados no setor de material de escritório das livrarias. Elas não se repetiam como os símbolos usuais dos dominós que necessitam se equivaler, mas um elemento ou outro fazia a união, a sugestão de qual outra placa deveria dar continuidade ao caminho. No ambiente, um jogo de luz proporcionava que o efeito do material retrorrefletivo, metalizado, prismático, enriquecesse a visualização, conforme o movimento e o deslocamento do público.

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OSICRAN Nelson Wilbert

Meu processo de criação, neste projeto, inicia quando reconheço na produção do artista visitado um ponto comum à minha própria. No caso de André Venzon, foi um pouco demorado escolher um rumo apenas, pois quase tudo que ele produz me parece familiar. A característica cenográfica de seus objetos (especialmente os objetos que se mimetizam com a ambientação de casas noturnas, bares e boates) foi o argumento que usei para elaborar, ao mesmo tempo, uma instalação e uma performance. Apontado pelo próprio Venzon, apropriei-me de um espaço destinado à venda de óleos para motores de carros, localizado na oficina mecânica (oficina que também abriga o seu ateliê). Este pequeno ambiente se assemelha muito a uma caixa, que parece estar “ilhada”, pois seu pé-direito é bem mais baixo que o do pavilhão onde foi construída. Depois de fechada (com lona plástica), a sala foi ambientada com lâmpadas estroboscópicas, servindo então de palco, onde a dupla de strippers fez cinco apresentações durante o evento. Nos intervalos desta performance, a “caixa” permaneceu acessível, e o público era convidado a uma apreciação à medida que ia percebendo que ali havia objetos, luz e som. Tentarei, a partir dos tópicos a seguir, tecer algumas observações a respeito do elenco que tornou possível esse trabalho, ainda novidade para mim e, talvez por isso, não consiga ou até mesmo deva me deter a respeito da atuação de cada um deles, pois tenho plena certeza de que não será discutindo um a um que conseguirei ver o todo. De todo modo, prefiro designar não como descrição, mas, sim, enquanto tentativas de compreensão de suas aparições e performances dentro deste trabalho. Ao espelho Justapostos sobre uma mesa, encontram-se, em formato invertido de letras, recortes de espelho, uma sugestão de vocábulo que, “lido” de trás para frente, revela a palavra NARCISO. Uma palavra diante de um espelho provoca outra “imagem” e não outra palavra, pois se transforma quando invertida. Formariam elas, invertidas, algum sentido em algum alfabeto para além da superfície do espelho? Por exemplo: a palavra NARCISO, colocada diante de um espelho, não é simplesmente OSICRAN; a palavra deixa de existir no reflexo, pois as letras são invertidas, com exceção da letra “O” e da letra “A”, que mantêm a mesma configuração. As demais, neste caso, mudam e perdem o significado no nosso alfabeto, não podendo, portanto, formar uma palavra. Narciso mergulha em seu reflexo e morre – aniquila-se (?). À dança Este mesmo raciocínio de espelhar ou buscar a “imagem” e (com) seu duplo me conduziram a empregá-lo na contratação de dois strippers que seriam o centro do traba-

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lho e performers da trilha sonora escolhida. Cheguei à conclusão, depois de muito hesitar, que a semelhança física não seria importante, pois o que me interessava espelhar era o ofício comum à dupla. A opção de coreografá-los para provocar uma possível sincronia nos movimentos também foi intencionalmente descartada, pois apostava na “sugestão” de um reflexo provocado pelo ritmo da música. À trilha Inicialmente, me parecia que a ideia que norteava o trabalho muito se aproximava de um palíndromo, do grego palin (trás) e dromos (corrida). Ao longo do fazer, percebi que uma palavra refletida no espelho não é uma palavra que se pode ler de trás para frente, mantendo o mesmo sentido que quando lida normalmente da esquerda para a direita. Curiosamente, durante essas buscas, me deparei com um artigo que dizia que, por volta de 1790, uma sinfonia de Joseph Haydn recebeu o nome de O Palíndromo, por causa do terceiro movimento, no qual um Minueto Reverso – Trio Reverso era lido simultaneamente de trás para frente. Isso me estimulou na escolha de uma trilha sonora que não só se amalgamasse ao sentido que buscava, mas que, também, pudesse espelhá-lo editando-a de trás para frente. Descobri que, entre as técnicas possíveis de espelhamento na música, se destaca a retrogradação, caracterizada por uma série de notas tocadas de trás para frente, e a inversão do movimento retrógrado, no qual as notas, além de tocadas de trás para frente, são também invertidas. Ao processo de composição que gera novas frases musicais a partir de outras frases musicais chamamos de contraponto (ou contranota, como prefere o músico que me socorreu neste argumento). Assim, a ideia de palíndromo me ajudou na definição do trabalho, pois mesmo não conhecendo a fundo os processos de composição, pude, com alguma facilidade, provocar modificações em uma determinada melodia (a mesma que originalmente embalou a performance), usando apenas um computador. Com os recursos de um editor de áudio, consegui inverter este arquivo sem dificuldades, disponibilizando-o à audiência apenas nos fones de ouvido dispostos em uma mesa entre duas poltronas que compunham o espaço da performance dos strippers. A trilha, em sua versão invertida, transforma-se invariavelmente em ruídos nada melódicos, ou poderia ela ser reconhecida, associada facilmente ao arquivo original? Ou isso só poderia acontecer em determinados momentos de sua execução, semelhante ao que acontece com a letra “A” ou a letra “O” que, visualmente, não se alteram na palavra refletida no espelho? Embora nos reconheçamos (?), será que os espelhos possibilitam nos vermos como os outros nos enxergam? Certas perguntas, (in)certas respostas. Procuro-me ainda, certamente no “fundo da fonte”. 155


1 Ubiratã Braga e Viviane Gueller 2 Público, na intervenção de Nelson Wilbert, assistindo performance dos strippers 3 Leonardo Loureiro e André Venzon 4 Carlos Xavier, Ana Maria Paiva, André Venzon e Laura Fróes 5 José Eduardo Bronizaki, Marta Penter, Amélia, Leandro, Alexandre e Luisa Brandelli 6 Nelson Wilbert, Maria Margarita Santi Kremer e Vânia Mombach 7 Maria de Lourdes da Silveira, Carla

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Maya d’Avila e Naira Tagliari 8 Arlete Santarosa, Roseli Jahn e Helena d’Avila

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Maria Lucia Cattani “Meu trabalho envolve a ação de fazer marcas.” Maria Lucia Cattani (Garibaldi, RS, 1958 – Porto Alegre, RS, 2015) iniciou sua trajetória artística em pintura, mas foi por meio da gravura e dos procedimentos de repetição que desenvolveu suas pesquisas e conquistou uma linguagem singular, de apurado rigor formal. Partindo, muitas vezes, de um pequeno quadrado, com as mesmas linhas e cortes, ela carimbava obsessivamente seus suportes, podendo alterar sutilmente as cores originais. Em tese, tudo igual, mas tudo diferente. Se a repetição é o traço identitário de sua obra, o ator de repetir evidencia as diferenças. A impressão, afinal, depende da pressão exercida. É no gesto, portanto, que a artista deixava suas marcas, trazendo questões próprias da gravura, como o singular e o múltiplo, a cópia e a matriz. Segundo a artista e amiga Maristela Salvatori, “seus trabalhos perfazem um percurso do único ao múltiplo e do múltiplo ao único, um caminho de construção e de desconstrução. Apresenta uma mescla de saberes, conciliando gestos atávicos e novas tecnologias em um eterno encantamento com as possibilidades poéticas das formas e procedimentos”.1 Cattani se diplomou em Artes Plásticas pelo Instituto de Artes da UFRGS em 1981. Quatro anos depois, viria a trabalhar como Professora de Gravura nessa mesma instituição. Em 1990, recebeu o título de Mestre em Belas Artes pela Pratt Institute, em Nova Iorque. Seu Doutorado e Pós-Doutorado, realizou na Inglaterra, primeiro em Reading (1998) e, depois, em Londres (2008), pela University of the Arts. Na sua formação, destacam-se ainda residências artísticas na Bélgica (1997) e no Japão (2001). No gesto mínimo, porém vigoroso de Maria Lucia Cattani, muitas lições. Como pontua a crítica de arte Neiva Bohns, “nesses universos da arte, que têm como limite as próprias regras criadas para que possa existir, vicejam delicadas formas dançantes. Exigem um olhar atento, esses desenhos que aspiram a ser linguagem, parentes próximos de uma escritura de tipo cuneiforme. São poemas visuais que lembram 1 SALVATORI, Maristela. Miscigenações contemporâneas – alguns traços da gravura. In: Anais do I Congresso Internacional CSO´2010 – Lisboa, 27 e 28 mar. 2010. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2010. Disponível em ‹cso.fba.ul.pt/3-48.pdf›; acesso em mar. 2015. 160



o movimento rápido de elementos em constante dinamismo, como cometas ou partículas microscópicas, cheias de vida, cruzando, continuamente, o espaço de suas próprias existências. Registros concentrados da passagem do tempo, neles a artista deixa marcas do seu impulso criativo e ordenador, e da sua inabalável alegria de viver”.2 Além de seu interesse pela gravura, suportes impressos e seus desdobramentos, que se manifestava no desenvolvimento de projetos especiais e livros de artista, Cattani produziu uma delicada obra em vídeo. Em 2002, no âmbito da UFRGS, criou a mostra Vaga-Lume, de vídeo experimental, fomentando as reflexões sobre videoarte e estimulando a criação artística entre os alunos. O projeto foi realizado todos os anos, até 2011.

2 BOHNS, Neiva. Gestos precisos, registros do tempo. Mai. 2005. Disponível em ‹www. marialuciacattani.com/pdf/neiva_pt.pdf›; acesso em mar. 2015. 162

Maria Lucia Cattani Green 1,600, 1998 Impressões em guache sobre papel | Gouache printings on paper, 124 x 124 cm Coleção particular | Private collection


Maria Lucia Cattani Laranja 4 | Orange 4, 2005 Acrílica sobre painel e incisões | Acrylic paint on panel and incisions, 40 x 40 cm Coleção particular | Private collection

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Maria Lucia Cattani Seis sentidos – sem sentido | Six senses - senseless, 2009 Corte a laser e tinta a óleo sobre painel, 25 x 20 cm [cada painel] | Laser cut and oil on panel, 25 x 20 cm [each panel] Coleção particular | Private collection

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REGALOS E RELÍQUIAS Carlos Krauz Princípio de noite, julho de 2009. Maria Lucia Cattani abre a porta de sua casa sorrindo. Recebe-nos na sala aquecida pela lareira e, em breve, também pelo vinho tinto. E ali, naquele ambiente cálido, expusemos, em linhas gerais, o nosso projeto, comentando suas características, propósitos, etapas. Empolgada, ela nos convidou a ir a seu ateliê, separado da casa por um breve pátio. Durante o percurso, já fomos imaginando que seria ali que os convidados poderiam ficar, conversar e interagir, durante o evento, que programávamos para acontecer em 29 de agosto. Mas ainda estamos na primeira Vis(i)ta à artista e à porta de seu estúdio. Entremos! 167


No ateliê, somos “recebidos” por um trabalho junto à parede, semelhante ao apresentado na 5ª Bienal do Mercosul, intitulado A5P8. Observando a obra, bem próximos, podíamos contemplar as nuances e delicadezas de cor. Traços-sulcos e rápidas extrações elaboradas com goivas de gravura sobre a parede deixavam ver o branco da parede, entrecortando as áreas coloridas e criando um tênue ruído nas paredes em 90º. Traços-sulcos que situam o trabalho na fronteira sutil entre bi e tridimensional, pois entram suavemente na parede para abandonarem-na de modo gradual e efetivo. Ao longo das visitas, que se seguiram por algumas semanas, falamos sobre nossas produções, enquanto íamos conhecendo mais sobre a atuação de Maria Lucia e suas inquietações artísticas, entre gravura, pintura, vídeo e suas imbricações. Também tivemos o privilégio de ver de perto sua produção de livros, linguagem que a artista passou a desenvolver a partir de uma formação na Inglaterra: verdadeiras relíquias. Como se não bastasse a receptividade e a agradável convivência, Maria Lucia Cattani elaborou um trabalho especial, denominado 3X4, que nos entregou no dia 29 de agosto, na tarde em que “abrimos o seu ateliê”. São quatro delicadas e minúsculas peças em papel gravadas a laser e apresentadas em pequenas caixas de plástico transparente. Elas foram orgulhosa e carinhosamente elaboradas durante uma pequena estada da artista em Londres, em período que antecedeu nosso evento. 3X4 foi desenvolvido entre duas cidades e, neste aspecto, lembra outra obra de sua autoria, 4 cantos do mundo. Essa obra é constituída de quatro partes, sendo que cada uma se encontra em um ponto no mundo, mais exatamente, em quatro instituições públicas e em cidades situadas à beira d’água: uma em Reykjavik, na Islândia; uma em Awaji City, no Japão; uma em Devonport, na Austrália, e uma em 168

Maria Lucia Cattani 3X4, 2009 Laser em papel, caixas de acrílico, 4 x 3 cm [cada objeto: 12 objetos] | Laser on paper, acrylic boxes, 4 x 3 cm [each object: 12 objects] Coleção particular | Private collection


Porto Alegre, no Brasil. Junto a cada um dos “cantos”, encontram-se as fotografias dos outros três “cantos” que o compõe. Aqui estamos diante da obra e, simultaneamente, da memória de seus “irmãos” de título. É uma conversa à distância ou, se quisermos, sobre a distância. Em 2015, distante seis anos da Vis(i)ta à Dudu – como Maria Lucia era carinhosamente chamada –, recordo-me que, à medida que convivíamos, descobríamos a generosidade e o espírito curioso e motivador dessa grande artista. Em nossas calorosas conversas sobre produção artística, Cattani nos apontava caminhos e sugeria possibilidades de desdobramento de nosso projeto. E, além de nos homenagear intitulando sua obra para o evento em seu ateliê de 3X4, ela nos regalou com uma belíssima caixa gravada à marca d’água, contendo quatro gravuras de sua autoria. Na entrega do presente, no domingo após o evento de encerramento das visitas, Dudu destacou e insistiu que aquele era um presente com a finalidade de vender e levantar fundos para a continuidade do 3x4 Vis(i)ta. Um gesto de envolvimento e aposta. E, em homenagem a você, Dudu, a exposição que assinalou o projeto, realizada no MACRS, em junho de 2015, inaugurou exatamente no dia do seu aniversário. Tim-tim, Dudu!

O grupo 3X4 em conversa com Maria Lucia Cattani, no ateliê da artista | The 3x4 group talking to Maria Lucia Cattani at her studio

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UM ESTOURO DE VISITA!

zona do teto em madeira, próxima à escadaria, para montar meu trabalho para o

Carlos Krauz

pentágono regular, que me serviu de guia. Nos vértices dele, perfurei a madeira e

Dentro do espaço do primeiro piso do ateliê de Maria Lucia Cattani, escolhi a evento aberto ao público. Naquela zona, estendi um gabarito com a forma de um fixei pequenos ganchos metálicos dourados. De cada um desses ganchos, pendia uma corrente metálica fixada a ele por prendedores metálicos minúsculos. No outro extremo das correntes, idênticos prendedores “mordiam” agulhas metálicas, que ameaçavam roçar a fina superfície dos balões brancos, que flutuavam inflados por gás hélio. Os balões se mantinham flutuando presos a uma linha que, no outro extremo, estavam amarradas à pequenas pedras dispostas no chão. Nesta condição eles oscilavam às leves lufadas produzidas pelo deambular dos visitantes. Caminhar nas suas redondezas significava uma ameaça. Quando não um estouro.

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GRAVAÇÃO, MARCA Helena d’Avila

Com aquela alegria contagiante e sempre atenta, Dudu nos recebeu e sempre se mostrou aberta, apoiando-nos em tudo. Como professora que era, foi incansável, mostrando trabalhos em gravura, livros de artista, desenhos. Estávamos extasiados e entusiasmados com tanta energia positiva. No primeiro dia, lembro-me de que visitamos o seu ateliê e ela, em meio às matrizes, ácidos e a “cozinha da gravura”, falava também de sua trajetória, de questões de política das artes, de mercado e de reconhecimento. Logo depois, ofereceu-nos uma pizza cujos ingredientes e temperos ela mesma havia preparado. Em determinado momento, perguntei algo do tipo: “Dudu, tu também fizeste a massa?”. E ela, sorrindo, olhou-me com ternura e respondeu: “Aí já seria demais, não é?”. De certa forma, ela estava mostrando que o mais importante era o fazer, era saber fazer. Os ateliês da Cattani e de seu companheiro, Nick Rands, ficavam na antiga casa deles, nos fundos do terreno em que viviam, na Rua Lucas de Oliveira. Dudu, sempre muito feliz e sorridente, mostrou-nos como haviam elaborado a planta da casa da frente, na qual então moravam. Desenhando no chão, no local, diziam: “Aqui vai ser o quarto principal; aqui vai ser a cozinha; aqui vai ser a sala.” Era emocionante observar o envolvimento apaixonado dos dois, em tudo que faziam. Quando saímos da casa principal e entramos no espaço de ateliê, deparei-me com uma parede gravada com sulcos sobre o próprio reboco. Aquilo me impressionou. Dudu então nos contou que havia testado, naquela parede, a técnica que adotaria no trabalho realizado para a 5ª Bienal do Mercosul (2005). Observando aquelas marcas, rapidamente estabeleci uma relação com o maravilhoso filme O Livro de Cabeceira (1996), de Peter Greenaway, no qual a caligrafia é pintada diretamente os corpos dos personagens, remetendo à tatuagem. A analogia entre os processos foi o disparador do meu trabalho, constituído por 140 fotografias de expressões faciais de uma mesma pessoa durante uma sessão de tatuagem. Gravação, marca, o mesmo, mas o diferente. Um de nossos vários pontos de intersecção.

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UMA ESCALA COINCIDENTE Laura Fróes

Na visita ao ateliê de Maria Lucia Cattani, uma coincidência determinou o meu trabalho. Um dos projetos que ela desenvolvia com habilidade, virtuosismo e muita paixão eram os livros de artista. Alguns que nos mostrou eram exemplares que ela própria havia feito, resultado de um fazer artesanal que muito a interessava. Um deles, retangular e produzido de modo articulado, tinha capa e contracapa com um papelão acinzentado, firme, que ganhava a companhia intercalada de tiras de cores da chamada escala CMYK (ciano, magenta, amarelo e preto), usada como referência pela indústria gráfica. Essas tiras de cores, presentes no trabalho da Cattani, eram sobras de impressões. Pois eu também tinha, colada em uma caderneta de estimação, uma mesma tira, proveniente de uma leva de adesivos. Além desta, que colei na caderneta, já colecionava esses mesmos símbolos gráficos que eu ia recortando de diferentes embalagens de produtos de uso doméstico, incluindo as de leite, em tetrapack. Para a Vis(i)ta, montei uma sequência de quatro caixinhas de madeira. A primeira, com a própria caderneta, aberta nas duas páginas que mostravam o adesivo colorido, e outras três com diferentes colagens desses materiais. O lugar escolhido para a fixação do meu trabalho no ateliê foi uma parede estreita logo na entrada, que continha muitos dos sulcos e rabiscos da artista em cores próximas ao conjunto tonal dos símbolos impressos.

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UM CENÁRIO PARA MORANDI Nelson Wilbert

Procedimentos e espelhos Algumas linguagens, muitas vezes, necessitam respeitar sempre o mesmo processo. Na gravura, por exemplo, existe uma hierarquia que deve ser seguida à risca: demarca-se primeiro o desenho (sulcos sobre madeira ou metal são traçados por objetos cortantes, ou pela ação corrosiva de ácidos, formando relevos). O passo seguinte, chamado “entintagem”, requer que a matriz seja preenchida com tinta (a cor que revela os planos e a linha). Por último, recorremos à prensa, quando a chapa, já entintada, precisa ser decalcada sobre o suporte (semelhante a um carimbo) e o motivo será, finalmente, impresso. Dito isto, o importante é ressaltar que os procedimentos adotados para a formulação de uma obra podem, geralmente, ser identificados e separadamente analisados. Em Maria Lucia Cattani, na obra executada diretamente sobre a parede, os procedimentos usados são bastante semelhantes aos da gravura. Entretanto, não seguem a mesma ordem. É uma sequência diferente das mesmas ações – na parede Cattani pinta, carimba e risca (escava); na gravura, risca, entinta (pinta) e carimba. Trata-se, aqui, claramente, de uma análise muito simples, dos processos citados, mas creio que suficiente para pensarmos nas relações existentes entre os dois. Baseado na afirmação de que o reflexo é uma imagem invertida do objeto real, pergunto: sobre a parede, ao reproduzir procedimentos semelhantes aos da gravura numa ordem quase inversa, estaria ela tentando espelhar esse processo? O outro lado Muitos são os motivos para se iniciar uma coleção. Seja por uma razão afetiva ou mesmo financeira, temos verdadeiro fascínio em juntar coisas, até os mais estranhos objetos. Lembro-me de ter colecionado figurinhas na infância, apenas. Mas eram coleções que não duravam muito, pois preenchia o álbum e perdia o interesse em guardá-las. Só agora voltei a juntar coisas. Interessei-me recentemente por embalagens. Pretendia coletar matéria-prima para minhas colagens, mas acabei fazendo uma coleção de caixinhas de papel. Adornadas para serem vistas, repletas de auto-elogios, embalagens são promessas de satisfação impressas em papel. Mas o encargo de destacar o produto frente à concorrência não as define. Fundamentalmente, elas têm a finalidade de descrever o produto. Muitas vezes de forma séria e concisa, outras nem tanto. Entretanto, persuadidos ou não, escolhemos, sempre incentivados pela aparência.

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Porém, a qualidade gráfica que inspirou minha coleção, paradoxalmente, acabou sendo desprezada. Seduzido pelo avesso, inverti e remontei as caixas. A capacidade de resguardar volumes não sofreu prejuízo algum, mas resolvi fechá-las novamente, sem colocar nada dentro. A antiga embalagem, agora livre da propaganda, volta-se para uma região estranha às intenções. São continentes. O volume é o vazio. Desmontar, inverter e reconstituir. Ações que sugerem uma inversão, repetidamente executadas em 300 caixinhas de papel. Entre brancos, amarelos e cinzas, no amontoado de sólidos com inúmeras possibilidades criativas, resolvi fazer um simples empilhamento. Minha curiosidade sobre “o outro lado” (o avesso das embalagens), inesperadamente, reportou-me à melancólica pintura de Giorgio Morandi. Potes, louças, garrafas e também caixinhas, interpretadas por uma pálida paleta, revelam um obra localizada no intermediário – entre a realidade e a imaginação, entre a figura e a abstração. Tentando apoiar a teoria mencionada no início do texto, “esbarrei” na produção de outro artista. Essa não era exatamente a resposta que eu procurava, mas ao acaso devemos muitas de nossas descobertas. Cattani e Morandi, entre outros artistas que buscam o essencial, são também representantes de uma mesma família – na obra de ambos, o que parece mera repetição, na verdade, é único. E as caixinhas? Bem, faça um exercício: imagine-se uma. Pense agora como seria viver num mundo sem rótulos.

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1 Maria Lucia Cattani, Maristela Salvatori e Marta Penter 2 Nelson Pinto e Guta Teixeira 3 Gonzaga e Paula Ramos

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4 Carla e Helena d’Avila 5 Ester Gomes Cravo e Clarisse Hebert Outeiral frente a obra de Helena 6 Roseli Jahn e Maria Lucia Cattani na frente, Magda Herbert e Carlos Krauz ao fundo 7 Carlos Krauz, Rommulo Vieira Concei-

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ção e Gilda Santos 8 Cristina Ferrony, Paola Zordan, Maria Margarita Santi Kremer, Dione Veiga Vieira e Rogério Bianchini

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9 Da esquerda para direita: Helena d’Avila, Maria Lucia Cattani, Ester Gomes Cravo, Clarisse Hebert Outeiral, Magda Hebert Outeiral, Pedro Paulo Hebert , Carlos Krauz e Roseli Jahn

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10 Viviane Gueller 11 Helena, Gonzaga e Ana Maria Paiva

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Mário Röhnelt Imagens já existentes: é a partir delas, sobretudo, que Mário Röhnelt (Pelotas, RS, 1950) trabalha. Tomando registros fotográficos, reproduções de obras de arte, padrões de superfície e fragmentos de seu cotidiano, o artista produz uma pulsante obra em pintura, gravura, desenho, fotografia e arte digital, na qual um dos eixos é a representação e o debate sobre o espaço, tendo como base a própria história da arte e sua tradição. Artista autodidata e exímio desenhista, com passagem pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1970–1972), Röhnelt incorpora essa experiência a suas obras: formas em perspectiva, projeções geométricas e estruturas arquitetônicas são características desde os anos 1970. Foi nesse período que estabeleceu alguns vínculos pessoais que o acompanhariam ao longo de sua trajetória, como Julio Viega (1955), Paulo Haeser (1950), Alfredo Nicolaiewsky (1952), Carlos Wladimirsky (1956) e Milton Kurtz (1951–1996), esse último seu companheiro por mais de 20 anos. A união de Kurtz, Viega, Haeser e Röhnelt resultou no coletivo KVHR, atuante entre 1977 e 1980 e que, alinhado a uma prática internacional, divulgava suas produções via correio. A apropriação fotográfica é uma recorrência no trabalho de Mário Röhnelt. Na década de 1980, partindo de seu acervo pessoal, ele frequentemente criava composições marcadas pela autorreferencialidade e, muitas vezes, por questões de gênero e sexualidade. Nessa operação, ecoando os fluxos da Pop Art, dava forma a aparelhos televisivos, fragmentos de esculturas gregas de corpos masculinos nus, ou mesmo iconografias de santos populares atravessados por certa sensualidade, como São Sebastião. Também prestava homenagem a nomes fundamentais na formação de seu olhar, como Piet Mondrian (1872–1944) e Waltércio Caldas (1946), aludindo a esquemas ou obras emblemáticas desses artistas. Sobrepondo planos de cores intensas e desenhos de figuras humanas em linha de contorno, no liame entre figuração e abstração, o artista parecia multiplicar as possibilidades da superfície, num diálogo com o alemão Sigmar Polke (1941–2010). Se, com o tempo, Röhnelt abandonou a paleta vibrante, concentrando-se no jogo entre preto e branco e produzindo uma pintura essencialmente gráfica, 184



Mário Röhnelt Sem título | Untitled, 1990 Acrílica sobre lona | Acrylic paint on canvas fabric, 50 x 70 cm Coleção particular | Private collection

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Mário Röhnelt Sem título | Untitled, 1986 Acrílica sobre lona | Acrylic paint on canvas fabric, 50 x 70 cm Coleção particular | Private collection, Pelotas, RS

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o mesmo não se pode dizer do tratamento conferido à extensão do suporte. Um certo horror vacui perpassa sua mais extensa produção, inclusive as pinturas oriundas de fotografias de vitrines e de salas de recepção de palácios e castelos europeus dos séculos XVII e XVIII. Realizadas nos anos 1990, elas destacam o caráter kitsch dos ambientes decorados, montados para expressar opulência. Dos excessos à estrutura. Em série recente, usando recursos digitais e apropriando-se de reproduções de afrescos dos ciclos religiosos narrativos de Giotto (1266–1337), o artista procedeu ao esvaziamento das cenas. Retirou as figuras humanas, apagou as cores e manteve somente os elementos da paisagem: natureza e arquitetura, em preto e branco. Questão nevrálgica ao longo da história da arte ocidental, a representação do espaço ganha, em Mário Röhnelt, um pensador sensível, que evidencia o papel da memória e das imagens nos processos de invenção da arte.

Mário Röhnelt Arquitetura I, série Relevos | Architecture I, of the Reliefs series, 2013 Serigrafia sobre cartão e MDF | Serigraphy on cardboard and MDF, 30 x 30 x 16,5 cm Coleção particular | Private collection

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Mário Röhnelt Sem título | Untitled, 1993 Acrílica sobre papel | Acrylic paint on paper, 113 x 158 cm Coleção particular | Private collection

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MÚLTIPLA EXPERIÊNCIA Mário Röhnelt Quatro artistas que têm como projeto conjunto arriscar-se no universo de outros artistas. De maneira geral, este é o trabalho desenvolvido por Carlos Krauz, Helena d’Avila, Laura Fróes e Nelson Wilbert. Os quatro são artistas plásticos com obras e linguagens expressivas individuais bastante definidas e que, em paralelo, mas não de menos importância, desenvolvem em grupo um projeto que demanda uma troca intensa de ideias entre eles e entre cada membro do grupo e o artista escolhido. No final de 2009, fui contatado por Carlos Krauz que, em nome do grupo, informou-me do interesse deste em desenvolver, em 2010, uma nova etapa 191


do 3X4 Vis(i)ta, comigo e no meu espaço de trabalho. O projeto já havia sido realizado com Roseli Jahn, Felix Bressan, Gonzaga, André Venzon e Maria Lucia Cattani. Posterior a mim, seriam realizadas ainda as visitas a Frantz e a Vera Chaves Barcellos e Patricio Farías, esses dois últimos constituindo uma mesma e única Vis(i)ta. No início de 2010, dei ao Krauz o meu aceite, aproveitando para expor dúvidas quanto à minha participação, decorrentes do fato de que não tenho, a rigor, um ateliê de artista plástico e que, nos últimos anos, vinha desenvolvendo intensamente um trabalho como designer gráfico. Embora menos clara, minhas dúvidas também estavam relacionadas à minha personalidade reservada e que o projeto, agora, me obrigaria a trabalhar os limites dessa reserva. Esses questionamentos acabaram por me acompanhar durante todo o desenvolvimento do trabalho e, acho eu, impregnaram a minhas ideias e obras apresentadas. O projeto 3X4 Vis(i)ta tem seus parâmetros claramente definidos no texto de Carlos Krauz que o apresenta no blog do grupo, mas talvez as palavras não deem conta, nem possam prever, a totalidade das intensidades emocionais e das energias circulantes no decorrer do desenvolvimento do projeto. Recentemente, em conversa informal com Roseli Jahn, durante a visita ao resultado do projeto no espaço de Vera Chaves Barcellos e Patricio Farías, ela comentou “ter sido acordada” ao participar do projeto. Concordando com Roseli, eu me senti “ressuscitado”, provocado a mexer “nas minhas coisas”, articulando minhas possibilidades e limites e tentando dar a isso uma forma plástica que carregasse o quanto da minha privacidade poderia e seria exposta, e o quanto permaneceria reservada. Esse processo foi realizado já em público, público formado no princípio pelos membros do grupo, e contando com a experiência, a sabedoria e a compreensão (por que não?), desses quatro companheiros de viagem. Embora o 3X4 Vis(i)ta foque num recorte de produção de obras animadas pelo espírito do artista anfitrião, o processo para chegar lá, a convivência – no meu caso, 192

Artistas do 3X4 com Mário Röhnelt | 3X4 artists with Mário Röhnelt


foram 4 ou 5 visitas com longas conversas –, a troca de experiências, os ajustes de intenções, a formulação de um objetivo comum, formam um arcabouço conceitual e ideológico que reaviva a questão “arte e vida”, tão cara aos artistas que se formaram nos anos 70. Assim, o resultado de cada Vis(i)ta, no caso do grupo 3X4, são as obras apresentadas e também o evento com a circulação privilegiada e facilitada aos visitantes do espaço que, por natureza, é privado, agora tornado “arte”. No meu projeto específico, joguei com as permissões e impedimentos à circulação. A entrada ao meu quarto foi franqueada. Esse foi transformado em instalação, com a apresentação de obras minhas em preto e branco, um painel adesivado em uma das paredes e roupas de cama com motivos recorrentes da minha produção. Já o acesso à biblioteca e ao 2º quarto, ambos mais ao fundo da casa, era impedido de forma física, mas visualmente permitido através de placas de material transparente presas aos marcos de entrada de cada um dos dois ambientes. Os interiores desses dois espaços foram deixados em sua desarrumação habitual e enfatizada de maneira a ficar claro ao visitante que ele estava acessando, visualmente, espaços privados, os espaços de um outro, com todas as implicações sociais e emocionais disto. Ao problematizar meus espaços de vida e trabalho, minha casa, a resposta foi transformar o visitante em voyer numa situação extraordinária, equacionando assim minha relação de privacidade e transparência, opacidade e visibilidade públicas e dando-lhe uma forma. Por que essa problematização? Porque essa é uma compreensão, particular, implícita e subjetiva, que tenho do projeto 3x4 Vis(i)ta, e que me sensibilizou responder nos mesmos termos em que considerei que me foram propostos. Por sua vez, os membros do grupo fizeram suas ocupações/instalações com trabalhos que transfiguravam sua relação com meu trabalho como artista e com um espaço que se infundiu das minhas características pessoais. À entrada do corredor, Carlos Krauz instalou um “olho mágico” na porta do banheiro, provocando o espectador com a possibilidade, bastante clara, de ingressar visualmente na privacidade de alguém. O trabalho de Krauz dialogou harmonicamente com as minhas interferências nos espaços adiante, descritos acima. E, mesmo, serviu como prólogo a elas. O “olho mágico” ali instalado, deslocado de sua função prevista, carregava algo do espírito anárquico e provocador do dadaísmo. Soma-se a estas características o fato do “olho mágico” ser disfuncional, não dar real acesso ao espaço privado e, portanto frustrar o observador. Krauz trabalhou a ideia do interdito que esteve subentendida nas nossas reuniões e que deve estar no mínimo implícita nas preocupações de outros artistas anfitriões do projeto. Numa das duas alas da sala em formato de “L”, Laura Fróes produziu uma delicada e sensível replicação, em escala 1x1, do conjunto de peças gráficas que tenho por hábito prender às paredes com fitas adesivas. A sutileza é que Laura facsimilou cuidadosamente as peças gráficas apenas na forma, mas substituiu os meus conteúdos pelos do seu universo pessoal e, claro, relacionados às suas vivências 193


e cotidiano. O trabalho de Laura, de certa maneira, resume o que o grupo propõe no que se refere à busca pela relação com o espaço do outro e as ações ética e estética adequadas a isto. Como consequência, Laura opera uma transformação e ação espacial cujo caráter, embora bastante sofisticado, é simples e reflexivo. Helena d’Avila ocupou a parede lateral à janela fronteira da casa com um backlight de aproximadamente 40 x 110 cm. Helena releu, nas três fotografias projetadas, o meu trabalho Watteau, que sintetiza a relação da minha obra dos últimos anos com o Barroco e o Rococó. Sendo mais correto, eu diria que Helena tangenciou com sensível literalidade minha produção. Nas três fotografias, a artista funde três diferentes momentos da luz dispersa pelas persianas da casa com uma pintura do artista francês. A obra deste está ausente na primeira fotografia, aparece com relativa clareza na segunda e então desaparece numa penumbra crepuscular na terceira. Watteau, como exposto por Helena, tornou-se, apropriadamente, um fantasma, fugidio. O trabalho equilibra sua poética entre a história como fantasma e a frugal contemporaneidade cotidiana, tudo sob uma luz a indicar a passagem do tempo. No braço maior do “L” da sala, Nelson Wilbert expôs, ocupando uma mesa de dois metros de comprimento, um impactante conjunto de 15 garrafas de cristal facetadas, alinhadas frontalmente sobre folhas de papel para desenho e preenchidas, em parte, com tinta preta. Luto, título do trabalho, é solene, reverente, atemporal. Suas 15 garrafas semi-preenchidas falam de perda, do que ficou em suspensão. Instalada à frente de um tríptico meu, preto e branco, com o qual ela faz um par harmônico, constitui-se magicamente em uma única atmosfera. Wilbert foi sensível a algumas fotos em que retrato cristais e objetos de vidro, mas suas decisões estão provavelmente norteadas também pelas conversas preparatórias nas quais perdas, entre outras coisas, foram colocadas como questão e possibilidade, em arte e vida. Importante ressaltar que, no momento em que o projeto se concretizou, com a abertura ao público na tarde de um sábado, 15 de maio de 2010, das 14 às 18h, ele tornou-se somatório de arte, cultura, sociabilidade, confraternização, curiosidade e emoção. Não fica dúvida, o projeto desenvolvido pelo grupo 3X4 é fortemente agregador. Ao público, é oferecido um espaço privilegiado de experiência única a vivenciar.

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No alto da página, instalação Biblioteca de Mário Röhnelt e público apreciando a obra | At the top of the Page, the installation Mário Röhnelt’s Library and the visitors watching the work Acima, instalação Quarto de Mário Röhnelt | Above, a photo of the installation Mário Röhnelt’s Bedroom

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NARCISO ÍNDICE ZERO Carlos Krauz

Como quase sempre acontece, também nos encontros que antecederam ao evento final de nossa visita ao ateliê de Mário Röhnelt, minha atenção foi capturada para um espaço – talvez mais exatamente um lugar – que é o da intimidade. Pontualmente para a porta do banheiro. Diante dela pensei: como reagiríamos se ali encontrássemos um olho mágico? Assim, após nossas conversas com o artista, demos início às montagens. Comecei por vedar a luz diurna que ingressava pela janela do banheiro. O passo seguinte foi furar a porta e instalar o dispositivo. Mas o que se via ao olhar pelo olho mágico? Se via o próprio olho a se olhar, pois atrás dele havia um espelho. De certo modo, três dispositivos estavam casados ali: um deles, o próprio olho; o segundo, o olho mágico e, por fim, o espelho. Narciso índice Zero praticamente passava despercebido, pois, para quem não sabia que atrás daquela porta havia um banheiro, pairava a indiferença ou a dúvida se, ao virar a maçaneta, não estaria entrando em outra casa ou em um cômodo secreto. O banheiro ocupava a zona intermediária entre a sala e os quartos. Neles, Mário montou seu trabalho especialmente para a nossa visita. Um permitia o acesso físico durante o evento aberto ao público. Nos outros dois cômodos, o artista colocou lâminas de acetato incolor transparente no lugar das portas. Um possuía uma TV ligada, muda e em preto e branco. Ela conectava sua produção de pinturas – também em preto e branco e alto contraste – encontrada por todo ateliê e o todo da nossa visita a seu ateliê. Ao final do evento, a porta do banheiro voltou a ser “cega” e o olho mágico nela instalado substituiu o existente na porta de entrada do ateliê do artista. Assim, um pouco das olhadelas voyeur “deixadas” no olho mágico do banheiro durante nosso evento agora “habitavam” a porta de entrada, e eu “guardo”, comigo, um pouco das espiadas do artista amalgamadas neste antigo olho mágico que nela se encontrava. Dias após o evento, Mário nos presenteava, cada um, com uma gravura. Uma preciosidade vinda diretamente das mãos, da gentileza e da delicadeza de um mestre.

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WATTEAU NA JANELA Helena d’Avila

As pinturas de Mário Röhnelt pautadas nos ambientes barrocos e rococós sempre me atraíram. E eu resolvi estabelecer um diálogo com uma dessas obras, Watteau, de 1999. Fiz um backlight de 40 x 110 cm, com três fotografias trabalhadas a partir do quadro de Watteau e a sobreposição de imagens de uma janela do próprio ateliê de Mário. Essas imagens da janela pareciam funcionar como uma forma de revelar o que estava por trás da penumbra, ou mesmo uma cena teatral na qual os personagens só aparecem por trás da cortina que, no caso, eram as persianas.

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SIMULACRO Laura Fróes

Desde as primeiras idas à casa de Mário Röhnelt, fixei-me em admirar uma parede que ele utiliza como um grande mural, onde coloca, de forma livre, com pedacinhos de fita adesiva, muitos convites e cartazes de exposições das quais participou, ou mesmo de outros artistas, algumas imagens de trabalhos dele, recordações, pequenos objetos, um calendário, perfazendo anos de coleta, atestados pelas datas dos eventos ali registrados. Vi, naquele mural, um campo curioso e rico em informações sobre a trajetória do artista e seus afetos. O que fiz foi repetir essa sequência gráfica, recriando no computador, nas mesmas medidas, gramaturas e relações de tamanho, cada um dos itens, ordenando e montando exatamente da mesma forma, na continuidade dessa parede. A diferença foi que projetei e imprimi tudo com meu próprio repertório. Escolhi convites e cartazes de exposições que eu também guardava, criei convites de exposições hipotéticas, sem dados informativos, como dia, ano, local; deixei o calendário em branco; tudo simulando um percurso em andamento, aberto, ainda em plena formação, num diálogo com o mundo particular e consolidado do artista visitado.

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LUTO Nelson Wilbert

A luz banha o sólido e cria sombra intensa de formato simples. No diáfano, ilumina e atravessa. Desenha formas rebuscadas e de colorido tênue na face oposta. O desenho é a origem e a memória. Diante de perdas importantes, retornamos – na tentativa de dimensionar a ausência. Recordações são simples e intensas, como a sombra. O tempo dissipa sentimentos em repouso. A tinta escura, e densa, paira sobre a superfície – sem tocá-la.

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1 Nina Dallegrave Guimarães 2 Anico Herskovits 3 Alfredo Nicolaiewsky, Mário Röhnelt e Paulo Gomes 4 Laura Fróes, Jorge e Marlies Ritter

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5 Paula Ramos e Mário Röhnelt 6 Público presente com a obra Luto de Wilbert 7 Nelson Wilbert e Mariza Carpes 8 Felix Bressan, Paulo Gomes e Eleonora Fabre 9 Maria Tomaselli e o artista visitado 10 Mário Röhnelt, Laura, Carlos Gallo, Carlos Wladimirsky e Luis Alberto Rosa 11 Mário Röhnelt e Marisa Weeck 12 Vera Chaves Barcellos e Marlies Ritter 13 Ana Maria Paiva, Carlos Krauz e Naira Tagliari 14 Roseli Jahn, Helena d’Avila e Adriana Quinto Di Cameli

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Frantz Há pelo menos 20 anos, o exercício ao qual Antônio Augusto Frantz Soares (Rio Pardo, RS, 1963) tem se dedicado é pensar pintura. Frantz, pintor que não pinta, faz da pintura, em sua forma e conceito, o leitmotiv de sua obra. Tradicionalmente, pintura é superfície-cor, matéria-cor, camada-cor. Então, por que pintura não estaria em um fragmento de sinalização urbana, em uma tela macerada por pegadas/marcas/manchas, na massa de tinta acrílica restante no fundo da lata? Por que pintura não estaria nos próprios resquícios do processo de pintar? Frantz começou a se fazer perguntas como essas a partir de uma experiência definitiva em sua trajetória: era final dos anos 1990 e ele realizava residência artística em Kiel, norte da Alemanha. Para manter limpo o chão do ateliê no qual trabalhava, forrou-o com papel. E essa superfície foi acumulando resquícios das ações empreendidas naquele “campo de batalha”. No término dos três meses da atividade, ao esvaziar o espaço, percebeu mais potencialidades no forro maculado de modo aleatório do que no que vinha fazendo intencionalmente. Com os papéis não somente na mala, mas na cabeça, retornou ao Brasil e resolveu dar continuidade àquela investigação, forrando o ateliê no qual dava aulas. Ali, toda semana, recebia alunos, cada qual em seu espaço e cadência. Estendendo metros de tela de algodão nas paredes e no chão, fez do tempo um aliado. O mesmo tempo necessário para observar, questionar e amadurecer percepções era o tempo exigido pelas telas para receber as impressões de tantos gestos, para sedimentar os resíduos, para consolidar as vivências. Algumas das primeiras coberturas permaneceram meses fixadas à estrutura da sala, mas houve as que ficaram anos. Em algum momento, Frantz decidiu que elas estavam prontas. E passou, então, a fazer as “suas pinturas”. Com segurança, arrancou-as das paredes, cortou-as e as organizou, dando início à meticulosa edição, apontando as partes que seriam esticadas sobre chassis e aquelas que, mais tarde, dariam corpo aos livros: suas pinturas; seus livros. Sua assinatura, aqui, é marcada pelo olhar, pela ação, pela reflexão, pela audácia. Como aponta o crítico de arte Marcio Pizarro Noronha, “histórias de pinturas e pintores são aqui contadas com as linguagens e afetos, mas também com os corpos (e os gestos) e com as tecnologias (as técnicas, as mídias, os dispositivos). 210



A ampliação desse enquadramento reposiciona Frantz no campo narrativo da arte. Uma narrativa por afinidades eletivas, uma narração em estado de afecções. Suas pinturas são causadoras de experiência e reflexão. São potentes. E são meditativas. O tempo lhes alcança”.1 Mais do que o registro ocasional dos processos e possíveis acidentes inerentes à prática artística, nesses fragmentos, nas extensões maceradas das telas, reside a própria memória da pintura. Microcosmo em expansão, o ateliê, em sua ordem aberta e instável, como depositário de sensações, vivências, encontros e embates, termina por ser o quadro mais bem acabado. O ateliê, na poética do artista, não é motivo da obra, mas sua essência.

1 NORONHA, Marcio Pizarro. Frantz em seis tempos. In: RAMOS, Paula (Org.). Frantz – O ateliê como pintura. Porto Alegre: Edição do autor, 2011, p. 107. 212

Frantz Sem título | Untitled, 2011 Tinta sobre papel, 60 x 40 cm [cada] | Acrylic paint on paper, 60 x 40 cm [each] Coleção do artista | Artist’s collection


Frantz Sem título | Untitled, 2013 Tinta sobre tela | Paint on canvas, 50 x 50 cm Coleção do artista | Artist’s collection

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Frantz Sem título | Untitled, 2013 Tinta sobre tela | Paint on canvas, 80 x 120 cm Coleção do artista | Artist’s collection

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CARGA PICTÓRICA Laura Fróes O ateliê de Frantz foi o sétimo visitado dentro do nosso projeto. O espaço do artista ficava no andar superior da loja de materiais de arte de que é proprietário, a Koralle. Mais que seu ateliê, o local funcionava como local onde ministrava cursos. Hoje, esse espaço foi agregado à loja, devido à necessidade de expansão. Este foi o ambiente com maior carga pictórica a enfrentar, ou seja, o acúmulo de tinta no chão e nas paredes – onde os alunos fixavam as telas e papéis para pintar – era grande, e toda e qualquer ideia que colocássemos ali teria de conviver com essa carga: positiva, viva, seca, escura, colorida, escorrida, o que fosse. 217


Por ali, Frantz também coletava a base de um dos seus projetos, que consiste em estender seus panos e lonas no chão de diferentes ateliês de pintura e depois de um bom tempo recolhê-los e montá-los em estruturas de tela ou na forma de livros. O artista interfere apenas contando e obtendo diferentes dimensões para o material, que contêm os vestígios de muitas ações, de diferentes mãos, o que ele chama de “sobras de pintura”. Ao entrar nos ateliês de outros artistas, Frantz estabelece um contato parecido com a nossa proposta, penetrando nesses lugares considerados por muitos artistas como algo particular e sagrado. Nós identificamos os ateliês como possíveis espaços expositivos; Frantz como local de coleta de sua materia-prima. No período de planejamento da nossa visita, que chamávamos de período de “conversas”, Frantz, de fato, recebia-nos com muita conversa: sempre entusiasmado, com muita curiosidade, coisas a dizer, a mostrar, a oferecer e a trocar. No dia da visita, inclusive, também quis compartilhar, além do seu espaço, um trabalho: junto a uma das paredes, montou uma pequena estante, na qual disponibilizou livros, ou, melhor dizendo, pinturas em formato de livros. Nós quatro, inclusive, doamos, cada qual, uma pintura, para que elas também se transformassem, pelo olhar do artista, em livros. Como havia acontecido durante a visita ao ateliê de Roseli Jahn, nossos convidados confraternizaram no jardim da Koralle, também nos fundos da casa. Ali, Frantz colocou um charmoso balcão refrigerador sob uma buganvília florida, junto à qual nos refrescamos naquela tarde quente de primavera, bebendo clericot, água aromatizada com hortelã fresca e muito gelo.

Frantz Pote de tinta | Paint bowl, 2011 Coleção do artista | Artist’s collection

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PETISCOS DA IMAGINAÇÃO Carlos Krauz Conhecemos Frantz Soares há alguns anos e, desde o início do 3x4 Vis(i)ta, sempre esteve em nossa lista de artistas a serem visitados. O pronto aceite do artista deu início a vários encontros que tivemos por aproximadamente dois meses em seu ateliê a partir da primavera de 2011. Nossas conversas versavam não só sobre os caminhos de sua produção, pois a característica inquieta de Frantz, nos conduzindo entre suas obras, nos envolvia e atiçava para discutir procedimentos e técnicas artísticas, além de política e cultura. Dentro de seu estúdio nos mostra seus trabalhos e projetos, particularmente as amostras de piso de ateliês de artistas nas quais encontramos respingos e manchas de tinta depositadas sobre grandes superfícies de tecido de algodão cru ou preparadas com fundo branco. Para coletá-las Frantz contata artistas propondo-lhes revestir, com aquele material, o piso e parede de seus ateliês. Quando o artista contemplado entende que está na hora de remover o tecido, contata Frantz para fazê-lo. A partir daí Frantz Soares analisa, estuda, seleciona e corta este material transformando-os em livros de vários tamanhos e formatos ou em grandes pinturas que passam a ser de sua autoria. É como se Frantz ofertasse “páginas” em branco, cultivando o campo para, mais tarde, colhê-las com a escritura. Em posse delas o artista as editará, podendo utilizar uma página tal qual chega daquele ateliê, passando a ser uma obra de sua autoria ou então selecionar áreas recortando-as e transformando-as em livros de tamanhos e formatos diversos. Esse “palimpsesto”, fruto da inquietação, vacilos, sussurros e acidentes ocorridos dentro daqueles ateliês, é a sua obra. Outro aspecto curioso neste procedimento de Frantz é o fato de contatar artistas de várias partes do Brasil. Sua empreitada de garimpar inclui não apenas manchas, respingos, frações ou mesmo publicar volumes/livros pintura/imagens mas, também, estabelecer, aprofundar relacionamento e trânsito no circuito artístico brasileiro. Seu trabalho e pensamento sobre a pintura se estabelece nos liames sutis e complexos da relação afetiva, humana, cultural e de conhecimento num fluxo intenso e dinâmico. E foi esta intrincada malha de relações que o artista estabelece com o meio da arte que nos motivou a convidá-lo a participar de nosso projeto. 219




Ô DE CASA!

Memória de Julio Cortázar in As linhas da mão

Carlos Krauz

Começamos nossos primeiros contatos com Frantz em seu ateliê que, à época, ocupava o andar superior de um casarão antigo da Rua José Bonifácio, onde ainda funciona a loja Koralle, administrada pelo próprio artista. Entretanto, antes de entrarmos na casa, passamos por um alpendre. O piso hidráulico que o reveste – predominado por pequenos círculos brancos e verdes e dispersos em um fundo amarelo terroso – confere a este espaço de passagem uma memória de ter sido, possivelmente, uma área de repouso e contemplação nos tempos idos de Porto Alegre. Em nossos encontros e conversas com o artista, percebi que aquele espaço longo, entre a rua e o interior da casa, assemelhava-se a uma pista de pouso e decolagem. E, como é comum em aeroportos ou pistas para tal fim, luzes nos guiam e, ao mesmo tempo, delimitam uma área escura em seu interior, dentro da qual o avião deverá pousar. São pontos coloridos convencionados e posicionados para orientar o piloto, particularmente nos pousos noturnos. Diante desta constatação, me ocorreu utilizar etiquetas autoadesivas com cores vibrantes, de formato circular e diâmetro pouco menor que o dos círculos encontrados naquele piso. À medida que os colava sobre alguns círculos do próprio piso, percebia que ia se formando um tipo de constelação, constituída de alinhamentos e desencontros. Em uníssono, eles promoviam um tipo de flutuação dos círculos adesivados, que hora formavam agrupamentos de mesma cor, hora insinuavam linhas. Linhas que se “deslocavam” em direção às paredes ou “deslizavam” por baixo da porta, rumo ao interior da casa. Mas estes pontos vibrantes não apareciam somente no piso. Em alguns momentos, eles “escalavam” as paredes do alpendre e se disseminavam em várias zonas. Em outros momentos em direção ao óculo, em outros ao arco, que forma um tipo de portal introdutório ao interior da casa, anunciando que estamos chegando. Que estamos a meio caminho. Nos encontramos entre o fora e o dentro.

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MONOTIPIAS FOTOGRÁFICAS

modo mais gestual e aleatório, sem projeto. E então pensei em fazer algo que dia-

Helena d’Avila

A partir de uma primeira pintura em tela, na qual ia fazendo manchas soltas, coletei

Observando a obra de Frantz, fiquei pensando na questão da pintura feita de logasse com isso, mas que, ao mesmo tempo, estabelecesse um certo contraponto. os resultados de cada uma em diferentes folhas de papel vegetal. Então registrei fotograficamente todas as etapas da pintura, cada nova sobreposição, dissecando esse “fazer” que, ao final, resultou numa pintura, mas que não foi exibida. O trabalho apresentado, no dia da Vis(i)ta, consistia nas dez monotipias salvas e impressas em papel fotográfico.

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MOSTRUÁRIO Laura Fróes

Meu trabalho era uma espécie de vitrine horizontal, montada sobre uma mapoteca de metal do mobiliário do ateliê. Embaixo de um vidro colocado sob a mapoteca, memórias, coleções e afetos. Diversos objetos e materiais que costumo armazenar para utilizar em meus trabalhos por meio de costuras e colagens, como feltros, celofanes, couros, plásticos, espelhos, etiquetas de roupas, bem como coisas que ganhei de outros artistas (Ana Flávia Baldisserotto, Jorge Menna Barreto, Marlies Ritter e Tatiana Sperhacke), foram cuidadosamente selecionados, expostos e ordenados gerando um mostruário de matérias-primas, vindas de um longo tempo de coletas, vindas do baú de guardados, da minha arqueologia pessoal.

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INTERFERIDAS Nelson Wilbert

Este trabalho surge de um novo recorte para um trabalho que realizei em 2000, que fez parte da exposição Sobre Desenho, na Galeria Iberê Camargo, em Porto Alegre. A obra, intitulada Transferidas da memória para colorir, permitia a participação do espectador, que poderia usar lápis de cor, disponibilizados no local, para riscar, desenhar ou colorir sobre ela. Não havia mais instruções para induzir a participação dos visitantes, mas um primeiro rabisco acabou surgindo e supostamente encorajou os demais. A sequência, em formato de quadrinhos, era composta por 16 partes que repetiam a mesma cena. Com aspecto de projeto, os desenhos de contorno remetiam aos livrinhos para colorir e foram feitos com papel carbono sobre papel milimetrado. Interessam-me, na visita à Frantz, como pontos comuns a discutir, a participação de terceiros na obra de um artista e as conseqüências de uma participação sem o controle de quem a idealizou.

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1 Público no jardim da Koralle 2 Gisela Waetge, Krauz e Ana Maria Paiva 3 Roseli Jahn e Helena d’Avila 4 Frantz e o grupo 3X4 1

5 Yara Baungarten e Elaine Tedesco 6 Laura Fróes e Lígia Saraiva Soares 7 Maria Lucia Cattani 8 Juliana Schnack 9 Helena, Dione Veiga Vieira e Felix Bressan 10 Carla Magalhães e Philip de Lacy White 11 Fábio Del Re

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12 Nick Rands e Nelson Wilbert 13 De frente: Ena Lautert e Rogério Livi 14 Frantz e Paula Ramos 3

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Vera Chaves Barcellos Artista multimídia, com trabalhos em desenho, gravura, fotografia, objeto, vídeo, instalação, performance e livro de artista, Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, RS, 1938) iniciou sua trajetória nos anos 1960 e, nesse ínterim, como lembra o crítico de arte François Soulages, “[...] passou do moderno ao pós-modernismo, da arte moderna à arte contemporânea”.1 Se suas xilogravuras iniciais, em grande formato, são pautadas por experiências formais, articulando cores e manchas mais livres e orgânicas, nos trabalhos seguintes Vera já revela outros interesses: questões perceptivas e os vínculos entre obra e espectador, como se verifica na emblemática Testartes, apresentada na Bienal de Veneza de 1976. Na época, percorrendo várias cidades do mundo, aperfeiçoando-se em importantes instituições de ensino e explorando a linguagem fotográfica, produziu séries que registravam placas de sinalização, pixações urbanas, curiosas vitrines, detalhes de corpos. Também os jogos entre micro e macro, figuração e abstração, visível e dizível, imagem e texto seriam recorrentes em suas obras, assim como as micronarrativas. Seja por meio de instalações, seja pelas sequências de imagens captadas da televisão – prática corrente no início dos anos 2000 –, a artista apresenta personagens e propõe histórias, novamente envolvendo o observador, mas dessa vez não somente com imagens, mas com objetos, fragmentos do real. Em sua poética, um dos aspectos nodais orbita em torno do múltiplo, suas problemáticas, possibilidades e desdobramentos. Tomando, muitas vezes, uma única imagem, a artista opera a divisão, a manipulação, a ampliação e a montagem. É o que se verifica, entre outros, no conjunto Cadernos para colorir e em Os nadadores, dos anos 1980. As mesmas operações podem levar à saturação do grão da imagem, como em Origem da abstração (1988), numa crítica ao cenário artístico de então, marcado pelo retorno da pintura. Figura de proa, Vera Chaves Barcellos vem, desde os anos 1970, trabalhado para o fortalecimento e a atualização do cenário artístico local. Seu protagonismo no grupo Nervo Óptico (1976–1978), bem como sua atuação à frente do Espaço N.O. 1 SOULAGES, François. Vera Chaves Barcellos: obras incompletas. Porto Alegre: Editora Zouk, 2009, p. 26. 234




Vera Chaves Barcellos Atenção III | Attention III, 1980 Fotografia PB e grafite sobre papel, 1 fotografia, 26,5 x 39 cm, 40 desenhos, 21 x 21 x 1,5 cm [cada] | Black and white photograph and graphite on paper, 1 photograph, 26,5 x 39 cm, 40 drawings, 21 x 21 x 1,5 cm [each] Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão

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(1979–1982) e da Galeria Obra Aberta (1999–2002) o atestam. Desde 2005, com seu companheiro, Patricio Farías (Arica, Chile, 1940), Vera mantém a Fundação que leva seu nome, em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre. Dedicada à preservação e à difusão da arte contemporânea, a Fundação Vera Chaves Barcellos tem organizado importantes exposições e projetos educativos, principalmente a partir de seu acervo, constituído ao longo de décadas de colecionismo e amor pela arte. A artista, que começou sua formação em Música, pelo antigo Instituto de Belas Artes de Porto Alegre, em 1957, fez das Artes Visuais seu território. Ao longo de seus mais de 50 anos dedicados à imagem, com circulação e reconhecimento em âmbito nacional e internacional, Vera Chaves Barcellos foi inquieta sempre, contemporânea sempre.

Vera Chaves Barcellos Mãos de Gabi | Gabi’s hands, 2014 Fotografia digital | Digital photography, 30 x 40 cm Coleção da artista | Artist’s collection, Viamão

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Vera Chaves Barcellos Fata Morgana, Fragmentos I | Fata Morgana, Fragments I, 2014 Fotografia, 15 x 19,7 cm [cada módulo, com 49 módulos] | Photography, 15 x 19,7 cm [each part, 49 in total] Coleção da artista | Artist’s collection, Viamão

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Patricio Farías Estruturas que lembram máquinas, mas com pouca ou nenhuma utilidade. Artefatos idênticos organizados em armações especialmente construídas, perfilados ou em distensão no espaço. Cenários, objetos e figuras suscitando narrativas. Formas que convidam o espectador a se projetar, numa interação imaginária. Coisas, um cabedal de coisas. A obra de Patricio Farías (Arica, Chile, 1940) é atravessada por características que parecem contraditórias: delicadeza, imponência, austeridade; humor, ironia, hermetismo; vai da fatura poética à política, do viés inofensivo ao perverso. Diante dela, somos convidados ora a abandonar, ora a revisar clichês, bem como a resgatar as lições de Marcel Duchamp (1887–1968), icônico em sua trajetória e produção; somos provocados a lembrar que vivemos em uma época de esvaziamento das ideologias, de mercantilismo e de profunda crise moral; somos conclamados a jamais esquecer que a violência persiste e que a liberdade requer cuidado e vigília. Escultor, desenhista e militante ativo da cena política de esquerda, Farías é formado pela Escola de Belas Artes da Universidade de Santiago, no Chile, onde foi professor de Desenho e Expressão Gráfica. Em 1979, em decorrência da ditadura militar que se instalou em seu país (1973–1990), muda-se para o Brasil, passando a lecionar Desenho e Serigrafia, no início dos anos 1980, no Atelier Livre da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Na cidade, conhece Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, RS, 1938), sua companheira desde então. Embora também trabalhe com suportes bidimensionais, o artista tem se dedicado, desde os anos 1980, às esculturas, objetos e instalações. Dono de uma perícia técnica admirável, dá forma ou acompanha a manufatura de todas as suas obras, executando-as em madeira, tecido, ferro, aço, vidro, plástico. Há, nessas produções, um engenho indefectível, resgatando, aqui, o sentido etimológico da palavra, ou seja, a capacidade do criador em, primeiramente, penetrar com perspicácia nas matérias da invenção, para depois, com versatilidade, aliá-las à produção. Trata-se de uma conquista da experiência e do conhecimento. Assim, diante de suas engenhocas, como não lembrar dos projetos de Francesco di Giorgio (1439–1502) e de Leonardo da Vinci (1452–1519), entre a funcionalidade e a quimera? 244



Meticulosa, cerebral e asséptica, sua produção pode ter alta fatura conceitual, mas é calcada na excelência formal. Segundo o crítico de arte Adolfo Montejo Navas, suas obras “[...] abrigam, como estratégia, uma subversão implícita, uma ironia própria, onde parecem mostrar esse sorriso cáustico, oblíquo, que joga diagonalmente com qualquer referente, deixando o velho lema do tema ainda mais longe (e não só isso, também as referências subscritas, semiexplícitas como parte de um eco, da alegoria contemporânea). Aliás, há, inclusive aqui, delatados ou irmanados, dois imaginários: um imaginário negro, paradoxal, de perfeição e exato acabamento em sua produção final, e uma visualidade ignota, obscura, sob suspeita, o que se sintoniza com as épocas ditatoriais latino-americanas, com suas perversas heranças de sombras mal gradadas, com o negativo perverso ou cego do real”.1

1 NAVAS, Adolfo Montejo. O coisário de Patricio Farías. Texto crítico para a exposição Esculturas e outras coisas, apresentada de 13 nov. 2014 a 20 dez. 2014, na Galeria Bolsa de Arte, em Porto Alegre. Disponível em: www.bolsadearte.com.br. Acesso em março 2015. 246

Patricio Farías Sem título | Untitled, 1995 Madeira, algodão e metal | Wood, cotton and metal, 174 x 103 x 160 cm Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão


Patricio Farías Confesso que vivi | I confess that I have lived life, 2010 Aço inoxidável, frascos de vidro, plástico e chumbo cromado | Stainless steel, glass flasks, plastic, and chrome plating lead, 84 x 172 x 45 cm Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão

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Patricio Farías Sem título | Untitled, 2010 Madeira e couro | Wood and leather, 144 x 119 x 80 cm Coleção do artista | Artist’s collection

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Patricio Farías Visca Cataluña | Visca Cataluña, 2010 Madeira e couro | Wood and leather, 120 X 244 X 70 cm Coleção do artista | Artist’s collection

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ENLACES E CONTIGUIDADES Carlos Krauz O projeto 3x4 Vis(i)ta teve sua primeira edição em 2006. Desde lá até hoje já visitamos sete artistas. Com a presente visita a Vera Chaves Barcellos e Patricio Farías, chegamos à oitava edição. E, como acontece a cada uma, sempre nos vemos diante de novos desafios. Nesta o desafio foi agenciar o evento final fora dos ateliês, ao contrário do que ocorreu nas edições anteriores. Chegamos a essa alternativa já nos primeiros encontros preliminares, pois Vera e Patricio manifestaram o seu interesse em participar do Projeto desde que ele pudesse ocorrer na 253


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nova Sala da Reserva Técnica da Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB), que estava em construção. Isso nos conduziu a buscar novos parâmetros. Uma das alternativas seria transferir alguns móveis e/ou equipamentos do interior de cada ateliê para dentro da Sala da Reserva Técnica. No entanto, não se tratava apenas de uma simples transferência física de móveis ou objetos de uso frequente pelos artistas individualmente. Deveria haver um “casamento”. Mas de que maneira fazê-lo em um espaço de aproximados 300 m², distribuídos em dois pisos e três níveis? Percebemos que, para nós, acostumados a “administrar” visitas a um ateliê por vez, estávamos, naquele momento, dentro de dois que se encontrariam dentro de um terceiro espaço, que neste caso seria destinado futuramente à guarda e continuidade da organização do acervo da FVCB. Observamos, assim, que não se tratava apenas de transferir, mas, além disso, também de justapor, criar alguma forma de contiguidade entre os espaços de modo a se enlaçarem dentro daquele terceiro espaço que os receberia. Tínhamos, assim, que justapor não apenas coisas, mas trajetórias e visões de mundo de dois artistas. A partir disto, durante nossos encontros, aferimos as medidas, a orientação solar dos três prédios, as características físicas e a dinâmica de distribuição e de uso de equipamentos existentes em cada um dos ateliês. Também os registramos em foto e vídeo, bem como o seu entorno. Este levantamento foi uma das nossas ferramentas para a justaposição de cada um dos ateliês dentro da nova sala da Reserva Técnica.

3D ateliê Patricio Farías

3D ateliê Vera Chaves Barcellos

Adriana Broilo Implantação | Implantation Redesenho de planta baixa | Redesign of floor plan Juliana Penglow Hein Desenhos 3D | 3D Drawings

3D reserva técnica da FVCB

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A Reserva Técnica como espaço de enlace O que primeiro nos veio à mente foi desenhar, no piso do primeiro andar da Reserva, as plantas baixas de ambos os ateliês em tamanho real. Elas deveriam estar entrelaçadas e teriam cores diferentes. E foi o que fizemos. Para representar as plantas baixas diretamente sobre o piso, utilizamos fitas em vinil autoadesivo em duas cores diferentes: azul-escuro para o ateliê de Patricio Farías e laranja para o de Vera Chaves Barcellos. Enquanto ainda estávamos diante das plantas baixas impressas e transferindo-as para o piso, percebemos que as linhas que definiam os ateliês não precisavam ocupar apenas o piso. Elas poderiam subir as paredes. Com o auxílio de uma maquete para nos orientar, elas subiram. Em dois vértices da planta do ateliê de Vera as linhas extrapolaram os limites da sala da Reserva. Em um deles, elas “vazam” a vidraça da porta de acesso do prédio. No outro elas “ultrapassam” o teto do primeiro andar e ganham continuidade no andar de cima, conforme vemos nas fotos na página ao lado. Isto nos permitiu enlaçar também um andar ao outro, conectando-os. Para dentro de cada uma das plantas pensamos em transferir alguns móveis ou equipamentos existentes em cada ateliê. Ao fazê-lo, levaríamos em consideração as suas posições dentro de seus espaços de origem. Seria uma forma “material” de dar aos visitantes uma noção de sua distribuição e localização espacial.

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Carlos Krauz Maquete da Reserva Técnica | Technical Reserve model Close nas fitas de demarcação do piso | A closer view of the floor marking tape Fita laranja enlaçando pisos | Orange ribbon enlacing the floor tiles Vista parcial da instalação | Partial view of the installation





Para este fim utilizaríamos uma bússola, que tinha sido a nossa ferramenta para orientação solar de todos os prédios. Ao longo do processo optamos por utilizar, dentro de cada planta, um backlight, cada um com uma imagem-amostra do piso de cada ateliê. Esta foi uma forma de transferir elementos de seus espaços de origem sem que isso implicasse numa transferência literal de mobiliário ou objetos. Entendemos que, assim como os ateliês estariam simbolicamente dentro da Reserva, poderíamos abrir mão de móveis ou equipamentos e nos determos em alguns indícios que, de certa maneira, conduzissem o espectador dentro de cada ateliê para ali transferido.

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Outra forma de falarmos sobre o enlace nos veio através da captura de imagens dentro de cada um dos ateliês. Uma delas foi a de fotos tomadas através de uma das vidraças de cada ateliê. Elas foram capturadas a intervalos regulares na passagem da tarde para a noite. Nesta passagem, a paisagem vista através delas durante o período diurno dá lugar, paulatinamente, ao reflexo do ambiente interno do próprio ateliê quando a noite vai chegando. Tão logo o reflexo define o espaço interno, novamente a paisagem vai se impondo, e o interior do ateliê vai se “desmaterializando”. Estas imagens, após serem tratadas, foram editadas em dois conjuntos, cada um relativo a um ateliê. No evento final, dia 20 de novembro de 2012, foram projetadas em looping, lado a lado, na parede ao fundo do primeiro piso, como podemos ver na foto acima. Também utilizamos a planta elétrica de cada um dos espaços pois, para que o projeto se realizasse, precisaríamos levar para dentro da Reserva dois pontos de luz, cada uma pertencente a um ateliê. Em seus espaços de origem À esquerda | On the left Pisos | Floors, 2012 Backlights, 64 x 99 [cada] | Backlights, 64 x 99 cm [each] No alto | At the top Janelas | Windows, 2012 Projeção de vídeos | Video projection

estariam incidindo sobre uma região ou equipamento mais utilizado no momento. E esses pontos foram transferidos milimetricamente para a Reserva utilizando luminárias tipo Do it a pilha. Elas criaram uma luz muito tênue e azulada nos pontos planejados. 261




Como mais uma forma de enlace almejávamos que dentro do projeto tivéssemos uma obra feita por ambos os artistas. E, ao indagarmos Patricio e Vera a respeito, nos apresentaram uma fotomontagem em preto e branco realizada por Vera em 1998. Na cena participam Patricio Farías e Pep Admella “dialogando” com Marcel Duchamp. Esta obra foi exposta no primeiro piso, junto às plantas baixas. Assim os visitantes puderam se deslocar de dentro de um ateliê para o interior do outro sem precisar transpor obstáculos. Também puderam experienciar estar ao mesmo tempo dentro de ambos, quando se encontravam na área de intersecção. Em seus deslocamentos de um para o outro encontravam, nas amostras de piso de cada ateliê, vistas nos backlights dispostos no chão; nas projeções das imagens ao fundo da sala, encontravam elementos que os guiavam imaginariamente dentro dos ateliês dos artistas. O enlace nos dois níveis do segundo piso O enlace dos dois ateliês estava garantido no primeiro piso. Mas e nos níveis superiores? Neste segundo piso já tínhamos um vértice da planta do ateliê de Vera, dando continuidade ao enlace iniciado no andar de baixo. Mas queríamos que estivesse presente, de alguma forma, uma entrevista com os artistas. E isso só se tornou possível com a parceria de Denise Liege na captação e edição das imagens. Enquanto com Vera a entrevista é, em si, constituída de perguntas e respostas, com Patricio é a eloquência das imagens tomadas dentro de seu ateliê que constitui seu depoimento. Ambas as entrevistas apontam, por caminhos diferentes, ao modo e à dinâmica de cada um dos artistas. 264

Vera Chaves Barcellos Dialogando com Duchamp | Talking to Duchamp, 1998 Fotomontagem | Photo montage, 21 x 29,7 cm Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão


Denise Liege Vídeos | Videos

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Em adição às entrevistas solicitamos a Patricio Farías materiais como bloco de anotações de trabalhos e também algumas obras suas que pudéssemos escolher juntos e expô-las também no segundo piso. Em dois blocos de anotações de Patricio, encontramos esboços de obras que são verdadeiras pérolas. Destes, alguns já resultaram em obras, e outros permanecem dentro deles... aguardando... Ambos os blocos foram digitalizados e criamos uma apresentação que foi exibida em um dispositivo móvel, junto a seus desenhos que emolduramos e dispusemos em uma das paredes. Vis-à-vis a estes havia dois vídeos com as entrevistas e imagens dos ateliês passando em looping e, imediatamente atrás, estavam expostos o redesenho da planta baixa e da implantação, elaborados por Ada Broilo e também a maquete. Durante o evento, Ada também apresentou os projetos e as projeções 3D dos ateliês ao público visitante em audições programadas a cada hora. Sobre as parcerias Aspecto igualmente importante, e que diferencia a presente visita das anteriores, é o fato de ter sido projetada e realizada por todos os componentes do grupo, ao contrário das anteriores, nas quais cada um elaborava seu trabalho e os colocava em relação apenas no evento final. Entretanto, mesmo para oito mãos, o projeto cresceu em tamanho e complexidade. Assim buscamos parcerias com profissionais da área de arquitetura e também da área de captura e edição de vídeo. Na área de arquitetura, contatamos Adriana (Ada) Broilo e, na de vídeo, com Denise Liége. Ada nos acompanhou desde o início do projeto; orientou e assessorou nas 266

A historiadora e crítica de arte Neiva Bohns observando a exposição | Neiva Bohns, historian and art critic observing the exhibition


aferições das medidas dos prédios, pois precisávamos das medidas reais de cada um. E isso só poderíamos obter com base na fita métrica e no trabalho braçal e colaborativo. A partir destas medidas reais é que Ada elaborou as plantas baixas. Além disso, contamos com a colaboração de Juliana Penglow Hein que, por intermédio de Ada Broilo, elaborou os desenhos 3D. Estas vistas nos forneceram uma visão mais clara do espaço físico, de modo a nos auxiliar na leitura espacial das plantas baixas. Também trabalhamos em conjunto para aferirmos a orientação solar dos prédios. Estas informações nos guiaram desde os primeiros esboços até o final da montagem e nos orientaram no momento da transferência de cada planta baixa impressa no papel para o espaço real da Reserva Técnica e no tamanho real de cada ateliê. Também na fase de montagem da exposição, particularmente na transferência das plantas baixas para o piso da Sala da Reserva Técnica, Ada nos orientou e auxiliou de modo incansável, pois era uma fase que requeria não apenas conhecimento e disciplina, mas também percepção e perícia.

Projeção do ambiente expositivo no desenho de Patricio Farías | Projection of the image of the exhibition área on Patricio Farías’ drawing

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1 Ana Paula Meura, Patricio Farías e Maria Margarita Santi Kremer 2 Nelson Wilbert e Vera Chaves Barcellos 3 Helena d’Avila e Marta Penter 4 Ada Broilo e Elaine Tedesco 5 Viviane Gueller 6 Vera Chaves Barcellos e Renato Hees 7 Ada Broilo 8 Público presente assistindo aos vídeos 9 Carlos Krauz e Helio Fervenza 10 Paula Ramos, Vera e Krauz 11 Carla Volkart, Taís Freitas e Roseli Jahn 12 Cristiane Löff, Laura Fróes e Susana Rangel 13 Mário Röhnelt e Roseli Jahn

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14 Helena d’Avila, Nelson Wilbert, Susana Rangel, Carlos Krauz e Laura Fróes 15 Público presente 16 Carlos Krauz e Carla Magalhães 17 Paula Ramos, Carlos Krauz e Júlio Ghiorzi 18 Fernanda Valadares 19 Dirnei Prates, Fervenza e Krauz 20 Público na parte externa da reserva técnica 21 Marco Heinzelmann, Flavia Aguiar e Nelson Wilbert 23 Mariza Carpes com sua neta Amelie Morais Carpes Barros 24 Ilma Nunes de Leão e Ana Paula Meura 25 Maria Margarita Santi Kremer e Lenir de Miranda 26 Eneida Stroher, Helena d’Avila, Margareth Miola e Taís Freitas 27 Carmem Salazar, Laura Fróes, Cláudia Bento Alves e Cristiane Löff

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3x4 VIS(I)TA: AFETOS E PARCERIAS PARA GRANDES VOOS Paula Ramos

Viamão, 6 de junho de 2015: manhã de sábado, nuvens cirrus conformando o céu, vento suave e constante. Na área verde da Fundação Vera Chaves Barcellos, Vera e Patricio Farías se divertem manejando uma pipa. Puxam a linha, erguem os braços e andam de costas, acompanhando a interação do objeto com o vento. No alto, ela dança, malabarismo vermelho contra o firmamento em azul. E então, provavelmente sem perceber, eles sorriem de corpo inteiro, energia de criança, o fascínio diante do inusitado: soltar pipa. Próximo deles, Hopi Chapman documenta a ação em vídeo, enquanto Laura Fróes e Nelson Wilbert observam a ideia tomar forma e poesia. Ao céu. Dias antes, pensando acerca da história do 3X4 VIS(I)TA e observando um mapa de Porto Alegre, os artistas do grupo rascunharam, sobre essa mesma representação cartográfica, o percurso realizado, do primeiro ao último ateliê. Marcaram pontos e os ligaram, em ordem cronológica, utilizando retas. Do exercício despretensioso, aflorou o zigue-zague que lhes sugeria uma pipa. Brinquedo, instrumento de defesa, arma, objeto decorativo e até artístico: ao longo da história, foram muitos os usos desse artefato que colore os céus do Brasil com o nome de raia, quadrado, papagaio, pandorga. Curiosamente, para subir e alçar voos, a pipa requer vento contrário; ela opera na adversidade. E, uma vez no alto, manejada com destreza, surpreende e encanta. Era 2005 quando Carlos Krauz, Helena d´Avila, Laura Fróes e Nelson Wilbert resolveram lançar a pipa de um projeto coletivo. Há anos ensaiavam fazer algo juntos, até o dia em que a oportunidade surgiu: estavam num evento na Bolsa de Arte, novamente orbitando em torno daquele desejo, quando o amigo Miguel Soares, que trabalhava na Casa de Cultura Mario Quintana, comentou sobre um período vago no calendário da Galeria Xico Stockinger. Eles não titubearam.1 1 Com as devidas e indicadas exceções, todos os depoimentos reproduzidos são excertos de entrevista realizada com o grupo em 5 de abril de 2014, no ateliê de Wilbert, em Porto Alegre. 272


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Wilbert – Quando estávamos na faculdade, a “Galeria Branca” era o nosso sonho. Nuno Ramos e vários outros artistas que admirávamos haviam exposto lá. Mas, naquele ano, em 2005, ela estava sucateada, meio que abandonada, e ninguém mais frequentava. Helena – Mas nós dissemos: vamos fazer e “vamos acontecer”, como era nos anos 90. E fizemos. Laura – As pessoas da própria Casa de Cultura Mario Quintana estavam impressionadas com a quantidade de gente no vernissage. Uma chegou e me disse: “Nossa, como tem artista!” E tinha mesmo, muita gente, principalmente artistas. Krauz – De certa forma, a mostra foi um divisor de águas para o espaço. A sala estava passando por um certo desprestígio, e a exposição mexeu com o lugar. Helena – E as pessoas vibravam, porque sentiam que ali havia garra, que ali havia vontade. A gente tava enlouquecidamente apaixonado pelo que tava fazendo. A gente tava feliz. Entusiasmados, apresentaram uma pequena arqueologia pessoal, tomando três fases importantes de suas formações: [1] a infância, quando a imaginação e o gesto espontâneo encontram no desenho uma forma singular de expressão; [2] os anos de graduação no Instituto de Artes da UFRGS, tempo de reconhecer os interesses e pares; [3] e o período atual, no caso, 2005, poéticas consolidadas. Três momentos na história de quatro artistas: 3X4. Revisitando a si próprios, descobriram que, desde sempre, falavam e discutiam as mesmas coisas: temas, abordagens e até procedimentos análogos podiam ser encontrados nos desenhos de criança, nos trabalhos da juventude e nas obras contemporâneas. Naquela proposição, portanto, havia identidade. Ao término do período expositivo, a certeza de que continuariam desenvolvendo algo juntos e que o fariam a partir dos mesmos princípios que os uniam: afeto, admiração, respeito. Laura – A gente pensava na coisa da convivência, de como isso é bom, de como isso é enriquecedor. Eu posso decidir, por exemplo, visitar um amigo em seu ateliê. Vou lá, tomo um cafezinho, converso, troco ideias, passo a tarde ali. Para nós, esse tipo de relação é fundamental. Queríamos propor algo parecido. Wilbert – Queríamos ter esse contato com os artistas em seus ateliês e também queríamos abrir para o público. [...] Mas, de que jeito? Pensando e conversando muito, chegamos ao formato do 3X4 VIS(I)TA: a gente faria conversas preparatórias com os artistas, depois a “visita em si”, quando apresentaríamos nossos trabalhos a partir do diálogo com os trabalhos deles. Só que, importante: em um único dia. Queríamos provocar as pessoas, dizendo assim: “Vocês têm uma chance, um único dia para ver”. Foi uma aposta. Não sabíamos se ia dar certo. 274


Krauz – Havia muita questão operacional a ser equacionada. A maioria dos artistas que visitamos têm ateliês junto às suas casas. Então, tinha a preocupação com a segurança e a intimidade do artista que, de certa forma, era exposta... Para chegar ao ateliê do Gonzaga, por exemplo, era necessário passar pelo interior da sua casa. E precisávamos encontrar formas de fazer isso sem devassar a vida dele. [...] Cada lugar acabava necessitando de uma dinâmica diferente, e a gente ficava dois, três meses pensando, até chegar à solução que seria adotada naquele dia, naquelas quatro, cinco horas. [...] E, quando víamos, tudo tinha acabado. Efêmero e, ao mesmo tempo, muito denso. Definido o formato, era só começar. A primeira pessoa a ser abordada foi Roseli Jahn, que, na época, mantinha um pequeno ateliê na Rua Padre Chagas, nos altos de um antiquário. Wilbert – Encontramos a Roseli em um vernissage e perguntamos: “Roseli, tu tens ateliê?” E ela: “Tenho”. “Queres fazer um projeto com a gente?” “Quero.” “Então tá, no sábado a gente vai lá conversar contigo.” Assim começou. E a Roseli tinha sido nossa professora... Então, de repente, parecia que a gente estava de novo em uma sala de aula do IA [Instituto de Artes], conversando sobre desenho, sobre o que a gente estava fazendo e como estava fazendo... Foi muito legal termos iniciado com a Roseli, porque ela tava super empolgada com a ideia. Helena – E ela dizia assim: “Eu quero fazer. Seja o que for, eu quero fazer. Tô apavorada, mas quero...”. Krauz – A grande questão dela (e que, para nós, também era uma incógnita) era: “Mas como vai ser isso, de poucas horas, num sábado?” Rolou um tipo de pânico inicial, mas logo encontramos o formato. [...] E a gente estabeleceu um contato estreito, pois tínhamos muitas coisas em comum: buscas, discussões, a questão do cotidiano... e os nossos papos eram enlouquecidos, umas maluquices, mas a gente se divertia muito. Uma etapa medular do projeto estava nas conversas preparatórias, nos ateliês dos artistas visitados. Sábados à tarde, por duas, três, quatro vezes, lá estava o grupo, numa mescla de entrevista e colóquio. E a pergunta inicial era sempre a mesma: “O que significa, pra ti, o espaço do ateliê?”. Ideias de ateliê Ao pensarmos sobre o assunto, é provável que nos venham à mente as representações que Rembrandt (1606–1669), Vermeer (1632–1675), Gustave Courbet (1819–1877) e Pedro Weingärtner (1853–1929) fizeram de seus locais de trabalho, num misto de realidade, projeção, alegoria. Registros em foto ou vídeo tendem 275


a ser mais vigorosos, e então poderemos nos surpreender com o cenário de acúmulo e caos necessário a Francis Bacon (1909–1992); a sala obsessivamente organizada de Iberê Camargo (1914–1994); o gabinete de Mondrian (1872–1944), ensaio de seu programa estético, na confluência entre arte, arquitetura e vida. Laboratório, campo de ensaio e isolamento, no qual espera-se flagrar o artista em sua privacidade e ousadia criadora: essa é a compreensão tradicional de ateliê. O fascínio por esse espaço, como afirma Marisa Flórido, está intimamente associado à revelação “[...] do que é originário à arte, do que é a essência da criação artística”.2 Conhecer-lhe os meandros, todavia, pode gerar algum desconforto: quantos admiradores e curiosos menos avisados não se surpreendem ao acessar o sítio virtual do britânico Damien Hirst (1965) e verificar – graças à webcam instalada no ateliê, tal como em um reality show – que as obras do artista são executadas não por ele, mas por seus assistentes? A concepção romântica de ateliê começou a se transformar nos anos 1960, com o próprio alargamento dos conceitos de arte, artista e espectador. Nomes como Robert Smithson (1938–1973), Bruce Nauman (1941) e Daniel Buren (1938) contestaram e rejeitaram o seu princípio básico, fazendo com que o lugar da produção coincidisse com o da recepção da obra. É de Buren, inclusive, um dos primeiros textos sobre o assunto, The Function of the Studio, escrito entre 1970 e 1971, no qual declara o fim do ateliê.3 O que se viu na sequência, porém, foi menos o seu apagamento, mas a “expansão” do conceito, fazendo com que, hoje, ele não se restrinja a um espaço físico, mas represente o processo pessoal de criação artística e de produção de significado.4 Desse modo, o ateliê pode, como indica Teresa Azevedo, “[...] ser tão variado como uma simples mesa de café ou de cozinha, uma página da Internet, um muro na rua, uma sala da galeria ou museu”.5 2 FLÓRIDO, Marisa. O ateliê do artista. In: Arte e Ensaios. Revista do Programa de PósGraduação em Artes Visuais EBA – UFRJ. Rio de Janeiro, 2002, vol. 9, p. 17–29. Disponível em http://www.ppgav.eba.ufrj.br/producao/arte-ensaios-9/. Acesso em mai. 2015. 3 O texto foi revisado em 2007, por ocasião da mostra The Studio (2006), organizada por Jens Hoffmann e Christina Kennedy na Dublin City Gallery The Hugh Lane, com o título The Function of the Studio´Revisited: Daniel Buren in Conversation. 4 Os novos papéis e formatos de ateliê têm pautado projetos, estudos, mostras e publicações em âmbito internacional, principalmente na última década. Dentre os principais títulos, destaque para: COLE, Michael; PARDO, Mary (Org.). Inventions of the Studio, Renaissance to Romanticism. Chapel Hilll: University of North Carolina Press, 2005. DAVIDTS, Wouter; PAICE, Kim. The Fall of the Studio: Artists at Work. Valiz: Antennae, 2009. HOFFMANN, Jens; KENNEDY, Christina. The Studio. Dublin: Dublin City Gallery The Hugh Lane, 2007. HOFFMANN, Jens. The Studio. Whitechapel – Documents of Contemporary Art. London: The MIT Press, 2012. JACOB, Mary Jane; GRABNER, Michelle. The Studio Reader: on the Space of Artists. Chicago: University of Chicago Press, 2010. Em Porto Alegre, há poucos anos, o MARGS Ado Malagoli apresentou, com curadoria de José Francisco Alves, uma mostra com recorte similar. Intitulada Do atelier ao cubo branco, discutia os espaços de criação e formação do artista, bem como os trânsitos da obra, de um ambiente de criação para o de exibição. A mostra aconteceu entre 12 de abril e 29 de maio de 2011. 5 AZEVEDO, Teresa. Entre a criação e a exposição: o museu como ateliê do artista. Breve introdução ao tema. In: Midas – Museus e Estudos Interdisciplinares. Porto (Portugal), 2014. 276


Pode, ainda, ser a própria obra, como nos sugeriu o curador Alfons Hug, em 2004, ao levar para a 26ª Bienal Internacional de São Paulo o arquivo-ateliê de Paulo Bruscky (1949), integralmente transferido do Recife; assim como o ateliê pode constituir a matéria-prima, a exemplo do que nos mostra Frantz, ao extrair suas pinturas de vestígios desse ambiente. Quando o 3X4 iniciou o projeto, contatando artistas, convocando-os a pensar e a discutir o significado do ateliê em seus processos de criação, desenvolvendo trabalhos a partir do repertório desses locais e, indispensável, abrindo-os ao público, o grupo tinha plena consciência de que o ateliê, em suas várias formas, continua sendo, tal como lembra Jon Wood, uma espécie de substituto físico da mente do artista, cujo acesso representa a oportunidade de se aproximar de suas intenções, inspirações e procedimentos de trabalho.6 Krauz – Numa exposição em uma galeria ou em um museu, a gente vê a obra acabada. E, quando estamos no ateliê, muitas outras coisas surgem. Olhamos para as esculturas do Gonzaga, por exemplo, e elas são imensas. Aí, nos deparamos com as fôrmas de gesso que ele usou. E, de repente, o Wilbert vai e executa um trabalho exatamente a partir dessas fôrmas. Então, se pensarmos no lado "germe" de um trabalho, tem muita coisa que está lá, na efervescência do ateliê, no “barulho”, digamos assim, inerente a ele. Helena – E a ideia, desde o princípio, era usar tanto o ateliê como inspiração, como o trabalho do artista, ou mesmo o entorno, o modo desse artista viver. No caso do Gonzaga, se o Wilbert trabalhou com as fôrmas, eu me interessei por um muro, onde tinha uma hera que tomava conta de tudo. Ali eu fiz a minha história, criando um “jardim”. Laura – E eu sempre tive a coisa de guardar e organizar imagens, fragmentos, objetos, coisas afetivas que vou colecionando ou recebendo de amigos. Na visita ao Felix, quando vi o gaveteiro dos gêneros, não hesitei: tirei as coisas dele e coloquei as minhas. Eu me apropriei daquele móvel: era o “meu” gaveteiro, ali ficariam as minhas coleções, os meus guardados. Wilbert – Pensando sobre essas relações todas, lembro do trabalho que fiz na visita à Roseli. Para chegarmos ao ateliê, percorríamos o interior do antiquário. E era um monte de cristal, vidro, porcelana, peças delicadas... Claro que tínhamos receio de passar por ali, de bater e estragar alguma coisa, assim como tínhamos receio de que as pessoas quebrassem algo no dia do evento. E aí, o meu trabalho foi o quê? Era um conjunto de espelhos: doze espelhos quebrados. Eu nunca tinha pensado sobre isso, mas, ao quebrar os espelhos, é como se eu tivesse quebrado as louças. Disponível em http://midas.revues.org/589#quotation. Acesso em mai. 2015. 6 WOOD, Jon. The studio in the gallery? In: McLEOD, Suzanne (Org.). Reshaping Museum Space: Archicteture, Design, Exhibitions. London: Routledge, 2005, p. 158. 277


Banquete antropofágico Entender, apropriar-se, devorar, criar a partir do outro. Como não identificar, nesse modelo de diálogo, uma forma de “banquete antropofágico”? Um dos marcos da cultura brasileira, com repercussões permanentes, o Manifesto Antropófago, escrito por Oswald de Andrade (1890–1954) em 19287 e uma das bases conceituais do movimento modernista, partia de um histórico, polêmico e quase sempre repulsivo ritual: o canibalismo, “genuinamente brasílico”. A inspiração da noção de antropofagia vinha dos índios tupis, que consistia em devorar seus inimigos, mas não qualquer um, apenas os bravos guerreiros. Ritualizava-se, assim, uma certa relação com a alteridade: selecionar seus outros em função da potência vital que sua proximidade intensificaria; deixar-se afetar por estes outros desejados a ponto de absorvê-los no corpo, para que partículas de sua virtude se integrassem à química da alma e promovessem seu refinamento.8 Como Suely Rolnik nos mostra, essa devoração, portanto, é seletiva e crítica. Não apenas isso, é movida pelo desejo. Este modo antropofágico depende de um grau significativo de exposição à alteridade: enxergar e querer a singularidade do outro, sem vergonha de enxergar e de querer, sem vergonha de expressar este querer, sem medo de se contaminar, pois é nesta contaminação que a potência vital se expande, carregam-se as baterias do desejo, encarnam-se devires de subjetividades: a fórmula tupi.9 Devires de subjetividades. Helena d´Avila, no vídeo Impressões (2015), 7 O Manifesto Antropófago foi publicado pela primeira vez na Revista de Antropofagia, São Paulo, ano 1, nº 1, mai. 1928. 8 ROLNIK, Suely. Subjetividade antropofágica. Originalmente publicado em HERKENHOFF, Paulo; PEDROSA, Adriano (Org.). Arte contemporânea brasileira: um e/entre outro(s). XXIV Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1998, p. 128–147. Disponível em: http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Subjantropof.pdf. Acesso em set. 2015. 9 Ibidem. 278

Helena d’Avila Impressões | Impressions, 2015 Vídeo | Video


oferece-nos uma interlocução sutil e poderosa com a poética de Maria Lucia Cattani, reconhecida nacional e internacionalmente pela sua produção em gravura e vídeo. Na obra de Helena, o plano fechado e estático revela o rosto de uma mulher que, lentamente, vai expressando estados e sensações: de olhos cerrados, ela freme os lábios e, de súbito, sorri, incontestável prazer; logo, contudo, o deleite parece ceder à dor, e o cenho franze, a cabeça revira. Corpo e membros, distantes de nossa visão, ativam a fantasia. Atrás dela, identificamos a cabeça de outra pessoa. Afinal, o que estaria acontecendo? Que prazer sugestivamente sexual é esse? Impressões foi desenvolvido a partir do registro fotográfico de uma sessão de tatuagem, e é o desdobramento do trabalho que Helena apresentou em agosto de 2009, quando da visita ao ateliê de Dudu, como Maria Lucia Cattani era carinhosamente chamada.10 Naquele dia, estavam perfiladas as 140 fotos do rosto e das costas da amiga Clarisse Hebert Outeiral, permitindo acompanhar o semblante e, ao mesmo tempo, a escrita da Oração a São Jorge no seu dorso. No vídeo, mudança de estratégia: Helena optou por revelar a origem daquelas sensações-matéria-corpo apenas no final. A ênfase, assim, recai nas evocativas expressões faciais de Clarisse. A motivação para a obra emergiu em um momento fugaz, mas potente, quando Helena, no primeiro percurso pela casa-ateliê de Cattani, deparou-se com incisuras feitas na parede, exercício realizado anos antes, para uma instalação in situ apresentada na 5a Bienal do Mercosul (2005). A5 P811, título da obra, operava

A artista durante montagem no ateliê de Maria Lucia Cattani | The artist during the assemblage at Maria Lucia Cattani’s studio

10 O vídeo, editado por Dirnei Prates e Nelton Pellenz a partir de fotografias, foi especialmente produzido para a exposição que assinalou o fechamento do projeto 3X4 VIS(I)TA e que aconteceu entre 13 de junho e 30 de agosto de 2015, nas galerias do MACRS. 11 Acrílica sobre parede e incisões, 40 x 720 cm. Instalação in situ para a 5ª Bienal do Mercosul, 279


na essência: se, no talho, havia o procedimento inerente à xilogravura, na repetição estava a síntese processual da técnica, atravessada pela singularidade de cada gesto e a sutileza da passagem cromática. Os sulcos na argamassa, insistentes e ritmados, eram como cortes na pele do lugar: tatuagem. A remissão ao filme O livro de cabeceira (1996), de Peter Greenaway (1942), foi quase instantânea. Na película, a protagonista Nagiko (Vivian Wu) obtém prazer escrevendo sobre a derme de seus amantes e oferecendo seu próprio corpo à caligrafia. Associações, sempre elas. Como não lembrar que parcela significativa da obra de Cattani é cingida por uma espécie de escrita ideográfica, íntima e secreta, que ela mesma chamava de “cattanês”? Incisão, sequência, gravação, o mesmo no diferente: aspectos viscerais da poética de Dudu que Helena soube, com delicadeza e perspicácia, referenciar. Por fim, e não menos importante, em Impressões temos a riqueza polissêmica Porto Alegre, RS. 280

Nelson Wilbert Luto | Mourning, 2010 Instalação | Installation


da palavra, bem como, nas sensações fazendo-se matéria, temos dor e prazer, sentimentos que, via de regra, acompanham todo processo criativo. Suely Rolnik, no texto há pouco citado, enfatizava o “desejo” como traço marcante da postura antropofágica: “[...] enxergar e querer a singularidade do outro, sem vergonha de exergar e de querer, sem vergonha de expressar este querer, sem medo de se contaminar”. Entre os artistas do 3X4, Wilbert é, sem dúvida, o que mais expõe esse desejo. Das apropriações de retratos emblemáticos da história da arte – como a Mademoiselle Caroline Rivière, de Ingres (1780–1867), passando por Ginevra de’Benci, Cecilia Gallerani e a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci (1452–1519) –, chegando às intersecções com Vincent van Gogh (1853–1890) e William Morris (1834–1896), o procedimento é o citacionismo, temático ou formal. Há uma contaminação contínua, e Wilbert a busca, assumindo um caminho perigoso. Afinal, ao referenciar permanentemente os outros, não estaria apagando a sua identidade, dissipando-a, na repetição exaustiva e seriada de figuras já tão saturadas pela indústria cultural? Andy Warhol (1928–1987) também discutiu isso, em seu mergulho pop, e aqui estamos frente a nova contaminação. Wilbert – Na época da faculdade, diziam que eu sofria de “influência aguda”, porque tudo que eu gostava me influenciava demais. E é um conflito aceitar essa influência. Lembro de que, uma vez, conversando com o Krauz sobre isso, ainda no IA, ele me disse para deixar que essas influências aparecessem de um modo livre, sem disfarce. Ele me falou que, quando a gente vê no trabalho do outro algo com o qual a gente se identifica, aquilo também, de certa forma, te pertence. Foi uma conversa importante, porque aí eu comecei a relaxar em relação a isso.12 O caminho de Wilbert é não somente perigoso, mas difícil, assim como é difícil o caminho dos que operam assumidamente a partir da tradição. E isso por razões óbvias: o cotejamento com essa mesma tradição é contínuo. Paulo Gomes aponta, de modo preciso, a camuflagem como conceito operatório de Wilbert. Embora possamos identificá-la como tema, sobretudo em seus trabalhos mais recentes, ela é, antes de tudo, ossatura. Processo intermediário entre a linguagem clara e a cifrada, a camuflagem dissimula e surpreende. Na obra de Wilbert, ela se manifesta na sobreposição de diversas camadas de informações visuais, até sua aparente saturação, momento em que desponta uma nova imagem, no amálgama de referências: esta sim, a identidade de nosso artista. De modo desconcertante, Wilbert resolveu, na exposição de fechamento do projeto 3X4 VIS(I)TA, borrar essa identidade historicamente camuflada, buscando

12 Em depoimento à autora, em 18 out. 2015. 281


a matriz nos objetos da instalação Luto (2010), desenvolvida durante a visita a Mário Röhnelt. Naquele momento, tinha operado, basicamente, com [1] licoreiras e frascos para perfume, em cristal bico de jaca, [2] pigmento negro dissolvido em água, [3] papéis em branco, [4] uma mesa, servindo de suporte. Espartana, a montagem apresentrava os vidros com quantidades diferentes de tinta, sobre os papéis imaculados. Ao fundo, um tríptico de Röhnelt: três telas de mesmo tamanho, tema e tratamento, aparentemente idênticas. Líquido negro e espesso, à tinta restava o silêncio dos invólucros de cristal; na obra de 2015, houve uma inversão, e foi ela quem conformou os nove desenhos em acrílica sobre papel, representando, em minúcia, os mesmos artefatos que antes constituiam seu ataúde. Wilbert chamou o trabalho de A fonte. E de que fonte, afinal, estaria falando? Da fonte objetual, vidros para bebidas e frascos para perfume, depositários de bons aromas? Da fonte processual, papel e tinta, materiais caros ao desenhista e ao pintor? Da fonte intelectiva, Duchamp (1887–1968), o objeto, a forma e o conceito? Múltiplas possibilidades, mas o título assevera: A fonte. Preto no branco, os desenhos remetem explicitamente à série dos castelos, palácios e salões de festa que Röhnelt produziu nos anos 1990, a partir de fotografias, eliminando cores, texturas, excessos e dourados e também ele camuflando esses ambientes na paleta mínima e de alto contraste. Como não olhar para os desenhos de Wilbert, em sua admirável perícia técnica, e não pensar em Mário? Uma visão rápida e distorcida acusaria: plágio. Sim: Wilbert foi ao extremo. Consciente do fio da navalha em que sempre trafegou, optou pela radicalidade. A situação nos remete a um personagem emblemático da história da cultura e da arte, Narciso. 282

Mário Röhnelt “assinando N. W.”, participação especial na obra A fonte, de Nelson Wilbert | Mário Röhnelt “signing N. W.”, for a special participation in the work called The fountain by Nelson Wilbert


Wilbert – Quando Narciso chega à fonte, ele se sente atraído pela imagem que vê na água, mas ele não se reconhece nela, ele não percebe o reflexo, mas a imagem que o atrai. Então ele vai atrás daquela imagem e mergulha na fonte, dali nunca mais retornando. O meu caminho em direção a essa ideia de “plágio” do Mário, digamos assim, estava evidente, e ele não foi evitado. Como Narciso, eu vi a situação, vi o caminho em direção ao abismo, mas continuei. Todas as outras tentativas de retroceder, de buscar apoio Nelson Wilbert com participação de Mário Röhnelt | with the participation of Mário Röhnelt A fonte [conjunto de nove desenhos] | The fountain [a set of 9 drawings], 2015 Acrílica sobre papel, 110 x 75 cm [cada desenho] | Acrylic paint on paper, 110 x 75 cm [each drawing] Vista da obra montada na Galeria Xico Stockinger, MACRS | View of the work assembled at Galeria Xico Stockinger, MACRS

numa cor diferente, numa forma diferente, em outra maneira de fazer, justamente para que eu não me perdesse e não me jogasse no abismo, tudo isso foi descartado.13

13 Idem. 283


Mário Röhnelt: A fonte. Mário também construiu sua trajetória no interstício entre desenho e pintura, assim como sua obra é igualmente feita de camadas e sobreposições que revelam os ecos permanentes da arquitetura, da tradição clássica, do universo pop, do decorativo, da autorreferencialidade. Ao concluir a execução dos desenhos, uma segunda e fundamental etapa. Wilbert – Eu queria uma participação do Mário em relação ao trabalho. E ele então assinou com o meu nome, mas não como eu assino, “Wilbert”, e sim como ele assina, “M. R.”; só que ele assinou “N. W.” Essa troca é o que mais me fascina. Por outro lado, em toda a minha história, sempre tive relações com artistas distantes no tempo e no espaço. E, quando vi no trabalho do Mário algo que também era meu, foi muito emocionante, porque eu podia conviver com uma referência viva e próxima. Eu tive o efetivo encontro com a fonte e isso é muito significativo para mim.14 Artistas-pesquisadores As visitas, em suas várias etapas, possibilitavam ao grupo não apenas frequentar artistas que todos admiravam, mas resgatar suas próprias histórias, temáticas, trajetos. Nesse mergulho investigativo e poético, identificamos a postura genuína do artista-pesquisador. Se há autores que defendem que os artistas, para gozarem efetivamente desse reconhecimento, são sempre e acima de tudo pesquisadores, há outros que relacionam tal condição à academia. Embora o ambiente universitário seja o locus por excelência do artista-pesquisador – que quase sempre assume, nesse sentido, também o papel de professor –, sabemos que o mesmo não se restringe a tal âmbito. Sandra Rey, em sua densa e referencial produção sobre o tema, enfatiza a característica da pesquisa em artes visuais15: o trânsito ininterrupto entre prática e teoria. [...] Para o artista, a obra é, ao mesmo tempo, um “processo de formação” e um processo no sentido de processamento, de formação de significado. É nessa borda, entre procedimentos diversos transpassados por significações em formação e deslocamentos, que se instaura a pesquisa. A palavra teoria deve ser entendida, nesse caso, muito mais como um campo de conhecimento específico e interdisciplinar do que como um aparato teórico estanque, aplicável como norma ou verdade inquestionável.16

14 Idem. 15 Pesquisa em artes visuais é aquela realizada pelo artista-pesquisador, a partir do processo de instauração de seu trabalho, enquanto a pesquisa sobre arte é a realizada por teóricos, críticos e historiadores, tomando como objeto de estudo a obra de arte e analisando desde aspectos formais, passando pela circulação e inserção, entre outros temas. Sobre o assunto, ver: REY, Sandra. Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em artes visuais. Porto Arte. Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, UFRGS, nº 13, v. 7, 1996. 16 REY, Sandra. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes. Disponível em: http:// adcon.rn.gov.br/ACERVO/CENA/DOC/DOC000000000046610.PDF. Acesso em mai. 2015. 284


E continua: Se a obra é, ao mesmo tempo, um processo de formação e um processo no sentido de processamento, de formação de significado, como afirmado acima, é porque, de alguma forma, a obra interpela os meus sentidos, ela é um elemento ativo na elaboração ou no deslocamento de significados já estabelecidos. Ela perturba o conhecimento de mundo que me era familiar antes dela: ela me processa. Também neste sentido, de fazer um processo a alguém: sim, somos processados pela obra. A obra, em processo de instauração, me faz repensar os meus parâmetros, me faz repensar minhas posições. O artista, às voltas com o processo de instauração da obra, acaba por processar-se a si mesmo, coloca-se em processo de descoberta. Descobre coisas que não sabia antes e que só pode ter acesso através da obra.17 Em processo. Uma das dinâmicas a que Krauz, Helena, Laura e Wilbert se lançaram foi de discutir, registrar e escrever sobre os trabalhos que estavam desenvolvendo, suas motivações e intuições. As imagens e, sobretudo, os textos compartilhados pelo grupo no blog do projeto18, fornecem ao público documentos para pensar os desafios, olhares e procedimentos de cada um. Comentando acerca do estatuto dos escritos de artista na contemporaneidade, Anne Cauquelin nos lembra que “Desde os cadernos de Da Vinci, da correspondência de Poussin, do diário de Delacroix, os textos de artista vêm se tornando numerosos, adquirindo direito de cidadania no domínio da estética”.19 Tratados, manifestos, cartas, diários, respostas a entrevistas, anotações rápidas: o caráter de mediação desses registros, envolvendo uma reflexão pari-passu ao desenvolvimendo da obra, asseguraria “[...] a intermediação entre o verbal e o não verbal”.20 Ao elucidar alguns posicionamentos teóricos, situar movimentos e referências adotadas, ou mesmo fornecer indicações sobre a genealogia do trabalho, os escritos de artista abrem novas portas para o debate e mesmo para a fruição. Isso não quer dizer que restrinjam ou cerceiem o potencial interpretativo ou semântico da obra, mas oferecem uma “fresta para ver além do que se vê”.21 O texto que Carlos Krauz produziu para a obra Zona Abissal, durante a visita a Gonzaga, é um exemplo disso. No trabalho, ele nos apresentava seis relógios de parede iguais, fixados sobre a passagem entre a sala das fôrmas e resina, e a de modelagem e finalização das esculturas. Marcando horas distintas, os aparelhos perturbavam o espectador atento. Como sugere Waltercio Caldas (1946), referência 17 Ibidem. 18 3x4visita.blogspot.com.br 19 CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 154. 20 Ibidem, p. 155. 21 A partir da expressão de Marilice Corona. In: CORONA, Marilice. A presença das motivações no(s) escritos de artista ou uma fresta para se ver além do que se vê. In: Anais do 16º Encontro Nacional da ANPAP. Florianópolis: 2007. Disponível em: http://anpap.org.br/ anais/2007/2007/artigos/040.pdf. Acesso em jul. 2015. 285


inconteste para Krauz, “Não somos obrigados a acreditar inteiramente no que vemos, não é verdade? Há uma dúvida que pertence à clareza”.22 Convidado a olhar seu próprio relógio e, quiçá, identificar o equipamento “correto”, o espectador então perceberia que não apenas todos os relógios estavam equivocados, como seus ponteiros não saiam do lugar. Ou melhor: saiam, mas eram instantaneamente chamados a regressar, num eterno retorno. Krauz – Aquilo, pra mim, era o exercício do trabalho do construtor, ou do artista, de um modo geral. Quando o artista trabalha com uma matéria visível, como é o caso do Gonzaga, ele nos oferece algo visível. No fim, porém, ele quer chegar ao invisível, a algo que está além da matéria; é esse invisível que evoca e transforma. E os relógios na parede, dentro do estúdio do escultor, tinham a ver com essa coisa do bater e voltar, do trabalho interminável de obrar, de tentar, de fazer. No dia a dia, muitas coisas “estão onde estão” devido a forças magnéticas incorpóreas. O mesmo para os relógios presos àquela zona abissal. No escrito sobre a obra, Krauz comenta: O trabalho é constituído por seis relógios quartz em cujos ponteiros – das horas e dos segundos – se encontram ímãs orientados. Esses ímãs frustram 22 CALDAS, Waltercio. Manual da ciência popular. Prefácio e comentários do artista. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007 [1981], p. 24. 286


as “tentativas” de avanço do segundeiro, de modo a parar o andamento do relógio e das horas. O que frustra a interminável tentativa do segundeiro avançar é a aproximação de campo magnético de igual polaridade existente tanto nele, quanto no ponteiro das horas. Quando essas polaridades “ameaçam” estar frente-a-frente, o campo magnético se encarrega de empurrar o segundeiro de volta.23 Mais que “explicar” os enleios mecânicos e eletromagnéticos que tornaram sua ideia possível, o texto revela uma parcela do universo de Carlos Krauz: reações físico-químicas, equilíbrio e limites, questionados a partir de estratégias irônicas, de forte carga conceitual e presença minimalista. Algo parecido atravessa Dispositivo para corrigir paisagens (2015), exibido na mostra de fechamento do Projeto, entre junho e agosto de 2015, no MACRS. Propondo um diálogo com Felix Bressan e André Venzon, o artista nos oferecia um incômodo objeto. Acondicionado no interior de uma caixa de acrílico sobre almofadas siliconadas, brancas e aconchegantes, estava um par de óculos com armação dourada. Na sua objetividade funcional, óculos ajudam a ver melhor; os de Krauz, todavia, eram impróprios: quatro agulhas estrategicamente fixadas impossibilitariam seu uso; duas perfurariam as laterais do nariz, as outras duas, os olhos. Dor e ablepsia. Apagamento da cidade e do sujeito são temas caros a André Venzon, que, ao adotar o madeirite fúcsia – usado na construção civil para isolar áreas –, escancara, Carlos Krauz Dispositivo para corrigir paisagens | Device to correct landscapes, 2015

23 KRAUZ, Carlos. Zona Abissal. Fragmento do texto reproduzido no blog do projeto, bem como neste mesmo livro. 287


pelo material e pela cor, paisagens que não vemos, pessoas que não vemos, situações que não vemos – ou que optamos por não ver. Percorremos a cidade, deslocamo-nos por seus espaços, e o que sabemos dela? Que cegueira voluntária é essa? Felix, por sua vez, discute os trânsitos do corpo humano seja com sua pele mais próxima, o vestuário, seja com os objetos. Estranhamento e desconforto perpassam suas obras, e a série Corpo Ausente, problematizando o corpo feminino fetichizado e submetido a padrões sociais e estéticos, é exemplar nisso. Na proporção humana, as esculturas sugerem corpetes, anquinhas e vestidos altamente eróticos e que poderiam, em alguns casos, ser usados. Contudo, as amarras, os parafusos e os ferros adotados não deixam dúvida: só para masoquistas. Algum parentesco com o Dispositivo para corrigir paisagens? 288

Vista da exposição, em primeiro plano a obra de Carlos Krauz e ao fundo obras de Laura Fróes montadas na Galeria Xico Stockinger, MACRS |Gallery view, highlighting the work of Carlos Krauz and in the back, view of the works of Laura Fróes assembled at Galeria Xico Stockinger, MACRS


Desdobrar “Sou meio Macunaíma”, Frantz costuma dizer, entre risos, alundindo à frase “Ai, que preguiça!”, característica do “herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade (1893–1945). Pintor que não pinta, sua obra é constituída a partir dos restos dos outros, em um banquete antropofágico às avessas, fragmentos e refugos, nos quais o artista reconhece algum tipo de fulgor. Apresentando-se no formato tradicional do bastidor ou na sequência das páginas de um livro, sua pintura é sempre o registro de embates travados no seio do ateliê; é, na sua essência, memória. Cerne do processo criativo de Laura Fróes, a memória e suas afeições levam a artista a guardar. De convites de exposição, passando por etiquetas, adesivos, celofanes, embalagens, fragmentos de tecidos, rendas, envelopes, papéis de seda... O procedimento é de um colecionador, regido pelo gosto de preservar e de, a partir do objeto, lembrar. Lembrar do momento em que recolheu determinado artefato, do dia em que recebeu a carta, do amigo que ofereceu o presente. É com esse repertório afetivo, alimentado pelo cotidiano, que a artista desenvolve sua obra, colando, bordando e costurando camada sobre camada, estratos de vivências. A maioria dos trabalhos desenvolvidos por Laura Fróes ao longo das edições do projeto VIS(I)TA trazia a retomada do seu acervo, ou a abertura momentânea de novas coleções de materiais, como nas propostas que exibiu nos ateliês de Laura Fróes Sem título | Untitled, 2011 Vitrine, fragmentos, recortes, fotografias, objetos afetivos | Display, fragments, clippings, photographs, personal objects, 75 x 105 cm

André Venzon e Maria Lucia Cattani. Os seus guardados íntimos, entretanto, sempre tiveram predileção. Em novembro de 2011, no diálogo com Frantz, Laura ordenou sobre uma mapoteca alguns desses materiais, incluindo uma fotografia sua, em formato 289


3X4. O móvel, com suas gavetas, sugeria outros repositórios, ao mesmo tempo em que remetia a uma vitrine, graças ao tampo de vidro colocado sobre os apetrechos exibidos. Quatro anos depois, dessa vez em uma mesa-vitrine, todos os elementos desse mesmo conjunto despontaram sutilmente nas imagens produzidas por um scanner de Raio-X que o amigo Kin Viana fotografou e que Laura, macunaimicamente, assinou. Nem todos objetos eram identificáveis, mas todos estavam ali, de alguma forma: matéria e tempo sobrepostos, como nas pinturas de Frantz. Instalados em aeroportos e em instituições que necessitem de segurança especial, os aparelhos de Raio-X são preparados para captar e registrar, com cores e densidades diferentes, os materiais submetidos à radiação. Em tese, nada lhes escapa e, neles, tudo vira imagem. Tal como em uma vitrine, o monitor desse equipamento oferece a totalidade ou fragmentos do objeto analisado em uma moldura prévia, a dimensão do próprio visor, enquanto os componentes e materiais constitutivos do que está sendo observado se revelam em camadas sobrepostas. Superfície e cor, camada e cor, até mesmo a estrutura de um quadro: se quisermos, como não relacionar essas imagens ao discurso pictórico? Por que não pintura? É uma pergunta que Frantz provavelmente lançaria e que Laura Fróes, de modo intuitivo e perspicaz, respondeu, além de realizar um sonho muito pessoal. Laura – Há vários anos me sentia atraída pelas imagens dos scanners de Raio-X dos aeroportos, a ponto de fazer malabarismos para tentar ver, nos 290

Laura Fróes Sem título | Untitled, 2015 Impressão em papel Velvet | Printing on Velvet paper, 48 x 74 cm


monitores, as imagens “coloridas” das bagagens dos outros passageiros. Na minha cabeça, ficava bolando projetos com diferentes objetos e volumes, que causassem bons efeitos visuais. Até que a “revisita” ao Frantz, com todas as questões do trabalho dele, se mostrou a oportunidade de ir atrás desse antigo plano. Comecei fazendo perguntas técnicas aos operadores da Infraero e aos funcionários da empresa fabricante dos scanners, que fica em Belo Horizonte; também me dediquei a decifrar manuais em inglês, pela Internet. Ao mesmo tempo, pensava na forma de montar os objetos, no suporte que usaria, no modo de capturar a imagem. Mas tudo estava muito vago, pois eu precisava do principal, o scanner. Eis que o irmão de um amigo trabalha no Foro Central de Porto Alegre, onde há um aparelho de Raio-X instalado. Resumo da história: ele pediu autorização ao chefe da segurança, para que eu pudesse fazer uma “experiência de arte” com as máquinas... Foram três dias, três sessões, com os objetos dispostos em três caixas diferentes, até acertar. E a melhor solução, indicada por um técnico, foi fotografar a imagem em alta resolução, diretamente do monitor, com a esteira parada. Assim, o fotógrafo pôde fazer dezenas de registros, com alterações de cores e contrastes. Foi um verdadeiro trabalho de campo, com tentativas e erros; um desafio de elaboração calculada, mas de resultado hipotético, ditado, ao fim, pela tecnoLaura Fróes Sem título | Untitled, 2015 Bordado eletrônico sobre tecido, várias medidas | Electronic embroidery, various measures

logia de uma “máquina do meu desejo”.24 24 Em depoimento à autora, em 19 out. 2015. 291


Sempre eles, os afetos Se as edições do projeto geralmente envolviam a participação especial de um ou outro colaborador, na visita a Vera Chaves Barcellos e Patricio Farías houve um grande investimento coletivo para colocar em prática a ideia do grupo, o primeiro trabalho assinado pelos quatro. Condicionados a realizar o projeto não nos ateliês individuais de Vera e Patricio, mas na nova Reserva Técnica da Fundação Vera Chaves Barcellos, em Viamão, eles se viram trabalhando com três ambientes. Refletindo sobre as limitações e especificidades de tal desafio, bem como sobre as características daquela edição, que contemplava não apenas dois artistas, mas um casal, o grupo decidiu fazer um enlace simbólico, sobrepondo as representações gráficas das plantas baixas dos dois ateliês e transpondo-os de modo imaginário para um terceiro lugar. Enxuta, austera e, ao mesmo tempo, emocionante, a instalação site specific foi concretizada a partir de duas fitas adesivas, em cores diferentes e fixadas sobre o chão, paredes, aberturas e marcos da Reserva Técnica. O mesmo recurso foi adotado na exposição de 2015, no piso das galerias Xico Stockinger e Sotero Cosme, do MACRS. Se, na primeira, estavam os trabalhos do grupo, remetendo aos artistas visitados, na segunda encontravam-se obras desses mesmos artistas, pertencentes, na sua grande maioria, ao acervo do museu. Interligando os espaços, a linha vermelha adesivada no chão, síntese cartográfica do percurso empreendido. Esse “mapa de sentido”, é bom lembrar, participa da construção de território que ele mesmo representa. Ao reconhecerem, nesse desenho, a forma

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de uma pipa, Krauz, Helena, Laura e Wilbert identificaram o que ela tinha de lúdico e prazeroso, mas identificaram também o que tinha de projeto e risco. Ora, para funcionar, a pipa requer tamanho, materiais e medidas apropriadas – em suma, planejamento; para subir, curiosamente, adversidade – e eles enfrentaram várias; para serpentear no céu, com beleza e fluidez, ousadia e segurança de quem a conduz. Mas, fundamental: empinar pipa sozinho não tem graça; é necessário parceria. Afetos. Foram os afetos que uniram Krauz, Helena, Laura e Wilbert, no distante 2005; foram os afetos que nortearam as escolhas dos nove artistas visitados; regaram as conversas preparatórias, os chás, cafés e biscoitos nas 293


tardes de sábado, as risadas empolgadas, as histórias sem fim; foram os afetos que abriram gavetas, mapotecas, expuseram intimidades, proporcionaram novos compartilhamentos; foram os afetos que catalizaram amigos para colaborar na produção e execução de muitas ideias e que levaram, a cada sábado do projeto 3X4 VIS(I)TA, 60, 80, 130 pessoas aos ateliês abertos, gerações se encontrando, trocando, confraternizando. Uma grande e admirável rede de afetos, que poucos conseguem estabelecer. Wilbert – Graças à nossa amizade, que é forte, estamos aqui hoje. A gente já teve motivos para nunca mais se ver. Helena – Olha, a gente já teve vontade de matar uns aos outros [risos]. Wilbert – Mas a gente se gosta muito, a gente tem saudade um do outro, aí dá vontade de fazer tudo de novo, de começar tudo de novo. Por que não?

Paula Ramos é crítica de arte, professora e pesquisadora junto ao Instituto de Artes da UFRGS

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Na entrada da exposição 3X4 VIS(I)TA, junto à Galeria Sotero Cosme, MACRS (jun.2015), esculturas de Gonzaga e desenhos de Roseli Jahn | At the entrance of the exhibition 3X4 VIS(I)TA, at Galeria Sotero Cosme, MACRS (June, 2015)

Vista da exposição, a partir do fundo da Galeria Sotero Cosme | View of the exhibition from the back of Galeria Sotero Cosme

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Destaque para as obras de Patricio Farías, Frantz e Mário Röhnelt | View of Patricio Farías, Frantz and Mário Röhnelt's works

Obras de Frantz, André Venzon, Felix Bressan e Mário Röhnelt | Works by Frantz, André Venzon, Felix Bressan and Mário Röhnelt

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Acima, obra de André Venzon; ao fundo, fragmento da projeção do vídeo de Vera Chaves Barcellos | Above, André Venzon's work; in the back, a partial view of the projected video by Vera Chaves Barcellos

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Ao fundo, vídeo de Vera Chaves Barcellos; ao centro, escultura de Felix Bressan, seguida de pintura de Frantz | In the back, Vera Chaves Barcellos' video; in the front, Felix Bressan's sculpture, next to a Franz's painting

Obras de André Venzon, Frantz e Felix Bressan | André Venzon, Frantz and Felix Bressan's works

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Esculturas de Patricio FarĂ­as e gravuras de Vera Chaves Barcellos, integrantes do acervo do MACRS | Patricio FarĂ­as' sculptures and Vera Chaves Barcellos' videos, part of MACRS collection

Vista da galeria, com destaque para os desenhos de Roseli Jahn | Gallery view, highlighting Roseli Jahn's drawings

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Obras de Maria Lucia Cattani em vĂ­deo e gravura | Video and engraving by Maria Lucia Cattani

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ENGLISH VERSION

3X4 VIS(I)TA Carlos Krauz The 3X4 group, formed by the artists Carlos Krauz, Helena D’Avila, Laura Fróes and Nelson Wilbert, launched the VIS(I)TA project in December 2006 with the aim of organising short-term exhibitions in artists’ studios. These “visits” resulted in the creation and exhibition of works by the 3X4 artists based on discussions with each artist about their work and workspace. The artists were chosen by group consensus, and as soon as the name had been defined we began the invitations. If the artist agreed with the project, we began a series of visits aimed at forming deeper connections. During this time we would define the works to be exhibited in the studio with the approval of each artist and respecting the arrangement of their workspace. As Baravelli said, an artist’s workspace is “their head turned inside out”. So the principal of the artist’s privacy needs to be respected. For the members of the group, this project meant working with different challenges, such as “experiencing” for two or three months a little of the everyday life and cosmology of the artists being visited, or developing our own works during this short period, which in some way would dialogue with the artists, their private space and their work. In the same spirit, it was imagined that a new dialogue would be established after completion of the VIS(I)TAS – of which we didn’t know how many there would be at the time –, which would conclude with a group exhibition of all the visited artists and the 3X4 group, together with a book recording the project. We Initially intended to organise one visit every three months, which would mean working in quite a short timeframe, but perhaps one broad enough to attempt to narrow the sometimes colossal distances that seem to have become part of the activity of the visual artist. These distances concern the fact that we most commonly come into contact with the artist’s work and thought when the work is finished and displayed in an exhibition space. The project therefore proposed an approach that would narrow that distance and reveal the work of each visited artist in an earlier state, setting up a kind of “barter system of subjective production”. So each studio faced us with quite concrete challenges. We knew these challenges had arisen when something “destabilised” us, constantly requiring us to change our points of view, setting us in face-to-face coexistence with the other, with difference. We can only grow through disagreement, which establishes some tension. A good example of this “destabilisation” might lie in the simple act of walking: we are unable to take another step without the risk of removing one foot’s contact with the ground. This fleeting gesture creates a tension and our whole body soon looks for support of the ground to maintain the instability of walking and guaranteeing progress. That same image might also be useful with this publication, presenting the reader with what we understand as a process of subjective and cultural production, and what we hope to achieve with our project during a walk of nine visits.

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THE ESSENCE OF THE IMAGE

PAINTING –TIME AND MATERIAL

Niura Legramante Ribeiro

Ana Maria Albani de Carvalho

The visual approach adopted by Carlos Krauz (Porto Alegre, RS, 1958) in some of his works requires of the viewer an intimate spatial relationship and a kind of visual purification. The formal economy of these compositions involves the artist working with photographs from advertising leaflets, collage and drawing, to produce images that might relate to conditions of bodily comfort, such as chairs, seats, armchairs, tables, beds, cars, pillows, windows, perfume and text. Photo collages explore the use of cutout, juxtaposition, reassembly and intersecting planes of different objects, with added lines removing any excess from the composition. In Flickering II (2008) he removes the legs of a chair to leave just the seat, deforming the source material, loosing the object’s reality and creating a sense of unfamiliarity in the representation, which questions the limits of recognisability. Graphically, the absence of any sense of gestural action in his compositions is accentuated by accurate cutting and a precise finish. A sense of deconstruction and reconstruction also appears in the use of text as well as image: words found on perfume packaging, labels, fields for filling out forms, book covers, car brands, transfer lettering and stickers. Some works retain the appearance and semantics of packaging text, while in others he is only interested in the lettering design and shape. In B R. Sp (2008), the artist retains the text “Radiator Springs, a Happy Place” in the image and adds finely outlined disposable letter “D”s which operate as form rather than as semantic meaning. Sometimes the depicted object corresponds to the text, such as the image of a car accompanied by the phrase “Made in Belgium”; at other times there may be a degree of disconnection between the photograph and text, when associating a car with the words “Eau de Toilette”, for example. This semantic disconnection might also appear in the enigmatic titles of the works, such as O Tango, O Vagalume e A Sirene [The Tango, The Firefly and The Siren] (2007), which according to the artist, “originates from how the image strikes me, not describing a situation but creating a shift, a movement”.1 Krauz explores the different expressive possibilities of delicate straight lines and curves. Starting with a drawing in pencil or transfer lettering, he extracts a line form and selects it as a figure that can be produced in gold or silver self-adhesive vinyl, satin-finish or coloured paper, to create luminosity that requires the viewer’s movement in space to perceive the subtle colour effects created by light falling on the lines. Working with the minimum of formal intervention in space, the artist uses compositional elements as a way of readdressing the traditional way of seeing. His tiny images cannot be dissociated from the large planes of the paper surface on which they are placed, for those spaces are not just the surface of the work but are also a significant element of it. The images explore different spatial placements: sometimes a line may begin at the edges of the plane, sometimes it may be centred or more towards the right, the left or the upper or lower edge. The edge of the plane is valued above the rest of the empty space, but this is an empty space that forms a presence, which is highly semantic. The spatial explorations are not random, but relate instead to an intentionally considered process. Krauz’s work therefore displays great formal economy, devoid of any excess. As he himself states, “[…] excess, high definition, can undermine subjectivity. […] You have to reject that denomination that takes you towards the functional. I want to tell people that much can be seen in small quantities. The less visual information there is, the better for what needs to be said”.2 In these terms the artist recalls the work of Mira Schendel (1919– 1988) and Waltércio Caldas (1946) as key elements that have influenced his career. Carlos Krauz seeks to refine an everyday life laden with visual information, working towards clarity and the essence of the image.

A broad overview of the events and institutions attracting most media attention on the contemporary art scene reveals that they often feature work developed through projects, dematerialised or using technological resources for the exhibition of images – static or moving – and which discusses the role of individual authorship through collaborative projects or interactivity. By diversifying social position and working on projects that emphasise concepts or themes, contemporary artists have also expanded their range of options in terms of technique, procedure and language. An artist today chooses a technical process, language or procedure – for example photography, video, installation or even drawing or painting – which seems the “most suitable” for expressing or conveying the idea of the work, which is by and large founded on a structure that is theoretical, conceptual or at least planned. To present oneself as a painter in this setting, as someone who uses canvas, brushes and paint, seems to require that the artist explain the reasons for using a language and technique that demand at least some considerable investment in time for mastering the craft. In addition to the courage needed to take up physical engagement with the white canvas, the painter is required to recognise a history and heritage of both formal research and of a repertoire of imagery imposed on contemporary critical discussion as a barrier that is not easily overcome. Historically, artists who concerned themselves with printmaking, drawing or sculpture played a key part in the process of establishing a Brazilian art founded on modern aesthetic concepts. If we look at the avant-garde work of the 1960s and 1970s, on the other hand, we will see recurrent use of photography and other technical processes for producing images. Within the confines of this essay, this short preamble briefly indicates the complex position of painting on the contemporary scene. If the traditional forms and themes are no longer available, “[…] choosing direct engagement with the world (painting landscape and not repainting the tradition of landscape), means finding out, at the core of traditional painting techniques, whether the world is still there to be painted”.1 No. The world is no longer available. Nothing is available to be revealed to sight, to the light of truth. Yet painting continues through this adversity. For more than 25 years of visual arts practice, much of Helena d´Avila’s work has been firmly anchored in the realm of painting. Consistent and coherent pictorial investigations have been constant features, from the works with layers of gesso in the 1990s to the large canvases of the 2000s. Helena d´Avila’s painting is linked to an approach adopted among young artists in the 1980s and which continued throughout the 1990s and beyond, dominated by painted gesture as a result of physical engagement with the surface of the canvas. This process of painting might be triggered by a photograph, for her generally a photograph of some commonplace scene, landscape or figure, which holds some personal meaning. Its selection as the starting point for painting, however, is more for its composition potential that for its subject matter or imagery. This procedure of using an image as starting point can be seen in the paintings made between 2012 and 2015. Initial markings on the canvas are followed by additional layers, producing – from the spectator’s viewpoint – a play between recognition and concealment. As Jacques Aumont, claims “[...] whether it is narrative or less so, all painting comes up against an impossibility: portraying time”.2 The successive application of layers of paint in Helena d´Avila’s process of covering/discovering the surface of the canvas and its initial

Niura Legramante Ribeiro is an art critic, lecturer and researcher at UFRGS Instituto de Artes 1 Artist’s statement to the author, January 23, 2009. 2 Idem.

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1 MAMMÍ, Lorenzo. O que resta: Arte e Crítica de Arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 189. 2 AUMONT, Jacques. O Olho Interminável [cinema e pintura]. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. p. 81


markings seem to disrupt the viewer’s gaze. This disruption is caused by the simultaneous perception of these layers of paint as layers of time. The ambiguity derives from the objective knowledge that a painting is an object in space not in time. But perception fluctuates in the interval between the mark and the interrupted figure. More than the possibility of employing some definition of time or memory, we are experiencing a sensation of time and memory as we concentrate on the planes of colour – blues, reds – or the gestural black lines defining zones on the picture plane, without necessarily stating a particular illusion of depth. The eye travels the picture surface, sinks into it and then emerges again and floats. It is not an image that can simply be “read” intellectually, since the painting was produced guided by sensation. And since that was how it was produced, sensation seems to be the best way of perceiving it. The sensation of light and colour. The sensation of passing time. But none of that can avoid the experience of the materiality of paint, diluted in some parts, more dense in others, or the expression generated by the gesture of marking the canvas. Standing in front of the painting has to be an experience taken up fully by the viewer. The here and now, as a threshold we should be in no haste to cross. Ana Maria Albani de Carvalho is an art critic, lecturer and researcher at UFRGS Instituto de Artes

THE BEGINNING – DRAWING AND PAINTING Maria Margarita Santi Kremer Learning how to draw and paint is like learning how to look. Laura Fróes began to draw at an early age. The drawings were transformed into perception and thought in images, the beginning of a language all of its own, with syntax and grammar and the delicacy and elegance of teaching us how to think with the eyes. Accurate study of the human figure came naturally, independently and in its own way before her academic studies at the UFRGS Instituto de Artes. As a student, the use of paint joined forces with other drawing elements. Transparent washes on paper served as a setting and background for spatial relationships between forms that began to become part of her repertoire of images: unlikely landscapes, inverted skies and horizons, clouds, water, hearts, flowers, crowns, cornucopia, gilt and gateways. She would soon abandon those large surfaces of transparent paint and replace them with coloured synthetic fur, foam and printed fabric, “choosing support material that connected better with the objects making up the work”.1 Selecting different surfaces to form dialogues with a wide range of objects, she skillfully decides which media to choose for the best form, which will contain the required content of what she wants to say. Collections The artist’s collections/repositories involve everyday objects removed from their utilitarian purposes to be repositioned and interrelated: transfers, stickers, little cuttings of felt, leather, lace, plastic flowers, figures from art history, rabbit-paw key-rings, trinkets, pieces of haberdashery, products from 1.99 stores are repositioned using collage and sewing. Quick procedures, together with the reflection that we are inundated with cheaply produced objects, change the relationships of importance between making new objects and selecting from those that already exist. Selection of the readymade is a refined choice and the result of the symbolic charge of attachment and fascination suggested by each object and its use for a purpose that really matters. The need for poetry and aesthetic appreciation of women’s everyday lives Embroidered love, attached love, love in circles. Being a housewife, singing the song of the mermaid, caring for love, arranging the home, laying the table, making the bed. Attached love, compositions and re-compositions, caring for children, singing, sadness, sequins. Washing up, drying the dishes, washing the clothes, hanging out the laundry, drying, folding, putting away. Buying, consuming, cooking, paying bills, working for the daily bread. Work in the home that is repeated every day, the permanent toil of an imposed routine, with no other option. Exhaustion leaves nothing but to confront it with the making of some poetic discourse, with silences and subtleties. Cushions and labels The first cushions began to appear in her installation for the Plano B project, which included a set of six cushions/objects laden with meaning and feeling and symbols of the feminine. After these there was a piece made from the print of an old tee-shirt that she had printed for a boyfriend, with the image of a mermaid seated on rocks, originally a picture on hardboard bought from the Public Market. The mermaid cushion introduced a hiatus that led to a five-year break before the appearance of the first cushion made with clothing labels (labels with cleaning codes and care instructions that many people remove to avoid irritation) in 2004. Those little symbols of domestic toil became attractive items because of their colours and different sequences rather than for their meanings – consumer society has its own rules and those embroidered labels indicating fabric quality are being replaced by disposable ones. The need to retain those artefacts on the 1 ALFONSO, Luciano. Artes Plásticas, anos 90. In: Porto&Vírgula, Ano III, nº 22, Aug. 1995.

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verge of extinction led the artist to increase the scale and quality of her label collection. In January 2005 she mobilised friends and acquaintances, collecting material from people’s homes or receiving donations from those willing to cut them out. This even involved an action during the World Social Forum when, with scissors in hand, she directly approached passers by at the Porto Alegre Quayside Warehouses, asking them to donate the labels on the clothes they were wearing. This three-day task, with no particular aim, involved searching for the item hidden in collars, waistbands, the buttons of jeans and led some participants to remove their clothes and turn them inside out to help. The collection of an anonymous, industrial, serial object, stimulating discussion about its unknown, illegible signs on that occasion was part of the action/moment and then became an artistic/aesthetic object. The series of label cushions produced as a result of this action was included in the 3x4 group’s first exhibition, 3X4 Construindo a Identidade, at the Galeria Xico Stockinger in the Casa de Cultura Mario Quintana in Porto Alegre in June 2005. Incomplete projects or those yet to exist So many plans and ideas arise prior to the materialisation of projects, some of which fail due to the obstacles of execution, others for more prosaic reasons (lack of funds, lack of time, lack of perseverance or procrastination faced with the possibility of never achieving them). One of these was kindled by a new machine for painting fingernails with computer-generated images, uniting technology with art history. I took part in that experiment. Laura invited me to provide one of the hands to be adorned with images from art history of women in front of mirrors. Images by Rubens, Klimt and Lichtenstein were chosen from an infinite number of possibilities. The artist Marina Camargo also took part. When the day of the experiment arrived, my fingers were bleeding from so much nail biting that they needed urgent attention. The machine printed iconic images of female introspection and vanity directly onto my impressive plastic nails, which were then photographed. The mirror is a recurrent feature of Laura’s work. I also recall my green cushion embroidered with the word “mirror” in cursive script, which she gave me at a time in my life when I least wanted to see myself in the mirror… Recommencement and revelation Having only taken part in the 3x4 Vis(i)ta projects between 2006 and 2012, in October 2012 Laura Fróes would mark her return to work with the solo exhibition Corte-Dobra – at the Casa de Cultura Mario Quintana, as part of the 2° Prêmio IEAvi (Instituto Estadual de Artes Visuais) award. Her involvement in this took the form of a laboratory: a place for bringing together divergent parts, fragile and partial items, and researching ways for joining, separating and combining them. Laura looked at the forms, lines and scenes in five large-scale paper works from the 1990s that had since been rolled up on top of her wardrobe and were consequently in a poor state of conservation. These produced material in new formats of 22 x 22 cm, cut out with a knife, as a kind of recycling and re-editing. The remains of the paper were carefully folded at the end of the process, without any prior purpose, but these works led to identification of the common thread of making and its connection with the past. Time. The group exhibition Tempo que se mostra, at Atelier Jabutipê in 2014, was a step towards the revelations of 2015, which led to a more established approach and a new routine in the studio space. While there is a permanent search for the individual self and the artist self, recognition and appreciation of many possible deaths during the process of deconstruction and construction of the self are also necessary for perceiving new subjectivities. Revelation is also death of the self, and its rebirth. While the artist proposes to destroy and reconstruct her work, she paradoxically does not abandon the encounter with the new and seeks to reveal it, within and without. Maria Margarita Santi Kremer is an artist , teacher, art researcher and consultant for cultural and educational projects

THE POETICS OF NELSON WILBERT Paulo Gomes Reflection on an artist’s creative practice can involve critical analysis of the work’s desired goals and the means employed, or an immersion in the world of its creation. This creative practice is what we call its poetics, that is, the work produced by the artist and his mental and material world, which is what is studied by historians, theorists and art critics. The poetics is concerned with the material means and the finished work, while the poiesis is concerned with process. It prioritises a view of the creator, the artist, who is no more sensitive than any other human being, but whose difference lies in the way that thought is turned into action, concerned with the voluntary and involuntary dynamic movements connected to the work being produced.1 We are living at a time in which the dominant form of creative thinking requires no artistic craftsmanship (recalling Marcel Duchamp’s The Fountain, whose centenary falls in 2017); in a period in which artists have the authority to determine and decide what art is, regardless of their technical or formal qualification. Those artists who create with their hands, them being painters, printmakers, draughtsmen/women or sculptors, continue as authors who apparently reject such discussion. For them it is the excellence of invention, the superiority of form and the appropriate combination of both in pursuit of the best expression that are important, not through obvious praise of mastery of the metier, but because these artists, living discreetly through their own period, keep the long tradition of western art alive and update it every day for their contemporaries. Their works continue to echo and reverberate artistic activity as an achievement that civilises, as a construction of human intelligence and man’s ability to overcome his animal condition. The poetics and poiesis of Nelson Wilbert’s work are various, marked by a restless, experimental nature, different directions of approach and a wide range of means and ends. Consideration of Wilbert’s paintings will allow immersion in his poetics. There is nothing arbitrary or random about choosing to look at his paintings; in fact it is natural, since his career is founded on the question of painting as means and end. Through the paintings we can recognise his contemporary nature, his persistence, his reality and realism, his evolution as artist and fabbro. Nelson Wilbert’s work is characterised by an insoluble integration of apparently incompatible elements: procedures such as citation; operational concepts like camouflaging; the idea of art and decoration as inseparable; successive and contrasting stylistic movements, such as classicism, the baroque, romanticism, postimpressionism, fauvism, postmodernism; artists like Leonardo da Vinci (1452–1519), Giuseppe Arcimboldo (1527–1593), Jean-Auguste Dominique Ingres (1780–1867), William Morris (1834–1896), Vincent van Gogh (1853– 1890), Roy Lichtenstein (1923–1997), Andy Warhol (1928–1987); the graphic versus the painterly; surface versus depth... Such a mixture of elements might suggest a division in his work and consequently in his creative coherence. But I do not accept superficial analysis of form as a sign of divergence in the artist’s visual and poetic practice; on the contrary, this apparent fragmentation reveals an unavoidable consistency, achieved through the constant efforts of investigation and synthesis that run through his career. A chronological approach to works exhibited at four different periods of his career will consider the emergence of these issues and problems and their respective responses. His earliest painting exhibition was simply titled Pinturas (Galeria Iberê Camargo, Porto Alegre, 1996). It featured paintings with clear forms, superimpositions, deletions, syncopation, cuts and selections in a vibrant but still traditional palette. Formally, it was of the fashion of its time (the 1990s): large surfaces, with areas revealing part of the process (a kind of fascination for the sketchy, the unfinished, and something hinted at), characteristic of the painting of the period, in which revelation of the process of painting is a way of strengthening 1 PASSERON, René. Da estética à poiética. Porto Arte, Porto Alegre, v.8, nº 15, p. 103-116, Nov. 1997.

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the presence of the artist as maker. Drawing predominates, in that it contains the significant forms of the work, that is, the figures and objects. The figures are painted in the traditional manner, with colour modulation to indicate volume and skin texture. The other parts – clothing, objects and background – are treated more simply, as mere indication. The figures seem deconstructed, multiplied and divided into lines indicating their profiles, shadows shifting from stable forms and the image itself unfolding and repeating. The paintings are dominated by the human form, characters from art history rather than mere figures, their identities coming from Leonardo da Vinci and Jean-Auguste Dominique Ingres. The keynote of these paintings is the portrait: not in terms of identity or psychology, as history. So the main character of these paintings is art history and its imagery, no less. It is citation painting in the best tradition of the 1990s, anchored in legitimising (through citation) the tradition and permanence of making by hand. One thing supports the other and both in their discourse underpin the legitimacy of the painting of the period. The paining of the 1990s was characterised by informality and an apparent break with the rules of good painting. Unstable surfaces and materials predominated at the expense of manual craft skills, which apparently invalidated painting as an end. Wilbert’s paintings reveal extreme care with the process: professionally made stretchers, well stretched canvases, a taut painting surface, a predominance of drawing rather than gesture, controlled use of colour, different surface treatments: the figures are carefully modeled, so as not to lose their identities as “characters” from art history, the objects (chairs) are shapes, nothing more. The backgrounds, when there are any, are pictorially open, functioning just as background (not walls, skies, or panels, they are simply nothing). The next exhibition was titled Intersecção (Bolsa de Arte, Porto Alegre, 2004), which, as I wrote at the time “[..] involves a kind of mixing (as in musical mixes, a term the artist likes to use): a basis in art (the key images of western art), superimposition of cultural references (the artist’s biography, references to other artists etc.) and a handmade finish (the artist himself painting)”.2 This is the foundation of a procedural idea that will remain central to the artist’s work: camouflage. The series of works in this exhibition is based on the principle of creating an image that is generated out of coexistence with others, as a way of accumulating information that ranges from simple overlapping to juxtaposition, producing a third thing. Emulation becomes explicit homage in this exhibition, through a series of images copied from Vincent Van Gogh. Monochromatic paintings concerned with recognition of forms as drawing rather than recognition of images. It is a kind of betrayal of Van Gogh, since colour, the key element in the public’s recognition of his work (Van Gogh’s yellows!), is absent. Expressionistic, dramatic and emotional colour gives way to the constructive process of form: small, juxtaposed brushstrokes in different directions and inclinations, like some large brush drawings. As this is an emulation of Van Gogh, there is a range of subject matter: landscapes, self-portraits, interiors, still lifes, in which the painting procedure determines the result absolutely. This is not pure painting but instead a way of creating images through painting that uses extra-pictorial manual procedures which in turn are the very reason for the work. Then there was the exhibition of portraits, Espelhos (Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006). Portraits of people, not personalities. It was an exhibition apparently disconnected from the artist’s usual procedure and which visibly broke with the distancing and control of his previous practice. These portraits, commissioned works (regardless of their intended purpose), were produced between 2001 and 2005, and clearly demonstrate a phase of great pictorial experimentation. Experiments with modes of composition (full figure, three-quarter length, head); arrangement: sometimes centred, sometimes off-centre; various ways of composing the background, with intense gestural impasto and scraping; producing surfaces – skin and hair – from the more delicate and naturalistic to almost suppression of verisimilitude, through the coarseness of the paint layer; using colours inconceivable for portraits (!), such as white backgrounds and contrasting dark shapes, dark shapes on indistinct dark backgrounds, saturated colour, etc. Everything pointed to a huge 2 Intersecção. Catálogo de exposição. Porto Alegre: Bolsa de Arte, 2004.

laboratory of experiment, a time for trying things out, of exhausting possibilities, of draining all expectations. There was nothing unremarkable about this exhibition; indeed it was fundamental, for after Espelhos, Wilbert’s career would focus more specifically on his own questions. As for the symbolic significance of painting portraits, apart from the obvious issue of the reflection of the artist in the image of the other, Maria Margarita Santi Kremer wrote: “Identification is this time an experience of feeling, analysis of relationships with women and with painting. It is an exhibition of portraits that celebrates neither personality nor painter, but instead what is most precious to him, the possibilities of human relationships and actions”.3 The fourth of these exhibitions, titled Remix (Bolsa de Arte, Porto Alegre, 2011), is a synthesis of results. As the artist Carlos Kraus wrote for the introduction to the show, the works involve “[…] a marriage between key images from the history of painting and formal pattern. This marriage largely occurs in two ways. […] One involves capturing and manipulating the image digitally, and the other its transfer to the canvas through painting. […]This consists of ‘marrying’ images and formal patterns by overlapping them through masterful use of digital transparency and colour-filter programmes.”4 This series of works involves citations of images, (by Leonardo and Ingres), citation of image and way of working, as in Lichtenstein, citation and use of printed pattern by Morris, the serial forms of Warhol, and painting procedures on paper and canvas. Synthesis is therefore total: [1] through use of the concept of camouflage, as an idea that seems to question meanings in the production of theoretical work that is repeated throughout its whole development. It plays a key role in the work, providing direction, a common thread to investigations that repeat in different phases, sometimes through inversion and sometimes through multiple developments. This idea always has a functional purpose, helping to clarify the statement. Here, camouflage involves overlapping different layers of visual information until it is saturated and a new image is created; [2] through extensive use of citation from the world of art, both as operational concept and as structural procedure, in an exhaustive reference to the world of high culture as a way of maintaining tradition and legitimising its permanence; [3] in the permanence of the painterly as means and end of his plastic expression. This play of forms of construction, developed amidst issues of style, subject matter and media, reaffirms the distinctive characteristics of Nelson Wilbert’s career. Firstly there is his commitment to the project of being a full-time artist, with which he has persevered despite difficulties and setbacks, which is rare among artists of his generation (who mainly turn to other activities for earning a living). As a result, we can list his guiding principles as: [1] the practice of painting as a principle, as means of expression and the purpose of his poetics; [2] flexibility of approach, which allows him to make autonomous experiments; [3] unconditional love for art and its tradition; [4] appreciation of the studio as a privileged place for work and space for invention. These characteristics, associated with the principle of respect for technique and faith in his aims, have guaranteed him prominence among the artists of his generation. It is important to stress that this description of his creative process remains true to the principle that the work cannot be reduced to discourse: it is not a matter of explaining how it has been made (this can be learned through detailed analysis of the works), but rather of understanding what has been made and why. Paulo Gomes is an visual artist, lecturer and researcher at UFRGS Instituto de Artes

3 Espelhos. Exhibition catalogue. Porto Alegre: Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, 2006. 4 Remix. Exhibition catalogue. Porto Alegre: Bolsa de Arte, 2011.

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THE FIRST EXHIBITION Susana Rangel Children and artists pretend that a sketch, an object, a fragment, a thought is transformed into something else. Children and adults alike continue to shift the established order of the world, sharing similar ways of thinking, in the sense that both suggest simulacra, or pretend that one thing is something else. For various reasons, at a particular time in their childhood, most adults abandon their endless process of developing creative statements. For other reasons, some adults continue in their pursuit of changing the meaning of things, insisting on transforming the ordinary into the extraordinary, the commonplace into the unusual. Playing with the everyday, with history, with myth, with thoughts. The 3x4 exhibition presents 3 different periods in the careers of 4 artists who continue to de-territorialise objects and images and cause us to think about what they are showing us. The markers of time they have chosen are the drawings of childhood, their student days at the UFRGS Instituto de Artes, and their current work. But rather than chronological division, these three periods were chosen as being significant for each of them: childhood as a time that left its mark on their discovery of expressive language; student days when the four met and when they decided to become artists; and finally their current visual investigations. 3 times, 4 artists, 4 individual careers, 4 identities defined by images. It was during childhood that Helena made her coloured-pencil drawings of Fogueira de São João [St John’s day Bonfire} and Casinha com menina [House with girl]; when Laura made her marker-pen Loja de roupas [Clothes store]; Krauz made his coloured-pencil O vampire [The vampire] and Wilbert painted his gouache Paisagem espelhada [Reflected landscape]. These childhood works show the different worlds of each artist and the visual solutions employed to shape their perceptions of the world. Each in their own way makes their mark. They record themselves. Bonfire, clothing store, vampire, sun. Their individual ways of seeing and the images the four made in their childhood reveal their creative approaches, their games of pretending to be children. The 1990s (in) (trans) formation. When art becomes a lifestyle choice, a conscious craft. Maybe it is an affirmation of a desire begun in childhood. The 4 meeting, attachments, exchanges, discoveries, experience, knowledge, wisdom. 4 different identities manifest themselves in making and thinking about art. Let’s pretend becomes serious work, yet retains the playfulness of transformation and the urge to seek the unusual. Wilbert’s Papel de bala continues the idea of reverberation of the image, as if one image were the reflection of another, yet playing with the belief that a reflected image is an identical reproduction of its referent. Laura uses a variety of materials to make the collage A gruta [The grotto], inverting our commonly held idea of light and depth in relation to the hollows in rocks. Helena paints bones on a blue surface that suggests a cross. The viewer is left to pose questions and possible answers to these elements. Krauz cuts the outline of a marbled-paper circle and transforms it into a strand moved to the surface and thus plane is converted into volume. With a minimal gesture of cutting into the edge, the surface acquires another entity. Krauz continues investigating line and the space it creates today, using different sizes of sewing needles, thread and magnets to dialogue with the exhibition space. The intervention in the space invites viewers to perceive it in another way, perhaps, expanding our ways of seeing hitherto unnoticeable details, such as the needles “frozen” in the air to form invisible lines, directing our eyes to other points in the space, in this case making the non-existent exist. Laura makes objects using images of clothes she wore in the 1990s, images which for her and for us are a kind of emotive-visual emblem of a period. In addition to those images, Laura also collects clothing labels and reassembles them into other objects. In a way this work gives visibility to what is hidden, calling attention to something ignored. The labels shared intimately with our bodies migrate to the surface to play their own role. The internal takes the place of the external. A game of inside and outside. 312

Wilbert looks for references in works of art to tell another history of ourselves and our relationships with the world, in a subtle narrative using two images of Adam. The duplication of Adam, as a possible reflection of himself, seeks to destabilise the meaning we have constructed for this myth, for when we think of Adam, we remember Eve. In this painting Wilbert changes the official story, causing us to think about the myths constructed and established in our society. Helena assembles artificial flowers to make little gardens. This series of gardens reminds us of the Corpus Christ floral carpets in Brazil, or of the colourful landscapes of contemporary cemeteries without headstones, just bouquets of plastic flowers in a green field. These flowerbeds can also be heard as the chorus of a song by the Titãs: Plastic flowers don’t die. Flowers that when rearranged create infinite chains of meanings. Pretending that flowers are… pretending that this can be that. The 3x4 exhibition, an encounter between Carlos Krauz, Helena d’Avila, Wilbert and Laura Fróes at three stages of their lives, is not a retrospective, but instead aims to make a kind of archaeological study in which the 4 follow their footsteps, tracks, trails, traces, as clues to understanding how they became artists. A question: what were we – what are we? Rather than providing an objective answer, the exhibition questions us: where does the desire to become an artist come from, and how is it sustained? Susana Rangel is a researcher and professor in the field of Art and Childhood at FACED/UFRGS and at Amarelo Van Gogh: Educação e Arte.


Roseli Jahn

VIS(I)TAS AND DIVERSIONS Carlos Krauz

Roseli Jahn (Porto Alegre, RS, 1951) works amidst books, objects, white crockery and drawings in many forms and surfaces. But more important are the flowers and foliage: lilies, bromeliads, clusia, magnolia and ribbon bush thrive in the well-lit setting, exuding perfume, lightness, harmony and serenity. The flowers, lush and fresh, provide the leitmotiv for the artist, who begins with acute observation of their shapes to explore their fluidity and elegance through the use of a precise, sensual line. The same source material is drawn over and over again, obsessively, until achieving a synthesis, or as she herself puts it “[…] line in apparent immateriality, conveying fluidity, balance and lightness and generating different levels of planes that can be experienced – creating and recreating dialogues with the viewer, and it is precisely in that dialogue that I seek to trigger an experience that can offer a delicate and profound harmony”.1 Roseli Jahn taught generations of artists while on the teaching staff the Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Instituto de Artes from 1977 to 2004, where she ran several courses in Drawing. Graduating from the same institution in 1975, having studied with teachers such as Dorothea Vergara (1923) and Alice Soares (1917–2005) and been especially influenced by the latter, she was also an assistant to Ado Malagoli (1906–1994) and at the start of her career worked as restorer in the collections of Santa Casa de Misericórdia and the Museu de Arte do Rio Grando do Sul (MARGS). In 1995, she received the Diploma in Further Studies in the History, Theory and Practice of Art from the University of Human Sciences in Strasbourg, France, with a thesis titled Do espaço e da intenção do desenho [On space and intention in drawing]. Her work is permanently focused on those aspects of space and intention in drawing. Although her work is based on observation, Roseli Jahn is interested less in the naturalistic representation of the object than in the formal developments arising out of that intense investigation. This leads to work in which delicate lines overlap more intense ones, to suggest not just rhythm and movement but also an amalgamation of planes and transparencies; it also causes a geometric flattening of three-dimensional structures. Working on the borderline between figuration and abstraction, her delicate drawing emerges both organically and schematically; both whispering and concise. Considering drawing in a broader sense, Roseli Jahn has extended her practice into the field of design, producing jewellery, objects in glass, surface pattern and making objects based on the juxtaposition of white porcelain dishes, pots and bowls. Those table lamps and vases echo the elements that surround her: plants, flowers, crockery, all traditionally related to the world of women, which the artist returns to in a subtly contemporary approach. Roseli Jahn’s creative practice is based on the sensitive scrutiny of everyday objects and nature, their forms and rhythms, inviting the viewer purely and simply to stop, look and enjoy.

1 JAHN, Roseli. In: Roseli Jahn por Roseli Jahn. Available at http://www.roselijahn. com/sobre. Accessed March 2015.

Continuing the activities of the 3X4 Group, this edition – unlike the first exhibition, called 3X4 construindo a identidade, held in the Galeria Xico Stockinger in 2005 – introduces an approach that is different in two ways. One relates to the duration and scale of the event, and the other to the type of space being used. In this same spirit we have chosen to write these words as a way of introducing ourselves a little more and outlining our ideas in an attempt to address this new profile. We should emphasise that while in the previous edition we spent a year between the proposal and the exhibition itself, this time we are spending two years, since at the same time we were already planning this second event. We did not know then what format it would take. And during our meetings we decided not to do a “long” exhibition like the first one, but instead a different type of action, lasting at the most one day, or if necessary part of day. After much discussion, we came to the conclusion that if we wanted to give some kind of connection to our actions with this type of format, rather than hold an exhibition in a gallery or an institution we should instead hold it in a studio, and not necessarily the studio of any of the artists in the group, formed of Helena d’Avila, Laura Fróes, Nelson Wilbert and Carlos Krauz. The first artist we approached with this idea was Roseli Jahn. But where would we find the link that would connect us to this restless, polyvalent and generous artist? The first aspect would obviously be that the artist had taught us at the Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes in the 1990s. The other was Roseli’s immediate and enthusiastic response to the invitation to do a “VIS(I) TA” [visit/view] at her studio. But something else concerned us. And that related to the choice of using a studio and not a “normal” exhibition space. Approaches to this concern developed during our initial meetings, which took place with the artist in her studio from the middle of September. One of the preliminary responses was that unlike an exhibition space, which is generally somewhere where we present “results”, the studio is a kind of factory; a place of trial and error; and in it and sometimes with it the answers to our concerns are transformed into endless new questions. Why do we make things and continue to do so? Or: whom are our investigations directed to? Is that the nature of our “factory”? But saying that the studio space is a factory of questions is already an answer and also says little about the complex task of the production of knowledge through subjectivity. In our discussions with Roseli we agreed that the studio space is not just that external space, but it is also the one that we carry with us; our mind. As Baravelli says in a documentary “[…] the studio space is our head turned inside out.” This might be a chance of getting to know that space that is normally an intimate part of the artist, allowing us to infect it during this temporary permeability. I think that the image of Baravelli’s provided food for thought throughout our meetings and discussion, and the “(dis)harmony of discussions”, which seemed more like a friendly meeting, allowed us to realise that what brought us together as a group with Roseli Jahn is respect and recognition of individualities. Those individualities are intrinsically related to the different convictions and views of the world established (or relativized) in each of us. And that possibility can be seen when we enter into debate, for we appear exposed in the face of crisis; it contains the doubt and error that allows us to take further steps. But in addition to these answers(?) we need to ask the artist herself: What does the studio mean to you? Roseli did not hesitate to say that for her the studio is an anchor. In other words the works and ideas can begin inside, but they don’t have to. A work might start in the house, “transfer” to the studio and finish on a carpenter’s bench. So Roseli Jahn’s works, ideas and concerns do not just come from inside that white cube – the artist’s studio is a high-ceilinged white cube. The image she uses of an anchor to refer to her studio seems very appropriate to her spirit as an artist and designer. The anchor, as a symbol of hope, guarantees a firm holding for her workspace, not its 313


permanence. It is a symbol of hope and, we might also say, of drifting and wandering. We came to the conclusion during our conversations and “diversions” that the choice of the studio space fitted very well with what we were looking for, that is, not so much a search for results but for trial and error. These two components are essential to subjective production and inalienably present in the murmurings from inside the studio space, which we would be stepping away from if we were to choose a “normal” exhibition space. So the discussion that the work of each one of us will establish with the artist will be based on the characteristics of her space/anchor of her work in progress; on the presence of the monochrome or black lines of her drawing that often float over the white surface of the paper or canvas, or at other times are sandwiched in her work with glazed materials and whose drawings bring to mind the world of vegetation. So on the one hand our proposals include leaving some traces as a legacy of our visit/view, as an evocation and/or presence of colour as a basis for inquiry, and who knows? insertion into her work, and, on the other hand, “taking away” a little of “her” lines with us, to align other profitable encounters. But we have to emphasise that by choosing an event of “short” duration we are aware of working “against time” and that we are guided by that. Which is what provided food for thought in our discussions with Roseli and her work, and particularly in developing our own works in a dialogue with her work and/or space. By working “against time” we are also aware that we are acting on the tenuous boundary between visit and invasion; loss and error; trial and doubt…

DRIVE (-) IN PROGRESS Carlos Krauz What interests me about the title is that idea of “DRIVE-IN”, which for North Americans is a place where you park your car to watch a movie outdoors. It is precisely that idea of “stopping or parking to view” that lies behind the name for this work, since the minimum that one can expect of the viewer is that they stop and look; shifting from movement or to (con)centrate on the act of looking. The choice of tracing paper and white Japanese paper, each with their own translucency, is related to stopping and concentrating attention, since the wall behind them is also white. One aspect that might first attract attention is the fact that these sheets of paper move in the breeze because they are so light. That oscillation is due to the strips of paper “hanging” in the colour of the foil paper. So a subtle reflection “washes” the upper part of these sheets. It is a way of managing to attract attention – despite being almost hidden on the wall – even though flooded by the shadow of a lamp and appearing through the faintly coloured light of their own body. The work consists of 7 sheets of paper, each 6.4 centimetres wide by 32.4 centimetres long, according to the following specifications: 6 sheets of tracing paper 1 sheet of Japanese paper 7 pieces of coloured foil paper folded into an L-shape

OVERLAYING LIMITS Helena d’Avila Upon completing a painting course, I became familiar with the world of painting techniques, such as watercolors. Its overlap of diluted layers of acrylic paint exists as part of a process that has permeated my work for a long time. Purposely very diluted with water, this translucent paint allowed me to color the canvas as if I were "washing" it. This way of painting later brought me to work with videos, especially the ones with overlapping images that remind me of watercolor drawings, as well as the gesture and the randomness that have always been part of my repertoire of creation. Deeply involved with paints, I could not realize the real necessity of a clearly defined line until the day I recognized it in Roseli Jahn's drawings. When I compared the lines in her drawings to the stains on the paintings I create, I felt the need to experience a new technique - using this line that comes from observation, imagination and reasoning. It was as if I needed a mathematical feature in my works because I perceived that in my paintings one color acted as the limit of the other. Even saying that a painting, in its essence, is a combination of colors, I did not put an end to the discussion about line. In Roseli Jahn's works I observe many drawn lines forming an interconnected tangle of details – in which color is practically absent – but interestingly enough they are still considered paintings. From this discussion between lines and stains as well as drawings and paintings, some questions emerged. Joining our perceptions about the limits, Roseli and I decided to try an overlap of our works. With an overhead projector, I used photos of nature and some of my paintings to generate new layers of images on a Roseli Jahn's painting. Over the delicate lines that form complex floral motifs, a slight film of colored light was superimposed. It completely bathed the surface with color and naturally provoked and revealed new limits. In contrast, I could see the result of my painting added to the lines of the white background screen on which it was projected. I could see a new pictorial universe of linear shapes incorporated in my work. It represented an exchange of experiences, an overlapping of universes and a possibility of influences. 314


LANDSCAPE OF GLASS AND ADHESIVE TAPE

by changes in proximity and angle. Remaining parts are simply reflected in their correct sequence. But there are also parts that are ignored or rejected and do not appear in any of the fragments – “remaining in the shade”.

Laura Fróes

The photographic record In the broken mirror I look at myself and record what I see. A whole made up of parts. A cluster of parts that make sense. The photographed reflection is the real image, formed, deformed or transformed. Photos of images that are close to how I think of myself. Images in which I see myself in parts without losing awareness of those that are hidden. Moving oneself in the attempt to see oneself is effective and even necessary, but probably because my daily activity involves painting, my gaze is only content with an image that does not move.

I found a place to work in the small corridor at the top of the stairs leading to the studio, being the only one to work “outside” the room. I concentrated on the shape and luminosity of a stained-glass window high in the wall, depicting a swan on a pond surrounded by vegetation and a schematic sunset or sunrise. The idea involved extending the metal outlines in the stained glass by hand cutting adhesive vinyl in similar colours to the starting point. The result was a free drawing running has high as possible from the skirting board, considering the very high ceiling of that corridor.

BROKEN MIRROR Nelson Wilbert I look for myself in an image. Looking at myself frontally in the mirror I only see a part of me. To recognise myself I look for a familiar angle and pleasing appearance. But the encounter in the mirror is not enough to recognise myself. So what would need to be reflected to find an image closer to what I think I am? The first step for this image involved positioning myself in front of more mirrors pointed at me. Fixed at different heights and angles, these “answered me” with a wide range of images. So that I could see myself in all the mirrors, I looked for a centre – a specific position from where I could see parts of myself in each one. I achieved other viewing angles. Different reflections of parts of me. Except the movement of my gaze fragmented the totality of the image. Different parts became reflected in the “mosaic” of mirrors, but seeing them as a single image was impossible. Moving oneself in the attempt to see oneself is effective and even necessary, but probably because my daily activity involves painting, my gaze is only content with an image that does not move. Changing direction With those results, but as yet without much success, I continued intuitively and broke the mirror. Like most broken mirrors, it might have been an accident. But having now completed my first year of psychotherapy, I can no longer ignore the unconscious. Still looking for different reflected parts, I needed more than one mirror, but pursuit of the single image made me go backwards. Unlike mosaic, adding together parts to construct or reconstruct a totality, the broken mirror now divides the reflection of everything that existed. Congruence with Roseli Jahn The impact produced an almost spontaneous, natural drawing. The force applied radiates a collision path outward, creating a centre or just indicating a beginning, a gesture. The web of cracks is a unique, inimitable drawing. The drawing is a record of the impact A new vision The impact produces a new image reflected in the mirrored surface, allowing (or causing) a new vision. The broken mirror looses its flat surface – each fragment becomes independent and at a slightly different angle, thus changing direction in relation to what is being reflected. A map of “reflecting islands” defined by cracks. A web of shards containing parts of me in disarray. The real image is reflected unequally. Some reflected parts of this image might appear more than once, in some fragments of the mirror. Other parts might be deformed: change in shape is caused 315


Felix Bressan

THE (DE)CONQUEST OF THE EXTENSION Carlos Krauz

Felix Bressan (Caxias do Sul, RS, 1964) is a sculptor, stage designer and teacher. Much of his work explores relationships with the unfamiliar, governed largely by the body and human proportions. A descendent of the tradition of Duchamp, the artist appropriates mass-produced objects, dismantles and reassembles them inserting other elements to suggest unexpected relationships. Everyday objects such as seats, chairs, brooms, cutlery, typewriters, and tools such as rakes, scythes, and spades, and even sanitary ware such as basins and bidets: there seem to be no limits A similar abundance can be seen in the techniques employed, insertion, bending, casting, modelling with polyester resin and recently 3D printing. This sequence of decomposition, deformation and reassembly allows the artist to create objects that have been transfigured, with powerful forms and meanings. Based largely on industrialised products, his sculptures might seem impersonal and distant, yet the connections with the human body at the core of his creative practice prevent this. During his youth Felix worked at the Eltobres industrial modelling school belonging to his family in Caxias do Sul, where he learned such skills as observation, measurement and representation of the female form. That background can be seen in the Corpo ausente, [Absent body] series begun during his master’s course in Visual Poetics as part of the UFRGS Visual Arts Postgraduate Programme in the 1990s. Their human proportions and confrontational presentation to the spectator suggest discomfort. The sculptures relate to women’s bodies, not through representation of the body itself but through the clothing that covers them. So there is a duality between what is seen and what is imagined, between the empty and the full. The allusion to corsets and skirts, used to outline but also to imprison movement, reinforces a recurring sense of submission, fetish and inflicted pain in the artist’s work. Investigating techniques and materials, Felix Bressan dismantles objects, but also inserts materials such as leather, wood, latex, plastic, rubber, iron, resin and screws in a mixture of procedures, consistencies and textures. Suspended, projecting from the walls or standing on the ground, his sculptures can be light or heavy, flexible or rigid, but are always imbued with an admirable sense of balance and dynamics that are both structural and suggested by the forms, which fit together, overlap and mirror each other to create a unique visual rhythm. These aspects, allied to their inflection, power and connotations, make contact with his work into an experience that is, if not transformative, at least disturbing.

After our visit to Roseli Jahn’s studio, we have returned to visit another artist in their workspace. This time it is Felix Bressan. He lives at the same address that some years ago was the home of GRAVOSNKI “Artist painter”, as we can read on the plaque on the door. The Bressan family has been careful to restore the building, retaining as many of its original features as possible. And the main reason we chose it was because we all respect his work and were contemporaries at the UFRGS Instituto de Artes in the late 1980s. First contact involved arranging an initial visit to the studio to begin our discussions with him and his wife Cristina (since we well know that when one doesn’t want to, two won’t do it???) and to familiarise ourselves with his workspace. During these initial meetings we raised the same question we had asked of the first artist: What does the studio space mean to you? At first there was no spoken answer, since we were meeting in the artist’s home. But that seemed to be what led him to take us to his workspace. On arrival, Bressan showed us where he currently produces most of his work, a small room that he calls the “extension” almost at the end of the garden. Then he took us to the ground floor of his studio, a two-storey building next door. According to Felix, “[…] the studio transformed itself into a kind of repository for my works and those in progress”. So the ground floor contains the workshop and a large part of the “collection” of works in progress, and the upper floor contains completed works, sharing the space with furniture and objects like bicycles and other domestic items that provide materials included in the artist’s works. But Bressan confided (time has passed now Felix, so it’s no longer confidential!) that many of those objects got in the way and made it hard to look at the works in progress. And that led us to think of “the space encompassed by the artist’s gesture”1 What are the limits of the gesture? Can we control it? How far does the space take on its own life and at times impose itself as an autonomous body that rejects any kind of change? Could the artist’s gesture when making the work always encompass and control the space, or would the space also become another challenge and work to be confronted? This drew our attention to an aspect related to the act of production: the completed works begin to acquire their own lives, hindering or preventing our action in the workspace. This private life of the works, particularly three-dimensional ones like Bressan’s, seems to highlight that difficulty. That was how we found his studio: in a state of impasse. In other words, the artist considers the “population” of finished works and decides the fate of those in progress, or that “population” wins and the artist is literally driven away. There has to be some negotiation with the space. Concerned with offering space for our work to converse with his own, Felix set about rearranging the studio, always in discussion and negotiation with us. And in the light of this we promised Bressan that, if he wished, we would help with reorganising the space to make it more fluid, storing works in little-used spaces, such as in the air, and windows that didn’t open to the outside, for example. Which is how it developed during the following meetings. We set ourselves to work on Saturdays, or sometimes on a public holiday, throughout the month of June, so that there would not just be space in the studio for the works that we would make – because that would be contrary to the idea of our project – but that there would also be a re-conquest of the space for the host artist. So the work of each member of the group provided a small part of that re-conquest. We thank the Bressan family for allowing us to disturb them on several consecutive Saturdays, and promise that’s where it stops!

1 MÈREDIEU, Florence de. Histoire matérielle et immatérielle de l’art moderne. Paris: Bordas, 1994, p. 327.

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LESSONS FROM THE ABYSS

MISCELLANY

Carlos Krauz

Laura Fróes

The idea for this work came from the first visit to Felix Bressan’s studio, when I noticed the arrangement of electricity power points in the yard between the house and the studio. On the walls of both buildings there are power points topped by a “little roof tile”, sloping 135º, 12 cm wide and 2 cm deep. These are commonly termed “pingadeiras” and are used to protect the power point from the rain. When I saw them I soon had the idea of placing little figures, whose size and movement would transform them into edges, trapezes, cliffs, precipices and chasms, changing those protective structures into places of risk, threat… of hurling headfirst into the “void”. Due to the difficulty of finding suitable figures in the marketplace, particularly of the size I was looking for, I decided to make them from modelling clay around a metal armature. The largest piece, the conductor, is no bigger than 10 cm tall. Fond memories of artists: Caspar David Friedrich and Yves Klein.

During the intervention at Felix Bressan’s studio we were surprised to find a space filled from floor to ceiling with furniture, objects, completed sculptures, sculptures in progress or even abandoned, and all kinds of materials used by our host. I caught sight of an old provisions chest. Opening the drawers, I came across an extensive stock of odds and ends and useful items for the sculptor, who had transformed the drawers from their original use: sanding tools, pieces of steel springs, screws, sheets of metal, wire, rubber, plastic, fabrics, hooks and clasps. Forming a dialogue of collections I arranged the drawers in a play of different states: open, half-open, closed, inverted, leaving some of Felix’s things where they were and adding a considerable amount of my own. Pieces of leather, felt, cut-out tetrapak colour codes, clothing labels indicating wash and care instructions, mirrors, images and objects, were also placed in that cabinet which should have been labelled with the types of food once stored there.

AN INTERNAL SCENE

SKIRTING BOARD

Helena d´Avila

Nelson Wilbert

We began our “conversations” with Felix Bressan in a studio that was almost impassable, a huge setting of forms both sensual and heavy. In order to make it accessible for the public and for our visit, we intervened to organise the accumulated material with the same brute force contained in the artist’s work. But apart from its physical power, we also particularly noticed its subtlety; real mechanisms of connections, his works suggested a body and related to animal force. I felt a deep respect for the form of his beautiful sculptures – part machine, part organic. Bressan’s work grows out of scrap iron or an elaborate combination of leather, metals and resin right next to the huge range of raw material piled up in the studio. Ingenious, delicate artworks emerge from an agitated heart in the city centre. A simple script of passing life develops based on a busy street corner in the same city. A fixed, permanently focused camera recording impatient motorists frenetically sounding their horns for a few minutes amidst the bustle of people in the afternoon. Whether or not there are similarities, I can see that Felix’s work is inspired by reality. I believe that we are directly influenced by the place where our work is conceived; it must ultimately have some relevance in what we create. Art is fed by our experiences, so our repertoire is also formed from our memories. Incessant activity and noise are part of the routine of someone with a studio in the city centre, and are brought inside through projection, a window of lights, camera and action. Even though it was imaginary, creating a link between Felix Bressan’s studio and the busy street corner, revealing the mechanisms of urban life, was a deeply transformative experience. I think that in my next video works, or in any other language used later, this opportunity led me to reflect on the reasons behind the Vis(i)tas project. Contact with this work, through its sudden invasion by the project, led me more than anything to look into myself.

This is the second edition of the Vis(i)ta project. Now we are carrying with us memories of the studio and linear work of Roseli Jahn. Maybe it’s a coincidence, but I start my discussion with Felix Bressan looking at the lines in one of his sculptures. Converging lines. Between the lines… The line of the sculptor I come across approximately equal pieces of what was once a spade. No longer a tool, the utilitarian object has been destroyed by the artist and then recreated. Connections link the parts together, allowing empty spaces that favour a new format. Retracing the line’s path, interestingly this sculptor draws. 1 Is seeing drawing? It would be hard to assert it as drawing without a record. But a path is created when we look at an object. Felix produces a sculpture with the parts of a chosen object, proposing a new design based on his imagination. Using line, he offers us a path. As we look at the work we retrace that path in inverse proportion to recognising the “original” object, which might be a hoe or a spade. In a way, the viewer is also drawing. Forcing convergence Assessing my perception – and already outlining my plans – I started drawing on a mosaic outside. Looking at the carpet of cement tiles that runs between the house and the studio, I see “between the lines” on the horizontal surface. I imagine constructing another mosaic alongside, “mirroring” what interests me: the line. Which is how I arrived at the material for my work at Bressan’s studio: decorated tiles. These used items can be found at places selling demolition materials, and established the first relationship with this space for making art, which also involves a sense of preservation, not just indicated by its historical heritage, but also by the new owners. Selection was partly intuitive. Decorated items in a good state of repair, others less so, and also the simplest and most com1 Recalling Rodin: the famous sculptor who drew the human figure by marking the paper without taking his eyes off the model. His drawings captured the movement of the figure but were more essentially the record of the artist’s gaze.

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monly used in the city’s buildings. Mixing them up, I collected a variety of patterns, colours and qualities, and also wanted to recycle material that was apparently of little interest. At the vertex Felix says, “[…] the simple tracing of a line defines a new space.” So, tracing a new direction, I wanted a work that was temporary. A work that subtly “clothed” the space. In doubt – between wall and floor – I found the skirting board to be an ideal space for drawing my line. Linearly arranged pairs of mirrored tiles meet along part of the studio perimeter. The one against the wall leans on the one on the ground, forming an angle of approximately 90º. Laterally juxtaposed pairs create a sequence, with a vertex line at the meeting between the vertical plane and the horizontal.

Gonzaga Luiz Gonzaga Mello Gomes, or simply Gonzaga, was born in 1940 in the town of Júlio de Castilhos in northwestern Rio Grande do Sul. He spent much of his childhood at his mother’s Batú farm in the town of Tupanciretã, where he visited the countryside, watching the flow of the Rio Ijuizinho and learning to love nature. In the woodlands and by the riverside he would collect stones, seeds and sticks to make his own toys. Years later, these same elements would feature in the conceptual change in direction of his extensive and internationally recognised sculptural production. Graduating from the Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Instituto de Artes in 1966 and attending the studio of Christina Balbão (1917–2007), Gonzaga soon entered academic life. From 1969 to 1985 he taught Ceramics at the Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Centro de Artes e Letras, where he founded the Creativity Laboratory. From 1978 to 1980 he was awarded a study grant to attend the Escuela Superior de Bellas Artes San Fernando in Madrid, Spain, returning to become a lecturer at the UFRGS Instituto de Artes, where he worked for eleven years between 1985 and 1996. Gonzaga’s early works, mainly painting, drawing and tapestry, sometimes show the influence of Marc Chagall (1887–1985) or the compositions of Pablo Picasso (1881–1973), but from the mid 1980s he finds his own voice and begins to develop his works with a very particular signature. Observing nature and the human figure, he begins to connect and suggest formal and symbolic relationships between these two fields. The inside of bean pod might suggest a torso, while the woody husks of the jacaranda might suggest the female vulva, and thorns hint at male genitalia. He began to use polyester resin to produce sculptures in human proportions that suggest bodies permeated by plant forms and the force of nature. Here we can make out the textures of seeds, allusions to leaves and fruit and to the flow of water, which are all explicit characteristics of his monumental series Xingu (1990), shown at the 21st São Paulo International Biennial in 1991. For the French critic Pierre Restany (1930–2003), one of the creators of the Nouveau Réalisme, “[...] it is in the cosmic poetics of fertilisation that nature retains the mystery of life. This fundamental magic is the basis for the artist’s sculptural expression of elements of profound nature, in a formal language that is neither descriptive nor metaphorical, but instead emblematic and symbolic”.1 A key aspect of Gonzaga’s work is his use of colour, an element that immediately affects our feelings and which is traditionally connected with two-dimensional work, in particular painting. Exuberant blues, greens, lilacs and reds, taken from flowers and insects, animate the surfaces of Gonzaga’s sculptures. Their irresistible appeal attracts not just the eyes but also other senses, almost as synaesthesis. His work forms a dialogue with drawing as well as painting in wall panels such as A sagração da primavera (1999), produced for the Ana Rosa metro station in São Paulo, or the As fases do dia group (2002), set outside the great hall in the UFRGS Reitoria. Gonzaga’s glorification of the exuberance of nature produces work that transcends the visible.

1 RESTANY, Pierre. Gonzaga e o naturalismo integral. In: Gonzaga. Porto Alegre: Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, 2002, p. 35.

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MALVA AND CHIMERAS Carlos Krauz Dear friends: “Here we all are”, as Adoniran Barbosa would say, to continue with our Vis(i)tas Project, this time at Avenida América 130 in the Floresta district. On a Saturday as the cold season is turning into spring, the winter persists outside while we are warmly welcomed to the house-studio of Luís Gonzaga Mello Gomes. Our discussions initially relate to the weather and the temperature (for as the teacher Christina Balbão once told me, Porto Alegre is one of the few places where the weather and the temperature are key topics of conversation). Meanwhile the artist’s maid, Dona Nilza, prepares coffee to add to and clarify the ideas, and we hope, to help reduce digression, such as the one in parentheses above, and any explanations of digression, such as these lines here. When the coffee arrives the discussion turns to politics, teaching and art production. Then, after much pleasant chatting, we watch a documentary video about the artist, with the advantage and privilege of being in the home and in the presence of the subject of the film. Pauses and discussion continue and then Gonzaga takes us to his studio, already thinking of an answer to our classic question: What does the studio space mean to you? Gonzaga replies that the studio “[…] is where you can do anything. Entering the studio is complete immersion. When you go inside it, everything seems to have a different relevance.” But on the way to the studio we enter a kind of outdoor anteroom that provides access to his workspace. On one of the walls of this anteroom is a broad, tall hedge, together with plants whose leaves sometimes become the subject of Gonzaga’s studies and artworks. These plants share the space with several of his works in bronze. Sometimes oxidised by the air, these works seem to mimic the dark vegetation and “creep up the wall”, creating a chromatic contact between his work and that passage “habitat” connecting the house with the studio. Inside the workspace we can see shelves of large-format sculptural pieces from his collection of completed moulds or those in progress. The way they are organised suggests volumes of books on a library shelf. And certainly that word – volume – is quite significant in the artist’s work, since the completed works involve moulds not just as means but also as source, appreciating their dual or ambiguous characteristics as records of recession or projection. The artist develops his work in the presence of these inherent characteristics of the making of moulds, using a positive form to present it in negative. In some cases there are male and female forms, which dialogue with positive forms on the same base, as in his work titled Os sons na floresta, em certos momentos, nº 1 [The sounds of the forest at certain moments nº1]. These moulds also suggest the presence and absence of the body; they can raise questions about our understanding of “full” and “empty”; of life and death. Some involve protruding forms that project into space and others recede to form negatives. With this projection and recession, produced either by form or by the choice of a reduced palette of a mixture of dull and bright colours, his work might suggest some kind of fruit, offering multiple inversions – as if the artist were relentlessly materialising the “opposite of the opposite of the opposite”, as Caetano Veloso might sing. Seeing those shelves of huge moulds when entering Gonzaga’s studio, I was reminded of an exhibition of large woodcuts by the printmaker Maria Bonomi (Meina, Italy, 1935) in the Hotel Plaza São Rafael Art gallery some years ago, here in Porto Alegre. The exhibition included the blocks used to make them. And while being astonished by the “gigantic” scale of the blocks I became aware that they were not just the source or origin of the images, but were also works in themselves. It became impossible not to see them as sculptures, and behind those sculptures not to sense the artist’s physical involvement in both preparing the wooden planks and inking them for printing on a large sheet of paper. Perhaps the idea of the block, or matrix, as a key feature of printmaking, can be associated here with the plaster form and moulds

in Gonzaga’s work, for in some way they form a body in negative or the verso of the body to be replicated. The mould produces the empty space awaiting the casting resin or other material, so that the artist can “waft a body” into its voids. It seems as if Gonzaga’s work and memory operates in these voids, whether the work materialises in the form of animal, vegetable or mineral, or even “prophesying” a chimera, by modelling these three realms in one single body.1

1 The term modelling is used widely by the critic Eugênia Gorini Esmeraldo and by Pierre Restany in the catalogue to Gonzaga’s major exhibition at the Museu de Arte do Rio Grande do Sul in 2002. Use of this term seems most appropriate, since care and attention to hand making is inherent to Gonzaga’s working process.

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THE ZONE OF THE ABYSS Carlos Krauz Ingmar Bergman in Fanny and Alexander

“Everything can happen. Everything is possible and probable. Time and space do not exist. On a flimsy framework of reality, the imagination spins, weaving new patterns “.1 The work consists of six quartz clocks whose hour and second hands have oriented magnets. These magnets frustrate the second hand’s “attempts” to move forward, stopping the clock and time. The endless attempts of the second hand to move forward are frustrated by the approach of a magnetic field with both the hour and second hand having the same polarity. When these polarities “threaten” to meet each other, the magnetic field pushes the second hand backwards. Zone of the Abyss metaphorically addresses the craft of the sculptor: the hands stand for the hammer and the magnetic field created by the magnets represents the material. Sometimes this material is hostile, characterised by the strong beating of the hand against the magnetic field; and sometimes it is “soft” and almost imperceptible, when the second hand meets the magnetic field and slips backwards a quarter of a minute… endlessly. The material here is invisible… but present.

NATURAL INTERVENTION Helena d´Avila We spent some very pleasant days in the company of the artist and teacher Luís Gonzaga de Mello Gomes, known to all as "Gonzaga”, listening to his relaxed telling of richly detailed stories on Saturday afternoons. With a special view towards nature, Gonzaga lives in a house-studio, full of vegetation and art, produced by himself and by others. Nature is collected alongside his works. Roots and tree trunks are also art objects, or simply natural sculptures. Nature is sacred to him, and like his art, it deserves an altar. Between the house and the studio, an imposing ivy-covered wall attracted my attention. I “grafted” in artificial flowers, used previously to produce the work I called Canteiros [Flowerbeds] in 2005, which was mounted on the ground recalling the carpets and processions of Corpus Christi or as Susana Rangel said., “[…] contemporary cemeteries, without headstones, just bouquets of plastic flowers in green field...”. The ivy-covered wall at Gonzaga’s studio became a garden for me during the visit. Except that this time it was vertical. Designed with plastic flowers, I set up my altar in a contrast between the natural and the artificial.

EXPANDED TAPESTRY Laura Fróes I photographed details of a tapestry designed by Gonzaga. The photographs were reproduced on transparent adhesive vinyl and fixed in several places in the house, such as the glass door to the dining 1 From the Dream play, by the Swedish author August Strindberg (1849–1912), at the end of the film Fanny and Alexander, directed in 1978 by Ingmar Bergman (1918–2007).

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room and quite close to the tapestry itself, which is hung vertically. The same tapestry was the source for images that I transferred to the studio floor in front of the worktables. Finally I transferred other details to the glass doors of a metal cabinet set into the wall, as a kind of showcase of the artist’s precious objects in the room where Gonzaga displays some of his work. I directed the existing lighting to include my intervention, exploring reflections and the shadows of objects I often use in my work displayed on glass surfaces and forming a dialogue with the new images suggested by the overlapping and juxtaposed adhesive images.

BODY-WINDOW Nelson Wilbert As the visits take place I begin to feel that I want to set what I am doing to one side, to create new content based on what I find in the artist’s workspace. Although that is what I want, I admit that my ability to “shuffle the cards” is quite hesitant, and I am obliged continue with explanations to validate my interventions. I believe that some progress has been made with this idea, since at the first exhibition in Roseli Jahn’s studio, it seemed that the work would not change if it were removed from the space. And that is what happened, for the work was included in another exhibition on a second occasion. With the visit to Felix Bressan’s studio, even being able to show the work in another place, that versatility would not occur without some loss or substantial change of content, given that I could not move the doors or windows, and even less the floor and wall in that studio, since they were the arguments that “supported” the work. Now at Gonzaga’s and looking at the artist’s sculptures, I immediately looked for a possible dialogue with my intervention in that physical space. In addition to the more comfortable area of the house, I could see his need to collect references to his travels and years spent living outside Brazil. During the discussions I ask if he had ever visited a pyramid, for I could see a strong reference to the Egyptians in his sculptures, particularly to mortuary chambers and sarcophagi.1 He replied that he had also demonstrated that he had positively taken up these references. This encouraged me to make a piece of work that established a relationship with the artist and his own work based on my questions about life and, more specifically, death. These questions led me to use a mirror, photographs of my own body and photographs of the window to a storage space next to the artist’s studio, which is where my work was placed. The entry of natural light through the holes in the bricks forming the wall separating the inside of this little room from the outside, reminds me of woven fabric. This kind of “hollow wall” makes the passage of light more dramatic, which is essential for the creation and installation of this work. In Gonzaga’s studio, I found several plaster moulds for his sculptures, including one which seemed to show a reference to sarcophagi. Once again, I considered using it in my temporary exhibition space, with his permission of course, which he granted, adding, “Be very careful Wilbert!” So “very carefully” I am raising questions to which I admit I have not yet found an answer: is death the end? While still a child – and aware that life ends – I imagined that despite being a brutal interruption death was also a journey; I didn’t know where to. But what really interested me was believing in reunion with those I feared so much to lose. When the body breaks down is it really an opening to something else? Now I know even less about this, since the little certainties of my childhood have given way to doubt. 1 Sarcophagus (from the Greek, σαρκοφαγος - sarx = flesh, phagein = to eat) literally means “flesh-eater”. A kind of stone coffin containing the, generally mummified, body for burial. Used in Ancient Egypt


André Venzon

RED LANDSCAPE – SIDING WOOD Carlos Krauz

A pink cube, little more than 30 cm high, made from timber and plywood. With this the face is erased, identity is erased. When André Venzon (Porto Alegre, RS, 1976), in partnership with Igor Sperotto (Porto Alegre, RS, 1969), began the series titled Cidade sem face [Faceless city] (2005), photographing residents of Porto Alegre with the rose-coloured box on their heads, the idea was to reflect not just on the invisibility of the subjects but also on the invisibility of the city, or at least some regions of it. Something of that aspect is suggested by the chosen material, used in the building industry as hoardings for sealing off areas and removing any evidence of them, while the colour suggests something else. This paradoxical element extended to the people photographed. A Visual Arts graduate from the Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Instituto de Artes (2005), having also studied Architecture and Urbanism at the same institution, Venzon bases his work on relations between the urban, the body and identity. Much of its stimulus comes from the district where he was born and grew up, and still has a studio today: the Floresta neighbourhood in the North Zone of Porto Alegre. The former 4th District was previously the city’s manufacturing centre in the 19th and first half of the 20th century, with a mixture of industrial, residential and retail premises. The main thoroughfare of Rua Voluntários da Pátria was known the “Caminho Novo”, around which the neighbourhoods of Navegantes, Floresta, São Geraldo and Humaitá developed. Once a wealthy area, it later experienced decades of decay and neglect as its identity became linked with vandalism and prostitution. As the main access to Porto Alegre by land, river and air, it contains dozens of nightclubs and bars, together with the church and route of the city’s biggest religious festival, in honour of Nossa Senhora dos Navegantes. This dual identity and compromise has always attracted Venzon, who often explores aspects of the sacred and the profane, abundance and lack, the explicit and the suggested, in a creative practice has developed out of immersion in this history and this setting. He says, “[…] I want to question, through the relationship of art and places, how we can create artistic strategies for maintaining a collective memory or, observing the architectural assets of great cities, what can be done to combat the huge amnesia that afflicts urban life and blinds us from the world of things. Urban design can be seen in my work as a conceptual framework, as a way of discovering and reading the city through its strongest images “.1 Photographically recording his movement through the city, documenting blocked entrances, buildings hidden behind hoardings or even people in a state of social exclusion, he collects fragments of signage, messages and advertisements from the street, producing montages made from disposable printed material, objects bought in flea markets, mirrors and glitter; or using architectural fragments to suggest lost places, destroyed buildings and debased memories. Working with intervention, photography, models and objects and using an approach that is dry and austere or exploring the excesses of kitsch, Andre Venzon speaks of belonging: city, subject and their various forms of attachment.

1 VENZON, André. Sobre boates. Available at www.andrevenzon.com.br/texto_andre; accessed in March. 2015.

At this point, I am on a bus of the company Santo Anjo da Guarda in my weekly return from Florianópolis to Porto Alegre. Sunk in the seat after two hours and a half journey, I have not slept at all. To stay awake, I took massive doses of pen, paper and ... some fiction. The soft night gently touches the other side of the window of this moving house. I hear the noise from the vacuum produced by the trucks on the road and I see their moving headlights coming from the opposite direction. This disturbing appearance of the landscape seen through the tinted windows is framed by the "lightning" of the storm to the south, indicating a long journey. In front of this melancholic, blank sheet of paper beneath this hypnotic fluctuating reading lamp above my head, I picture myself on the 29th of March 2008, beginning of the fall and the end of the rainy season. On that cloudy Saturday, we went to the studio of the artist André Venzon. On the way, I realized that we had already passed through the avenue Cristóvão Colombo and had turned on the street Ramiro Barcelos. From that point, we turned right once again on Voluntários da Pátria avenue and then to the same direction on Câncio Gomes street. We drove another hundred meters around the block and finally arrived at the artist’s studio, at 126 Leopoldo Fróes street. It is a building in which there is a car repair shop with a generous facade. However, what we did not expect was that to get to the artist's studio, we would have to walk a long way through that space that, a few years ago, used to be a warehouse of a famous company. The building has a typical industrial architecture, with large ceilings and wooden beams supporting the roof and natural light and air coming from its spacious high ceiling. Among cars, hydraulic jacks, compressors, hoses and many digressions, Venzon, ceremoniously, stops walking to slide a gigantic and dark iron door, which silently starts to open by making use of a hydraulic system. What we see on the other side is a small open air space that leads to his studio, located on the right side. We walked across and soon arrived at his studio, which we noticed to be in an attached building. It is located between a high wall and a wall of folding type windows, through which one can see inside the car repair shop from André’s studio. It seems to me that the white wooden structure supporting the roof of the car repair shop seen through the windows becomes more evident. Perhaps this is because these structures are designed as zigzags, with its typical supports, advances and retreats of the beams, from which some fluorescent lamps are arranged horizontally. After a long walk, we arrived in the studio and were served some coffee, at which point we realized that the studio reproduces, in a lesser extent, the same physical characteristics found in the car repair shop, as if it were a miniature model. The first indication of that similarity is the metal structure which holds up the roof of his studio. Those metal beams, although much thinner, have the same constructive design found in the "original" building. Fresh air and natural light are also present. After a brief observation of those physical characteristics, we noted that the artist keeps his studio organized, from his brushes to the files catalogued on a shelf in the back of his workplace. This organization also includes the disposition of his works, which are along the walls, suspended from the roof as well as stored in a special cabinet. Among his artworks, those that made him known in the artistic field drew our attention. They are prepared using siding wood, commonly known as fence wood. Venzon prepares his "boxes" by extracting the strange color of this specific material. One of them, suspended from the ceiling, draws our attention immediately. It looks like a "cubic" shell that works as a geometric helmet. Therefore, whoever is wearing the helmet can only look down, being limited to see only the tips of their own feet. To uncover the horizon or the sky is a fiction. And from this idea, we can suppose that the artist could be talking about a hori321


zon that is pushed by the daily metropolitan life, which can harm our ability of having an eye-to-eye interaction. Accordingly, looking forward or around is an arduous task that we can only achieve if we take off the "helmet" or lie on the floor to spy what happens outside. We can realize that what strikes us in such circumstances are the distorted sound and the sharpening of our other senses. This runs the risk of being blocked or stuck, because we live in big cities with a sensation of fear in our daily lives. Since the helmet is suspended, the only way to wear it is when standing up. This "helmet" recalls a passage from Book 10 of The Republic, by Plato. In this passage, Plato talks about men trapped in a cave, from where they can only see shadows that "move" on the walls. For those who are trapped inside, the shadows of people are interpreted as actual people; they only see the shadows and do not even consider that they are not real beings, but only projections, because the light behind them is also ignored by them. But our conversation with André returns to its course. Afterwards, the artist let us know that he started using those boxes in his work in the period of graduation at the Art Institute of the Federal University of Rio Grande do Sul. And this use of boxes in his artistic production, in a way, is linked to his memories of being in his father's car repair shop, in which wooden boxes were used to store car parts. "At that time, I used to dismount these boxes to produce my first projects". Something relevant to emphasize is that André Venzon, like many other artists, had studied Architecture and Urbanism for a short period of time. From this experience, the artist inherited the habit of making miniature models. Venzon draws our attention, however, to the fact that his models are always much larger than usual. In his words: "I needed to concretely experience the space to design and after that I could take it to its real perspectival representation. In other words: First of all, I must always physically experience the space". At this moment, another artist comes to my mind. He had also studied architecture, and some of his works were made of siding wood. This artist is Carlos Fajardo. He used this material in some of his works, especially in the one named Ao cubo, in which he does not build boxes, as Venzon does, but an inclined wall, creating a division in the exhibition space. This wall, from floor to ceiling, meets the concrete, which makes the artist fabricate delicate contours in the siding wood, adapting to each advance and retreat of the ceiling and pipes, which are part of that exhibition space. To the artificial color of the siding wood, Fajardo adds a globe made with lianas, which reminds us of images of the Earth seen from the Moon. This becomes like a nest, which is suspended by steel cables in various points of the exhibition space. This "gravitation" of this organic globe establishes another cut because of the contrast to that stained wood background. This contrast is seen because of the design of the globe, which allows us to see through it the surrounding space. But the wall behind it "works" as a restless screen for our eyes. In other words, the globe attracts us because of its spherical and graphical shape, gravitating in front of a flat and polytonal background, which is the siding wood, but at the same time, the siding wood disperses our view because of its wine-tonal diversity. This diversity of tones disguises the wood, making it seem artificial, purposely hiding it from its origin; taking it far away from its nature; making it appear a rich pictorial surface. We witness in Ao cubo, the coexistence of two variations belonging to the same kingdom, but certainly not to the same "nature". And this difference in nature is underscored by the fact that the globe works as a sponge, attracting our eyes, while the polytonal wall of the siding wood disperses the look, destabilizing our walk inside that exhibition space due to its inclination. Focusing again on André Venzon’s work, particularly Tesoura do antigo DEPRC, we got to know that it had also been exhibited in a suspended form through which one could see the room, just as it happened with the globe of the artist from São Paulo discussed above. Venzon’s work, however, reproduces those existing beams supporting the roofs of the warehouses at the pier of Porto Alegre. The constructive procedure of this work, using siding woods, screws, spring washers and hinges highlights the intimacy and interaction of the artist with materials, tools and accessories that have been around him since childhood. It also shows his concerns to design and assemble 322

his artworks in a way to facilitate its disassembly and transportation. This work, as well as several others of his production, is a tribute to the city and, more particularly, to Navegantes and Marcílio Dias neighborhoods, which have close contact with the Lake Guaíba and, more specifically, with the pier. We observed that, due to the particular color of the siding wood, this work contrasts with the dark supporting structures of the warehouses’ roof. His work takes advantage of those formal structures, subverting their function. In this case, his work is not the supporting structure, but instead his work is supported by the beams of the roof of those warehouses. Thus, both the color and the suspended aspect give this place a ghostly vibe, because a few years ago, the "life" of those stores was characterized by an intense movement of goods and people from around the world. In other words, this kind of place, characterized by ephemeral permanence of people and goods, was a perfect place to exchange things of diverse origins, shapes and backgrounds. Exhibited in the current context of abandoned warehouses - or new functions and occupations for which they are intended - his work makes us think about the rumors and desires left there by people who passed by, lived, worked ...This work also takes us back to the beginning of this text, when we referred to the physical characteristics of the artist's studio and car repair shop, particularly the presence of the beams which support the roof. This constant presence perhaps today can lead us to interpret the Tesoura do antigo DEPRC as being a tribute to the city but also to the artist's own childhood, since he spent time with his father in his business when he was young and probably had the space internalized. Certainly, the fact that they might have to leave the space helped even more in this internalization process and prior nostalgia. Well, it's six thirty in the morning and I am still on the Santo Anjo bus. And before waking up, I can see myself passing by the warehouses of the pier of Porto Alegre... entering the bus station ... paper, pen and fiction in my pocket ... At this moment, I fall into bed… exhausted! See you at the next station!


NINFEIAS

URBAN REFLECTIONS

Carlos Krauz

Laura Fróes

“The eye sees, the memory resees and the imagination transees. “

In the the visit to André Venzon, I put into practice the use of a material that I have been interested in for a long time, which is used in the daily city traffic and it was brought up by the location of our fourth visit - a specialized car repair shop. This material used is called "reflective strips”, which are mandatory on the side and the rear of vehicles such as trucks and buses. The symmetrical division of the rectangular plates in two colors - red and white - reminded me of a game of dominoes. Different patterns are formed each time, depending on the type of play and configuration of the pieces. I put the plates on a wooden table placed on trestles at Venzon's studio, a unique space inside the vast car repair shop where cars are suspended or partially dismantled. I slightly altered each plate using a variety of colorful, metallic and fluorescent identification tags and adhesive labels, found in stationary stores. They were not repeated as it happens with the usual symbols of dominoes, which need to be equal. Instead, just one unique element represented the union or the idea for the next plate to continue the sequence. In the exhibition space, a game of light enhanced the effect of the reflective, metalized and prismatic material, according to the movement and position of the visitors.

Manoel de Barros in the movie A Janela da Alma 1 In one of the late nights, before the choice and assembly of Ninfeias work for this stage of the “Projeto Visita,” I suddenly saw these lamps, each consisting of four LEDs of different colors in an endless alternation between on and off. When I saw them arranged on the floor of my studio, I had an impulse that made me see that, despite several attempts to use other materials with them, they seem to demand certain loneliness. This loneliness could only be shared in the assembly, with its stubborn companion ... the fog. Thus, it is possible to color the night with these nine lamps whose chromatic pulse, crumbled by the fog, would be very similar to a type of flower, called ninféia (water lilies), which opens its petals around 6pm, giving off an apricot odor that attracts pollinating beetles that are trapped inside, and closes them around 9 am. This pulse and odor are here manifested by the fog with its tonal and atmospheric variations, which transform the ambiance of the car repair shop and its “untouched tools.” To Goethe, particularly in O jogo das nuvens, and to Claude Monet2.

OSICRAN Nelson Wilbert

WATERCOLOR ROAD MOVIE Helena d´Avila André Venzon’s studio was next to his father’s mechanics workshop, a huge building in the Navegantes district of Porto Alegre. Venzon worked in one of the rooms in the garage, and in that high-ceilinged setting of trucks, machinery, mechanics working and the smell of diesel I felt as if I were in a road movie. At that time I made a seven-hour journey to Santa Catarina. I always take a camcorder when I travel, and on that occasion it was no different. I recorded the route there and back. Then, on the day of the VISITA, the two videos were projected so that they would intersect in the space. I added a soundtrack of Rave music, because the studio space seemed to me the sort of place for such an event. I made no changes to the lighting and worked in daylight with the overlapping images, which I felt established some relationship with my painting, with its diluted colours and images in various layers of wash.

1 Manoel de Barros (1916–2014), poet. A Janela da Alma, directed by João Jardim and Walter Carvalho, produced in 2001. 2 GOETHE, Johann Wolfgang. O jogo das nuvens. Lisboa: Assirio & Alvim, 2003. Claude Monet (1840–1926), french painter.

My process of creation, in this project, started when I realized that the artistic production of the visited artist has similarities to my own works. In the case of André Venzon, it took me some time to choose only one aspect, because almost everything he produces sounds familiar to me. The theatrical features of his objects (especially objects that mimic with the ambiance of nightclubs, bars and discos) was the argument I used to prepare at the same time an installation and a performance. Pointed out by Venzon himself, I occupied a space where car engine oil is typically sold, located at the mechanics (which also houses his studio). This small room is very similar to a box, which appears to be "isolated" because the ceiling is much lower than the rest of the building in which it is located. After covering with plastic fabric, the ambience of the room was changed with strobe lamps. Then, it became a stage where a pair of stripers performed five times during the event. During the intervals of these performances, the "box" remained accessible, and the public was invited to appreciate the objects, light and sound in the “box”. From the following topics, I will try to make a few comments about the cast that made this work possible. This is still new to me, and maybe because of that, I will not be able to (or I even should not) pay attention to the action of each one, as I am quite sure that analyzing them one by one will not make me see it as a whole. Anyway, I prefer to consider, not as a description, but rather as attempts to comprehend their appearance and performance in this project. To the mirror Side by side on a table, we can see pieces of a mirror, displaying a combination of inverted letters, suggesting a word, that when "read" backwards reveals the word NARCISO. A word in front of a mirror creates another "image" and not just another word because it is transformed when it is inverted. Would these words make, when inverted, any sense in any alphabet of any language besides in the mirror? For example: the word NARCISO placed before a mirror, is not simply OSICRAN; the 323


word ceases to exist in the reflection, because the letters are inverted, except for the letter "O" and "A", which maintain the same configuration. The others, in this case, change and lose meaning in our alphabet and cannot, therefore, form a word with meaning. Narciso dives into his reflection and dies – putting an end to himself (?). To the dance This same idea of reflecting or searching for the "image" and (with) its duplicity led me to hire two "strippers" that would be the core of the work and would perform to the music of the soundtrack. After much hesitation, I concluded that the physical similarity was not important because what I was interested in was to reflect the common activity of the duet. The option of having choreography with synchronized movements was also intentionally discarded, because I wanted the "suggestion" of a reflection caused by the rhythm of the music. To the soundtrack Initially, it seemed to me that the idea that was guiding the work was close to a palindrome, from the Greek palin (back) and dromos (running). During the performance, I realized that a word reflected in the mirror is not a word that can be read backwards, keeping the same meaning as when read normally from left to right. Interestingly, during my research, I came across an article that mentioned that by 1790, a symphony of Joseph Haydn had been named O Palíndromo. It was given the name because of the third movement, in which a Reverse Minuet - Reverse Trio was read simultaneously backwards. This encouraged me to choose a soundtrack that could not only complement the sense that I was searching for, but that could also be mirrored by editing it backwards. I found that among the possible mirroring music techniques, downgrading is a highlight. It is characterized by a series of notes played backwards and inversion of the retrograde motion, in which the notes, besides being played backwards, are also inverted. The writing process that generates new musical phrases from other musical phrases is called counterpoint (or contranota, as the musician who helped me with this process prefers). So the idea of palindrome helped me define the work, because even not having a profound knowledge about the composition process, I could, with ease, change a given melody (the same that was originally played in the performance), using only a computer. With the help of an audio editing program, I could invert this file without difficulties. It was available to the audience only through the use of headphones which were arranged on a table between two armchairs that made up the space in which the strippers performed. Could the track, in its inverted version, invariably turn out to be non melodic noises or could it easily be recognized and associated with the original file? Could this maybe happen only at certain times during the execution, similarly to what happens with the letters "A" and "O", which visually do not change when the word is reflected in the mirror? Although we can recognize ourselves (?), do mirrors enable us to see ourselves as other people do? Certain questions, (un)certain answers. I still search for myself, certainly in the "bottom of the fountain."

Maria Lucia Cattani “My work involves the action of making marks.” Maria Lucia Cattani (Garibaldi, RS, 1958 – Porto Alegre, RS, 2015) began her career as a painter, but it was through printmaking and repetitive processes that she developed her investigations and found her own language of refined formal precision. Starting often with a small square carved with the same lines, she printed surfaces obsessively, subtly changing the original colours. In theory, all the same, but all different. The identifying feature of her work is repetition, while the act of repeating reveals differences. The impression of the print depends ultimately on the pressure exerted. So the artist left her marks through gesture, concerned with issues related to printmaking, the individual and the multiple, the copy and the matrix. According to her friend the artist Maristela Salvatori, “her works travel a path of construction and deconstruction from the unique to the multiple and from the multiple to the unique. She introduces a variety of different fields of knowledge, reconciling primitive gesture with new technologies in an endless fascination with the creative possibilities of form and process”.1 Cattani graduated in Fine Art from the UFRGS Instituto de Artes in 1981. Four years later she was appointed as Printmaking lecturer at the same institution. In 1990 she took a Master of Fine Arts at the Pratt Institute in New York. She received a doctorate from the University of Reading (1998) and then did postdoctoral research at the University of the Arts, London (2008). She also undertook artist residencies in Belgium (1997) and Japan (2001). Much can be taken from Maria Lucia Cattani’s minimal yet vigorous gesture. As the art critic Neiva Bohns has mentioned, “Delicate dancing forms spring to life in these worlds of art whose limits are the rules created in order for them to exist. They require an attentive eye, these drawn marks that aspire to language, seeming close to some cuneiform script. They are visual poems that recall the quick movement of elements in constant dynamism, like comets or microscopic particles, full of life, continuously crossing the space of their own existences. Concentrated records of the passing of time in which the artist leaves traces of her creative and ordering impulse, and her unshakeable joy for life.”2 In addition to her interest in printmaking, printed surfaces and related concerns, which included special projects and artist’s books, Cattani also produced a sensitive body of video work. In 2002 she created the Vaga-Lume exhibition of experimental video at UFRGS, fostering reflections on video art and stimulating artistic creation among the students. The project took place every year until 2011.

1 SALVATORI, Maristela. Miscigenações contemporâneas – alguns traços da gravura. In: Anais do I Congresso Internacional CSO´2010 – Lisbon, 27 and 28 MArch. 2010. Lisbon: Universidade de Lisboa, 2010. Available at ‹cso.fba.ul.pt/3-48. pdf›; accessed in March. 2015. 2 BOHNS, Neiva. Gestos precisos, registros do tempo. May. 2005. Available at ‹www. marialuciacattani.com/pdf/neiva_en.pdf›; accessed in March. 2015.

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GIFTS AND RELICS

AN EXPLOSIVE VISIT!

Carlos Krauz

Carlos Krauz

It was in the beginning of the night, in July of 2009. Maria Lucia Cattani opened the door of her home with a smile on her face. She received us in the living room, warmed by the fireplace. Soon after, she offered us some red wine and in that warm atmosphere, we presented general aspects of our project, commenting on its characteristics, purposes and stages. Excited, she invited us to see her studio, which is separated from the house by a small courtyard. Along the way, we were already imagining that place would be perfect for the guests to stay, chat and interact during the event, which was scheduled to take place on August 29th. But that was just the first visit to the artist's studio. Let's enter! In the studio, we are "greeted" by a work on the wall, similar to the one presented in the 5th Bienal do Mercosul, entitled A5P8. Observing the work, from a short distance, we could contemplate the nuances and details of the colors. On the wall, traces and grooves from fast extractions made by engraving tools. One could see the white wall, intercut by colored areas, creating kind of a soft sound on the walls that meet at an angle of 90º. Traces and grooves put the work between the subtle boundaries of two and three-dimensions, because they smoothly enter into the wall and gradually and effectively abandon it. During the following visits that lasted for a few weeks, we talked about our productions while we were getting to know more about Maria Lucia's work and artistic concerns, including engravings, paintings, videos and the connections between them. We also had the privilege to see her production of books from a close distance, a style she started developing after the completion of a course in England: these items are real treasured relics. Her kindness and receptiveness were limitless, however Maria Lucia Cattani still surprised us when she gave us a special present, called 3X4, on August 29th, while "opening her studio" in the afternoon: four delicate and tiny pieces of paper, laser engraved, presented in small transparent plastic boxes. They were proudly and lovingly prepared during a short stay of the artist in London some time before our event. 3x4 was developed between two cities and in this aspect it made me recall another work of hers, 4 cantos do mundo. This work consists of four parts, each being a point in the world, more precisely, in four public institutions of cities located by the Seaside, representing the four corners of the world. One in Reykjavik, Iceland; one in Awaji City, Japan; one in Devonport, Australia and one in Porto Alegre, Brazil. Next to each "corner”, photos of the other three "corners" that compose the project were placed. In this case, we are in front of the work and are simultaneously being reminded of its "three brothers”. It is a conversation from a distance or, if you prefer, about the distance. In 2015, six years after the Vis(i)t to Dudu - as Maria Lucia was affectionately called - I remember that, with the time we spent together with the artist, we discovered the generosity and the curious and motivating spirit of this great artist. In our warm conversations about artistic production, Cattani always pointed out new ways and suggested various directions for our project. And in addition to the honor of entitling her work for the event in her studio of 3X4, she gifted us a beautiful box engraved with a watermark, containing 4 of her engravings. On the day she presented these gifts, Dudu insisted that they were to be sold to raise funds for the continuation of our project, demonstrating her involvement and commitment. To pay tribute and honor you, Dudu, we opened an exhibition which highlighted the project, held in MAC, in June of 2015, exactly on the day of your birthday. Cheers, Dudu!

On a winter day in 2008, we scheduled our first meeting with Maria Lucia Cattani in her studio. The warm welcome of the artist in her home preceded our access to her studio, located in the back of the property. Once there, we came across a building with two floors. On the ground floor, there was a room in which we could see an artwork/a study of one of her works that was presented at the 5th Bienal do Mercosul. Next to it, there was a small wooden staircase, which gave access to the mezzanine, in which her office is located. Throughout our preliminary talks, Cattani, who is also a professor at the university, told us about her desire to have more time to produce: "I would like to have a couch in here and spend more time in the studio". During the three months in which we had our meetings, Cattani spent a few weeks in London, where she prepared four delicate engravings for the final event. They were titled 3X4 and presented in tiny colorless transparent plastic boxes. Besides all this affection, each of us got as a gift one engraving done by the artist. Cattani made a special box for each present, demonstrating her talent and intimacy in producing beautiful bindings/books. On the first floor of her studio, I chose an area on the wooden ceiling, near the staircase, to set up my work for the event, which was open to the public. In that area, I placed a template in the form of a regular pentagon, which served as my guide. In each of the five points, I attached small golden metal hooks to the wood. On each of these hooks, I hung a metal chain, using tiny metal clips. At the other end of the chains, identical clips were "holding" metallic needles, which threatened to puncture the thin surfaces of the white floating helium balloons. The floating balloons were attached to a line, which was tied to small stones placed on the ground. In this condition, they would oscillate to the lightest vibrations produced by the movement of the visitors. Walking close to them meant a threat and at anytime a balloon could explode.

PRINTINGS, MARKS Helena d’Avila With that contagious and always attentive joy, Dudu greeted us. Open and supportive, she was always available to help us. As a teacher, she was tireless, showing us engravings, artist books and drawings. We were thrilled and excited to receive so much positive energy from her. On the first day, we visited her studio and she, among the molds, patterns, acids and the "kitchen of engraving", told us about her career, art policies, market and recognition. Soon after, she offered us some pizza using ingredients and seasonings prepared by herself. At one point, I asked something like: "Dudu, did you also make the pastry?" And she, with a smile on her face, tenderly looked at me and said, "That would be too much, wouldn't it?" In a way, she was teaching us that the most important thing was to do it and to know how to do it. Cattani’s studio and that of her companion Nick Rands were in the back of their property in which they used to live on Lucas de Oliveira Street. Dudu, always happy and smiling, showed us how they had designed the house in which they live, located in the front part of the land. Drawing on the ground, they said: "The master bedroom will be here; the kitchen will be here; and one room will be here." It was exciting to watch the passionate involvement of them both in everything they did. When we left the main house and entered the studio, I could see a wall with grooves made in the plaster. That impressed me. Dudu then told us that she was testing a technique on that wall which she would use for the artwork created for the 5th Bienal do Mercosul 325


(2005). Observing those marks it reminded me of the wonderful movie, The Pillow Book (1996) by Peter Greenaway, in which calligraphy is painted directly on the bodies of the characters, just like tattoos. The analogy between the processes was the trigger of my project, which consists of 140 photographs of facial expressions of the same person during a tattoo session. Printings and marks, the same but different. One of our many points of intersection.

A COINCIDENTAL SCALE Laura Fróes During the visit to the studio of Maria Lucia Cattani, it was a coincidence that started to influence my artwork. One of the projects she developed with skill, virtuosity and passion was about artists’ books. She showed us some artists’ books that she had made herself, using a handmade technique that she was very interested in. One of them, rectangular and articulated, had front and back covers made of a firm gray cardboard, which was decorated with strips of colors from the CMYK scale (cyan, magenta, yellow and black), used as reference in the printing industry .These colorful strips, present in the work of Dudu, were obtained from leftover materials. My old notebook also had one strip that was just like hers, from a collection of adhesives. Besides the one on my notebook, I also used to collect these graphic symbols from different containers of household products, including tetrapak milk boxes. For the Vis(i)ta, I set up a sequence of four wooden boxes. The first contained my old notebook, which was open on the page showing the colored adhesive. The other three boxes contained different collages made from the collected materials. The place chosen to set up my work in the studio was a narrow wall at the studio entrance, which was covered in many marks and scribbles done by the artist in colors close to the ones of my printed symbols.

A SCENARIO FOR MORANDI Nelson Wilbert Procedures and mirrors Some languages often need to follow the same procedures. Engravings, for example, have a hierarchy that must strictly be followed : first we have to demarcate the design (grooves on wood or metal are drawn by sharp objects, or by the corrosive action of acids, creating textures). The next step, called "inking", requires that the plate is filled with ink (the color that reveals the design and the lines). Finally, we use the press, once the plate is already inked, it must be placed on the support (similar to a stamp) and the image is printed. That said, it is important to emphasize that the procedures adopted for the formulation of a work can generally be identified and analyzed separately. In the work of Maria Lucia Cattani, executed directly on the wall, the procedures used are quite similar to the ones used for engraving, but in a different order. It is a different sequence of the same actions - on the wall, Cattani paints, stamps and carves; in the engraving, she carves, inks and stamps. It is clearly a very simple analysis of the cases explained, but I think it might be enough to think about the relationship between them both. Based on the claim that the reflection is an inverted image of the real object, I ask: on the wall, when adopting procedures similar to engraving, but almost in a reversed order, was she trying to mirror this process? 326

The other side Certainly, there are many reasons to start a collection. Whether for an emotional or even financial reason, we have real fascination in putting things together, even the strangest objects. I remember having collected stickers during childhood, but they were collections that did not last long, because once the album was completed, I lost interest in saving them. Interestingly, only now I have started collecting things again. Recently, I became interested in collecting packages to use in my collages, however I ended up making a collection of paper boxes. Constructed to be seen, full of self-praise, packaging is a promise of satisfaction, however the role of distinguishing the product from its competition does not define it fully. Fundamentally, they are intended to describe the product, which is sometimes presented in a serious and concisely manner, sometimes not. Despite being convinced or not, we always choose the product under some influence of its appearance. However, the graphic quality that inspired my collection, paradoxically, ended up being neglected. Seduced by the inside, I inverted the boxes and reassembled them in a new form. The capacity to protect the products was not harmed at all, but I decided to close them again, without putting anything inside. The old packaging, now free of advertising, becomes a region of strange intentions. They are continents. The object is empty. Disassemble, reverse and rebuild. Actions that suggest a reversal, repeatedly performed on 300 paper boxes. Among white, yellow and gray heaped boxes, with many creative possibilities, I decided to make a simple stacking. My curiosity about "the other side" (the internal part of the packages) unexpectedly reminded me of the melancholy in Giorgio Morandi paintings. Pots, dishes, bottles and boxes, interpreted by a pale palette, reveal a work located half way between reality and imagination, between form and abstraction. Trying to support the theory mentioned at the beginning of this text, I "stumbled upon" the production of another artist. This was not exactly the answer I was looking for, however many of our discoveries are formed from randomness. Cattani and Morandi, among other artists who also seek the essential, are representatives of the same philosophy - the work of both, which firstly appears to be merely repetition, is in fact, unique. And so, what about the packages? Well, I propose an exercise: imagine yourself as being one of them. Now think how it would feel if we lived in a world without labels.


Mário Röhnelt

MULTIPLE EXPERIENCE Mário Röhnelt

Mário Röhnelt (Pelotas, RS, 1950) works mostly with pre-existing images, taking photographic records, reproductions of works of art, surface patterns and fragments from his surroundings to produce vibrant work in painting, print, drawing, photography and digital art, in which one of the key concerns is representation and discussion of space based on the history and traditions of art itself. A self-taught artist, he studied Architecture and Urbanism at the Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1970–1972) and incorporates this experience in his work: perspective views of forms, geometric projections and architectural structures have featured in his work since the 1970s. This was when he formed personal connections with Julio Viega (1955), Paulo Haeser (1950), Alfredo Nicolaiewsky (1952), Carlos Wladimirsky (1956) that have accompanied him throughout his career, and with Milton Kurtz (1951–1996) who was his companion for more than 20 years. Kurtz, Viega, Haeser and Röhnelt joined together to form the KVHR group that was active from 1977 to 1980 and followed an international practice of using the mail to disseminate their work. Photographic appropriation is a recurrent feature of Mario Röhnelt’s work. In the 1980s he often used his personal collection of photographs to create self-referential compositions that frequently addressed issues of gender and sexuality. Echoing Pop Art practices, he depicted televisions, fragments of Greek sculptures of the male nude, or even imagery of popular saints with sexual undercurrents, such as St. Sebastian. He also paid tribute to figures who played a key role in the development of his own vision, such as Piet Mondrian (1872–1944) and Waltércio Caldas (1946), alluding to important works or designs by these artists. With overlapping planes of intense colour and outline drawings of the human figure, bordering between figuration and abstraction, his work seems to expand the possibilities of the surface, in a dialogue with the German artist Sigmar Polke (1941–2010). Over time, Röhnelt abandoned his vibrantly coloured palette to concentrate on the play of black and white, producing painting that is essential graphic, but in terms of surface treatment a degree of horror vacui seems to pervade his more extensive work, including the paintings based on photographs of vitrines and entrance halls to 17th- and 18th-century European palaces and castles. These works from the 1990s highlight the kitsch nature of these spaces decorated to convey opulence. From excess to structure. A recent series of works uses digital resources and reproductions of religious fresco cycles by Giotto (1266–1337), emptying out the scenes, removing the human figures, erasing the colour and retaining just the landscape elements: nature and architecture in black and white. Mário Röhnelt’s sensitive consideration of the roles of memory and images in the inventive processes of art addresses the acute issue of the representation of space in the history of western art.

Four artists whose joint project is to venture into the universe of other artists. Overall, this is the work of Carlos Krauz, Helena d'Avila, Laura Fróes and Nelson Wilbert. The four of them are artists with individual expressive works and well defined languages. In parallel, they develop together a very important project that requires an intense exchange of ideas within the group itself and with the chosen artists. In the end of 2009, Carlos Krauz contacted me, in name of the group, to let me know that he was interested in developing a new stage of the Projeto 3X4 Vis(i)ta together with me at my work place in 2010. The project had already been carried out with Roseli Jahn, Felix Bressan, Gonzaga, André Venzon and Maria Lucia Cattani. After me, they would still conduct visits to Frantz, Vera Chaves Barcellos and Patricio Farías, paying just one vis(i)t to the latter two artists. In the beginning of 2010, I accepted Krauz's invitation and took the opportunity to ask some questions about my participation, especially regarding the fact that I do not actually have a studio. Another fact I was concerned about is that I had intensely worked as a graphic designer in recent years. I also wanted to let them know that I have a reserved personality and maybe the project would force me to go beyond my limits. I can say these concerns followed me throughout the whole development of the project and my ideas as well as the works I presented were guided by them. The Projeto 3x4 Vis(i)ta has its parameters clearly defined in the text of Carlos Krauz, who presents it on the group's blog. However, the words are maybe not able to express, or even predict, all the emotional intensity and energy release during the project development. Recently, in an informal conversation with Roseli Jahn, during the final visit to the studio of Vera Chaves Barcellos and Patricio Farías, she said that "she had been energized" by participating in the project. In accordance with what Roseli said, I also felt "resurrected", stimulated to revisit "my stuff ". Articulating possibilities and limits, I tried to attach a physical aspect to my work, taking into account that it would show a part of my intimacy, distinguishing what part of it could be exhibited. I also had to determine how much of it would remain private. This process was conducted in public in front of the members of the group at the moment. I was counting on the experience, wisdom and understanding (why not?) of these four travel companions. The Projeto 3X4 Vis(i)ta is focused on works produced by the spirit of the host artists, but the most important is the process to get there, with exchange of experiences (in my case, 4 or 5 visits were held with long hours of conversation), moments of celebration, adjustments of intentions and the formulation of a common goal to create a conceptual and ideological framework that brings back the question of "art and life", which was so dear for artists graduated in the 70's. Thus, the result of each vis(i)t, in the case of the 3X4 Group, is the work presented as well as the event with the participation of privileged visitors to the private space, which now becomes "art". In my specific project, I played with the permissions and impediments to the movements. The entrance to my room was open. This was transformed into an installation, with the presentation of my work in black and white, which was one adhesive panel on one of the walls and bedding with recurring motifs used in my production. The access to the library and to the 2nd bedroom, located in the back of the house, was physically blocked but visually allowed through transparent plates attached to the doors of each of the two rooms. The interior of these two spaces was left in its usual mess, clearly showing to the visitors that they were having visual access to private spaces with all its social and emotional implications. To put my living and working spaces into discussion, I made the visitor become a voyeur of an extraordinary situation, in which the relation between my privacy and transparency, opacity and public visibility was balanced and had a visual aspect. Why discussing that? Because this is my particular, implicit, subjective understanding of the 3X4 Projeto Vis(i)ta, to which I felt like responding in the same way I think it has been proposed to me. On the other hand, the members of the group presented their works/ 327


installations, showing their connections to my work as artist and to the space that is abounding with my personal characteristics. At the entrance of the hall, Carlos Krauz installed a "peephole" on the bathroom door, provoking the viewer with a clear possibility to have a visual participation in someone's privacy. Krauz’ work dialogued harmonically with my interferences in the spaces described above. The "peephole" installed there, displaced from its original function, was representing something anarchic and provocative found in the Dadaism spirit. It is still possible to add the fact that the "peephole" is not functionally used, because it does not give real access to the private area, frustrating the viewer. Krauz worked with the idea of interdiction, implied in our meetings. The same idea should be at least implicit in the concerns of other host artists, which were participating in the project. In one of the two parts of the “L” shaped rooms, Laura Fróes installed a delicate and sensitive replication of the graphic material that I often attach to the walls with adhesive tapes in a 1 x 1 scale. The subtleness is that Laura carefully copied the graphic pieces in their form but replaced the content with her personal experiences and everyday life. The work of Laura, in a way, meets the group’s purposes, regarding the search for a relationship to other people's space in adequate aesthetic and ethical actions. Laura operates a transformation and spatial action, which is not only sophisticated but also simple and reflective. Helena d'Avila occupied the side wall of the room using a backlight of approximately 40 x 110 cm. She proposed a reinterpretation with the use of three photographs of my work called Watteau, which summarizes the relationship of Baroque and Rococo, common in my recent works. More precisely, I would say that Helena softly touched my production with sensitive literalness. In the three photographs, the artist put together three different moments of scattered light, entering through the curtains of the house, and a painting of the French artist. Watteau’s painting is absent in the first photograph, it appears relatively clear in the second and then disappears into a twilight shadow in the third. Watteau, as disclosed by Helena, became a fugitive ghost. Her poetic work presents a balance between the history as a ghost and the frugal everyday contemporary, all under a light to indicate the passage of time. In the largest part of the "L" shaped room, Nelson Wilbert placed on a table of two meters an impressive set of 15 crystal bottles, partially filled with black ink, frontally faced, on sheets of drawing paper. The work, called Luto (mourning) is solemn, reverent and timeless and its 15 half-filled bottles talk about loss and about what remained in suspension. He installed it in front of my black and white triptych. Together they composed a harmonious pair, creating a magical atmosphere. Wilbert was sensitized by some of my photos of crystal and glass objects. His choice, however, was probably influenced by our preparatory meetings, in which loss, among other subjects, was seen as a question and possibility for art and life. When the project was concluded and opened to the public, on the 15th of May 2010, Saturday from 2 to 6pm, it was transformed into a sum of art, culture, sociability, curiosity and emotion. Undoubtedly, the project developed by the 3X4 Group has a strong aggregation force and offered the public an ideal opportunity of a unique life experience.

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INDEX ZERO OF NARCISSUS As it often happens, in the meetings before the final event of our project in the studio of Mário Röhnelt, my attention was captured by a space - perhaps more specifically by a place – which is privacy. More precisely, the bathroom door. In front of it, I thought: how would someone react if there was a peephole in the door? So, after our conversations with the artist, we began the production process. I started by blocking out the daylight that was streaming through the bathroom window. The next step was to drill the hole in the door and install the device. But what could one see by looking through the peephole? The reflection of their own eyes, because we had placed a mirror behind it. In a way, there were three devices acting together: firstly, the eye itself; secondly, the peephole and finally, the mirror. Narciso Índice Zero was almost unnoticeable, because if one did not know that there was a bathroom behind the door, one could experience a feeling of indifference or doubt, whether after turning the handle, he or she could enter into another house or a secret room. The bathroom occupied the intermediate zone between the living room and the bedrooms, where Mário set up his work especially for our visit. Access was allowed to the public in one of the bedrooms. In the other two rooms, the artist placed transparent, colorless acetate screens in place of the doors. In one room, there was a black and white TV on, soundless. It was the connection to the production of his paintings – that are also in black and white and of high contrast - found throughout the studio during our entire visit. At the end of the event, the bathroom door became "blind" again and the peephole that was installed there was used to replace the existing one at the entrance door of the artist’s studio. So, some of the voyeur glances "left" in the bathroom peephole during our event are now "inhabitants" of the studio entrance and I "treasure" this old peephole which contains a little of the artist’s views. Days after the event, Mário gave each of us an engraving as a present. A precious gift coming directly from the gentle and delicate hands of a master.

WATTEAU BY THE WINDOW Helena d’Avila I have always been attracted by Mário Röhnelt’s paintings based on baroque and rococo interiors. And I decided to work in dialogue with one of those pictures, Watteau, from 1999. I made a 40 x 110 cm backlit image with three photographs based on the Watteau picture and superimposed images of a window in Mário’s studio. Those images of the window seemed to work as a way of revealing what lay behind the shadow, or even as a stage scene in which the characters appeared behind the curtain, which in this case were the blinds


SIMULACRUM

Frantz

Laura Fróes Since the first visits to Mário Röhnelt's place, I found myself admiring a wall used as a large note board, on which he puts in a free form, using Durex tape, many invitations and exhibition posters in which he and other artists had participated. He also placed images of his works, small objects and a calendar. He has been collecting all this for some time, as identified by the different dates of the events. I saw on that wall a curious and rich source of information about the trajectory of the artist and his affections. What I did was repeating this graphic sequence, recreating on the computer, the same measures, thicknesses and size relations for each of the items, ordering and setting them exactly in the same way on the continuing wall. The difference was that I designed and printed everything using my own repertoire. I chose invitations and exhibition posters that I also had kept. I created invitations from hypothetical exhibitions with pictures, but no informative data like day, year, location; I left a blank calendar; all simulating a route in progress, still open, in transformation. It is a dialogue with the individual and the consolidated world of the visited artist.

MOURNING Nelson Wilbert The light bathes the solid and creates an intense shadow of simple shape. In the diaphanous, it illuminates and passes through. Drawing elaborate shapes and faint colors on the other side. The drawing is the origin and the memory. When facing significant losses, we return - trying to measure the absence. Memories are simple and intense, as is the shadow. Time dissipates feelings at rest. The dark and dense paint hovers over the surface - without touching it.

Antônio Augusto Frantz Soares (Rio Pardo, RS, 1963) has concerned himself with thinking painting for at least 20 years. Franz, the painter who does not paint, turns painting, in form and content, into the leitmotiv of his work. Painting is traditionally surface-colour, material-colour, layer-colour. So why can’t painting be found in a fragment of urban signage, in a canvas macerated by footprints/marks/stains, in the mass of acrylic paint remaining at the bottom of the tin? Why can’t painting be the remains of the painting process itself? Frantz began asking questions like these following a definitive experience in his career in the late 1990s, when he was an artist in residence in Kiel in northern Germany. Needing to keep the studio floor clean where he worked, he covered it with paper. The surface began to accumulate the remains of actions performed in the “battlefield”. When he left the space after three months of activity he recognised more potential in the randomly stained floor coverings than in what he had been doing intentionally. He returned to Brazil with those pieces of paper in his luggage and also in his mind, and decided to continue his investigations, covering the studio where he gave classes. Students attended every week, each with their own space and approach. Unrolling metres of cotton canvas on the walls and the floor, time helped with the process. The time necessary for observing, questioning and maturing ideas was the same time for acquiring the impression of so many gestures, for sedimentation of those remains, and for the consolidation of experiences. Some of these early surface coverings remained fixed to the room for months, but others remained there for years. Then, at given moment, Frantz decided that they were ready. He began to make them into “his paintings”. Carefully removing them from the walls, he cut them up and organised them as the start of a meticulous editing process, selecting parts that would be put onto stretchers and those that would later become books: his paintings; his books. His signature here is marked by the way of seeing, by action, by reflection and by audacity. As the art critic Marcio Pizarro Noronha writes, “Histories of paintings and painters are told here with languages and affection, but also with bodies (and gestures) and technologies (techniques, media, devices). Expansion of this framework positions Frantz in the narrative field of art. A narrative of chosen affinities, a narration in a state of affections. His paintings cause experience and reflection. They are powerful. And they are meditative. They are touched by time”.1 More than the random recording of the inherent processes and possible accidents of art practice, these fragments, these macerated stretches of canvas, are where the memory of painting lies. A microcosm in expansion, the studio, with its open and unstable order of things, as a repository of sensations, experiences, encounters and conflicts, ends up becoming the finished work. In the artist’s creative practice the studio is not subject matter of the work but its actual essence.

1 NORONHA, Marcio Pizarro. Frantz em seis tempos. In: RAMOS, Paula (Org.). Frantz – O ateliê como pntura. Porto Alegre: Published by the author, 2011, p. 107.

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A MASS OF PAINT Laura Fróes Frantz’s studio was the seventh to be visited in this project. The space was on the top floor of the art materials shop, Koralle, which he owns. More than just a studio, it was also where he ran courses. The need for expansion has now meant that the space has been incorporated into the shop. This was a large space with a great mass of paint material accumulated on the floor and walls – where his students put their canvases and paper for painting –, and any idea that we added to it would have to coexist with this mass of material: positive, living, dry, dark, colourful and dripping. Frantz also used this space for collecting the material for one of his projects, which involved stretching cloth and canvases on the floors of different artists’ studios and then removing them after a long period and mounting them on stretchers or in book form. His only interventions involve cutting and finding different dimensions for the material, which contains the traces of many actions from different hands, and which he calls the “leftovers of painting”. When he “enters” the studios of other artists, Frantz makes contact in a similar way to our own idea, invading these places that many people (including artists) consider as somehow special and sacred. We identified studios as possible exhibition spaces, Frantz sees them as places for collecting his raw material. During the planning period for our visit, which we call the “discussion” period, Frantz indeed welcomed us with much discussion: always enthusiastic, very interested, with much to say, show, offer and exchange. On the day of the visit he also wanted to share not just his space but also one of his works, setting up a small shelf by a wall to display books, or rather paintings in book format. And each of the four of us gave him a painting to be transformed into books. Just like the visit to Roseli Jahn, our guests socialised in the Koralle garden, which is also at the back of the house, where Frantz set up a pleasant cooler cabinet beneath a flowering bougainvillea, where we could be refreshed on that warm spring afternoon drinking Clericot, water flavoured with fresh mint and plenty of ice.

APPETIZERS OF THE IMAGINATION Carlos Krauz We met Frantz Soares a few years ago and since the beginning of Projeto Vis(i)ta, he has always been on our list of artists to visit. The artist quickly accepted the invitation to participate in the project. We started a series of visits to his studio over the next two months, commencing in the spring of 2011. Our conversations were not only about his production. He is a restless artist, thus involved us in discussions, not only about artistic processes and techniques, but also politics and cultural debates. Inside his studio, he showed us his works and projects, particularly the one in which he collects floor samples from other artists' studios. He uses large surfaces of raw cotton fabric or surfaces with white backgrounds on which we see splashes and stains of ink. To collect them, Frantz contacts artists and offers them to cover their studios’ floor and walls with that material. When the invited artist believes that it is time to remove the fabric, he or she contacts Frantz to do so. Frantz Soares then starts a process of analyzing, studying, selecting the material, cutting and transforming it into books of various sizes and shapes or into large paintings which then become Frantz's authorship. It is as if Frantz was offering blank "pages", thus cultivating the field to later harvest them with his signature. With them in hands, the artist may use a 330

page just as it comes from the studio or select areas to transform into books of different sizes and formats. This "palimpsest", resulting from restlessness, vacillation, whispers and accidents inside those studios, is his work. Another curious aspect of Frantz’s procedure is that he contacts artists from various parts of Brazil. His goals include not only finding stains, spills, fractions or even publishing books, paintings/ images, but also establishing deeper relationships and networks in the Brazilian art community. His projects and thoughts about painting are established in the subtle and complex bonds of affective, human and cultural relationships. It also is based on an intense and dynamic flow of knowledge. This intricate net of relationships established by the artist is what motivated us to invite him to join our project.


ANYONE HOME?

SHOWCASE

Carlos Krauz

Laura Fróes

Recalling Julio Cortázar in As linhas da mão

My work was a kind of horizontal showcase mounted on a metal plan chest in the studio. Under the glass on the plan chest there were personal memories, collections, and attachments. A variety of preserved objects and materials, such as felt, cellophane, pieces of leather, plastic, mirrors, labels, were put together with material donated by other artists (Ana Flávia Baldisserotto, Jorge Menna Barreto, Marlies Ritter and Tatiana Sperhacke). It was all carefully selected, exposed and organised to create a show case of “raw material” collected and accumulated over time, from my personal archaeology.

We made our first contact with Frantz in his studio, which at that time occupied the upper floor of an old house in Rua José Bonifácio, where he also runs the Koralle shop. But before entering the house we passed through a porch way. The cement floor tiles, featuring little white and green circles on an earthy yellow background, suggested that this entrance space might once have been an area for rest and contemplation in Porto Alegre in the old days. During our meetings and discussions with the artist I noticed that the long space between the street and the inside of the house somehow resembled an airport runway. And, like such runways, there were lights to guide and define a dark area inside, where the aircraft has to land. Coloured dots arranged and positioned to direct the pilot, particularly at night. This idea led me to use brightly coloured circular stickers, a little smaller than the circles on the floor. As I stuck them to some of those circles I realised that a kind of constellation was being formed, based on alignments and conflicts. Together, the circular stickers seemed to float, sometimes forming groupings of the same colour, or sometimes suggesting lines. Lines that “shifted” towards the walls or “slipped” under the door, into the house. But those vibrant dots did not just appear on the floor. Sometimes they “climbed” the walls of the porch and spread into other areas, towards the circular window or the archway forming an entrance to the house, announcing our arrival: announcing that we are halfway there, between inside and outside.

PHOTOGRAPHIC MONOTYPES

INTERFERENCES Nelson Wilbert This work developed out of a new approach to working that I adopted in 2000, which was part of the Sobre Desenho exhibition at Galeria Iberê Camargo in Porto Alegre. Entitled Transferidas da memória para colorir [Transferred from memory for colouring], it allows audience participation using coloured pencils provided in the space for marking, drawing or colouring. There were no other instructions for encouraging visitor participation, but an initial scribble supposedly encouraged others. The comic-book sequence of drawings consisted of 16 parts repeating the same scene. Looking like designs, the outline drawings related to colouring books and were made using carbon paper on graph paper. The interesting thing about the visit with Frantz was the points we had in common, involving the participation of third parties in the work and the consequences of participation uncontrolled by the artist.

Helena d’Avila Looking at Frantz’s work, I began to think of the idea of painting made in a more gestural and arbitrary way, without any planning. And then I thought about how I could form a dialogue with that while at the same time establishing a kind of counterpoint. Starting out by applying paint to the canvas, making free marks, I collected the results on different sheets of tracing paper. Then I photographed all the stages of the painting, each new superimposition, dissecting that “process” which ultimately resulted in a painting that was not exhibited. The work presented on the day of the Vis(i)ta consisted of the ten monotypes saved and printed on photographic paper

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Vera Chaves Barcellos

Patricio Farías

Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, RS, 1938) is a multimedia artist working with drawing, print, photography, video, installation and artist’s books. She began her career in the 1960s and as the art critic François Soulages recalls, has since “[…] moved from the modern to postmodernism, from modern art to contemporary art ".1 Her early large-format woodcuts are concerned with formal experiments, articulating colour with freer and more organic marks, while in later works her interests turn towards issues of perception and the connections between work and viewer, which can be seen in the key work Testartes, shown at the 1976 Venice Biennale. At that time she was visiting several foreign cities, studying in important teaching institutions and exploring the language of photography, producing a series of works that recorded signage, urban graffiti, interesting shop windows and details of the human figure. The play between the micro and macro, figuration and abstraction, the visible and verbal, image and text, would also become recurrent concerns of her work, together with micro-narratives. Through installations or series of images taken from television – a feature of her work in the early 2000s – the artist presents characters and suggests stories, once again involving the viewer, but this time using objects, fragments from reality, as well as images. A key element of her work concerns the issues, possibilities and developments of the multiple. Often taking a single image, the artist explores division, multiplication, enlargement and montage in works such as the Cadernos para colorir group and Os nadadores, from the 1980s. These same operations might lead to saturation of the image grain, as in Origem da abstração (1988), in a critique of the art scene at the time, which was marked by the return of painting. Since the 1970s Vera Chaves Barcellos has been a figurehead of activities for reinforcing and updating the local arts scene, with the Nervo Óptico group (1976–1978), heading the Espaço N.O. (1979– 1982) and Galeria Obra Aberta (1999–2002). Since 2005, Vera and her partner Patricio Farías (Arica, Chile, 1940) have run the Foundation named after her in Viamão, greater Porto Alegre. The Vera Chaves Barcellos Foundation is concerned with the preservation and dissemination of contemporary art and has organised important exhibitions and education projects, based mainly on her collection, established over decades of collecting and a love for art. The artist started out as a music student at the former Instituto de Belas Artes in Porto Alegre, and in 1957 began working the field of Visual Art. In more than 50 years of involvement with the visual image, exhibiting to national and international recognition, Vera Chaves Barcellos has always been energetic, always contemporary.

Structures suggesting machines, but with little or no use. Identical objects organised in especially constructed frameworks, in profile or extended into space. Settings, objects and figures suggesting narratives. Forms that invite the viewer’s own projection, in an imaginary interaction. Things, a wealth of things. The work of Patricio Farías (Arica, Chile, 1940) is imbued with apparently contradictory characteristics: delicacy, grandeur, austerity; humour, irony, hermetism; ranging from imaginative creation to politics, from the inoffensive to the perverse. The work invites us to abandon cliché, or revise it, and also refers back to Marcel Duchamp (1887–1968), a key figure in his work and career; we are reminded that we live in a period of worn-out ideologies, of commercialism and of deep moral crisis, are urged never to forget the persistence of violence and that freedom needs care and attention. Sculptor, draughtsman and left-wing militant, Farías is a graduate of the University of Santiago School of Fine Arts in Chile, where he taught Drawing and Graphical Expression. Fleeing the military dictatorship in his home country (1973-1990) in 1979, he moved to Brazil, teaching Drawing and Screenprinting at the Atelier Livre da Prefeitura Municipal de Porto Alegre in the early 1980s. It was in Porto Alegre that he met Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, RS, 1938), who has been his partner since then. Although he also works on two-dimensional surfaces, the artist has worked mostly with sculpture, objects and installation since the 1980s. His remarkable technical expertise allows him to create or supervise the making of all his works in wood, textiles, iron, steel, glass and plastic. These works are unfailingly inventive, involving firstly a perceptive consideration of materials, then a versatile connection with making, in a successful marriage of experience and knowledge. When looking at his contraptions how can one not be reminded of the designs of Francesco di Giorgio (1439–1502) and Leonardo da Vinci (1452–1519), which sit between functionality and chimera? Meticulous, cerebral and aseptic, although his work may have a highly conceptual approach, it is founded on formal excellence. The art critic Adolfo Montejo Navas, says that his works “[...] involve implicit subversion as part of their strategy, containing their own irony that seems to reveal an oblique caustic smile cast towards any referent, further distancing the former premise of the subject matter (and not only that but also the underlying references, half-explicit as part of an echo, of contemporary allegory). Indeed even here there are two imageries, revealed or connected: a dark, paradoxical imagery, perfectly and precisely finished in the final work, and an obscure, hidden, suspect vision, in tune with the periods of Latin American dictatorships, with their vicious legacy of poorly formed shadows, with a perverse of blind negative of the real”.1

1 SOULAGES, François. Vera Chaves Barcellos: obras incompletas. Porto Alegre: Editora Zouk, 2009, p. 26.

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1 NAVAS, Adolfo Montejo. O coisário de Patricio Farías. Critical essay for the exhibition Esculturas e outras coisas, at Galeria Bolsa de Arte in Porto Alegre 13 Nov. 2014 to 20 Dec 2014, na. Available at: www.bolsadearte.com.br. Accessed on March. 2015.


TIES AND PROXIMITES Carlos Krauz The visit to Vera Chaves Barcellos and Patricio Farías brought us to the eighth edition of the project. And, as with all the others, we were faced with new challenges. Unlike the previous visits, this time the final event would be organised outside the studios. We agreed on this alternative during the preliminary meetings, since Vera and Patricio had indicated an interest in participating in the project if it could take place in the new room housing the Vera Chaves Barcellos Foundation (FVCB) Collection, currently under construction. This led us to look for different parameters. One alternative would be to move some of the furniture and/or equipment from each studio into the Collection space. But this would not be just a simple physical transfer of furniture or objects commonly used by the artists separately. There would have to be a kind of “marriage”. But how could that be done in a space of approximately 300 m2 on two floors with three different levels? We realised that we had become accustomed to organising visits to one studio at a time, and that now there were two, which would meet together in a third space, which in this case would be intended for future storage and organisation of the FVCB collection. We saw that this was not just a transfer but also a juxtaposition, creating some form of proximity between the spaces that would link them together in that third space. We had to juxtapose not just things but also the two artists’ careers and views of the world. During the meetings we checked the measurements and solar orientation of the three buildings, together with the physical characteristics and spatial organisation of the equipment in each studio. And we also recorded the spaces and the surroundings photographically and with video. This survey became one of the tools employed in the juxtaposition of each studio inside the new Collection space. The first thing that came to mind was to draw full-scale floor plans of both studios on the floor of the new space. These would be linked together and drawn in different colours. Which is what we did, using two different colours of vinyl adhesive tape to represent the studio plans directly on the floor: dark blue for Patricio Farías and orange for Vera Chaves Barcellos. While looking at the printed plans and transferring them to the floor we realised that the lines describing the studios did not need just to occupy the floor space. They could also move to the walls. Using a model to help us, the lines climbed up the walls. At two points of the plan of Vera’s studio the lines exceeded the limits of the Collection space. In one case they “spilled” onto the building’s glass doorway, while in the other they passed through the ground-floor ceiling and continued on the floor above. This also allowed us to tie one floor to the other and connect them together. We considered moving some of the furniture or equipment from each studio into the floor plans, considering their positions inside their original spaces. This would be a “material” way of giving visitors an idea of their spatial arrangement. We would use a compass for this, which we had been used for the solar orientation of all the buildings. During this process we decided to use a backlit photograph inside each floor plan with a sample image of the floor of each studio. This allowed the transfer of elements from their original spaces without requiring a literal transfer of objects or furniture. Considering that the studios would be inside the Collection space symbolically, we could ignore some of the furniture and equipment and concentrate on indications that would somehow lead the viewer into each transferred studio. We also used the electrical plan of each studio, because our proposals needed to transfer two power points into the Collection space, one for each studio. These would relate to an area or piece of equipment currently in use in their original spaces. And these power points were transferred with extreme accuracy, using “Do it”-type battery lamps, which created a very faint blue light at the intended places. Another way of making connections arose while photographing inside each studio, on one occasion through the windows. Photographs were taken at regular intervals as the afternoon turned to night. The daytime landscape through the window gradually gave way to the

reflected image of the studio as night fell. As soon as the reflection defines the internal space, then the landscape appears again and the inside of the studio is “dematerialised”. These images were then edited in two groups, each relating to one of the studios. During the final event on November 20, 2012, these photographs were projected next to each other in an endless loop on the back wall of the ground floor. As another form of connection we wanted the project to include an artwork made by both artists. And when we suggested this to Vera and Patricio they showed us a 1998 black-and-white photomontage by Vera which included Patricio Farías and Pep Admella, “conversing” with Marcel Duchamp. This work was shown on the ground floor with the floor plans. Visitors could therefore move from one studio to another without any obstacles. They could also experience being inside both spaces at the same time, when they came across an area of intersection. While moving from one to another, they would see samples of the floor of each studio in the backlit photographs arranged on the floor; and the projection at the back of the space would provide elements that would lead to an imaginary visit to each artist’s studio. Connections on the two first-floor levels Connecting the studios together on the ground floor was resolved. But what about the upper levels? This floor already contained the apex of the plan of Vera’s studio, continuing the connection begun beneath. But we wanted somehow to include an interview with the artists. This happened organically or naturally, for while the interview with Vera consists of questions and answers, Patricio’s statement came through the eloquence of the images taken inside his studio. Both interviews indicated each artist’s approach in different ways. We were assisted at this stage by partnership with Denise Liége, who documented our process of photographing inside the studios on video and created and edited the interview videos. In addition to the interviews, we asked Patricio if we could use materials such as notebooks and some of his works to be exhibited on the first floor. Two of Patricio’s notebooks contained sketches for projects that are real gems, some of which resulted in completed works, while others remain on the page… waiting… Both notebooks were scanned and turned into a presentation displayed on mobile equipment, together with his drawings, which were framed and hung on one of the walls. Facing these were two looped videos of the interviews and studio images, and immediately behind them the floor plans and architectural designs by Ada Broilo, together with the model used to help with transferring the floor plans. During the event Ada also presented the designs and 3d projections of the studios to visitors at hourly intervals. Partnerships An equally important aspect of this project, which distinguished it from the previous visits, is the fact that it was planned and organised by all members of the group, unlike the others in which each developed their own work separately, to be shown together only at the final event. However, even with four pairs of hands, the project grew in size and complexity, so we looked to partnerships with professionals from the fields of architecture and video recording and editing: Adriana (Ada) Broilo for the architecture and Denise Liége for the video. Ada accompanied us from the outset, guiding and advising on measuring the buildings, since we needed the real measurements of each one, which could only be done with a tape measure and working together by hand. Ada produced the floor plans based on those measurements. Through Ada Broilo we were also assisted by Juliana Penglow Hein, who produced the electronic models of the two studios. These provided a clearer view of the physical spaces, and helped with spatial reading of the floor plans. We also worked as a group to measure the solar orientation of the buildings. This information provided guidelines from the initial planning stage until the final installation, and helped during the life-size transfer of the each studio’s printed floor plan to the real space. During installation of the exhibition, and particularly during transfer of the floor plans to the Collection space, Ada provided tireless guidance and assistance, since this phase required not just knowledge and discipline but also perception and expertise.

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3X4 VIS(I)TA: FRIENDSHIPS AND PARTNERSHIPS FOR FLYING HIGH Paula Ramos Viamão, June 6 2015: a Saturday morning, a gentle breeze and cirrus clouds shaping the sky. On the green space of the Vera Chaves Barcellos Foundation, Vera and Patricio Farías enjoy flying a kite, pulling on the string, raising their arms and walking backwards, watching its interaction with the wind. High above, it dances, juggling red against the blue sky. Then, probably without noticing, they smile with their whole bodies, with childlike energy, fascinated by the unusual activity of flying a kite. Nearby, Hopi Chapman documents the action with a video camera, while Laura Fróes and Nelson Wilbert watch an idea turn into poetry. To the sky. Some days before, thinking about the history of the 3X4 VIS(I) TA project and looking at a map of Porto Alegre, the artists in the group sketched the route travelled from the first to the last studio on a map, marking the points and connecting them with straight lines in chronological order. This simple exercise produced zigzag lines that suggested a kite. A toy, an instrument of defence, a weapon, a decorative and even artistic object: with many uses throughout history it has coloured the skies of Brazil with different names – raia, quadrado, papagaio, pandorga. Interestingly, a kite needs an opposing wind to be able to take off and fly; it works with adversity. Once flying, and handled skillfully, it is surprising and enchanting. It was in 2005 that Carlos Krauz, Helena d´Ávila, Laura Fróes and Nelson Wilbert decided to fly the idea of a group project, having been thinking about working together for years. The opportunity arose one evening when attending an event at Bolsa de Arte gallery, when a friend who worked at the Casa de Cultura Mario Quintana, Miguel Soares, mentioned a vacant slot in the diary for the Galeria Xico Stockinger. They didn’t hesitate.1 WILBERT – When we were students, the “White Gallery” was our dream. Nuno Ramos and several other artists we admire had exhibited there. But that year, in 2005, it was almost abandoned and discarded; nobody went there. HELENA – But we said, “let’s do it and ‘make it happen’”. And we did. LAURA – The people from Casa de Cultura Mario Quintana were really impressed with the number of people at the opening. One of them came up to me and said “Goodness, what a lot of artists!” And there really were a lot of people, mainly artists. KRAUZ – That show was a kind of watershed for the space in a way. The room had been quite neglected, and the exhibition intervened in the place. HELENA – And people were quite animated, because they felt a sense of determination, a desire to do things. We were really passionate about what we were doing, really happy. Their enthusiasm involved presenting a small personal archaeology, taking three important phases from their development: [1] childhood, when imagination and spontaneous gesture found their own form of expression through drawing; [2] their years as students at UFRGS Instituto de Artes, as a period of recognition of interests and peers; [3] the current period, 2005, when their practice had been consolidated. Three periods in the history of four artists: 3X4. Revisiting themselves, they discovered that they had always discussed the same things: similar subject matter, approaches and even procedures could be found in their work as children, as students and in the present. So there was a sense of identity in the proposal. When the exhibition was over, they felt sure that they would continue developing something together based on the same principles that united them: friendship, admiration and respect. 1 Apart from where noted, all the statements come from an interview with the group on April 5 2014, in Wilbert’s studio in Porto Alegre.

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LAURA – We were thinking about that thing of being together, how good and enriching it is. I might decide to visit friends in their studios, for example, to go and have a coffee, chat, exchange ideas and spend the afternoon. That kind of relationship is fundamental for us. We wanted to suggest something similar. WILBERT – We wanted to have that kind of contact with artists in their studios and also open it out to the public. […] But how? After ages of thinking and discussion, we came up with the format for 3X4 VIS(I)TA: we would have preparatory discussions with the artists, then there would be the “visit itself”, when we would show our work based on a dialogue with theirs. Only, importantly, it would be for one day only. We wanted to encourage people by saying, “You have one chance, just one day to see it”. It was a bit of a gamble. We didn’t know if it would work. KRAUZ – There were many operational issues to be considered. Most of the artists we visited had studios connected to their homes. So there were worries about security and the artist’s privacy, which was also on display to some extent. To get to Gonzaga’s studio, for example, you had to go through his house. And we needed to find some way of doing that without trespassing on his private life. […] Each place ended up needing a different approach, and we had to think about it for two or three months until coming up with the solution to be adopted on that day, for those four or five hours. […] And when we looked at it, it was all over: ephemeral, and at the same time very intense. Once the format had been decided, all that remained was to begin. The first person to be approached was Roseli Jahn, who at the time had a small studio above an antique shop on Rua Padre Chagas. WILBERT – We met Roseli at an opening and asked if she had a studio. “Yes,” she said. “Would you like to do a project with us?” “Yes” “O.K., we’ll come and talk with you about it on Saturday”. And that’s how it started. Roseli had been one of our lecturers… And it suddenly seemed that we were back in the studio at the IA (Instituto de Artes), talking about drawing, about what we were doing and what she was doing… It was very good to begin with Roseli, because she was so enthusiastic about the idea. HELENA – And she said, “I’d like to. Whatever it is, I’d like to do it. I’m terrified, but I’d like to…” KRAUZ – The big question for her (and which was also an unknown for us) was, “How will it work, for a few hours on a Saturday?” There was a bit of initial panic, but we soon found the format. […] We established close contact because we had many things in common: investigation, discussion, everyday things… and our conversations were quite crazy, but we had a lot of fun. The backbone of the project lay in those preparatory discussions in the artists’ studios. Saturday afternoons on two, three or four occasions with the group, in something between and interview and a seminar. And the first question was always the same, “What does the studio space mean to you?” Ideas about the studio Thoughts about the studio probably bring to mind depictions of artists’ workspaces by Rembrandt (1606–1669), Vermeer (1632– 1675), Gustave Courbet (1819–1877) and Pedro Weingärtner (1853– 1929) – a mixture of reality, projection and allegory. Photographic or video records tend to be more expressive, and we might be surprised to see the accumulation of chaos necessary for Francis Bacon (1909– 1992); the obsessively organised space of Iberê Camargo (1914–1994); the office of Mondrian (1872–1944), the test bed for an aesthetic programme in the confluence between art, architecture and life. Traditionally, the studio is understood as laboratory, testing ground and isolation, where the artist is expected to be privately exploring the creative adventure. Fascination with this space is intimately associated with revelation, “[…] of the wellspring of art, the essence of artistic creation”2, as Marisa Florido puts it. Detailed knowledge 2 FLÓRIDO, Marisa. O ateliê do artista. In: Arte e Ensaios. Revista do Programa de PósGraduação em Artes Visuais EBA – UFRJ. Rio de Janeiro, 2002, vol. 9, p. 17–29. Available at http://www.ppgav.eba.ufrj.br/producao/arte-ensaios-9/. Accessed in May. 2015.


of the vagaries of the studio can be confusing, however: how many less aware onlookers and admirers of the British artist Damien Hirst (1965) were not surprised to see on his website – thanks to the webcam installed in his studio like some kind of reality show – that the artist’s works are produced not by him but by his assistants? The romantic idea of the studio began to change in the 1960s, with a broadening of the concepts of art, artist and spectator. Figures like Robert Smithson (1938–1973), Bruce Nauman (1941) and Daniel Buren (1938) questioned and challenged its basic principle, merging the place of production with the place of reception of the artwork. Indeed it was Buren, in one of the first essays on the topic, The Function of the Studio, from 1970 and 1971, who declared the end of the studio.3 What happened since, however, was less its extinction than an “expansion” of the concept, meaning that it is no longer confined to a physical space but instead represents the personal process of art creation and production of meaning4. So, as Teresa Azevedo states, the studio can “[...] be as varied as a simple kitchen table, a page on the internet, a wall in the street, a room in a gallery or a museum”.5 It can also be the work itself, as the curator Alfons Hug suggested in 2004, when the studio archive of Paulo Bruscky (1949) was transferred in its entirety from Recife to the 26th São Paulo International Biennial; just as the studio can become the raw material, as when Frantz extracts his paintings from the traces and remains in the studio space. At the start of the 3X4 project – contacting artists and inviting them to consider and discuss the significance of the studio in their creative processes, developing works based on the material in those spaces, and most importantly opening them to the public – the group was fully aware that, as Jon Wood recalls, the studio continues to be a physical substitute for the mind of the artist, access to which offers an opportunity for closer contact with the artist’s intentions, inspiration and working procedures.6 KRAUZ – At a gallery or museum exhibition you see the finished work. And when you’re in the studio many other things arise. Looking at Gonzaga’s sculptures, for example; they’re huge. Then we came across the plaster moulds he uses. And then suddenly Wilbert makes a work based exactly on those moulds. So if you think about the ‘germ’ of the work, there are a lot of things bubbling away there in the studio, in its inherent “noise” so to speak. HELENA – And right from the start there was the idea of using the studio as inspiration, the artist’s work, or even their surroundings – the artist’s way of living. In Gonzaga’s case, Wilbert was interested in the moulds, while I was interested in a wall covered with ivy. So that’s where I did my work, creating a “garden”. 3 The text was revised in 2007, for the exhibition The Studio (2006), organised by Jens Hoffmann and Christina Kennedy at Dublin City Gallery The Hugh Lane, with the title The Function of the Studio Revisited: Daniel Buren in Conversation. 4 The new roles and formats of the studio have affected projects, studies, exhibitions and publications at international level, particularly in the last decade. Key titles include: COLE, Michael; PARDO, Mary (Org.). Inventions of the Studio, Renaissance to Romanticism. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2005. DAVIDTS, Wouter; PAICE, Kim. The Fall of the Studio: Artists at Work. Valiz: Antennae, 2009. HOFFMANN, Jens; KENNEDY, Christina. The Studio. Dublin: Dublin City Gallery The Hugh Lane, 2007. HOFFMANN, Jens. The Studio. Whitechapel – Documents of Contemporary Art. London: The MIT Press, 2012. JACOB, Mary Jane; GRABNER, Michelle. The Studio Reader: on the Space of Artists. Chicago: University of Chicago Press, 2010. From April 12 to May 29, 2011, MARGS Ado Malagoli in Porto Alegre showed an exhibition with a similar emphasis curated by José Francisco Alves, titled Do atelier ao cubo branco, which considered the spaces of the artist’s creative work and formation, together with the transit of the work from creation space to exhibition space. 5 AZEVEDO, Teresa. Entre a criação e a exposição: o museu como ateliê do artista. Breve introdução ao tema. In: Midas – Museus e Estudos Interdisciplinares. Porto (Portugal), 2014. Available at http://midas.revues.org/589#quotation. Accessed in May. 2015. 6 WOOD, Jon. The studio in the gallery? In: McLEOD, Suzanne (Org.). Reshaping Museum Space: Architecture, Design, Exhibitions. London: Routledge, 2005, p. 158.

LAURA – And I had always had the idea of storing and organising images, fragments objects and significant things I’d collected or been given by friends. When I saw the organiser drawers during the visit to Felix’s studio, I had no hesitation in removing his things and putting in my own. I appropriated that piece of furniture: they were “my” drawers, where I put my own collections and souvenirs. WILBERT – Thinking about all those relationships now, reminds me of the work I made on the visit to Roseli. We had to go through an antique shop to get to her studio. It was full of crystal, glass, porcelain and other delicate things… Of course we were a bit worried about going through there, in case we knocked something over and damaged it, and we were also frightened that people would break things on the day of the event. So what did I do? I made a set of photographs of broken mirrors. I had never thought about that, but when I broke the mirrors it was as if I were breaking the glassware. An anthropophagic feast Understanding, using, devouring, creating based on the other. It is hard not to identify a kind of “anthropophagic feast” in this form of dialogue. One of the landmarks of Brazilian culture, with permanent repercussions, is the Anthropophagic Manifesto written by Oswald de Andrade (1890–1954) in 19287, which forms one of the conceptual foundations of the modernist movement in Brazil, based on that historical, controversial and always repulsive ritual: “genuinely Brazilian” cannibalism. Inspiration for the notion of anthropophagy came from the Tupi Indians, and consisted of devouring their enemies, not just any one, only the brave warriors. So the ritual developed of a particular relationship with otherness: selecting others in relation to the vital force that would intensify through their proximity; allowing oneself to be affected by those desired others to the point of absorbing them into the body, so that the particles of their virtue would become part of the chemistry of the soul and stimulate its refinement.8 As Suely Rolnik shows, this devouring is selective and critical, however. And it is also driven by desire. This mode of anthropophagy depends on a significant degree of exposure to otherness: perceiving and wanting the particularity of the other, unashamedly perceiving and wanting, unashamedly expressing this desire, with no fear of being contaminated, for that contamination is where the vital force expands, charging the batteries of desire, embodying transformations of subjectivities: the Tupi formula.9 Transformations of subjectivities. Helena d´Ávila’s video Impressões (2015) presents us with a powerful and subtle dialogue with the work of the internationally recognised print and video artist Maria Lucia Cattani. The static close up in Helena’s work shows the face of a woman slowly expressing states and sensations: eyes closed, her lips tremble and suddenly smile with undeniable pleasure; but then the delight seems to give way to pain, a furrowed brow and rolling head. Body and limbs, which are out of sight, activate the fantasy. Behind her we see the head of another person. What is happening? Is this some suggestively sexual pleasure? Impressões was made based on the photographic record of a tattoo session, developing out of Helena’s work during the studio visit 7 O Manifesto Antropófago was first published in Revista de Antropofagia, São Paulo, ano 1, nº 1, May, 1928. 8 ROLNIK, Suely. Subjetividade antropofágica. Originally published in HERKENHOFF, Paulo; PEDROSA, Adriano (Org.). Arte contemporânea brasileira: um e/entre outro(s). XXIV Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1998, p. 128–147. Available at: http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/ SUELY/Subjantropof.pdf. Accessed at. 2015. 9 Ibidem.

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to Dudu, as Maria Lucia Cattani was affectionately known.10 On that occasion 140 photographs of the face and back of her friend Clarisse Hebert Outeiral were shown, showing her face and the writing of the Oração a São Jorge on her back. For the video, the strategy changed: Helena decided to reveal the source of those material-body sensations only at the end. So the emphasis falls on the evocative facial expressions of Clarisse. Motivation for the work came from a fleeting but powerful moment when Helena discovered Cattani’s incisions on the wall of the studio during the first visit, made as a test for an in situ installation at the 5th Mercosul Biennial (2005). Titled A5 P811, the work used the carving process of woodcut print directly on the wall, while repetition involved a synthesis of the technique, permeated by the individuality of each gesture and the subtlety of the colours. The insistent, rhythmic grooves in the mortar seemed like cuts in the skin of the place: tattoos. Reference to Pillow Book (1996), the film by Peter Greenaway (1942), was almost immediate. The character in the film, Nagiko (Vivian Wu) takes pleasure from writing on the skin of his lovers and using their bodies as calligraphy. Those kinds of associations always arise. How can one forget that a significant part of Cattani’s work uses a kind of ideographic, intimate, secret writing, that she herself called “cattanese”? Incision, sequence, engraving, the same thing on the different: the visceral aspects of Dudu’s practice that Helena referenced so delicately and insightfully. Last but not least, there is the polysemic richness of the word Impressões [Impressions], together with the pain and pleasure from the sensations inflicted on material; feelings that as a rule accompany every creative process. Suely Rolnick stressed “desire” as the key feature of anthropophagy: “perceiving and wanting the particularity of the other, shamelessly perceiving and wanting, shamelessly expressing this desire, with no fear of being contaminated.” Of the 3x4 artists, there is no doubt that it is Wilbert who most reveals that desire. His appropriations of key portraits from art history – such as Mademoiselle Caroline Rivière by Ingres (1780–1867), Ginevra de´Benci, Cecilia Gallerani and Mona Lisa by Leonardo da Vinci (1452–1519) and intersections with Vincent van Gogh (1853–1890) and William Morris (1834–1896) – involve thematic or formal referencing. Contamination is constant, and Wilbert seeks it out, walking a hazardous path. Would he not, by permanently referencing others, ultimately be erasing his own identity, diluting it in the exhaustive and serial repetition of figures already so saturated by the culture industry? Andy Warhol’s (1928–1987) immersion in Pop also addressed this, and here we are faced with a new contamination. WILBERT – While I was at college they said I was affected by “acute influence”, because I was too influenced by everything I liked. And it’s hard to accept that influence. I remember talking once with Krauz about it, while we were still at the IA, and he told me to let those influences appear freely and undisguised. He said that when you find something in someone else’s work that you identify with, it also belongs to you in a way. That was very important, because then I began to relax about it all.12 Wilbert’s path is not just hazardous; it is also difficult, as the path taken by those working openly from tradition often can be. And for obvious reasons: comparison with that same tradition is continuous. Paulo Gomes has written astutely in this book about camouflage as one of Wilbert’s operational concepts. Although it can be identified as subject matter, particularly in his more recent work, it is primarily a framework, an intermediary process between the clear image and the codified, which disguises and surprises. Manifested in Wilbert’s 10 The video, edited by Dirnei Prates and Nelton Pellenz from the photographs, was made especially for the closing exhibition of the 3X4 VIS(I)TA Project from July 13 to August 2015, in the galleries of MAC–RS. 11 Acrylic on wall with incisions, 40 x 720 cm. in situ installation for the 5ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre, RS. 12 Statement to the author, 18 Oct. 2015.

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work through the overlapping of different layers of visual information, it reaches apparent saturation when a new image emerges from the amalgamation of references: this time the identity of the artist. Somewhat confusingly, in the exhibition that concluded the 3X4 VIS(I)TA project Wilbert decided to blur this historically camouflaged identity by basing his work on the installation Luto (2010), made during the visit to Mário Röhnelt’s studio. On that occasion he worked basically with [1] coloured prismatic crystal liqueur and perfume bottles, [2] black pigment dissolved in water, [3] white paper and [4] the studio table as a plinth. This austere arrangement of glass bottles containing different amounts of paint was arranged on plain paper in front of a triptych by Röhnelt of three apparently identical paintings of the same subject matter. Dense black liquid, the paint contained the silence of the glass containers; the 2015 work inverted this to produce the nine acrylic drawings on paper depicting in detail the same objects that had previously formed his funerary containers. Wilbert called the work A fonte [The fountain]. What source would he be talking about? The object, glass bottles for drink and perfume, repositories of fine aromas? The process, paper and paint, the preferred materials of the painter or draughtsman? The intellectual source, Duchamp (1887–1968), object, from and concept? Many possibilities, but the title declares: A fonte. These black and white drawings refer explicitly to the series of castles, palaces and ballrooms Röhnelt produced in the 1990s based on photographs, removing the colour, texture, excess and gilt and also camouflaging those spaces with a minimal, high-contrast palette. How can one look at Wilbert’s drawings and their admirable technical skill without thinking of Mário? A cursory glance might accuse him of plagiarism. And yes, Wilbert did plagiarise, in the extreme. Aware of the razor’s edge on which he has always walked, he chose something more radical, recalling an emblematic figure from the history of culture and art: Narcissus. WILBERT – When Narcissus arrives at the spring, he is attracted by the image he sees in the water, but he doesn’t recognise himself, it isn’t the reflection but the image that attracts him. So he goes beyond that image and becomes immersed in the spring and pines away. My path towards that idea of “plagiarising” Mário, so to speak, was clear and unavoided. Like Narcissus, I saw the situation, I saw the way to the abyss, but I continued. All other attempts at going back, using a different colour, a different shape, another way of doing it, to prevent my getting lost and casting myself into the abyss were rejected.13 Mário Röhnelt: The source. Mário also developed his career on the borderline between drawing and painting, and his work is also made of overlapping layers with permanent echoes of architecture, the classical tradition, the world of Pop, the decorative and self-reference. A second and fundamental stage concludes production of these drawings. WILBERT – I wanted Mário to have some participation in the work. And so he signed it with my name; not “Wilbert” the way I do, but “N.W.”, like he signs his own name, “M.R.”. I find that exchange fascinating. On the other hand, I‘ve always had relationships with artists who are distant in time and space in my career, and when I saw something in his work that was also mine it was very moving, because I could relate to a reference that was close and alive. I had an effective encounter with the source, and that’s very significant for me.14 Artist-researchers The various stages of visits allowed the group not just to visit artists they all admired, but also to return to their own histories, themes and careers. This investigative and creative immersion really demonstrates their position as artist-researchers. While some 13 Idem. 14 Idem.


writers will suggest that artists effectively enjoy this recognition and are first and foremost researchers, others will state that such an approach is related to academia. Although the university atmosphere is the quintessential locus of artist-researchers – who are nearly always teachers as well – they are not solely confined to that environment. Sandra Rey’s detailed reference work on this topic highlights the characteristic of research in the visual arts15: the endless traffic between theory and practice. [...] For the artist the work is both a “learning process” and process in the sense of processing, the formation of meaning. And this boundary between different procedures permeated with meanings in formation and displacement is where the research occurs. The word theory needs to be understood in this case much more as a field of specific and interdisciplinary knowledge than as a watertight theoretical device applied as some unquestionable truth or standard.16 She continues: If the work is both a learning process and a process in the sense of processing, of formation of meaning, as mentioned above, it is because the work somehow questions my senses, it is an active element in the development of shifting established meanings. It upsets the knowledge of the world that was familiar to me beforehand: it processes me. There is also that sense of processing someone: we are all processed by the work. The work, in process of being made, makes me think of my parameters and reconsider my positions. The artist addressing the process of making the work is ultimately processed herself, put in a process of discovery. You discover things that you didn’t know before and which can only be accessed through the work.17 One of the dynamics suggested by Krauz, Helena, Laura and Wilbert was the discussion, recording and writing about the works they were developing, their motivations and intuitions. The images and particularly the texts shared on the group’s blog about the project18, provided documents for thinking about each artist’s challenges, ways of seeing and procedures. Commenting on the status of artists’ writings today, Anne Cauquelin reminds us that “ever since Leonardo da Vinci’s notebooks, Poussin’s letters, and Delacroix’s diary, artists’ writings have become more numerous and acquired the right to their own status in the domain of aesthetics”.19 Treatises, manifestos, letters, diaries, interviews, quick notes: these records take on the character of mediation, involving reflection alongside the development of the work, and would ensure “[…] intermediation between the verbal and the non-verbal”.20 Artists’ writings open new doors onto discussion and even appreciation of the work, by shining light onto theoretical positions, locating movements and adopted references, or even providing indications about the genealogy of the work. This does not mean that the work’s interpretive or semantic potential is restricted or confined, but that the writings offer an “opening to see beyond what can be seen.”21 One example is Carlos Krauz’s writing about Zona Abissal during the visit to Gonzaga. The work consists of six identical wall clocks 15 Research in the visual arts is carried out by the artist-researcher based on the practice of making the work, while research into art is carried out by theorists, critics and historians, based on the art object and analysis of formal aspects and its circulation and position, among other aspects. On this topic see: REY, Sandra. Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em artes visuais. Porto Arte. Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, UFRGS, nº 13, v. 7, 1996. 16 REY, Sandra. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes. Available at: http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/CENA/DOC/DOC000000000046610.PDF. Accessed in May. 2015. 17 Ibidem. 18 3x4visita.blogspot.com.br 19 CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 154. 20 Ibidem, p. 155. 21 Based on Marilice Corona. In: CORONA, Marilice. A presença das motivações no(s) escritos de artista ou uma fresta para se ver além do que se vê. In: Anais do 16º Encontro Nacional da ANPAP. Florianópolis: 2007. Available at: http://anpap.org. br/anais/2007/2007/artigos/040.pdf. Accessed in July. 2015.

in the passage between the moulds and resins room and the space for modelling and completion of the sculptures. Showing different times, the clocks would puzzle the more attentive viewer. Waltercio Caldas (1946), an undeniable reference for Krauz, says “We are not obliged to believe fully in what we see, are we? There is some doubt related to clarity”.22 Invited to look their own watches, perhaps to find the “correct” device, viewers then realised not just that all the clocks were wrong, but also that their hands did not move. Or rather, they moved, but then immediately returned, in an endless regression. KRAUZ – I saw it as the work of a builder or an artist, in general terms. When the artist works with visible material, as Gonzaga does, he offers us something visible. But in the end he wants to arrive at the invisible, at something beyond the material; and this invisible thing is what evokes and transforms. And the clocks on the wall in the sculptor’s studio related to that idea of marking and going back, to the endless labour of working, of trying and doing. In everyday life, many things “are where they are” due to intangible magnetic forces. The same applies to those clocks fixed into some zone of the abyss. Writing about the work, Krauz says: The work consists of six quartz clocks whose hour and second hands have oriented magnets. These magnets frustrate the second hand’s “attempts” to move forward, stopping the clock and time. The endless attempts of the second hand to move forward are frustrated by the approach of a magnetic field with the same polarity as it and the hour hand. When these polarities “threaten” to meet each other, the magnetic field pushes the second hand backwards.23 Rather than explaining the mechanical and electromagnetic ties that made his idea possible, the text reveals something about Carlos Krauz’s own world: physical-chemical reactions, balance and limit, questioned based on ironic, highly conceptual strategies and a minimalist appearance. Something similar runs through Dispositivo para corrigir paisagens [Device to correct landscape] (2015), which Krauz showed at the Project’s closing exhibition in July and August 2015, at MAC–RS. Krauz’s disturbing object at the Galeria Xico Stockinger seemed to dialogue with Felix Bressan and André Venzon. Inside an acrylic box, a pair of gold-framed spectacles lay on soft white silicone cushions. Functionally, spectacles help us to see better; but Krauz’s were not so suitable: four strategically positioned needles precluded their use; two of them would pierce the side of the nose, and two the eyes. Pain and blindness. André Venzon’s work is often concerned with the erasure of the city and the individual, using pink plywood – employed by the construction industry for hoardings – to reveal though its colour and material the landscapes that we do not see, the people we do not see, situations we do not see – or choose not to see. Passing through the city, moving through its spaces, what do we know about it? What kind of wilful blindness is this? Felix addresses transitions of the human body, through its closest skin, clothing or objects. His work is pervaded with unfamiliarity and discomfort; his Corpo Ausente series about the fetishized female body subject to social and aesthetic standards provides a good example. The human scale of the sculptures suggests corsets, hoops, and highly erotic clothing, which might in some cases even be worn. But those fixings, screws and metalwork leave no doubt that these are for masochists. Perhaps there is some relationship with the Dispositivo para corrigir paisagens? Unfolding “I’m a bit like Macunaíma”, Frantz often says, smiling, referring to the characteristic phrase “Oh, how lazy!” of Mário de Andrade’s (1893– 1945) “hero with no character”. A painter who does not paint, he makes work from the remains of the work of others, in an anthropophagic feast 22 CALDAS, Waltercio. Manual da ciência popular. Prefácio e comentários do artista. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007 [1981], p. 24. 23 KRAUZ, Carlos. Zona Abissal. From a text on the project blog and also on page XX in this publication

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of opposites, fragments and leftovers, to which the artist is attracted. Presented on the traditional framework of a stretcher or in a sequence of pages in a book, his painting is always the record of the conflict that takes place in the heart of the studio; in essence, it is memory. Laura Fróes’s creative process involves memory and affection. Like a collector, she keeps things –exhibition invitations, labels, stickers, cellophane wrapping, packaging, fragments of cloth, lace, envelopes, tissue paper – wishing to preserve them. An object stimulates memory, recalling the moment when it was collected, the day a letter arrived, the friend who brought a gift. The artist uses this repertoire of everyday affective memories to make her work; gluing, embroidering and sewing layer upon layer to produce strata of experiences. Most of Laura Fróes’s work for the VIS(I)TA project involved returning to her collection, or a brief interlude of collecting new materials in the studios of André Venzon and Maria Lucia Cattani. But her preference was always her personal collections. In dialogue with Frantz in November 2011, some of this material was organised on top of a plan chest, including a 3x4 photograph of Laura herself. The studio furniture, with its drawers, suggested other repositories, while the glass cover over the displayed objects referred to a showcase. Four years later, this time in a table-vitrine, all the elements of the same group subtly merged with scans of X-ray images by her friend Kin Viana, signed by Laura, à la Macunaíma. Not all the objects were identifiable, but they were all there in some form: material and time overlapping, as they do in Frantz’s paintings. X-ray devices in airports and institutions requiring special security are used to record materials in different colours and densities. Nothing can escape them, in theory; everything becomes image. Like a vitrine, the X-ray monitor can show the whole or fragments of the analysed object framed to the same size as the monitor, while its components are shown in overlapping layers. Surface and colour, layer and colour, even with the same structure as a painting: it is hard to avoid relating these images to the discourse of painting. “Why not painting?” Frantz might ask, and Laura Fróes answers intuitively and perceptively, as well as realising a very personal dream. LAURA – I’ve been interested in the images of airport X-ray scanners for years. I’d often try to position myself to get a better view of the colourful images of other passengers’ bags on the monitors. In my mind I was always devising projects with different objects and volumes to achieve good visual effects. The “revisit” to Frantz, with those concerns of his work, offered an opportunity to go back to those plans. I began by asking technical questions of the airport authorities and the scanner manufacturers in Belo Horizonte; I also worked on decoding the English manuals from the Internet. At the same time, I was thinking about how to show the objects, the kind of support I would use, and the way of recording the image. But it was all very vague, because in principal I needed a scanner. Then I found out that a friend’s brother worked at the Foro Central in Porto Alegre, where they have an X-ray scanner. He asked head of security for authorisation for me to do an “art experiment” with the machines… It took three days, three sessions, with objects arranged in three different boxes, to get it right. And the best solution, the technician said, was to photograph a high-resolution image directly from the monitor, with the conveyer stopped. So the photographer could take dozens of pictures with different colour and contrast settings. It was real fieldwork, involving trial and error; a calculated challenge, but with a hypothetical result that was ultimately determined by the technology of the “machine of my dreams”.24 Attachments, always there While the project generally involved the special participation of one collaborator or another, the visit to Vera Chaves Barcellos and Patricio Farías involved group activity, as the first project by all four together. Invited to do the project in the new Storage Space at the Vera Chaves Barcellos Foundation in Viamão, rather than in the individual studios of Vera and Patricio, the group ended up working in three spaces. Reflecting on the limitations and specific features of 24 Statement to the author on 19 Oct. 2015.

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the challenge, together with the characteristics of that edition, which involved not just two artists but a couple, they decided to create a symbolic link by superimposing graphic representations of the floor plans of the two studios and transposing them to a third place. Lean, austere and at the same time moving, the site-specific installation used different colours of adhesive tape fixed to the floor, walls, openings and frames of the Storage Space. The same resources were adopted for the 2015 exhibition, on the floor of the MAC–RS Xico Stockinger and Sotero Cosme galleries. The first space exhibited the group’s works in relation to the visited artists, while the latter exhibited work by those same artists, mostly from the museum collection. The spaces were connected by a red line of adhesive tape on the floor, as a cartographic synthesis of the route followed. This “map of meaning” is part of the construction of the territory that it represents. Noticing the drawing’s kite shape, Krauz, Helena, Laura and Wilbert recognised its playful and joyful aspects, but also its elements of design and risk. For a kite to work it needs to have the right size, material and measurements – in short, it needs planning; to fly, interestingly it needs adversity – and they faced several adversities; to dance beautifully and fluidly in the sky, it needs the security and daring of the person holding the string. But fundamentally, flying a kite alone is not much fun; it needs partnership. Friendship. It was friendship that brought Krauz, Helena, Laura and Wilbert together back in 2005; friendship lay behind the choice of the nine visited artists, and governed the preparatory discussions, cups of tea and coffee and biscuits on Saturday afternoons; animated laughter, endless stories; it was friendship that opened drawers and plan chests and revealed personal possessions, providing further sharing; friendships animated friends to collaborate in the production and execution of so many ideas, and brought 60, 80, 130 people to open studios on each Saturday of the 3X4 VIS(I)TA project, where generations met together, exchanging ideas and socialising. A broad and admirable network of friendships, that few people manage to achieve. WILBERT – It’s thanks to our strong friendship that we are here today. We’ve had reasons never to want to see each other again HELENA – Sometimes we’ve wanted to kill each other [laughing]. WILBERT – But we like each other a lot, we’re fond of each other, and it makes you want to start it all over again. And why not?

Paula Ramos is a critic, curator, art historian, and researcher-lecturer at the Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes


CURRÍCULOS CAREERS SUMMARY

CARLOS KRAUZ

(Porto Alegre, RS, 1958) FORMAÇÃO EDUCATION

1989 – 1993 Bacharelado em Artes Plásticas – Pintura, Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS 1998 – 2001 nMestrado em Poéticas Visuais, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS n

FORMAÇÃO COMPLEMENTAR FURTHER EDUCATION 1991 nVerticalidade Invertida - Oficina com José Resende, III Festival de Verão da Universidade Federal do Espírito Santo, Nova Almeida, ES 1992 nEscultura - Oficina com Carlos Fajardo, Instituto Estadual de Artes Visuais, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS nApropriação do Espaço - Oficina com Ana Tavares, V Festival de Arte da Cidade, Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, Porto Alegre, RS EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS SOLO EXHIBITIONS 2015 ndiante/através, Espaço Cultural ESPM Sul, Porto Alegre, RS 2012 nBordas, Galeria Augusto Meyer, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS 2010 nRefletores aturdidos, Galeria Gestual, Porto Alegre, RS 2005 nAcentos portáteis, Galeria Java Bonamigo, UNIJUÍ, Ijuí, RS 2002 nzigzag, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS nzigzag, Pinacoteca do Centro Universitário FEEVALE, Novo Hamburgo, RS EXPOSIÇÕES COLETIVAS GROUP EXHIBITIONS 2015 n3x4 Vis(i)ta, curadoria de Paula Ramos, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 339


2014 nPrêmio Marcantonio Vilaça Edição Especial-Trajetória, curadoria de Marcus Lontra Costa e Daniela Name, Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, RJ nCor, luz e movimento, curadoria de Marcus Lontra Costa e Daniela Name, Centro Cultural Minas Tênis, Belo Hori-zonte, MG nVontade: para tudo na vida, curadoria de André Venzon, Hall do Hospital de Clínicas, Porto Alegre, RS n+ MAIS, novos trabalhos doados à coleção da Pinacoteca Aldo Locatelli da PMPA, Porto Alegre, RS 2013 nA bela morte, curadoria de Ana Zavadil, Museu de Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS nSalão de Arte de Vinhedo Edição 2013, São Paulo, SP n30 x 30, Associação Chico Lisboa, Galeria Bolsa de Arte, Porto Alegre, RS nPrimeiro Prêmio MM BH, curadoria de Bernardo Mosqueira, Belo Horizonte, MG nEmpilháveis, curadoria de Kátia Costa, Centro Cultural do DMAE, Porto Alegre, RS nÚnicos e múltiplos: um mapeamento dos Livros de Artista no Rio do Grande do Sul, curadoria de Alexandra Eckert, Mara Caruso e Helena Kanaan, PMPA, Porto Alegre, RS nArteSul Contemporáneo, curadoria de Vera Pellin, Centro de Exposiciones SUBTE, Montevideo, Uruguai nConexões/Conexiones, curadoria de Bernardo Mosqueira, Galeria de Arte Hoy en el Arte, Buenos Aires, Argentina 2012 nO triunfo do contemporâneo, curadoria de Gaudêncio Fidelis, Santander Cultural, Porto Alegre, RS nEconomia da montagem, curadoria de José Francisco Alves, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS nCromomuseu, curadoria de Gaudêncio Fidelis, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS nConexões/Conexiones, curadoria de Bernardo Mosqueira, Galeria de Arte Antonio Berni, Rio de Janeiro, RJ nOscilações, vibrações, pulsações e... perturbação, em parceria com o artista Rogério Livi, Espaço Cultural Chico Lisboa, Porto Alegre, RS nDistensões do real, curadoria de Clóvis Martins Costa, Espaço Cultural FEEVALE, Novo Hamburgo, RS n20 x 20, Associação Chico Lisboa, Galeria Bolsa de Arte, Porto Alegre, RS 2011 nDo atelier ao cubo branco, curadoria de José Francisco Alves, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS 2005 n3x4 construindo a identidade, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 340

1990 nI Salão Nacional de Arte Contemporânea, Museu Universitário, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS PROJETOS ESPECIAIS SPECIAL PROJECTS 2012 n3x4 Vis(i)ta Vera Chaves Barcellos e Patricio Farías, Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS 2011 n3x4 Vis(i)ta Frantz, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2010 n3x4 Vis(i)ta Mário Röhnelt, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2009 n3x4 Vis(i)ta Maria Lucia Cattani, ateliê da artista, Porto Alegre, RS 2008 n3x4 Vis(i)ta André Venzon, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2007 n3x4 Vis(i)ta Gonzaga, ateliê do artista, Porto Alegre, RS n3x4 Vis(i)ta Felix Bressan, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2006 n3x4 Vis(i)ta Roseli Jahn, ateliê da artista, Porto Alegre, RS PRÊMIOS PRIZES 2013 nMenção Honrosa pela obra Aladdin, em parceria com Luis Christello, Salão de Arte de Vinhedo - Edição 2013, São Paulo, SP 1990 nMenção Especial, I Salão Nacional de Arte Contemporânea, Museu Universitário, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS 1983 nPrêmio Sul América, III Jovem Arte Sul América, Porto Alegre, RS nPrêmio Secretaria da Cultura do Paraná, III Jovem Arte Sul América, Porto Alegre, RS COLEÇÕES PÚBLICAS PUBLIC COLLECTIONS nMuseu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS nMuseu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS nPinacoteca Aldo Locatelli, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Porto Alegre, RS


HELENA d’AVILA (Porto Alegre, RS, 1961)

FORMAÇÃO EDUCATION 1996 Bacharelado em Artes Plásticas – Pintura, Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS 1998 nPós-Graduação – Especialização em Produção Cinematográfica, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS n

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS SOLO EXHIBITIONS 1998 nNatureza Viva, Galeria Pedro Arcanjo, Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia e Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural, Salvador, BA 1997 nPinturas, Instituto Mauá do Pelourinho, Salvador, BA 1996 nMostra Tempos – Pintura, Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS 1994 nRumos ITAU, Itaugaleria, Brasília, DF EXPOSIÇÕES COLETIVAS GROUP EXHIBITIONS 2016 nTransmigrações II, curadoria de Ana Zavadil e Letícia Lau, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS nPaisagem plural, curadoria de Ana Zavadil, Espaço Fernando Beck, Florianópolis, SC2015 n3x4 Vis(i)ta, curadoria de Paula Ramos, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS nI Bienal C, Galeria do DMAE, Porto Alegre, RS nExposição de desenhos com Mário Rohnelt, Atelier da Prata, Porto Alegre, RS 2014 nTerritórios, curadoria com de Helenice Porcella, Novo Hotel Três Figueiras, Porto Alegre, RS nCultura e Cotidiano, Associação Chico Lisboa, Porto Alegre, RS n20x20 e Outros Formatos – 9ª Edição, Associação Chico Lisboa, Galeria Bolsa de Arte, Porto Alegre, RS

2012 nTrans-Aparências – Helena d’Avila e Taís Freitas, Gravura Galeria de Arte, Porto Alegre, RS 2011 nDias Claros e Azuis – Helena d’Avila e Taís Freitas, Porão do Paço Municipal, Porto Alegre, RS nLivre há 50 Anos – Exposição Comemorativa do Aniversário do Atelier Livre da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Café do Cofre, Santander Cultural, Porto Alegre, RS 2008 n20x20 – 3ª Edição, Associação Chico Lisboa, Galeria Bolsa de Arte, Porto Alegre, RS 2006 nMario Quintana – Da Rua dos Cataventos aos Esconderijos do nTempo, Sala Augusto Meyer, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS 2005 n3x4 construindo a identidade, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS nHomenagem a Érico Veríssimo, Goethe Institut, Porto Alegre, RS 2001 nO Sagrado e o Mítico – Helena d’Avila e Taís Freitas, Espaço Cultural Singolare, Porto Alegre, RS 2000 nDia del Arte Correo – Edicion 2000, Palácio Central del Correo Argentino, Buenos Aires, Argentina nUm Lugar Para Cristo no Terceiro Milênio?, Cripta da Catedral Metropolitana, Porto Alegre, RS nPintura Mosaico, Liceu de Artes e Ofícios, Salvador, BA nV Bienal do Recôncavo, Centro Cultural Dannemann, São Félix, BA 1999 nEstranhos Vestíveis, Mercado Público, Porto Alegre, RS nUniverso de Mitos, Sala Sapato Florido, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS nTotem – Projeto Quê? Arte?, Khôra Atelier de Artes Visuais, Porto Alegre, RS nIX Salão Latino-Americano de Santa Maria, Museu de Arte de Santa Maria, MASM, Santa Maria, RS 1997 n26 x 26 Coletiva de Artes, curadoria de Eunice Gavioli e Mariza Carpes, Casa 26 – Equipe de Artes, Porto Alegre, RS n25 X 25 – Porto Alegre em Buenos Aires, Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, Centro Cultural Recoleta, Buenos Aires, Argentina 1996 nAmérica x América Fax Arte – MERCOSUL, IEAVI, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS n25 x 25 - O Instituto de Artes Expõe sua História, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre, RS 341


1996 n2° Encuentro de Arte Correo, Passo de Rey, 1996 – 504º Aniversário del Último Dia em Libertad en America, Galeria del Registro, Buenos Aires, Argentina nVII Salão de Pintura Cidade de Porto Alegre, Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS n16° Salão do Jovem Artista, Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS 1995 nII Salão MAM – Bahia de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna da Bahia, MAM-BA, Salvador, BA nII Prêmio Gunther de Pintura 95, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, MAC/USP, São Paulo, SP n24 quadros por segundo, uma homenagem ao cinema gaúcho, Secretaria Municipal da Cultura, Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS nIn Loco – Exposição de Pinturas, Goethe Institut, Porto Alegre, RS nRetratando a Amazônia, Espaço Cultural BASA, Porto Alegre, RS 1994 nPerspectiva Contemporânea, IEAVI, Galeria Xico Stockinger, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS nSolares, Solar dos Câmara, Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS n11° Salão de Artes Plásticas Câmara Municipal de Porto Alegre, Edel Trade Center, Porto Alegre, RS 1993 n50° Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea do Paraná, MAC-PR, Curitiba, PR n16° Salão da Chico Lisboa, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS nNova Pintura, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 1992 nMostra Brasil Hoje, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS n10° Salão de Artes Plásticas Câmara Municipal de Porto Alegre, Edel Trade Center, Porto Alegre, RS PROJETOS ESPECIAIS SPECIAL PROJECTS 2016 nProjeto Arte no Muro, comemorativo aos 15 anos do Santander Cultural e aos 244 anos de Porto Alegre, curadoria de André Venzon, Muro da Av. Maúa, Porto Alegre, RS 2012 n3x4 Vis(i)ta Vera Chaves Barcellos e Patricio Farías, Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS 2011 n3x4 Vis(i)ta Frantz, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 342

2010 3x4 Vis(i)ta Mário Röhnelt, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2009 n3x4 Vis(i)ta Maria Lucia Cattani, ateliê da artista, Porto Alegre, RS 2008 n3x4 Vis(i)ta André Venzon, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2007 n3x4 Vis(i)ta Gonzaga, ateliê do artista, Porto Alegre, RS n3x4 Vis(i)ta Felix Bressan, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2006 n3x4 Vis(i)ta Roseli Jahn, ateliê da artista, Porto Alegre, RS 1998 nDa Menor Importância (Curta metragem, direção de arte), 26° Festival de Cinema, Gramado, RS 1996 nA AIDS Não É Por Aí (Instalação), Secretaria Municipal de Saúde, SMS, Largo Glênio Peres, Porto Alegre, RS 1994 – 1990 n Cenografia para teatro - Rio Grande do Sul 1993 nProjeto Interferência (Pintura mural), IEAVI, Rio Grande do Sul 1992 nArvóre-se (Instalação), Secretaria Municipal do Meio Ambiente, SMMA, Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS n


LAURA FRÓES

(Porto Alegre, 1970) FORMAÇÃO EDUCATION

1992 Bacharelado em Artes Plásticas – Desenho, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS n

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS SOLO EXHIBITIONS 2012 nCorte/Dobra – Fotogaleria Virgílio Calegari, Casa de Cultura Mario Quintana, IEAV, Porto Alegre, RS nCosturas e Colagens, Centro Municipal de Cultura, Porto Alegre, RS 1993 nDesenhos – Projeto João Fahrion, IEAV, Porto Alegre, RS EXPOSIÇÕES COLETIVAS GROUP EXHIBITIONS 2015 n3x4 Vis(i)ta, curadoria de Paula Ramos, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 2014 nTempo que se mostra, Atelier Jabutipê, Porto Alegre, RS 2005 n3x4 Construindo a Identidade, Galeria Xico Stockinger, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS 1999 nProjeto João Fahrion 10 Anos, Galeria Sotero Cosme, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 1998 nRemetente - Uma Leitura de Artista, Espaço Ulbra, Porto Alegre, RS 1997 nSalão do Jovem Artista RBS, Porto Alegre, RS 26 x 26 Coletiva de Artes, curadoria de Eunice Gavioli e Mariza Carpes, Casa 26 – Equipe de Artes, Porto Alegre, RS 1996 nSalão do Jovem Artista, Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS n25 x 25 - O Instituto de Artes expõe sua história, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre, RS 1995 n18º Salão de Artes Plásticas de Associação Chico Lisboa, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS 1994 nJovem Pintura Figurativa, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS

nPerspectiva Contemporânea, Galeria Xico Stockinger, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS n11º Salão Câmara Municipal de Porto Alegre, Espaço Edel Trade Center, Porto Alegre, RS 1993 nProjetos de Graduação 92, Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS nO livro como suporte, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS nA matéria do desenho, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS

PROJETOS ESPECIAIS SPECIAL PROJECTS 2012 n3x4 Vis(i)ta Vera Chaves Barcellos e Patricio Farías, Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS 2011 n3x4 Vis(i)ta Frantz, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2010 n3x4 Vis(i)ta Mário Röhnelt, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2009 n3x4 Vis(i)ta Maria Lucia Cattani, ateliê da artista, Porto Alegre, RS 2008 n3x4 Vis(i)ta André Venzon, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2007 n3x4 Vis(i)ta Gonzaga, ateliê do artista, Porto Alegre, RS n3x4 Vis(i)ta Felix Bressan, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2006 n3x4 Vis(i)ta Roseli Jahn, ateliê da artista, Porto Alegre, RS 1997 nPlano B (exposição independente realizada em uma residência no Bairro Petrópolis), Porto Alegre, RS 1996 nA Casa da Ilha da Pólvora – Projeto Arte Construtora, Ilha da Pólvora, Porto Alegre, RS 1993 nProjeto Interferência, IEAVI, Rio Grande do Sul, RS PRÊMIOS | PRIZES 2011 nMenção Honrosa, 2º Prêmio Instituto Estadual de Artes Visuais, Porto Alegre, RS 1997 nPrêmio Aquisição, 7º Salão do Jovem Artista RBS, Porto Alegre, RS 1994 nPrêmio Incentivo à Criatividade, 11º Salão Câmara Municipal de Porto Alegre, Espaço Edel Trade Center, Porto Alegre, RS 343


NELSON WILBERT

(São José do Ouro, RS, 1969) FORMAÇÃO EDUCATION

1989 – 1993 Bacharelado em Artes Plásticas – Pintura, Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS SOLO EXHIBITIONS 2006 Remix, Galeria Bolsa de Arte, Porto Alegre, RS 2006 nEspelhos, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 2004 nIntersecção, Galeria Bolsa de Arte, Porto Alegre, RS 1996 nPinturas, Galeria Iberê Camargo, Secretaria Municipal da Cultura, Porto Alegre, RS 1995 nDesenhos, Sala Grafite do Center Park Hotel, Porto Alegre, RS 1994 nPinturas e Desenhos – Projeto João Fahrion, Instituto Estadual de Artes Visuais, Porto Alegre, RS 1993 nDesenhos, Emília Gontow Loja de Arte, Porto Alegre, RS n

EXPOSIÇÕES COLETIVAS GROUP EXHIBITIONS 2015 n3x4 Vis(i)ta, curadoria de Paula Ramos, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS nO ateliê como autorretrato, curadoria de André Venzon, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS 2014 nOutro Museu – Doações Recentes ao Acervo do MACRS, curadoria de André Venzon, Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, MALG, Pelotas, RS nOutro Museu – Doações Recentes ao Acervo do MACRS, curadoria de André Venzon, Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim, Caxias do Sul, RS 2012 nIdades Contemporâneas – Diante da Matéria, curadoria de Paula Ramos, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 2010 nPintura: da matéria à representação, curadoria de Mário Röhnelt, Sala dos Pomares, Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS​ 344

2007 Seleções da arte contemporânea brasileira, Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro, RJ 2005 n3x4 construindo a identidade, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 2004 nProjeto mapeamento das artes visuais do Rio Grande do Sul – Módulo 1, Museu da Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 2003 nPorto Alegre em Foco, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS 2002 n8° Salão da Bahia, Museu de Arte Moderna da Bahia, MAM-BA, Salvador, BA Madonna delle Lacrime, Sala di mostre della Cassa Rurale Banca di Credito Cooperativo, Treviglio, Bergamo, Itália 2001 nUm lugar ao lado, Universidade Luterana do Brasil, ULBRA, Canoas, RS 2000 nSobre Desenho, Galeria Iberê Camargo, Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS 1999 nProjeto João Fahrion 10 Anos, Galeria Sotero Cosme, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS 1998 nVista de Porto Alegre x Um novo olhar, Secretaria Municipal da Cultura, Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, MARGS, Porto Alegre, RS n2th Salon and Exchange of Postcard Exhibition, University Theatre Gallery, Ball State University, Muncie, Indiana, USA n2° Salão e Intercâmbio de Arte Postal, Casa 26 – Equipe de Artes, Porto Alegre, RS nFormas Possíveis, Casa 26 – Equipe de Artes, Porto Alegre, RS 1997 nSalão do Jovem Artista, Porto Alegre, RS n26 x 26 Coletiva de Artes, curadoria de Eunice Gavioli e Mariza Carpes, Casa 26 – Equipe de Artes, Porto Alegre, RS nII Porto Alegre em Buenos Aires, Centro Cultural Recoleta, Argentina 1996 nSalão do Jovem Artista, Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS n1° Porto Alegre em Montevideo, Atrio da Intendencia de la Municipalidad de Montevideo, Uruguai n25 x 25 – O Instituto de Artes expõe sua história, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre, RS 1995 n24 quadros por segundo, uma homenagem ao cinema gaúcho, Secretaria Municipal da Cultura, Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS n


1994 nV Salão Latino Americano de Santa Maria (Menção Especial em Desenho), Museu de Arte de Santa Maria, Santa Maria, RS n10ª Mostra do Desenho Brasileiro, Museu de Arte Contemporânea do Paraná, MAC-PR, Curitiba, PR nContemporâneos: figura e abstração, Galeria Alencastro Guimarães, Porto Alegre, RS n10 Anos de fundação do Atelier Livre de Cachoeira do Sul, Cachoeira do Sul, RS nProjeto João Fahrion, Instituto Estadual de Artes Visuais, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS nJovem pintura figurativa, curadoria de Paulo Gomes, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS n51° Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea do Paraná, MAC-PR, Curitiba, PR 1993 nProjetos de Graduação 93, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre, RS

2013 Art Dubai 2013, Dubai, Emirados Árabes Unidos 2012 nArt Dubai 2012, Dubai, Emirados Árabes Unidos 2011 nArt Dubai 2011, Dubai, Emirados Árabes Unidos 2010 nArt Dubai 2010, Dubai, Emirados Árabes Unidos n

COLEÇÕES PÚBLICAS PUBLIC COLLECTIONS Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, MACRS, Porto Alegre, RS nPinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre, RS n

COLEÇÕES INSTITUCIONAIS INSTITUTIONAL COLLECTIONS Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS

n

PROJETOS ESPECIAIS SPECIAL PROJECTS 2016 nProjeto Arte no Muro, comemorativo aos 15 anos do Santander Cultural e aos 244 anos de Porto Alegre, curadoria de André Venzon, Muro da Av. Maúa, Porto Alegre, RS 2012 n3x4 Vis(i)ta Vera Chaves Barcellos e Patricio Farías, Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão, RS 2011 n3x4 Vis(i)ta Frantz, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2010 n3x4 Vis(i)ta Mário Röhnelt, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2009 n3x4 Vis(i)ta Maria Lucia Cattani, ateliê da artista, Porto Alegre, RS 2008 n3x4 Vis(i)ta André Venzon, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2007 n3x4 Vis(i)ta Gonzaga, ateliê do artista, Porto Alegre, RS n3x4 Vis(i)ta Felix Bressan, ateliê do artista, Porto Alegre, RS 2006 n3x4 Vis(i)ta Roseli Jahn, ateliê da artista, Porto Alegre, RS 1999 nReflexos esferóides, Projeto Relógio do Sol: Proibido não Tocar, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, RS FEIRAS DE ARTE ART FAIR 2014 nArt Dubai 2014, Dubai, Emirados Árabes Unidos

345


AGRADECIMENTOS ACKNOWLEDGMENTS

André Venzon Felix Bressan Frantz Gonzaga Maria Lucia Cattani (in memoriam) Mário Röhnelt Patricio Farías Roseli Jahn Vera Chaves Barcellos

Ada Broilo Alan Asquith Ana Maria Albani de Carvalho Ana Maria Paiva Ana Zavadil Antônio Gewehr Bárbara Lopes Bolsa de Arte Brascril Acrílicos Carla Maya d’Avila (in memoriam) Carla Volkart Carlos Stein Carolina Biberg Casa de Cultura Mario Quintana Cassio Maffazzioli Clara Lopes Clóvis Dariano Cristiane Löff Cristiano Goldschmidt Cristina Ferrony Denise Liege Diego Groisman Dirnei Prates Eduardo Veras Fábio Alt Fábio Del Re FVCB Gabriela Silva Hopi Chapman Ilma Nunes de Leão Karine Emerich Joana Lopes Juliana Penglow Hein

Juliana Schnack Kin Viana Leopoldo Plentz Marco Antônio Wilbert Marcos Graciani Maria Margarita Santi Kremer Mariana Candal Soares Mariza Carpes Martino Piccinini Michele Monteiro Miguel Soares MACRS Nelton Pellenz Nick Rands Nilza da Silva Borges Niura Legramante Ribeiro Otávio Motta Paula Ramos Paulo Gomes Pedro Cupertino Richard John Risomá Cordeiro Sara Lewis Arengo Silvana Alves Susana Rangel Suzana Dolce Taís Bruck de Freitas Teniza Spinelli Vera Gewehr Vera Pinto Walter Karwatzki Walter Rosa Wesley Stutz


CONCEPÇÃO CONCEPT Carlos Krauz Helena d´Avila Laura Fróes Nelson Wilbert PRODUÇÃO EXECUTIVA EXECUTIVE PRODUCTION Cristiane Löff EDIÇAO DE TEXTOS EDITORIAL ? Paula Ramos TEXTOS TEXTS Ana Maria Albani de Carvalho Carlos Krauz Helena d´Avila Laura Fróes Maria Margarita Santi Kremer Mário Röhnelt Nelson Wilbert Niura Legramante Ribeiro Paula Ramos Paulo Gomes Roseli Jahn Susana Rangel APOIO SUPORT Martino Piccininni Pedro Cupertino VERSÃO PARA O INGLÊS ENGLISH VERSION Nick Rands Diego Groisman DESIGN GRÁFICO GRAPHIC DESIGN Cristiane Löff REVISÃO DE TEXTOS PROOFREADER Gabriela Silva Alan Asquith Diego Groisman Mariza Carpes Sara Lewis Arengo

IMPRESSÃO PRINTING Gráfica Pallotti

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS PHOTO CREDITS Acervo Maria Lucia Cattani 164, 165, 166, 167, 168 André Venzon 136, 144 (superior), 145 Antonio Frantz Filho 214, 215 Carlos Stein_VivaFoto capa, 24, 132,133,285,289, 290, 293, 294, 295, 296, 297, 298, 299, 300, 301, 302, 303, 304, 305,306, 307 Cassio Maffazzioli e Walter Karwatzki 42, 138, 219, 222, 223, 232, 233, 255 Clóvis Dariano 88, 89, 90, 91, 92, 220 Cristina Ferrony 93 Egon Kroeff Neto 249, 250, 251 Fábio Del Re_VivaFoto 14, 15, 16, 18, 19, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 36, 40, 44, 45, 47, 48, 58, 59, 61, 64,69, 70, 71, 84, 85, 87, 108, 109, 111, 135, 160, 161, 184, 185, 187, 210, 211, 213, 234, 235, 237, 244, 245, 247, 254, 260, 261, 264, 265 Fábio Alt (FVCB) 262, 263, 267, 270, 271, 272, 273 grupo 3x4 35, 38, 50, 52, 53, 54, 55, 67, 72, 73, 75, 77, 79, 81, 82, 83, 94, 95, 96, 97, 99, 101, 103,105,106,107,118, 120, 121, 123, 125, 127, 129, 130, 131, 142, 146, 147, 148, 149, 151, 153 (maior), 155, 157, 158, 159, 163, 169, 170, 171, 172, 173, 175, 177, 179, 181, 182, 183, 193, 194, 197, 198, 199, 201, 203, 205, 207, 208, 209, 225, 227, 229, 231, 242, 243, 252, 253, 258, 259, 268, 269, 274, 275, 28, 282, 284, 288, 291 Helena d’Avila 153, 280 Igor Sperotto 137, 139, 140, 216, 217, 218 Kin Viana 34,39, 292 Kitty Venzon 141 Mário Röhnelt 188, 189, 190, 191, 192 Pierre Yves Refalo 112, 113, 114, 115, 116 Richard John 20, 21, 23 Roseli Jahn 65, 66 Silvio Quirino 145 (ao lado) Taís Freitas 117 Vera Chaves Barcellos 238, 239, 240, 241, 248, 266 Wesley Stutz 62, 63


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