Uma nova abordagem cristã sobre o sexo

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Outubro / Novembro 2008

verdade com conteúdo evangélico

Ano 2, número 7

14 Tambores de guerra

Debates em torno da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol evidenciam a polêmica em torno da presença evangélica nas aldeias.

Por Marcelo Brasileiro |

20 O Evangelho segundo o SexxxChurch

20

P o r M a r c e l o B r a s i l e i r o | Crentes montam ministério virtual para combater a pornografia sem recorrer ao moralismo.

24 Crise de integridade

Para especialistas, o descrédito da liderança evangélica perante a sociedade se deve em grande parte a deslizes éticos e morais cometidos pela própria Igreja.

Por Daniel Machado |

30 O doutor Bíblia

P o r M a r c e l o B r a s i l e i r o | Médico e colecionador, Aristóteles Alencar costuma peregrinar em busca de exemplares raros e já tem 1,5 mil edições da Palavra de Deus.

34 Colcha de retalhos

14

Desavenças acerca de temas polêmicos, como a ordenação de sacerdotes gays, fragmentam a Igreja Anglicana, mas líderes ainda falam em reunificação.

Por Timothy C. Morgan |

36 Uma Igreja na encruzilhada

Depois do pesadelo soviético, evangélicos da Ucrânia buscam novos rumos para sua fé de olho na expansão do Reino.

Por Susan Wünderink |

42 Preparados para a boa obra

AFP

Fábio Pozzebom (Agência Brasil)

fotomontagem

R E P O R T A G E N S

46

44 Uma Bíblia para o novo século

P o r C a r l o s Fe r n a n d e s | Chega ao mercado a Almeida 21, versão das Escrituras Sagradas adaptada aos tempos de hoje.

46 O fator fé

Divulgação

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Projetistas evangélicos dizem que pastores e líderes costumam negligenciar detalhes fundamentais na construção de templos.

Por Marcelo Barros |

P o r J o h n W. K e n n e d y e To n y C a r n e s | Às vésperas de uma eleição presidencial disputadíssima, eleitorado evangélico americano divide-se entre dois candidatos antagônicos, mas com a mesma profissão de fé.

56 Um outro evangelho

P o r C a r l o s Fe r n a n d e s | Crise do movimento evangélico brasileiro está ligada ao liberalismo e à flexibilização dos conteúdos das Escrituras, diz estudioso.


Outubro / Novembro 2008

N O T Í C I A S ,

S E Ç Õ E S

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C O L U N A S

6 Primeiras palavras

7 Cartas e mensagens P&R: Tim

Keller

Mente e coração: Henri

Arquivo

8 CH Informa

Nouwen

28 Mulher | E s t h e r C a r r e n h o

Encarando a própria vida

9 Manuscritos: Tesouro na web

32 Espiritualidade | R i c a r d o A g r e s t e

Espiritualidade cristã e outras espiritualidades

40 Reflexão | E d R e n é K i v i t z

O novo paradigma da missão

52 CH Cultura

Livros | J a q u e l i n e R o d r i g u e s Vídeos | N a t a n i e l G o m e s Música | N e l s o n B o m i l c a r

arquivo

60 CH Digital | W h a n e r E n d o

Muito além do jardim digital

10 Isaac Newton: A fé de um gênio

62 Os outros seis dias | C a r l o C a r r e n h o

Sobre o amor aos gays e às mães que querem abortar

64 Últimas palavras | C a r l o s Q u e i r o z Um ídolo chamado mercado

divulgação

54 Infantic´dio em v´deo



Primeiras palavras Marcos Simas editor Revista Cristianismo Hoje A verdade com conteúdo evangélico www.cristianismohoje.com.br Quem somos Cristianismo Hoje é uma publicação evangélica, nacional e independente, que tem como objetivo informar, encorajar, unir e edificar a Igreja brasileira, comunicando com verdade, isenção e profundidade os fatos ligados ao segmento cristão, bem como o poder transformador do Evangelho a todos os seus leitores

A revista tem uma parceria com o grupo Christianity Today International, um dos mais importantes grupos de mídia cristã do mundo, com 11 revistas e 28 sites de conteúdo Conselho Editorial Carlo Carrenho • Carlos Buczynski • Eleny Vassão Eude Martins da Silva • Marcelo Augusto Souto Mário Ikeda • Mark Carpenter • Nelson Bomilcar Richard Werner • Ronaldo Lidório • Volney Faustini William Douglas Editor Marcos Simas Diretor de redação e jornalista responsável Carlos Fernandes – MTb 17336 Jornalistas desta edição Daniel Machado • John W. Kennedy • Marcelo Barros Marcelo Brasileiro • Susan Wünderink Timothy C. Morgan • Tony Carnes Colunistas Carlo Carrenho • Jaqueline Rodrigues Nataniel Gomes • Nelson Bomilcar Rubinho Pirola • Whaner Endo Tradutores Jorge Camargo • José Fernando Cristófalo Karen Bomilcar • Simone Lacerda

Um ano de conquistas

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á faz um ano! CRISTIANISMO HOJE, lançada no Brasil em parceria com o grupo evangélico Christianity Today (CT), dos Estados Unidos, chega à sua sétima edição comemorando conquistas. A primeira delas, sem dúvida, é o reconhecimento do leitor. Ao longo deste ano, a revista tem se consolidado entre um público qualificado – pastores, líderes, seminaristas e educadores – como uma mídia cristã de credibilidade, que fornece informação que gera edificação. Além disso, a revista tem a honra de ter sido a primeira publicação internacional ligada ao grupo CT, logo seguida pela edição sul-coreana, lançada em maio. Essa vinculação permite, por exemplo, o compartilhamento da produção da edição americana, com várias matérias saindo simultaneamente lá e cá. O que não impediu, contudo, que CRISTIANISMO HOJE logo assumisse uma postura editorial totalmente de acordo com o contexto brasileiro – durante esse primeiro ano, cerca de 80% de nosso conteúdo editorial foi produzido aqui mesmo, por brasileiros e para brasileiros. Durante esse primeiro ano, foi fundamental contar com o suporte e apoio do Conselho Editorial da revista, recebendo sugestões, críticas, comentários e palavras de ânimo que ajudaram CRISTIANISMO HOJE a estabelecer um padrão de revista que agora oferecemos ao leitor. Agradecemos também aos nossos anunciantes, cuja confiança tem viabilizado a publicação da revista, bem como aos repórteres, colunistas, articulistas e colaboradores que, com sua competência e senso cristão, têm sido decisivos para este ministério.

O leitor vai perceber também que esta edição está diferente. É que adotamos uma concepção gráfica mais de acordo com a revista americana, permitindo uma diagramação mais moderna e melhor aproveitamento das páginas. A partir de agora, CRISTIANISMO HOJE traz muito mais conteúdo a cada edição. E, neste número 7, a coleção de assuntos abordados é das mais variadas, a começar pela reportagem sobre o ministério SexxxChurch, inusitada iniciativa voltada para viciados em pornografia – dentro e fora da Igreja, diga-se. Como coordenada, promovemos um debate entre especialistas sobre uma realidade que preocupa: a crise de integridade que assola a liderança evangélica.

Revisora Alzeli Simas Colaboradores desta edição Carlos Queiroz • Ed René Kivitz Esther Carrenho • Ricardo Agreste Arte Oliverartelucas Publicidade publicidade@cristianismohoje.com.br Assinaturas 0800 644 4010 assinaturas@cristianismohoje.com.br MR Werner Distribuidora de livros Ltda. CNPJ 06.013.240/0001-07 – IE 07.450.716/001-45 Caixa postal 2351 Brasília, DF CEP 70842-970

Leia também a reportagem Tambores de guerra, que mostra que, por trás da polêmica questão da demarcação de terras indígenas em Rondônia, trava-se uma disputa religiosa envolvendo católicos e evangélicos. CRISTIANISMO HOJE dá também ampla cobertura às eleições nos Estados Unidos. A corrida à Casa Branca, travada por dois evangélicos confessos, pode ser decidida justamente pelo eleitor religioso – e a revista mostra o que John McCain e Barak Obama têm feito para conquistar esse exigente segmento.

Informações e permissões para republicação de artigos faleconosco@cristianismohoje.com.br Distribuição Fernando Chinaglia Distribuidora S. A. Rua Teodoro Silva, 907 – Rio de Janeiro, RJ Fone (0xx21) 2195-3200

Agora em outubro, completam-se três meses que o portal CRISTIANISMO HOJE (www.cristianismohoje.com.br) está na grande rede. Publicando parte do conteúdo da revista impressa e muito material inédito, o site já recebe cerca de 25 mil visitas/mês.

Impressão Gráfica Ediouro Tiragem – 20.000 exemplares Endereço editorial Caixa Postal 107.006 Niterói - RJ - CEP 24360-970

Boa leitura!

Cristianismo Hoje é uma publicação bimestral da Msimas Editora Ltda. ISSN 1982-3614

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cartas e mensagens e congêneres – quase sempre, com interesses no mínimo questionáveis –, devemos ajudar os ministérios que já existem. Assim, eles poderiam sobreviver ante o vendaval diário de dificuldades que enfrentam. Novos ministérios, se necessários, serão levantados pelo Senhor da Igreja. Então, que o Senhor abençoe sua Igreja e os ministérios citados no texto, como a Sepal, através do qual tenho sido muito abençoado.

Alexsandro Silva

O Senhor tem ouvido e visto os clamores que são feitos em favor de nossos irmãos na China

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uito oportuna a reportagem Fidelidade acima de tudo [edição nº 5]. Como um apaixonado pela Igreja brasileira, acredito que, no lugar do desespero de alguns “líderes” em serem diferentes, destacados e expressivos, criando novas instituições, missões

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ou padre e professor da Igreja Católica Brasileira em Itaboraí (RJ) e tomei conhecimento desta preciosa publicação através das bancas. Que Deus abençoe abundantemente vossos esforços em prol da Igreja de Cristo.

Ailton Santos

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omo é lindo ver o resultado e ter a certeza da ação do Deus que disse “pedireis, e recebereis, quando me buscardes de todo coração”. O Senhor tem ouvido e visto os clamores que são feitos em favor de nossos irmãos que sofrem lutando pela liberdade do Evangelho na China [sobre reportagens publicadas nas edições 5 e 6]. Glórias a Deus, que se apraz em nos socorrer dando liberdade aos nossos companheiros que estão gastando suas vida em favor do Reino. Oséias Pedro

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reportagem sobre a Igreja Maná [edição nº 6] foi muito boa e realista. É lamentável que alguns evangélicos brasileiros não se identifiquem com as igrejas que já existem. Alguns acham os nossos cultos frios, pouco avivados, e preferem organizar-se à parte.

José Pinto Ferreira, de Portugal

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empre leio a revista Christianity Today e muitas vezes traduzo e repasso alguns de seus artigos a amigos na igreja. Por isso, fiquei muito feliz pelo lançamento da revista no Brasil. Parabéns pelo conteúdo que tem sido publicado, e desejo vida longa a essa publicação. Na edição nº6, página 22, no artigo de Tim Stafford, notei uma falha de tradução, atribuindo a Philip Yancey a autoria do conhecido livro Aliviando a bagagem, de Max Lucado.

Suzana Dourado

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inda a iniciativa do Festival do Pentecoste [evento coberto na edição nº 5]. Vimos cristãos deixando o muro e o armário, se apresentando diante de seus concidadãos, celebrando com alegria a riqueza da graça de Deus que atua ainda hoje.

Ageu Heringer Lisboa

Por necessidade de clareza e em função do espaço disponível, CRISTIANISMO HOJE reserva-se o direito de editar as cartas que recebe, adaptando sua linguagem ou suprimindo texto

CONTATO COM CH Redação da revista

faleconosco@cristianismohoje.com.br Inclua seu nome e endereço completos Assinaturas ou dúvidas

Ligue grátis 0800 644 4010 assinaturas@cristianismohoje.com.br www.cristianismohoje.com.br Publicidade

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CH Informa

Leia Também

» Big Brother de Deus 10 » Religiosidade melhora as notas 11 » Crime satânico na Rússia 12

P a r a n o t c i a s d i á r i a s , v e j a e m w w w. c r i s t i a n i s m o h o j e . c o m . b r

[Geopolítica]

Cristãos querem enquadrar Ahmadinejad Embaixada Cristã Internacional de Jerusalém apresenta manifesto à ONU denunciando dirigente iraniano por incitação ao genoc´dio A Embaixada Cristã Internacional de Jerusalém (ICEJ, sigla em inglês) apresentou à Organização das Nações Unidas um pedido para que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, seja processado por incitar o genocídio do povo judeu. O manifesto, com cerca de 60 mil assinaturas recolhidas em 128 países, considera que as freqüentes declarações do dirigente iraniano em favor da destruição do Estado de Israel constituem incitação criminosa. “Preocupa-nos que as repetidas ameaças do Irã com relação à eliminação do Estado judeu e seus esforços para conseguir as armas nucleares para cumprir estas ameaças sejam uma campanha para cometer um genocídio”, declarou no comunicado o diretor do ICEJ, Malcolm Hedding.

Arquivo

Cristãos acusam presidente do Irã de defender exterm nio de judeus

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Lembrando o Holocausto perpetrado pelos nazistas, Hedding disse que a comunidade cristã internacional tem a obrigação moral de levantar a voz em defesa da sociedade israelense, após o “silêncio da maior parte do clero cristão diante da horrorosa tentativa da Alemanha de aniquilar os judeus europeus”. O ICEJ é uma organização cristã com sede em Jerusalém. Criada em 1980, ela defende a aproximação entre cristãos e judeus com objetivo de apagar os agravos causados pelo anti-semitismo. O diretor da entidade criticou ainda convite de alguns líderes religiosos protestantes a Ahmadinejad para participar de um diálogo durante sua próxima visita aos EUA – país que, desde os tempos do aiatolá Komehini, líder da Revolução Islâmica de 1979, é considerado por Teerã como o “Grande Satã”: “Jesus não conversou com Herodes, pois representava um sistema corrupto e malvado. Estes líderes cristãos serão associados a partir de agora com o apaziguamento do mal”, enfatiza Hedding. [Política]

Lula defende união civil de gays Em entrevista, presidente combate a “hipocrisia” que ronda o debate do tema Pela primeira vez, de forma clara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a legalização da união civil entre homossexuais. A declaração foi feita em entrevista ao programa 3 a 1, que estreou na TV Brasil mês passado. Lula, entrevistado por três jornalistas, esquivou-se de dizer se o governo pretende enviar ao Congresso projeto de lei sobre o assunto – mas foi claro ao combater o que chama de “hipocrisia” que ronda as discussões do tema. “Tem homem morando com homem, mulher morando com mulher, e muitas vezes vivem bem, de forma extraordinária.

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Constroem uma vida juntos, trabalham juntos, e por isso eu sou um defensor da sua união civil”, afirmou. O presidente criticou ainda os que se opõem ao reconhecimento dos direitos decorrentes de parcerias homoafetivas: “O importante é que essas pessoas sejam cidadãos brasileiros, respeitem a Constituição e cumpram com seu compromisso com a nação. O resto é problema deles”, opinou. [Mercado]

Santa concorrência Nova gráfica chinesa é capaz de produzir 12 milhões de b´blias por ano A China – quem diria? – está rivalizando com o Brasil no ranking dos maiores produtores de bíblias do mundo. Líder mundial do setor desde o fim dos anos 1990, a produção brasileira, estimada em 8 milhões de exemplares completos por ano, vai enfrentar concorrência pesada do gigante asiático. Apesar do regime comunista que impõe severas restrições ao exercício da fé cristã, a China já produz cerca de 6 milhões de bíblias por ano – mas essa quantidade deve dobrar, já que, em maio deste ano, entrou em operação um novo centro de impressão em Nanjing, pertencente à Amity Printing Company, a única editora cristã aprovada pelo Estado. A diferença básica é que metade das bíblias produzidas no Brasil destinase à exportação. A Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), empresa que lidera o setor, fornece para mais de 100 países. Contudo, a própria SBB admite que as vendas no exterior têm diminuído ao longo dos últimos dois anos. O diretor de Comunicação Social da empresa, Erni Seibert, acredita que as restrições alfandegárias em alguns mercados, bem como o aumento da competição internacional – como a da China –, seriam causas da retração.


na web A B´blia para todos Tesouro Com tecnologia de ponta, Manuscritos [ C u lt u ra ]

Governo israelense pro´be importação de livros infantis dos personagens Pinóquio e Harry Potter

Câmara dos Deputados aprova lei que torna obrigatória presença de um exemplar das Escrituras em cada biblioteca pública do Brasil

Autoridades do governo israelense estão preocupadas com Pinóquio e Harry Potter. Explica-se – o Ministério das Finanças de Israel proibiu a importação de livros com histórias daqueles personagens. A justificativa é que as edições, impressas em árabe, foram produzidas no Líbano, país que integra a chamada “lista negra” da diplomacia israelense, ao lado de Irã e Síria. A decisão atinge a editora Kol Bo Sefarim, baseada na cidade portuária de Haifa e especializada na distribuição de literatura em língua árabe. Além das aventuras da famosa marionete de madeira cujo nariz cresce quando mente, os palestinos que vivem em Israel não poderão ler em sua língua natal as aventuras do bruxinho Potter. A proibição atinge ainda o best-seller O alquimista, do brasileiro Paulo Coelho. Em comunicado, o ministério diz que as obras têm caráter “subversivo”.

Agora é lei: a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2865/08, que obriga o poder público a colocar um exemplar da Bíblia em cada biblioteca do país. O autor da proposta, deputado Filipe Pereira (PSC-RJ), quer permitir aos seguidores da fé cristã o acesso ao livro sagrado. Para o relator da matéria na comissão, deputado Professor Sétimo (PMDB-MA), o alto preço das publicações faz com que muitas pessoas não possam comprar um exemplar das Escrituras. “No Brasil, um país predominantemente cristão, as pessoas mais pobres nunca tiveram Bíblia”, justificou o parlamentar. Sétimo defende a importância da Palavra de Deus: “É um livro de regra e fé que propicia contato com princípios éticos e morais e com valores cristãos de grande importância para os que seguem essa doutrina”.

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do Mar Morto serão digitalizados e disponibilizados na internet

Os textos bíblicos mais importantes da época de Jesus vão ser disponibilizados na íntegra na internet. Segundo o jornal americano New York Times, os célebres Manuscritos do Mar Morto, encontrados no Deserto da Judéia em 1947, já estão Arquivo

Personas non gratas

Os Manuscritos do Mar Morto: versão tridimensional na internet

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CH Informa sendo digitalizados pelo Conselho de Antiguidades de Israel. As relíquias, que datam do período compreendido entre os século 3 a .C. e I da Era Cristã, serão veiculados aos poucos, em sites de acesso gratuito. O trabalho é considerado uma providência essencial para a preservação do imenso legado histórico do material. A digitalização dos manuscritos está sendo liderado por Greg Bearman, pesquisador aposentado do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, a agência espacial americana. Bearman está usando uma câmera especial que consegue recuperar trechos ilegíveis da antiga escrita hebraica e aramaica contida nos originais. O texto de todos os manuscritos – alguns equivalem a livros bíblicos inteiros; outros correspondentes a uma frase ou até uma única palavra – já foi publicado, mas a idéia é que especialistas e leigos do mundo todo possam ter acesso aos originais e consigam examiná-los virtualmente sob vários ângulos.

A fé de um gênio

Arquivo

Livro traz interpretações de Sir Isaac Newton acerca dos livros b´blicos de Daniel e Apocalipse Um livro que acaba de chegar ao Brasil ajuda a revelar um lado surpreendente de Sir Isaac Newton (1643-1727), o pai da física moderna. Descobridor da Lei da Gravidade e de diversos postulados Isaac Newton: crenças influenciaram descobertas que mudaram o mundo

fundamentais para a ciência até os dias de hoje, o gênio britânico dedicava parte de suas horas vagas ao estudo bíblico. Mais precisamente, dos livros proféticos de Daniel, no Antigo Testamento, e do Apocalipse, texto que encerra a Bíblia. Newton considerava as duas obras como guias precisos para a história da humanidade até sua época e continham a chave para desvendar o que aconteceria no futuro. Alguns dos estudos apocalípticos de Newton estão no livro As profecias do Apocalipse e o livro de Daniel (Editora Pensamento). Suas análises, feitas há três séculos, coincidem em parte com o que os modernos estudiosos das Escrituras consideram ser a interpretação mais provável daqueles escritos proféticos. Pela leitura da obra, é possível inferir que a fé religiosa do gênio tenha facilitado suas memoráveis descobertas. “A gente tem de inverter a relação: não é apesar de suas crenças que Newton consegue dar o pulo do gato nos trabalhos sobre a gravidade; é justamente devido a elas”, afirma José Luiz Goldfarb, historiador da ciência e professor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Os próprios estudos bíblicos de Newton já denotam uma sensibilidade mais crítica e moderna, uma tentativa de estudar as profecias de forma quase matemática, usando cronologias detalhadas.” Goldfarb ressalta que Newton é só mais um exemplo de patrono da ciência que tinha suas idéias “fertilizadas” pelo pensamento místico de sua época. “Os dois campos se falavam e se influenciavam muito”, diz. “No hebraico bíblico, existe a palavra makom, que significa ‘lugar’. Mas, com a evolução do pensamento rabínico, ela passa a designar a própria divindade. Newton cita essa palavra em seus escritos, e parece ter usado o conceito para explicar como a gravidade atuava à distância – como a gravidade do Sol pode atrair a Terra, por exemplo. É como se entre o Sol e a Terra houvesse um makom, que é Deus, o qual está em todos os lugares”, analisa o pesquisador.

Heróis da fé Personagens famosos dos quadrinhos, como Super-Homem, Batman e Wolverine, também têm suas preferências religiosas Uma curiosa lista elaborada pelo site Mundo Estranho revela as preferências 10

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religiosas dos heróis das histórias em quadrinhos. A iniciativa foi motivada pelo lançamento do novo filme da série X-Men, que traz a estréia de Pó, uma mutante muçulmana. A personagem foi criada após os atentados do 11 de Setembro e aparece nas aventuras com trajes fechados, típicos das seguidoras do islamismo. Os super-heróis, em geral, não têm uma religião definida com clareza nos comics e filmes. As especulações se baseiam apenas em pistas. É o caso, por exemplo, de Batman. Há quem considere o HomemMorcego como adepto do budismo e do catolicismo – mas sua trajetória sugere que Bruce Wayne, na verdade, é um anglicano que se afastou da fé ao longo da vida, sobretudo depois de presenciar o assassinato dos pais. Já o Homem-Aranha e o Capitão América são tipicamente protestantes. Este último, inclusive, vai aos cultos todo domingo. Quanto a Clark Kent, o poderoso Super-Homem, seria adepto da Igreja Metodista, devido à influência de seus pais adotivos, que o acolheram quando veio do planeta Kripton. Mas, à semelhança do colega Batman, Kent teria deixado de ser praticante quando cresceu. O catolicismo seria a confissão do maior número de super-heróis. Entre os personagens mais famosos, estão David Banner, o Hulk, Hellboy, Justiceiro e o Demolidor. Já Wolverine é tido como budista, por ter vivido muito tempo no Oriente, onde aprendeu artes marciais, filosofia e religião. [Televisão]

Big Brother de Deus Reality show exibido pela TV britânica obriga participantes a seguir princ´pios cristãos A febre dos reality shows chegou ao meio religioso. Só que, ao contrário de programas como o Big Brother Brasil, no qual os critérios de sucesso geralmente são a beleza física e o vazio intelectual, no Make me a Christian (algo como “Fazme um cristão”) o que vale é a devoção. É isso mesmo – o programa, exibido pelo Channel 4 do Reino Unido, tenta fazer com que os participantes adotem uma conduta de vida de acordo com os princípios cristãos. Os escolhidos deixam suas vidas cotidianas e são submetidos


[Justiça]

Vers´culos no xadrez Juiz absolve pintor que escreveu trechos b´blicos na parede da cela onde estava detido O juiz Cláudio Ferreira Rodrigues, da Comarca de Mangaratiba (RJ), absolveu o pintor Claudenício da Silva Rosa, de 34 anos, da acusação por um delito insólito. Durante o período em que permaneceu detido na delegacia daquela cidade, ele escreveu versículos bíblicos na parede da cela. Depois que foi posto em liberdade, o pintor foi novamente indiciado, desta vez por crime contra o patrimônio público. Segundo o juiz, o dano foi irrelevante. Cláudio considerou que “provérbios bíblicos” seriam mais apropriados nas paredes de um cárcere do que mensagens de incentivo às facções criminosas, como é comum nos xadrezes do Rio de Janeiro. Ainda segundo o entendimento do magistrado, não houve comprovação de que o pintor agiu com o propósito de provocar dano ao bem do Estado. “Neste sentido, seja pela permissão do custodiador, seja pela bagatela do alegado dano, que foi uma irrelevância, não se preencheu o juízo material de tipicidade do fato imputado”, concluiu, em sua sentença.

P+R

[Educação]

Criacionismo não pode

Tim Keller

Educador inglês que defendia ensino da Criação em sala de aula deixa Royal Society Por defender o ensino do criacionismo em sala de aula, o biólogo e pastor Michael Reiss, diretor de Educação da prestigiosa Royal Society, do Reino Unido, foi obrigado a deixar o cargo. Ele se desgastou por reivindicar na academia científica que todas as hipóteses para a origem do universo e da vida, inclusive o relato bíblico da Criação, de que tudo foi criado por Deus, constasse dos currículos escolares britânicos. Segundo ele, embora o criacionismo não tenha qualquer base científica, o assunto deveria ser discutido pelos alunos, porque sua exclusão faria com que muitas crianças, vindas de famílias religiosas, se distanciassem cada vez mais da ciência. Criticado por outros cientistas e pressionado pela sua própria instituição, Reiss, que disse ter sido mal interpretado, preferiu deixar a entidade. O fato gerou críticas também à Royal Society, entidade que já teve o naturalista Charles Darwin, o pai da Teoria da Evolução, entre seus integrantes.

Religiosidade melhora as notas Estudo revela que adolescentes que freqüentam cultos e têm conv´vio religioso apresentam melhor desempenho escolar Agora, a moçada vai ter um motivo a mais para ir à igreja. E que motivo – pesquisa divulgada pelo portal LiveScience.com garante que a freqüência a cultos ou outras atividades religiosas pode melhorar as notas dos adolescentes na escola. Os mais ativos na vida espiritual tiveram 0,144 ponto a mais na nota que os demais, segundo a socióloga Jennifer Glanville, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. O estudo envolveu alunos de 132 escolas e de 80 comunidades religiosas. Mas atenção: não basta apenas acreditar em Deus para melhorar o boletim. As razões para o melhor desempenho são várias. A pesquisa revela que as famílias religiosas mantêm maior contato entre seus membros, e os adultos servem como modelo. Os pais que valorizam a religiosidade tendem a se

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Pastor da Igreja Presbiteriana Redentor, em Manhattan (EUA) e co-fundador da Coalizão Gospel, tem feito ambiciosos esforços para alcançar profissionais urbanos. Seu sétimo livro The reason of God (“A razão de Deus”), está na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times. CRISTIANISMO HOJE – O senhor ouve muito a frase “não creio no cristianismo porque acredito na ciência”?

Sim, ouço muitos matemáticos e cientistas falarem isso. Eles têm problemas diferentes com o cristianismo. Veja os artistas – eles sentem que o cristianismo é uma regressão cultural, um retrocesso. Já os matemáticos e cientistas me perguntam: “Se eu acreditar no Evangelho, posso ser um cientista?”

Um recente estudo falou sobre a mudança de padrão de crenças nos Estados Unidos. Isso afetou seu ministério?

Esse estudo mostrou que os cristãos moderados tornaram-se simpáticos ao Evangelho. Agora consideram o cristianismo de forma metafórica – pensam na ressurreição como um simbolismo maravilhoso. Este grupo tem diminuído, conforme o secularismo e a ortodoxia crescem. Então, temos uma sociedade polarizada, e é isso que falo no primeiro capítulo do meu livro. Muitos rejeitam o cristianismo pelo mau comportamento dos cristãos e devido às suas atitudes...

Sempre existirão três razões para que as pessoas creiam ou não: intelectuais, pessoais e sociais. É um comportamento típico das pessoas na pós-modernidade dizerem que toda a crença é cultural, condicionada à sua comunidade. Talvez os cristãos, em alguma época, pensassem que o amplo evangelismo acontece através de argumentação intelectual; mas agora ouço pessoas dizerem: “Não. Tudo é pessoal. É preciso ser autêntico, alcançar as pessoas para Cristo pessoalmente, e não racionalmente”. Em outras palavras, cristãos estão dizendo que a racionalidade não é parte do evangelismo. O fato é: pessoas são racionais, têm questionamentos e você precisa responder aos questionamentos. |

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a uma espécie de imersão religiosa, com freqüência obrigatória a cultos e reuniões de cunho espiritual. O perfil dos participantes não é lá dos mais convencionais: há um tatuador que se diz ateu; um consumista que reconhece o vício de comprar sapatos de marca; uma lésbica assumida; um casal de vida familiar desajustada e um homem que trai a companheira. O programa, sob responsabilidade do reverendo George Hargreaves, tem a Bíblia como base. Cada participante recebe um exemplar das Escrituras, que deve ser lido todos os dias. A rotina dos concorrentes é acompanhada de perto, e o seu estilo de vida é cuidadosamente analisado pelos representantes do pastor Hargreaves. De acordo com a conduta, cada um recebe instruções sobre a melhor forma de viver como um verdadeiro cristão. De acordo com Hargreaves, o programa é importante porque a sociedade britânica “está em declínio moral”.

Susan Wunderink


CH Informa comunicar mais com os filhos, que por sua vez são estimulados a desenvolver amizades com pessoas que têm os mesmos valores morais, melhorando a auto-estima e o rendimento acadêmico. [Religião]

Crime satânico na Rússia Quatro adolescentes são mortos e devorados por grupo que se diz adorador do diabo Um crime horripilante desafia as autoridades russas. Quatro adolescentes – três garotas e um rapaz, com idades entre 16 e 17 anos – foram embriagadas e mortas por um grupo que se identificou como pertencente a uma seita satânica. Cada vítima recebeu 666 golpes e os assassinos ainda cozinharam e devoraram partes de seus corpos. O caso ocorreu na cidade de Yaroslavl, cerca de 500 quilômetros de Moscou. Pedaços dos corpos foram achados em um terreno abandonado, ao redor de uma cruz fincada de cabeça para baixo, onde teria acontecido o rito macabro. A polícia prendeu oito suspeitos de pertencerem à seita. O líder do grupo foi identificado como Nikolai Ogolobyak. Um dos presos, que não teve o nome revelado, admitiu já ter violado o túmulo de uma criança recém-enterrada para devorar seu coração. Outro dos criminosos, também não identificado, minimizou a prisão, dizendo não temer o futuro. “Satã vai me ajudar a sair dessa. Fiz muitos sacrifícios para ele”, disse. A Rússia, que sob o extinto regime comunista repreendia as práticas religiosas, tem sido recentemente cenário de vários crimes envolvendo satanismo.

A revolta dos monges Cerca de 200 mil religiosos budistas reivindicam igualdade de tratamento em relação aos cristãos Cerca de 200 mil monges budistas tomaram as ruas de Seul, capital da Coréia do Sul, em protesto contra o que chamam de “hostilidade religiosa”. A manifestação, realizada no dia 27 de agosto, foi a maior do gênero já vista no país asiático e teve como alvo principal o presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, e o seu governo. Eles reclamam do que seria uma “política cristã”. 12

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No entender dos religiosos, as autoridades do país têm permitido que os seguidores do budismo sejam discriminados nas solicitações que fazem a órgãos públicos, por exemplo. Eles denunciam ainda casos de violação da liberdade religiosa e exigem um pedido formal de desculpas por parte de Myung-bak, que é protestante. A manifestação teve início na praça central da capital sul-coreana e, logo de início, registrou a adesão de vários padres católicos e expoentes da oposição. O ministro da Cultura, do Desporto e do Turismo, Yu In-chon, garantiu que serão adotadas regras que “impeçam os funcionários públicos de cometer discriminações” por motivos de fé. Porém, os monges budistas ressaltam que tais medidas não são suficientes e julgam hostil o tratamento que recebem dos governantes. Ao lado do Japão, a Coréia do Sul é um dos países mais tolerantes da Ásia, no que se refere aos direitos individuais e sua democracia religiosa é considerada satisfatória por analistas internacionais. Segundo os dados mais recentes, de 2005, os budistas são 22,8% da população, e os protestantes, 18,3%. Já os católicos somam 11 por cento. [ C o mp o r t am e n t o ]

Beleza, só no convento Igreja Católica não permite concurso de beleza para freiras idealizado por padre italiano A idéia do padre italiano Antonio Rungi era eleger a freira mais bonita do país. Para isso, ele organizou uma curiosa competição, o Sister Itália 2008, envolvendo noviças ou professas com idades entre 18 e 40 anos. Pelas regras, as imagens, que seriam veiculadas na internet, deveriam ser “bonitas e expressivas, mostrando sua beleza nos planos estético e espiritual”. Os internautas iriam decidir a vencedora. Segundo ele, a competição, logo apelidada da Miss Freira, ajudaria a eliminar preconceitos e estimularia novas vocações. Mas, não teve jeito. As autoridades católicas vetaram o concurso. “Trata-se de uma iniciativa que diminui o papel das freiras consagradas a Deus, às missões, às obras de caridade e aos mais indefesos”, critica o presidente da Associação Cultural de Docentes Católicos, Alberto Giannino, em nota oficial sobre o ocorrido. Pelo jeito, a beleza das chamadas “esposas de Cristo” continuará restrita aos conventos.

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Mente e coração

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enri Nouwen foi escritor e professor de conceituadas universidades como Yale, Notre Dame e Harvard, mas optou por uma mudança radical em sua trajetória. Deixando para trás uma vida bem-sucedida, ingressou na L’Arche Daybreak, comunidade para deficientes físicos e mentais na Europa, onde serviu como orientador espiritual. Nouwen faleceu em 1996 e suas obras são lidas e recomendadas por alguns dos mais influentes líderes cristãos da atualidade.

“O caminho do l´der cristão não é o da ascensão, no qual o mundo atual investe tanto. É o caminho descendente, que termina na cruz” O perfil do líder cristão no século 21

“A crise de nossa vida de oração é que talvez nossas mentes estejam repletas de idéias de Deus, enquanto nossos corações permanecem longe dele” A espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo

“O poder mais insidioso, divisório e ofensivo, é o poder usado no serviço de Deus. É impressionante o número de pessoas que foram ‘ofendidas pela religião’” O caminho do poder

“Procure a paz que é desconhecida de tanta gente e faça dela a sua própria paz – porque, com essa paz no seu coração, terá novos olhos e novos ouvidos para ouvir e descobrir gradualmente essa mesma paz nos lugares em que menos esperaria encontrá-la” O caminho da paz


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Tambores de guerra Debates em torno da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol evidenciam a polêmica em torno da presença evangélica nas aldeias Marcelo Brasileiro

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Os missionários cristãos que trabalham nas aldeias indígenas jamais foram vistos com bons olhos por quem faz a política indigenista nacional. Comumente criticados pelo governo federal, com apoio de setores intelectuais, que os acusam de não respeitar a cosmovisão nativa, os evangélicos têm enfrentado uma verdadeira via crucis para cumprir o “Ide” de Jesus entre os povos indígenas do Brasil. O trabalho deles não se resume, como dizem muitos, a pregar a Palavra de Deus: diversas agências missionárias trabalham entre os povos indígenas há décadas, atuando, entre outras áreas, em ações de saúde, educação e preservação lingüística e cultural. E o clima, que já não era bom, ganhou contornos de guerra religiosa diante das recentes discussões em torno da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. A área localizada em Roraima, com 1,75 milhão de hectares – equivalente a doze vezes o tamanho da cidade de São Paulo – foi cria-

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Enquanto isso, é na Vila Surumu, da em 2005, através de um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e situada no município roraimense de Pafoi contestada no Supremo Tribunal Fe- racaima, que reside o epicentro da crise. deral (STF) por um grupo de arrozeiros, Com o risco de desaparecer caso o STF empresários e políticos. Eles querem que decida pela demarcação contínua, ela a demarcação não seja contínua, como abriga o foco das tensões entre índios foi homologado pelo presidente, mas evangélicos e católicos. De um lado da sim, em forma de “ilhas”, permitindo a vila, estão concentrados os índios favorápermanência de fazendas, comércios e veis à homologação da reserva contínua, ou seja, exclusivamente dos indígenas. A prédios públicos na área. No território, vivem aproximada- maior parte deles são católicos, ligados ao mente 20 mil índios, divididos em cinco Conselho Indígena de Roraima (CIR) e grupos étnicos distintos (ingarikó, pa- com o apoio de órgãos eclesiásticos como o Conselho Indigenista Mistamona, tauarepang, macuxi e sionário (CIMI) e Conferência wapichana), e as tensões na área Brasil Nacional dos Bispos do Brasil se acumularam após o início da (CNBB). Do outro lado, estão operação Upakaton 3 – palavra que, no idioma macuxi, significa “terra os indígenas contrários à medida do gonossa” –, nome dado pela Polícia Fede- verno federal e que defendem a permaral para a série de ações deflagradas no nência de brancos na área, inclusive os início do ano e que planejavam a retirada arrozeiros. A maior parte deles é formada dos não-índios da região. A operação foi por evangélicos e são ligados a Sociedade suspensa em abril pelo STF, que preten- de Defesa dos Índios Unidos do Norte de primeiro julgar a constitucionalidade de Roraima (Sodiur). “Há famílias que viveram na área com 20 e 30 anos e que da homologação da reserva.

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Agência Brasil

Índios preparam-se para manifestação em favor da demarcação cont nua da Raposa Serra do Sol, na Praça dos Três Poderes, em Bras lia: polarização

casaram com não-índios e foram expulsas de lá”, reclamou Silvio da Silva, da etnia macuxi e presidente da Sodiur. A polarização tem sido inevitável. O pastor assembleiano Cícero Francisco Sales, que não é índio, mas está na Vila há mais de três anos, contou que ameaças aos crentes e pedradas no templo são constantes. “Certo dia minha mulher, junto com minhas filhas em casa, se deparou com um índio no sofá. Ele dirigiu a ela palavras de baixo calão e disse que iriam destruir a nossa casa e a nossa igreja, fazendo um supermercado no lugar delas”, conta. “Infelizmente, algumas igrejas evangélicas pregam que o demônio é quem quer tirar os não-índios do local. Isso gera intolerância”, rebate a advogada do CIR, Joênia Batista de Carvalho, da etnia wapichana. Primeira indígena do país a obter registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ela tem sido uma expoente na luta em defesa da demarcação contínua na Raposa Serra do Sol.

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Fábio Pozzebom (Agência Brasil)

Jogo de interesses – O curioso é que Joênia, que já se pronunciou até na mais alta Corte jurídica do país, atua ao lado da maioria católica, mas é evangélica. “Cresci na Igreja do Evangelho Quadrangular. Meus pais são de lá, assim como boa parte da minha família”, conta. Para ela, o imbróglio não se trata de uma questão de religião, e sim de um engenhoso plano para camuflar interesses econômicos, de forma a conduzir o debate para o pantanoso campo da intolerância racial e de crença. “Há um pesado jogo de interesses. Tentam desviar a atenção do problema através de uma disputa religiosa que, na verdade, não existe”, garantiu a advogada, em entrevista a CRISTIANISMO HOJE. Ela afirma que muitos evangélicos apóiam a luta do CIR, uma entidade de orientação católica. “Não existe isso de intolerância. Muita gente pensa que vão fechar as portas das igrejas, que agora não terá mais pastor, padre. Não é nada disso”. Segundo a advogada, a lei não permite que um não-índio possua propriedade privada em terras indígenas, mas que as igrejas evangélicas da própria comunidade têm total liberdade de culto. “A Igreja Católica se antecipou e doou seu patrimônio para a comunidade, foi só isso”. Ela diz que os pastores e catequistas poderão continuar visitando a área, desde que a comunidade permita. “Só não será permitida a visita de quem pretende, de alguma forma, levar dano ou prejuízo aos indígenas”. Ressabiado, um grupo formado por 180 evangélicos procurou o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB) para pedir ajuda. “Há muitas igrejas co-irmãs presentes na reserva. A nossa preocupação é em razão deles desejarem tirar os não-índios. Mas os católicos ficam. Só os ministros do Evangelho

devem sair”, reclamou o presbítero Antonio da Costa, da Assembléia de Deus das Nações, em Boa Vista. “Queremos apenas a garantia de que os ministros da Palavra poderão continuar a evangelizar na área”, defendeu, no encontro. Como resposta, o grupo ouviu que não seriam tolerados episódios de discriminação religiosa. Mesmo assim, os evangélicos realizaram outra manifestação, no dia 8 de março, e reuniram aproximadamente 30 mil crentes no Centro Cívico da cidade, com faixas e gritos pedindo “justiça”. De olho na crescente violência na Raposa Serra do Sol, o presbítero preferiu não se posicionar nem contra, nem a favor da demarcação. “Queremos apenas evangelizar. Pelo que sei, algumas igrejas foram depredadas e queimadas”. Coincidência ou não, toda essa querela acerca da presença de elementos não-indígenas na Raposa Serra do Sol acontece justamente num momento crucial para o trabalho missionário entre os povos indígenas. Numa recente escalada de investigações, grampos telefônicos, dossiês e suspeitas das mais inverossímeis possíveis, as missões religiosas passaram a ser acusadas, da noite para o dia, de práticas como escravidão indígena, extração ilegal de sangue, biopirataria de sementes da floresta para o exterior, construção de pistas de pouso clandestinas, uso de

A advogada Joênia, ao lado do ministro Ayres Brito, do STF, e do procuradorgeral da República, Antônio Fernando Souza: “Jogo de interesses” 2 0 0 8

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Segurando bonecos simbolizando crianças, ndios e brancos protestam contra o infantic dio

radiodifusão pirata e venda ilegal de madeira, além de remoção de nativos sem autorização, adoção suspeita de crianças, contatos irregulares com tribos isoladas e até o uso de imagem indevida de povos nativos da região amazônica em filmes e materiais para arrecadação de recursos próprios aos objetivos da instituição – além, é claro, de proselitismo religioso. Entre as entidades denunciadas está a Jocum (Jovens com Uma Missão), que tem um longo histórico de trabalhos sociais e lingüísticos entre os índios. A

missão ainda foi envolvida num malicioso dossiê distribuído à imprensa, assinado pelo sertanista Antenor Vaz, da Coordenação Geral dos Índios Isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai). O documento intitulado Missão: O veneno lento e letal dos suruwahá (ver box) faz referência à prática cultural de suicídio entre aquela etnia indígena, através da ingestão da raiz do timbó. Segundo o sertanista, as missões cristãs seriam mais “letais” que o veneno usado pelos índios da etnia para dar fim à própria vida. O documento contém graves acusações contra a missão. “Sem entrar na questão de soberania ou teoria conspiratória, esse fato mostra uma briga direta entre a Funai e uma organização fundamentalista americana, que hoje sabe muito mais sobre estes índios do que qualquer instituição de pesquisa

no Brasil. Além de questões muito mais graves que podem estar gerando suicídios coletivos em massa, podendo até chegar a um genocídio de um povo”, escreveu o sertanista no e-mail que distribuiu na internet. “A Amazônia, em geral, tem sido alvo da sanha de gananciosos, e é provável que existam organizações corruptas que ‘exploram’ a boa fé de pessoas. Mas estas entidades não subsistem”, rebate a ex-presidente de Jovens com uma Missão e atual responsável pelas questões indígenas da agência, Bráulia Ribeiro. Ela acredita que a situação se agravou após o rumoroso episódio envolvendo a retirada de dois bebês suruwahá para tratamento médico, ocorrido em 2005. Na ocasião, dois missionários ligados à agência, o casal Edson e Márcia Suzuki – que, frise-se, atuavam havia longa data entre a tribo, a ponto de serem os únicos brancos a falar fluentemente sua língua –, levaram duas crianças da aldeia para São Paulo, onde receberiam tratamento para suas deficiências. A atitude evitou que as recém-nascidas fossem sacrificadas pela comunidade indígena, como manda um rito tribal. O casal adotou a pequena Hakani, que hoje vive normalmente após tratada de hipotireoidismo, e criou a Ong Ati-

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T a m b o re s de g u erra

Dossiê do barulho

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NISMO HOJE. O assunto ganhou as páginas da revista semanal As oitenta páginas do dossiê Missão – O veneno lento e letal dos Carta Capital, que no fim de julho amplificou as acusações de suruwahá formam um documento, no mínimo, controverso. OrgaAntenor, sem contestá-las. “Nem sei como comentar estes abnizado para ser uma compilação de todas as informações consurdos. A mesma revista que nos acusa de maltra a agência evangélica Jocum, o trabalho traz tratar indígenas sugere que se nos retirarmos denúncias feitas pelo próprio CIMI – entidade A missionária Bráulia Ribeiro do local, a tristeza da tribo será tamanha que católica contrária à presença de evangélicos na rebate acusações contra a eles serão levados ao suicídio. É incoerente”, área – junto ao Ministério Público Federal e fraJocum: “Se defender a vida é questiona Bráulia. “Se somos tão ruins, como ses do livro O chamado radical (Editora Atos), de crime, então somos culpados” os índios nos querem a ponto de perBráulia Ribeiro. A obra narra, de forma derem a vida se nos ausentarmos?” pessoal, sua aventura até a chegada A missionária rebate as acusações ao povo suruwahá. Há ainda trechos de que os obreiros ligados à agência dos diários de dois missionários que escravizam índios e traficam matériaestavam na aldeia, tomados à força prima orgânica. Para ela, no entanto, por agentes da Funai. são indefensáveis as acusações de No livro e nos diários, a fé cristã é que os missionários crêem em Deus, constantemente citada como o motiensinam que infanticídio e suicídio povo maior pelo qual os missionários dedem destruir as populações nativas e cidiram fazer contato com os índios. fazem programas de conscientização “Você não pode usar, como álibi para contra o abuso do álcool, prostituição evangelizar, a justificativa de salvar e violência contra a mulher. “Se isso vidas, levar educação. E é isso o que for crime, bem, então somos culpatem acontecido”, alegou Antenor, por dos”, desafia. telefone, à reportagem de CRISTIA-


Um pa s, muitas nações

Divulgação/Conplei

Ma r c e l l o Ca s a l J r (Agência Brasil)

Evangélica, a ind gena Deolinda Ferreira defende a demarcação descont nua da reserva: polêmica divide até os próprios ndios ni, que denunciou ao país a prática do infanticídio nas aldeias indígenas brasileiras, tema de reportagem na primeira edição de CRISTIANISMO HOJE. “Ousamos desafiar o governo em cadeia nacional; ousamos lutar pela vida e não nos conformar com as regras que mantêm os indígenas num cárcere paleolítico, impedidos de receber até um simples tratamento médico, direito de todos os brasileiros”, lembra Bráulia. Mobilização – O impasse em torno da questão tem levado a mobilização de todos os segmentos envolvidos – inclusive, dos índios evangélicos. Temas atuais como infanticídio e demarcação de terras, além da perseguição às missões, foram debatidos no último encontro do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Indígenas (Conplei), realizado entre os dias 4 e 7 de setembro, em Manaus (AM). “Trabalhamos principalmente a

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questão da tutela da Funai, que ao invés de ajudar, prejudica. Faremos um documento, previsto para sair ainda neste semestre, onde manifestaremos nosso direito de sentir e de dizer o que queremos”, explica o presidente da entidade, o pastor Henrique Dias, da etnia terena. O regime tutelar foi instituído oficialmente através da Lei 6.001 de 1973, conhecida como o Estatuto do Índio, e seguiu um princípio estabelecido pelo velho Código Civil brasileiro de 1916. Ficou estabelecido que os índios, sendo “relativamente capazes” de assumir integralmente suas responsabilidades, deveriam ser tutelados por um órgão indigenista estatal. Entre 1910 e 1967, a função coube ao extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI); atualmente, é a Funai, ligada ao Ministério da Justiça, que executa a política indigenista do país. Segundo a lei, a situação de tutela só pode ser revertida após os índios estarem “integrados à comunhão nacional”, ou seja, à sociedade brasileira. O líder do Conplei sabe que o tema é espinhoso. “Muitos têm medo de tocar nesse assunto. Mas essa forma paternalista de se tratar o índio não permite que manifestemos nossa própria vontade. Isso acontece na relação do índio com a Funai e também na relação do índio com a própria agência missionária”, aponta Henrique Terena. O presidente do Conplei, Henrique Terena, protesta contra a tutela da Funai: “O paternalismo nos impede de manifestar nossa vontade”

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De acordo com levantamento realizado pela Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) em 2005, há 364 mil índios no país, divididos em 258 tribos. Como há povos isolados até hoje, quantidade pode ser maior

165 delas têm ou já tiveram presença evangélica;

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desses povos possuem a tradução completa da Bíblia em seu idioma;

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dispõem apenas do Novo Testamento traduzido;

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agências missionárias atuam entre os índios;

650 missionários brasileiros

trabalham exclusivamente com os povos indígenas;

20%

dos índios brasileiros se declaram evangélicos. Fontes: AMTB, Revista Veja, IBGE

O encontro do Conplei pode ser considerado um sucesso em termos de legitimidade, já que reuniu cerca de 1,3 mil índios, representando 49 etnias – cerca de um quinto dos povos indígenas existentes no Brasil. Todos eles se alinharam à idéia de que a questão da tutela deve ser revista. “É um assunto polêmico, mas não porque queremos. As pessoas polemizaram. Estamos trabalhando para sermos protagonista dos nossos interesses”, discursou o missionário e professor de história Edson Oliveira Santos, integrante da tribo bakairi e presidente da Organização dos Professores Indígenas do Mato Grosso. Para ele, as missões têm contribuído muito para a preservação dos mais de 180 idiomas indígenas falados no país e merecem respeito por isso. Mesmo assim, ele acredita que o Evangelho deve ser pregado entre os índios – e pelos próprios índios. “Precisamos do branco, do seu conhecimento e de sua ajuda. Mas é sempre melhor quando um índio fala para outro índio”, sentencia. 2 0 0 8

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O Evangelho segundo o

Crentes montam ministério virtual para combater a pornogra

“Eu levo uma vida dupla. Sou pastor em período integral, mas na maior parte do tempo fico sozinho no escritório da igreja, baixando vídeos pornô na internet. Sintome simplesmente incapaz de conter isso”. A confissão, contundente em sua sinceridade, está na página virtual do ministério SexxxChurch (www.sexxxcurch.com), uma iniciativa que mistura muita originalidade, uma boa dose de ousadia e alguma polêmica. O site se propõe a socorrer almas perdidas no universo da pornografia, uma cadeia que a cada dia prende mais pessoas, inclusive crentes. Pelo menos um em cada dez evangélicos tem coragem de assumir problemas nesta área. Contudo, a quantidade deve ser bem maior, já que o receio dos efeitos negativos de uma confissão perante a família e a igreja faz com que muitos prefiram ocultar o desvio de comportamento. Mantido por uma equipe ligada à Igreja Projeto 242, uma comunidade evangélica que fica no centro da cidade de São Paulo, o SexxxChurch não foi feito para crentes, já que tinha uma proposta evangelística. Mas em pouco tempo percebeu-se que a deman-

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da principal estava situada do lado oposto vimenta cerca de 500 milhões de reais ao da trincheira. “A maioria dos e-mails que ano apenas no Brasil – no mundo, são 60 recebíamos eram de pessoas que se iden- bilhões de dólares anuais (ver quadro). “Vatificavam como cristãos, membros de igre- mos distribuir bíblias estilizadas durante a feira”, planeja Jota. jas ou líderes, e que tinham Mas é mesmo no mundo enormes problemas com o Comportamento virtual que o SexxxChurch vício da pornografia”, relata alcança números estratosféJoão Mossadihj, 25 anos, conhecido como Jota, um dos idealizadores ricos. Segundo Jota, são 600 mil acessos da página deste ministério evangélico nada mensais e duzentos e-mails por dia. As mensagens são enviadas por gente nas mais ortodoxo. Em pouco tempo, a idéia transcendeu o diversas situações – algumas fazem confisambiente virtual. Praticamente todo fim de sões das mais indecorosas possíveis. No ensemana, o grupo da 242 visita alguma igre- tanto, apenas 10% das mensagens são resja com o projeto Pornix, voltado a palestras pondidas, contabiliza a psicóloga Sâmara sobre sexualidade e pornografia. A procura Gabriela Baggio, 28, que acompanha boa pelo serviço é grande, o que demonstra a parte desses casos. “Nós ouvimos e estaextensão do problema nos arraiais evangé- belecemos metas para a recuperação. Mas, licos. Mas o ministério também costuma para isso, é preciso que o viciado esteja reevangelizar em regiões como a da Rua Au- almente arrependido”, destaca a terapeuta. gusta, no centro da capital paulista, conhe- Para ela, não há limite seguro para o consucido reduto de prostíbulos. SexxxChurch mo de pornografia. “A partir do momento também marca presença na Parada Gay, que uma pessoa entra em contato com isso, ostentando camisetas com dizeres como as imagens recebidas ou geradas na mente “Jesus ama os atores pornôs”. Numa de- alimentam fantasias. Não demorará muito monstração prática do conselho de Paulo, para que se tente colocar em prática tudo o que recomendou que os cris- que foi visto e fantasiado”, opina. tãos fizessem de tudo para, de alguma forma, ganhar alguns, Dízimo e revistas pornô – O ministério a equipe já faz planos para direcionado a quem se sente escravo da alugar um estande na Eróti- pornografia foi inspirado no trabalho do ka Fair, feira especializada do pastor norte-americano Craig Gross, de mercado erótico que acontece 32 anos. Sua trajetória é semelhante à de em outubro em São Paulo. O boa parte das pessoas que ele decidiu ajuevento é uma prova do gigan- dar. Craig era um jovem cristão que dividia tismo de um setor que mo- seu dinheiro entre os dízimos e ofertas na igreja e as revistas pornográficas nas bancas. Ordenado pela igreja East Side Christian, em Fullerton, na Califórnia, ele criou A psicóloga Sâmara, do a XXXChurch em 2002. A diferença entre SexxxChurch: “A pornografia ele e muitos outros pastores que sacodem alimenta fantasias, que suas bíblias no ar, esbravejando contra toda levam à ação”

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Marcelo Brasileiro


SexxxChurch

Agência Brasil

Ma r c e l o B r a s i l e i r o

O pastor Sandro Baggio, l der do Projeto 242: “Assunto não é tocado nas igrejas” forma de imoralidade, está justamente no seu modus operandi. Craig, que se autodenomina “pornopastor”, abomina as abordagens moralistas, que já prenunciaram a queda de populares televangelistas de seu país (ver quadro). É amigo do americano Ron Jeremy Hyatt, que vem a ser o principal ator e diretor de filmes pornô do mundo, com quem divide as bancadas de auditórios e igrejas para debates muitas vezes acalorados. Alheio às críticas que costuma receber de muitos setores da Igreja Evangélica, sobretudo por conta de alguns conteúdos mais apimentados veiculados no site, Craig caminha com desenvoltura pelo submundo da pornografia. Dirige uma van estilizada com adesivos e adereços que lembram uma propaganda de site pornográfico. O “Porn Mobile”, como é chamado o veículo, já gerou até tumulto ao ser estacionado em frente a uma igreja evangélica. “A pornografia está conduzindo muita gente a um beco sem saída”, costuma dizer em suas pregações. “Desde que conheci o trabalho de Craig Gross, fiquei empolgado e tentei contagiar o pessoal da igreja”, relata o pastor Sandro Ricardo Baggio, 40. Ministro ordenado

pela Igreja do Evangelho Quadrangular, ele coordena o Projeto 242. Baggio animou-se com a possibilidade de falar sobre sexualidade na igreja, onde o tema normalmente é deixado de lado. “Já fazíamos isso em nossa comunidade local, mas não via ninguém falando sobre temas assim nas igrejas”, conta. Dos planos à ação foi um pulo. No ambiente alternativo do Projeto 242 – uma congregação que reúne músicos, grafiteiros, designers e gente que faz da criatividade um veículo para a disseminação do Evangelho –, a idéia germinou rápido. “A curiosidade existe e faz parte do ser humano. Em algum momento da vida, toda pessoa se torna curiosa em relação ao sexo”, comenta Baggio. “Quando essa demanda

não é atendida na família e na igreja, a informação acaba vindo de outros lugares. É aí que se abrem as portas à pornografia.” Ele conta que já aconselhou muitos casais crentes com problemas conjugais devido ao vício de um dos cônjuges, ou de ambos, em material pornográfico. “Alguns até se separaram”, lamenta. Big Brother do bem – Um dos serviços disponibilizados aos usuários é um programa de computador chamado X3Watch, disponível para download gratuito. “É um software que possibilita a qualquer um – o cônjuge, o amigo ou até o pastor – fazer o cadastro de uma pessoa próxima, passando a receber um e-mail com um relatório mensal sobre os sites que foram acessados por ela”, explica o pastor. A idéia, que poderia até chocar muita gente, é uma espécie de Big Brother do bem, possibilitando um

Drama brasileiro

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Uma pesquisa realizada pela empresa de quando o assunto é a produção de filmes tecnologia Symantec, no inicio deste ano, pornô. investigou os hábitos de sete mil internauEspécie de irmã gêmea da pornografia, tas em países como Alemanha, Austrália, a pedofilia é um drama da sociedade brasiChina, Estados Unidos e Japão, além do leira. A Comissão Parlamentar de Inquérito Brasil. E os resultados foram preocupan(CPI) da Pedofilia, presidida pelo senador tes, sobretudo por aqui – é no Brasil que Magno Malta, que é evangélico, tem ajumais se acessa sites com dado a desbaratar quadrilhas conteúdo pornográfico. De O senador Magno Malta que fazem exploração sexual acordo com o levantamen- (centro), na CPI da de crianças. Em conjunto com to, 55% dos internautas Pedofilia: mais de 200 a Operação Carrossel, da suspeitos identificados brasileiros visitam Polícia Federal, já foregularmente ou pelo ram identificados 200 menos já acessaram suspeitos de pedofilia. páginas do gênero. Nas páginas do Orkut, Além disso, o país comunidade de relacioestá em terceiro no namento da internet, ranking de usuários mais de três mil cadasque visitam sites de tros foram quebrados pornografia infantil sob suspeita de abrie na vice-liderança garem pedófilos.

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Fotomontagem

fia sem recorrer ao moralismo


Reprodução

acompanhamento do viciado, ajudando-o a superar a dependência da pornografia. “Isso ajuda no processo de fuga dessa compulsão. Um dos passos fundamentais do processo é justamente admitir a fraqueza”, comenta Baggio. Reconhecer o gosto pela pornografia é justamente o maior drama para quem freqüenta uma igreja evangélica. “Por não se falar sobre sexualidade, a igreja torna-se um lugar de intolerância. As pessoas preferem esconder suas dificuldades ao invés de procurar ajuda”, analisa o pastor. De acordo com Sâmara, o perfil dos internautas que enviam perguntas e pedem ajuda é de jovens evangélicos, com idade de 15 a 30 anos. “São pessoas que alimentaram, desde muito tempo, o vício da masturbação e do envolvimento com material pornográfico como filmes, contos eróticos, revistas e sites pornôs”, explica. Quando a situação está fora de controle, é comum que a conversa saia do computador e vá para o divã. “A maioria dos casos atendidos gira em torno de lutas na esfera homossexual e da conduta cristã”, conta a psicóloga. Ela diz ainda que muitas pessoas justificam suas ações e inclinações pela pornografia devido a problemas no passado – principalmente, episódios de abuso

68 milhões

de pessoas acessam sites pornográficos no mundo, todos os dias

42%

dos internautas freqüentam sites pornográficos e conteúdos relacionados

500 milhões Cartaz anuncia debate entre o pastor Craig Gross (imagem menor) e Ron Jeremy, magnata do cinema pornô: ousadia sexual infantil. “Mas é preciso deixar as justificativas de lado e caminhar na direção da libertação.” Para ela, os efeitos da pornografia são devastadores, com reflexos no ambiente de trabalho, na vida social e nos relacionamentos pessoais. “Nos casos mais graves, pode-se chegar a extremos, como a prática de crimes sexuais como a pedofilia”, alerta.

de reais são faturados por ano, no Brasil, com pornografia

2,5 bilhões

é a quantidade de e-mails com conteúdo pornográfico enviados por dia

60 bilhões

de dólares anuais é o que rende o mercado pornô em todo o mundo

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Nos anos 1980, ele era considerado um paladino da moral e dos bons costumes. O pastor Jimmy Swaggart, um dos mais importantes televangelistas americanos, fazia de seus programas, transmitidos para mais de 40 países – inclusive o Brasil –, uma verdadeira trincheira na luta contra a carnalidade. Pregador eloqüente e carismático, Swaggart reunia famílias inteiras diante da TV e era crítico contundente da pornografia. Ironicamente, caiu justamente por causa dela, num episódio rumoroso envolvendo prostitutas e uma disputa pessoal com o também pregador televisivo Jim Bakker. Proprietário do canal de televisão PTL (Pray the Lord), com 12 milhões de telespectadores apenas nos Estados Unidos, Bakker acabou se tornando um rival de Swaggart. Tudo ruiu quando fotos suas, acompanhado de garotas de programa, chegaram à imprensa. Na época, atribuiu-se o vazamento das imagens a Swaggart. O troco não demorou. Um detetive particular contratado por Bakker não teve muito trabalho para fotografar Swaggart diante de um motel, com o carro cheio de prostitutas. Sem saída, ele confessou que pagava para que elas fizes-

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Ted Haggard, conhecido por suas pregações de forte conteúdo moralista, admitiu envolvimento com garoto do programa e v cio em pornografia

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sem strip-tease para ele. Perdoado pela mulher, Francis, ele foi à tevê, chorou e confessou-se arrependido pelo ato. Contudo, sua reputação e ministério foram irremediavelmente abalados. No fim de 2006, outro escândalo sexual abalou a Igreja Evangélica dos Estados Unidos. Eleito pela revista Time como um dos 25 principais líderes cristãos do país, Ted Haggard admitiu consumir material pornográfico e o envolvimento sexual com um garoto de programa, que o denunciara publicamente. O caso provocou maior espanto porque Haggard era uma das principais vozes contra o homossexualismo. Quem recentemente também admitiu problemas com o chamado mercado de “conteúdo adulto” foi o pastor australiano Mike Guglielmucci, do ministério Hillsong. Ele confessou, após dois anos declarando-se vítima de um câncer terminal – chegou até mesmo cantar com o auxilio de um tubo de oxigênio –, que sua única doença era o vício em pornografia. A farsa gerou um tremendo mal-estar no badalado grupo de louvor australiano. “Eu sou assim, viciado nesta coisa. Ela consome minha mente”, disse, em entrevista a um canal de tevê.

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Abalos no púlpito



Junior Gomes

Crise de integri­dade Para especialistas, o descrédito da liderança evangélica perante a sociedade se deve em grande parte a deslizes éticos e morais cometidos pela própria Igreja Daniel Machado eu na CNN: jovem pastor de uma das tes do “escândalo do Evangelho” citado pelo apóstolo maiores denominações evangélicas Paulo. Coincidência ou não, recente pesquisa do Ibope da Austrália confessou ter mentido revelou que o número de pessoas que não confiam nas nos últimos dois anos para a igreja, igrejas evangélicas subiu de 41% para 44%, e o continfamília e amigos, dizendo que tinha gente de pessoas que confiam nelas caiu para 52 por cencâncer. Para se passar por doente em to. Segundo o instituto de pesquisas, isso fez com que fase terminal, ele chegou a raspar o cabeas igrejas evangélicas despencassem da 8ª colocação para lo e as sobrancelhas e andava com um tubo de oxigênio a 11ª posição entre as instituições mais confiáveis, atrás ligado ao corpo. A farsa lhe rendeu milhares de dólares, de instituições como a TV, empresas privadas e até dos arrecadados junto aos fiéis de sua igreja para o suposto produtores de soja. tratamento, que nunca aconteceu. Segundo palavras do Para o historiador Ziel Machado, secretário da Comupróprio impostor, o pastor Mike Guglielmucci, a nidade Internacional de Estudantes Evangélicos “vida dupla” serviu, entre outras coisas, para ocul(CIEE), não há dúvida: a crise de integridade Debate tar seu maior pecado – o vício na pornografia, das lideranças religiosas é a principal responsável fato narrado na reportagem O Evangelho segundo por essa queda na credibilidade das instituições o SexxxChurch, nesta edição. Rumorosas também foram as evangélicas. Para ele, há outros termômetros tão precisos quedas de ícones dos púlpitos, como o televangelista amequanto as pesquisas para aferir isso. “Basta uma simples ricano Jimmy Swaggart, f lagrado com prostitutas, ou o observada nas livrarias cristãs. Nunca se viu um volume pastor brasileiro Caio Fábio D’Araújo Filho, um dos mais tão grande de obras abordando essa temática da crise destacados líderes evangélicos já surgidos no país, que há de integridade entre os pastores”, diz. O escritor Jaime exatos dez anos revelou um caso extraconjugal que abalou Kemp, mestre em teologia e doutor em ministério famiseu multifacetado ministério. liar, é autor de duas dessas obras. Ele lançou, há algum Se é verdade que todo o ser humano vive em crise de tempo, os livros Pastores em perigo e sua continuação, Pasintegridade desde o pecado original, também é fato que tores ainda em perigo (Editora Hagnos), nos quais aborda o este mal nunca assolou tanto os líderes evangélicos, freproblema. “A Igreja Evangélica tem padecido com a escasqüentemente envolvidos em escândalos muito diferensez de integridade em sua liderança, seja em nível moral 24

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ou na vertiginosa e constante quebra dos relacionamentos familiares”, constata. Kemp, que é referência no segmento evangélico brasileiro quando o assunto é família, identifica nessa crise um dos principais motivos do descrédito social em relação aos crentes, sobretudo em relação à sociedade em geral. “Essa triste realidade tem abalado a nossa credibilidade não somente nas igrejas, mas também em um mundo crítico e observador, que não perde as oportunidades, já volumosas, para tripudiar a Igreja de Cristo”, lamenta.

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Mau testemunho – Para a professora Durvalina Barreto Bezerra, diretora e coordenadora de ensino do Seminário Evangélico Betel, a sociedade tem desacreditado da liderança evangélica por conta do péssimo testemunho de alguns, que não praticam o que pregam. “São pastores broncos, mal-formados, imaturos, que dão vexame na política e na televisão, com deploráveis deslizes éticos e morais”, critica. Segundo ela, esses pastores e líderes têm seguido o Evangelho sem observar os critérios estabelecidos por Cristo para uma vida moral e espiritual autêntica. “Querem as bênçãos divinas, mas não o compromisso com a verdade que transforma, com a vida moral exemplar e, mais do que isso – não querem andar como Jesus andou.” É bem verdade que os escândalos de natureza sexual costumam provo-

car desastres dentro das igrejas, mas não chamam tanto a atenção de quem é “de fora” quanto outros tipos de deslizes. Afinal, a indissolubilidade do casamento não tem tanto apelo fora dos arraiais evangélicos. Desta forma, atos como malversação de recursos e exploração da boa-fé alheia rendem muito mais “frutos podres” para a Igreja. “Milagreiros, exploradores de dízimo, estelionatários, desrespeitadores de outras religiões: estas são algumas das alcunhas mais freqüentemente utilizadas pela opinião pública a fim de desqualificar um crescente número de pastores evangélicos Brasil afora”, aponta o psicólogo Ageu Heringer Lisboa, mestre em ciências da religião e um dos fundadores do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos, o CPPC. Para ele, o descompasso entre o inchaço da presença dos crentes na população e a questão ética ganhou maior dimensão no país a partir da década de 1950, com o início da predominância das teologias mais

Para o psicólogo Ageu Lisboa, é o mau procedimento dos l deres que justifica as cr ticas da sociedade à Igreja

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O pastor e escritor Jaime Kemp: “Assistimos a uma vertiginosa e constante quebra de relacionamentos familiares”

subjetivistas e emocionais, típicas do neopentecostalismo. “Da periferia do sistema, aos poucos eles chegaram às classes médias e à mídia. Sem o mínimo senso de obediência a um coletivo dirigente, por qualquer discordância alguém se desliga de um grupo e funda o seu próprio”, diz. O terapeuta lembra que a natureza do trabalho pastoral, em sua acepção bíblica original, é a de alguém que vive em comunhão com Deus, é instruído nas Escrituras e tem vocação e preparo para cuidar de pessoas espiritualmente desorientadas e ensinar a Palavra. “Os termos ‘trabalho pastoral e terapêutico’ se assemelham semanticamente, significando cura ou cuidado com as almas. Isso traz uma exigência ética específica – a de que esses pastores se mantenham íntegros, moral e profissionalmente”, pondera. No entender de Ageu, é compreensível essa cobrança pelo lugar que pastores e líderes ocupam no imaginário popular. “Sacerdotes, desde tempos imemoriais, supostamente estão mais próximos da divindade ou conhecem 2 0 0 8

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o mundo espiritual. A população necessita de referenciais de integridade, precisa encontrar pessoas dignas no meio de tanta imoralidade e corrupção. Quando ocorre um pecado grave, como adultério ou falcatrua, isso desperta decepção, revolta e angústia no Corpo de Cristo”, completa. Moralismo inútil – Para muita gente, a eclosão recente de escândalos entre a liderança religiosa pode ser apontada como sinal do fim dos tempos. E é evidente que eles não se resumem aos arraiais evangélicos. De uns anos para cá, o catolicismo tem sido abalado pelos casos de pedofilia envolvendo sacerdotes em diversos países, inclusive nos Estados Unidos, onde a Igreja Católica tem sido obrigada a arcar com indenizações milionárias às vítimas de abusos sexuais praticados por padres. No Brasil, costuma-se atribuir os problemas à liderança no meio pentecostal ou neopentecostal – o que é um preconceito, na avaliação do sociólogo Gedeon Alencar, diretor do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos (Icec), de São Paulo. “Clérigos, reverendos e outras sumidades tradicionalistas não agem muito diferente. A diferença é que uns são descobertos, outros não”, diz. O sociólogo considera pretensioso e apressado o apontar culpados, coisa que invariavelmente se faz quando o tema ‘crise de integridade’ vem à tona. “É preciso ter cuidado para não cairmos num moralismo inútil, como se, em geral, tivéssemos um povo puro, honesto e cumpridor de seus deve26

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O pastor Gerson Borges critica os colegas que não se submetem a ninguém: “Senhores de si mesmos”

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Cunha cita ainda o fato de o número dos evangélicos ter praticamente triplicado no país nos últimos 20 anos, passando, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia a Estatística, o IBGE, de pouco mais de 13 milhões para mais de 30 milhões. Como os números atuais referem-se ao último Censo, realizado há quase dez anos, há quem aposte que os crentes já estariam beirando os 40 milhões. “Nessa proporção, em 2020 seríamos mais de 100 milhões, numa população projetada de 235 milhões de brasileiros. Isso, por si só, desperta a atenção da sociedade. Mas temos de parar de nos preocupar com o que a mídia diz e buscarmos um verdadeiro avivamento que dê a esta Igreja uma visão missionária, que forma discípulos e gera um impacto inigualável na coletividade, com credibilidade e influência positiva”, completa. “Remanescentes” – O surgimento de lideranças autoritárias, que não precisam prestar contas de seus atos, é apontado pelo pastor Gerson Borges, da Comunidade de Jesus de São Bernardo do Campo (SP), como causa de boa parte dos problemas ocorridos no andar de cima das igrejas. “Boa par-

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A professora Durvalina Bezerra, do Seminário Betel: “Deploráveis deslizes éticos e morais”

res, mas a liderança evangélica fosse péssima”, destaca. Sobre as pesquisas que mostram o crescente descrédito em relação à Igreja Evangélica e sua cúpula, Gedeon lembra que nas congregações existe gente comum. “E gente comum também comete erros”, pondera. “Daí, a credibilidade de todos vai por água abaixo.” Na mesma linha vai o psicólogo Ageu Lisboa: “Muitos líderes acabam escravizados ao medo de serem criticados, de não serem bons nem carismáticos ou não serem capazes de fazer a igreja crescer”, enumera. “Isso compromete sua saúde psicofísica, podendo afetar suas relações familiares, predispondo-os à depressão. Daí a largar tudo e se meter em aventuras financeiras e eróticas é um passo comum. Pastores assim precisam resgatar seu direito de serem gente comum, nem mais santos ou pecadores que os demais crentes”, completa. O missionário Marcos Cunha, ligado ao ministério Servindo Pastores e Líderes (Sepal), segue a mesma linha de raciocínio. “Virou moda dizerse evangélico, e isso atrai os holofotes para as igrejas e seus líderes, que são humanos como todos nós e sujeitos às mesmas tentações. No entanto, quando eles são expostos à crítica pública têm seus pecados superestimados”, diz. A Sepal, onde Cunha atua, presta diversos serviços à liderança cristã brasileira, incluindo trabalhos de mentoria espiritual, aconselhamento e reciclagem voltados para pastores e suas famílias. O obreiro reconhece ainda que é preciso levar em conta que a Igreja brasileira é muito nova, tendo se consolidado de fato no país apenas a partir da segunda metade do século 20. “Estamos, digamos assim, vivendo os dias de adolescência. Os líderes que podem ser reconhecidos por sua integridade e valor ainda são poucos, o que deixa a brecha para o surgimento de dirigentes sem tanto preparo ou vocação”.

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cri s e de i n te g ridade


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Na opinião de Marcos Cunha, da Sepal, a solução é buscar um avivamento

te desses pastores não se submetem a nada nem a ninguém, não prestam contas, são senhores de si”, diz. Além da carência de acompanhamento e aconselhamento, a educadora Durvalina Bezerra acredita que o despreparo também contribui, e muito, para crises na liderança. “Há uma avalanche de pastores sem formação alguma, e isso contribuiu para a escassez de obreiros de qualidade. Falta discipulado sério para formar o caráter, além de preparo teológico e critérios eclesiásticos capazes de inibir a proliferação de lideranças que pregam adulterando a Palavra de Deus e sem comprometimento com a verdade bíblica”, opina. “Mas ainda existem muitos fiéis. Deus sempre teve seus remanescentes, que sofrem as conseqüências do mau testemunho dos colegas”, acrescenta a diretora do Seminário Betel. “É bom que se diga que a maioria dos mais de 200 mil pastores evangé-

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licos que atuam no Brasil são como a população de onde saíram, enfrentando todos os problemas da sociedade em geral. E essa maioria vive com baixos salários, em condições precárias, em meio à violência, e nem assim se deixam corromper”, ressalva Ageu Lisboa. Para ele, os crentes também têm certa culpa na equivocada generalização que tem colocado os ministros do Evangelho no mesmo patamar de descrédito. “Essa imagem do crente como alguém que não merece confiança é um tipo de juízo sobre todos nós que descuidamos de nos questionar uns aos outros. Se não nos avaliarmos para correção e crescimento, o mundo fica autorizado, pelas Escrituras, a nos julgar. E é o que está acontecendo”, finaliza. Veja entrevista completa com Ageu Lisboa sobre o assunto no site www.cristianismohoje.com.br

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Mulher Esther Carrenho

Encarando a própria vida

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Temos a tendência de repetir o tipo de relacionamento que experimentamos nos primeiros anos da infância

eg tinha 35 anos e sofria com uma anemia profunda. Os médicos não entendiam direito o que se passava com seu organismo, que não reagia à medicação e muito menos a uma alimentação rica em ferro. Recomendaram a ajuda profissional em psicologia. Meg me procurou e aos poucos foi me contando sua história. Era a caçula de três irmãos. O pai era extremamente violento; a mãe, passiva e até omissa. As cenas violentas do pai para com o irmão mais velho faziam parte do cotidiano de sua casa. Nestas situações, Meg ficava sempre na soleira da porta, tentando achar uma solução para a situação. Mas na sua tenra idade, nunca saiu dali. Se fosse buscar ajuda, levaria uma tremenda surra – afinal, era pequena demais para enfrentar o pai. Naquela agonia, o máximo que fazia era ficar ali, imóvel e paralisada, desejando que a vida não existisse, que sua história fosse outra. Algumas vezes, havia calma naquele lar, mas o alívio durava apenas até o próximo episódio de fúria e violência do pai de Meg. O tempo passou. Meg cresceu, tornou-se adulta, saiu de casa, casouse e teve filhos. Contudo, vivia uma dinâmica nos relacionamentos onde se percebeu impotente e sem ação diante da força de pessoas que abusavam da sua fragilidade. Foi enganada e explorada mais de uma vez, tanto no ambiente familiar como no trabalho. Ela percebia o que ocorria à sua volta, mas continuava na soleira da porta da própria existência, sem usar recursos de que não dispunha na infância, como o próprio fato de ser adulta e a possibilidade de amparo jurídico. A mensagem interna que soava alto em seus ouvidos era a mesma de outros tempos – não podia fazer nada e era melhor ficar quieta senão ia ser pior. A anemia que começara na infância tornou-se crônica, exigindo constantes cuidados médicos. A falta de energia e disposição não se limitava apenas ao seu corpo, mas corroia-lhe a alma, impedindo sua realização pessoal e tolhendo suas capacidades. E assim Meg vivia, engolindo abuso atrás de abuso. Assim como ela, temos a tendência de repetir ao longo da vida o tipo de relacionamento que experimentamos nos primeiros anos da infância. É como se, uma vez vivida e aprendida uma situação, ficássemos indefesos e desprotegidos, presos a ela como crianças. Uma das sutilezas satânicas contra o ser humano é exatamente esta: a do medo de arriscar a sair da soleira da porta e descobrir os próprios recursos, doados por Deus a cada um desde a formação no ventre. E por causa deste medo, muitas mulheres não se posicionam, não desenvolvem seu valor e não têm forças para defender a própria dignidade. A parábola dos talentos, contada por Jesus e registrada em Mateus 25, aborda esta questão. Um dos servos daquele

homem rico preferiu esconder o talento recebido, ao invés de usufruir dele, gerando novas riquezas. Alegou, mais tarde, que ficou com medo da severidade de seu senhor e preferiu se garantir, restituindo exatamente aquilo que lhe fora confiado. Pois foi severamente repreeendido – e seu talento lhe foi tirado e entregue para outro servo, que sabia administrar melhor os bens recebidos. A outra é a história de Abigail, contada no primeiro Livro de Samuel 25. Nabal, seu marido, cometera um grave erro contra Davi. Diante da insensatez de Nabal, que além de insensível e duro, era beberrão, Abigail não se entregou ao papel de vítima. Ela tomou providências, agindo para proteger os filhos e empregados da vingança de Davi e dos homens que o seguiam. Ela preparou uma comitiva e foi ao encontro dele, levando presentes e o pedido de desculpas, aplacando sua fúria. Muitas mulheres com idéias e projetos brilhantes não os colocam em prática porque o medo se transforma num monstro que aniquila e bloqueia qualquer iniciativa. E a história de Abigail parece apontar para o fato de que há situações em que temos que correr os riscos e andar na contracultura, enfrentando as ameaças e os ataques que podem cair em cima daqueles que estão sob nosso cuidado e responsabilidade. Não podemos perder de vista o propósito de usarmos todas as forças e recursos disponíveis na detenção do mal e da destruição. Meg precisava sair da situação de vítima e encarar a própria vida, não se permitindo mais ficar nas mãos de pessoas egoístas e cruéis. E, com a ajuda de Deus, ela o fez. Perdeu algumas coisas e alguns relacionamentos, mas encontrou a si mesma e descobriu que tinha muito a ganhar, criar e produzir, desenvolvendo seu potencial tão especial para beneficiar pessoas e difundir a grandeza do Senhor. Até a anemia desapareceu. Descobrir as próprias estagnações é um caminho difícil que requer muita coragem, disposição e uma boa dose de humildade. Algumas vezes, será necessário rever a própria história de vida, identificando eventuais bloqueios oriundos de episódios do passado. Na verdade, não nascemos com a capacidade de gostar de nós mesmos e acreditar no nosso próprio potencial. São os nossos educadores e treinadores que podem facilitar, ou não, a confiança que podemos ter em nós mesmos para fazermos diferença – tanto para nós, como para aqueles que nos estão próximos. Mas, quando nos tornamos adultos, podemos rejeitar toda e qualquer mensagem destrutiva que nos tenha sido direcionada e que passou a fazer parte de nossa existência, distorcendo a rota dos caminhos para os quais nascemos. Agindo assim, é possível resgatarmos a nós mesmos, refazendo o roteiro que nos é dado por Deus para nossa vida aqui neste mundo.

Descobrir as próprias estagnações é um caminho dif cil, que requer coragem, disposição e uma boa dose de humildade

Esther Carrenho é teóloga e psicóloga cl´nica

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O doutor Bíblia

Médico e colecionador, Aristóteles Alencar costuma peregrinar em busca de exemplares raros e já tem 1,5 mil edições da Palavra de Deus Marcelo Brasileiro

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O número 1.426 da Rua Estados Unidos, em São Paulo, esconde tesouros e segredos vistos por poucas pessoas. Lá, no badalado bairro dos Jardins, um antigo sobrado abriga a livraria do médico Aristóteles Alencar, que trabalha com alfarrábios raríssimos. Alguns com mais de 600 anos de idade e histórico de terem pertencido a reis, clérigos e presidentes, além de exemplares autografados pelos principais mestres da literatura nacional. Uma paixão que fez do doutor apenas o seu Ari, do Belo Artístico, nome do antiquário. Mas, é na coleção de bíblias que está seu maior orgulho. “Tenho mais de 1,5 mil volumes diferentes. Esses eu não vendo e nem negocio”, avisa. O gosto pela coleção do livro sagrado surgiu quando foi presenteado por seu pai, aos 13 anos de idade, com um exemplar. Gostou tanto que começou a comprar compulsivamente diferentes modelos de bíblias. “Como evangélicos, aprendemos que a Bíblia não é um livro comum. Nela está a Palavra de Deus”, conta o colecionador, que é membro da Assembléia de Deus do bairro do Ipiranga, zona sul da capital paulista. O acervo é organizado. De um lado, bíblias raras e antigas; de ouO médico e tro, traduções em diferentes idiocolecionador mas e dialetos; e, por fim, nas mais Aristóteles com a diversas versões. “Esse último é o maior e a menor mais difícil de completar. Todo dia B blia de sua surgem bíblias novas – para pastor, coleção: raridades obreiro, criança, mulher, líder, misda Palavra de Deus sionário...”, enumera. A diversidade de peças impressiona. De volumes que, de tão pesados, são difíceis até de levantar do chão, a uma microbíblia, que pode ser escondida entre os dedos de uma mão. Aristóteles não esconde o carinho por algumas peças em particular. Caso de uma Bíblia inteiramente manuscrita por um amigo, trabalho que consumiu mais de mil horas. Outro manuscrito, só que em pergaminho do século 15, é um exemplar que pertenceu aos etíopes coptas, que segundo a tradição, tornaram-se cristãos na época dos apóstolos. Em dialeto ge’ez, usado atualmente apenas nas liturgias reli-


giosas, traz iluminuras e é revestido por capas de couro. Do século 15 também há um incunábulo em latim, impresso em Veneza, no ano de 1444. “São livros da primeira época da imprensa, até 1500 ”, explica o médico.

arrematara uma série de exemplares. Curioso, decidiu investigar. “Descobri que o colecionador era um pastor, chamava-se Pedro e que, por sua vez, havia vendido a coleção para um engenheiro”. Dias depois de uma busca minuciosa, localizou o tal engenheiro. O médico Sorte e empenho – Para abastecer sua coleção de comprou tudo que ele tinha. “Saí de Belo HoriGente bíblias raras, o livreiro costuma percorrer todo sebo zonte com meu Del Rey completamente lotado, e antiquário que vê pela frente. “Uma vez estava no arrastando o escapamento de Minas até São PauRio de Janeiro e avistei, em uma vilela, uma pequena livra- lo”, lembra, divertido. ria. Lá, encontrei a coleção completa da primeira edição Fornecedor de livros para colecionadores famosos – como católica da Bíblia no Brasil”. Praticamente atirada a um o presidente do Instituto Pró-Livro, Jorge Yunes; o empresácanto, junto a um monte de revistas pornográficas, era uma rio e maior bibliófilo brasileiro, José Mindlin; o também copreciosidade composta por nada menos que 23 volumes, lecionador de bíblias e ex-ministro da Agricultura, Antonio impressos em 1778. Sua importância, incalculável em ter- Cabrera; o escritor Fernando Moraes e até o apresentador Jô mos simbólicos, é ainda maior quando se sabe que foi tra- Soares –, Ari acalenta o sonho de montar seu próprio museu. duzida pelo padre Antonio Pereira de Figueiredo, primeiro “Queria instalá-lo aqui, no centro da cidade, próximo ao metradutor católico das Escrituras para o português. Ari foi trô e que fosse acessível a qualquer pessoa”, planeja. rápido. Pagou em dinheiro, sem pechinchar ou exigir troco. O colecionador também costuma circular pelas feiras Colocou os exemplares no carro e voltou para saber como de livreiros e antiquários de Londres e Nova Iorque. E foi a coleção foi parar ali. “O livreiro explicou que comprou no exterior que ouviu falar de um missionário americano de um rapaz que recolhia garrafas na rua, que por sua vez que possui um raro exemplar da tradução de João Ferreira tinha achado a coleção na frente de uma casa, destinado ao de Almeida, que seria uma das primeiras bíblias no idioma lixo. O garrafeiro ficou todo feliz em receber 20 reais pelo português. Animado, Aristóteles já pensa numa nova avenlote”, espanta-se. tura em busca da Bíblia perdida. “Por enquanto, a única Em outra andança, Aristóteles buscava bíblias raras por coisa que sei é que o missionário mora nos Estados Unidos. livrarias de Belo Horizonte (MG) quando ficou sabendo Acho que vou até lá para tentar achá-lo”. É bom não duvide um misterioso colecionador que chegara antes dele e dar de que ele consiga.

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Espiritualidade Ricardo Agreste

Espiritualidade cristã e outras espiritualidades

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ivemos um período histórico no qual assistimos um grande e crescente interesse por tudo quanto é chamado de espiritualidade. Os dois séculos em que o mundo ocidental esteve subjugado pela falácia do positivismo, o qual tentava reduzir homens e mulheres à mera racionalidade, geraram este contrafluxo em nossa cultura contemporânea. O tema da espiritualidade encontra-se como um dos elementos centrais deste movimento; podemos perceber isso nos inúmeros livros, cursos, vídeos e práticas que se apresentam como possibilidades àqueles que estão nessa busca. Por um lado, essa redescoberta da espiritualidade pode ser vista como algo bom, especialmente para aqueles que, como servos de Cristo, estão engajados na tarefa de fazer outros discípulos em todas as culturas. A busca pela espiritualidade tem gerado nos dias de hoje inúmeras oportunidades como aquela vivida por Paulo no areópago da cidade de Atenas. Da mesma forma que o apóstolo fez uso do próprio interesse de homens e mulheres por preencher o vazio interior de suas almas, podemos conduzir outros à pessoa graciosa de Jesus, levandoos à compreensão de que sua obra na cruz nos coloca numa posição de liberdade e intimidade junto ao Pai celeste. No entanto, não podemos desprezar o crescente risco de confundirmos a espiritualidade cristã, como nos é oferecida a partir da pessoa e da obra de Jesus, com os modelos que nos são apresentados neste aquecido mercado da fé secular. Mesmo aqueles modelos considerados como “cristãos” – seja devido à utilização que fazem de terminologias e conceitos do Cristianismo, seja pela associação do seus articuladores com a fé e religiosidade cristã – podem, na verdade, prescindir do fundamento sobre o qual toda espiritualidade cristã deve ser desenvolvida e articulada: a vida e obra de Jesus. Para nós, é bem mais fácil percebermos estas disfunções quando presentes em propostas vinculadas ao mercado secular da espiritualidade, as quais nos falam deste tema como uma forma de entrarmos em contato com o nosso próprio ser interior e desfrutarmos da paz proveniente da reconciliação com a nossa alma. Outras nos oferecem uma espiritualidade que nos coloca numa posição de harmonia com o cosmos, produzindo em nós saúde física, emocional e espiritual necessária para a vida. Ainda outras nos falam da espiritualidade como um meio de apropriação de toda energia positiva, na medida em que tudo o que não é bom em nós é gradativamente dissipado e diluído. No entanto, torna-se bem mais difícil distinguir a espiritualidade a partir da pessoa e da obra de Jesus de outros modelos espirituais que são partes inerentes daquilo que consideramos como “evangélico”. Temos muita dificuldade

em admitir e declarar que algumas de nossas igrejas, pastores e pensadores podem, sim, estar ensinando, como diria o apóstolo Paulo, um “outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho” (Gálatas 1.6-7). Precisamos identificar e compreender que o que nos é oferecido por Deus na pessoa e na obra de Cristo é parte central e inegociável na verdadeira espiritualidade – e se distingue frontalmente de toda tentativa de promoção de qualquer outro sistema que prescinda de Deus como Deus e se confunda com auto-contrução ou auto-salvação humana. Logo, enquanto as mais variadas espiritualidades têm como propósito o bem estar pessoal e o desenvolvimento do ser de maneira autônoma, o exercício da genuína espiritualidade cristã tem como propósito renovar, dias após dia, nossa confiança e dependência no amor e na graça de Deus. Segundo Hebreus 10.19, “temos plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é, do seu corpo”. Logo, nossa confiança para adentrarmos na presença do Senhor a fim de desfrutar de sua intimidade não deve estar colocada em ritos, conceitos intelectuais profundos ou práticas diversas, mas no que o Salvador fez por nós na cruz através do derramamento de seu sangue. É claro que determinadas práticas, como a leitura bíblica e a contemplação, nos possibilitam mais qualidade em nosso tempo e relação com Deus, enriquecendo nossa percepção acerca de Deus e do seu amor. No entanto, não são estas coisas que nos asseguram a entrada na presença de Deus, mas o que Jesus Cristo já fez na cruz do Calvário, ao derramar seu sangue pelos pecados, limitações e incapacidades do homem. A nós nos cabe, tão somente, o coração quebrantado e humilde diante da perplexidade que o amor de Deus nos gera. Toda espécie de espiritualidade que faz com que nos sintamos pessoas superiores e, conseqüentemente, dignas de estarmos na presença do Senhor, acaba por nos colocar ainda mais distantes dele. A única forma de realmente nos aproximarmos de Deus e compartilharmos de seu amor é a confiança plena do que aconteceu na cruz e a compreensão de que isso nos é oferecido inteiramente pela graça. Por isso, entre na presença de Deus e desfruta de sua intimidade tendo a plena confiança de que Deus lhe ama e lhe deseja, não pelo que você tem sido, refletido ou praticado, mas pelo que Jesus fez por você. E, como dizia o apóstolo Paulo, que este amor de Cristo nos constranja, a fim de que toda e qualquer transformação em nossas vidas seja decorrente do poder que emana da cruz e do constrangimento que seu amor produz.

O que nos é oferecido por Deus na pessoa e na obra de Cristo é parte central e inegociável na verdadeira espiritualidade

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Ricardo Agreste é teólogo e escritor


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Colcha de retalhos

Os muros estão caindo e o teto está pingando na Catedral da Cantuária, um dos mais renomados lugares de culto do Cristianismo. Dois anos atrás, os líderes da Igreja Anglicana começaram a levantar 50 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 170 milhões) para restaurar o histórico templo, onde o arcebispo Thomas Becket foi martirizado em 29 de dezembro de 1170. Até agora, os responsáveis pela empreitada levantaram somente a metade do valor necessário à reforma. Apesar disso, a Igreja está pedindo aos fiéis e a quem mais queira contribuir que doem o equivalente a 17 reais por mês para comprar blocos brutos de pedra da região francesa de Caen, na Normandia, que foram usados na construção original. É que reformas anteriores foram feitas com pedras mais baratas e menos duráveis, que rapidamente se desgastaram. Neste verão, durante a conferência de bispos anglicanos de Lambeth, que ocorre a cada dez anos, era possível ouvir o desagradável ruído de pedreiros em ação na histórica construção. Com todos os revezes típicos de uma obra de tamanha monta, restaurar a Catedral da Cantuária é infinitamente mais fácil do que reconstruir a ortodoxia e a unidade da Comunhão Anglicana, uma igreja protestante que possui 78 milhões de membros em todo o mundo. Isso porque o anglicanismo global enfrenta enorme controvérsia Jerusalém para a Conferência sobre o Futunestes tempos modernos, por causa de te- ro Anglicano Global (GAFCON, na sigla mas típicos deste século 21. Ordenação de em inglês). O arcebispo de Uganda, Henclérigos homossexuais, bênçãos às uniões de ry Orombi – um líder conservador –, falou pessoas do mesmo sexo e controvérsias des- pelos insatisfeitos: “Nós acreditamos que a gastantes acerca do acesso de mulheres ao nossa ausência na Conferência de Lambeth sacerdócio e ao episcopado têm abalado as é a única forma de fazer com que a nossa estruturas da tradicional denominação. Pelo voz seja ouvida. Por mais de dez anos, temos menos 617 dos 880 bispos em todo o mun- falado e não somos ouvidos”, protesta o relido compareceram a Lambeth, na Universi- gioso. “Talvez a nossa ausência fale mais alto dade de Kent, que fica a aproximadamente que as nossas palavras”, desafia. três quilômetros da Catedral. O fosso entre as trincheiras dos Embora não fosse convidado, o conservadores e dos progressistas Igreja bispo de New Hampshire, Gene parece cada vez mais profundo. AmRobinson, um clérigo homossexual bas as conferências produziram decuja consagração em 2003 gerou um tiroteio clarações. O encontro de Lambeth emitiu 44 generalizado na denominação, compareceu páginas das reflexões teológicas quase sempre ao campus para encontrar-se com líderes contraditórias dos bispos presentes e resultananglicanos, assim como muitos outros ati- tes das discussões diárias em pequenos grupos. vistas gays. No entanto, 230 bispos, a maio- Já o pessoal de Jerusalém, em documento mais ria deles da África, recusou o convite do modesto – apenas quatro páginas – reafirmou arcebispo da Cantuária, Rowan Williams, categoricamente três proibições: bispos gays, para comparecer a Lambeth. Conservado- cultos públicos de união matrimonial entre res, por sua vez, reuniram aproximadamente casais do mesmo sexo e abrigo, por parte dos 1,2 mil bispos, pastores e líderes leigos em bispos, a conservadores dissidentes.

Desavenças acerca de temas polêmicos, como a ordenação de sacerdotes gays, fragmentam a Igreja Anglicana, mas líderes ainda falam em reunificação Timothy C. Morgan

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No meio de tamanha polarização, o entendimento parece cada vez mais distante. O documento da GAFCON condenou como “falso evangelho” qualquer ensino eclesiástico que questionasse a autoridade das Escrituras e a singularidade de Cristo, ou que normalizasse os relacionamentos homossexuais. A declaração requereu a criação de uma nova corporação consultiva, uma espécie de Concílio de Primazes, que trouxesse de volta o Anglicanismo às suas raízes ortodoxas. Mais – os religiosos reunidos na Terra Santa lançaram a Comunhão dos Anglicanos Confessionais, para organizar os conservadores. O arcebispo Orombi leu a declaração publicamente, recitando duas vezes a seguinte frase: “A nossa corporação não está rompendo com a Comunhão Anglicana”. Fratura – Com a rejeição a uma cisma formal, os conservadores encaram obstáculos enormes, incluindo muitas diferenças internas sobre estratégia para alcançar seu objetivo final de reunificação do Anglicanismo global sem o estabelecimento de uma


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exceto os legalistas, estão insatisfeitos com sua liderança. Williams pessoalmente apóia a inclusão de casais homossexuais monogâmicos, como revelou recentemente uma correspondência privada sua, que vazou na mídia por meio de um terapeuta. Tudo bem que foi escrita antes de ele ascender ao cargo máximo, mas seu efeito sobre a Comunhão foi de uma bomba. No entanto, como um líder global, Rowan Williams afirma a doutrina histórica do Anglicanismo. Durante o Sínodo de verão da Igreja da Inglaterra, o arcebispo tentou, sem sucesso, criar salvaguardas aos tradicionalistas que apóiam um sacerdócio exclusivamente masculino. Ao final da Conferência de Lambeth, Williams encorajou a crítica pública dos evangélicos à ala esquerda da denominação – contudo, ao contrário do que esperavam os conservadores, o líder não exigiu uma punição específica a bispos ou sacerdotes simpáticos à inclusão de homossexuais no clero, e muito menos daqueles que abençoam uniões homoafetivas. O que parece claro neste momento é que, durante os próximos 12 meses, os conservadores enfrentarão muitas provas de força ao tentar reconstruir a identidade anglicana sobre a autoridade da Escritura e os credos e ensinos históricos de sua fé. Mas há controvérsia quanto a que estratégia adotar em busca desse objetivo. Os estrategistas que estão dentro apóiam o uso do chamado Processo de Windsor. Os de fora apóiam a criação de novas estruturas para reformar o Anglicanismo. Um teste fundamental ocorre neste mês, quando os bispos da Igreja Episcopal americana provavelmente irão iniciar a remoção de Robert Duncan como bispo da Diocese de Pittsburgh. Juntamente com outros quatro bispos colegas conservadores, Duncan busca excluir sua diocese da Igreja Episcopal. Fala-se até numa nova Província Anglicana ortodoxa para a América do Norte. O alvo duplo dos conservadores é o de preservar a ortodoxia dentro de suas dioceses e isolar a esquerda episcopal. Sua esperança é o encontro de líderes da denominação em 2009, quando será debatido os rumos da Aliança Anglicana. Os estrategistas conservadores esperam que este documento restabeleça a ortodoxia doutrinária, coloque limites claros à autonomia das igrejas e detalhe a missão conjunta do Anglicanismo mundial, além dos meios para a solução de disputas. Até lá, a solução é tentar manter a união, apesar de tantas e tão grandes desavenças.

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corporação oponente. Uma figura chave cana, adotam duas posturas – o movimento nesse processo é o arcebispo do Cone Sul, carismático, que invoca o reavivamento no Gregory Venables, com base na Argentina. leste da África como modelo para a Igreja e Juntamente com colegas africanos, ele tem defendem o sacerdócio feminino, e o grupo dado apoio a bispos ortodoxos, clérigos e confessional, que concentra-se na renovaigrejas individuais que resistem às ações ção doutrinária, sob inspiração da Reforma legais da Igreja Episcopal de esquerda e à inglesa. Muitos anglicanos reformados não Igreja Anglicana do Canadá, de perfil libe- apóiam a ordenação de mulheres, mas estão ral. Tipicamente otimista, Venables percebe dispostos a ter comunhão com os evangélique o Anglicanismo não poderá jamais ser o cos que a apóiam. mesmo. “Espero que desse modo possamos A colcha de retalhos em que se transforpermanecer anglicanos juntos”, disse, em mou a fé anglicana abriga ainda os chamadeclaração à AnglicanTV.org. Ele fez ques- dos anglo-católicos, cujos líderes são mais tão de deixar claro que “qualquer coisa” que evidentes na Igreja da Inglaterra. No início surja adiante terá uma aparência diferente. deste ano, pelo menos 1,4 mil sacerdotes e “A pasta de dentes saiu do tubo e não acho bispos dessa linha resistiram ao voto da Igreja que possamos colocá-la de volta. Não con- britânica que permitia a ordenação de museguiremos reunir os pedaços esfacelados lheres bispas. A divisão mais significativa novamente”, resigna-se. entre anglo-católicos diz respeito justamente Diante da fratura do movimento angli- às relações com a Igreja Católica Romana, cano mundial, quatro divisões principais embora muitos deles apóiem a plena comuemergiram, cada uma delas com uma ou nhão com o Vaticano. Por fim, há um quarto mais subdivisões. Na ponta de lança das segmento, o menor de todos, dos anglicanos polêmicas, os liberais aceitam, por exemplo, legalistas institucionais. Também descritos a homossexualidade na Igreja, como par- como tradicionalistas pragmáticos, os legate de seu “testemunho profético global de listas são estudiosos, bispos e líderes que, na plena inclusão”. Mesmo eles, no entanto, maioria das vezes, ocupam altos cargos em têm se subdividido em um grupo modera- órgãos da denominação, como seminários, do, disposto a obedecer às três proibições comissões e concílios. São muito apegados às até segunda ordem; e outro, mais radical, tradições anglicanas e a tomadas de decisão que deseja apressar mais ordenações de clé- de meio termo, orientadas por processos. Ao trabalhar com esses grupos tão diferigos gays e as bênçãos a casamentos entre rentes dentro da mesma Igreja, homossexuais. Já os evangelio arcebispo Williams encara cais, que representam o maior Fé com divergências: uma tarefa politicamente imsegmento de religiosos prati- movimento anglicano possível. Acontece que todos, está dividido em cantes na Comunhão Anglidiversas correntes


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Uma Igreja na Depois do pesadelo soviético, evangélicos da Ucrânia buscam novos rumos para sua fé de olho na expansão do Reino

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Igor Stakhovskiy conta piadas e pisca nervosamente à medida que seu carro lotado segue com oito passageiros – todos de sua família, com exceção da repórter – ladeira acima, à velocidade de uma caminhada. O seu é um dos poucos carros em Kiev, a capital da Ucrânia, que não é um dos encerados e brilhantes Toyota Jazz ou um dos novos Volkswagens negros. Na verdade, trata-se de um carro, digamos, “pastoral” Chegando ao topo da ladeira, inicia-se a descida em direção à sua residência. As crianças, incluindo as duas gêmeas adotadas depois do nascimento das três filhas naturais, os carrinhos de bebê e os equipamentos da igreja entulham o elevador que leva ao apartamento, de apenas um quarto, onde a família mora.

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Templo armênio: após décadas de repressão comunista, Cristianismo busca novos rumos na Ucrânia

Igor serve chá e pede desculpas pelo aperto provocado pelas camas, que se espalham pela sala. Os Stakhovskiy têm uma trajetória interessante. A mulher de Igor, Raia, vem de uma família vinculada à Igreja Batista por gerações – inclusive, com vários mártires que foram massacrados nos anos de chumbo do período comunista em sua linhagem. O pastor, por outro lado, faz parte da nova onda de crentes convertidos na época da queda da União Soviética. No seu caso, rendeu-se a Cristo em 1991, após terminar o serviço militar. “Gradualmente, aprendi sobre Deus”,

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conta. Igor obteve um diploma na Universidade Bíblica Vida Nova, em Moscou, a capital russa, e com a ajuda de uma família amiga montou a Igreja Fiofanyia (Epifania), que se reúne todo domingo à tarde nas dependências de uma fábrica. A congregação, com cerca de 40 membros, é animada – os fiéis cantam louvores no estilo do coro Hillsong e não se furtam a orar com imposição de mãos pelos necessitados. A igreja do pastor Stakhovskiy representa muito bem o desafio que os evangélicos ucranianos enfrentam. Ainda não é fácil professar o Cristianismo depois de tanto tempo de restrições legais à fé, impostas pelo regime soviético. O pior é que a Ucrânia tenta firmar um compromisso com a democracia, mas ensaia um retorno ao totalitarismo, da mesma maneira como o vizinho gigante, a Rússia, além do Uzbequistão e outros antigos Estados soviéticos, estão fazendo. Evangelizar num contexto desses é um desafio. Por outro lado, é preciso incutir nos freqüentadores, submetidos a anos e anos de pregação ateísta, os valores e as práticas mais básicas dos ensinos de Jesus. Recentemente, por exemplo, foi necessário informar a algumas das jovens da igreja que

Arquivo

Susan Wünderink


encruzilhada

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Os crentes ucranianos ganharam destaque durante a Revolução Laranja, levante popular ocorrido em 2004 pelo reconhecimento da vitória eleitoral do líder da oposição, Viktor Yushchenko na campanha presidencial, após claras evidências de fraudes nos resultados. O caso atraiu atenção internacional e envolveu até uma tentativa de assassinato do candidato, que foi envenenado com dioxina. Para prestigiar o segmento, Yushchenko, uma vez no poder, escolheu o ex-pastor batista Olexander Turchinov como chefe da Segurança Pública. No entender de analistas, esta aproximação foi, em parte, responsável pela visão distorcida a respeito dos evangélicos. Um dos deveres do pastores do país é deixar claro quem eles são e como se encaixam dentro de uma nação cristianizada. “Fora do underground” – Hoje, os líderes da Igreja ucraniana expressam, unânimes, sua gratidão pelas pessoas, donativos e recursos financeiros e ministeriais vindos do exterior, sobretudo dos Estados Unidos.

O pastor Igor Stakhovskiy, com a fam lia: convertido após a dissolução da URSS, ele montou uma igreja avivada

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não era correto morar junto com seus na- surpresa, mas foram as senhas que os relimorados, coisa que elas nunca ouviram dos giosos ucranianos esperavam para dar asas pais. Elas ficaram bastante surpresas, mas à própria fé. Igor Agapoff, da Christian atenderam a orientação do pastor. Broadcasting Network (Rede Cristã de TeMas à medida que Igor fala, passa a im- levisão), descreve a metade dos anos 90 no pressão de que o evangelicalismo se espa- leste europeu e na Rússia como uma época lhará em poucos anos pelo Leste Europeu e em que o crescimento do evangelismo era até mesmo pela Ásia Central, região de for- inacreditável. “Aquele processo surpreendia te presença islâmica. A Ucrânia, a todos. O tempo da colheita uma nação influente sob o ponto havia chegado; naqueles dias era Internacional de vista político e cultural e com possível duplicar o tamanho de uma localização estratégica, enuma igreja em apenas um mês”, tre o Ocidente e o Oriente, introduziu pre- lembra. Isso aconteceu, de acordo com o viamente as ondas do Cristianismo entre as patriarca da Igreja Ortodoxa de Moscou, demais nações eslavas (ver quadro). Terra de Archimandrite Hovorun, porque as pessoas, férteis estepes, cuja extensão é cortada por sedentas por algo que lhes desse confiança, rotas mercantes ancestrais, a Ucrânia não inundaram as igrejas existentes: “A Igreja foi independente durante a maior parte de tornou-se a única autoridade, a única inssua existência. No ano 800, os escandinavos tituição digna de confiança nesta sociedade fundaram o Principado de Kiev, um Esta- após o colapso do regime e do Partido Codo predecessor do que hoje são a Ucrânia, munista”. a Rússia e a Bielo-Rússia. A Comunidade Konstantin Goncharov, presidente do Polaco-Lituana tomou para si o que sobrou Seminário Teológico de Kiev (KTS), exda nação depois do país ter sido saqueado plica que a Ucrânia tornou-se, de certa fordurante séculos pelos mongóis. Já no século ma, uma espécie de centro do cristianismo 19, a Ucrânia ocidental caiu sob o domínio na região. “Nós temos o maior número de da Áustria, enquanto o restante do país foi igrejas e a maior porcentagem de cristãos incorporado ao Império Russo. Durante a entre todos os ex-países soviéticos”, aponta. era comunista, a República Socialista Sovié- Anatoly Prokopchuk, presidente do KTS, tica da Ucrânia foi um dos lugares mais du- emenda que muitas nações do Leste encaramente atingidos pela política alimentícia ram a Ucrânia como um exemplo de restaudo líder russo Stálin. Cerca de 10 milhões ração, tanto em direitos políticos quanto em de ucranianos morreram de inanição duran- liberdade religiosa. “Eles acreditam que, se te a Grande Fome de 1932. os ucranianos obtiverem sucesso nessa retomada, isso trará esperança até para a Rússia Abertura e crescimento – Com um pas- fazer o mesmo. Somos um país com um pasado assim, era natural que os ucranianos drão experimental”, define. ansiassem por autonomia, inclusive em terMas em um país onde 82 por cento da mos religiosos. Mas foi só no fim dos anos população declaram-se cristãos, os evangé1980, logo após o desastre da usina atômica licos ainda são considerados uma raridade. de Chernobyl – o maior acidente nuclear da Diretor executivo da Associação Eurohistória – que os ucranianos começaram a Asiática para Credenciamento de Escolas respirar ares de liberdade, segundo Vasily Evangélicas, Serguei Sannyakov declara Lopatin, vice-presidente do Seminário Te- que provavelmente eles constituem apenas ológico de Odessa. “Mesmo antes da União um ou dois por cento da população total, Soviética cair oficialmente, em 1991, muitos estimando um número em torno de 460 cristãos já se sentiam suficientemente segu- mil a 900 mil adeptos de denominações ros em praticar sua fé de uma maneira mais protestantes – aí incluídos os freqüentaaberta”, comenta. dores de novas igrejas que surgiram no A glasnost e a perestroika introduzidas contexto pós-soviético, e que são considepelo ex-líder Michail Gorbotchov na en- radas como seitas pela dominante Igreja tão União Soviética pegou muita gente de Ortodoxa.


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americana que é professora associada à Penn State University, da Pensilvânia, estudou os evangélicos ucranianos por mais de uma década. Segundo ela, essa liberdade tem muito a ver com o governo ucraniano. “Para começar, a lei e a burocracia na Ucrânia criaram circunstâncias muito favoráveis às ações missionárias; eles estão mais receptivos à chegada de evangelistas e líderes religiosos de qualquer lugar, bem como de ajuda humanitária, permitindo que organizações religiosas locais participem da distribuição desses recursos. É possível que esta liberdade continue”, anima-se. “Para quem nunca observou as igrejas da Rússia, de todas as denominações, mais de 50% delas são lideradas por ucranianos”, aponta Steve Weber, diretor regional da CBN WorldReach (CBN Alcance Mundial), em Kiev. Agapoff acrescenta que, nas novas igrejas da Rússia, esta estatística pode subir para 80 por cento. Segundo ele, líderes locais já têm trabalhos de plantação de igrejas em lugares tão distintos como Turcomenistão e Indonésia, além de países da Europa Ocidental e até mesmo na China e na Tailândia. Pertencendo à quarta geração de membros de uma das igrejas mais tradicionais do país, Michael Cherenkov ainda mantém o hábito de usar calças escuras e um comportamento bastante austero. Com dois títulos de

PhD em sua formação, ele está conseguindo reconhecimento pelo seu trabalho com o Ministério Associação para Renovação Espiritual. Para Cherenkov, os evangélicos ucranianos precisam de uma nova teologia: “Não uma teologia de repetição ou de tradições antigas, mas de mudanças”, defende. Ele argumenta que a comunidade protestante de seu país precisa de um “evangelismo social, e não de espiritualidade interna,” especialmente para alcançar a juventude ucraniana. “Podemos combinar as tradições da Igreja na Ucrânia com a nova situação da sociedade. Pode-se encontrar um equilíbrio entre passado e futuro”, prega. O aumento dos ministérios de trabalho social, como os da centenária Primeira Igreja Batista de Odessa, talvez seja o tipo de modelo que Cherenkov tenha em mente. Ações como essa é que estão criando uma ponte para a lacuna entre o passado e o futuro. Mas tudo teve que ser adaptado antes. “A transição entre o modelo nacional e o estrangeiro precisa ser menos direta”, afirma o crente batista. “Nós precisamos de modelos de ministério novos, dentro da legalidade, que sejam apropriados para a nova situação: não um evangelismo direto, mas ajuda humanitária e trabalho com grupos de alto risco”. É bem possível que a chave para o futuro da Igreja cristã na Ucrânia seja uma alquimia disso tudo.

Muitos cristãos, poucos evangélicos

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Católica, da Contra-Reforma Polonesa e do protestantismo alemão – e, após uma lacuna de alguns séculos, de missionários dos Estados Unidos e de outras nações ocidentais. Hoje, a Igreja Ortodoxa Oriental está dividida em mais de três grupos na Ucrânia, e conta com algo em torno de 80 por cento dos cristãos da nação. Os demais são praticantes do rito católico oriental, batistas, pentecostais e outros grupos menores, sobre cuja presença não há números precisos, mas seriam algo entre 500 mil e 900 mil. Após o fim do período soviético, igrejas neocarismáticas e as suas conexões internacionais, como o Hillsong de Kiev e a Embaixada de Deus – considerada como a maior igreja evangélica da EuroTemplo ortodoxo em pa, com cerca de 25 Kiev: fiéis da Igreja mil pessoas em fresão mais de 80% dos qüência semanal –, cristãos da Ucrânia ganharam força.

Conta-se que André, o apóstolo, possuía terras perto da costa do Mar Negro, na Ucrânia, e teria espalhado o Evangelho até o norte, por volta de 55 A.D. Mas a região ainda permaneceu oficialmente pagã até o século 10, quando Vladimir, o Grande, converteu-se ao cristianismo e forçou os cidadãos de Kiev a serem batizados no Rio Dniepro. A Ortodoxia oriental tornou-se rapidamente a religião principal daquela região. A partir dali, os religiosos ucranianos sofreram a influência cristã da Roma

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Entretanto, algumas vezes parecem desapontados, como se a presença missionária reforçasse uma visão do evangelicalismo como uma imposição cultural americana. A influência dos cristãos da América tem uma frágil representação para os evangélicos ucranianos. Contudo, algumas organizações como a SEND Internacional e a Cruzada Universitária estão presentes no país desde os tempos em que ser missionário era ilegal, o que lhes dá certa legitimidade para continuar atuando ali, inclusive como trampolim para acesso às nações vizinhas, mais fechadas que a Ucrânia. O problema é que os crentes locais rejeitam a subcultura do Protestantismo tradicional e ainda estão à procura de uma identidade cristã própria, compatível com a relativa autonomia dos novos tempos. Alguns abraçam tradições ortodoxas a fim de encarnar um evangelicalismo que seja compatível com a fé eslava nacional. Outros grupos mais avivados, como a pequena igreja de Stakhovskiy, admitem que as pessoas possam nascer de novo tanto dentro da Igreja Católica quanto na Igreja Ortodoxa; e tentam lembrar a cada um acerca de seu contexto étnico. Sergei Tereschenko, deão acadêmico do KTS, tem uma análise mais precisa: “Nós adotamos o estilo ocidental de adoração, com música alta, mas estamos em um país ortodoxo”, lembra. Ambas as lideranças, evangélicas e ortodoxas, reconhecem as tensões existentes, mas expressam um grande desejo de união – demonstrado, principalmente, na colaboração interdenominacional em ministérios sociais e na tolerância mútua. Uma vez, Tereschenko ajudou a pagar o funeral de um parente ortodoxo, mesmo sabendo que um dos pontos principais do sermão da cerimônia seria sobre a desesperança da salvação fora da Igreja Ortodoxa e a inutilidade do evangelicalismo. Além disso, estimula seus alunos a respeitar as tradições religiosas eslavas e a demonstrar amor, e não retaliação – mesmo quando são hostilizados. “É uma questão de obediência a Cristo”, resume. Apesar de todos os desafios que os evangélicos enfrentam na Ucrânia, eles permanecem fortemente evangelísticos. Richard Strahm, que é professor no KTS através da SEND Internacional, está impressionado com a rapidez com a qual os crentes ucranianos saíram do underground direto para missões. “Assim que a liberdade chegou, eles já estavam prontos para sair, plantar igrejas e evangelizar”.elogia. Catherine Wanner, uma

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U m a I g reja n a e n cr u z i l h ada



Reflexão Ed René Kivitz

O novo paradigma da missão

A presença da Igreja no mundo extrapola a relação pessoal do indivíduo com Deus

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empre desconfiei do senso comum. Considero necessária e até mesmo imprescindível a coragem de questionar tudo, inclusive os alicerces da alma e da existência humanas. Para quem porventura se preocupa comigo, advirto estar em boa companhia – também estou alinhado com o apóstolo Paulo, que disse que “contra a verdade nada pode, senão a verdade”. Até o conceito de missão da Igreja associado à grande comissão pode ser questionado. Discordo dos que afirmam que essa missão é de fazer discípulos. Primeiro, porque a declaração de Jesus registrada em Mateus 28.18-20 nos permite apenas deduzir a missão da Igreja, e segundo, por considerar reducionista a equivalência da tarefa de fazer discípulos com a missão da Igreja. As referências bíblicas utilizadas para deduzir a missão da Igreja são diversas, sendo as mais utilizadas as dos evangelistas. É fácil perceber que cada um de seus textos possibilita um resultado diferente para o enunciado definidor do que seria aquela missão. O registro de Mateus 28.18-20 possibilita a fórmula “fazer discípulos”, implicando necessariamente o ensino detalhado de todas as ordens de Jesus. Marcos indica a proclamação do Evangelho como tarefa essencial, assim como Lucas (24.46-48), que também sublinha a proclamação, mas com conteúdo menos abrangente, restrito à convocação ao arrependimento para perdão dos pecados. Já o evangelho de João abre um leque extraordinário quando afirma que a missão da Igreja deve ser derivada da missão de Jesus – “assim como”, o que remete a declarações do tipo: “Porque o Filho do homem veio para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Marcos 10.45); ou ainda: “Veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19.10), de onde poderíamos deduzir que a missão da Igreja se sustentaria em três ações concomitantes: buscar, servir e salvar. Por fim, em Atos 1.8, o evangelista Lucas aponta na direção do testemunho a respeito da pessoa e obra de Jesus como aspecto essencial da missão. Uma leitura mais ampla da Bíblia Sagrada, disposta inclusive a buscar as referências do Antigo Testamento como elementos constitutivos da missão do Messias transferida para sua Igreja, nos levaria necessariamente a concluir duas coisas: a primeira é que existem outras tantas narrativas negligenciadas pelo senso comum dos que querem definir a missão; e a segunda é que, incluídas e consideradas estas outras peças do quebra-cabeças, o resultado final será não apenas diferente, como também – e principalmente – muito mais abrangente do que a mera declaração “fazer discípulos”. Na narrativa de Mateus sobre o Sermão do Monte, Jesus identifica seus discípulos como sal da terra e luz do mundo. Ali, o Senhor amplia o horizonte de compreensão da missão,

incluindo a necessária transformação – ou, no mínimo, uma afetação da realidade conjuntural – da terra e do mundo, mediante a presença de seus discípulos. Já Lucas 4.17-21 identifica na ação e presença messiânicas a liberdade dos cativos e oprimidos, conforme Isaías profetizou –.o que inclui, para muitos, as dimensões sociais, econômicas e políticas Ainda que exista certa divergência nos limites implicados, está claro que a presença e atuação de Jesus e de sua Igreja no mundo extrapolam a relação pessoal do indivíduo com Deus. É reducionista a definição da missão da Igreja que se esgota no esforço de chamar pessoas ao arrependimento para remissão dos pecados. Nesta interpretação, “fazer discípulos” seria apenas ensinar aos que crerem todas as coisas que Jesus mandou. Da mesma forma, parece equivocado dissociar a missão da Igreja da atuação dos cristãos na sociedade. Tal raciocínio mantém a dicotomia entre evangelização e responsabilidade social, dando primazia ao testemunho verbal do conteúdo do kerigma sobre os atos de justiça. Nessa perspectiva, a Igreja é vista como uma comunidade diaconal, mas o serviço cristão se presta a autenticar a pregação do Evangelho. As expressões “fazer discípulos” e “missão da Igreja” apontam realidades distintas e não podem ser consideradas sinônimas. Estamos, portanto, diante de pelo menos dois paradigmas; um que resume a missão da Igreja na conquista de novos seguidores de Cristo, e outro que a considera em termos mais abrangentes. No primeiro – o da grande comissão – a salvação se resume à conversão pessoal e individual. Salvo é todo aquele que crê na mensagem do Evangelho, se arrepende para a remissão de seus pecados e passa a viver integrado na comunidade cristã, sob os imperativos éticos da Palavra de Deus e o compromisso de propagar e difundir a mensagem de salvação. Já o outro paradigma, o da missio Dei, descarta a idéia de missão restrita ao discipulado individual e supera o reducionismo da salvação como livramento dos indivíduos das penas eternas. A Igreja não é para o mundo, nem mesmo espaço de fuga do mundo, mas o próprio movimento de Deus para dentro dele, e nesse sentido, da Igreja com o mundo. A missio Dei se relaciona com a missão da Igreja fazendo desta última a comunidade solidária com o Cristo encarnado e crucificado, bem como ressurreto e exaltado. Em Missão transformadora (Editora Sinodal), David Bosch conclui que o propósito da missão da Igreja não pode ser simplesmente a implantação de igrejas e a salvação de almas. “Pelo contrario, deverá ser representar a Deus diante do mundo (...) Em sua missão, a Igreja é testemunha da plenitude da promessa do Reino de Deus e é partícipe da batalha contínua entre esse reinado e os poderes das trevas e do mal”.

É reducionista a definição da missão da Igreja que se esgota no esforço de chamar pessoas ao arrependimento para remissão dos pecados

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Ed René Kivitz é teólogo e escritor



Projeto da Igreja Presbiteriana de Telêmaco Borba (PR), do arquiteto Shileon Martins: preocupação com o bem estar dos freqüentadores

Marcelo Barros odo crente sabe que o Senhor não habita elaboração do chamado Estudo de Viabilidade Técnica Legal. É em santuários feitos por mãos humanas esse levantamento que vai fornecer informações fundamentais – mas como fazer a obra crescer se não para o êxito do empreendimento, tais como o índice de aproveihouver lugar para reunir o povo de Deus? tamento do espaço, a altura máxima do prédio e a classificação Afinal, seja qual for a denominação ou o perfil teoló- do uso do edifício, além da permeabilidade mínima do solo e gico, toda igreja precisa de um templo. Desde os ma- suas dimensões necessárias para a construção de uma igreja. jestosos prédios capazes de abrigar milhares de fiéis e A arquiteta Gláucia Velasco, que coordena todos os projetos oferecer-lhes confortos como ar condicionado central de construção da Igreja Internacional da Graça de Deus – uma e som de cinema, até salinhas alugadas de periferia, das que mais constroem ou adaptam templos no país – explica os templos evangélicos multiplicam-se que numa construção destinada a reuniões de públipelo Brasil. Impossível saber quantos eles co, o projeto precisa ser minucioso nos detalhes. “O Arquitetura são – já se fala em pelo menos 200 mil hall de entrada tem de ser dimensionado segundo a congregações no país –, mas todos precicapacidade do salão de culto, ou seja, no mínimo um saram ser erguidos ou adaptados de acordo com as necessidades, metro quadrado para cada oito pessoas. A nave deve ocupar luo gosto e os recursos disponíveis de cada grupo. E na hora de gar de destaque, ter fácil acesso, visibilidade e acústica adequaconstruir, reformar ou mesmo ampliar templos, há que se levar das”, ensina. Além disso, diz a especialista, a circulação central em conta uma série de fatores, além da fé. O próprio Cristo ad- e lateral tem que ter no mínimo 1,20m. “Parece simples, mas vertiu seus seguidores de que, antes de se fazer uma construção, não é. Apesar de envolver questões de segurança, essas regrié preciso planejar minuciosamente a obra, para evitar o fracasso. nhas básicas, muitas vezes, não são seguidas por quem constrói” Assim, o que parecem pequenos detalhes podem virar armadi- diz a arquiteta. lhas e trazer enorme dor de cabeça. Gláucia lembra ainda que a disposição das poltronas não Segundo projetistas e construtores, detalhes funcionais, e pode terminar junto às paredes e que o templo deve ter espamesmo legais, têm sido repetidas vezes esquecidos por pastores e ços para rampas ou elevadores destinados a pessoas com molíderes evangélicos. Antes mesmo de iniciar a construção, ou seja, bilidade reduzida: “As portas devem abrir de dentro para fora e ainda na fase de definição da área do novo templo, é importante ter ferragens anti-pânico, com largura mínima de dois metros”, a consulta a um profissional – engenheiro ou arquiteto –, para a completa. 42

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Prepar


ados para a boa obra

Paulo Cesar Brito Jr

Projetistas evangélicos dizem que pastores e líderes costumam negligenciar detalhes fundamentais na construção de templos

proporciona um melhor aproveitamento da iluminação, seja natural ou artificial, na edificação.” A acústica arquitetônica, por outro lado, tem profunda relação com a forma interna do imóvel. “Em ambiente onde a acústica não se encontra adequada, as pessoas podem sentir algum desconforto, como perda de concentração, dor de cabeça e outros distúrbios físicos” explica Shileon. Especialista em acústica, a arquiteta e pastora Claudete Brito conta que, em seus 30 anos de experiência, já corrigiu erros surpreendentemente grosseiros quando o assunto é dinâmica de som nos locais de culto: “Há igrejas que mantêm as casas de máquinas, ou seja, aquelas que abrigam o ar-condicionado central ou os elevadores, próximo dos púlpitos. A conseqüência disso é um ruído que atrapalha o bom andamento da reunião, seja qual for a liturgia da igreja”. Claudete, ligada à Igreja Maranata, do Rio, diz ainda que telhados mal projetados, janelas sem dimensionamento adequado e determinados tipo de forros prejudicam o som e podem ser até perigosos: “Vejo que muitas igrejas utilizam isopor ou PVC para forrar seus templos, devido ao preço barato desses produtos. Ocorre que eles são péssimos para a acústica – e, em caso de incêndio, o PVC é extremamente prejudicial a saúde”, alerta.

Impacto – Outro item estrutural fundamental, mas freqüentemente negligenciado, é o estacionamento. Apesar de obrigatório para aprovação de um projeto de construção de templo religioso, há vários exemplos no Brasil de denominações evangélicas que não pensam em delimitar um local para os carros de seus membros, dirigentes e visitantes. Por se tratar de um pólo gerador de tráfego, o impacto viário que o templo vai trazer Versatilidade – Claudete lemà região onde funcionará tem bra que, na hora de construir, que ser analisado por órgãos a liderança da igreja não deve públicos. No Rio de Janeiro, ignorar que há novos materiais por exemplo, como os critérios que podem ser até combinada Secretaria Municipal de dos com os tradicionalmente Urbanismo e os da Compausados, e com vantagens. “A nhia de Engenharia de Tráfemadeira, durante muito tempo go (CET-Rio) são diferentes, empregada para a cobertura, há a necessidade de o projeto hoje é substituída pela estruser analisado nos dois órgãos tura metálica, devido ao seu para uma definição final sem custo e possibilidade de venfalar da possibilidade de incer grandes vãos”, exemplifica. cluir vagas em estacionamenA alvenaria de tijolos, por sua tos próximos, desde que em Claudete Brito, especializada vez, está sendo trocada pelo gesso acartonado terrenos próprios ou com contrato de aluguel em acústica, conta que tem como divisória interna de espaços. “Isso percomprovado, para completar o número míni- visto erros grosseiros em mite muita flexibilidade, rapidez na montamo de vagas exigido. projetos de templos gem e limpeza na obra”, aponta a pastora. Além das questões legais e itens de seguPara Shileon Martins, toda igreja deve busrança, o arquiteto paranaense Shileon Ferreira Martins, especializado na construção de templos, lembra que car soluções práticas e inovadoras que não vão onerar muito a não se pode esquecer do bem estar das pessoas que vão fre- obra. “Afinal, é preciso estar atento ao orçamento”, lembra. O qüentar o local. “Costumam ocorrer falhas graves neste aspecto”, projetista diz ainda que a arquitetura do templo pode até cocomenta. “Em geral, não há uma preocupação com o conforto municar alguns valores importantes para a fé cristã: “Formas, térmico, luminoso e acústico.” Ele explica que é preciso prever o cores e luzes têm significado num local que reúne pessoas de posicionamento da edificação em relação ao sol, a possibilida- uma mesma fé e cuja finalidade é a adoração, o culto a Deus. Até de de ventilação natural e o desempenho térmico dos materiais a concepção da aparência do edifício pode ser um convite para utilizados para edificação. “Já o conforto luminoso é aquele que que o visitante entre e ouça a Palavra.”

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Chega ao mercado a Almeida 21, versão das Escrituras adaptada a partir da tradução predileta dos crentes brasileiros Carlos Fernandes

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odo leitor da Bíblia, seja pastor, seminarista ou simplesAo tomar como base o texto de Almeida, os editores renmente um crente em busca de alimento espiritual para dem-se à realidade de que aquele é o preferido pela maioria a sua alma, sonha ter em suas mãos a melhor tradução absoluta dos leitores da Bíblia no Brasil. A Bíblia Almeida Sédas Sagradas Escrituras. Por “melhor” deve ser entendida culo 21 é inspirada no texto conhecido como Versão revisada aquela edição que consegue reunir num só volume uma série de de acordo com os melhores textos em hebraico e grego, publicado características: fidedignidade máxima aos originais, clareza de tex- no fim da década de 1960 pela Imprensa Bíblica Brasileira/ to, vocabulário que respeite as tradições – mas, ao mesmo tempo, Juerp. E foi esta editora, ao lado da Vida Nova, Hagnos e Atos, fuja de arcaísmos desnecessários –, atualização e funcionalidade. que lançou o produto. Coube a Edições Vida Nova o desenReconheçamos: não é tarefa fácil. Algumas versões são volvimento do projeto e a organização da equipe tão vetustas que parecem ininteligíveis ao leitor leigo; de tradução e revisão, que contou com o biblista Mercado outras adotam termos considerados por muitos como Luiz Alberto Sayão como coordenador geral. Ao coloquiais demais para a nobreza da Palavra de Deus. lado dele, atuaram gente como os pastores Abraão Pois um pool de editoras cristãs decidiu encarar o desafio de chegar de Almeida (revisão de estilo) e Estevan F. Kirschner (revisão mais perto do ideal. O resultado é a Bíblia Almeida Século 21, lança- exegética), bem como Edna Guimarães, Robinson Malkomes, da em setembro, durante a Expo Cristã, em São Paulo. Trata-se da Daniel de Oliveira e Aldo Menezes, entre outros, com formamais nova e moderna tradução das Escrituras Sagradas em língua ção em línguas bíblicas, português e lingüística. A diversidade portuguesa – e a continuação de uma saga que começou no século denominacional do grupo – formada por batistas, presbiteria17, pelas mãos de João Ferreira de Almeida, o primeiro a traduzir a nos e luteranos, além fiéis das igrejas Menonita, Anglicana e Palavra de Deus para o idioma de Camões (ver quadro). Assembléia de Deus – garantiu a isenção de preferências teológicas.

A pena que fez história

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João Ferreira de Almeida nasceu na cidade portuguesa de Torre de Tavares em 1642. De família católica, abraçou o protestantismo na juventude e logo seguiu para Málaca (atual Indonésia), a serviço da Igreja Reformada Holandesa. Ali iniciou o trabalho de tradução da Bíblia para o português, tomando como base versões em latim, espanhol, italiano e francês, todas traduzidas diretamente das línguas bíblicas, o hebraico e o grego. A tarefa lhe consumiria boa parte da vida. Ordenado ministro presbiteriano em 1656, Almeida dividia a atuação sacerdotal com o paciente trabalho de tradução. Os primeiros cristãos a se beneficiarem com isso foram diversas congregações de língua portuguesa espalhadas pelo sudeste asiático. Almeida concluiu o Novo Testamento em 1677. Já com a saúde debilitada, teve suas funções missionárias reduzidas e pôde dedicar tempo integral aos textos do Antigo Testamento. Ele morreu em outubro de 1691, deixando a tradução pronta até o livro de Ezequiel 48.21. Coube ao pastor holandês Jacobus den Akker de concluir a versão da Bíblia Sagrada em português, que seria impressa pela primeira vez em 1748.

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“Tu” e “vós” – O trabalho em torno da Almeida 21 começou em 2002, quando a parceria entre as editoras foi definida. Segundo os editores, a proposta da Bíblia Almeida Século 21 é a de beneficiar os leitores mais exigentes e críticos. “Há, pelo menos, duas razões fundamentais para a manutenção da proposta básica do texto de João Ferreira de Almeida”, diz Estevan Kirschner. “Não há a menor dúvida de que é esse o texto bíblico mais apreciado e consolidado no contexto protestante de fala portuguesa.” Para Luiz Sayão, o destaque do lançamento não é apenas a tradição histórica, mas a ênfase na exatidão exegética e a valorização da fluência na leitura. “Embora a maioria das versões tradicionais tenha como ponto forte o estilo e o profundo respeito ao sagrado, quase nenhuma consegue reunir estes elementos”, opina. “A Almeida Século 21 faz isso com maestria. É o texto bíblico que estava faltando no contexto evangélico brasileiro”, destaca. Outra das características da Almeida 21 é a opção pela manutenção de pronomes considerados em desuso no vernáculo brasileiro, como o “tu” e o “vós”. No entender do pastor e doutor Russel Shedd, presidente emérito de Edições Vida Nova, a decisão foi fundamental para não descer ao nível da excessiva familiaridade ou falta de reverência.

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Uma Bíblia para o novo século



First published in Christianity Today, copyright © 2008. Used by permission, Christianity Today International

O fator fé

Às vésperas de uma eleição presidencial disputadíssima, eleitorado evangélico americano divide-se entre dois candidatos antagônicos, mas com a mesma profissão de fé

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John W. Kennedy e Tony Carnes

Mais uma vez, os evangélicos dos Estados Unievangélica, e votar é a expressão palpável desdos vão inf luenciar de modo significativo as ta postura. Por isso mesmo, tanto o democrata eleições nacionais neste ano. Os seguidores das Barak Obama quanto o candidato do Partido igrejas protestantes representam um dos maioRepublicano, John McCain, esforçam-se para res grupos determinantes na sociedade americaagradar a este sensível segmento do eleitorado na – dependendo, claro, de como for definido o americano. Para o eleitor evangélico, temas ligatermo “evangélico”. Ninguém se esquece de que dos a questões morais e comportamentais, como foi a chamada direita protestante que chancelou a legalização da união civil entre homossexuais os dois mandatos do atual chefe da e a liberação do aborto, por exemplo, Casa Branca, o republicano George costumam ter mais peso do que asPolítica W.Bush. Nos EUA, o alto nível de suntos internacionais ou urgências da inf luência dos crentes é resultante de agenda interna, como a atual crise do vários fatores, incluindo seu firme comparecisistema financeiro americano. É o fator fé, capaz mento às urnas, percentualmente bem maior do de, mais uma vez, decidir os destinos da mais que o total da população num país onde o voto é poderosa nação do mundo. facultativo. Em tempos recentes, o engajamenEm agosto, numa demonstração explícita to civil tornou-se uma indicação de identidade de prestígio aos evangélicos, os dois candidatos

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Fotos: AFP

O pastor Rick Warren, entre McCain e Obama, no Fórum Civil realizado na Igreja de Saddleback: candidatos falaram de fé, religião e vida privada em rede nacional

compareceram a um fórum organizado pelo pastor e conferencista Rick Warren, dirigente da badalada Igreja Saddleback, em Lake Forest, Califórnia (ver entrevista). Warren, apontado como um dos homens mais influentes da América hoje, lido e ouvido por milhões de americanos, entrevistou McCain e Obama acerca de vários assuntos – principalmente, temas ligados a fé, religião e, claro, política e propostas de governo. Transmitido pela TV em horário de máxima audiência, a conversa galvanizou o país. Aparentemente à vontade, os dois rivais abriram o coração e até fizeram confidências. Pelo modelo proposto, não houve perguntas entre os dois – Warren conversou com cada um por cerca de uma hora, e a ordem foi decidida no cara-ou-coroa. Obama, que falou primeiro, admitiu que, na juventude, bebeu e experimentou drogas. Não chegou a ser novidade – os fatos já foram narrados no livro que escreveu, Dreams of my Father (Sonhos de meu pai). Tentando capitalizar ao máximo o passado, o democrata fez questão de dizer que suas peripécias fizeram dele “uma pessoa melhor”. O candidato, que é senador pelo estado de Illinois, também se entreteve em explicar com detalhes como sua fé em Jesus o tinha ajudado a levar as cargas da vida, fortalecendo-o para o desafio de disputar a presidência de seu país como o primeiro negro a ter reais chances de chegar à Casa Branca. Já McCain confessou, com ar compungido, ter traído a primeira mulher, Carol, uma modelo da Filadélfia com a qual se casou pouco antes de embarcar rumo à guerra do Vietnã, nos anos 60. De volta aos EUA como herói em 1973, após permanecer cinco anos como prisioneiro no sudeste asiático, McCain encontrou a mulher com o rosto desfigurado por um acidente. Pouco tempo depois, numa festa militar, conheceu a milionária Cindy Hensley, com quem teve um caso e acabou se casando em 1980, após divorciar-se de Carol. O debate com o pastor foi um episódio de importância crucial numa campanha apertadíssima. Até o fechamento desta edição, Obama estava à frente, favore-

cido pela crise financeira americana de setembro. Na percepção óbvia do eleitor, o colapso do sistema de crédito nacional é de responsabilidade do governo – e o atual mandatário do país, afinal, é do Partido Republicano. O episódio freou uma arrancada de McCain, que ganhara fôlego perante o eleitorado cristão com a indicação da governadora do Alasca, Sarah Pallin, como sua candidata a vice. Os dois candidatos participaram do fórum com a determinação de deixar clara sua fé cristã e seu apoio aos valores tradicionais, embora, dado o conservadorismo dos evangélicos americanos, John McCain tenha se saído melhor do que o oponente ao levantar bandeiras contra o aborto e o casamento entre gays. Superando divisões – Mas o que os dois postulantes têm a dizer para conquistar os 25% do eleitorado que se confessam evangélicos praticantes? A campanha de Obama é fundamentada na retórica da esperança, de sonhos, e no bordão “mudança”, juntamente com calorosas palavras sobre Deus e o país. Como senador jovem do Illinois, ele tem sido apoiado, por anos, pela base do Partido Democrata, incluindo os eleitores da classe trabalhadora, sindicalistas, negros, feministas, grupos que lutam pelos direitos dos homossexuais e defensores da livre escolha da mulher pelo aborto. No entanto, pela primeira vez desde Jimmy Carter em 1976, um candidato presidencial democrata se mostra cortejando aos evangélicos e outros cristãos conservadores, de forma entusiástica e bemsucedida.

Ao invés de criticar seu adversário republicano por servir à direita religiosa, Obama espera angariar votos evangélicos suficientes para colocá-lo no topo em novembro. O fato de ele falar a linguagem da fé de forma natural conspira a seu favor. Em entrevista recente à Christianity Today, Ron Sider, fundador do grupo Evangélicos pela Ação Social, disse que Obama “entende os evangélicos melhor do que qualquer democrata desde Carter”. Em junho, Sider estava entre os 40 cristãos convidados a uma reunião privada e confidencial, em Chicago, organizada pelo candidato. Outras personalidades do universo cristão americano estiveram presentes, como Franklin Graham, filho e herdeiro ministerial do respeitadíssimo pastor Billy Graham, T.D. Jakes, Eugene Rivers, o escritor Max Lucado e o editor da revista Christianity Today, David Neff.

O democrata, que tem feito do bordão “mudança” o lema de sua campanha, busca aproximação com l deres evangélicos

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Richard Cizik, vice-presidente para assuntos governamentais da Associação Nacional dos Evangélicos, disse que o convite de Obama representa a primeira vez em que um candidato presidencial democrata requisitou uma reunião com um membro da entidade. “Achei Obama desejoso de superar divisões”, disse, ao fim do encontro. “Ele está tentando solucionar problemas que a administração Bush não solucionou, como o segurosaúde e a mudança climática”. “Somente o fato de Obama estar organizando essas reuniões já é positivo”, diz John C. Green, um dos dirigentes do Fórum sobre Religião e Vida Pública. No seu entender, isso não garante que campanha democrata alcançará exatamente os resultados desejados entre os eleitores protestantes. Green lembra que nenhum democrata conseguiu mais do que um terço dos votos dos evangélicos brancos desde Carter. Em contrapartida, George W.Bush, em 2004, recebeu esmagadores 78 por cento dos votos do segmento. Todavia, Obama obteve sucesso em seu esforço de ganhar a atenção de evangélicos

conservadores de um modo que outras estrelas do partido, como a senadora Hilary Clinton, que perdeu para ele a indicação democrata à Casa Branca este ano, além de John Kerry, Michael Dukakis e Walter Mondale, jamais conseguiram, durante suas respectivas disputas presidenciais. Ele conseguiu isso, em parte, fazendo o inesperado. Por exemplo, em julho, o candidato propôs a expansão do programa de Iniciativas Baseadas na Fé, do presidente Bush – ação que, desde o começo, enfrentou a oposição dos liberais devido a questões envolvendo a separação entre Igreja e Estado, tema crucial nos EUA. Do mesmo modo, Obama foi feliz em conseguir ao menos o apoio de um dos maiores partidários do atual presidente, Kirbyjon Caldwell. Pastor da Igreja Metodista Unida de Houston, no Texas, a maior da denominação no país, o religioso deu sua bênção no início de ambos os mandatos de George W.Bush, e realizou a cerimônia de casamento de sua filha, Jenna, em maio. No último ano, Caldwell compareceu a

um evento para angariar fundos para a campanha de Obama e disse que estava profundamente impressionado com o candidato. Outro importante líder afro-americano, o bispo Harry Jackson Jr., pastor sênior da Hope Christian Church, em Washington, D.C., afirma que o relativo silêncio de McCain com respeito às questões sociais tem motivado evangélicos olharem melhor para o democrata. “Existe uma tremenda apatia na direita religiosa”, aponta Jackson. “Os irmãos estão se sentindo traídos e esquecidos. Isso pode trabalhar em favor de Obama” “Deus salve a América” – Pode ser, mas do lado de lá das urnas os partidários de McCain trabalham para tornar seu nome mais palatável ao eleitorado cristão, após um desgastado governo de matriz protestante que durou oito anos. E, se a Guerra no Iraque vem se tornando um trauma americano, nada melhor do que recorrer à memória de outro conflito desastroso para o país – Vietnã. Até recentemente, os detalhes sobre as convicções cristãs do

“Vamos nos juntar no que concorda

O

O Fórum Civil da Igreja de Saddleback, que reuniu 2 mil pessoas ao vivo e parou o país na frente da TV na noite do dia 16 de agosto. O evento, o primeiro ato da atual campanha presidencial a reunir os dois candidatos, demonstrou o prestígio de seu promotor, o pastor Rick Warren, apontado como um dos homens mais influentes da América. Sua igreja, com 25 mil membros, é referência obrigatória no atual cenário evangélico americano e seus livros, como Uma igreja com propósitos e Uma vida com propósitos, viraram best-sellers mundiais. Rick Warren está envolvido em um grandioso projeto. Desde 2005, o líder da Igreja Saddleback tem empreendido uma estratégia global para missões – o chamado Plano da Paz, recentemente rebatizado de Paz 2.0. Ele propõe uma ampla coalizão global, unindo governos, empresas e igrejas numa parceria com foco na reconciliação e no progresso humano. Utopia? Pode ser. Mas Warren diz que a Igreja tem todas as ferramentas necessárias para a boa obra. Nesta entrevista, ele fala sobre Paz 2.0 e também sobre os resultados do debate com os presidenciáveis:

CRISTIANISMO HOJE – O Fórum Civil de Saddleback supriu suas expectativas?

RICK WARREN – Sim, foi além das expectativas. Os elogios da elite da imprensa foram impressionantes. Antes do debate, dois grupos me criticaram muito. De um lado, os seculares de esquerda que temiam que eu estabelecesse uma avaliação religiosa para o presidente, algo que sou absolutamente contra. 48

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Por outro lado, os membros da direita religiosa que temiam que eu cedesse aos temas como aborto, casamento homossexual e pesquisas com células tronco. A iniciativa se encaixa no seu projeto Plano da Paz?

Encaixa-se à medida que constrói-se pontes com o governo. Tive três objetivos com o evento. Um deles é restaurar a responsabilidade dos indivíduos. Tudo é um presente de Deus, bem como o que fazemos com o que dele recebemos. Somos responsáveis por aquilo que Deus deu; é a chamada mordomia. O segundo objetivo é restaurar a credibilidade da Igreja. Uma coisa que quis com o fórum foi mostrar que a Igreja está em foco, que ela é inteligente e acredita no bem comum, não apenas nas boas novas do Reino de Deus. Isto me leva ao terceiro objetivo, que é restaurar a civilidade. Você pode aprender mais com os candidatos através de uma discussão civil do que através de um debate antagônico. De onde surgiu a ênfase do Plano da Paz para a parceria entre governo, empresas e Igreja?

Quando estive pela primeira vez no Fórum Econômico Mundial de Davos [na Suíça], ouvi pessoas falando a respeito da parceria público-privada. O que eles queriam dizer era que o governo e as empresas precisavam se unir para lutar contra a pobreza, as doenças e o analfabetismo. Mas percebi que eles esquecem a terceira parte da base: a Igreja. Ela é o elemento


candidato republicano estavam ocultas. A partir de meados deste ano, contudo, com a certeza de que McCain seria o homem na corrida ao poder, alguns de seus mais íntimos companheiros da Guerra do Vietnã começaram a levantar histórias que revelam uma espiritualidade estóica de McCain durante os cinco anos que passou como prisioneiro em Hanói. Num deles, o então tenente enfrentou militares vietnamitas que queriam acabar com os culto que McCain e seus companheiros faziam na prisão. “Enquanto era arrastado, ele cantou God bless America (Deus salve a América). Foi como cantar aos céus”, lembra o colega de prisão Orson Swindle. Naquele ano, a celebração do Natal mostrou-se como outra decisiva experiência para McCain. Por semanas, os prisioneiros haviam requisitado uma Bíblia em inglês para poder comemorar corretamente a data. Por fim, os guardas cederam, permitindo que um prisioneiro tivesse acesso a uma Bíblia por trinta minutos. McCain foi o escolhido. Utilizando-se de pequenos pedaços da

mos”

ponta de um lápis, ele copiou a história do nascimento de Jesus em um pequeno pedaço de papel. Assim, na noite de 25 de dezembro de 1971, os prisioneiros se reuniram para o culto com o Pai Nosso e cânticos de Natal, à medida que McCain recitava o texto. Ao final, todos cantaram, entre muitas lágrimas, Silent Night (Noite feliz). Histórias assim costumam comover o eleitor comum, mas poucos dos líderes evangélicos consultados nesta reportagem consideram a si mesmos como íntimos do senador do Arizona – incluindo alguns de seus mais fervorosos amigos de fé. Muitos eleitores crentes permanecem indecisos, desmotivados e cautelosos em relação à candidatura republicana à presidência. Enquanto isso, McCain conta com o “fator medo”, também presente no jogo, vindo de três fontes – cada qual focada no democrata. O fundador da associação protestante Focus on the Family (Foco na Família), James Dobson, estigmatizou Obama como um extremista liberal. Em julho, a campanha republicana lançou o apo-

Timothy C. Morgan

que tem a maior distribuição, o maior número de voluntários e possui motivação suficiente. Em vez da ênfase clássica em plantar igrejas, seu projeto prefere falar em promover a reconciliação. Qual a razão desta mudança?

Arquivo

calíptico comercial de TV intitulado Aquele, contendo a sugestão de que o senador de Illinois seria o Anticristo. Da mesma forma, o novo bestseller de Jerome Corsi, The Obama Nation (A Nação de Obama), alega que o democrata possui extensas relações com o Islã, apesar de ele ter negado tais ligações diversas vezes. Boataria por boataria, McCain também foi vítima de difamação pior nas primárias de 2000, quando concorria com o próprio Bush. Depois de esmagar o então rival nas primárias de New Hampshire, foi a vez de disputar a Carolina do Sul. Ali, a campanha de um anônimo difamou McCain, alegando que ele era homossexual, mentalmente deficiente devido ao período na prisão e que havia tido um filho negro fora do casamento – na verdade, o casal McCain adotara uma criança carente de Bangladesh. O candidato perdeu a primária da Carolina do Sul e seu apoio popular caiu de forma vertiginosa. Na época, ele acreditou que entidades ultraconservadoras como a Coalizão Cristã, do pastor

Há dois anos, fizemos uma viagem de 74 mil quilômetros. Literalmente, viajamos ao redor do mundo. O que vi em cada país foi conflito e relacionamentos quebrados. Nas Filipinas, entre as duas maiores redes evangélicas; na Coréia do Sul, entre os carismáticos e os presbiterianos. No Oriente Médio, a briga é entre árabes e judeus, e em Ruanda, entre hutus e tutsis. Em todos os lugares que visitei, encontrei relacionamentos quebrados. Então pensei no Plano de Paz. Ainda fazemos plantação de igrejas, mas colocamos esta questão no item “parcerias com igrejas locais”. Existem princípios bíblicos sobre reconciliação que se aplicam a todos. Se você ouvir antes de falar, seus relacionamentos serão melhores, acredite ou não. Qual o novo papel dos profissionais em Paz 2.0?

O papel dos profissionais é treinar os amadores. Quando um dentista diz que quer ir à América Latina tratar dentes, isso é ótimo. Mas eu gostaria que ele fosse à América Latina e treinasse pessoas para tratar dentes – ou seja, não apenas o complemento, e sim a multiplicação. A carreira de missionário tornou-se obsoleta?

Precisamos de muito mais missionários do que temos agora. O que precisamos é mais do que isso. Precisamos de um movimento amador baseado no amor. Precisamos lembrar que nos primeiros 300 anos da Igreja, a maioria era formada de amadores. Paulo e Barnabé foram enviados por uma igreja – foi uma igreja local enviando pessoas ao redor do mundo. Minha oração é que possamos trabalhar unindo nossas mãos. A experiência dos missionários pode ser utilizada e multiplicada.

Existe mais de 1 bilhão de católicos e ortodoxos. Onde eles se encaixam no projeto?

Para Rick Warren, a Igreja é elemento fundamental na execução de qualquer pol tica social

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Precisamos mobilizar um bilhão de cristãos católicos e ortodoxos. Não estou interessado em diálogos ecumênicos; estou interessado em projetos entre as igrejas. Vamos fazer algo 2 0 0 8

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McCain é o preferido da direita protestante, mas não tem sido capaz de empolgar setores que foram decisivos nas duas eleições do republicano George W.Bush

Pat Robertson, e a Maioria Moral, de Jerry Falwell, ambas fechadas com George W.Bush, estavam por trás de tudo. McCain chegou a dizer à imprensa que a direita religiosa era uma “influência maléfica”. No entanto, o estrago já estava feito; no período de duas semanas, a campanha de McCain havia chegado ao fim. Ambivalência – Não obstante, a reaproximação pública de McCain com os evangélicos aconteceu de uma vez só. No começo de 2007, o republicano, já de olho na Casa Branca, aproximouse de Rick Warren, Franklin Graham, John Hagee e outros líderes evangéli-

juntos. Você provavelmente não irá mudar as minhas doutrinas e eu provavelmente não mudarei suas doutrinas; afinal, temos crenças diferentes. Mas o fato é que servimos ao mesmo Deus. Vamos trabalhar então baseados nas coisas em que concordamos. Por que o senhor chama este modelo de “novos odres” para l´deres cristãos?

A essência do conceito de “novos odres” é que a hierarquia será substituída por uma rede. A organização do futuro para o Cristianismo é a formação de redes. Paz 2.0 é uma estrutura e uma rede para missões globais. O que estou propondo é fazer as coisas do jeito que Jesus fez. Todas as vezes em que a Palavra de Deus foi inserida em uma nova tecnologia, existiu o renascimento, a reformulação, a renovação. Agora, temos a internet. Posso falar com alguém no Sri Lanka tão facilmente quanto falo com meu vizinho. Então, Paz 2.0 é também uma rede na qual as igrejas podem trabalhar juntas, ao invés de ficarem ilhadas em suas denominações. O sistema permite colaboração em missões globais de uma forma que não era possível antes.

cativas para a vida das pessoas com necessidades ou não geram as transformações necessárias na vida dos voluntários envolvidos no ministério. O que o senhor diz?

Esperamos críticas. Sempre que começamos uma nova maneira de caminhar, a organização existente se opõe. Falamos a respeito de seis renovações: pessoal, relacional, cultural, estrutural, missionária e institucional. Ora, instituições nunca são fonte de inovação. O propósito da instituição é preservar a inovação da geração anterior. Não há nada de errado com isso – o propósito da instituição é mesmo preservar a continuidade, e não criar novas propostas. Veja uma árvore: todo o crescimento acontece nos novos galhos. Os seminários e instituições seriam os troncos. Mas os novos frutos só aparecerão nos novos galhos. O papel das organizações não-governamentais tem sido vital na sociedade moderna, mas é uma gota no oceano, comparado ao que poderíamos estar fazendo se mobilizássemos toda a Igreja. As missões para-eclesiásticas precisam apoiar a Igreja. Infelizmente, por anos e anos, o contrário tem sido verdadeiro. A Igreja apóia as ONGs, levanta os recursos, envia os membros, providencia o potencial criativo. E a ONG recebe o crédito. Moral da história: quem sai fortalecido, quem é o herói? O que nós queremos é que as igrejas locais, aquelas que estão lá nas pequenas vilas, tornem-se as protagonistas do processo. Quanto mais honrarmos a Igreja, mais Deus nos abençoará. (Tradução de Karen Bomilcar)

As igrejas locais devem ser as protagonistas do processo. Quanto mais honrarmos a Igreja, mais Deus nos abençoará

Teólogos, professores e cr´ticos do Plano da Paz dizem que ele tem as mesmas limitações de outros projetos missionários de curto prazo, ou seja, não trazem melhorias signifi50

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cos. Ele compareceu a consagrações na igreja e, em setembro, pela primeira vez, mencionou publicamente que estava freqüentando uma congregação afiliada à poderosa Convenção Batista do Sul. McCain começou moldar tranqüilamente sua retórica com uma linguagem apelativa à sociedade conservadora cristã. Chamou a América de “nação cristã” e sugeriu que um presidente crente em Jesus seria melhor que qualquer um com fé diferente. Além disso, reiterou sua convicção de que a vida humana começa na concepção – fala moldada para contrapor-se a Obama, que prefere tratar a questão do aborto como opção de cada um. Em janeiro, McCain mostrou força ao vencer a primária de New Hampshire, um estado com poucos evangélicos de extrema-direita. Assim, um doce perdão veio com as grandes vitórias do republicano nas primárias da Carolina do Sul e da Flórida, levando à sua consagração e à desistência dos outros précandidatos do partido. Faltava, ainda, apoio público dos líderes evangélicos,

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mas pastores de alto coturno achavamno extremamente evasivo sobre seus valores. Em junho, o conselheiro de McCain, Charlie Black, encontrou-se com o Grupo Arlington, de conservadores sociais, e anunciou uma plataforma simpática ao segmento, com críticas aos homossexuais, ao aborto e à política de imigração. Os evangélicos permaneceram ambivalentes. John Cook, um conservador cristão que possui cadeira no Comitê Executivo do Partido Republicano no Texas, admitiu “não saber o que fazer” com McCain. Em 1º de julho, apavorados com a perspectiva de ter Obama como presidente, 60 líderes evangélicos se reuniram em Denver para escutar a toada da campanha de McCain. Eles anunciaram conjuntamente seu apoio, mas sem muito entusiasmo. “O senador não seria a primeira escolha de muitos evangélicos”, resigna-se Richard Land, da Convenção das Igrejas Batistas do Sul. Poderosos líderes protestantes, tal como o senador pela Flórida, David Rivera, e o presidente do Legislativo, Marco Ru-

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bio, estavam entusiasmados com Mike Huckabee – que desistiu durante as prévias – e mornos em relação a McCain; porém agora estão trabalhando forte por ele. “Eu estou temendo pelo que significaria para a América uma presidência de Barack Obama”, diz Rubio para quem quiser ouvir. O que falta ao republicano nos relacionamentos pessoais com os evangélicos, os estrategistas esperam que ele compense com suas posições em questões morais. No final, o medo de um liberalismo ao estilo de Obama, em união a um Congresso democrata, pode trazer para McCain os evangélicos que não são captados pelas pesquisas. Ainda assim, além de suas fortes histórias, McCain ainda está para conseguir bom conceito entre os crentes, que também não aderiram em peso ao rival. A parada segue indefinida, mas há quem prefira olhar além. “Daqui a cem anos, o custo dos combustíveis hoje não será uma questão relevante”, lembra Rick Warren. “Mas a forma de liderar de um presidente continuará sendo fundamental.”


livros | música | vídeo

CH Cultura

[Livros – Jaqueline Rodrigues]

O papel de uma Igreja Padres, celibato e conflito social abrange longo período de relações entre o catolicismo e a sociedade brasileira Padres, celibato e conflito social Kenneth P.Serbin 446 páginas Companhia das Letras

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os tempestuosos anos 1960, a figura do sacerdote, com fala pausada e muitas das vezes sotaque estrangeiro, deu vez a discursos inflamados em defesa das liberdades civis. A Igreja Católica Apostólica Romana deu uma guinada inspirada nos ventos reformistas que sopravam do Concílio Vaticano II – enquanto isso, aqui no Brasil, padres e bispos deram à fé um caráter militante durante os anos de chumbo do regime militar. Este é apenas um dos muitos episódios de envolvimento do catolicismo na vida brasileira narrados no livro Padres, celibato e conflito social, de Kenneth P.Serbin, um lançamento de peso da Companhia das Letras. Fruto de profunda pesquisa, a obra retrata um amplo período histórico. Um dos destaques é o registro do papel dos seminários católicos como incubadores de mudanças, universo normalmente bem guardado dentro dos muros dos mosteiros, assim como a descoberta, por parte dos vocacionados, do Deus da verdade, da caridade e do amor. Páginas sombrias, como as crises de valores que levaram aos escândalos dos abusos sexuais – e aqui o celibato entra na berlinda – a momentos gloriosos, como a denúncia da tortura no país, se alternam no texto de Serbin. Historiador e brasilianista, ele constrói uma profunda reflexão sobre os rumos de uma instituição milenar, poderosa e frágil ao mesmo tempo, que precisa redefinir seu papel no maior país católico do mundo e fazer frente a esta era de relativização de dogmas. Jaqueline Rodrigues é professora de Português-Literatura

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ESTANTE

Atrás do véu Cristãos secretos Irmão André e Al Janssen 288 páginas Vida e Portas Abertas Entender o Islã tem sido um desafio para os cristãos do Ocidente, sobretudo com o recrudescimento do maniqueísmo religioso pós11 de Setembro. Cristãos secretos – O que acontece quando muçulmanos se convertem a Cristo lança luz sobre esta delicada relação. Com co-autoria do célebre Irmão André, fundador da Missão Portas Abertas, o objetivo deste livro não é apenas fornecer informação, mas fazer um apelo por orações pelo mundo muçulmano. O amor de Cristo, que lança fora todo medo conforme I João 4.18, é o pano de fundo desta obra que mostra que, em pleno século 21, a perseguição religiosa é uma realidade.

A saga dos semeadores História da B´blia no Brasil Luiz Antonio Giraldi 286 páginas Sociedade B´blica do Brasil História da Bíblia no Brasil é um lançamento comemorativo dos 60 anos da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), a maior publicadora das Escrituras no mundo. Organizado pelo pastor Luiz Antonio Giraldi, ex-secretário geral da entidade, a obra vai agradar em cheio a quem compartilha com a SBB o desejo de levar a Palavra de Deus à nação brasileira. Informação, curiosidades, biografias e registro histórico se sucedem, preenchendo uma lacuna geralmente negligenciada no segmento evangélico: o resgate da memória. Neste Ano da Bíblia, nada melhor que conhecer a semeadura do livro sagrado em terras brasileiras.

Por dentro do Novo Testamento História e histórias do Novo Testamento Ben Whitherington III 264 páginas Vida Nova O Novo Testamento, a segunda parte da Bíblia, é a base da fé de pelo menos 2 bilhões de seres humanos em todo o mundo. Mas certamente a esmagadora maioria deles não faz idéia de como este conjunto de 27 textos foi produzido, disseminado e preservado até nossos dias. História e histórias do Novo Testamento, de Ben Whitherington III, é daqueles livros que precisam ser lidos por pastores, seminaristas, obreiros e qualquer crente que deseja entender melhor as próprias crenças. O mais interessante é a menção às informações e fatos históricos que deram origem aos textos bíblicos neotestamentários – coisas que nem todos os leitores habituais da Bíblia conhecem.


[V deos – Nataniel Gomes]

PELÍCULAS

Hakani, a sobrevivente

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Documentário conta a história da indiazinha condenada à morte por sua gente e salva por missionários evangélicos

lássicos são eternos. O cinema já legou ao mundo obrasprimas com temática religiosa que jamais serão esquecidos e podem ser encontrados nas locadoras. Houve época em que as emissoras de TV aberta faziam questão de exibi-los, sobretudo em ocasiões de forte apelo religioso, como a Semana Santa ou o Natal. São filmes que trazem conhecimento, diversão e reflexão ainda hoje:

Ben-Hur

(Ben-Hur, 1959, William Wyler, Warner, 212 minutos)

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drama da pequena Hakani, indiazinha da etnia suruwahá condenada à morte por um rito tribal e salva por missionários evangélicos, bem que daria um filme. E deu – Hakani, documentário do diretor e produtor americano David L.Cunningham, tem emocionado as platéias desde que foi lançado, em agosto. O filme, com 36 minutos de duração, foi rodado numa reserva indígena de Rondônia com a participação de representantes de dez diferentes povos nativos e tem elevada carga de dramaticidade. O infanticídio, praticado por cerca de 20 etnias indígenas brasileiras, inclusive os suruwahá, é o pano de fundo da obra. Parte importante do documentário é o depoimento de vários índios condenando o sacrifício ritual de crianças com deficiências físicas ou doenças congênitas – caso de Hakani, que nasceu com hipotireodismo. A cena em que a criança é enterrada viva impressiona pela autenticidade – mas o espectador pode ficar tranqüilo, porque a terra que cobre o rosto da criança que interpreta Hakani é, na verdade, bolo de chocolate esfarelado. O casal de missionários Edson e Márcia Suzuki, então, entram em cena. Ligado à agência Missionária Jovens com Uma Missão (Jocum), eles já desenvolviam há anos um trabalho de cunho social e lingüístico entre os suruwahá. A pedido da mãe de Hakani, eles retiraram a criança da aldeia, levando-a para tratamento médico em São Paulo. A menina recuperou-se, mas o preço que o casal pagou foi alto. Eles chegaram a ser processados pelo Ministério Público Federal, com o beneplácito da Funai, sob acusação de “crime contra a cultura indígena”, conforme reportagem desta edição de CRISTIANISMO HOJE mostra. O filme, que pode ser visto na íntegra na internet (www.hakani. org), tem sido usado como ferramenta por grupos que combatem práticas culturais que atentem contra a vida, como prevê um projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional. Nataniel Gomes é professor e editor

Ben-Hur é um nobre judeu, interpretado pelo ator Charlton Heston, recentemente falecido. Ele cai em desgraça perante seu amigo de infância, uma alta autoridade romana, que passa a persegui-lo. Contemporâneo de Jesus, Bem-Hur tem sua trajetória profundamente marcada pelo Filho de Deus, que não apenas o salva da morte como cura sua irmã de lepra. O longa tem cenas emocionantes, como a que mostra o derradeiro encontro entre Ben-Hur e Jesus a caminho da cruz. Épico festejado como uma das obras-primas do cinema, o filme tem seqüências antológicas, como a da corrida de quadriguas.

Os Dez Mandamentos

(The Ten Commandments, 1956, Cecil B.DeMille, Paramount, 229 minutos)

Cecil B.DeMille é o diretor deste clássico, que traz o mesmo Charlton Heston num convincente papel de Moisés. Ele enfrenta o faraó do Egito (Yul Brynner) na saga do Êxodo, em meio a efeitos especiais espetaculares para a época em que o filme foi rodado. A curiosidade é que DeMille sofreu um infarto durante as filmagens e permaneceu alguns dias afastado dos sets, mas contrariou as ordens médicas e retornou para terminar a obra. Seu esforço valeu: Os Dez Mandamentos virou uma referência do cinema mundial e é apreciado tanto pelo público em geral como pelos evangélicos, que identificam nele muita fidedignidade ao texto bíblico.

Sansão e Dalila

(Samson and Delilah, 1949, Cecil B.DeMille, Classic Line, 128 minutos)

O trágico caso de amor narrado no livro bíblico dos Juízes traz Victor Mature, Ângela Lansbury e George Sanders no elenco. O épico de Cecil B.DeMille (de novo, ele!) possui cenas memoráveis, como a da destruição do templo dos filisteus e cenários que, até hoje, impressionam por sua suntuosidade. A brilhante atuação de Mature já vale a locação, narrando com riqueza de detalhes a história de um dos maiores heróis da Bíblia.

Quo Vadis

(Quo Vadis, 1951, Mervyn LeRoy, Warner, 168 minutos)

Após três anos em campanha, o general Marcus Vinicius (Robert Taylor) retorna a Roma e encontra Lygia (Deborah Kerr), por quem se apaixona. Cristã, embora criada de acordo com a melhor educação romana, ela não quer nenhum envolvimento com um militar que oprime seus irmãos de fé. Marcus, então, procura o imperador Nero, vivido por Peter Ustinov, reivindicando a mão da amada como paga por seus serviços ao Império. O filme mostra de maneira contundente as atrocidades praticadas por Nero contra os seguidores de Jesus nos primeiros tempos do cristianismo. o u t u b r o / n o v e m b r o

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[Música – Nelson Bomilcar]

PRATELEIRA SEXTETO LOUVIZE Cristo, o Redentor

A tradição da música vocal na Igreja Reformada cristã é enorme, mas nos últimos tempos este estilo tem perdido um pouco de seu espaço, sobretudo nas novas gerações. Mas os cariocas do Sexteto Louvize têm literalmente soltado a voz para engrandecer o nome do Senhor, atraindo admiradores com suas harmonizações rebuscadas no estilo jazzístico. Cristo, o Redentor é um CD que tem tudo para agradar aos fãs do gênero e anunciar o Evangelho com talento e requinte artístico. (www.sextetolouvize.com)

STÊNIO MARCIUS Canções à meia-noite

Maur´cio Caruso: fé e sensibilidade

Divulgação

Instrumental

da alma

Álbum Reflexos da Noite, de Maurício Caruso, reúne experiências espirituais do artista em forma de música

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uitarrista, compositor e produtor musical, Maurício Caruso é daqueles artistas cuja trajetória fala por si mesma. Com passagem pelo Ministério Vencedores por Cristo, e produtor de trabalhos de músicos como Jorge Camargo (Chamado), ele atua hoje junto à Confraria das Artes, tocando e dando workshops com os pianistas David Neto e Thiago Pinheiro e o contrabaixista Bruno Migotto, entre outros. Conhecido profissionalmente em São Paulo, onde acompanhou Nila Branco e o cantor e dançarino Sebastian (aquele dos comerciais da loja C&A), além de Alexandre Bacchi, Arícia Mess e Gláucia Nasser, Maurício tem forte influência de guitarristas como Pat Metheny e o multi-instrumentista cristão brasileiro Marcos Cavalcante, hoje coordenador de música no Novo México (EUA). Pois agora ele dá uma magnífica mostra de seu trabalho com o CD Reflexos da Noite. O título é uma homenagem singela do artista à própria filha, lembrando seus primeiros anos e as noites passadas juntos – além, claro, de músicas inspiradas no seu relacionamento com Deus. Neste álbum instrumental, música e vida se confundem em belas execuções, melodias e harmonias. (tuttiproducoes@gmail.com)

Nelson Bomilcar é músico e escritor

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Stênio Marcius é um compositor que celebra a fé e a esperança do Evangelho. Ativo e criativo participante do movimento Nossa Música Brasileira, em São Paulo, ele revela em suas canções a poesia e a cultura brasileira, com a simplicidade das experiências espirituais do dia a dia. É assim em Canções à meia-noite, seu mais recente trabalho. Ao som dos violões, Stênio convida o ouvinte a um encontro com o Senhor da vida, na companhia de artistas do quilate de Silvestre Kuhlmann e João Alexandre, que fazem participações especiais. (www.steniomarcius.com.br)

BAIXO E VOZ Viagens de Fé

A dupla Baixo e Voz, formada pelo casal Sérgio e Marivone, levam ao pé da letra aquele ditado que diz que, em determinadas situações, menos é mais. A dupla, de Ribeirão Preto (SP), consegue uma alquimia sonora perfeita, unindo o som vigoroso do contrabaixo de Sérgio com a voz suave de Marivone. Além de cantarem composições próprias e de outros artistas cristãos, eles atuam junto à Mocidade para Cristo e fazem do ensino e dos cursos de música pelo Brasil uma extensão de seu trabalho e ministério. Em Viagens de fé, eles apresentam uma bela amostra de sua sonoridade, que se distingue na música brasileira pela originalidade. (www.baixoevoz.com.br )

GRUPO LOGOS Ao vivo no Theatro da Paz (DVD)

Paulo Cezar da Silva, fundador e líder do lendário Grupo Logos, diz que realizou um sonho com a gravação do DVD Ao vivo no Theatro da Paz, majestoso palco da capital paraense. Pois uma produção como essa também estava nos sonhos de milhares de fãs daquele ministério, que legou à Igreja brasileira pérolas como as canções Autor da minha fé, Expressão de louvor, Situações e Mão no arado. Todas elas, e muitas outras composições que edificaram a fé de gerações de crentes, estão nesta produção, que conta com os arranjos competentes da orquestra do maestro Edielson Aureliano. (www.logos.cobr)



Para o professor Augustus Nicodemus Lopes, a crise do movimento evangélico brasileiro está ligada ao liberalismo e à flexibilização dos conteúdos das Escrituras Carlos Fernandes

“Não me acho xiita”, vai logo dizendo o professor, pastor e CRISTIANISMO HOJE – É inevitável começar esta entrepesquisador presbiteriano Augustus Nicodemus Lopes em seu vista com a pergunta que dá t´tulo ao seu livro: o que estão mais novo livro, O que estão fazendo com a Igreja (Mundo Cris- fazendo com a Igreja? tão). “Mas muitos me chamam de fundamentalista”, acrescen- AUGUSTUS NICODEMUS LOPES – Infelizmente, muita ta. “Não fico envergonhado quando me rotulam dessa forma, coisa ruim – desde desfigurá-la, passando uma imagem ao púembora prefira o termo calvinista ou reformado”, explica. A blico de que todos os evangélicos e seus pastores são mercenários que vivem para fazer barganhas com Deus em quantidade de adjetivos expressa bem o universo troca de bênçãos, até destruí-la internamente, trodesse intelectual protestante, nascido na Paraíba e Entrevista cando o Evangelho de Cristo por um outro evangeque fez carreira no segmento acadêmico religioso. lho. Um evangelho despido de poder, realidade hisGraduado em teologia, mestre em Novo Testamento e doutor em Interpretação Bíblica – este último título, pelo tórica e eficácia salvadora, que é ensinado pelos liberais. Aqui Instituto Teológico de Westminster (EUA) –, Nicodemus já entram também os hiperconservadores, às vezes chamados de dirigiu diversos seminários ligados à sua denominação e hoje neopuritanos, com sua visão radical de culto. exerce o cargo de chanceler da respeitada Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Na mesma cidade, pastoreia Quais os efeitos da pós-modernidade sobre a Igreja? A pós-modernidade facilitou e aumentou a influência do liberalisa Igreja Presbiteriana de Santo Amaro. O conjunto de sua obra já dá uma idéia de suas posições teoló- mo, do relativismo e do pragmatismo na Igreja brasileira, ainda que gicas. Título como O que você precisa saber sobre batalha espiritual, esses movimentos e tendências sejam tão antigos quanto a própria Fé cristã e misticismo e Ordenação de mulheres: O que diz o Novo Igreja. A presente época, marcada pela pós-modernidade, facilita Testamento, todos publicados pela Cultura Cristã, entre diver- a penetração desses elementos na vida, liturgia e missão das igresos outros livros, são baseados na mesma teologia conservadora jas evangélicas, como de fato temos presenciado. E por outro lado, que ele não apenas abraça, como defende com unhas e dentes. O existem líderes evangélicos que conscientemente constroem minisque não impede, é claro, que esteja aberto a outros pensamentos. térios, igrejas e movimentos que se apóiam em métodos e ideologias liberais, relativistas e pragmáticas. O que essas coisas têm em “Desde que sejam comprometidos com as Escrituras”, ressalva. Nesta conversa com CRISTIANISMO HOJE, Augustus Ni- comum é que sempre representam uma tentação para corromper o Evangelho bíblico, quer pelo apelo à soberba humana, quer por codemus fala do livro recém-lançado na Bienal de São Paulo e avalia a situação da Igreja Evangélica hoje. “Infelizmente, estão um tipo de Cristianismo descompromissado, ou ainda pela oferta enganosa de resultados extraordinários em curto espaço de tempo. fazendo muita coisa ruim com ela”, aponta.

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Fotos: Divulgação

“Estão trocando o Evangelho de Cristo por um outro evangelho”


A crise de ortodoxia do Evangelho contemporâneo, bem como o pós-denominacionalismo, é resultado direto deste processo?

Sem dúvida. O relativismo representa uma ameaça concreta à Igreja, pois a mesma se firma sobre verdades universais e imutáveis, como a existência do Deus Trino; a humanidade e divindade de Jesus Cristo; sua morte vicária e sua ressurreição real e física de entre os mortos; a salvação pela fé sem as obras da lei; e a segunda vinda de Cristo. A Igreja defende também uma ética centralizada no amor que, segundo Jesus e seus apóstolos, consiste em obedecer a Deus e aos seus mandamentos. Todavia, o relativismo rejeita o conceito de verdades absolutas e internaliza a verdade no indivíduo. E qual o efeito prático disso?

O questionamento à autoridade da Bíblia, ao caráter único do Cristianismo e ao comportamento ético pregado historicamente pelos cristãos. Mas, num certo sentido, o relativismo pode representar uma oportunidade para o Cristianismo em ambientes pós-cristãos, onde a fé cristã já foi excluída a priori. Por exemplo, no ambiente das universidades, o discurso é geralmente anticristão, relativista, pluralista e inclusivista. Os cristãos podem, em nome da variedade e da pluralidade, pedir licença para falar, já que, de acordo com a pós-modernidade, todos os discursos são iguais e válidos – e nenhum é melhor do que o outro. O movimento evangélico brasileiro, tão numeroso e multifacetado, está perto de seu fim?

reconhecido oficialmente e que apresente uma teologia bíblica e saudável. Todavia, nem sempre tem sido esse o caso. Como assim?

Esse reconhecimento tem sido oferecido, freqüentemente, através de cursos de teologia de faculdades e universidades públicas e privadas que não têm compromisso com a confessionalidade cristã histórica. É verdade que o reconhecimento oficial dos cursos de teologia é uma antiga bandeira do segmento evangélico. Só que, quando os evangélicos queriam isso, os cursos de teologia reconhecidos eram oferecidos por instituições de ensino superior que tinham tradição cristã. Além disso, eram dirigidas por cristãos comprometidos com a teologia histórica da Igreja, como Princeton nos Estados Unidos e a Universidade Livre na Holanda, por exemplo. Atualmente, grande parte dos professores de alguns desses cursos obtêm seus diplomas e graus de mestre e doutor em escolas liberais – e nem sempre na área de teologia, mas em ciências da religião, sociologia, psicologia, antropologia, letras etc. O problema, então, é o que professores com este tipo de formação vão ensinar?

Não é tanto o que eles ensinam, mas o que deixam de ensinar, exatamente porque não tiveram uma sólida formação teológica debaixo de orientação bíblica. Quem mais tem sentido o impacto do liberalismo teológico em sua mão de obra são as igrejas pentecostais, que por não terem tradição em preparar seus obreiros, acabam recorrendo a esses cursos e expondo seus pastores, evangelistas e obreiros à teologia liberal.

O relativismo representa uma ameaça concreta à Igreja, pois ela se firma sobre verdades universais e imutáveis

Não creio que o movimento evangélico brasileiro chegue a um fim, mas temo que esse processo de desfiguramento e de enfraquecimento teológico e doutrinário, levado a cabo por liberais, neopentecostais, libertinos e neopuritanos, acabe transformando a Igreja brasileira em algo distinto da Igreja bíblica. Por outro lado, como sempre existiram os sete mil que nunca dobraram os joelhos a Baal, é provável que, paralelamente, aconteça o fortalecimento de denominações, ministérios e grupos evangélicos que prezam a Bíblia – gente que valoriza as práticas devocionais como oração, meditação e santidade bíblica e que tem visão evangelística e missionária. Já no momento atual é possível identificar esse crescimento, embora em dimensões menores do que gostaríamos. Quanto ao perfil dessa nova Igreja, fica difícil prever.

Uma das cr´ticas que o senhor faz é à ênfase na formação teológica liberal, que seria uma espécie de “coqueluche” dos teólogos de hoje, interessados numa graduação reconhecida sob o ponto de vista acadêmico. Neste sentido, o reconhecimento oficial aos cursos de teologia, uma antiga bandeira do segmento evangélico, veio para melhorar ou piorar as coisas?

Em si, o reconhecimento oficial de um diploma de teologia não representa qualquer perigo para a Igreja. Mas o problema não é isso, e sim, o conteúdo que será ministrado aos alunos que buscam uma formação reconhecida pelo Ministério da Educação. Da minha parte, creio ser possível termos um curso de teologia

Em sua obra, o senhor fala na existência de uma esquerda teológica que valoriza o liberalismo, não apenas nas questões religiosas, mas sobretudo comportamentais. Num panorama em que a esquerda pol´tica, atualmente no poder, parece confusa e adota posturas flagrantemente neoliberais, esta confusão ideológica também contamina o segmento evangélico?

Acho que sim. Não é coincidência que um grande segmento evangélico esteja defendendo bandeiras liberais, como o aborto, o reconhecimento das uniões homoafetivas, o sexo antes do casamento... Essa atitude de tolerância e relativismo é a mesma que sempre marcou o esquerdismo no Brasil. Não estou dizendo que todo evangélico esquerdista é liberal e defende essa agenda; mas que existe uma coincidência de valores éticos e de agenda. O movimento evangélico brasileiro é tão diversificado quanto as milhares de denominações que o compõem. No atual panorama, identificado no seu livro, esta diversidade traz mais vantagens ou desvantagens?

Acredito que a diversidade é sadia e bíblica. Entendo, porém, que existe uma unidade essencial e básica entre os verdadeiros cristãos, que pode ser resumida nos fundamentos da fé bíblica. Os verdadeiros evangélicos confessam estes fundamentos, e vamos encontrá-los em todas as denominações que compõem a Igreja Evangélica brasileira. Mas vamos encontrar também quem não crê em nenhuma dessas coisas, ou que nutrem reservas quanto o u t u b r o / n o v e m b r o

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“ E s t ã o tr o ca n d o o E v a n g e l h o de C ri s t o p o r u m o u tr o e v a n g e l h o ”

a elas. Eu não tenho problemas com a diversidade, pois acho-a enriquecedora. Tenho divergências inclusive com irmãos e colegas que são reformados calvinistas como eu. Todavia, existe uma unidade essencial mais forte e superior às divergências. Teologia tem um poder tremendo para unir as pessoas ou para separá-las, pois tem a ver com convicções e experiências pessoais. A partir dos anos 1980, o advento da teologia da prosperidade e da confissão positiva mudou a maneira de se pensar a fé evangélica no pa´s. Qual a verdadeira influência destas correntes na crise do movimento evangélico nacional?

A confissão positiva acabou exercendo uma grande influência sobre os evangélicos brasileiros. Na minha opinião, todavia, ela não é a maior influência negativa. Considero a teologia da prosperidade, a busca de experiências místicas, as crendices e superstições que infestam os arraiais neopentecostais como sendo de maior periculosidade para a Igreja. Quanto ao segmento reformado, por sua própria natureza, ele é mais resistente à essas infecções e pouca influência recebeu – mas tem, entretanto, sofrido mais com outros tipos de problemas, especialmente com sua incapacidade, até o momento, de crescer de forma significativa sem perder o compromisso com a fé histórica da Igreja. Se muitos dos postulados neopentecostais vão de encontro à tradição protestante, em quê o segmento histó-

soluções – e o que é melhor, oferecer nosso próprio exemplo de como uma igreja pode crescer de maneira sadia, sem comprometer a teologia e a ética bíblica. Então, o liberalismo teológico também afetou as igrejas tradicionais?

Sim, afetou tremendamente as igrejas históricas nos anos 60, especialmente os seus seminários. Isso causou graves problemas e disputas internas, que obrigaram essas igrejas a relegar o crescimento a um plano secundário e a se concentrarem na própria sobrevivência. As igrejas históricas que não conseguiram sobreviver ilesas hoje são as menores entre os evangélicos, mais voltadas para o social e ainda em lutas internas com os liberais que sobreviveram dentro de suas organizações e estruturas. Já as que conseguiram sair inteiras, embora chamuscadas, começam lentamente a progredir e retomar seu crescimento, como creio ser o caso da Igreja Presbiteriana do Brasil. Por que lideranças autocráticas e monol´ticas, cada vez mais comuns nas igrejas, são aceitas pelos fiéis?

Em minha opinião, é o que chamo em meu livro de “a alma católica dos evangélicos brasileiros”. Os brasileiros estão acostumados com o catolicismo romano e sua hierarquia eclesiástica totalitária. Por séculos, o romanismo impregnou a alma brasileira com a idéia de que a religião deve ser conduzida por líderes acima do povo, que

A ‘mentalidade romana’ favorece o surgimento, entre os evangélicos, de l´deres autocráticos e autodesignados, que se arrogam o t´tulo e o status de bispos ou apóstolos rico falhou, ou pelo menos hesitou, para que, a partir dos anos 1970, o neopentecostalismo crescesse em proporções geométricas no cenário evangélico nacional?

Boa pergunta. É interessante que, na década de 1950, a Igreja Presbiteriana era uma das maiores denominações evangélicas do país. Por algum motivo, perdemos o bonde. Não sei avaliar direito o que aconteceu. Pode ser que tenhamos exagerado na reação aos abusos do movimento carismático na década de 70 e nos fechamos na defensiva. Ficou difícil, naquela época, falar do Espírito Santo e de reavivamento espiritual sem sermos confundidos com carismáticos e pentecostais. Pode ser também que reagimos da mesma forma diante do crescente movimento litúrgico e do movimento de crescimento de igrejas, com toda sua parafernália metodológica centrada no homem – movimentos estes que dominaram o cenário dos anos 70 a 80. E depois, a mesma coisa diante dos neopentecostais. Não conseguimos ainda sair da defensiva e ser mais proativos, oferecendo alternativas, 58

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vivem numa esfera superior; enfim, intocáveis. No romanismo, os líderes não são eleitos pelo povo, como acontece na maioria das igrejas históricas, cujo sistema de governo é democrático – eles são impostos, determinados, designados. Além disso, são considerados como especiais e distintos; é o clero separado dos leigos. As ordens eclesiásticas são um dos sacramentos da Igreja Católica. E os brasileiros viveram sua vida toda debaixo da influência de uma religião regida por bispos e por um papa, o qual, segundo um dogma católico, é infalível. Nada mais natural, portanto, que ao se tornarem evangélicos, suspirem e desejem o mesmo esquema de liderança, como os israelitas que disseram a Samuel que constituísse um rei sobre eles, para que os governasse, como o tinham as outras nações à sua volta, conforme I Samuel 8.5. Essa mentalidade romana favorece o surgimento, entre os evangélicos, de líderes autocráticos e autodesignados, que se arrogam o título e o status de bispos ou apóstolos.


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ch digital Whaner Endo

Muito além do jardim digital

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m sua obra Muito além do Jardim Botânico (Summus Editorial), Carlos Eduardo Lins da Silva faz uma análise da audiência do Jornal Nacional entre trabalhadores, lá por meados da década de 1980. Ele procurou identificar, por meio de um estudo de recepção, que impacto os meios de comunicação de massa tinham sobre as pessoas, usando como base o mais assistido telejornal brasileiro. Segundo Lins da Silva, todas as pessoas constroem representações da realidade social em suas cabeças, baseadas nas interações que elas têm com a sociedade, formando assim juízos de valores que se tornariam “verdades” – ou seja, segundo ele, “a verdade de cada um é a idéia do real que cada pessoa crê ser a mais fiel ao que efetivamente existe”. Com base nesta premissa, além de outras, Lins da Silva fez uma crítica aos provedores de conteúdo televisivo, que por estarem intimamente ligados aos que detêm o poder econômico passavam a promover conteúdo recheado de ideologias e interesses – ou seja, uma disseminação de valores que em nenhum momento eram antagônicos aos das classes hegemônicas. É claro que, como afirmou Lins da Silva, essa mediação ideológica ocorria também na família, na escola e na Igreja; mas, como ele mesmo destacou, “ela é bem realizada quando as pessoas não percebem”. Várias hipóteses foram levantadas pelo pesquisador para afirmar que existia a possibilidade de uma leitura crítica pelos trabalhadores pesquisados, barrando o processo de massificação do telejornal. Mais de vinte anos depois, e já com o advento da internet consolidado na sociedade, podemos tentar analisar este conceito sob o mesmo prisma com que Lins da Silva avaliou a televisão. Assim como a “verdade” é disseminada pelos grupos de poder através da telinha, é evidente que a grande rede pode ser usada para fim semelhante – mas considerar as mesmas hipóteses pode evitar que o internauta caia na armadilha do pensamento único.

Resumindo as hipóteses listadas, todo internauta deve buscar confrontar o que lê com outras fontes de informação, aprender sobre o tema tratado e entender que a internet é um emaranhado de muitas informações e pouco conhecimento. Essas práticas são suficientes para permitir o início de uma leitura crítica do que se encontra nas bilhões de páginas de conteúdo existentes na web. É claro que, como lembrou Lins da Silva, essas três variáveis normalmente aparecem associadas a fatores demográficos como grau de instrução, nível de renda, índice de urbanização e outros mais. Por isso, não são só os usuários que deveriam se preocupar com essa questão social, mas os provedores de conteúdo também – ainda mais no caso da Igreja. Se é tão fácil manipular informações e promover ideologias pela web, fica explicado o motivo da existência de tantos sites e portais ligados, de uma forma ou de outra, àqueles que detêm o poder econômico, doutrinário e institucional dentro do arraial evangélico. Construir um portal independente deveria ser a missão de todos que possuem a bênção de serem provedores de conteúdo. É claro que a autonomia não significa neutralidade; muito pelo contrário, pois todos possuem suas convicções, sejam elas políticas ou ideológicas. Todavia, ser independente é deixar claro quais são estas convicções. O respeito por aqueles que pensam diferente é outra característica fundamental aos que desejam fazer diferença. Interação é fundamental; por isso, tratar bem os que investem tempo comentando posts e textos faz parte desse respeito. Hoje, pode-se avaliar a relevância de um site através das interações que ele permite. A simples avaliação da audiência ou do número de visitantes não significa nada em tempos de Web 2.0. Se você fala com alguém, mas não obtém resposta, algo está errado. Lembre-se disso. Muitos julgam a sua audiência como um simples número, um coadjuvante no processo de comunicação digital. Ledo engano. Na internet, os leitores e as suas reverberações são tão ou mais importantes que o próprio conteúdo. Valorizar as interações e, mais ainda, os conteúdos que gerem não apenas polêmica, mas discussões e reflexão, é fundamental para aqueles que almejam se destacar e alcançar relevância. Então, se você possui um blog ou portal, não se esqueça de responder aos comentários deixados por seus leitores. Que neste “jardim digital”, os sites e os portais criados por cristãos dêem frutos e, através deles, o nome do Senhor seja engrandecido.

Todo internauta deve buscar confrontar o que vê na rede com outras fontes de informação, fazendo leitura cr tica do que encontra nas bilhões de páginas de conteúdo

• Primeira hipótese: grau de inferência de outras fontes. Confrontar o que é lido na internet com outras pessoas e instituições sociais, permitindo criticar ou rejeitar o que se lê; • Segunda hipótese: grau de conhecimento. Quanto maior o grau de conhecimento que o internauta tem do assunto, menor a chance de sofrer manipulação; • Terceira hipótese: o grau de conhecimento do meio de comunicação. Quem conhece a internet e o seu processo caótico de produção de conteúdo sabe que, muitas vezes, a veracidade do que é lido pode ser questionada. 60

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Os outros seis dias Carlo Carrenho

Sobre o amor aos gays e às mães que querem abortar

Ando cansado da dicotomia maniqueísta cultivada por grande parte da Igreja Evangélica

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osto muito de um tipo de literatura pouco comum no Brasil. Falo dos livros de memórias, que são um tanto diferentes das autobiografias, apesar de seu conteúdo ser sempre autobiográfico. As diferenças residem no fato de que livros de memórias não têm a obrigação de serem completos e na total liberdade do autor para selecionar as passagens de sua vida que gostaria de relatar – e mesmo desviar-se delas para contar outras histórias. No mês passado, por exemplo, li o livro Red Summer, onde Bill Carter descreve seu dia-a-dia nos quatro verões que passou no Alasca pescando salmão profissionalmente. Outro autor de livros de memórias que admiro é Donald Miller. Como os pingüins me ajudaram a entender Deus e Fé em Deus e pé na tábua (Thomas Nelson Brasil) são obras que todo cristão deveria ler. Outra obra do gênero, Grace (Eventually): Thoughts on Faith, é de uma de minhas escritoras cristãs prediletas, Anne Lammott. Ela surpreende ao deixar claro que é pro-choice – próescolha – em relação ao aborto. Os pro-choice são diametralmente opostos aos pro-life, ou pró-vida, e defendem o direito de escolha das mulheres em manter ou não uma gravidez. Já os prolife são radicalmente contra qualquer forma de aborto. A coragem da autora em assumir sua posição me inspirou a escrever este artigo. É que há muito tempo ando cansado da dicotomia maniqueísta cultivada por grande parte da Igreja Evangélica. Tudo é inteiramente bom ou completamente mau; não existe meio-termo. Este maniqueísmo se manifesta particularmente em questões ligadas à moral e à sexualidade. Lembro-me que, quando era adolescente, um simples flerte ou paquera poderia, na visão de alguns membros da igreja, caracterizar uma “defraudação” da garota, caso eu não tivesse cem por cento de certeza do meu interesse por ela. Resultado: passava horas agoniado, tentando descobrir a certeza moral de meus próprios sentimentos, porque, no maniqueísmo evangélico, a prática da sensualidade era, e continua sendo, sempre associada ao pecado, ao mal. Atualmente, há duas questões em que essa dualidade opressiva se manifesta com maior vigor dentro da comunidade evangélica: a legalização do aborto e do casamento gay. E já vou avisando logo de cara: sou a favor da legalização tanto de uma coisa, quanto da outra. Pronto, falei! E não, não sou a favor do aborto e do homossexualismo! Parece contraditório, mas não é. Embora eu jamais apoiaria um aborto, acho que as pessoas devem ter o direito de escolher. Da mesma forma

– embora, tomando-se por base os textos bíblicos acerca da questão, pareça impossível não condenar o homossexualismo –, defenderei com todas as minhas forças que os gays tenham direitos absolutamente iguais aos dos heterossexuais. A moral individual ou de um segmento social jamais deve ser imposta sobre a sociedade como um todo; esta é uma premissa básica da liberdade. Em outras palavras, eu não posso exigir de um não-cristão que ele se comporte de acordo com os mandamentos bíblicos, da mesma forma que um muçulmano ou judeu não pode exigir que eu viva sob seus preceitos morais. O presbiteriano C. Everett Koop, ex-chefe do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, adotou postura semelhante ao preparar um relatório sobre a Aids. Embora pregasse a abstinência sexual e a monogamia, ele defendeu a distribuição de preservativos e a educação sexual precoce como forma de evitar que a doença se alastrasse, chocando inúmeros evangélicos conservadores. Koop se justificava dizendo que era o chefe do Departamento de Saúde dos heterossexuais e dos homossexuais, do jovem e do velho, do moral e do imoral. Ele ainda alertou seus colegas cristãos: “Vocês podem odiar o pecado, mas precisam amar o pecador”. Embora condenasse o homossexualismo, Koop foi aclamado por 12 mil pessoas em um evento da comunidade gay de Boston – afinal, ele sempre amou os homossexuais. Se o próprio Deus nos legou o livre arbítrio ou, no mínimo, permitiu que cada ser humano escolha entre pecar ou não, não cabe a nós criar legislações que oprimam aqueles que querem uma vida diferente da que levamos como cristãos. Nossa obrigação é amar ao próximo, seja ele gay ou não, tenha ele optado ou não por um aborto. Quando aprendermos a amar aqueles que são diferentes, seremos mais capazes de influenciá-los do que por meio de legislações opressoras anti-libertárias. É claro que a questão do aborto é um tema complicado e que há inúmeros argumentos para sua criminalização, por se tratar de uma violência contra a vida humana. Não tenho defesa para alguns argumentos pro-life. O mais forte deles foi levantado por um jurista que não aceitava que matar um recém-nascido fosse considerado homicídio enquanto um aborto aos 9 meses de gravidez não o era. Touché. Da mesma forma, não me parece fazer sentido condenar o aborto de um grupo de poucas células nos primeiros dias ou semanas de gravidez e aceitar os métodos anti-concepcionais.

Se o próprio Deus permitiu que cada ser humano escolha entre pecar ou não, não cabe a nós criar legislações que oprimam aqueles que querem uma vida diferente da que levamos como cristãos

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ÚLTIMAS PALAVRAS carlos queiroz

Um ´dolo chamado mercado

Os mercadores da espiritualidade fazem do nome Jesus um mero amuleto

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mercado tem sido cada vez mais citado como força propulsora de sociedades inteiras e de todo tipo de relação, das interpessoais às internacionais. Utilizando-se de uma série de mecanismos para estabelecer parâmetros, fomentar condutas e definir regras, o mercado tem sido elevado a uma espécie de altar neste século 21. Por suas regras, a capacidade empreendedora transforma matéria prima em produto, a fim de se atender às demandas e aos interesses dos clientes. É assim que surge o lucro, objetivo primordial do mercado; na outra ponta, o mesmo produto proporciona certo grau de satisfação a quem o consome. Entidade distante da compreensão das pessoas comuns, e ao mesmo tempo tão próxima a ponto de interferir na vida do indivíduo, o mercado transcendeu a esfera puramente econômica para intrometer-se na política, no esporte, na ecologia e até na religiosidade. A indústria do futebol, por exemplo, conseguiu atender as demandas de entretenimento e paixão dos torcedores, transformando um tipo de “matéria-prima” em produto passível de comercialização. Empreendedores conseguiram transformar o futebol num dos mais rentáveis negócios de mercado. A capacidade de crianças e adolescentes de controlar e conduzir com os pés uma bola de futebol – habilidade tão comum entre os brasileiros – é o que alimenta essa indústria. Assim, a partir de garotos, são fabricados atletas nas indústrias especializadas do futebol, os clubes ou centros de treinamentos, que passam a vender atletas e serviços de entretenimento para seus clientes. Outro exemplo marcante é o da chamada indústria de turismo, que nos últimos tempos tem sido uma das principais fontes de renda de diversos países. Há uma demanda de clientes interessados em novas experiências pessoais e no lazer. Pode-se considerar como “matérias-primas” deste mercado as belezas naturais de um determinado destino, assim como a arte, a cultura, o folclore ou a culinária de um povo ou região. Enfim, empreendedores de diversos segmentos conseguem atender às demandas de seu público-alvo, transformando até mesmo o talento ou a habilidade humana em produtos a serem comercializados. E o mercado religioso? Este também tem crescido, e alimentado uma florescente indústria da fé. De um lado, temos a religião institucional utilizando-se dos elementos do mercado para justificar a funcionalidade pragmática de seus métodos; de outro, temos os devotos desse ídolo fundamentando esperanças no acúmulo de suas dádivas, os bens materiais. Desse modo, surge uma nova forma de ser e fazer religião,

que de fato caracteriza-se muito mais como um negócio de mercado. Há uma demanda subjetiva, a tentativa humana de encontrar na transcendência uma resposta para as questões da vida, um jeito de se encontrar um caminho mais fácil e rápido para solução de problemas e realização de expectativas. O ser humano é, por natureza, religioso. Ele desfruta de um campo subjetivo, que o impulsiona ao exercício da fé e à busca de um espaço coletivo onde possa relacionar-se com a divindade. A matéria-prima capaz de atender a essa demanda é a oração, a reza e os cânticos, assim como a confissão, as experiências místicas e as manifestações espetaculares, como o milagre. Empreendedores conseguem atender os desejos de seus clientes oferecendo-lhes os produtos da indústria dos negócios da religião. Da mesma forma como as indústrias fabricam o produto final que será comercializado, instituições religiosas são as fabricantes de respostas para consumo da alma. No mercado, tanto umas como as outras têm a mesma natureza e usam a mesma lógica. Pela lei da oferta e da procura, que rege o mercado desde os primórdios da civilização, é a sociedade que determina a viabilidade dos empreendimentos. Nos dias de hoje, com o surgimento de novos mercados, cabe a ela, também, o papel de acompanhamento e fiscalização dos negócios que realizam. Os empreendedores da atividade religiosa e seus atravessadores usam como mediação o nome de Jesus, e muitos acreditam que estão seguindo de fato a Cristo. Não percebem que, na raiz dessa neocristandade, não se está buscando ao Senhor nem os compromissos decorrentes do seu Reino, mas apenas objetivando interesses exclusivamente materialistas. Os mercadores da espiritualidade fazem do nome Jesus um mero amuleto. Dentro de tamanha relação mercantilista, não há diferença se o mediador é o Filho de Deus ou um ídolo qualquer – até porque, neste caso, a grande divindade é o capital, a conta bancária, enfim, o vil metal. Todavia, transações de caráter comercial não cabem no Evangelho. Para os servos de Deus, é necessário averiguar na experiência de Jesus Cristo e da primeira geração de discípulos uma outra maquete, fundamentada na graça, no amor e serviço aos pobres e marginalizados; enfim, uma opção de serviço e sacrifício pelo bem comum. Nesse novo jeito de se fazer religião, muitos cristãos, inclusive os de boa vontade, não percebem que fazem parte de uma nova ordem espiritual regida pelo ídolo do mercado. Uma divindade cujas faces modernas nada mais são do que maneiras novas de se fazer coisas antigas. Só não percebe quem ficou cego pelo deus deste século.

Nesse novo jeito de se fazer religião, muitos cristãos, inclusive os de boa vontade, não percebem que fazem parte de uma nova ordem espiritual regida pelo deus deste século

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Carlos Queiroz é professor e escritor




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