Educação Sociedade Rede e
em
@tividade 5 Estabilizada a noção de Rede e do que ela comporta, importa agora analisar como esta nova realidade da sociedade em rede está a transformar a educação. Não apenas a prática educativa, mas também o modo como pensamos a função social da educação. Em certa medida, poderemos afirmar que a sociedade em rede acabou por recuperar a antiga dimensão comunitária da aprendizagem, integrando-a de modo dinâmico com a noção tipicamente moderna de auto-formação. A atividade que vos propomos nesta fase volta a comportar dois momentos distintos. Assim, num primeiro, entre 04 e 12 de janeiro, deverão elaborar em equipa uma recensão
crítica
dos
vídeos
de
Mike
Wesch
disponibilizados
acima.
Posteriormente, entre 13 e 16 de janeiro, deverão publicar um conjunto de posts contendo os comentários-síntese (em inglês) no blogue do autor [My Teaching Notebook"]
Ana Leonor Couto Cristina Barcoso Lourenço Paula Pedroso Janeiro de 2021
A REDE COMO INTERFACE EDUCATIVO (I)
Iniciamos esta recensão contextualizando a mesma, ou seja, esta surge como um desafio proposto na unidade curricular de Sociedade e Educação em Rede tendo como foco “(...) analisar como esta nova realidade da sociedade em rede está a transformar a educação. Não apenas a prática educativa, mas também o modo como pensamos a função social da educação. Em certa medida, poderemos afirmar que a sociedade em rede acabou por recuperar a antiga dimensão comunitária da aprendizagem, integrandoa de modo dinâmico com a noção tipicamente moderna de auto-formação.” Compreendemos e subscrevemos esta tarefa pois a educação, na ótica de todos os envolvidos tem mudado, mas nunca à velocidade que deveria nem com a reflexão necessária à sua mutabilidade. Não nos interessa uma mudança pouco sustentada pois a tecnologia não faz milagres. Não basta termos um computador com ligação à internet e estarmos todos em rede para que o milagre da aprendizagem ocorra. Os vídeos que analisámos e em função dos quais resulta esta recensão, abordam estas mutações. Cabe-nos a nós um olhar crítico sobre os mesmos. Para o efeito foram analisados os vídeos propostos: Wesch, An anthropological introduction to YouTube (2008), 55’33. Apresentado na Biblioteca do Congresso Norte-americano. Wesch, A Vision of StudentsToday (2007), 4´44. Wesch, Web 2.0 ... The Machine is Us/ing Us ,(2007), 4´31. Refira-se que os três vídeos são de Michael Wesch (Nebraska, 1975 -), professor de Antropologia Cultural em Kansas State University. O seu trabalho situa-se na etnografia digital, mais concretamente na ligação entre os media, em particular a web 2.0, e os seres humanos. Apesar de terem entre 13 a 14 anos continuam a levantar algumas questões que permanecem pertinentes e atuais. A nossa metodologia de trabalho assentou na (i) visualização individual dos três vídeos; (ii) pesquisa individual sobre o autor; (iii) construção de um texto colaborativo no 2
google docs. (iv) discussão de ideias no espaço conversa do google docs.triangulando-as com noções e ideias estabilizadas através da realização de trabalhos anteriores; (v) inserção de alguns textos no fórum da UC e (vi) revisão coletiva do texto a apresentar. O discurso do professor é elaborado sob a forma de vídeos caseiros, feitos com e sem a colaboração com os seus alunos.
Vídeo 1 “An anthropological introduction to YouTube” (2008), 55’33. Apresentado na Biblioteca do Congresso dos EUA
Este vídeo relata os primórdios do Youtube e como o fenómeno estranhamente se alastrou. Foi lançado em 2005 e ainda é o maior site de streaming de vídeos, com mais de dois biliões de usuários conectados, diariamente um bilião de horas de vídeos são assistidos, gerando biliões de visualizações. O Youtube tem mais de 100 versões locais e 80 idiomas diferentes (Youtube para Imprensa). E podíamos continuar a apresentar dados sobre este gigante da Google que impressionam. De facto, as pessoas tornam-se produtoras de conteúdos e apropriam-se do que observam, ou seja, há uma personalização interessante. Eu vejo e aproprio-me de forma pessoal do que vejo. Esta é a máxima. E mais, vejo e recrio, na ótica de “quem conta um conto, acrescenta um ponto…”. Os conteúdos no Youtube são muito mais (em quantidade) do que os produzidos por canais televisivos. Isto implica que deixamos de ser consumidores passivos (como na TV por exemplo), a sermos produtores ativos.
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A grande questão é que cada um produz o que quer, logo quem regula a qualidade do que se publica? Que entidade valida ou não os conteúdos? O paradigma que a Web acarreta consigo, efetua alterações significativas na forma como nos posicionamos como seres críticos (a voz é difundida e ouvida) e seres igualmente criativos e produtores de conteúdos. Acarreta igualmente, como se constata no vídeo, a capacidade de produção. O Youtube é um exemplo disso. Lançado em 2005 e criando, como diz no vídeo em análise, “uma nova ordem cultural” assenta na produção individual de conteúdos, logo, num aumento exponencial dessa produção e no upload de conteúdos de forma rápida e em maior número do que as TVs, que aliás é a comparação que está a ser feita neste vídeo. O autor compara as TVs com o Youtube e o que mudou de 1948 para 2008. Segundo o autor, nesta época, dos uploads no Youtube 88% dos conteúdos são novos e originais. Todo o vídeo incide nestas questões. Comparam-se mundos distintos- o antigo e o novo. Estamos em 2021 e sabemos a importância do Youtube e a forma como se desenvolveu. Os
termos
de
serviço
podem
ser
consultados
aqui:
https://www.youtube.com/static?gl=BR&template=terms&hl=pt Destacamos este: “O Conteúdo é de responsabilidade da pessoa ou da entidade que envia o material ao Serviço. O YouTube não tem nenhuma obrigação quanto à hospedagem ou veiculação de Conteúdo. Se você encontrar qualquer conteúdo que acredita violar a legislação ou este Contrato, incluindo as diretrizes da comunidade, faça uma denúncia na plataforma.” Portanto, não colocando em causa a rapidez e os biliões de pessoas que assistem, o Youtube vem recolocar questões importantes - para nós a mais importante é a validação/qualidade dos conteúdos. Isso não existe, como não existe em qualquer rede 4
social. Tome-se, entre muitos exemplos, o tweed que negava a pandemia que se tornou viral e é objeto de estudo académico (Rodrigues Oliveira, 2021). Sobre este problema, estão a ser desenvolvidas algumas formas de verificação de conteúdos e de denúncia de situações, sobretudo associados ao bullying, incitamento ao ódio, violência explícita ou conteúdo sexualmente explícito (políticas de segurança) . Atualmente, por força de pressões sociais e de legislação que vem sendo produzida, existe um maior controlo sobre os conteúdos que são colocados nas redes sociais. Refira-se, como exemplo, o Twitter ter encerrado definitivamente a conta pessoal do (ainda) atual presidente dos EUA (Aleixo, 2021), a que se seguiram outras redes sociais. Porém, rapidamente,
alguns vieram dizer que aquele foi um ato de censura e de
restrição da liberdade individual (Ferreira, 2021 ) . Será? Até que ponto a liberdade individual, quando nociva, se sobrepõe ao bem comum? Em democracia tudo é aceite? Em nome da liberdade? A reflexão sobre esta temática daria certamente outra recensão. Isto significa, no entanto, que a Rede está sujeita às mesmas interrogações de caráter ético e que as questões levantadas acarretam igualmente questões educacionais que tanto nos interpelam, dado que qualquer um pode produzir o que quiser seja ou não verdadeiro, tenha ou não qualidade, cabendo ao recetor ter a capacidade de filtrar a informação que recebe e validar a mesma através de canais científicos. E essa capacidade nem todos possuem. O exemplo da música Moldava referida, serve para mostrar a velocidade que o upload permite ao mostrar os milhares de versões pessoais que surgiram após Gary Browsma criar a sua “versão” caseira através da sua webcam. Certo é que o upload de vídeos tornou-se muito mais fácil e que o Youtube se tornou um “mixer global”. Há, portanto, um processo misto de personalização e globalização, sem que estes processos se tornem antagónicos. Personalizo o que quero, mas ao mesmo tempo, passo a ser parte do mundo quando efetuo um upload desta apropriação pessoal que realizo e torno-me parte do mundo, ou seja, torno-me ‘global’. 5
Este vídeo trata efetivamente de questões antropológicas. Mais do que demonstrar através de sistemas de pontuação, blogues, etc. que permitem por exemplo tagar o vídeo do autor e a forma como o mesmo foi rapidamente disseminado e não outro qualquer (aspeto importante), é a forma como as pessoas interagem e funcionam em rede. Qual é afinal, a antropologia do Youtube? Segundo o autor, os media tratam de mediar as relações humanas alterando essas relações o que o leva a verificar os níveis etários dos utilizadores. No Youtube, a faixa etária a partir dos 35 anos é tão grande como a dos adolescentes dos 12 ao 17. A faixa etária mais representativa parece ser a dos 18 aos 24 e dos 25 aos 34 anos. Existem vários tipos de vídeos a serem carregados, mas a maioria são vídeos caseiros, familiares e destinados a serem vistos por menos de 100 pessoas. Contudo, há conteúdos que se tornam virais, vistos por biliões de youtubers em todo o mundo e são remixados globalmente. O conceito de meme passa a fazer parte do nosso vocabulário antropológico. Mesch apresenta vários exemplos, como o caso de Charlie. Um outro exemplo de músicas/danças que se tornam virais é comum. Ainda agora temos o exemplo da Música Jerusalema e da dança que se espalhou pelos cantos do mundo a partir de um grupo angolano, Fenómenos do Semba (Maiza, 2020a), podendo-se conhecer a sua história (Maiza, 2020b). O autor do vídeo em análise referese a estes fenómenos como cultura participativa. Aparentemente, a falta de laços com a comunidade, origina estes fenómenos. As pessoas precisam desesperadamente de se conectarem. Esta dificuldade é associada à entrada da mulher no mercado de trabalho, por conseguinte, à ausência de tempo para se estreitarem laços de forma presencial, mas outros fatores concorrem para isso. As manifestações no Youtube são uma procura de se reestabelecer outro tipo de laços que substituam os previamente existentes. A impessoalização das relações fruto de alterações no modus vivendi, como por exemplo mercearias substituídas por hipermercados, ou seja, por espaços não relacionais, a vivência nos subúrbios com a utilização do espaço-casa basicamente para 6
dormir (dormitórios), são fatores que originam processos de personalização através de meios impessoais. Na verdade, assistimos a um verdadeiro paradoxo antropológico. ”Estamos conectados por estradas que nos levam a casa, mas isolados pela força da TV.” afirma Wesch. Se por um lado demonstramos “Individualismo em rede”, por outro, temos sede e “desejo de comunidade” e o Youtube é o resultado disso mesmo. Esta comunidade em declínio é substituída pela Web, pela conexão em rede. Para perceber esses fenómenos, o autor e os seus alunos optaram por fazer uma observação participante como forma de melhor perceber a dinâmica e os fenómenos do Youtube. Alguns factos: No Youtube a relação é mediada por webcams, ou seja, falamos para uma câmara, para o desconhecido, para uma audiência desconhecida, assíncrona e não se sabe qual é o contexto, ou seja, quem vai ver, assistir, comentar, perdendo rasto do que lançámos, sujeitando-nos a remixes das nossas produções e a isto o autor denomina “Colapso do Contexto”, exatamente por não termos esse controle. Todos assistem e ninguém está presente no mesmo tempo e espaço que nós. E os paradoxos continuam- estamos num espaço privado- quarto, sala, cozinha, mas lançamo-nos para o espaço mais público que existe, vemo-nos como num espelho criando uma hiper autoconsciência, em que eu posso olhar e ver-me, funcionando como um mecanismo de cognição e reconhecimento. O espaço em que nos movemos, devido ao anonimato e distância física, dá origem ao destilar desbragado de ódios e suas manifestações primárias- se por um lado permite a emergência deste tipo de comportamentos, por outro, permite igualmente a diminuição da ansiedade social pelos mesmos motivos fazendo com que a pessoa se sinta mais relaxada e levada a “experimentar a humanidade”. (Wesch) levando a que o desconforto de ver ou ser visto, desapareça. O autor apresenta ao longo do vídeo diversos paradoxos: 7
Inversão cultural: expressamos individualismo, independência e comercialização, ao mesmo tempo que valorizamos a comunidade, as relações e a autenticidade. Será, como afirma o autor, que o que nós (Seres Humanos) desejamos é uma forma de conexão sem restrições? Sem responsabilidades? Mas a responsabilidade individual e coletiva não desaparece na rede tal como não desaparece na vida presencial. Os limites é que se tornam mais esbatidos e menos claros que podemos ser quem quisermos. Com máscaras, com várias identidades digitais! E isso provoca o “drama” que também atravessa o Youtube, como aliás, atravessa qualquer rede, a saber, o fazer-se passar por quem não se é, a questão das máscaras que são usadas e que fomentam uma crise de autenticidade. Esse drama não se limita a este tipo de redes mas é claramente potenciado por elas. Somos todos produtores de conteúdos sejam eles verdadeiros, falsos, ou semi-verdadeiros dado que criamos a realidade que desejarmos. Este vídeo demonstra a complexidade da natureza humana mediada pela tecnologia e que os problemas da vida real são transpostos para estes novos meios que garantem com mais facilidade a emergência de comportamentos falsos, mas igualmente de comportamentos autênticos. Podemos ir mais longe afirmando que a natureza humana é exposta através da rede, neste caso do Youtube, deixando transparecer o melhor e o pior que o ser humano encerra. A tecnologia veio colmatar necessidades preexistentes, retomar o conceito de comunidade, inclusive de comunidades de aprendizagens em que todos juntos aprendemos uns com os outros. Como Wesch afirma, a webcam tornou-se num lugar mais público do mundo. Funciona como os olhos do mundo perante a multiplicidade de conteúdos de áreas distintas e as necessidades, dimensões e máscaras/identidades de cada um, de cada youtuber. É possível adaptar esta diversidade e riqueza em contextos educacionais e promover a discussão online, permitindo aos alunos ou utilizadores gerar debates pedagógicos onde cada um desenvolve as suas capacidades. Através de redes, como o Youtube, 8
compreendemos o fenómeno da inversão cultural que abarca as nossas necessidades dicotómicas. O ser humano forma-se como indivíduo ao mesmo tempo que procura à sua volta sentido de comunidade. Procura autenticidade e relações fortes num mundo onde a independência e comercialização é cada vez maior. Em suma, Wesch consegue neste vídeo intersectar a noção do estudo académico tradicional com os imensos cenários trazidos por esta “invasão” de plataformas sociais. Isto permite com que haja hoje uma capacidade de auto-formação dentro da dimensão comunitária da aprendizagem. Vídeo 2 Wesch, A Vision of StudentsToday (2007), 4´44 Neste curto vídeo, Wesch, juntamente com cerca de 200 alunos da sua Universidade, procura apresentar os estudantes de hoje: como são, pensam, se situam em sala de aula, projetos, ideias e futuro. Listamos alguns pontos relativos à visão partilhada pelos alunos do vídeo que nos parecem mais relevantes sobre a prática educativa e a função social da educação. Alguns pouco diferem da atual visão:
A perceção que muitos dos conteúdos não têm relevância na sua vida continua atual, ou seja, o questionar aspetos do curriculum em relação aos quais os alunos não percebem a utilidade. O documento do Ministério da Educação português sobre as Aprendizagens Essenciais parece-nos tentar abordar a questão;
Impessoalidade relacional (poucos professores a saberem o nome dos estudantes por exemplo), muito comum no ensino universitário devido ao número elevado de alunos em cada ano.
A irrelevância da leitura formal e, portanto, o afastamento cada vez maior desta prática. Poucos livros são realmente lidos mas em contrapartida lê-se imenso na internet. Lê-se de forma diferente e não nos referimos ao suporte digital mas ao 9
que se lê. Num cartaz vê-se: “I will read 8 books this year.” mas irá ler 2300 web pages e 1281 Facebooks profiles! O mesmo se passa na escrita… 42 páginas escritas no semestre contra 500 páginas de emails. O Plano Nacional de Leitura é uma gota de água na procura de criar hábitos e a questão que nos interpela é: como utilizar esta forma de se ler, ao serviço da aprendizagem? Para nós é absolutamente claro o desinteresse pela aprendizagem formal, o que de alguma forma nos faz questionar se o caminho que estamos a seguir é o correto. Este aspeto significa que a forma de aprender e o que se aprende e onde, está a mudar e isto deve significar por parte da tutela e dos atores do processo educativo procedimentos reflexivos que acarretem mudanças. Manuel Castells fala do fosso entre a cultura analógica e a digital, a dos jovens, que não está refletida na nossa instituição escolar, constituindo uma das razões para o tédio na escola e para o abandono escolar (Castells, 2015) Se a escola enquanto instituição formal, começa a perder o seu lugar, não será o momento de alterarmos currículos e formas de ensinar? Porque não valorizarem-se aprendizagens na escola que não ocorreram através dela? Porque não certificarmos competências que não se adquiriram num sistema formal?
O contrassenso entre a produção escolar bastante desvalorizada pelos estudantes e a produção de comunicação diversa, a maioria sem qualquer interesse evidente, através da rede;
A necessidade de se ser multitasks numa sociedade que a isso obriga;
O papel das redes sociais na formação de opiniões muitas delas sem qualquer fundamento sério- recordemos que ler não é igual a saber interpretar…
O preço/valor da educação tanto no seu aspeto monetário como no da construção como pessoa, levando à sorte de se poder estudar e, portanto, o privilégio que isso significa, pelo que é fundamental e imperioso a continuação da defesa da Escola Pública e do financiamento condigno da Universidade Pública; 10
A miséria salarial;
A rapidez das mutações sociais e as necessidades criadas (emprego que ainda não existe);
A guerra, pobreza e desigualdade;
A impotência de se lidar com problemas que não foram criados por eles (alunos);
A tecnologia como salvadora, mas ao mesmo tempo como disruptiva;
A utilização da tecnologia para outros fins distintos que não a aprendizagem;
A comparação do quadro negro com a tecnologia. O que falta neste? Como concorrer com um PC se neste temos fotos, vídeos, animações, rede?
Apesar de este vídeo ter sido produzido em 2008 as mesmas questões, problemáticas e ansiedades se colocam na atualidade. Há evidentemente diferenças entre a aprendizagem tradicional e a mediada pela tecnologia. Todavia, os seres humanos como principais atores deste processo, fazem a diferença, devendo privilegiar-se a simbiose entre educação e virtualidade. Sangràs, é um dos autores que defende as inúmeras possibilidades de criatividade na virtualidade como forma de diversificar e melhorar os processos de ensino. Refere que neste ambiente de aprendizagem é necessária uma estrutura bem definida que consiga mediar os processos que afetam tanto educandos como as instituições. Só com a triangulação entre estudante, professor e fonte de informação, é possível desenvolver capacidades de aquisição de conhecimento progressivo, onde o estudante pode melhorar a sua participação comparativamente ao contexto presencial (Sangràs, 2001). Isto só demonstra que ter à nossa disposição a tecnologia não significa que aprendemos mais e melhor. Esta pode ser igualmente disruptiva se não for colocada ao serviço da aprendizagem e para isso é fundamental educar.
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Tal como a educação para a leitura, por exemplo, era e continua a ser realizada e era e continua a ser um desafio. Temos, por conseguinte, novas realidades e problemas antigos. Não existem milagres e nenhuma tecnologia os oferece e por isso mesmo a questão é mais profunda: será que o acesso às diferentes redes permite que a educação tenha um papel cada vez mais relevante na formação dos indivíduos? Isto não implica que cada um de nós seja cada vez mais produtor do seu conhecimento quando de forma autónoma acede à rede e procura esse conhecimento? Qual o papel da escola/universidade face à expansão da internet e da sociedade em rede? Aqui, recuperamos o pensamento de Manuel Castells sobre a obsolescência da educação e a necessidade urgente que as instituições escolares têm de repensar o seu medievo modelo organizacional (Castells, 2015) e assumir que vivemos numa era digital que privilegia a criatividade, a capacidade de produzir conhecimento novo ao invés da memorização da informação. Para isso está a internet, o “googlar”. Em suma, será que através da tecnologia aprendemos outras coisas igualmente necessárias à nossa formação, fornecendo-nos uma visão holística da realidade? Não podemos esquecer que o ensino tradicional valorizava a passividade do aluno e que atualmente o estudante é proativo na construção do conhecimento e que as tecnologias dão uma enorme ajuda neste processo. Qualquer estudante, pode desta forma usufruir de experiências que contribuem para o seu desenvolvimento integral levando à concretização da ideia de autorrealização. Neste sentido, a educação deverá ser fruto da fusão entre as tecnologias da informação, a literacia da internet e a inovação pedagógica (Deimann, Farrow 2013). O Youtube constituiu uma biblioteca virtual e há que saber avaliar as diferentes fontes de informação para tirar o seu melhor partido. Quantos docentes e discentes não procuram hoje o lado formativo do Youtube? Ao ser usufruído como um recurso educacional aberto, há que garantir que os conteúdos têm um projeto adequado previamente desenvolvido. Deve incluir atividades 12
críticas que levem à interação entre aluno-professor e sobretudo aluno-aluno, procurando incentivar uma cultura participatória entre todos. Vivemos efetivamente um tempo de mudança na educação acelerado por força dos sucessivos confinamentos derivados do Covid-19. Talvez possamos aprender e alterar as práticas apesar da enorme resistência encontrada sempre que se avizinham mudanças de paradigma.
Vídeo 3 Michael Wesch, Web 2.0 ... The Machine is Us/ing Us , 2007, 4´31 Este é um vídeo didático centrado nas vantagens da Web 2.0, que revolucionou a maneira como nos relacionamos com a internet. O seu mais fácil manuseamento, sem necessidade de se saber programação, democratizou a possibilidade de construção e inserção de conteúdos, permitindo a sua expansão e desenvolvendo como que uma consciência global de educação/ formação/ informação através, por exemplo, do despertar dos recursos educacionais abertos (REA) que se alicerçam na sociedade em rede que constrói coletivamente o conhecimento. A disponibilidade da informação e a sua democratização pode ser exemplificada pelo próprio vídeo de Wesch. Feito em casa, com poucos recursos, disseminou-se rapidamente e incentivou a discussão na rede. Wesch separa o texto escrito, linear, do texto digital, flexível e ancorado no hipertexto que o potencia, envolvendo-o numa roupagem dinâmica e apelativa que possibilita a navegação simultânea. O que fazemos e como fazemos na Web 2.0 tem efeitos no rasto que deixamos e possibilita que a máquina nos conheça porque a ensinamos acerca do que para nós é importante. É certo que podemos ver a nossa privacidade mais ameaçada quando nos
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apercebemos da articulação entre empresas que vão fornecendo entre si dados sobre nós - “Se não pagamos por um produto é porque nós somos o produto”. Enumeramos apenas alguns exemplos das vantagens da Web 2.0: podemos utilizar várias formas de pesquisa e de construção de conteúdos (Blogues por exemplo); sermos youtubers; possibilita com mais facilidade a organização/alteração de conteúdos; constrói bases de dados que se revelam fundamentais; criamos o nosso rasto o que facilita as pesquisas; colaboramos e trocamos informações com mais facilidade, enfim, todo um mundo novo que nada tem a ver com a vida analógica como a conhecemos. Mas Wesch alerta para a necessidade de se refletir sobre as questões de copyright, autoria; identidade, ética, estética, retórica; governança; privacidade, comércio, amor e família e nós mesmos. O que está, então, em causa neste vídeo? As características da Web 2.0. E a questão colocada é basicamente o trocadilho sobre a máquina. Somos nós que a usamos, ou melhor, a máquina somos nós? Ou é ela que nos usa? Esta questão é já um clássico. Lembremo-nos que a Web 2.0 surgiu no início do século XXI e que atualmente refletimos sobre a Web 4.0! Consideramos a “máquina “uma extensão de nós e, por conseguinte, ao nosso serviço. Mas como tudo, ela traz desafios aos quais temos que responder. Deixamos de viver no nosso pequeno “quintal”, mas temos que partilhar este enorme espaço que é a rede. Claramente a dimensão mudou e trouxe consigo novas questões e que radicam todas elas nas questões éticas. Como preservar as questões de copyright? E a autoria, temática que nos é tão cara? Em que pé ficam as questões da integridade intelectual quando nos apoderamos de ideias/conteúdos que não são nossos, omitimos a autoria e utilizamos como produção própria? Naturalmente que com o advento da Web e das diferentes redes a que podemos aceder, as questões da autoria colocam-se cada vez mais pois as apropriações indevidas, os plágios descarados, as operações de 14
copy/paste, e o aparente anonimato destas operações conferem sentimentos de impunidade aos seus autores. Estes aspetos propiciados pela rede não estão ainda claramente explicitados e as práticas adotadas são duvidosas. É certo que o licenciamento Creative Commons, por exemplo, e a expansão dos Recursos Educacionais Abertos (REA) têm contribuído para disciplinar as questões autorais mas o desconhecimento grassa na rede. Torna-se imperioso educar crianças e jovens sobre estas temáticas. Levámos anos a lutar por práticas académicas íntegras e esse caminho não tem fim à vista. Aliado a este, temos em mãos práticas duvidosas nas diferentes redes sociais quando se partilham conteúdos, imagens, textos diversos sem a sua a autoria. Vivemos numa terra de ninguém em que tudo é permitido embora, reconheçamos, se tenha iniciado a procura da produção de legislação, regulamentação e fiscalização, mas que são claramente insuficientes. A intervenção Ética é fundamental e é-o também na relação que estabelecemos entre o que é público e o que é privado. Estes limites que eram bem definidos no mundo presencial, alteram-se neste novo mundo. O que antes era impensável, passa agora a ser normal. O espaço privado é exposto. A noção do que é privado altera-se. As pessoas tiram fotos no WC com a maior naturalidade e postam, na cama, em roupa interior, enfim, entramos num universo privado que antigamente nem nos passaria pela cabeça e não somos nós a pedir, são os próprios que o fazem de livre e espontânea vontade. Esta exposição acarreta, entre muitas outras coisas, perigos, pois a muitos utilizadores só falta escreverem o seu endereço para todo o mundo ler. Os pais colocam fotos do colégio dos filhos sem qualquer pudor e responsabilidade... entra-se assim num mundo de exibicionismo voluntário sem que muitos tenham a perceção do perigo que esse exibicionismo representa.
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As relações pessoais de caráter íntimo, afetivo, também se alteram e proliferam sites de encontros online. Até o Facebook entrou neste jogo! Em suma, vivemos numa era onde a maior parte dos utilizadores está disposta a dar a sua informação pessoal abertamente em troca do uso dos seus conteúdos. Assim sendo, urge a necessidade de haver uma responsabilidade global entre todas as partes envolvidas para garantir a privacidade e segurança online. A informação partilhada deve ser limitada tanto por nós quanto aquela que é solicitada pelas empresas. Todos devem ser intervenientes. Não podemos esquecer que neste momento há cada vez mais dispositivos a serem utilizados onde a informação produzida é proporcionalmente maior e fazendo crescer a necessidade de educar os indivíduos.
Conclusão Apesar de 13 a 14 anos nos separarem dos vídeos analisados, consideramos que, em certa medida, continuam a apresentar temas que a sociedade em rede ainda hoje debate, como a questão da autenticidade/identidade digital/máscara, dos direitos autorais, da ética, da conexão/comunidade vs invasão da privacidade, da dependência tecnológica, o lugar da educação formal / instituições escolares no mundo digital. É certo que atualmente a Web 4.0 trouxe-nos novas inquietações e benefícios que, tal como Mesch refere, provocam a reflexão, sendo a expansão da inteligência artificial um deles. A educação assume cada vez mais um papel fulcral no desenvolvimento social de cada um e o acesso a plataformas como o Youtube tem um papel muito eficiente no envolvimento dos estudantes. A dimensão social está na base do conceito do diálogo didático defendido por García Aretio (2012) devido à forte interação educativa presente em conteúdos e recursos tecnológicos.
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A transformação da educação é visível e as práticas educativas devem ser inovadoras, incorporando novas experiências de ensino e aprendizagem. A velocidade da partilha e resposta de conteúdos que combinam texto, som, fotografia e vídeo é prova em como todos podemos colaborar com o objetivo da formação individual e global. Há valores culturais fortes que sobressaem e o facto de estarmos todos conectados, apelam ao sentido de formação de uma comunidade sem barreiras. Todos têm acesso a este palco virtual que chega por meio de um simples ecrã a uma plateia de conhecidos e desconhecidos. Por este mesmo motivo, é necessário repensar em tudo o que esta mudança acarreta e como Wesch refere, há que repensar em todas as questões dicotómicas anteriores mas sobretudo, no nosso próprio papel na sociedade em rede.
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