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Lilia Maria Machado Souza CECÍLIA MEIRELES: PROTAGONISMO EM UNIVERSO MASCULI- NO

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Zezé Negrão

Zezé Negrão

LILIA MARIA MACHADO SOUZA

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Poetisa, contista, cronista, com vários livros publicados. Integra diversas entidades culturais. Está presidente da Academia Paranaense da Poesia. É membro do Conselho Editorial da Sarau das Letras Ltda. CECÍLIA MEIRELES: PROTAGONISMO EM UNIVERSO MASCULINO

por Lilia Souza, escritora.

Nascida Cecília Benevides de Carvalho Meirelles, brasileira, da cidade do Rio de Janeiro – RJ, em 7 de novembro de 1901, era filha de Carlos Alberto de Carvalho Meirelles (filho de português) e de Mathilde Benevides, de origem açoriana. No Rio faleceu, em 9 de novembro de 1964.

Ao terminar o curso primário, foi de Olavo Bilac – então inspetor do colégio – que recebeu, por seu desempenho escolar, medalha de ouro com nome gravado.

Em 1917, concluiu o curso de professora primária e iniciou sua vida profissional dedicada à educação. Estudou canto, violão, violino, desenho. (Transcrito por Damasceno, de entrevista concedida por Cecília, em 1955, em MEIRELES, 198[3]. p. 46.). Estudou várias línguas, culturas e literaturas.

Observemos que Cecília Meireles, desde antes de chegar ao mundo, teve a vida marcada pela morte: os três irmãos que tivera, morreram antes que a menina nascesse. 3 meses antes de seu nascimento, morreu-lhe o pai; e a mãe, quando ela quase completava 3 anos. Foi criada pela única sobrevivente da família, a avó materna Jacinta Garcia Benevides, açoriana que lhe ensinava parlendas e cantava romances – com a ajuda da pajem Pedrina, que lhe contava histórias de nosso folclore. (Citou Damasceno, [1983?], p. 42).

Em 1922 casou-se com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três Marias: Elvira, Mathilde e Fernanda. Ele suicidou-se em 1935. Em 1940 Cecília casou-se com o professor Heitor Grillo – que também a deixou viúva.

Cecília, já em tenra infância, conviveu com a solidão e o silêncio, fazendo-se contemplativa e adquirindo a certeza da transitoriedade e efemeridade de tudo – o que fundamentava sua vida, segundo palavras da autora. (citado por Damasceno, [1983?], p. 41). Enfim, uma criança que cresceu em solidão, introspectiva e contemplativa, no início do século passado – quando era maior o abismo entre os universos feminino e masculino. Época em que as decisões ligadas ao mundo eram tomadas por homens. A projeção nas artes era concedida ao homem.

Pois foi nesse universo por homens regido, que Cecília Meireles conseguiu estabelecer seu espaço na educação, no jornalismo, na tradução, no reconhecimento em outros países como estudiosa de várias áreas, como conferencista, como escritora, como poeta valoroso – o mais conhecido nome brasileiro na poesia, em Portugal. Deixou milhares de crônicas publicadas em jornais (sobre educação, viagens e assuntos vários). Aos 16 anos publicou seu primeiro livro, Espectros. Entre 1919 e 1927, esteve ligada ao grupo de escritores católicos que “defendia a renovação de nos-

sas letras na base do equilíbrio e do pensamento filosófico.” (Citado por Damasceno, [1983?], p. 9). Em 1922, foi apresentada à esfera literária, quando eclode a Semana de Arte Moderna. Angariou reconhecimento e admiração de escritores e críticos, por seu relevante trabalho poético, consagrando-se como um dos maiores poetas brasileiros – não simplesmente uma voz feminina na poesia, mas um dos grandes. Foi muito bem aceita no meio literário – de predominância masculina.

E não se pense que foi só de flores o seu caminho. Sua dedicação à educação e aos livros era, sim, reconhecida. Em 1934 (cita Zagury, 2001, vol. I. p. IXIII) Cecília foi designada pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Distrito Federal para dirigir um Centro Infantil – que veio a ser instalado no Pavilhão Mourisco, e que deveria oferecer às crianças variadas atividades educativas e recreativas; a decoração ficou por conta do marido artista plástico. Ali, Cecília instalou a primeira biblioteca infantil do país! Pensemos na importância de tal realização.

Contudo, tal projeção pode ser incômoda – bem se sabe –; intrigas políticas surgiram, e tal espaço teve fechadas suas portas, por conter obras perigosas à educação dos pequenos; a grande evidência foi As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain. Podemos imaginar o abalo sofrido por tal situação. O fato trouxe grande e negativa repercussão no Brasil e nos Estados Unidos, contribuindo para um período de perseguições e grandes reveses. O ciclo de dificuldades se agravou com o suicídio do marido, com tempos de dívidas e o peso da subsistência das filhas. $

A Universidade do então Distrito Federal, a nomeou professora de Literatura Luso-brasileira, depois de Técnica e Crítica Literária, e Cecília desdobrava-se entre a docência universitária e o jornalismo (publica em diversos veículos, cuida de uma revista) (citado por Zagury, 2001, vol. I. p. Ixiv). Em 1940 casou-se com Heitor Grillo, professor que conhecera em um programa de entrevistas. Teve, então, período de dedicação maior à literatura.

Mas o que quero destacar é a competência e a força dessa grande mulher, para conseguir protagonismo em várias áreas de atuação, em um meio em que o homem reinava. Como educadora, Cecília ergueu sua voz em defesa de inovações e melhorias, expressando-se em crônicas, artigos, teses; assim como escrevendo livros didáticos. Como jornalista, trabalhou no Departamento de Imprensa e Propaganda, cuidou de uma revista, deixou milhares de contribuições (crônicas e artigos), sobre assuntos vários, em jornais e revistas. Em sua trajetória literária, além do grande, rico e reconhecido trabalho poético e publicação de vários livros, escreveu também prosa poética, teatro, artigos, ensaios, conferências, livros didáticos, livros infanto-juvenis. Fez inúmeras traduções e foi traduzida para vários idiomas.

Com vastas pesquisas sobre folclore, organizou exposição de folclore, participando de congresso da área. Ministrou palestras, conferências e cursos em vários estados brasileiros e em diversos países (a convite).

Meu viva à Cecília Meireles! Além de poeta maior, uma mulher competente e idealista, com coragem para abrir e trilhar sua estrada, e ser protagonista de sua vida, e criar uma nova realidade por meio da literatura. Manter-se viva, mesmo depois de partir.

Lilia encerrou sua apresenntação com um curto poema Vaga música (MEIRELES, 2001, v.I, p. 333):

Epigrama - Cecílias Meireles

A serviço da Vida fui, a serviço da Vida vim;

só meu sofrimento me instrui, quando me recordo de mim.

(Mas toda mágoa se dilui: permanece a Vida sem fim.

Referências DAMASCENO, Darcy. Poesia do sensível e do imaginário. In: MEIRELES, Cecília. Cecília Meireles: flor de poemas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A., [1983?]. p. 9-40. DAMASCENO, Darcy. Notícia biográfica. In: MEIRELES, Cecília. Cecília Meireles: flor de poemas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A., [1983?]. p. 41-47. ZAGURY, Eliane. Notícia biográfica. In: MEIRELES, Cecília. Poesia completa: Cecília Meireles. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. v. I, p. lxi – lxvi. MEIRELES, Cecília. Epigrama. In: MEIRELES, Cecília. Poesia completa: Cecília Meireles. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. v. I, p.333.

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