Coleção Património a Norte - Nº 8

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N º 08 . 2020


“Cinema: espaços, estudos, instituições e património” proporciona ao leitor uma visão de conjunto do panorama atual do universo da “sétima arte” em Portugal, com enfoque na região Norte. Investigadores, entidades reguladoras, gestoras e de ensino, cineclubes e museus são convidados a abordar temas como as salas de cinema, imprensa da especialidade, conservação, patrimonialização, reabilitação, musealização, associativismo, ensino, produção, divulgação e consumo. Profusamente ilustrada com centenas de desenhos, fotografias, reproduções, fotogramas, vídeos e visitas virtuais, conta com especial colaboração dos principais arquivos nacionais e salas de cinema.



F ICH A T ÉCN I C A

Coleção Património a Norte N.º 08 Título “CINEMA: ESPAÇOS, ESTUDOS, INSTITUIÇÕES E PATRIMÓNIO” Autores Andreia Garcia ; António Preto ; Daniel Maciel ; Fernanda Araújo ; Guilherme Blanc ; Joana Canas Marques ; Joana Duarte ; José Manuel Costa ; José Quinta Ferreira ; Liliana Duarte ; Manuel Claro ; Mário Augusto ; Nuno Tudela ; Paulo Barrosa ; Paulo Brandão Edição Direção Regional de Cultura do Norte – Ministério da Cultura Local de edição Porto Data de edição 2021 março ISBN 978-989-54871-2-7 Depósito Legal 479484/21 Direção António Ponte Coordenação editorial Luís Sebastian Coordenação editorial (n.º 08) Hugo Barreira Revisão Alexandre Martins Fotografia Ana Luísa Madeira ; Ana Matos ; Anabela Trindade ; André Delhaye ; António Passaporte ; António Sá ; Carlos Sousa Pereira ; Denise Peleteiro ; Edmundo Correia ; Eduardo Alexandre Cunha ; Estúdio Horácio Novais ; Estúdios Tavares da Fonseca Lda. ; Fernando Guerra ; Fernando Resendes ; Ferreira da Cunha ; Filipe Braga ; Foto Aliança ; Foto Guedes ; Foto Nóbrega ; Fotografia Alvão Lda. ; Francisco Varela ; João Marinho ; João Octávio ; João Paulo Gomes ; João Paulo Gomes ; José Artur Leitão Bárcia ; José Caldeira ; José Frade ; José Manuel Fernandes ; Joshua Benoliel ; Lara Jacinto ; Liliana Fortuna Duarte ; Manuel Teles ; Michel Waldmann ; Miguel Arieira ; Nuno Tudela ; Paulo Barrosa ; Pedro Guimarães ; Pedro Martins ; Photographia Vasques ; RCL-Rui Cunha ; Rosana Soares ; Sérgio Rolando ; Silvana Torrinha ; Teresa Teixeira Ilustração Paulo Barrosa Design gráfico Companhia das Cores, Lda. Arquivos Arquivo Cinanima ; Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante ; Arquivo Municipal de Lisboa ; Arquivo Paulo Barrosa ; Arquivo pessoal de Henrique Barreto Nunes ; Biblioteca Nacional de Portugal ; Biblioteca Pública de Braga – Universidade do Minho ; Biblioteca Pública Municipal do Porto ; Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra ; Câmara Municipal de Fafe ; Centro Português de Fotografia ; Cinemateca Portuguesa ; Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto ; Coleção de fotografias do Theatro Circo ; Coleção particular Margarida Neves ; Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte ; Fundação Marques da Silva ; Hemeroteca Municipal de Lisboa ; Museu da Imagem – Câmara Municipal de Braga ; RTP Arquivos ; Teatro Micaelense


Parceria AO NORTE – Associação de Produção e Animação Sociocultural CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO CASA DO CINEMA MANOEL DE OLIVEIRA – Fundação de Serralves CINANIMA CINECLUBE DO PORTO CINEMATECA PORTUGUESA ESMAD – Escola Superior de Media Artes e Design PORTUGAL FILM COMMISSION THEATRO CIRCO DE BRAGA DETALHAR (www.detalhar.pt) ARQUITETURA360 (www.arquitetura360.pt) Apoio ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA BIBLIOTECA GERAL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA CÂMARA MUNICIPAL DE ESPINHO CÂMARA MUNICIPAL DE FAFE CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA CINEMA TRINDADE COLISEU PORTO AGEAS EGEAC – CINEMA SÃO JORGE FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN – BIBLIOTECA DE ARTE HEMEROTECA MUNICIPAL DE LISBOA RTP ARQUIVOS TEATRO MICAELENSE TEATRO SÁ DA BANDEIRA VIP EXECUTIVE EDEN HOTEL

Disponível online em www.culturanorte.gov.pt

Os conteúdos dos textos e eventuais direitos das imagens utilizadas são da exclusiva responsabilidade do(s) respetivo(s) autor(es), quando aplicável.


PA RC E R I A

APOIO


ÍNDICE PATRIMÓNIO A NORTE

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EDITORIAL

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125 ANOS DE CINEMA REFLEXÃO

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CINEMATECA PORTUGUESA INSTITUIÇÕES

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PORTUGAL FILM COMMISSION INSTITUIÇÕES

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AS SALAS DE CINEMA ESTUDOS

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A IMPRENSA E O CINEMA ESTUDOS

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CASA DAS ARTES - PORTO ESPAÇOS

147

THEATRO CIRCO - BRAGA ESPAÇOS

161

CINANIMA - ESPINHO PROJETOS

179

AO NORTE - VIANA DO CASTELO CINECLUBES

197

CINECLUBE DO PORTO - PORTO ARQUIVOS

209

ESMAD - PÓVOA DE VARZIM/VILA DO CONDE FORMAÇÃO

223

CINEMA BATALHA - PORTO REABILITAÇÃO

259

CASA DO CINEMA MANOEL DE OLIVEIRA - PORTO MUSEOLOGIA

279

ROTEIRO - PORTO

299


PAT R I M Ó N I O A N O R T E A história do cinema em Portugal é tão indissociável da cidade do Porto quanto a paixão pela “sétima arte” o é da região Norte. Menos de um ano depois de os irmãos Lumière apresentarem pela primeira vez ao mundo o seu cinematógrafo, em 28 de dezembro de 1895, dão-se as primeiras “sessões de cinema” em Portugal, pela mão do húngaro Edwin Rousby, que apresentou o seu “Animatographo” no Real Colyseu de Lisboa, a 18 de junho, e logo a 17 de julho de 1896 no então Teatro-Circo Príncipe Real, atual Teatro Sá da Bandeira. Entre os espectadores desta segunda sessão estava o comerciante portuense e amante de fotografia Aurélio da Paz dos Reis, cuja imediata paixão pela “imagem em movimento” o levou a deslocar-se ao estrangeiro para adquirir equipamento semelhante. De volta a Portugal, realiza várias filmagens pelo país, apresentando o seu “Kinetographo Portuguez” a 12 de novembro de 1896, uma vez mais no Teatro-Circo Príncipe Real, incluindo a sua primeira filmagem, a “Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança” na Rua de Santa Catarina, tornando-a na primeira sessão de cinema português. Se se pode considerar o portuense Aurélio da Paz dos Reis a figura fundadora e o atual Teatro Sá da Bandeira o lugar de fundação do cinema português, esta história continuará a ser escrita com sotaque portuense, com a criação em 1912 da histórica produtora cinematográfica Invicta Film e, incontornavelmente, através da figura maior do cinema português, o realizador Manoel Oliveira, em cuja obra o Porto, o Douro e o Norte são referência. Inevitavelmente, encontramos no Porto algumas das mais icónicas salas de cinema, como o Cinema Trindade, Cinema Batalha, Coliseu Porto Ageas ou o Teatro Municipal do Porto (Rivoli), às quais se juntam hoje dois dos maiores festivais de cinema do país, o Fantasporto – Festival Internacional de Cinema do Porto e o Porto/Post/Doc. Já a paixão do público portuense pelo cinema fica bem expressa nos mais de 75 anos do Cineclube do Porto, o mais antigo do país em atividade. Mas esta relação especial da região Norte com o cinema não se cinge de todo à cidade do Porto, muito pelo contrário. A paixão pelo cinema fica antes de mais bem patente no forte associativismo, com a existência de cineclubes como os de Guimarães, Braga, Maia, Amarante, Fafe, Famalicão, Monção, Póvoa de Varzim, Barcelos, Espinho, Vila do Conde ou Viana do Castelo, responsáveis por alguns dos festivais de cinema de maior referência nacional, como o Cinanima – Festival Internacional de Cinema de Animação, o FEST – New Directors | New Films Festival, ambos em Espinho, o Curtas Vila do Conde ou o Encontros de Cinema de Viana do Castelo.

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Também na área da formação encontramos uma forte componente na região Norte, com licenciaturas e mestrados por parte de estabelecimentos de ensino como a Escola Superior Artística do Porto, Universidade Católica Portuguesa – Escola das Artes, Universidade Lusófona do Porto ou o Instituto Politécnico do Porto – Escola Superior de Media Artes e Design. Esta história, património, herança e cultura cinematográfica são, pois, na região Norte, parte integrante e indiscutível da sua cultura, e como tal, do seu Património Cultural. Do indiscutível interesse público do estudo, preservação e mediação das suas referências históricas, entre personagens, locais e objetos, salientam-se as salas de cinema, enquanto genius loci por excelência do cinema, que apenas o podem ser enquanto lugares vivos, ativos e em funcionamento, capazes de garantir a continuidade de uma já longa e profícua história, mas para tal, necessariamente em contínua evolução. À parte o indiscutível peso que a defesa, conservação, reabilitação e fruição pública do património arquitetónico, arqueológico e artístico, móvel ou imóvel, representa na ação permanente da Direção Regional de Cultura do Norte, sobretudo através dos monumentos e museus que lhe estão afetos, e cada vez mais reforçada nas áreas do Património Cultural Imaterial, são tão igualmente integrantes da sua atuação a criação artística e sua fruição, das artes plásticas à literatura, da música ao teatro e, inevitavelmente, ao cinema. Contudo, considerando as especificidades próprias da área do cinema, às quais dão resposta nas suas diferentes vertentes e necessidades o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), a Cinemateca Portuguesa, a Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) e, mais recentemente, a Portugal Film Commission, o papel complementar da Direção Regional de Cultura do Norte tem-se concentrado eminentemente nos apoios à produção cinematográfica e iniciativas de divulgação, através do seu Programa de Apoio aos Agentes Culturais (PAAC), e na gestão direta da sala de cinema Henrique Alves Costa, integrada na Casa das Artes (Porto), cuja programação permanente é realizada em parceria com o Cineclube do Porto. Com este N.º 08 da coleção PATRIMÓNIO A NORTE dedicado ao “Cinema: espaços, estudos, instituições e património”, procuramos reforçar o contributo da Direção Regional de Cultura do Norte para a divulgação e valorização do cinema enquanto parte integrante do Património Cultural da região Norte, particularmente pertinente na atual situação de pandemia mundial causada pelo vírus Covid-19, impondo de forma violenta a procura de novas práticas e modelos, tanto na produção quanto no consumo, que garantam a tão necessária continuidade da criação e fruição do cinema enquanto produto cultural.

António Ponte Diretor Regional de Cultura do Norte

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EDITORIAL

Passados apenas 20 meses sobre a publicação do seu N.º 01, em maio de 2019, a coleção editorial PATRIMÓNIO A NORTE entra já no terceiro ano de existência com o seu oitavo número. Explorando temas como casas-museu, pintura mural, centros interpretativos e mediação cultural, ou mais monograficamente, Monumentos Nacionais como o sítio arqueológico de Tongobriga ou o Convento de Vilar de Frades, os seus sete números anteriores permitiram já abordar áreas como a da investigação histórica, arqueológica e etnográfica, conservação e restauro, reabilitação, museografia, mediação, programação cultural e comunicação. Sendo este seu N.º 08 dedicado ao “Cinema: espaços, estudos, instituições e património”, a escolha do momento para abordar o tema da “sétima arte” revelou-se aqui curiosamente pertinente a muitos níveis. Dentro dos já habituais moldes da coleção, pretendeu-se disponibilizar ao leitor uma sequência de textos na “primeira pessoa” que desse a conhecer, neste caso, história, instituições, espaços, património, formação e projetos de divulgação, reabilitação e mediação. Sempre assumida como uma das “amostras” possíveis e apenas representativa de um universo bem mais vasto e complexo, era indiscutível a pertinência do momento pela criação em 2019 da Portugal Film Commission, da Casa do Cinema Manoel de Oliveira pela Fundação de Serralves e pelo arranque das obras de reabilitação do icónico Cinema Batalha, no Porto, tudo isto tendo como pano de fundo o momento histórico que o cinema vive, com o aparente esgotamento do modelo das grandes salas “megaplex”, o afunilamento da distribuição, a escalada dos custos das grandes produções “comerciais”, as crescentes dificuldades das produções “não comerciais” em se financiarem e chegar ao grande público e, sobretudo, da revolução causada pela concorrência das plataformas “online” de “streaming”.

Se este era o cenário em 2019 quando iniciámos a produção desta publicação, ironicamente, instala-se a partir de março de 2020 uma inédita situação de pandemia mundial causada pelo vírus Covid-19, parecendo à partida estarmos perante o “golpe final” no que às salas de cinema dizia respeito. Escrevendo estas linhas em fevereiro de 2021, ainda longe do fim do estado de pandemia e como tal cedo demais para se perceber “o que acontece a seguir”, as opiniões aparentam dividir-se já entre os que adivinham o fim do consumo do cinema como o conhecemos e os que preveem o renas-

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cer das salas de cinema, já não secundarizadas como elemento adicional das grandes superfícies comerciais, mas novamente como espaço por excelência de consumo, discussão e, porque não, de culto do cinema, com programações diversificadas, informadas e desafiantes, umbilicalmente ligadas à criação cinematográfica. Se assim viesse a ser, às poucas históricas salas de cinema que em Portugal sobreviveram aos inícios da década de 1990, ainda que muitas das vezes reinventando-se enquanto equipamentos culturais, poder-se-iam então juntar muitas outras que, embora encerradas, felizmente se conservaram, ainda que a necessitar urgentemente de reabilitação e adaptação às atuais exigências de funcionamento. Seria talvez mesmo, quiçá, o retorno dos “cinemas de bairro”. Se toda esta incerteza serviu de motivação acrescida à publicação deste N.º 08 - “Cinema: espaços, estudos, instituições e património”, a sua produção num contexto de profundas limitações ao nível de deslocações e trabalho presencial, mais que nunca, impõe o agradecimento pela resiliência, esforço, determinação e engenho dos autores, das equipas dos arquivos e fotógrafos no terreno. Numa situação de excecionalidade em que se compreenderia perfeitamente a impossibilidade ou limitação de resposta, não deixa de ser sintomático a sua produção ter envolvido um número absolutamente recorde de colaborações entre entidades gestoras, arquivos, equipamentos culturais, escolas e empresas.

Talvez seja essa a natureza humana, que tal como tem acontecido sempre na história do cinema, das dificuldades faz oportunidades, dos fins princípios e das limitações resistência.

Luís Sebastian Coordenador editorial (coleção PATRIMÓNIO A NORTE)

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1 125 ANOS D E CINEMA R EFLEXÃO


Mário Augusto Jornalista mario.augusto@me.com

Mário Augusto é jornalista de televisão desde 1986, autor e apresentador de vários programas de divulgação cinematográfica nos canais SIC, TV Cine e RTP. Colaborador habitual de jornais e revistas, é também cronista de rádio, tendo desenvolvido grande parte da sua atividade profissional na divulgação e análise do cinema. Trabalhou na Rádio Comercial, Renascença, RDP Antena 1 e foi fundador da Rádio Nova no Porto. Começou como jornalista estagiário no extinto “Comércio do Porto”. Tem colaborado ao longo dos anos em publicações de referencia como o Jornal Público, Semanário Expresso e Seleções do Reader´s Digest. Fundou e dirigiu a revista “Cinemania”, coordenou a publicação em Portugal da série de livros “Os grandes realizadores dos Cahiers du Cinema” publicado pelo jornal PÚBLICO em 2001. Realizou e produziu documentários, tendo assinando também argumentos para televisão. É atualmente quadro da RTP. Como autor escreve para a “Bertrand Editores” tendo já publicado seis livros ao longo dos últimos dez anos.


125 anos de cinema: os primeiros ensaios da arte da Ilusão

Nenhuma arte evoluiu tanto na sua forma de fazer, nem se espalhou tão democraticamente pelo mundo como o cinema. É tão curto o tempo que passou desde a primeira sessão comercial dos irmãos Lumière que se torna apaixonante.

É também uma forma de entender a humanidade, perceber como foi possível chegar até aqui numa entusiasmada conjugação evolutiva das ferramentas tecnológicas com a criatividade que, ao fim de 125 anos, continua com o mesmo principio, mas deixou de ter limites, mesmo quando analisamos um filme, uma narrativa cinematográfica, temos que dar razão ao Jean Luc Godard que dizia: “Num filme não é mais do que uma história com principio meio e fim, não necessáriamente por essa ordem”. Olhar para trás e compreender o aparecimento e evolução do cinema obriga-nos a analisar o contexto histórico dessa revolução que mudou o mundo na viragem para o século XX, diria que a segunda metade do século XIX foram os anos dos desafios e ultrapassar utopias e desenvolver experiências que deram forma aos velhos sonhos. Criar fotografias animadas era uma delas. O mundo vivia circunstâncias impressionantes, no espaço de apenas uma geração, assistiu-se a uma transformação radical e ao aparecimento de novidades, tanto boas como de má memória para a Humanidade, a um ritmo particularmente rápido. As tecnologias transformam hábitos de vida, unificam e globalizam a nossa sociedade e por isso a transição para 1900 veio com imensas alterações sociais e tecnológicas. Tantas mudanças, que se pode dizer que o mundo mudou mais naquela altura, em poucas décadas, do que em centenas de anos anteriores. Ora o engenho desperta a criatividade, dinamiza as mais desinquietas ideias. Criar imagens em movimento foi talvez das mais impressionantes nesse contexto de mudança. Analisem-se, então, as alterações mais importantes entre os últimos 25 anos do século XIX e os primeiros tempos do século XX. Foi a altura em que o ferro foi substituído pelo aço e outras ligas que rapidamente ocuparam lugar na indústria, que assim se transformou também a olhos vistos. O vapor, a energia motora que marcou a produção

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industrial dos séculos XVIII e XIX, passou à história com a novidade da energia elétrica. E não podemos esquecer a importância que o petróleo e os seus derivados começaram a ter no mesmo período, o último quarto do século XIX. Ou seja, o tão importante vapor que criava força e movia engrenagens, máquinas gigantes e complexas, passou a ser útil apenas na cozinha das nossas bisavós com as panelas de pressão. As máquinas movidas a energias novas produziam mais rapidamente, com mais complexidade. Aceleraram-se os transportes, as comunicações, a forma de viver nas grandes cidades. O mundo dos nossos antepassados era limitado e de horizontes curtos, se comparado com a atualidade, mas era muito melhor do que o de duas ou três gerações anteriores. Foi o início de mudanças cada vez mais rápidas e constantes. Já então se falava da necessidade de encontrar novas formas de energia. O primeiro poço de petróleo começou a ser explorado em 1859. A energia elétrica, fora dos laboratórios de Edison e de Tesla, começou a ser produzida em finais do século XIX. O motor de combustão foi desenvolvido por Nikolaus Otto em 1876. Não foi preciso esperar muito para que rapidamente fosse ajustado e adaptado pelo alemão Gottlieb Daimler para poder utilizar a novidade da gasolina. Outro alemão, Karl Benz, continuaria as experiências para que esse motor de gasolina pudesse arrancar e ganhar força motriz com uma simples faísca elétrica. Assim surgiu o primeiro automóvel e tudo ganhou mais velocidade, as distâncias encurtaram-se. Durante mais de mil anos os transportes moveram-se com tração animal. Durante séculos, os barcos galgaram os mares aproveitando a força humana e os ventos da natureza. A utilização eficaz dos motores de caldeira a vapor tinha pouco mais de cem anos. Em 1897, um outro inventor, o senhor Dunlop, dá uma ajudinha ao conforto desses novos veículos, inventando os pneus de borracha. 1900 chegou sobre rodas e até a tentar voar, porque foi também por essa altura, em 1903, que os irmãos Wright, e depois, em 1906, Alberto Santos Dumont, realizaram curtas e bem-sucedidas experiências de levantar voo, conseguindo voar alguns minutos com aeroplanos bem mais pesados que o ar. Nestes números impressionantes das estatísticas, há um outro dado curioso: em 1860, todos os comboios que circulavam no mundo moviam-se a vapor, mas só havia 50 mil quilómetros de carris. Quarenta anos depois, em 1900, os Estados Unidos, por si sós, já tinham instalado 270 mil quilómetros de caminho de ferro. Na Alemanha, 45 mil quilómetros.

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O mundo ficava mais próximo de todas as maneiras. Até já se conseguia comunicar à distância. Graham Bell inventou o telefone em 1876, na mesma altura em que Thomas Edison fazia as suas experiências com a energia elétrica, apresentando com grande êxito, em 1879, a lâmpada de filamento incandescente. Fez-se luz, inovação que foi um sucesso espantoso na Exposição Universal de Paris de 1889, onde se anunciou o milagre luminoso da eletricidade. Na mesma altura, um dos engenheiros de Edison, o austro-húngaro (atualmente, servo-croata) Nikola Tesla, estava a desenvolver um sistema de iluminação para cidades inteiras, com a corrente elétrica alternada que ele defendia como mais eficaz, opção que levou a uma guerra com o antigo patrão, já que Edison apostava tudo na corrente contínua, da qual já retirava considerável rendimento. Como se vai ver mais à frente, Thomas Edison não gostava de ser contrariado ou contestado e por isso é que uns anos depois abandonaria o negócio do cinema, de que tinha sido também um dos grandes empreendedores e pioneiros, antes de essa técnica ser vista como arte, uma novidade que, aliás, tinha sido apresentada ao mundo em Paris, a 28 em dezembro de 1895, com uma projeção de imagens que deixou toda a gente abismada. As inovações tiveram implicações profundas na sociedade, criando melhores condições de vida, uma redução significativa da taxa de mortalidade, perante uma natalidade crescente. Em apenas um século, entre 1800 e 1900, a população mundial multiplicou-se por quatro. A Europa, que, até 1850, não chegava aos 200 milhões de almas, com grande parte em pobreza extrema, passou para, ao eclodir da Primeira Guerra Mundial, 460 milhões. Uma parte seria dizimada pelas duas guerras até 1945. Na primeira década do século XX, os Estados Unidos já eram destino e terra de oportunidades para muitos milhares de emigrantes. Só assim se percebe a explosão demográfica desse país ainda jovem, mas cheio de sonhadores. Em 1900, viviam na América cerca de 76 milhões de pessoas. Em 1920, esse registo já ultrapassava os 105 milhões de habitantes. Nesses 20 anos, chegaram lá 14,5 milhões de emigrantes. Só em Nova Iorque, 40 por cento da população eram emigrantes. Ao chegarem ao Novo Mundo, a Estátua da Liberdade acenava-lhes com oportunidades. Perto de 50 por cento da população vivia nas cidades. Foi o período de maior crescimento dos grandes núcleos urbanos como Nova Iorque, Boston, Chicago, onde se criaram guetos de emigrantes, lado a lado com arranha-céus, aumentando a riqueza industrial numa sociedade de consumo que promovia a estratificação social, mas que dava às camadas mais baixas da população algum dinheiro para gastar em divertimentos, informação e melhoria das condições de vida. O cinema surge num cenário perfeito de evolução, na altura Thomas Edison incitava os seus inventores com uma expressão famosa: “Inquietude e descontentamento são as primeiras necessidades do progresso”.

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OS ENSAIOS DO MOVIMENTO

Para os norte-americanos, a novidade do cinema saiu dos laboratórios de Thomas Edison. Os historiadores não contestam a sua importância, mas na mesma altura assiste-se a um culminar de eventos e soluções que registavam a vida em movimento. A história diz que os primeiros foram os Lumière, mas não só. Vivia-se num clima de inovações constantes e é nesse contexto que se apresenta o cinematógrafo, não ainda como arte, mas como uma geringonça tecnológica que permitia a “magia” de projetar fotografias que se mexiam. Eram uns caixotes de madeira com uma manivela que captavam os movimentos, coisa nunca antes vista. O princípio dessa técnica desde há muito que era testado em diversas experiências de laboratório em áreas tão distintas como a física, a mecânica e a química.

Nos livros de História está escrito que a primeira sessão de cinema comercial decorreu numa noite de inverno, 28 de dezembro de 1895, no salão indiano do Grand Café de Paris. Nessa primeira sessão estavam menos de 40 espectadores, que ficaram tão espantados com o que viram que a notícia correu muito rápido. As sessões seguintes, e foram muitas, esgotaram permanentemente. Pode dizer-se com alguma certeza que essa foi a primeira exibição comercial de imagens projetadas numa sala com espectadores que pagaram um bilhete para ver o futuro, mas não podemos referir com tanta certeza que foram realmente os irmãos Lumière os inventores do cinema. Não podemos sequer dar uma data precisa e o nome isolado de quem inventou o cinema e as maquinetas que o tornaram possível. Os irmãos de Lyon foram os primeiros a mostrar uma solução eficaz de captura e projeção de imagens. Era já muito velho o sonho de registar o movimento, criar uma ilusão de vida e transformá-la em histórias que envolvessem uma plateia curiosa. Os primeiros a criarem essa ilusão num jogo de luz e sombra num ecrã foram cientistas e inventores, exploradores da vanguarda de uma nova tecnologia em desenvolvimento. Chegou-se ao final do século XIX sabendo-se que a vida real poderia ser captada em fragmentos fotográficos que, mostrados a uma certa velocidade, criavam uma ilusão ao olhar que lhes dava ação.

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A NOVIDADE FRANCESA

Como nos filmes, há sempre uma história intrigante. Desde os primórdios do cinema que há um enigma que persiste, um caso de polícia que poderia ter antecipado uns anos o início do cinema. Há mesmo historiadores que entendem que o verdadeiro inventor desta arte não foram nem Edison nem os irmãos Lumière, mas um outro francês, Louis Aimé Augustin Le Prince. Já em pleno século XX, foram encontrados dois fragmentos de imagens que Le Prince terá captado em 1888, dois pedaços de filme que ele registou num jardim a 12 imagens por segundo. Há uma outra sequência filmada a 20 imagens por segundo com movimento de pessoas na ponte de Leeds. Porque será, então, que se fala tão pouco de Le Prince como pioneiro do cinema, anos antes dos irmãos Lumière? Ele terá demorado dois anos a desenvolver e a aperfeiçoar o seu processo de filmagem e projeção, que já usava perfurações na fita que facilitavam a estabilização da imagem. Em 1890, com todas as experiências já feitas e testadas, entrou no comboio em Dijon com a intenção de ir a Paris divulgar a sua invenção. Marcou uma reunião com o secretário da Ópera de Paris para lhe mostrar a invenção e tentar marcar uns espetáculos de demonstração da novidade. Algo de estranho se passou porque, durante a viagem, Le Prince desapareceu sem deixar rasto. Os registos policiais da época referem que o inventor desapareceu a 16 de setembro de 1890, na viagem de comboio entre Dijon e Paris. Nem Le Prince nem o seu precioso invento chegaram ao destino, tudo desapareceu misteriosamente, precisamente quatro anos antes dos dois irmãos de Lyon anunciarem discretamente o que tinham para mostrar. Curiosamente, os Lumière marcaram a sua primeira sessão para uma sala que fica a dois passos da Ópera de Paris. Os irmãos, Auguste e Louis Lumière, estiveram também representados na Exposição Universal de 1889. Eram sócios de umas das mais afamadas casas de fotografia francesas. Edison, no pavilhão americano, além da luz elétrica, tinha, entre os seus inventos, o fonógrafo das imagens. Os Lumière também lá foram espreitar e ficaram impressionados e inspirados com o aparelho de Edison. Saíram de lá a magicar uma ideia melhor. E se os filmes fossem como uma lanterna-mágica em movimento, com as imagens projetadas num grande ecrã para uma plateia repleta de público, e não uma pessoa de cada vez a espreitar por um binóculo? Ficaram a pensar nisso e nos anos seguintes foram desenvolvendo experiências na sua fábrica de Lyon. Em 1894, já tinham o seu sistema de imagens em movimento muito aperfeiçoado e portátil, uma câmara que funcionava à manivela e que era também projetor. Chamaram-lhe “Cinematógrafo”. A sua designação resultava de um outro registo feito anos antes por um outro inventor francês, Léon Bouly, que em 12 de fevereiro de 1892 (e anos antes dos Lumière) registou um aparelho para captar imagens.

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A falta de investidores, além de não lhe permitir desenvolver melhor o seu protótipo, impediu-o inclusive de pagar o registo da patente que iria vender depois aos Lumière. O primeiro filme dos irmãos de Lyon mostrava os trabalhadores a sair da fábrica da família. Sabe-se que fizeram pelo menos 3 registos dessa saída dos operários, há 3 filmes particamente iguais, filmados entre 15 e 19 de março de 1895. No dia 22 foram a Paris apresentar o seu novo invento no comité da Société d´Encouragment pour l’Industrie Nationale. Ao contrário do grande e pesado sistema elétrico de Edison, a sua câmara podia deslocar-se livremente para captar cenas do quotidiano. Na primeira exibição comercial no Grand Café de Paris, na noite de 28 de dezembro de 1895 a arte do cinema chegou a toda a gente e com grande impacto. Foi uma sessão com apenas cerca de meia hora de duração, com nove sequências de imagens e bilhetes a 1 franco para ver a saída do pessoal operário da Fábrica Lumière e a famosa chegada de comboio que assustou toda a gente por acharem que, de repente, aquela locomotiva projetada no pano da parede não ia parar e poderia atropelar a plateia. O que distinguiu estas sessões públicas dos Lumière – que foram, aliás, um êxito que correu mundo e deu que falar na altura – foi a repentina popularidade, ao contrário dos outros inventores e técnicos europeus que estavam a tentar produzir equipamentos que fizessem o mesmo, mas que se limitavam a mostrar esses avanços tecnológicos a uma comunidade de outros inventores e organismos científicos que validavam os inventos. Os Lumière quiserem mostrar logo a novidade e fizeram dela um acontecimento com entretenimento popular. Curiosamente, no início, desvalorizaram a importância do que tinham criado. Um dos espectadores da primeira sessão, Georges Méliès, saiu de lá tão impressionado que pediu de imediato que lhe vendessem uma máquina daquelas para fazer filmes, ao que os Lumière terão respondido: “Olhe que não será boa ideia, Monsieur Méliès... Isto vai funcionar durante uns tempos como novidade científica e, quando muito, vai atrair gente a pequenos espetáculos de feira pela curiosidade. Depois acaba-se...”. Poucos dias bastaram para perceberem que se tinham enganado. O publico parisiense aplaudia com entusiasmo e eles desvalorizavam a importância do que tinham criado. Nessas primeiras sessões parisienses estiveram alguns dos grandes dinamizadores da arte cinematográfica. Méliès foi talvez o mais entusiasmado, mal acabou a exibição ficou tão deslumbrado que referiu depois a um jornalista: - “Nesse espetáculo, ficamos todos de boca aberta, estupefactos, sem palavras, surpresos. No final da apresentação, foi delirante, e todos se perguntaram como se conseguiu alcançar tal resultado”.

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O ESPANTO PORTUGUÊS

A Portugal, as imagens em movimento também chegaram rápido. Desde março de 1895 que estava instalado na Tabacaria Neves do Rossio, em Lisboa, um Kinetoscópio disponível para os curiosos espreitarem as cenas de ação a 100 réis cada visionamento. Foi um sucesso porque consta das notícias que o aparelho estava disponível das 10h00 às 23h00.

Logo no ano seguinte à apresentação da invenção dos Lumière em Paris, a novidade da projeção chegou a Lisboa pela mão de Edwin Rousby. Instalou-se no Real Coliseu da Rua da Palma, arrebatou o público com muitas sessões esgotadas durante um mês. Não era uma projeção muito estável, as imagens tremiam, o filme projetava-se por detrás da tela, num tecido que era molhado para ficar mais transparente. Rousby trazia um equipamento que era uma cópia do Cinematógrafo Lumière desenvolvida pelo inglês Robert Paul. Depois de se despedir com enorme sucesso de Lisboa, rumou ao Porto, onde, durante cerca de um mês, projetou os seus filmes no Teatro do Príncipe Real, hoje de Sá da Bandeira, fez depois sessões em Braga, passou pelas praias de Espinho e Figueira da Foz, dois concorridos destinos balneares.

Na primeira sessão no Porto estava um fotógrafo amador entusiasmado, o Aurélio da Paz dos Reis, conhecido comerciante de flores que não descansou enquanto não se meteu no comboio com destino a França para contactar os Lumière e tentar comprar um daqueles caixotes mágicos, fazendo jus à sua paixão pelas fotografias que se mexiam, mas a verdade é que não conseguiu trazer consigo uma máquina dos Lumière, pois eles recusavam-se a vender o seu invento. Paz do Reis foi então à concorrência (equipamento que seria adaptado por ele já no Porto) e um mês volvido da viagem a Paris, já estava a filmar a saída de operários da camisaria Confiança, a feira de bois da Corujeira e outras situações quotidianas da cidade do Porto e arredores.

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Não se pode dizer que tenham sido um êxito estrondoso essas primeiras projeções de Paz dos Reis no Porto e em Braga, talvez por deficientes condições técnicas, mas foi ele, efetivamente, o primeiro cineasta português. Paz dos Reis ainda fez uma viagem ao Brasil para mostrar o “Kinetographo português”, mas regressaria ingloriamente ao Porto, desiludido, sem que se lhe conheça qualquer filmagem posterior a esta sua incursão mal sucedida ao outro lado do Atlântico. Infelizmente, dessas primeiras fitas que filmou apenas chegaram aos nossos dias pequenos fragmentos recuperados da película de celuloide. Na viragem do século, nós por cá, país de brandos costumes e na época a viver com alguma instabilidade política e social, não andávamos tão empolgados com as novidades. É certo que terá sido um período mágico, com pioneiros fascinantes e também fascinados com esses primeiros anos do cinema, altura em que os norte-americanos começavam a ditar as regras do jogo comercial que envolveria todo o negócio, muito embora fosse a Europa a grande fornecedora de criativos, artistas e realizadores, que realmente encaravam o cinema como uma forma de expressão artística.

No início do século XX, Portugal teve, inclusive, um moderno estúdio de cinema ao nível dos melhores da Europa, a “Invicta Filmes”, no Porto, uma organização modelar, como escreveu num interessante e exaustivo estudo sobre o início do nosso cinema, Félix Ribeiro, o fundador da Cinemateca Portuguesa. Os estúdios ainda mantiveram atividade durante vários anos, mais de uma década, recorrendo a técnicos e realizadores franceses e italianos que produziram dezenas de filmes também distribuídos para outros países. Porém, o projeto da Invicta tornar-se-ia inviável, na medida em que as despesas ultrapassavam as receitas, e pouco antes da chegada do sonoro os estúdios acabariam por encerrar de vez deixando interessantes produções como “Os Lobos”, “Mulheres da beira” ou “Pupilas do senhor Reitor”, hoje obras bem conservadas na Cinemateca Portuguesa.

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O INÍCIO DA HEGEMONIA AMERICANA França, Itália e especialmente a Europa Central e de Leste tiveram grande importância no entendimento do cinema como expressão artística e inovadora, na altura já a América se preocupava essencialmente com o modelo de negócio, mais do que com a arte que representava esta nova técnica de comunicar. Aos poucos no velho continente, a inovação conceptual e mesmo tecnológica foi perdendo fulgor depois de uma década de 20 marcada por uma verdadeira explosão dos novos códigos narrativos. Muitos desses conceitos fariam a gramática do cinema desenvolvida por nomes tão importantes como Murnau, Eisentein, Fritz lang e outros que fizeram uma revolução artística que seria logo esmagada pela guerra muito real que envolveria, numa primeira fase, as potências europeias e depois alastrando ao mundo, deixando a América gerir um negócio de massas que era entretenimento popular. Chaplin diria mais tarde: “Num filme, o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação”.

Na verdade, o cinema como entretenimento de massas foi repensado a partir da América, como uma evolução surpreendente e que seduziu também alguns dos melhores da Europa que começaram a emigrar no período da Primeira Guerra Mundial. Os fundadores improváveis de uma indústria empenhavam-se no crescimento desse negócio, muito pressionados pela guerra das patentes de que saíram reforçados pela vitória nos tribunais contra o “Trust” de Edison, e o negócio rapidamente se expandiu numa procura constante de novas oportunidades. Foi o período do cinema em que a realidade era mais empolgante e criativa do que aquilo que se projetava. A experimentação de modelos de negócio aliada aos novos artistas que testavam novos e mais exuberantes conceitos ia ditando essa evolução. Uma sessão de cinema constava de uma sucessão de curtas metragens alinhadas em sessões contínuas e os empresários começaram a experimentar exibir algumas produções francesas com uma hora de duração e histórias mais envolventes. Os donos das salas de exibição torceram o nariz, por julgarem que esse modelo não lhes interessava muito, mas o público aderiu. O lucro do negocio dava riqueza, mas acima de tudo vontade de gerar mais lucro tendo o controlo criativo das obras apresentadas. Daí começaram a surgir na América os primeiros produtores independentes que antes eram apenas distribuidores e donos de salas de projeção e passaram a entendidos nos conteúdos.

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Foi Adolph Zukor que, como distribuidor, arriscou ao comprar um filme francês de 45 minutos, protagonizado pela lendária atriz Sarah Bernhardt. Pouco depois, Zukor fundou uma produtora, a Famous Players. A sua intensão era poder produzir e exibir seis longas-metragens por ano, o que não era uma meta propriamente fácil, atendendo a que um realizador como Edwin Porter entendia que, então, não havia no mundo talento suficiente para aguentar essas produções. Nessa altura, as companhias de cinema já estavam de malas aviadas a caminho do Oeste, até Los Angeles, terras distantes e ainda pouco urbanizadas, com extensos terrenos disponíveis para a instalação de novas indústrias. Em 1898, uma equipa da organização de Thomas Edison tinha filmado a cidade, registando imagens de pomares e laranjais, a abundância de terreno agrícola e as grandes paisagens a perder de vista.

Em 1907, os primeiros cineastas começaram a filmar cenas com atores no Sul da Califórnia. O primeiro a estabelecer-se nas imediações foi o “Coronel” William Selig, antigo empresário de espetáculos de ilusionismo e de canções em Chicago, que montou o primeiro estúdio independente a leste da cidade de Los Angeles, a Selig Polyscope Company. Outras produtoras instalaram-se mais a norte, em Santa Bárbara, mas as sedes das empresas de produção continuavam ainda em Nova Iorque. MAGNATAS IMPROVÁVEIS Tal como aconteceu com os vários pioneiros do cinema americano, quase todos imigrantes que viram o potencial negócio no cinema, Samuel Goldfish foi um dos que se encantaram quando assistiram às primeiras imagens projetadas. Nascido em Varsóvia, na Polónia, numa família pobre, Goldfish, cujo verdadeiro nome era Schmuel Gelbfisz, atravessou a Europa à boleia e a fazer biscates, depois apanhou o barco para o Canadá e, como gostava de contar, foi mesmo a pé que chegou a América, atravessando a fronteira com o Canadá, acabando por se tornar num bem-sucedido vendedor de luvas. Um dia, numa viagem de negócios a Nova Iorque, entrou numa sala de cinema e foi aí, num ambiente que cheirava a uma mistura de suor e amendoins torrados, que viu o seu primeiro filme. No caminho de regresso a casa decidiu que ia meter-se naquele florescente negócio. O irmão da sua namorada, Jesse Lasky, um ator de teatro de comédia, tal como muita gente dos palcos, desprezava a nova moda das imagens em movimento, que achava que seria passageira, mas Goldfish era muito teimoso e determinado. Acreditando cegamente na sua ideia, acabou por convencer Jesse Lasky a iniciar com ele o negócio da produção de filmes, trazendo igualmente para a sociedade um amigo de Lasky chamado Cecil B. DeMille, um empenhado dramaturgo e por vezes ator que dizia estar disposto a mudar de vida, mas não necessariamente para se dedicar ao cinema. Juntos, fundaram a Jesse L. Lasky Feature Play Company, embora, até então, não tivessem rodado um único filme.

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DeMille, para perceber como era o negócio em que se metera, foi até aos estúdios de Edison no Bronx para aprender os segredos do processo. No regresso, em conversa com os sócios, disse: “Se é assim que se fazem filmes, então eu serei rei...” E, de facto, alguns anos depois, Cecil B. DeMille viria a ser um dos mais importantes nomes de Hollywood, ao produzir e realizar filmes marcantes da era de ouro do cinema, tais como “Os Dez Mandamentos”, entre outras grandes produções. Os novos sócios, para início da atividade, adquiriram os direitos duma peça de teatro, “The Squaw Man” (O Exilado). Cecil B. DeMille seguiu com a equipa de comboio para a costa ocidental, para filmar em Flagstaff, no Arizona, mas a paisagem que encontrou não correspondeu às suas expectativas. Como as condições climáticas também não permitiam a rodagem de exteriores, foram procurando localização mais favorável ao longo da linha de comboio, até chegarem à última estação, que era a de Los Angeles. Assim, duas semanas depois de ter começado a viagem, DeMille enviou um telegrama a Jesse Lasky, que continuava em Nova Iorque: “Flagstaff não interessa. Estou na Califórnia. Autorizem-me a alugar uma quinta num sítio chamado Hollywood por 75 dólares por mês. Cumprimentos ao Sam. Cecil.”

Esse telegrama pode ser visto como a certidão de nascimento de Hollywood e é acima de tudo o princípio de um modelo de cinema global. É verdade que as grandes tendências e escolas nasceram de outros países e cineastas que marcam a evolução do cinema como grande arte aglutinadora de conceitos e mensagens. Hoje já se vê o cinema como produto artístico de áudio visual global, Hollywood é apenas um carimbo, mas um meio canalizador de uma indústria que é Arte.

Já que estamos a lidar com o universo da imaginação, há um exercício curioso que se pode fazer e que daria um interessante argumento – porque cinema são histórias, certo? - Trazer ao Porto de hoje o Aurélio Paz dos Reis para o levar ao cinema e depois ficar o resto do dia a conversar sobre como isto evoluiu. Ou então apanhar boleia na máquina do tempo e passar pelos estúdios de Meliés em Paris, levar no bolso um smartPhone, chamar o senhor George Meliés ao lado, mostrar-lhe a "Guerra das Estrelas" e dizer-lhe: “Veja só no que isto deu...” e só passaram 125 anos.

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2 CINEMATEC A PORTUGUESA I N STI TUI ÇÕES


José Manuel Costa Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema cinemateca@cinemateca.pt José Manuel Costa, Diretor da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema desde 2014. Licenciado em Engenharia Eletrotécnica, desempenhou várias funções na Cinemateca desde 1975, entre elas a de responsável pelo projeto e a edificação do ANIM (Departamento Arquivo Nacional das Imagens em Movimento). Foi membro do Comité Executivo da FIAF (Federação Internacional de Arquivos de Filmes) em 1993-1995 e Presidente do Comité Executivo da ACE (Association des Cinémathèques Européennes) em 1991-1998. Ensinou na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1989-2019). Fundou o Doc’s Kingdom - Seminário Internacional de Cinema Documental, que dirigiu entre 2000 e 2010. Entre outros escritos, é autor/editor de monografias sobre David W. Griffith, Robert Flaherty, Joris Ivens e Cinema Indiano, e coautor de obras sobre Frederick Wiseman e Cinema Chinês.


A Cinemateca no presente e no futuro próximo

O MUSEU E O PATRIMÓNIO COMO PARTE INTEGRANTE DOS DESAFIOS DA ATIVIDADE DE CINEMA EM PORTUGAL NOS PRÓXIMOS ANOS O título deste artigo evoca o de um outro que, em 1983, foi publicado numa edição comemorativa dos 25 anos das primeiras atividades públicas da Cinemateca, e que coassinei com o então Subdiretor da instituição, João Bénard da Costa. “Cinemateca hoje, Cinemateca amanhã”, chamava-se esse outro texto, que, em complemento de uma visão retrospetiva assinada pelo Diretor, Luís de Pina, abordava o momento e as expectativas de futuro da “nova Cinemateca”, que tinha nascido três anos antes, com outra designação (Cinemateca Portuguesa, em vez de “Nacional”), e com autonomia, personalidade jurídica e instalações próprias. Nessa altura, com o ímpeto desse (re)nascimento, com o arranque da nova sala da Rua Barata Salgueiro e com a incerteza que ainda se vivia quanto à concretização do projeto ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, o renovado setor de conservação cuja edificação só seria desbloqueada em 1986), havia já muito a dizer sobre a transformação entretanto operada, mas havia tanto ou mais sobre as esperanças e as dúvidas quanto ao futuro imediato. Hoje sabemos que o que estávamos a viver era mesmo o começo de uma segunda idade da Cinemateca, que, perto de três décadas depois – quando se encerrou, com a sua morte em 2009, o mandato de direção de João Bénard da Costa - era um organismo muito diferente, com estruturas atualizadas e com uma implantação na vida cultural do país e no panorama internacional sem comparação com o que ocorrera até 1980. Em 1983, porém, quando esse livro foi publicado, o otimismo era ainda muito temperado pela falta de um quadro de apoio à altura dos planos traçados e da prática cultural entretanto iniciada. Tínhamos uma ideia de futuro, mas iríamos lá chegar?

Ocorre-me lembrar esse momento porque não deixo de sentir um eco desse duplo sentimento na fase que hoje atravessamos. No termo de uma década (2010-2020) que se iniciou sob forte instabilidade e redução dos apoios estruturais ao funcionamento da instituição, mas uma década em que, por outro lado, se redesenhou o seu rumo estratégico para enfrentar um novo contexto e se deram passos significativos em direção ao que poderá ser a Cinemateca futura, esta é de novo uma casa em transição, que busca um quadro estrutural adequado a esses projetos e a essa adaptação. Com todas as incertezas que acompanham tais momentos, mas também com a esperança e o empenho que os marcam, o que afirmamos é a vontade absoluta de manter as

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linhas identitárias que construímos até aqui, e, em paralelo, responder aos desafios deste outro tempo. Até que ponto isso poderá vir a ser concretizado em todo o seu potencial, só os próximos anos o dirão. O que isso quer realmente dizer - o que está em causa nesta transição -, é então o assunto deste outro texto, sobre o nosso presente e sobre uma ideia de futuro.

Sítio eletrónico em linha da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, I.P. (www.cinemateca.pt/)

Plataforma em linha “Cinemateca Digital”. (www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital.aspx)

Plataforma em linha “Gestos & Fragmentos”. (www.cinemateca.pt/Cinemateca/Destaques/GestosFragmentos-filmes,-outras-pecas-museogr-(1).aspx)

“ADAPTAR-SE” NÃO É “SEGUIR”. INDÚSTRIA E MUSEOLOGIA Coincidindo com o fim de um ciclo interno, a passagem da primeira para a segunda década deste século foi um momento de clarificação de mudanças contextuais decisivas com incidência neste trabalho. Dentre todas, o fecho da abóbada da cadeia industrial de produção-distribuição-exibição digital no nosso país, com a conversão da maioria das salas ao padrão de exibição D.C.I. 1, foi a mais evidente, marcando uma fronteira clara na história desta arte, que surgia no termo de um longo período de transformações e que, em ritmos diferentes, se tornava agora global. Com ela, e com pequenas variantes de datas, a expressão que tantas vezes aplicámos ao século XX quando lhe chamámos o “século do cinema”, passará

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doravante a querer dizer o “século do cinema analógico”, o que, na futura historiografia não será nuance secundária (passe aquilo que para alguns é a tautologia dessa outra expressão e que não cabe abordar neste texto).

Perante esta fronteira, o que cabia às Cinematecas? Seguramente adaptar-se à nova tecnologia na medida em que, como sempre, é a criação – e, no cinema, a produção industrial, começando com a produção dos equipamentos e tudo o que está associado às mutações tecnológicas – que dita o que há que conservar e divulgar. Mas rapidamente se percebeu que, neste caso, o polo oposto desse – a necessidade de resistir à adaptação enquanto mera conversão – viria também a ter uma importância inédita. Claro que, ao longo do século passado, a impaciência tecnológica que acompanhou o cinema sempre fez das cinematecas recolectores de equipamentos ou processos descontinuados, que nalguns casos só aí sobreviveram, e noutros nem aí foi possível manter em funcionamento, sendo estes últimos remetidos para uma vida semiadormecida nas prateleiras de alguns museus. O facto é que, desta vez, caso estes organismos se dispusessem apenas a seguir o caminho da indústria, e se todo o seu funcionamento se pautasse doravante pelos exclusivos critérios materiais dela, o que agora se extinguiria sob os nossos olhos seria, não apenas a experiência exata deste ou daquele processo, mas a própria experiência sensorial do cinema como um todo (o processo fotoquímico), tal como fora inventado no final do século XIX e praticado ao longo de todo o século seguinte. Mais do que isso, a perda desta experiência acarretaria uma incomensurável perda na compreensão futura do grande cinema assim produzido, fruto da indissociabilidade entre qualquer arte e a base material, tecnológica, em que assenta. Senão na sua essência, o problema era novo na sua dimensão, levando muitos a descrer na simples exequibilidade de uma solução global para ele, e, por arrasto, a desvalorizá-lo. Mas se as dificuldades práticas se agigantavam perante nós, a relevância conceptual, doutrinária, do problema não se impunha menos, sendo aliás evidente que até a forma como eram vistas as dificuldades tinha já a ver com a maior ou menor importância que era dada ao problema, com a maior ou menor vontade de enfrentá-lo, e, naturalmente, com a escala das vontades que pudessem vir a juntar-se para resolvê-lo. Tal como na génese do movimento de criação destes organismos na década de 30 do século passado (quando vieram responder ao abandono material do acervo da grande arte do mudo por parte da indústria), o que as cinematecas enfrentavam agora era uma questão de fundo ligada à sua mais básica razão de ser. Quer o vissem como tal ou não, quer o tenham explicitado como tal ou não e qualquer que tenha sido – ou esteja a ser – a resposta prática a ele, este era, e é, o tempo de uma decisiva clarificação museológica. Ou, mais rigorosamente, o tempo para assumir a função museológica e para a repensar num espectro de intervenção muito mais largo do que aconteceu até aqui.

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A questão do destino do acervo analógico do século XX e do modo como doravante nos iríamos relacionar com ele tornou-se assim um primeiro ponto a esclarecer numa nova agenda para as cinematecas - uma pedra de toque das posições de cada instituição, e, a prazo, do seu movimento. Por outro lado, não é de facto mais do que isso – um primeiro ponto –, na medida em que, começando com a forma como as orientações de fundo sobre isso podem ser aplicadas, e continuando com a necessidade de resposta ao novo ambiente digital, o que temos pela frente é uma sucessão de desafios em cadeia, que obrigam cada organismo e o conjunto deles – enquanto corpo interligado – a redefinir o seu horizonte de ação. Em Portugal, repito, a perceção disso veio coincidir com uma mudança de ciclo na Cinemateca Portuguesa, em que os próprios resultados do ciclo anterior – a criação de novas infraestruturas, os ganhos na preservação analógica do cinema português, o impacto da atividade de programação… - se tornaram relevantes para pensar a fase seguinte. A junção de todos estes fatores, essa, foi o que esteve na base de um exercício de redefinição estratégica, do qual a primeira expressão foi o documento “A Cinemateca em contexto de mudança” apresentado em 2014 2, um exercício cujas ideias de fundo começámos logo a aplicar, mas que em vertentes importantes está por concretizar. Abordemos então essa transição em curso, fazendo-o em torno de três grandes desafios: o desafio do contexto digital em si mesmo, o desafio do (e ao) público e o desafio do país.

O DESAFIO DO CONTEXTO DIGITAL: AS CINEMATECAS NOS DOIS EXTREMOS DE UM NOVO ESPECTRO DE ATIVIDADE MUSEOLÓGICA Quanto ao problema de fundo da conversão da indústria ao digital, a primeira resposta da nossa cinemateca foi a enfatização clara do que temos chamado o princípio da consentaneidade tecnológica, a saber, que os arquivos devem velar por que as obras sejam conservadas e legadas às gerações seguintes nos suportes tecnológicos em que nasceram. Com a consciência de que não se trata de reproduzir indefinidamente todos os processos e todas as variantes que marcaram a evolução da indústria ao longo da história, o que está em causa é tentar manter o acesso aos filmes no seu ambiente tecnológico de origem, cientes de que, na transição analógico-digital, o que ocorreu foi a alteração radical desse ambiente. Na prática, isto implica não só continuar a garantir a conservação e a reprodução das obras de acordo com a respetiva natureza de base, mas também, no que concerne o analógico, e como dito acima, garantir a manutenção da cadeia infraestrutural e do “know-how” que o fez existir. Na Cinemateca Portuguesa tínhamos um bom ponto de partida para consegui-lo a curto ou médio prazo, mercê da edificação do ANIM, com o seu laboratório próprio, e da renovação dos equipamentos de exibição da sede. Restava (resta) então a imensa tarefa de garantir o funcionamento de tudo isso a longo prazo e, ao mesmo tempo, erguer toda uma nova estrutura de arquivo e exibição dedicada ao património que está a nascer agora, ou seja, aos novos suportes digitais de alta definição.

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Hoje, esta dupla exigência, inerente a todas as cinematecas que são também arquivos no pleno sentido da palavra (como, do nosso ponto de vista, nenhuma pode deixar de ser), está longe de estar satisfeita entre nós em toda a extensão necessária, tendo sido sacrificada pela fortíssima redução dos apoios financeiros do início da década que findou, e pela lenta e ainda insuficiente recuperação posterior. Em resultado disso, se a cadeia de preservação-exibição analógica enfrenta dificuldades sensíveis (por exemplo na área do laboratório de restauro, para o qual se aguarda novo enquadramento orgânico, mas também na área da projeção pública, cuja sustentabilidade é em si mesma um crescente desafio), a implantação de uma cadeia de arquivo digital de alta definição tendente à preservação desses outros suportes a longo prazo, essa, só agora está a dar os seus primeiros passos, e está a dá-los num quadro interno frágil, tendo em conta as limitações do organismo no seu todo.

Dito isto, há contudo muito mais a dizer sobre a aplicabilidade daquele princípio geral neste contexto em mutação acelerada, sobre o que ele quer realmente dizer e sobre as inúmeras consequências geradas neste campo pelo novo contexto industrial. À cabeça, e mesmo sem entrar em conta com incógnitas maiores 3, a vontade de manter viva a tecnologia fotoquímica – justamente enquanto critério museológico e não manifestação de uma qualquer nostalgia – só faz sentido se acompanhada de total pragmatismo, donde, relativização. Legar às gerações vindouras o acervo histórico e a experiência analógica é um objetivo que implica compreender que essa experiência passará inevitavelmente a ser feita em ambiente restrito, nas próprias instituições museológicas, que, aliás, para que o consigam fazer, tornar-se-ão cada vez mais interdependentes. Qualquer que tenha sido até hoje o grau de centralização da atividade de cinemateca, nesta área esse grau não deixará agora de aumentar, em função da drástica diminuição do número de salas apetrechadas com meios próprios para uma tal tarefa. A experiência analógica será doravante especializada e, por inerência, minoritária, ao mesmo tempo que se converterá num dos fatores identitários das entidades que a proporcionam. Por este movimento centralizador, estas entidades aproximar-se-ão então ainda mais dos museus de artefactos artísticos (a instauração de uma aura das cópias em película e da projeção fotoquímica), sendo porém igualmente inevitável, como veremos, um claro movimento de sentido oposto, que, num outro plano, vem responder às mesmas mudanças contextuais. Abordando este pragmatismo quanto ao analógico, há que reconhecer que ele tem de começar dentro das próprias cinematecas, sob pena de estas serem amputadas da função básica de divulgação do património mundial. Quem tem frequentado as nossas salas sabe que, ao longo dos últimos anos, a exibição de títulos da era analógica passou a incluir tanto cópias analógicas como digitais de alta definição, e sabe em particular que (embora, mesmo aí, sem separação absoluta) a política de exibição revela

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Cinemateca Júnior: espetáculo de sombras (2012, Cinemateca Portuguesa©).

Cinemateca Júnior (2012, Cinemateca Portuguesa©).

hoje diferenças entre o que fazemos com o património português e estrangeiro. Dispondo há duas décadas de um laboratório de restauro fotoquímico, e tendo (antes e depois da criação desse laboratório interno) promovido uma política continuada de preservação analógica do cinema português, a Cinemateca está muito mais capacitada para respeitar a tecnologia original no caso deste cinema do que para fazer o mesmo com o património de outras proveniências. Em relação aos clássicos estrangeiros, e por várias razões diferentes que no fundo se conjugam na emergência de um mercado do património (que não nasceu com o digital, mas que este catalisou), o acesso a cópias de qualidade na tecnologia original é hoje muito mais limitado. Sabendo-se bem que a dimensão da coleção estrangeira residente nunca permitiu nem permitirá que esta cumpra por si só a função básica de programação diversificada que se tornou aqui também identitária, aceitámos portanto essa alternância de suportes, optando por identificar cada caso e, desse modo, complementando a pedagogia do suporte original com uma pedagogia da confrontação. Se estamos agora a assistir às consequências do triunfo industrial da tecnologia digital sobre a tecnologia fotoquímica, e se esse triunfo tem como primeiro efeito alterar o padrão cultural de “boa imagem” que cada tecnologia dominante estabelece, os museus de cinema serão de facto doravante o lugar em que esse confronto ainda poderá ser feito, através de uma experiência e de um debate em que, justamente, o que conta não é um suposto critério uniforme de “perfeição”, mas a acentuação das características únicas de cada tecnologia e o potencial estético de cada uma. Outra face deste novo contexto de acesso ao património é a forma como temos agora de olhar para a mencionada coleção estrangeira residente (as cópias de filmes estrangeiros aqui conservadas, cujo destino, nos casos em que detemos a estrita propriedade física desses materiais, nos cabe reger). Por inerência limitada a suportes fotoquímicos, cuja tiragem para circulação alargada cessou com o fim da distribuição baseada nesses suportes, uma tal coleção tornou-se, essa sim, num ápice histórico e

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praticamente na totalidade, um acervo de artefactos insubstituíveis. Na verdade, para a grande maioria das obras cinematográficas em causa, a mera hipótese de essas obras continuarem a ser experimentadas dessa maneira no nosso país, e sobretudo o horizonte temporal em que tal poderá acontecer, são questões que passaram “apenas” a depender dos cuidados com que conservamos e dos critérios com que utilizamos cada uma dessas cópias. Enquanto objetos física e quimicamente passíveis de desgaste e transformação, e agora não reproduzíveis (pelo menos para este efeito), independentemente do seu estado físico ou químico atual e da boa conservação que tiverem, estes converteram-se já portanto em objetos de uma museografia estrita, que, mesmo nas salas da Cinemateca, passaram a ser sujeitos a regras de utilização conformes com um tal estatuto. E se, em geral, por condição de depósito ou aquisição, nunca tinham antes sido materiais de circulação externa, qualquer utilização a esse nível tornou-se agora ainda mais excecional, seja pela raridade das infraestruturas que as podem acolher seja pelas condições técnicas precisas em que poderão ser usadas. Os restantes desafios nascidos deste novo contexto são de natureza diferente e em muitos sentidos oposta à dos que acabo de referir. Voltando ao património do cinema português e às missões que temos para com ele, a própria forma como descrevi o que será doravante o contexto da experiência analógica traz implícita a consciência de outras responsabilidades. Para nós (como para qualquer cinemateca em relação ao respetivo património nacional), sendo o cinema português aquele que está ao nosso alcance reproduzir, é naturalmente esse que é objeto de um compromisso de salvaguarda plena, ou seja, o de garantir a contínua sobrevivência e “acessibilidade pública das obras”. Ora, se é verdade que a manutenção integral da cadeia fotoquímica envolve, por inerência, a exibição pública analógica dos filmes produzidos nesse suporte, um requisito de acessibilidade ampla deixou já de fazer sentido por essa via. Num ambiente essencialmente digital, o que se espera dos arquivos é a disponibilização das obras do período analógico em suportes digitais. Donde, sendo a garantia de acesso público uma outra missão intrínseca da Cinemateca enquanto arquivo nacional, não há como não enfrentar – naquilo que, na área do cinema, não hesitaria chamar um âmbito museológico lato – a necessidade de equilibrar isso com o princípio da consentaneidade, num contexto em que as duas coisas, em grande parte, deixaram de poder coexistir “nos mesmos locais”. Facultar o acesso ao património analógico do cinema português na tecnologia digital de alta definição, e, por consequência, promover a digitalização desse património, eis então outro inevitável desafio do organismo, e, de novo, algo que incluímos como um dos pontos da clarificação estratégica operada em 2014. Perceber que este segundo desígnio “não substitui” o primeiro (a manutenção da experiência tecnológica original) é tão importante como perceber a sua razão de ser, e, até, no limite, o seu contributo para a compreensão e a sustentabilidade do primeiro.

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Numa perspetiva histórica de longo prazo, o provimento do acesso a este património do século XX no atual padrão industrial de alta definição poderá ser visto como necessidade “conjuntural”, tendo em conta o ritmo com que evoluem os suportes de imagem eletrónica. Porém, e sabendo quanto é também vital para esta indústria um mínimo de padronização, o que é novo aqui, desde o aparecimento dos primeiros formatos de imagem digital, é a clara noção de que se atingiu um nível de resolução genericamente compatível com a “citação” do formato de 35mm no “grande ecrã”, levando a acreditar que uma migração massiva com esta resolução poderá sustentar a exibição de tais filmes também “em sala” nas décadas imediatas. O desígnio torna-se assim estrutural, sendo agora o único que pode viabilizar um conhecimento muito alargado deste acervo histórico por parte das gerações mais próximas, ou seja, aquilo que pode vir a ser fundamental (a par da fundamental experiência museológica estrita…) para manter vivo o conhecimento, o impacto e o papel formativo desse cinema a mais longo prazo. Fazê-lo pela mão da Cinemateca não implica uma colagem absoluta aos critérios de migração que estão a ser usados por alguma indústria, sendo aliás crucial, mesmo aí, afirmar a autonomia do propósito museológico contra a banalização do conceito de “restauro”, arvorado, como operação de “marketing”, no que foi já por vezes a “transformação” efetiva das obras. Mas fazê-lo pela mão da Cinemateca não implica um esforço unilateral ou alheado do mercado, além Sala M. Félix Ribeiro, Cinemateca Portuguesa, Lisboa (2003, Cinemateca Portuguesa©)

do mais porque um dos seus fundamentos é precisamente o de responder às carências de um parque de exibição que é também um mercado. Nas condições estruturais do nosso cinema, o que se trata é antes de servir um objetivo cultural mais lato estimulando esse mercado, com o qual há que promover a indispensável articulação. O alvo, insiste-se, foi definido, e o caminho começou a ser percorrido. Mas, como tudo nesta outra área, o arranque foi até agora muito limitado pelos meios existentes, e o que se procura é a viabilização de um plano global, consistente e calendarizado – não apenas soluções minoritárias, como a que foi entretanto também possível aprovar através de outros projetos cofinanciados com algum significado para o

Sala Luís de Pina, Cinemateca Portuguesa, Lisboa (2003, Cinemateca Portuguesa©).

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mesmo objetivo.


Departamento ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento), Bucelas - depósito para filmes de nitrato de celulose (1996, Cinemateca Portuguesa©).

Departamento ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento), Bucelas - centro técnico (1996, Cinemateca Portuguesa©).

Departamento ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento), Bucelas - laboratório de restauro (2012, Cinemateca Portuguesa©).

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Por outro lado ainda, é evidente que nem esta migração terá doravante a “sala” como único objeto nem a Cinemateca deverá alhear-se da sua potencial utilização por outros meios. Se a receção das obras na miríade de outros canais a que a imagem digital hoje chega não é “a experiência do cinema” – em rigor, pelo menos, a experiência “desse cinema”, que foi pensado e produzido para a concentração e o ecrã da sala de projeção – só há que aproveitar o inesgotável potencial desses canais para os fins complementares do conhecimento e da análise. Edição DVD/Blu-ray, disseminação pelo cabo, VOD, plataformas de “streaming” sob múltiplos regimes e acessíveis por múltiplos meios, tudo isso e o que nessa área se vier a desenvolver, conjugado com o potencial da web para o acesso à distância e a constituição de redes, é hoje o suporte de uma imensa periferia que as cinematecas devem partilhar, individualmente e como um todo. O que pode ser utilizado deve ser utilizado, e, como suporte de conhecimento, esta imensa irradiação potencial de imagens e de dados é já hoje uma outra base de intervenção destes organismos – uma base em que eles já avançaram, com ritmos muito diferentes, mas da qual ainda estaremos todos longe DVD “Jornal Português: Revista Mensal de Actualidades 1938-1951” – Edições Cinemateca (2015, Cinemateca Portuguesa©).

de vislumbrar os limites. Aí, estamos nos antípodas da museografia estrita e da própria experiência da sala (qualquer que seja até o suporte utilizado nela), entrando em áreas que, acima de tudo, só podemos de facto ver como “complementares” dela. Que não haja sombra de dúvida: o ato de visionamento coletivo do filme em sala de projeção é o ato consubstanciador da atividade de cinemateca por excelência, para não dizer do que ainda entendemos por cinema “tout court” – e, neste sentido, algo que ultrapassa mesmo o problema da transmissão do cinema da era analógica. Esse é o ato

para o qual convergem e em torno do qual se organizam todas as nossas demais vertentes identitárias, da conservação e restauro à divulgação patrimonial em sentido lato e à disseminação de conhecimento. É aí que decorre a experiência cognitiva e emocional (e, como sempre em arte, cognitiva “porque” emocional) que justifica a contextualização e a análise e sem a qual estas não teriam objeto. Mas se, desde os seus inícios, as cinematecas foram também o lugar da contextualização dessa experiência, esta miríade de caminhos novos que nos podem levar à descoberta de uma obra ou, inversamente, a viajar para além dela, não deve ser vista como exterior à museografia de cinema, sendo, pelo contrário, um alargamento do seu horizonte. Entre a vivência da sala e esta outra prática “desterritorializada”, o que está em causa é, apenas, a redefinição do espectro potencial desta museografia. Um espectro cujos extremos podem e devem ser ocupados, com a condição de sabermos o exato papel de ambos. E um espectro em que, em todas estas novas vertentes, a Cinemateca Portuguesa percorreu já algum caminho, que poderá ser continuado em função dos meios (financeiros, materiais, humanos) que lhe forem concedidos, assim como da adequação do seu enquadramento orgânico.

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O DESAFIO DO (E AO) PÚBLICO

Com quem dialoga hoje uma cinemateca? Quem são os potenciais interlocutores dela, usufruidores da sua atividade e dos seus serviços? Sabendo que essa entidade heterogénea e sempre em transformação que é o “público” é ao mesmo tempo algo que acolhemos e que suscitamos, de que modo, na relação com ela, há que combinar a necessidade de nos adaptarmos a ela e de a desafiarmos? No início da década de 2010, quando pressentimos que teria de estar em causa um novo ciclo do organismo, tornava-se claro que muita coisa havia também mudado, entretanto, desse outro lado. O público que convergira na nossa sala de projeção a partir de 1980 e ao longo das duas ou três décadas seguintes era uma mistura de gerações com marcas comuns, que julgo bem identificáveis: partilhando um gosto pelo cinema previamente adquirido e consolidado, tinham da história dele referências óbvias, às quais correspondia porém um contacto direto com as obras muitíssimo lacunar. Três décadas decorridas, essa comunidade que se formou na sala da Barata Salgueiro – e que no início foi também a que frequentou os ciclos da Fundação Calouste Gulbenkian – era agora um público com o qual havia que dialogar tendo em conta a própria experiência ali adquirida, ou seja, facultando-lhe ao mesmo tempo a continuação dessa experiência e matéria para interrogá-la. Por outro lado, a estas gerações acrescentavam-se já outras cuja relação de partida com aquela história era totalmente distinta. Não tendo vindo da cinefilia tradicional, não tendo sido espectadores naturais nem do período clássico nem do que nos habituámos a chamar “cinema moderno”, estes outros eram os obreiros da nova cinefilia – a que era construída a partir de experiências díspares, onde a “sala” convivia com muitas outras fontes que iam da ação formativa então levada a cabo por alguma televisão até ao vídeo e à internet. No exato oposto das gerações que mencionei antes, descobriam a história do cinema numa era de proliferação de suportes apropriáveis, não lhes sendo difícil ter algum rápido contacto com um grande número de filmes, mas confrontando-se com eles sem as referências dos seus predecessores. A confluência de um amplo leque de gerações não era obviamente inédita, e qualquer museu de arte sempre conviveu com ela. Nesta arte jovem, contudo, nunca a perceção real das clivagens com isso relacionadas se terá revelado tanto quanto nestes inícios DVD “Lisboa, crónica anedótica, Leitão de Barros” – Edições Cinemateca (2017, Cinemateca Portuguesa©).

do novo século. Foi então a noção dessas clivagens, por sua vez somada à consciência de que, nesse intervalo de poucas décadas, o gosto pelo cinema em si mesmo tinha deixado de ser um fenó-

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meno de (quase) geração espontânea, que esteve na base de uma grelha de programação das salas da Cinemateca com algumas explícitas mudanças. Pensada depois de anos decisivos no encontro com aquele público anterior (que o contexto histórico em Portugal tornou porventura mais homogéneo), e experimentada ao longo desta última década, a nova grelha visou manter os traços identitários da precedente e, a pouco e pouco, instilar neles outros modelos, que, mesmo se obviamente abertos à convivência de todas as gerações, nasceram a pensar no diálogo explícito com algumas delas. A título de mero exemplo, a criação dos ciclos/seminários “Histórias do Cinema” ou da rubrica “Inadjectivável” (esta convidando à visão de obras do cânone clássico e moderno fora da ideia de “ciclo”) resultaram diretamente da vontade de criar novas portas de entrada ao grande cinema do século XX a quem não partilhou a experiência anterior. Hoje, em cada mês de exibição, assim como à escala de um ano de sessões, um dos nossos critérios de programação é o que visa explicitamente abordar essa gama variada de públicos, assim como todos e cada um dos visitantes pontuais que ainda não o são. DVD “Dois filmes de Rino Lupo: Mulheres da Beira (1922) e Os Lobos (1923)” – Edições Cinemateca (2017, Cinemateca Portuguesa©).

No campo dos interlocutores potenciais, duas áreas bem definidas acusaram, nestas últimas décadas, evidentes transformações. Uma é a do agora profuso universo dos estudantes de cinema e audiovisual. Atentando no facto de o boom dos cursos especializados em território nacional ter em boa parte coincidido com o desmoronamento do parque de exibição cinematográfica no país em termos de cobertura geográfica e diversidade de programação, não podemos deixar de sentir que essa é uma área em que há que fazer mais, seja “pela” Cinemateca seja “com” a Cinemateca. Nela, e não descurando a articulação com esse universo que já hoje fazemos nas nossas salas, a resposta estará, em boa parte, na promoção do acesso descentralizado ao património, que abordo no capítulo seguinte. A segunda é então a vastíssima área do público infantojuvenil, que coincide hoje com o público escolar nos níveis básico e secundário. Não sendo de modo nenhum um objeto de atenção novo para as cinematecas, apeteceria dizer que esse foi o campo em que tudo mudou, tendo em conta que, mais uma vez no espaço de poucas décadas, o cinema deixou de ser uma componente quase automática do crescimento e da formação de indivíduos e comunidades, como apesar de tudo o foi, mesmo em Portugal, para algumas camadas significativas da sociedade, num longo período do século anterior. Sentindo, como qualquer cinemateca, a urgência da área, demos-lhe já inequívoca resposta, seja através de serviços próprios (a Cinemateca Júnior, lançada em 2007), seja através de parcerias e da integração em projetos maiores, como é o caso da parceria com a Associação Os Filhos de Lumière, da integração nos projetos internacionais CinArts e CINED (este último agora coordenado a nível europeu pela Cinemateca Portuguesa), e ainda, com óbvio relevo estratégico, da integração no Plano Nacional de Cinema. Mas se vontade não nos falta, há que reconhecer que também aqui os meios estão longe de corresponder a essa importância estratégica,

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como se constata, antes de mais, pela dimensão e capacidade estrutural da unidade interna especializada. Aguardando há muito o desbloqueamento do projeto de edificação do terceiro polo museográfico da Cinemateca (o “museu de cinema” entendido como polo expositivo das coleções de aparelhos e iconografia, cujo programa inclui a integração da “Júnior” como serviço educativo), este é um exemplo flagrante da encruzilhada histórica em que, de novo, todo o organismo se encontra, entre as missões que lhe cabem, e que já está a desenvolver, e os meios que lhes poderão dar continuidade e sustentabilidade. Por último, não há que esquecer o mundo da investigação, que, sendo um alvo decisivo de interlocução das cinematecas desde os primeiros momentos destas, está igualmente a sofrer transformações radicais. Havendo, também ai, uma crescente dialética entre o acesso presencial e o acesso desmaterializado, ou entre o tipo de pesquisa que se poderá doravante fazer de uma forma e de outra (nunca coincidentes e não intermutáveis), e sendo claro que o horizonte de interlocutores nessa área é tanto nacional como internacional, vale a pena sublinhar que esta foi outra área mutante no nosso país desde a viragem para este século, por razões que extravasam a própria revolução digital. Como resultado claro da evolução do espaço académico, e concretizando uma alteração pressentida há muito, o que esteve em causa foi a passagem – que já tinha ocorrido na mais importante historiografia de cinema ociDVD “A Revolução de Maio: António Lopes Ribeiro (1937)” – Edições Cinemateca (2018, Cinemateca Portuguesa©).

dental duas ou três décadas antes – a um estádio de investigação profissionalizada que, entre nós, até aí, pura e simplesmente não existia. Face a isso, de novo, a Cinemateca interveio, adaptando-se nos seus diferentes setores ao diálogo com esse universo (centro de conservação, programação, biblioteca), e criando já alguns mecanismos específicos que potenciam essa relação, como sejam os “Encontros no ANIM” e as bolsas de investigação de curta duração. Não foi um pequeno começo. E, contudo, mais uma vez, é só um pequeno começo…

DVD “O Auto das Floripides (1962)” Edições Cinemateca / Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto (2020, Cinemateca Portuguesa©).

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O DESAFIO DO PAÍS

O último dos desafios a abordar é hoje um dos mais notórios. Tendo-me já cruzado com ele acima, há que voltar a ele nestes exactos termos (o desafio do país), abordando o problema antigo, e nunca suficientemente resolvido, da nossa relação com a experiência do património em sala, de forma continuada, na generalidade do território. Não tendo nunca chegado a ser criada em Portugal, no século XX, qualquer verdadeira rede de distribuição cultural ou educativa (que nalguns países existiu, nem que fosse, por exemplo, no formato reduzido de 16 mm), nem a atividade histórica dos cineclubes nem as importantes extensões pontuais levadas a cabo pela Cinemateca puderam suprir maioritariamente essa lacuna. Sintoma de problemas maiores – de desenvolvimento regional, de condições de acesso ao património no contexto mundial e do próprio quadro de intervenção das cinematecas – a questão foi alvo de contradições crescentes, entre as quais surgiu mais uma vez, nos últimos anos, a contradição tecnológica. Se a difusão de clássicos do cinema mundial dependeria sempre de plataformas de distribuição que, entre nós, foram durante muito tempo limitadas, já a difusão do património português, essa, que nalgumas parcelas chegou a ser também levada a cabo por alguma distribuição com algum impacto, acabou por desembocar no dilema insolúvel da escolha entre suportes disponíveis e suportes utilizáveis. De um lado, as cópias analógicas existentes na distribuição e na Cinemateca (neste caso muito em resultado da politica de preservação levada a cabo nas últimas décadas do século XX); do outro, o decaimento das estruturas de exibição analógica e a progressiva conversão do parque exibidor aos suportes digitais. Tal como dito acima, isto impôs por si o ajuste estratégico de fazer de um plano global de digitalização (agora em alta definição) uma das nossas propostas centrais ao Governo e à comunidade cinematográfica.

DVD “As armas e o povo (1975)” - Edições Cinemateca (2020, Cinemateca Portuguesa©).

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Mas o que será então relevante sublinhar é que, clarificada a intenção estratégica, assumida a necessidade desta prática para que a nossa memória cinematográfica não fique limitada à própria sala da Cinemateca (o que não pode ser nosso objetivo), e assumida a complementaridade dos diversos suportes, a nova tecnologia que aqui fez problema pode também de facto fazer solução. Com o suporte digital de alta definição, e independentemente da pedagogia a fazer sobre a sua diferença, está agora ao nosso alcance manter viva a experiência desta nossa memória, em sala de cinema, em grande parte do território, tal como, aliás, está mais do que nunca ao alcance de todos os agentes do setor viabilizar um contacto alargado com o património do cinema mundial. Criar as condições técnico-financeiras para isso passou a ser um objetivo alcançável com pragmatismo, que tem a vantagem de, por uma vez, ser sustentável à nossa escala. Resta então perceber todas as pontas que é preciso ligar para potenciar um funcionamento em rede que traduza essa escala – uma “ligação” que envolve o Estado, mas que só funcionará se começar por respeitar a identidade da experiência de cinema e o valor inestimável de cada uma das comunidades locais em que está viva essa experiência. Pela parte da Cinemateca, este é um dos objetivos em que estamos focados, tendo-o em conta na ação imediata e na preparação desse “próximo futuro” que tanto dependerá das condições estruturais do organismo. Por outro lado, não podemos senão reconhecer que, hoje, esta encruzilhada do património é parte evidente de outra maior, obrigando-nos a pensá-las de forma integrada. Com efeito, se há que erguer uma verdadeira rede de “exibição patrimonial” que abranja o conjunto do território, o que dizer da experiência da exibição de cinema em geral? Creio que o debate sobre isso está já a emergir como um dos debates principais de toda a atividade de cinema no país, e como questão crucial do futuro do cinema português. É um debate avivado pelo impacto da crise pandémica no setor exibidor, e pelo espectro de não-recuperação dos hábitos de cinema em sala quando esta crise for ultrapassada, mas é também, aqui como noutras áreas, um debate sobre um problema pré-existente que a pandemia ampliou. Como aconteceu noutros países, mas muito mais do que aconteceu em muitos outros países, antes da viragem do século o mercado exibidor de cinema em Portugal tinha já sofrido uma mutação radical. No final da década de 80 e inícios da de 90 (depois do boom verificado nos anos pós-1974), o número global de espectadores em sala tinha caído a pique, num fenómeno em que a habitual admissão de uma queda espontânea, e portanto de que as salas fecharam por causa disso, pode ser seriamente questionada e até invertida (a grande coincidência das curvas dos dois fenómenos sugere, pelo contrário, que em muitíssimos casos o público caiu porque as salas

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fecharam). Alguma recuperação parcial, posterior, dos números globais não representa uma mudança de natureza do fenómeno, que, essa, não mais deixou de acentuar-se: com o domínio dos multiplex e a tendência concentradora nos ramos da distribuição e da exibição, as melhorias relativas derivaram muito mais dos números de bilheteira de alguns blockbusters do que, em termos macroscópicos, de melhorias na cobertura do território e na diversidade da oferta exibidora. E os baixíssimos níveis a que chegámos nestes dois parâmetros, esses sim, traduzem uma devastação do campo cinematográfico que, a prazo, não pode deixar de comprometer muita outra coisa, incluindo no âmbito do cinema português. Pode-se inverter esta tendência? Creio que não só é possível como é indispensável fazê-lo, com a consciência de que a rede que já foi destruída não é restaurável, mas com a convicção de que a existência de uma rede alargada de lugares de convívio com o cinema e pelo cinema é condição da sustentabilidade de uma prática e de uma cultura de cinema em Portugal. Uma tal rede há que erguê-la a partir do que existe, por frágil que seja, como dito antes para a experiência do património. Mas dizê-lo é tocar então num ponto novo e porventura essencial: no nosso país, reconstituir um tecido de exibição local é hoje tão decisivo para a “descentralização patrimonial” como para o futuro do cinema em si mesmo, e é algo que só pode ser conseguido se começarmos por defender todo e qualquer lugar de contacto genuíno com a arte do cinema, independentemente da sua dimensão e natureza. Deste ponto de vista, a atual sala de projeção de um cineclube ou uma sala de cinema comercial independente aberta a uma programação diversa podem ter a mesma importância na reconstituição de uma rede global. E, desse ponto de vista, a própria categoria “património” deixa de ter sentido como categoria separada, no que é afinal a simples constatação de uma evidência. O lugar do património é o lugar da criação contemporânea, e vice-versa. Só artificialmente os conceitos se distinguem, e não é portanto uma tal fronteira em si mesma que divide esse campo do cinema, que tanto há que desenvolver.

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A nossa contribuição para uma “rede patrimonial”, e, antes de mais, para a difusão alargada da história do cinema português, pode portanto ser um dos fatores estruturantes dessa rede maior de contacto das comunidades locais com o cinema. Por inerência, a esse nível a Cinemateca nunca é “a” resposta, porque esta é de ordem coletiva e colaborativa. Mas o que afirmámos já inequivocamente é que a Cinemateca não é alheia a essa resposta, e que nela pode e deve ter agora um papel crucial.

Temos uma ideia deste futuro próximo. Ser-nos-á possível lá chegar?

NOTAS 1

“Digital Cinema Initiatives”: consórcio das “majors” americanas criado em 2002

com o objetivo de padronizar as especificações de utilização do cinema digital de alta definição no mercado mundial. 2

“A Cinemateca em contexto de mudança”: documento estratégico apresenta-

do pela atual direção da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema em outubro de 2014. (disponível em https://www.cinemateca.pt/CinematecaSite/media/Documentos/Dia-do-Patrimonio---Conferencia-de-Imprensa.pdf)

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Dentre todas, a incógnita maior será sempre a que diz respeito ao fabrico da

matéria-prima (os diversos tipos de película necessários na atividade laboratorial), que, porém, nos equilíbrios industriais do setor, não foi nunca descontinuado.

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3 PORTUGAL FILM COMMISSION

I N STI TUI ÇÕES


Manuel Claro “Film Commissioner” na Portugal Film Commission mail@portugalfilmcommission.com Manuel Claro (Porto, 1979) é “Film Commissioner” na Portugal Film Commission. Anteriormente foi Coordenador Executivo no Creative Europe Desk Portugal e responsável pelo Subprograma MEDIA; Coordenador Executivo do MEDIA Desk Portugal; Assessor da Direção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, afeto à Videoteca Municipal de Lisboa; Assessor do Vereador da Cultura e dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa. Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Pós-graduação em Práticas Culturais para Municípios pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.


Portugal Film Commission: afirmar o país como destino de excelência de filmagens APRESENTAÇÃO A Portugal Film Commission é um grupo de projeto de natureza temporária, na dependência dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Cultura e do Turismo, e surge na sequência da criação, em 2018, do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema. No âmbito das atribuições definidas pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 85/2019, publicada em 31 de maio, tem como objetivos principais a promoção de sinergias entre as indústrias criativas e o turismo, proporcionando visibilidade ao destino Portugal e à melhoria da experiência turística, a afirmação de Portugal como um destino internacional de filmagens, articulação com as “film commissions” regionais, a rede diplomática e as associações e empresas do setor, em linha com a lei de incentivos para a captação de filmagens e os acordos de coprodução cinematográfica assinados, removendo os obstáculos burocráticos a essa promoção e a facilitação e simplificação do processo de filmar em Portugal. Como estrutura, é composta por um “Film Commissioner”, responsável pela Portugal Film Commission; uma diretora executiva; e uma equipa de apoio técnico, constituída por três elementos.

BREVE ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DAS “FILM COMMISSION”

“A film commission is a specialized office under the authority of a government entity, or administrative office, with the purpose of promoting the region through the development of film, video, and multimedia production.” AFCI – Association of Film Commissioners International

Para melhor se compreender como surgiu a Portugal Film Commission, importa recuar aos antecedentes históricos de entidades semelhantes, uma vez que algumas “film commission”s internacionais contam com mais de cinquenta anos de atividade. É no final da década de 40 do século passado que se encontram os primeiros registos de entidades que viriam a designar-se por “film commissions”. Ao aumento das necessidades de produção cinematográfica, especialmente nos Estados Unidos da América, respondiam as entidades governamentais com organismos, “comissões”, que facilitassem o processo de filmar nos territórios, a articulação com as polícias, autoestradas, bombeiros e demais departamentos responsáveis pelas autorizações das diversas filmagens.

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No final dos anos 70, por um lado, com o sucesso das entidades criadas até então na intermediação entre os produtores cinematográficos e audiovisuais e as entidades locais responsáveis pelas autorizações devidas e, por outro lado, com a opção dos grandes estúdios de Hollywood por cenários reais, por oposição a cenários artificiais, cedo se percebeu que o impacto económico direto nos territórios gerado pelas produções cinematográficas era extremamente elevado. Em consequência desta consciencialização por parte dos diversos governos locais, o papel das “film commissions” passou a assumir outra importância no que diz respeito à valorização e promoção dos diferentes territórios. Assim, das competências iniciais das “film commissions”, foram-se somando outras de espectro mais alargado e, com o decorrer da década de 80 e da década de 90, assistiu-se a um crescimento generalizado no aparecimento, consolidação e importância destas entidades. À importância do impacto económico direto das produções cinematográficas e audiovisuais, juntava-se, igualmente, uma maior sensibilidade para aferir o impacto económico indireto que essas produções concentravam no território, como o aumento turístico associado ao culto de determinados filmes mas, igualmente, com o desenvolvimento das economias locais associadas à indústria cinematográfica e audiovisual, como sejam no que diz respeito à instalação de infraestruturas e equipamentos que visassem dar resposta às necessidades exigidas. Nesta medida e tendo em consideração as vantagens económicas evidentes, quer de forma direta e no curto prazo, quer de forma indireta e no médio e longo prazo, as “film commissions” lançaram-se numa competição feroz à escala mundial com o objetivo último de captar produções para os seus territórios. Esta competição foi escalando de intensidade, numa primeira fase com o crescimento do mercado de “locations”, onde diversas cidades, regiões e países tentaram evidenciar as vantagens competitivas do seu território, até ao ponto em que essas qualidades intrínsecas poderiam não ser suficientes pelo facto de não serem consideradas tão diferenciadores do oferecido pelas congéneres. Assim, é ainda na década de 90, mas com especial crescimento na primeira década deste século, que os governos (nacionais, regionais ou locais) avançam para a constituição de benefícios e incentivos fiscais para as produções que filmassem nos seus territórios. Também nesta nova fase, as “film commissions” assumiram-se e continuam a assumir-se, como veremos adiante, como entidades fundamentais, quer do ponto de vista dos territórios, quer do ponto de vista dos produtores cinematográficos e audiovisuais que procuram, sempre, os melhores locais associados às melhores vantagens competitivas para as suas produções.

A associação mais representativa deste setor, a AFCI - Association of Film Commissioners International, criada em 1979, tem, atualmente, cerca de 300 associados, entre “film commissions” e “film offices”. A nível europeu, a EUFCN - European Film Commission Network, tem cerca de 100 associados, numa lista que continua a crescer todos os anos. Portugal integra ambas desde 2019.

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Com natureza jurídica distinta e competências mais ou menos alargadas, todas estas estruturas têm, no entanto, uma missão comum: promover os territórios que apresentam como destino de filmagens, assentes em três pilares distintivos - o território, os serviços e a competitividade financeira, esta última quase sempre alicerçada em sistemas de apoio financeiro, seja por via de incentivos ou apoios de natureza fiscal. Assim, umas surgem mais ligadas a estruturas de natureza Sítio eletrónico em linha da Association of Film Commissioners International (www.afci.org).

económica, outras na dependência direta das câmaras municipais ou regiões, bem como as que estão ligadas a entidades institucionais da área da cultura e, por fim, as que trabalham em estreita colaboração com as estruturas de turismo. É neste ambiente de colaboração e de perceção das vantagens estruturais para o desenvolvimento económico de uma indústria, mas também de um território e da sua promoção internacional, que surge a Portugal Film Commission.

Sítio eletrónico em linha da European Film Commissions Network (www.eufcn.com).

CRIAÇÃO DA PORTUGAL FILM COMMISSION Lançado em julho de 2018, através do Decreto-Lei n.º45/2018, o Fundo de Apoio ao Turismo e Cinema criou uma linha de apoio que veio substituir o benefício fiscal à produção cinematográfica então em vigor, com o objetivo de apoiar iniciativas e projetos que contribuíssem para o reforço do posicionamento de Portugal enquanto destino turístico, para a coesão do território, para a redução da sazonalidade e para a sustentabilidade no turismo através do incentivo à produção cinematográfica e audiovisual e captação de filmagens internacionais para Portugal, com um propósito de valorização e promoção da imagem do território e do país e em harmonia com os objetivos da política cinematográfica e audiovisual enquanto atividade cultural.

São Vicente, Madeira (2004, fotografia de RCL-Rui Cunha©).

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Esta linha de apoio, diretamente vocacionada para a produção cinematográfica e audiovisual, é regulada pela Portaria n.º 490/2018, de 28 de setembro (entretanto alterada pela Portaria n.º 198/2019, de 27 de junho) e, até à entrada em funções da Portugal Film Commission, teve a sua promoção e divulgação internacional assegurada pelo Turismo de Portugal, I.P., pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual, I.P. e pelas respetivas tutelas. A criação da Portugal Film Commission terá sido, em termos estruturais, o último grande instrumento do Estado Português para colocar Portugal num patamar onde possa competir com os principais países no que diz respeito à captação de filmagens. Neste contexto, estiveram sempre presente duas ideias: o desenvolvimento das atividades cinematográficas e audiovisuais, desde o processo de criação até à sua divulgação e difusão, nacional e internacional, incluindo as mais diversas ações associadas, como a educação fílmica, entre outras, como instrumento de progresso cultural, económico e social de qualquer país ou território; a promoção de Portugal enquanto destino internacional de filmagens contribui para a coesão e para a promoção do país enquanto destino turístico, com especial incidência no cada vez mais influente turismo cultural, sendo um importante instrumento de dinamização da economia local e nacional, da indústria do cinema e do audiovisual, da capacitação do nosso capital humano e da valorização da nossa cultura. Desde o início, considerou-se igualmente decisivo criar pontes de convergência entre o desígnio nacional de promoção de Portugal enquanto destino de filmagens e as diferentes entidades com responsabilidades na gestão do território e do património, tendo a Portugal Film Commission a missão e a responsabilidade de as programar e definir.

OBJETIVOS ESSENCIAIS

Os objetivos da Portugal Film Commission podem sintetizar-se em três áreas essenciais: a promoção de Portugal como um destino produção e realização de filmagens internacionais; a facilitação de todo o processo de filmar em Portugal; a criação e promoção de sinergias entre todas as áreas governamentais. Sendo um dos seus principais desígnios a promoção de Portugal enquanto destino de filmagens, é fundamental a presença nos mercados de cinema de conteúdos audiovisuais e de “locations” mais representativos de cada um dos setores em articulação com os principais mercados emissores identificados pela Estratégia Nacional de Turismo 2027. É igualmente essencial o objetivo de simplificação do ato de filmar em Portugal, identificando constrangimentos, apresentando soluções, promovendo as boas práticas e atuando como mediador entre produtores e instituições quando tal se revele importante.

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A capacitação dos profissionais portugueses para os desafios colocados internacionalmente e a troca de informação com todos os parceiros nacionais, públicos e privados, são também propósitos da Portugal Film Commission, assim como a partilha constante de informação sobre as melhores práticas junto de parceiros internacionais, que permitam melhorar a nossa estratégia e identificar novas oportunidades e/ou soluções. Outra importante missão é contribuir para a divulgação nacional e internacional do fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema, enquanto instrumento competitivo desenhado para captar a produção cinematográfica e audiovisual para Portugal.

Publicidade na revista Hollywood Reporter, edição Cannes (2020), para promoção de Portugal enquanto destino de filmagens.

A Portugal Film Commission tem, ainda, um outro objetivo, que embora de cariz mais interno, terá repercussões externas no futuro: o de propor, fundamentalmente, o modelo institucional e de governação definitivo para a Film Commission nacional, de acordo com as melhores práticas internacionais, após uma análise comparativa das estruturas estrangeiras de maior relevo e que garanta elevados padrões de excelência neste domínio.

RESULTADOS E DESAFIOS Desde o seu início, em maio de 2019, a Portugal Film Commission começou o caminho para a sua própria afirmação, dado que, como mencionado, chegou a este mercado com quase duas décadas de atraso em relação aos principais concorrentes. Procurou marcar presença nos principais eventos de cinema, audiovisual e “locations”; trazer para Portugal mais e melhores filmagens internacionais; promover o sistema de incentivos e criar as condições para que a indústria cinematográfica e de audiovisual portuguesa cresça e se fortaleça de forma a responder aos desafios hoje colocados.

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Procurou ainda que as entidades nacionais envolvidas, independentemente da sua dimensão ou área de abrangência, tenham a convicção de que todos beneficiam e têm retorno com a realização de filmagens em Portugal, fazendo delas embaixadores da promoção do território nacional. Paralelamente ao trabalho desenvolvido em território nacional, deu a conhecer, a uma plateia internacional de produtores e investidores da indústria audiovisual, todas as vantagens de filmar em Portugal. Assim, esteve presente nos principais mercados, festivais e eventos internacionais, sempre com o objetivo de promover o país enquanto destino de filmagens. Reuniu com alguns “players” do mercado de significativa relevância, como foi o caso de grandes estúdios como Warner Bros, Universal, MGM ou de plataformas como a Netflix e HBO.

FOCUS / CONTENT LONDON - Londres, Reino Unido, 3 a 9 de dezembro 2019 - apresentação Portugal Film Commission (2019, Portugal Film Commission©).

A estratégia adotada inicialmente passou por contribuir para colocar Portugal nos “radares” internacionais do mercado do cinema e do audiovisual, captando, numa primeira fase, o interesse para que, numa segunda fase, haja efetivo desenvolvimento de projetos.

França - Cannes MIPCOM - apresentação Portugal Film Commission, outubro 2019 (2019, Portugal Film Commission©).

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As formas de participação nestes eventos foram variadas e adaptadas a cada mercado: nuns casos a Portugal Film Commission apresentou-se com “stand” próprio, noutros associou-se ao ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual ou ao Turismo de Portugal. Além da presença física com “stand” e de várias reuniões, promoveu, sempre que possível, momentos de “networking” que pudessem facilitar o contacto entre os profissionais internacionais e os profissionais portugueses. Para que o sucesso destas iniciativas fosse maior, essa participação foi articulada com a rede diplomática portuguesa, com as equipas do Turismo de Portugal no estrangeiro e com a rede de delegações da AICEP - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal.

REINO UNIDO – Mercado Focus, Londres, dezembro 2019 (2019, Portugal Film Commission©).

Canadá – TIFF, Toronto, setembro 2019 (2019, Portugal Film Commission©).

Para afirmação e promoção de Portugal no mundo como destino de excelência para a produção e realização de filmagens internacionais, a Portugal Film Commission tem desenvolvido múltiplas ações, facilitadas à partida pelas condições favoráveis mais evidentes que o país apresenta: 1. Dias de sol: longas horas de sol e céu limpo – quase 300 dias de sol por ano e baixos níveis de precipitação, permitindo a produção durante todo o ano. Temperatura média em 2019: 16ºc/61°F.

Costa Nova, Aveiro (2006, Turismo de Portugal©).

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Caldeira das Sete Cidades, São Miguel, Açores (2006, Turismo de Portugal©).

2. Diversidade de cenários: Portugal oferece praias, castelos, monumentos, impressionantes edifícios antigos, edifícios de arquitetura moderna, igrejas, catedrais, mosteiros, parques, jardins, aldeias históricas e cidades muradas. A variedade paisagística de Portugal é enorme e conta com cenários de montanha, florestas, planícies, encostas rochosas, vales, grutas, rios, lagoas e até selvas, entre muitos mais. 3. locais acessíveis: diversidade de cenários a curta distância. Em menos de 5 horas é possível percorrer Portugal Continental, de carro, de norte a sul; 6 aeroportos internacionais (Lisboa, Porto, Faro, Funchal, São Miguel e Lajes), 5 portos internacionais e uma acessível rede ferroviária. 4. Profissionais experientes: talento qualificado disponível a preços competitivos. As equipas técnicas e artísticas portuguesas demonstram elevadíssimas qualidade e capacidade de trabalho, estão habituadas a trabalhar em produções internacionais e têm uma vasta experiência em produções de cinema e TV, bem como na gravação de anúncios publicitários de relevância. As equipas são maioritariamente fluentes em inglês. O espanhol e francês são também amplamente falados. 5. Instalações/estúdios e equipamento: os estúdios estão, na sua grande maioria, disponíveis nas áreas de Lisboa, Porto e Algarve, equipados com a mais recente tecnologia. Existem ainda vários projetos para desenvolvimento de novas áreas para esse efeito que dotaram Portugal de infraestruturas com capacidade para responder aos mais difíceis requisitos a nível internacional. A pós-produção está localizada maioritariamente na área metropolitana de Lisboa e no norte do país. 6. Custo de vida acessível, grande oferta hoteleira e gastronomia de alta qualidade.

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7. Acordos de coprodução: Portugal tem acordos de coprodução com mais de 60 países em todo o mundo, incluindo todos os países com língua oficial portuguesa, que representam + 250 milhões de falantes de português (como Brasil, Moçambique e Angola) e países da América Latina. 8. País estável e seguro: de acordo com o Global Peace Index de 2020, Portugal é o 3º país mais seguro

Cartaz utilizado no festival Content London (2020), versão digital, para promoção de Portugal enquanto destino de filmagens.

do mundo. 9. Sistema de saúde de qualidade, com uma ampla rede de hospitais públicos e privados. 10. Incentivo “PT cash rebate”: como referido anteriormente, no âmbito do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema, Portugal criou um dos sistemas de incentivos mais competitivos da Europa: um “cash rebate” que se aplica ao cinema e audiovisual, com as despesas mínimas de produção portuguesa (QPPE –

Cartaz utilizado no festival Content London (2020), versão digital, para promoção de Portugal enquanto destino de filmagens.

“Qualified

Portuguese

Productions

Expenses”) de € 500.000,00 para ficção e animação e € 250.000,00 para documentários e pós-produção. O incentivo é automático e baseado na despesa. Contudo, a elegibilidade dos projetos e as taxas de apoio (25%-30%) são avaliadas através de uma grelha de análise, em matéria de teste cultural. 11. “Scouting programme” - as missões de prospeção de produtores estrangeiros que considerem a possibilidade de filmar em Portugal podem ser igualmente financiadas pelo Fundo de Apoio ao Turismo, Cinema e Audiovisual.

Todas as atividades de promoção internacional ficaram fortemente comprometidas com a situação de pandemia de COVID-19, que obrigou ao cancelamento ou adiamento, a partir de março de 2020, dos festivais, mercados e outras iniciativas nacionais e internacionais. Apesar deste sério condicionamento, a Portugal Film Commission continuou a promover a presença em mercados internacionais de cinema e audiovisual e de “locations”, a partir do momento em que começaram a ser organizados “on-line”, estando nos principais eventos que decorreram neste período.

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Casa da Música, Porto (2011, fotografia de António Sá©).

Enquanto a abordagem internacional sofreu necessariamente alterações com a situação de pandemia, a vertente nacional manteve-se em plena atividade, já se encontrando em funcionamento o Simulador de serviços “Filmar em Portugal”, no Sítio eletrónico da EPortugal, projeto conjunto da Portugal Film Commission com a AMA - Agência para a Modernização Administrativa, em colaboração com as diversas entidades públicas envolvidas no processo de autorização de filmagens. Numa primeira fase este serviço possibilitará o acesso a informação agregada relativamente às várias entidades que terão de ser envolvidas no processo autorizativo da filmagem em causa. Foi ainda lançada, no mês de março de 2021, uma nova plataforma tecnológica que, simultaneamente, alojará o sítio eletrónico da Portugal Film Commission e do PIC Portugal, tornando-a uma interface de excelência para todos os interessados sobre o processo de filmar em Portugal, bem como uma importante ferramenta em termos de “Production Guide” e “Location Guide”.

No seu breve tempo de vida, a grande missão da Portugal Film Commission foi trabalhar para que todos os que possam beneficiar destas atividades a vejam como um parceiro, sejam produtores internacionais, investidores, produtores nacionais, municípios, freguesias, entidades culturais ou turísticas.

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Em conclusão, todas as ações da Portugal Film Commission terão como objetivo final: • Trazer para Portugal mais e melhores filmagens internacionais; • Criar as condições para que a indústria cinematográfica e de audiovisual portuguesa cresça e se robusteça de forma a responder aos desafios hoje colocados, fazendo delas parceiras de grandes produções/estúdios que escolham o nosso país; • Tornar o processo de filmar em Portugal mais simples; • Apresentar o modelo mais eficaz e eficiente para a futura “Film Commission”, de modo a que possa ser ágil de forma a responder aos constantes desafios que este mercado coloca; • Fazer com que todas entidades, independentemente da sua dimensão ou área de abrangência, tenham a convicção de que todos beneficiam e têm retorno com a realização de filmagens em Portugal, fazendo delas embaixadores da promoção do território nacional. A realização da estratégia definida pela Portugal Film Commission, em colaboração e articulação com o ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual e com o Turismo de Portugal, poderá ajudar a que o país consiga, de forma sustentada, a tão desejada concretização de um ambiente único para a captação internacional de filmagens e, dessa forma, uma capacitação do potencial humano envolvido na produção audiovisual, mas, igualmente, a capacitação do setor em termos de infraestruturas físicas e de serviços. A Portugal Film Commission está consciente, ainda, dos diversos desafios que se colocam nos tempos mais próximos. Se é verdade que faz parte da estratégia da Portugal Film Commission colocar Portugal como um país de referência no que ao conceito “film friendly” diz respeito, a verdade é que há outros desafios, designadamente a nível ambiental, o “green shooting”, que são colocados e que devem fazer com que toda a estratégia de promoção e captação tenha em vista, igualmente, a sustentabilidade ambiental das produções cinematográficas e audiovisuais. Assim, se é verdade que consideramos que Portugal reúne as condições necessárias para conseguir atingir um ecossistema “film friendly”, a verdade é que o trabalho da Portugal Film Commission e das demais entidades do setor deverá ser, igualmente, orientado para Portugal ser considerado um país de referência em termos de “green shooting”. Especialmente no período pós-pandemia, período crucial para a afirmação de políticas com vista a uma certa “recuperação ambiental”, uma vez que a pandemia trouxe custos e retrocessos inevitáveis a nível ambiental em termos de produções cinematográficas e audiovisuais, pela necessidade de utilização de materiais descartáveis, mais distanciamento físico e, em consequência, mais custos de transporte, mais utilização de plásticos devido à necessidade de acondicionamento dos mais diversos bens de forma individual, etc. Assim, considera-se que os momentos vindouros são desafiantes e exigentes, mas serão, seguramente, profícuos e recompensadores nesta estratégia de promoção internacional de Portugal enquanto um destino de filmagens de referência.

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4 AS SALAS DE CINEMA ESTUDO S


Liliana Fortuna Duarte Faculdade de Letras da Universidade do Porto lisfduarte@gmail.com Liliana Fortuna Duarte (Lisboa, 1988), Mestre em História da Arte Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2017) com a dissertação intitulada “Paraíso no Porto: o Jardim Passos Manuel 1908-1938”. De momento, encontra-se a frequentar o Doutoramento em Estudos do Património, variante História da Arte, na mesma faculdade, com um projeto sobre as arquiteturas para cinema. Desenvolve investigações nas áreas de arquitetura, cinema, paisagismo e urbanismo.


As salas de cinema em Portugal

Com o aparecimento do cinema no século XIX, e

o seu desenvolvimento posterior, tornou-se imprescindível a criação de espaços próprios para a exibição cinematográfica.

Com o tempo, advieram novas tipologias arqui-

tetónicas que, para dar resposta às exigências tecnológicas e, subsequentemente, aos requisitos construtivos que este novo tipo de espetáculo demandava, evoluíram a partir de estruturas pré-existentes, que foram adaptadas com equipamentos de exibição cinematográfica, passando por construções inteiramente inovadoras, novas tipologias híbridas, chegando ao que hoje em dia conhecemos como multiplex ou megaplex.

Em Portugal, as várias tipologias de estruturas

criadas para cinema concentravam-se nas cidades de Lisboa e Porto mas, por todo o país, encontravam-se equipamentos exemplares embora, no decurso de décadas, muitos acabaram por ser descaraterizados, reconvertidos ou demolidos enquanto outros estão hoje devolutos ou em ruínas.

Nem sempre é fácil compreender estes espaços como um todo. Na

sua grande maioria, a forma como evoluíram, se transformaram e adaptaram, explica o seu caráter único, dificultando a inserção dos mesmos em tipologias arquitetónicas fechadas, enquanto sucessivas obras de adaptação, necessárias para dar resposta às inevitáveis e cíclicas mudanças do mundo do cinema, fizeram com que alguns perdessem muitas das suas características originais e identitárias.

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Ainda que nas últimas décadas se tenha registado um notório

aumento de estudos dedicados ao tema das salas de cinema, estes têm tido sobretudo por objeto arquiteturas de Lisboa, projetos de cinemas elaborados por nomes maiores da arquitetura em Portugal ou de forma mais focada a tipologia de cineteatro, havendo nitidamente uma carência de estudos que abordem com igual profundidade épocas menos bem documentadas e, sobretudo, a realidade nacional fora da grande Lisboa, bem como as analogias com espaços congéneres estrangeiros e a sua influência nos exemplares portugueses.

Neste âmbito, propomo-nos aqui ensaiar uma –

possível – perspetiva histórica da evolução das salas de cinema em Portugal, apresentada de forma concisa e com recurso aos exemplos que consideramos mais pertinentes. CINEMA MUDO

Apesar de os seus primórdios se encontrarem em muitos aspetos

ainda mal definidos, o desenvolvimento do meio cinematográfico resulta de inúmeras pesquisas científicas desenvolvidas no decurso de vários séculos e que progrediram rapidamente a partir do século XIX.

Como forma de espetáculo, a génese ocorreu na última década do

século XIX, mais concretamente em torno de 1895, aquando das primeiras apresentações ao público ocorridas em vários países, mas principalmente nos Estados Unidos da América, na Alemanha, na França e no Reino Unido.

Em Portugal, as primeiras sessões realizaram-se em 1896 através

de Edwin Rousby que, a 18 de junho, apresentou o seu “Animatographo” no Real Colyseu de Lisboa 1 para, no mês seguinte, apresentá-lo no Porto no Teatro Príncipe Real 2.

Real Coliseu de Lisboa (c. 1900, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Eduardo Alexandre Cunha 3).

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Interior da nova sala do Teatro Príncipe Real – Porto (c. 1909, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante©, fotografia de Foto Guedes 4).


Sendo algo original e diferente, era certo que chamaria a atenção

do público, mas o importante seria que o conquistasse e, acima de tudo, o mantivesse interessado, tornando-se para isso essencial encontrar soluções de distribuição alargada. Desta forma, o cinema começou por fazer parte dos programas de variedades de outras casas de espetáculos ou de espaços que ofereciam divertimentos públicos onde pudessem exibir as películas com recurso a um projetor e a uma tela, expondo-se em espaços pré-existentes tais como teatros, circos, “music-halls”, cafés, salões, bem como esplanadas e feiras, consolidando-se assim paulatinamente o cinema como um espetáculo universal de acesso generalizado.

Apesar de nem sempre ser fácil caracterizar as construções mais anti-

gas, podemos afirmar que a primeira tipologia que encontramos seria a dos cinemas ambulantes. Nestes, os espetáculos de cinema funcionariam em barracões improvisados que circulavam pelas feiras, os quais, na generalidade, teriam um caráter rudimentar e despojado mas, em algumas situações, teriam uma fachada mais elaborada, iluminada e com uma decoração sugestiva 5 que atraía o olhar do público. Não ofereceriam, porém, as melhores condições de conforto e segurança, bem como estariam aquém da eficiência técnica que este tipo de atração requeria.

Sobre as primeiras edificações a informação existente é insuficiente,

mas sabemos que a qualidade das suas construções não seria muito rigorosa e, frequentemente, não haveria um projeto pré-definido. Devido ao seu caráter efémero, poucos registos sobreviveram destas iniciais “salas de cinema” itinerantes, ficando apenas a memória da sua existência em reportagens de periódicos ou em esparsos registos fotográficos.

Todavia, algumas salas tiveram mesmo a sua origem nestes cinemas

itinerantes, que passando invariavelmente por sucessivas e cíclicas alterações, mantiveram-se nalguns casos em funcionamento durante décadas.

Em Portugal, uma das primeiras salas que teve

essa origem foi a do atual Cinema Batalha, no Porto. Em 1906 era conhecido como High-Life e, por essa altura, funcionaria na feira recreativa da Praça Mouzinho de Albuquerque à Boavista, onde funcionou durante dois meses 6, até que assentou na Cordoaria 7. Em 1908 seria instalado, permanentemente, um edifício para cinematógrafo na Praça da Batalha, que passaria por diversas renovações até à inauguração do atual imóvel em 1947 8, com projeto de Artur Andrade.

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alçado principal - fachada

alçado lateral

corte longitudinal

entrada plateia tela de projeção cabine de projeção

planta

Projeto do Salão High-Life à Batalha – Porto (1907, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 9, ilustração a partir de).

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Na cidade do Porto esta obra é, a par do Coliseu, um dos exem-

plares mais significativos da arquitetura modernista portuguesa, sobretudo para equipamentos de espetáculo. A sua implantação, tirando partido do gaveto formado entre a Rua de Santo Ildefonso e a Praça da Batalha, permite-lhe destacar-se dos edifícios adjacentes e, ao mesmo tempo, harmonizar-se num espaço urbano marcado por fortes contrastes. Inserido num terreno de pequenas dimensões, o edifício aproveita as possibilidades do betão, desenvolvendo-se em duas fachadas dominadas por uma grande área envidraçada, permitindo uma ampla entrada de luz natural no seu interior. Uma delas tem uma configuração ondulante que fornece ao conjunto arquitetónico um dinamismo subtil, ao mesmo tempo que atrai o olhar para o relevo escultórico da autoria de Américo Braga 10.

Inicialmente teria uma lotação de 1.067 lugares distribuídos por

plateia, tribuna e balcão 11, mas, em meados da década de 70, aproveita-se o espaço da cave, que originalmente serviria como cafetaria, para aí se construir um cinema-estúdio, denominado Sala Bébé 12, com um projeto da autoria do arquiteto Benjamin do Carmo 13. Após longos anos devoluto, encontra-se hoje em pleno processo de reabilitação.

No estrangeiro, as primeiras construções para cinemas, mais está-

veis e perenes, terão aparecido logo nos finais do século XIX, mas difundiram-se apenas nos primeiros anos do século XX 14, variando as designações dadas aos mesmos conforme o país, mas próximo daquilo que vemos igualmente ser utilizado em Portugal, como é o caso dos termos animatógrafo, cinematógrafo e kinematógrafo. Poderiam ser construídas de raiz ou localizarem-se em edifícios comerciais ou habitacionais, ocupando uma área adaptada especificamente para cinema.

Planta da sala de cinema do Batalha - Porto (c. 1940’s, ilustração a partir de 15).

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No princípio, tendo ainda um certo caráter de mera “curiosidade”,

eram inexistentes quaisquer diretrizes claras a seguir no que toca à construção e organização dos espaços. Consequentemente, as suas características iniciais não podem ser generalizadas, vivendo-se um período de experimentalismo onde se procurava testar soluções que dessem resposta tanto às questões técnicas como às de conforto e segurança. Muitos destes elementos iriam depender, fortemente, do interesse e da disponibilidade financeira dos proprietários, o que permitiu a criação de uma profusão de construções com características únicas e que poderiam conciliar diversas atrações dentro do mesmo espaço.

Cinema Batalha - Porto (c. 1990-1991, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Michel Waldmann 16).

Em Portugal, os imóveis para cinema com caráter

definitivo começaram a surgir em 1904, mas é a partir de 1907 que se nota uma rápida proliferação dos mesmos. Porém, destes primitivos espaços que, na sua grande maioria, tiveram uma duração fugaz, restam escassas referências.

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O primeiro, datado de 1904, é segundo a tradição o Salão Ideal na

Rua do Loreto, em Lisboa. Localizado num edifício pré-existente, o seu interior passou por diversas alterações desde a sua fundação como cinema 17, de forma a adaptar-se a novas exigências. Depois de atravessar um período de abandono e deterioração, foi recuperado em meados da década passada 18, voltando a apresentar sessões de cinema com regularidade.

Cinema Ideal – Lisboa (2020, fotografia de Pedro Martins©).

Animatographo do Rossio – Lisboa (c. 1907, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de José Artur Leitão Bárcia 19).

Fachada atual do antigo Animatographo do Rossio – Lisboa (2020, fotografia de Pedro Martins©).

Ainda em Lisboa, destacamos mais dois exemplos do mesmo

período de ascensão do cinema e que ainda hoje podemos observar: o Animatographo do Rossio e o Chiado Terrasse.

Quando comparadas com a documentação, as suas linhas atuais

são apenas um indício daquilo que foram outrora, mas servem como uma pequena amostra da variedade de projetos que surgiram, na época, para cinemas e salas de espetáculo e que, de algum modo, conseguiram resistir à passagem do tempo, apesar de não comportarem mais a sua funcionalidade inicial.

O Animatographo do Rossio, de 1907 20, situado na Rua dos Sapa-

teiros num edifício pré-existente, destaca-se principalmente pela fachada profusamente decorada, com elementos Arte Nova, adornada ao centro por dois painéis azulejares que ladeiam a abertura central daquilo que seria, inicialmente, a bilheteira.

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O Chiado Terrasse, de 1908 21, localizado na Rua

António Maria Cardoso, sofreu inúmeras alterações ao longo das décadas, nomeadamente no seu interior, mas a obra que se destaca é o projeto de Tertuliano Marques, cuja fachada se preserva. Segundo texto publicado em 1911 na revista “A Architectura Portugueza” 22, o arquiteto deu preferência a uma “arquitetura ligeira, moderna, alegre, como convinha ao fim a que se destinava o edifício”. Fachada original do Chiado Terrasse – Lisboa (c. 1908, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Joshua Benoliel 23).

entrada plateia tela de projeção cabine de projeção

Planta geral do Chiado Terrasse – Lisboa (c. 1911, ilustração a partir de 24).

Chiado Terrasse – Lisboa (c. 1911, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Joshua Benoliel 25).

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Fachada atual do antigo Chiado Terrasse – Lisboa (2020, fotografia de Pedro Martins©).


No Porto, os primeiros projetos de espaços destinados à exibição de cinema datam de 1907, mas para além de cinema, alguns funcionariam como espaços polivalentes onde se apresentavam diversos programas de variedades.

Um dos exemplos mais antigos que encontramos deste tipo de recinto é o desaparecido Jardim Passos Manuel, localizado no terreno onde se viria a erguer o Coliseu do Porto. Inaugurado em 1908 e demolido em 1938, era um espaço de lazer que oferecia ao público uma diversidade de passatempos. Construído inicialmente como um cinematógrafo, como consta no projeto original 26, pelas descrições que temos parece-nos seguro dizer que se comparava com um espaço análogo em Lisboa denominado Paraíso de Lisboa, de 1907 27.

Como espaço multifuncional, disponibilizava diversas atrações, assemelhando-se quase a um pequeno parque de diversões ou também a um “music-hall” no centro da cidade. Nele, poder-se-ia assistir a sessões de cinema no interior, mas também ao ar livre, jogar, presenciar evenJardim Passos Manuel – Porto (s.d., Centro Português de Fotografia©, fotografia dos Estúdios Tavares da Fonseca Lda. 28).

tos musicais, teatrais, artísticos e recreativos, mas também experienciar o convívio social no restaurante e no salão de festas. Encontrava-se estreitamente associado à produtora Invicta Film, não só pela relação profissional dos responsáveis 29, mas também por ter sido palco de filmagens de alguns clássicos da cinematografia portuguesa do cinema mudo, como foi o caso do filme “A Rosa do Adro” de 1919 30. Com o passar do tempo, percebe-se que este espaço já não era considerado moderno o suficiente e não responderia às exigências técnicas e de segurança que seriam impostas a partir da década de 20. Nos anos 30 começa a surgir o interesse em criar um novo edifício para o local e, a partir daí, surgem diversos projetos que culminariam naquele que conhecemos hoje como Coliseu do Porto.

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Do antigo Jardim Passos Manuel conservou-se apenas o antigo Salão de Festas, local onde ainda hoje encontramos o Cinema Passos Manuel que, apesar de ter sido previamente alvo de intervenções, só começou a funcionar como cinema a partir dos anos 70 com um projeto da autoria de Carlos Manuel Oliveira Ramos 31.

O edifício do Coliseu é, como referido anteriormente, um dos melhores exemplos da arquitetura modernista portuguesa na cidade do Porto, no que concerne a espaços para espetáculo. Projetado no final dos anos 30 e inaugurado em 1941, teve vários avanços e recuos nas propostas apresentadas, cabendo o plano final maioritariamente à autoria de Cassiano Branco com a colaboração de Júlio de Brito e de Mário de Abreu 32. O edifício foi construído sobre uma planta de base circular, de onde se destaca o corpo central com uma imensa volumetria que não se adivinha quando observamos a fachada principal, voltada para a Rua de Passos Manuel. Esta fachada é definida por um corpo horizontal e por um corpo vertical onde se impõe a torre, um elemento que realça o edifício, permitindo-lhe ser visível de vários pontos da cidade. No meio urbano onde se encontra, o Coliseu articula-se com os edifícios vizinhos, não obstante as diferenças nítidas de dimensão e de expressão arquitetónica dos imóveis contíguos, principalmente com o antigo Salão Olympia. Este, inaugurado também como cinematógrafo em 1912 34, é um recinto de pequenas dimensões com uma fachada de linhas classicizantes que, entretanto, foi restaurado e readaptado a outra funcionalidade, encontrando-se o seu interior descaracterizado.

Coliseu - Porto (c. 1940’s, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia Alvão Lda. 33).

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Coliseu Porto Ageas – Porto (2019, fotografia de Lara Jacinto©).

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Fachada atual do antigo Salão Olympia – Porto (2020, fotografia de Liliana Fortuna Duarte©).

Ainda no Porto, e enquadrável na mesma tipologia do Jardim Passos Manuel, encontramos o Salão Jardim da Trindade, conhecido também como Cinema Trindade, localizando-se entre a Rua Dr. Ricardo Jorge e a Rua do Almada. Inaugurado em 1913 35, terá passado por algumas obras de melhoramento nos primeiros anos, mas foi a partir de 1930, com a inauguração do cinema sonoro, que começaram a surgir as maiores mudanças na estrutura primitiva, não só no interior como também no exterior, e das quais ainda encontramos alguns elementos, como é o caso da sua fachada e cobertura de ferro e vidro 36, anteriores a 1946, mas cuja datação precisa desconhecemos. Foi na década de 50, mais precisamente em 1956 com o projeto da autoria de Agostinho Ricca e de Benjamin

Cinema Passos Manuel – Porto (2016, fotografia de João Octávio©).

do Carmo, que o Cinema Trindade sofreu maiores atualizações, reinaugurando-se no ano seguinte após intensas obras de reforma. No final da década de 80 e início da década de 90, realizam-se novas obras de incremento, sendo a grande sala existente dividida em duas menores. Em alguns dos espaços criados passa a funcionar um salão de bingo que acabou por ajudar à conservação do local. Depois de encerradas as salas de cinema em 2000 e após longos anos sem a realização de sessões regulares, com exceção de alguns festivais, o Cinema Trindade voltou oficialmente a funcionar a partir de 2017 37. Apesar do funcionamento como cinema, ressaltamos o facto que parte do espaço exterior que estaria anexo à estrutura, mais especificamente o jardim onde terão passado inúmeras sessões de cinema ao ar livre, ter sido recentemente demolido para dar lugar, futuramente, a uma unidade hoteleira 38.

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alçado principal - fachada

corte transversal

alçado lateral

corte longitudinal entrada plateia tela de projeção cabine de projeção

planta

Projeto do Salão Jardim da Trindade – Porto (1912, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 39, ilustração a partir de).

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Planta da sala de cinema do Trindade – Porto (1940, ilustração a partir de 40).

Fachada atual do edifício do Cinema Trindade - Porto (2020, fotografia de Liliana Fortuna Duarte©).

As primeiras décadas do século XX, nomeada-

mente entre as décadas de 10 e de 20, correspondem a um período deveras atribulado, já que ocorreram grandes mudanças a nível político, social e económico que tiveram o seu reflexo no universo cinematográfico.

A partir dos anos 10, o desenvolvimento do cinema e, principal-

mente, o aperfeiçoamento dos espaços destinados à sua exibição, fez com que se criassem novas práticas que seriam a génese daquilo que viria a ser disseminado nas décadas seguintes. Apareceram os primeiros regulamentos cinematográficos 41 que abordavam, principalmente, questões de segurança e de construção, bem como regulavam as exibições através de mecanismos censórios. Em Portugal, surgiram alguns diplomas e decretos a partir de 1913 42, mas o foco destes era, maioritariamente, a segurança das cabines de projeção, devido ao suscetível risco de incêndio provocado pela utilização de materiais altamente inflamáveis 43.

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Nesta época, muitos espaços de lazer decidiram acomo-

dar permanentemente sessões de cinema, passando por obras de requalificação e de adaptação, cada um com um tipo de público em vista, ajustando as suas apresentações a uma nova modalidade e, por todo o país, dá-se prioridade à construção de espaços multifuncionais. Destes antigos teatros e salões, muitos continuaram a funcionar plenamente durante décadas, passando por obras de modernização e encontrando-se, presentemente, adaptados a outras funções, como é o caso, no Porto, do Águia d’Ouro e, em Lisboa, do Condes.

O antigo Águia d’Ouro, localizado nas proximi-

dades do Cinema Batalha, em plena Rua de Santo Ildefonso, surgiu num edifício pré-existente que foi sendo adaptado e reestruturado ao longo dos tempos. Serviu propósitos tão distintos como hospedaria, café, teatro, cinema e, após longos anos devoluto, regressou a uma das suas antigas funções, a de unidade hoteleira. Do edifício original praticamente não há já vestígios, uma vez que em finais da década de 20 passou por uma total renovação que modificou profundamente não só o seu interior, mas também o exterior, conservando-se dessa época, e até hoje, apenas a fachada 44. Planta da sala de cinema do Águia d’Ouro – Porto (1940, ilustração a partir de 45).

Cinema Águia d’Ouro (c. 1990-1991, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Michel Waldmann 46).

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Fachada atual do antigo Cinema Águia d’Ouro – Porto (2017, fotografia de Liliana Fortuna Duarte©).

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O Cinema Condes situava-se no ângulo da Avenida da Liberdade

com a Rua Condes e tinha uma longa história ligada às artes do espetáculo que remontava ao século XVIII. Como nos explica Félix Ribeiro no seu livro “Os mais antigos cinemas de Lisboa”, a exploração cinematográfica naquele espaço tem início em 1915 num edifício que datava da década de 80 do século XIX e que funcionaria, até àquela data, maioritariamente como teatro.

A partir de 1916, o Condes passa por grandes mudanças quando

fica, exclusivamente, sob a gestão de José Castello Lopes, figura incontornável da distribuição de cinema em Portugal, sendo o edifício totalmente remodelado em 1919 47. Contudo, aquilo que ainda hoje podemos observar é o edifício projetado pelo arquiteto Raúl Tojal, também ele responsável, em coautoria com José de Lima Franco, pelo traço do cineteatro São Pedro em Alcanena 48.

Cinema Condes – Lisboa (anterior a 1950, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de António Passaporte 49).

Cinema Condes – Lisboa (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia de Estúdio Horácio Novais 50).

Fachada atual do antigo Cinema Condes – Lisboa (2020, fotografia de Pedro Martins©).

O “novo” Condes inaugurou em 1951, tendo cessado funções como sala de espetáculos em 1996 51. Nele encontramos, uma vez mais, as características da arquitetura modernista portuguesa, seguindo uma linha próxima a edifícios congéneres da época, com duas fachadas bem diferenciadas que se unem num corpo curvo de gaveto, destacado pela estrutura que se evidencia acima da cércea do corpo principal e decorado com um baixo relevo da autoria de Aristides Vaz 52.

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Muitos dos novos teatros construídos nesta fase foram

concebidos com a preocupação de ter o seu espaço apto para cinema. Algumas construções tentavam equilibrar os vários tipos de apresentações começando a aparecer os primeiros cineteatros que eram, maioritariamente, pensados mais para a apresentação de espetáculos teatrais e que, como veremos mais à frente, manteriam ainda durante longos anos características construtivas dos teatros à italiana.

Nesta fase, este tipo de construção versátil surge

um pouco por todo o país, mas há alguns exemplos que permanecem até hoje em pleno funcionamento com funções próximas daquilo para o qual foram criados originalmente, mas que, nos últimos tempos, passaram por obras de restauro proporcionando-lhes um novo alento na promoção da cultura e das artes.

Um dos melhores exemplos deste período é o Teatro Tivoli em Lis-

boa, de 1924, que ainda hoje permanece em funcionamento como casa de espetáculo. Foi mandado construir por Frederico de Lima Mayer que se empenhou em dotar a cidade com um recinto sofisticado, deixando o projeto à responsabilidade de Raul Lino.

Teatro Tivoli – Lisboa (1929, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Ferreira da Cunha 53).

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alçado lateral - fachada

alçado principal - fachada

corte longitudinal

corte transversal

entrada plateia tela de projeção cabine de projeção balcão

Projeto do Teatro Tivoli – Lisboa – da autoria de Raúl Lino (1918-1956, Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte© 54, ilustração a partir de).

planta ao nível do balcão

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Este cinema “music-hall”, como era referido, tem um

traço clássico, construído à imagem do que era feito no estrangeiro 55. Situa-se no gaveto entre a Avenida da Liberdade e a Rua Manuel Jesus Coelho, numa zona marcada por construções notáveis que adotavam novas soluções formais e construtivas, demonstrando múltiplas expressões artísticas.

Segundo Margarida Acciaiuoli, a forma

como Raul Lino concebeu este espaço, não só pelo seu traçado mas também pela sua decoração, “facilitou as afinidades que imediatamente passaram a existir entre o Tivoli e o cinema”, fazendo com que o ato de se frequentar o recinto “fizesse parte de uma certa vivência urbana que servia para ver e ser visto” 56, permitindo-nos

Planta da sala de cinema do Teatro Tivoli – Lisboa (c. 1949, ilustração a partir de 57).

afirmar que há um antes e um depois do Tivoli para o cinema em Lisboa.

Apesar da sua arquitetura seguir uma linguagem classicizante, o

edifício é composto por duas fachadas unidas por um corpo central curvo, localizado no gaveto das vias de circulação, que se destaca pela cúpula encimada por um lanternim. Quando observado no local, torna-se nítido que o equilíbrio das suas formas, bem como o modo como se destaca na sua envolvência, confere-lhe uma graciosidade e refinamento pouco usuais.

Contemporâneo do anterior, mas desta vez localizado no norte do

país, encontramos o Teatro-Cinema de Fafe. No local existiria originalmente um teatro mais antigo, datado do século XIX, onde a partir de 1912 terá funcionado um cinematógrafo. Contudo, o edifício que conhecemos hoje, de feição classicizante que se distingue particularmente pela profusa plástica decorativa da fachada, foi inaugurado em 1924, com um requinte e esmero que em nada ficava atrás dos seus congéneres do Porto e Lisboa. Passaria, inicialmente, sessões de cinema intercaladas com outros tipos de espetáculo.

Após anos voltado ao abandono e correndo o risco de ser demo-

lido, o teatro-cinema de Fafe passou por profundas obras de restauro entre 2003 e 2008, permitindo a sua reabertura em 2009 como espaço cultural 58.

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Teatro-cinema de Fafe (s.d., Câmara Municipal de Fafe©, s.a.).

Fachada atual do Teatro-cinema de Fafe (2020, fotografia de Liliana Fortuna Duarte©).

Entre os anos de 1925 e de 1929 dão-se mudanças drásticas na

legislação sobre cinemas e espetáculos, com a alteração e criação de decretos que impõem regras a estes espaços não só no que concerne às questões referentes ao público, mas também de segurança, construção, licenciamento, exploração e exibição cinematográfica, culminando na criação da Inspeção-Geral dos Espetáculos em 1929 59.

Para os cinemas, o instrumento legislativo que maiores transfor-

mações trouxe no que se refere à sua construção foi o decreto nº 13.564 de 6 de maio de 1927 60, que ficaria em vigor por mais de trinta anos e que seria responsável pelo crescimento exponencial da tipologia de cineteatros por todas as regiões do país.

O interesse do público mantém-se, mas pelas notícias percebe-se

que algumas salas começam a sentir dificuldades. Com as exigências das novas leis houve a necessidade de executar obras de melhoramento e de reestruturação dos espaços, no entanto, as adversidades, maioritariamente financeiras, ditaram o encerramento definitivo de algumas salas. Foi neste período que alguns proprietários procederam à demolição das antigas estruturas e promoveram o renascimento dos antigos cinemas em novos edifícios como veremos mais à frente através de alguns exemplos.

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CINEMA SONORO

Apesar dos conflitos políticos e socioeconómicos

que se tornaram constantes desde finais dos anos 20, a partir dos anos 30 o cinema teve uma nítida expansão, o que permitiu o fortalecimento da sua posição dentro das artes do espetáculo.

Com o aparecimento do cinema sonoro em 1927 e o

célere desenvolvimento do mesmo a partir de 1930, houve um período de adaptação e, por um tempo, o sonoro coexistiu com o mudo, cujos filmes eram então vistos por muitos como ultrapassados, apesar de haver alguns defensores. A paulatina transição propiciou aos proprietários de cinemas o tempo para adaptar as suas salas.

Como consequência dos novos tempos, as alterações dão-se progres-

sivamente originando uma sistematização e simplificação no processo construtivo dos cinemas, rejeitando elementos desnecessários. A tela passa a ser o foco da sala e os sistemas de som e de projeção adquirem uma importância fundamental. As novas tecnologias de som e, progressivamente, a introdução dos filmes a cores, originaram uma transformação da forma como o público frequentava os cinemas 61, o que acentuou a decadência dos antigos espaços, levando a uma reestruturação dos anteriores modelos 62.

Inicialmente, em Portugal, verifica-se um estímulo no cinema, mas,

nas décadas seguintes, durante o Estado Novo, a estagnação é patente se tivermos em conta o que era feito no estrangeiro, não só no que toca à filRoyal Cine - Lisboa (c. 1977, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Photographia Vasques 66).

mografia, mas também na edificação de salas de cinema. Quanto às arquiteturas, o decreto de 1925 63 e, acima de tudo, o de 1927, impunham regras na construção, reconstrução ou alteração de casas destinadas a espetáculos públicos, o que, juntamente com o rigor imposto pela Inspeção-Geral dos Espetáculos, condicionou de certa forma o progresso natural destas estruturas. Em Portugal as primeiras sessões do sonoro deram-se em 1930, primeiro em Lisboa, a 5 de abril, no recém-inaugurado Royal Cine à Graça, com a apresentação do filme “Sombras brancas nos mares do sul” de W.S. Van Dyke 64, enquanto no Porto esta novidade deu-se a 15 de setembro no já referido Teatro Águia d’Ouro, que apresentou no mesmo dia dois filmes, “Troika” de Vladimir Strizhevsky e “Chiqué” de Pierre Colombier 65.

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Entre os anos 30 e os anos 60, a maior parte das construções cria-

das exclusivamente para cinema concentravam-se em Lisboa e em menor número no Porto, havendo apenas um ou outro exemplo noutras cidades do país, sobretudo naquelas com maior número populacional.

Nos primeiros anos do sonoro torna-se cada vez mais explícita a

distinção feita entre os vários tipos de salas de cinema que poderiam ser definidos, de forma resumida, como de estreia, de “reprise” ou de bairro. Apesar de ser predominantemente característica da capital, já que esta concentra uma densidade superior destas salas, encontramos também exemplos desta diferenciação no Porto. Não obstante, a categorização dada aos cinemas foi-se alterando ao longo das décadas e a sua classificação dependeria de vários fatores, nomeadamente da lotação do espaço, podendo inclusivamente a mesma sala alternar entre cinema de estreia ou de “reprise”. Ainda que por vezes pouco clara, este tipo de categorização das salas de cinema continua a surgir regularmente em periódicos até pelo menos aos finais da década de 60, desaparecendo gradualmente na década seguinte.

Apesar de haver diferenças entre os vários cine-

mas de Lisboa e do Porto na década de 20, foi a partir dos anos 30 que os cinemas de estreia começam a destacar-se dos demais, servindo, inicialmente, para os separar daqueles que ainda apresentavam filmes mudos.

Os cinemas de estreia eram, tal como o nome indica, aqueles

onde se apresentavam as novidades cinematográficas. Presumimos que, no começo, esta designação estaria habitualmente associada a uma seleção de espaços mais luxuosos 67 e de maiores dimensões onde, no seu interior, teriam uma variedade de lugares que permitiam uma diferenciação no valor a pagar pelo bilhete, apesar de haver exceções.

É percetível que alguns destes cinemas destinavam-se a setores

da sociedade mais exclusivos, que teria a predisposição de pagar um valor superior pelo bilhete, já que o cinema serviria não só como um espaço de cultura e lazer, mas também de sociabilização, e daí o caráter de requinte e exuberância que as publicidades tanto nos sugerem em relação a algumas salas embora, com o passar do tempo, alguns locais mais despretensiosos, para os padrões das épocas anteriores, assumissem a vanguarda.

Segundo Tiago Baptista, foi nos cinemas de estreia que “o cinema

foi ganhando o estatuto de arte e que a experiência cinematográfica foi sendo rodeada de ritos sociais cada vez mais complexos” 68. Isto permite-nos compreender as mudanças que se fizeram sentir neste tipo de arquitetura, nomeadamente no que concerne aos espaços interiores, de forma a que o público pudesse usufruir do recinto através de práticas de sociabilidade que iam para além do cinema, tornando-se uma constante, nestes espaços, a inclusão de restaurantes e bares, assim como a presença de montras que publicitavam produtos de estabelecimentos comerciais.

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Cinema São Jorge – Lisboa (2019, fotografia de José Frade©).

Dos vários exemplos que abundam em Lisboa e Porto, destacamos

o Cinema São Jorge, em Lisboa. Foi mandado construir com recursos financeiros da Sociedade Anglo-Portuguesa de Cinemas Lda., um consórcio firmado entre João Rocha Júnior e a Rank British Picture Corporation com projeto da autoria do arquiteto Fernando Silva. Inaugurado em 1950, segundo Margarida Acciaiuoli, este cinema pode ser considerado “um ponto de chegada depois das várias experiências que desde a construção do Cinema Tivoli se tinham feito”.

Assente sobre uma planta em forma de leque e com uma estrutura

em betão armado, o São Jorge tem uma fachada sóbria que confere robustez e estabilidade ao edifício, mas o jogo de linhas horizontais e verticais propiciado pela utilização de pilastras e travessas sugere um leve dinamismo 69. A sua sala de espetáculos foi projetada de forma a permitir uma lotação de 1.827 lugares, aproveitando-se ao máximo o espaço com a construção de plateia e balcão que permitiam boas condições de visualização e de acústica, dois “foyers”, sala de projeções privativa, instalações da gerência, instalações para máquina de ar condicionado e aquecimento, camarins e bar 70.

Em 1981 o São Jorge passa por profundas

obras de remodelação, com um projeto do engenheiro Artur Pinto Martins, decidindo-se dividir a grande sala em três mais pequenas 71: do antigo balcão surge a sala denominada Manoel de Oliveira e da antiga plateia nascem duas salas, a 2 e a 3 72. Por fim, após um último período de decadência, é adquirido em 2001 pela Câmara Municipal de Lisboa, passando desde então a afirmar-se como a sala de cinema histórica de visita virtual (2020, DETALHAR ©).

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referência da cidade.


Os cinemas de “reprise”, tal como o nome indica, são

salas que apresentavam filmes em reposição73 e, apesar de haver algumas salas centrais que se categorizavam desta forma, como era o caso, nesta época, do Chiado Terrasse74 em Lisboa e do Olympia no Porto, esta designação estava amplamente associada aos cinemas de bairro.

Com o cinema a conquistar um público diversificado,

surgiram novas salas de cinema em zonas que, apesar de centrais, não tinham um espaço dedicado a este espetáculo, mas também em áreas mais periféricas da cidade.

De acordo com Tiago Baptista, a reposição não só permitia

à sala de cinema poupar no aluguer de filmes, mas era também vista como uma “estratégia comercial” por parte das empresas distribuidoras que “viam nestas salas, tal como nos cinemas da província e das colónias, uma forma de rentabilizar os stocks de cópias à beira da ruína depois de passarem pelos cinemas de estreia de Lisboa e Porto” 75. Normalmente, as sessões oferecidas tinham preços mais baixos e, estes espaços, eram muitas vezes tidos como espaços de segunda, onde passavam filmes desatualizados 76, mas não nos podemos esquecer que foi numa destas salas, dito cinema de bairro, que o sonoro chegou a Portugal.

Dos cinemas de bairro propriamente ditos salienta-se assim o Royal

Cine à Graça, em Lisboa. Com projeto da autoria do arquiteto Norte Júnior, inaugurou no final de 1929 77 e apresentou as primeiras sessões de cinema sonoro em Portugal uns meses mais tarde.

Do edifício inicial, hoje adaptado a espaço comercial, conseguimos

ainda observar a peculiar fachada composta por elementos clássicos, como as colunas de capitel jónico que medeiam as três entradas, sendo o conjunto rematado por frontão e dois bustos representando o drama e a comédia, assentes sobre o entablamento. A encimar o edifício podemos encontrar a estrela presente em várias propriedades de Agapito Serra Fernandes, o fundador deste cinema. Contudo, a tipologia que mais sobressaiu por todo o país, entre a década de 30 e de 60, foi a de cineteatro, uma construção versátil que permitia um maior número de atividades dentro do mesmo edifício, sendo um esquema compositivo que já vinha, previamente, a ser testado.

De um modo geral, eram estruturas que utilizavam betão armado e

continuavam a ter algumas características em comum com os teatros à italiana, tais como “palco, caixa de palco, teia, pano de ferro, proscénio, fosso de orquestra e camarins”, mas, ao mesmo tempo, incluíam as componentes dedicadas ao cinema, como era o caso da cabine de projeção, do equipamento de som e da tela.

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Neste período foram surgindo um pouco por todo

o lado, contudo a autorização dependia de vários fatores como “número de habitantes, o número de recintos existentes por localidade, a relação entre o número de espetáculos e a sua frequência” 78.

Tal como outros cineteatros criados na década de 10 e, principal-

mente, de 20, foram criados através da iniciativa privada e destinavam-se sobretudo a localidades que não tinham casas de espetáculos, ainda que alguns fossem erigidos no local de antigos espaços de divertimento, de forma a modernizar e a dar resposta a múltiplos requisitos que anteriormente não cumpririam.

Dos diversos cineteatros construídos podemos ainda hoje encon-

trar alguns exemplos que permanecem ligados às artes, sobretudo depois de passarem por alterações pontuais ou por processos extensivos de recuperação, enquanto outros foram adaptados a novas funções. Porém, uma grande parte destas construções encontram-se hoje negligenciadas, em estado de ruína irreparável, ou foram mesmo demolidas para em seu lugar serem erguidos novos edifícios.

Desta tipologia há inúmeros exemplos que pode-

riam ser mencionados e que mereceriam a nossa atenção, não só pelas qualidades do seu projeto arquitetónico e material construtivo, mas também pelas suas particularidades, as quais contribuíam largamente para a identidade de cada sala. Contudo, tendo em conta o vasto número de edifícios, selecionamos aqui alguns que destacamos pelo seu carácter de referência e inovação.

A partir dos anos 30, são vários os cineteatros que abrem as suas

portas e que marcam, de certa forma, um cenário de múltiplas conceções arquitetónicas que variam de acordo com o autor e as suas influências.

Uma referência desta época é o Capitólio, localizado no Parque

Mayer em Lisboa e tido por muitos como um dos melhores e originais exemplos deste tipo de arquitetura. Da autoria do arquiteto Luís Cristino da Silva, o primeiro projeto data de 1925 79, mas a sua inauguração deu-se apenas em 1931 e destinava-se a “teatro, music-hall, estreia e reposição de filmes” 80.

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Projeto do Capitólio – Lisboa –, da autoria de Luís Cristino da Silva (1925-1974, Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte© 81, ilustração a partir de).

Planta da sala de cinema do Capitólio – Lisboa (c. 1949, ilustração a partir de 82).

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Logo desde o início, a sua arquitetura destaca-

va-se pela inovação, evidenciando influências da “Art Déco”. Com uma planta marcadamente retangular, o seu corpo retilíneo é marcado pelos elementos verticais e por composições ortogonais, destacando-o

Fachada atual do Cineteatro Capitólio – Lisboa (2017, fotografia de Liliana Fortuna Duarte©).

na envolvência. A forma como o conjunto se enquadra no local, rodeado por antigos teatros de variedades, confere-lhe um aspeto singular. O Capitólio ficou fechado durante anos, mas foi, na última década, alvo de obras de reabilitação que permitiram a sua plena recuperação enquanto casa de espetáculos.

Ainda em Lisboa, existem outros dois cineteatros que ocupam um

incontornável lugar de destaque: o Éden e o Império.

Apesar de haver projetos para os dois cineteatros com a assinatura

do arquiteto Cassiano Branco, e da importância que este teve para a conceção daquilo que viria a ser o resultado final, este acabou por não ser o responsável pela conclusão destes edifícios. Provavelmente por força de diversos fatores, mas nomeadamente por discordâncias quanto ao progresso dos planos por si idealizados, Cassiano Branco desassocia-se do projeto, à semelhança do que aconteceu com o já mencionado Coliseu do Porto. Não obstante, os seus esquemas compositivos e estruturais foram essenciais para a construção destes vultos da arquitetura modernista portuguesa.

Estes cineteatros, apesar de terem uma conceção diferente, em

parte resultado da época em que cada um foi concebido e da sua história particular, podem ainda hoje ser observados, apesar de não cumprirem, há longos anos, as funções para os quais foram projetados.

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A trajetória do Éden como casa de espe-

táculos é, tal como o edifício, complexa e extensa. Localizado na Praça dos Restauradores, em Lisboa, a sua história começa nas primeiras décadas do século XX, num antigo espaço que antes era ocupado por uma garagem e stand de automóveis, sendo este demolido por volta de 1913, para dar lugar a uma obra projetada por Augusto Pina e Guilherme Gomes e que, depois de avanços e recuos na aprovação dos projetos, seria inaugurado em 1914 83. Antigo Éden Teatro – Lisboa (c. 1910-1929, Arquivo Municipal de Lisboa©, s.a. 84).

Nos primeiros anos o edifício seria utilizado para

espetáculos teatrais, mas, a partir de 1918, começa a apresentar sessões de cinema, o que terá causado algum desagrado dentro da esfera teatral. Com as novas regras de construção e de segurança impostas nos anos 20, a Inspeção-Geral dos Espetáculos dá, em 1928, um parecer negativo ao funcionamento do antigo teatro-cinema e este encerra as portas em 1929 85, tornando premente a reestruturação do edifício existente, o que culminará na sua demolição.

Projeto do novo Éden Teatro – Lisboa –, da autoria de Cassiano Branco (1929, Arquivo Municipal de Lisboa© 86, ilustração a partir de).

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Projeto do novo Éden Teatro – Lisboa –, da autoria de Cassiano Branco (c.1930 87).

Cassiano Branco fez, ainda

em 1929, um projeto para a renovação do antigo teatro, mas foram os projetos, datados de 1930 e 1931, que viriam a trazer mudanças significativas na conceção geral do edifício 89. Projeto do novo Éden Teatro – Lisboa – da autoria de Cassiano Branco (c.1931 88).

Dos três projetos, bastante distintos entre si, mas com alguns por-

menores subtis em comum, percebemos que há uma nítida evolução nas propostas.

Em 1929 o arquiteto começa timidamente, com uma fachada relati-

vamente simples, cuja zona central seria destacada, ao mesmo tempo que nos parece que haveria uma alternância entre espaços cheios e vazios, conferindo um certo dinamismo que será mais acentuado nos projetos posteriores. Nesta proposta, a cércea não se destaca tanto dos edifícios contíguos, tal como acontece no projeto de 1930 que, de feição mais tradicional e, de certa forma, alinhado com a linguagem arquitetónica prevalecente nos imóveis vizinhos, traria uma grandiosidade que será acentuada no projeto de 1931.

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Nesta última proposta de Cassiano Branco, a fachada com uma grande superfície de vidro teria uma função mais decorativa e a acústica, no interior, não seria prejudicada por este elemento. A riqueza do plano iria, contudo, além deste elemento, como podemos ver na descrição presente na revista “A Arquitectura Portuguesa, Cerâmica e Edificação (Reunidas)”: “Sôbre belas colunas caneladas de mármore polido (côr de sangue) lançar-se-ia uma sacada geral em vários corpos, revesProjeto do novo Éden Teatro – Lisboa –, da autoria de Cassiano Branco (c. 1931, Arquivo Municipal de Lisboa© 90).

tida de mármore de côr rósea. Sôbre estas sacadas nasciam corpos redondos salientes, em chapas de cristal com colunas caneladas de metal doirado, de rico efeito decorativo. Estes corpos rematavam superiormente por painéis decorativos gravados em cristal. Os dois corpos dos extremos eram ainda encimados por duas belas lanternas de metal e cristal.” 91

As propostas de Cassiano Branco de 1930 e de 1931, apesar de

não terem sido executadas, serviram, a nosso ver, como base para aquilo que seria o projeto final que levou a assinatura do arquiteto Carlos Dias 92, conquanto não sabemos até que ponto este projeto seguiu, diretamente, as propostas de Cassiano Branco, tendo em conta que os dois arquitetos foram, previamente, colaboradores 93. Embora o resultado tenha um traço particular, a obra destaca-se da envolvente pelas suas dimensões, imponência, simetria e equilíbrio, bem como pela utilização de elementos clássicos interpretados de acordo com uma estilização modernista, resultando num conjunto com características maioritariamente “Art Déco”.

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Projeto do novo Éden Teatro – Lisboa –, da autoria de Carlos Dias (c. 1932-1933) 94.

Perfil esquemático do novo Éden Teatro – Lisboa –, da autoria de Carlos Dias (c. 19321933, ilustração a partir de 95).

entrada plateia tela de projeção cabine de projeção balcão

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Os relevos escultóricos, na parte superior do edifício, da autoria

de Leopoldo de Almeida, representavam os vários espetáculos artísticos tal como Dança, Cinema, Zarzuela, Teatro Português (os autos de Gil Vicente), a glorificação do Teatro e da Música, a Tragédia, “Feerie”, Canto e Música.

A fachada é considerada a primeira tentativa de arquitetura publi-

citária já que, com exceção do vão central, uma grande parte da fachada seria preenchida por uma parede de mármore, que serviu para dar resposta a problemas de acústica e que o arquiteto Carlos Dias tinha intenção que fosse utilizada para fins publicitários, indo de encontro do que estava a ser feito, na mesma época, em Paris 96.

Resolvidas as dificuldades, o Éden-Teatro

inaugurou em abril de 1937 97 e seria considerado, de imediato, como uma das melhores casas de espetáculo do país.

Para além das várias inovações, con-

seguiu, de forma exemplar, unir a harmonia e o requinte, tendo em atenção o interesse do público na época. Seria composto por um grande átrio, apresentado uma sala de espetáculos de linhas simples, mas grandiosa, onde o público poderia ter “comodidade física e moral”, mas também bares e “foyers” luxuosos. Apresentava ainda novidades quanto à automatização da climatização bem como um palco de teatro que dava resposta às necessidades dos artistas, aproveitando todo o espaço disponível, não ficando atrás das construções análogas das grandes capitais europeias 99. Éden Teatro – Lisboa (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia de Estúdio Mário Novais 98).

Foi, durante longas décadas, um espaço

dedicado quase exclusivamente ao cinema até que em 1989 100 deixou, permanentemente, de ter a função para o qual foi construído.

Passou por obras de remodelação e

reconversão em 1995, com projeto da autoria dos arquitetos Frederico Valsassina e George Pancreach 101 e foi, nas décadas seguintes, aproveitado para diversas funções até que, após profundas obras, foi adaptado a unidade hoteleira.

Éden Teatro – Lisboa (2016, fotografia de Liliana Fortuna Duarte©).

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Primeiro projeto para o Cineteatro Império – Lisboa –, da autoria de Cassiano Branco (c. 1945, Arquivo Municipal de Lisboa© 102).

Segundo projeto para o Cineteatro Império – Lisboa –, da autoria de Cassiano Branco (c. 1946, Arquivo Municipal de Lisboa© 103, ilustração a partir de).

Terceiro projeto para o Cineteatro Império – Lisboa –, da autoria de Cassiano Branco (c. 1947-1948, Arquivo Municipal de Lisboa© 104, ilustração a partir de).

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O Cineteatro Império é considerado a

“última grande sala de espetáculos projetada por Cassiano Branco”. Com um primeiro projeto de 1945, um segundo de 1946 e um terceiro datado de 1947-1948, este cineteatro foi, tal como outras obras supracitadas, iniciado por Cassiano Branco, mas finalizado por outros arquitetos. Inicialmente, as obras ficaram a cargo de António Varela, juntando-se posteriormente a colaboração de Frederico George 105, arquitetos estes que fizeram algumas mudanças no projeto original de Cassiano Branco, as quais resultaram no edifício que foi inaugurado em 1952 106.

Implantado num terreno entre a Avenida

Almirante Reis, a Alameda D. Afonso Henriques Cineteatro Império – Lisboa (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia de Estúdio Horácio Novais 107).

e a Rua Quirino de Fonseca, o edifício é construído sobre uma planta de base praticamente quadrangular que se destaca, naquela área, pela sua volumetria e, nomeadamente, por duas das suas fachadas que, tal como o Capitólio, são vincadamente marcadas por linhas verticais e pontualmente por linhas horizontais, com diferentes tamanhos, produzindo um efeito dinâmico. Considerado um espaço moderno e requintado, oferecia uma multiplicidade de espetáculos, não ficando circunscrito apenas a cinema e, talvez por isso, tenha sido o primeiro a receber uma sala estúdio da autoria de Frederico George 108, em 1964.

Dos vários arquitetos portugueses, Raúl Rodrigues de Lima é um

nome que se destaca nesta época pela profusa quantidade de cineteatros projetados um pouco por todo o país, como foi o caso do Cineteatro Avenida 109, em Aveiro, do Cineteatro Messias 110, na Mealhada, e do Cineteatro Império 111, em Lagos, mas também não podemos esquecer que o cinema Cine-Arte 112, em Lisboa, é da sua autoria.

Em Lisboa, o Cineteatro Monumental, inaugurado em 1951 113, foi

uma das suas grandes obras e era considerado, à época, como um dos melhores da capital. Antes da sua demolição, encontrava-se construído num terreno entre a Avenida Fontes Pereira de Melo, a Praça Duque de Saldanha e a Avenida Praia da Vitória.

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O edifício foi construído sobre uma planta de base pentagonal;

tinha três fachadas, uma curva, voltada para a praça, e duas planas voltadas para as avenidas, marcadas por grandes vãos de iluminação. Com um corpo maioritariamente horizontal, no ângulo com a Avenida Fontes Pereira de Melo e a Praça, destacava-se uma torre curva encimada por um lanternim que seria rematado por uma esfera armilar metálica, algo que poderia ser visto em vários edifícios da época, associados a um revivalismo de índole modernizante. No seu exterior, na esquina entre a Praça e a Avenida Praia da Vitória, encontravam-se três figuras escultóricas, de grandes dimensões, da autoria de Anjos Teixeira.

Do seu interior sabemos que tinha inicial-

mente duas salas diferenciadas que permitiam “responder às funções para as quais foram criadas” e ambas beneficiavam de “uma plateia e dois ou três balcões”, amplos “foyers”, bares, salão de festas, café-restaurante, sala privada para filmes artísticos e sala de conferências 114.

Cineteatro Monumental – Lisboa (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia do Estúdio Mário Novais 115).

Interior da sala de cinema do Cineteatro Monumental – Lisboa (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia do Estúdio Mário Novais 116).

No início dos anos 80, Raúl Rodrigues de Lima planeou ainda uma

remodelação da sala de espetáculos com a intenção de dividir as grandes salas em outras mais pequenas 117, mas o local viria a ser encerrado em 1983 para no ano seguinte se proceder à sua demolição 118.

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Foyer do 1º balcão do Cineteatro Monumental - Lisboa (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia do Estúdio Mário Novais 119).

Interior da sala de cinema do Cineteatro Monumental - Lisboa (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia de Estúdio Horácio Novais 120).

Teatro Micaelense – Ponta Delgada (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, Reprodução de Foto Nobrega 121).

Fachada atual do Teatro Micaelense – Ponta Delgada (2012, Teatro Micaelense©, fotografia de Fernando Resendes).

Também de Raúl Rodrigues de Lima, salien-

tamos o Teatro Micaelense de 1951 122 e o Teatro-Cine da Covilhã, de 1954 123. Estes dois cineteatros seguem uma linguagem arquitetónica deveras semelhante, inserida na prática arquitetónica de pendor revivalista designada por “Português Suave”, destacando-se do meio urbano onde se inserem não só pela sua volumetria, mas principalmente pela torre Teatro-Cine da Covilhã (s.d., Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia de Mário Novais 124).

de base quadrangular encimada por um coruchéu.

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Ainda na tipologia de cineteatros, encontramos o Rivoli, no Porto, o Cineteatro Jordão, em Guimarães, e o Cineteatro Rosa Damasceno em Santarém. Júlio José de Brito é, a par dos referenciados Cassiano Branco, Raúl Rodrigues de Lima, bem como de Amílcar Pinto, como veremos mais à frente, responsável pelo traço de diversos cineteatros, como é o caso do Cineteatro São Pedro 125, em Espinho, e do Cineteatro Alba 126, em Albergaria-a-Velha, mas também do Rivoli, no Porto, e do Cineteatro Jordão, em Guimarães.

entrada plateia tela de projeção cabine de projeção balcão

corte transversal

alçados

corte longitudinal

planta ao nível do balcão

Projeto do antigo Teatro Nacional – Porto (1912, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 127, ilustração a partir de).

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Pode dizer-se que a história do Rivoli começa em 1912 quando foi requerida a construção de um edifício, pela Companhia Geral de Construções Económicas, para uma casa de espetáculos cinematográficos pertencente à empresa Roque & Santos 128. Em dezembro de 1913 é inaugurado aquele que viria ser conhecido como Teatro Nacional 129 e que se localizaria entre as ruas do Bonjardim e a desaparecida Rua Elias Garcia 130, na qual se encontrava a entrada principal do edifício. Segundo as plantas e a descrição presentes na licença de obra de 1912

131

, sabemos que a sala de espetáculos teria a forma de ferradura; no

piso térreo desenvolvia-se um longo átrio que dava acesso, através de escadas, ao nível da plateia, da orquestra e da sala de palco, e nas extremidades, um conjunto de caixas de escadas davam acesso ao piso dos camarotes e balcão. Num outro piso existia uma cabine, que acreditamos ser de projeção, dado o pedido, evidente, para a abertura de um cinematógrafo, como consta na cópia heliográfica presente no projeto. Teria a possibilidade de atingir uma lotação superior a 1.500 lugares, tornando-se na “maior casa de espetáculos da cidade” 132. Poucos anos depois da inauguração do Teatro Nacional, mais concretamente em 1916 133, começaram as obras que visavam um novo planeamento urbano do centro do Porto, cujo ponto fulcral viria a ser a Avenida dos Aliados. É claro que a extensão destas obras iria influenciar todas as outras áreas adjacentes e as vias existentes teriam de sofrer alterações para cumprir o traçado que se impunha, o que obrigava à demolição e transformação de muito do edificado pré-existente.

Por volta de 1925 o antigo Teatro Nacional terá mudado o seu nome para Rivoli 134. As últimas sessões do antigo Teatro Nacional/Rivoli ter-se-ão realizado a 7 de julho de 1929, sendo de seguida demolido para dar lugar a nova construção 135.

O novo Rivoli, da autoria do arquiteto Júlio José de Brito, passou por algumas alterações até chegar ao seu aspeto definitivo, em parte pelas mudanças operadas na envolvente, nomeadamente na Rua do Bonjardim e na abertura da Praça D. João I, que levaria alguns anos a ficar concluída. Após a aprovação do projeto em 1929, identificado como uma ampliação do antigo Teatro Nacional, e ao fim de três anos de obras 136, o novo cineteatro foi inaugurado em janeiro de 1932 137. O edifício, no gaveto formado pelas ruas do Bonjardim e Dr. Magalhães Lemos, nome dado ao prolongamento da Rua de Passos Manuel a partir da Praça D. João I, teria inicialmente a fachada principal voltada para a extensão da Rua Passos Manuel, como se vê no projeto de 1928-1929 138, mas aquando da sua inauguração, esta já seria voltada para a praça.

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alçado

corte longitudinal

corte transversal

entrada plateia tela de projeção cabine de projeção balcão

planta ao nível da plateia

Projeto do cineteatro Rivoli – Porto –, da autoria de Júlio José de Brito (1928-1929, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 139, ilustração a partir de).

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A primeira fachada que Júlio de Brito concebeu para o cineteatro, datada de 1928, seguia uma linguagem arquitetónica sóbria e equilibrada, sendo um edifício de feição clássica, com um certo tradicionalismo e sem grandes singularidades que o particularizassem no contexto das casas de espetáculo do país. Seria uma construção robusta onde os múltiplos vãos de iluminação, presentes nas duas fachadas, quebrariam a austeridade do edifício bem como teria, pontualmente, relevos escultóricos que proporcionavam um primoroso acrescento. Aquando da sua inauguração, em 1932, a solução final encontrada, apesar de ter semelhanças com o projeto de 1928, seguiria uma linguagem mais moderna, valorizando-se o gaveto, com a criação de um volume curvo, voltado para a Rua Dr. Magalhães Lemos, o que permitia dar uma certa plasticidade ao imóvel, maioritariamente linear, com uma cércea constante ao longo da sua estrutura. Apesar da qualidade dos materiais utilizados, a fachada não permitia perceber que os interiores eram tão amplos, distintos e refinados como os descritos pelos meios de comunicação da época 140.

Cineteatro Rivoli - Porto (c. 1941, Hemeroteca Municipal de Lisboa© 141).

Por volta de 1940-1941, dá entrada na Câmara Municipal o pedido para a alteração da fachada existente 142, que conduz à solução que atualmente persiste, embora algo alterado nas obras de remodelação dos anos 90. O arquiteto decide tornar a zona do gaveto ainda mais destacada da restante construção, alterando alguns aspetos na zona central da fachada e aumentando a altura daquela parte do edifício com uma área de friso que receberia um relevo figurativo da autoria de Henrique Moreira 143. Após longas décadas de funcionamento, o Rivoli inicia um gradual processo de declínio, culminando com a sua compra por parte da Câmara Municipal do Porto em 1989 144. Em 1994 145 encerra para obras de remodelação, com projeto do arquiteto Pedro Ramalho, reabrindo em 1997 146. A partir daí torna-se conhecido como Rivoli Teatro Municipal, mantendo-se, até aos nossos dias, como uma das mais importantes casas de espetáculo da cidade do Porto, com ênfase em teatro e música, mas acolhendo igualmente alguns eventos cinematográficos.

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alçado

Projeto de alteração da fachada do cineteatro Rivoli – Porto (1940-1941, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 147, ilustração a partir de). alçado principal - fachada

Interior da sala de espetáculos do cineteatro Rivoli – Porto (c. 1941, Hemeroteca Municipal de Lisboa© 148).

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Cineteatro Rivoli - Porto (2020, fotografia de Liliana Fortuna Duarte©).


O Cineteatro Jordão, da autoria do arquiteto Júlio

José de Brito, foi inaugurado em 1938 149. Resistindo apenas parte do edifício, nomeadamente a fachada, encontra-se em pleno processo de reabilitação 150, depois de décadas votado ao abandono, prevendo-se a abertura de uma escola dedicada às artes performativas e visuais 151.

Outro nome da arquitetura portuguesa que foi

responsável pelo projeto de diversos cineteatros é Amílcar Pinto. Sendo autor de várias propostas, chegaram até nós os que foram construídos, como é o caso do Cineteatro de Almeirim 152, o Teatro-Cine de Gouveia 153, o Cineteatro de Alcácer do Sal 154 e o Cineteatro Rosa Damasceno em Santarém, considerada uma das suas obras maiores.

Inaugurado em 1938 155, aquando da abertura do

Cineteatro Rosa Damasceno, a revista “Arquitectura Portuguesa” descreveu-o como “um trabalho classificável de perfeito, quer sob o ponto de vista estético quer sob o ponto de vista ótico-acústico” 156, mas o que favorecia a sua qualidade era a iluminação “em que se observou um escrúpulo notável” 157. Encerrado há mais de vinte anos, o estado de conservação atual do edifício é crítico 158.

Cineteatro Rosa Damasceno – Santarém (1981, fotografia de José Manuel Fernandes©).

A partir dos anos 50 sentiu-

-se cada vez mais a necessidade de alteração do quadro legal de regulação das salas de cinema, de modo a permitir e fomentar a revitalização da oferta em relação ao mercado, em nova e profunda transformação.

entrada plateia tela de projeção

planta ao nível da plateia

Planta do cineteatro Rosa Damasceno – Santarém –, da autoria de Amílcar Pinto (1937, ilustração a partir de 159).

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A importância das salas para a divulgação do

cinema era intrínseca 160 e cada vez mais se compreendia que as salas instaladas em prédios de finalidade mista 161, como prédios comerciais e de habitação, deveriam tornar-se prática corrente, algo comum no estrangeiro há décadas.

A televisão, surgida em Portugal nos finais da década de cinquenta,

trouxe grandes mudanças na forma como o público despendia o seu tempo de lazer e, de certa forma, agudizou a crise na área dos espetáculos 162, o que sucedia um pouco por todo o mundo e que se arrastava há longos anos por diversos fatores.

Talvez tenha sido esta uma das motivações para as mudanças ins-

tauradas pelo decreto de 20 de novembro de 1959 163, que veio transformar decisivamente a construção das salas de cinema, tornando mais fácil e menos dispendioso a abertura de novas salas de espetáculo e facilitando a abertura de cinemas em localidades com uma população reduzida. Contudo, com estas mudanças, surgiram igualmente nos anos seguintes espaços que se tornaram concorrentes das salas de cinema, como foi o caso dos cine-cafés 164 que, não constituindo propriamente uma tipologia de cinema, visto não terem sido criados com essa intenção, eram espaços muitas vezes ao ar livre onde se passavam sessões de cinema ao mesmo tempo que o público socializava, recuperando parcialmente o conceito misto e polivalente de algumas das primeiras salas de cinema.

Com as alterações trazidas por este decreto torna-se nítida uma

mudança no paradigma das construções para cinema, entrando-se numa “era de pragmatismo”, como afirma Margarida Acciaiuoli, assistindo-se à adaptação de “espaços livres dentro de outros recintos” 165 por parte dos promotores, em detrimento de estruturas criadas de raiz.

É a partir daqui que surgem as primeiras salas-estúdio, frequentes

no estrangeiro desde os finais da década de 20, mas para as quais se não conheciam, até esse momento, exemplos em Portugal.

Esta tipologia caracteriza-se principalmente pela reduzida área des-

tinada a cinema, bem como pela menor capacidade de audiência em relação às salas de cinema mais convencionais, pelo que foram frequentemente criados em espaços que teriam originalmente outras funcionalidades, mas que acabariam por ser adaptados.

Inicialmente, surgiram em cinemas já existentes, como é o caso da

primeira sala-estúdio do país, criada no Cinema Império em 1964 166, previamente referido, ou então integradas em casas de espetáculo como o Cinema Passos Manuel, no Coliseu do Porto, também já aludido.

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Pouco depois surgem as primeiras salas tanto em

edifícios de habitação como comerciais, onde se utiliza uma parte do espaço para a instalação de cinema. Na maior parte dos casos estas encontram-se fechadas desde meados da década de 90, quando perderam a preferência do público para os centros comerciais e, mais tarde, para os grandes “shoppings”.

No caso dos edifícios de habitação, surge em Lisboa o Estúdio 444,

na Avenida Defensores de Chaves, que foi inaugurado em 1966 167 com um projeto da autoria do arquiteto Henrique V. Figueiredo. Era composto por uma sala na cave com lotação para 444 espectadores 168, de onde provém o seu nome. No Porto, algo semelhante foi construído no Complexo Habitacional da Boavista, um projeto da autoria de Agostinho Ricca com a participação dos arquitetos João Serôdio e José Carlos Magalhães Carneiro. A sala, denominada Estúdio Foco, serviria como cinema e sala de concertos e teria uma capacidade de 350 lugares, sendo inaugurada em 1973 e mantendo-se em funcionamento até 1993 169.

Nos edifícios comerciais podemos apontar o Cinema Quarteto em

Lisboa, na Rua Flores de Lima. Inaugurado em 1975 170 e encerrado em 1988 171, diferenciava-se de outros da época por ter quatro salas, dedicadas exclusivamente ao cinema, projetadas pelo arquiteto Nuno San-Payo. No Porto, situado na Rua Costa Cabral, o Cinema Estúdio inaugurou-se em 1966 172. Na cidade, terá sido um dos primeiros a instalar-se num edifício de finalidade mista, entretanto modificado, pertencente ao Centro de Caridade da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro 173. A realização de obras de remodelação permitiu-lhe continuar a funcionar no século XXI 174.

Cinema Quarteto – Lisboa (c. 1977, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Photographia Vasques 175).

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Com o advento e a proliferação dos centros

comerciais na década de 70, mas, principalmente, com a sua popularização nos anos 80 e 90 do século XX, começaram a surgir as primeiras salas de cinema incluídas nesta tipologia de espaços, as quais iriam mudar radicalmente e até aos nossos dias o modo de se consumir cinema.

A conceção deste tipo de sala passa, nomeadamente, pela forma

como se projeta o auditório, dependendo as suas particularidades sobretudo das características técnicas e da lotação de cada sala, o que se traduz na conciliação dos sistemas de som e de projeção segundo regras de construção específicas 176.

Em Lisboa, o primeiro cinema deste tipo é implantado na Rua Júlio

Dinis, no local onde se encontrava o Drugstore Apolo 70, projetado pelo arquiteto Augusto Silva em 1971 177. No Porto, o primeiro deste tipo encontrava-se no Centro Comercial Brasília, localizado entre a Praça Mouzinho de Albuquerque e a Avenida da Boavista, inaugurado em 1976 178, sendo conhecido durante os seus 25 anos de funcionamento como Cinema Charlot 179.

A génese dos cinemas multiplex surge nos Estados Unidos da Amé-

rica 180, disseminando-se a partir dos anos 50 e 60 181. Em Portugal a adesão foi tardia e aquele que é considerado o primeiro neste género abriu portas em 1985 182 no Centro Comercial Amoreiras, em Lisboa. Como precursor desta tipologia arquitetónica em “shopping”, criou de certa forma o precedente para que mais tarde se disseminasse por todo o país, como foi o caso do Cascais Shopping em 1991, do Centro Comercial Cidade do Porto em 1994 e do Gaia Shopping em 1995. O Arrábida Shopping, inaugurado em 1996, contava com 20 salas nos anos 2000 183 e, juntamente com o Colombo em Lisboa, deram início à tipologia megaplex.

Em relação a estas últimas variantes do que são hoje os grandes

recintos cinematográficos, verifica-se uma diminuição na sua capacidade de atrair o público e, se antes mantinham elevadas assistências, nos últimos anos tem-se verificado uma permanente perda de público, apenas com irregularidade e pontualmente contrariada aquando da estreia de grandes “blockbusters”.

Se a crise na área dos espetáculos foi motivo de preocupação nas

décadas de 50 e 60, podemos dizer que hoje essa crise é ainda mais acentuada.

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Nas últimas décadas do século XX muitas salas que se considera-

vam clássicas fecharam 184. Problemas financeiros e a constante perda de público terão sido dos principais motivos que levaram ao encerramento de inúmeras salas, resultado do declínio da indústria cinematográfica, que enfrenta há longos anos instabilidade nos setores de produção, distribuição e exibição.

Novas construções dedicadas a este tipo de espetáculo tornaram-

-se cada vez mais escassas, dando preferência à inclusão de salas em centros comerciais, notando-se porém, e cada vez mais, um novo interesse por espaços mais pequenos e distintos, e talvez, nos próximos tempos, se sinta a necessidade de aproveitarmos a existência das antigas salas e adaptarmos estes espaços consoante a conveniência do público e do setor cinematográfico.

Na última década podemos verificar, um pouco por todo o país, o

aumento significativo de intervenções de reabilitação de antigos cinemas e cineteatros, passando, em parte pela sua adaptação a novas valências culturais e, obrigatoriamente, pela sua atualização funcional e técnica, tentando, contudo, preservar a memória do espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As salas de cinema são um perfeito exemplo de equipamento

urbano em permanente evolução, essenciais na compreensão da “arquitetura para espetáculos”, mas igualmente e em muitos casos, campos de ensaio de novas e arrojadas linguagens arquitetónicas e soluções técnicas, sempre dependentes e em interação com o constante desenvolvimento tecnológico da produção cinematográfica. Consequentemente, tratam-se de espaços cuja compreensão e valorização é complexa e mesmo por vezes difusa, requerendo uma atenta reflexão crítica.

É de salientar os contributos dos estudos de arquitetura e restauro

que têm proliferado nas últimas décadas, nomeadamente sobre cineteatros, ajudando-nos a compreender melhor estas estruturas e a entender esta tipologia amplamente difundida pelo país. No entanto, consideramos essencial o estudo sistematizado das tipologias “menores” de sala de cinema, menos estudadas e, na sua grande maioria, hoje desaparecidas, mas cujos projetos e recordações da sua história poderão ainda ser recuperadas.

As salas de cinema são memórias de um passado não muito dis-

tante, mas também um património em perigo para o qual, em muitos casos, sobrevive apenas documentação fotográfica ou textual, também ela perecível e por vezes em risco.

Atualmente, e apesar de se sentirem os seus efeitos há alguns anos,

é notória uma cada vez maior apreensão quanto ao futuro destas salas e mesmo da industria do cinema como um todo, o qual aparenta estar prestes a findar mais um dos seus muitos ciclos e, como tão bem nos habituou, a iniciar um novo, que quem sabe, passará novamente pelas salas de cinema como espaço privilegiado para o consumo da 7ª arte.

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NOTAS 1 Página 12 de RIBEIRO, M. Félix – Os mais antigos cinemas de Lisboa 1896-

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8 Páginas 16-20 de ALVES COSTA, Henrique – Os antepassados de alguns cine-

20 Página 88 de RIBEIRO, M. Félix – Os mais antigos cinemas de Lisboa

mas do Porto. Lisboa: Instituto Português de Cinema Cinemateca Nacional, 1975.

1896-1939. Lisboa: Instituto Português de Cinema Cinemateca Nacional,

9 Código de referência: 75064.

1978.

10 Página 219 de ANDRADE, Sérgio C.; LIBERAL, Ana Maria; PEREIRA, Rui – Ca-

21 Página 67 de RIBEIRO, M. Félix – Os mais antigos cinemas de Lisboa

sas da Música no Porto: para a história da cidade. 2º Volume. Porto: Fundação

1896-1939. Lisboa: Instituto Português de Cinema Cinemateca Nacional,

Casa da Música, 2010.

1978.

11 Página 218 de ANDRADE, Sérgio C.; LIBERAL, Ana Maria; PEREIRA, Rui –

22 Página 26-27 da revista A Architectura Portugueza, Ano IV, Nº 7 de

Casas da Música no Porto: para a história da cidade. 2º Volume. Porto: Fundação

junho de 1911.

Casa da Música, 2010.

23 Código de referência: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004(JBN/000252). Reprodução a partir da página 26 de A Architectura Portugueza.

12 SERENO, Isabel – Cinema Batalha. In SIPA: Sistema de Informação para Pa-

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25 Código de referência: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000253.

px?id=10734)

26

Página 73 de DUARTE, Liliana Fortuna - Paraíso no Porto: O Jardim

Passos Manuel 1908-1938. 27

Página 50 de ACCIAIUOLI, Margarida – Os cinemas de Lisboa: um

fenómeno urbano do século XX, Lisboa: Editorial Bizâncio, 2012. 28

Fundo de Fotografia Estúdios Tavares da Fonseca, JARDIM PASSOS

13 Página 218 de ANDRADE, Sérgio C.; LIBERAL, Ana Maria; PEREIRA, Rui – Ca-

MANUEL [NO PORTO (REPRODUÇÃO)], PT/CPF/TAV/ASS/0046/000020,

sas da Música no Porto: para a história da cidade. 2º Volume. Porto: Fundação

Imagem cedida pelo Centro Português de Fotografia.

Casa da Música, 2010.

29

14 Colocam-se muitas dúvidas em relação às primeiras construções feitas

Passos Manuel 1908-1938. Porto: Faculdade de Letras da Universidade

exclusivamente para cinema, havendo várias contradições relativamente às suas

do Porto, 2017. Dissertação de Mestrado em História da Arte Portuguesa

datas. Como, na sua grande maioria, estas primeiras construções foram demolidas,

(policopiado).

a informação é escassa e muitas das dúvidas de hoje manter-se-ão irresolúveis. A

(disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/108939)

Página 80 de DUARTE, Liliana Fortuna - Paraíso no Porto: O Jardim

tipologia mais antiga a que aqui nos referimos data dos primeiros anos do século XX, denominando-se “storefront theater”, dos quais os “nickelodeon” são exemplo. Páginas 62-64 de PAUL, William – When movies were theater. New York: Columbia University Press, 2016. 15 Reprodução a partir da página 30 de Anuário Comercial do Porto. Porto. Ano

30 Página 29 de RIBEIRO, M. Félix – Invicta Film: uma organização mo-

XV (1940, 2ª Série).

delar 1917-1924. Lisboa: Cinemateca Nacional, 1979.

16 Código de referência: PT/AMLSB/MIW/000017.

31 Página 62 de PEREIRA, Rui; ANDRADE, Sérgio C.; LIBERAL, Ana Maria

17 Página 58 de RIBEIRO, M. Félix – Os mais antigos cinemas de Lisboa 1896-

– Casas da Música no Porto: para a história da cidade. 3º Volume. Porto:

1939. Lisboa: Instituto Português de Cinema Cinemateca Nacional, 1978.

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CINE M A : E SPAÇOS, E STUDOS, INSTITUIÇÕE S E PATR IM ÓNIO

111


33 Código de referência: PT/AMLSB/CB/06/03/20.

43 Nos últimos anos do século XIX e princípios do século XX houve inúmeros

34 Página 267 de FERREIRA, A. J. – Animatógrafos de Lisboa e Porto. 2ª Edição.

incêndios que provocaram a morte a centenas de pessoas em parte devido à

Lisboa: s.e., 1994.

utilização de materiais altamente inflamáveis na conceção de películas fílmicas e

35 Página 69 de GONÇALVES, Patrícia – Salão Jardim da Trindade: Um Cinema

também pelas parcas condições de segurança. Um dos episódios mais comentados

Palimpsesto (1912-2017). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto,

foi o desastre no Bazar de la Charité em 1897, Paris.

2018. Dissertação de Mestrado em História da Arte, Património e Cultura Visual

44 Páginas 48-50 de ANDRADE, Sérgio C.; LIBERAL, Ana Maria; PEREIRA, Rui –

(policopiado).

Casas da Música no Porto: para a história da cidade. 2º Volume. Porto: Fundação

(disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/117476)

Casa da Música, 2010. 45 Reprodução a partir da página 27 de Anuário Comercial do Porto. Porto. Ano XV (1940, 2ª Série). 46 Código de referência: PT/AMLSB/MIW/000019. 47 Páginas 120-123 de RIBEIRO, M. Félix – Os mais antigos cinemas de Lisboa

36 Página 98 de GONÇALVES, Patrícia – Salão Jardim da Trindade: Um Cinema

1896-1939. Lisboa: Instituto Português de Cinema Cinemateca Nacional, 1978.

Palimpsesto (1912-2017). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto,

48 Página 114 de SILVA, Susana – Arquitectura de Cine Teatros: Evolução e Re-

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49 Código de referência: PT/AMLSB/PAS/002480. 50 Código de referência: CFT164.50607. 51 Páginas 207 e 308 de ACCIAIUOLI, Margarida – Os cinemas de Lisboa: um fenómeno urbano do século XX. Lisboa: Editorial Bizâncio, 2012. 52 AZEVEDO, Eunice – Teatro (Novo) da Rua dos Condes. In Centro Virtual Ca-

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39 Código de referência: 78406.

59 MINISTÉRIO DO INTERIOR - GABINETE DO MINISTRO – Decreto n.º

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112

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1950. Lisboa, s.n., 1949 75 Página 43 de BAPTISTA, Tiago – Cinemas de estreia e cinemas de bairro em Lisboa (1924-1932). In Ler a História. Nº 52. Lisboa: ISCTE, 2007. pp. 29-56. 76 Página 48 de BAPTISTA, Tiago – Cinemas de estreia e cinemas de bairro em Lisboa (1924-1932). In Ler a História. Nº 52. Lisboa: ISCTE, 2007. pp. 29-56.

61 Página 124-129 de ACCIAIUOLI, Margarida – Os cinemas de Lisboa: um fenó-

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1939. Lisboa: Instituto Português de Cinema Cinemateca Nacional, 1978.

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CINE M A : E SPAÇOS, E STUDOS, INSTITUIÇÕE S E PATR IM ÓNIO

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96 Páginas 9-11 GANDARA, Alfredo de Oliveira – O Eden-Teatro. A Arquitectura

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102 Código de referência: PT/AMLSB/CB/06/02/36. 103 Código de referência: PT/AMLSB/CB/06/02/03.

119 Código de referência: CFT164.160874.

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139 Licença de obra N.º 18/1936. 130

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pelas várias referências que encontramos no Jornal O Comércio do Porto, nomeadamente a partir de 1926. 135 Página 3 de Jornal O Comércio do Porto. Porto. Ano LXXIV (1929, 7 julho). 136 Página 159 de ANDRADE, Sérgio C.; LIBERAL, Ana Maria; PEREIRA, Rui – Casas da Música no Porto: para a história da cidade. 2º Volume. Porto: Fundação

147 Licença de obra N.º 729/1940.

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137 Página 156 de ANDRADE, Sérgio C.; LIBERAL, Ana Maria; PEREIRA, Rui –

Lisboa. 5/6: 1 (1941).

Casas da Música no Porto: para a história da cidade. 2º Volume. Porto: Fundação

(disponível em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Panorama/

Casa da Música, 2010.

N05-06/N05-06_item1/P100.html)

Reprodução a partir de Panorama: revista portuguesa de arte e turismo.

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XXXI, 3ª Série, janeiro).

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157 Páginas 14 de Revista Arquitectura Portuguesa, Ano XXXI, 3ª Série, janeiro de 1939, Nº 46, pp. 14-15. 158

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https://www.publico.pt/2018/04/26/local/noticia/autarquia-

-quer-teatro-jordao-reaberto-em-2020-1815460)

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tecto português do século XX. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2011. Dissertação de Mestrado em História da Arte, Património e

164 Página 16 de Boletim da União de Grémios dos Espetáculos. Lisboa. 146

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(1967, Ano XV, agosto).

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plexes-ou-cinema-com-pipocas-140190)

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176 INSTITUTO PORTUGUÊS DE CINEMA – Como planear um cinema. Lisboa: IPC, 1977.

CINE M A : E SPAÇOS, E STUDOS, INSTITUIÇÕE S E PATR IM ÓNIO

117



5 A IMPRENSA E O CINEMA ESTUDO S


Joana Isabel Duarte Investigadora integrada do CITCEM-Faculdade de Letras da Universidade do Porto | Investigadora colaboradora do TRAMA-Universidade de Lleida joanaisabelfduarte@gmail.com Doutoranda em Estudos do Património (Faculdade de Letras da Universidade do Porto) e Patrimonio, Territorio y Cultura (Universidade de Lleida) com a tese “Cinefilias e Cultura Cinematográfica em Portugal: anos de 1950 e 1960”. Licenciou-se em História da Arte (Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2015) e é Mestre em História da Arte, Património e Cultura Visual (Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2018). Tem escrito diversos artigos em revistas e capítulos de livros em Portugal e no estrangeiro, quer na área de formação base (História da Arte), quer no âmbito dos estudos cinematográficos. Dedica especial atenção à cultura cinematográfica escrita, em especial as revistas de cinema portuguesas e espanholas. Estagiou na Biblioteca Pública Municipal do Porto (2017-2018) e na Filmoteca de Castilla y León (2018).


Cem anos de imprensa de cinema em Portugal 1 OS PRIMEIROS ANOS DA IMPRENSA DE CINEMA EM PORTUGAL

A ligação das imagens em movimento à imprensa parece surgir bastante antes da invenção do cinematógrafo. Nas revistas internacionais, os objetos do designado “pré-cinema” - desde as lanternas mágicas ao animatógrafo - figuram entre revistas especializadas de ciência, técnica e ótica. Quando em 1895 se fazem as primeiras exibições do Cinematógrafo dos Lumière, é também na imprensa que se dará nota deste feito e engenho 2.

Desde as primeiras exibições de fotografia ani-

mada e imagem em movimento em solo português – em Lisboa com o animatógrafo (1896) e só em 1897 com o Cinematógrafo dos Lumière 3 – que o cinema foi suscitando crescente interesse no nosso meio. A imprensa acompanhou de perto a curiosidade motivada por tais engenhos 4. Com a viragem do século e decorridos os anos de novidade, Portugal - não obstante a progressiva familiaridade com essas exibições e a existência de experimentações cinematográficas locais - ainda “não descobriu o cinema” 5. Será apenas em 1912 – isto é, volvidos 17 anos desde o surgimento do cinematógrafo – que, com a publicação da “Cine-Revista” (Porto, 1912), se augura em Portugal o início de uma cultura cinematográfica por escrito 6. De facto, foi na mesma cidade que viu nascer as primitivas experiências cinematográficas portuguesas, com Paz dos Reis e Francisco Pinto Moreira, que primeiramente se transpôs para o papel ideias, notícias e publicidade exclusivamente relacionadas com o cinema. Situação similar ocorreu no país vizinho: a primeira revista de cinema espanhola, a “Arte y cinematografia” (Barcelona, 1910), surgiu não na capital, mas sim na cidade catalã que fora berço das primeiras experimentações cinematográficas espanholas 7. Portugal parece, assim, acompanhar o surgimento das revistas especializadas no estrangeiro, como demonstra o exemplo espanhol: o intervalo temporal entre a primeira publicação lusa e a hispânica foi curto, diferindo em apenas dois anos. A “Cine-Revista” foi, segundo os registos, a primeira revista de cinema portuguesa, mas, pela sua inconsistência e curta duração, não chegou a assumir um papel fundador e determinante como

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outras que mais tarde viriam a ser publicadas. Pesem embora estas características, seria injusto negar-lhe interesse 8, tendo em consideração que foi nesta publicação que primeiramente se lançam os melhores auspícios para o cinema em Portugal nos anos vindouros: declara-se que “a Cinematografia triunfa (…) em todo o mundo – não podendo, pois, de deixar de triunfar entre nós” 9. A “Cine-Revista” portuense, como o tempo mais tarde o provou, estava certa: Portugal acabou por descobrir o cinema. À cidade de Lisboa as revistas de cinema chegarão bem mais tarde: apenas em 1917 (e não em 1916 10, como por vezes se escreve), quando já se haviam publicado pelo menos duas revistas na “província”: a aludida “Cine-Revista” (homónima, aliás, da revista que viria a publicar-se em Lisboa) e “O foco” (1913-1915), em Torres Novas. A revista “O Foco” é especialmente significativa por ter persistido durante um período de dois anos num local de – aparentemente – pouca tradição cinematográfica. Contudo, e não obstante a importância destas publicações, a verdade é que nenhuma revista deste período foi capaz de rivalizar com a “Cine-Revista” (Lisboa, 1917-1924), publicada na capital e que, graças à sua longevidade e qualidade dos textos editados 11, ficou na história como a mais importante desta primeira década e uma das mais importantes nos inícios de 1920. Pese embora a sua pouca qualidade gráfica, é de destacar a inclusão de retratos dos insignes “artistas” da época (hoje desconhecidos), ainda que nem sempre estas imagens correspondam a fotografias. Enquanto o cabeçalho da publicação manifesta ainda um gosto “Art Nouveau”, a organização gráfica, nomeadamente o emolduramento das imagens, parece distanciar-se já dessa linguagem estética, incluindo, para além de motivos vegetalistas, figuras geométricas e um gosto marcadamente simétrico.

Capa da revista “Cine-Revista” (1921, 15 de fevereiro, N.º 45, Ano IV, Biblioteca Pública Municipal do Porto© 12).

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O cinema foi conquistando, tímida e paulatinamente, o seu lugar na imprensa. Os exemplos referidos são disso prova, assim como a associação que então lhe começam a emprestar algumas revistas culturais, como é o caso de “Arte: revista ilustrada” (Lisboa, 1917-1918) e “O Artista” (Lisboa, 1918). Nestas revistas, o cinema convive com a literatura, a pintura, a escultura, os monumentos e outras expressões artísticas. A inclusão do cinema nestes periódicos, sob a égide dos termos “arte” e “artista”, é reveladora de um entendimento muito precoce do cinema como forma artística. Semelhante situação persiste nos anos 20, altura em que muitas das revistas especializadas – que, entretanto, passaram a ser profusas –, são de manifesta qualidade gráfica e textual. A arte cinematográfica amadurecera e estabelecera-se na mesma altura em que se vivia a época de ouro do cinema mudo português. Tal expressão – mudo – e suas congéneres deram, inclusivamente, título a diversas revistas especializadas, como comprovam os exemplares de “Arte do silêncio” (Lisboa, 1923) e “Arte muda” (Porto, 1928), dirigida pelo realizador Rino Lupo. Esta nobilitação do cinema aproxima-se dos preceitos de Riccioto Canudo, importante defensor da sétima arte nas décadas de 10 e 20. Ainda assim, e embora essa nobilitação diga respeito, habitualmente, ao panorama europeu (proclamada por críticos como Louis Delluc e Canudo), a verdade é que, por estas datas, também na América existia já uma fação de críticos que tentavam “legitimar os filmes como uma forma de arte” 13. Semelhante situação ocorreu, igualmente, em Portugal: com efeito, as revistas prezam as qualidades artísticas e intelectuais do cinema silencioso, em que a “mudez” – apesar do que o termo possa induzir, pela sua ligação terminológica a uma incapacidade 14 – não é um “handicap”. Pelo contrário, na revista “De Cinematografia” (Lisboa, 1925-1927) escreve-se, em 1926, que a arte do silêncio concretiza, por fim, a aspiração do homem por uma “língua universal” e que esse é o “grande milagre do cinema como meio de expressão” 15. A arte cinematográfica será também meio de expressão e discussão para outros campos extra-artísticos, nomeadamente o pedagógico. As possibilidades pedagógicas do cinema são cada vez mais reconhecidas pelos cinéfilos, como demonstram numerosos artigos de revistas 16. Essa relação do cinema e da educação, influenciada pelos preceitos da “Nouvelle Education”, demonstram como o cinema educativo é também uma forma de legitimação da arte cinematográfica, já que chama a si uma elite esclarecida, educada e intelectual (como professores, pedagogos, entre outros). No Porto, nos meados dos anos 20, existe uma publicação (que tenhamos conhecimento, a única no país 17) exclusivamente dedicado à “cinepedagogia” – “O cinema educativo” (Gaia; Porto, 1926-1928). Esta ligação do cinema à educação, muito veiculada e discutida pelas revistas da época, está em

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consonância com o que acontece, nestas datas, em países como a França 18 e Espanha 19. Será, contudo, apenas nos anos 30 que melhor se forja e fundamenta, explora e se discute o conceito de “cinepedagogia”. Concomitantemente a esse entendimento do cinema como “arte” e como “veículo educativo”, importará mencionar aquele que é um dos fenómenos mais evidentes e afamados destes anos 20 20 – o culto às estrelas e aos “astros” do cinema. Para Edgar Morin, é nos anos 20 que as estrelas mais se aproximam de deuses/as, arquétipos, e mitologias: assumem um papel “bigger than life” 21. A veneração da vedeta insere-se no “star system” que, por estes anos, se estabelecia - muito em parte graças às revistas de cinema. A estrela de cinema, para sobreviver no olhar dos espectadores, dependia da transposição da sua “imagem” para fora da tela: deveria ser “fixável” 22. Essa necessidade de “fixação” (desejo do público, ainda que incentivado pela indústria) era colmatada pela partilha de informação única e exclusiva (garantiam-nos as revistas…) de pequenos segredos, romances e outros “fait-divers” e, sobretudo, pela reprodução de fotografias das vedetas. Com efeito, “quem já folheou uma revista antiga de Hollywood (…) sabe que as imagens em movimento podem ter feito a indústria fílmica, mas as fotografias mantiveram-nas vivas” 23. A imagem dos “artistas” do cinema rapidamente se difundem pelas publicações de cinema portuguesas, quer sob a forma de ilustração, quer na utilização de fotografias (nos anos 20, ainda maioritariamente a preto-e-branco ou a bicolor). No caso da fotografia, ela era muitas vezes enquadrada por molduras de estilização vegetalista, às vezes a pender ainda para a “Art Nouveau”, outras vezes por estilização geométrica e mais próxima da “Art Déco”. Estes retratos das estrelas preenchiam as capas e páginas destas publicações e podiam surgir, muitas das vezes, de forma personalizada. Era comum os contratos das estrelas reservarem algum do seu tempo de serviço para a produção de fotografias e realização de autógrafos 24. Assim, mesmo nas revistas portuguesas, surgem de forma exclusiva dedicatórias de atores publicadas para o deleite dos seus admiradores cinéfilos. Jeanne Falconetti e Louise Brooks foram algumas das estrelas internacionais que autografaram retratos seus para revistas como a “Cinéfilo” (Lisboa, 1930-1939) e a “Imagem” (Lisboa, 1930-1935), com uma pequena mensagem dedicada ao público dessas revistas. Essa prática manteve-se no início dos anos 30 e, embora predominassem as fotos das estrelas, já nesta altura aparecem também dedicatórias autografadas por realizadores como Fritz Lang.

Lilian Gish na capa da revista “De Cinematografia” (1926, janeiro, N.º 2, Biblioteca Pública Municipal do Porto©25).

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Semelhante inclusão é bem demonstrativa do interesse e admiração que existia pelos realizadores de cinema, bem antes do período áureo dos “realizadores-autores” dos anos 50, vinculado à “Política dos Autores” publicada na revista “Cahiers du Cinéma” (Paris, 1951-). Mas as estrelas também poderiam aparecer nas revistas em poses menos glamorosas – sob a forma de caricatura. Esta prática é comum nos anos 20, em revistas como a “De cinematografia” ou a “Cinéfilo”. Nestas publicações existe colaboração artística de diversos ilustradores portugueses e reproduzem-se desenhos de Miguel Covarrubias, afamado pintor e caricaturista mexicano. Cunha Reis, que começa a sua atividade gráfica em 1926 (aos 17 anos), apresenta-se como um notável caricaturista das personagens do cinema, desde Pola Negri a Lon Chaney, como comprovam os seus trabalhos na revista “De cinematografia”, onde era um colaborador ativo. Influenciado na caricatura por Covarrubias, em 1929 já ilustra as capas das conceituadas “Magazine Bertrand” e “Civilização” 26, algumas das quais com um gosto “Art Déco”. Uma das suas capas para a “Magazine Bertrand”, de outubro de 1928, parece recordar a ambiência de “Metrópolis” (Fritz Lang, 1927), filme estreado no Cinema S. Luiz meses antes. Jeanne Falconetti na revista “Cinéfilo”: “Pour ‘Cinéfilo’ avec toute ma sympathie / Falconetti” (1929, março, N.º 28, Ano 11, Biblioteca Pública Municipal do Porto©27).

Fritz Lang na revista “Cinéfilo”: “A la revue ‘CINÉFILO’ et aux cinéphiles portugais! / Fritz Lang / Berlin 11-XI-30” (1930, 6 de dezembro, N.º 120, Ano III, Biblioteca Municipal do Porto©28). Marlene Dietrich na revista “Imagem”: “à lá revue de Cinema ‘Imagem› / affectueuseument / Marlène Dietrich” (1930, Série II, N.º 9, Biblioteca Pública Municipal do Porto©29).

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Caricatura de Harold Lloyd, por Covarrubias, publicado na revista “De Cinematografia” (1927, janeiro, N.º 6, Biblioteca Pública Municipal do Porto©30).

Capa da revista “Magazine Bertrand” (1928, outubro, N.º 22, 2ª Série, Ano II, Biblioteca Pública Municipal do Porto©31).

É justo considerar que os anos 20 foram de alguma riqueza nas revistas de cinema 33, não obstante a efemeridade e a pobreza gráfica de algumas publicações. Apenas em datas especiais – como o Natal – marcam um esmero gráfico que se apresenta como excecional. “De cinematografia” configura um caso singular, uma vez que publica capas com inclusão de cores, embora as fotografias raramente sejam coloridas. A organização formal da capa é, indubitavelmente, convencional e pouco alusiva à matéria tratada – o cinema –, mas colaborações como as de Cunha Reis e a inclusão de fotografias fazem-na destacar entre as demais. Contudo, sob o ponto de vista gráfico, deverá fazer-se notar que publicações como a “Invicta Cine” ou a “Porto Cinematográfico” revelam um esmero gráfico que não se sente em revistas como a “Cine-Revista” ou mesmo a “Cinéfilo” dos anos 20. Com efeito, é justo dizer-se que no decorrer dos anos 20 o Porto ocupa um lugar cimeiro nesta produção de cultura cinematográfica escrita, ao publicar duas das mais importantes revistas da década. A longevidade das publicações, o seu arranjo gráfico e a qualidade dos críticos que nela escrevem são fatores que facilmente justificam estas publicações como as que ocupam a dianteira do que então melhor se faz em termos de revista de cinema. Caricatura de Pola Negri, por Cunha Reis, publicada na revista “De cinematografia” (1927, janeiro, N.º 6, Biblioteca Pública Municipal do Porto©32

O Porto irá perder este lugar de destaque nos anos que se seguiram, só voltando às luzes da ribalta com os programas de sessões do Cineclube do Porto – considerado um exemplo a nível europeu 34 – e nos anos 80 com a revista “Cinema” 35.

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Ilustração colorida de Mary Pickford na capa da revista “Cinegrafia” (1929, dezembro, N.º 16, Biblioteca Pública Municipal do Porto©36).

Capa concebida por Ary de Almeida para a revista “Porto Cinematográfico” figurando Max Linder (1921, 31 de agosto, N.º 1, Ano III, Biblioteca Pública Municipal do Porto©37).

OS ANOS 30: A ÉPOCA ÁUREA DAS REVISTAS NA ILUSTRAÇÃO E NA DISCUSSÃO CINÉFILA

A década de 30 costuma ser designada como a “época áu-

rea” das revistas de cinema portuguesas. Corroborámos esse título, atribuído por Alves Costa 38, por vários motivos. Em primeiro lugar, é a década em que mais revistas de cinema se publicam. Trata-se de um período efetivamente fulgurante, quer sob o ponto de vista de discussão cinéfila – pense-se na transição do mudo para o sonoro – quer nos aspetos mais triviais ligados às estrelas: tornam-se cada vez mais profusas as fotografias coloridas, mas existe também ilustração de qualidade. Com efeito, no respeitante à ilustração e qualidade gráfica das revistas, as do início da década de 30 merecem ser destacadas.

Capa da revista “Cinéfilo” (1938, 18 de novembro, N.º 535, Ano X, Biblioteca Pública Municipal do Porto©39).

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Foram anos de ávida discussão, os da viragem da década.

No início dos anos 30, a morte da arte do silêncio ainda não é completamente consensual. Não se estranha, pois, que uns considerem o sonoro um “absurdo monstruoso” 40 enquanto outros, ainda que com um inicial receio, acabam por o aceitar. É o caso de José Gomes Ferreira, que escreve na “Kino” que “as obras de arte não precisam de voz”, embora, depois da primeira visualização de um sonoro, tenha considerado que “o sonho continuava talvez mais fantástico” 41: as suas preocupações desvaneceram-se . Meses mais tarde, já na “Imagem”, voltará a recordar o cinema mudo com prazer, ao fazer-lhe um “elogio fúnebre do cinema silencioso” 42. Bernardo Marques ilustra de maneira particularmente feliz esta querela acesa de “silencioso” versus “sonoro” num dos números da “Kino”: o que é celestial para um espectador, para o outro é infernal. Esta ilustração, que opõe dois modos de estar diferentes perante o cinema sonoro, é um dos melhores retratos do que se fazia sentir na crítica e nos discursos das revistas especializadas.

A querela da transição do cinema mudo para o sonoro numa capa da revista “Kino”, ilustrada por Bernardo Marques (1930, 9 de maio, N.º 2, Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra©43).

A generalidade destes assuntos são tratados com recurso ao humorismo, como bem denotam os artigos que proclamam a “morte” de Charlot – em favor da descoberta dos russos, sobretudo Einsenstein –, Greta Garbo como uma “femme fatale” (que manieta os homens como tentáculos tivesse) ou uma “reportagem” de uma imaginária visita de Buster Keaton a Lisboa em que, com recurso à fotomontagem, o “Pamplinas” aparece em sítios míticos da capital, como o Largo Camões. Contudo, importa sublinhar que, a par desta tendência para a comicidade, houve quem levasse a cabo a “difícil tarefa de pensar o cinema” 44 de forma séria e consistente, como José Régio na revista cultural “Presença” (Coimbra, 1927-1940) e Adolfo Casais Monteiro, que colaborou quer na “Presença”, quer na revista cinéfila “Movimento” (Porto, 1933-1934) e “Animatógrafo” (Lisboa, 1933). O cinema foi, nestas publicações, discutido como uma forma de arte.

Sob o ponto de vista das qualidades gráficas destes exemplares,

os anos 30 trazem também consigo novidades importantes. Com a criação da revista “Imagem” houve uma aposta na qualidade gráfica, ancorada no processo de rotogravura (que não era, até então, utilizado nas revistas de cinema portuguesas) 45 e pela colaboração artística de ilustradores como Bernardo Marques, Botelho, Cottinelli Telmo, entre outros. Por outro lado, nesta década começa-se a incorporar com mais frequência as fotografias coloridas (normalmente pintadas) 46. As imagens que ocupam as revistas versam sobre os filmes, os espectadores, os ambientes societários associados ao cinema e, como não poderia deixar de ser, as estrelas.

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Ilustração de Greta Garbo, enquanto mulher-polvo, numa capa da revista “Kino”, ilustrada por Cottinelli Telmo (1930, 22 de maio, N.º 4, Biblioteca Pública Municipal do Porto©47).

Joan Crawford na capa da revista “Animatógrafo” (1933, 22 de maio, N.º 8, Hemeroteca Municipal de Lisboa©48).

Se considerarmos, como Andy Medhurst, que “o fascínio pela imagem da estrela é, provavelmente, o método mais sedutor que a narrativa do cinema desenvolveu para captar e ligar a sua audiência” 50, é natural que as revistas dos anos 30 – à semelhança da década anterior – continuem carregadas de imagens e fotografias que fixam e preservam as estrelas para lá dos limites do ecrã de cinema. Como vimos, o vedetismo havia sido contruído e consolidado ao longo dos anos 20. Contudo, essas questões serão plenamente exploradas nos anos 30, altura em que os protagonistas do cinema são considerados os “novos mediadores entre o mundo maravilhoso dos sonhos e a vida quotidiana” 51, proporcionando uma maior identificação do espectador com a vedeta. Assim, a estrela torna-se um modelo a emular, pelo que não é de estranhar que a publicidade – sobretudo a produtos de beleza, como cosméticos – se tenha aproveitado do rosto e do magnetismo Claudette Colbert na capa da revista “Estúdio” (1936, julho, N.º 1, Biblioteca Pública Municipal do Porto©49).

das vedetas do cinema. Sobre o rosto esfíngico de Greta Garbo – que, mais tarde, Roland Barthes considerou uma “mito-

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logia” – escrever-se-á na revista “Filmes” (Porto, 1931-1932) que as cinéfilas gostam de copiar esta “vamp” nas suas “atitudes, gostos e gestos” 52. A própria Beatriz Costa parece imitar a aura (também ela esfíngica) de Louise Brooks, ao adotar o penteado “bob” que a atriz americana popularizou no final da década de 20. O cinema eternizou, também ele, esse culto das vedetas estimulado pelas revistas e pelas fotografias das estrelas, em filmes como “Stage Struck” (Allan Dwan, 1925) ou “What price, Hollywood?” (George Cukor, 1932). A revista “Imagem”, sob a pena de José Gomes Ferreira, brincará com o interesse, por parte dos leitores, em ver fotografias dos “ases” e das “divas” do ecrã no artigo “O que temos gasto em gravuras”, onde faz uma estatística (algo fantasiada) das “toneladas de zinco” e dos contos gastos para publicar fotografias das estrelas. Escreverá: “Se puséssemos essas gravuras em fila, percorreriam a distância que vai da Terra à Lua (…) o dinheiro gasto anualmente pelas revistas cinematográficas era suficiente para pagar a dívida externa portuguesa” 54. Finaliza, em tom de desabafo, “Que seria dos rapazes da província, dos pobre-diabos, dos solitários, dos tímidos, Beatriz Costa na capa da revista “Girassol” (1931, 13 de janeiro, N.º 5, Biblioteca Nacional de Portugal ©53).

se não houvesse revistas de cinema, cheias de fotografias de mulheres de sonho?” 55. Fica assim mais que explícita a importância dos rostos, dos “maillots” e das pernas das estrelas nas revistas de cinema.

Mas não só de olhar as estrelas vivem estas revistas. O cinema pedagógico – questão que, como vimos, se introduz com especial fulgor nos anos 20 – continua em força nos periódicos cinematográficos, que sublinham as qualidades didáticas passíveis de ser encontradas no cinema, como fica patente num texto da revista “Crónica Cinematográfica” em 1930: “O cinema não é uma simples distracção (…) é uma arte (…) [e] as nossas escolas poderiam utilizá-lo com êxito. Uma “bobine” de película vale mais do que a prelecção fastidiosa de um professor” 56, dando como exemplo o caso alemão e dos estúdios UFA, assim como o de um estúdio russo cujo primeiro filme falado visava ensinar as crianças a ler 57. Estes anos da imprensa cinéfila – quiçá os mais brilhantes – primaram não apenas pela inclusão de fotografias e ilustração de muita qualidade, sob a autoria de alguns dos nossos melhores ilustradores desta época, como também pelos debates em prol do cinema e da cinefilia, com frequência pontuados pela ironia e sarcasmo. Como escreverá Alves Costa em 1954, nos anos seguintes perdeu-se o “tom de intimidade que caracterizava as revistas de 30”, desaparece “a impertinência que então eram correntes” 58. Em vez desse discurso fervilhante e mordaz, os anos que se seguiram – sobretudo os de 50 – caracterizam-se por um discurso sério e doutrinário, como tão bem representou Mário Bonito.

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OS ANOS 40: A IMPRENSA “Anos de 30… Imprensa cinematográfica / Hoje…”, por Mário Bonito59.

CINÉFILA EM DECLÍNIO? O final da década de 30 termina com um mau augúrio: a eclosão da II Guerra Mundial. Na verdade, durante os anos da guerra conhece-se um declínio 60 na edição de jornais e revistas de cinema. Tendo em consideração que a edição de imprensa depende de fatores socioeconómicos, culturais e materiais, não será de estranhar que, durante a II Guerra Mundial, tenham existido restrições no fornecimento da matéria-prima. Mesmo aquelas revistas com um historial de publicação longo e rotineiro, como a “Cinéfilo” – que, no início de 1939, contava ainda com 32 páginas semanais e possuía um aspeto gráfico muito apelativo e polícromo -, viu-se obrigada a suspender a sua publicação em meados de 1939 61, graças aos preços exorbitantes “do papel e zinco polido” 62, essenciais para a publicação da revista nos termos de até então. O zinco, para além de necessário no processo de edição de jornais e revistas, era um material fundamental para equipamentos militares, nomeadamente os cartuchos. Este metal foi racionado aquando da II Guerra Mundial, tendo o seu preço subido exponencialmente 63. A “Cinéfilo” não mostrou pudor em denunciar o conflito mundial como o causador desta transformação repentina.

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Lana Turner na capa da revista “Animatógrafo”, única revista que logrou manter uma qualidade gráfica excecional durante a II Guerra Mundial (1941, 1 de dezembro, Série II, N.º 56, Hemeroteca Municipal de Lisboa©65).

Capa da revista “Cinéfilo”, que manteve uma qualidade gráfica de excelência até ao eclodir da II Guerra Mundial (1938, 30 de dezembro, N.º 541, Ano X, Biblioteca Pública Municipal do Porto©64).

SURGIMENTO DE NOVAS REVISTAS DE CINEMA EM PORTUGAL AO LONGO DO SÉCULO XX.

ANOS 10 ANOS 20 ANOS 30 ANOS 40 ANOS 50 ANOS 60 ANOS 70 ANOS 80 ANOS 90 0

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Mesmo a revista “Animatógrafo” – que existira nos anos 30 e que ressurgira em 1940 – se vê obrigada a mudar de formato de revista para jornal, uma vez que, sem o apoio da publicidade, sentia problemas afins aos da revista “Cinéfilo” na produção de conteúdo gráfico de qualidade (e acabará mesmo por encerrar a publicação em 1942). As razões para a mudança de revista para jornal ancoram-se nesse motivo e na suposta preocupação de António Lopes Ribeiro relativamente ao “bom cinema”. As vedetas, tão prezadas e cuidadas em número anteriores, tornam-se repentinamente acessórias 66 nesta publicação. Todavia, durante um ano, o “Animatógrafo” publicará capas de grande qualidade e onde figuravam as maiores estrelas do seu tempo. Tendo em conta que o “Animatógrafo” era composto por fotogravuras e zincogravuras, é provável que os problemas financeiros e materiais tenham decorrido das condicionantes impostas pela guerra, à semelhança da “Cinéfilo”.

A revista “Filmagem” (Lisboa, 1941-1948) - muito modesta graficamente - logrou manter-se ativa durante os anos da II Guerra Mundial, resistindo até 1948. Com o final do conflito mundial, voltam a ressurgir novas revistas de ciFrontispício da publicação “Animatógrafo”, na sequência da passagem de formato de revistamagazine para jornal (1942, 6 de janeiro, Série III, N.º 61, Hemeroteca Municipal de Lisboa©67).

nema, como a “Cinema” (Lisboa, 1946-1947). É curioso notar que, não obstante os anos 40 no cinema português serem especialmente afamados – pense-se em filmes como “O Pai Tirano” (António Lopes Ribeiro, 1941), “O Pátio das Cantigas” (António Lopes Ribeiro, 1942) ou “O Leão da Estrela” (Arthur Duarte, 1947) –, tal vivacidade não se refletiu na imprensa de cinema. Ainda assim, as nossas “estrelas” merecem atenção por parte destas publicações, como demonstra a capa de “Cinema” com Leonor Maia, a “Tatão” de “O Pai Tirano”. Também nesse filme se presta uma singela homenagem à cinefilia (através da personagem de Leonor Maia) e, em particular, às revistas. Lopes Ribeiro, ele próprio diretor e editor de revistas, celebra assim a importância das publicações especializadas para a criação de cinefilia(s).

Leonor Maia na capa da revista “Cinema” (1947, N.º 26, Biblioteca Pública Municipal do Porto©68).

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Fotograma do filme “Pai Tirano” (António Lopes Ribeiro, 1941), onde se faz uma breve “hommage” às revistas cinéfilas, através da inclusão da revista “Photoplay combined with Movie Mirror” de julho de 1941 (Cinemateca Portuguesa©).

OS ANOS 50 E 60: A EXIGÊNCIA DE NOVAS REVISTAS

A partir dos anos 50 o cinema é encarado na imprensa especia-

lizada de duas formas que, outrora coexistindo bem, agora se radicalizam e antagonizam-se. Sempre existira uma cinefilia que pugnava por um cinema português de qualidade, que poderia aparecer nas mesmas páginas de “culto das vedetas” e de alguns “fait divers”, contudo, a partir dos anos 50 parece haver um extremar de posições. Se é certo que revistas mais populares e com enfoque nas estrelas continuaram e existir – como a “Plateia” (Lisboa, 1958-1986) e a “Estúdio” (Lisboa, 1953-1955) –, também é verdade que revistas como a “Imagem” (Lisboa, 1950-1953; 1955-1961), “Visor” (Rio Maior, 1953-1956) e “Celulóide” (Rio Maior, 1957-1986) vão rejeitar, com veemência, os preceitos que orientam essas revistas, nomeadamente o destaque dado às vedetas. Tal circunstância pode-se justificar com o declínio do “star system” 69 que marcara anos anteriores 70, mas também por novos movimentos cinematográficos que se impõem na Europa e que levam ao ofuscamento da estrela (pense-se, por exemplo, no Neorrealismo italiano, mas também nos filmes de Robert Bresson dos anos 60 e no “cinéma-verité”). Não se estranhará, assim, que as “novas revistas” desta década se esforcem por afastar do magazine popular e dos cinéfilos que preferem notícias, jornalismo cor-de-rosa e imagens das estrelas.

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A “Visor”, uma das mais destacadas revistas que criticam essas predileções, assumir-se-á, antes, como uma revista para aqueles que procuram uma publicação especializada “na senda das ‘Bianco e Nero’ e das ‘Cahiers du Cinema’, publicações eruditas das melhores do mundo” 71. Não é, pois, uma revista para “meninos cinéfilos” 72 (cinéfilo é, nesta altura, uma palavra alvo de algum preconceito, talvez muito colada à cinefilia popular e comum, i.e., não erudita). Com efeito, os editais daquilo a que designamos “novas revistas” – isto é, das revistas que se demarcam do “vedetismo”, da cinefilia popular e, sobretudo, que exigem um novo cinema (i.e., uma renovação do cinema português) – demonstram bem o afastamento que existe de outras revistas cinéfilas de feição mais popular. A maioria das longa-metragens portuguesas nos anos 50 deixavam a desejar para os críticos cinéfilos de então, que passam a expressar e veicular as suas ideias sobre cinema através das revistas. Procura-se e prega-se um outro cinema (um “bom” cinema), e a revista cinematográfica é entendida como “um órgão especializado de imprensa, onde a dignidade substitui a especulação, onde com honestidade se eduque, se estimule, se estude, se moralize” 73. Capa da revista “Celulóide”, cuja cor e organização gráfica muito faz lembrar a revista “Cahiers du Cinéma” (1958, março, N.º 4, Biblioteca Pública Municipal do Porto©76).

A revista “Imagem” foi uma dessas “novas revistas” que tentou transformar o marasmo que se vivia sob o ponto de vista cinematográfico: foi o grande veículo, numa primeira fase, do Neorrealismo em Portugal e onde cineastas como Manuel de Guimarães, Perdigão Queiroga e Ernesto de Sousa colaboraram. Perdigão Queiroga mostra o apreço que possuía a esta publicação citando-a na “mise-en-scène” do filme “Sonhar é fácil” (Perdigão Queiroga, 1951). São nestes anos 50, “anos de lenta e profunda mudança” , que se abre caminho para a produção fílmica dos 74

anos 60, essa sim renovadora e muito influenciada pela “Nouvelle Vague”, de onde se destacam nomes como os de Paulo Rocha e Fernando Lopes. Os trilhos desbravados pelas revistas dos anos 50 culminam com uma crítica de cinema, na década seguinte, de qualidade: abandona-se o registo jornalístico e adota-se uma “argumentação e retórica moderna e eminentemente cinematográfica” 75, na imprensa diária, especializada e cultural.

Capa da revista “Imagem” com cena do filme “Os orgulhosos” (Yves Allégret, 1953), replicando a capa da revista francesa “Cahiers du Cinèma”, n.º 28, de novembro de 1953 (1954, julho, série II, N.º6, Biblioteca Pública Municipal do Porto©77).

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Sob o ponto de vista imagético, a revista cinéfila en-

quanto “objeto” diferencia-se bastante das suas congéneres dos anos 30. As imagens perdem espaço nas páginas de revista, a mancha de texto é preponderante. As vedetas não aparecem com tanta frequência em fotografias publicitárias, mas sim em fotografias de cena, isto é, em imagens que captam um determinado momento de um filme. Não será, contudo, acertado considerar que sob o ponto de vista gráfico estas publicações são desprovidas de interesse: apesar de uma presença mais discreta, encontram-se nestas publicações imagens de artistas e ilustradores, como René Bértholo ou Fernandes Silva, colaborador da revista de banda-desenhada “Cavaleiro Andante” (Lisboa, 1952-1962). Sendo a década de 50 os anos do cineclubismo em Portugal, é importante fazer uma pequena nota para os programas de sessões dos cineclubes. Em alguns deles, como no Cineclube do Porto, a prática da ilustração foi especialmente exemplar nos anos 50 – com a colaboração de pintores e ilustradores como Ângelo de Sousa, António Bronze, Pedro Ramalho, Manuel Pinto, Alice Sousa, entre outros – e nos anos 60.

Desenho de René Bértholo na revista “Imagem” (1956, agosto, Série II, N.º 17, Biblioteca Pública Municipal do Porto©78).

Por outro lado, não se pode deixar de referir que de algumas revistas se criam cineclubes: a título exemplificativo, a revista “Imagem” dá lugar ao Cine-clube Imagem. A prática inversa (um cineclube dar origem a uma publicação) é também frequente, já que uma revista atinge um público substancialmente maior do que apenas os boletins de cineclubes e/ou programas de sessões. Como dissemos anteriormente, os anos 50 iniciam um novo paradigma no entendimento da vedeta. O início do declínio do “star system” é corroborado pela tragédia de mortes precoces de James Dean, Marilyn Monroe ou ainda Montgomery Clift. Com os anos 60, o enfoque parece passar definitivamente da “estrela” para o "realizador-autor" – diz-se que se vê um filme de Jean-Luc Godard e não da Jean Seberg. Pelo contrário, em décadas anteriores era frequente dizer-se que se vira "um filme de Greta Garbo". Não obstante este facto, a “nova vaga” de jovens realizadores, que começam a surgir no final dos anos 50 e princípios de 60, não deixa de gerar “um novo tipo de ‘estrela cinematográfica’” 79 bem mais descontraída e livre

Desenho de René Bértholo na revista “Imagem” (1955, junho, Série II, N.º 13, Biblioteca Pública Municipal do Porto©80).

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do que aquela que conhecêramos em anos anteriores: veja-se, por exemplo, Brigitte Bardot 81. Nesse sentido, embora exista um conjunto de revistas que se recusa a publicitar essa cinefilia ancorada no culto das estrelas, note-se que as publicações especializadas que alinham com essa vertente mais popular continuam a existir, como a “Plateia”. É curioso notar que, a par das atrizes de Hollywood e de um cinema mais comercial, surgem outras estrelas algo improváveis: veja-se, por exemplo, a inclusão da atriz Anna Karina, musa da “Nouvelle Vague” francesa. Se esta atriz foi mitificada com os filmes da “Nouvelle Vague”, sobretudo sob a realização de Jean-Luc Godard, nesta revista popular de cinema, Karina será representada e conhecida por filmes menores e hoje completamente esquecidos, como “She’ll have to go” (Robert Asher, 1962).

Capa de Ângelo de Sousa para um programa de sessão do Cineclube do Porto (1958, 22 de junho, N.º 269, Biblioteca Pública Municipal do Porto©82).

Capa de Manuel Pinto para um programa de sessão do Cineclube do Porto (1959, 15, 22 e 29 de novembro, N.º 308-310, Acervo do Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto©83).

Anna Karina na capa da revista “Plateia” (1962, Série II, Ano XII, N.º 110, Biblioteca Pública Municipal do Porto©84).

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OS ANOS 70, 80 E 90: A IMPRENSA CINÉFILA NO INÍCIO E ASCENSÃO DO CINEMA EM CASA

Os anos que se seguiram manifestam um certo declínio da imprensa especializada em cinema. Esse fenómeno é bem ilustrativo das mudanças que ocorrem na(s) forma(s) de ver cinema, acompanhando as transformações que, por esta época, surgem nas salas de cinema. Contudo, os anos 70 revelam um maior número de novas revistas que a década anterior e alguns desses periódicos tratam o cinema com seriedade, como a nova série da “Cinéfilo” (Lisboa, 1973-1974), talvez a mais mítica e respeitada revista desta década, congregando nomes de realizadores como João César Monteiro, Fernando Lopes ou António-Pedro Vasconcelos (entre outros), constituindo ainda hoje, pela qualidade dos seus textos, dossiês temáticos, traduções e entrevistas, um instrumento de consulta essencial para o estudo do novo cinema português. No pós25 de Abril, destacam-se também periódicos como “M – Revista de cinema” (Lisboa, 1975), “Isto é cinema” (Lisboa, 1978) do crítico e realizador Lauro António, “Cinema Novo” (Porto, 1978-1985) de Mário Dorminsky e “Zoom: boletim Centro de Estudos Cinematográficos” (Coimbra, 1977), que contou com a colaboração de João Mário Grilo e Vasco Granja. Curioso Capa da revista “Cinéfilo (1973, outubro, N.º4, Biblioteca Pública Municipal do Porto85).

notar, nos anos subsequentes à revolução de 25 de Abril de 1974, que também no cinema surgiu pelo menos uma revista de cariz marcadamente ideológico: falamos de “Cine Arma” (Lisboa, 1976), cuja vinheta na capa ostenta símbolos de esquerda como o punho erguido e a estrela vermelha.

Capa da revista “Cinéfilo” com um dossiê temático dedicado ao cinema russo (1974, 2-8 de março, N.º 22, Biblioteca Pública Municipal do Porto©86).

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Nos anos 80, com a progressiva difusão do cinema em casa em videocassete (“Home Video”) 87 e na televisão, surge um novo tipo de revista associada ao cinema: as que falam do vídeo. Bem assim, a televisão e a música começam, igualmente, a partilhar um mesmo espaço com o cinema, como é o caso da revista “Êxito” (Lisboa, 1984-1989), entre outras. Cada vez menos estamos perante revistas especializadas, mas antes revistas de vários tipos de entretimento. Ainda assim, publicam-se importantes revistas como “Cinema” (Porto, 1982-2010) ou “Revista de Cinema” (Lisboa, 1988). Os anos 80 marcam igualmente o fim da revista “Celulóide”, publicada desde 1957, que como vimos teve um importante papel na exigência de um novo cinema português nos anos 50-60. Com a década de 90 surgem poucas publicações novas e as que se passam a editar manifestam bem o seu tempo: com o avançar da década, a ênfase no vídeo é substituída pelo “DVD”, e o cinema, à semelhança do que ocorria na década passada, surge muitas vezes apenas atrelado a tais publicaCapa da revista “M Revista de Cinema” (1975, agosto, N.º 1, Biblioteca Pública Municipal do Porto©88).

ções. Não obstante, destacam-se revistas como “Arte Sete” (Sintra, 1991-1993) e “Senso” (Coimbra, 1995) – esta última ligada ao âmbito académico, à semelhança do que ocorrera nos anos 70 com a “Zoom” e a “F.I.M.” (Lisboa, 1998).

Capa da revista “Cine Arma” (1976, março, N.º 1, Biblioteca Pública Municipal do Porto©89).

Capa da revista “Celulóide” (1984, outubro-dezembro, N.º 366, 367, 368, Biblioteca Pública Municipal do Porto©90).

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REVISTAS DE CINEMA NO SÉCULO XXI – QUE FUTURO?

O século XXI traz consigo novas publicações dedicadas ao cinema, que se imiscuem de outras temáticas como a música, a televisão ou os videojogos, não manifestando quaisquer resquícios do fulgor crítico que marcara as revistas de cinema nos anos 30 a 60. Com efeito, trata-se já de uma cinefilia muito distinta daquela que marcara essas décadas, numa altura em que existia uma estreita relação sentimental com a sala de cinema. Com o novo milénio, estamos agora perante uma “cinefilia pós-moderna” 91, que “reconhece o consumo ao domicílio como um consumo legítimo” 92, possibilitado pelo amplo mercado de DVD’s, “streaming” e “download” mais ou menos legais em “peer to peer” na internet. Continuam a publicar-se revistas em papel. Contudo, muitas delas passam a marcar presença (por vezes exclusivamente) em formato digital. As revistas académicas dedicadas ao cinema conhecem um aumento exponencial, sendo disso exemplo publicações como “Aniki: Revista Portuguesa de Imagem em Movimento” (2014-) ou a “Cinema: Revista de Filosofia e da Imagem em Movimento” (2010-). Bem assim, continuam a existir revistas publicadas sob a égide de cineclubes, como a “Cinema”, da Federação Portuguesa dos Cineclubes, a “Argumento” (Viseu, 1984-), do Cineclube de Viseu. Neste âmbito, há que assinalar que, em 2012 - centenário da primeira publicação de cinema - fundou-se o “À pala de Walsh”. Este “website”, não sendo publicado em formato de revista nem de jornal, tem-se revelado um instrumento fundamental na fomentação da crítica cinematográfica portuguesa e, por conseguinte, na cultura cinematográfica nacional, através de dossiês temáticos, crítica fílmica e entrevistas. Estão, nesse sentido, muito próximos do ensejo e paixão que motivaram a criação de revistas cinéfilas em tempos passados, sem estarem, contudo, sujeitos a determinado número de caracteres, como sucede nas revistas impressas. Qual o futuro destas publicações e que importância produzem na atualidade? Dir-se-ia que a melhor prova de que os seus propósitos continuam válidos e pertinentes é a existência contínua desta forma de expressão e divulgação em prol do cinema, mesmo que num mundo dominado pelo digital. Os seus propósitos, lutas – o prazer da partilha – esses, não se extinguiram. Assim, volvido mais de um século de imprensa cinematográfica em Portugal, deixamos ao leitor uma pergunta formulada por Federico Corado há mais de vinte anos: “o que é uma revista de cinema senão uma história de amor?” 93.

140

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[s.n.] - Berta Singerman considera o cinema sonoro como um absurdo monstruoso. Cine. 10 (1929, março) 15.

[s.n.] - Cinema pedagógico. Crónica cinematográfica. 4 (1930, 18 de abril) 3.

CINE M A : E SPAÇOS, E STUDOS, INSTITUIÇÕE S E PATR IM ÓNIO

141


Página 13 de COSTA, João Bénard da - Histórias do cinema português. Lis-

[s.n.] - Cinéfilo suspende a sua publicação. Cinéfilo. 578 - Ano 11 (1939, 15 de

5

setembro) 2-3.

boa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991. 6

[s.n.] - Uma revista cultural. Visor. 3 (1953, 25 de junho) 1.

Deverá fazer-se notar que existem publicações anteriores a esta data, mas

apenas de forma pontual e dispersa. É disso exemplo a monografia “Cinematographo: cronicas cariocas”, de João do Rio, publicada em 1909 no Porto e para

[s.n.] - Revista de cinema. Celulóide. 3 (1958, fevereiro) 1.

a qual Joana Matos Frias chama à atenção por anunciar, tão precocemente, “o aparecimento do homo cinematographicus” (Página 25 de FRIAS, Joana Matos -

SANTOS, A. Videira - Para a história do cinema em Portugal: do diafanorama aos

Cinefilia e cinefobia no modernismo português. Porto: Edições Afrontamento /

cinematógrafos de Lumière e Jolu-Normandin. Lisboa: Cinemateca Portuguesa,

ILCML, 2014.) 7

1991.

Página 45 de GUBERN; Román [et al.] - Historia del cine español. Madrid:

Ediciones Cátedra, 2017. SHINGLER, Martin - Star studies: a critical guide. London: Palgrave Macmillan on

8

behalf of the British Film Institute, 2012.

esta revista revela-se fundamental para o estudo de salas de cinema como, por

Apesar da sua efemeridade – existiram apenas 3 números –, enquanto fonte,

exemplo, o Jardim Passos Manuel, no Porto, notório na investigação de Liliana SOUILLÉS-DEBATS, Leó - La culture cinématographique du mouvement ciné-

Duarte: páginas 79-80 de DUARTE, Liliana - Paraíso no Porto: O Jardim Passos

club: une histoire de cinéphilies (1944-1999). Paris: AFRHC, 2017.

Manuel 1908-1938. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2017. Dissertação de Mestrado em História da Arte Portuguesa (policopiado).

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United States Government Printing Office, 1954.

1942.1.pdf).

9

NOTAS 1

O presente texto tem por base o trabalho de investigação desenvolvido

no âmbito da dissertação de Mestrado: DUARTE, Joana Isabel Fernandes - «Se não se podem ver filmes, leiam-se as revistas». Uma abordagem da imprensa cinematográfica em Portugal (1930-1960). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2018. Relatório de Mestrado em História da Arte, Património e Cultura Visual (policopiado). (disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/114328/3/27 8489.1.pdf)

Segundo o mesmo número, a “Cine-Revista”, que contou com uma tiragem de

7.500 exemplares, esparziu “rapidamente por todo o país, que os recebeu, procurou e arrecadou com o mais desenganado e vivo agrado”: página 17 de [s.n.] - Na primeira étape. Cine-Revista. 2 (1912, 15 de junho) 17-18. 10 Este equívoco foi gerado por um erro tipográfico no primeiro número da revista, levando a que a “Cine-Revista” lisboeta fosse durante largos anos apontada como a primeira revista de cinema em Portugal quando, na verdade, havia sido precedida por duas outras publicações. 11 Textos como “As grandes trágicas do silêncio”, de António Ferro, foram publicadas na “Cine-Revista” ao longo de alguns números. Um texto que versa sobre as “divas” de então, como Francesca Bertini. 12 Código de referência: P-B-4874. 13 Página 7 de BYWATER, Tim; SOBCHACK, Thomas - Introduction to Film Crit-

E da investigação em curso no âmbito do Doutoramento em Estudos do Património (Universidade do Porto) e em “Territorio, Patrimonio y Cultura” (Universidade de Lérida), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/ BD/143333/2019). 2

Páginas 5-6 de BYWATER, Tim; SOBCHACK, Thomas - Introduction to Film

Criticism. London: Longman, 1989. 3

Página 7 de COSTA, João Bénard da - Histórias do cinema português. Lisboa:

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991. 4

Segundo A. Videira Santos, jornais como “O Diário da Noite” e o “Diário de

Notícias” anunciaram e acompanharam de perto essas exibições. Páginas 57, 61 e 235 de SANTOS, A. Videira - Para a história do cinema em Portugal: do diafanorama aos cinematógrafos de Lumière e Jolu-Normandin. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 1991.

142

icism. London: Longman, 1989. 14 Esta foi, igualmente, uma discussão cinéfila que surge nos anos 20. Em português tende-se a falar de “cinema mudo” ou “filmes mudos”, por influência do francês (“muet”), enquanto a escrita anglo-saxónica privilegia o termo “silent”. Em Portugal, alguns autores, como José Régio, começam a utilizar “cinema silencioso” – menos comum – em vez de “cinema mudo” (página 117 de GUERREIRO, Fernando - Cinema Eldorado: cinema e modernidade. Lisboa: Edições Colibri, 2015). Também José Gomes Ferreira utiliza frequentemente a expressão silencioso em revistas como a “Imagem”, nos anos 30. 15 GUIPURE, F. de - III Elogio do cinema. De cinematografia. 5 (1926, junho) [s.p.]. 16 Página 132 de DUARTE, Joana Isabel Fernandes - A cinepedagogia enquanto «grande função do cinema». Discursos, modelos e experiências do cinema

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educativo em Portugal (1920-1950): o caso do Porto”. CEM: Cultura, Espaço &

cinema. O papel couché é o écran dos magazines (…) Assim como o cinema criou

Memória. Dossiê temático «Imagem em Movimento e Cultura Visual». 10 (2019)

uma humanidade fotogénica, o magazine criou o seu mundo, um mundo gráfico”

125-142.

(página 271 de FERRO, António - Obras de António Ferro: Intervenção Moder-

17 Ibidem.

nista – Teoria do Gosto. Volume I. Lisboa: Verbo, 1987).

18 Página 100 de SOUILLÉS-DEBATS, Leó - La culture cinématographique du

34 Recebeu rasgados elogios no estrangeiro, nomeadamente do Reino Unido,

mouvement ciné-club: une histoire de cinéphilies (1944-1999). Paris: AFRHC,

França (através de André Bazin: página 2 de COSTA, Alves - Sobre o cine-clube do

2017.

porto. Cine-clube do Porto [Programa de sessão]. 172 (1954, junho) 2) e Espa-

19 Página 54 de NIETO FERRANDO, Jorge; MONTERDE, José Enrique – La

nha (através de Carlos Fernandez Cuenca: página 49 de FERNANDEZ CUENCA,

prensa cinematográfica en España (1910-2010). [s.l.]: Ediciones Shangrila, 2018.

C. - Bibliografia cinematográfica hispanoportuguesa. Objetivo. 4 (1954, agosto)

A existência de um periódico dedicado exclusivamente ao cinema educativo surgi-

48-49).

rá, no país vizinho, em 1931, com “Acción Cultural Cinematográfica: Revista Men-

Também os seus pares portugueses reconheceram desde cedo a sua importância,

sual de Cine Educativo” (Madrid, 1931). Cf. Página 194 de NIETO FERRANDO,

particularmente o “Cine-clube Imagem”: página 124 de DUARTE, Joana Isabel Fer-

Jorge; MONTERDE, José Enrique – La prensa cinematográfica en España (1910-

nandes - «Se não se podem ver filmes, leiam-se as revistas». Uma abordagem da

2010). [s.l.]: Ediciones Shangrila, 2018.

imprensa cinematográfica em Portugal (1930-1960). Porto: Faculdade de Letras

20 O culto do ator e o início do “star system” começa um pouco antes interna-

da Universidade do Porto, 2018. Relatório de Mestrado em História da Arte, Pa-

cionalmente, em países como Estados Unidos da América ou França. Em 1910, a

trimónio e Cultura Visual (policopiado).

figura de Max Linder já era promovida fora da tela, através de grande publicidade

(disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/

e de fotografias (página 128 de SHINGLER, Martin - Star studies: a critical guide.

bitstream/10216/114328/3/278489.1.pdf).

London: Palgrave Macmillan on behalf of the British Film Institute, 2012.). Todavia, é com efeito nos anos 20 que estes fenómenos se consolidam e conhecem a sua apoteose, e Portugal não foi a eles alheio. 21 A morte de Rudolfo Valentino, que motivou uma onda de histerismo e o suicídio de duas mulheres na sequência dessa notícia, é disso exemplo (página 21 de

35 A revista “Cinema” ressurgiu em 2018, depois de um longo período de ausên-

MORIN, Edgar - As estrelas de cinema. Lisboa: Livros Horizonte, 1980). Edgar

cia, através da Federação Portuguesa dos Cineclubes.

Morin fala, inclusivamente, numa “histeria colectiva” a respeito deste fenómeno

36 Código de referência: P-B-3237.

(Ibidem).

37 Código de referência: P-B-4918[5].

22 Algo que, por natureza, a imagem em movimento não é.

38 Página 16 de COSTA, Alves - Breve história da imprensa cinematográfica

23 Página 65 de KOBAL, John - The art of the great Hollywood portrait photog-

portuguesa. Porto: Cine-clube do Porto, 1954.

raphers (1925-1940). London: Pavilion Books, 1988.

39 Código de referência: P-B-3241.

24 Página 100 de SHINGLER, Martin - Star studies: a critical guide. London:

40 Página 15 de [s.n.] - Berta Singerman considera o cinema sonoro como um

Palgrave Macmillan on behalf of the British Film Institute, 2012.

absurdo monstruoso. Cine. 10 (1929, março) 15.

25 Código de referência: P-B-4918[2].

41 Página 25 de FERREIRA, José Gomes - Uma sessão por página. Lisboa: Cine-

26 Página 123 de FREITAS, Maria Helena Gomes - Ilustração e grafismo nos

mateca Portuguesa, 2000.

anos 20. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de

42 Ibidem: página 111.

Lisboa, 1985. Dissertação de Mestrado em História da Arte Contemporânea (poli-

43 Código de referência: G.N.-28-7.

copiado).

44 Página 53 de FRIAS, Joana Matos - Cinefilia e cinefobia no modernismo por-

(disponível em https://run.unl.pt/handle/10362/31123)

tuguês. Porto: Edições Afrontamento / ILCML, 2014. 45 Página 57 de FREITAS, Maria Helena Gomes - Ilustração e grafismo nos anos 20. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, 1985. Dissertação de Mestrado em História da Arte Contemporânea (policopiado). (disponível em https://run.unl.pt/handle/10362/31123)

27 Código de referência: P-B-3241. Página 9. 28 Código de referência: BPMP: P-B-3241. Página 5. 29 Código de referência: P-B-4910. Página 9. 30 Código de referência: P-B-4918[2]. 31 Código de referência: P-A-213.

46 Essa prática existe no estrangeiro por estas datas, pense-se na “Photoplay

32 Código de referência: P-B-4918[2]. Página 5.

Magazine”, revista especializada em cinema que recorre muito à ilustração e fo-

33 Na verdade, os anos 20 foram o grande começo dos “magazines”, não exclusi-

tografia colorida. Se há magazine que vem alterar este paradigma é a “Life” de

vamente cinéfilos. É curioso notar como António Ferro desenha tantas semelhan-

1936, que começa a utilizar fotografias em todas as capas, em detrimento da ilus-

ças entre os magazines e o cinema: “O magazine tem grandes afinidades com o

tração. A “Photoplay Magazine” só mais tarde – em 1937 – começa a utilizar fo-

CINE M A : E SPAÇOS, E STUDOS, INSTITUIÇÕE S E PATR IM ÓNIO

143


tografias “a cores naturais”: Página 49 de DUARTE, Joana Isabel Fernandes - «Se

61 A revista “Cinéfilo” voltou a ser publicada alguns meses depois com um aspeto

não se podem ver filmes, leiam-se as revistas». Uma abordagem da imprensa

textual e gráfico irreconhecíveis e a sua periodicidade, que durante os seus longos

cinematográfica em Portugal (1930-1960). Porto: Faculdade de Letras da Uni-

anos de publicação foi semanal, alterou-se para semestral.

versidade do Porto, 2018. Relatório de Mestrado em História da Arte, Património

62 Página 3 de [s.n.] - Cinéfilo suspende a sua publicação. Cinéfilo. 578 - Ano 11

e Cultura Visual (policopiado).

(1939, 15 de setembro) 03.

(disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/114328/3/2

63 Página 205 de UNITED STATES TARIFF COMMISSION - Lead and zinc indus-

78489.1.pdf)

tries. Washington: United States Government Printing Office, 1954. 64 Código de referência: P-B-3241. 65

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Animatografo/Animato-

grafoII.htm

47 Código de referência: P-C-1233. 48

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Animatografo/Animato-

grafoI.htm 66 Página 1 de RIBEIRO, António Lopes (1941). Missão de um jornal. Animatógrafo. 60-Série III (1941, 30 de dezembro) [1]; [4]. 67

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Animatografo/Animato-

grafoII.htm 49 Código de referência: P-B-3268. 50 A partir de página 149 de SHINGLER, Martin - Star studies: a critical guide. London: Palgrave Macmillan on behalf of the British Film Institute, 2012. 51 Página 21 de MORIN, Edgar - As estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro: José Olympio Editora S.A., 1989.

68 Código de referência: P-B-4876.

52 Página 7 de [s.n.] – [Legenda a retrato de Greta Garbo]. Filmes. 1 (1931, 19

69 Página XV de MORIN, Edgar - As estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de

de dezembro).

Janeiro: José Olympio Editora S.A., 1989.

53 Código de referência: J. 3923//3 M.

70 É provável que o declínio do “star system” esteja relacionado, entre outros

54 Página 84 de FERREIRA, José Gomes - Uma sessão por página. Lisboa: Ci-

fatores, com a crescente tendência a partir da década de 60 de muitos atores

nemateca Portuguesa, 2000.

optarem por se assumir como “freelancers”, recusando contratos de exclusividade

55 Ibidem.

a um só estúdio cinematográfico (página 113 de SHINGLER, Martin - Star studies:

56 Página 3 de [s.n.] - Cinema pedagógico. Crónica cinematográfica. 4 (1930,

a critical guide. London: Palgrave Macmillan on behalf of the British Film Institute,

18 de abril) 3.

2012). Até aos anos 50 era prática comum os contratos serem extremamente rí-

57 Ibidem.

gidos - ao ponto de as “estrelas” não terem, por exemplo, qualquer controlo sobre

58 Página 36 de COSTA, Alves - Breve história da imprensa cinematográfica

a “venda” da sua imagem para anúncios comerciais -, assumindo os estúdios abso-

portuguesa. Porto: Cine-clube do Porto, 1954.

luto domínio sobre a “imagem” da “estrela”, desenhada artificialmente segundo um

59 Página 35 de COSTA, Alves - Breve história da imprensa cinematográfica

“perfil” direcionado a determinado público e mercado, encarnado dentro e fora da

portuguesa. Porto: Cine-clube do Porto, 1954.

tela.

60 Segundo a nossa recolha, os anos 40 contaram apenas 18 novas publicações

71 Página 1 de [s.n.] - Uma revista cultural. Visor. 3 (1953, 25 de junho) 1.

de cinema, sendo que de 1941 a 1946 não se publicaram novas revistas: página

72 Ibidem.

63 de DUARTE, Joana Isabel Fernandes - «Se não se podem ver filmes, leiam-se

73 Página 1 de [s.n.] - Revista de cinema. Celulóide. 3 (1958, fevereiro) 1.

as revistas». Uma abordagem da imprensa cinematográfica em Portugal (1930-

74 Página 23 de MELO, Jorge Silva - Século passado. Lisboa: Edições Cotovia,

1960). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2018. Relatório de

2007.

Mestrado em História da Arte, Património e Cultura Visual (policopiado).

75 Página 446 de CUNHA, Paulo Manuel Ferreira da – O novo cinema portu-

(disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/114328/3/2

guês: políticas públicas e modos de produção (1949-1980). Coimbra: Instituto de

78489.1.pdf)

Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, 2014. Tese de Doutoramento em Estudos Contemporâneos (policopiado). 76 Código de referência: P-A-2796. 77 C Código de referência: ota P-B-4878.

144

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78 Código de referência: P-B-4878. Página 178. 79 Páginas 70-71 de SHINGLER, Martin - Star studies: a critical guide. London: Palgrave Macmillan on behalf of the British Film Institute, 2012. 80 Código de referência: P-B-4878. Página 28. 81 Brigitte Bardot é uma “estrela” algo desprovida de “glamour” – substituiu os “tweeds” clássicos, as roupas de cetim e seda da “haut couture” (que tanto nos habituáramos a ver nas “estrelas” dos anos 30 e 40) pelas roupas de algodão e guingão de xadrez, sem chapéu ou luvas (Página 170 de SHINGLER, Martin - Star studies: a critical guide. London: Palgrave Macmillan on behalf of the British Film Institute, 2012), mostrando uma nova forma de estar, sendo, nesse sentido, comparável à descontração das personagens interpretadas por James Dean ou Marlon Brando. 82 Código de referência: SP-A-107. 83 Código de referência: 4.2.8. 84 Código de referência: P-A-84. 85 Código de referência: P-B-3241. 86 Código de referência: P-B-3241. 87 A primeira solução comercial de vídeo doméstico (“Home Video”) surge em 1975, com a japonesa Sony a lançar no mercado o sistema Betamax (Beta). Logo no ano seguinte a também japonesa Victor Company of Japan (JVC) lança o seu sistema próprio, o Video Home System (VHS). Ambos sistemas de gravação analógica sobre fita magnética (videocassete), conviveriam no mercado até ao fim da década de 80, com a Sony a adotar igualmente o sistema VHS, que dominaria o mercado até ao surgimento em 1997 do sistema DVD (Digital Versatile Disc), levando à sua total substituição em 2008. 88 Código de referência: P-B-779. 89 Código de referência: P-B-1450. 90 Código de referência: P-A-2796. 91 Página 173 de JULLIER, Laurent; LEVERATTO, Jean-Marc - Cinéfilos y cinefilias. Buenos Aires: La Marca, 2012. 92 Ibidem. 93 Página 3 de CORADO, Frederico - O princípio da F.I.M. F.I.M. 1 (1998, julho/ agosto) 3.

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6 CASA DAS ARTES PORTO ESPAÇO S


Fernanda Araújo Direção Regional de Cultura do Norte – Coordenadora da Casa das Artes faraujo@culturanorte.gov.pt Fernanda Araújo é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e exerce funções de consultora jurídica na área da cultura desde 1998. Exerceu funções de gestão cultural enquanto Chefe de Divisão de Promoção e Dinamização Cultural na Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN). Atualmente, enquanto técnica da DRCN, gere e coordena a programação da Casa das Artes e da Casa Allen, Porto.

Joana Canas Marques Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto, Presidente direccao@cineclubedoporto.pt Joana Canas Marques (1986) é Presidente do Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto desde 2017 e arquiteta com especialização em Património Arquitetónico. Fez parte do Núcleo de Cinema da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e do Grupo CineBatalha, grupo orgânico de valorização e dinamização do cinema Batalha no Porto. Desde 2014 que integra a Direção do Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto. Com 10 anos de experiência profissional nas áreas da Arquitectura e Produção Cultural, trabalhou também em Edição, Produção de eventos e Comunicação. Encontra-se atualmente a realizar Mestrado em Comunicação na vertente Ciência e Cultura, trabalhando nas áreas de Arquitectura e Gestão e Programação Cultural.


Casa das Artes A CASA

“Mas uma torre era grande, não era? O anjo era grande, mesmo ao pé de ti?”. R. M. Rilke - “Elegias de Duíno”

Entrada principal da Casa das Artes (2020, fotografia de Carlos Sousa Pereira©).

“Qualquer tipo de intervenção naquele lugar, não devia interferir com o jardim existente. Mais do que propor foi necessário omitir, mais do que desenhar foi necessário raspar, mais do que compor foi necessário ser simples com rigor de resposta. O edifício é fundamentalmente estruturado por um muro de betão, e por um outro em pedra desfasado no sítio da porta. Sobre eles repousará uma cobertura plana revestida a cobre. A construção será implantada aproximadamente a dois metros da linha de árvores que queremos não tocar. As esculturas serão três, independentemente da sua qualidade, importa-nos o seu sítio e a atitude no lugar que também fazem. São peças essenciais para a definição e codificação dos três sectores: o Auditório, a Sala de Exposições e a Cinemateca. A primeira apoiar-se-á no muro que vem de fora do jardim, da cena exterior, e entrando no auditório faz a cena interior - o palco. A segunda ficará na entrada da sala de exposições servindo de porta ao centro e de remate ao alçado. A terceira terá como fundo a cinemateca e será colocado perto do muro que separa o Centro Cultural da torre de nove pisos, mas...”uma torre era grande, não era? O anjo era grande, mesmo ao pé de ti?””.

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É esta a despretensiosa e curta memória descritiva que o Arq. Eduardo Souto Moura elaborou para a apresentação do seu projeto ao júri para a construção de um Centro Cultural para a então Secretaria de Estado da Cultura. O júri, constituído por Rui Feijó, Alexandre Alves Costa, Sebastião Formosinho Sanchez, Miguel Sá da Bandeira... tinha delimitado que os critérios de seleção nas várias fases do Concurso seriam: - Integração paisagística da proposta dada a pré-existência da Casa Allen; - Relação volumétrica entre o conjunto proposto e o existente; - A organização interna proposta de acordo com o programa preliminar; - Os valores de relação dimensional propostos entre os diferentes sectores do edifício; - Atitude cultural do concorrente; - Esquema genérico da solução perante os valores paisagísticos e arquitetónicos do local; - Forma da intervenção no que respeita à integração e relação harmónica com os espaços envolventes; - Simplicidade e flexibilidade da organização interna do edifício em correspondência com um coerente dimensionamento e capacidade dos espaços propostos; - Viabilidade construtiva e económica da solução proposta. E salienta, no seu Parecer Final, que elege a solução proposta pelo Arq. Souto Moura, em 09.12.1980: “A Qualidade do acerto e modéstia sob o ponto de vista de atitude perante os valores em jogo e pela muito acertada flexibilidade e simultaneidade de utilizações permitidas pela solução da articulação interna dos espaços e ainda por uma cuidada integração de elementos escultóricos em perfeita harmonia com a linguagem arquitetónica usada e as funções da própria instituição.”

Entre 1988 e 1991 foi construída, assim, a Casa das Artes, inaugurada nesse mesmo ano de 1991. CLASSIFICAÇÃO O júri para a elaboração do projeto da Casa das Artes termina o seu Parecer final recomendando a classificação de “toda a propriedade” (antes, portanto, da construção do Edifício), abrangendo esta a Casa Allen e “mata envolvente” (jardim), tendo sido determinada a instrução do processo de classificação em 3 de setembro de 1996, já com o edifício da Casa das Artes incluído (Centro de Cultura, nos termos do concurso). O processo de Classificação apenas é concluído com a Publicação da Portaria 192/2012, publicada em Diário da República, II Série, em 3 de maio, classificando como Monumento de Interesse Público o “Palacete do Visconde de Vilar d’Allen, jardins e Auditório denominado Casa das Artes”.

150

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DESCRIÇÃO

Atravessando o parque da antiga vila neoclássica - Casa Allen - e

sentindo, sob os pés, as raízes das imponentes árvores, situa-se a Casa das Artes.

Apercebe-se apenas, ao fundo, um alto muro de granito que deli-

mita e faz de passagem para o espaço natural.

Seguindo essa parede cega, semelhante a tantos muros de sepa-

ração existentes na paisagem nortenha portuguesa, dificilmente se poderia imaginar que, do outro lado, se encontram espaços fechados destinados a manifestações culturais da cidade.

No interior, o pavimento é de madeira, escolhida para surpreender

com a sua cor vermelha. Amplos planos de diferentes materiais organizam os espaços, fragmentando e dando continuidade.

Da entrada, a perspetiva é acentuada pela fuga de um longo biná-

rio de luz, atravessando longitudinalmente todo o Edifício, terminando ao fundo contra uma coluna (que, na realidade, é uma conduta de ar), caracterizando de forma insólita também o palco do Auditório. A natureza surge no cenário.

Rasgos profundos entre um tijolo e outro aumen-

tam a capacidade de absorção acústica do auditório localizado a nascente.

O programa da Casa das Artes distribui-se por

dois pisos de igual superfície e de planta sensivelmente retangular. O único acidente planimétrico corresponde à descontinuidade imposta a um dos planos verticais, a qual determina o acesso ao edifício.

O piso térreo é ocupado pelos espaços de distri-

buição e de exposição, em cujos topos se iniciam as rampas dos dois anfiteatros.

O piso inferior é longitudinalmente subdividido e

engloba os anfiteatros de dupla altura e as áreas dos serviços.

Desta distribuição do programa resulta um

volume contido, que mal se desprende dos muros de vedação do jardim. Sobre este volume, explodem os equipamentos.

Os planos retangulares verticais e horizontais

que modelam volume e espaços internos relacionam-se por gradual transição, por juntas, por ruptura, mantendo uma constante capacidade de autonomização.

As tensões resultantes evocam a componente

neoplástica de um Mies; a crítica especializada a isso se tem referido, acentuando a novidade contemporânea desta influência. Mas evocam igualmente a materialidade e o peso que, voluntariamente e antes, acomAuditório polivalente da Casa das Artes (2020, fotografia de Carlos Sousa Pereira©).

panham o impulso centrifugador das casas de Wright.

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Foyer/sala de exposições da Casa das Artes (2020, fotografia de Carlos Sousa Pereira©).

O Edifício foi Prémio Secil Arquitetura em 1992, na sua primeira edição: “O sentimento que esta Arquitetura transmite é de serenidade. No entanto, e por instantes, revela-se quase insólita. Creio que esta segunda “natureza” da Arquitetura de Souto Moura deve muito à complexidade e singularidade da sua materialização: granito do Norte, tijolo de fabrico artesanal do Sul, perfis de aço inoxidável importados, betão descofrado de cores inesperadas, madeira africana intensamente vermelha, equipamentos de iluminação e de condicionamento de ar distribuídos sem preconceitos, estuques com a execução primorosa dos homens do Alto Minho. Ninguém mais vejo querer e poder utilizar, em área tão limitada, uma tão vasta gama de materiais, cores, texturas (…)” – Álvaro Siza Vieira, prémio Pritzker em 2011 e Presidente do Júri do Prémio Secil de Arquitectura afirma: “Durante as últimas três décadas, Eduardo Souto Moura produziu um corpo de trabalho que é do nosso tempo, mas que também tem ecos da arquitectura tradicional. Os seus edifícios apresentam uma capacidade única de conciliar características opostas, como o poder e a modéstia, a coragem e a subtileza, a ousadia e simplicidade - ao mesmo tempo”, refere o júri. O programa do Edifício é desenvolvido seguindo um simples esquema geométrico que coloca um foyer/sala de exposições entre duas salas: uma destinada a cinema e outra, um auditório, projectado para concertos e conferências. No piso enterrado funciona uma sala de exposições e os serviços. A ideia do muro como possível máquina mimética é acentuada pela introdução de um plano espelhado na zona das entradas, reconstruindo um jardim virtual. Uma janela em aço e vidro, no limite oposto do jardim, estabelece uma dimensão construtiva contemporânea e a única relação entre o edifício e a cidade.

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Sala de Exposições Temporárias da Casa das Artes (2020, fotografia de Carlos Sousa Pereira©).

A CASA ALLEN

A Casa Allen foi mandada contruir na década de 1920, no Porto,

para residência do 3º Visconde de Villar d’Allen.

Um dos mais emblemáticos projetos do Arq. José Marques da Silva,

acolhe, atualmente, serviços da Direção Regional de Cultura do Norte, encontrando-se igualmente aberta ao público, recebendo variadas manifestações culturais que se ajustem ao seu espaço. Nela estão instalados ainda um centro de documentação e biblioteca, vocacionada em património cultural edificado, dada a experiência, saber e fazer técnico nesta área de todas as instituições que antecederam a Direção Regional de Cultura do Norte.

Casa Allen (2020, fotografia de Carlos Sousa Pereira©).

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QUEM GERIU E PROGRAMOU A CASA DAS ARTES? 1991 - Inauguração – 1991; 1994 - Instituto das Artes Cénicas 1; 1996 - Tutela direta do Ministro da Cultura; 1998 - Instituto Português das Artes do Espetáculo, enquanto “unidade de extensão artística” 2; 1999-2004 - Espaço de acolhimento e sede da Porto 2001, Capital Europeia da Cultura; 2004 - Encerramento por razões de degradação física; 2010 - Cinemateca - Museu do Cinema - Casa do Cinema do Porto 3 (nunca concretizada); 2012 - Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) 4.

A afetação destes espaços à Direção Regional de Cultura do Norte decorre das novas competências que, desde 2007, as Direções Regionais, organismos descentralizados da área da cultura, têm adicionado às suas competências “originárias” na área do Património Cultural Imóvel, passando a representar, na sua área regional, praticamente toda a tutela da Cultura. E a Casa das Artes, espaço de acolhimento multi-programático, com expectativa de confluências de todas as artes, disciplinas e cruzamentos, muito representa a própria atividade da Direção Regional de Cultura do Norte, nos seus diversos e empenhados aspetos.

Desde a sua inauguração, a Casa das Artes colou-se imediatamente à vida cultural da cidade, oferecendo palco, espaço e “colo” a uma série de instituições, artistas e agentes.

Mas foi o cinema, com exibição regular na Sala Henriques Alves Costa, assim designada para homenagear a figura histórica da crítica e cinefilia nacional e do Cineclubismo em Portugal, que assegurou um maior reconhecimento da Casa durante toda a década de 1990, com programação assegurada pela produtora Medeiafilmes, enquanto local de encontro regular para a exibição e visionamento de filmes, a par de alguns Inesquecíveis concertos, no início dos anos 2000, protagonizados pela recém-criada Remix Ensemble, no âmbito da conceção da Casa da Música. E este cinema, naqueles anos 90, num período de esvaziamento do centro da cidade e da abertura e crescimento de salas nos grandes espaços comerciais, acabou por ser uma atitude de resistência cultural ao “mainstream” fílmico das imponentes, ruidosas e vistosas salas de cinema daqueles espaços.

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HOJE Após a integração de ambos os imóveis (Casa Allen e Casa das Artes, incluindo o jardim comum), a então Diretora Regional de Cultura do Norte, Arq. Paula Araújo da Silva, encetou, desde logo, contacto com o Cineclube do Porto no sentido de resgatar a programação da sala de Cinema Henrique Alves Costa. E foi, após obras de recuperação e valorização, que a Casa das Artes reabriu a 17 de outubro de 2013 com o Seminário Internacional “Património Cultural: Economia e Emprego”.

Notícia da reabertura da Casa das Artes (2013-10-17, Canal 180©).

Cerca de dois meses depois e com a dupla intenção e vontade

de, por um lado, dar novo fôlego a uma das instituições mais caras à cidade e ao País - o Cineclube do Porto - e, por outro, reaver a programação e exibição de Cinema na emblemática Sala Henrique Alves Costa, esta reabriu no dia 13 de dezembro de 2013 com o filme-concerto “O Homem dos Olhos Tortos”, com banda sonora original de Paulo Alexandre Jorge & Sax Solo Project. O modelo foi e é assim o da parceria e contratualização, assumindo a Direção Regional de Cultura do Norte ser este o único formato possível e desejável para a completa fruição pretendida, dada a ausência de recursos próprios para o efeito e a qualificação e aspiração do Cineclube do Porto. Esta parceria, sempre encontrada através dos princípios da contratação pública e seguindo, assim, todas as regras e procedimentos de concorrência e despesa pública, tem conseguido vigorar até à presente data.

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PROGRAMAÇÃO E PÚBLICO Visitantes, espectadores ou utilizadores do magnífico jardim, de uso público, regressaram com entusiasmo às “Casas” das Artes e Allen.

Desde as sóbrias apresentações de livros às mais insólitas “perfor-

mances”, das exposições de desconhecidos a renomados autores, a Casa das Artes tem sido percorrida por muitos artistas e milhares de espectadores, tendo, em 2019 e numa tendência de subida desde a sua reabertura, sido percorrida por cerca de 27 mil pessoas.

Destas, 5.965 foram espectadores das

sessões de cinema.

A estratégia de programação estabe-

lecida em 2013, utilizada para a sala Henrique Alves Costa, foi de compromisso entre uma programação comercial e uma programação mais alternativa e de autor. A criação de ciclos mensais temáticos, permitiu a exibição complementar de filmes mais recentes com filmes de diferentes países e menos acessíveis em sala.

A programação, a cargo do Cineclube

do Porto, tem total autonomia programática, havendo uma relação de cumplicidade entre ambas as instituições. Bom exemplo desta é o projecto conjunto de exibição do cine-concerto do filme “A Rosa do Adro” (1919), da Invicta Films, em novembro de 2019, que numa parceria entre 4 instituições (Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Direção Regional de Cultura do Norte e Cineclube do Porto), realizou a estreia da cópia restaurada do filme com música original ao vivo, numa sessão memorável no Porto, celebrando também a história do cinema da cidade.

Sala de cinema Henrique Alves Costa (2020, fotografia de Carlos Sousa Pereira©).

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A média anual de 100 sessões de cinema, num horário regular e

fixo ao longo destes últimos 7 anos, permitiu o estabelecimento de um público fiel.

Identificam-se três tipos de público. O primeiro, um público de pro-

ximidade, que utiliza a sala de cinema da Casa das Artes como cinema de bairro. O segundo, um público mais cinéfilo ligado ao cineclube – o número de sócios do Cineclube aumentou igualmente desde o início da programação na Casa das Artes, havendo também um regresso de sócios antigos. O terceiro, um público mais volátil, composto maioritariamente por jovens que procuram filmes chave da história do cinema e que não puderam, até então, vê-los em sala, ou filmes mais recentes que estiveram em exibição, mas que não lhes são economicamente acessíveis.

O número de sessões esgotadas

tem igualmente aumentado nos últimos dois anos, comprovando a relevância e dimensão da aceitação do público à estratégia programática utilizada.

A par destas sessões regula-

res, fundamentais para a formação de um público de cinema, o Cineclube do Porto produz ainda sessões de acolhi-

Cine-concerto do filme “A Rosa do Adro”, Invicta Films, 1919 (2019, Marco Duarte©).

mento de outras entidades e festivais que pretendam programar na Casa das Artes. São exemplo disso, as parcerias estabelecidas com o Goethe Institut, com o Festival Kino - Mostra de Cinema de Expressão Alemã, a Festa do Cinema Italiano, o Lux Film Prize (em parceria com o Parlamento Europeu), o Indie Júnior - Festival Internacional de Cinema Infantil e Juvenil do Porto ou as sessões do Plano Nacional de Cinema.

Em 2019 realizou-se pela primeira vez nos jardins

da Casa das Artes/Casa Allen o programa de verão do Cineclube, “As noites de Boris”, com uma receção muito positiva e entusiasta por parte do público.

As ações formativas na área do cinema, que acon-

tecem anualmente, utilizam ainda outro espaço da Direção Regional de Cultura do Norte, a Casa Allen, onde especialistas da área do cinema apresentam e debatem um determinado tema, complementado com a programação do mês da formação.

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A importância da reabertura da Sala Henrique Alves Costa para a

dinamização do cinema no centro do Porto é historicamente inequívoca. Sublinha-se que aquando do regresso do cinema à Casa das Artes, em 2013, apenas existia uma sala com exibição regular no centro do Porto, a sala do Teatro do Campo Alegre, promovida pela Medeia Filmes, e algumas outras exibições menos regulares ou pontuais, como é o caso dos festivais de cinema.

Foi por isso fulcral para a dinâmica cultural da região o regresso do

cinema a esta sala, desenhada especificamente para este fim.

A Casa das Artes procurou marcar a sua identidade, dentro do forte

dinamismo cultural da cidade.

Os nossos espaços são muitas vezes os palcos que os artistas mais

novos encontram para começar os seus percursos.

Guiamo-nos pela determinação de uma certa alternatividade, esco-

lhendo uma certa vanguarda, acreditando, face à enérgica política cultural da cidade do Porto, ser esta a missão pública deste único equipamento do género afeto à Direção Regional de Cultura do Norte, herdeira das instituições públicas de referência nacionais na recuperação, reabilitação e valorização do Património Cultural Edificado no Norte do País.

A Casa das Artes faz parte dos nomes mais notáveis de espaços cul-

turais do Porto, quer pela sua importância arquitetónica, quer pela dimensão histórica, integrando esta o circuito de que fazem parte o Jardim Botânico, a Fundação de Serralves e a Casa da Música, equipamentos absolutamente decisivos na criação de toda a energia e vivacidade que hoje se vive na cidade do Porto e em toda a região Norte.

DESAFIO

Desde logo e não podendo escapar a todas as gigantescas rever-

berações que a pandemia Covid 19 gerou nos paradigmas do “fazer Cultura”, o nosso primeiro pensamento dirige-se a uma Retoma da atividade, aos seus novos modelos, metodologias e toda uma ponderação dos programas e públicos.

Essa reflexão, encontra-se a ser feita em articulação com

os nossos parceiros de todas as áreas e cruzamentos.

Na Sala Henrique Alves Costa pretendemos continuar

o Cinema. Continuar o Cinema com as determinações ou constrangimentos práticos, burocráticos ou de índole de saúde pública.

Continuar o Cinema, num compromisso com o espectador

que regressou a uma Sala resgatada.

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BIBLIOGRAFIA ANGELILLO, António – Centro Cultural para a Secretaria de Estado da Cultura. Architécti. Lisboa. Julho (1990) 80-81.

DIAS; Ana Silva (coordenação) – Arquitectura em Portugal, Prémio Secil 1992. Lisboa: Secil, 1994.

NOTAS 1 Decreto-Lei 7/94 de 12 de janeiro. 2 Decreto-Lei 149/98 de 25 de maio. 3 Portaria 560/2010 de 23 de julho. 4 Portaria 609/2012 de 24 de outubro.

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7 THEATRO CIRCO BRAGA ESPAÇO S


Andreia Garcia

Paulo Brandão

CIAUD, Faculdade de Arquitectura, Universidade de Lisboa ; Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Universidade da Beira Interior

Theatro Circo de Braga

andreia@architecturalaffairs.pt Andreia Garcia é arquiteta, curadora e professora nas áreas da arquitetura e da cidade. Doutorada em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, recebeu o Prémio Manuel Tainha. É fundadora do atelier Architectural Affairs, que trabalha a disciplina de Arquitectura em três dimensões - projeto, curadoria e edição. Nos últimos anos o seu trabalho foi selecionado para os FAD Awards (Espanha, 2018, 2019 e 2020); Dezeen Awards (Inglaterra, 2019); finalista no BigMAT award (França, 2019); prémio LEONARDO (Bielorrússia, 2019); menção honrosa no HÄUSER Award (Alemanha, 2020). Foi responsável pela curadoria do Projecto Memória (Centenário do Theatro Circo de Braga, 2015); das exposições: “Shaping Shape” (Bienal de Arte Contemporânea da Maia, 2017), “Rythm of Dinstances: Propositions for the Repetion” (Galeira Vertical, 2017), João Álvaro Rocha (MAM, 2018), “Endless Space: Propositions for the Continuous” (Galeria Vertical, 2017), “Fast Forward” (MAM, 2019), “Double Exposur”e (Roca Gallery, 2019), “Bienal de Arte Contemporânea da Maia” (2019). É cofundadora da “Galeria de Arquitectura”, no Porto, um espaço independente dedicado à reflexão e ao debate sobre Arquitectura, Cidade e Território. É Professora Auxiliar da Universidade da Beira Interior (UBI), Professora Convidada na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho (EAUM) e na Architectural Association (AA), em Londres.

paulo.brandao@theatrocirco.com Paulo Brandão assumiu a direção artística do Theatro Circo de Braga em maio de 2006 (término em fevereiro de 2010). Foi diretor/programador da Casa das Artes de Famalicão entre 2001 e 2006, após oito anos como produtor e diretor de cena no Teatro Nacional de São João (Porto). Frequentou a licenciatura em Estudos Portugueses da Universidade do Porto. A formação artística foi adquirida durante o curso de Interpretação na Academia Contemporânea do Espetáculo (ACE, Porto) e o estágio em Teatro Naturalista na The Arden School of Theatre (Manchester). Foi docente convidado na pós-graduação em Comunicação e Gestão Cultural na Universidade Lusófona do Porto (2009-2011). Enquanto criador, levou a palco “Red Shoes” (2004), com texto de Paulo Castro, e “Cigarras – Um Musical Pop Sobre Quem Canta e Seus Males Encanta” (2010), com texto de Valter Hugo Mãe. Em julho de 2010 foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito Cultural Municipal pela Câmara de Vila Nova de Famalicão. Pertenceu à Comissão de Apreciação dos Apoios Anuais 2011 “Bienais 2011-2012” da área de Teatro da DGArtes. Desde dezembro de 2013 é, pela segunda vez, diretor artístico do Theatro Circo de Braga e consultor da Câmara Municipal de Braga para a área da Cultura.


O Cinema no Theatro Circo de Braga apresentado em três actos ATO I A INTRODUÇÃO Andreia Garcia

A 21 de Abril de 1915, na Avenida da Liberdade, em Braga, dava início a viagem histórica do Theatro Circo 1. Este equipamento coexistira muito pouco tempo com o seu antecessor, o denominado de Theatro de São Geraldo 2, que nos seus tempos áureos terá traduzido a modernização da cidade de Braga 3. Na sua vida, terá sido, aliás, este o primeiro palco para a inauguração do cinema em Braga, na noite de 13 de novembro de 1896, com a projeção de “Kinetógrafo” do precursor da “sétima arte” em Portugal, Aurélio Paz dos Reis 4. A sua rapidez de espírito e de estilo terão tido, no entanto, um tempo limitado quando, afinal, o sentido de tempo ilimitado surge com o aparecimento do Theatro Circo. Promovido pela elite bracarense 5, o Theatro Circo de Braga assumiu-se como um projeto modernizador que, desde logo, superava o velho São Geraldo que se encontrava aquém dos tempos, entretanto, mais exigentes 6. No entanto, este aspeto de convivência dos dois equipamentos é interessante de analisar. É uma espécie de romance feito sem segredos sobre espíritos divagadores e uma trajetória lançada em flecha para um caminho de símbolos sucessivos de cultura, que se representa de forma consistente e coerente. Luís Soares Carneiro, arquiteto investigador de história da arqui-

Largo dos Remédios, atual Largo Carlos Amarante, e Igreja do Convento dos Remédios, demolida em 1911 (1907, Arquivo da Foto Aliança do Museu da Imagem – Câmara Municipal de Braga©).

Largo e Convento dos Remédios (1910, Arquivo da Foto Aliança do Museu da Imagem – Câmara Municipal de Braga©).

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tetura dos teatros, afirmou que “é sabido que por debaixo, ou perto, de um teatro está, normalmente, um teatro mais antigo. Para além das conveniências urbanas e da continuidade dos hábitos, os teatros, tal como as igrejas, parecem exigir a sagração do locus ”7. O mesmo aconteceu nesta história, em Braga. Não longe do local onde se encontra este teatro ficava o seu antecessor e, curiosamente, a edificação do Theatro Circo ocorre no lote que anteriormente via erguido o Convento dos Remédios (demolido entre 1907 e 1911 8). Assim, se observa o caminho não fora de labirintos, mas antes resultado de uma evolução paciente, que a si traz o legado de reencontro de sons, gestos e luzes.

Corte longitudinal e transversal do “anteprojecto d´um Theatro Circo” de José Marques da Silva (s.d., Fundação Marques da Silva© 9).

Fachada principal, plantas dos pavimentos e corte transversal do Theatro Circo (1911, Biblioteca Pública de Braga – Universidade do Minho© 10).

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Sala principal do Theatro Circo (s.a., Biblioteca Pública de Braga – Universidade do Minho© 11).

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Com assinatura do arquiteto autodidata João de Moura Coutinho d’Almeida d’Eça (1909), o edifício, de expressão necessária e corpo memorável, cujo projeto de planta circular acusa referências ecléticas de estilo italiano e francês, procedeu a obras de ampliação e beneficiação apenas quatro anos depois de ter sido inaugurado. O motivo ficou a dever-se à perda da importância do circo e à necessidade de aproximar a sala à imagem de um teatro mais tradicional que, por sua vez, a aproximaria, dentro de pouco tempo, ao cinema. Nesta nova predileção pela imagem em movimento, e ao encontro das tendências, em 1910 contabilizavam-se em Lisboa vinte e três cinematógrafos 12 e na cidade do Porto um total de quatro, cujo programa arquitetónico respondia às necessidades perfiladas pela projeção 13. Esta primeira década de XX ignorava o cinema em espaços ambulantes e efémeros 14. Algo que apontamos como em comum estado de harmonia com as influências estrangeiras. Seguiu-se um período de prosperidade, como se a flecha da trajetória fosse lançada no horizonte, interrompido apenas pela necessidade de obras de adaptação que sucessivamente, e ao longo da sua existência, as salas de igual natureza tiveram de enfrentar. É claro que praticamente todos os episódios são resultado do progresso tecnológico no sector da “sétima arte”. Desde logo, e a título de exemplo, o “início da década de 30, com a introdução do cinema sonoro, fazendo drenar para a cidade do Porto muitos dos potenciais espectadores” 15 do Theatro Circo de Braga, o que conduziu a um período de encerramento temporário do teatro para se procederem às respetivas obras de adaptação. Pese embora o investimento em sistema acústico feito à data de 1939, que na altura pode ter espelhado o espírito de quem o considerou, podem-se sublinhar dois períodos de crise que a esta data se somaram. Um, decorrido imediatamente a seguir ao mencionado investimento, com uma situação então criada pela concorrência, localizada em Guimarães, resultado da abertura de uma sala de idênticas capacidades e, o segundo período crítico, no final da década de 50, logo depois do ciclo dourado do cinema do pós-guerra, com a introdução da televisão. A velocidade desta crise impôs-se, aliás, pela concorrência dos próprios cafés que tinham adquirido velozmente equipamentos televisivos, alterando os hábitos dos outrora espectadores destas salas 16.

Entretanto, dá-se a reconversão do até então entregue à explora-

ção “salão recreativo” do Theatro Circo no “Teatro e Cinema de S. Geraldo”, inaugurado a 1 de junho de 1950 17, o que definirá uma nova escala de sabores aos apreciadores de cinema da época. Apenas as cidades ou as vilas que não dispunham de espaços préInaguração do Cinematographo do Theatro Circo com o filme “As Aventuras de Catalina” (1915 – 27 junho, Coleção de cartazes do Theatro Circo, Biblioteca Pública de Braga – Universidade do Minho©).

vios testemunharam a construção de edifícios de raiz para o efeito de acolher o cinema, caso contrário, os teatros davam forma aos cineteatros, conciliando ambos os programas 18. Esta metáfora da velocidade sobre o enquadramento das mutações do programa de arquitetura foi descrita por Luís Soares Carneiro como o “processo de transformação dos Teatros em Teatros-Circos, em Teatros-Cinemas, em Cine-Teatros e depois finalmente em Cinemas” 19.

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O processo em constante evolução levou a que, a 5 outubro de 1974, o Theatro Circo voltasse a apresentar obras de melhoramento, desta vez criando uma pequena sala estúdio como forma de responder à enorme procura pelo produto da “sétima arte”, que a liberdade agora permitira aceder e que durante o período da ditadura tivera sido censurado.

Para se entender o Theatro Circo como um lugar de experiências cinéticas será necessário recordar alguns dos filmes aqui passados. A este título de exemplo devem acrescentar-se as memórias fílmicas de Alberto Filipe Araújo, investigador, aquando do centenário do Theatro Circo de Braga, onde nos faz uma narração de um conjunto de filmes que viu tanto no Theatro Circo, como no “Estúdio” durante os anos 1970-1980: “(...) Cenas da Vida Conjungal” (1973), a “Flauta Mágica” (1975), ambos de Ingmar Bergman (1918-2007), a “Violência e Paixão” (1974) e o “Intruso” (1976), ambos de Luchino Visconti (1906-1976), a “Noite Americana” (1973) de François Truffaut (1932-1984), a “Laranja Mecânica” (1971) de Stanley Kubrick (1928-1999) e, finalmente, a “Sombra do Guerreiro” (1980) de Akira Kurosawa (1910-1998) (...)". 20 Para esta narração ir mais fundo nos seus conteúdos de programação cinéfila talvez devamos olhar também os seus “Cartazes-Programas”. Natália Pereira, investigadora, debruçou a sua observação sobre estes conteúdos e concluiu que “(...) um aumento expressivo do número de sessões nas décadas de 40 e 50 (de cerca de 15%) explica-se pela introdução de sessões duplas, isto é, uma primeira sessão à tarde (matinée) e a tradicional sessão à noite. Os anos 50 concentram o número mais elevado de sessões (cerca de 30% do total dos espetáculos oferecidos), em larga medida em razão da expansão do cinema (...) 21. Depois de um período em que as sessões se definiam pela projeção de curtos filmes, maioritariamente comédias e documentários estrangeiros e nacionais, na primeira parte da década de 30 a sessão passou a apresentar apenas um filme, que algumas vezes era introduzido por um documentário da atualidade 22. Ainda à luz da investigação de Natália Pereira, sabemos que entre 1915 e 1959 o cinema concentrou 82% do total da oferta da programação, face à demais oferta — espetáculos musicais, teatrais, recreativos e outros, mais concretamente: conferências, congressos e exposições — que abarcava os restantes 18%. No entanto, e apesar de diminuta ser a restante percentagem, ela permite interpretar a leitura de uma oferta pluricultural, com variedades específicas, e possibilita descrever a viagem de resistência do Theatro Circo numa programação estruturada contra as tendências mais mercantilistas, nunca abandonando ou adormecendo a sua responInauguração do cinema sonoro com o filme “Minha noite de Núpcias” (1931 - 14 e 15 novembro, Coleção de cartazes do Theatro Circo, Biblioteca Pública de Braga – Universidade do Minho©).

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sabilidade no panorama cultural.

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ATO II A MEMÓRIA VIVIDA Paulo Brandão

Sem o cinema, o Theatro Circo não existiria. Ou, pelo menos, não existiria tal como o conhecemos. Em 1915, ano de inauguração da sala bracarense, o “cinema”, enquanto arte, tinha perto de 20 anos. Embora não seja claro onde realmente começou a história do cinema, sabe-se que a primeira exibição de um filme de curta duração aconteceu no “Salão Grand Café”, em Paris, em 28 de dezembro de 1895. Já sobre o Theatro Circo podemos afirmar que foi construído sobre imagens fantasmáticas. Uma foto de arquivo, muito anterior à demolição do Convento dos Remédios, revela-nos as Projetor do Theatro Circo (2015, Coleção de fotografias do Theatro Circo©).

suas religiosas, de vestes brancas, como que aguardando na sua feiura o seu desaparecimento. A este olhar fotográfico, podemos dizer, não fica alheio o Decreto-Lei de 30 de maio de 1834, que extingue em Portugal e seus domínios todos os conventos, colégios, mosteiros e hospícios, passando os bens para a Fazenda Nacional 23. A lei da altura garantia que, no entanto, as casas femininas poderiam manter-se em atividade, embora proibidas de receber noviças, até à morte da última freira 24. Quando devoluto o edifício, então poderia ser nacionalizado. Assim se explica o contexto do locus do Theatro Circo. É, aliás, provável que a decisão de construir algo no lugar do convento tivesse ocorrido post mortem, com este já desativado. Note-se que em anos e séculos anteriores o Convento dos Remédios fora um espaço muito vivido e profícuo, pois nele eram produzidos os melhores doces da região, de que servem testemunhos os cadernos de despesa do convento. Por tradição, todo o teatro que se preze tem um fantasma. Literário, operático e até acidental, eles registam um momento, uma cristalização temporal aglutinadora e que despoleta fantasia e erudição. O “fantasma do Theatro Circo é uma freira”. Uma figura romântica que nos remete para o Convento dos Remédios e, curiosamente, para o cinema gótico e para os filmes “gore” dos anos 1970 e 1980.

Convento dos Remédios (s.a., Coleção de fotografias do Theatro Circo©, fotografia de autor desconhecido).

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Mas para entender melhor o cinema e o seu papel no Theatro Circo, recordemos a passagem do cinema mudo para o cinema sonoro na década de 1930, que inevitavelmente provocou um acréscimo do público. Estávamos perante uma década de viragem que trouxe os filmes de Charlie Chaplin ou Rudolfo Valentino, mas que, por questões económicas, foi deixando para trás as artes de palco. Aliás, em 1933, o Theatro Circo e o Cinema São Geraldo mudam de gerência, tendo sido entregue a exploração a José Luís da Costa do Teatro Garret, da Póvoa de Varzim. Durante a ditadura, foram muitos os filmes que não chegaram às salas. Mas o Theatro Circo manteve sempre números altos de projeção de títulos e de público, sendo que dele resultava a sua maior receita (em termos programáticos). Ascensão que, aliás, teve uma queda com o regime de Salazar, que se ficou a dever, como “en passant” referido no ato I deste texto, à abertura de novas salas de cinema e à difusão da televisão.

Fachada do Theatro Circo (2018, Theatro Circo©).

“Foyer” do Theatro Circo (2006, Pedro Guimarães©).

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Lustre da sala principal do Theatro Circo (2016, Theatro Circo©).


Palco e sala principal do Theatro Circo (2016, José Caldeira©).

Pequeno Auditório do Theatro Circo (2006, Pedro Guimarães©).

Sala principal do Theatro Circo (2015, José Caldeira©).

Sala principal do Theatro Circo (2015, José Caldeira©).

Na tentativa de recuperar este balancete, o “Café Bristol” foi vendido a uma instituição bancária e a 5 de outubro de 1974 é inaugurada a sala de cinema “Estúdio” que inicialmente teve muito êxito, mas que, com a concorrência de outras salas e o advento do VHS, também entrou em declínio.

A história conta-nos que em 1988 a Câmara

Municipal de Braga adquiriu o imóvel e que na década seguinte, com o Ministério da Cultura e o Plano Operacional da Cultura (POC), foi traçado um Salão Nobre do Theatro Circo (2006, Pedro Guimarães©).

plano de requalificação do edifício. Para além da sala principal, agora totalmente renovada, nasceu uma sala com 250 lugares vocacionada para o cinema e para uso da Companhia de Teatro de Braga (CTB) — a companhia de teatro residente.

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Foi neste contexto, o da reabertura do teatro, em outubro de 2006, que foram escolhidas as segundas-feiras para a exibição do cinema. A ideia foi, desde o primeiro momento, criar uma programação que, de certa forma, se direcionava para um público conhecedor de cinema, se não mesmo cinéfilo. Ou seja, criar uma espécie de cineclube — o que ainda hoje tem resultado com sucesso.

Tendo como referência o ano de 2019, salienta-se o consecutivo crescendo de público que já vinha sendo registado nos anos anteriores, onde a “sétima arte” continua a destacar-se com sucesso na programação do Theatro Circo, com uma presença muito superior à observada na maioria das salas nacionais. Estes resultados estão associados a uma melhoria na expressão, conceito e difusão da programação dos filmes que são projetados regulamente. Como já referido, e a pensar no público cinéfilo, toda a programação foi idealizada procurando conciliar a apresentação de filmes de realizadores de referência, com propostas emergentes, sobretudo no âmbito do cinema europeu e no cinema de autor, assim como a presença de vários filmes premiados nos principais festivais internacionais de realizadores como Hong Sangsoo, Lucrecia Martel, François Ozon, Tom Volf, Nagisa Oshima, Lorenzo Vigas, Louis Malle, Sharunas Bartas e German Kral. Tal como em anos passados, sempre que possível, foi proposta a presença de atores ou realizadores entre o público e foram promovidas conversas informais no final das sessões, associando também a esta expressão a componente formativa e de valorização do cinema português.

ATO III O QUE APRENDEMOS COM AS IMAGENS Andreia Garcia Podemos dizer que a adaptação dos edifícios do teatro ao cinema se deveu, em larga medida, ao sucesso da imagem em movimento junto do público. Assim, temos de recordar-nos que as questões económicas também terão ajudado à proliferação deste sucesso, já que os gastos de produção que compreendiam a difusão destes conteúdos não se equiparavam aos gastos económicos que um espetáculo de teatro comportava 25. E aqui, para forçarmos um pouco o esclarecimento, servimo-nos da base do resultado da investigação desenvolvida aquando do centenário do Theatro Circo, que apontava um sentido claro sobre os anos 1940 como o período do “ciclo áureo” da longa-metragem, em que um filme podia atingir a duração de três ou mais horas, ocasionalmente antecedido pelo documentá-

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rio da atualidade 26. A época que serve de fundo tem muitos aspetos que a fazem divergir dos nossos tempos. Mas que não se cumpra a dúvida de que o Theatro Circo foi revelando o espelho das tendências nacionais até aos dias de hoje e que o cinema, durante um longo período, se assumiu como o espetáculo por excelência “no quadro das mudanças substantivas que o revolucionaram, entre o cinema popular e massificado, característico das suas origens, e o cinema-arte, expressão que pretende sumariar as mutações que marcaram a elevação do cinema a género artístico, e que passaram, entre outras alterações, pela nobilitação do argumento cinematográfico apoiado em adaptações literárias” 27.

As imagens em movimento que pelo Theatro Circo passaram atravessaram várias décadas e as experiências fílmicas foram muito diversas. Os primeiros filmes mudos, por exemplo, eram acompanhados por quartetos ou orquestras que, em alguns casos, motivavam a produção de musicais (por exemplo: “A rosa do Adro”, “Amor de Perdição”, “Os Fidalgos da Casa da Mourisca” e “Mulheres da Beira”) 28. Seria impossível que não se criasse coisa alguma nesta movimentação, quanto mais não fosse a possibilidade de admirar o mundo de outra forma. Sabemos, no que ao proclamado comportamento antropológico diz respeito, que estes tempos marcavam uma reação ruidosa por parte do espectador que, de costume, comentava o filme em voz alta. Essa prática imediata testemunhava-se ainda no caso de uma falha técnica, acontecimento considerado frequente como se percebe pela matéria da tecnologia à época conhecida 29. Progressivamente, estes hábitos comportamentais foram mudando, indiretamente consequência do progresso tecnológico que veio com o tempo – quer pela entrada do som, como pelas dobragens, ou até mesmo pela introdução das próprias legendas nos filmes estrangeiros.

Cartaz do Theatro Circo do filme “Paixões que Escaldam” (1959 - 15 fevereiro, Coleção de cartazes do Theatro Circo, Biblioteca Pública de Braga – Universidade do Minho©).

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No final dos anos 1950, o Theatro Circo continuava a acompanhar as tendências nacionais e a ver no cinema o seu conteúdo de programação dominante. Em António Lopes Ribeiro, Jorge Brum do Canto, Leitão de Barros, Manoel de Oliveira, entre outros, vemos exemplos de realizações que marcaram este período do cinema português 30. Chegamos ao fim desta apologia ao cinema no Theatro Circo de Braga. Poder-se-á concluir que é parte de um romance e que todo e qualquer espectador estabelece uma relação com o filme que lhe é dado a ver e com o lugar em que o filme lhe é dado a assistir. Trata-se de uma relação imaginada que o seu próprio corpo estabelece com um corpo figurado — o do cinema. Relação que é fonte de prazer para o espectador como: orientação e descoberta; experiência visceral; empatia e identificação com o personagem; crítica e apreciação 31. Cartaz do Theatro Circo do filme “Aniki-Bobo” (1943 - 19 e 20 janeiro, Coleção de cartazes do Theatro Circo, Biblioteca Pública de Braga – Universidade do Minho©).

Bilhetes de cinemas do “Teatro Circo de Braga”, “Estúdio do Teatro Circo”, “Goldcenter” e “Estúdio Acil” (1961-1973, Arquivo pessoal de Henrique Barreto Nunes©) 32.

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Não se sabe ainda, porventura, o ponto de chegada. Mas sabe-se que não obstante a restante programação, o cinema foi, de facto, o grande dominador da programação durante o mais longo período da história de Theatro Circo de Braga. E dessa informação, nas memórias que ficam das imagens projetadas neste teatro e pelo teatro, sobra o que em cada um de nós resta. Um universo de um lugar que passa de geração em geração e que nele passam palavras que o tempo permite degustar com a certeza de que o desígnio desta sala é o certo.

Resta-nos o infinito de hipóteses que nos ficam pelas fantasias ainda por criar.

Centenário do Theatro Circo (2015, Theatro Circo©).

103.º Aniversário do Theatro Circo (2018, Theatro Circo©).

103.º Aniversário do Theatro Circo – Videomapping (2018, Theatro Circo©).

Rosalía & Raul Refree (2017, Theatro Circo©)

Festival Respira [Aftermovie] (2019, Theatro Circo©).

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CARNEIRO, Luís Soares – Teatros Portugueses de Raiz Italiana (2 Volumes).

NOTAS

Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2002. Tese de Doutoramento em Arquitectura (policopiado).

1

Há época existia um outro teatro na cidade, denominado Theatro de

São Geraldo. COSTA, Luís Dias – Para a História de Braga. Braga: APPACDM, 1995.

2 O Theatro de São Geraldo foi inaugurado a 8 de junho de 1860, com um espetáculo da atriz Emília das Neves. Cf. Faria, Jorge (1943.03.04). O Teatro

GARCIA, Andreia - Arquitectura e Cinema. Jacques Tati e Le Corbusier –

de Braga, página 14. Emília das Neves em junho de 1860. A abertura do

diálogos sobre o modernismo. Covilhã: Departamento de Engenharia Civil

São Geraldo com “Joana a Doida”. Devaneios alarmantes de um noticiarista.

e Arquitetura da Universidade da Beira Interior, 2008. Dissertação de Mes-

Correio do Minho, Braga.

trado em Arquitectura (policopiado).

3 Dizia Manuel Monteiro sobre o Teatro São Geraldo: “(...) breve hemiciclo onde a melhoria da sociedade bragueza se reúne, de quando em quando,

GARCIA, Andreia (Coord.) – O Theatro e a Memória: 100 Anos do Theatro

como para tomar em família o seu chazinho acompanhado d’uma solida

Circo de Braga. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2016.

torrada de má-lingua (...)” Monteiro, Manuel (maio de 1911). Theatro-Circo de Braga, páginas 17-19.

MACEDO, Ana Maria – A Sociedade Theatro Circo de Braga. In GARCIA,

4

Andreia (Coord.) – O Theatro e a Memória: 100 Anos do Theatro Circo de

estreado em Nova Iorque e depois de ter apresentado em Lisboa e no Porto.

Braga. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2016. pp. 51-68.

Página 133 de COSTA, Luís Dias – Para a História de Braga. Braga: APPA-

Um ano depois de ter apresentado em Paris, seis meses depois de ter

CDM, 1995. MACEDO, Ana Maria Costa – Teatro Circo: oito décadas de um projecto

5 ASC-AMB – Actas das Sessões Camarárias – Arquivo Municipal de Braga.

colectivo na cidade de Braga. Mínia. Braga. 3: 3ª série (1995) 109-132.

Série das Obras Urbanas, cx. 24. “A iniciativa ficou a dever-se a três ilustres bracarenses de então: o Dr. Artur José Soares (irmão do presidente da

MARQUES, A. H. de Oliveira (Coord.) – Portugal da Monarquia para a Repú-

Câmara aquando da implantação da República); Cândido Martins, industrial

blica. In coleção Nova História de Portugal, Volume XI. Lisboa: Editorial

(...) e José António Veloso, diretor do então Banco do Minho (sediado em

Presença, 1991.

Braga)”.

MEDINA, João (Dir.) – O Estado Novo: o ditador e a ditadura. Amadora: Clube Internacional do Livro, 1998.

176

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6 Página 42 de BANDEIRA, Miguel Sopas de Melo – A edificação do Thea-

20

tro como marco da modernidade e do cosmopolitismo urbano em Braga. In

revisitação ao meu lugar de memória cinéfilo. In GARCIA, Andreia (Coord.)

GARCIA, Andreia (Coord.) – O Theatro e a Memória: 100 Anos do Theatro

– O Theatro e a Memória: 100 Anos do Theatro Circo de Braga. Casal de

Circo de Braga. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2016, pp. 33-50.

Cambra: Caleidoscópio, 2016. pp. 171-182.

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21 Páginas 209-210 de PEREIRA, Natália – Convidar ao Espetáculo. Cinco

de Braga. In GARCIA, Andreia (Coord.) – O Theatro e a Memória: 100 Anos

Décadas de Programação Cultural e Recreativa do Theatro Circo. In GARCIA,

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Circo de Braga. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2016, pp. 51-68.

Nacional da Casa da Moeda, 2010.

9 Escala 1:200; 1 planta manuscrita, grafite tinta-da-china e aguarela sobre

23 RAMOS, Anabela – Viúvas de Braga e outros doces do Convento dos

papel; 33,8 x 85,5 cm.

Remédios. Lousada: Ficta editora, 2019.

10

Reprodução a partir de A Architectura Portugueza: revista mensal

Página 173 de ARAÚJO, Alberto Filipe – O Teatro do Circo: uma

Página 78 de BAPTISTA, Tiago; PARREIRA, Teresa; BORGES, Teresa

24 RAMOS, Anabela – Viúvas de Braga e outros doces do Convento dos

da arte architectural antiga e moderna / collaborada por architectos e

Remédios. Lousada: Ficta editora, 2019.

escriptores d’arte portugueza. Lisboa: Typographia de António M. Antunes,

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N.º 5, Ano 4, maio de 1911.

do século XX. Lisboa: Bizâncio, 2012.

11

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Edição Bazar Soares, Porto (foto Marques, Braga) – postal ilustrado,

Página 210 de PEREIRA, Natália – Convidar ao Espetáculo. Cinco

sépia; 14 x 9 cm.

Décadas de Programação Cultural e Recreativa do Theatro Circo. In GARCIA,

12 No País, o primeiro cinematógrafo foi o “Salão Ideal”, na rua do Loreto,

Andreia (Coord.) – O Theatro e a Memória: 100 Anos do Theatro Circo de

em Lisboa, inaugurado em 1904. Página 207 de PEREIRA, Natália – Convi-

Braga. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2016. pp. 205-222.

dar ao Espetáculo. Cinco Décadas de Programação Cultural e Recreativa do

27 Páginas 211-212 de PEREIRA, Natália – Convidar ao Espetáculo. Cinco

Theatro Circo. In GARCIA, Andreia (Coord.) – O Theatro e a Memória: 100

Décadas de Programação Cultural e Recreativa do Theatro Circo. In GARCIA,

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pp. 205-222.

Braga. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2016. pp. 205-222.

13 Páginas 664-665 de MARQUES, A. H. de Oliveira (Coord.) – Portugal da

28 Página 214 de PEREIRA, Natália – Convidar ao Espetáculo. Cinco Déca-

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Sociais da Universidade do Minho, 2013. Dissertação de Mestrado em His-

15

tória (policopiado).

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Páginas 79-90 de PEREIRA, Natália – Teatro, Cinema, Excursões...

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Dissertação de Mestrado em Arquitectura (policopiado).

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de um projecto colectivo na cidade de Braga. Mínia. Braga. 3: 3ª série (1995) 109-132. 18

Página 92 de SILVA, Susana Constantino Peixoto – Arquitectura de

Cine Teatros: evolução e registo [1927-1959]. Equipamentos de cultura e lazer em Portugal no Estado Novo (Série Cidades e Arquitectura). Coimbra: Livraria Almedina, 2010. 19 Página 684 de CARNEIRO, Luís Soares – Teatros Portugueses de Raiz Italiana (2 Volumes). Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2002. Tese de Doutoramento em Arquitectura (policopiado).

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8 CINANIMA ESPINHO P ROJ ETO S


Paulo Barrosa Programador e selecionador no CINANIMA – Festival Internacional de Cinema de Animação paulombarrosa@gmail.com Paulo Barrosa foi docente na Cooperativa de Ensino Superior Árvore I (1988-1990). Integrou júris de seleção e a Comissão Organizadora do CINANIMA como programador. Fez parte do júri do prémio António Gaio para a animação portuguesa (2016). Integrou júris para atribuição de apoios do Instituto de Cinema e Audiovisual entre 2016 e 2018. Publicou “Frédéric Back: o homem que plantava lendas” (2014). Excertos da sua peça “Auto da Nostalgia”, entretanto publicada em livro, foram objeto de uma leitura encenada no arranque da temporada 2015/2016 do Teatro Nacional D. Maria II. A sua peça curta “Desaparecida” (estreada na ESMAE em 2016) foi lida na sessão das “Leituras no Mosteiro” dedicada à dramaturgia portuguesa, organizada pelo Teatro Nacional de São João. Realizou trabalhos de composição musical, encenação e cenografia para teatro. Expõe com regularidade a sua pintura. Fundou a “Companhia da Bruma” e compôs as canções do CD “Canções da Cidade Ocupada”. Atualmente trabalha com Francisca Sarmento num novo projeto musical.


CINANIMA – festival internacional de cinema de animação de Espinho: em novembro se animam sonhos À memória da Tânia Duarte, que partiu e não devia.

O CINANIMA – Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho define-se como um festival de cinema de animação de autor. Ao contrário do cinema dito convencional, no cinema de animação cada imagem é obtida individualmente por um método tradicional (desenho, pintura, fotografia, ecrã de alfinetes, etc.) ou digital, produzindo-se a percepção de movimento quando várias imagens são colocadas em sequência, ao longo de um tempo determinado, ou, no limite, quando várias sequências de movimento são, do mesmo modo, encadeadas de forma a criar um movimento novo. O cinema de animação apresenta-se, assim, como uma forma de expressão artística de pleno direito, autónoma das outras artes, com códigos que lhe são próprios. Entende-se cinema de animação de autor como aquele que nasce ou resulta do trabalho artístico proposto ou desejado por um realizador, por um cineasta ou por um coletivo, independentemente de haver ou não lugar a posterior exploração comercial.

Primeiro de um conjunto de dois desenhos, destinado à divulgação do CINANIMA, publicado no boletim informativo n.º 3 do CINANIMA, a 1981-11-20, retomado na revista “VBA FLASH” de Antuérpia, no n.º 3 do seu 7º ano de publicação, em fevereiro de 1982 (1981, arquivo Paulo Barrosa©, desenho de Paulo Barrosa).

Segundo de um conjunto de dois desenhos, destinado à divulgação do CINANIMA, publicado no boletim informativo n.º 3 do CINANIMA, a 198111-20, retomado na revista “VBA FLASH” de Antuérpia, no n.º 3 do seu 7º ano de publicação, em fevereiro de 1982, retomado no livro “Cinanima 25 Anos – Memórias de Prata”, de Luís Costa e Mário Augusto, sem menção nos créditos (1981, arquivo Cinanima©, desenho de Paulo Barrosa).

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Enquanto festival, tipo de estrutura em que a programação assume uma importância óbvia, o CINANIMA considera-se parte integrante do movimento global pela divulgação e valorização das artes contemporâneas, entendendo-se como contemporaneidade a consciência do presente em função de um passado, de uma história e de um percurso reflexivo, com a memória a assumir uma centralidade esclarecedora, desejada e incontornável. O CINANIMA desenvolve a sua atividade integrada no contexto de um serviço público, manifestando, de forma privilegiada, a intenção de diversificar e conquistar públicos para o cinema de animação, de apoiar o trabalho de realizadores, animadores, sonoplastas, produtores independentes e outros trabalhadores da área do cinema de animação e das artes ditas subsidiárias (aquelas que lhe estão frequentemente associadas, por exemplo o cinema, as artes plásticas, a banda desenhada e a ilustração, a fotografia, a sonoplastia), e de proporcionar um contacto privilegiado com esta forma de expressão às gerações mais jovens. Aliás, a componente pedagógica e educativa será, ao longo dos anos e de diferentes formas, uma das suas principais prioridades.

O CONTEXTO INICIAL O CINANIMA realiza-se anualmente, de forma ininterrupta, desde 1977, na cidade de Espinho (com excepção do ano de 1992, em que as projeções foram feitas em Esmoriz, concelho de Ovar, por ausência transitória de uma sala de cinema operacional na cidade), durante o mês de novembro. Foi criado no seio da “Nascente”, uma cooperativa de acção cultural fundada em 1976, no contexto da efervescência cultural e artística que sucedeu à Revolução de Abril e ao restabelecimento da democracia em Portugal, num quadro facilitado pela forte tradição associativista existente na cidade, que remonta sobretudo à primeira metade do século XX, período em que era um dos locais preferidos de vilegiatura para uma parte das elites intelectuais da península. Por outro lado, em Espinho (que sempre foi uma terra de cinemas) existiu um cineclube de duração efémera, durante a década de 50 do século passado, que viria a desaparecer fundamentalmente devido a razões políticas. Quando foi fundada, a Nascente contava no seu seio com um novo cineclube, tendo tido grande adesão do público a projecção de uma cópia de 16 mm do filme de 1953, “As velhas lendas da Checoslováquia” (hoje com o título de “As velhas lendas Checas”), de Jiri Trnka (uma cópia restaurada desta obra-prima do cinema de animação seria projectada na edição de 2020 do CINANIMA). Na altura, o cinema de animação português era Cartaz de divulgação da 1ª edição do CINANIMA, da autoria de João Machado (1977, arquivo CINANIMA©, conceção gráfica de João Machado).

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escasso e ocasional, sobretudo ligado à publicidade ou a pessoas que nela trabalhavam e que, por gosto, nos tempos livres, realizavam filmes. Nesse contexto difícil, Artur Correia, Ricardo Neto, Mário Neves, Servais Tiago (os quatro foram amigos e assíduos frequentadores do CINANIMA) e Manuel Matos Barbosa (que integrou a Comissão Organizadora do CINANIMA) são alguns autores que se distinguiram pela qualidade e inovação do trabalho efetuado. Em termos do chamado grande público, prevalecia a ideia de que o cinema de animação se destinava à infância. A televisão assumia um papel decisivo no condicionamento dos públicos, limitando a sua oferta às grandes produções da Disney, às curtas-metragens da “Warner Bros.” e da “Hanna-Barbera”: a nota de diversidade era dada por alguns filmes de Tex Avery e, sobretudo, pelas produções da UPA (United Productions of América), mais cuidadas e interessantes do ponto de vista da sua proposta estética. Porém, é por essa altura que, no seio da Radiotelevisão Portuguesa, Vasco Granja desvenda ao grande público um outro cinema de animação, de proveniência diversificada, nomeadamente da Europa de leste, de grande apuro visual, utilizando outros ritmos, outras técnicas e outro discurso.

Nos meados dos anos 70 do século passado, a produção europeia de longas-metragens de animação era relativamente escassa. Por outro lado, no conjunto do território europeu existiam dois festivais internacionais de cinema de animação: o Festival de Annecy, fundado em 1960 e que se realizará de dois em dois anos (com uma interrupção em 1968), passando a anual em 1997, e o festival de Zagreb, criado em 1972, inicialmente bianual, depois anual, alternando em anos diferentes as curtas e longas-metragens. Em novembro de 1976, o êxito de uma pequena mostra internacional de cinema de animação e banda desenhada, organizada em Espinho pela “Nascente”, veio confirmar, junto das pessoas que pensaram o projeto, que, com trabalho e alguma ousadia, o sonho da realização de um festival internacional poder-se-ia tornar numa realidade palpável a curto prazo. Em três espaços da cidade (cinema do Casino de Espinho, Cineteatro São Pedro e Salão Nobre da Piscina Municipal), pela mão de Álvaro Cordeiro, de Eduardo Oliveira e de um pequeno grupo de cooperantes, viu-se e Cineteatro São Pedro, durante o CINANIMA (1981, arquivo CINANIMA©, fotografia de autor desconhecido).

discutiu-se cinema de animação e pôde-se contactar com os aspetos técnicos relacionados com a feitura de um filme. Será essa a equipa que estará à frente da organização do primeiro festival internacional, no ano seguinte.

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UM FESTIVAL DE AFETOS E ENCONTROS

A 23 de novembro de 1977 tinha início a primeira edição do festival, precedida de um longo e cuidado trabalho preparatório de contactos desenvolvido a nível internacional, nomeadamente junto dos festivais de Zagreb, Annecy e Otawa, de personalidades incontornáveis, como René Laloux e Joy Batchelor, e de organizações como a ASIFA (Association Internacionale du Film d’Animation) e a BILIFA (Bureau International de Liaison des Instituts du Film d’Animation). René Laloux (1929-2004) viria a integrar o júri internacional da primeira edição do CINANIMA. O realizador de “O planeta selvagem”, premiado em Cannes em 1973, tornar-se-ia num amigo incondicional do festival e regressaria a Espinho, em 1981, para apresentar em competição o seu filme “Os Mestres do Tempo”, que ganharia o respectivo prémio na categoria de longas-metragens; repetiria a vitória nessa categoria com “Gandahar”, em 1988, e em 1995 integraria de novo o júri internacional, ao mesmo tempo que expunha uma parte da sua obra de artista plástico. Henrique Alves Costa com Paulo Barrosa (1980, arquivo CINANIMA©, fotografia de autor desconhecido).

A nível nacional, o apoio generoso e incondicional de Henrique Alves Costa foi capital para o sucesso do projecto, assim como o trabalho de divulgação efetuado por Vasco Granja.

As primeiras edições do CINANIMA anunciam os aspetos estruturantes que se irão manter como opções e prioridades ao longo dos anos. Aproveitando as caraterísticas da cidade de Espinho como estância balnear, é feita uma aposta clara no aspeto simpático e convivial do festival: o CINANIMA é um festival privilegiado para o estabelecimento de contactos, para a troca de experiências e para o estabelecimento de amizades. Esta atitude demonstrou-se facilitadora da expansão do festival e do seu crescente prestígio a nível internacional, que se traduzirá no aumento do número e da qualidade dos filmes projetados. O festival comporta uma parte competitiva, organizada por categorias, e uma parte não competitiva, que inclui mostras e sessões temáticas e sessões destinadas ao público escolar, com especial incidência nos estabelecimentos de ensino do concelho, massivamente concorridas até à atualidade (em 1979 o CINANIMA receberia um apoio da UNESCO, com a atribuição de um prémio sobre o tema da “Criança”). Intervenção do grupo instrumental do Coro Popular de Espinho da Cooperativa Nascente na festa de receção aos convidados do CINANIMA (1980, arquivo CINANIMA©, fotografia de autor desconhecido).

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Público Infantil no CINANIMA, final dos anos 70 (ano desconhecido, arquivo CINANIMA©, fotografia de autor desconhecido).

Público Infantil no CINANIMA no Centro Multimeios de Espinho (2017, arquivo CINANIMA©, fotografia de autor desconhecido).

É dada uma relevância especial ao cinema de animação português (de salientar que, logo na sua primeira edição, o júri internacional atribuiu uma menção especial ao filme “Franco Assassino”, de António Pilar, realizado em 1976). Os cartazes de promoção do festival são, desde a sua primeira edição, uma criação do artista gráfico João Machado (alguns serão premiados em concursos internacionais de especialidade).

Cartaz de divulgação da 2ª edição do CINANIMA, da autoria de João Machado (1978, arquivo CINANIMA©, conceção gráfica de João Machado).

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A partir de 1978, na sua segunda edição, o CINANIMA passa a comportar um conjunto de oficinas livres, com o objectivo de desenvolver o cinema de animação enquanto expressão artística autónoma no nosso país, inicialmente orientadas pelo professor Gaston Roch (entre 1978 e 1980), amigo da primeira hora do festival e coordenador de uma equipa da BILIFA (1979), e pelo colectivo francês “Collodion Humide” (1979 e 1980). As oficinas livres do CINANIMA estarão na origem do despontar de uma geração de realizadores e de animadores que se distinguirá pela sua qualidade artística e pela consistência do seu trabalho criativo. Respetivamente em 1985 e 1986, o CINANIMA projetará os dois primeiros filmes deste novo grupo de realizadores: “Oh que Calma”, de Abi Feijó, e ”Evasão-Invasão”, de Fernando Galrito. Nos anos seguintes, juntar-se-lhes-ão Regina Pessoa, José Miguel Ribeiro, José Pedro Cavalheiro (ZEPE), Pedro Serrazina, Francisco Lança, Humberto Santana, Nuno Amorim e tantos outros (a lista é longa) que transformaram, de um modo radical, a face do cinema de animação em Portugal. O CINANIMA servirá como exemplo e, nalguns aspetos, como modelo para a criação do Festival Internacional de Cinema de Animação de Hiroshima; na edição de 1979, o filme “Pica-don” (traduzido, na altura, por “A Bomba”), do realizador japonês Renzo Kinoshita (1936– 1997), ganhou o prémio na categoria J (Juventude). Ele e a sua companheira, Sayoko Kinoshita, estabelecerão uma profunda relação de amizade com a organização do CINACartaz de divulgação da 3ª edição do CINANIMA, da autoria de João Machado (1979, arquivo CINANIMA©, conceção gráfica de João Machado).

NIMA, procurando junto deste apoio no que respeita a contactos e aconselhamento para a construção do seu projeto, que culminaria em 1985 com a primeira edição do festival de Hiroshima.

O TEMPO DAS ENCRUZILHADAS

Em 1981 uma nova equipa assumiu a organização do festival que, até perto dos finais da década, consolidou e alargou as bases de trabalho adquiridas, isto é, uma importante rede de contactos e um prestígio invejável no seio dos outros festivais e dos meios artísticos internacionais, ao mesmo tempo que reforçou a ligação aos meios de informação e de comunicação.

Cartaz de divulgação da 5ª edição do CINANIMA, da autoria de João Machado (1981, arquivo CINANIMA©, conceção gráfica de João Machado).

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O período que decorre entre os meados dos anos 80 e o final do século foi rico em transformações: em primeiro lugar, há que referir o desaparecimento progressivo do suporte de película dos filmes, com a introdução do vídeo e o desenvolvimento da tecnologia digital. A imensa logística desenvolvida para importar, mobilizar e exportar bobines pôde ser aliviada e, depois, completamente desmontada. Contudo, a democratização do acesso à tecnologia proporcionada por estes meios aumentou de forma exponencial a produção, sem que a qualidade artística experimentasse, necessariamente, um aumento proporcional. Passou-se de cerca de 300 a 400 filmes admitidos a concurso no início dos anos oitenta do século passado, a cerca de 1.400 no início da década de 2010. Um outro aspecto facilitado pela revolução tecnológica diz respeito à multiplicação de festivais de cinema de animação em Portugal, na Europa e no resto do mundo, com objectivos e quadros de apoio muito diversos. Na sua primeira fase, esta nova realidade contribuiu positivamente

Cartaz de divulgação da 6ª edição do CINANIMA, da autoria de João Machado (1982, arquivo CINANIMA©, conceção gráfica de João Machado).

para desenvolver a qualidade do cinema de animação produzido, mas acabou por condicionar uma perda relativa da importância dos grandes festivais, em particular daqueles que apresentavam maiores fragilidades de estrutura ou de estabilidade financeira.

À semelhança do que já acontecia nos E.U.A., as caraterísticas mais artesanais, dominantes no seio da produção europeia, perderam expressão, ao mesmo tempo que despontava uma indústria cinematográfica e um mercado para grandes produções de animação.

Paralelamente, a cidade de Espinho modifica-se: a população aumenta, mas muitos espinhenses vão habitar longe da sua terra de origem, fruto do aumento da mobilidade e condicionados, em parte, pelas necessidades de emprego e pelo custo da habitação; a cidade torna-se multicêntrica, aumentando o número de habitantes que a usam como dormitório do Grande Porto; a praia continua a ser uma atracção, mas a cidade deixa de ser um lugar privilegiado de vilegiatura para uma burguesia com recursos que a ela retornava em cada verão; desaparece a maior parte dos grandes cafés e as tertúlias de todo o tipo que neles se formavam. Uma evolução deste tipo acarreta sempre consequências sensíveis para a viabilidade do desenvolvimento de projetos de carácter cultural ou lúdico que exijam trabalho de fundo e em continuidade para serem concretizados.

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O crescimento do festival num contexto profundamente dinâmico como este, colocou problemas organizativos importantes. Para os mitigar, efectuou-se a contratação de trabalhadores para funções ligadas com a utilização e manutenção das tecnologias do audiovisual e com tarefas administrativas e de secretariado. A opção de profissionalizar a área de serviços não era alheia à ideia de manter a orientação geral do festival intimamente ligada à sua matriz cooperativa.

Contudo, a falta de apostas equivalentes na área artística gerou múltiplos mal-entendidos, entre outras razões porque o modelo habitual em festivais do mesmo tipo é exatamente o inverso. Assim, pessoas foram identificadas com funções que nunca exerceram e para as quais não possuíam competências, com os inevitáveis danos na imagem, na credibilidade e na sustentação artística do festival e a consequente perda de prestígio, sobretudo a nível internacional. Sessão no Centro Multimeios de Espinho (2019, arquivo CINANIMA©, fotografia de autor desconhecido).

Por outro lado, a composição da estrutura organizativa, no seu processo de regeneração natural, muitas vezes catalizada por necessidades de desempenho que transcenderam os meros aspectos de gestão, foi deixando de considerar o cinema de animação de autor como um polo central de interesse individual ou colectivo, esbatendo-se a noção de que são o gosto e a motivação pessoal que justificam o trabalho em qualquer área artística.

A perda de capacidades e de competências e a ausência de discussão teórica sobre as questões artísticas, arrastou outras incoerências de diversos tipos no percurso do festival, quer na área de programação, quer no que se relaciona com o tratamento de imagem e produção de conteúdos de divulgação. Algumas vezes, a adequação às condições colocadas pelos patrocinadores institucionais foi resolvida através da hierarquização da estrutura organizativa, que passou a contar com a figura do diretor ou do presidente, em detrimento de uma ideia de coletivo mais ou menos anónimo, que prevaleceu até meados dos anos 80, que, com todos os defeitos, sobrevivia à custa de admitir no seu seio discussões sistemáticas e aprofundadas sobre todas as matérias que giram em torno do estado da arte e da prática organizativa. Finalmente, a instabilidade e insuficiência dos apoios financeiros, num contexto de forte crescimento da estrutura, conduziu ao estabelecimento de um protocolo com a Câmara Municipal de Espinho, a partir do qual esta passou a partilhar com a Cooperativa Nascente a organização do CINANIMA.

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A sobrevivência do festival neste período, especialmente incerto e difícil, deveu-se, em grande parte, à consistência de uma equipa experimentada, composta por pessoas com prolongada prática de trabalho no setor cultural: citam-se, a título de exemplo, os nomes de António Gaio (que foi durante muitos anos diretor da cooperativa Nascente e presidente do CINANIMA), Hernâni Barrosa, Manuel Carvalho Batista, Matos Barbosa, João Henrique e António Cavacas. No ano 2000, o CINANIMA passa a apresentar a maior parte da sua programação no Centro Multimeios de Espinho, um edifício projetado C entro Multimeios de Espinho (2010, arquivo Paulo Barrosa©, foto de Paulo Barrosa).

pelo Arquitecto Nuno Lacerda Lopes, que dotou a cidade de um equipamento versátil, com condições melhoradas para a realização do festival. Manter-se-ão, contudo, sessões na sala de cinema do Casino de Espinho, com programação específica. Passam a ser utilizados novos espaços, como o Fórum de Arte e Cultura de Espinho (FACE) e a Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva.

Fórum de Arte e Cultura de Espinho - FACE (2009, arquivo Paulo Barrosa©, foto de Paulo Barrosa).

Centro Multimeios de Espinho (2015, arquivo CINANIMA©, fotografia de autor desconhecido).

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UM FESTIVAL QUE DURE O ANO TODO

A ideia de que o CINANIMA não se deveria esgotar no festival propriamente dito, surgiu precocemente na sua história. Foi nesse sentido que se implementaram as chamadas sessões de extensão do CINANIMA (hoje denominadas “CINANIMA em Trânsito”), que se realizaram nas freguesias do concelho de Espinho e dos concelhos limítrofes e que rapidamente ganharam o resto do país. Inicialmente, as sessões eram sobretudo programadas com base nos filmes premiados em cada ano. Com o tempo, os programas foram-se diversificando e passaram a ser elaborados em função dos grupos etários e do tipo de público-alvo. O programa CINANIMA Júnior, que integra sessões destinadas a crianças, adolescentes e jovens, é o herdeiro de uma longa tradição de apresentação de cinema de animação a públicos pertencentes aos escalões etários mais novos e de programação de sessões nas escolas. No âmbito de parcerias de cooperação, o CINANIMA tem apresentado programas de sua curadoria em outros festivais, dentro e fora do país, com um destaque especial para sessões que têm por objecto a animação portuguesa e a sua divulgação. Também para o público da cidade são efetuadas, com alguma regularidade, projeções de cinema de animação, nomeadamente constituídas por longas-metragens consideradas de interesse ou com programas específicos relacionados com um tema ou com uma obra. Foi o caso da projeção da obra integral em cinema de animação do realizador canadiano Frédéric Back, em abril de 2014, alguns meses após a sua morte, ocorrida no final de 2013.

Cartaz de divulgação da projeção da integral de cinema de animação de Frédéric Back, a partir de um desenho do realizador (2014, arquivo CINANIMA|Rádio-Canada©, conceção gráfica de Paulo Barrosa).

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Em 1981, Frédéric Back iniciou uma relação estreita com o CINANIMA, quando o seu filme “Crac!” ganhou o prémio na respetiva categoria, alcançando o “Óscar” para a melhor curta-metragem de animação no ano seguinte. Em 1989, o CINANIMA dedicar-lhe-ia uma retrospetiva e, em novembro de 1996, o realizador viajaria para Espinho na qualidade de membro do júri internacional. A projeção integral dos seus filmes de animação pretendeu consubstanciar uma homenagem mais que devida àquele que foi um dos mais significativos nomes da animação de todos os tempos. Para acompanhar a projeção dos filmes, o CINANIMA editou, em colaboração com a Radio-Canada, uma monografia sobre o realizador, o seu percurso e o conjunto da sua obra.

Frédéric Back em Espinho, durante o CINANIMA (1996, arquivo CINANIMA©, fotografia de autor desconhecido).

Capa da monografia “Frédéric Back: O Homem que Plantava Lendas”, de Paulo Barrosa, a partir de um desenho do realizador (2014, arquivo CINANIMA|Rádio-Canada©, conceção gráfica de Paulo Barrosa).

Entretanto, foi criada uma oficina permanente de cinema de animação (onde se chegou a realizar o genérico do festival), cujo objetivo era continuar ao longo do ano o trabalho das oficinas livres, e que pretendia ser o embrião de uma escola profissional de cinema de animação integrada no ensino secundário profissional, projeto esse que nunca se viria a concretizar.

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O atual Serviço Educativo do CINANIMA está na continuidade direta desse trabalho, proporcionando oportunidades de ensino e aprendizagem dos princípios e das técnicas do cinema de animação a crianças e jovens, ao mesmo tempo que oferece apoio ao trabalho dos professores das áreas de educação visual que desejem desenvolver actividades neste campo com os seus alunos. Atualmente, o programa Crianças Prime1rº, articulado com o currículo do 1º ciclo do ensino básico, promove o desenvolvimento de projetos pedagógicos através da exploração e questionamento da história local e do meio, utilizando o cinema de animação como veículo privilegiado. O resultado deste processo, vivido no seio de cada turma por cada aluno, traduz-se na realização de um filme de animação. Diversas curta-metragens assim produzidas nos últimos anos têm sido selecionadas para competirem em concursos nacionais e internacionais de cinema de e para crianças. A institucionalização, o crescimento e a consolidação do ensino artístico em Portugal, nos seus diversos níveis e nas suas mais diversas vertentes, condicionaram o desaparecimento do modelo das oficinas livres e a sua substituição progressiva por um conjunto oficinas, conferências e classes magistrais, mais orientadas para pessoas com formação ou prática na área, que decorrem durante e à volta das datas do festival, em Espinho e em diversos estabelecimentos de ensino superior fora da cidade. A partir de 2013, durante o mês de outubro, decorre uma iniciativa designada “CINANIMA nas Universidades”, em Cartaz de anúncio ao público de uma parceria entre o CINANIMA e a CP – Comboios de Portugal, com desenho de Paulo Barrosa (2013, arquivo CINANIMA|Paulo Barrosa©, conceção gráfica de Belmiro Carvalho).

que o festival promove a realização de sessões de apresentação e divulgação do cinema de animação em estabelecimentos do ensino superior, ao abrigo de protocolos específicos ou alargados, que se pretendem dinâmicos e em contínuo aprofundamento. Iniciada na Universidade do Porto, a iniciativa estendeu-se à UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, às Universidades de Aveiro e de Coimbra (2016), às Universidades da Beira Interior e do Algarve (2017), à Escola das Artes da Universidade Católica e à Universidade da Madeira (2018) e às Universidades do Minho e dos Açores (2019).

Fotograma do filme “A Ideia”, de Berthold Bartosch (1932, arquivo CINANIMA|afca©, composição de Berthold Bartosch).

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PARA O QUE HÁ DE VIR As crises financeiras sucessivas, responsáveis pela quebra de apoios por parte de parceiros institucionais e a lenta perda de algum prestígio do festival, limitaram significativamente a capacidade de iniciativa e de concretização de ideias e de projetos mais inovadores e originais, só minorada e pela diversificação das parcerias e algumas contribuições do mecenato.

Não parece haver dúvidas sobre a necessidade de desenvolver a preocupação com a componente artística enquanto pilar fundamental do festival. Essa preocupação deverá ter em conta a coerência do projeto e a sua identidade como festival de cinema de animação de autor, coerência essa que se deverá manifestar em todos os aspetos da sua expressão, da programação propriamente dita e do caráter das iniciativas de formação que promove, à natureza dos materiais editados para a sua divulgação.

Não se deverá perder de vista que o núcleo principal do CINANIMA, como festival, é a sua vertente competitiva, isto é, que se trata de um concurso de filmes de autor. As questões deverão ser equacionadas em termos nacionais e internacionais: a discussão e o confronto de ideias com realizadores e outros agentes da área, o aprofundamento de relações com outros festivais, através de visitas regulares que permitam conhecer a todo o momento o estado da arte, e o estabelecimento de protocolos de cooperação mais ou menos formais são indispensáveis para prosseguir o conjunto dos objetivos.

Genérico de divulgação da 44ª edição do CINANIMA (2020, CINANIMA©).

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O CINANIMA deverá, cada vez mais, ser capaz de assumir o papel de curador de programas desenhados a partir de um tema, de uma época ou de uma geografia, destinados, quer aos seus próprios públicos, quer a outros festivais ou entidades a nível nacional e internacional. O impacto positivo das experiências deste tipo, realizadas ao longo da última década, reforça a ideia de que este vetor é essencial para a consolidação do festival a médio e longo prazo. Por outro lado, é importante que o público de cinema de animação possa ter acesso aos clássicos, aos filmes que marcaram a história, para descoberta ou revisitação, à semelhança do que se espera noutras formas de expressão artística. Na edição de 2013, a excelente adesão do público à projeção de uma cópia restaurada de 35 mm do filme “A Ideia” (1932), obra-prima do realizador Berthold Bartosch, demonstrou que alguns preconceitos acerca do gosto dos públicos e a forma como estes se expressam deverão ser, no mínimo, objecto de discussão e colocados em causa. A partir de meados da última década, ao apostar na criação de uma competição internacional específica destinada aos filmes produzidos nas escolas de cinema de animação, o CINANIMA fez uma opção que se mostrou acertada e profundamente compensadora. Os programas destas sessões são habitualmente de grande qualidade estética e formal, e passaram a constituir um momento de interesse incontornável, assumindo uma nova centralidade no conjunto da programação.

Ao virem ao CINANIMA, os jovens estudantes que realizam os filmes ou que estudam nessas escolas ajudam a recuperar, em parte, algo que era precioso nas primeiras edições do festival e que se pretende manter: um ambiente de festa, de discussão e de convívio à volta do cinema de animação, ao mesmo tempo que lhe conferem uma renovada certeza de futuro.

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BIBLIOGRAFIA BARROSA, Paulo – Frédéric Back: O Homem que Plantava Lendas. Espinho: Cinanima / Radio-Canada, 2014.

CASTRO, Ilda – Animação Portuguesa: conversas com Mário Neves, Servais Tiago, Artur Correia, Ricardo Neto, António Gaio | Hernâni Barrosa, Vasco Granja, Abi Feijó | Regina Pessoa, Paulo Cambraia, Mário Jorge, António Costa Valente, Nuno Amorim, Humberto Santana, José Miguel Ribeiro, Zepe. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2004.

COSTA, L.; AUGUSTO, M. – Cinanima 25 Anos – Memórias de Prata. Lisboa: Ideias e Conteúdos, 2001.

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MACHADO, João – Cartazes de João Machado. Porto: ASA, 1982.

MARTIN, A.; CLARENS, B. – André Martin: écrits sur l’animation 1. Paris: Dreamland Éditeur, 2000.

SVANKMAJER Jan – Para Ver, Cierra Los Ojos. Longroño: Pepitas Ediciones, 2014.

WATKINS Peter – La Crisis de los médios. Longroño: Pepitas Ediciones, 2017.

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9 AO NORTE VIANA DO CAS TELO

CINECLUBES


Daniel Martins Pinheiro Maciel CRIA-UM | AO NORTE danmpmaciel@gmail.com Daniel Maciel é antropólogo, com Doutoramento em Antropologia – Poder, Resistência e Movimentos Sociais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É investigador colaborador no CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia (Universidade do Minho), investigador no DIVERSITAS – Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos (Universidade de São Paulo) e sócio da Associação Portuguesa de Antropologia e da Associação Europeia de Antropologia Social. Atualmente, colabora ativamente com a AO NORTE – Associação de Produção e Animação Audiovisual, sendo membro do Grupo de Estudos em Media e Narrativas Digitais, membro da equipa de coordenação da Conferência Internacional de Cinema de Viana e investigador no projeto Quem Somos Os Que Aqui Estamos. É autor de artigos científicos, contribuições em livros e revistas e comunicações em seminários e conferências, para além de ter editado publicações com a AO NORTE.


AO NORTE: Cineclubismo, Investigação e Ativismo Cultural A AO NORTE – Associação de Produção e Animação Sociocultural é uma associação sem fins lucrativos que opera a partir de Viana do Castelo desde 1994. Dedicando a sua atenção aos diversos desdobramentos possíveis a partir do audiovisual, a associação estrutura o seu funcionamento em três pilares fundamentais: o do cineclubismo, o do ensino e divulgação, e o da produção. É membro da Federação Portuguesa de Cineclubes, organizando Sessões Cineclubistas semanais e Sessões Especiais no Cinema Verde Viana. Acolheu, ao longo dos anos, Encontros de Cineclubes nacionais e internacionais. Mantém um Centro de Documentação de Cinema, uma DVDteca e uma galeria com exposições permanentes.

A AO NORTE opera em rede, em permanente colaboração com instituições nacionais e internacionais na área da cultura audiovisual. Está inscrita no Registo Nacional de Associações Juvenis do Instituto Português da Juventude, com atividade na divulgação de cinema, produção de documentários e formação. Integra e representa em Portugal o YEFF! - Young European Film Forum For Cultural Diversity, uma plataforma formada por organizações europeias que trabalham no campo da literacia para os media, responsável por iniciativas que promovem a inclusão e a diversidade cultural.

É membro da REdArtH – Rede Internacional de Educação, Artes e Humanidades, uma rede de articulação de pesquisadores, realizadores e produtores culturais que inclui a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e a Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Alicerçando-se no pilar do ensino e da formação, a AO NORTE promove regularmente cursos e ações de formação em escolas, com pessoal docente e alunos, entre os quais se destacam os projetos “Olhar o Real”, “Vídeo na Escola”, “Histórias na Praça” e “O Filme da Minha Vida”.

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Produz documentários de cariz etnográfico e social, abordando temas relacionados com a cultura, tradições e história. Maioritariamente focando-se no norte de Portugal, colaborou também na produção de documentários em Cabo Verde, Angola e Moçambique, em conjunto com o Gabinete de Estudos para a Educação e Desenvolvimento da Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, e das ONG-D Rosto Solidário e Leigos Para O Desenvolvimento. Organiza, anualmente, os “Encontros de Cinema de Viana”, o “MONTARIA” e o “MDOC - Festival Internacional de Documentário de Melgaço”. Em 2014, a Câmara Municipal de Viana do Castelo atribuiu à AO NORTE o galardão de Instituição de Mérito. As atividades da AO NORTE incidem sobretudo na zona do Alto Minho.

“ENCONTROS DE CINEMA DE VIANA” Com sede em Viana do Castelo, é também nesta cidade que se desenvolvem as sessões cineclubistas que a Associação produz, todos os anos, e com o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo, os “Encontros de Cinema de Viana”, nos quais desenvolve uma panóplia de atividades na interseção entre cinema, ensino e formação. Os “Encontros de Cinema de Viana” foram iniciados em 2000 e contam com exibições públicas de documentários a concurso, conferências, mesas-redondas, oficinas de formação e produção audiovisual e encontros de cineclubes e outras organizações ligadas ao cinema.

Exibições Atualmente, as exibições dos “Encontros de Cinema de Viana” são realizadas no teatro Sá de Miranda e na sala Verde Viana. Decorrem no âmbito de diferentes iniciativas, delineadas de seguida.

“Olhares Frontais” Os “Olhares Frontais” consistem num programa que inclui a exibição de filmes e documentários, workshops, masterclasses, encontros e discussões coletivas. Tradicionalmente decorrendo durante o fim-de-semana, incluem a projeção dos documentários a concurso para o prémio “PrimeirOlhar”, uma secção competitiva que tem o objetivo de promover o documentarismo e premiar o melhor trabalho realizado por alunos de escolas de cinema, de audiovisuais ou comunicação, assim como participantes de cursos afetos à área do documentário em entidades de países de língua portuguesa. É também no âmbito dos “Olhares Frontais” que a AO NORTE tem desenvolvido o “Encontro Luso-Galaico de Cineclubes”, que congrega representantes de cineclubes de Portugal e da Galiza, procurando nas diversas edições promover a divulgação de projetos e a discussão em torno de

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Olhares Frontais (2018, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

assuntos que afetam o cineclubismo, assim como a reunião e conversa entre os diversos atores que se movimentam nestes meios. A participação nos “Olhares Frontais” está aberta ao público geral. No entanto, a programação está especialmente direcionada para estudantes do ensino superior que frequentem cursos de cinema, documentário e áreas contíguas, recebendo turmas de várias universidades e outras instituições.

“Ação!” O “Ação! – Festival de Vídeo Escolar”, foi lançado em 2014 e tem sido realizado anualmente durante os “Encontros de Cinema de Viana”. Consiste numa mostra competitiva de filmes realizados por turmas ou grupos de alunos de escolas do Ensino Básico e do Ensino Secundário.

“Ação05!” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

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“Conferência Internacional de Cinema de Viana” A “Conferência Internacional de Cinema de Viana” realiza-se durante dois dias na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. É um evento que, desde 2011, proporciona o encontro de investigadores e profissionais que refletem sobre duas temáticas centrais do cinema: cinema e escola, tema que aborda as interseções entre o ensino do cinema e o cinema como ferramenta de ensino; e cinema: arte, ciência e cultura, um tema que acolhe a reflexão académica sobre cinema e análise fílmica. Desta Conferência resulta a publicação anual de um “e-book” construído a partir da submissão de artigos científicos pelos participantes, textos esses que são sujeitos a um processo de revisão de pares.

No âmbito da Conferência, tem-se também dinamizado a “Mesa-Redonda Práticas de Cinema na Escola”, um ponto de encontro para a apresentação de projetos de cinema dinamizados em contexto escolar e formativos. Foi também no âmbito da Conferência que se dinamizou o encontro da REdArtH – Rede Internacional de Educação, Artes e Humanidades, da qual a AO NORTE faz parte.

8ª “Conferência Internacional de Cinema de Viana” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

“Histórias na Praça” O “Histórias na Praça” é um projeto que se desenvolve desde 2001 durante os “Encontros de Cinema de Viana”, no qual grupos de alunos são instados, pelos seus professores, a desenhar uma história que depois será convertida num pequeno filme. Os alunos são levados a envolver-se ativamente no processo de elaboração do argumento e do filme, assim como a participar enquanto atores. Este processo, orientado por Pedro Sena Nunes, resulta depois na exibição ao público dos trabalhos produzidos pelos alunos, na edição subsequente dos “Encontros de Cinema de Viana”.

“Histórias na Praça” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

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Outras atividades Os “Encontros de Cinema de Viana” reinventam-se com cada nova edição, mantendo uma programação regular e acolhendo projetos e iniciativas pontuais. Acrescem às atividades listadas acima: • Os “Trabalhos de Casa”, um programa de exibições de trabalhos audiovisuais realizados em atividades de formação e educação promovidas pela AO NORTE, tais como os filmes do “Histórias na Praça”, “Olhar o Real”, “Vídeo na Escola”, projeto “YEAD - Young European (Cultural) Audience Development”, “O Filme da Minha Vida”, “Os Lumière na Sala de Aula” e “CinePoesia”; • o “Escola no Cinema”, onde se exibem filmes no cinema que são propostos a escolas; • o “Cinema Dentro”, que consiste na exibição de um filme no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo com a presença do realizador para conversa com os reclusos; • outros workshops, exposições, cine-concertos, exibições especiais e iniciativas pontuais.

Outras atividades da AO NORTE – “Olhar o Real” 2019, “O Filme da Minha Vida” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

“Encontro Luso-Galaico de Cineclubes”, “Cinema Dentro” (2019 & 2018, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

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“MONTARIA” A AO NORTE desloca-se anualmente à freguesia de São Lourenço da Montaria para a realização do “MONTARIA – Documentário e Património Local”. Consiste num festival de cinema em contexto rural, resultante de uma colaboração entre a AO NORTE e a Junta de Freguesia de Montaria e que inclui, durante um fim-de-semana, a exibição ao ar livre de documentários, a organização de encontros e atividades como a “Caminhada à Serra d’Arga”, a “Oficina da Broa” e atuação do grupo de “Bombos das Montanhas de São Lourenço da Montaria”. Durante o “MONTARIA”, é também organizada pela Junta de Freguesia de Montaria a “Feira da Broa e do Chouriço”.

“MONTARIA09” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Miguel Arieira).

“MDOC” O “MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço” é organizado no concelho de Melgaço pela AO NORTE e pela Câmara Municipal de Melgaço desde 2014. É um festival cujos eixos temáticos se traçam pelas linhas de Identidade, Memória e Fronteira, e conta com a mostra de documentários competitiva para o “Prémio Jean Loup Passek”, a residência cinematográfica e fotográfica intitulada “Plano Frontal”, o curso de “Verão Fora de Campo” e a atividade coletiva de fim-de-semana “Salto a Melgaço”, para além de acolher iniciativas e projetos como o “Kino Meeting” e o “Quem Somos Os Que Aqui Estamos”, assim como workshops e exposições de fotografia. O “MDOC” pauta-se por um princípio de dispersão e implementação no território do concelho de Melgaço, promovendo a deslocação dos seus projetos para as diversas freguesias, para além da realização de exposições e projeção de filmes fora da vila.

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“Prémio Jean Loup Passek” O “prémio Jean Loup Passek” consiste numa mostra competitiva de documentários etnográficos provenientes de todo o mundo, escolhidos mediante o cumprimento das linhas temáticas de Identidade, Memória e Fronteira que pautam o Festival. O prémio recebe o seu nome de Jean Loup Passek, cineasta e colecionador que doou todo o seu espólio à vila de Melgaço impulsionando a criação do museu de cinema que se situa agora na vila.

“Plano Frontal” A residência “Plano Frontal” decorre durante duas semanas, em paralelo com o ”MDOC”, e acolhe estudantes finalistas de cursos de cinema para um trabalho intenso de produção de documentários e trabalhos de fotografia. Estes trabalhos são depois apresentados na edição subsequente do “MDOC”. Júri do “Prémio Jean Loup Passek” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

“Fora de Campo” O curso de verão “Fora de Campo” acolhe investigadores, realizadores e outros atores do mundo do documentário, dentro e fora da universidade, para uma semana intensa de trabalho e reflexão. É organizado mediante uma colaboração em rede com universidades e coletivos artísticos portugueses, galegos e brasileiros.

“Salto a Melgaço” No “Salto a Melgaço”, todos os participantes do Festival e outro público interessado Reunião “Plano Frontal” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

participam, durante o fim-de-semana, num circuito desenhado pelo concelho de Melgaço, pontuado por atividades como conversas, exibições de filmes e visitas a exposições.

“Fora de Campo” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

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Conversa no Auditório das Portas do Gerês em Lamas de Mouro, parte do programa do “Salto a Melgaço” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

Outras atividades O “MDOC” promove regularmente a inauguração de exposições de fotografia, workshops que têm como público alvo habitantes e estudantes em Melgaço, para além de exibições de cinema ao ar livre, na vila e em diversas freguesias do concelho. Destacam-se entre estas atividades o “Kino Meeting”, um encontro internacional de literacia para o cinema, e o “Quem Somos Os Que Aqui Estamos”, um projeto de levantamento fotográfico e etnográfico sobre os modos de viver nas freguesias do concelho de Melgaço.

Inauguração da Exposição “Quem Somos Os Que Aqui Estamos entre caminhos” e sessão do “Kinomeeting” (2019, AO NORTE ©, fotografia de Edmundo Correia).

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PRODUÇÃO AUDIOVISUAL E O “LUGAR DO REAL” A Associação AO NORTE intervém, assim, por múltiplas vias, fazendo da linguagem audiovisual meio de divulgação, produção e ensino da cultura local. Fá-lo pela dinamização de um vasto conjunto de iniciativas, que encontram grande expressão e concretização nos múltiplos festivais e outras atividades que desenvolve ao longo do ano. Fá-lo, também, pela produção de documentários de cariz etnográfico e de reflexão cultural e histórica, que incidem e retratam vários aspetos singulares da cultura do Alto Minho, como é o exemplo da arte da Filigrana abordada no documentário “Ouro de Lei”, ou dos cantares ao desafio, documentados no documentário “Desafios”, ambos realizados por Carlos Eduardo Viana. Mantém adicionalmente a AO NORTE o repositório digital “Lugar do Real”, onde se disponibilizam filmes e documentários para consulta pública. Nesta plataforma estão também disponíveis os trabalhos realizados em contexto educativo e de formação, para além de se manter o projeto “Fotomemória – Memória do Século XX”, onde se divulgam registos fotográficos recuperados a partir de coleções e álbuns domésticos.

Portal Lugar do Real (2016, AO NORTE ©).

É seguindo este caminho de implementação na comunidade, nas intersecções entre a promoção do audiovisual e a educação, na produção de conteúdos, festivais e outros eventos, no estabelecimento e manutenção de um trabalho em rede e na criação audiovisual que a AO NORTE tem trabalhado desde a sua fundação até hoje.

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Joana Canas Marques Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto, Presidente direccao@cineclubedoporto.pt Joana Canas Marques (1986) é Presidente do Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto desde 2017 e arquiteta com especialização em Património Arquitetónico. Fez parte do Núcleo de Cinema da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e do Grupo CineBatalha, grupo orgânico de valorização e dinamização do cinema Batalha no Porto. Desde 2014 que integra a Direção do Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto. Com 10 anos de experiência profissional nas áreas da Arquitectura e Produção Cultural, trabalhou também em Edição, Produção de eventos e Comunicação. Encontra-se atualmente a realizar Mestrado em Comunicação na vertente Ciência e Cultura, trabalhando nas áreas de Arquitectura e Gestão e Programação Cultural.


75 anos de Cinema e Resistência a Norte: o acervo do Cineclube do Porto

INTRODUÇÃO

O Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto, inti-

tulado originalmente de Clube Português de Cinematografia, foi fundado em 1945 por Hipólito Duarte, no Liceu Alexandre Herculano, no Porto. É o mais antigo cineclube do país ainda em atividade. Viveu 75 anos de acontecimentos no meio cultural e do cinema, acompanhando desde o crescimento dos cineclubes na Europa, no pós-segunda Guerra Mundial, a vinte e nove anos de regime ditatorial em Portugal, com o consequente estrangulamento cultural. Foi casa de muitos intelectuais e artistas, que contribuíram com ilustrações e textos críticos para as suas folhas de sala. Viu o lançamento do cinema novo português, promovendo a discussão em torno dos apoios à criação da Gulbenkian, continuou no período pós-vinte e cinco de abril, em que a rua e não as salas de cinema eram sítios primeiros da demonstração da liberdade de pensamento e dos desejos das pessoas, e sobreviveu ao esvaziamento das cidades de salas de cinema com a fuga do cinema para o entretenimento puro dos centros comerciais, reconquistando, por fim, e novamente, o seu lugar afirmativo no espaço cultural do Porto.

BREVE HISTÓRIA

Após a sua fundação pelo grupo estudantil liderado por Hipólito

Duarte, uma segunda leva de cinéfilos e curiosos junta-se ao Cineclube, dando novo impulso à atividade cultural cinematográfica da associação. Assim se inicia a colaboração com várias personalidades do meio cultural portuense, Alves Costa, Manuel de Azevedo, Júlio Gesta, António Brochado, Luís Neves Real, Augusto Gomes, Laura Costa, Mário Bonito, José Borrego, entre muitos outros. Sabendo do desenvolvimento de um pujante movimento cineclubista na Europa pós-guerra, decidem enviar ao 1º Congresso Internacional dos Cineclubes, em Cannes, o jornalista Manuel de Azevedo, a fim de participar nos trabalhos deste congresso e na fundação da Federação Internacional dos Cineclubes – inscrevendo o Cineclube do Porto num contexto internacional cineclubista.

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O Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto cresce

e afirma-se no meio cultural do Porto, com sessões ainda hoje relembradas, e tendo próximas várias personalidades da vida cultural da cidade e do país, tais como Manoel de Oliveira, José Régio, Ilse Llosa, António Reis ou Ernesto de Sousa. É nos anos 50 e 60 que se dão os anos de maior atividade da associação, com a dinamização de várias secções com relevância, nomeadamente a Secção de Cinema Infantil, criada por Mário Bonito e Helena Alves Costa, que contribuiu fortemente para a criação de uma geração de cinéfilos e a Secção de Cinema Experimental, que realiza o filme “O Auto da Floripes” e concretiza várias formações, sendo a primeira sessão dirigida pelo cineasta Manoel de Oliveira.

Estes são também os anos da relação com a censura, do cineclube

como um espaço de encontro e discussão em liberdade tendo por elemento de ligação o cinema, e da proibição do Encontro Nacional de Cineclubes (1959) em Portugal. É também a época de adesão das grandes massas ao cinema e das salas esgotadas nas sessões cineclubistas no cinema Batalha e no cinema Águia d’Ouro. Durante estes anos vários artistas das Belas-Artes do Porto, entre eles Ângelo de Sousa, António Bronze e Armando Alves, contribuem frequentemente com ilustrações para enriquecer as folhas de sala do Cineclube. O espólio destas linogravuras, entre outras técnicas utilizadas, é em termos gráficos extremamente rico e constitui um dos motivos de maior orgulho na história do Cineclube.

Imagens de arquivo da “Semana do Novo Cinema Português”, realizada no Cinema Batalha em 1967 (1967, Acervo Cineclube do Porto©, Arquivo Municipal do Porto - Casa do Infante).

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Com o aproximar da década de 1970, surge uma nova

geração de cineastas que procura fazer um cinema novo e português, com uma identidade própria e alheia à estética Salazarista. Neste contexto, em 1967, é organizado com a fundação Calouste Gulbenkian a Semana do Cinema Novo Português, no cinema Batalha no Porto. Desta reunião promovida pelo Cineclube do Porto, e que conta com a participação de vários agentes da área do cinema e da cultura em Portugal, resultarão as regras de atribuição de apoios à criação na área de cinema da fundação Calouste Gulbenkian. É um momento exemplar na organização do cinema em Portugal, quer pelos convidados, quer pelos temas dos painéis de discussão, resultando a nível prático numa comunicação comum dos vários participantes e da sua visão do que deveriam ser os apoios à criação em cinema.

Imagens de arquivo da “Semana do Novo Cinema Português”, realizada no Cinema Batalha em 1967 (1967, Acervo Cineclube do Porto©, Arquivo Municipal do Porto - Casa do Infante).

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Com a chegada do 25 de Abril há uma quebra na importância da

instituição, estando o foco da discussão nas ruas. Em 1984 é-lhe atribuído o estatuto de utilidade pública, estatuto que o Cineclube mantém até aos dias de hoje. No final dos anos 80 e início dos anos 90 o Cineclube mantém uma atividade regular, com grande foco nos encontros e sessões desenvolvidas na sede na Rua do Rosário, que adquire nova relevância enquanto sala de exibição e local de encontro. Com o aproximar do fim do século XX e o encerramento das salas de cinema no centro da cidade, aumenta a dificuldade em programar regularmente. No fim dos anos zero, a má situação financeira e o risco de encerramento da associação leva ao surgimento de um Movimento dos Amigos do Cineclube. Em 2010, uma nova direção toma conta da associação procurando arduamente restabelecer o equilibro financeiro perdido e reativar a ligação da comunidade portuense ao Cineclube. A sede na Rua do Rosário encontra-se num estado degradante, reunindo cada vez menos condições físicas para ser espaço de encontro e exibição. Retomam-se as sessões regulares, ainda que temporalmente espaçadas, no cinema Passos Manuel e estabelecem-se novas parcerias, por exemplo com o Museu Nacional Soares dos Reis que apoia o Cineclube e cujo percurso conjunto é vital nesta fase da associação. Iniciam-se os trabalhos de tratamento do acervo com uma primeira inventariação séria, sobre pretexto da montagem da exposição CINECLUBE 65 ANOS, que se realizou em 2010 no Museu Nacional Soares dos Reis. Devido às más condições da Sede na Rua do Rosário, o Museu Nacional Soares dos Reis alberga temporariamente uma parte mais delicada do acervo do Cineclube, permitindo que a associação vá trabalhando institucionalmente para encontrar uma solução condigna e segura a longo prazo para a salvaguarda deste espólio.

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Em 2013, o Cineclube do Porto, inicia a programação regular na

Casa das Artes, por intermédio de um convite da Direção Regional de Cultura do Norte, permitindo a estabilidade necessária para a concentração no tratamento do acervo. Há um aproximar maior da comunidade ao Cineclube. São os anos do regresso do cinema ao centro do Porto. Em 2014, o Cineclube é forçado a sair da sede na Rua do Rosário. Começa um trabalho profissional de identificação do acervo e de regularização de algumas questões legais pendentes do mesmo. Estabelece-se o contacto com algumas associações para o seu acolhimento por intermédio de contrato de depósito. Após Assembleia Geral consultiva, em novembro de 2014, na sala Henrique Alves Costa na Casa das Artes, para discussão do destino do Acervo do Cineclube do Porto, é decidido em Direção a entrega e distribuição do acervo, agora completamente inventariado e organizado, por três instituições. O acervo fílmico será depositado no ANIM – Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, concretizando-se em 2015; o acervo de mobiliário e equipamento será depositado no MIMO – Museu da Imagem em Movimento, em Leiria, concretizando-se o depósito em 2019; e o arquivo de papel, fotografia e material artístico, assim como a biblioteca do Cineclube, é depositado no Arquivo Municipal do Porto – Casa do Infante, em 2015, com o compromisso de um tratamento contínuo do acervo e da biblioteca tendo em vista a sua disponibilização ao público em 2020, aquando dos 75 anos do Cineclube.

Fotografia do processo de inventariação na antiga sede do Cineclube na Rua do Rosário em 2014 (2014, Acervo Cineclube do Porto©, Arquivo Municipal do Porto - Casa do Infante).

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O QUE É O ACERVO DO CINECLUBE DO PORTO?

O Acervo do Clube Português de Cinematografia - Cineclube do

Porto corresponde ao conjunto de elementos em vários suportes físicos distintos que foram reunidos ao longo dos 75 anos de atividade da associação e que pela sua tipologia e conteúdo se organizam em quatro grandes núcleos: 01 - Núcleo documental, artístico e biblioteca em suporte papel e vários suportes artísticos; 02 - Núcleo fílmico em suporte película; 03 - Núcleo material constituído por vários equipamentos e mobiliário; 04 - Núcleo digital constituído por diversos elementos em suporte digital que registam os últimos 10 anos do Cineclube do Porto, desde documentos, resumos de reunião, folhas de sala, ilustrações, textos, etc.

QUAL O VALOR?

Além do seu valor enquanto acervo de cinema, pela extensa varie-

dade de revistas e publicações que o compõe, o acervo do Cineclube do Porto tem variada documentação sobre associativismo e os dinamismos próprios de uma associação que passou por vários momentos marcantes da história do século XX e, no seu passado mais recente, por momentos igualmente determinantes para a leitura e interpretação dos movimentos associativistas e o desenvolvimento do meio cultural no Porto. Existem, por isso, várias linhas de leitura do valor de um acervo tão diverso como o do Cineclube do Porto. Uma primeira leitura mais imediata focar-se-á na história do próprio Cineclube do Porto. É possível igualmente através desta articular com a história de outras associações de importância cultural na cidade, como é o caso da Cooperativa Árvore, o Museu Nacional Soares dos Reis e, mais recentemente, a Casa das Artes. Há igualmente um valor mais abrangente associado à História do Cineclubismo em Portugal e, consequentemente, a sua ligação à História do Cinema em Portugal.

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Parte do seu acervo tem também uma leitura

importante do ponto de vista do papel da cultura durante a Ditadura do Estado Novo em Portugal 1. Existe ainda uma leitura mais espacial, associada à importância dos espaços do Cineclube e da sua relação com as dinâmicas culturais e urbanas da cidade do Porto, incluindo os locais de encontro cultural de relevância, desde a Sede nos Fenianos à Sede na rua do Rosário, assim como a história dos cinemas da cidade, nomeadamente os cinemas Trindade e Batalha que, através da figura de Luís Neves Real, se ligam indelevelmente à história do Cineclube do Porto.

O PRESENTE DO ACERVO: O QUE O COMPÕE?

Em números, o acervo do Cineclube do Porto é composto por:

• 840 monografias, que incluem livros de História do cinema e dos estúdios de produção (por país correspondente); enciclopédias e dicionários cinematográficos; cinematografias nacionais (por país correspondente); guiões e/ ou planificações de filmes; biografias, autobiografias e entrevistas dos realizadores; biografias, autobiografias e entrevistas dos atores; estética, teoria e análise cinematográfica; livros técnicos; obras literárias (com romances adaptados); • 9.100 revistas nacionais e internacionais; especializadas (numeradas por série ou números avulsos); não especializadas (e numeradas por série ou números avulsos); • + 9.000 programas de sessões de cinema, várias entidades, nacionalidades e períodos; • + 300 fotografias promocionais e de cena; • 420 gravuras dos programas das sessões de cinema; • 520 cartazes promocionais de filmes;

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• 462 películas originais e cópias em vários formatos maioritariamente em 8 mm, 16 mm, 35 mm e S8; • 93 películas de Vasco Branco, depositadas no Cineclube do Porto pela família do cineasta; • 21 projetores; • 10 máquinas de filmar e vários equipamentos de apoio; • Espólio contemporâneo com vários documentos, revistas de cinema, e + de 500 folhas de sala e 45 cartazes originais.

O PRESENTE DO ACERVO: ONDE ESTÁ?

A obrigatoriedade de uma solução de depósito adequada às carac-

terísticas físicas dos elementos do acervo e o leque de instituições disponíveis e com a qualidade de salvaguarda necessária à sua boa manutenção, fizeram com que o acervo, em tempos reunido na antiga sede na Rua do Rosário, no Porto, se dividisse por várias zonas do país. O tratamento deste acervo, por forma a tornar-se acessível ao público, é também ele feito a tempos distintos, relacionando-se com os tempos das diferentes instituições de acolhimento e a capacidade financeira – normalmente afeta a projetos específicos – que o Cineclube do Porto vai conseguindo ter.

Atualmente o acervo do Cineclube do Porto encontra-se depo-

sitado, conforme referido supra, em três instituições: Arquivo Municipal do Porto – Casa do Infante, MIMO – Museu da Imagem em Movimento e ANIM, Cinemateca Portuguesa Museu do Cinema. Existe ainda um acervo mais recente, constituído maioritariamente por elementos digitais que se encontra em rede e outro, constituído por cartazes, folhas de sala e documentos escritos, correspondendo aos últimos 10 anos da instituição, que se encontra na Casa Allen, onde, desde 2013, o Cineclube do Porto tem um escritório, no âmbito da parceria estabelecida com a Direção Regional de Cultura do Norte. Esta parte do acervo encontra-se disponível para consulta a investigadores.

A partir do segundo semestre de 2020 a parte de biblioteca (revis-

tas e publicações) estará acessível de forma livre ao público na Casa do Infante, tendo um espaço de acesso direto. O restante acervo estará disponível em 2021, ficando disponível para consulta e digitalização mediante requerimento, conforme política do Arquivo Municipal do Porto – Casa do Infante.

O acervo fílmico está ainda em fase de tratamento e a sua dispo-

nibilidade para consulta segue as regras do ANIM e o estado de cada elemento em particular. De salientar as iniciativas individuais nesta valorização e disponibilização ao público. Como o caso do restauro e digitalização do filme “O Auto da Floripes”, de 1962, pela Secção de Cinema Experimen-

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tal do Cineclube do Porto, a partir de uma ideia original de Henrique Alves Costa num processo de grupo e colaborativo extremamente rico e interessante, que ficará em 2020 disponível em DCP para exibição, saindo igualmente uma edição especial em DVD, com o filme, algumas entrevistas e textos críticos. Ou, ainda, o trabalho de digitalização de alguns dos filmes de Vasco Branco que foram em 2020 digitalizados, a pedido dos Herdeiros e por sua iniciativa, pelo ANIM e com mediação do Cineclube do Porto, por forma a poderem organizar um programa especial dedicado a Vasco Branco, aquando o seu centenário.

O PRESENTE DO ACERVO: QUAIS OS APOIOS? Dada a inexistência de apoios globais para o tratamento e criação de arquivos e a inexistência em particular de um apoio direto para este acervo em concreto, por via central ou de agentes locais, permitindo um trabalho simultâneo, temporal e fisicamente, o tratamento e disponibilização do acervo realiza-se projeto-a-projeto. A estabilidade económica atual da instituição permite a concentração na procura de financiamentos para este tratamento projeto-a-projeto do acervo, embora a acorrente a uma cadência temporal esparsa. O trabalho realizado na Casa do Infante conta com o apoio da instituição e, consequentemente, da Câmara Municipal do Porto, ao afetar pessoal e recursos neste tratamento, sendo a relação entre o Cineclube do porto e o Arquivo Municipal do Porto – Casa do Infante exemplar em boa vontade colaborativa e disponibilização de recursos. Assim, o Cineclube do Porto compromete-se com os custos globais de um técnico especializado, afeto exclusivamente ao seu acervo, e a Casa do Infante disponibiliza equipamentos, técnicos e meios físicos para a apresentação na sua biblioteca da Biblioteca do Cineclube do Porto. Quanto ao espólio fílmico, a escassez de meios do ANIM e o facto de ser o único arquivo do género em Portugal, com inúmeros espólios e com prioridades próprias e naturais para a salvaguarda do património cinematográfico e audiovisual português, tornam mais lento o processo de disponibilização. São assim as iniciativas individuais, conforme já referimos, que permitem ir tornando público este património concreto. A título de exemplo, no caso do filme “O Auto da Floripes”, estabeleceram-se parcerias com a Câmara Municipal de Viana do Castelo – dada a importância patrimonial para a região de Viana do Castelo do Auto da Floripes e, consequentemente, do filme homónimo - e a própria Cinemateca Portuguesa, partilhando custos e dividindo tarefas. Os apoios da parte do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) são ausentes no que diz respeito a acervos de cinema. Existe um apoio para projetos diversos ADHOC ao qual concorremos conseguindo parte do financiamento necessário ao projeto que lançámos em 2018 e que ficou concluído em 2020, com a edição de um livro comemorativo intitulado “75 anos: Cineclube do Porto”, com artigos de investigadores e personalidades destacadas da área do cinema e, em particular, do cineclubismo. A edição deste livro, que cremos ser uma urgência histórica, aborda temas como as

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origens do movimento cineclubista e o particular contributo do Cineclube do Porto, o contexto artístico portuense na sua ligação com o Cineclube, o acervo do Cineclube do Porto e a sua relevância não só para a leitura da cultura cinematográfica dos últimos setenta e cinco anos como para a promoção e o suporte do trabalho desenvolvido por investigadores desta área do conhecimento, promovendo a valorização do acervo do Cineclube do Porto. Este livro contará ainda com o apoio específico da Câmara Municipal do Porto e da Direção Regional de Cultura do Norte. A ausência de financiamento geral e de um espaço próprio do Cineclube do Porto (desde 2014 sem sede) faz com que seja muito difícil promover o que deveria ser uma atividade contínua de tratamento, disponibilização a público e estabelecimento de relação com a comunidade científica. Impede ainda que outros espólios, privados e individuais, que se relacionam com o nosso, se juntem a este garantindo a sua preservação.

O PRESENTE DO ACERVO: O QUE FALTA?

A história do cinema no Norte do país tem uma especificidade a

nível nacional de destaque, em torno de figuras como António Reis, Manoel de Oliveira e Henrique Alves Costa – ambos ligados ao Cineclube do Porto – e do trabalho de outros cineclubes do norte do país como o Cineclube AO NORTE, Cineclube de Guimarães, etc., assim como palco do início da indústria do cinema com Aurélio Paz dos Reis e, mais tarde, a INVICTA FILMS ou, ainda recentemente, com a Agência Curtas e outras produtoras que já fazem parte da história recente (últimos 20 anos) do cinema a norte. Foi também a norte que algumas das publicações de cinema mais interessantes apareceram.

Seria por isso indispensável a criação de um arquivo dedicado ao

estudo desta arte e da sua relação com a região, no sentido de se trabalhar para a sua valorização patrimonial, que vai muito além do nosso acervo, e que se dissipa, numa leitura mais abrangente, no entendimento da obra de Manoel de Oliveira e António Reis, entre outros, assim como, de forma mais abrangente, na relação do cinema com outros meios artísticos.

Este arquivo dedicado ao Cinema a Norte, faz

todo o sentido no contexto do nascimento da história do cinema em Portugal, mas também num contexto de conceptualização de uma cultura regional do século XX e da sua ligação com inúmeras figuras de referência, que, de uma forma ou de outra, se relacionaram com o meio cultural e social, no qual brota o Cineclube do Porto.

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O FUTURO DO ACERVO

É nosso desejo que o caminho que estabelecemos no tratamento deste acervo, com a sua preservação e disponibilização a público, culminasse na sua digitalização e centralização do seu conteúdo, nos seus diversos formatos, reunidos numa plataforma única. Esta plataforma permitiria o estabelecimento de uma relação mais direta com a comunidade científica, promovendo ainda a recolha de vários testemunhos e a inserção de novos elementos ao acervo. É do nosso entender que um acervo não é só por si um elemento estático, o seu valor varia consoante os estudos que a partir dele se realizam e estes estudos acrescentam-se também à base previamente existente, sendo também eles património construído na atualidade.

BIBLIOGRAFIA

NOTAS

MENDES, Teresa – Acervo documental do cineclube do Porto: metodolo-

1 A relevância deste tema está definido por Paulo Cunha em “Cineclubismo

gia de tratamento para fins de movimentação e depósitos institucionais. In

e Censura em Portugal 1943-65” (2013).

SAMPAIO, Sofia; REIS, Filipe; MOTA, Gonçalo (edição) – Atas do V Encontro Anual da AIM. Lisboa: AIM, 2016. pp. 489-500.

Estatutos do Clube Português de Cinematografia, Cine Clube do Porto a 27 de março de 1948 [fonte primária não publicada (n.º de cadastro do atual tratamento CCP1274)], aprovados pelo Governo Civil do Porto a 1 de Julho de 1948.

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11 ESMAD PÓVOA DE VARZIM/ VILA DO CONDE FOR M AÇÃO


José Quinta Ferreira

Nuno Tudela

Escola Superior de Media Artes e Design - Vice-Presidente / Professor Adjunto josequintaferreira@esmad.ipp.pt

ESMAD - Escola Superior de Media Artes e Design - Professor Adjunto jnd@esmad.ipp.pt

José Quinta Ferreira nasceu em 28 de julho de 1960, em Covões-Cantanhede, Distrito de Coimbra. Em 2019, iniciou Programa de Doutoramento en Comunicación e Información Contemporánea da Universidade de Santiago de Compostela. Em 2015, obteve o Título de Especialista, na Área de “Artes da Imagem – Audiovisuais e Produção dos Media” pela Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE) do Instituto Politécnico do Porto (IPP). Em 1996, concluiu o Mestrado em Comunicação Social pelo Departamento de Comunicação Social (atual Departamento de Ciências da Comunicação) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com a dissertação “A Comunicação Multimédia Interativa”. Em 1991, licenciou-se em Estudos Superiores Especializados na especialidade de Comunicação Educacional Multimédia da Escola Superior de Educação de Santarém. Em 1986, concluiu o Bacharelato em Cine-Vídeo da Escola Superior Artística do Porto. Desde agosto de 2016, é Vice-Presidente da Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD). É Professor Adjunto na Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD), lecionando nas unidades curriculares de Projeto, nas áreas da produção de Cinema e Produção Audiovisual na Licenciatura em Tecnologia da Comunicação Audiovisual e no Mestrado em Comunicação Audiovisual com Especializações em Fotografia e Cinema Documental e Produção e Realização Audiovisual da ESMAD / P.Porto. É Membro do Conselho Técnico-Científico da Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD) do Instituto Politécnico do Porto (IPP). Tem sido Programador e Produtor do “Imagens do Real Imaginado (IRI)”, Ciclo de Fotografia, Cinema e Multimédia da Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD). É membro efetivo do Júri do Concurso 2020: 1º Longas-Metragens de Ficção do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA). É membro efetivo do Júri do Concurso 2020: Escrita e Desenvolvimento de Obras Audiovisuais e Multimédia do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA).

Nuno Tudela (Viseu, 1966) é realizador de Audiovisuais e Cinema desde 1988. Doutorando de Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Título de Especialista na Área de “Artes da Imagem – Audiovisuais e Produção dos Media” pela Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE) do Instituto Politécnico do Porto (IPP). Mestrado em Comunicação Audiovisual - ramo Cinema Documental da Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE) do Instituto Politécnico do Porto (IPP). Licenciado em Realização de Cinema e Bacharel em Som de Cinema pela Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL). Professor Adjunto na Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD), lecionando nas unidades curriculares de Projeto de Audiovisual e Cinema, Edição, Argumento, Direção de Atores, Video II e Video III da Licenciatura em Tecnologia da Comunicação Audiovisual. É membro do Conselho Pedagógico da ESMAD.


ESMAD e o Cinema – Ensino e Projetos

“A Escola Superior de Media Artes e Design é sinónimo de quali-

dade, dinamismo e inovação. A Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD) é uma unidade orgânica de ensino e investigação, que goza de autonomia académica e pretende continuar como uma escola de referência nacional e internacional. No exercício da sua autonomia, tem como missão a intervenção e o desenvolvimento da formação graduada e pós-graduada, a investigação e a cooperação com a sociedade. Procurando destacar-se enquanto instituição pública de ensino superior, a Escola de Media Artes e Design desenvolve um paradigma de formação de qualidade, centrada na adaptação e adequação das infraestruturas que oferece, no fomento da sua investigação e no mérito do seu corpo docente. A ESMAD confronta-se hoje com grandes desafios. A mudança para Vila do Conde/Póvoa de Varzim constitui uma oportunidade para modernizar e consolidar a nossa identidade, através do empenho e participação de todos, na busca contínua pela excelência e através de soluções criativas, que transformem esta escola num projeto vitorioso. Com a mudança, assumimos também o compromisso de contribuir para o desenvolvimento nacional e regional, enquanto escola parceira privilegiada de empresas e de outras entidades, na cooperação em diversos projetos e programas e na prestação de importantes serviços à comunidade. É assim que, diariamente, docentes e estudantes somam esforços, traçam metas e materializam estratégias numa contínua valorização do conhecimento no campo das Artes, do Design e dos Media. Confio que, com o empenho e participação de todos/as, a ESMAD continuará a ser sinónimo de dinamismo e inovação, no panorama do Ensino Superior nacional.” 1

A Presidente da ESMAD, Olívia Marques da Silva, Professora Coordenadora

Vista do Campus da Escola Superior de Media Artes e Design em Póvoa de Varzim/Vila do Conde (2017, CPR/ESMAD – P.PORTO ©, fotografia João Paulo Gomes).

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Filme promocional ESMAD (2017, ESMAD – P.PORTO © ).

O Porto e a zona norte, estão desde o início da invenção do cinema, ligados à história do cinema português. Os pioneiros como Aurélio da Paz dos Reis, que apresentou no Porto em 12 de novembro de 1896 o seu “Kinetographo Portuguez”, menos de um ano depois da inauguração do “cinematógrafo” dos irmãos Lumière em 28 de dezembro de 1895, ou a Invicta Film com o seu projeto empresarial de produção de cinema a partir do Porto, “Vinte anos depois de Paz dos Reis, o Porto é a capital do cinema, graças à atividade desenvolvida pela segunda Invicta Film, de 1918 a 1924.” 2, são dois exemplos da importância do cinema na zona norte do país.

Destaca-se igualmente a importância da obra do realizador portuense Manoel de Oliveira que, desde o seu primeiro filme, marcou a história do cinema português com a sua obra, maioritariamente dedicada ao norte e à sua cidade natal. “O primeiro filme de Manoel de Oliveira é o primeiro filme em que Manoel de Oliveira é grande em qualquer contexto. Se há filmes portugueses anteriores (…) que pedem um enquadramento internacional, Douro salta muito acima deles para se situar em absoluto primeiro plano do cinema do seu tempo.” 3 Atualmente existe na zona norte uma nova geração de autores e técnicos de cinema, formados maioritariamente no meio académico, que com a sua atividade marcam o panorama atual do cinema português, pela combinação entre capacidade de criação e competências técnicas que adquiriram no seu processo de formação.

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É neste contexto que é importante a formação ministrada pela Escola Superior de Media Artes e Design (www.esmad.ipp.pt) do Instituto Politécnico do Porto (IPP), uma instituição de ensino superior pública, que possui um portefólio formativo reconhecido como relevante na área do cinema, oferecido através dos seus diferentes departamentos e cursos. O IPP 4 é o maior Politécnico Público Português, atualmente com 18.322 estudantes, 59 Licenciaturas, 72 Mestrados e 44 TeSP (Cursos Técnicos Superiores Profissionais). Com uma forte implantação na Zona Norte de Portugal, desde sempre se afirmou por ser uma instituição inovadora ao nível da sua oferta formativa e com uma aposta forte na sua matriz politécnica, que combina o ensino teórico com uma intensa formação prática e de inserção no território envolvente e de ligação às entidades públicas, associações, etc., assim como ao tecido empresarial.

O IPP sempre reconheceu a importância da aposta nas suas unidades orgânicas das formações que combinam um cruzamento entre competências técnicas e a criação artística, nos diferentes níveis de ensino que ministra. Sempre se pautou por uma estreita relação entre o saber e o fazer, estabelecendo uma interdependência da reflexão teórica e da posta em prática do conhecimento adquirido. A história do ensino superior público na zona norte de Portugal, nas áreas do cinema e do audiovisual, inicia-se em 1992, com a criação sob proposta do IPP do Bacharelato em Tecnologia da Comunicação Audiovisual (TCAV), afeto em partes iguais à Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão (ESEIG) e à Escola Superior de Educação (ESE). Em 2001, ainda na ESEIG/ESE, é criada a Licenciatura Bietápica em Tecnologia da Comunicação Audiovisual (LTCAV) com dois Ramos: Ramo Técnico (Fotografia, Som, Iluminação e Vídeo) e o Ramo de Realização. Em 2002, a Licenciatura Bietápica em Tecnologia da Comunicação Audiovisual abre o Ramo de Fotografia. Em 2003, é criado o “Imagens do Real Imaginado (IRI), Ciclo de Fotografia e Cinema Documental”.

“O Imagens do Real Imaginado abriu um espaço à discussão sobre

o que pretendemos quando falamos e fazermos da imagem nas áreas de conhecimento da fotografia e do cinema documental. (…) Os comentadores lançaram as primeiras discussões sobre um formato de um ciclo de conferencias com periocidade anual e de âmbito académico. (…) Começamos uma viagem incessante sobre o documentalismo e a fotografia artística, das publicações e editoriais fotográficos, de legados éticos e estéticos, dos métodos visuais, na relação de sujeito e objeto de registo, do ensaio fotográfico e cinematográfico.”

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Em 2006, a Licenciatura Bietápica em Tecnologia da Comunicação Audiovisual abre o Ramo Técnico em Vídeo. Em 2007, associada à ESE, é criada a Licenciatura em Tecnologia da Comunicação Multimédia, atualmente designada de Licenciatura em Multimédia. Nesse mesmo ano, todas as licenciaturas ministradas foram adequadas ao processo de Bolonha. É ainda aprovado pela Direção Geral do Ensino Superior (DGES) o Mestrado em Comunicação Audiovisual (MCA), com duas Especializações: Fotografia e Cinema Documental (FCD) e outra em Produção e Realização Audiovisual (PRA). Por decisão do IPP, inicia-se o processo de transferência dos cursos de Licenciatura em Tecnologia da Comunicação Audiovisual (LTCAV), Licenciatura em Tecnologia da Comunicação Multimédia (LTCM) e o Mestrado em Comunicação Audiovisual (MCA), para a Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo (ESMAE), oficializada em 2010. Em novembro de 2013 comemoraram-se os 10 anos do “Imagens do Real Imaginado (IRI), Ciclo de Fotografia e Cinema Documental”, tendo sido realizada uma homenagem ao cineasta Manoel de Oliveira na Sessão de Abertura, que se realizou no Auditório Municipal da Biblioteca Almeida Garrett. O realizador que esteve presente, participou ainda numa sessão de autógrafos no lançamento do livro “Manoel de Oliveira, Aniki-Bóbó Enfants dans la ville”, que inclui uma cópia em DVD do filme “Aniki-Bóbó” (1942), organização de Patrick Strauman & Anne Lima, Éditions Chandeigne com o apoio do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua. Manoel de Oliveira na 11ª edição do “Imagens do Real Imaginado (IRI), Ciclo de Fotografia e Cinema Documental” (2013, fotografia de Teresa Teixeira©).

No âmbito das comemorações dos 10 anos do IRI, foi lançada a publicação “Imagens do Real Imaginado: 10 anos”, que teve o alto patrocínio do IPP/Santander Universidades, compilando textos e projetos de autores, criadores e investigadores, que passaram no IRI aos longo das anteriores edições do evento 6.

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A Presidência do IPP, através do Plano Estratégico do IPP 20142018, aprovado em Conselho Geral em julho de 2014 e posteriormente enquadrado na elaboração do Plano de Ação de Reposicionamento Estratégico do IPP – Eixo Prioritário de Intervenção 1 – Formação, identificou “clusters” de ensino e formação de referência do IPP, que levaram à reorganização das suas Unidades Orgânicas. É neste âmbito que é tomada a decisão de criar a Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD). O Conselho Geral, na sua reunião de 11 de maio de 2016, aprovou a alteração aos estatutos do IPP, que no n.º 1 do artigo 63º, cria a Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD) em 1 de agosto de 2016 e nomeia a Comissão Instaladora da ESMAD (Despacho P.PORTO/P-80/2016), sendo as alterações aos estatutos homologadas pelo Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, por despacho de 20 de Julho de 2016. No campus 2, Póvoa do Varzim/Vila do Conde, foi criada em 1 de agosto de 2016 a Escola Superior de Media Artes e Design 7, dando ambas as autarquias parecer positivo à criação da nova escola. Posteriormente, iniciou-se a concretização do processo de transição para a ESMAD dos cursos que anteriormente estavam alocados a outras unidades orgânicas do IPP. Em 2018 é criada na ESMAD a nova Licenciatura em Fotografia.

A ESMAD está organizada em departamentos, cursos de 1º e 2º ciclo, pós-graduações, CTeSP e cursos de preparação para ingresso no ensino superior, que concretizam a sua oferta formativa 8.

Cartaz da 11ª edição do ciclo “Imagens do Real Imaginado (IRI), Ciclo de Fotografia e Cinema Documental” (2013, Vítor Quelhas©).

“Spot” da 11ª edição do ciclo “Imagens do Real Imaginado” (IRI) – Utopia(s) (2013, ESMAD – P.PORTO©).

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Desde a sua criação, em 2016, a ESMAD sempre privilegiou a ligação às autarquias de Póvoa do Varzim e de Vila do Conde, assim como a outras entidades regionais, que foram convidadas para o Conselho de Escola, permitindo que tenham uma voz ativa no posicionamento estratégico da ESMAD. A Investigação na área é igualmente uma das apostas da ESMAD, que através da uniMAD tem desenvolvido investigação na área do cinema, que resulta do trabalho do seu corpo docente. “A Unidade de Investigação em Media Artes e Design (uniMAD) apesar de ser uma unidade recém-criada beneficia da já longa experiência dos seus investigadores e partilha os objetivos e a realidade da jovem escola a que pertence. Por um lado, acolhe múltiplas áreas do conhecimento, distribuídas por dimensões como o Design, a Fotografia, o Cinema, a Comunicação e os Media, as Tecnologias da Informação, as Tecnologias Web e as Artes Digitais, por outro lado, usu-

Capa da publicação “Imagens do Real Imaginado: 10 anos” (2013, Vítor Quelhas©).

frui de uma forma muito particular da sua intersecção, o que lhe permite colocar-se como parceira privilegiada em projetos artísticos, de investigação e de investigação/ação que exigem know-how técnico, tecnológico, artístico e teórico.

Filme de apresentação do livro comemorativo dos 10 anos do ciclo “Imagens do Real Imaginado (IRI), Ciclo de Fotografia e Cinema Documental” lançado em 2013 (2013, ESMAE – P.PORTO©, vídeo de João Paulo Gomes).

Atenta à realidade e às exigências das sociedades

contemporâneas, a uniMAD compreende a urgência de produzir e disponibilizar conhecimento cruzando a produção artística, tecnológica e o discurso sobre esses produtos com preocupações mais vastas que poderíamos designar como uma atitude ecológica na produção e difusão artísticas e tecnológicas.” Ricardo Queirós, Diretor uniMAD.”

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Ao longo dos anos de existência da ESMAD, várias têm sido as atividades curriculares e extracurriculares que se têm desenvolvido em parceria com as duas autarquias e entidades locais. Podemos referir nesse âmbito, publicações, exposições, residências artísticas, projetos de colaboração inseridas nos planos de atividades, quer das autarquias, quer da ESMAD, que se realizaram em todas as áreas de formação, mas das quais destacamos, a que se realizaram na área do cinema: Vila do Conde – apoio da autarquia ao evento “MAD Summer School”, a que acresce a parceria anual com o “Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema”; Na Póvoa do Varzim, refira-se o apoio da autarquia, decisivo para a realização das Residências Artísticas do Mestrado em Comunicação Audiovisual, através das quais se desenvolveram projetos cinematográficos de curtas-metragens de ficção e de documentários.

Desde 2003, no âmbito das várias edições do ciclo “Imagens do Real Imaginado (IRI), Ciclo de Fotografia e Cinema Documental”, tem sido possível articular as atividades curriculares com a apresentação de trabalhos de académicos e profissionais da área do cinema. Estas edições contam com o apoio regular de instituições parceiras como a Câmara Municipal do Porto através da Biblioteca Almeida Garrett, Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema, CINANIMA - Festival de Internacional de Cinema de Animação de Espinho; Family Film Project, Porto/Post/Doc, o Goethe-Institut Porto, o Institut Français du Portugal/Alliance Française do Porto, Cinema Passos Manuel, Cineclube do Porto, Cinemateca Portuguesa, mas também embaixadas, consulados, escolas estrangeiras.

Convidados a mostrar seus trabalhos artísticos e de investigação académica, tem-se vindo a proporcionar, numa primeira linha aos estudantes dos cursos de cinema da ESMAD, mas também à comunidade em geral, a oportunidade de contactar e conhecer de perto e na primeira pessoa as obras de realizadores como Margarita Ledo Andión, José Luis Guerin, Rahul Roy, Nigel Orrilard, Ray Müller, Mercedes Alvarez, Gustav Deutsch, Mike Hoolboom, Miguelanxo Prado, Eugénio Puppo, Alan Poul, Tom Fassaert, Jirí Barta, Xacio Baño, Lois Patiño, Manuel Mozos, Pedro Sena Nunes, Jorge Campos, José Carlos Oliveira, Alice Eça Guimarães, Mónica Santos, Lu Sequeira, Tânia Dinis, Vanessa Ribeiro Rodrigues, Pedro Neves, Diogo Costa Amarante, Rodrigo Areias, Luís Vieira Campos, Nuno Rocha, José Pedro Magano, Nuno Tudela, Susana Sousa Dias, José Miguel Ribeiro, Filipe Martins, José Miguel Moreira, José Alberto Pinheiro, Ivo Reis, ou ouvir de viva voz o pensamento de críticos e académicos como Floreal Peleato, Gerard Collas, Christian Rouaud, PipChodorov, Sarah Pink, Maile Colbert, Huw Davies, Sérgio Rizzo, Mark Durden, Ron Diamond, Bernard Despomaderes, André Eckert, Mário Cláudio, Leonor Areal, José Manuel Costa, João Lopes, Sérgio Andrade, Nuno Rodrigues, Miguel Dias, Mário Micaelo, Dario Oliveira, Carlos Eduardo Viana, João Vasconcelos, Tiago Alves, entre outros.

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A ESMAD tem sido umas das escolas apoiadas pelo Programa de Apoio à Formação de Públicos nas Escolas - Apoio à Formação de Estudantes na Área do Cinema e Audiovisual do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), sempre com excelentes resultados nas obras produzidas ao nível da qualidade, circulação e prémios conseguidos. A ESMAD é ainda uma das fundadoras da Federação de Escolas de Cinema e Audiovisual (FECA), criada em 14 de novembro de 2018 e que agrega as principais escolas nacionais que dão formação nas áreas do cinema e do audiovisual. Ao nível internacional, a ESMAD sempre se posicionou como uma escola com forte nível de internacionalização, apostando em programas de mobilidade ERASMUS, de estudantes, docentes e funcionários, assim como com um corpo docente internacional, através de ligações com especialistas na área do cinema que têm colaborado com a ESMAD através das parcerias com outras escolas, quer a nível individual. Está no seu plano de atividades futuro a candidatura a organizações internacionais de referência, que agrupam as diferentes áreas curriculares da ESMAD, como o European League of Institutes of the Arts (ELIA) ou The International Association of Film and Television Schools / Centre International de Liaison des Ecoles de Cinéma et de Télévision (CILECT).

OFERTA FORMATIVA DA ESMAD EM CINEMA A oferta formativa na área do Cinema da ESMAD desenvolve-se no Departamento de Artes da Imagem (DAI) e no Departamento de Multimédia (DM), onde através de cursos de 1º e 2º ciclos se formam estudantes dotando-os de competências técnico-artísticas em diferentes áreas do Cinema, a saber: Cinema de Animação; Cinema Documental; Cinema de Ficção e Cinema Experimental.

Os atores Diogo Morgado e José Pinto nas rodagens de “A Parideira“ (ficção, 2010) de José Miguel Moreira, no Parque Nacional do Montesinho, Bragança (2010, fotografia de Manuel Teles©).

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O DAI, através da Licenciatura em Tecnologia da Comunicação Audiovisual (LTCAV) e do Mestrado em Comunicação Audiovisual (MCA), promove uma formação teórica e prática de âmbito técnico e artístico, que permite que os alunos adquiram competências profissionalizantes na área do Cinema, nomeadamente nas áreas da imagem, som, montagem, pós-produção, produção e realização, desenvolvendo projetos de curta-metragem, documentário e cinema experimental.

A Pós-graduação em Argumento preenche uma lacuna no meio profissional, ou seja, a existência de argumentistas com formação, permitindo deste modo contribuir para melhorar a qualidade dos argumentos cinematográficos e proporcionar um estudo e reflexão sobre novas abordagens às narrativas. Em 2020 realizou-se o curso de especialização em cinema documental “Death & Documentary”, uma pareceria entre a ESMAD e a Universidade do Texas em Austin que “(…) examina várias abordagens distintas ao tema da morte e como estas podem ser retratadas no documentário. Através de uma série de palestras e de filmes, os alunos são convidados a meditar sobre sua própria mortalidade e a expressarem-se através da produção criativa de documentários, retratando a morte numa ampla variedade de interpretações.”

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Rodagens de exercícios da Licenciatura em Tecnologia da Comunicação Audiovisual (20162019, ESMAD – P.PORTO©, fotografia de Nuno Tudela).

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O Departamento de Multimédia através da sua licenciatura em Multimédia possibilita aos estudantes a aquisição de competências técnico-artísticas em cinema de caráter mais experimental e no território do cinema de animação, permitindo-lhes o desenvolvimento de projetos de cinema cujas necessidades criativas podem reclamar e utilizar recursos multimédia ou ainda a realização de curtas-metragens de animação 2D ou 3D. A nível do Mestrado em Sistemas e Media Interativos, são aproProjeto final em animação CGI, da Licenciatura em Multimédia (2018, CPR, ESMAD – P.PORTO©).

fundados conhecimentos ligados às áreas da animação com recurso a tecnologias digitais. O Curso Técnico Superior Profissional de “Motion Design” e Efeitos Visuais (MDEV), centra a sua aposta na especialização em áreas especificas da produção de cinema mais vocacionadas para os efeitos especiais e o uso de CGI, permitindo formar técnicos em áreas de especialização atualmente em falta no mercado de trabalho português, ligadas ao “motion design” e aos efeitos especiais.

UM FOCO EM GERAÇÕES FUTURAS Na LTCAV, a formação denominada de banda larga permite ao discente desenvolver ao longo do curso competências para trabalhar nas diferentes áreas de formação. No último ano na unidade curricular de Projeto, durante o 6º semestre, é lançado o desafio para que os alunos desenvolvam um projeto final desempenhando uma função integrada num projeto de criação colaborativa, em equipa. O projeto final pretende-se aplicado numa área de especialização escolhida pelo discente, de forma que possa demonstrar as competências adquiridas ao longo do curso.

Rodagem de “RUPTURA” (ficção, 2018), pelos alunos finalistas da Licenciatura de TCAV (2018, fotografia de Ana Luísa Madeira©).

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Rodagem de “RUPTURA” (ficção, 2018), pelos alunos finalistas da Licenciatura de TCAV (2018, fotografia de Rosana Soares©).


Na LTCAV são produzidos na área do Cinema projetos de curtametragem, documentário e experimental. É ainda permitida a possibilidade aos discentes de optarem por desenvolver um argumento cinematográfico original para uma curta-metragem de ficção. O MCA, com as suas duas especializações, permite aos estudantes num 1º ano aprofundar competências técnico-artísticas e uma capacidade de reflexão teórica. As Residências Artísticas que se realizam no segundo semestre do 1º ano são um elemento caracterizador do curso, onde os alunos desenvolvem num período intensivo, num território específico, protocolado com uma autarquia, projetos cinematográficos de curta-metragem de ficção e de documentário, ensaiando condições reais de trabalho profissional. Numa fase inicial o mestrado só abria de dois em dois anos, mas com a criação da ESMAD a partir de 2019, passou a funcionar anualmente. No ano de 2020, a Residência Artística prevista que já estava protocolada, foi cancelada em virtude das restrições vigentes devido ao surto de COVID-19. No 2º ano, desenvolve-se ao longo de um ano letivo completo um projeto que pode ser realizado em diferentes áreas de acordo com a especialização que frequentam: Documentário; Cinema de Ficção, Estágio Profissional numa empresa ou instituição que desenvolva trabalho nas áreas de especialização (Esta última opção é normalmente escolhida por alunos que pretendem ingressar mais rapidamente no mercado profissional), ou ainda uma dissertação teórica que permite a realização de uma investigação aprofundada sobre temas do cinema contemporâneo. Em todos os projetos cinematográficos produzidos de 1º e 2º ciclos, há um envolvimento ao nível teórico e prático, muito próximo dos docentes e dos serviços da ESMAD, garantindo deste modo a qualidade dos processos de formação.

AS RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS DO MESTRADO EM COMUNICAÇÃO AUDIOVISUAL Desde a sua criação em 2008, o Mestrado em Comunicação Audiovisual (MCA) pautou-se por proporcionar aos seus estudantes uma experiência muito enriquecedora numa fase inicial do período de aprendizagem. As Residências Artísticas ocorrem ainda no primeiro ano do curso de mestrado e têm como objetivo que os estudantes sejam colocados perante uma realidade prática, em contacto com a comunidade, mas com acompanhamento e supervisão dos docentes em regime de formação. Alguns dos filmes produzidos neste âmbito, têm sido muito difundidos e premiados a nível nacional e internacional. Com a apoio empenhado das autarquias, a primeira edição ocorreu em Arouca, em 2009; seguiu-se Montalegre, em 2011; em 2013 o conselho parceiro foi Mesão Frio e em 2015 a residência aconteceu em Boticas, todas durante o período de ligação à ESMAE (Porto).

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Desde a constituição da ESMAD em 2016, já foram realizadas duas residências artísticas do Mestrado, com o apoio das respetivas Câmaras Municipais:

Póvoa de Varzim 2017: A Residência Artística realizada na Póvoa

de Varzim no âmbito do Mestrado em Comunicação Audiovisual, intitulada “Frames da Cidade e Outras Estórias Invisíveis”, incluiu Projetos de Fotografia e Cinema Documental e Curtas-metragens de ficção. A Especialização em Fotografia e Cinema Documental teve supervisão artística da realizadora Catarina Mourão, cabendo este papel ao realizador Nuno Tudela da ESMAD na Especialização em Produção e Realização Audiovisual.

Residências Artísticas na Póvoa de Varzim em 2017 com as rodagens do documentário “A Ver o Mar” e as ficções “Estranho Amor” e “Independência ou Morte” (2017, ESMAD – P.PORTO©).

E-Book “Póvoa de Varzim: Frames da Cidade e Outras Estórias Invisíveis”, publicado no âmbito da residência artística de Póvoa do Varzim (2017, design de Rita Carvalho/ESMAD P.PORTO©).

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E-Book “Sever do Vouga: Fotografia + Cinema”, publicado no âmbito da residência artística de Sever do Vouga (2019, design de Gilberto Ribeiro/ESMAD - P.PORTO©).


Sever do Vouga 2019: A Residência Artística realizada em Sever do Vouga no âmbito do Mestrado em Comunicação Audiovisual desenvolveu-se em duas fases, que decorreram em abril e maio de 2019. Na Especialização em Fotografia e Cinema Documental realizaram-se dois projetos de documentário e projetos de fotografia e numa segunda fase, na Especialização e em Produção e Realização Audiovisual, produziram-se duas curtas-metragens de ficção. Nas duas fases os alunos tiveram o acompanhamento de professores da ESMAD das diferentes áreas de especialidade e tiveram como artistas convidados, na área do documentário, a realizadora Leonor Noivo e, para acompanhamento na ficção, o realizador Nuno Rocha.

Cartaz de “Cringe” (ficção), filme produzido no âmbito da residência artística de Sever do Vouga (2019, Design de Dinis Leal Machado©).

Cartaz de “Paisagem Submersa” (documentário), filme produzido no âmbito da residência artística de Sever do Vouga (2019, Design de Edmundo Correia©).

RECURSOS HUMANOS O corpo docente da ESMAD para a área do cinema e do audiovisual divide-se entre uma componente teórica nas áreas da História do Cinema, Análise de Filmes e Narrativas, enquanto que nas áreas práticas o corpo docente combina professores de carreira que têm qualificações académiAula prática da UC de Som II da Licenciatura de Multimédia na ESMAD (2018, ESMAD – P. PORTO©, fotografia de Nuno Tudela).

cas de Doutoramento ou profissionais de Título de Especialista, cobrindo as áreas de Realização, Argumento, Direção de Fotografia, Montagem, Som, Pós-produção Audiovisual. Uma das preocupações enquanto instituição de ensino politécnico é garantir que os docentes consigam conciliar a sua atividade académica com um desempenho regular de criação artística e profissional, de forma a devolver à lecionação uma experiência adquirida em pesquisas sustentadas por metodologias “practice based research” 11. Os professores convidados possuem o Título de Especialista ou estão integrados no meio profissional e artístico nas áreas da Realização, Direção de Fotografia e Som, mas com uma ligação

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regular à ESMAD. Nos convidados integram-se ainda um conjunto profissionais e artistas, nacionais e estrangeiros, que colaboram pontualmente em Residências Artísticas, Seminários ou Workshops, mas com grande impacto no processo de formação. José Vieira Marques, Lauro António, Luís Filipe Rocha, Henrique Nicanor, Caeytana Mulero, Fernanda Del Nido, António Ferreira, António Pedro Vasconcelos, João Canijo, Fernando Lopes, Catarina Mourão, João Pedro Ruivo, Rui Xavier, Pedro Sena Nunes, Emídio Buchinho, Dimitris Andrikopoulos, Eduardo Condorcet, Paulo Ares, Jorge Campos, José Ribeiro, Catarina Ruivo, Vasco Pimentel, Catarina Alves Costa, Leonor Noivo, Carlos Ruiz, Daniel Ribas, Francisco Vidinha, Shafeeq Vellani, são alguns dos nomes do cinema que contactaram com os nossos estudantes desde a criação do primeiro curso em 1992.

Manoel de Oliveira no Cinema Passos Manuel no Porto, na abertura de uma sessão da 5ª edição do “Imagens do Real Imaginado (IRI), Ciclo de Fotografia e Cinema Documental” (2007, CPR/ESMAD – P.PORTO©).

Esta combinação de perfis de corpo docente tem permitido oferecer uma formação de forte ligação à prática profissional na área e às práticas artísticas, mas dotando os alunos de competências técnicas, conceptuais e artísticas.

RECURSOS ESMAD Na ESMAD existe um Centro de Produção e Recursos (CPR), que gere os equipamentos e espaços laboratoriais e estúdios da ESMAD, tendo sido implementado um sistema informático para a gestão e requisição de equipamentos e espaços, que são requisitados por alunos e docentes. O Centro de Produção e Recursos fornece serviços à comunidade académica e externa, constituindo-se como aglutinador e divulgador de experiências profissionais e artísticas. Tem na sua gestão um conjunto de equipamentos e infraestruturas que garantem uma eficiente prestação de apoio interno aos cursos da ESMAD, mas também com a possibilidade de estender a sua atividade à comunidade na prestação de serviços especializados, com destaque para as que ocorrem na área do cinema e do audiovisual.

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A nível de equipamentos, com a criação da ESMAD, o IPP realizou investimentos significativos ao longo de vários anos que permitiram atualizar o parque de material ao nível da imagem e do som. Foram adquiridas novas câmaras, objetivas e equipamento de iluminação. Ao nível do som foram adquiridos microfones, gravadores de som e acessórios. Ao nível da edição e pós-produção de imagem e som foram adquiridos computadores com capacidade de processamento para alta definição e licenças de softwares de referência na indústria de modo a permitir aos alunos uma formação que lhes dê competências profissionais nas áreas do cinema e do audiovisual. Estes equipamentos conjugados com os novos espaços construídos, estúdios, suites, etc., permitem posicionar a ESMAD num patamar elevado de formação de qualidade na área.

Ação de formação em grua (2017, CPR/ESMAD – P.PORTO©, fotografia de João Paulo Gomes).

“Suite” de edição não linear (2019, CPR/ESMAD – P.PORTO©).

ESPAÇOS Localizada no Campus 2 do IPP (Póvoa de Varzim/Vila do Conde), a ESMAD foi, no âmbito da implementação da escola no novo Campus, objeto de um projeto de remodelação e de investimento em equipamentos. Vista exterior dos novos estúdios (2020, CPR/ESMAD – P.PORTO©).

Foram criados laboratórios de fotografia analógicos (um coletivo e três laboratórios individuais). Criaram-se novos espaços, nomeadamente um Laboratório Digital para processamento e tratamento de imagem, um Laboratório Multimédia com uma parede verde para a realização de projetos que envolvem o recurso à técnica de “Chroma Key” e para trabalho com sensores e interação física com som e imagem.

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Vista interior dos novos estúdios (2020, ESMAD – P.PORTO©, fotografia de Sérgio Rolando).

Numa segunda fase, as obras concluídas em 2020, implicaram a edificação do novo edifício G contíguo ao Auditório Luís Soares, onde estão os novos espaços para as componentes de formação prática na área do cinema e do audiovisual: Estúdio de Televisão; Estúdio de Fotografia; “Blackbox”; Estúdio de Som; Suites e espaços de apoio.

No mesmo edifício ficam o Centro de Produção e Recursos, 4 Suites

de Áudio, 5 Suites de Vídeo e 3 suites de pós-produção de imagem e som.

“Suite” de edição com controlador para correção de cor (2020, CPR/ESMAD – P.PORTO©).

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“Régie” portátil para realização multicâmara HD (2017, CPR/ESMAD – P.PORTO©, fotografia de João Paulo Gomes).

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Foram reequipadas e infraestruturadas as 9 salas de informática que servem as áreas de cinema da ESMAD, 7 salas de “PCs” e salas com “Apple Macs”. As diferentes salas têm computadores com “software” para processamento e pós-produção de imagem e som, permitindo a sua utilização em aula e a requisição por parte dos alunos fora do período de aulas. A ESMAD está igualmente equipada com Sala de Informática (2017, CPR/ESMAD – P.PORTO©).

um conjunto de salas teóricas, em que se destacam 2 Anfiteatros com 100 lugares cada, com condições adequadas para a projeção de imagem e de filmes, nos quais se investiu em sistemas de projeção de imagem e som.

Sala de aula e Auditório Luís Soares (2017, CPR/ESMAD – P.PORTO©, fotografia de Denise Peleteiro).

Apresentação do “Festival YMotion” no auditório Luís Soares (2019, CPR/ESMAD – P.PORTO©, fotografia de João Paulo Gomes).

Dispõe ainda do Auditório Luís Soares, um espaço com capacidade para 182 lugares equipado com um sistema de projeção de imagem e som que permite projetar filmes em grande ecrã e acolher conferências e seminários.

Estes espaços de grande qualidade reforçam e me-

lhoram significativamente as áreas de formação de cinema e audiovisual da ESMAD.

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EVENTOS ESMAD NA ÁREA DO CINEMA 14ª Edição do “Imagens do Real Imaginado” (IRI) – Travessias (outubro/novembro de 2017) A 14ª edição do “Imagens do Real Imaginado” (IRI), Ciclo de Fotografia, Cinema e Multimédia, teve como tema “Travessias” e decorreu no Auditório Municipal da Biblioteca Almeida Garrett entre os dias 30 de outubro e 4 de novembro, com uma programação que incluiu a apresentação de projetos, projeção de filmes, seminários e mesas redondas.

Programação da 14ª edição do ciclo “Imagens do Real” (IRI) – Travessias (2018, design de Vítor Quelhas/ ESMAD - P.PORTO©). Cartaz da 14ª Edição do ciclo “Imagens do Real Imaginado” (IRI) – Travessias (2017, Design de Vitor Quelhas/ESMAD – P.PORTO©).

“Spot” da 14ª edição do ciclo “Imagens do Real Imaginado” (IRI) – Travessias (2017, ESMAD – P. PORTO©).

15ª Edição do “Imagens do Real Imaginado” (IRI) – Fluxos (outubro/novembro de 2018) A 15ª edição do “Imagens do Real Imaginado (IRI), Ciclo de Fotografia, Cinema e Multimédia”, teve como tema “Fluxos” e decorreu no Auditório Municipal da Biblioteca Almeida Garrett entre os dias 29 de outubro e 2 de novembro, com uma programação que incluiu a apresentação de projetos profisCartaz da 15ª Edição do ciclo “Imagens do Real Imaginado” (IRI) - Fluxos (2018, Design de Vitor Quelhas/ESMAD – P.PORTO©).

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sionais e artísticos, projeção de filmes, seminários e mesas redondas.

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16ª Edição do “Imagens do Real Imaginado” (IRI) – Imaterial (novembro de 2019) O “Imagens do Real Imaginado” (IRI), Ciclo de Fotografia, Cinema e Multimédia, teve como tema o “Imaterial” e decorreu no Auditório Municipal da Programação da 15ª edição do ciclo “Imagens do Real” (IRI) - Fluxos (2018, design de Vítor Quelhas/ESMAD - P.PORTO©).

Biblioteca Almeida Garrett no Porto e no Auditório Luís Soares da ESMAD, entre os dias 4 e 8 de novembro, com uma programação que incluiu a apresentação de projetos profissionais e artísticos, projeção de filmes, seminários e mesas redondas.

“Spot” da 15ª edição do ciclo “Imagens do Real Imaginado” (IRI) - Fluxos (2018, ESMAD – P.PORTO©).

Programação da 16ª edição do ciclo “Imagens do Real” (IRI) – Imaterial (2019, design de Vítor Quelhas/ ESMAD - P.PORTO©).

“Spot” da 16ª edição do ciclo “Imagens do Real Imaginado” (IRI) – Imaterial (2019, ESMAD – P.PORTO©).

Cartaz da 16ª Edição do ciclo “Imagens do Real Imaginado” (IRI) – Imaterial (2019, Design de Vitor Quelhas/ESMAD – P.PORTO©).

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DESAFIOS A ESMAD possui um corpo docente de qualidade, espaços de referência para a área, e alunos de qualidade motivados, com produções que são reconhecidas, difundidas e premiadas. Os desafios futuros que a escola enfrenta passam por garantir a manutenção da qualidade da formação, permitindo aos alunos boas saídas profissionais e o seu acompanhamento enquanto “alumni” da adaptação às novas realidades da formação na área do cinema que requerem uma constante atualização do seu corpo docente, das práticas profissionais e artísticas, assim como um constante investimento em tecnologias. A sua afirmação está igualmente dependente da consolidação de uma estratégia de afirmação nacional e internacional integrada numa rede de parcerias consolidadas.

PUBLICAÇÕES E DIVULGAÇÃO Cadernos IRI

Os Cadernos IRI surgiram em 2015 como uma publicação asso-

ciada ao ciclo “Imagens do Real Imaginado” e “apresentam-se atualmente como uma Revista Científica de publicação anual da responsabilidade da UniMAD” 12, a Unidade de Investigação da ESMAD. A revista compila artigos com revisão de pares nas quais se lança o desafio à comunidade académica da ESMAD a publicar trabalhos de caráter científico nas áreas de investigação que se estendem desde a Cultura Visual à Estética, da Fotografia ao Cinema e ao Multimédia, “adstritas à receção e produção de imagem nas suas múltiplas vertentes óticas, gráficas, tipográficas e pretende discutir questões de leitura, utilização, apropriação e produção de imagens, nas sua dimensões isogramáticas, ideogramáticas e diagramáticas e na relação sinergética com textos de vários outros sistemas semióticos.”

Cadernos IRI (2015, design de Vítor Quelhas/ ESMAE - P.PORTO©).

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Catálogo Exposição de Finalistas RAVE 19 na Casa da Prelada no Porto, Centro Português de Fotografia, Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Catálogo Exposição de Finalistas RAVE 18 no Mosteiro de Santa Clara em Vila do Conde.

Plataforma RAVE 2020: Exposição de Finalistas da ESMAD (2020, design de Pedro Serapicos/ ESMAD - P.PORTO©).

Catálogo Exposição de Finalistas RAVE 19 (2019, design de Pedro Serapicos/ESMAD P.PORTO©).

Catálogo Exposição de Finalistas RAVE 18 (2018, design de Pedro Serapicos/ESMAD P.PORTO©).

Catálogo Exposição de Finalistas RAVE 17 (2017, design de Pedro Serapicos/ESMAD P.PORTO©).

Catálogo Residência Artística “Boticas: O Real Documentado O Real Ficcionado” (2015, design de Telmo Sá/ESMAE - P.PORTO©).

Catálogo Exposição de Finalistas RAVE 17 na Fábrica de Santo Thyrso. Catálogo Residência Artística “Boticas: O Real Documentado O Real Ficcionado” Catálogo dos projetos finais do Mestrado em Comunicação Audiovisual Especialização em Fotografia e Cinema Documental e em Produção e Realização Audiovisual

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Os filmes resultantes do trabalho académico dos estudantes da ESMAD têm tido a oportunidade de percorrer a maioria dos festivais nacionais e internacionais mais significativos, obtendo muitas vezes o reconhecimento da qualidade que os carateriza. Muitos dos prémios são atribuídos à autoria e criação, mas tem havido reconhecimento da ESMAD enquanto instituição responsável pela produção.

PARCERIAS ESMAD PARA O CINEMA Academia Portuguesa de Cinema Agência da Curta-Metragem Agente a Norte - Agência de atores e produtora sediada no Porto AO NORTE - Associação de Produção e Animação Audiovisual ARQUIPÉLAGO - Centro de Artes Contemporâneas BEAST - International Film Festival Câmara Municipal do Porto Câmara Municipal da Póvoa do Varzim Câmara Municipal de Vila de Conde Câmara Municipal de Boticas Câmara Municipal de Sever do Vouga Cinanima: Festival Internacional de Cinema de Animação Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema DocLisboa: Documentary Film Festival Encontros Internacionais de Cinema, Televisão, Vídeo e Multimédia – AVANCA FAMILY FILM PROJECT - ARQUIVO, MEMÓRIA, ETNOGRAFIA. FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA Fantasporto – Festival Internacional de Cinema do Porto Federação de Escolas de Cinema e Audiovisual (FECA) Fest - New Directors / New Films Festival FILMES O HOMEM – Festival Internacional de Documentário de Melgaço Queer Lisboa & Queer Porto – Festivais Internacionais de Cinema Queer Fundação Serralves Instituto do Cinema e do Audiovisual MIFEC – Mostra Internacional de Filmes de Escolas de Cinema MOSTRARTE - Mostra Académica de Artes e Imagem OSTV - canal 180º Porto Canal Porto/Post/Doc: Film & Media Festival RTP: Rádio e Televisão de Portugal Teatro Municipal do Porto

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A ESMAD tem mantido um protocolo com as Curtas-metragens CRL, entidade responsável pela organização do “Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema” desde 1993. Este protocolo resulta da longa colaboração que o curso de TCAV tem desde 2005, com a participação de estudantes na cobertura vídeo e edição de reportagens de cobertura das diversas atividades da programação do festival. Ao longo destes anos essa colaboração foi-se estendendo a outras iniciativas e eventos, como exposições na Galeria de Artes Cinemáticas Solar e formação para públicos mais novos e escolas no programa Animar, mas também na produção cinematográfica através dos programas Estaleiro e Campus, Festival Family Film Project, festival Porto/Post/Doc, Canal 180º, entre outros.

Com a deslocação dos cursos para o Campus 2 do IPP em Vila do Conde /Póvoa de Varzim, a ligação revelou-se fundamental para a continuidade da colaboração entre as suas entidades, com uma forte estratégia de ligação à comunidade local. Mais recentemente e já enquanto ESMAD, a parceria com a Câmara Municipal de Vila do Conde e o Festival abriu a possibilidade da realização da “MAD Summer School”, evento que cruza a partilha de ideias e experiências criativas entre os formandos e convidados especiais do festival.

PRÉMIOS Para além da mostra dos filmes como “showcase” da escola e integrado na programação do “Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema”, os estudantes da ESMAD têm visto os seus trabalhos exibidos em diversos eventos nacionais e internacionais. A ESMAD pauta-se pelo respeito da autoria dos projetos produzidos em contexto académico ou através do apoio de projetos extracurriculares, permitindo e articulando com os autores a participação dos filmes em mostras e festivais. Como exemplo podemos referir os “Prémios Sophia Estudante”, “Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema”, “Festival porto/ post/doc”, “Doc Lisboa”, a “Mostra Internacional Filmes de Escola de Cinema” (MIFEC), o “Fantasporto – Festival de Cinema Fantástico do Porto”, o “Ymotion - Festival de Cinema Jovem de Famalicão”; nos múltiplos “Short Cutz” que vão decorrendo em diversas capitais de distrito portuguesas, o “CINANIMA - Festival de Internacional de Cinema de Animação de Espinho”; o “FEST - Festival Novos Realizadores | Novos Filmes”, “Porto7 – Festival de Cinema do Porto”.

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“PRÉMIOS SOPHIA” DA ACADEMIA PORTUGUESA DE CINEMA Desde a sua criação em 2014, o IPP tem sido selecionado, representado e galardoado nos “Prémios Sophia Estudante”, numa primeira fase pela ESMAE e nos últimos três anos já como ESMAD. Desde 2015 os filmes representados em diversas categorias recolheram inúmeros prémios em todas as edições, vencendo a categoria de “Melhor Filme Estudante” nas galas de atribuição dos prémios anuais da Academia Portuguesa do Cinema nas edições de 2016, 2017 e 2018.

SELEÇÃO DAS PRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS PREMIADAS DA ESMAD 2019 “LOOP” (ficção científica, 2019) de Ricardo M. Leite. “Feel the Reel International Film Festival”, Glasgow, Reino Unido, 2020 – Vencedor “Best Student Film”, nomeado para “Best Cinematography” e “Best Actress”. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2019 - 2º Lugar na categoria ficção. “Prémios Sophia”, Lisboa, Portugal, 2020 - Vencedor na categoria Estudante. “Prémios AIP Estudante”, Lisboa, Portugal, 2019 - Finalista (Dulce Catarina Ribeiro, direção de fotografia). “CRINGE” (ficção, 2019) de Dinis Leal Machado. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2019 - Menção Honrosa Público.

“Trailer” de “Loop” (ficção científica), filme de Ricardo M. Leite (2019, ESMAD – P.PORTO©).

Cartaz de “Loop” (ficção científica), filme de Ricardo M. Leite (2019, Design de Jotta Sousa©).

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“Trailer” de “Cringe” (ficção), filme de Dinis Leal Machado (2019, ESMAD – P.PORTO©).


“PAISAGEM SUBMERSA” (documentário, 2019) de Miguel Almeida. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2019 - 2º Lugar na categoria Cartaz (Edmundo Correia, designer). “ATRÁS DE TEMPO, TEMPO VEM” (documentário, 2019) de Priscilla Fontoura e Rita Barroso. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2019 - 3º Lugar na categoria Cartaz (Patrícia Azevedo, designer).

“Trailer” de “Paisagem Submersa” (documentário), filme de Miguel Almeida (2019, ESMAD – P.PORTO©).

“Trailer” de “Atrás de Tempo, Tempo Vem” (documentário), filme de Priscilla Fontoura e Rita Barroso (2019, ESMAD – P.PORTO©).

2018 “UM HOMEM NÃO É UM HOMEM SÓ” (documentário, 2018) de Alberto Seixas. “Prémios Sophia Estudante”, Porto, Portugal, 2018 - 1º lugar na categoria Documentário. “Prémios Sophia Estudante”, Porto, Portugal, 2018 - 2º lugar na categoria Cartaz (designer Sara Gonçalves). “MEMORIAM” (ficção/experimental, 2018) de Andreia Pereira e Rita Manso. “Family Film Project”, Porto, Portugal, 2018 - Prémio Melhor Ficção. “Prémios Sophia Estudante”, Porto, Portugal, 2018 - 1º lugar na categoria Experimental.

“Trailer” de “Um homem não é um homem Só” (documentário), filme de Alberto Seixas (2018, ESMAD – P.PORTO©).

“Trailer” de “Memoriam” (ficção/experimental), filme de Andreia Pereira e Rita Manso (2018, ESMAD – P.PORTO©).

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“ÀS VEZES SOU PESSOA, ÀS VEZES SOU DINOSSAURO” (ficção, 2018) de Rosana Soares. “16º MIFEC - Mostra Internacional de Filmes de Escola de Cinema”, Porto, Portugal, 2019 - Melhor Filme Português. “RUPTURA” (ficção, 2018) de Gonçalo Santos. “Prémios Sophia Estudante”, Porto, Portugal, 2018 - 3º Lugar na categoria Ficção.

“Trailer” de “Ruptura” (ficção), filme de Gonçalo Santos (2018, ESMAD – P.PORTO©).

“Trailer” de “Às vezes sou pessoa, às vezes sou dinossauro” (ficção), filme de Rosana Soares (2018, ESMAD – P.PORTO©).

2017 POLITÉCNICO DO PORTO (ESMAD) “37º FANTASPORTO - Prémio cinema Português”, Porto, Portugal, 2017 Melhor Escola de Cinema. “A VER O MAR” (documentário, 2017) de Ana Oliveira e André Puertas. “CURTAS de Vila do Conde”, Vila do Conde, Portugal, 2018 - Melhor Realização Take One! “FIKE Festival Internacional de Curtas Metragens”, Évora, Portugal, 2019 - Melhor Curta Portuguesa – Novo Talento e Prémio do Público. “FICCA - Festival Internacional de Cinema do Caeté", Bragança, Pará, Brasil, 2018 - Melhor Média-Metragem.

Cartaz de “A ver o mar” (documentário), filme de Ana Oliveira e André Puertas (2017, Design de Nuno Oliveira©).

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“Trailer” de “A ver o mar” (documentário), filme de Ana Oliveira e André Puertas (2017, ESMAD – P.PORTO©).

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“SNOOZE” (ficção, 2017) de Dinis Leal Machado. “Prémios Sophia”, Estoril, Portugal, 2018 - Vencedor na categoria Estudante. “C(h)orta Festival de Curtas do Faial”, Faial, Portugal, 2018 - Melhor Filme e Prémio do Público (ex-aqueo). “FIKE Festival Internacional de Curtas Metragens”, Évora, Portugal, 2018 Prémio Novo Talento. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2017 – 1ºlugar na categoria Ficção. “YMotion Festival de Cinema Jovem”, Famalicão, Portugal, 2017 - Prémio de Melhor Argumento e Prémio do Público. “REMINISCÊNCIA” (animação/experimental, 2017) de Amélia Urbano, Beatriz Mota e Lúcia Pinto. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2017 – 1ºlugar na categoria Experimental.

“Trailer” de “Snooze” (ficção), filme de Dinis Leal Machado (2017, ESMAD – P.PORTO©).

“Trailer” de “Reminiscências” (animação/experimental), filme de Amélia Urbano, Beatriz Mota e Lúcia Pinto (2017, ESMAD – P.PORTO©).

Cartaz de “Snooze” (ficção), filme de Dinis Leal Machado (2017, Design de Ana Vieira©).

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“BLONDES MAKE THE BEST VICTIMS” (experimental, 2017) de Rita Ventura. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2017 – 3º lugar na categoria Experimental. “Prémios Sophia”, Estoril, Portugal, 2018 - Finalista na categoria Estudante. “ODISSEIA DOS PÁSSAROS” (documentário/ficção, 2017) de Fernando Cavaleiro. “YMOTION Festival de Cinema Jovem de Famalicão”, Famalicão, Portugal, 2018 - Menção Honrosa.

“QUEM ME BATE À PORTA” (ficção, 2017) de Afonso Marmelo. “Trailer” de “Blondes make the best victims” (experimental), filme de Rita Ventura (2017, ESMAD – P.PORTO©).

“38º FANTASPORTO”, Porto, Portugal, 2018 – Menção Especial do Júri do Prémio de Cinema Português. “THE VOYAGER” (animação, 2017) de João Gonzalez. “BFI Future Film Festival”, Londres, Reino Unido, 2018 - Vencedor do International New Talent Award. “CINANIMA”, Espinho, Portugal, 2018 - Vencedor Melhor Jovem Cineasta. “Monstra Festival de Animação de Lisboa”, Lisboa, Portugal, 2018 – Vencedor Melhor Curta Estudantes Portuguesa. “YMOTION Festival de Cinema Jovem de Famalicão”, Famalicão, Portugal, 2018 – Vencedor Melhor

“Trailer” de “Odisseia dos pássaros” (documentário/ficção), filme de Fernando Cavaleiro (2017, ESMAD – P.PORTO©).

Curta de Animação. “RIYFF International Film Festival”, Hønefoss, Noruega, 2018 – Vencedor do Jury Mention Award. “TBIFF - The Buddha International Film Festival”, Pune, India, 2018 – Vencedor Best Screenplay. “Shortcutz Caldas da Raínha”, Caldas da Rainha, Portugal, 2018 – Vencedor Melhor Filme do Mês. “Shortcutz Viseu”, Viseu, Portugal, 2018 - Vencedor Melhor Filme da Sessão. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2017 – 1º lugar na categoria Animação.

“Trailer” de “Quem me bate à porta” (ficção), filme de Afonso Marmelo (2017, ESMAD – P.PORTO©).

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“Trailer” de “The Voyager” (animação), filme de João Gonzalez (2017, ESMAD – P.PORTO©).

2016 POLITÉCNICO DO PORTO “36º FANTASPORTO”, Porto, Portugal, 2016 - Prémio Cinema Português, Melhor Escola de Cinema. “A INSTALAÇÃO DO MEDO” (ficção, 2016) de Ricardo Leite. “Prémios Sophia”, Lisboa, Portugal, 2017 – Vencedor na categoria Estudante. “FECEA, Brasil, 2017 - Melhor Actor Secundário. “Festival International Du Cinema Et La Mer”, Mirleft, Marrocos, 2017 - Melhor Realização. “Shortcutz Viseu”, Viseu, Portugal, 2017 - Filme do Ano e Melhor Cartaz de “Voyager” (animação), filme de João Gonzalez (2017, Design de João Gonzalez©).

Argumento. “Shortcutz Figueiró dos Vinhos”, Figueiró dos Vinhos, Portugal, 2017 - Melhor Actriz, Melhor Actor e Prémio do Publico. “Figueira Film Art”, Figueira da Foz, Portugal, 2017 - Melhor Filme de Escola. “FARCUME”, Faro, Portugal, 2017 - Melhor Ficção. “NAU – Festival de Cinema e Artes de Expressão Ibérica”, Porto, Portugal, 2017 - Premio Infante D. Henrique (Melhor Filme Português). “FEST”, Espinho, Portugal, 2017 - Prémio do Publico, Melhor Curta-Metragem. “Shortcutz Faro”, Faro, Portugal, 2017 - Melhor Curta-Metragem de abril. “Porto 7”, Porto, Portugal, 2017 – Melhor Curta-Metragem Nacional. “MIFEC”, Porto, Portugal, 2017 - Menção Honrosa. “Cineaddiction”, 2017 - Melhor Curta-Metragem de Ficção do Ano. “Primavera do Cine”, Vigo, Espanha, 2017 - Melhor Curta-Metragem Lusófona. “Berlin Student Film Festival”, Berlim, Alemanha, 2017 – Semifinalist. “37º FANTASPORTO”, Porto, Portugal, 2017 - Melhor Escola de Cinema. “Shortcutz Viseu”, Viseu, Portugal, 2017 - Melhor Curta-Metragem de fevereiro. “Shortcutz Lisboa”, Lisboa, Portugal, 2017 - Melhor Curta-Metragem de janeiro.

Cartaz de “A instalação do medo” (ficção), filme de Ricardo leite (2016, Design de Daniela Cruz©).

“Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2016 - 1º lugar na categoria Ficção.

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“Trailer” de “A instalação do medo” (ficção), filme de Ricardo Leite (2016, ESMAD – P.PORTO©).

“POST-MORTEM” (ficção, 2016) de Belmiro Ribeiro. “Prémio MOTELX /Mélies d’argent”, Lisboa, Portugal, 2016 - Melhor Curta de Terror Portuguesa. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2016 - 2º lugar na categoria Ficção. “Prémios Sophia”, Lisboa, Portugal, 2017 - Finalista (categoria Estudante). “MOSTRARTE”, Porto, Portugal, 2017 - Prémio de Ficção.

“Trailer” de “Post-Mortem” (ficção), filme de Belmiro Ribeiro (2016, ESMAD – P.PORTO©).

Cartaz de “Post-Mortem” (ficção), filme de Belmiro Ribeiro (2016, Design de Belmiro Ribeiro©).

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“Trailer” de “Monte Zuma FM” (animação/experimental), filme de Joana Lopes (2016, ESMAD – P.PORTO©).

“MONTE ZUMA FM” (animação/experimental, 2016) de Joana Lopes. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2016 - 2ª lugar na categoria Experimental. “MARVIN’S ISLAND” (animação, 2016) de António Vieira, Filipa Burmester e Pedro Oliveira. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2016 - 3º lugar na categoria Animação. “Prémios Sophia”, Lisboa, Portugal, 2017 - Finalista na categoria Estudante. “HOMPESCH CHEZ MOI” (documentário, 2016) de Sara Marques “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2016 - 2º lugar na categoria Documentário.

“Trailer” de “Marvin’s Island” (animação), filme de António Vieira, Filipa Burmester e Pedro Oliveira (2016, ESMAD – P.PORTO©).

“Trailer” de “Hompesch Chez Moi” (documentário), filme de Sara Marques (2016, ESMAD – P.PORTO©).

CINE M A : E SPAÇOS, E STUDOS, INSTITUIÇÕE S E PATR IM ÓNIO

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2015 “TERRA MÃE” (documentário, 2015) de Ricardo Couto. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2015 - 1º Lugar na categoria Documentário. “Prémios Sophia”, Lisboa, Portugal, 2016 - Vencedor na categoria Estudante. “PALHAÇOS” (ficção, 2015) de Pedro Crispim. “Prémios Sophia Estudante”, Lisboa, Portugal, 2015 - 1º lugar na categoria Ficção. “Prémios Sophia”, Lisboa, Portugal, 2016 - Finalista na categoria Estudante.

“Trailer” de “Terra Mãe” (documentário), filme de Ricardo Couto (2015, ESMAD – P.PORTO©).

“Trailer” de “Palhaços” (ficção), filme de Pedro Crispim (2015, ESMAD – P.PORTO©).

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CI N E M A : E SPAÇO S , ES T UD O S , I N S T I T UI ÇÕ ES E PATR IM ÓNIO


BIBLIOGRAFIA BATISTA, Adriana [et al.] – Editorial. In Cadernos IRI.2.2016. Vila do Conde:

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2

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3 Página 85 de COSTA, José Manuel – Nota prévia sobre a versão com música de

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7 www.esmad.ipp.pt ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA ARTES E ESPECTÁCULO – Imagens do real

8 https://www.esmad.ipp.pt/cursos

imaginado: 10 anos. Porto: Departamento de Artes da Imagem, Escola Supe-

9 https://www.esmad.ipp.pt/investigacao/centros-de-investigacao/unimad

rior de Música Artes e Espetáculo do P.PORTO, 2013.

10 https://www.esmad.ipp.pt/cursoslivres/deathdocumentary 11 Página 1 de CANDY, Linda – Practice Based Research: A Guide. Creativity and

ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA ARTES E ESPECTÁCULO – Mesão Frio:

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(disponível em https://www.researchgate.net/publication/257944497_Practi-

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ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA ARTES E ESPECTÁCULO – Cadernos IRI.1.2015. Porto: Departamento de Artes da Imagem, Escola Superior de Música Artes e Espetáculo do Instituto Politécnico do Porto, 2015.

12 BATISTA, Adriana [et al.] – Editorial. In Cadernos IRI.2.2016. Vila do Conde: UniMAD, Escola Superior de Media Artes e Design do Instituto Politécnico do

ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA ARTES E ESPECTÁCULO – Boticas: o real

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documentado: o real ficcionado = Boticas: documenting real: real as fic-

13 (ibidem).

tion. Porto: Departamento de Artes da Imagem da Escola Superior de Música Artes e Espetáculo do Instituto Politécnico do Porto, 2015.

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12 CINEMA BATALHA PORTO R EABI LI TAÇÃO


Guilherme Blanc Diretor Artístico do Batalha e do Departamento de Cinema e Imagem em Movimento, Ágora Porto E.M guilhermeblanc@agoraporto.pt

Guilherme Blanc é diretor para o Cinema e a Imagem em Movimento, na Empresa Municipal Ágora, no Porto. Entre 2016 e 2020 dirigiu projetos como a Galeria Municipal do Porto e o Fórum do Futuro, assim como programas discursivos e de apoio à Arte Contemporânea. Anteriormente trabalhou como curador independente de cinema, colaborando com instituições como o Institute of Contemporary Arts London ou o Barbican Centre. De 2014 a 2018 foi Adjunto do Vereador e do Presidente da Câmara do Porto para a Cultura. Leciona, desde 2017, disciplinas de Cinema em Mestrado e Licenciatura na Universidade Católica Portuguesa - Escola das Artes.


Cinema Batalha, pronúncia de um passado; prenúncio de um futuro Quem, desde janeiro de 2020, atravessa a praça da Batalha no Porto, não consegue avistar o mais icónico cinema da cidade — nem, com efeito, atestar o seu adiantado estado de degradação, cujo processo se tornou progressivamente agudo e visualmente violento ao longo da última década e meia. O edifício do Cinema Batalha (classificado como monumento de interesse público em 2012) está desde então coberto por telas e tapumes onde se pode ler: “Aqui vai crescer um novo Batalha”. A empresa municipal de gestão de obras GOPorto, responsável pela empreitada autorizada pelo Tribunal de Contas em 2019, teve ainda a engenhosa ideia de incluir ao redor do edifício uma revisitação textual e fotográfica das múltiplas vidas do cinema — desde a sua fundação enquanto projeto de exibição há mais de cem anos, até ao projeto contemporâneo em construção e cuja maquete arquitetónica provisória é apresentada numa pequena montra.

Esta história, contada cronologicamente, evidencia de forma efetiva como os múltiplos desígnios do Batalha acompanham a própria história política e cultural do Porto, e tangencialmente do país, ao longo dos séculos XX e XXI. Pela relação entre a cidade e aquela que veio a ser a sua principal sala de cinema, torna-se manifesta a ação política e cívica de quem quis e teve capacidade de melhorar a cidade, e de quem não quis ou não conseguiu fazê-lo. De gestos de bravura e de utopia a gestos de censura e negligência cultural, o processo de que o Batalha foi ora vítima, ora beneficiário, consegue explicar a dimensão ontológica de uma cidade, em toda a sua complexidade, ao longo de um século.

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UM PROJETO DE EXIBIÇÃO PARA UM “ART HOUSE” Há cerca de dez anos terminava a minha tese de mestrado, que dediquei a um estudo sobre a exibição “art house” no Porto. Foram poucos os cinemas, compreendi então, a funcionar no modelo de programação a que em Portugal se viria a chamar de “arte e ensaio”. O próprio termo, já de si raro e adotado dos franceses “cinémas d’art et d’essai”, acabou por cair em absoluto desuso. De entre as múltiplas dezenas de cinemas que a cidade conheceu ao longo dos séculos XX e XXI, não mais de seis terão desenvolvido, durante um período estável e continuado, a sua atividade a partir de uma ideia de experiência cultural definida pela coerência programática e pela sistemática noção reflexiva sobre o cinema enquanto disciplina e, em particular, enquanto prática artística 1.

Aqui, destacaria necessariamente o desaparecido Lumière A e L, nas atuais Galerias Lumière, integradas no belíssimo edifício de perfil e interior brutalista da autoria de Magalhães Carneiro 2. Os dois estúdios eram geridos pelo singular Mário Pimentel, também funcionário da RDP, que estabelecia uma relação continuada e particularmente forte com o cinema nacional. O jornalista e cinéfilo Sérgio Costa Andrade adjetivou-o justamente de ““templo” para a estreia de cinema português” 3. Era efetivamente no Lumière que muito do cinema nacional estreava e era apresentado, tendo ficado para a História o facto de Manoel de Oliveira o ter escolhido para estrear, no seu 77.º aniversário, “Le Soulier de Satin”. Necessariamente, também o Estúdio Foco merece aqui atenção. O complexo residencial Foco (ou Graham), que em alguma medida, nos seus tempos de ouro, nos fazia lembrar um pequeno Barbican, integrava várias valências de lazer e entretenimento, entre elas a sala de cinema da Lusomundo, com pouco mais de quatro centenas de lugares.

Depois de abrir em 1978, o cinema foi programado durante uma década por Lauro António, adotando um tom programático (e discursivo) “art house” que bem combinava com o ambiente do desenho arquitetónico de Agostinho Ricca, João Serôdio e Magalhães Carneiro. A programação era escolhida a dedo. Por ocasião da entrevista que lhe fiz no âmbito da dissertação, Lauro António confessou ir frequentemente a Paris com o Tenente Coronel Luís Silva escolher filmes para exibir especificamente no Foco e no Apolo 70, que também programava em Lisboa. Abandonado desde 1997, o antigo cinema (tal como o elegante “health club”, ou a sumptuosa área com piscina descoberta), está em absoluto estado de degradação.

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E salientaria ainda o fenómeno de meados dos anos 1990 da Medeia Filmes, quando a cidade viu a sua operação benignamente tentacular desenvolver uma programação de estreias de grande qualidade em vários lugares, que já eram ou se transformaram em espaços de culto — entre os quais a sala de exibição da Casa das Artes, de Souto de Moura (que a exibidora inaugurou em 1997), o pequeno multiplex Cinemas Cidade do Porto, o Nun’ Álvares (já convertido num cinema de cerca de 150 lugares em vez dos originais 400) que a Medeia explorou a partir de 1996, ou o Charlot, ainda hoje bem preservado no icónico Shopping Brasília (o primeiro da Península Ibérica), onde Paulo Branco passeou Catherine Deneuve aquando da antestreia pomposa do “Viagem ao Princípio do Mundo”, já depois do falecimento de Mastroianni (pelo que se sabe, ofuscando a atriz com grande aparato, ainda que involuntariamente, o nosso realizador).

Eram espaços de exibição pensados de forma preocupada e cuidada por António Costa, tal como ainda hoje acontece na única sala gerida pela exibidora no Porto, o cine-estúdio do Teatro Municipal Campo Alegre (tendo-se dado, dessa forma, continuidade à qualidade programática que Rodrigo Affreixo ali implementou imediatamente após a Porto 2001, quando o Teatro estava ainda na alçada da Fundação Ciência e Desenvolvimento). Pela forma como a Medeia relacionava as “meras” estreias de cinema maioritariamente europeu com ciclos retrospetivos e a presença de realizadores, atores e escritores, os seus espaços encaixavam-se corretamente na tradição dos cinemas de “arte e ensaio”.

Estúdio Foco – Porto (2016, fotografia de Francisco Varela©, série “Foco”).

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Mas é preciso recuar aos anos sessenta para contar a génese desta história e, em particular, perceber a sua relação com a vida do Batalha. Foi no ainda existente e em belíssimo estado de conservação Cinema Estúdio, construído como parte integrante do Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, projeto brutalista do arquiteto (e fascinante artista plástico) Luiz Cunha, na Rua Costa Cabral, que entre 1967 e 1977 funcionou o único espaço do Porto a definir-se (de forma realmente explícita e pública) como um cinema de “arte e ensaio”. Não era por acaso. O cinema foi durante esse período gerido pela empresa Neves e Pascaud e programado pelo discreto e eloquente Luís Neves Real, o matemático cofundador do Cineclube do Porto que sempre desafiou convenções culturais na área da exibição — e que o realizador Alberto Seixas retratou justamente, de forma efetiva (e afetiva), na prazerosa curta-metragem de 2018 “Um homem não é um homem só”.

No ADN do “novo” Batalha, inaugurado em 1947, está por excelência a intenção de criar uma casa para um cinema de “qualidade”, para as experiências mais estimulantes e expressivas no campo da realização, quebrando por isso o padrão operativo de todos os cinemas “art house” anteriormente referidos: com efeito, todos eles surgem na corrente de construção de estúdios, cujo objetivo de mercado, ou de funcionamento, era o de permitir a adequação de um certo tipo de cinema a um certo tipo de público menos generalista (e, em rigor, a uma nova era do cinema em que os públicos deixaram de atingir números equiparáveis aos das artes performativas). Em retrospetiva, o Batalha, na sua missão e até dimensão “institucional”, nunca foi um “cinema”, ou um simples par de salas de cinema. O Batalha sempre foi uma instituição cultural para as artes cinematográficas. Um lugar construído para se poder ver, falar, pensar, colecionar cinema. Foi, por isso, um verdadeiro projeto cultural construído a partir de uma visão crítica sobre o cinema e sobre a experienciação intelectual do cinema; foi sempre um projeto de exibição visionário, no conteúdo e na forma.

AB OVO: USOS E FORMAS

A história do Batalha faz lembrar a lengalenga da “galinha e o ovo”. Figurativamente, deve dizer-se, pois no cinema do Porto existiu de facto uma história de uma galinha, pela qual passarei mais à frente a propósito de questões de exibição em salas de tipologia teatral.

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Torna-se com efeito difícil perceber o que nasceu primeiro: se o

seu mais icónico edifício ou a ideia de cinema que ele quis representar. Os “antepassados” — usando a expressão do opúsculo da autoria de Henrique Alves Costa — do projeto de exibição “Batalha” recuam ao tempo do animatógrafo. O seu precursor foi o Salão High-Life, um “barracão na ainda pouco povoada” 4 Boavista, já então propriedade de António Neves e Edmond Pascaud. Da Boavista passou para a Cordoaria e de lá, em 1908, para a praça da Batalha com o nome Novo Salão High-Life. Cinco anos depois, muda o nome para Cinema Batalha numa época onde se assiste ao nascimento de várias salas de cinema na cidade: o Cine Foz, o Éden, o Salão Trindade, o Salão Jardim Passos Manuel e também o Olympia.

A cidade e o país teriam de esperar mais trinta anos para ver nas-

cer o atual edifício, o majestoso projeto modernista encomendado ao arquiteto Artur Andrade, rapidamente considerado subversivo pelo poder político, que não o poupou a críticas e conhecidos atos de destruição censória no interior e também no exterior. Para além do “apagamento” do fresco de Júlio Pomar, ficou ainda célebre a ordem do Presidente da Câmara do Porto, Luís de Pina, para se retirar da fachada a foice e o martelo no baixo relevo da autoria de Américo Braga, como também os puxadores da porta principal cujas pegas alardeavam um C e um B, que o mesmo Luís de Pina, segundo o arquiteto, acreditava querer dizer “Comité Bolchevista” (em vez de “Cinema Batalha”).

Cinema Batalha (c. 1940, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 5).

Demolição do Cinema Batalha (1945, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 6).

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O Batalha, tal como o conhecemos, inaugurou finalCinema Batalha – vista geral da fachada (2017, Câmara Municipal do Porto©).

mente no dia 3 de junho de 1947 com um ambicioso programa de cinema francês, onde foram apresentados filmes como “Les Visiteurs du soir”, de Marcel Carné, “La Bataille du rail”, de René Clément, “La Belle et la Bête”, de Jean Cocteau, entre outros. Mas nem tudo correu bem. Em rigor, a inauguração – uma “grade soirée de gala” que pedia “traje de cerimónia” – aconteceu com um ligeiro atraso, tendo estado inicialmente prevista e publicitada para o dia 29 de maio: uma data que foi alterada (explica a imprensa do dia, tanto em artigos como em anúncios pagos), pelo facto de as películas dos filmes franceses não terem chegado a tempo da sessão de abertura. Tornava-se então claro que a visão de Neves Real tentava que o novo Batalha aliasse a magia do cinema a uma visão contemporânea (moderna) e intelectiva da arte. Desta equação fazia parte o canal aberto com a programação do mais ativo cineclube do país, o Cineclube do Porto, de que Neves Real era cofundador.

Cinema Batalha – Empreza Neves & Pascaud – Bilhete para a sessão de inauguração de 29 de maio de 1947 (1947, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 7).

O novo edifício da praça da Batalha, da autoria de Artur Andrade, tinha, a olho nu, poucos erros. Concorda-se que esta será indubitavelmente a sua magnum opus. À elegância, rigor e nobreza do seu desenho e dos seus materiais, juntava-se uma particular funcionalidade de circulação, uso de espaços sociais e relação de comunicação e transparência com o exterior. Era um espaço de conforto que honrava a cidade burguesa e progressista da época, e que seria agora acompanhada por uma inventividade programática que, reconhece o próprio Henrique Alves Costa, faria com que o Batalha deixasse de ser o cinema mais “popular da cidade” 9. A ideia era outra e, com ela, nascia um espaço para a cultura cinéfila.

Cinema Batalha – Empreza Neves & Pascaud Bilhete de 30 de maio de 1947 (1947, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 8).

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NOVOS USOS E ALGUMAS NOVAS FORMAS A atual recuperação do edifício, permitida pela visão, vontade e capacidade do Presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, tem por base a proposta de reinterpretar o desígnio original de “instituição cultural” do Batalha à luz de ideias contemporâneas de prática, consumo e acesso cultural. Para isto, consideraram-se os novos caminhos que o cinema seguiu enquanto disciplina, com toda a implicação intelectual, formal e também tecnológica. Mas também aquilo que se quer de um espaço cultural público e municipal, aberto e participado, vivido e estimulante.

corte longitudinal

entrada bilheteira plateia tribuna balcão tela de projeção cabine de projeção

planta ao nível da plateia

Projeto do Cinema Batalha (1945, Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante© 10, ilustração a partir de 11).

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alçado principal - fachada

alçado lateral

O grande desafio que se colocou foi, portanto, o delicado duplo (ou triplo) exercício de recuperação do edifício e de todos os seus elementos arquitetónicos e decorativos originais, de garantir o igual respeito pelas regras legais vigentes de utilização, e ainda implementar uma ideia atualizada de conforto e trabalho em espaço cultural.

Uma das primeiras decisões tomadas, e que partiu de uma evidência no diálogo com os arquitetos escolhidos para o projeto, Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez (Atelier15), foi o de otimizar espaços e atribuir-lhes uma vocação atualizada para determinadas formas de ver, fazer e pensar o cinema. Desde logo, considerou-se que a Sala Bebé, construída após trinta anos da inauguração do atual edifício do Batalha, teria de ser reconsiderada, até porque nesse mesmo espaço onde fora erguida existia originalmente um conhecido salão de chá que, no desenho do projeto original de arquitetura, era designado de “Salão de Café do Bufete”.

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cafetaria instalações sanitárias

planta da cave

Compreendeu-se que a existência de um espaço social e de lazer seria uma prioridade para o vindouro projeto, tanto do ponto de vista programático como cívico. É interessante, neste ponto, o entendimento de que nada seria mais contemporâneo do que a própria ideia original do espaço em termos de uso e função, recuperando-se assim o antigo espaço de estar e encontro, incontornável para a implementação do novo projeto cultural: uma área que futuramente poderá combinar a função de bar ou cafetaria com a de apresentação de projetos de exibição, performativos e discursivos, e que para estas funções estará tecnologicamente preparado.

Cafetaria do Cinema Batalha (1947, coleção particular Margarida Neves©).

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Sala principal do Cinema Batalha (1947, coleção particular Margarida Neves©).

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Entendendo-se que, do ponto de vista técnico, a experiência de exibição e visionamento na Sala Bebé não era a adequada ao atual projeto, não se ignorou o facto de que a existência de uma segunda sala seria imprescindível em termos curatoriais. Tornou-se, por isso, numa igual evidência que a segunda sala deveria ser construída noutro espaço do Cinema, desde que com isso, naturalmente, não se beliscasse o melhor uso e respeito pelos espaços existentes. A corajosa decisão de utilizar o “Balcão” cimeiro para esse fim tornou-se uma opção prática e lógica. Quem conhecia o antigo Cinema sabe que a visão vertiginosa que daí se tinha para a tela de projeção era penalizante e até desadequada. Aliás, a visibilidade era tão deficiente que, diz-se, quem aí comprava lugar nem sempre estaria com a atenção virada para os filmes em exibição. Nos últimos balcões passavam-se de facto as coisas mais extraordinárias 12; com efeito, os lugares de topo dos grandes teatros e cinemas tornaram-se progressivamente obsoletos, não proporcionando a experiência que seria desejável para a apreciação de filmes, nem para acompanhar o evoluir dos públicos do cinema.

Desenho do interior do novo Cinema Batalha (2017, Câmara Municipal do Porto©).

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Pelo facto de a cabine de projeção da sala principal estar localizada no topo do último balcão, a decisão de aí se construir o novo estúdio teve implicações técnicas e visuais no desenho. A cabine de projeção da sala principal teve de ser “deslocada” do topo para o fundo do Balcão, e aí reconstruída paredes-meias com o espaço do novo estúdio — replicando-se, em betão, o desenho ondulado da cabine original. De forma a preservar o desenho (e de certa forma a função) do Balcão na composição arquitetónica do interior da sala principal, mantiveram-se as suas duas primeiras filas, permitindo uma leitura integrada do projeto original e da sua adaptação ao novo uso. Para além destas medidas, desafiou-se a arquitetura a repensar outros espaços de forma a dar resposta a duas valências suplementares que se quis que a proposta absorvesse: uma galeria de 60m 2 com dois pisos e perfil de “white cube”, onde se procurará explorar a relação entre práticas artísticas e a disciplina do cinema; e uma biblioteca de investigação, estudo e arquivo “media”. Ambas foram planeadas pelo Atelier15 para espaços já existentes cujo uso não tinha particular utilidade programática, técnica ou de fluxo de público. A estas, juntou-se a necessidade de criar espaços de trabalho para os elementos da futura equipa — da programação à gestão e comunicação, sem esquecer a técnica.

Um dos maiores desafios do projeto de reabilitação acabou por ser a obrigatoriedade de se cumprirem todas as regras legais que se impõem à utilização de espaços públicos culturais, indo simultaneamente ao encontro dos desejos programáticos e, claro está, do respeito pela máxima integridade patrimonial de um edifício icónico, classificado, e de interesse arquitetónico indiscutível. Pela complexidade deste exercício, e citando Alexandre Alves Costa, as soluções não poderiam “ser tímidas nem escondidas”, mas antes “pensadas como soluções integradas na coerência formal do existente, quer dizer, em serena e natural continuidade”.

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UM FRESCO PARA UMA “NOVA CULTURA”

Poucos sabem que a história do conhecido fresco, e de outros pormenores decorativos do Batalha, está umbilicalmente ligada à história das galerias de arte no Porto. A venda de obras de arte em espaços de acesso público surge no pós-guerra em Portugal (e em rigor noutras cidades europeias), dentro de livrarias. Foi naquela que terá sido a primeira galeria de arte da cidade, a livraria e galeria Portugália, que Júlio Pomar teve a sua primeira “exposição”: “Pomar 25 Desenhos”.

Folha de sala da exposição “Pomar 25 Desenhos” (1947).

O belíssimo interior da Portugália, localizada na Rua 31 de Janeiro, tinha sido projetado por Artur Andrade, e foi nesse contexto que os caminhos do artista e do arquiteto se iriam cruzar. Este encontro viu a sua sequela pouco tempo depois, quando Andrade desenvolve o novo projeto

Carta de António Ferreira Neves, de 2 de maio de 1947, endereçada ao Diretor Nacional da PIDE, solicitando a libertação de Júlio Pomar (1947, Atelier-Museu Júlio Pomar©).

de arquitetura para o mais aclamado cinema da cidade a convite da Neves e Pascaud e, para a sua “decoração” (como lhe chamavam à época), convida vários artistas, entre eles o jovem Pomar. O resto da narrativa é conhecido: o imponente mural encomendado pelo arquiteto e a empresa, que cobriria a parede mais ampla do edifício com um retrato efusivo de cenas populares sanjoaninas (e da “rua”, em toda a sua beleza e também crueza), foi reprovado pelo então Presidente da Câmara (sem o chegar a visitar, contou Artur Andrade ao Jornal de Notícias numa entrevista feita à época) e pelo regime. Por fim, foi tapado com tinta por ordens da PIDE pouco tempo depois da abertura. Ainda antes de o terminar, Pomar foi preso, estando hoje na posse da Fundação Júlio Pomar curiosas missivas que contam episodicamente o desfecho da ação censória imposta ao cinema: nomeadamente uma carta de 2 de maio de 1947 dirigida por António Ferreira Neves ao Diretor Nacional da PIDE, solicitando que o artista fosse libertado para poder terminar o seu mural decorativo, sob pena de se penalizar a reputação do cinema no tão esperado momento de abertura que se aproximava. O cinema acabaria por inaugurar sem o fresco estar concluído, tendo-o Pomar terminado apressadamente (logo após ter sido libertado), durante as horas em que o cinema não funcionava 13.

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Pintura mural de Júlio Pomar situada na escadaria de acesso aos rés-do-chão e segundo piso (1947, coleção particular Margarida Neves©).

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Entre especulações sobre a sua destruição total no ano de 1947, e alegados danos irreversíveis que estudos técnicos realizados lhe terão causado já no novo milénio, a mais recente avaliação de especialistas em restauro e conservação de património confirmou a existência de múltiplos vestígios do mural por baixo das camadas de tinta que a empresa Neves e Pascaud foi obrigada a aplicar. Levada a cabo no âmbito da atual empreitada, em 2019, a avaliação identificou sete a oito camadas de tinta através de uma análise estratigráfica pelos técnicos de restauro e de fiscalização. Uma vez verificada a existência destes vestígios, foi aplicado um “facing” para cobrir e proteger todas as paredes das vicissitudes de obra — tendo outros tipos de proteção adequados sido garantidos às restantes obras decorativas e cénicas do Cinema (de António Sampaio, Arlindo Gonçalves e Américo Braga), cuja recuperação está em curso também através da atual empreitada. A expressão dos vestígios do mural conhecer-se-á quando todas as camadas de tinta forem removidas e assim se puder averiguar a pertinência de cumprir o desejo que Pomar expressou ainda em vida (nomeadamente ao Presidente da Câmara, à equipa de arquitetura e a colaboradores próximos): que o renascer da obra não permitisse o apagamento da História, e da censura. Em “Infancy and History” [Infância e História], Agamben diz que “toda a cultura é acima de tudo uma experiência de tempo, e nenhuma nova cultura é possível sem uma alteração dessa experiência” 14. O mural de Pomar não será reinterpretado, mas eventualmente restaurado nos seus restantes vestígios. O mural de Pomar no Batalha poderá apenas ser o mural do tempo e da história; será por isso, e principalmente, um mural para uma “nova cultura”.

MAIS QUE FUTURO, MAIS QUE PASSADO Depois de um processo de negociação e tentativa de compra pelo Município à família Neves Real, proprietária do edifício, que culminou no modelo possível de arrendamento do mesmo a 20 anos; depois de percorridos os trâmites de aprovação legal para início de obra, e o início desta depois de efetivados todos os processos concursais; o projeto de programação do Batalha começará, por decisão da Câmara do Porto, a ser trabalhado pelo novo Departamento de Cinema da Empresa Municipal Ágora a partir de janeiro de 2021 — portanto, sensivelmente um ano antes da abertura ao público. Aliás, um trabalho que incidirá tanto sobre o projeto programático como sobre o executivo, técnico e comunicacional.

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Como base para este trabalho, está a ideia de recuperar, contemporaneamente, uma instituição para o cinema e a imagem em movimento, adequada à cidade do Porto dos nossos dias, e aos desafios que os seus diferentes públicos e os contextos (atuais e passados) de criação fílmica nos conseguem colocar.

Para isto, conta-se com a experiência de gestão autárquica e cultural de oito anos de Rui Moreira (e a experiência investigativa, executiva e curatorial da equipa da empresa municipal), cujo projeto cultural tem, de ano para ano, crescido e apreendido novos caminhos — num tempo em que os desafios que se colocam às cidades de média e grande escala, tanto na Europa como fora dela, estão expostos a intensas mutações demográficas, económicas e urbanísticas, às quais a cultura tem de atender. Com uma equipa interna dedicada à dimensão artística e programática do projeto, o objetivo cultural do Batalha, enquanto instituição municipal, é fortemente interpretativo: de práticas fílmicas, públicos e agentes. Compreender e articular a sua dimensão propositiva e de complementaridade fará parte do desafio que se coloca; paralelamente, talvez a grande proposta seja a de criar um projeto singular no contexto nacional e internacional, estimulante e inclusivo, para públicos e artistas. Tem sido este o caminho traçado pela visão de Rui Moreira para os mais diversos projetos culturais do município, e será esta a linha de trabalho a prosseguir, com as devidas adaptações contextuais e disciplinares. Nos documentos enformadores da proposta de projeto, submetidos a diversos órgãos, judiciais e municipais, podem ler-se como objetivos programáticos sucintamente traçados: “o conhecimento sobre a história do cinema; a disseminação de discursos contemporâneos na área do cinema sem canais de difusão no circuito comercial ou nos festivais de cinema existentes; a articulação com artistas, programadores e distribuidores na apresentação de novas cinematografias e novos debates na área do Cinema e da Imagem em Movimento”. É uma descrição resumida, mas justa, do futuro projeto.

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O Batalha pretenderá por isso ser um projeto análogo a um “film centre”, aberto a dimensões discursivas a partir do cinema e das suas linguagens, passadas e presentes, aberto a problematizar e divulgar práticas de cinema: formando, conquistando, estimulando públicos diversos no gosto e no hábito de conhecer cinema. Mais do que um “cinema”, o Batalha pretenderá ser uma organização aberta a múltiplas formas de estar com o cinema e de estar com os outros, a propósito e por causa do cinema.

BIBLIOGRAFIA AGAMBEN, Giorgio – Infancy and History. Londres: Verso Books, 2006.

COSTA, Henrique Alves – Os antepassados de alguns cinemas do Porto. Lisboa: Instituto Português de Cinema – Cinemateca Portuguesa, 1975.

ANDRADE, Sérgio – Viagem às salas-fantasma do Porto, in Público / Local PINTO, Mariana Correia – Câmara do Porto “obriga” dono das Galerias

Porto (24.08.2008).

Lumière a refazer projecto, in Público / Local Porto (11.01.2020). BLANC, Guilherme – Art house cinemas in Porto: Traces of the past, expectations for the future. Londres: City University London, 2010.

PIMENTEL, Irene Flunser - Júlio Pomar - o pintor no tempo. In coleção Cadernos do Atelier-Museu Júlio Pomar. Lisboa: Documenta, 2018.

NOTAS 1

BLANC, Guilherme – Art house cinemas in Porto: Traces of the past, expec-

8 Código de referência: 590721.

tations for the future. Londres: City University London, 2010.

9

2

boa: Instituto Português de Cinema – Cinemateca Portuguesa, 1975.

Em 2020, a empresa detentora das Galerias Lumière planeava instalar um

COSTA, Henrique Alves – Os antepassados de alguns cinemas do Porto. Lis-

hotel no edifício que eliminaria os seus espaços comerciais; o respetivo Pedido de

10 Código de referência: 75064.

Informação Prévia recebeu parecer desfavorável da Câmara Municipal do Porto,

11 Licença de obra N.º 148/1945.

que sublinhou a importância da conservação da “identidade urbana do Porto”. Ver

12 Conta-se (tendo-o confirmado o alegado autor e público presente), a história

PINTO, Mariana Correia – Câmara do Porto “obriga” dono das Galerias Lumière a

do lançamento de uma galinha viva da “geral” do Coliseu para a plateia, em finais

refazer projecto, in Público / Local Porto (11.01.2020).

dos anos 70. O decano projecionista do espaço, o Sr. Carlos (nascido no próprio

3

ANDRADE, Sérgio - Viagem às salas-fantasma do Porto, in Público / Local

Porto (24.08.2008). 4

Coliseu porque o pai lá trabalhava como pintor), explicou em entrevista que apanhou o objeto voador e lhe deu boa serventia (à cabidela) em sua casa. Pelo que

COSTA, Henrique Alves – Os antepassados de alguns cinemas do Porto. Lis-

se sabe, não foi um episódio isolado por essa altura, pois mais galinhas voadoras

boa: Instituto Português de Cinema – Cinemateca Portuguesa, 1975.

foram avistadas noutras salas, nomeadamente no Águia D’Ouro.

5 Cota de referência: D-PST/1621.

13 PIMENTEL, Irene Flunser - Júlio Pomar - o pintor no tempo. In coleção Ca-

6 Licença de obra n.º 148/1945, fl. 8 e 9.

dernos do Atelier-Museu Júlio Pomar. Lisboa: Documenta, 2018.

7 Código de referência: 590721.

14 AGAMBEN, Giorgio – Infancy and History. Londres: Verso Books, 2006.

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13 CASA DO CINEMA MANOEL DE OLIVEIRA PORTO M USEOLO G IA


António Preto Diretor da Casa do Cinema Manoel de Oliveira – Fundação de Serralves a.preto@serralves.pt António Preto é doutorado em Estudos Cinematográficos pela Université Paris-Diderot – Paris 7, com uma tese intitulada “Manoel de Oliveira: Cinéma et littérature” (2011). Entre 2011 e 2018 lecionou nos cursos de cinema e audiovisual da Escola Superior Artística do Porto e da Universidade Lusófona do Porto.


Casa do Cinema Manoel de Oliveira – Fundação de Serralves O CINEASTA Manoel de Oliveira construiu uma obra sem paralelo no panorama da arte portuguesa do último século. Desenvolvida durante quase noventa anos e contando com cinquenta e seis filmes realizados (dos quais, trinta e duas longas metragens), a carreira do realizador foi, internacionalmente, a mais longa da história do cinema, sendo a sua filmografia a mais extensa do cinema português. Tendo atravessado todas as etapas da evolução técnica do cinema – do mudo ao sonoro, do preto e branco à cor e do analógico ao digital –, Manoel de Oliveira acompanhou (quando não antecipou) muitos dos pressupostos e posturas formais que foram polarizando a discussão em torno dos alicerces e horizontes estéticos, através dos quais esse mesmo cinema se foi reinventando.

Heterogénea e, não raramente, contraditória, a obra de Oliveira sumariza os antagonismos em que se fundaram as sucessivas conceções da vanguarda cinematográfica. Nela se confrontam uma primeira modernidade do cinema, em que a “sétima arte”, na cisão que caracteriza todas as proposições iniciáticas, pretende afirmar-se como uma linguagem específica, demarcando-se das restantes disciplinas artísticas para se definir, negativamente, como uma “arte pura”, e uma segunda modernidade, em que deixando de procurar a emancipação na rutura e reconhecendo a especificidade essencial da sua impureza, o cinema se propõe, positivamente, como uma “síntese de todas as artes”. Além de sempre se ter batido pela defesa do cinema como arte, o realizador sempre se empenhou em pensar e fazer um cinema que dialoga em profundidade com outros meios de expressão (desde logo, a literatura, o teatro e a pintura). E se permanentemente se questiona para tudo pôr em causa, o cinema de Oliveira é, também, um cinema que, com toda a sagacidade crítica, foi interrogando a história social e política do seu tempo. Repositório onde convergem e se fundem diferentes conceções cinematográficas, onde possibilidades exploratórias se combinam com formas e quesManoel de Oliveira (2008, Fundação de Serralves©, fotografia de Silvana Torrinha).

tões aparentemente desgastadas (e, muitas outras, nunca resolvidas), esta é uma obra onde toda a história do cinema é convocada

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e relançada a cada filme. Conjugando singularidade autoral com abrangência universal, Manoel de Oliveira criou um cinema tão atento ao passado quanto comprometido com o presente e atraído pelo futuro; uma obra que, sendo um caso único no nosso património cultural, é igualmente um dos capítulos mais originais da história do cinema. A obra de Manoel de Oliveira constitui, por isso, uma fonte de inspiração e um observatório privilegiado para pensar hoje o cinema. Integrar a sua produção cinematográfica no espectro alargado das artes do nosso tempo é responder a um apelo e a uma exigência que, provindo dos seus próprios filmes, confirma, nessa mesma resposta, o compromisso assumido pela Fundação de Serralves de abordar a arte contemporânea numa perspetiva aberta e pluridisciplinar. Além de trazer o cinema para o domínio plural da arte contemporânea, concretizando assim um dos desígnios fundamentais de Manoel de Oliveira – nomeadamente, a já referida intransigente afirmação do cinema como arte –, a Casa do Cinema e as suas linhas de programação respondem, ainda, a uma dupla convicção, partilhada pelo Cineasta e pela Fundação, que conjuga uma visão cosmopolita, um firme posicionamento local e uma abrangência internacional. HISTÓRIA

A grande exposição com que a Fundação de Serralves assinalou o centésimo aniversário de Manoel de Oliveira, em 2008, foi a primeira pedra do projeto que culminou na abertura da Casa do Cinema. Comissariada pelo então Diretor do Museu, João Fernandes e por João Bénard da Costa que, à época, dirigia a Cinemateca Portuguesa — Museu do Cinema, esta primeira mostra do trabalho do cineasta em formato expositivo foi acompanhada por uma retrospetiva integral dos seus filmes nas duas instituições.

Manoel de Oliveira e Álvaro Siza Vieira (2012, Fundação Serralves©).

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Fora dos moldes estabelecidos da sala de projeção, a exposição percorria toda a sua produção cinematográfica procurando destacar a inventividade formal do trabalho do realizador e o modo como participou ativamente em muitos dos momentos-chave da história do cinema. Colocando a tónica sobre alguns dos temas fundamentais da sua obra, bem como sobre a tensão entre documentário e ficção, entre cinema, teatro e literatura, ou sobre o modo como infatigavelmente desafiou os limites e convenções que recortam o campo disciplinar do cinema, esta exposição apresentava diferentes núcleos de documentação, além de uma seleção de excertos dos seus filmes. Tendo sido o primeiro grande momento de divulgação da obra de Manoel de Oliveira fora do circuito das salas de cinema, esta exposição ensaiava também outras possibilidades de olhar para a sua produção fílmica. O realizador, que já antes tivera outras solicitações para “expor” os seus filmes, participou com grande entusiasmo e muita curiosidade em todo o processo. A mostra foi, ainda, complementada pela edição de um catálogo, publicado em três volumes, onde se atualizavam pontos de vista teóricos sobre a obra, colmatando uma grave lacuna editorial no que respeita aos estudos sobre o cinema do autor então disponíveis em Portugal.

A exposição, que foi das mais visitadas da história da Fundação de Serralves – tendo recebido 83.803 visitantes e 7.072 participantes em visitas orientadas do Serviço Educativo –, representou o ponto de partida para a assinatura de um protocolo de depósito entre o cineasta e a Fundação, a 20 de abril de 2009, documento que formalizava a entrada nos arquivos de Serralves de uma parte representativa do extraordinário acervo reunido por Manoel de Oliveira desde finais dos anos 1920 e definia já as linhas gerais da futura criação da Casa do Cinema Manoel de Oliveira.

Casa do Cinema Manoel de Oliveira – Serralves (2019, Fundação de Serralves©)

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Ainda em 2009, a Fundação de Serralves prosseguiu a difusão da obra de Manoel de Oliveira, designadamente com a exposição realizada na Akademie der Künste, em Berlim (no quadro da visita oficial do Presidente da República à Alemanha), e apresentava uma segunda exposição dedicada ao encontro criativo do realizador com José Régio, no Centro de Memória de Vila do Conde. Igualmente significativa do aprofundamento de relações entre Manoel de Oliveira e Serralves é a encomenda e produção de “Painéis de São Vicente de Fora: Visão Poética”, filme que integra a Coleção da Fundação e que teve estreia no Festival de Veneza, em 2010. Esta surpreendente interpelação cinematográfica dos painéis de Nuno Gonçalves, onde o realizador interroga a pintura quatrocentista como pretexto para questionar o país de hoje, fecha — com o seu derradeiro filme, “O Velho do Restelo” (2014) — a sua reflexão histórica sobre Portugal, iniciada nesse outro políptico que é “NON ou a Vã Glória de Mandar” (1990). Além dos seminários, livros e catálogos que acompanharam estas iniciativas, conta-se também a exposição de 2013 no Instituto Tomie Ohtake, por ocasião da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e em 2015, numa parceria com a Câmara Municipal do Porto, a realização da primeira retrospetiva póstuma, “Manoel de Oliveira: Grande Plano”.

O projeto da Casa do Cinema, da autoria do arquiteto Álvaro Siza, seria publicamente apresentado a 15 de novembro de 2013, aquando da assinatura de um segundo protocolo entre o cineasta e a Fundação, onde se estabeleciam os objetivos, a matriz de funcionamento e a estrutura da Casa do Cinema Manoel de Oliveira, bem como a sua inserção na orgânica da instituição e se confirmava a afetação da integralidade do espólio do cineasta a esta nova valência.

A Casa do Cinema Manoel de Oliveira foi inaugurada no dia 24 de junho de 2019 pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa cerimónia que contou com a participação da Ministra da Cultura, Graça Fonseca, da família de Manoel de Oliveira e de muitos daqueles que com ele colaboraram na realização da sua obra.

Vista geral dos dois corpos que constituem o edifício da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra).

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MISSÃO A Casa do Cinema Manoel de Oliveira tem por missão ser um polo de referência e um centro de conhecimento no domínio do cinema e das imagens em movimento. Além de acolher a integralidade do espólio do realizador, a Casa do Cinema tem por objetivo promover o estudo e divulgação da sua obra no âmbito de uma reflexão alargada sobre o cinema contemporâneo e em diálogo com a atuação pluridisciplinar do Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Apresentando uma exposição permanente dedicada ao realizador e uma vasta programação de exposições temporárias, ciclos de cinema e retrospetivas, bem como conferências, edições e programas educativos, a Casa do Cinema procura fomentar o conhecimento, a investigação, a formação, a reflexão e, de uma maneira geral, a aproximação de públicos diversificados e de diferentes faixas etárias às questões relacionadas com o cinema na sua interação com as outras artes, com temas críticos da atualidade e, numa perspetiva mais ampla, com a produção artística contemporânea.

O EDIFÍCIO Com projeto de Álvaro Siza, a Casa do Cinema resulta do reaproveitamento do espaço da antiga garagem do Conde de Vizela, situada no limite nascente do Parque de Serralves, ampliado e adaptado às suas novas funções. Tendo contado com uma participação muito ativa do realizador, que discutiu com o arquiteto diversos pormenores do projeto, o edifício dialoga de uma forma coerente com todo o património natural e edificado de Serralves. A intervenção preserva o carácter e a configuração do edifício

Vista da antiga garagem do Conde de Vizela, Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra).

Vista da entrada do edifício expositivo da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra).

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Vista da entrada do Auditório da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra).

Vista da galeria de acesso exterior às salas do Serviço Educativo da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra).

existente, destacando-se as remanescências da intervenção de Marques da Silva, chamado pelo Conde de Vizela a alterar o edifício original com o intuito de o enobrecer e não destoar do contexto das obras de renovação da casa e dos jardins envolventes. Como se lê na memória descritiva do projeto de Álvaro Siza, “é difícil definir com rigor o alcance exato dessa intervenção, mas os seus traços mais salientes são o lajeado de granito que abrange todo o piso térreo do edifício, uma laje de betão para a cobertura do espaço de garagem e cantarias para emoldurar os vãos exteriores”. Anexo a este edifício foi construído um segundo corpo, cujo volume e alinhamento se assumem na continuidade do anterior, com platibanda de remate à mesma cota e cobertura em duas águas, no prolongamento da anterior. As principais diferenças entre os dois volumes revelam-se no desenho dos alçados e na cobertura do novo edifício, onde a telha dá lugar a um revestimento em chapa de zinco.

A Casa do Cinema dispõe de duas salas de exposições e espaços de trabalho situados nos dois pisos da construção existente, acolhendo o novo edifício um auditório de 59 lugares, o arquivo, espaço de investigação e salas do serviço educativo, às quais se acede através de uma longa galeria aberta com vista panorâmica sobre o Parque.

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O ACERVO Integralmente depositado em Serralves, o vasto arquivo pessoal de Manoel de Oliveira é um importante núcleo documental que proporciona não só um melhor enquadramento e compreensão do seu trabalho, como configura igualmente um suporte de referência para refletir sobre o cinema de outros autores, clássicos e contemporâneos, bem como um instrumento precioso para o estudo e enquadramento da história do cinema e da cultura em Portugal no século XX.

Composto por uma grande diversidade de tipologias documentais, o acervo reúne materiais de trabalho relacionados com a produção dos filmes – nomeadamente, guiões (de que existem, nalguns casos, diferentes versões), bem como referências visuais e literárias que serviram de suporte à escrita dos mesmos, desenhos de cena, adereços, fotografias de “repérage” e de rodagem, notas de intenções e uma infinidade de outros documentos, textuais e iconográficos, acompanhados por todo o tipo de escritos e anotações –, correspondência, cartazes, prémios e distinções, recortes de imprensa, elementos relacionados com diversas facetas da sua vida, designadamente a prática desportiva, o automobilismo, além de toda a biblioteca pessoal do realizador. Igualmente significativa é a vasta produção escrita com que Manoel de Oliveira sempre acompanhou a sua prática cinematográfica, refletindo, a par e passo, sobre os fundamentos formais, estéticos e teóricos que, de diferentes maneiras e em diferentes períodos, foram tendo implicações sobre o seu trabalho, nele determinando mudanças de rumo. Na sua globalidade, todos estes documentos, produzidos pelo realizador ou por ele recolhidos ao longo da vida, testemunham a sua atividade como cineasta e são elementos fundamentais para aprofundar o conhecimento da sua obra, abrindo pistas sobre os seus processos criativos. O tratamento arquivístico e a digitalização do acervo de Manoel de Oliveira, iniciado no momento em que deu entrada em Serralves, é um processo que está a ser implementando segundo um plano de classificação que, de uma forma sistemática, deverá assegurar uma articulação coerente de toda a documentação. Embora uma parte destes documentos seja apresentada em contexto museológico, tanto no quadro da exposição permanente (através de um dispositivo digital e de uma criteriosa seleção de prémios) como no âmbito de exposições temporárias (o que aconteceu, por exemplo, nas duas exposições inaugurais: “Manoel de Oliveira – A Casa” e “Manoel de Oliveira – O Acervo”, esta última integralmente dedicada ao Vista interior do espaço de reservas da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra).

espólio documental do realizador), tornar este acervo acessível à investigação é um dos objetivos subjacentes aos pressupostos do seu depósito.

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Consolidado o tratamento arquivístico, a Casa do Cinema poderá, finalmente, facultar o acesso a este extraordinário espólio documental e fomentar o seu estudo junto da comunidade académica, em Portugal e no estrangeiro, promovendo a investigação universitária da obra de Manoel de Oliveira e providenciando o acolhimento – na sala de investigação existente para esse efeito – de investigadores que desenvolvam dissertações de mestrado, teses de doutoramento e programas de pós-doutoramento. O estudo e difusão da sua obra permitirão lançar novos entendimentos, renovando possibilidades de reflexão, sobre um dos universos autorais mais importantes do cinema português. PROGRAMAÇÃO A par da exposição permanente e de todo um conjunto de iniciativas que permitem um acesso regular à obra de Manoel de Oliveira, a programação da Casa do Cinema visa diferentes possibilidades de aproximação às formas cinematográficas, na órbita de uma reflexão alargada sobre as imagens do nosso tempo e em consonância com a abordagem pluridisciplinar do Museu de Arte Contemporânea. Partindo da amplitude de questões que a obra de Manoel de Oliveira coloca, nomeadamente no que se refere à problematização das categorias e dos parâmetros que circunscrevem o campo do cinematográfico, a Casa do Cinema pretende apresentar o trabalho de realizadores e artistas que atualizam essas preocupações no âmbito do cinema e das imagens em movimento. Sendo a obra de Manoel de Oliveira exemplar na sua modernidade, como o é também no modo como sempre se bateu contra a estreiteza de horizontes disciplinares, ela constitui, efetivamente, uma fonte de inspiração inesgotável.

A Casa do Cinema pretende, por isso, ampliar a matéria instável que é o cinema numa pluralidade de cinemas: filmes, cineastas, artistas, objetos que projetam novas leituras sobre o passado, que interrogam a atualidade e antecipam criticamente as imagens do futuro.

Vista interior do Auditório da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra).

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EXPOSIÇÃO PERMANENTE A exposição permanente divide-se entre duas salas: No piso térreo apresenta-se uma criteriosa seleção de prémios, demonstrativa do modo como a obra de Manoel de Oliveira foi sendo internacionalmente recebida e aclamada pelos principais festivais de cinema: a começar no mais antigo, a Harpa de Prata, do Festival de Curta-metragem de Cork, na Irlanda, pelo filme "O Pintor e a Cidade" (1956), até à prestigiada Palma de Ouro Honorária do Festival de Cinema de Cannes (entregue em 2008, no ano do seu centenário). Nesta mesma sala, encontram-se ainda quatro quadros que pertenciam ao universo da intimidade de Manoel de Oliveira e que reencontramos em alguns dos seus filmes mais pessoais, nomeadamente "Visita ou Memórias e Confissões" (1982). Este núcleo expositivo integra ainda uma seleção de documentação proveniente do acervo de Manoel de Oliveira, integralmente depositado em Serralves. No piso superior apresentam-se duas abordagens distintas do cinema de Manoel de Oliveira. Um “videowall” interativo propõe um percurso através da globalidade da obra do realizador. Organizados numa cronologia que é, por si só, representativa do modo como esta obra evolui ao longo de mais de oito décadas de trabalho, são apresentados diferentes núcleos de documentação relacionados com cada um dos títulos da filmografia de Oliveira. Sequências fílmicas, fotografias, textos, guiões, correspondência, desenhos preparatórios e uma ampla seleção de outros documentos, abrem pistas de leitura e contextualizam algumas das questões-chave, dos processos criativos e das opções temáticas e formais que marcam a singularidade desta obra. O segundo dispositivo coloca o espetador no centro do filme. Controlado pelo visitante, através de um monitor tátil, o políptico constituído por (5) telas de projeção sincronizadas, oferece uma visão analítica da obra de Manoel de Oliveira, nele testando-se possibilidades de representação de materiais cinematográficos em contexto expositivo. A espacialização das imagens promove um confronto entre planos e sequências que, como exercício de análise e recomposição, pretende explorar aproxiCasa Manoel de Oliveira - Exposição Permanente (2019, Fundação de Serralves©).

mações, ressonâncias entre diferentes momentos de um mesmo filme e, desse modo, explicitar algumas das particularidades formais do cinema do realizador.

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Vista do piso 1 da Exposição Permanente Manoel de Oliveira, Casa do Cinema (2020, Fundação de Serralves, fotografia de Fernando Guerra)

Vista do Piso 1 da Exposição Permanente Manoel de Oliveira, Casa do Cinema (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Anabela Trindade).

Sendo permanente, esta exposição é, contudo, uma exposição dinâmica. Além de funcionar como um repositório das atividades desenvolvidas pela Casa do Cinema em torno da obra de Manoel de Oliveira, a exposição será permanentemente renovada e reconfigurada, disponibilizando múltiplas visões do cinema do realizador.

EXPOSIÇÕES TEMPORÁRIAS A Casa do Cinema tem igualmente por objetivo refletir acerca das questões e potencialidades que decorrem da apresentação de imagens cinematográficas no espaço da galeria. As exposições temporárias ampliam, por isso, as possibilidades de pensar o cinema, tirando partido da espacialização das imagens. Ao mesmo tempo que promovem um olhar dialógico e de síntese sobre a especificidade (estética, temática, formal) das obras dos realizadores em foco, estas exposições multiplicam as possibilidades de análise dessas obras e ensaiam, fora do espaço convencional da sala de cinema, outros modelos de aproximação aos objetos cinematográficos. A Casa do Cinema apresentou, até à data, quatro exposições temporárias. A exposição inaugural, intitulada “Manoel de Oliveira – A Casa”, centrou-se nas muitas – e muito diversas – representações do espaço da casa no cinema de Manoel de Oliveira. Em “Visita ou Memórias e Confissões”, filme testamentário que realizou em 1981 com a condição expressa de só ser visto postumamente, o cineasta abre-nos as portas da casa Vista da Exposição Inaugural “Manoel de Oliveira: A Casa”, Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de André Delhaye).

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onde habitou com a família ao longo de quarenta anos. Neste que, por escolha e convicção, seria o seu último filme – e onde coloca, portanto, a tónica numa casa muito particular: a sua –, o cineasta acabaria, também, por sublinhar (e por antecipar) toda a importância que as casas já tinham e, mais ainda, viriam a ter, em muitos dos seus filmes. Se a temática da casa seria, por si só, um ponto de partida legítimo para esta primeira exposição da Casa do Cinema, ela tornou-se um critério de observação especialmente pertinente por permitir uma visão de corte através de toda a filmografia de Oliveira e a figuração de um espaço de síntese para muitas das questões estéticas que a atravessam. Sendo um filme mais profético do que testamentário, na medida em que antecipa muitos dos títulos que, à época, estavam ainda por realizar, “Visita ou Memórias e Confissões” mostra, como nenhum outro filme, que o cinema é uma arte espectral: um dispositivo fantasmagórico que Manoel de Oliveira nos dá a ver — dando-se a ver — para, numa última palavra e numa derradeira imagem, demonstrar que é possível habitar um filme como se habita uma casa. Nessa sua dupla vocação, de olhar simultaneamente para trás e para a frente – para o passado, para o presente e para o futuro –, o filme oferecia também uma súmula programática das linhas que orientam a atuação da Casa do Cinema.

Paralelamente a esta primeira exposição – e, igualmente, no contexto da abertura da Casa do Cinema – foi ainda apresentada a exposição “Manoel de Oliveira – O Acervo”. Constituída por uma seleção de documentos e pensada em articulação com a exposição inaugural, esta mostra propunha um percurso através do arquivo reunido pelo cineasta, centrando-se nalguns dos projetos não realizados. Partindo de uma listagem onde o cineasta enumerou os pedidos de financiamento recusados, Vista da Exposição Inaugural “Manoel de Oliveira: O Acervo”, Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Anabela Trindade).

especificamente no período compreendido entre 1952 e 1963, esta exposição permitia antever a amplitude que, noutro contexto político e com condições de produção mais favoráveis, a obra de Manoel de Oliveira poderia ter alcançado. Mas, se esta obra – a mais extensa de todo o cinema português – conheceu inúmeras revezes e interrupções, sobretudo durante a vigência do Estado Novo, certo é também que muitos dos projetos abandonados acabariam, em parte ou no seu todo, por inspirar ou afluir noutros filmes efetivamente realizados. Além de abrir pistas sobre os processos de trabalho e obsessões de Manoel de Oliveira – olhar que foi complementado pela apresentação de dois documentários: “Manoel de Oliveira” (1981), realizado por Augusto M. Seabra e por José Nascimento para o programa “Ecran” da RTP; e “Conversazione a Porto: Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luís” (2005), de Daniele Segre – esta exposição evidenciava a determinação e persistência com que esta obra foi construída.

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A exposição seguinte, “A Imagem da Palavra”, foi dedicada ao cineasta francês Eugène Green que, pela primeira vez, mostrou o seu trabalho em contexto expositivo. Apresentando uma obra especialmente realizada para Serralves e focando-se no modo como o autor pensa a possibilidade de filmar o invisível e de revelar a manifestação daquilo a que chama “presença real” (dos atores, dos lugares, das palavras e respetiva transposição visual), esta exposição incidia igualmente sobre muitos dos aspetos que colocam o trabalho deste realizador em contacto com as linhas estruturantes do pensamento cinematográfico de Manoel de Oliveira. A reinvenção de estratégias formais dos primórdios do cinematógrafo, a centralidade da palavra, a teatralidade e a entoação declamatória, o questionamento da representação, o confronto entre o verbal e o imagético, o interesse pelo passado histórico e o questionamento crítico da possibilidade de conceber um cinema literário, são apenas alguns dos aspetos demonstrativos do modo como Eugène Green é um dos cineastas que, na atualidade, não só mais diretamente traduz, como inclusivamente reclama, uma influência decisiva de Oliveira na realização do seu trabalho. Seguiu-se, a exposição do cineasta, diretor de fotografia e artista norte-americano Arthur Jafa que deu a ver, pela primeira vez em Portugal, a obra deste importante criador e pensador do lugar das imagens na esfera mediática dos nossos dias. Concebida em parceria com o Museu e apresentada, em simultâneo, nos dois espaços (Museu e Casa do Cinema), esta Vista da Exposição Inaugural “Manoel de Oliveira: O Acervo”, Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Filipe Braga).

exposição foi não só representativa da complementaridade e circulação entre áreas disciplinares que caracterizam a criação contemporânea, como foi também demonstrativa da a determinação da Fundação em estreitar a ação conjunta das diferentes valências que a constituem – potenciando e tirando partido dessa mesma pluralidade disciplinar que faz a riqueza da instituição – e, nessa medida, afirmar Serralves como um todo. Na Casa do Cinema foi, assim, instalada uma das obras mais icónicas de Jafa, “Love is the Message, the Message is Death” (2016), filme onde reúne diferentes materiais fotográficos, fílmicos e videográficos. Recorrendo a uma lógica de montagem e manipulação das imagens, que alia os princípios do cinema

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sinfónico dos anos 1920-30 à iconologia do intervalo, como preconizada por Aby Warburg (exploração de ritmos visuais, contaminações de sentido e aproximações afetivas entre planos), esta obra constitui, no seu vertiginoso fluxo imagético, um enorme fresco representativo da vivência afro-americana ao longo do último século. Por fim, em outubro de 2020, foi inaugurada a exposição "Manoel de Oliveira Fotógrafo", onde se apresentam mais de cem imagens que surpreendem, por um lado, pela descoberta que o arquivo do realizador reservava, e por outro, pelo facto da passagem de Manoel de Oliveira pela fotografia ter representado uma etapa determinante do seu percurso como cineasta. Produzidas entre o final dos anos 1930 e meados dos anos 1950, estas imagens, guardadas durante várias décadas e, na sua maioria inéditas, revelam não só uma faceta ignorada do realizador — a sua atividade como fotógrafo —, como ajudam a compreender melhor algumas das singularidades do seu cinema. Entre a exploração dos valores clássicos da composição e o espírito modernista que animou a primeira fase da sua produção cinematográfica, estas fotografias espelham, de facto, as múltiplas vertentes da pesquisa levada a cabo por Oliveira no domínio das imagens estáticas, experiências que, em muitos casos, dialogam intimamente com a sua produção fílmica. Olhando para elas, não interessará muito saber onde começa o fotógrafo e onde acaba o cineasta, nem definir, com precisão, até que ponto o primeiro poderá ter tomado, por vezes, o lugar do segundo. Importará, sim, interrogar o modo como esta convivência entre dois modos de ver e de pensar se corporiza na obra de Manoel de Oliveira.

PROGRAMA DE CINEMA Pensada em articulação com as exposições temporárias e restantes atividades da Casa do Cinema, a programação de cinema integra, no seu conjunto, três linhas de atuação distintas. Apresentação de sessão de cinema, Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de André Delhaye).

Por um lado, a realização de retrospetivas e de alguns ciclos temá-

ticos complementa, através da exibição dos filmes em sala, os programas expositivos. Esse foi, nomeadamente, o caso do ciclo “Portas Abertas” que, no enquadramento da exposição inaugural, exibiu em sala não apenas os filmes convocados na exposição, como também um vasto programa de outros filmes de Manoel de Oliveira que permitiram aprofundar a problemática das representações do espaço da casa no cinema do realizador. Ou, ainda, a retrospetiva integral da obra de Eugène Green, apresentada aquando da exposição que lhe foi dedicada, além do

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ambicioso ciclo “Arthur Jafa: The Dark Matter of Black Cinema”, concebido para acompanhar a exposição do artista afro-americano. Igualmente importantes são, por outro lado, os ciclos temáticos que, de um modo mais abrangente, se desenvolvem paralelamente ao calendário de exposições.

D isso

foram exemplo o ciclo “Carta Branca a Álvaro

Siza”, para o qual o arquiteto foi convidado a selecionar um conjunto de filmes alusivos às figurações da casa na história do cinema, completando, desse modo, o programa apresentado no ciclo “Portas Abertas”; ou, num enfoque mais imediatamente político, a primeira edição de “Estetoscópio”, com um programa concebido por Nicole Brenez (programadora de cinema de vanguarda da Cinemateca Francesa), através do qual se refletiu, ainda no âmbito da temática da habitação, acerca daquilo que designa como um “cinema da hospitalidade”. Esta rubrica de programação, orientada para uma ótica de cruzamento entre a estética, a política e a sociologia, onde se procura sondar práticas, tendências e modalidades de participação do cinema na discussão crítica da atualidade, incidiu em 2020, nos problemas da ecologia social, da sustentabilidade e do impacto da globalização sobre o ambiente. Nesta mesma linha de programação cabem, ainda, o “Fim de Semana da Animação”, dedicado à grande diversidade de experiências que estão a ser desenvolvidas nessa área e que contou, em 2019, com duas retrospetivas integrais de dois dos mais jovens e premiados criadores contemporâneos no campo da animação, o irlandês David OReilly e a húngara Réka Bucsi; bem como o ciclo “Fast & Furious”, que coloca o foco na curta metragem e na grande heterogeneidade de experiências que justificam a vitalidade deste formato.

Apresentação do Ciclo “Carta Branca a Álvaro Siza”, por Álvaro Siza (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de João Marinho).

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Um segundo eixo da programação corresponde aos “Domingos na Casa do Cinema”. Este programa, apresentado com uma regularidade semanal, estrutura-se de acordo com quatro propósitos distintos. Os primeiros domingos de cada mês são dedicados à história do cinema e propõem um olhar retrospetivo, também Sessão “Domingos na Casa do Cinema”, Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Anabela Trindade).

atento ao universo de filmes que integram o imaginário cinematográfico de Manoel de Oliveira (filmes da sua eleição, que o influenciaram ou com os quais entrou em diálogo). Nos segundos, a programação centra-se em filmes originários de geografias cinematográficas menos conhecidas, tendo por objetivo proporcionar a descoberta de filmografias que, na maioria das vezes, não são acessíveis nos circuitos normais de exibição. Os terceiros domingos do mês incidem sobre a crise da ficção e a emergência de uma nova sensibilidade documental que enforma os “cinemas do real”, sendo, por fim, os quartos domingos da programação regular afetos ao modo como o cinema se foi questionando (e filmando) a si próprio, ou seja, às atitudes autorreferencias ou iconoclastas que desconstroem os pressupostos, possibilidades e limites materiais da imagem cinematográfica.

Apresentação do filme “Palavra e Utopia” (2000), de Manoel de Oliveira, por Luís Miguel Cintra, Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2020, Fundação de Serralves©, fotografia de Anabela Trindade).

Finalmente, o terceiro e último eixo da pro-

gramação de cinema tem por objetivo proporcionar um acesso permanente à obra de Manoel de Oliveira. Versando sobre diferentes ângulos formais ou núcleos temáticos da filmografia do realizador e dirigindo-se ao público internacional que diariamente visita Serralves, os filmes apresentados nesta rúbrica de programação são sempre legendados em inglês.

Nas múltiplas vertentes que a constituem, a programação de cinema procura, por isso, apostar numa oferta diversificada, tanto no que toca às propostas cinematográficas, quanto no que respeita aos diferentes enquadramentos (estéticos, históricos, conceptuais, geográficos, temáticos, autorais, etc.) que contextualizam os filmes programados. A exibição dos filmes é sempre acompanhada pela edição de uma folha de sala, que disponibiliza aos espetadores textos críticos e outras informações relevantes sobre os filmes, e todas as sessões são igualmente precedidas de uma apresentação. Ampliando perspetivas sobre diferentes modalidades e expressões do cinema, a programação de Casa do Cinema tem por objetivo promover o contacto com uma grande pluralidade de filmografias e entendimentos do cinema e, com isso, chegar a todo o tipo de públicos.

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PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E PROGRAMAS EDUCATIVOS

Paralelamente às exposições e ciclos de cinema, a Casa do Cinema Manoel de Oliveira pretende, também, afirmar-se como um centro de produção de conhecimento e de ensino informal, definindo para o efeito um programa de edições, conferências e atividades educativas. Para além da dinamização do acervo no âmbito da exposição permanente, de exposições temporárias ou, através da promoção da investigação, a Casa do Cinema aposta num plano de edições que, de um modo crítico e contextualizado, deverão contribuir para aprofundar o conhecimento da obra de Manoel de Oliveira e do cinema em geral. À semelhança do que acontece no Museu de Arte Contemporânea, todas as exposições temporárias da Casa do Cinema são acompanhadas pela publicação de um catálogo. Estas edições, amplamente ilustradas, reúnem sempre ensaios originais sobre o trabalho dos artistas apresentados nas exposições e na programação de cinema, constituindo um importante suporte teórico e informativo que complementa a apresentação das obras. Desde a sua abertura, a Casa do Cinema publicou já três catálogos, “Manoel de Oliveira – A Casa” (2019), “Eugène Green – A Imagem da Palavra” (2019) e "Manoel de Oliveira Fotógrafo" (2020), tendo ainda colaborado com o Museu na edição da publicação que acompanha a exposição de Arthur Jafa, “Uma Série de Prestações Improváveis, Porém Extraordinárias” (2020). De acrescentar que a Casa do Cinema está, neste momento, a trabalhar na edição de um volume que disponibilizará uma importante recolha de textos teóricos, muitos deles inéditos, produzidos por Manuel de Oliveira acerca do seu trabalho, “Manoel de Oliveira: Ditos e Escritos”, cuja publicação se prevê que aconteça no segundo trimestre deste ano. Esta edição será o primeiro volume de uma coleção centrada no espólio do realizador, tendo por objetivo trazer a público uma criteriosa seleção de documentos e estudos que permitam aprofundar o conhecimento da sua obra.

Capa catálogo "Manoel de Oliveira Fotógrafo", Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2020, Fundação de Serralves, fotografia de Filipe Braga).

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No que respeita ao programa de conferências e “workshops”, o foco desdobra-se entre uma vertente de incidência predominantemente teórica, dirigida a um público geral, mas igualmente a um público universitário ou especializado, e uma modalidade mais prática, centrada em questões relacionadas com o fazer do cinema e orientada para um público escolar.

Integrados no Serviço Educativo da Fundação e pensados em arti-

culação com as atividades desenvolvidas no Museu de Arte Contemporânea e no Parque, os programas educativos da Casa do Cinema Manoel de Oliveira visam ampliar a oferta pedagógica da Fundação na área das imagens em movimento. Recorrendo a instrumentos interativos e a novas tecnologias, o Serviço Educativo da Casa do Cinema implementará um vasto leque de atividades, dirigidas a diferentes faixas etárias e níveis de escolaridade, que visam o desenvolvimento de aprendizagens na área do cinema e, sobretudo, da literacia visual, tão importante numa era de sobreabundância de imagens.

Pensadas em diálogo com as exposições e com a restante programação, estas iniciativas confirmam a reflexão e a educação como linhas estratégicas da Casa do Cinema, convergindo assim com a aposta que, neste campo, tem orientado toda a atuação da Fundação de Serralves.

Visita orientada à Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Anabela Trindade).

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Visita virtual (2020, DETALHAR©).

Visita virtual (2020, DETALHAR©).

Em finais de 1906, nos terrenos da antiga Praça da Boavista, era erguido um barracão de madeira e zinco com o nome Salão HighLife. Durante dois meses, das duas da tarde até às onze da noite, foram apresentadas sessões ininterruptas de filmes nesta modesta construção de nome tão chamativo. Este barracão estaria na origem do que é hoje o Cinema Batalha. O empreendimento partiu do português Manuel da Silva Neves e do francês Edmond Pascaud, um exibidor ambulante recentemente chegado a Portugal transportando consigo um projetor e uma série de “quadros”, todos eles provenientes da maior produtora e distribuidora cinematográfica da época, a casa parisiense Pathé Frères. Ainda em 1906, o Salão High-Life iria transferir-se para o Largo da Cordoaria, local onde permaneceu por mais dois anos até se deslocar definitivamente para um pequeno terreno situado na Praça da Batalha, onde seria inaugurado o Novo Salão High-Life, que pouco tempo depois alteraria a sua designação para Cinema Batalha. O edifício atual data de 1944 e foi projetado por Artur Andrade, sendo a sua icónica fachada envidraçada marcada pelo baixo-relevo do escultor Américo Braga. Constituído por quatro pisos, tinha à data da sua inauguração capacidade para 950 lugares. Os primeiros anos do Cinema Batalha seriam marcados pelos ciclos de cinema do então recém-criado Cineclube do Porto (1945), que chegaram a ter múltiplas sessões no mesmo dia, estendendo-se ao vizinho Cinema Águia D’Ouro. A popularidade do Cineclube do Porto era tal na década de 1950 que o seu número de sócios chegou a ser superior ao do Futebol Clube do Porto (cerca de 2.500). Já na década de 1970, com a gradual perda de público, o Cinema Batalha entrava em declínio, acabando por encerrar em 2000. Ainda que a sua importância histórica tenha vindo a ser formalmente reconhecida em 2012 com a classificação do edifício como Imóvel de Interesse Público, seria necessário esperar até 2017 para ver o Cinema Batalha voltar a ganhar vida. Arrendado pelo Município do Porto pelo período de 20 anos, este iniciou em 2019 uma profunda obra de reabilitação do edifício, dirigida por Alexandre Alves Costa e Atelier 15 Arquitectura, com o objetivo de desenvolver um projeto cinematográfico baseado nos valores da memória, do conhecimento e da inovação.

“O Jardim Passos Manuel é um dos mais concorridos do Porto pela beleza das suas magníficas fitas cinematográficas de assuntos variadíssimos. (...) Vendem-se mais bilhetes para cada sessão do que os lugares que a casa comporta e, consequentemente, o público numeroso comprime-se sufocantemente, esmaga-se”.

O Coliseu Porto Ageas acolhe ainda a sala de Cinema Passos Manuel, nome que evoca o antigo recinto de diversões. O Cinema Passos Manuel foi inaugurado em novembro de 1971, com o objetivo de apresentar filmes alternativos aos grandes circuitos comerciais. Com lotação para cerca de 200 pessoas, mantém atualmente uma programação independente do Coliseu Porto Ageas. Um dos eventos de destaque que acolhe é o “Porto/ Post/Doc: Film & Media Festival”, o festival de cinema documental que na última semana de novembro vai enchendo vários equipamentos culturais da Baixa do Porto, incluindo o Teatro Municipal do Porto (Rivoli), o Cinema Trindade e o Maus Hábitos - Espaço de Intervenção Cultural.

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jornal “O Comércio do Porto”, 14 de junho de 1910 Eram estas as palavras escolhidas pelo jornal “O Comércio do Porto” para descrever o Jardim Passos Manuel, que em princípios do século XX ocupava o terreno onde hoje se ergue o Coliseu Porto Ageas. Inaugurado a 17 de março de 1908, o grande complexo de diversões servia de ponto de encontro da sociedade portuense da época. A iniciativa partiu do empresário Luiz Alberto de Faria Guimarães, que por esta altura tinha também ligações com a gerência do então Teatro Príncipe Real, hoje Teatro Sá da Bandeira. O Jardim Passos Manuel foi um amplo recinto concebido para acolher várias estruturas dedicadas à cultura e ao entretenimento, um lugar com características muito particulares na cidade do Porto, possuindo um cinematógrafo, um “Salão de Inverno, “Salão de Festas”, restaurante com esplanada, palco coreto, uma escola de tiro, um palco de teatro no exterior, quiosques e uma central elétrica destinada a fornecer energia ao recinto. Durante os primeiros anos de funcionamento, o Jardim Passos Manuel era um local muito frequentado pelas várias camadas da sociedade portuense. Porém, a partir dos anos 30, a atividade começou a diminuir gradualmente, resultando na eventual desativação deste histórico local. Um dos possíveis motivos foi a incapacidade do negócio em se modernizar, não conseguindo evoluir para lá do seu conceito original. Como consequência, o Jardim Passos Manuel seria demolido em 1938 e em seu lugar nascia o Coliseu do Porto, inaugurado a 19 de dezembro de 1941, que contou com a intervenção de vários arquitetos, entre os quais o Cassiano Branco. Desde então um dos espaços mais icónicos do Porto, o agora designado Coliseu Porto Ageas é, tal como o seu antecessor, uma das casas de espetáculo mais versáteis da cidade, acolhendo inúmeros eventos que vão da ópera ao bailado e dos grandes concertos ao circo.

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Teatro Municipal do Porto (Rivoli)

Cinema Trindade

Teatro Sá da Bandeira

Visita virtual (2020, DETALHAR©).

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O terreno onde hoje se ergue o Teatro Municipal do Porto (Rivoli) foi, nos inícios do século XX, ocupado pelo Teatro Nacional, inaugurado em 1913. Nos seus primeiros anos, quando grande parte das casas de espetáculos do Porto aderiam já à moda do cinema, o Teatro Nacional optava ainda por uma programação de teatro, ópera e bailado. Porém, em 1926, instalaria um ecrã para projeção de cinema, que não perduraria, sendo pouco depois comprado pelo empresário Manuel Pires Fernandes, que de seguida ordenava a sua demolição para dar lugar a um novo edifício. Com projeto de Júlio de Brito, as obras do novo Teatro Rivoli terminariam em 1932. Ainda que inaugurado pela companhia de teatro Rey Colaço-Robles Monteiro com a peça “Peraltas e Sécias”, do dramaturgo Marcelino Mesquita, o cinema iria rapidamente ganhar lugar de destaque. Depois das sessões do verão de 1932, os espetáculos seriam suspensos para montar um sistema de exibição de filmes sonoros e, a partir de 1933, o cinema já compunha a maior parte da programação do Teatro Rivoli, com enorme sucesso. Nas décadas de 1940 e 1950, Maria Fernandes Borges, filha de Manuel Pires Fernandes, assumiria os destinos da casa. Graças à sua determinação, o Teatro Rivoli atravessaria o seu período áureo. Filmes como “Isabel de Inglaterra” (1939), protagonizado por Bette Davis e Errol Flynn, ou “Relíquia Macabra” (1941), de John Huston, com Humphrey Bogart no papel principal, enchiam a sala do Rivoli múltiplas vezes. Posteriormente, na década de 1960, a distribuidora Castello Lopes assume a exploração do espaço que, já na década de 1970, entra em declínio. Nos finais de 1980 a Câmara Municipal do Porto compra o imóvel e em 1991 inicia um projeto de reabilitação do edifício, com traço de Pedro Ramalho. Reaberto em 1997, o Teatro Rivoli teve um dos seus pontos mais altos em 2001, acolhendo grande parte da programação do evento “Porto, Capital Europeia da Cultura”. Depois de, entre 2007 e 2011, ter sido gerido pela Politeama Produções, do encenador de “revista à portuguesa” Filipe La Féria, voltou desde então à gestão da Câmara Municipal do Porto, com uma forte aposta na programação internacional de teatro e dança. Quanto à sétima arte, acolhe atualmente dois dos maiores festivais de cinema do país: o “Fantasporto - Festival Internacional de Cinema do Porto” e o “Porto/Post/Doc”.

Após o sucesso do primeiro Salão High-Life em 1906 e da sua transferência para a Praça da Batalha, dando origem ao Cinema Batalha, em 1912 o empresário Manuel da Silva Neves e o seu sócio francês Edmond Pascaud decidem criar um segundo “Cinematógrafo” no centro do Porto, que funcionaria igualmente como “Jardim de Recreios”. A 14 de junho de 1913 era inaugurado o novo salão de espetáculos da firma Edmond & Pascaud, o CinematógrafoJardim Trindade ou Salão-Jardim da Trindade, que na década de 1930 suspendia as suas sessões para a instalação de aparelhos de reprodução sonora. Nos anos de 1950 o Salão-Jardim Trindade, já então conhecido apenas como Cinema Trindade, ia novamente passar por um processo de profunda remodelação, que o caracterizaria até à atualidade. Com projeto de Agostinho Ricca, algumas das alterações mais relevantes passaram pela eliminação das estruturas anexas do jardim, a reformulação de fachadas e a consequente criação de um novo espaço de receção e circulação, bem como o alargamento da sala para acomodar orquestras e receber sessões de Cinemascópio. Com a perda de público a partir da década de 1970, o Cinema Trindade iria uma vez mais reorganizar o seu espaço. Sem afetar a estrutura exterior, o interior seria completamente reformulado, dividindo-se a grande sala de cinema em três pisos: o primeiro seria subdividido em duas salas de menores dimensões e o segundo e terceiro pisos seriam ocupados por uma sala de bingo, explorada pelo Sport Comércio e Salgueiros. Estas alterações não seriam contudo suficientes para evitar o encerramento das duas salas de cinema em 2000. Após anos de inatividade, em 2016 era anunciada a sua reabertura pela distribuidora Nitrato Filmes, após arrendamento do espaço à empresa proprietária - Empresa do Cinema Trindade, Lda. Este anúncio surgiu depois do festival “Desobedoc” ter aberto as portas deste cinema durante alguns dias, em 2014 e 2015, numa iniciativa anual que pretende reabrir antigas salas de cinema inativas. Reaberto definitivamente desde 2017, o Cinema Trindade mantém atualmente uma programação apoiada na exibição de cinema independente, não descurando os filmes dos grandes estúdios. As suas duas salas apresentam uma arquitetura idêntica aos anos de 1980, ambas com capacidade para cerca de 150 pessoas.

Inaugurado em 1874 e, entretanto, muito alterado, o Teatro Sá da Bandeira é a casa de espetáculos do Porto mais antiga ainda em funcionamento. No entanto, as suas origens remontam a 1846, quando foi erguido no mesmo local o Theatro Circo, um barracão de madeira mandado construir pelo espanhol José Toudon Ferrer Catalon, empresário e proprietário de uma companhia equestre. A antiga estrutura tinha sido desenhada com o propósito de mostrar vários números de espetáculo com cavalos, mas em 1874, com a abertura da Rua Sá da Bandeira, o primitivo teatro-circo vai dar lugar a uma nova casa de espetáculos, denominada Teatro-Circo Príncipe Real, que em 1910, e após a implantação da República, se torna o Teatro Sá da Bandeira, toponímia partilhada com a rua onde se ergue a fachada principal do edifício. Não obstante as artes cénicas terem ocupado um lugar de destaque no cartaz do Teatro Sá da Bandeira ao longo de mais de um século, esta casa guarda um significado especial na história da cinematografia portuguesa. Um facto que se deve essencialmente a dois episódios que ocorreram no ano de 1896 no então Teatro-Circo Príncipe Real. O primeiro aconteceu a 17 de julho de 1896 quando Edwin Rousby, o chamado eletricista húngaro, realiza aqui a primeira sessão de cinematógrafo no Porto. Entre os espectadores estava Aurélio da Paz dos Reis, fotógrafo e comerciante do Porto, que decide então partir para Paris com o intuito de obter um aparelho semelhante. De volta a Portugal, Aurélio da Paz dos Reis toma um conjunto de vistas por Lisboa, por Braga e pelo Porto. Estes filmes seriam exibidos a 12 de novembro de 1896 no Teatro-Circo Príncipe Real, durante a apresentação do denominado “Kinetographo Portuguez” de Aurélio da Paz dos Reis. Esta seria a primeira sessão de cinema português. Estes dois acontecimentos são algumas das razões que tornam o Teatro Sá da Bandeira um dos locais de maior significado cultural e histórico na cidade do Porto. Essa importância ganhou ainda maior reconhecimento em 2020, quando o edifício recebeu a classificação de Imóvel de Interesse Público. Nesta classificação foi realçado o seu grande valor estético, assim como o seu forte papel cultural na cidade. Atualmente, os conteúdos programáticos de maior relevo na agenda cultural do Teatro Sá da Bandeira passam pelo teatro, concertos musicais e espetáculos de comédia.

GPS 41.147757, -8.609533

GPS 41.150500, -8.611982

GPS 41.146805, -8.608901

CINE M A : E SPAÇOS, E STUDOS, INSTITUIÇÕE S E PATR IM ÓNIO

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COL ECÇ ÃO

Património a Nor te Edição da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), PATRIMÓNIO A NORTE é uma coleção monográfica, numerada, sem periodicidade fixa, disponível em versão impressa e digital, acessível gratuitamente online (www.culturanorte.gov.pt). Destinada a técnicos e público generalista, aborda variados temas dentro do amplo universo de atuação da DRCN, da reabilitação patrimonial à conservação e restauro, da investigação histórica, arqueológica e etnológica à salvaguarda, das artes à museologia.


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Nº 01

Nº 02

“10 anos de reflexão sobre Casasmuseu em Portugal” reúne 7 textos de sete autores, que tentam sintetizar 9 encontros de reflexão e debate sob o tema Casas-museu, realizados em Portugal desde 2010 sob a égide do ICOM - International Council of Museums – Portugal e o DEMHIST International committee for historic house museums. Decorridos em 9 espaços de referência do atual panorama museológico português, estes encontros constituíram uma oportunidade privilegiada de reunir profissionais das mais variadas especialidades dentro do universo museológico, não só português, mas igualmente internacional. Indo para além do clássico formato de atas, tenta no seu conjunto trazer reflexões atuais sobre o tema, diversificando abordagens, experiências e perspetivas.

“A Pintura Mural no Museu de Alberto Sampaio” apresenta com rigor cientifico e de forma acessível a coleção de 10 pinturas murais de século XVI hoje integradas no Museu de Alberto Sampaio, em Guimarães. Sendo possível ao público apreciar 8 destas pinturas murais na “Sala dos Frescos” do Museu de Alberto Sampaio, este estudo inclui ainda pinturas menos conhecidas, conservadas nas reservas do museu. Inicialmente pintadas em paredes de igrejas e casas religiosas, o destacamento destas pinturas murais dos seus locais originais e posterior integração no Museu de Alberto Sampaio, enquanto peças museológicas, é o mote para uma abordagem ampla aos seus contextos de proveniência e à sua integração no panorama geral da pintura mural no Norte de Portugal, abordando técnicas, estilos, oficinas, encomendadores e as lógicas religiosas e de poder por trás da sua produção e do seu significado.

Nº 03

Nº 04

“Centros Interpretativos: técnicas, espaços, conceitos e discursos” reúne textos de apresentação de alguns dos mais significativos centros interpretativos do Norte de Portugal. Espaços estruturados de apoio à interpretação, medeiam objetos tão diversificados como monumentos, territórios, vivências, tradições, fenómenos socioculturais, acontecimentos históricos ou personalidades. Aqui explicados na “primeira pessoa” pelos decisores e equipas técnicas responsáveis pela sua conceptualização, desenho e materialização, disponibiliza numa só publicação uma síntese de saberes e experiências, tão pertinente quanto necessária, num período em que este tipo de espaço de interpretação se impôs já como modelo privilegiado nas mais diversas temáticas na área da Cultura, Património, Artes e Turismo-cultural.

“Pintura Mural: intervenções de conservação e restauro” reúne um excecional conjunto de intervenções de conservação e restauro sobre pintura mural realizadas no Norte de Portugal e Espanha. Inseridas em igrejas, capelas e ermitérios de ambos os lados da fronteira, os aspetos simbólicos, técnicos e formais destas pinturas murais expõem um fenómeno transversal aos dois “reinos” ibéricos, com especial expressão junto à “raia”, revelando um mundo de partilha onde artífices itinerantes levam consigo práticas e gostos, ignorando fronteiras. Aqui descritas na “primeira pessoa” pelos técnicos de conservação e restauro responsáveis, partilham-se problemáticas, conceitos, materiais e técnicas em ambas as línguas ibéricas.

CI N E M A : E SPAÇO S , ES T UD O S , I N S T I T UI ÇÕ ES E PATR IM ÓNIO


Nº 05

“Mediação Cultural: objetos, modelos e públicos” reúne textos de alguns dos mais significativos equipamentos culturais da região Norte de Portugal, que aqui são desafiados a apresentar, “na primeira pessoa”, a sua atuação na área da mediação cultural. Espaços, meios, estratégias, equipas e públicos são abordados numa lógica de partilha de experiência e conhecimento, versando áreas de aplicação tão diversas quanto História, Arte Antiga, Contemporânea ou Rupestre -, Território, Arquitetura, teatro ou Ciência. Procurando partilhar tanto quanto provocar o debate, o diálogo é desde logo aberto com um acutilante texto de reflexão por Guilherme d’Oliveira Martins: “Todas as pessoas têm o direito de se implicar e de participar na valorização do património cultural, segundo as suas escolhas, como modo de assegurar o direito a tomar parte livremente na vida cultural. Daí a importância da mediação cultural, ou seja, de promover e aprofundar a participação dos cidadãos na gestão e preservação do património”.

Nº 06

“Tongobriga: coletânea de estudos comemorativos de 40 anos de investigação” reúne um conjunto de treze contributos de dezasseis autores que, agrupados em três grandes áreas de atuação (“Investigação Científica”, “Formação Profissional” e “Mediação Cultural”), celebram as principais vertentes de atuação do serviço que a Direção Regional de Cultura do Norte tem instalado na Área Arqueológica do Freixo (Marco de Canaveses), classificada como Monumento Nacional desde 1986. Quatro décadas decorridas sobre o início, em agosto de 1980, da investigação que, desde logo, proporcionou e justificou o desenvolvimento das outras duas áreas preferenciais de ação, os contributos aqui reunidos estão naturalmente focados nos anos mais recentes e assumem diferentes formas e distintos conteúdos: da síntese histórica à perspetiva futura, da experiência vivida à projeção de um horizonte distante, do discurso expositivo à expressividade da imagem, do relato sobre aquilo que foi feito à expressão do desejo de concretizar o muito que ainda está por fazer.

Nº 07

“Convento de Vilar de Frades: perspetivas de intervenção 19942008” convida o leitor a revisitar o processo de reabilitação de um dos mais icónicos Monumentos Nacionais da região Norte de Portugal. Numa lógica de partilha de experiências, alguns dos seus principais intervenientes são desafiados a expor conceitos, opções e resultados em áreas como História, História da Arte, Arqueologia, Arquitetura e Conservação e Restauro, abordando o percurso feito através das fases de estudo prévio, projeto e restauro de edifícios, azulejaria, pintura e mobiliário. O lugar de referência ocupado por este icónico convento é ainda o pretexto perfeito para uma incisiva reflexão de Paulo Pereira sobre a atualidade do “Património Monástico” enquanto herança cultural – as escolhas do passado e as opções do futuro.

CINE M A : E SPAÇOS, E STUDOS, INSTITUIÇÕE S E PATR IM ÓNIO

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PA RC E R I A

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DISPONÍVEL ONLINE www.culturanorte.gov.pt


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