Inclui documentário on-line “Convento de Santa Clara do Porto: Conservação e Restauro”
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“Convento de Santa Clara do Porto: Conservação e Restauro” conduz o leitor ao longo do complexo processo de reabilitação da icónica Igreja de Santa Clara. Originalmente integrada no convento feminino de Santa Clara, fundado em 1416 e extinto em 1834, Monumento Nacional desde 1910, exemplar maior do barroco português e há muito uma referência no imaginário da cidade do Porto, esta antiga igreja conventual da Ordem Franciscana foi sujeita a uma das maiores intervenções de conservação e restauro realizadas em Portugal. Decorrida entre 2016 e 2021 e envolvendo uma extensa e multidisciplinar equipa de especialistas, os desafios e soluções encontradas são pormenorizadamente descritos num texto acessível e profusamente ilustrado com centenas de fotografias, desenhos, vídeos e modelações 3D.
F ICH A T ÉCN I C A Coleção Património a Norte N.º 11 Título “CONVENTO DE SANTA CLARA DO PORTO: CONSERVAÇÃO E RESTAURO” Autores Hugo Barreira ; Ana Bidarra ; Ana Brito ; Ana Lopes ; Ana Sílvia Rocha ; Catarina Santos ; Cristina Cunha ; Manuel Lemos ; Margarida Pimenta ; Matthias Tissot ; Pedro Antunes ; Rita Veiga ; Tânia Teixeira Lopes Edição Local de edição Data de edição ISBN Depósito Legal Direção Coordenação editorial Suporte técnico Revisão
Direção Regional de Cultura do Norte – Ministério da Cultura Porto 2021 978-989-54871-7-2 493361/21 Laura Castro Luís Sebastian Pedro Cabral Patrícia Sampaio ; Alexandre Martins
Fotografia Alberto Marçal Brandão ; Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt ; Helena Cardoso – Direção Regional de Cultura do Norte - DSBC ; Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda. ; João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda. ; Jorge Fonseca - Arqueologia e Património, Lda ; José Marques de Abreu Júnior ; Luís Ferreira Alves ; Rita Veiga – Porto Restauro, Lda. ; Vítor Gonçalves – Direção Regional de Cultura do Norte - DSBC Ilustração Arqueologia e Património, Lda. ; Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt ; Hugo Barreira ; Jorge da Costa – Direção Regional de Cultura do Norte - DSBC ; Luís Sebastian – Direção Regional de Cultura do Norte ; Sergiy Scheblykin Arquivos Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante ; Biblioteca Pública Municipal do Porto ; Centro Português de Fotografia ; Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema ; Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte ; SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico Design gráfico RMD, Unip, Lda. Parceria PARÓQUIA DA SÉ CATEDRAL – PORTO | SANTA CLARA IRMANDADE DOS CLÉRIGOS FUNDAÇÃO MILLENNIUM BCP ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO PORTO CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO | CITCEM Apoio CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA DIREÇÃO-GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA – COMANDO METROPOLITANO DO PORTO Disponível online em www.culturanorte.gov.pt PA RC E R I A
APOIO
Os conteúdos dos textos e eventuais direitos das imagens utilizadas são da exclusiva responsabilidade do(s) respetivo(s) autor(es), quando aplicável.
ÍNDICE PATRIMÓNIO A NORTE
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EDITORIAL
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O CAMINHO FAZ-SE CAMINHANDO: CONTEXTUALIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO
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UM LEGADO PARA NOVOS SÉCULOS: INTERVENÇÕES ANTERIORES
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A INFRAESTRUTURA: ARQUITETURA, CONSTRUÇÃO CIVIL E AÇÕES PRÉVIAS
73
A CAVERNA DE OURO: CAPELA-MOR E ARCO DO CRUZEIRO
107
A GRANDE ILUSÃO: NAVE DA IGREJA
167
DO PRESENTE AO PASSADO: PINTURA DE CAVALETE, METAIS E MATERIAIS PÉTREOS
247
LONGE DA VISTA: IMAGINÁRIA E OUTRAS INTERVENÇÕES
313
GLOSSÁRIO
349
BIBLIOGRAFIA
357
ROTEIRO
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Hugo Barreira
Faculdade de Letras da Universidade do Porto - CITCEM hbarreira@letras.up.pt Hugo Barreira, Doutor em História da Arte Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Professor Auxiliar do Departamento de Ciências e Técnicas do Património da FLUP e Investigador Integrado do CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória». Desenvolve investigação sobre o cinema e a imagem em movimento e sobre a sua utilização como recurso para os estudos em História da Arte e do Património, bem como sobre a cultura visual, a relação som-imagem e a História da Arte e a Arquitetura da Época Contemporânea, sendo autor de diversas publicações nestas áreas.
Ana Bidarra
Conservadora-Restauradora, Vermelho Cinábrio, Lda. cinabriocr@gmail.com Ana Bidarra é licenciada em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (IPT), com especialização em conservação e restauro de escultura e pintura. Fez o Mestrado e o Doutoramento em Geociências pela Universidade de Aveiro (UA), com tema de investigação sobre pigmentos brancos estruturados para conservação e restauro de pintura de cavalete (Mestrado) e sobre o estudo tecnológico e composicional da folha de ouro de retábulos barrocos portugueses (Doutoramento). Autora de diversos artigos sobre conservação e restauro e sobre o estudo tecnológico de obras de arte. Coordenadora do grupo do ICOM-CC, Sculpture, Polychromy and Architectural Decoration (SPAD), para o triénio 2020-2023. Conservadora-Restauradora desde 1999. Cofundadora, em 2013, da empresa Vermelho Cinábrio, Lda. Desde 2017 é Professora Adjunta Convidada no Instituto Politécnico de Tomar, onde leciona Conservação e Restauro de Escultura.
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Ana Brito
Conservadora-Restauradora, Porto Restauro - Conservação e Restauro de Objetos de Arte, Lda. a_brito@portorestauro.com Ana Brito nasceu no Porto no ano de 1965. Sócia Gerente da Empresa Porto Restauro, Lda. que fundou em 1998. Doutoranda do curso de Conservação de Bens Culturais – Especialização em Pintura, da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, entre 2010 e 2018. Investigação CITAR, FCT. Mestre em Técnicas e Conservação de Pintura, pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, com apresentação da dissertação intitulada “Abel Salazar, estudo técnico e material” (2006-2009). Bacharel em Conservação e Restauro pela Escola Superior de Conservação e Restauro, em Lisboa (1989-1993). Bacharel em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto (1986-1989). Participação em projetos de investigação sobre técnicas pictóricas e polícromas, maioritariamente relacionados com intervenções de conservação e restauro em obras de arte, que resultaram em publicação de artigos e comunicações em congressos nacionais e no estrangeiro. Coordenação e participação, desde 1994, em trabalhos de conservação e restauro em obras de arte provenientes de imóveis classificados, museus e igrejas, assim como de peças que integram exposições temporárias ou que constituem coleções, quer de instituições, quer de particulares.
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Ana Rocha
Ana Silva
Ana Sílvia Rocha é licenciada em Conservação e Restauro de Pintura de Cavalete e pós-graduada em Conservação Preventiva pela Universidade Católica Portuguesa do Porto. Estagiou no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia em Madrid e exerce, desde 2011, na empresa Porto Restauro - Conservação e Restauro de Objetos de Arte, Lda., a atividade de Conservadora-Restauradora.
Ana Lopes Neto da Silva é formada em Conservação e Restauro pela Escola das Artes, da Universidade Católica Portuguesa. Concluiu em 2011 o Mestrado em Conservação de Bens Culturais – Especialização em Técnicas e Conservação de Pintura. No mesmo ano iniciou o seu percurso profissional, tendo, até aos dias de hoje, trabalhado em várias valências da área da conservação e restauro: pintura sobre madeira, tela e metais, madeiras, materiais inorgânicos – pintura mural, azulejo e peças cerâmicas.
Conservadora-Restauradora, Porto Restauro - Conservação e Restauro de Objetos de Arte, Lda. s_rocha@portorestauro.com
Conservadora-Restauradora, REVIVIS - Reabilitação, Restauro e Construção, Lda. ana.lopes@revivis.eu
Catarina Santos
Conservadora-Restauradora, REVIVIS - Reabilitação, Restauro e Construção, Lda catarina.santos@revivis.eu Catarina Lourenço dos Santos é Conservadora-Restauradora na REVIVIS – Reabilitação, Restauro e Construção, Lda., onde coordena e participa em diversas intervenções de conservação e restauro, elabora estudos, pareceres, propostas de intervenção e orçamentos, prestando também apoio técnico e logístico à preparação e realização de empreitadas. É licenciada pelo Instituto Politécnico de Tomar, desde 2004, e trabalhou com várias empresas de Conservação e Restauro amplamente reconhecidas, tendo colaborado com o Arquivo Histórico Municipal do Porto, Arquivo Distrital do Porto e Centro de Conservação e Restauro da Universidade Católica do Porto, entre outros. Em 2021 terminou o Mestrado em Património, Artes e Turismo Cultural na Escola Superior de Educação do Porto. Muito interessada em todos os assuntos que se relacionem com o património cultural, trabalha diariamente para o preservar.
Cristina Cunha
Conservadora-Restauradora, REVIVIS - Reabilitação, Restauro e Construção, Lda cristina.cunha@revivis.eu Cristina Cunha trabalha na área da conservação e restauro do património cultural e artístico há mais de vinte anos. Com formação inicial de âmbito profissional, realizou em 2001 um estágio na Universidade Internacional das Artes de Florença, na área de pintura mural a fresco. Após nove anos de experiência, decidiu desenvolver os seus estudos em Conservação e Restauro do Património Cultural e Artístico na Universidade Portucalense, tendo terminado a licenciatura e iniciado o mestrado em 2012. O seu percurso profissional e académico esteve muitas vezes ligado ao património cultural e artístico integrado na arquitetura civil, pelo que decidiu desenvolver estudos na área da Reabilitação Urbana em 2016-2017 com uma pós-graduação no Instituto Superior de Engenharia Civil do Porto. Em 2018 terminou o Mestrado na Universidade Portucalense, na área da pintura mural. No seu percurso tem tido oportunidade de participar e coordenar equipas de trabalho, assim como de desenvolver projetos nesta área.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Manuel Lemos
Matthias Tissot
Conservador-Restaurador, Archeofactu, Lda. manuel.lemos@archeofactu.pt
Conservador-Restaurador, Archeofactu, Lda. matthias.tissot@archeofactu.pt
Manuel Lemos, Conservador-Restaurador (Licenciatura bietápica em Conservação e Restauro, variante Arqueologia da Paisagem pelo Instituto Politécnico de Tomar). Técnico industrial de cerâmica (curso de Técnico Industrial de Cerâmica, curso CI7 do CENCAL, Caldas da Rainha). Trabalhou como técnico industrial de cerâmica nas empresas Vasicol, Lda. e Barpec-Faianças de Tremez, Lda. Integrou a equipa de conservação e restauro em campanhas arqueológicas para o estudo da Pré-História recente do Vale Tifónico, Caldas da Rainha (Provatis). Foi bolseiro Erasmus, Itália e Conservador-Restaurador no Museu Nacional de Arqueologia ao abrigo do Programa Cultura – Emprego. É Conservador-Restaurador da Archeofactu desde 2005 para as áreas de metais e cerâmica.
Matthias Tissot, Conservador-Restaurador (Mestrado em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar e Bacharelato na mesma área pela Escola Superior de Conservação e Restauro, com especialização em metais arqueológicos). Fez especialização no tratamento de materiais arqueológicos orgânicos encharcados no Musée Cantonal d’ Archéologie, Neuchâtel, Suíça. Foi responsável pela montagem e gestão do atual Laboratório de Conservação e Restauro do Museu Nacional de Arqueologia. É formador da Rede Portuguesa de Museus na área de conservação preventiva e é Conservador-Restaurador da Archeofactu desde 2001 para as áreas de metal e conservação preventiva.
Pedro Antunes
Conservador-Restaurador, Vermelho Cinábrio, Lda. cinabriocr@gmail.com
Margarida Pimenta
Conservadora-Restauradora, REVIVIS - Reabilitação, Restauro e Construção, Lda margarida.pimenta@revivis.eu Margarida Coimbra Corte Real Pimenta é Conservadora-Restauradora na empresa Revivis – Reabilitação, Restauro e Construção, Lda, desde 2016, onde desempenha as seguintes funções: coordenação de obra, técnica C&R, elaboração de propostas, estudos e relatórios de intervenção. Durante este período, e antes (com outras empresas) participou em projetos de relevo em património classificado, como a intervenção no Salão Árabe do Palácio da Bolsa, no Porto; intervenção na Capela de São Miguel da Universidade de Coimbra; na trasladação do Santuário de Santo Antão da Barca, Alfândega da Fé, em várias intervenções na Igreja de Santa Clara, no Porto, intervenção na Igreja Matriz de Loulé, entre outras. Tem formação de Mestrado de Conservação e Restauro pela Escola das Artes, Universidade Católica do Porto.
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Pedro Antunes é licenciado em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (IPT) e mestre pela mesma instituição, com área de especialização em Património Integrado. Conservador-Restaurador desde 1998. Cofundador, em 2013, da empresa Vermelho Cinábrio, Lda.
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Rita Veiga
Conservadora-Restauradora, Porto Restauro - Conservação e Restauro de Objetos de Arte, Lda. r_veiga@portorestauro.com Rita Veiga é licenciada em Conservação e Restauro pela Universidade Católica Portuguesa, Porto (2007) e mestre em Técnicas e Conservação de Pintura, pela mesma instituição (2010). Em 2009 realizou estágio curricular no Museu Thyssen-Bornemisza, Madrid. Foi bolseira de investigação nos projetos “Materiais e técnicas de pintores do Norte de Portugal” (CITAR, Universidade Católica Portuguesa, 2010-2011) e “Gilt Teller: um estudo interdisciplinar multi-escala das técnicas e dos materiais de douramento em Portugal, 1500-1800” (Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2012-2013). Tem desenvolvido atividade enquanto Conservadora-Restauradora nas áreas de pintura de cavalete, talha e escultura sobre madeira policromada e dourada. Colabora desde 2008 com a empresa Porto Restauro - Conservação e Restauro de Objetos de Arte, Lda. e é associada da ARP – Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Portugal.
Tânia Lopes
Conservadora-Restauradora, Conserv’arte de Tânia Maria Teixeira Lopes, Lda. conservarte.consres@gmail.com
Tânia Maria Teixeira Lopes nasceu em Viana do Castelo em 1976. Em 1999 concluiu o Bacharelato em Conservação e Restauro no Instituto Politécnico de Tomar e começou a exercer a profissão nesse mesmo ano. Entre 2001 e 2002 frequentou a licenciatura bietápica na área de Conservação e Restauro de Talha Dourada, no Instituto Politécnico de Tomar, especializando-se em Talha Dourada e Policromada. Em 2006 criou a empresa, em nome individual, Conserv’arte de Tânia Maria Teixeira Lopes sediada em Ponte de Lima. Coordenou, sob sua responsabilidade técnica, desde 2003, intervenções significativas em bens culturais (retábulos, tetos, pinturas, esculturas) pertencentes a coleções particulares, nomeadamente Irmandades, Misericórdias e Igrejas, assim como em património integrado sob tutela do Estado.
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PAT R I M Ó N I O A N O R T E O N.º 11 da coleção PATRIMÓNIO A NORTE é dedicado à campanha de conservação e restauro do património artístico da igreja do antigo Convento de Santa Clara do Porto, coordenada e desenvolvida pela Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), integrada na operação com cofinanciamento europeu com a referência NORTE-04-2114-FEDER-000007, que visou habilitar aquele monumento à fruição pública. O antigo convento e o seu património integrado consolidaram-se no decurso de séculos, acabando por adquirir condição patrimonial e a classificação de Monumento Nacional. No tempo longo desta consolidação, muitos foram, também, os processos de degradação que se manifestaram, relacionados com diversas ordens de razões. Este património em camadas determinou a constituição de um campo de ação extraordinário, um verdadeiro laboratório de experiências para os conservadores restauradores da DRCN e das empresas que estiveram no terreno. Quando se processa a anatomia do património sujeito a diagnóstico, análise, decisão, recuperação ou contenção de danos é como se testemunhássemos um monumento deitado na marquesa de uma sala de operações.
Para o público em geral e para investigadores de diferentes áreas, os conteúdos deste volume são fundamentais para a compreensão das etapas, da metodologia, das problemáticas éticas levantadas pela conservação e restauro, para o conhecimento dos processos de decisão, tão difíceis quanto carentes da fundamentação científica agora revelada. O N.º 11 da coleção PATRIMÓNIO A NORTE tem direção editorial de Luís Sebastian e coordenação técnica de Adriana Amaral. A ambos, a quem associo, igualmente, os técnicos da DRCN envolvidos na operação acima referida, deixo uma palavra de agradecimento pelo empenho e rigor do trabalho desenvolvido, que estendo aos autores que tornaram esta publicação possível.
A difusão do conhecimento adquirido nestas campanhas é uma responsabilidade científica, cultural e social, seja através de visitas orientadas, da organização de encontros, da comunicação em plataformas sociais, seja, finalmente, através da publicação em suporte papel e em regime de acesso aberto, como acontece com o presente volume.
Laura Castro Diretora Regional de Cultura do Norte
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EDITORIAL
“Convento de Santa Clara do Porto: Conservação e Restauro” é a segunda de quatro publicações da coleção editorial PATRIMÓNIO A NORTE dedicadas à intervenção de conservação e restauro da igreja deste extinto convento feminino franciscano. Precedida pelo N.º 10, intitulado “Convento de Santa Clara do Porto: História e Património”, da autoria dos historiadores da arte Ana Cristina Sousa e Nuno Resende, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o atual N.º 11 vem agora complementar o estudo histórico publicado com a descrição geral dos trabalhos de conservação e restauro realizados entre 2016 e 2021.
Numa abordagem de “longa duração”, entendendo-se sempre cada nova ação de reabilitação não como um fim, mas “apenas” como a mais recente fase na vida do bem patrimonial intervencionado, procurou-se contextualizar os trabalhos realizados, fazendo-os preceder de uma descrição, mesmo que sucinta, das diversas intervenções de salvaguarda, conservação e adaptação que o edifício sofreu progressivamente desde a extinção das Ordens Religiosas em Portugal, em 1834, e a total tomada de posse por parte do Estado Português em 1900, com a morte da última religiosa. Neste percurso, e inevitavelmente, deu-se especial atenção às várias intervenções de “patrimonialização” levadas a cabo pela Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), principal responsável pela “desvinculação” do edifício da igreja do restante complexo conventual e consequente “criação” da “Igreja de Santa Clara” como monumento histórico per se. Mas porque, de facto, de um processo de “longa duração” se trata, no encadeamento das intervenções anteriores surgem já, inevitavelmente, as desenvolvidas pela Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) desde 2008, destacando-se as de 2014 e 2015, como parte integrante do processo faseado que culminou em 2021 com a reabertura ao público da “renovada” igreja do antigo Convento de Santa Clara do Porto. A opção maior que se colocou na produção da atual publicação prendeu-se com a questão de como comunicar a intervenção de conservação e restauro realizada. Inerentemente um processo de extrema complexidade técnica, levado a cabo por profissionais experientes, dominando conceitos, técnicas, materiais, ferramentas, instrumentos, soluções e processos altamente especializados, compreendendo, inclusive, um vocabulário próprio - para não dizer mesmo uma linguagem própria -, esta complexidade
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técnica tornava, à partida, quase inacessível o texto a não técnicos. Dentro da lógica da coleção PATRIMÓNIO A NORTE, e da sua permanente preocupação de comunicar os temas abordados a um público o mais generalista possível, optou-se por convidar um autor externo, à área e ao processo, a colaborar na elaboração de um texto que descrevesse os trabalhos realizados de um modo acessível, sem, contudo, colocar em causa a qualidade do conteúdo técnico.
Este processo apenas foi possível, antes de mais, graças à plena colaboração dos técnicos responsáveis, destacando-se aqui o envolvimento de Ana Bidarra, Ana Brito, Ana Silva, Ana Rocha, Catarina Santos, Cristina Cunha, Isabel Tissot, Margarida Pimenta, Pedro Antunes, Rita Veiga e Tânia Lopes, não só no total acesso aos dados, mas, sobretudo, na permanente validação técnica dos conteúdos, através da repetida leitura, análise, discussão e correção, até se atingir o compromisso pretendido entre o rigor técnico e a acessibilidade do discurso. E, por fim, ao historiador da arte Hugo Barreira, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, por ter aceite um desafio, à partida, pouco convencional.
Já essencial na produção do N.º 10, “Convento de Santa Clara do Porto: História e Património”, o registo fotográfico e videográfico da intervenção de conservação e restauro, levado a cabo pela Cimbalino Filmes Produtora Audiovisual, foi aqui particularmente importante. Tendo coberto de forma exaustiva um período de mais de 1 ano de intervenção, quer no local, quer nos vários ateliês de conservação e restauro, resultou num banco de imagem de mais de 3.000 fotografias e 2.000 vídeos, num tempo total superior a 100 horas de gravação, às quais juntamos ainda o registo videográfico dos testemunhos pessoais de vários dos responsáveis técnicos envolvidos. Para além da óbvia base de trabalho essencial à ilustração da atual publicação, o cuidado acrescido no registo da intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto teve igualmente o objetivo de constituir a mais completa possível memória da mesma, já a pensar nas gerações futuras.
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Como resultado imediato deste cuidado, além da correta ilustração do texto que se segue, foi igualmente possível a produção do filme documentário “Convento de Santa Clara do Porto: Conservação e Restauro”, integrado nesta publicação como conteúdo multimédia, juntando-se assim ao filme documentário “Convento de Santa Clara do Porto: História e Património”, integrado no homónimo N.º 10 da coleção PATRIMÓNIO A NORTE e com apresentação de Mário Augusto. Cobrindo parte do período de realização da intervenção de conservação e restauro e, sobretudo, estendendo-se para lá dela, há ainda a acrescentar os registos adicionais realizados pela DETALHAR. Estes envolveram um intenso trabalho de registo fotográfico e gráfico, com levantamento tridimensional do edificado por “laser scanning” e bidimensional por ortofotogrametria, incluindo fotografia aérea com recurso a “drone”, modelação 3D e visitas virtuais por fotografia 360º. Resultando em dezenas de levantamentos gráficos e em mais de 1.500 fotografias, garantiu o necessário registo “após intervenção” indispensável à ilustração do texto, mas igualmente o desejável complemento do banco de imagem, com a melhor caracterização possível do resultado final. Por fim, a par das entidades financiadoras, não podemos deixar de renovar o nosso agradecimento a todos os que, “no terreno”, foram imprescindíveis para que este projeto se realizasse e, neste ponto, particularmente ao pároco Padre António Paulo Monteiro Pais, da Paróquia da Sé Catedral do Porto, à Comissária Ana Miriam Carvalho e à responsável de Relações Públicas, agente Catarina Lascasas, do Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública. Ao nível dos arquivos, destacamos, uma vez mais, a exemplar parceria da Câmara Municipal do Porto, através do Arquivo Histórico Municipal do Porto – Casa do Infante e da Biblioteca Pública Municipal do Porto, da Direção-Geral do Património Cultural, através do SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, e do Centro Português de Fotografia.
A todos, o nosso renovado obrigado.
Luís Sebastian Coordenador editorial (coleção PATRIMÓNIO A NORTE)
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A Operação “Igreja de Santa Clara do Porto” (2016-2021) promovida pela Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), comparticipada por Fundos Europeus e com o mecenato da Irmandade dos Clérigos e Fundação Millennium BCP, possibilitou uma profunda intervenção no valioso recheio artístico do imóvel. Este desiderato foi possível graças a uma corrente de vontades conjuntas, alinhadas num mesmo objetivo, iniciada há vários anos, condição sine qua non que se concretizou na intervenção realizada e que se renova, diariamente, na presença do visitante. Santa Clara, um lugar de vontades materializadas pelas diferentes equipas, pelos inúmeros e qualificados técnicos, pelas várias instituições e entidades. Sinuoso foi o percurso deste convento e da comunidade de religiosas que acolhia, ora sereno e logo tumultuoso. Albergou vidas que o transformaram e adaptaram às necessidades litúrgicas, estéticas e funcionais dos diferentes tempos. A intervenção de conservação e restauro, cuidada, atenta e discutida, concedeu leituras de pormenor e decifrou outros usos dos espaços. Permitiu descobrir, sob a exuberante caixa de talha barroca dourada e policromada, anteriores campanhas decorativas sucessivamente sobrepostas, no decurso do tempo, pela mudança de gosto: em pintura mural, em azulejo, em pintura sobre madeira. Possibilitou a leitura de anteriores momentos e vivências: a lápide em granito seiscentista resgatada ao silêncio após desmontes realizados no altar de Nossa Senhora da Conceição; as insuspeitas pinturas de anjos alados sobre os arcos das capelas da nave, que deixaram perceber uma anterior decoração de grande escala do mesmo espaço; a descoberta de azulejo enxaquetado que revestia toda a igreja, que perdurou aqui e ali, graças a um espírito pragmático do executante, junto ao órgão mudo, disfarçado pela pintura de fingidos, por trás da pintura da Última Ceia; as tábuas pintadas que serviram de forro ao teto da tribuna do retábulo-mor e que deram um renovado sentido à pintura do Menino Jesus, agora integrada no coro baixo, que com elas se irmana em termos estilísticos e de gramática decorativa; os inúmeros alfinetes usados para fixar os tecidos que vestiram outrora a igreja em dias festivos e que marcaram, de forma profunda, a talha, testemunhos silenciosos de armações de arquiteturas efémeras que enriqueciam o espaço. Os trabalhos de conservação e restauro alcançaram assim, além da matéria palpável, o imaterial, os gestos, os usos, o quotidiano da comunidade de religiosas.
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A intervenção de conservação e restauro obedeceu a uma preparação prévia, a projetos da competência da Direção de Serviços dos Bens Culturais, da DRCN, trabalhados por toda uma equipa que atuou nos diferentes níveis do objeto patrimonial, desde o edificado, à estrutura, ao recheio artístico. Os trabalhos versaram sobre um património ímpar e iniciaram-se com diagnósticos cuidados, avaliações constantes, abordagens gradativas no sentido de minimizar os riscos e devolver estabilidade ao conjunto patrimonial, quer ao nível dos seus suportes, quer das suas superfícies douradas e policromadas. A igreja, escura, uniforme, renasceu com cores e brilhos inesperados, ganhou profundidade, permitiu perceber o projeto inicial deste espaço pensado como unidade, perdida ao longo dos anos, facultando uma nova perspetiva do conjunto e dos seus encomendantes.
O trabalho de maior fôlego, realizado na nave e capela-mor, mereceu particular atenção nos capítulos que integram esta publicação, não sem passar, primeiramente, por anteriores intervenções realizadas no imóvel e que permitem decifrar determinadas especificidades do objeto patrimonial. Alguns dos textos, baseados nos relatórios técnicos produzidos como registo das intervenções, pretendem transmitir a um público generalista a complexidade deste trabalho, do domínio de equipas interdisciplinares, com formações e competências específicas. Um trabalho onde predominou o conservador restaurador, com experiência nas diferentes especialidades: pintura mural, azulejo, metais, pintura de cavalete, talha e mobiliário, mas onde estiveram também presentes o técnico profissional, o marceneiro, o entalhador. A especificidade da área remete para um glossário elucidativo. E porque esta intervenção só foi possível graças ao capital humano, integra a presente publicação o registo nominal dessa equipa transversal, onde se alocaram todos os que, de algum modo, nela participaram.
Adriana Amaral Coordenadora da operação
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Título original: Convento de Santa Clara:
Sinopse:
Conservação e Restauro
Classificada como Monumento Nacional desde
Género: Filme Documentário
1910 e considerada um dos maiores exemplos da arte barroca joanina e da talha dourada
Intervenientes: Adriana Amaral (DRCN-DSBC);
portuguesa, a igreja do extinto Convento
Jorge da Costa (DRCN-DSBC); Catarina Santos
de Santa Clara do Porto foi alvo de uma
(Revivis); Tânia Lopes (Conserv’arte); Ana Brito
das maiores intervenções de conservação e
(Porto Restauro); Sílvia Rocha (Porto Restauro);
restauro realizadas em Portugal. Decorrida
Rita Veiga (Porto Restauro)
entre 2016 e 2021, todo o processo foi extensamente documentado, apresentando-se
Promotor: Direção Regional de Cultura do
agora o resultado em formato de documentário.
Norte (MC)
Contando com o testemunho de alguns dos
Produção: Cimbalino Filmes Formato: HD, Cor, Stereo
principais técnicos responsáveis, são descritos na “primeira pessoa” os desafios e as soluções encontradas no longo percurso até à devolução deste icónico monumento histórico à cidade do
Duração: 30' 55''
Porto, a Portugal e ao mundo.
Origem: Portugal, 2021
TE AS E R 00'30''
TR AI L E R 03'00''
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1 O CAMINHO FAZ-SE CAMINHANDO:
CONTEXTUALIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO
HUGO BARREIRA
O caminho faz-se caminhando: contextualização da intervenção de conservação e restauro
Lisboa, entardecer de 13 de agosto de 1959. Um incêndio violentíssimo destrói o interior da igreja de São Domingos, uma das mais importantes da capital pelas suas dimensões e pela sua riqueza exterior e interior. Resultando de sucessivas reconstruções, a igreja era, como sempre acontece no património edificado, uma orgânica confluência de materiais, tempos e vontades artísticas. Com as estruturas e revestimentos em pedra ornamental, nomeadamente as famosas colunas de mármore, conviviam retábulos em talha, pinturas no teto e óleos sobre tela, todos desaparecidos. O que desta igreja resta, após a sua preservação, é uma impactante ruína viva composta por pedras carbonizadas cuja reabilitação não nos permite esquecer quer o que São Domingos fora, restando apenas na imaginação e nos registos, quer como o património edificado, que consideramos perpétuo e intocável, comunga, tal como os seus criadores, das vicissitudes da efemeridade.
Pode parecer estranho começarmos um texto sobre uma igreja tão marcadamente portuense e tão materialmente presente nos sentidos de quem a visita, como é a igreja do Convento de Santa Clara do Porto, por um preâmbulo distante no espaço e no tempo e funesto na evocação. Contudo, se São Domingos se configura atualmente como um involuntário memento mori patrimonial, Santa Clara, e tantos outros edifícios, podiam seguir as suas pisadas se as devidas precauções não fossem tomadas. Não falamos aqui apenas de perigos imprevisíveis como incêndios ou catástrofes naturais, mas, especialmente, dos males diagnosticáveis e diagnosticados que afetam o património edificado e que convocam, em boa hora, as ações de conservação e restauro.
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Coloca-se, assim, uma tripla questão: para quê, para quem e como conservar? Para respondermos a estas perguntas, comecemos por uma reflexão sobre a própria igreja do Convento de Santa Clara do Porto. Localizada na União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória, e outrora na antiga Freguesia da Sé, a igreja integra os elementos que constituíam um imponente complexo conventual iniciado nos alvores do século XV e que sofreu um forte crescimento ao longo dos séculos seguintes, fruto de sucessivos aumentos da sua cerca e, sobretudo, das estruturas construídas. Enquanto convento, a sua vida terminaria em 1900, com a morte da última freira, como ditado pelas leis de extinção das ordens religiosas, consolidando-se um novo ciclo marcado pela divisão do complexo em diversas unidades funcionais, que seguiriam caminhos independentes 1. Concentrando a nossa atenção na igreja, coro e estrutura anexa, ou portaria do antigo convento, objeto da intervenção abordada no presente volume, podemos assumir uma lógica administrativa e de utilização dos espaços perfeitamente de acordo com uma realidade paroquial, integrada na Paróquia da Sé do Porto. Do ponto de vista patrimonial, estamos, deste modo, perante uma igreja aberta quer ao culto, quer aos serviços da paróquia, quer ao visitante, caso que em muito a distingue da sua congénere portuense com a qual é frequentemente comparada: a igreja do antigo Convento de São Francisco do Porto, cuja fruição é exclusivamente de índole turística, sendo designada como “Igreja Monumento”. A comparação resulta da profusão e riqueza da obra de talha que reveste os interiores de ambos os templos de matriz gótica. Contudo, para o olhar menos informado, a monumentalidade exterior de São Francisco contrasta em grande medida com a “aparente” timidez de Santa Clara. Se a primeira se implanta, altaneira, numa plataforma granítica servida por escadarias e se articula com o edifício da Associação Comercial do Porto – o Palácio da Bolsa – erguido nas ruínas do extinto convento, destruído por um incêndio em pleno Cerco do Porto (1833), a segunda é apenas acessível mediante a transposição de um portal, ao fundo de um largo, cuja pendente anuncia as sucessivas descidas de nível que parecem empurrar a igreja para longe da vista. No interior, e do mesmo modo, São Francisco é marcada pelo contraste formal que, mesmo a um olhar não iniciado nas linguagens da talha, permite intuir diferentes mãos e, consequentemente, diferentes tempos. Santa Clara, pelo contrário, produz o efeito de uma ilusória homogeneidade, acentuado pela escuridão e soturnidade do seu interior antes da presente intervenção e que, como veremos, era uma pálida impressão do que hoje se pode observar.
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Ambos os templos ocupavam, em estreita relação, o lugar dos tesouros da talha dourada portuense, das pilhagens das Invasões Francesas, da sumptuosidade barroca, plasmando-se no discurso dos guias, nas fotografias, bilhetes-postais ilustrados, materiais de divulgação turística, entre tantos outros suportes imagéticos, que muitas vezes desligavam interior e exterior e contribuíram para a desintegração contextual de ambos os edifícios. Este complexo fenómeno de receção era, por sua vez, potenciado pelas notórias diferenças de implantação, tornando São Francisco num lugar-comum do turista e visitante ocasional e Santa Clara num bem resguardado tesouro, como que reservado aos iniciados ou a visitantes mais persistentes e aventurosos. Tal traduziu-se, igualmente, numa precoce consolidação da relação do objeto patrimonial com o público e na consequente valorização do seu acervo e da implementação de estruturas de apoio à visita, o que permitia a conservação do seu património, enquanto Santa Clara mantinha a sua lógica dual, de igreja paroquial que recebia os seus visitantes em circunstâncias mais ou menos improvisadas, pese embora o esforço ocorrido já no presente século para a dotar de estruturas de apoio que permitiam aceder a algum do seu acervo oculto. No crepúsculo da sua vida anterior ao início da presente intervenção, a igreja de Santa Clara era, assim, um curioso exemplo de um objeto patrimonial que parecia existir num plano paralelo de intangibilidade. Ela existia como um dos lugares cimeiros nos escritos sobre o chamado “barroco portuense”, ou sobre a obra de talha da cidade, sendo objeto de visitas que se confrontavam com uma imagem imponente, mas desconcertante pelo seu estado de conservação. Existia também nas palavras que reconstruíam o seu interior riquíssimo, em descrições e alusões de guias, que a referiam por comparação com São Francisco ou que pelo seu exterior passavam, mas nela não entravam, porque se encontrava fechada ou ficava à desamão. Santa Clara existia nas memórias daqueles que visitavam uma igreja escondida e escura, em que o brilho do ouro se perdera nos tempos de antanho e cujas imponentes grades evocavam a gravidade da clausura. Realidade tangível era, pelo contrário, a igreja paroquial, frequentada e acarinhada pela sua comunidade, que observava com desalento a degradação do espaço de culto, menos preocupada com conceções artísticas e procurando antes mitigar os males que afetavam a sobrevivência da sua igreja. Com o avançar dos anos do presente século, à imagem da misteriosa joia da talha barroca portuense associaram-se as profecias da sua ruína iminente, vítima do inseto devorador de madeira que prolifera na cidade e que nas suas preciosas madeiras encontrava um profícuo repasto. A dimensão intangível do objeto parecia agora sobrepor-se a tudo o resto perante esta ameaça invisível que, como um fogo lento, parecia consumir cruel e irremediavelmente um tesouro cada vez mais resguardado da vista e cujo valor atrativo residia justamente na obra de talha. De modo a contrariar a situação, foram tomadas medidas pelas entidades competentes, nomeadamente a Direção Regional de Cultura do Norte, que desenvolve entre 2014 e 2015 a primeira fase de um complexo processo de reabilitação, cuja segunda fase, realizada entre 2016 e 2021, culminaria no restauro integral do edifício e respetivo património integrado, e que será objeto do presente volume.
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Mas recuemos a 16 de junho de 1910, data do Decreto que classifica a igreja do Convento de Santa Clara do Porto, bem como a já referida igreja de São Francisco e outros edifícios, como Monumentos Nacionais, estatuto máximo da classificação patrimonial atribuível pelo Estado Português, reconhecendo, desde logo, a sua importância e o seu valor para a Nação. Por essa altura, o complexo conventual, já extinto e dividido, apresentaria um aspeto muito mais próximo do seu sentido original, formando, com os vestígios da muralha gótica, uma relação simbiótica que as intervenções posteriores alterariam consideravelmente. Construído nos extremos do perímetro da cidade definido pela muralha do século XIV, o convento localizava-se junto a uma das entradas e saídas da cidade, conhecida pela derradeira denominação de Porta do Sol, usufruindo, deste modo, de excelentes acessos à periferia rural da cidade, mercê das estradas que passavam junto à cerca. Embora se implantasse nos limites do Porto, como o Convento de São Francisco, o Convento de Santa Clara ficava nas imediações do seu núcleo original, o morro da Pena Ventosa, e relativamente próximo à Catedral, centro do poder eclesiástico, e longe, portanto, dos limites ocidentais da cidade, onde se encontrava o seu congénere masculino, à cota baixa. A localização do Convento de Santa Clara à cota alta assegurava igualmente uma relação privilegiada com a margem, usufruindo as religiosas de uma vista desafogada sobre o rio e sobre a cidade, que se espraiava para oeste. Todavia, e dada a já referida pendente, esta mesma implantação colocava o convento numa zona de escorrências de águas pluviais e de infiltrações, o que afetaria, até aos nossos dias, a sua estrutura. De certo modo, as características que contribuem para tornar a sua localização excelente estão na base das suas vicissitudes, resguardando o coração do complexo dos olhares e mitigando, aparentemente, a sua imponência exterior, mais visível da margem oposta que do interior da cidade. Tal perceção é, porém, fundamentalmente anacrónica, uma vez que, para a realidade setecentista, o conjunto edificado seria certamente imponente na sua fábrica, quer no corpo mais antigo que definia os muros das Escadas do Codeçal, acesso à cota baixa da cidade, quer com o seu sumptuoso claustro, integrado atualmente nas instalações da Polícia de Segurança Pública, quer, sobretudo, pelos novos dormitórios, que definiam todo um novo corpo a norte, que viria a dar origem ao Dispensário da Rainha D. Amélia, atual Unidade de Saúde Familiar Rainha D. Amélia. Anulada a leitura de conjunto com a progressiva extinção do convento, que veria as várias dependências transformadas em equipamentos autónomos ou mesmo amputadas na sua primitiva dimensão, a igreja reduz-se exteriormente ao duplo portal pétreo que o olhar alcança uma vez transposto o arco de entrada que separa o pátio do atual Largo Primeiro de Dezembro, e que parece desaparecer numa amálgama de construções de função assistencial ligadas à paróquia. Tal como a vida das clarissas de outrora, também a integridade e identidade urbana do convento se reduziu a uma memória cuja reconstituição só poderia ser encontrada na documentação.
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O Porto expandia-se para oriente e para norte, deslocando-se o seu centro cívico para fora dos limites da muralha, na atual Praça da Liberdade, e assistindo-se à criação de paróquias extramuros, como Santo Ildefonso, nas proximidades do convento. Longe estaria ainda a Avenida dos Aliados, mas novas ruas, largas e regulares, como a Rua do Almada ou a Rua de Santo António (atual Rua 31 de Janeiro), erguida sobre complexa infraestrutura, permitiam a circulação entre as cotas alta e baixa da cidade, decaindo o uso das vias estreitas e das escadas. Não muito longe, um novo teatro de ópera era construído, o qual daria lugar, com o século XX, ao atual Teatro de São João, e a urbanidade burguesa tomava conta dos antigos arrabaldes, ecoando, numa nova escala, as construções eruditas que já constituíam a vizinhança imediata do convento. Com a já referida extinção das ordens religiosas em 1834, as cercas dos complexos masculinos conheceram imediatamente novas funções, aguardando os femininos pela extinção paulatina das respetivas comunidades de religiosas.
A construção da Ponte Luís I, na década de 1880, viria a alterar radicalmente as imediações da cerca, quer ao nível da paisagem ribeirinha, quer por via das demolições necessárias para a implantação das estruturas de apoio do tabuleiro superior, quer ainda por um conjunto de alterações de dinâmicas de circulação e acessos à cota alta da cidade. Nesta lógica, ainda na década de 1890, um efémero funicular ligou a margem do rio à cota alta, na escarpa dos Guindais, paralelo à muralha apropriada pela cerca do convento. Pelos mesmos anos, expirava a última beneditina de São Bento de Avé-Maria, iniciando-se as obras que trariam o comboio ao centro da cidade e ditariam a construção da futura Estação de São Bento no lugar do antigo mosteiro.
O século seguinte impulsionaria sucessivas alterações e descaracterizações da envolvente, na senda das transformações anteriores, as quais culminariam nas extensas demolições que criariam o Terreiro da Sé ou na enorme cicatriz deixada por uma nunca concluída avenida de acesso ao tabuleiro superior da ponte. Envolta por uma plêiade de mudanças, a igreja parecia agora cada vez mais isolada das primitivas lógicas conventuais, vicinais e viárias. Entretanto, em 1996, o Centro Histórico do Porto era classificado como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO, definindo-se uma área que, aproximando-se daquela que outrora ditara a muralha, incluía também a igreja do Convento de Santa Clara como um dos seus monumentos.
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Com o novel reconhecimento, surgia uma maior visibilidade para a igreja, integrando a sinalética e os materiais então produzidos para a dinamização turística da cidade. Cinco anos depois, em 2001, o Porto era Capital Europeia da Cultura, consolidando-se a atratividade cultural, patrimonial e turística da cidade, em pleno novo ciclo de transformações urbanísticas. Disseminavam-se as reabilitações e requalificações urbanas e a cidade recebia um novo meio de transporte – o Metro do Porto. Ocupando parte da antiga linha de comboio do Porto à Póvoa de Varzim, o metropolitano alteraria radicalmente a mobilidade na cidade e permitiria uma rápida e eficiente ligação direta entre o centro da cidade e o aeroporto Francisco Sá Carneiro. O ciclo de transformações, que coincidia “grosso modo” com o décimo ano da classificação do Porto como Património da Humanidade, incluía ainda uma nova linha, inaugurada em 2005, que ligava, através do tabuleiro superior da Ponte Luís I, o centro da cidade a Vila Nova de Gaia, servindo a zona da Sé com um acesso. Esta segunda vida do tabuleiro superior da ponte centenária originava, igualmente, a sua fruição como espaço de passeio, “belvedere” e ligação pedonal à cota alta, incluindo, uma vez mais, a Igreja de Santa Clara e a Muralha nas novas dinâmicas turísticas. Dois anos antes, em 2004, um novo funicular animava a escarpa dos Guindais e desembocava nas proximidades do Largo Primeiro de Dezembro. Além de facultar uma rápida ligação da ribeira e do tabuleiro inferior da ponte à cota alta, permitia uma experiência dinâmica da paisagem ribeirinha e constituía um acrescido fator de atratividade. Iniciava-se, então, um paulatino estabelecimento das companhias aéreas “low-cost” no Porto, o que permitiu tornar a cidade num destino turístico de massas que conheceria um incremento impressionante ao longo da década seguinte, recebendo diversos reconhecimentos internacionais, incluindo o de “Best European Destination” em quatro anos. As novas dinâmicas não deixariam de afetar a zona de implantação da igreja do Convento de Santa Clara. A cidade tem vindo a experienciar um alargamento da mobilidade turística muito para lá do Centro Histórico, que ditou o renascimento da zona oriental da cidade, nomeadamente Santo Ildefonso e Bonfim, mercê do alojamento local, da restauração e do incremento de equipamentos culturais, aliados às possibilidades de mobilidade ditadas pelo metropolitano. Ecoando os tempos da Porta do Sol, a igreja de Santa Clara está de novo na encruzilhada dos movimentos urbanos que afluem do metropolitano, do comboio, ou das praças e equipamentos próximos, enquadrando-se em plena charneira entre o Centro Histórico e as dinâmicas dos novos públicos da “trendiness” do Porto oriental, em que ao turismo cultural se alia a fixação de uma comunidade marcada pelos polos empresariais do setor IT (Tecnologias de Informação), bem como o crescente posicionamento do Porto enquanto destino do chamado nomadismo digital. É então que a igreja fecha portas e tem início a obra de conservação e restauro da qual nos ocuparemos. Após um conjunto de intervenções pontuais, como veremos, estavam reunidas as condições para uma obra de reabilitação integrada, do edifício e do seu recheio como um todo, de acordo com as doutrinas e boas práticas de Conservação e Restauro atuais. Os visitantes da cidade, nacionais e estrangeiros, que procuravam cada vez
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mais o fabuloso interior da igreja, deparavam-se, então, com a sua ausência. O edifício lá estava, imperturbável no seu recato, mas era agora um estaleiro inacessível por um tempo longo. Pela primeira vez desde a sua fundação, a cidade deparou-se com a até então impensável realidade da “inexistência” da igreja de Santa Clara, a qual entrara, ainda que temporariamente, numa modalidade de clausura tão rigorosa que nem o culto, nem a visita eram permitidos. À ausência somou-se a antecipação, catalisada por visitas ao estaleiro, conduzidas pela equipa responsável em ocasiões específicas e sempre que o ritmo e condições da obra o permitiam. Do interior do templo emanava uma esperançosa aura da tão ansiada glória que a igreja de Santa Clara recuperaria e que já quase ninguém conseguia ver antes das obras. Uma vez mais, nesta narrativa de paradoxos, era a invisibilidade da igreja que dominava a disseminação dos seus valores patrimoniais. O fiel teria o seu local de culto recuperado e o visitante não se depararia mais com uma pálida e lúgubre impressão de esplendores passados, mas antes com a antevisão da possibilidade de conhecer a “verdadeira” igreja de Santa Clara do Porto. Com a Pandemia de COVID-19, que dominou o mundo a partir de 2020, na fase final da intervenção, e que obrigou ao confinamento das cidades e à impossibilidade do turismo ou do culto presencial, a igreja de Santa Clara era, ironicamente, um dos poucos lugares onde a atividade se retomava rapidamente, continuando as obras a bom ritmo. A intervenção beneficiava, assim, de uma conjuntura em que, à natural quebra do fluxo turístico, se sucederia uma catarse de visitantes nacionais e, logo que tal fosse possível, também estrangeiros, à medida que as obras chegavam ao fim, bem como de uma comunidade paroquial e vicinal desejosa de rever a sua igreja. Podemos dizer que este foi um dos raros momentos em que a conjuntura não só favoreceu como exacerbou os valores prospetivos do património, ou seja, os seus valores de futuro e de incremento da qualidade de vida da comunidade, materializados em contextos muito concretos.
Com a abertura de portas no dia 22 de outubro de 2021, e dotada de um circuito de visitas, bem como de novas condições para o culto, a igreja do Convento de Santa Clara do Porto é devolvida à comunidade, à cidade e ao mundo. Esta devolução de visibilidade tem um sentido muito mais lato e complexo do que à partida se possa pensar. Para lá da sua dimensão mais imediata, traduzida na possibilidade de visita e de fruição da igreja enquanto bem patrimonial, com condições de acessibilidade física e de conteúdos como nunca antes tivera, a intervenção de conservação e restauro permitiu também outros níveis de visibilidade.
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Em primeiro lugar, a intervenção, como veremos, não se limitou aos problemas estruturais e infraestruturais, mas foi, como deve ser, uma ação integrada, que abarcou as diversas manifestações artísticas que caracterizam o monumento, incluindo a dimensão musical. A imagem de uma igreja escura, soturna, onde as marcas do tempo se traduziam na acumulação de sujidade e nas ausências de elementos, muitas vezes retirados para salvaguarda, o que provocava uma experiência desconcertante, fragmentária e incompleta, de difícil leitura, deu lugar a uma igreja luminosa, colorida e coerente na diversidade de elementos e camadas na qual reside a sua verdadeira identidade. Da clareza das paredes exteriores, cujo reboco devolveu leitura aos portais, à inconfundível exuberância da pintura do seu interior, passando pela possibilidade de reconstituir a realidade conventual através do acesso à portaria e aos coros, esta operação tem como primeiro impacte dar a ver aquilo que o tempo permitiu esquecer. Da obra terminada renasce uma nova igreja, a qual, na sua novidade, se aproxima muito mais das múltiplas camadas de tempo que constituem a sua identidade. Para tal, não bastou a ação física, mas foi determinante o seu acompanhamento por uma campanha paralela de investigação, que permitiu conferir um sentido adicional ao que a intervenção revelava. Esta investigação materializou-se não só no acompanhamento da obra, mas também, e sobretudo, na publicação dos resultados, como N.º 10 da coleção PATRIMÓNIO A NORTE, intitulado “Convento de Santa Clara do Porto: História e Património” 2, os quais foram fundamentais para a redação do presente volume. A partir desta dupla obra, de conservação e restauro e de investigação, é devolvida uma nova realidade também à comunidade científica, a qual permitirá reequacionar o lugar da igreja do Convento de Santa Clara do Porto não só na História da Arte em Portugal, mas também na História da Cidade, das suas instituições e das suas transformações arquitetónicas, artísticas e urbanas. Tal traduziu-se não só na primeira leitura de fundo da história do complexo conventual, mas também num processo que se baseou no confronto de diversas fontes e em que o edifício e a própria intervenção eram também uma fonte insubstituível, refletindo a importância da multidisciplinaridade nas intervenções atuais no património, bem como em caminhos futuros de leitura das transformações da cidade, numa lógica de Paisagem Histórica Urbana.
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Com a reabertura da igreja do Convento de Santa Clara do Porto em pleno período de recuperação do pujante fluxo turístico que a cidade tem vindo a conhecer, percebemos uma outra dimensão do impacte da intervenção, o da criação de serviços que permitam satisfazer um turismo cultural cada vez mais exigente e habituado a experiências de excelência. Tal foi atendido não só na qualidade física da intervenção, mas, e uma vez mais, na qualidade dos conteúdos que servem de base ao circuito de visitas, na formação de guias e na criação de serviços educativos que, pela primeira vez, permitem uma comunicação patrimonial neste Monumento Nacional.
O encontro entre a procura turística e a oferta de excelência providenciada por este novo equipamento patrimonial e cultural enquadra-se igualmente numa estratégia de valorização integrada das diversas zonas da cidade, que se traduz na criação efetiva de emprego, bem como no incremento da atratividade do lugar enquanto polo para a criação e requalificação de empregos e infraestruturas, em paralelo com as já existentes, com a consequente componente de requalificação da tessitura urbana e social, o que nos confronta com o potencial económico de um objeto patrimonial que se articula com diversos monumentos e equipamentos culturais, tais como teatros e cinemas, que fazem parte das dinâmicas atuais da cidade. Por outro lado, e tratando-se de uma igreja aberta ao culto, integrada numa comunidade religiosa exigente como é a da Paróquia da Sé, confrontamo-nos com uma outra dimensão da requalificação, a que impacta na utilização do bem enquanto estrutura cultual, com as demandas que tal acarreta, mas com as possibilidades que essa mesma utilização permite enquanto construção de identidade comunitária na estima e zelo pela sua casa comum. Agora requalificada e aberta à admiração dos visitantes, Santa Clara apresenta-se também como um potencial núcleo de formação e de educação patrimonial integrado e extensível aos serviços assistenciais que, com este equipamento, partilham acessos e espaços em torno do pátio interior.
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Conservar é, deste modo, muito mais que preservar ou manter, como uma leitura imediata do étimo sugere, estabelecendo uma relação estática com o tempo. Conservar é uma ação intimamente interligada com as dinâmicas temporais, em que passado, presente e futuro confluem numa operação que tem por base a consciência da identidade do objeto patrimonial e da sua complexidade e que se reveste de uma natureza eminentemente prospetiva, onde a reversibilidade é também um critério fundamental. Como não podia deixar de ser, numa intervenção realizada por equipas especializadas, e tendo por base, simultaneamente, a investigação e a produção de conhecimento, adotaram-se, de acordo com as boas práticas internacionais, os princípios de intervenção mínima, sempre que possível, e critérios adaptados a cada situação específica, mediante as diversas questões que a complexidade da obra levantava.
Voltando à tripla questão com que iniciámos este itinerário: para quê, para quem e como conservar? Pode parecer estranho que somente em 2021 consigamos voltar a “ver” a igreja do Convento de Santa Clara do Porto, depois de uma operação tão urgente como prolongada e, aparentemente, quando se tinha chegado ao ponto de não retorno. É preciso compreender que uma operação desta natureza e complexidade envolveu o esforço e o empenho de inúmeras entidades, públicas e privadas, as quais concorreram com a sua atividade especializada nas diversas etapas, desde a procura de fundos e de apoios, até à coordenação e realização da obra. Não havia como conservar este Monumento Nacional de outra forma, a não ser segundo uma metodologia integrada, realizada por profissionais qualificados e especializados em tantas áreas do conhecimento como as que veremos plasmadas na pluralidade de técnicas e materiais que encontraremos nos capítulos seguintes. Mas então, para quê conservar? Naturalmente que esta pergunta não poderia ter uma resposta fácil e direta, que não se traduzisse num conjunto de reflexões que nos conduziriam a tantas outras questões de natureza patrimonial, histórica e artística, mas também ética, moral, social ou económica, como as que aqui esboçámos. Tal como tem afirmado a doutrina internacional em património, conservamos, em primeiro lugar, porque vivemos em sociedade e conservar, conhecer e divulgar o património são atos de cidadania que se traduzem na sua valorização e na construção de um mundo mais sustentável e inclusivo. Nesse sentido, podemos dizer que as duas primeiras dimensões da questão – para quê e para quem – não se
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podem separar. Conservamos porque tal é uma responsabilidade coletiva para com um bem comum e conservamos para que esse mesmo bem possa ser conhecido, fruído e partilhado por todos da melhor forma, beneficiando todos das qualidades intrínsecas do bem patrimonial e dos valores que cada olhar, cada tempo e cada contexto lhe podem atribuir.
A frase muito citada “o caminho faz-se caminhando” 3 é, para o património e para as ações de conservação e restauro, verificável no dia a dia. Nesse sentido, e por mais cuidadoso que seja o planeamento de cada intervenção, é durante o processo que se tomam as principais opções e se atua perante as boas e as más surpresas. Para o visitante da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, a frase anterior encontra um certo sentido de materialização poética. Olhando para trás, percebemos que nunca víramos aquela igreja como ela se apresentava, mas antes como esperávamos que fosse, à luz da experiência fragmentária dos documentos e das acumulações de tempos, contextos, sentidos, transformações e degradações e que nunca mais percorreremos esse caminho, porque a realidade que a intervenção permitiu devolver, plena de brilho, de cor e de pluralidade de linguagens, é uma experiência de vitalidade.
Dizer que a intervenção devolveu a vida a este Monumento Nacional vai muito além da limpeza do ouro ou das superfícies pintadas, mas passa pela devolução daquilo que o tempo verdadeiramente escondeu: a sua ação. O estatismo do passado deu lugar à contemporaneidade desta igreja, como significante histórico-artístico e patrimonial. O resultado de uma intervenção constante de uma comunidade religiosa, uma transformação permanente a que outros deram continuidade uma vez extinto o convento, a qual se traduziu em inúmeras camadas temporais que estão, agora, finalmente, mais acessíveis para a fruição e conhecimento de todos. A história deste complexo conheceu diversas “campanhas”, mais ou menos definíveis no tempo e contextualizáveis. À data, esta intervenção foi a derradeira e, como se poderá avaliar pela riqueza da Ficha Técnica resumida, que se reproduz, foi fruto de muitas mãos cujas marcas, mais ou menos visíveis, ficarão inscritas na vida deste monumento, tal como o ficarão os olhares, expressões e pensamentos de todos os que nele orarem, o visitarem, comunicarem ou sobre ele investigarem.
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Com os capítulos que se seguem procuramos traduzir, para o leitor não especializado, a complexidade desta intervenção e os seus processos técnicos, contextualizando-os brevemente, nos capítulos 2 e 3, à luz das intervenções anteriores e das componentes de arquitetura, engenharia e construção civil que integraram a presente intervenção. De modo a assegurar um compromisso eficaz entre a fluidez da leitura deste texto e a transmissão de uma memória dos aspetos técnicos da intervenção, optamos por descrever os vários procedimentos e ações realizadas, colocando em nota de rodapé a denominação dos produtos utilizados. Procurámos igualmente que a organização do texto se articulasse com a organização dos trabalhos, para deles transmitir uma experiência mais clara e, por outro lado, para permitir a sua consulta segundo uma lógica simultaneamente espacial e técnica. Do mesmo modo, à expectável descrição técnica dos procedimentos, pese embora a sua simplificação para fins de comunicação, foram acrescentados elementos que se destinam a situar o leitor no espaço litúrgico, na lógica da sua utilização e na multiplicidade de transformações, de maior ou menor expressão, que o mesmo sofreu ao longo de séculos.
Nesta intervenção foram, como referido, seguidos os princípios de conservação e restauro advogados pela doutrina internacional. Destes princípios destacamos justamente o da intervenção menos intrusiva possível e o da reversibilidade das ações realizadas, os quais nortearam todas as intervenções realizadas. O status quo tecnológico atual oferece ao conservador-restaurador um amplo leque de soluções, bem como de instrumentos e ferramentas sofisticadas que permitem uma resposta eficaz a uma panóplia de problemas igualmente impressionante. Como veremos, todos os procedimentos foram meticulosamente testados previamente, de modo a assegurar que a solução adotada é, efetivamente, a mais apropriada. Apesar da variedade de soluções, nada substitui a formação sólida, a experiência, a consulta de procedimentos de referência e, como facilmente se compreenderá, a aprendizagem em contexto real. Para quem, como nós, visitou o estaleiro de obra, a impressão foi justamente a de uma aprendizagem constante, a de um quotidiano dinâmico, animado e pleno de estímulos sensoriais e emotivos, no qual as dificuldades eram vencidas com dedicação e competência. As intervenções de reabilitação do presente, como as do passado, têm diversos rostos que o tempo tende a esquecer ou apagar, mas que emprestaram uma parcela da sua vida para que nós possamos mergulhar a mente e os sentidos na experiência intemporal do património, longe do ruído e da fugacidade do dia a dia. Nesse sentido, prestamos o devido reconhecimento aos membros da equipa de intervenção pela simpatia com que nos receberam in situ, por todo o material fornecido, pela disponibilidade para entrevistas, revisões e trocas de impressões.
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FICHA TÉCNICA DE INTERVENÇÃO DIREÇÃO REGIONAL DE CULTURA DO NORTE – DIREÇÃO DE SERVIÇOS DOS BENS CULTURAIS Adriana Amaral
Técnica Superior – Coordenadora de Operação/Acompanhamento técnico
Isabel Dias Costa
Técnica Superior – Acompanhamento técnico
Jorge da Costa
Arquiteto Projetista
Teresa Coimbra
Arquiteta – Apoio ao projeto
Amândio Cupido
Arquiteto – Apoio ao projeto
Margarida Lencastre
Engenheira – Acompanhamento técnico
Agostinho Costa
Engenheiro – Acompanhamento técnico
Albino Estelita
Engenheiro – Acompanhamento técnico
Teresa Bessa
Técnica Superior de Segurança
Leonor Pereira
Arqueóloga – Acompanhamento técnico
José Carneiro
Designer
Helena Cardoso
Técnica de Conservação e Restauro
Vítor Gonçalves
Técnico de Conservação e Restauro
EDUARDO RUI VALENTE – PERFEITO DE FARIA MACEDO Eduardo Macedo
Engenheiro - Fiscalização
CONSÓRCIO REVIVIS – REABILITAÇÃO, RESTAURO E CONSTRUÇÃO, LDA. PORTO RESTAURO – CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE OBJETOS DE ARTE, LDA. Francisco Menezes
Coordenador Geral
Joaquim Vieira de Araújo
Direção de obra
Ana Brito
Conservadora-Restauradora – Coordenação Técnica – Pintura de Cavalete
Ana Sílvia Rocha
Conservadora-Restauradora – Coordenação Adjunta – Pintura de Cavalete
Tânia Maria Teixeira Lopes
Conservadora-Restauradora – Coordenação Técnica – Talha/Escultura
Ana Rita Correia Veiga
Conservadora-Restauradora – Coordenação Adjunta – Talha/Escultura
Catarina Lourenço dos Santos
Conservadora-Restauradora – Coordenação Geral – Conservação e Restauro
Dulce Maria Almeida Osório
Conservadora-Restauradora – Coordenação Técnica – Pedra
José Artur dos Santos Pestana
Conservador-Restaurador – Coordenação Técnica – Pintura Mural
Susana de Vilas-Boas Miranda Lainho
Conservadora-Restauradora – Coordenação Técnica – Azulejo
Matthias Tissot Dagguette
Conservador-Restaurador – Coordenação Técnica – Metais
Ana Lopes Neto da Silva
Conservadora-Restauradora
Ana Maria Vasco Campanilho Barradas
Conservadora-Restauradora
Ana Pinto Leite Braamcamp de Figueiredo
Conservadora-Restauradora
Catarina Carvalho Paterna Dias
Conservadora-Restauradora
Catarina Figueiredo
Conservadora-Restauradora
Cristina Cunha
Conservadora-Restauradora
Daniela Coelho
Conservadora-Restauradora
Diana Vaz Silva
Conservadora-Restauradora
Joana Ferreira Pina
Conservadora-Restauradora
Joana Azevedo
Conservadora-Restauradora
José Pedro Almeida
Conservador-Restaurador
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
31
Manuel Pereira de Lemos
Coordenador adjunto – Metais
Mariana Pessoa Jorge Guimarães Pestana
Conservadora-Restauradora
Miguel Costa Pereira Simões
Conservador-Restaurador
Patrícia Marques
Conservadora-Restauradora
Paulo André Oliveira Pinto
Conservador-Restaurador
Ricardo Sérgio Araújo Ribeiro
Conservador-Restaurador
Rita Maltieira Morais
Conservadora-Restauradora
Rita Monteiro Aguiar Pereira
Conservadora-Restauradora
Rosário Marcelino
Conservadora-Restauradora
Sílvia Diana Rodrigues de Sousa Festa
Conservadora-Restauradora
Sofia Martins dos Santos
Conservadora-Restauradora
Ana Rita Justino Grancho
Técnica de Conservação e Restauro
Carlos Filipe Cabral da Cunha Pereira
Técnico de Conservação e Restauro
Margarida Coimbra Corte-Real Pimenta
Conservadora-Restauradora
Maria José Carvalhosa Cunha
Técnica de Conservação e Restauro
Nuno Justino Reis Velho
Técnico de Conservação e Restauro
Raquel Rocha Raposo
Técnica de Conservação e Restauro
António da Costa Neves
Marceneiro
António Maria do Vale Machado e Faria Vasques
Marceneiro
Vítor Santos
Marceneiro
José Carlos Sousa
Marceneiro
José Luís Sousa Pereira
Marceneiro
Francisco de Sousa Sanguedo
Entalhador
António Peixoto Faria Vasques
Encarregado Geral
VERMELHO CINÁBRIO, LDA. Pedro Antunes
Conservador-Restaurador – Coordenação Técnica – Pedra/Azulejo
Ana Bidarra
Conservadora-Restauradora – Coordenação Técnica – Talha/Escultura
Ana Fernandes
Conservadora-Restauradora
João Loureiro
Conservador-Restaurador
Sara Cardoso
Conservadora-Restauradora
Catarina Pereira
Conservadora-Restauradora
José Ribeiro
Técnico de Conservação e Restauro
António Neves
Marceneiro
Nuno Teixeira
Conservador-Restaurador – Estagiário
Bogna Skwara
Conservadora-Restauradora – Estagiária
ARTE E TALHA – CONSERVAÇÃO E RESTAURO, LDA.
32
António Manuel Borges Pereira
Conservador-Restaurador – Coordenação Técnica
Tiago Oliveira
Conservador-Restaurador – Coordenação Técnica – Azulejo
Abílio Gouveia
Entalhador
João Correia
Carpinteiro
Vítor Ferreira
Marceneiro
Luís Marques
Marceneiro
Francisco Marques
Marceneiro
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
CLARISSE DUARTE DA SILVA Clarisse Duarte da Silva
Técnica de Conservação e Restauro – Vitral
Armando Pires
Auxiliar de Conservação e Restauro – Vitral
José Cruz
Serralheiro
ALEXANDRE MANIÉS – CONSERVAÇÃO E RESTAURO, UNIPESSOAL, LDA. Alexandre Manuel Viegas Maniés
Conservador-Restaurador – Coordenação técnica – Mobiliário/Talha
Fernando António do Vale Coelho
Conservador-Restaurador
Isaura da Conceição da Silva Almeida
Conservadora-Restauradora
Manuel Alves da Silva
Marceneiro
António Paulo de Brito Leal
Marceneiro
Amélia Alexandre
Técnica de Conservação e Restauro
SERVATIS SERVANDIS, LDA. Mariana Ximenes
Conservadora-Restauradora – Coordenação Técnica – Pintura de Cavalete
Bárbara Campos Maia
Conservadora-Restauradora
Inês Magalhães
Conservadora-Restauradora
Diana Costa
Conservadora-Restauradora
Mariana Lopes
Conservadora-Restauradora
OFICINA E ESCOLA DE ORGANARIA, LDA. Pedro Guimarães Von Rohden
Mestre Organeiro
Beate Marie Von Rohden Guimarães
Organeira
Luís Ferreira
Conservador-Restaurador
Luís Ventura Moreira
Ajudante de organaria
PORTO RESTAURO – CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE OBJETOS DE ARTE, LDA. Filipe Alves Freitas
Marceneiro
NUNO MIGUEL CORREIA MIMOSO Nuno Miguel Correia Mimoso
Musicólogo – Fiscalização
LENHOTEC – CONSULTORIA TECNOLOGIA DE MADEIRAS, LDA. Aníbal Araújo
Engenheiro
Ricardo Cunha
Engenheiro
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RIPÓRTICO, ENGENHARIA, LDA. Toni Ribeiro
Engenheiro – Fiscalização
Allan Sousa
Engenheiro – Fiscalização
ARCHEO’ESTUDOS, INVESTIGAÇÃO ARQUEOLÓGICA, LDA. Paula Abranches
Arqueóloga
Sandra Salazar Ralha
Arqueóloga
ARQUEOLOGIA & PATRIMÓNIO, LDA. Ricardo Teixeira
Arqueólogo
Vítor Fonseca
Arqueólogo
Jorge Fonseca
Arqueólogo
Graça Pereira
Arqueóloga
João Silva
Arqueólogo
Lídia Baptista
Arqueóloga
Rodry Mendonça
Assistente de Arqueólogo
André Saraiva
Assistente de Arqueólogo
Ricardo Mota
Assistente de Arqueólogo
Jean Silva
Operário de Arqueologia
Rui Sousa
Operário de Arqueologia
SUPERFÍCIE TOPOGRAFIA, LDA. Hugo Pires
Topógrafo
SERGIY SCHEBLYKIN, LDA. Sergiy Scheblykin
Fotógrafo
LUÍS SEIXAS FERREIRA ALVES, LDA. Luís Ferreira Alves
Fotógrafo
Marta Maria Ferreira
Fotógrafa
CARLOS SOUSA PEREIRA – DETALHAR.PT, LDA. Carlos Sousa Pereira
Arquiteto – Fotografia /Ilustração
CIMBALINO FILMES – PRODUTORA AUDIOVISUAL, LDA.
34
Mafalda Rebelo
Produtora
Hugo Rodrigues
Fotógrafo
João Lopes Cardoso
Fotógrafo
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.
NOTAS 1
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto:
3
Tradução de uma estrofe do poema “Proverbios y Cantares”, da autoria do
História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Cole-
poeta espanhol António Machado (1875-1939), publicado em MACHADO, An-
ção Património a Norte, N.º 10).
tónio – Campos de Castilla. Madrid: Renacimiento - Sociedad Anónima Editorial,
2
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto:
1912:
História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Cole-
Caminante, son tus huellas
ção Património a Norte, N.º 10).
el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se hace el camino, y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar. Caminante no hay camino sino estelas en la mar.
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2 UM LEGADO PARA NOVOS SÉCULOS: INTERVENÇÕES ANT ERIORES
HUGO BARREIRA
Um legado para novos séculos: intervenções anteriores Transposto o portal que faculta o acesso ao pátio da igreja, somos recebidos pela alvura de quatro conjuntos de paredes onde se recortam, de forma diferenciada e irregular, algumas aberturas. A variedade de dimensões e de desenhos sugere, desde logo, múltiplos tempos e múltiplas funções. Alguns elementos destacam-se, contudo, claramente, como o icónico e imponente portal que dá acesso à igreja, de elaborada e heterogénea configuração, e o de menores dimensões, mas igualmente notável, de acesso à portaria, datado – 1697 – e com um desenho uniforme. Ao lado do portal da igreja, à sua direita, abre-se uma porta mais pequena, em arco apontado, que nos transporta para os tempos de fundação do convento, nos alvores de um recuado século XV. Com esta amálgama de elementos, convivem os acessos modernos, que o observador depreende resultarem de uma intervenção recente, ditados pelas atuais práticas de acessibilidade aos espaços culturais e cultuais. Esquecido deverá estar já o aparato discreto das instalações da Polícia de Segurança Pública, que deixamos ao franquear o portal de acesso ao pátio interior, em jeito de narrativa paralela à qual voltaremos. Longínquo está, também, o derradeiro suspiro da última freira, que, 120 anos antes destas palavras serem escritas, aquelas paredes terão presenciado.
Com este breve exercício de perceção procuramos situar o leitor perante um problema que não conseguiremos resolver: quantas camadas temporais coexistem na igreja de Santa Clara do Porto? Ao consultar o N.º 10 da coleção PATRIMÓNIO A NORTE, dedicado à História e Património do Convento de Santa Clara do Porto 1, poderemos perceber que este espaço foi um ativíssimo estaleiro ao longo de toda a sua história, sucedendo-se as campanhas promovidas pelas religiosas e, após 1834 e a extinção das Ordens Religiosas, paulatinamente, pelas entidades que lhes sucederam. As evidências que destas obras nos chegaram aí se acompanham, de forma mais ou menos indelével, começando a rarear com a chegada do século XX.
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Começava, então, um novo momento, em que o sentido da intervenção se aproximava, por caminhos vários, da conservação e restauro. O ponto de vista da mesma era, agora, exterior, tutelado por uma entidade nacional, a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (D.G.E.M.N.), e por filosofias de restauro bem diferentes dos atuais princípios éticos e deontológicos da atividade de conservador-restaurador. Não é este, porém, o momento para discutir as opções tomadas pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais ou mesmo para as analisar. As evidências das extensas campanhas de obras no edifício, levadas a cabo desde 1927, pelo menos, encontram-se dispersas entre registos escritos, fotografias, desenhos e no próprio edifício, carecendo ainda de um olhar que, com a necessária profundidade, os analise e esclareça. Certo é que as sucessivas intervenções não pouparam o edifício e, como veremos, deixaram a sua marca na atualidade. Limitar-nos-emos, deste modo, a evidenciar as principais alterações numa sistematização de elementos necessariamente breve, mas que permita ao leitor acompanhar a sua complexidade, bem como o seu impacte na presente intervenção. Esta sistematização tem por base os elementos recolhidos no Sistema de Informação para o Património Arquitetónico (SIPA) 2, a documentação iconográfica recolhida no âmbito do processo de intervenção, as informações presentes no estudo histórico realizado 3 e o levantamento de dados elaborado pela empresa Archeo-Estudos previamente à intervenção de conservação e restauro.
Iniciamos esta viagem com o toque dos sinos, que emana de uma torre oculta pelo perfil das coberturas, e por uma imagem não datada. Nela encontramos um conjunto de pessoas que, saídas da igreja, longe estão de imaginar que o desmaiado reboco das paredes, bem evidente à esquerda do portal, não mais seria renovado, bem como que os sinos, embora continuando a tocar, não seriam bem os mesmos.
Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (c. 1900-1910, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico4).
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Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto – reprodução de bilhete postal, edição Rodrigues, Porto (1910, Arquivo Histórico Municipal do Porto© 5).
Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (1900-1915, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Alberto Marçal Brandão 6).
Numa outra fotografia, da autoria de Alberto Marçal Brandão, e datável dos inícios do século XX (1900-1915), bem como num bilhete-postal coevo (c. 1910), o portal recortava-se ainda na alvura das paredes. À direita do portal, observamos os vestígios de um tímido arco, entretanto entaipado, e, no alinhamento do mesmo, um conjunto de construções irregulares encavalitam-se junto às janelas superiores da nave.
Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto – reprodução de bilhete postal, edição A. D. Canedo, Sucessor, Porto (c. 1910, Biblioteca Pública Municipal do Porto© 7).
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Em nova fotografia de Alberto Marçal Brandão, certamente próxima no tempo, espreita por detrás dos telhados um volume torreado, encimado por cruz e catavento. Nas fotografias seguintes, tiradas a partir da margem de Vila Nova de Gaia, é possível ver um pouco melhor este elemento, no alinhamento do atual campanário, e que poderá ter servido como torre sineira, ostentando uma cobertura de quatro águas, caiada, e diversas aberturas.
Pátio da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo visível possível torre sineira datável do século XIX (1900-1915, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Alberto Marçal Brandão 8).
Vista do Convento de Santa Clara do Porto a partir da margem sul do Rio Douro (Vila Nova de Gaia), sendo visível possível torre sineira datável do século XIX (1900-1915, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Alberto Marçal Brandão 9).
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Vista do Convento de Santa Clara do Porto a partir da margem sul do Rio Douro (Vila Nova de Gaia), sendo visível possível torre sineira datável do século XIX (1908, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Alberto Marçal Brandão 10).
A construção, que poderá datar do século XIX ou ser até um pouco anterior, seria substituída pelo campanário que ainda hoje vemos. Sendo parcialmente visível nas fotografias das duas primeiras décadas do século XX, é notório o seu desaparecimento nas fotografias da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, datáveis da segunda metade da década de 1930, o que reforça a hipótese de se tratar da torre sineira demolida em 1927. É igualmente assinalável que, nas imagens captadas a partir de Vila Nova de Gaia, não há muita evidência de uma torre sineira adossada à sacristia, que existiria no século XVII 11, o que permite levantar a hipótese da sua substituição pela referida torre.
Vista do Convento de Santa Clara do Porto a partir da muralha medieval, sendo visível o novo campanário construído pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (1977, DireçãoGeral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 12, fotografia de Amadeu Astorga Viana).
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Nas fotografias seguintes, os vestígios de reboco desapareceram e o perfil do arco lateral encontra-se agora mais proeminente, tendo sido removido algum do material que o entaipava. Paradoxalmente, os portais apagam-se agora na indiferença de paredes pétreas de aparelho irregular, desnudadas e desprotegidas. No topo, junto às ameias do portal, encavalitam-se ainda as construções que, pela presença do reboco, parecem ainda mais dissonantes do conjunto. Na segunda fotografia, já posterior, o arco deu agora lugar a uma porta em arco apontado, cuja ausência de patine e frescura das juntas disfarçam pouco uma antiguidade mais imaginada que real. Do outro lado do portal amontoa-se um conjunto de tábuas encostadas a uma das janelas da nave. O estaleiro continuaria, então, ativo.
O ano de 1927 marca, tanto quanto sabemos, o início de campanhas de obras que, a partir de 1929, seriam tuteladas pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que se sucederiam com alguma frequência nas décadas seguintes. Em 1927 é demolida, como vimos, uma torre sineira, que seria de madeira, possivelmente uma estrutura revestida por tapamentos precários, ou tabiques, sendo posteriormente construído o campanário atual. Entre 1928 e 1929, decorrem obras de reparação dos telhados, assentamento de esgotos e de soalho na sacristia. Em 1931, o pavimento do pátio é alvo de uma regularização, removendo-se a fonte nele existente, e reparando-se, também, o teto do coro alto. No ano seguinte, parece ser a vez da portaria, que vê o seu pavimento regularizado e coberto por um material moderno, o betão.
Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo visíveis os vestígios de um arco apontado, à direita (c. 1936-1944, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 13).
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Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo já visível a porta em arco apontado totalmente reconstruída (c. 19361944, Direção-Geral do Património Cultural© SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 14).
Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
A primeira metade da década de 1930 terá sido especialmente profícua, nela decorrendo as principais alterações evidenciadas nas fotografias de exteriores. Assim, antes de 1936, foi removido o reboco das paredes e reconstruída a abertura em arco apontado, Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
à direita do portal da igreja. Possivelmente por esta altura, a igreja receberia um sistema de iluminação elétrica, constituído por alguns candeeiros que pendiam de aberturas no teto da nave e da capela-mor, bem como por alguns aplicados diretamente na talha entre os altares, com um desenho mais cuidado, como é visível nas fotografias seguintes, posteriores a 1936, da autoria de José Marques de Abreu Júnior. Tal sistema de iluminação encontrava-se ainda ausente nas fotografias da nave da igreja captadas por Alberto Marçal Brandão entre 1900 e 1915, no que será possivelmente o mais antigo registo fotográfico conhecido da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, e onde são inclusivamente ainda visíveis os gradeamentos de alguns dos altares laterais e a grade do coro baixo, posteriormente removidos.
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Nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo visíveis os gradeamentos dos altares laterais e do coro baixo (1900-1915, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Alberto Marçal Brandão 15).
Nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo visível o sistema de iluminação elétrica no teto (Posterior a 1936, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 16, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
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Um aspeto digno de nota, quando comparados os dois conjuntos de imagens, é a presença, ladeando a grade do coro baixo, de duas maquinetas com imagens, bem como de outros elementos em talha, atualmente expostos no coro baixo, e de alguns elementos adicionais, como a pintura de Santa Filomena, exposta atualmente na portaria, sobre a abertura para a comunhão, bem como dois confessionários amovíveis. Estes acrescentos, que seriam, entretanto, removidos, poderiam destinar-se a camuflar os danos na pintura mural bem visíveis em outras fotografias e já evidentes nas imagens de Alberto Marçal Brandão. Por outro lado, as fotografias mais antigas demonstram que o interior sofreu outras alterações mais profundas, tendo sido removidas as grades dos altares de Nossa Senhora da Piedade e do Calvário, bem como um gradeamento que impedia o acesso à grade de comunhão do coro baixo, entretanto removidos. Foram ainda substituídos os bancos e removidas as cortinas que protegiam os altares e cujas evidências ainda marcaram, como veremos, a presente intervenção.
Num compartimento onde se encontrava guardada a Urna de Quinta-Feira Santa, acessível pelo teto da tribuna da capela-mor, foram encontrados jornais com a data de 1935, utilizados para embrulhar os raios que ornamentam a urna. Embora tal não seja suficiente para datar este espaço que, como veremos, resultou de um acrescento, é possível associar a presença destes jornais ao contexto da intervenção que temos vindo a acompanhar e que, pese embora a ausência de outros registos, poderia ter tido uma maior extensão no interior da igreja.
Também o ano de 1936 aparece registado num sino que, com um outro datado de 1785 17, convive no campanário de alvenaria entretanto edificado, numa linguagem revivalista que se procura associar às origens do convento. Uma vez que o campanário possui uma só ventana, o novo sino, adicionado possivelmente para suprir as necessidades litúrgicas, foi colocado numa estrutura metálica de suspensão, lateralmente. O sino foi fundido na extinta Fundição de Rio Tinto 18, tal como se pode ler na respetiva inscrição 19, pelo fundidor Laurentino Martins da Costa, possivelmente por encomenda da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, de acordo com a prática habitual nas intervenções no norte do país.
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Atual campanário da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, construído entre 1927-1936 (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Sino datado de 1936 fundido na Fundição de Sinos de Rio Tinto por Laurentino Martins da Costa (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian – DRCN | fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
100 cm 25 cm
84 cm
FUNDIÇÃO DE SINOS DE
RIO TINTO DE
F
IÇÃO DE SIN ND DE U
RIO TINTO
OS
38 cm
DE
L. M. DA COSTA PORTO
L. M. DA COSTA PORTO
1936
45 cm
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No mesmo ano estavam, também, concluídas as obras de restauro do troço da muralha gótica da cidade, vulgarmente designada por “Muralha Fernandina”, removendo-se os acrescentos feitos pelas freiras de Santa Clara, nomeadamente os seus mirantes. Através das imagens seguintes, originalmente publicadas no “Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais”, de setembro de 1936, e dedicado à intervenção, é possível acompanhar as suas transformações e perceber a extensão da “reintegração” levada a cabo nos anos 1930.
Uma breve panorâmica tirada a partir da Ponte D. Luís I, permite-nos vislumbrar a cerca em 1913, antes das obras de “reintegração”. Note-se que a zona já teria sofrido considerável intervenção com a construção da ponte na primeira metade da década de 80 do século XIX, pelo que estas imagens constituem o registo fílmico mais antigo que conhecemos da cerca do Convento de Santa Clara, ainda com muitas construções que, entretanto, desapareceram.
Cerca do Convento de Santa Clara do Porto [00:06:54:12 - 00:08:00:00h], inserida no documentário “A Cidade do Porto”, produzido por Alfredo Nunes de Mattos para a Invicta Film (1913, Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema© 20).
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“Trecho da muralha antes do restauro com um cubêlo adaptado a mirante para recreio das freiras de S. ta Clara” – reprodução da Figura 6 da publicação de 1936 “As muralhas do Porto”, inserida na coleção “Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” 21.
“(Da colecção do Dr. Pedro Vitorino) Trecho da muralha limitando a cêrca do convento de S.ta Clara (fotografia colhida do Paço Episcopal em 1880)” – reprodução da Figura 8 da publicação de 1936 “As muralhas do Porto”, inserida na coleção “Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” 23.
“(Da colecção do Dr. Pedro Vitorino) Trecho da muralha da Porta do Sol e restos da mesma porta. Fotografia tirada em 1884” – reprodução da Figura 11 da publicação de 1936 “As muralhas do Porto”, inserida na coleção “Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” 25.
50
“O mesmo trecho depois da reintegração” – reprodução da Figura 7 da publicação de 1936 “As muralhas do Porto”, inserida na coleção “Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” 22.
“O mesmo trecho, visto duma das tôrres da Sé Catedral, depois da reintegração” – reprodução da Figura 9 da publicação de 1936 “As muralhas do Porto”, inserida na coleção “Boletim da DirecçãoGeral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” 24.
“O mesmo trecho de muralha, já sem o pano onde estava a Porta do Sol, com o aspecto de há 40 anos” – reprodução da Figura 12 da publicação de 1936 “As muralhas do Porto”, inserida na coleção “Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” 26.
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“O mesmo trecho de muralha em época recente, antes da reintegração, vendo-se ainda os restos dum mirante adaptado no cubelo” – reprodução da Figura 13 da publicação de 1936 “As muralhas do Porto”, inserida na coleção “Boletim da DirecçãoGeral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” 27.
“Ainda o mesmo trecho após a sua reintegração” – reprodução da Figura 15 da publicação de 1936 “As muralhas do Porto”, inserida na coleção “Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais” 28.
Vinte anos depois, uma notícia do boletim cinematográfico, ou jornal de atualidades, “Imagens de Portugal”, n.º 80, transporta-nos para um breve percurso por estas “Muralhas do Porto” [00:00:00:00 - 00:01:14:00h], detendo-se no lanço de “Santa Clara dos Guindais” e recuperando a função que lhes havia sido destinada pelas clarissas, a de “pacíficos miradouros” que, porém, invocavam “um passado distante”. Nas imagens, que potenciam a paisagem entrevista por entre as ameias, é bem visível o contraste entre a patine do aparelho original e os acrescentos resultantes da intervenção, que os anos seguintes tratariam de camuflar em parte. Note-se ainda que, na viragem para a década seguinte, uma aparatosa
Notícia “As Muralhas do Porto” [00:00:00:00 00:01:14:00h], inserida no jornal cinematográfico “Imagens de Portugal”, episódio n.º 80 (1956, Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema© 29).
derrocada obrigaria a nova e morosa intervenção de reconstrução da muralha, em consonância com a consolidação da escarpa dos Guindais, obra que se prolongaria até cerca de 1963, o que confere a este filme um interessante valor documental. Através da inscrição do sino é possível, de algum modo, limitar esta campanha, uma vez que os registos de obras voltam apenas a emergir com as reparações de 1941, decorrentes do ciclone que afetou o território nacional. No ano seguinte é restaurada a sacristia e as dependências que se lhe sucedem em altura no respetivo volume adossado
à
capela-mor.
Estas
obras
foram
consideravelmente
exten-
sas, depreendendo-se que a canalização apresentasse já alguns problemas, como veremos, uma vez que é novamente intervencionada. Todo o interior da sacristia parece ter sido objeto de restauro, inclusivamente o revestimento azulejar, os retábulos e os tetos em caixotões das várias dependências, tal como na então designada “casa de Nossa Senhora”, ou “da tribuna”, e atualmente capela de Nossa Senhora.
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No mesmo ano é também reparado o telhado da capela-mor. As obras na sacristia e dependências superiores prolongar-se-iam pelo ano seguinte. Na viragem de 1943 para 1944 desaparecem os volumes que víramos na parede norte, junto às ameias do portal da igreja, e que albergavam os foles do órgão. Esta demolição é acompanhada de obras na galeria norte, nas quais se executam em alvenaria uma parede e uma janela e onde são substituídas coberturas na nave, possivelmente relacionadas com a demolição, sendo curioso notar que algumas destas obras incluíam já estruturas em betão-armado disfarçadas por materiais tradicionais. Ainda em 1944 inicia-se a reparação da cobertura do coro e é apeado o seu teto em caixotões. As obras contariam ainda com reconstruções na parede sul. Já em 1945, são colocados vitrais coloridos, com armação em chumbo, em cinco janelas da nave do pátio, executados pela Vidraria Antunes, do Porto, tendo sido entretanto acrescentados vitrais semelhantes nas restantes janelas. No ano seguinte, em 1946, iniciam-se as ações de restauro de pinturas do interior da igreja, a cargo dos pintores Augusto Tavares e Abel Demolição da “casa do órgão”, situada na parede norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (c. 1944, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 30, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
de Moura, e continuam as obras no coro alto. Poderá ter sido por esta altura removida a claraboia de vidro que ocupava o espaço de um dos caixotões e providenciava iluminação zenital ao coro alto.
Coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo ainda visível uma claraboia no teto de caixotões (anterior a 1944, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 31, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
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Decorrem, então, obras também na galeria sul, espaço que José Marques de Abreu Júnior capta numa belíssima imagem que regista o seu aspeto antes dos trabalhos. Estas obras incluem reconstrução de parede, regularização de pavimento, melhoramento das coberturas e novas caixilharias. Até à década de 1950 decorrem restauros nas telas do coro alto e, como as fotografias ilustram, no contexto da intervenção, o revestimento azulejar foi totalmente retirado e recolocado, sofrendo algumas alterações, mormente na zona superior da parede este, onde atualmente não existe, sendo também intervencionado o cadeiral. É, neste ano, igualmente fixada a talha do teto da nave e reparado o telhado da capela-mor. Ao longo da nova década continuam os restauros das pinturas do coro, sendo, inclusivamente, executada uma moldura em talha. No pátio são substituídos os degraus em 1952 e, dois anos depois, são restauradas novas pinturas.
Galeria («varanda») sul da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (anterior a 1946, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 32, fotografia de José Marques de Abreu Júnior).
Galeria («varanda») sul da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Galeria («varanda») norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Coro alto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto antes da intervenção da DireçãoGeral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (anterior a 1944, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 33, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
Observando as diversas fotografias que José Marques de Abreu Júnior captou em vários momentos da intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, é possível depreender que, no contexto das alterações dos anos 1940 e 1950, tenham sido demolidos os principais vestígios das primitivas soluções construtivas, nomeadamente as paredes em tabique de madeira, com diferentes técnicas, visíveis também na casa do órgão, a já referida solução de iluminação zenital do coro alto e alguns dos pavimentos mais antigos.
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Coro alto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto durante a intervenção da DireçãoGeral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (1949, Direção-Geral do Património Cultural© SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 34, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
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A parca informação sobre as obras realizadas e a incerteza quanto à datação de algumas fotografias não permite, porém, avançar, nesta fase, com uma clara identificação e delimitação destas intervenções. As plantas e alçados executados pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais entre 1950 e 1954 permitem, contudo, um conhecimento mais exato do estado do edifício à data.
Planta do piso térreo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto após intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (1950, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 35).
Planta do piso superior da igreja do Convento de Santa Clara do Porto após intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (1950, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 36).
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Alçado exterior norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto após intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (1954, DireçãoGeral do Património Cultural© - SIPASistema de Informação para o Património Arquitetónico 37).
Corte transversal da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto após intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (1954, DireçãoGeral do Património Cultural© - SIPASistema de Informação para o Património Arquitetónico 38).
Corte transversal do coro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto após intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (1954, DireçãoGeral do Património Cultural© - SIPASistema de Informação para o Património Arquitetónico 39).
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Sabemos igualmente que o corpo anexo à igreja, possivelmente a portaria, é intervencionado ao longo da segunda metade da década de 1950, sendo deslocados alguns dos seus vãos, bem como removidos alguns corpos anexos na parede sul, voltados para o pátio interior. A capela-mor e os coros receberam novas obras gerais a partir de 1956, prolongando-se as mesmas até ao final da década, restaurando-se, igualmente, o acesso ao coro. Aspeto da cobertura arruinada da portaria do Convento de Santa Clara do Porto antes da intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (c. 1955, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 40, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
Igreja do Convento de Santa Clara do Porto durante a intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, sendo visível a cobertura arruinada da portaria (c. 1955, DireçãoGeral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 41, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
Aspeto da cobertura da portaria do Convento de Santa Clara do Porto durante a intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, sendo visível a caleira na cornija antes da colocação da armação de betão (c. 1955, DireçãoGeral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 42).
Aspeto da cobertura da portaria do Convento de Santa Clara do Porto durante a intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (c. 1955, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPASistema de Informação para o Património Arquitetónico 43, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
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Portaria do Convento de Santa Clara do Porto durante a intervenção da DireçãoGeral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (c. 1959, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 44, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
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Entre 1959 e 1961, o “anexo” (atual corpo da portaria) recebe uma placa de betão e um novo teto no andar térreo. Dois anos antes, Silva Brandão regista as mais antigas imagens em movimento a cores do exterior da igreja, a qual merece honras de representação da cidade no documentário “Porto, Cidade em Progresso” de 1959. O brevíssimo plano [00:012:11:05 - 00:12:22:20h] mostra bem as paredes desprovidas de reboco, os portais escurecidos, a abertura em arco apontado e, no plano superior, junto à porta da portaria, as evidências das alterações dos anos 1940 e 1950. À medida que o plano sobe é claramente visível a ausência de patine do arco do clerestório, bem como as diferenças na parede envolvente, feitas de novo no contexto da demolição das casas do órgão, à semelhança das molduras novíssimas das janelas superiores do corpo da portaria, deslocadas há poucos anos. Na viragem para a década seguinte é renovada a instalação elétrica, que poderia ser a que vimos nas imagens anteriores e que desaparece em imagens posteriores a 1961. Por esta altura são furtados e reconstruídos alguns elementos da talha da capela-mor.
Igreja de Santa Clara do Porto [00:012:11:05 - 00:12:22:20h] no documentário “Porto, Cidade em Progresso” (1959, Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema© 45).
Evidência da alteração do pavimento no primeiro andar do corpo da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, em intervenções anteriores (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Detenhamo-nos,
brevemente,
na
primeira
metade da década de 1960. Por estes anos, entre 1962 e 1964, Robert Chester Smith (1912-1975) fotografa a igreja no âmbito dos seus seminais estudos sobre a talha em Portugal 46. Através do amplo conjunto de fotografias então produzidas, é possível perceber que pouco mudara no interior da igreja. O sistema de iluminação aproxima-se, embora com alterações, do que víramos nas fotografias da década de 1930. Na capela-mor, ainda é visível a grade de comunhão, a banqueta colocada no altar com a disposição anterior ao Concílio Vaticano II, bem como a evidente degradação da tela que oculta o trono eucarístico, mal alinhada com o pavimento daquele. Nos níveis inferiores são já evidentes os danos na superfície da talha.
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No corpo da nave encontramos algumas diferenças evidentes, nomeadamente na disposição das imagens – vejam-se os atuais altares da Sagrada Família e do Menino Jesus. No primeiro, Registo fotográfico da Igreja do Convento de Santa Clara do Porto realizado no âmbito do inventário de talha portuguesa da responsabilidade do historiador norteamericano Robert C. Smith, onde são visíveis algumas alterações, bem como alguns sinais de degradação (1962-1964, Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia de Robert Chester Smith 47).
o nicho central é ocupado por uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, claramente posterior, enquanto no segundo, aos pés do Menino Jesus, é visível o conjunto da Sagrada Família em suportes improvisados. Na parede norte, no tramo correspondente ao da porta aberta antes de 1936, sob o órgão, é bem evidente a lacuna da pintura em “trompe l’oeil”, que cobre a porta esquerda e as molduras em pedra, originada pela substituição da porta da direita. Por fim, na grade do coro baixo é visível a moldura da abertura para a comunhão. Voltaremos a estes aspetos ao longo da presente intervenção.
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Imagem do Sagrado Coração de Jesus, visível no registo fotográfico realizado em 1962-1964 pelo historiador norte-americano Robert C. Smith e atualmente exposta no piso 1 do corpo da portaria (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto – reprodução de imagem inserida na publicação de 1968 “The Art of Portugal”, da autoria de Robert C. Smith 48.
Continuando a sequência de intervenções, em 1966, o adro é parcialmente drenado e são pintadas as portas. Em 1967, é levantado o pavimento de madeira da igreja, sendo visível um pavimento em cantaria com lápides sepulcrais e, no mesmo ano, levanta-se a necessidade de restauro da tela do trono e do respetivo mecanismo. No ano seguinte, começam os trabalhos de consolidação dos retábulos em desequilíbrio na nave, pelo que as detalhadas fotografias de Robert C. Smith registam o momento imediatamente anterior ao início das principais intervenções na obra de talha. Sucedem-se reparações na cobertura e nas caixilharias. Na década seguinte, em 1971, extensas obras alteram os coros, iniciando-se pelo pavimento da galeria do coro alto. Em 1972, é reconstruído o pavimento do coro baixo, que apresentava sinais de fragilidade, e é apeado um revestimento azulejar, concluindo-se as obras em 1973. Nos anos seguintes, são reconstruídos os telhados das galerias norte e sul e picados os rebocos, continuando as obras com intervenções diversas até ao final da década.
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Coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto durante a intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (c. 1972, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 49, fotografia de Amadeu Astorga Viana).
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Lajeado da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto durante a intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (c. 1995, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 50, fotografia de Guilherme Simões Fernandes dos Anjos).
Em 1980, é feita uma obra de conservação da talha em locais não identificados e, no ano seguinte, é substituída a instalação elétrica. Em 1988, tem lugar uma operação de limpeza da talha. Poderá tratar-se da intervenção na capela-mor à qual voltaremos nos capítulos seguintes por motivos poucos felizes. Sucedem as obras de reparação do telhado e de melhoramento da instalação elétrica, prolongando-se até à década seguinte. Em 1995, é levantado o pavimento da nave e da capela-mor, sendo ainda visível nas fotografias coevas a grade de comunhão no lugar original e sendo notório o reposicionamento das imagens da Sagrada Família no respetivo altar. Por outro lado, nestas fotografias, é já visível o recuo dos altares laterais, com exceção dos altares do Calvário e de Nossa Senhora da Piedade (que haviam sofrido intervenções posteriores ao século XVIII), que em imagens até à década de 1960 se apresentavam mais avançados, com a respetiva mesa claramente saliente como se pode ver nas fotografias de Robert C. Smith. Estas renovações acarretaram também a alteração dos frontais.
Pormenor da disposição atual dos altares da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo visível a manutenção do recuo das respetivas mesas e a alteração dos frontais (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Aspeto dos andaimes montados na nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto durante intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais na sanefa do arco do cruzeiro (c. 2000, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 51).
Aspeto da cobertura da igreja do Convento de Santa Clara do Porto durante intervenção da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (c. 2001, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 52).
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Quando Robert C. Smith se deslocou à igreja para proceder ao registo fotográfico, podia encontrar o quartel da Polícia de Segurança Pública já no local atual, onde se instalara em 1960, nas antigas dependências do “Aljube”. Trinta e cinco anos depois, em 1995, inicia-se um extenso projeto de reabilitação das instalações em torno do claustro. As obras são adjudicadas em 1996 e concluídas em 1999, segundo o projeto do arquiteto Victor Mestre. Note-se que, em data ainda por determinar, os acessos ao claustro, a partir do coro baixo, haviam sido encerrados, isolando assim, entre si, a igreja e os edifícios originalmente correspondentes ao claustro e respetivos dormitórios. Pela mesma altura, no interior da igreja, é objeto de intervenção a talha da sanefa do arco do cruzeiro, concluindo-se a intervenção em 2000. Em 2001 é realizada nova obra de conservação das coberturas e, em 2004, é lançado um concurso público para adjudicação da reparação dos paramentos exteriores. A partir das fotografias existentes no SIPA, Sistema de Informação para o Património Arquitetónico da Direção-Geral do Património Cultural, é possível levantar a hipótese de outras intervenções terem decorrido no interior da igreja e dependências anexas, bem como em elementos no exterior. A título de exemplo, nas fotografias datadas de 2003, é já visível a grade de comunhão junto à parede do coro, bem como a remoção do gradeamento em ferro, o que evidencia uma intervenção no interior da igreja decorrida provavelmente na campanha de 1995. Do mesmo modo, a pia de água benta foi, também, deslocada para a localização atual, sendo ainda visível nas fotografias dos anos 1960 a sua localização anterior, do lado oposto da porta principal, junto ao primeiro tramo da nave.
Nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2003, Direção-Geral do Património Cultural© - SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico 53).
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69
Por fim, no registo realizado em 2015 pelo fotógrafo Luís Ferreira Alves, são visíveis as últimas alterações nos corpos da portaria, entretanto ocorridas, e que se destinaram à criação de um pequeno núcleo expositivo com algumas das peças do acervo da igreja. Concluída esta breve viagem, é possível perceber como, na presente intervenção, a igreja do Convento de Santa Clara do Porto evidencia ainda marcas de todos estes tempos: da alvura do reboco recuperado nas paredes, à consequente valorização dos portais de épocas diferenciadas, passando pela intervenção recente nas dependências do quartel da Polícia de Segurança Pública, às irremediáveis reconstituições mais ou menos imaginativas da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
Núcleo expositivo situado no piso superior da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
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NOTAS 1
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
PORTO / 1936.
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
20
Referência: ID CP-MC: 7000230.
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
21
DIREÇÃO-GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, 1936,
2
Figura 6.
Foram consultados os processos relativos aos vários edifícios que integra-
vam o convento, dos quais se destacam a igreja (IPA.00009341) e o edifício do
22
quartel da P.S.P. (IPA.00005563), bem como o edifício da Associação Protetora
Figura 7.
da Infância Bispo D. António Barroso (IPA.00021427) e o Centro de Saúde da
23
Batalha (IPA.00022838).
Figura 8.
3
24
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
DIREÇÃO-GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, 1936, DIREÇÃO-GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, 1936, DIREÇÃO-GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, 1936,
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
Figura 9.
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
25
4
Referência: SIPA.FOTO.00538524.
Figura 11.
5
Referência: D-PST/1045.
26
6
Referência: PT-CPF-AMB-0015-000170.
Figura 12.
7
Referência: BPMP_PIp_691.
27
8
Referência: PT-CPF-AMB-0015-000169.
Figura 13.
9
Referência: PT-CPF-AMB-0019-000006.
28
DIREÇÃO-GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, 1936, DIREÇÃO-GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, 1936, DIREÇÃO-GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, 1936, DIREÇÃO-GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS, 1936,
10
Referência: PT-CPF-AMB-0001-000057.
Figura 15.
11
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
29
Referência: ID CP-MC: 7000570.
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
30
Referência: SIPA.FOTO.00051923.
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
31
Referência: SIPA.FOTO.00051920.
12
Referência: SIPA.FOTO.00051995.
32
Referência: SIPA FOTO.00051906.
13
Referência: SIPA.FOTO.00051996.
33
Referência: SIPA.FOTO.00051900; SIPA.FOTO.00051899.
14
Referência: SIPA.FOTO.00051996.
34
Referência: SIPA.FOTO.00051927; SIPA.FOTO.00051916.
15
Referência: PT-CPF-AMB-0015-000166.
35
Referência: SIPA DES.00003012.
16
Referência: SIPA. FOTO.00051910; SIPA. FOTO.00051904.
36
Referência: SIPA DES.00003013.
17
Sobre os primitivos sinos do convento veja-se SOUSA, Ana Cristina;
37
Referência: SIPA DES.00003037.
RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto: História e Património.
38
Referência: SIPA DES.00003036.
Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Coleção Património a Norte,
39
Referência: SIPA DES.00003052.
N.º 10).
40
Referência: SIPA FOTO.00051953.
18
SEBASTIAN, Luís – A técnica artesanal de fundição de sinos em Portugal:
41
Referência: SIPA.FOTO.00051928.
as duas últimas fundições portuguesas. In SEBASTIAN, Luís [et al.] – Subsídios
42
Referência: SIPA FOTO.00051958.
para a História da fundição sineira em Portugal. Coruche: Museu Municipal de
43
Referência: SIPA.FOTO.00051950; SIPA.FOTO.00051959; SIPA.
Coruche. 2008. pp. 177-212.
FOTO.00051963.
(disponível em https://www.academia.edu/43889690/Subs%C3%ADdios_
44
para_a_Hist%C3%B3ria_da_fundi%C3%A7%C3%A3o_sineira_em_Portugal)
FOTO.00051969.
Referência: SIPA. FOTO.00051970; SIPA. FOTO.00051969; SIPA.
45
Referência: ID CP-MC: 7001970.
46
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Coleção Património a Norte, N.º 10). 47
Referência: 9656470454_49d7001f9f_o; 9656456164_19bb2a-
PINTO, Diana Felícia – De Campanis Fundentis: A Fábrica de Fundição de Sinos
ba33_o; 9656455598_3304e754da_o; 9653223365_35c434627b_o;
de Rio Tinto. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 2019.
9653223009_b99ccc79d5_o; 9656458602_88b6ee70c7_o;
Relatório de Estágio de Mestrado em História da Arte (policopiado).
9656467562_524f356b8c_o; 9656465572_c30a588e21_o; 9656464772_
(disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/121685)
c8d8309cb4_o; 9653230409_9e13ac8d33_o; 9653227931_e3ddbec1c9_o; 9653226887_2450cfd52a_o; 9653221967_cb3ccaf06e_o; 9653225085_2a05a71b82_o; 9653222821_323e721560_o. 48
SMITH, 1968, estampa VI.
49
Referência: SIPA. FOTO.00051991; SIPA. FOTO.00051984; SIPA.
FOTO.00051985; SIPA. FOTO.00051986. 19
FUNDIÇÃO DE SINOS / DE / RIO TINTO / DE / L. M. DA COSTA /
50
Referência: SIPA FOTO.00052016.
51
Referência: SIPA FOTO.00106003.
52
Referência: SIPA FOTO.00685883.
53
Referência: SIPA. FOTO.00558028.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
71
3 A INFRAESTRUTURA:
ARQUITETURA, CONSTRUÇÃO CIVIL E AÇÕES PRÉVIAS
HUGO BARREIRA
A infraestrutura: arquitetura, construção civil e ações prévias
Para compreendermos a presente intervenção, e o que poderemos encontrar nos próximos capítulos, é necessário recuar a 2014, altura em que a Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), no âmbito de uma candidatura apresentada à linha de cofinanciamento europeu “ON.2 o Novo Norte, Programa Operacional Regional do Norte” (QREN – Quadro de Referência Estratégico Nacional), iniciava a primeira fase da mais completa intervenção de conservação e restauro alguma vez realizada na igreja do Convento de Santa Clara do Porto.
Previamente, ainda em 2009, tinha já sido realizada uma primeira operação de salvaguarda do recheio da igreja, identificando-se os principais problemas, o que asseguraria o planeamento das etapas futuras. Neste contexto foram, igualmente, identificados e recolhidos os elementos que integravam o recheio da igreja e que se encontravam dispersos pelas várias dependências da mesma, tais como componentes ou fragmentos de talha, destacados dos respetivos conjuntos, elementos de mobiliário, imagens retiradas dos altares, materiais azulejares destacados, objetos litúrgicos, entre outros. Em 2015, dando continuidade ao trabalho iniciado, os objetos foram então fotografados e inventariados, tendo sido acondicionados e transportados para o Paço Episcopal do Porto, onde foram depositados provisoriamente. Esta ação revelar-se-ia fundamental, pois, como veremos, estes elementos permitiram mais tarde o preenchimento e reconstituição de numerosas lacunas posteriormente identificadas durante a intervenção de conservação e restauro.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
75
1
2
3
CONVENTO DE SANTA CLARA DO PORTO
26
PLANTA 1834
16 4
Legenda: 1 Porta do Sol (muralha medieval) 2 Casa de Francisco Ribeiro Pinto Rangel
19
3 Capela de Santo António do Penedo 4 Campo de Santa Clara 5 Porta de acesso ao pátio «de fora» (?)
5
de fora fora»» (?) 6 Pátio ««de Tanque do pátio pátio»» (?) 7 ««Tanque 8 Igreja (nave)
16 1 6
12 16
9 Igreja (capela-mor)
7
10 Sacristia 11 Coro baixo
13
12 Portaria
15 14
13 Claustro (pátio)
11
8
9
14 Chafariz do claustro
16
15 Claustro (galeria)
10
16 Dormitórios 17 Dependências
17
18 Tanque « da claustra «da claustra»» ou «do claustro de fora» (?)
18
19 Tanque 20 « Fonte da horta «Fonte horta»» (?) 21 « Tanque da horta «Tanque horta»» (?)
17
22 Horta 23 Cerca
24 Cerca (muralha medieval) 25 Mirante dos Guindais (torre medieval)
19
26 Mirante da Porta do Sol (torre medieval)
21 20
24
22
23
N
0
20 m
25
76
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Reconstituição da planta do Convento de Santa Clara do Porto no momento da sua extinção, em 1834 1 (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
CONVENTO DE SANTA CLARA DO PORTO PLANTA 2021
6
Legenda: 1 Paróquia da Sé - Igreja paroquial 2 Paróquia da Sé - Residência paroquial 3 Centro Social da Sé Catedral do Porto 4 Polícia de Segurança Pública - Comando Metropolitano do Porto 5 API - Associação de Proteção à Infância D. António Barroso 6 Centro de Saúde da Batalha 5
7 Muralha medieval
7
4 1 3 2
3
3
N
0
20 m
Planta atual do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
77
CONVENTO DE SANTA CLARA DO PORTO PLANTA DA IGREJA 2021 Legenda: A Portaria 3
B Coro baixo
2
A
PISO 0
C Nave D Capela-mor E Sacristia
1
F Coro alto
10 4
G Capela de Nossa Senhora
10 11 12
9
13
16
23
1 Portal da igreja
24 25
22
C
7
17
6
5
15
2 Portal da portaria
8
B
14
18
19
20
26
D
3 Altar de Cristo Crucificado 4 Altar de Nossa Senhora da Conceição
25
21
5 Altar do Senhor dos Passos 6 Confessionário
E
7 Locutório da grade
28
8 Grade
27
9 Roda da grade 10 Locutório 11 «Roda de fora» 12 Pia gótica de água benta 13 Altar das Almas 14 Púlpito 15 Altar de São João Evangelista 16 Altar de Nossa Senhora da Conceição
PISO 1
17 Altar de Nossa Senhora da Piedade
33
18 Altar do Calvário 19 Altar da Sagrada Família 20 Altar do Menino Jesus
8
29
21 Altar de São João Batista 22 Arco do Cruzeiro cruzeiro
F 29
31
8
22
C
D
26
23 Armário
30 8
24 Brasão dos Barreto e Ferraz
32
25 Nicho com credência 26 Retábulo da capela-mor 27 Lavabo da sacristia 33
28 Arcaz e altar da sacristia 29 Cadeiral 30 Órgão pequeno (realejo) 31 Órgão grande 32 Órgão mudo 33 «Varanda» 34 Tela do altar-mor 35 Altar de Nossa Senhora 36 Maquineta com Calvário
PISO 2
37 Varandim 38 Calvário 39 Janela (do clerestório)
8
31
39 39
39
39
39
38
F
37
8
8
32
22
C 39 39
39
39
D
26
34
39
35
G
36
N
0
10 m
Planta atual da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
CONVENTO DE SANTA CLARA DO PORTO ÁREA INTERVENCIONADA 2014-2021
N
0
20 m
Planta do Convento de Santa Clara do Porto com identificação da área intervencionada entre 2014 e 2021 (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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CONVENTO DE SANTA CLARA DO PORTO ÁREA DE COBERTURA SUBSTITUÍDA 2014-2015
N
0
80
20 m
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Planta do Convento de Santa Clara do Porto com identificação da área de cobertura substituída com a intervenção de construção civil de 2014-2015 (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Em meados da segunda década do século XXI, o estado de conservação do edifício era já verdadeiramente preocupante. A invasão do inseto xilófago, a térmita subterrânea – Reticulitermes lucifugus – vulgarmente conhecida por formiga branca, era de tal ordem que várias das estruturas em madeira ameaçavam inclusivamente colapsar, e com elas, o revestimento em talha que caracteriza o interior da igreja.
Consequentemente, entre 2014 e 2015, a igreja foi objeto de uma extensa campanha de desinfestação e de colocação de uma barreira antitérmita, destinada à proteção imediata e estabilização do conjunto, preparando, deste modo, as intervenções seguintes, de caráter mais especializado. Como veremos, esta ação viria a revelar-se altamente eficaz, assegurando a salvaguarda das estruturas afetadas e impedindo a propagação do inseto invasor. Então, e sem certezas ainda sobre a extensão da sua eficácia, constituía uma ação de emergência na qual se depositavam as maiores esperanças. Foi realizada, igualmente, uma primeira intervenção de construção civil, consistindo na muito necessária reparação do telhado, a nível estrutural e de revestimento, bem como na reparação de alguns vãos que se encontravam em mau estado, acompanhada pela drenagem do perímetro do edifício, procurando, assim, controlar-se as infiltrações que também o afetavam, como veremos. Aspeto da recolha, acondicionamento e depósito temporário de elementos dispersos recolhidos no interior do edifício, durante a intervenção (2014, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Vítor Gonçalves – DRCN-DSBC).
Cobertura da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Alves Costa).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Cobertura da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Ainda neste contexto, foram salvaguardados os vestígios de revestimento azulejar que permaneciam in situ, através da aplicação de uma película protetora (“facing”), que permitiu estabilizar a sua adesão às paredes e prevenir maiores destacamentos.
Com a preocupação de manter um registo visual, não apenas para apoio ao planeamento da intervenção, mas, igualmente, para memória futura do edifício, foi ainda realizado em 2015 um primeiro levantamento fotográfico integral, a cargo do fotógrafo Luís Ferreira Alves. Preparou-se, então, uma segunda fase, que teria expressão logo em 2017, tendo-se dado início a uma série de ações em simultâneo. Assim, procedeu-se ao estudo e diagnóstico do estado de conservação dos órgãos da igreja 2, o que viria a dar origem à intervenção de conservação e restauro do “órgão grande” da nave da igreja e do “órgão pequeno” (realejo) do coro alto, ambos a cargo do organeiro Pedro Guimarães e com acompanhamento do musicólogo Nuno Mimoso.
Aspeto da aplicação de película protetora (“facing”) à cobertura azulejar, durante a intervenção (2014, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Helena Cardoso – DRCN-DSBC).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Aspeto dos trabalhos de desmontagem do órgão grande da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Órgão pequeno (realejo) do coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Ainda em 2017, foi feito um primeiro registo ortofotogramétrico 3, o qual, como veremos, funcionou como um excelente suporte para a ação de conservação e restauro do interior da igreja, e ainda um estudo histórico-arqueológico prévio 4, constituído por levantamento arquitetónico por varrimento laser do edifício, com leitura de paramentos segundo a metodologia de “Arqueologia da Arquitetura”, e recolha de fontes documentais e iconográficas, o que permitiu, desde logo, identificar inclusive alguns problemas estruturais.
Iniciaram-se, igualmente, três importantes ações de conservação e restauro. A primeira teve como objeto um conjunto de pinturas de cavalete 5, localizadas na sacristia e em outras dependências da igreja. Do conjunto de sete obras intervencionadas destaca-se a pintura da Porciúncula, uma vasta obra a óleo sobre tela que poderá ter integrado o retábulo-mor da igreja executado na década de 1660 e entretanto modificado e substituído pelo atual, que atualmente se encontra na sacristia. Uma outra pintura, a óleo sobre madeira de carvalho, composta por três tábuas, representa o Menino Jesus Salvator Mundi (Salvador do Mundo), que poderá ter integrado um cadeiral. Atualmente, é visível no coro baixo, juntamente com uma pintura representando São Bento. Na portaria, podemos ver pinturas representando Santa Filomena, Cristo transportando a Cruz (possivelmente com a ajuda de Simão de Cirene) e Santa Clara e, no piso superior, uma pintura representando Nossa Senhora da Conceição. Todas estas pinturas, também intervencionadas, foram realizadas a óleo sobre tela.
Pintura da Porciúncula (óleo sobre tela), exposta na sacristia da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Entre 2017 e 2018, decorreram as intervenções nos coros da igreja. A intervenção no coro baixo 6 contemplou o teto em caixotões, a sanefa, os dois retábulos e respetivas imagens, bem como duas maquinetas e o reboco integral das paredes. A intervenção no coro alto 7, mais complexa, contemplou todo o recheio artístico, anunciando a metodologia que seria adotada na igreja, incidindo no cadeiral, com as respetivas imagens e pinturas, no revestimento azulejar e no teto em caixotões. O sumptuoso coro, constituído por um cadeiral com dois andares, datará dos finais do século XVII, tendo sido acrescentados elementos e modificado o revestimento, até então maioritariamente pintado, no segundo quartel do século XVIII.
Pinturas do Menino Jesus Salvator Mundi (óleo sobre madeira) e de São Bento (óleo sobre tela), expostas no coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pinturas de Santa Filomena (óleo sobre tela) e de Nossa Senhora da Conceição (óleo sobre tela), expostas na portaria e respetivo piso superior do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
Coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, funcionando como espaço de apoio aos trabalhos de conservação e restauro (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues e João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Teto de caixotões do coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ortofotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt). 0
Teto de caixotões do coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ortofotografia 0 de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
[OBRA]
convento santa clara . porto 5m [DESIGNAÇÃO]
5m
plantas teto | coro baixo com ortofoto [FOLHA]
[DATA]
Em 2019 iniciou-se, por fim, a última e determinante campanha,08.03.21 ISC05.03
terminada em 2021, e cuja intervenção na igreja ocupará, em detalhe, os
capítulos seguintes. Esta inseriu-se, porém, num plano mais ambicioso e complexo que, na sequência da primeira fase, se Nregia por uma filosofia de restauro integrado que visava a totalidade do edifício. GSPublisherVersion 0.37.100.76
Coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
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Assim, paralelamente à intervenção no interior, decorreu igualmente uma extensa obra de construção civil, em que as especialidades de arquitetura e de engenharia concorreram para dotar o edifício de melhoramentos em diversos aspetos. Alguns, de natureza mais infraestrutural, embora não muito visíveis, foram essenciais: intervencionaram-se as redes de águas residuais e pluviais localizadas no exterior da parede norte da capela-mor e sacristia, o que se revelou determinante para o melhoramento das condições interiores através da eliminação de humidade e do controlo de infiltrações; por outro lado, a instalação elétrica foi integralmente substituída, removendo-se todas as evidências de instalações anteriores; sendo igualmente instalado um sistema de segurança e vigilância contra intrusão e incêndios e uma rede de comunicações telefónica e de dados.
Coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Nesta obra de construção civil, que deve ser essencialmente invisível, coordenaram-se esforços com a intervenção de conservação e restauro, de modo a assegurar que toda a estrutura de cabos e respetivos canais de passagem interferisse o mínimo possível no aspeto visual do interior da igreja e respeitasse a integridade das estruturas de talha, pintura mural, revestimento azulejar e cantaria originais. Contrariavam-se, assim, as práticas tradicionais de colocação de sistemas de iluminação visualmente intrusivos ou de inserção de cabos que se amontoavam, em campanhas sucessivas, pesando sobre as estruturas originais. Tal foi apenas Pormenor da ocultação da nova instalação elétrica da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, reutilizando as cimalhas do arco do cruzeiro e da capela-mor (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
possível pelo cuidado estudo de soluções, pela articulação das várias intervenções, que decorriam em simultâneo, aproveitando os mesmos recursos, e pelos modernos equipamentos utilizados, mais leves, de menores dimensões e cuja eficiência energética assegurava, igualmente, menor variação de temperatura no interior do edifício.
Mais impactante foi, porém, a obra de arranjo exterior e repavimentação do pátio da igreja – pátio «de fora» –, qualificando o espaço que antecede a igreja e recebe o visitante, bem como melhorando os acessos, aptos às atuais necessidades de mobilidade, complementando a primeira intervenção no pátio que decorrera ainda entre 2014 e 2015. Nesta segunda campanha, entre 2019 e 2021, teve lugar a operação de reposição do reboco das paredes exteriores da igreja, devolvendo-lhes a alvura da cal que lhes havia sido retirada no contexto das intervenções da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais na primeira metade do século XX. Este será, porventura, o aspeto mais surpreendente e imediatamente percetível da intervenção realizada no exterior, devolvendo a plena leitura dos vários elementos pétreos da igreja, tal como os portais, bem como conferindo nova escala e luminosidade a todo o pátio, tornando, por sua vez, a face exterior sul da igreja inclusivamente visível a partir da outra margem do rio. No decorrer da intervenção no pátio, e em consonância com a intervenção nas redes de águas residuais e pluviais, foram, também, aplicadas novas soluções para evitar a acumulação de águas neste espaço.
Pátio da igreja do Convento de Santa Clara do Porto nos inícios do século XX, sendo visível o reboco caiado das paredes (1900-1915, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Alberto Marçal Brandão 8).
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Pátio da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção, sendo visível a superfície de pedra das paredes após remoção do reboco caiado pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (2015, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Luís Alves Costa).
Pátio da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Pátio da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível a reposição do reboco caiado das paredes (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Pátio da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pátio da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível a reformulação do pavimento e instalação de sistema de drenagem de águas pluviais (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
No interior, é importante referir um conjunto de outras ações que decorreram em paralelo e que se destinaram a dotar o conjunto de maior consistência do ponto de vista da conservação. Assim, a janela termal da parede norte, com estrutura em ferro, foi alvo de restauro. As janelas da capela-mor, ao nível inferior, receberam novos vitrais, no alçado norte, assegurando não só um aspeto mais agradável ao olhar, mas também o necessário isolamento do interior, substituindo os vidros que, entretanto, haviam sido colocados nos gradeamentos. Os novos vitrais replicaram os originais, cujos vestígios eram ainda evidentes, sendo similares aos do alçado sul, que foram igualmente objeto de restauro na presente intervenção. Já em 2014-2015 foram colocadas novas janelas na galeria («varanda») voltada a sul, que na presente intervenção receberam estores, e, do mesmo modo, foram pintadas as portadas das aberturas gradeadas para o interior da nave da igreja.
Alçado sul da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção, sendo visível a superfície de pedra das paredes após remoção do reboco caiado pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
Alçado sul da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível a reposição do reboco caiado das paredes (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Aspeto dos trabalhos de preparação e montagem dos vitrais na capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Novo vitral de uma das janelas retangulares da parede norte da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, destacando-se a armação em chumbo (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Vitral original de uma das janelas retangulares da parede sul da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, destacando-se a armação em chumbo (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto da caixilharia colocada em 2014-2015 nas janelas exteriores da galeria («varanda») sul da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Do mesmo modo, toda a sacristia foi objeto de uma extensa intervenção. Referimos já os trabalhos de caráter infraestrutural, que a dotaram de novas condições de saneamento e salubridade, bem como de novas instalações sanitárias. Esta obra revelou-se muito complexa, sendo necessário proceder a intervenções profundas. Tais obras foram acompanhadas de sondagens arqueológicas 9 que permitiram identificar vestígios de uma sacristia mais antiga 10. O interior da sacristia foi, também, objeto de uma extensa intervenção de conservação e restauro que contemplou o teto em caixotões, os revestimentos azulejares, o arcaz, o retábulo com as respetivas imagens e o lavatório 11.
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PISO 0
N
0
10 m
Legenda: Pedra Argamassa Afloramento rochoso Solo N
parede 0
2m
possível escada de acesso ao campanário, datada de 1619
Vestígios arqueológicos de parede e lanço de escadas postos a descoberto em 2021 na sacristia da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, adaptação de ilustração de Arqueologia e Património, Lda. 12 | fotografia de Jorge Fonseca - Arqueologia e Património, Lda.).
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Sacristia da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro da sacristia da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues e João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Sacristia da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Por fim, e de modo a receber da melhor forma o visitante, a intervenção estendeu-se à portaria, cuja requalificação passou pela sua adaptação às novas funções de receção, incluindo o desenho e produção de mobiliário Portaria do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
e instalação de equipamento de bilhética, comunicações e videovigilância. Com o objetivo de apoiar o visitante na correta interpretação dos diferentes espaços, foi ainda instalada, no piso superior da receção, uma sala multimédia com capacidade para visualização de conteúdos videográficos.
Esta adaptação da antiga portaria às novas funções de receção não deixou, contudo, de fora a conciliação do mobiliário instalado com a preexistência do Altar de Cristo Crucificado, passando não só pela sua preservação, mas, inclusive, pelo integral restauro do seu retábulo e respetivas imagens 13.
Portaria do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, funcionando como espaço de apoio aos trabalhos de conservação e restauro (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Projeto de adaptação da portaria do Convento de Santa Clara do Porto à função de receção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Jorge da Costa – DRCN-DSBC).
Portaria do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, sendo visível a existência de uma porta emparedada e oculta pelo retábulo de Cristo Crucificado (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
100
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Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro dos azulejos da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Portaria do Convento de Santa Clara do Porto, adaptada a receção, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Sala do piso superior da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção (2015, Paróquia da Sé do Porto©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
Piso superior da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, funcionando como espaço de apoio aos trabalhos de conservação e restauro (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
102
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Projeto de sala multimédia instalada no piso superior da portaria do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Jorge da Costa – DRCN-DSBC).
Sala multimédia instalada no piso superior da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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2
3
4
CONVENTO DE SANTA CLARA DO PORTO PLANTA DE ABERTURA AO PÚBLICO 2021 5
PISO 0
Legenda: Percurso de visita 1 Espaços abertos ao público 1 Receção e Bilhética
PISO 1
1 2 Coro baixo 1 3 Nave da igreja
1
1 4 Capela-mor da igreja 1 5 Sacristia 6
1 6 Sala multimédia 1 7 Coro alto
2
3
4 7
5
N
PISO 1
0
10 m
6
7
N
0
10 m
Planta de abertura ao público do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Fruto do processo de extinção do convento e das várias fases de desafetação dos edifícios que originalmente constituíam o complexo conventual, a recorrente existência de peças de mobiliário variado, disperso pelos diversos espaços e tantas vezes desconexo do seu contexto primitivo, não deixou aqui de ser, igualmente, alvo de atenção, incluindo a sua intervenção em termos de conservação e restauro 14 e, se caso disso, posterior relocalização.
Em todas estas intervenções de conservação e restauro, as metodologias seguidas foram similares às que acompanharemos nos capítulos seguintes, variando, contudo, consoante os materiais e as técnicas originalmente presentes na produção do objeto intervencionado e as patologias específicas resultantes dos diferentes problemas de conservação e responsáveis pelas principais causas de degradação, contemplando as necessárias adaptações de pormenor, caso a caso.
NOTAS 1
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Coleção Património a Norte, N.º 10). 2
Da responsabilidade do musicólogo Nuno Mimoso.
3
Da responsabilidade de Sergiy Shcheblykin. Uma vez terminada a
intervenção, em 2021, procedeu-se a um novo registo atualizado. 4
Da responsabilidade da empresa Archeo-Estudos, Lda.
5
Da responsabilidade da empresa Servatis Servandis, Lda.
6
Da responsabilidade da empresa Empripar, Lda.
7
Da responsabilidade da empresa Porto Restauro, Lda.
8
Referência: PT-CPF-AMB-0015-000169.
9
Da responsabilidade da empresa Arqueologia e Património, Lda.
10
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Coleção Património a Norte, N.º 10). 11
Da responsabilidade da empresa Cinábrio, Lda.
12
Arqueologia e Património, Lda., desenho de campo de Ricardo Mota,
desenho de gabinete de Rodry Mendonça, 29 de janeiro de 2021. 13
Da responsabilidade da empresa Arte e Talha, Lda.
14 Da responsabilidade de Alexandre Maniés.
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4 A CAVERNA DE OURO:
CAPELA-MOR E ARCO DO CRUZEIRO
HUGO BARREIRA | ANA BRITO | RITA VEIGA
Onde estamos? – uma breve contextualização
Capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Num templo cristão, o espaço da capela-mor é o mais importante, constituindo o coração da liturgia. Ao albergar o presbitério, onde decorre a celebração, é, igualmente, palco de utilização estrita, mas intensiva, por parte do clero, dado que, neste caso, as religiosas e o povo se reuniam no coro e na nave, respetivamente. O ano litúrgico ditava uma praxis exigente no que diz respeito à solenização das celebrações, com a utilização abundante de decorações de variada índole. Pelo seu espaço, espalhar-se-ia o incenso, enquanto no lampadário, junto ao sacrário, uma lamparina de azeite albergava uma luz em vigília permanente ao Santíssimo Sacramento, cuja exposição no trono eucarístico era enobrecida com flores e luminárias nos seus degraus. Para algumas festas, armadores bem-intencionados preenchiam com panos de armar o que o entalhador e o escultor deixaram para a imaginação dos vindouros.
Elementos constituintes da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Paralelamente às transformações temporárias, na capela-mor iniciavam-se as alterações que procuravam nobilitar e modernizar o espaço de culto. No caso da igreja de Santa Clara, tal não foi exceção, e está bem documentada a transformação que decorreu na viragem para a década de trinta de setecentos, culminando na obra de talha e imaginária dirigida por Miguel Francisco da Silva. Outras alterações decorriam de motivos menos elevados, como o desaparecimento de um precioso sacrário de prata no contexto das Guerras Peninsulares 1, entretanto substituído por um bem menos interessante exemplar posterior.
Pormenor do sacrário da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
A capela-mor era, também, o principal objeto das alterações litúrgicas que emanavam de Roma. A mais marcante para estes edifícios foi, naturalmente, o Concílio Vaticano II (1962-1965), que obrigou a enormes modificações no espaço litúrgico que se destinavam a aproximar o clero de um povo tornado assembleia. As fotografias de Robert Chester Smith, como vimos anteriormente, registam os derradeiros anos da configuração pré-conciliar da capela-mor, onde é ainda visível a mesa do altar, sobre um degrau, ou supedâneo. Na atualidade, o altar encontra-se avançado, uma vez que o celebrante se encontra voltado para a assembleia e não para o altar, como no rito anterior. A estrutura anterior e o supedâneo desapareceram, deixando visível a base poligonal do sacrário.
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Registo fotográfico da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto realizado no âmbito do inventário de talha portuguesa da responsabilidade do historiador norte-americano Robert Smith (1962-1964, Fundação Calouste Gulbenkian – Biblioteca de Arte©, fotografia de Robert Chester Smith2).
Procuremos agora, neste breve exercício de reconstituição do espaço litúrgico, repensar as linhas anteriores à luz do seu impacte nos elementos artísticos nele existentes. Não será Pormenor do acesso ao sacrário da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
difícil ouvir o crepitar ocasional das velas ou entrever, na sua luz bruxuleante, a escorrência de pingos de cera enquanto se eleva o seu fumo. As marcas de água deixadas na madeira quando cessa a função da jarra, ou o encosto mais atrevido da escada do armador na face de uma cabeça alada, são meras consequências de um embelezamento que se sobrepõe à conservação. Como vimos no capítulo anterior, décadas de ocasionais reparações e pontuais intervenções mais profundas, cujas por vezes discutíveis opções nem sempre se traduziram em bons resultados, contribuíram, amiúde, para uma manifesta degradação do espaço de culto. Também aqui a igreja de Santa Clara não foi exceção e é justamente pela sua importância litúrgica e histórico-artística que começamos por este espaço.
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Representação esquemática dos elementos constituintes do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, ilustração de Hugo Barreira©).
Representação esquemática da orientação da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, ilustração de Hugo Barreira©).
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A capela-mor da igreja do antigo Convento de Santa Clara do Porto será aqui abordada à luz da intervenção de conservação e restauro realizada na obra de talha e imaginária, pelo que nos concentraremos nas transformações operadas sob a responsabilidade de Miguel Francisco da Silva a partir de 1730. Tratando-se de um espaço geralmente orientado, em que a parede fundeira, onde encosta o altar, está voltada para oriente, utilizaremos as denominações dos pontos cardeais para identificar os vários espaços. Assim, além da parede do altar (este), teremos a parede norte, à esquerda do observador voltado para o altar, e que recebe a designação litúrgica de Elementos constituintes da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, destacando-se o frontispício com o arco do cruzeiro e o retábulo-mor (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Lado do Evangelho, e a parede sul, à direita, a qual recebe a designação litúrgica de Lado da Epístola. A oeste, e atrás deste hipotético observador, localiza-se o arco do cruzeiro, que articula o espaço da capela-mor com o espaço da nave da igreja. A parede do altar era revestida pela imponente estrutura do retábulo-mor, geralmente em talha, como no caso da igreja de Santa Clara, onde estava integrada a banqueta e o sacrário em estruturas próprias, bem como imaginária e/ou pintura, entre outros elementos 3.
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Como se pode perceber com maior profundidade no estudo histórico 4, realizado no contexto da intervenção de conservação e restauro da igreja do extinto Convento de Santa Clara do Porto, a magnífica obra de talha era composta pelo retábulo-mor, pelas ilhargas, ou paredes laterais da capela, pelo teto e pelo arco do cruzeiro, constituindo uma unidade formal que apenas recebeu douramento e pintura a partir de 1747, sob a responsabilidade de Pedro da Silva Lisboa e de António José Pereira. A talha do arco do cruzeiro era, por sua vez, constituída pelo intradorso ou forro do arco, o frontispício, ou parede que enquadra a abertura para a capela-mor 5, e por uma sanefa monumental sobre o arco. No centro do retábulo, abria-se um espaço amplo e profundo, a tribuna, onde uma estrutura em andares - o trono eucarístico - permitia a exposição do Santíssimo Sacramento. As obras de talha dourada resultavam, deste modo, do trabalho de equipas especializadas que incluíam entalhadores, escultores (responsáveis pelas imagens), ensambladores (responsáveis pela montagem – ensamblagem – do conjunto de elementos em talha que constituíam a estrutura), pintores e douradores, estes últimos responsáveis pela aplicação de folha de ouro sobre as superfícies em madeira por eles previamente preparadas.
Integrável nas célebres “cavernas de ouro” da centúria de setecentos e na gramática formal de inspiração romana que associamos a D. João V, a obra da capela-mor da igreja de Santa Clara apresenta os elementos habituais nas mais sofisticadas obras de talha dourada desta cronologia: imponentes estruturas arquitetónicas povoadas por anjos e por uma gramática ornamental que incluía um amplo leque de motivos (como os elementos vegetalistas), guarnecidas por pesadas sanefas com os seus lambrequins 6 e coroadas por baldaquinos 7, de onde pendiam pesadas cortinas. Com estes panejamentos interpretados em talha dourada dialogavam verdadeiros elementos em tecido sob a forma de cortinas que nobilitavam e protegiam as aberturas e que necessitavam dos seus mecanismos de operação, geralmente escondidos de olhares incautos. Do mesmo modo, e quando mandava o decoro litúrgico que o trono não fosse visível, uma enorme tela era desenrolada, ocultando a tribuna.
Capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo visíveis as cortinas na sanefa do arco do cruzeiro e no altar da Sagrada Família, bem como a ornamentação dos vários altares e do trono eucarístico (1900-1915, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Alberto Marçal Brandão8).
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Foi possível, através destas sumárias considerações, perceber não só a importância deste espaço, mas também o cuidado depositado na sua conceção artística, com o douramento como técnica predominante, reduzindo-se a pintura, ou policromia, à imaginária (as imagens dos santos) e a elementos pontuais nas ilhargas. A madeira recebeu diversas camadas de preparação 9 e uma camada final de argila, o bolo arménio 10, que lhe confere, geralmente, uma tonalidade avermelhada ou alaranjada, embora tal possa, como veremos, variar. Na talha dourada da capela-mor, a folha de ouro foi aplicada segundo a técnica tradicional, a água, e posteriormente brunida 11, processo que conferia à superfície entalhada as características do ouro maciço. Contudo, em algumas zonas, geralmente nos rodapés e resultantes de aplicações posteriores, verificou-se a existência de douramentos a mordente 12, conferindo-lhe características diferenciadas.
Aspeto dos trabalhos de aplicação de massas de preenchimento em lacunas na capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto dos trabalhos de preenchimento de lacunas nas camadas de douramento do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a preparação (branca) e a massa à cor do bolo (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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A aplicação de folha de ouro foi, geralmente, muito generosa, exceção feita a zonas inacessíveis ou cuja distância do olhar permitissem já por si uma leitura integrada, como o primeiro degrau do trono, provavelmente escondido pelo desaparecido sacrário de prata, ou, sobretudo, o teto, permitindo, pela sua maior distância em relação ao observador, um maior espaçamento entre as folhas de ouro, deixando entrever o bolo. Foi, também, percebida a aplicação de tinta de cor avermelhada para realçar alguns elementos, evidenciando-se a possibilidade de uma maior profusão deste Aspeto do douramento a mordente da talha do frontispício da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
efeito, entretanto mitigado por intervenções posteriores. Do mesmo modo, um outro requinte técnico estava presente nas carnações e cabelos das figuras (anjos, atlantes 13 ou cabeças aladas), através da aplicação da folha de ouro diretamente sobre a madeira com preparação, sem recurso a bolo vermelho ou laranja 14. A folha, não brunida, apresenta, assim, um aspeto mate, ou fosco, que confere uma textura particular às carnações 15 e cabelos das figuras, assim como uma tonalidade mais fria do que a do ouro brunido envolvente, mais quente devido à influência do bolo avermelhado. Voltaremos a encontrar esta técnica pontualmente na nave, sobretudo nas cabeças aladas do teto.
Aspeto do douramento a mordente na base do frontispício da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Pormenor de atlante da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, destacando-se o douramento diferenciado das carnações dos braços, tronco e rosto, bem como os pormenores a tinta avermelhada (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pormenores de puncionado na veste de um dos atlantes da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, destacando-se o ouro brunido e os pormenores salientados a tinta avermelhada (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
As vestes das figuras de corpo inteiro que integram a estrutura receberam, sobre o ouro brunido, decorações puncionadas 16 ou incisas, bem como a aplicação de tinta avermelhada a delinear os motivos vegetalistas.
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Os atlantes e os anjos tocheiros das ilhargas apresentam, ainda, delicados apontamentos a tinta avermelhada translúcida na zona dos lábios, sobrancelhas e olhos e, inclusivamente, no interior das narinas, realçando este trabalho a pincel o volume talhado.
Pormenor de decoração na veste de um dos anjos do coroamento do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção. São igualmente visíveis, ao fundo, espaços com aplicação mais esparsa da folha de ouro, bem como a subsistência de algumas lacunas (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Anjos tocheiros das ilhargas da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Por fim, destacamos, ainda, os elementos em alto-relevo policromado, constituídos pelo brasão dos Barreto e Ferraz e pelas armas franciscanas nas ilhargas norte e sul, respetivamente 17. Foi possível perceber que o elmo que coroa as armas da ilharga norte é prateado, através dos limites da folha metálica, decorrendo a sua cor negra atual da alteração do metal. Em ambos os relevos, é visível um conjunto de técnicas decorativas, o esgrafitado 18, o puncionado, a pintura 19 e o douramento. Tardoz de um dos anjos tocheiros das ilhargas da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, percebendo-se o modo de execução e os elementos de encaixe (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Representação de Alegoria ao Triunfo da Fé e da Eucaristia em pintura de tom avermelhado na parede sul da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Brasão dos Barreto e Ferraz localizado na parede norte da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Armas franciscanas localizadas na parede sul da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Apresentado que foi o espaço da capela-mor e algumas questões a ela associadas, bem como as principais soluções formais e técnicas que pontuam a sua obra de talha e imaginária, iniciaremos, agora, um percurso sobre o seu estado de conservação, de acordo com o que se observou no contexto da intervenção de conservação e restauro.
O ESTADO DE CONSERVAÇÃO GERAL: OS PROBLEMAS MAIS RECORRENTES
Como vimos, a obra de talha dourada e de imaginária da capela-mor e do arco do cruzeiro forma um conjunto unitário não só nos seus elementos formais, mas também nos seus aspetos técnicos. O seu estado de conservação, pelo contrário, era bastante heterogéneo, variando, de área para área, os problemas detetados, ou seja, as patologias sobre as quais seria necessário intervir. Os principais problemas encontrados foram de natureza estrutural: perdas volumétricas, ou seja, elementos destacados ou desaparecidos; fendas e fraturas nos elementos de suporte; desaprumos e cedências; figuras ou outros componentes em risco de destacamento; afastamento de tábuas; oxidação de elementos metálicos funcionais e decorativos. Aos problemas do suporte juntavam-se os das superfícies douradas que se encontravam particularmente cobertas de sujidades, soltas e agregadas, bem como locais onde a folha de ouro, o bolo ou mesmo as camadas preparatórias se encontravam em destacamento ou já ausentes. Para além do natural desgaste de utilização e gradual degradação dos materiais e da relação entre si causada pela ação do tempo, percebeu-se que muitos destes problemas foram ainda decorrentes de ações de limpeza anteriores, se bem que difíceis de determinar individualmente.
Aspeto de lacunas de douramento e destacamento do suporte na talha do alçado sul da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Como seria de esperar num espaço aberto ao culto, outras zonas estavam especialmente sujas pela cera. Mais surpreendente para um olhar atual são as marcas resultantes da aplicação de alfinetes ou pequenos pregos, sobretudo nas zonas mais altas das paredes. Contudo, se recuarmos algumas décadas, facilmente as justificamos pela colocação de armações temporárias nos espaços de culto de acordo com o calendário litúrgico. A prática de armar, ou decorar com panos e outros elementos amovíveis em tempo de festa, entretanto quase desaparecida, é bem visível em fotografias dos espaços de culto da viragem do século. Nos registos sobrevindos da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, embora não encontremos armações festivas, a presença de elementos têxteis, entretanto desaparecidos, é evidente na presença de cortinados que protegiam os altares e vãos, nos frontais de altar ou nas ornamentações do trono eucarístico na tribuna do retábulo-mor. Não será difícil perceber que o ofício do armador, bem como a utilização do espaço, a sua iluminação, ornamentação e limpeza, tenham deixado as suas marcas e originado alguns pequenos danos. O maior número de marcas encontrava-se no coroamento do retábulo-mor, na parte
Nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo visíveis os cortinados que protegiam os altares laterais e outros vãos, bem como os respetivos frontais em tecido (1900-1915, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Alberto Marçal Brandão20).
central das colunas do retábulo, nos baldaquinos das esculturas de São Francisco e de Santa Clara, em diversos pontos do arco do cruzeiro, bem como no tardoz dos lambrequins das sanefas das janelas das paredes laterais. Podemos ter, deste modo, uma ideia da recorrência de armações que este espaço já conheceu.
Pormenor do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, sendo visíveis os vestígios das marcas de alfinetes e pregos (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Pormenor do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visíveis os vestígios das marcas de alfinetes e pregos (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Um outro problema que, como veremos, foi especialmente impactante nas ações de conservação e restauro, foi a presença de uma camada de verniz que se veio a perceber ter sido aplicado posteriormente, em grande parte da capela-mor e do intradorso do arco do cruzeiro, mas, felizmente, ausente do frontispício. A aplicação deste “corpo estranho”, além de todos os problemas que decorrem do seu envelhecimento, foi particularmente infeliz, pois não foi precedida de uma cuidada limpeza, tendo contribuído para a fixação da sujidade acumulada na superfície da talha. A humidade que afetava todo o espaço da caPormenor do baldaquino da imagem de Santa Clara inserido no retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
pela-mor, desde logo percetível nos elementos em cantaria, afetou, igualmente, os trabalhos, originando períodos prolongados de secagem. Sobretudo causada por infiltrações pluviais e humidades ascensionais, esta terá sido uma das principais causas de degradação, permitindo inclusive a proliferação da grave infestação de inseto xilófago e consequentes danos. Contudo, durante os trabalhos de conservação e restauro da capela-mor, este problema foi ainda agravado pela existência de infiltrações com origem no mau funcionamento do troço mais próximo da rede pública de saneamento básico, situação detetada e reparada durante a intervenção. Do mesmo modo, nas zonas inferiores, as madeiras apresentavam um particular mau estado de conservação, com diversos elementos apodrecidos, inúmeras lacunas, a presença de fungos ou a expectável marca da voracidade dos insetos xilófagos. Estes problemas levaram mesmo a que fosse necessário desmontar alguns dos elementos para se poder proceder ao tratamento necessário das madeiras.
Aspeto do mau estado de conservação de alguns dos elementos da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Como é habitual nestes espaços, as zonas de forro das molduras dos vãos (janelas e janela termal) encontravam-se, também, particularmente degradadas, sobretudo no lado norte, diretamente em contacto com o exterior. Já no lado oposto, era percetível o mau estado da moldura de talha da janela termal que comunicava com o espaço superior da galeria e que, outrora, se articulava com as dependências conventuais.
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As zonas inferiores, mais degradadas pelas humidades ascensionais, estavam particularmente afetadas pela ausência ou fratura de elementos da talha, especialmente notório nos nichos das credências 21.
Aspeto da zona superior do arco do cruzeiro e ilharga da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível o novo remate em madeira e a nova instalação elétrica (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Nicho com credência localizado na parede norte da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Ainda nas zonas de contacto com os pavimentos, um rodapé de altura variável, acompanhando os degraus do presbitério, apresentava-se particularmente escurecido, levantando-se a hipótese de estar repintado. Um exame de pormenor revelou, porém, que o seu aspeto era o resultado de um processo de douramento a mordente e da forte presença de sujidade e de vernizes. Nas zonas de maior desenvolvimento em altura, como no arco do cruzeiro, era bem evidente o mau estado de alguns dos painéis, entrevendo-se parte da alvenaria da parede.
Pormenor do rodapé e zonas inferiores das paredes da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o estado prévio; após desmontagem para tratamento; após reconstituições volumétricas e aplicação de preparação (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Pormenor do rodapé e zonas inferiores das paredes da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Tal como veremos na nave da igreja, a talha do arco do cruzeiro encontrava-se mais enegrecida pela sujidade que a restante obra da capela-mor, o que maculava o brilho e as características plásticas do douramento. Sendo a obra de talha o resultado da ensamblagem de diversos elementos de dimensões variáveis, muitos dos quais mimetizavam ornamentação em outros materiais, como os panejamentos, não surpreende que fosse notória a ausência de inúmeras peças que integravam a gramática decorativa. O elemento mais recorrentemente em falta era a borla do lambrequim a ele ligada por um elemento metálico, cujo dano acarretara uma eventual queda e consequente extravio. Algumas destas borlas foram encontradas no decorrer da intervenção, dispersas por várias zonas da igreja, e outras recuperadas a partir de materiais previamente recolhidos no Paço Episcopal. Pese embora a salvaguarda de alguns exemplares, percebeu-se faltar ainda mais de cem borlas de diferentes dimensões, pertencentes às sanefas e a outros elementos da capela-mor. Também nas portas da capela-mor, que comunicam com a sacristia (do lado sul) e com um armário (no lado norte), era visível a ausência de
Pormenor do intradorso de lambrequim da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível a borla com o respetivo sistema de encaixe (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Pormenor de sanefa e respetivos lambrequins da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visíveis as borlas reconstituídas (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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alguns elementos, tais como frisos, puxadores, espelhos das fechaduras e almofadas, bem como o corte de alguns elementos da talha para inclusão das ferragens. Os elementos posteriores foram, no decorrer da intervenção, retirados. No que diz respeito a outros elementos ou suas evidências, foram encontradas as expectáveis roldanas para movimentação dos cortinados na sanefa do arco do cruzeiro, bem como nas sanefas das janelas das paredes laterais da capela-mor. Também no teto foram encontradas duas grandes Pormenor de roldana situada num dos vãos laterais da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Rita Veiga – Porto Restauro, Lda.).
Nave e capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo visíveis lâmpadas elétricas suspensas do teto (posterior a 1936, Direção-Geral do Património Cultural© – SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico22, fotografia de José Marques Abreu Júnior).
roldanas, bem como um conjunto de aberturas, possivelmente associadas à presença de luminárias, como veremos.
Outros elementos metálicos, possivelmente para fixação de velas, foram, ainda, encontrados em algumas das janelas das paredes laterais e na mísula 23 da imagem de Santa Clara. Do mesmo modo, as marcas em alguns elementos ornamentais das paredes laterais poderão evidenciar a colocação de velas. Antes de passarmos a um olhar mais detalhado sobre os problemas de que enfermavam as várias partes da obra de talha dourada, e respetivas ações de conservação e restauro, é necessário perceber que, no diagnóstico da obra, foi, ainda, possível encontrar outras questões transversais relacionadas com intervenções anteriores. Como já foi referido, um dos principais problemas com que a intervenção de conservação e restauro se deparou decorre da anterior aplicação de um verniz 24 em toda a superfície da talha da capela-mor, incluindo a tri-
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buna e intradorso do arco do cruzeiro, apresentando, por vezes, grossas camadas sobrepostas e conferindo à talha um aspeto brilhante e plastificado numa observação aproximada. Levantou-se a hipótese de o verniz ter sido aplicado na intervenção de 1988 25, que incidiu na totalidade da capela-mor e que teve por base a fixação, limpeza e aplicação do verniz. Infelizmente, porém, a limpeza foi insuficiente, pelo que o verniz, como veremos, agregou e consolidou muita sujidade, dificultando as operações de limpeza. Aspeto dos testes de limpeza realizados na capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
O ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO TETO DA CAPELA-MOR
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9
9
9
8
7
6
5 4
3
Legenda: 1 Teto da nave
6 Interior do baldaquino com resplendor
2 Arco do cruzeiro
7 Remate do retábulo-mor
3 Teto da capela-mor
8 Painéis que formam o teto da capela-mor
4 Retábulo-mor
9 Elementos ornamentais apostos ao teto
5 Interior da tribuna em caixotões
10 Intradorso do arco do cruzeiro
11 Remate do arco do cruzeiro
0
Elementos constituintes do teto da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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A complexidade do teto da capela-mor é bem evidente quando observado a partir do pavimento da igreja, sendo constituído por diversos painéis lisos, aos quais foram fixos os diferentes elementos que constituem a sua gramática ornamental. A escala e volume destes elementos é, porém, assaz enganadora ao olhar do observador, pelo que, apenas quando observado a partir dos níveis superiores da galeria, nos apercebemos da sua real dimensão. Este tipo de observação privilegiada, por regra impossível, tornou-se, contudo, a realidade diária durante quase todo o período de duraPormenor de um dos elementos ornamentais apostos ao teto da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, identificado com o número 9 no esquema anterior (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
ção da intervenção de conservação e restauro, devido à cobertura interior da igreja com uma completa e complexa rede de andaimes, permitindo o acesso necessário à realização dos trabalhos.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do teto da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Aspeto da estrutura de andaimes utilizada durante a intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues e João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Observado o teto a partir da estrutura de andaime, foi, assim, desde logo possível perceber a sujidade das superfícies, bem como a existência de uma camada de verniz plástico, invisível a partir do pavimento, bem fixa e sem sinais de envelhecimento. De uma maneira geral, o douramento apresentava algum desgaste, para o qual poderão ter contribuído limpezas anteriores. Como já referido, também aqui encontramos um douramento diferenciado (mate) dos rostos dos anjos, o qual se encontra mais fragilizado. O intradorso do arco do cruzeiro era a zona mais degradada, apresentando áreas destacadas e a madeira à vista. No extremo oposto, junto ao retábulo, eram visíveis, mesmo a partir do pavimento, zonas muito enegrecidas, que se podem explicar pelo envelhecimento acidentado de um material aplicado em intervenções anteriores. A estrutura do teto não apresentava problemas muito graves, tendo sido apenas reforçada em zonas que aparentavam maior fragilidade, sendo a inspeção destes elementos feita não só a partir da face, mas também a partir do tardoz, onde se encontram os elementos de suporte e fixação das estruturas em talha. Acedendo ao desvão da cobertura, o espaço compreendido entre o teto e a estrutura de suporte do telhado, foi possível perceber que toda a estrutura e alguns elementos haviam sido reforçados em intervenções anteriores, encontrando-se peças metálicas de diferentes épocas, sendo as mais recentes da intervenção de 2014-2015.
Desvão da cobertura da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues e João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
Foi, ainda, possível perceber marcas de uma substância não identificada, semelhante a um verniz, bem como muita sujidade depositada. Como veremos, alguns elementos soltos ou em pior estado foram consolidados. No teto foram, por sua vez, encontrados três orifícios de grande dimensão, os quais poderão ter estado relacionados com o sistema de iluminação da capela-mor, servindo para suspender dispositivos de iluminação, tais como lampadários. A remoção, de um destes orifícios, de um elemento vítreo de características mais recentes, coloca ainda a hipótese de estes poderem ter sido reaproveitados mais tarde, numa das fases iniciais de eletrificação da igreja, para fixação de candeeiros ou projetores elétricos.
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O ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO RETÁBULO-MOR
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11
10
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8 7
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6
5
4
4
9 8
7
6
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3
3
2
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1
1
4
Legenda: 1 Grade de comunhão
6 Santa Clara
2 Mesa de altar
7 Baldaquino
3 Sacrário
8 Trono
4 Mísula
9 Tribuna
5 São Francisco de Assis
10 Resplendor
Elementos constituintes do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
11 Baldaquino da tribuna e sanefa
2m
0
A grande máquina retabular é, pelo seu papel e simbologia, pela sua dimensão e pela sua complexidade, o elemento que, imediatamente, captura o interesse do observador. Apresentando uma movimentação considerável, de acordo com as soluções formais habituais do período Joanino, a grandiosa arquitetura de madeira impressiona pela sua cenografia e surpreende pela sua complexidade estrutural, quando visitados os seus bastidores. A estrutura do retábulo funciona como uma falsa fachada e encosta apenas às paredes de alvenaria da capela-mor no fundo da tribuna, o espaço central mais profundo onde se encontra o trono eucarístico, permitindo, assim, a circulação e o acesso ao trono para as práticas litúrgicas. Neste caso, e como veremos, o espaço da tribuna foi alvo de consideráveis intervenções em épocas posteriores. Como habitualmente, onde a vista não alcança, esconde-se uma complexa estrutura de elementos de madeira e de fixação responsáveis por sustentar a ilusão da “caverna de ouro” e onde é possível admirar verdadeiramente o trabalho do ensamblador.
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O retábulo apresentava vários elementos danificados, a maioria de pequena dimensão, bem como alguns elementos desalinhados. O interior da tribuna padecia, igualmente, de danos no seu douramento, que iam da lacuna ao destacamento da folha de ouro, bem como, ao nível do suporte, de alguns elementos danificados ou fraturados. Em muito pior estado estava o teto da tribuna, particularmente afetado pelas infiltrações pluviais, as quais enfraqueceram a estrutura dos vários painéis que o compõem.
Aspeto do tardoz do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto dos trabalhos de desmontagem dos painéis de revestimento da tribuna do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues e João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
Ao desmontar os painéis da tribuna, a sua extrema fragilidade tornou-se evidente, tal como o nível de sujidade acumulada entre os painéis e o forro, o que causava um esforço desnecessário na estrutura, a necessitar de um profundo trabalho de estabilização e reforço. À semelhança do teto, também na superfície do retábulo era visível a existência de um verniz aplicado sobre a sujidade. Do mesmo modo, foram detetadas diversas zonas de desgaste por abrasão e lacunas nas superfícies douradas e policromadas, bem como nas camadas preparatórias. As fortes colunas, importante elemento da gramática do retábulo, apresentavam problemas semelhantes, o que lhes conferia um aspeto heterogéneo. As saliências estavam picadas por pequenos pregos e as bases apresentavam vestígios de cera. Um outro elemento que adivinharíamos poder contribuir para a degradação da talha, tendo em conta a abundante utilização de velas e lampadários, seria o fumo, o qual enegreceu partes da talha e foi, por intermédio da já referida camada de verniz, consolidado na superfície juntamente com a demais sujidade acumulada pelo peso dos séculos.
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Nem mesmo o sacrário, que sabemos ser um elemento posterior, foi poupado à impiedosa aplicação do verniz que, ao fixar fortes camadas de sujidade, lhe conferiu uma tonalidade esverdeada. Em particular mau estado encontravam-se, também, as portas, as quais, à semelhança das zonas inferiores da capela-mor, foram alvo de aprofundada intervenção. Note-se que foram detetados alguns elementos na base do trono que deverão ser o resultado de alterações posteriores, os quais contrastam, na qualidade e técnica do douramento 26, com o conjunto.
Por fim, é importante referir um conjunto de alterações na zona da tribuna que se tornaram percetíveis no decurso da obra. Assim, além das já referidas situações de ocultação de lacunas, de forma precária e incoerente, com a gramática decorativa, depreendeu-se que o forro da tribuna havia sido reforçado com tábuas em época posterior. Do mesmo modo, a talha foi cortada para a colocação de portas nas paredes laterais, permitindo, assim, o acesso direto à tribuna pelo interior da estrutura retabular. Tal poderá estar relacionado com a abertura de um espaço para depósito da Urna de Quinta-Feira Santa 27.
Porta de acesso à tribuna do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível o encosto direto à parede fundeira da capela-mor (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
A colocação do sacrário de linhas neoclássicas, provavelmente oitocentista, originou, ainda, o corte de alguns elementos do retábulo que comprometeram a leitura do conjunto original.
Aspeto da retirada da Urna de Quinta-Feira Santa do respetivo espaço de depósito, existente na parede norte do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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O ESTADO DE CONSERVAÇÃO DAS PAREDES NORTE E SUL
Representação esquemática dos elementos constituintes da parede norte da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, ilustração de Hugo Barreira©).
As duas paredes laterais, que constituem as ilhargas da capela-mor e que se relacionam em quase total simetria, apresentavam diferentes problemas de acordo com a cota, ou altura, a que nos encontramos. Começaremos pelo lado norte e orientaremos o nosso olhar de cima para baixo. A moldura de talha da janela termal encontrava-se em muito mau estado, quer no que diz respeito ao douramento, quer ao suporte e estrutura. Tamanha degradação deverá ter resultado da entrada de água pelo janelão, que comunica diretamente com o exterior da capela-mor. Um dos elementos em falta da moldura foi localizado anteriormente e depositado no Paço Episcopal, tendo sido recolocado no contexto desta intervenção. Abaixo da janela termal, eram vários os elementos em talha, de grandes dimensões, desalinhados e que requeriam revisão da fixação, pois corriam o risco de colapsar. A profusão de elementos que se podem observar atualmente permite adivinhar a extensão da intervenção realizada. Atente-se, a título de exemplo, nos medalhões presentes na base da moldura da janela termal.
Pormenor dos medalhões presentes na base da moldura da janela termal da parede norte da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues e João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Passando para o nível das janelas de menor dimensão, também aqui eram extensas as acumulações de sujidade e as marcas de degradação do suporte em madeira tornavam as molduras especialmente problemáticas. Atentemos, porém, nos anjos tocheiros, ladeando os vãos e as imagens por eles emolduradas. As celestiais figuras, expectáveis presenças na significação teológica do espaço, revelaram-se, porém, involuntários responsáveis pela acumulação de cera, gordura e fuligem na talha envolvente em tempos em que a sua função de iluminação era ainda uma realidade. Continuando a descer, como vimos, o mau estado Pormenor dos medalhões presentes na base da moldura da janela termal da parede norte da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto dos trabalhos de marcenaria das portas da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
de conservação aumentava de forma evidente, sendo notórias extensas zonas em que a madeira se encontrava fragilizada pelo ataque dos insetos xilófagos e pela humidade ascensional, incluindo mesmo perdas volumétricas.
Na parede sul, os problemas não eram muito diferentes, pese embora a menor exposição do paramento da capela devido à presença da sacristia e da galeria. A moldura da respetiva janela termal apresentava problemas similares, com a ausência ou cedências estruturais de vários elementos em talha. Ao nível das janelas, verificavam-se as mesmas concentrações de sujidade e de danos no douramento, bem como ao nível do pavimento.
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O número de elementos em falta era, porém, superior ao do da parede norte, passando por componentes da gramática decorativa da talha, por elementos da estrutura arquitetónica ou mesmo pela inserção de um elemento vegetalista no lugar de uma cabeça alada. Note-se que a verificação destas ausências nos permite compreender o processo de execução destas obras, compostas por diversas peças que o ensamblador fixava nos respetivos locais. Foram encontradas zonas em que o douramento se encontrava empolado, bem como outras onde a talha se encontrava queimada, decorrente, possivelmente, da proximidade de uma fonte de iluminação junto à zona do arco do cruzeiro, sendo especialmente complicada a sua limpeza pela acumulação de fuligem e de gordura. Entre os materiais salvaguardados e inventariados no Paço Episcopal, tinha-se já identificado a almofada 28 omissa da porta da sacristia, o que permitiu a sua recolocação.
Porta do armário da parede norte da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pormenor de perdas volumétricas e de elementos na cornija do lado sul do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Rita Veiga – Porto Restauro, Lda.).
Pormenor da cornija do lado sul do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Porta da sacristia da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Extremamente desconcertante é o conjunto de orifícios localizados na parede sul, junto às armas franciscanas, e que comunicam com as zonas superiores do corpo da sacristia. É percetível que a sua abertura tenha resultado de um corte irregular, levantando-se, porém, a hipótese de, pelo menos em alguns dos orifícios, o corte preceder a preparação para o douramento. O orifício retangular, de maiores dimensões, possui uma régua móvel que permite a sua oclusão. A sua função exata permanece, contudo, um mistério.
Pormenor do verso e reverso dos orifícios existentes na parede sul da capela-mor, comunicando com os corpos superiores da sacristia (ao nível da «varanda») da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO ARCO DO CRUZEIRO
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3
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Legenda:
Elementos constituintes do arco do cruzeiro da 1 Mísula igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, 2 São Domingos Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração São Gregório Magno de Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira 3 Luís –4 DETALHAR.pt). Baldaquino 5 Sanefa
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2m
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Legenda: 1 Mísula 2 São Domingos 3 São Gregório Magno 4 Baldaquino 5 Sanefa
0
2m
Voltando novamente as nossas atenções para o arco do cruzeiro, deparamo-nos com uma estrutura que, como vimos, podemos dividir em três partes: o intradorso do arco, o frontispício e a grande sanefa que cobre o arco. Como já referido, a sanefa foi objeto de uma intervenção no ano 2000, na qual foi revista a sua fixação, reforçada a sua estrutura com elementos metálicos e na qual foi objeto de uma limpeza físico-química e da reintegração de lacunas com uma tonalidade avermelhada semelhante à do bolo 29. Verificou-se que alguns elementos em talha não haviam sido colocados, encontrando-se ainda embrulhados em plástico na parte superior da sanefa, bem como a existência de alguns elementos desalinhados e em falta no forro da parede atrás do coroamento. Graças a esta intervenção, o douramento da sanefa encontrava-se nitidamente com aspeto mais limpo que o do frontispício, embora as duas décadas volvidas tivessem deixado já as suas marcas. Tal não impedia, porém, que algumas zonas, mormente os anjos, apresentassem já algum risco de destacamento da sua superfície dourada.
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Em todo o frontispício, excetuando a sanefa, era visível um escurecimento da superfície dourada e com a deposição e aderência de sujidade resultante de fumos e pó. Já a zona superior dos baldaquinos dos nichos apresentava-se particularmente suja e com depósito de sujidade. No que diz respeito a lacunas e ao risco de destacamento da superfície dourada, verificou-se que o lado sul era o que se apresentava em pior estado. No lado norte, junto à imagem de São Domingos, eram visíveis extensas zonas em que a camada de preparação se encontrava à vista e apresentava uma tonalidade esverdeada. Tal poderá ter resultado da utilização de purpurinas 30, entretanto oxidadas, em intervenções anteriores. Em algumas zonas, era mesmo possível encontrar um levantamento “em escama” quer da superfície dourada, quer da preparatória.
As mísulas, ou elementos de suporte das imagens, apresentam candelabros destinados a receberem luminárias. Além da omissão de dois Pormenor de lacunas no douramento do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, antes da intervenção, notando-se a preparação branca e a oxidação de materiais (possivelmente purpurinas) colocados em intervenção posterior (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Rita Veiga – Porto Restauro, Lda.).
Pormenor do douramento do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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dos candelabros em talha junto à imagem de São Domingos, e dos danos de um terceiro, faltavam igualmente os encaixes originais das velas que, como se pôde então verificar no lado sul, junto à imagem de São Gregório Magno, seriam em madeira. Note-se que a presença destes elementos, e respetivas velas, poderá explicar a acumulação de sujidade atrás referida.
Pormenor dos candelabros das mísulas do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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AÇÕES DE TRATAMENTO DA TALHA DOURADA DA CAPELA-MOR, ARCO DO CRUZEIRO E FRONTISPÍCIO
Fixação de elementos, desmontagem e desinfestação Uma vez identificadas as patologias, foi necessário determinar quais as soluções mais indicadas para cada problema em particular, sem esquecer a sua leitura integrada num complexo e heterogéneo conjunto. Para tornar todas estas etapas possíveis, foi necessário montar um andaime que permitisse não só o fácil acesso a toda a superfície a intervencionar, mas também a eficaz circulação de pessoas, materiais e equipamentos, por vezes pesados e delicados. A montagem do andaime requer obrigatoriamente um estudo das melhores soluções para a serventia dos trabalhos e para a adaptação às circunstâncias particulares dos materiais e das estruturas com os quais irá contactar. Tudo isto torna a tarefa delicada, demorada e onerosa em projetos desta natureza.
Aspeto dos trabalhos de desmonte da estrutura de andaimes utilizada durante a intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues e João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Embora o andaime permita o acesso necessário, também impossibilita uma leitura imediata de conjunto, pelo caráter intrusivo das estruturas no campo visual. Tudo isto torna a intervenção do conservador-restaurador como que um constante exercício de memória e de abstração, em que os registos gráficos são constantemente utilizados para mapear a intervenção e possibilitar uma visão de conjunto enquanto a obra decorre e os andaimes estão montados. Uma vez retirados, ocorre a tão desejada leitura de conjunto, momento claramente marcado pela expectativa e pela revelação do final de uma etapa. Depois da natural emoção do momento, é necessário verificar todo o trabalho, efetuar eventuais retificações impossíveis na fase anterior e manter a ocasional estrutura de andaime para auxiliar nos últimos retoques. Mas, de momento, porém, tudo não passa de uma visão longínqua, pois estamos ainda muito longe da conclusão do caminho. Uma vez nos andaimes, foi feito o registo fotográfico de todo o espaço e foram registadas as patologias anteriormente referidas. Tendo em conta que um dos instrumentos mais utilizados foram as fotografias ortorretificadas realizadas previamente à intervenção de conservação e restauro, esta nova etapa permitiu, também, o acesso a zonas para as quais a informação não era tão clara ou era mesmo omissa. Os vários levantamentos de patologias, sucessivamente enriquecidos, foram transformados em mapeamentos gráficos que constituíram preciosos auxiliares em todo o processo.
Aspeto do levantamento base por “laser scanning” (varrimento laser) da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, realizado antes da intervenção (2018, Direção Regional de Cultura do Norte©, levantamento de Hugo Pires – Archeo-Estudos).
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Aspeto do levantamento fotográfico ortorretificado da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, realizado antes da intervenção (2018, Direção Regional de Cultura do Norte©, levantamento de Sergiy Shcheblykin).
Aspeto do mapeamento manual de patologias realizado durante a intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, mapeamento de Porto Restauro, Lda., levantamento de Sergiy Shcheblykin).
Aspeto do mapeamento final de patologias realizado durante a intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, mapeamento de Porto Restauro, Lda., levantamento de Sergiy Shcheblykin).
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Para análise e diagnóstico, recorreu-se ao microscópio digital 31, o que permitiu igualmente alguns registos, bem como à observação com luz ultravioleta 32. Esta última técnica permitiu verificar a presença de vernizes e ceras, tendo por base a fluorescência emitida por estes materiais.
Aspeto da utilização do microscópio digital durante a intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
Como resultado, foi detetada uma fluorescência geral na capela-mor e zonas inferiores do arco do cruzeiro, devido à presença de vernizes aplicados por cima da folha de ouro, algo que, contudo, não se verificou nas paredes norte e sul da nave da igreja, onde a fluorescência era mais pontual devido a acumulações de pingos de cera.
Aspeto de fotografias tiradas com microscópio digital durante a intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, evidenciando-se tinta avermelhada de textura granular e marcas de puncionado (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Rita Veiga – Porto Restauro, Lda.).
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Aspeto da observação de superfícies com lâmpada de fluorescência de ultravioleta durante a intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Foram, também, recolhidas amostras de várias zonas da capela-mor e da nave, quer da talha - áreas douradas e policromadas -, quer da pintura mural. Estas amostras de reduzidas dimensões, recolhidas com bisturi ou cotonete, permitiram a realização de testes e análises em laboratório com vista à determinação dos materiais utilizados e à deteção de eventuais intervenções posteriores, auxiliando, assim, na determinação das soluções de limpeza mais apropriadas.
Aspeto da recolha de amostras durante a intervenção de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
O resultado das análises de algumas amostras veio a confirmar a presença, em algumas zonas, da aplicação de um verniz sintético, de natureza alquídica, cuja composição indicava ser já do século XX, o que fundamentou a hipótese de ter sido aplicado na intervenção de 1988. Este material revelou ser de difícil remoção, dado que, decorrente da sua natureza, tendia a tornar-se insolúvel com a passagem do tempo. Além deste verniz sintético, detetou-se ainda a presença de resina colofónia, mas apenas em amostras recolhidas nas zonas inferiores. Após as etapas de análise preliminares, deu-se início às operações de conservação. Uma das primeiras foi a da pré-fixação das camadas estratigráficas que se apresentavam em destacamento. Para tal foi utilizado um material adesivo, aplicado a pincel 33 e a seringa, que permitiu reforçar a adesão dos vários materiais que constituem, como vimos, a técnica do douramento. Aplicou-se depois uma pressão ligeira com os dedos devidamente
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do interior do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
protegidos por uma película de poliéster 34, assegurando-se que não eram deixados depósitos do material. Estes trabalhos de fixação acompanharam todas as fases da intervenção, sempre que tal foi considerado necessário.
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Nas zonas em que a folha de ouro apresentava destacamentos mais graves, originando enrolamentos ou o destacamento em placas, realizou-se uma proteção da superfície com um material adesivo proteico de origem animal aplicado diretamente com papel japonês 35. Esta meticulosa operação, denominada “facing” ou faceamento, funciona como uma proteção temporária da superfície (face). Protegida a superfície, foi possível realizar todas as intervenções necessárias de marcenaria e, uma vez terminadas, o papel japonês foi cuidadosamente removido. Nas zonas em que havia falta de coesão ou pulverulência de camadas preparatórias e falta de aderência generalizada da preparação em relação à madeira, foi realizada a fixação com adesivo proteico (cola de coelho em água destilada), aplicado morno e com tensioativo 36, removendo os excessos da superfície. Como também já referimos, sempre que se considerou necessário, alguns elementos foram desmontados, sendo previamente identificados para assegurar uma correta remontagem. Tal ocorreu quando não era possível tratar os problemas no local, quando era necessário aceder à estrutura de suporte, para a fixação de elementos soltos ou desnivelados, ou, ainda, quando a fixação da talha às paredes de alvenaria se encontrava comprometida.
Aspeto dos trabalhos de tratamento (reconstituição volumétrica) dos resplendores da tribuna do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
A remontagem, por sua vez, incluiu limpeza por aspiração, reforço da fixação e colocação de tela 37 de barreira contra as humidades provenientes da alvenaria. Adotaram-se ainda outras soluções para controlo da humidade, tais como a aplicação de uma tela isoladora 38 nas zonas inferiores dos revestimentos em talha e demais estruturas de madeira em contacto com os pavimentos.
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Foram desmontados elementos no teto da tribuna do retábulomor, para o que foi necessário remover o forro exterior. Vimos já que o trono parecia ter elementos que não eram originais. No decorrer da intervenção foi, por sua vez, encontrado, numa dependência da igreja, um elemento que, numa análise formal, aparentava ser o último degrau do trono, o qual foi restituído, em substituição dos elementos acrescentados em época posterior. Neste processo, percebeu-se que quer o último, quer o penúltimo degrau, possuíam orifícios destinados, possivelmente, à colocação de velas, semelhantes aos que vimos junto às imagens do arco do cruzeiro.
Desmontados foram também os rodapés que integram o embasamento 39 do retábulo, o que permitiu a sua limpeza e correção de alinhamento, bem como a remoção de lixo acumulado. Optou-se por manter uma pequena separação entre o rodapé e o lajeado, de modo a prevenir as humidades ascensionais. Importa destacar, igualmente, a desmontagem das portas do retábulo, da porta de acesso à imagem de Santa Clara, de Aspeto da porta lateral direita de acesso ao tardoz do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
alguns elementos decorativos, bem como da tela de enrolar que fecha a tribuna, com o respetivo tambor. Sempre que se removeram elementos de madeira fixos à alvenaria, a sua fixação foi revista e reforçada com a interposição de réguas de madeira isoladas e fixas com parafusos de aço inoxidável e buchas de nylon. Os painéis que cobriam e fechavam a estrutura do entablamento 40 do retábulo foram retirados de modo a permitir a limpeza, desinfestação e tratamento, mas, pelo seu mau estado, tiveram que ser substituídos por madeiras novas. Como se depreende dos principais problemas identificados, foi necessário realizar uma extensa desmontagem no nível inferior das paredes norte e sul, incluindo alguns painéis e portas. Neste ponto, destaque-se a desmontagem dos emolduramentos das janelas, de modo a possibilitar, no alçado sul, o restauro dos vitrais existentes e, no alçado norte, a colocação de novos vitrais, em substituição dos vidros colocados nos gradeamentos em ferro 41.
Aspeto do corredor da sacristia e estrutura de suporte da tribuna do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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No arco do cruzeiro, foram efetuadas desmontagens, sobretudo para a correção de peças soltas ou desalinhadas. Além da utilização da tela de isolamento, e sempre que necessário, foi criado um sistema de fixação com materiais modernos. Note-se que alguns destes procedimentos estavam diretamente relacionados com a obra de construção civil, tal como a desmontagem do elemento central que coroa o arco do cruzeiro, de modo a permitir o acesso à cabelagem elétrica. Por fim, refira-se a demolição do teto falso do corredor da sacristia, a qual permitiu o acesso à estrutura de vigas de madeira que suportam a tribuna. Dado que estas se encontravam em mau estado, foi necessário o seu escoramento provisório, até se concluir o necessário reforço, o que incluiu a adição de vigas metálicas. A intervenção possibilitou igualmente a recuperação de vários elementos destacados do seu lugar original. Depositados por motivos de salvaguarda em ações de conservação anteriores, ou mais simplesmente por destacamento e queda, estes permitiram colmatar algumas das falhas detetadas durante os trabalhos. Outros, já identificados no projeto de conservação e restauro e acondicionados no Paço Episcopal do Porto, puderam voltar a ser recolocados, tais como berloques e outros elementos ornamentais.
Aspeto do corredor da sacristia e estrutura de suporte da tribuna do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível o sistema de reforço metálico das vigas de pavimento (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto dos trabalhos de restauro e reposição de novos berloques da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Além dos fragmentos de talha, foram também encontrados alguns elementos metálicos, uma estrela de seis pontas em vidro opaco preto, um fragmento de tecido e algumas peças de metal cuja proveniência não foi possível perceber. Contudo, a maior curiosidade a destacar entre os elementos recolhidos durante os trabalhos da capela-mor, foi a descoberta de um par de óculos com armação em couro, recolhidos sobre a sanefa da janela sul, mais próxima ao retábulo-mor. A ausência de haste ou qualquer outro mecanismo de fixação ao rosto aponta estarmos perante óculos do tipo pincenê 42, mantendo-se fixo ao nariz por pressão da ponte. Contudo, no exemplar recolhido, a ponte deveria ser originalmente mais fechada e flexível, devendo-se a sua atual largura excessiva à progressiva deformação do couro 43. Não sendo possível determinar se tal deformação se deu quando ainda em uso, a esta junta-se o facto de lhe faltar uma das lentes e a outra se en-
Óculos descobertos durante os trabalhos de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia e digitalização 3D de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt | ilustração de Luís Sebastian – DRCN).
Armação Aro Ponte
Lente
Ponto de fixação (pressão) 0,5 cm Secção Lente em falta
Couro
3,5 cm
Lente
Deformação da ponte
3,5 cm
Fratura
2,8 cm 9,8 cm 0
2m
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Pedra de ágata
Virola (cinta metálica)
Cabo (em madeira)
0
Brunidor de pedra de ágata descoberto durante os trabalhos de conservação e restauro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020-2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda. | ilustração de Luís Sebastian – DRCN).
2m
contrar quebrada, colocando-se a hipótese de poder ter sido essa a razão do seu abandono. Apesar de ser difícil atribuir-lhe uma data concreta, a sua tipologia aponta de forma genérica para o século XVIII. A estes, junta-se, na nave, a descoberta de um brunidor, utilizado para brunir a folha de ouro, consistindo, neste caso, numa pega de madeira, tendo na sua ponta uma pedra de ágata polida.
Embora não tenham sido detetados sinais de atividade recente de inseto xilófago, considerou-se ainda necessário reforçar a desinfestação com produto de ação inseticida e fungicida, aproveitando-se os acessos permitidos pelas várias operações de desmontagem em zonas, até aí, inacessíveis. ESTABILIZAÇÃO DAS MADEIRAS E TRATAMENTO DOS ELEMENTOS METÁLICOS Um dos problemas recorrentes da talha dourada é a progressiva degradação dos suportes. Assim, uma das primeiras operações necessárias é a da sua estabilização e reforço. O primeiro passo foi a limpeza das madeiras com trinchas, escovas e aspiração controlada, ou seja, aquilo que se designa por limpeza mecânica. Para consolidar em profundidade os pontos mais frágeis dos madeiramentos aplicou-se, progressivamente a pincel, uma resina sintética 44. Dado que as estruturas em talha se encontram fixas nas paredes de alvenaria, estes suportes foram, sempre que possível, também revistos, tendo-se o especial cuidado para não fazer coincidir as fixações com zonas mais fragilizadas da parede de alvenaria. Também o teto da capela-mor recebeu novos reforços, que se juntaram aos já colocados nas intervenções anteriores. Um pouco abaixo, no coroamento do retábulo-mor, foram colocados cabos de aço roscados para reforçar a sustentação da talha mais afastada da parede, tal como os dois grandes anjos laterais e o elemento central.
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Aspeto dos trabalhos de marcenaria na estrutura do retábulo-mor e no teto da tribuna da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto dos trabalhos de preparação e montagem dos caixotões do teto da tribuna do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto da tela de revestimento do teto da tribuna do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível, sob a mesma, a articulação entre materiais novos e originais (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Para reforçar estruturalmente a tribuna e contribuir para o reforço do retábulo, foi adicionada uma viga metálica, na qual se passaram a apoiar todos os pontos de descarga das vigas de sustentação. Reforçadas foram também as vigas de madeira que suportam o rolo da pintura da tribuna. Os caixotões do teto da tribuna receberam um profundo tratamento ao nível do suporte, através do qual as lacunas foram preenchidas com madeira de castanho e, nas zonas mais fragilizadas pelo ataque de inseto e que apresentavam lacunas menores, com uma resina Pormenor do duplo resplendor do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, sendo visível a reconstituição volumétrica dos elementos em falta (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
epóxida 45. Foi também reforçada toda a estrutura com um conjunto de peças em madeira (cambotas 46), fixas pelo verso, que acompanharam a curvatura dos caixotões e os estabilizaram, sendo estes reforçados com colagem e aparafusamento, aplicando-se por fim uma tela 47 leve de proteção à deposição de sujidades. Ainda na tribuna foi também reforçada a estrutura do trono e as uniões da talha. Outros elementos de revestimento e decoração, tais como os resplendores da tribuna, foram reforçados na sua fixação, sobretudo o maior e mais pesado. O mesmo sucedeu, sempre que necessário, com as mísulas e restantes suportes de esculturas.
A talha da janela termal da parede sul foi alvo de cuidados particulares, dado que o arco apresentava cedências estruturais. Verificou-se que a sua fixação fora feita com peças metálicas que, entretanto, tinham saído do sítio original. A estrutura do arco foi escorada, protegendo-se devidamente a talha, e, uma vez num posicionamento próximo do original, foi fixa à parede com parafusos inoxidáveis e buchas de nylon, com recurso a buracos pela frente da talha.
Pormenores da janela termal do lado sul da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, percebendo-se a articulação entre a estrutura de madeira e o vão em pedra (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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A sanefa do arco do cruzeiro, muito grande e pesada, foi também alvo de revisão do seu sistema de fixação, que já havia sido reforçado em intervenção anterior, possivelmente aquando da limpeza ocorrida em 2000. Tratada a oxidação dos componentes metálicos, foi também reforçada a sustentação com cabos e varões de aço roscados, bem como a união entre as peças através de elementos em madeira de castanho fixos pelo tardoz das mesmas. Foram, igualmente, colocados cabos de aço a fixar os anjos das paredes laterais do arco e fixada parte do fundo do nicho da imagem de São Domingos. Neste contexto, o arco do cruzeiro recuperou as peças em falta, que se encontravam depositadas na estrutura da sanefa após a intervenção de 2000. Na substituição de elementos estruturais, não decorativos, foi utilizada madeira de castanho, da mesma essência que a original, durável e resistente. Pelo mesmo motivo, esta foi igualmente utilizada para substituir elementos em pinho colocados no tardoz do retábulo-mor, em intervenções anteriores.
Vimos já como os retábulos apresentam diversas soluções de circulação e acesso à sua complexa estrutura, com vista à serventia da mesma em contexto litúrgico. Também estas foram objeto de recuperação, pelo que se reviram e consolidaram, bem como, sempre que necessário, se substituíram pavimentos, escadas, estruturas de acesso e vigas de sustentação, sendo utilizada, uma vez mais, a madeira de castanho. Todo este trabalho foi acompanhado por uma cuidadosa correção dos nivelamentos para assegurar que, quer os elementos recuperados, quer os novos, eram integrados Aspeto do acesso à tribuna e aos vários níveis do tardoz do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível a articulação das estruturas originais com os novos elementos adicionados (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
em estruturas resistentes, duráveis e adequadas à sua função.
Para a fixação e alinhamento da talha foram utilizados parafusos ou colas para madeira 48. Na introdução de parafusos, procurou-se utilizar furação já existente e aplicar os mesmos pelo verso. Contudo, e como já referimos para a talha do janelão da parede sul, tal nem sempre foi possível, pelo que os orifícios anteriormente existentes foram tapados com resina epóxida. Este material foi, também, utilizado para preencher lacunas de menor dimensão, sendo as maiores preenchidas com madeira de castanho. Para as fendas foi utilizada madeira de balsa, material leve e estável. Por fim, os componentes metálicos foram objeto de tratamento, iniciando-se o mesmo por uma limpeza mecânica com mini-berbequim e brocas metálicas, de modo a soltar as partículas resultantes da oxidação do ferro. Seguiu-se a aplicação de um conversor de ferru-
Aspeto dos trabalhos de aplicação de massas de preenchimento em lacunas no arco do cruzeiro da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
gem, utilizado para estabilizar e proteger a superfície 49, e de uma cera microcristalina 50, utilizada para proteger o metal da ação da humidade e da corrosão. Este tratamento mais completo foi aplicado nas peças, originais ou
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posteriores, utilizadas na ligação entre madeiras e que, devido à oxidação, perderam as camadas de preparação, ficando expostas. Para os elementos mais recentes, possivelmente da intervenção de 2000, foram aplicados somente o conversor de ferrugem e a cera microcristalina. As fechaduras das portas da capela-mor foram recuperadas, devolvendo-se-lhes a sua plena funcionalidade original.
RECONSTITUIÇÕES VOLUMÉTRICAS E LIMPEZA DAS SUPERFÍCIES
Pormenor de fechadura de porta da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
A existência de diversas lacunas no conjunto visível levou à reconstituição volumétrica dos elementos em falta, ou seja, à realização das partes que se haviam perdido irremediavelmente no curso do tempo. Esta decisão foi motivada não só pela necessidade de conferir maior unidade estética ao conjunto, mas também para garantir maior estabilidade física. Embora para o observador os ganhos imediatos sejam ao nível visual, não é difícil imaginar como uma grande maioria destas omissões contribuiria para fragilizar estruturalmente o conjunto. Estas decisões, mais delicadas do ponto de vista da intrusão do conservador-restaurador na obra original, resultam sempre do diálogo entre as equipas e os responsáveis pela tutela do bem intervencionado. Para as reconstituições, adotou-se como base o repertório formal já existente, previamente analisado nas suas continuidades, simetrias ou repetições. Utilizou-se, novamente, madeira de castanho, de boa qualidade, sem defeitos e sem ataques de inseto, semelhante, assim, à madeira originalmente utilizada, sendo as reconstituições mais pequenas realizadas em resina epóxida.
Aspeto dos trabalhos de aplicação de massas de preenchimento em lacunas e reintegrações cromáticas no trono e retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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No retábulo-mor foram reconstituídos elementos decorativos (grinaldas, elementos das cabeças aladas, tais como narizes e cabelos, ou asas de meninos e anjos), e elementos de maiores dimensões (zonas de frisos, raios do resplendor da tribuna, estrado de acesso ao sacrário, caixotões do teto da tribuna, os muito danificados elementos próximos do solo, bem como as madeiras cortadas para o encaixe do novo sacrário). Nas paredes norte e sul, as reconstituições foram semelhantes, onde se destacam, além de diversos elementos da gramática decorativa, elementos das portas e painéis inferiores do lado norte (reconstituídos tendo por base os existentes na parede oposta), bem como alguns elementos das molduras das janelas.
Pormenores da reconstituição de elementos em falta na talha dourada da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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No arco do cruzeiro foram reconstituídos elementos decorativos, de dimensões variadas, no todo ou em parte, bem como os elementos em talha para suporte de iluminação, ausentes das mísulas das duas imagens do frontispício. Através da sanefa, foram colmatadas as lacunas das tábuas marmoreadas 51 que forram a parede este da nave e foi construída uma estrutura para ocultar os cabos de eletricidade, posteriormente harmonizada com o revestimento existente. Os elementos mais recorrentemente reconstituídos foram os berloques que, em conjuntos de diferentes dimensões, animavam os panejamentos interpretados em madeira. Embora estivessem já identificados alguns destes elementos em falta, acondicionados no Paço Episcopal do Porto, foi ainda assim necessário reconstituir mais de uma centena de berloques para a capela-mor. A colocação dos novos elementos foi feita com materiais mais resistentes à corrosão 52 e, no caso dos berloques que não foram retirados, foi aplicado tratamento aos elementos metálicos existentes. A limpeza mecânica das superfícies em talha dourada foi realizada com pincéis e trinchas de várias dimensões e dureza, de modo a respeitar a integridade dos elementos originais, sendo também utilizados aspiradores de sucção controlada. Esta limpeza estendeu-se ainda às zonas de encaixe das peças, bem como ao tardoz, sempre que acessíveis, sendo aí a acumulação de lixos particularmente grande. Após a limpeza mecânica, teve lugar a limpeza físico-química das superfícies. Este segundo nível de limpeza tem por base a ação de agentes químicos (previamente testados, como veremos) e de agentes físicos, tais como a ação do calor, e destina-se à remoção de camadas consideradas não originais, de natureza alquídica, tais como Pormenor de elementos ornamentais da talha dourada da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
vernizes e ceras, para além da sujidade depositada, sendo toda a operação de limpeza precedida de testes, de modo a assegurar que é utilizada a melhor solução para responder a cada problema. Chegou, assim, o momento do “confronto” com o verniz ao qual temos vindo a fazer referência. A presença deste material transformou a limpeza numa operação muito complexa e morosa, meticulosamente controlada e constantemente revista na sua metodologia, mediante testagem dos resultados ao longo de toda a intervenção, com vista a garantir a harmonia dos resultados. Quais foram então os problemas levantados por este material? Em primeiro lugar, a composição do verniz utilizado era de difícil solubilidade, piorando esta com o envelhecimento, pelo que a sua remoção se revelou particularmente difícil, contrariando, assim, o princípio da reversibilidade. Por outro lado, a sua aplicação não foi precedida da adequada limpeza da
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sujidade depositada, detetando-se, em muitos locais, a presença de gotas escuras ou de marcas de arrasto de poeiras, tendo sido aplicado indiscriminadamente em zonas em que as camadas de preparação estavam já à vista e onde os cuidados na sua remoção foram, por isso, ainda maiores. Por fim, a própria aplicação do verniz parece ter sido feita com diversas camadas, originando um resultado diferenciado, o que comprometeu ainda mais as operações de limpeza. Embora a camada conferisse um aspeto plástico e brilhante à talha, encontrava-se bem fixa e sem amarelecimento, pelo que, à luz da sua muito difícil remoção e de acordo com os testes efetuados, se optou inicialmente pela sua manutenção, removendo-se apenas a sujidade da superfície com uma solução aquosa. Cedo, porém, os resultados se revelaram muito insatisfatórios, dado que o ouro se apresentava em muitas zonas pouco brilhante e acinzentando pela acumulação de sujidade entre a folha de ouro e o verniz.
Assim, a decisão final acabou forçosamente por ser a da remoção desta camada de verniz, onde necessário, ou, em casos de impossibilidade técnica ou física, a da sua minimização. Atentemos um pouco nos riscos que acarretava a remoção de uma camada fortemente aderida a um material tão delicado como a folha de ouro, às diferentes espessuras da mesma e às diversas zonas fragilizadas do conjunto que, por debaixo da mesma, se detetavam. Um movimento da cotonete poderia, facilmente, originar um desgaste da superfície. Facilmente percebemos como esta decisão, embora necessária, não foi tomada de ânimo leve, mas antes acompanhada de extensa discussão e ponderação prévia, tendo os trabalhos de remoção decorrido ao longo de vários meses, de forma cuidadosa e gradual, verificando-se constantemente os resultados e pesando os riscos, em cada zona, e sempre com a harmonia do conjunto como objetivo. Para a remoção do verniz efetuaram-se testes nos registos superiores do retábulo, no teto e nas paredes laterais. Foram testadas várias soluções, de modo a conseguir mapear o comportamento do verniz com uma ampla gama de solventes e com a ação do calor, o qual se revelou infrutífero. Para a remoção do verniz e sujidade agregada na parede sul, foram testadas vinte e seis possíveis soluções, sendo inclusivamente testada a remoção por meios mecânicos através de equipamento de ultrassons, assim como equipamento laser. Deste modo, podemos dividir a limpeza em três fases, embora esta tenha adotado uma metodologia muito adaptada ao comportamento dos materiais em cada zona, dependendo tudo da quantidade de verniz e de sujidade, bem como do estado dos materiais originais. Partindo sempre do geral para o particular, aplicou-se uma solução de detergente dissolvido em água destilada 53, permitindo ver, assim, a sujidade que ainda restava acumulada sob o verniz. Verificou-se que a solução aquecida provocava um resultado mais imediato. Efetuou-se a limpeza com cotonete, tendo depois sido passada água destilada para remoção de resíduos dos produtos utilizados na limpeza. Pôde, então, verificar-se os resultados globais, tendo sido considerada suficiente nas zonas intermédias das paredes laterais, onde a remoção do verniz poderia acarretar um maior risco de desgaste da superfície da talha dourada (folha de ouro e bolo), já fragilizada por ações anteriores.
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Contudo, e como vimos, foi necessário remover o verniz na maioria das superfícies, que ainda se encontravam muito sujas, de modo a criar um aspeto harmonioso, constituindo a segunda fase. Para a remoção ou diminuição da camada de verniz foram utilizadas diferentes soluções 54, consoante a zona e o comportamento da camada. O método mais utilizado foi o de pincelar a mistura de solventes na superfície e esperar que o verniz reagisse, inchando, sendo então removido com cotonete embebida noutra mistura de solventes, mais volátil. Numa terceira fase, foi removida a sujidade por debaixo do verniz, com solução de água destilada e agente quelante 55. Com o resultado da limpeza foi possível perceber que, provavelmente, na limpeza anterior, os critérios variaram de acordo com a posição relativa do observador, verificando-se maior sujidade debaixo do verniz nas zonas superiores, mais inacessíveis ao olhar. Permaneceu ainda, em algumas zonas pontuais da frente do retábulo, uma ligeira camada acinzentada, que resultará, provavelmente, da deposição de partículas de sujidade microscópicas sobre a folha de ouro, cuja remoção se considerou demasiado arriscada. No sacrário, onde, como vimos, existia uma tonalidade esverdeada, foi removido integralmente o verniz e efetuada a limpeza. A já mencionada substância amarela por cima da folha de ouro foi removida com álcool etílico. As zonas onde os vestígios de cera eram mais evidentes, junto dos anjos tocheiros, revelaram-se de difícil limpeza, encontrando-se a talha mais enegrecida. Os rodapés, com douramento a mordente, também muito escuros, permaneceram ainda algo escurecidos após a limpeza, dada a sua técnica de douramento e materiais utilizados. Os relevos policromados da parede sul da capela-mor encontravam-se muito sujos e com extensas camadas de verniz, que lhe conferiam um aspeto plástico. Após a limpeza, foi possível depreender que a carnação destes relevos policromados terá sido realizada a óleo. Encontrando-se em bom estado, deverá, contudo, corresponder a um repinte, ou seja, o resultado de uma nova pintura, dado que foram encontradas zonas com uma camada subjacente mais rosada. A limpeza permitiu eliminar a tonalidade castanha, devolvendo os tons de carnação. Os elementos decorativos correspondentes à representação de nuvens estavam, igualmente, muito sujos, contudo, a técnica de esgrafitado, muito delicada, não permitiu uma limpeza tão profunda. Na parede oposta, foram removidos os vernizes Tribuna e sacrário da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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onde os mesmos se encontravam 56 e limpa a superfície com uma solução aquosa 57. Para o elemento decorativo correspondente ao elmo, de aspeto muito enegrecido,
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foi testada uma limpeza especializada para metais 58, dado tratar-se, provavelmente, de folha de prata. Contudo, dada a fragilidade do suporte, optou-se apenas pela remoção da sujidade à superfície. No arco do cruzeiro, onde o verniz não fora aplicado de forma generalizada, a limpeza foi muito mais simples, rápida e eficiente. Após a fase de testagem, percebeu-se que estava ausente de todas as zonas, com exceção do intradorso, pelo que se pôde prosseguir com maior homogeneidade do que na capela-mor. Foram testadas algumas soluções para a remoção das sujidades por dissolução 59. Na sanefa, já intervencionada em 2000, optou-se por realizar a limpeza físico-química com água e detergente neutro, dada a reduzida quantidade de sujidade. Nas restantes zonas do arco do cruzeiro, optou-se pela utilização de uma solução aquosa com agente quelante 60 para remover a maior quantidade de sujidade depositada, utilizando-se, por vezes, a solução aquecida. Em zonas de maior sujidade, a solução foi reforçada na sua concentração ou foram utilizados outros detergentes, de forma pontual, sendo removidos posteriormente os resíduos com água destilada. Por fim, nas zonas de marmoreado azul e branco e de embrechados 61 da parede do arco do cruzeiro, foram utilizadas duas soluções de limpeza, consoante a presença ou não de goma-laca 62. Este material, de origem natural, era aplicado como verniz de secagem rápida, formando uma película dura, forte e flexível com funções de isolamento das superfícies pintadas, conferindo-lhes ainda um polimento próximo ao do tipo de pedra que pretendiam imitar. Nas zonas sem goma-laca foi utilizada água com detergente neutro e, onde esta estava presente, mas envelhecida, foi utilizado álcool etílico com ou sem mistura de um solvente orgânico de base mineral 63, de modo a permitir a sua melhor remoção.
Parede do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, sendo visível, por detrás da sanefa, a decoração a marmoreado azul e branco contornada superiormente por friso de embrechados (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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MASSAS DE PREENCHIMENTO, REINTEGRAÇÃO CROMÁTICA E PROTEÇÃO FINAL Na sequência do preenchimento das lacunas e reconstituição de elementos omissos, surge uma nova questão a resolver: a reintegração cromática. Designando esta um conjunto de procedimentos pelo meio dos quais se procede à harmonização cromática do conjunto, deve, contudo, apenas ocorrer quando existam evidências que legitimem a sua realização, tendo neste caso, sido aplicada sobretudo nos novos elementos adicionados e em zonas de lacunas, mas nunca sobre o revestimento cromático ou douramento originais. Existem diversos procedimentos em função das situações, pelo que atentaremos naqueles que foram utilizados. Foi necessário, desde logo, preencher áreas de lacuna das camadas preparatórias da madeira. Estas eram compostas por diversas camadas, das quais se destacam uma primeira de cola animal (encolagem), aplicada sobre a madeira, para tapar poros e preparar a superfície, uma camada de preparação composta por várias demãos (de cré ou gesso misturado com cola) e por fim uma terceira, o já referido bolo arménio, material argiloso com elevado teor de compostos de ferro, apresentando, neste caso, uma cor avermelhada. Estas camadas destinam-se a preparar a superfície de madeira para receber o douramento e, nas zonas policromadas, a camada de cor. Como se pode depreender, além da sua função técnica, a sobreposição de camadas interfere no aspeto e mesmo na espessura das formas da talha.
5 4
Legenda: 1 Madeira
3
2 Encolagem
2
3 Preparação 4 Bolo Arménio
1
5 Douramento e/ou Policromia Esquema estratigráfico das camadas que compõem a talha dourada/policromada (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian).
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Aspeto dos trabalhos de nivelamento das lacunas do revestimento do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, com recurso a massa sintética e reintegração cromática em tom próximo ao do bolo arménio (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Assim, nas zonas de lacunas, foi primeiro feita uma encolagem 64 e, em seguida, aplicada uma massa tradicional de gesso-cré
65
e cola de
coelho, aplicada morna e a pincel em pelo menos duas camadas sobrepostas. Como camada final foi utilizada uma massa sintética estável 66, de cor avermelhada, que se harmonizava assim com o bolo original. Uma vez secas, as camadas foram niveladas com bisturi, cotonete humedecida em água e, em alguns casos, lixa fina, de modo a ficarem uniformizadas com a volumetria original. A reintegração cromática foi efetuada apenas nas zonas preenchidas com massa, nas zonas onde foram colocados e colmatados parafusos, nas reconstituições volumétricas e, ainda, nas zonas onde a preparação branca era visível. Nas áreas douradas, a reintegração seguiu uma técnica mimética, ou seja, imitou a folha de ouro, tendo sido utilizadas micas 67 douradas, aglutinadas em goma arábica e aguarelas 68. As zonas reintegradas foram então envernizadas e retocadas, sempre que necessário, com micas aglutinadas em verniz 69 e com pigmentos especializados para a conservação e restauro 70. Pormenor de grinalda de flores no coroamento do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, sendo visível a sua reintegração com folha de ouro de lei (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
161
Em algumas zonas decidiu-se que a melhor solução seria a aplicação de folha de ouro de lei, dada a sua extensão e a proximidade a que se encontravam do observador, razão pela qual o efeito da reintegração com micas douradas e outras tintas não produziria um efeito satisfatório. O douramento foi, assim, aplicado integralmente em novos elementos reconstituídos, como a grinalda de flores do coroamento do retábulo-mor e os frisos das portas das paredes norte e sul. Nestes, a folha de ouro foi aplicada de forma descontínua, deixando áreas de bolo à vista ou reintegradas com micas douradas, de forma a aproximar-se visualmente da superfície original, com desgaste, evitando-se, deste modo, um contraste exagerado entre um novo douramento e a superfície desgastada.
Porta do armário da parede norte da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, destacando-se a reintegração do seu douramento com ouro de lei e o restabelecimento da sua funcionalidade (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto dos trabalhos de reintegração cromática do retábulo da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
162
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Por fim, foi aplicada em toda a superfície da talha dourada uma camada de proteção final à base de uma resina sintética muito estável e com boas características de envelhecimento, garantindo assim a reversibilidade, por ser facilmente solúvel, e apresentando um reduzido amarelecimento. Foram realizados testes para determinar a melhor percentagem, tendo-se aplicado a composição final à trincha 71. Devido ao calor intenso que se fazia sentir neste período da intervenção, foi ainda necessário controlar o comportamento do material para evitar brilhos excessivos 72, repetindo-se a aplicação sempre que necessário. Nas zonas onde não foi possível remover todo o verniz anterior (no teto e nas áreas intermédias das paredes e do intradorso do arco do cruzeiro), a nova resina foi aplicada apenas pontualmente, quer em zonas de revestimento original, quer nas de reintegração cromática.
Note-se que, embora ao longo do texto possamos ficar com uma ideia de sucessão clara e estática de todas estas operações, uma visita ao estaleiro de obra facilmente nos transmitiria outra imagem. A intervenção é, essencialmente, um fenómeno orgânico em que as sequências e protocolos de procedimentos se adaptam, sempre que necessário, aos problemas encontrados e, em muitos casos, decorrem em simultâneo, respeitando sempre, porém, a integridade dos materiais e do conjunto, bem como os objetivos gerais da intervenção.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
163
NOTAS 1
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
18 Técnica decorativa que resulta da utilização de estiletes que riscam a
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
superfície pintada sobre o douramento, criando padrões ou delineamentos. Neste
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
caso, o esgrafitado é feito sobre a pintura a têmpera.
2
Referência: CFT008.1479.ic.
19 As carnações dos braços e das mãos nas armas franciscanas são feitas a óleo.
3
Os retábulos conheceram uma evolução estrutural considerável ao longo dos
20 Referência: PT-CPF-AMB-0015-000166.
séculos, crescendo até se tornarem imponentes e complexas máquinas como as
21 Mesas de apoio ao altar.
que encontramos na igreja do Convento de Santa Clara do Porto. A banqueta é
22 Referência: SIPA FOTO.00051904; SIPA FOTO.0051910.
constituída por um conjunto de castiçais, geralmente seis, e por uma cruz, que
23 Ou peanha, elemento de suporte saliente numa superfície murária.
coroavam a mesa do altar numa lógica de disposição pré-conciliar (anterior ao
24 Trata-se de um verniz alquídico, conforme foi possível determinar através
Concílio Vaticano II).
da recolha de amostra do verniz e análise da sua composição, realizada pelo
4
laboratório Arte-Lab.
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
25 Ver capítulo 2.
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
26 Por oposição à técnica mais comum, de aplicação a água da folha de ouro
5
com a superfície brunida posteriormente, aqui o douramento foi aplicado a
Note-se que, na igreja do Convento de Santa Clara do Porto, o frontispício
integra dois nichos com as imagens de São Domingos e de São Gregório Magno,
mordente.
junto ao encosto das paredes laterais da nave.
27 SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto:
6
História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
Pendentes realizados em talha que, numa sanefa ou baldaquino, se
sobrepõem aos cortinados. Tal como os cortinados, são interpretações
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
escultóricas de elementos originalmente em tecido.
28 As almofadas são os elementos em relevo, de grandes dimensões, que
7
decoram as portas.
Elemento que coroa um espaço, nobilitando-o. Assume a forma de uma
cúpula da qual pendem cortinados em talha. Na capela-mor da igreja do
29 Estes procedimentos de conservação e restauro serão referidos em pormenor
Convento de Santa Clara do Porto, encontramos um imponente baldaquino sobre
mais à frente.
a tribuna do retábulo-mor e sobre os nichos das imagens que a ladeiam, bem
30 As intervenções com purpurinas, compostas por partículas metálicas
como sobre os nichos do arco do cruzeiro.
não nobres, alteram severamente o aspeto dos revestimentos, pelo que são
8
Referência: PT-CPF-AMB-0015-000167.
desaconselhadas pelos atuais princípios teóricos e metodológicos de conservação
9
A madeira, após ser entalhada e assemblada, recebeu diversas camadas de
e restauro.
forma a estar apta a ser dourada: a encolagem (cola proteica de origem animal);
31 Foi utilizado o modelo Dino-Lite Pro/Pro2, AM4000/AD4000 series, 1.3
seguida de camadas preparatórias à base de sulfato de cálcio (gesso grosso e
megapixel, capaz de uma magnificação de 10-70x e de 200x.
gesso fino) aglutinado com a mesma cola animal; e por fim o bolo arménio (argila
32 Técnica que permite observar e registar a fluorescência emitida pelos
de tonalidade avermelhada ou alaranjada).
materiais quando expostos à radiação de espectro ultravioleta.
10 O bolo arménio, ou bolus armenus, é a argila de tonalidades avermelhadas ou
33 O adesivo utilizado foi uma dispersão aquosa de um copolímero acrílico,
amareladas, originária da Arménia, que constitui, geralmente, a camada anterior
designada por Lascaux Medium for Consolidation.
ao douramento. Atentaremos nas camadas de preparação da talha mais à frente.
34 Filme 100% poliéster da marca Melinex.
11 A folha de ouro, aplicada com prévio humedecimento das superfícies a
35 Foi utilizada cola de coelho da marca Kremer. O papel japonês apresenta pH
dourar, é posteriormente brunida, ou seja, polida, com recurso a instrumentos
neutro e é especialmente resistente graças à utilização de fibras longas.
específicos, como a pedra de ágata.
36 Neste caso foi utilizado o fel de boi.
12 No douramento a mordente é usado um óleo secativo com pigmentos
37 Tela barreira de vapor Wütop DB2, da marca Wurth, em tecido não tecido
secantes, sobre o qual a folha de ouro é aderida, originando um acabamento de
(TNT).
características mais baças (mate), que não pode ser brunido.
38 Tela isoladora asfáltica da marca Sika.
13 Figuras que parecem suportar as colunas que ladeiam a tribuna.
39 Ou base do retábulo, constitui seu nível inferior, sendo, por vezes, designado
14 Embora não tenha sido aplicado bolo vermelho ou laranja nas zonas das
como sotobanco.
carnações e cabelos, não se exclui a possibilidade do uso de outra camada de
40 A zona superior do retábulo, a qual integra o seu remate.
cor branca por cima da preparação (como bolo ou pigmentos brancos) e antes da
41 Este processo decorreu em empreitada independente.
folha de ouro. Esta situação teria de ser verificada através de meios analíticos.
42 Do francês “pince-nez”, resultante da justaposição de beliscar (“pincer”) e
15 Efeito de colorido, com materiais e técnicas diversas, que se destina a imitar a
nariz (“nez”), correspondendo à tipologia de óculos em que a fixação ao rosto
pele (carnes) das figuras.
se faz por apoio e pressão na cana do nariz, funcionando normalmente a ponte
16 Técnica decorativa tendo por base marcas feitas com um punção, produzindo
como mola, flexível o suficiente para permitir a sua abertura, mas firme ao ponto
delineamentos ou padrões. É utilizada, geralmente, para a imitação de tecidos,
de retomar a sua forma inicial. Em modelos metálicos mais sofisticados de século
ou estofado. As marcas podem ter diversas formas consoante a ponta do punção
XIX e inícios de século XX, o mecanismo de aperto podia ainda ser através de
utilizado.
uma mola fixa às plaquetas.
17 SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Coleção Património a Norte, N.º 10).
164
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
43 O Museu de Aveiro integra nas suas coleções três exemplares de óculos
formando um complexo (quelato), solúvel e não tóxico. Por extensão, os ligantes daí
tipológica e materialmente análogos, identificados com os n.ºs de Inventário
derivados designam-se de quelantes, agentes quelantes ou agentes sequestrantes.
55/L, 56/L e 57/L:
56 Elementos dourados e quadrantes vermelhos. Foi utilizada uma solução de
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.
álcool benzílico e acetona. 57 Foi utilizada água destilada e citrato de triamónio, seguido de água destilada.
aspx?IdReg=1102187
58 Testou-se previamente uma limpeza com agente quelante EDTA, para remover o sulfureto de prata. 59 Foram testados água com detergente de pH neutro da marca Teepol, soluções tamponadas (que resistem à mudança de pH) de água com diferente pH e agentes http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.
quelantes (ácido cítrico e EDTA), bem como citrato de triamónio.
aspx?IdReg=1102192
60 Citratro de triamónio. 61 Falamos aqui de técnicas de imitação de materiais que iremos apresentar no capítulo seguinte. 62 A título de curiosidade, este era o material em que eram prensados os discos musicais de 78 rotações, antes da introdução do vinil na década de 1940.
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.
63 Foi utilizado álcool etílico e White Spirit.
aspx?IdReg=1102334
64 Encolagem à base de cola de coelho da marca Kremer. 65 Foi utilizado gesso-cré Harmine da Sociedade Portuense de Drogas. 66 Utilizou-se uma massa à base de acetato de polivinilo e inertes (Modostuc). 67 As micas são partículas estáveis, compostas por finos flocos do mineral mica, cobertas com uma fina camada de óxido de metal, como dióxido de titânio e/ou
Ainda que a sua ficha de inventário indique cronologia e proveniência
óxido de ferro.
desconhecidas, é sugerido existir “uma forte possibilidade de se tratar de uma
68 Utilizaram-se micas da marca Kremer (Iriodin 300 Gold Pearl), goma arábica da
peça que teria pertencido às freiras do Convento de Jesus de Aveiro, tendo
marca Talens e aguarelas da marca Winsor & Newton.
na altura da criação do Museu de Aveiro, passado a integrar o seu acervo”,
69 Resina de ureia-aldeído Laropal A-81.
compreendendo-se esta relação pelo facto de o atual museu estar instalado no
70 Gamblin Conservation Colors (pigmentos aglutinados em resina de baixo peso
edifício do antigo Convento de Jesus, pertencente à Ordem Dominicana e, neste
molecular da marca Laropal, A-81).
caso, destinado à comunidade feminina.
71 Foi utilizado, geralmente, Paraloid B-72 em acetato de butilo.
44 Foi utilizado Paraloid B-72 diluído em acetato de butilo.
72 Recorreu-se a uma percentagem de hidrocarboneto aromático, Shellsol A.
45 Foi utilizada a resina EPO SV 427 com o endurecedor HV 427. O endurecedor funciona como um catalisador, ou potenciador, do processo de endurecimento da resina. 46 Funcionam, tal como os cimbres, como moldes para arcos ou estruturas abobadadas. 47 Tela barreira de vapor Wütop DB 2 da marca Wurth. 48 Poliacetato de venilo (PVA) ou cola de fibras para madeira (Cola PU multifibras da marca Wurth). 49 O conversor de ferrugem converte os óxidos num composto inerte. Foi utilizado o Polyprer da marca Cin. 50 Foi utilizada a Cosmolloid H80. 51 Com uma pintura que imita mármore, como veremos na nave. 52 Um camarão em cobre ao qual foi entrelaçado um fio do mesmo metal fixo ao lambrequim com cola multifibras. 53 A limpeza aquosa foi realizada com água destilada, à qual foi adicionado um agente quelante (citrato de triamónio), de modo a facilitar a captação da sujidade e, quando necessário, um detergente de pH neutro, Teepol. 54 Utilizou-se, sobretudo, acetona + álcool benzílico, bem como, de forma mais pontual, acetona + dimetilsufóxido. Muito raramente, em camadas mais espessas, recorreu-se a um gel de acetona (Carbopol e Ethomeen C25). 55 Quelante é proveniente da palavra grega “chele”, significando garra ou pinça, referindo-se por quelação o processo de fixação dos iões metálicos ao composto,
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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5 A GRANDE ILUSÃO:
NAVE DA IGREJA
HUGO BARREIRA | TÂNIA LOPES | CATARINA SANTOS | ANA LOPES | CRISTINA CUNHA | MARGARIDA PIMENTA
Um quebra-cabeças de tempos, formas, técnicas e materiais Iniciámos o périplo da intervenção de conservação e restauro pela capela-mor, o lugar mais central e sagrado da igreja, o seu sancta sanctorum 1. Se esta obra de arquitetura e talha dourada pode ser considerada como que una e estabilizada no tempo, o mesmo não se pode dizer dos revestimentos da nave da igreja. Nesta abundam as dúvidas quanto a cronologias, autorias e extensão das respetivas intervenções. Como seria de esperar, numa lógica de sustentabilidade “avant la lettre” que subsistiu até aos alvores da contemporaneidade no universo construtivo, muito antes de o seu abandono originar a necessidade de a reinventar sob um moderno conceito, todo o momento e camada de intervenção aproveitava, a seu belo prazer e necessidade, fragmentos de campanhas anteriores. Não surpreenderá também que nenhuma destas equipas tenha sentido necessidade de explicar a subtileza do processo aos vindouros. A nave é, assim, um delicioso quebra-cabeças de tempos, formas, técnicas e materiais, pelo que a intervenção de conservação e restauro se constituiu também como um exercício de particular descoberta do passado, em que cada passo parecia colocar à luz camadas murmurantes de vozes passadas. Se a capela-mor era, do ponto de vista documental, marcada pelas certezas, o conjunto da nave é o terreno das dúvidas. Naturalmente que a este panorama de camadas múltiplas, diferenciadas e inter-relacionadas, associavam-se patologias específicas que abordaremos no seu devido tempo. Nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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169
Elementos constituintes da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Elementos constituintes da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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CORTE TRANSVERSAL SUL-NORTE (NAVE)
11
14
10
10
10 13
12 10
10
Coro baixo
11
10
1
9
8
7
6
70 m altitude
14 Coro alto
5
4
3
2
Legenda: 1 Pátio «de fora»
6 Locutório
11 «Varanda»
2 Portal da Portaria
7 Confessionário
12 Órgão mudo
3 Portal da igreja
8 Altar do Calvário
13 Órgão grande
4 Porta de acesso ao coro baixo
9 Grade (do coro baixo)
14 Janelas do clerestório
5 Roda da grade
10 Grade (do coro alto)
0
Elementos constituintes da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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5m
Para o observador que entra no espaço da igreja pela primeira vez não é, contudo, a ideia de camadas que se evidencia, mas antes a de harmonia, revelando o cuidado que os responsáveis pelas sucessivas intervenções tiveram em criar uma ideia de conjunto. Um olhar mais atento permite, no entanto, dissipar rapidamente a harmonia como uma mera primeira impressão, destacando-se paulatinamente os elementos diferenciados, como os retábulos e as estruturas que promovem a aparência de coesão, os revestimentos dos alçados e dos tetos. Ao aproximarmo-nos, nova revelação nos assalta, pois percebemos que a maioria dos revestimentos utilizados são engenhosas imitações de outros materiais, tais como a madeira que imita as pedras nobres ou o granito que imita a talha dourada. Nada é o que parece ser. A nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto é uma grande ilusão, um requintado mistério que se revela em doses generosas de surpresa e encanto.
À semelhança do que acontecia na capela-mor, percebemos uma vez mais que estamos perante uma arquitetura de revestimento. Na nave, porém, os revestimentos do teto e dos alçados assumem, à semelhança do que acontecia no teto da capela-mor, um sentido de estrutura arquitetónica fingida aposta à verdadeira estrutura do corpo da igreja. Em planta, o corpo da igreja, no seu presente estado, é um espaço quadrangular delimitado lateralmente por espessas paredes de pedra, reforçadas por quatro contrafortes e, nos topos, pelo arco do cruzeiro e pela parede do coro, respetivamente providenciando cinco reentrâncias, sendo a primeira, a contar da parede do coro, mais estreita que as restantes. Concentrando-nos nos alçados laterais, e acompanhando o seu desenvolvimento em altura, encontramos um primeiro nível, correspondente aos altares, inscritos nas reentrâncias entre os contrafortes, formando um vão delimitado por um arco. Estas segmentações são designadas por tramos e têm correspondência aproximada nos alçados laterais, norte e sul. A simetria é, porém, ilusória, não só devido aos revestimentos diferenciados, aos quais já aludimos, mas também à presença de duas portas – locutório e «roda de fora» 2 – e do guarda-vento da porta principal da igreja, nos dois primeiros tramos da parede norte, a contar da parede oeste. Nos restantes tramos, na parede fundeira do espaço dos altares, existiam originalmente frestas. Estas foram consequentemente ocultadas pela colocação dos retábulos, tendo a maior parte destas sido ainda entaipadas, com exceção de duas, localizadas no alçado norte, correspondentes aos altares das Almas e de São João Evangelista.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
173
O primeiro nível suporta um segundo, de menor altura, que corresponde a uma galeria de circulação interior, que as religiosas designavam de «varanda» e que comunica com a nave através de largas janelas, resguardadas de olhares indiscretos pela colocação de grades metálicas. Nos dois primeiros tramos de cada parede encontram-se os órgãos: o órgão grande na parede norte e o órgão mudo na parede sul. Um terceiro e último nível é constituído pelas aberturas de iluminação da nave, o clerestório, ou conjunto de janelas 3. As paredes laterais que delimitam o espaço são, assim, particularmente espessas, de modo a suportarem não só a estrutura em madeira da cobertura, mas também a manterem a solidez face ao elevado número de aberturas, numa eficaz distribuição de pesos cuja graciosidade original foi mascarada por sucessivas alterações.
O corpo da igreja atingiu o atual desenvolvimento em altura nos finais do século XVII, tendo conhecido, como veremos, diversos revestimentos. O revestimento atual, objeto da presente intervenção, é composto por um teto em falsa abóbada nervurada que acompanha o perfil do clerestório, imitando um conjunto de lunetas 4. O apoio da abóbada fingida é simulado no alinhamento dos contrafortes através de robustas mísulas que ocupam todo o terceiro nível dos alçados laterais, ladeando o clerestório. Pormenor, ao nível do clerestório, do alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se as mísulas de madeira pintada – imitando mármore negro – com elementos em talha dourada (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Pormenor, ao nível do clerestório, do alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a sanefa em talha dourada do tramo do órgão (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Estas, por sua vez, são revestidas por uma estrutura de madeira que as enobrece através de elementos arquitetónicos interpretados em talha ou de elementos decorativos. Acompanhando o olhar, desta vez a partir do nível superior em direção ao pavimento, observamos: molduras das janelas do clerestório com os respetivos baldaquinos, nos quais é bem visível a imitação dos panejamentos; revestimentos dos alçados ao nível da «varanda», incluindo uma falsa cornija 5 que o separa do nível superior; molduras de revestimento que conferem leitura arquitetónica aos arcos dos altares, coroados por uma sanefa com lambrequins bem demarcados. No alinhamento dos contrafortes, no espaço entre os vários vãos, um elemento vertical, a pilastra, correspondente nas arquiteturas de revestimento à coluna ou pilar, interliga-se com as mísulas do teto para completar a ilusão de descarga desta arquitetura cenográfica.
Pormenor, ao nível da «varanda», do alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a falsa cornija em madeira (de cor cinzenta), as sanefas em talha dourada sobre os arcos e os respetivos elementos em madeira pintada imitando pedra de cor azul (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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175
O revestimento integral em talha, que sustenta um primeiro impacte de uniformidade do conjunto, embora com congéneres no território português, é mais frequente em espaços de menor dimensão, tais como a capela-mor ou as capelas laterais. Por outro lado, reforça o caráter ilusionista do conjunto ao mascarar a descarga do teto nos alçados laterais, como é mais frequente. Por fim, nos vãos dos altares, desenvolve-se um conjunto de retábulos de diferentes desenhos, com exceção dos dois primeiros tramos do alçado norte, onde o primeiro, a contar do alçado oeste, é preenchido com uma pintura segundo a técnica de “trompe l’oeil”, representando uma mesa de altar com a respetiva banqueta, sobrepondo-se às portas do locutório e da «roda de fora», e o segundo é ocupado pelo guarda-vento da porta principal da igreja. Os alçados laterais articulam-se com o alçado da capela-mor através do desenho do frontispício do arco do cruzeiro. No alçado oposto, a oeste, encontramos três níveis correspondentes ao coro baixo, no primeiro nível, e ao coro alto, nos dois níveis superiores. Embora o coro alto se desenvolva a uma altura intermédia em relação aos dois primeiros níveis da igreja, o desenho e as molduras dos vãos do alçado oeste da nave encontram-se alinhados com os elementos arquitetónicos do revestimento dos alçados laterais, uma vez mais, para conferir um aspeto uno ao conjunto. Note-se igualmente que o desvão da cobertura, sobre a abóbada falsa, é iluminado por um pequeno óculo, inscrito na empena sobre a cobertura da capela-mor.
Pormenor da articulação entre o frontispício da capela-mor e o alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Enquanto na capela-mor decorriam as intervenções de conservação e restauro já descritas, a restante equipa ocupava-se do teto e dos alçados laterais da nave, simultaneamente. Para tornar mais claro o acompanhamento da intervenção, começaremos pelo teto, passando depois para os alçados. Do mesmo modo, concentrar-nos-emos nos aspetos particulares que caracterizaram esta componente da intervenção, partilhando com a capela-mor o mesmo modus operandi logístico e técnico.
Um aspeto importante a salientar entre a capela-mor e a nave é o da relação diferenciada entre douramento e pintura. Na capela-mor, como vimos, a aplicação de douramento, segundo diversas técnicas e com a presença de tratamentos igualmente distintos, era predominante, encontrando-se a pintura aplicada em zonas pontuais, como os relevos ou alguns ornamentos. Na nave, contudo, podemos dizer que estamos perante uma estrutura em que a pintura constitui a base do revestimento, sendo o douramento aplicado fundamentalmente em estruturas ornamentais e nos retábulos. A pintura, nas suas variadas técnicas e características, destinava-se, como veremos, a permitir que os elementos em talha imitassem as características de diversos tipos de rochas ornamentais, geralmente variedades de mármore. Embora com aspetos particulares e técnicas diversas, estes procedimentos designam-se como marmoreados 6. Vimo-los, embora com reduzida expressão, no frontispício. Porém, no teto da nave, os marmoreados são criados em tonalidades de vermelho e azul, imitando as respetivas cores da pedra original.
Pormenor da articulação do alçado oeste (coro) com o alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se os elementos de continuidade do revestimento que mascaram os níveis diferenciados dos dois corpos (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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AS PATOLOGIAS DO TETO E A INTERVENÇÃO Na preparação da intervenção de conservação e restauro, optou-se por dividir a nave da igreja em dez tramos, numerados, divididos por duas metades:CONVENTO sul e norte.
DE SANTA CLARA DO PORTO
IGREJA - NAVE - TRAMOS - ESQUEMA Legenda: A Portaria B Coro baixo
PISO 0
A
C Nave D Arco do cruzeiro E Capela-mor
2
1
3
F Sacristia
4
1 Altar em “trompe l’oeil”
T 5 T 4 ramo
norte
ramo
norte
T 3 ramo
B
norte
T 2 ramo
norte
ramo
ramo
sul
T 4 ramo
ramo
E
D
T 3
sul
3 Altar de São João Evangelista
norte
C
T 5
2 Altar das Almas
T 1
sul
T 2 ramo
sul
4 Altar de Nossa Senhora da Conceição
T 1 ramo
5 Altar de Nossa Senhora da Piedade
sul
6 Altar do Calvário 5
6
7
8
7 Altar da Sagrada Família
9
F
8 Altar do Menino Jesus 9 Altar de São João Batista
N
0
10 m
T 5
T 4
T 3
T 2
T 1
T 5
T 4
T 3
T 2
T 1
ramo
ramo
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4 1
Legenda: 1 Nave
4 Retábulo-mor Esquema de divisão por tramos da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, utilizado na organização da intervenção de conservação e restauro (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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0
N
2 Arco cruzeiro 3 Capela-mor
5m
Os procedimentos prévios iniciaram-se pelo registo gráfico e fotográfico, bem como pelo mapeamento das principais patologias. Esta fase teve completo desenvolvimento com a montagem da complexa estrutura de andaimes que, durante longos meses, foi a fiel habitante da igreja, progressivamente desmontada até ao término das principais fases da intervenção. Note-se que esta estrutura de andaimes serviu, simultaneamente, os trabalhos do teto e dos alçados da nave. Como vimos no capítulo referente à capela-mor, o andaime permitiu igualmente a real perceção da escala colossal dos elementos ornamentais. Um aspeto a registar a respeito do teto é a utilização de tiras de chumbo na colmatação das juntas da madeira. Este método de preenchimento das juntas, utilizado também em algumas partes dos alçados, como se verá, é ainda pouco conhecido, pelo que esta intervenção representou igualmente uma oportunidade para o seu registo e exame em maior detalhe. O sistema de fixação das tiras, com pregos, é reforçado no teto, apresentando um maior espaçamento nas tiras dos alçados. Como se pôde verificar no estudo histórico realizado 7, nas despesas das obras efetuadas, avultam as referências à aquisição de chumbo, denotando-se a utilização abundante de um material e técnica dispendiosos. Podendo a estrutura base do teto ser datável de finais do século XVII, construído seguramente após o incêndio de 1683, a presença desta técnica afigura-se como um contributo para o conhecimento de práticas construtivas que, fruto das renovações posteriores de outros edifícios, se encontram aqui excecionalmente bem preservadas e carecem de ulterior exploração.
Pormenor do teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se os berloques suspensos e as tiras de chumbo utilizadas na colmatação das juntas da madeira (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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O teto da nave encontrava-se enegrecido pela sujidade, que se acumulava especialmente nas numerosas reentrâncias, fendas e fissuras. As zonas de revestimento das janelas apresentavam igualmente lacunas extensas e destacamentos, resultantes das infiltrações de águas pluviais. Como seria de esperar numa estrutura tão complexa, foram encontrados elementos desalinhados ou omissos, bem como alguns que se encontravam em risco de destacamento e queda. Em alguns dos elementos da estrutura ornamental, percebeu-se terem sido colocadas pequenas peças de madeira, semelhantes a cunhas, a colmatar fendas e zonas de união, sendo posteriormente douradas. Colocando-se a hipótese de estas pertencerem a uma campanha de ornamentação decorrida algumas décadas após a execução original 8, também aqui se verificaram desalinhamentos, faltas e destacamentos iminentes.
As tiras de chumbo e respetivos pregos de fixação apresentavam uma série de patologias, tais como o destacamento da pintura, risco de quebra ou mesmo a falta de alguns segmentos. Quando ausentes, verificou-se que a madeira não apresentava pintura, o que confirma tratar-se de uma solução original contemporânea da execução do teto. O comportamento diferenciado das superfícies de madeira e das tiras de chumbo, embora com patologias próprias, estava intimamente relacionado, sendo o desprendimento ou fratura de algumas tiras originado pela movimentação das madeiras. Para lá das ausências e destacamentos das áreas douradas, toda a superfície pintada se encontrava alterada nas suas tonalidades por envelhecimento e amarelecimento da camada de proteção.
Aspeto do sistema de tiras de chumbo utilizado na colmatação das juntas de madeira do teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues & João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Na primeira semana de trabalho realizou-se a limpeza por aspiração controlada de toda a superfície do teto. Em seguida, dividiram-se os tramos por grupos de dois e três elementos, cada qual munido do respetivo mapa de patologias, o que permitiu uma discussão conjunta dos principais problemas e respetivas soluções para cada tramo, de modo a não comprometer a leitura do conjunto. Numa segunda fase foram intervencionados os revestimentos que emolduram o clerestório.
Aspeto geral dos trabalhos de conservação e restauro do teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Note-se que, quanto mais complexa é a estrutura de madeira, mais importante é o trabalho da equipa de marceneiros. Tal como vimos na capela-mor, esteve a seu cargo o reforço de estruturas, desmontagens, fixações e preenchimento de lacunas, implicando o talhe e adição de novos elementos em madeira, o que, no caso do teto da nave, foi, contudo, limitado.
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Aspeto dos trabalhos de marcenaria no teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
A limpeza mecânica seguiu os procedimentos habituais, recorredo-se a pincéis de várias dimensões e durezas, auxiliados por aspiração controlada. A limpeza do tardoz do teto foi aqui possível utilizando o acesso existente pelo desvão da cobertura. Neste procedimento utilizaram-se aspiradores, escovas de arame inoxidável, serras de fita e raspadores, tendo-se removido a sujidade aderida e as madeiras apodrecidas. Na zona das janelas, devido ao seu elevado estado de degradação, foi necessário desmontar os painéis de madeira, tendo-se encontrado entulho, diversos detritos e sujidade, os quais foram cuidadosamente removidos.
Para a pré-fixação dos destacamentos das superfícies douradas e policromadas, foram testados vários adesivos, tendo sido escolhido o que apresentava maior eficácia 9. Na talha dourada que ornamenta o arranque das nervuras da abóbada, particularmente mal conservada nas camadas de superfície, foi necessário recorrer ao faceamento 10, depois de uma cuidadosa pré-fixação.
No caso da camada de policromia, os problemas agravavam-se pela sua dupla aplicação na madeira e nas tiras de chumbo. Nestas últimas, o destacamento da pintura era muito generalizado, possivelmente pela fraca absorção da tinta por este suporte e pelas já referidas deformações do metal. O principal desafio prendeu-se com a necessidade de encontrar o adesivo ideal, cuja remoção dos excessos não alterasse a patine ou a cor resultante do envelhecimento natural dos materiais, harmonizando-se com a aplicação de similar tratamento nas superfícies de madeira pintada.
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Pormenor do sistema de fixação dos berloques no teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Seguiu-se o tratamento dos elementos metálicos, eliminando-se apenas aqueles que já não cumpriam qualquer função e que não possuíam interesse histórico. Nos restantes, foi removida cuidadosamente a oxidação e aplicado um conversor de ferrugem 11. Este procedimento foi seguido em todos os elementos metálicos desta natureza, que também se encontravam nos alçados da nave.
Como vimos, foi por vezes necessário proceder a desmontes parciais dos revestimentos de madeira, de forma a alcançar áreas de outro modo impossíveis de aceder, nomeadamente nas zonas de arranque do teto. Graças a este procedimento, foi possível inspecionar as madeiras que integram as estruturas de sustentação e fixação do teto, permitindo inclusivamente operações de desinfestação. As desmontagens foram efetuadas em zonas sem aplicação de tiras de chumbo, tendo as tábuas retiradas sido identificadas para assegurar uma correta remontagem.
Não foram, felizmente, encontrados vestígios de atividade do inseto xilófago, apesar de terem sido detetados vários canais e sinais de ataque. A desinfestação decorreu em dois momentos: um primeiro, na face visível, em zonas localizadas com vestígios de ataque, através do uso de seringas; um segundo, mais profundo, no tardoz de todas as madeiras sem decoração do teto e alçados da nave. Para garantir a segurança do procedimento, o mesmo foi realizado apenas após a instalação dos sistemas de ventilação 12. Quando as madeiras se encontravam danificadas, realizou-se a sua consolidação com uma resina sintética aplicada à seringa 13.
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Aspeto do desvão da cobertura da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se as estruturas de suporte e os diversos reforços introduzidos em 2014-2015 (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto do desvão da cobertura da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se as coberturas diferenciadas das lunetas do clerestório (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto do desvão da cobertura da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, a partir do coro alto, evidenciando-se a passagem para a nave no alinhamento da parede oeste (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Pré-fixadas as camadas superficiais e consolidados os suportes, procedeu-se à limpeza físico-química da extensa superfície do teto. Com os testes preliminares percebeu-se que, além da sujidade, existia igualmente uma camada amarelecida, provavelmente um verniz protetor ou uma camada de acabamento à base de goma-laca. Embora esta camada continuasse a garantir a sua função, ou seja, a proteção do revestimento, encontrava-se danificada em algumas zonas, originando manchas brancas que prejudicavam a leitura do conjunto.
Assim, foram testadas soluções para a remoção da sujidade, mas que não eliminassem a camada de verniz, mantendo a patine natural da superfície 14. Uma vez limpas as tábuas, foram limpas as tiras metálicas, de modo a aferir-se o nível de limpeza pretendido 15.
A limpeza físico-química da talha dourada seguiu parâmetros semelhantes, procurando assegurar a sua correta leitura e a manutenção das alterações naturais do envelhecimento dos materiais. No tramo 5 sul foram encontrados vestígios de purpurinas já alteradas, tendo sido removidos. As zonas onde se detetaram fendas e fraturas ao nível do suporte foram assinaladas e, após a limpeza das superfícies de união, coladas com adesivo sintético 16 aplicado a pincel ou à seringa. Os elementos desalinhados e em risco de desprendimento foram restituídos à posição original, tendo sido fixados com recurso a parafusos inoxidáveis. As fendas, fissuras e zonas de juntas, ao nível do suporte, com maior expressão, foram preenchidas de acordo com os procedimentos habituais. Optou-se pela utilização de madeira de balsa, de baixa densidade, e, pontualmente, para acabamento destes enxertos, foi utilizada resina epóxida 17. Como vimos, foi necessário recolocar algumas tiras de chumbo, já destacadas da sua posição original, começando pela sua planificação. Tal foi feito de forma manual, com auxílio de espátulas, sendo limpas as zonas do reverso e coladas 18 ao suporte. À semelhança do que aconteceu na capela-mor, também no teto foram aplicadas massas de nivelamento 19, quando, por exemplo, o suporte apresentava perdas das camadas decorativas, fossem elas policromia ou douramentos. As massas destinam-se, como vimos, a regularizar a superfície antes da reintegração cromática.
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Aspeto dos trabalhos de reintegração cromática do teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
A reintegração cromática assegura a leitura uniforme do conjunto e é sempre precedida de amostras que carecem de aprovação em obra. No teto da nave, a reintegração cromática incidiu nas áreas de lacunas (no douramento e na pintura), de manchas e escorrimentos na pintura. No douramento as lacunas eram, geralmente, de pequena dimensão e dispersas, pelo que se optou por pintar 20 no tom aproximado da cor alaranjada do bolo apenas as zonas onde a preparação branca era visível, onde os elementos metálicos se encontravam escuros e brilhantes, em parafusos e na inserção de balsas. As tintas acrílicas usadas foram aplicadas com uma diluição adequada à necessidade de maior ou menor encobrimento, quer consoante o material de base, quer para se harmonizarem com as diferentes tonalidades do bolo. Nas zonas circundantes das janelas, onde as lacunas eram maiores e mais evidentes, e onde existiam mesmo zonas onde o douramento se havia perdido, optou-se por uma integração mimética, recorrendo-se a tintas acrílicas com cores douradas. Nos marmoreados, a reintegração ocorreu sobretudo nas tiras de chumbo. Recorreu-se igualmente à reintegração mimética, imitando agora a ampla gama de tons e efeitos dos veios do mármore, nas diversas lacunas, de pequenas dimensões, numa operação meticulosa. Foram igualmente atenuadas as manchas causadas por escorrimentos, utilizando-se um processo semelhante, mas com maior diluição das tintas. Por fim, aplicou-se uma camada de proteção final com uma resina acrílica 21, precedida, uma vez mais, de amostras para aprovação em elementos dourados e marmoreados. Os resultados foram muito satisfatórios, pelo que foi aplicada a solução por aspersão, sendo cuidadosamente removidos os excessos.
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2018
2021
1
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4 1
Legenda: 1 Nave
0
4 Retábulo-mor
N
2 Arco cruzeiro 3 Capela-mor
5m
Teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto antes e após intervenção (20182021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ortofotografia de Sergiy Shcheblykin | Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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OS ALÇADOS LATERAIS DA NAVE Como vimos, os revestimentos em talha dos alçados norte e sul da nave, apostos às paredes de alvenaria preparadas para o efeito, criam uma elegante cenografia cujo desenho mimetiza estruturas arquitetónicas de inspiração clássica.
Elementos constituintes dos alçados laterais da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Ao longo da intervenção de conservação e restauro foi possível perceber um pouco melhor como era sustentada esta ilusão, através da necessária verificação das estruturas de suporte e de fixação das peças de madeira do revestimento. Nesse sentido, podemos dizer que o processo não difere, nas suas linhas gerais, da obra de montagem e ensamblagem já descrita para a capela-mor.
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No caso das janelas, e embora sejam originalmente em cantaria de granito, o revestimento em painéis de talha é integral, acompanhando toda a superfície do intradorso e parapeito. Ao contrário do aspeto cuidado daquele, já o seu assentamento e fixação foi feito de modo quase grosseiro, recorrendo a pedra pobre e mesmo a reaproveitamentos de argamassa.
Pormenor das molduras das janelas do clerestório da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se os marmoreados rosa com veios escuros e as almofadas em embrechado verde (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
A moldura das janelas é complementada por uma sanefa, com duas pequenas roldanas, indicando que originalmente existiriam as respetivas cortinas e decorrente funcionalidade, à semelhança do que vimos na capela-mor. É notório que nos tramos contíguos à parede do coro, onde se encontram os órgãos, o sistema de revestimento é simplificado, porque menos visível, evidenciando a economia de recursos que caracterizava estas obras sumptuosas. Nas superfícies de parede entre as várias aberturas, foram colocadas almofadas com ornamentação variada, para conferir animação ao conjunto, sob as quais é visível uma superfície de madeira pintada imitando pedra. O elevado número de elementos, bem como a sua complexidade, acarreta que muitos sejam compostos por diversas peças, se encontrem justapostos e, em alguns casos, sobrepostos. Para a sua fixação foram utilizados elementos metálicos pregados em toros de madeira cravados na alvenaria das paredes.
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Aspeto da intervenção nas janelas do clerestório da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a superfície em pedra das molduras com os elementos em madeira retirados (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Frisos e sancas encontram-se fixos a outras peças com elementos metálicos e, em alguns apainelados com marmoreado branco, a fixação foi reforçada com chumbadouros, possuindo estas peças cortes entalhados para o seu encaixe. Facilmente se percebe como este complexo sistema de fixação, enfraquecido pelo desgaste acumulado, comprometeu, em alguns casos, não apenas o suporte das peças, mas também a integridade daquela que lhe servia de base. De modo similar, também as sanefas dos arcos dos altares se encontram pregadas com chumbadouros metálicos, tendo sido reforçadas, a posteriori, com arames amarrados às grades metálicas.
Pormenor do sistema original de fixação das cornijas das aberturas da «varanda» à parede da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Pormenor do reforço do sistema de fixação das sanefas dos arcos dos altares à parede da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pormenor do retábulo do Menino Jesus, situado no alçado sul da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a estrutura de apoio e fixação da sanefa de madeira (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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À semelhança do teto, também nos alçados laterais da nave, em algumas zonas dos arcos dos altares, foram utilizadas tiras de chumbo para colmatar a união entre as tábuas de madeira. Contrastando com a solução do teto, as tiras dos alçados são mais elegantes, cortadas mais finas e retilíneas, sendo cravadas com maior espaçamento. Tal poderá explicar-se pela maior proximidade ao observador. Uma outra hipótese é a de que a maior largura permitisse igualmente um reforço do isolamento da superfície do teto para impedir entradas de luz indesejadas.
Aspeto dos trabalhos de fixação e reintegração cromática das tiras de chumbo nos alçados laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o embrechado (Brecha da Arrábida), bem como o marmoreado azul com veios escuros, na moldura do arco. (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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No que diz respeito às técnicas utilizadas para revestir os suportes em madeira, e ao contrário do que vimos na capela-mor, o douramento não é predominante. Os alçados da nave são extremamente ricos em pintura de fingidos, destinada a imitar, tal como no teto, a nobreza das rochas ornamentais. Pela sua proximidade e delicadeza, o efeito mimético da cantaria é particularmente impressionante, aprisionando o olhar da base das pilastras até às fortes mísulas negras onde o teto aparenta repousar.
Pormenores de elementos ornamentais pintados e dourados dos alçados laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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O termo marmoreado designa uma técnica de pintura que imita os veios do mármore polido, apresentando duas tonalidades de tinta, uma dominante, que lhe serve de base, e a tonalidade dos veios com efeito contrastante e com aplicações de variada intensidade. Assim, paralelamente aos marmoreados azuis e vermelhos que encontramos também no teto, e que aqui têm uma maior variedade de tons, nos alçados laterais da nave encontramos elementos que imitam o mármore negro, com veios claros, diversos tipos de mármore branco ou acinzentado, mármore cinzento e mármore verde.
Pormenor do alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se o diálogo entre embrechados e marmoreados (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Uma outra técnica de pintura de fingidos, também utilizada na igreja do Convento de Santa Clara do Porto, tem por objetivo imitar a Brecha da Arrábida 22. De forma similar ao marmoreado, também a pintura de embrechado procura, com diversos pigmentos e técnicas, simular os efeitos visuais desta rocha. No capítulo seguinte, encontraremos inclusivamente técnicas similares a estas aplicadas sobre pedra.
Este intricado diálogo plástico é reforçado pela utilização de diferentes técnicas de douramento, de modo a criar efeitos de brilhos e tonalidades na folha de ouro, acentuando a teatralidade do conjunto.
Pormenor do alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a aplicação de diversos elementos ornamentais com douramento sobre painéis marmoreados, bem como os capitéis dourados (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Foi ainda possível perceber que, sob a atual pintura dos embrechados e marmoreados e dos elementos em talha, existia uma outra subjacente, correspondente a uma campanha anterior. Além de algumas camadas de pintura em tonalidades terrosas, uma das mais interessantes descobertas foi a de um conjunto de anjos pintados sobre madeira, localizados nos espaços entre o perfil dos arcos dos altares, posteriormente cobertos por almofadas triangulares em talha dourada com florões.
Pormenor das almofadas desmontadas durante a intervenção de conservação e restauro da parede lateral norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
No alçado norte, estes anjos encontravam-se sobre os arcos dos altares de Nossa Senhora da Conceição e das Almas, coincidindo com os tramos onde, à semelhança do teto, foram utilizadas tiras de chumbo na união das peças de madeira. A campanha correspondente à pintura dos anjos, nas zonas não cobertas pelos elementos em talha, encontra-se oculta pela atual camada de embrechado, o que permite depreender que esta constitui uma repolicromia posterior. De modo a confirmar a possível existência de iguais anjos pintados nos restantes arcos, foram desmontadas as respetivas almofadas em todos os tramos, confirmando-se a sua ocorrência, com exceção dos tramos correspondentes ao altar em “trompe l’oeil”, à porta de ligação ao exterior e ao altar de São João Evangelista, todos no alçado norte, onde, uma vez retiradas as almofadas, apenas se encontrou uma superfície em madeira sem pintura subjacente.
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CORTE LONGITUDINAL ESTE-OESTE
1
4
3
2
5
CORTE LONGITUDINAL OESTE-ESTE
6
7
8
9
Legenda: 1 Altar de São João Batista
6 Altar em “trompe l’oeil” 1
1 2 Altar do Menino Jesus
1 7 Altar das Almas
1 3 Altar da Sagrada Família
1 8 Altar de São João Evangelista
1 4 Altar do Calvário
1 8 Altar de Nossa Senhora da Conceição
1 5 Altar de Nossa Senhora da Piedade
Localização das pinturas reveladas durante a remoção da talha dourada sobre os arcos laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Pinturas reveladas pela remoção da talha dourada sobre os arcos dos altares laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Uma outra camada de pintura subjacente encontra-se nas sanefas dos arcos dos altares, no primeiro nível.
Pormenor da sanefa do arco do órgão grande da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a aplicação de elementos em talha sobre os vários lambrequins (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pormenor dos motivos ornamentais pintados sobre o douramento dos lambrequins, ocultos pelos elementos entalhados, removidos durante a intervenção nas sanefas dos alçados laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Após desmontagem, verificou-se que, sob os elementos decorativos dos lambrequins, em talha dourada a água, as sanefas apresentavam motivos similares, mas pintados sobre douramento a mordente. Através destes, é possível perceber que na nave, num momento anterior, a pintura teria ainda maior predominância em relação ao douramento do que aquela que tem na atualidade 23.
Órgão mudo e órgão grande da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto da integração do órgão grande no alçado norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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No caso do órgão grande, é igualmente notória a profusa utilização de talha na ornamentação da caixa do instrumento, bem como a decoração pintada dos tubos, tornada pouco visível pela oxidação da camada de acabamento. Já o órgão mudo é uma perfeita réplica do seu congénere verdadeiro, destinada, tal como nos elementos ornamentais, a assegurar a simetria do conjunto. Todos os seus tubos são de madeira pintada e dourada, com um tratamento que lhe confere um tom acinzentado, imitando os tubos metálicos do instrumento real. Os únicos tubos verdadeiramente de metal com que conta são aqueles que, no órgão verdadeiro, são conhecidos como trombetas e dispostos em chamada, ou seja, horizontalmente, sendo característicos do órgão ibérico. Dos quarenta e um tubos originais, vinte e cinco encontravam-se em falta, tendo sido reconstruídos sob orientação do mestre organeiro responsável 24.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do órgão mudo da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a limpeza, marcenaria, restituição dos tubos em falta e reintegração cromática (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues & João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Pormenor da decoração pintada dos tubos do órgão grande da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
OS RETÁBULOS LATERAIS DA NAVE Como vimos, no primeiro nível dos alçados laterais da nave, a igreja dispõe de cinco tramos, delimitados por arcos, onde se inserem os altares laterais, com exceção de dois do alçado norte (tramo 4 norte e tramo 5 norte), um correspondente à porta para o exterior e respetivo guarda-vento e outro com um “falso” quinto altar, representado em pintura segundo a técnica de “trompe l’oeil”, no qual se localizam ainda as duas portas para o locutório e para a «roda de fora». Atualmente, cada um dos restantes tramos encontra-se preenchido por uma estrutura retabular, formando um heterogéneo conjunto de oito retábulos, pese embora a esforçada harmonização dos restantes elementos da nave. Estas estruturas podem ser caracterizadas, de uma forma muito simplificada, como uma versão de menores dimensões do retábulo-mor, que encontramos na respetiva capela. As suas funções são, essencialmente, as mesmas, integrando cada uma delas o altar dedicado à devoção principal, e central, que ostentam. Contudo, e ao contrário do que acontece na capela-mor com a grandiosa máquina de Miguel Francisco da Silva, sabemos muito pouco sobre estas estruturas mais pequenas, mas igualmente complexas, nomeadamente, quando foram executadas e por quem. Embora facilmente filiáveis no universo formal associado ao Barroco, a diversidade de soluções compositivas, bem como algumas peculiaridades, dificulta uma datação mais precisa.
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A sua estrutura base, de natureza arquitetónica, é, porém, muito similar, sendo bem exemplificada pelo retábulo da Sagrada Família, no alçado sul: a base, ou sotobanco, à qual é aposta a mesa do altar propriamente dita; o banco, a estrutura que se lhe sobrepõe e onde, em alguns casos, se pode encontrar um sacrário; um corpo, o espaço de maior desenvolvimento em altura onde se encontram as imagens; um entablamento, coroamento, ou estrutura de remate que, neste caso, apresenta, tal como no retábulo-mor, um baldaquino com sanefa.
A mesa do altar encontra-se, em muitos casos, coberta por um frontal de altar. Estes revestimentos amovíveis, e que podem variar de acordo com o calendário litúrgico, sendo, por vezes, reversíveis, eram realizados em couro, em tecido, em talha dourada e pintada ou em madeira pintada, imitando, em alguns casos, soluções em tecido. Encontramos diversos exemplares na igreja do Convento de Santa Clara do Porto, muitos dos quais não deverão ser os frontais originais dos respetivos retábulos.
Ladeando o altar encontra-se, em alguns casos, um conjunto de portas que permitem o acesso ao tardoz do retábulo, como vimos na capela-mor, possibilitando, assim, a sua manutenção ou o acesso a outros espaços dos retábulos, de acordo com a sua configuração.
Pormenor do retábulo do altar de São João Evangelista, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a porta de acesso ao tardoz e púlpito (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Na ausência de documentação, uma datação empírica de um retábulo baseia-se nas características formais dos vários elementos, nomeadamente do corpo e do coroamento, filiáveis em determinados períodos e nas suas soluções mais distintivas, bem como associáveis à obra específica de alguns artistas ou das suas oficinas, tais como a estrutura arquitetónica ou os motivos ornamentais. Um olhar mais demorado permite depreender que diversas terão sido as modificações ocorridas ao longo dos séculos. Em alguns casos, como nos retábulos do Calvário e de Nossa Senhora da Piedade, essas modificações são facilPormenor do retábulo do altar de São João Evangelista, situado no alçado norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a porta de acesso ao tardoz e púlpito (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
mente percetíveis pela utilização de elementos com características muito diferentes – vejam-se as zonas inferiores, onde predomina a pintura a branco com douramento pontual e formas claramente mais simplificadas, associadas a épocas posteriores. Noutros casos, como no retábulo de Nossa Senhora da Conceição, poderemos estar perante aproveitamentos de estruturas anteriores, não só pela estranheza de algumas soluções, mas também pelas características dos materiais, o que a intervenção veio corroborar, como veremos.
As características destes retábulos apontam para que, pelo menos em parte, possam remontar ao século XVII, tendo sido modificados posteriormente, possivelmente no período coincidente com as transformações da capela-mor, reaproveitando-se alguns elementos, adaptando-se outros e acrescentando-se estruturas mais modernas. Vimos já como o aproveitamento e a economia de soluções eram práticas comuns.
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CONVENTO DE SANTA CLARA DO PORTO IGREJA - NAVE - ALTARES Legenda: A Portaria B Coro baixo
PISO 0
A
C Nave D Capela-mor E Sacristia 1 Altar em “trompe l’oeil” 2 Altar das Almas
1
2
3
3 Altar de São João Evangelista
4
4 Altar de Nossa Senhora da Conceição
B
C
D
5 Altar de Nossa Senhora da Piedade 6 Altar do Calvário
5
6
7
8
9
7 Altar da Sagrada Família 8 Altar do Menino Jesus
E
9 Altar de São João Batista
N
0
10 m
Localização dos altares laterais da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN).
Retábulo do altar das Almas, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Retábulo do altar de São João Evangelista, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Retábulo do altar de Nossa Senhora da Conceição, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Retábulo do altar de Nossa Senhora da Piedade, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Retábulo do altar do Calvário, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Retábulo do altar da Sagrada Família, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Retábulo do altar do Menino Jesus, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Retábulo do altar de São João Batista, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Esta afloração de uma análise morfológica tem por objetivo preparar o leitor para a complexidade do problema de conservação e restauro que estes retábulos representam. Estas crípticas estruturas comportam, deste modo, diversos tempos, nos quais as suas diversas partes constituintes foram desmontadas, fragmentadas ou recombinadas, convivendo com acrescentos, novos revestimentos, emendas, lacunas colmatadas e outras soluções nem sempre ideais.
A sua intervenção é, assim, uma viagem mal cartografada, não só pelas patologias que esperamos encontrar em estruturas acessíveis e afetas ao culto, mas também pela diversidade de mãos, técnicas e materiais que comportam, com as expectáveis repercussões na fragilização dos seus constituintes. Não podemos, por fim, esquecer que integram os retábulos diversos elementos móveis, tais como pinturas, relevos ou as esculturas que representam os santos cultuados e restante imaginária religiosa.
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No caso dos retábulos laterais da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, as soluções plásticas são diversas, quer no que diz respeito às modalidades de douramento, quer às técnicas de pintura que complementam as superfícies douradas. No já referido caso do retábulo do Calvário, por exemplo, era claramente percetível um repinte integral, em época posterior, uma vez que diversos elementos se encontravam pintados de branco, evidenciando apenas a talha em ouro brunido da camada original. Por fim, e tal como vimos na capela-mor, alguns elementos em relevo apresentam ainda policromia ao nível das carnações.
ESTADO DE CONSERVAÇÃO E INTERVENÇÃO NOS ALÇADOS LATERAIS DA NAVE
O procedimento começou, como habitualmente, pelo mapeamento de patologias, tendo-se dividido a superfície em tramos numerados de 1 a 5 (em sequência a partir do arco do cruzeiro até à parede oeste), dividido entre revestimentos de parede e retábulos.
O estado de conservação dos alçados da nave era heterogéneo, com o alçado sul a apresentar os maiores problemas. Foi encontrada muita sujidade acumulada e aderente às superfícies, escurecendo e retirando brilho aos douramentos e às camadas de pintura, presumindo-se que o enegrecimento geral tenha decorrido da prolongada exposição ao fumo de velas e à degradação das camadas de acabamento aplicadas sucessivamente ao longo dos tempos. Após os primeiros testes de limpeza, concluiu-se que a referida camada era constituída por goma-laca 25, material que, como vimos, era muito utilizado na época para proteger e realçar as formas e cujo envelhecimento origina frequentemente o escurecimento das superfícies. Foram encontradas as habituais lacunas, desprendimento de peças e zonas de destacamento de douramento e de policromia, bem como oxidação dos elementos metálicos, as quais se agravavam na proximidade das diversas aberturas, nomeadamente nas peças que forravam as janelas ou as almofadas ornamentais do nível da «varanda». A forte degradação verificada nos forros das janelas do alçado sul são facilmente justificáveis pela sua exposição às variações de temperatura e humidade, bem como pelas naturais infiltrações 26.
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Tal como vimos na capela-mor, abundavam os alfinetes de armador, já oxidados, que contribuíram para a degradação das superfícies douradas e pintadas. Um outro problema decorria das instalações elétricas realizadas em intervenções anteriores que, indiscriminadamente, perfuravam ou atravessavam elementos da talha. Note-se que, na presente intervenção, e como já referido anteriormente, a inclusão da cablagem elétrica respondeu a ponderados critérios estéticos e funcionais. Nos vários retábulos, as patologias eram similares, apresentando-se naturalmente mais desgastados por manchas ou impactos, porque mais acessíveis, e com vestígios de cera de vela e de sujidade decorrentes da sua utilização. Detetaram-se ainda pontuais repintes 27 destinados a dissimular os danos acumulados.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do retábulo do altar do Calvário, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o levantamento de repintes, nivelamento de superfícies e marcenaria (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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As madeiras que constituem a estrutura do alçado sul apresentavam igualmente um estado de conservação diferenciado. Mercê da oxidação dos elementos metálicos de suporte, peças como as sanefas exibiam diversas fendas. Do mesmo modo, alguns elementos encontravam-se desalinhados ou mesmo em risco de queda. Particularmente grave era o remate das janelas do clerestório, cujo sistema de fixação consistia em pequenos tacos de madeira inseridos nas paredes de alvenaria, cujo reboco, ou revestimento, se degradou juntamente com as madeiras usadas a nível estrutural. Os restantes elementos do forro dos vãos, compostos por múltiplas peças, encontravam-se igualmente em precário estado de conservação e fixação, evidenciando diversos desalinhamentos, fendas, fraturas e desprendimentos.
Dado que, como vimos, as várias estruturas são ornamentadas por apainelados e almofadas apostas, a degradação dos elementos metálicos era uma das patologias recorrentes, nomeadamente dos chumbadouros, que fixavam as madeiras às paredes de alvenaria. Em muitos casos, o chumbadouro já não existia e, noutros, não cumpria já a sua função, originando desprendimentos 28.
Na zona dos vãos, um outro problema decorria da degradação dos rebocos, o que originava a acumulação de fragmentos de argamassa e caliça no tardoz da estrutura de talha, obrigando à sua desmontagem, como veremos mais adiante. No nível da «varanda», as patologias eram em menor grau, destacando-se os alfinetes de armador e os vestígios de instalações elétricas anteriores, bem como o desprendimento das almofadas ornamentais ou mesmo a sua omissão nos tramos 1 e 2.
Pormenor dos alfinetes de armador numa das sanefas do alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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As sanefas dos altares apresentavam consideráveis danos, abundando as fendas, fraturas, enfraquecimento das peças de fixação e ausências de elementos, tais como as borlas dos lambrequins, decorrentes não só da habitual degradação, mas igualmente da própria utilização e manutenção do espaço, como por exemplo a colocação de armações e decorações ou o acesso às instalações elétricas. O reforço da fixação das sanefas diretamente às grades metálicas da «varanda», através de arames, resultou de uma intervenção a posteriori, numa tentativa de remediar problemas estruturais.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do retábulo do altar de São João Evangelista, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a limpeza, nivelamento de superfícies e marcenaria (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Após o mapeamento e primeiro registo fotográfico das patologias, já com a estrutura de andaimes montada, iniciou-se a intervenção de conservação e restauro, atualizando-se continuamente os registos de acordo com os progressos obtidos. À semelhança do que acontece no teto, também nos alçados coexistem elementos de talha com douramento e superfícies pintadas, pelo que a abordagem teve que responder a um alargado leque de materiais e técnicas aplicados em diversas épocas.
Pormenor de sanca da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, ao nível da cornija da «varanda», durante a intervenção, incluindo já a nova instalação elétrica (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Começou-se pela remoção do entulho resultante da degradação das argamassas de reboco e refechamento de juntas das paredes de alvenaria, que se acumulava especialmente nas sancas e sanefas. A sua remoção, com auxílio de pás e espátulas, permitiu uma melhor inspeção das soluções de sustentação, bem como o alívio imediato do peso suplementar que exercia sobre as estruturas. Nesta fase foram igualmente removidos os elementos da instalação elétrica obsoleta, montada diretamente sobre a talha. Seguiu-se a aspiração das várias zonas, com o auxílio de pincéis.
Todas as estruturas foram objeto de revisão e, sempre que necessário, de desmontagem que, como sabemos, é uma solução de recurso que se revelou inevitável em alguns casos. Assim, no tramo 5, foi removida a sanefa do clerestório, o que permitiu inspecionar o sistema de fixação, com elementos de madeira de castanho selados pelo reboco da parede, e um elemento metálico central, o qual se revelou funcional e suficiente. Contudo, com a desmontagem deste e de outros elementos, verificou-se que o revestimento das paredes estava, em geral, em mau estado na parede sul, resultado de uma possível má execução, bem como da sua exposição aos elementos e dos danos originados pelas infiltrações da cobertura. O complexo forro das janelas, formado por painéis marmoreados alternados com almofadas douradas e policromadas ligeiramente sobrepostos, em muito mau estado, foi desmontado na totalidade no alçado sul. Iniciou-se a operação com a fixação das superfícies em destacamento, seguida da identificação das diferentes peças.
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Foram ainda desmontadas algumas molduras exteriores das janelas, bem como os guarda-pós das sancas e sanefas dos vários níveis, tendo-se encontrado diversas peças em mau estado que foram, posteriormente, substituídas. A desmontagem da ornamentação dos arcos das aberturas da «varanda» foi motivada pela necessidade de montagem da estrutura de andaimes, de modo a evitar danos, tendo-se desmontado todos os elementos do alçado sul e apenas dois no alçado norte. Esta desmontagem foi precedida da limpeza mecânica e da pré-fixação das camadas de superfície 29, tendo-se reforçado as peças pelo tardoz para evitar danos.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro no forro das janelas e respetivas sanefas da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a limpeza, nivelamento de superfícies, reintegração e marcenaria (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues & João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Desmontadas foram também as almofadas dos alçados ao nível da «varanda», bem como os tubos de maiores dimensões do órgão mudo, o que permitiu a revisão dos elementos metálicos de fixação e o tratamento da talha. Procederam-se ainda a desmontagens nos retábulos de São João Batista, do Menino Jesus, da Sagrada Família e do Calvário, tratando-se essencialmente de frontais, colunas, remates, portas e estruturas laterais, permitindo o acesso ao tardoz e o tratamento das estruturas de sustentação e sistemas de fixação. Note-se que, no caso do retábulo da Sagrada Família, a desmontagem da porta destinou-se, igualmente, a permitir um maior Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do retábulo do altar do Menino Jesus, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a limpeza, nivelamento de superfícies, reintegração e marcenaria (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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acesso aos vestígios do revestimento azulejar enxaquetado do século XVII, anteriores à atual talha barroca, bem como à passagem para o tardoz do retábulo seguinte.
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Aspeto dos trabalhos de faceamento e remoção da imagem do Cristo Morto do retábulo do altar de Nossa Senhora da Piedade, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o acentuado ataque do inseto xilófago (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Por fim, no retábulo de Nossa Senhora da Piedade, devido ao péssimo estado de conservação, foi necessário proceder a uma extensa operação de desmontagem, tendo sido retirados o relevo e diversos elementos que compõem o arco e o coroamento, bem como a parte superior da urna do Cristo Morto, para permitir a montagem de uma estrutura de andaime no seu interior. No processo de remoção do relevo, fortemente afetado pelo inseto xilófago (térmita), e de modo a evitar perdas, foi realizada uma operação de faceamento integral do mesmo 30. Por motivos similares, a mesma operação de faceamento foi realizada na moldura do coroamento. Os azulejos, correspondentes ao revestimento anterior deste espaço, que se haviam desprendido da parede de alvenaria e que repousavam sobre a talha, exercendo assim pressão sobre os suportes, foram removidos, bem como aqueles que se encontravam em risco de queda.
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Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do retábulo do altar de Nossa Senhora da Piedade, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o faceamento, desmontagem, tratamento em ateliê, marcenaria e remontagem (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Pormenor do coroamento do retábulo do altar de Nossa Senhora da Piedade, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se os vestígios da cobertura azulejar anterior à colocação da talha (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto dos trabalhos de limpeza mecânica por aspiração controlada na zona das sanefas dos retábulos dos altares laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
A limpeza mecânica foi efetuada de acordo com uma metodologia similar à do teto, limpando-se todos os tardozes acessíveis. Do mesmo modo, todos os fragmentos soltos foram marcados com caneta em zona não visível e mantidos no lugar original sempre que possível, com o auxílio de fita adesiva de papel, aguardando o necessário tratamento e fixação.
Pormenor do faceamento de elementos ornamentais do alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Seguiu-se, como habitualmente, a pré-fixação das superfícies em destacamento, tendo-se adotado, uma vez mais, uma abordagem similar à do teto. Note-se, porém, que nos alçados, a diversidade e complexidade dos elementos decorativos obrigou a atuações diferenciadas, testando-se vários adesivos, tendo-se escolhido, para cada caso, o que apresentou melhores resultados.
Aspeto dos trabalhos de marcenaria, nivelamento e reintegração cromática dos elementos ornamentais das janelas da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
À semelhança do teto e dos alçados, as peças desmontadas foram objeto de desinfestação 31 e de consolidação com resina 32. Nos revestimentos da parede, sempre que se considerou necessário reforçar a resistência das madeiras, foi usada a mesma resina. Dada a extensão da degradação de muitas das peças das janelas do alçado sul, foi necessário proceder à substituição das zonas mais degradadas com novos elementos realizados em madeira de castanho pela equipa de marceneiros. As peças desmontadas foram alvo, sempre que necessário, de consolidação e colagem dos fragmentos33, recebendo ainda, consoante os casos, reforços estruturais em madeira de castanho, preenchimentos com resina epóxida 34 e inclusão de enxertos em madeira (de castanho), bem como o seu reforço com parafusos e outros elementos metálicos, salvaguardando-se o material original em todas as situações. Nas molduras do clerestório foram reforçadas as fixações através de parafusos de aço inoxidável, quer na madeira, quer na pedra, recorrendo-se nesta última a prévia colocação de buchas 35.
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Tal como vimos no teto, um dos principais desafios da operação de limpeza físico-química era garantir a harmonia de um conjunto tão diverso nas técnicas e materiais utilizados. No caso da talha dourada dos alçados, o estado de conservação diferenciado, com diferentes níveis de sujidade, manchas, escorrências e camadas de acabamento, reforçava a complexidade da operação. Assim, foram, como habitualmente, testadas diversas soluções, realizando-se ainda testes adicionais para resolver problemas pontuais, caso a caso.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do forro das janelas da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Foram realizados vários testes de limpeza, revelando-se a solução aquosa com detergente neutro 36 como a mais indicada para a remoção de sujidade e preservação das camadas de douramento, à semelhança do que aconteceu no teto. Os excessos de adesivo de pré-fixação foram removidos com álcool e acetona. As áreas de talha contíguas às decorações marmoreadas apresentavam pinceladas e escorrimentos da camada de proteção de goma-laca, a qual se encontrava muito escurecida e opaca, tendo-se efetuado a limpeza com etanol.
Para a limpeza química das superfícies pintadas foram igualmente executados testes de solubilidade e resistência dos vários pigmentos presentes no alçado norte. Para a sua realização efetuaram-se janelas de limpeza, consistindo na delimitação de pequenas zonas de teste, que permitiram aferir uma metodologia que foi igualmente seguida no alçado sul. Uma vez que os testes de limpeza revelaram uma policromia rica na diversidade de tons onde, outrora, abundavam tonalidades mais soturnas, todos os resultados foram analisados, discutidos e aprovados por todos os intervenientes.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro das superfícies ao nível das «varandas» nos alçados laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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A solução que ofereceu melhores resultados foi uma mistura de etanol e White Spirit. Contudo, no alçado sul, possivelmente devido às patologias causadas pela maior exposição à humidade, foi detetada quer uma maior sensibilidade em algumas superfícies pintadas, quer sujidades mais agregadas, pelo que foi necessário ajustar as soluções. A variedade de materiais imitados, com tonalidades muito diferenciadas, originou igualmente outros ajustes. Paulatinamente, foram recolocadas as várias peças desmontadas, uma vez tratadas nas suas várias patologias ao nível do suporte. As lacunas foram preenchidas, de acordo com os métodos habituais, utilizando-se, consoante as situações, resinas epóxidas, balsa e, no caso das reconstituições volumétricas, madeira de castanho.
Pormenor do preenchimento de lacunas e nivelamentos, aplicação de camada de cor do bolo arménio e reintegração com elementos em madeira, empregues nos trabalhos de conservação e restauro da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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A consolidação das zonas de madeira que apresentavam maior fragilidade fez-se com recurso a resina sintética, em diversas aplicações e concentrações variadas 37, com trincha, pincel e/ou seringa. Foram também tratados os elementos metálicos de fixação sempre que apresentavam corrosão, sendo removidos os que já não cumpriam a sua função original. Esta operação foi realizada de modo a não danificar a talha, com ferramentas adequadas 38. Os restantes elementos metálicos, incluindo aqueles cuja extração danificaria a talha, foram tratados através da remoção da oxidação e aplicação posterior de conversor de ferrugem 39.
Pormenor da correção e adição de elementos metálicos de reforço da cornija nas aberturas da «varanda» dos alçados laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Corrigiram-se os desalinhamentos recorrendo-se à desmontagem e remoção das fixações danificadas, com posterior fixação no alinhamento correto através de parafusos em aço inoxidável, aproveitando os orifícios das cavilhas originais entretanto removidas. Quando os orifícios se encontravam em zonas danificadas, foi realizada nova furação e, sempre que necessário, foram aplicados parafusos adicionais como reforço. Antes da remontagem, o tardoz das peças em contacto com a alvenaria foi protegido com tela 40. Os furos foram escareados de modo a esconder as cabeças dos parafu-
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sos, tendo sido aplicada resina epóxida 41 sobre as mesmas, e tendo-se procedido a posterior reintegração cromática mimética para imitar a superfície original. Além dos parafusos em aço inoxidável, foram ainda utilizados sistemas de encaixe tradicionais, como a meia madeira e a cauda de andorinha. Estas técnicas de ensamblagem consistem no corte até meia altura das peças de madeira e subsequente sobreposição. No caso da cauda de andorinha, o corte e respetivo entalhe lembram a forma que lhe deu nome.
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Legenda:
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1 Meia madeira (meio fio de encontro)
3 Meia madeira (cruz a meio fio)
2 Meia madeira (meio fio de ponta)
4 Cauda de andorinha
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Sistemas tradicionais de encaixe dos elementos estruturais de madeira: meia madeira e cauda de andorinha (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN).
Também nas estruturas do alçado, e sempre que necessário, foram refeitos elementos em madeira de castanho, semelhante à original, sendo os elementos novos fixos pela frente ou pelo tardoz com parafusos de aço inoxidável ou de acordo com os sistemas de encaixe originais. No caso dos enxertos, e tal como aconteceu nas peças desmontadas, os fragmentos foram colados 42 e, em alguns casos, reforçados com elementos metálicos adequados a cada situação.
Nas fendas e fissuras de menor dimensão utilizou-se, uma vez mais, a resina epóxida que, pela sua massa castanha, se assemelha às madeiras originais. O preenchimento procurou deixar sempre algum espaço para as movimentações naturais dos materiais. Outras lacunas, geralmente associadas à justaposição de peças e à sua movimentação, foram preenchidas com madeira de balsa colada à estrutura original apenas num dos lados, para permitir o movimento. Foram então repostos todos os fragmentos encontrados ou removidos por má fixação, uma vez tratadas as eventuais fraturas e devidamente limpas as superfícies de contacto 43. Procedeu-se então à colagem, sendo a união reforçada com grampos e molas até a secagem terminar. Tal como vimos na capela-mor, também nos alçados faltavam inúmeros elementos decorativos, por vezes de dimensões consideráveis. A sua reconstituição foi realizada tendo por base a sua repetição, própria da gramática ornamental e arquitetónica, permitindo, assim, diferentes níveis de reprodução, quer em madeira de castanho entalhada, nas peças de maior dimensão, quer com recurso a resinas epóxidas, nas pequenas lacunas. À semelhança das restantes superfícies reconstituídas, foi aplicada, sobre madeiras e resinas, uma camada preparatória e foi feito o posterior douramento ou reintegração cromática.
A pré-fixação e fixação das camadas cromáticas precederam sempre a limpeza e os restantes tratamentos. Dado que o trabalho decorreu por níveis, foi possível coordenar as várias operações com os trabalhos de marcenaria e carpintaria.
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Todo este trabalho foi acompanhado de uma completa revisão das estruturas de sustentação das peças, especialmente relevantes num conjunto destas dimensões, substituindo-se os elementos em madeira ou reforçando-se sempre que necessário com soluções metálicas, tais como réguas ou esquadros. Além das já referidas estruturas de suporte do forro das janelas, exemplos destes novos elementos são os trabalhos ao nível da estrutura dos vários retábulos, onde foram aplicados contraventamentos, ou reforços da coesão estrutural. No caso dos retábulos, é igualmente importante salientar que a sujidade acumulada na superfície da talha dourada obrigou a vários testes de solubilidade para aferir a melhor solução de limpeza físico-química, uma vez que abundaram as dificuldades na remoção. Ao contrário do que aconteceu nos alçados, a limpeza dos retábulos e da talha do órgão mudo foi um processo moroso.
Pormenor do tardoz do retábulo do Menino Jesus, situado no alçado sul da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se os contraventamentos e demais elementos de reforço. Note-se o reaproveitamento de um painel entalhado, por dourar, resultante dos procedimentos de ensamblagem do retábulo (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
No alçado norte, as patologias identificadas não eram muito diferentes, variando consoante a altura e a zona, concentrando-se a maior sujidade, uma vez mais, na superfície dos retábulos onde abundavam os vestígios de cera. Em alguns retábulos foram também encontradas purpurinas, aplicadas em intervenções anteriores, em camadas de diferente espessura. A diversidade dos retábulos permitiu igualmente encontrar efeitos decorativos diferenciados na folha de ouro, tais como o bronzeado, resultante da aplicação de cor para que se obtenha um maior efeito de claro-escuro, realçando as volumetrias. Note-se que a diversidade de técnicas utilizadas nas estruturas retabulares tornou a intervenção de conservação e restauro muito mais complexa e morosa, sendo necessário observar, cuidadosamente, os comportamentos dos materiais ao longo das diversas etapas, para garantir a integridade dos revestimentos, por vezes muito frágeis.
Os procedimentos foram similares aos que acompanhamos para o alçado sul, seguindo-se uma metodologia em tudo semelhante, embora adaptada, sempre que necessário, às situações particulares. Tal como no alçado oposto, também aqui se revelou delicada a situação da talha do clerestório.
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Na etapa de fixação foram detetados dois tipos de douramento, à semelhança do que vimos na capela-mor, prevalecendo o douramento a água, sendo, porém, utilizado por vezes o douramento a mordente. Além de casos pontuais, arquitetónicos ou figurativos, por vezes dourados sobre a camada de preparação branca, esta técnica, que vimos já conferir um aspeto mais baço ao ouro, foi aplicada em todos os anjos das sanefas. Como habitualmente, também aqui os elementos metálicos, tratados ou substituídos, receberam uma camada de proteção à base de resina acrílica 44. Componentes destacáveis, tais como as borlas dos lambrequins das sanefas, foram removidas e tratadas em ateliê, sendo reconstituídas sempre que necessário.
Foram realizadas diversas desmontagens, aproveitando-se, como no alçado oposto, a remontagem dos elementos retirados para a sua proteção com tela apropriada 45 sempre que estivessem em contacto com a alvenaria. Também no alçado norte se verificaram diversos desprendimentos do revestimento da parede que se acumulavam no tardoz da talha e sobrecarregavam as superfícies horizontais de vãos e sancas. A recolocação dos painéis retirados foi acompanhada, uma vez mais, da revisão estrutural e adição de novos reforços em aço inoxidável 46. No alçado norte procedeu-se ainda ao reajuste de toda a cornija do nível da «varanda», substituindo-se os sistemas de fixação por soluções metálicas concebidas para o efeito 47.
No tramo 4 norte, onde se encontra o guarda-vento da porta principal da igreja, foi necessário desmontar a bandeira do lado direito devido à degradação da madeira na zona das dobradiças, sendo aplicados enxertos e substituídos os elementos metálicos. A estrutura do guarda-vento foi também reajustada, por se encontrar desalinhada, sendo as lacunas das almofadas colmatadas com madeira de castanho. No tramo seguinte, foi intervencionada a talha do órgão, que se encontrava em mau estado, com cedências estruturais. Colocou-se uma viga nova 48 e reforços metálicos para assegurar o nivelamento, sendo, no nível intermédio, substituído o soalho por um novo, em madeira de castanho, e, sempre que necessário, o respetivo vigamento de madeira. As restantes peças de madeira do órgão foram revistas, colmatadas as lacunas e reajustados os nivelamentos, tendo-se ainda tratado os elementos metálicos 49. Ainda neste tramo, e como veremos no capítulo seguinte, encontra-se uma pintura sobre tela de grandes dimensões cuja moldura foi também removida. Após tratamento da talha e da parede, esta foi recolocada com parafusos novos, sendo protegida por tela, bem como a parede de alvenaria ocultada pela pintura.
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No nível inferior, encontramos um outro momento de deleite visual que, face à exuberância do conjunto, passa facilmente despercebido. Trata-se de um retábulo fingido executado inteiramente em pintura ilusionista, ou “trompe l’oeil” 50, sobre madeira e pedra, o qual será abordado no capítulo seguinte. Evidenciando diversas alterações, uma das portas do conjunto, do lado direito do observador, já não era a original, pelo que foi substituída por uma nova em madeira de castanho, com face idêntica à existente. Na do lado esquerdo foram colmatadas as lacunas e revistos os alinhamentos e elementos metálicos. Ao abordarmos o alçado sul, referimos que foi no alçado norte que se efetuaram as primeiras janelas de limpeza e onde, através de vários testes, foram determinadas as melhores soluções para a limpeza do conjunto de talha dourada e policromada. Nesse sentido, é importante fazermos uma pequena pausa e procurarmos observar todo este processo em tempo real e perceber as suas implicações concretas.
Assim, numa igreja de alçados consideravelmente escuros, onde sobressaíam acima de tudo os douramentos dos retábulos e da capela-mor, um olhar de pormenor, possibilitado pela estrutura de andaimes, aguçava a curiosidade e permitia imaginar que o envelhecimento das camadas de goma-laca tivesse mitigado uma esplendorosa policromia. Paralelamente, as desmontagens permitiam perceber outras superfícies pintadas, ocultadas, entretanto, com novos painéis entalhados, revelando uma igreja na qual a pintura rivalizaria com o douramento e talvez até o superasse. A abertura das janelas de limpeza foi, então, o levantar de um pesado e tenebroso véu, sob o qual repousavam as vibrantes cores adormecidas por séculos de fumo. Uma vez despertadas, arriscar-se-iam a invadir a retina do observador, a elas pouco habituada, assaltando a sua mente com dúvidas sobre a correspondência destas “novas” cores antigas. Tais dúvidas, naturais no primeiro olhar, facilmente se dissipam quando pensamos na função da pintura ilusionística, ou seja, a imitação do esplendor das pedras nobres, que poderíamos encontrar em obras “à romana” como a capela de São João Batista na igreja de São Roque, em Lisboa. Percebe-se, deste modo, como, em casos como este, é necessário atuar criteriosamente, ponderando-se todas as possibilidades e procurando respeitar a autenticidade das soluções, mesmo que estas se afigurem como surpreendentes. Os testes efetuados permitiram perceber que se haviam acumulado as já referidas camadas de goma-laca, entretanto oxidadas, e aplicadas ao longo do tempo sobre sucessivas sujidades. O objetivo era manter uma fina camada de proteção, aplicada originalmente, respeitando
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Pormenor da realização de testes de limpeza nas camadas de proteção aplicadas nos alçados da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
a sua patine e consequente envelhecimento, removendo apenas as camadas excessivas de goma-laca oxidada e sujidades, devolvendo desta forma legibilidade ao conjunto. Tal como referimos para o alçado oposto, também no alçado norte foram testadas várias soluções para a limpeza da talha dourada dos diferentes níveis, tendo-se optado pela água e detergente neutro.
Assim, não esqueçamos a constante necessidade de harmonizar as soluções aplicadas em materiais semelhantes para ambos os alçados da nave, de modo a respeitar uma leitura integrada do conjunto.
Aspeto dos trabalhos de reforço da estrutura de suporte do retábulo do altar de Nossa Senhora da Conceição, situado no alçado norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Fazendo agora um breve périplo pelas estruturas retabulares do alçado norte, devemos atentar no retábulo de Nossa Senhora da Conceição, o qual se encontrava num estado particularmente problemático, pelo que foram revistas todas as estruturas de suporte, adicionando-se reforços em aço inoxidável, quer à estrutura de madeira, quer na sua fixação às paredes de alvenaria. Receando-se que o conjunto escultórico 51, que enquadra e completa a imagem de Nossa Senhora da Conceição, estivesse atacado pelo inseto xilófago (térmita) 52, desenvolveu-se um método para a sua inspeção, sem que o conjunto fosse desmantelado, poupando-o assim a um desnecessário esforço.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do retábulo do altar de Nossa Senhora da Conceição, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a limpeza e reintegração cromática (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Dado que o resplendor se encontrava em bom estado, foram intervencionados o globo e o seu elemento de sustentação, sendo consolidado com recurso a resina 53 e reforçado com madeira da mesma essência que a original, sendo todo o conjunto colado de acordo com os métodos convencionados e os espaços preenchidos com resina epóxida.
É aqui de destacar que a desmontagem parcial do retábulo de Nossa Senhora da Conceição revelou, inserida na parede oculta, uma lápide em granito com inscrição, que após leitura, veio a revelar datar-se de 1645 e referir-se ao local de enterramento de Diogo Martins, abade da Vandoma e antigo capelão do convento 54.
Inscrição tumular descoberta durante a desmontagem parcial do retábulo do altar de Nossa Senhora da Conceição, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Tal como aconteceu no retábulo de São João Batista, que se lhe opõe no alçado sul, também aqui foi realizada toda uma nova estrutura para a zona inferior, com peças em madeira com reforços metálicos, devido ao mau estado das peças originais. As portas laterais foram também desmontadas e reajustadas, substituindo-se os elementos metálicos para garantir a sua funcionalidade. Do mesmo modo, foram também intervencionados os degraus de acesso ao nicho.
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Pormenor do reforço da estrutura de suporte do retábulo do altar de Nossa Senhora da Conceição, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o novo sistema de fixação do frontal (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Pormenor do retábulo de Nossa Senhora da Conceição, situado no alçado norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do retábulo do altar de São João Batista, situado no alçado sul da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a limpeza e reforço estrutural (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
À semelhança de outros elementos, a mesa do altar, que sofrera algumas alterações em épocas posteriores, foi também objeto de atenção particular, sendo alterado o sistema de fixação do frontal de modo a permitir a sua remoção para monitorizações futuras. Noutros casos, foram colmatadas fendas e lacunas e removidas as madeiras lisas e sem revestimentos decorativos que se encontravam em mau estado.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro do retábulo do altar das Almas, situado no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o mau estado de conservação, a limpeza e reintegração cromática (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Nos retábulos de São João Evangelista e no retábulo das Almas foi necessário desmontar as colunas para se proceder à sua limpeza e tratamento. Nestes casos, não foi preciso o desmonte de outros elementos do conjunto, uma vez que as portas dos retábulos permitiam o acesso ao seu tardoz. Devido ao intenso ataque biológico, foi, contudo, necessário remover os frontais e parte da lateral esquerda dos altares.
Pormenor dos trabalhos de conservação e restauro de colunas dos retábulos laterais da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a limpeza e reintegração cromática (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Aspeto do tardoz dos retábulos da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a adição de elementos novos de reforço, bem como o sistema de iluminação e tubagens elétricas (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
As peças retiradas foram desinfestadas e consolidadas, sendo realizadas as necessárias reconstituições volumétricas em madeira de castanho nas lacunas de maiores dimensões e em resina epóxida nas de pequena dimensão. Também nestes retábulos, a parte estrutural se encontrava em muito mau estado de conservação, tendo sido alvo de revisão com substituição ou reforço de elementos, sempre que necessário, e com fixação à parede de alvenaria com reforços metálicos em aço inoxidável. Reajustaram-se ainda as portas e, no retábulo das Almas, foi necessário substituir as madeiras dos planos horizontais onde assentavam as imagens, quase desaparecidas devido ao extenso ataque da térmita, por novas madeiras de castanho.
Nos retábulos, foi igualmente aplicado o tratamento de desinfestação 55. As estruturas fragilizadas foram consolidadas com resinas 56 e fixos os elementos soltos com adesivos sintéticos ou, excecionalmente, com peças metálicas. À semelhança do que vimos para o alçado sul, também aqui as operações de limpeza físico-química foram complexas, devido à presença de repintes com purpurinas. Foram testadas, no retábulo de Nossa Senhora da Conceição, várias soluções, optando-se por uma solução de dois solventes do grupo dos álcoois: etanol e isopropanol, com um detergente de base alcalina 57, numa proporção que permitiu obter o melhor compromisso entre a remoção da sujidade e a manutenção da integridade do douramento, repondo o seu brilho característico.
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O ALÇADO OESTE DA NAVE Nas igrejas dos conventos e mosteiros femininos, a parede oposta à capela-mor, a parede oeste, na maioria dos casos, é especialmente importante, por ser nela que se localizam as aberturas de comunicação com o coro, onde a comunidade religiosa participa nas orações e atos litúrgicos. Na igreja do Convento de Santa Clara do Porto, como vimos, tal não é exceção, pelo que a parede oeste apresenta um extenso conjunto de aberturas resguardadas por impressionantes grades.
Elementos constituintes do alçado oeste da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian - DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Assim, no primeiro nível, encontramos uma grade central, do coro baixo, onde se encontra uma abertura para a administração da Comunhão, no contexto eucarístico. Ladeando-a, encontramos dois espaços simétricos, compostos, à direita do observador, pela porta de acesso ao coro baixo e por uma pequena abertura retangular que permite o acesso a um vão onde está colocada a roda da grade. Ambas as aberturas se articulam por uma almofada de talha em forma de L. No lado oposto, uma porta semelhante permite o acesso a um confessionário e, na pequena abertura correspondente, temos o acesso ao locutório da grade.
Pormenor do alçado oeste da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a grade central com a abertura para a comunhão, com a respetiva moldura, e balaustrada (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pormenor do alçado oeste da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a roda da grade e a porta de acesso ao coro baixo (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Pormenor da roda da grade vista a partir da nave e do coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pormenor do alçado oeste da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a porta do confessionário e a porta do locutório da grade (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Pormenor do locutório da grade visto a partir do coro baixo e da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
As três secções do alçado apresentam sanefas em talha que permitem o seu alinhamento com o nível superior. Neste segmento intermédio, localizado ao nível do pavimento do coro alto, encontramos três grades coroadas pelas respetivas sanefas em talha e, finalmente, no terceiro nível, podemos ver uma extensa janela com grade, ladeada por duas aberturas mais pequenas, igualmente gradeadas. A grade central é coroada por sanefa em talha, sendo a restante superfície do alçado preenchido por almofadas, também em talha.
Aspeto do interior do confessionário visto a partir da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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O elegante desenho do conjunto de aberturas é valorizado por uma composição que mistura a cantaria 58 em granito e os elementos em talha dourada e pintada. Contudo, e ao contrário do que vimos nas restantes superfícies da nave e da capela-mor, as superfícies pétreas são aqui também chamadas à colação, prescindindo, excecionalmente, do véu de talha, e desempenhando um importante papel nos efeitos plásticos deste alçado e na sua harmonização com os restantes revestimentos da nave.
Pormenor do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a conjugação da talha dourada com a pintura aplicada diretamente sobre a cantaria de granito (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pormenor do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o elemento rendilhado que serve de respiradouro ao desvão do teto do coro alto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Numa decoração fortemente marcada pela pintura ilusionista, não é de estranhar que também a pedra, embora lavrada, tivesse sido pintada. Na solução que atualmente podemos ver, os vários elementos em granito imitam não só pedras nobres, tal como vimos na talha do teto e nos restantes alçados da nave, mas também elementos ornamentais em talha dourada, em delicadas pinturas ilusionistas, relacionáveis com o retábulo fingido do tramo 5 do alçado norte. Ocupar-nos-emos destas, e de outras superfícies pétreas, no capítulo seguinte. Voltemos, para já, aos elementos em madeira dourada ou pintada. Devido à já referida diversidade de materiais e de técnicas coexistentes, as patologias apresentaram igualmente desafios que foram superados de acordo com as soluções mais apropriadas, caso a caso. A limpeza mecânica decorreu em paralelo com os restantes alçados, seguindo procedimentos semelhantes. No caso da grande janela que encima o coro alto e comunica com a nave, a sua limpeza foi feita com água e detergente neutro. Devido à profusão de elementos em madeira, as tarefas de revisão, reajuste e fixação foram especialmente importantes. Assim, para as sanefas e almofadas das várias aberturas e superfícies, foram reforçadas as fixações com parafusos e elementos metálicos em aço inoxidável. Substituída foi também a prancha de fundo da roda da grade, de modo a que a sua rotação fosse recuperada. Por fim, na porta de comunicação entre a nave e o coro baixo, foram novamente colocadas as dobradiças na pedra com recurso a bucha química.
Pormenor da abertura de janelas de limpeza no alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Na fase de limpeza físico-química, e após a realização dos testes de limpeza, concluiu-se que, também neste alçado, existiam camadas muito espessas de goma-laca, sobretudo em alguns marmoreados. Estas camadas foram aplicadas em diversos momentos, com o intuito de restituir briPormenor de alguns dos elementos decorativos do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
lho à pintura entretanto envelhecida. Infelizmente, esta camada começou a desenvolver problemas, tais como redes de estalados, que poderão ter contribuído para degradar a pintura que tentava proteger.
Mercê desta camada, revelou-se necessário enveredar por uma limpeza menos superficial, uma vez que a remoção da sujidade e aplicação de nova camada protetora poderia originar reações adversas na superfície. Os testes com etanol demonstraram que este solvente removia todas as camadas, inclusivamente a patine de envelhecimento. Assim, optou-se por uma solução 59, segundo os métodos utilizados na restante nave, que permitisse salvaguardar a fina camada de proteção original e, consequentemente, a patine de envelhecimento. Uma vez aprovado o procedimento, aplicou-se na generalidade das superfícies marmoreadas, mantendo-se alguma da patine e ajustando a proporção de solventes sempre que necessário. Para os marmoreados apenas com uma fina camada de goma-laca, foi removida a sujidade com uma solução aquosa 60. Já na porta do tramo 5 do alçado norte, com a pintura em “trompe l’oeil”, foi utilizado o etanol, uma vez que ambas as soluções testadas, acetona e etanol, apresentavam resultados semelhantes, tendo-se optado pela menos tóxica para o conservador-restaurador. Nas portas e almofadas do alçado do coro, com uma camada de goma-laca muito espessa e oxidada, foi necessário utilizar uma solução de acetona e etanol 61, aplicada a pincel sobre uma folha de papel absorvente, de forma a remover a goma-laca oxidada acumulada sem demasiada ação mecânica.
Pormenor do alçado norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a simulação de um retábulo em pintura ilusionista (“trompe l’oeil”), aplicada sobre as portas do locutório e da «roda de fora» (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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COLOCAÇÃO DE CAMADAS PREPARATÓRIAS E REINTEGRAÇÕES À semelhança do procedimento realizado no alçado sul, também os alçados norte e oeste apresentavam diversas lacunas e ausências que, uma vez identificadas e tratadas, foi necessário preencher. Para tal utilizou-se, como tem vindo a ser referido, quer madeiras, quer a resina epóxida, aplicada em zonas de menor dimensão e para ocultar as furações realizadas para fixação. Nas madeiras novas entalhadas foi aplicada encolagem, seguida da aplicação de preparação branca, segundo o processo tradicional, em camadas sucessivas, até atingir os níveis preexistentes. O nivelamento foi realizado, após a secagem, com um cotonete humedecido e papel abrasivo.
Como seria de esperar, em extensas superfícies de complexa policromia combinada com douramentos, as operações de reintegração cromática foram especialmente importantes. Recordemos que, nestes casos, a reintegração se destina ao preenchimento de lacunas a partir de evidências de camadas originais, sem sobreposição com revestimentos já existentes, o que consistiria em repintes.
Pormenor da reintegração cromática da simulação de retábulo em pintura ilusionista (“trompe l’oeil”), aplicada sobre as portas do locutório e da «roda de fora», situada no alçado norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Optou-se por uma reintegração mimética, com o cuidado de não criar, contudo, soluções que pudessem ser tomadas por falsos elementos primitivos. Na superfície em “trompe d’oeil”, do alçado norte, foi utilizado um método de reintegração diferenciado, nomeadamente, o “trattegio” 62. Esta técnica consiste na aplicação das camadas de tinta em traços finos e justapostos, adaptados na cor e na espessura ao efeito da pintura original. Embora visíveis numa observação de proximidade, os traços desaparecem com um olhar mais distante, permitindo assim devolver a correta leitura geral à superfície do retábulo fingido.
Pormenor da reintegração cromática de marmoreados no alçado norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Nas superfícies com douramento, foram utilizadas micas aglutinadas em resina acrílica para a reintegração cromática, as quais permitem obter um efeito de brilho próximo do douramento original. A reintegração foi então feita com recurso à aplicação prévia de uma camada de tinta acrílica 63, destinada a conferir a tonalidade do bolo original. Sobre este tom, foi aplicada uma fina camada de micas douradas e, após secagem destas, colocaram-se têmperas em tons terra, de modo a conferir uma patine de envelhecimento, semelhante à do ouro original.
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A têmpera foi também utilizada para a reintegração das zonas de policromia. Os materiais usados nesta técnica são reversíveis e compatíveis com as novas preparações, bem como com os materiais originais. Nos elementos das janelas, e uma vez mais devido às condições de humidade, foram excecionalmente utilizadas as tintas acrílicas, de modo a garantir uma maior longevidade da intervenção.
Aspeto dos trabalhos de desmontagem da estrutura de andaime utilizada no apoio aos trabalhos de conservação e restauro do teto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, após o desmonte dos andaimes que serviram de apoio aos trabalhos de conservação e restauro (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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NOTAS 1
Santo dos Santos, numa apropriação latina da expressão hebraica utilizada no
24
Mestre organeiro Pedro Guimarães Von Rohden, da Oficina e Escola de
Antigo Testamento para designar o tabernáculo do Templo de Jerusalém.
Organaria, Lda.
2
25
No primeiro tramo encontramos um espaço de acesso ao locutório e à «roda
O teste de solubilidade demonstrou que a camada apresentava fraca
de fora», estruturas destinadas à comunicação com o exterior, permitindo, neste
resistência ao etanol.
caso, a comunicação e a entrega de bens a partir do pátio.
26
Como vimos anteriormente, as janelas foram substituídas em 1945.
3
27
Repinte consiste na aplicação de novas camadas de tinta sobre as
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
anteriores, podendo alterar em maior ou menor grau a policromia original.
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
28
Os chumbadouros não existiam no tramo 5.
4
O seu equivalente em alvenaria seria uma abóbada de lunetas.
29
Utilizando-se Mowilith D5.
5
Elemento de remate, geralmente horizontal ou, neste caso, acompanhando o
30
Utilizou-se papel japonês e adesivo BEVA 371 OF.
desenho do arco das aberturas da «varanda».
31
Recorreu-se ao Xylophene SOR 40, aplicado por pincelagem e aspersão,
6
tendo sido posteriormente acondicionadas.
Técnica de pintura destinada a imitar os veios do mármore, a qual será
explicada mais à frente.
32
Foi utilizada Paraloid B72 em acetato de butilo.
7
33
Utilizaram-se os adesivos PVA e a cola de fibras para madeira da marca
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
Wurth.
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
34
8
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
EPO 127/K128 da marca CTS.
35
Foram também utilizados parafusos da marca Wurth.
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
36
Água e detergente neutro da Tween 20.
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
37
Foram feitas entre duas e quatro aplicações de Paraloid B72 em solução de
9
acetato de butilo.
Foram utilizados, respetivamente, o Lascaux 4176, aplicado puro, e a cola
sintética Mowilith D5, diluída em água e aditivada com etanol, ou álcool etílico.
38
10
turquês e arranca-pregos.
Foi utilizado o papel “tissue”, de baixa gramagem, aplicando-se um adesivo
Tais como berbequins minicraft com disco de corte, ponteiras e martelo,
semelhante ao da pré-fixação.
39
11
Foi utilizado berbequim minicraft com ponta de esmeril.
aplicado o conversor de ferrugem Polyprep da marca CIN.
12
A remoção foi feita com berbequim minicraft com ponta de esmeril e foi
Em ambas as operações foi utilizado o inseticida Xylophene SOR 40,
40
Tela barreira de vapor, microperfurada e impermeável da marca Wurth.
aplicado no primeiro momento com pulverizador e seringas e, no segundo
41
Utilizou-se a habitual EPO127/K128 da marca CTS.
momento, com máquina airless, permitindo uma pulverização extensa e de alta
42
Utilizou-se adesivo Mowilith e cola PU Multifibras da marca Wurth.
pressão.
43
Utilizou-se uma solução de água e etanol, bem como espátula e bisturi
13
Foi utilizado o Paraloid B72 em solução de acetona e acetato de butilo.
para os fragmentos de massas e colas, as quais foram também removidas com
14
Optou-se pela utilização de uma solução de água e detergente neutro,
soluções de álcool e acetona.
Tween 20.
44
Paraloid B72 em acetona.
15
Para a limpeza das tiras utilizou-se White Spirit.
45
TNT da marca Wurth.
16
Utilizou-se o adesivo PVA (acetato de polivinilo), sendo os excessos
46
Na parede norte foi utilizada bucha química em algumas situações. Esta
imediatamente removidos com cotonete embebido em água e álcool. Aplicou-se
bucha tem por base uma resina sintética injetada na perfuração que permite
igualmente pressão mecânica com auxílio de grampos.
igualmente a selagem da superfície.
17
47
Utilizou-se a combinação de resina epóxida para madeira, EPO127/K128,
Tais como o varão roscado em aço inoxidável M10 e chapas em aço
da CTS. Esta mistura produz uma cor castanha semelhante à da superfície de
inoxidável.
madeira.
48
Em U.
18
49
Foram inclusivamente realizadas novas chaves, semelhantes às antigas,
Utilizou-se adesivo sintético Beva Gel e aplicou-se pressão para a adesão
das tiras ao teto.
após a revisão das fechaduras.
19
Utilizou-se igualmente a massa Modostuc.
50
20
Foram utilizadas tintas acrílicas Winsor & Newton, Liquitex e Amsterdam.
aplicada para a generalidade das técnicas de pintura ilusionista baseadas na
21
Paraloid B72 em acetato de butilo.
criação de elementos tridimensionais em ilusão de ótica.
22
Brecha da Arrábida é uma rocha clástica de origem sedimentar proveniente
51
Expressão de origem francesa, que se traduz literalmente por “ilude o olho”,
Este conjunto é formado por um elemento que serve de base ao globo,
da Serra da Arrábida, na Península de Setúbal, muito apreciada como rocha
atributo habitual desta iconografia mariana, bem como por um imponente
ornamental. A sua aparente semelhança com o mármore levou a que ficasse
resplendor.
igualmente conhecida por “mármore da Arrábida”.
52
23
particularmente fragilizada pelo ataque do inseto xilófago.
Para uma compreensão e contextualização das alterações plásticas da igreja
Após a remoção da imagem verificou-se que esta se encontrava
veja-se SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
53
Utilizou-se o Paraloid B72.
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021
54
Página 134 de SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de
(Coleção Património a Norte, N.º 10).
Santa Clara do Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Coleção Património a Norte, N.º 10).
244
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
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Recorrendo-se, uma vez mais, ao Xylophene SOR 40 aplicado por trincha e
pulverização. 56
Utilizou-se o Paraloid B72 diluído numa solução de acetona e acetato de etilo.
57
Foi utilizada uma solução de álcool isopropílico a 70% e Contrad 2000 a 30%.
O isopropanol é um eficaz desengordurante, muito utilizado na indústria gráfica e na limpeza de equipamentos eletrónicos sem comprometer os componentes. 58
Trata-se de superfícies em pedra lavrada por canteiros especializados
que interpretam o desenho dos vários elementos da estrutura arquitetónica e ornamental, animando e nobilitando a parede. As superfícies em cantaria destinamse, geralmente, à exposição ao olhar, não sendo cobertas por reboco ou outros revestimentos. 59
Etanol e White Spirit.
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Água e detergente neutron Teepol.
61
Acetona e etanol.
62
Por “tratteggio” designa-se a técnica de restauro de pintura na qual as lacunas
são reintegradas através de finos traços paralelos, que se justapõem e ajustam em espessura e cor de modo ao efeito final se assemelhar ao original, diferenciandose, ainda assim, deste, permitindo restituir a leitura geral da obra, salvaguardando, numa observação próxima, a distinção entre o original e o restauro realizado. Um método semelhante consiste em aplicar a cor com pontos, em vez de traços. 63
Utilizou-se a tinta acrílica da série Acualux Oro Amarillo n.º 859, da marca
Titan.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
245
6 DO PRESENTE AO PASSADO: PINTURA DE CAVALETE, METAIS E MATERIAIS PÉTREOS
HUGO BARREIRA
Do presente ao passado: pintura de cavalete, metais e materiais pétreos O impacte avassalador da obra de talha domina os sentidos de quem entra na igreja, pelo que facilmente compreendemos que a intervenção a ela dedicada se plasmasse ao longo de diversas páginas deste livro. É tentador, quando pensamos neste monumento, caracterizá-lo apenas pelas suas estruturas de madeira entalhada, dourada e pintada, povoada por imagens produzidas a partir do mesmo material e por meio de técnicas semelhantes. Tal caracterização não faz, porém, justiça à pluralidade de materiais e técnicas que coexistem em Santa Clara e que, tal como tivemos oportunidade de entrever, dialogam ativamente na construção da igreja e da sua identidade artística e patrimonial.
Chegou, então, o momento de nos dedicarmos a um conjunto de materiais e de suportes que marginam a obra de talha, a enquadram ou são por ela enquadrados, com ela se fundem ou foram por ela ocultados. Para o olhar do século XXI, estes elementos, além de integrarem o conjunto e atuarem como o seu corolário, auxiliando-nos na compreensão do sentido das formas da talha e dos elementos fingidos em pintura que lhes eram coevos, são também caminhos para compreendermos a vida longa do edifício, testemunhando sucessivas camadas, anteriores ou posteriores, que cada tempo incorporou.
PINTURA MURAL: ALÇADO OESTE (CORO) Começamos pelas superfícies pétreas, ou seja, as zonas dos alçados da igreja que não foram cobertas por estruturas em talha. Na igreja do Convento de Santa Clara do Porto, encontramos duas áreas de dimensões e impacte visual diferenciados: a parede do coro, ou alçado oeste, e a área inferior do primeiro tramo, subsequente, do alçado norte, como vimos. Nestas superfícies, a talha constitui um complemento de uma obra pautada, uma vez mais, pela imitação de materiais nobres e destinada a produzir um forte efeito no observador, pelo que a técnica dominante é a da pintura mural. Embora o resultado dialogue diretamente com o douramento e com a pintura sobre madeira, originando cores e texturas diferenciadas que mascaram a natureza dos materiais, na pintura mural, são também utilizadas técnicas que conferem volumetrias, ou relevos, às superfícies planas, o que, como vimos, se designa por pintura ilusionista, ou “trompe l’oeil”.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Assim, a obra de pintura mural integra-se neste conjunto fortemente dominado pelas dimensões visual e háptica, ou seja, pelo convocar do toque estimulado pelas texturas e volumetrias ilusórias. Estas técnicas assemelham-se ao que encontrámos em algumas superfícies dos alçados norte e sul, tais como as sanefas, nas quais, como vimos, sobre o douramento, foram pintados elementos que imitavam as formas da talha, mas que, numa campanha posterior, foram cobertos por talha verdadeira. Como veio a ficar claro com o estudo histórico realizado 1, a igreja do Convento de Santa Clara do Porto sofreu diversas campanhas de revestimento, nas quais a pintura mural teve, por vezes, um papel importante, pelo que a alteração dos programas decorativos e dos materiais aplicados originava quer a perda, quer a preservação parcial das mesmas, fruto da necessidade de preparação da parede para um novo revestimento. Assim, as paredes destinadas à cobertura por talha foram, como vimos, preparadas para o efeito, tendo-se removido, em parte ou na totalidade, o revestimento anterior, de modo a criar condições para a fixação das estruturas de madeira. No caso das paredes destinadas à pintura mural, estamos perante cantaria de granito, ou seja, pedra lavrada e cortada de forma aperfeiçoada, criando superfícies regulares e, por Pormenor de pintura mural no intradorso de uma das aberturas da «varanda» norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
vezes, ornamentadas por reentrâncias e saliências e formas mais complexas nas molduras das aberturas, podendo a aplicação da pintura mural dar-se diretamente sobre a cantaria ou sobre reboco – camada de revestimento formada geralmente por argamassa tradicional, de cal e areia. No caso da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, a pintura mural foi maioritariamente realizada sobre a cantaria de granito e as respetivas juntas. Na parede do coro destacam-se três níveis, cada um com o seu conjunto de vãos ou aberturas. Nas grandes aberturas, que constituíam as grades dos coros, são visíveis roldanas que indicam, uma vez mais, a presença de cortinados em épocas anteriores. A pintura dos vãos é feita sobre todas as faces, incluindo o intradorso e a face posterior, voltada para os coros. A pintura foi feita a tinta de óleo, diretamente sobre a superfície de granito. No caso do remate do vão central do nível superior, em marmoreado de fundo preto e veios brancos, verificou-se ainda a aplicação de uma fina camada de preparação de cor branca. As bases e os capitéis das pilastras são dourados a folha de ouro sobre uma camada preparatória de cor sépia alaranjada de natureza argilosa. Entre os materiais imitados encontramos mármores diversos e embrechados, os quais se articulam com a pintura sobre madeira dos alçados laterais. Aqui, porém, também a talha foi passível de imitação, quer em elementos pontuais, dourados, na parede do coro, articulados com os elementos em talha verdadeira, quer no retábulo “trompe l’oeil” do alçado norte.
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Pormenores do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a utilização da pintura mural na imitação de dourados, marmoreados e embrechados (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Após a colocação do andaime, a inspeção dos elementos em pormenor permitiu detetar vestígios de campanhas anteriores, nas zonas de destacamento dos revestimentos atuais. Salientam-se duas camadas, uma de cor vermelha, com vestígios de douramento, e uma outra, de marmoreados, anterior à atual. Os marmoreados foram realizados a tinta de óleo, enquanto a camada de cor vermelha, com vestígios de douramento, se encontrava pulverulenta, aparentando ser pintura a têmpera. Assim, depreende-se que, na última campanha decorativa, terão recebido apenas nova pintura as cantarias das aberturas principais da grade dos coros, as cornijas e as arquitraves, constituindo os principais elementos que estabelecem a ligação com a talha dos alçados laterais da nave. Os restantes elementos mantiveram ainda o aspeto da campanha anterior, dos quais se destacam as pilastras, integrando alguns possíveis vestígios da primeira campanha. Foram ainda encontrados elementos com pintura sobre reboco, de tinta de cal vermelha, em zonas ocultas pelas sanefas, bem como fingidos com técnicas mais grosseiras para colmatar possíveis superfícies que ficariam entrevistas pelos elementos em talha.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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À semelhança das estruturas e superfícies em madeira, na pintura mural, o estado de conPormenor da arquitrave do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se os frisos e cornija com imitação de marmoreado cinzento, embrechados a verde e imitação de talha dourada em pintura “trompe l’oeil” (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
servação do suporte influenciou decisivamente a conservação da camada de pintura. Aqui, existem dois suportes com comportamentos diferenciados, a pedra e as argamassas, encontrando-se a primeira, no geral, em bom estado de conservação, com apenas algumas lacunas volumétricas e fissuras. Foi encontrado um conjunto de elementos apostos, tais como réguas e cravos de madeira e cavilhas metálicas, sob os quais se prolongava a pintura. Algumas zonas mais salientes das cornijas apresentavam ainda lacunas, colmatadas, neste caso, pelas peças em madeira.
As argamassas encontravam-se degradadas e, por vezes, destacadas, acentuando-se estas patologias na zona dos chumbadouros das grades dos coros. Esta anomalia decorre sobretudo das variações de humidade, afetando especialmente as superfícies argamassadas de maior dimensão. No processo de absorção e perda de água da argamassa, a cal degrada-se e a sua função ligante diminui, do mesmo modo, formam-se sais que contribuem também para a degradação da massa. Como seria de esperar, a humidade das argamassas provocou, por sua vez, a oxidação dos metais, originando maior deterioração de todo o conjunto.
Percebeu-se ainda que, numa intervenção posterior, em zonas pontuais como o confessionário ou a base de um dos vãos da grade do coro alto, algumas lacunas foram colmatadas com cimento.
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No geral, as superfícies de pintura apresentavam uma grande acumulação de poeiras, bem como destacamentos e perdas, sobretudo no nível inferior. As massas de nivelamento das juntas encontravam-se, por sua vez, ressequidas e fissuradas. As da preparação de cor branca, localizadas na cornija que acompanha o sobrearco do vão central do nível superior, devido à ação da molhagem e secagem, apresentavam-se muito fragilizadas, quebradiças, com craquelê e destacamentos ao longo de toda a superfície.
Pormenor do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se vestígios de pintura mural, posteriormente ocultada pela colocação das sanefas em talha (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
No decorrer da intervenção, foram ainda encontrados outros destacamentos, decorrentes da alteração de um substrato texturado de cor vermelha, aparentando pinceladas, que se encontrava em estado pulverulento, possivelmente associado a um terceiro substrato distinto. A camada de marmoreados em tons cinzentos e branco, nas cornijas e arquitraves, encontrava-se também com uma degradação mais acentuada, coincidindo esta com o facto de se tratar de uma repolicromia. A aplicação de uma nova camada, diretamente sobre a anterior, potenciou a sua degradação, quer pela existência de danos na anterior pintura, transferidos para a última campanha decorativa, quer pelo aumento da espessura da camada de tinta. No nível inferior, a humidade, que provocou danos acentuados em toda a igreja, também afetou fortemente a parede do coro, ascendendo por capilaridade e provocando a formação de sais na pedra. Os resultados foram o destacamento da camada de pintura, bem como a sua perda total até a uma altura de aproximadamente 1,5 m, coincidindo, assim, com o nível do olhar.
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Por fim, o douramento das superfícies de imitação da talha dourada encontrava-se em bom estado, contudo, e à semelhança do que vimos nas madeiras, a preparação de origem argilosa alaranjada dos capitéis e bases das pilastras originara alguns destacamentos e lacunas por desagregação. Também sobre a pintura mural foi encontrada uma velatura solúvel em etanol, sendo, por isso, provável tratar-se de goma-laca, a qual, decorrente da oxidação, conferia às superfícies uma tonalidade acastanhada. De uma outra camada, de cor castanho-escuro, foram recolhidas amostras, depreendendo-se que pudesse resultar de uma intervenção posterior, localizando-se na zona dos encaixes das grades dos coros e, por vezes, em todo o intraPormenor do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se zonas em que a pintura mural se perdeu por destacamento (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
dorso do vão. Ainda nesta área, existiam pinceladas, aparentemente de esmalte 2, bem como de zarcão 3, resultantes das camadas de pintura das grades. Do mesmo modo, foram ainda encontrados, no decorrer do processo de limpeza, vestígios de aplicação de uma tinta supostamente de natureza sintética, a qual poderá ter sido ajustada ao tom da camada de sujidade da pintura, decorrendo de uma intervenção posterior. Foram ainda encontrados vestígios de reintegrações cromáticas pontuais, nomeadamente nos veios cor-de-rosa, aparentando terem sido feitos a têmpera, pela sua grande solubilidade em água, e, nas superfícies cinzentas, a tintas provavelmente à base de óleo. Por fim, e tal como nas restantes superfícies da igreja, foram encontrados os pontuais pingos de cera de vela, sob e sobre a camada de pintura.
A INTERVENÇÃO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO Em linhas gerais, as fases de intervenção sobre um suporte pétreo não diferem muito dos procedimentos relativos à obra de talha, iniciando-se os trabalhos pelo registo fotográfico, que se estendeu por todo processo. Foram previamente testados dois adesivos sintéticos (acrílicos) para fixação da policromia e analisados os respetivos resultados. Por ora, ainda se ponderava a remoção da camada de goma-laca, pelo que a escolha teve por base não só a eficácia na fixação, mas também a utilização de um solvente que, ao remover os excessos do adesivo e as sujidades fixas na operação, não danificasse esta última camada, na eventualidade de se manter a opção da sua permanência.
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Contudo, após maturada ponderação, optou-se pela definitiva remoção da camada de goma-laca, pelo que os testes puderam prosseguir unicamente baseados na eficácia do adesivo. Decidiu-se então por uma solução de resina acrílica em etanol 4, atendendo à sua boa capacidade de penetração e fácil remoção dos excessos. Para a consolidação das argamassas com policromia, em desagregação, optou-se pelo mesmo adesivo aplicado com seringa.
Aspeto da realização de testes de limpeza nas molduras e arquitrave do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto da intervenção de conservação e restauro na pintura mural do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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A limpeza iniciou-se, como habitualmente, pela remoção mecânica de partículas soltas, com recurso a pincéis e trinchas de cerdas macias. Contudo, não foi possível realizar esta intervenção nas zonas mais frágeis da policromia. Tal implicou que, numa primeira fase, a fixação das camadas policromas em destacamento se fizesse com resina acrílica aplicada a pincel sobre papel japonês. Nas zonas de maior destacamento, foi utilizada uma película de poliéster 5 para proteger as superfícies, enquanto se exercia pressão.
Quando as argamassas se encontravam desagregadas, tal como nas zonas inferiores ou nos chumbadouros das grades, e desde que não possuíssem policromia, as mesmas foram removidas cuidadosamente com pequenas espátulas, sendo limpos os espaços resultantes para posterior preenchimento dos vazios. Removidos foram também os cravos de madeira, por vezes com auxílio de berbequim, tendo sido limpas as superfícies. Foram ainda retirados todos os elementos metálicos disfuncionais e removida a oxidação 6 remanescente na pedra. As roldanas para o manuseamento dos cortinados foram mantidas, sendo limpos todos os vestígios de corrosão das diversas superfícies 7 e aplicado o conversor de ferrugem 8. A limpeza superficial da policromia teve por base um detergente neutro dissolvido em água 9, aplicado com algodão, tendo-se especial cuidado nas zonas recentemente fixas. Realizaram-se os testes de reconstituição volumétrica com argamassa 10, não se justificando o recurso a material pétreo, bem como de integração cromática. Na formulação das argamassas, optou-se pela utilização de areia média, assemelhando-se às características do grão das superfícies graníticas, e por uma reintegração mimética, como veremos. Seguiu-se a limpeza físico-química da policromia, a qual, uma vez que se optara pela remoção da camada de goma-laca, começou por ser feita com etanol. Dada a espessura e alguma resistência da resina, foram utilizadas compressas de papel absorvente que potenciavam a ação do solvente. Os pingos de cera foram removidos com recurso a pistola de ar quente, com temperatura reduzida, sendo posteriormente removidos com um solvente orgânico 11. Os vestígios do que aparentava ser zarcão e esmalte sintético representaram um enorme desafio, resistindo aos solventes testados, não sendo possível insistir em demasia com a cotonete ou utilizar o bisturi. Assim, foi utilizado um decapante 12, que permitiu destacar a camada de tinta a remover sem danificar a camada subjacente.
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Algumas zonas onde se encontravam deposições de uma resina escurecida, possivelmente uma cola ou um verniz, foram também desafiantes, tendo-se optado, após diversos testes insatisfatórios, por uma solução à base de detergente e etanol 13, que permitiu remover eficazmente esta camada sem danificar as cores subjacentes. Após o desmonte dos andaimes, as superfícies em granito das zonas inferiores foram limpas com água e escovas, bem como a base da grade central do coro alto, que atualmente não apresenta qualquer vestígio de policromia. Neste caso, era notório o escurecimento da pedra e a presença de uma patine esbranquiçada. Para a sua limpeza foi utilizado um solvente 14, removido, após a atuação, com água abundante e escova. A integração cromática das lacunas foi realizada com guaches 15 e com recurso a técnica mimética, como já referido, uma vez que era necessário assegurar a continuidade da leitura geral. Na zona inferior, onde as lacunas eram muito extensas, a integração mimética implicaria assumir formas para as quais não existiam registos, pelo que se entraria no terreno da conjetura e do falso histórico. Assim, optou-se por tonalizar, ou seja, aproximar as superfícies ao tom do marmoreado preto com veios brancos, presente nas pilastras e com grande expressão no conjunto da parede. Para esta solução menos intrusiva, foi utilizada uma aguada 16 de cor preta que, ao harmonizar-se com os fustes das pilastras, atenuou as importantes lacunas de policromia.
Pormenores de pintura mural do alçado oeste da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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PINTURA MURAL: CORO BAIXO E CORO ALTO Uma vez que a pintura mural da parede do coro fora feita em todas as faces, a intervenção contemplou igualmente os vestígios de policromia dos intradorsos e molduras dos vãos acessíveis a partir dos dois coros, correspondentes aos três níveis do alçado. No coro baixo, a pintura tem menor expressão, concentrando-se os seus vestígios unicamente no grande vão da grade, à cota da nave da igreja. O marmoreado de fundo bege e veios vermelhos, alaranjados e verdes, aparentemente realizado a óleo, encontrava-se bastante danificado e com alguns preenchimentos com massas de cimento. Após a limpeza mecânica dos vestígios de sujidade e poeiras, com aspirador e trinchas de cerdas macias, foi realizada a fixação com resina acrílica 17 e o preenchimento de algumas lacunas com argamassa. Uma fina camada de goma-laca foi removida com etanol e realizada a integração cromática com guaches, uma vez que os vestígios permitiam a leitura dos veios do marmoreado, o que lhes devolveu alguma expressão.
Aspeto da intervenção de conservação e restauro na pintura mural do vão do coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Pormenor da pintura mural do vão do coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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O coro alto, com duplo pé-direito, contempla os dois níveis superiores de vãos, correspondentes ao alinhamento com o pavimento do coro e a um varandim. Ao nível do pavimento, a pintura mural está presente em quatro vãos, um dos quais permite o acesso à galeria lateral («varanda») do alçado norte. A pintura, um marmoreado com fundo bege e veios vermelhos, aparenta, uma vez mais, ter sido realizada a óleo, podendo corresponder a uma camada anterior de policromia do interior da igreja. O seu estado de conservação não diferia do que havia sido encontrado nos restantes alçados da nave, com destacamentos, escurecimento de vernizes e degradação de massas. Salientava-se, porém, a existência de uma camada de goma-laca com pigmento vermelho cuja oxidação conferia às superfícies um tom baço. A cantaria da porta da galeria norte apresentava uma policromia bastante desgastada, presença de cimento nas juntas e desalinhamento de uma das pedras.
Pormenor da pintura mural dos vãos do coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Para a intervenção de conservação e restauro nestas superfícies foram testadas diversas soluções, tendo-se optado pelas já aplicadas nos restantes alçados da nave. As etapas foram as habituais, removendo-se integralmente os preenchimentos em cimento, após a fixação pontual da pintura. Uma vez concluída a respetiva testagem, a limpeza físico-química foi realizada com etanol aplicado sobre papel absorvente, o que permitiu remover satisfatoriamente a camada de goma-laca que, com o pigmento vermelho, maculava a leitura do marmoreado original. No decurso da limpeza foram encontradas várias lacunas que poderiam ter motivado esta aplicação da camada de goma-laca de cor vermelha. No vão da grade central e na porta de acesso à galeria norte, foi necessário optar por uma solução de detergente e etanol 18. Após preenchimento das lacunas, a integração cromática realizou-se com guaches segundo a técnica mimética.
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Ao nível do varandim, as características formais da pintura revelaram-se muito diferentes dos restantes vãos, com zonas de douramento a folha de ouro e vestígios de desenho preparatório a carvão, bem como zonas que aparentavam múltiplas camadas, mais tarde ocultadas por repolicromias ou preservadas pelo encosto de estruturas removidas posteriormente.
Aspeto geral das pinturas parietais nos vãos do varandim do coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Os dois vãos laterais apresentavam um bom estado de conservação geral, pese embora a profusão de preenchimentos em cimento que maculavam a leitura da pintura. Foram encontrados destacamentos, bem como a fragilização das massas de nivelamento das juntas. Algumas zonas evidenciavam repintes de qualidade discutível e a existência de uma velatura que dificultava a leitura das formas e conferia às cores um aspeto baço.
Seguiram-se as etapas habituais, dificultadas, porém, pela estreita largura do varandim. Após a limpeza mecânica, para a fixação, foi utilizada novamente resina acrílica, não sendo, porém, necessário utilizar papel japonês para os gessos de nivelamento.
Dada a sua extensão e localização, a remoção dos preenchimentos em cimento acarretou um grande risco para a pintura subjacente. Até aqui, a sua muito pontual aplicação permitiu uma remoção sem dificuldades. Contudo, não é demais enfatizar que, quando este material, muito resistente, se encontra aplicado sem parcimónia, a sua remoção é uma operação muito delicada. Os procedimentos foram aplicados paulatinamente, verificando-se o comportamento da camada de pintura.
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Assim, começou-se por avaliar a aderência entre o cimento e a pintura, com um bisturi, revelando-se que aquele se destacava facilmente, tendo-se, por isso, optado pela sua remoção. O preenchimento das lacunas foi feito com argamassa de cal e areia média, sendo, contudo, realizados preenchimentos com granito para as lacunas resultantes da remoção dos cimentos. A limpeza físico-química foi menos complexa, uma vez que a camada de goma-laca existente sobre estas pinturas era mais fina do que aquela que havia sido aplicada nos alçados da nave. No decurso da sua limpeza, tornou-se clara a existência de uma velatura cujas tonalidades variavam de acordo com as formas que cobria, incluindo ainda diversos retoques que alteravam a leitura do original. A limpeza com etanol permitiu uma remoção parcial e evidenciou alguns pormenores até então ocultos. Prosseguiu-se com acetona, tendo ainda ficado por remover a velatura escurecida sobre os vermelhos e diversos retoques que se sobrepunham à policromia original. Nesse sentido, e tendo por base os resultados obtidos na nave, foi testada uma solução de detergente em etanol 19 que permitiu uma limpeza satisfatória.
Após os nivelamentos de menores dimensões com argamassa de cal com areia fina, foi feita a integração cromática das lacunas, tendo sido utilizados guaches em técnica mimética.
Pormenores dos vãos do coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se os preenchimentos com recurso a cimento (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Pormenores da pintura mural dos vãos do coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se algumas das soluções formais utilizadas (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Pormenor do retábulo em pintura “trompe l’oeil” no alçado norte da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a moldura em pedra pintada, completando o efeito de ilusão (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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PINTURA MURAL: ALÇADO NORTE Como vimos, uma área importante de pintura mural, não tanto pela sua dimensão, mas antes pelo seu interesse visual e artístico, é o retábulo fingido, em pintura “trompe l’oeil”, presente no primeiro tramo do alçado norte e que cobria originalmente toda a zona inferior, englobando as portas de madeira e respetivas molduras de granito. A pintura representava um retábulo fingido, com banqueta, resguardado por um baldaquino com pesados cortinados entreabertos. Localizada à altura do olhar, a impactante ilusão de ótica encontrava-se mitigada pela degradação das superfícies e extensas lacunas do conjunto. No que à pintura mural diz respeito, e no sentido de determinar a composição da camada pictórica, foram recolhidas amostras para análise posterior. Quer o granito, quer as argamassas, apresentavam algumas lacunas, contudo, a pintura encontrava-se em estado crítico de conservação, estando já perdida cerca de 60% da camada cromática. Nas zonas onde existia alguma pintura, esta encontrava-se próxima da perda total, não resistindo ao toque, em destacamento e desagregação integral e com sujidade depositada, o que tornava as cores esbatidas e esbranquiçadas.
Tendo em conta o seu estado de conservação, optou-se por procedimentos que procurassem apenas estabilizar o destacamento e desagregação da camada pictórica. Para tal, utilizou-se, uma vez mais, uma solução de adesivo acrílico em etanol 20, aplicado sucessivamente sobre papel japonês e com pincéis macios. A limpeza da pedra, uma vez assegurada a fixação, foi feita com água e detergente neutro 21. Os elementos metálicos da porta foram limpos e estabilizado o seu processo de corrosão.
A limpeza físico-química realizada, uma vez terminada a demorada operação de fixação, dado o frágil estado de conservação, destinou-se apenas a garantir uma leitura mínima do conjunto da pintura em “trompe l’oeil”. Distanciando-nos agora da complexidade das operações de conservação, é claramente percetível o sentido de harmonia que cada época procurou obter no interior desta igreja, sendo todas as partes objeto de sucessivas transformações. Tal como se apresenta na atualidade, a parede do coro é reveladora dessa vontade de, independentemente do material, se conseguir uma leitura de conjunto, nomeadamente na continuidade dos elementos horizontais, tais como frisos ou cornijas, ou no diálogo de cores e de materiais imitados. Com esse fim em vista, não só a madeira se transmuta em obra de pedraria, mas também ao granito, à pedra autêntica, se emprestam quer as características de congéneres mais requintados, quer a ilusória volúpia das formas de ouro entalalhadas na branda madeira. Assim, nesta igreja, nada é o que parece ser.
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CONSERVAÇÃO DE REVESTIMENTOS AZULEJARES E DE VESTÍGIOS DE REVESTIMENTOS ANTERIORES
Tivemos já oportunidade de aludir aos diversos programas decorativos da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, os quais se traduzem numa miríade de revestimentos. Encontrámos as suas evidências, por exemplo, nas marcas de assentamento de azulejos, na pintura sobre madeira dos alçados da nave, posteriormente ocultadas por elementos em talha dourada, e vislumbrámos os seus vestígios na pintura mural da parede do coro. O estudo histórico 22 realizado veio, por sua vez, permitir um confronto entre as múltiplas camadas temporais plasmadas na documentação e a materialidade presente no edifício atual, alargando e amplificando o sentido destas formas.
Pormenor de vestígios de pintural mural, juntas fitadas e revestimento azulejar, ocultados com a colocação dos retábulos de talha da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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A ação de conservação e restauro permitiu trazer à luz muitos destes vestígios, os quais atuam como fonte para a compreensão das várias transformações operadas no edifício até aos nossos dias. Deste modo, um dos aspetos contemplados era a conservação dos revestimentos azulejares ainda existentes, tímidos na dimensão, mas proveitosos nas possibilidades de recriação do seu apogeu no interior do templo.
No interior da igreja, a presença azulejar assume uma dupla natureza: os revestimentos ainda existentes, ainda que em parte, ou os vestígios de revestimentos já não existentes. Estes últimos, abundantes nos espaços posteriores dos atuais retábulos e que serviram outrora de forro às reentrâncias ou vãos dos primitivos altares, tomam a forma de camadas de argamassa que permitiam o nivelamento da superfície da parede e a fixação do revestimento cerâmico, as chamadas argamassas de assentamento, onde são visíveis as marcas do tardoz, ou face posterior, do azulejo. Em alguns casos, sob esta camada, é ainda possível encontrar vestígios de uma outra, mais antiga, na qual o reboco simulava as juntas entre as pedras, ou silhares, formando uma ilusória parede de cantaria aparelhada, efeito este conseguido através do relevo e cor das linhas da junta, ou através de dois traços paralelos, a branco e a negro, conferindo, assim, a ilusão de relevo através de efeitos de luz e de sombra e recebendo, por vezes, preenchimento de cor. Paralelamente a estes vestígios, existiam ainda evidências de pintura decorando a moldura das frestas que iluminavam o vão dos altares, posteriormente entaipados e ocultados pela presença dos retábulos, a qual apresentava características ornamentais mais elaboradas.
Pormenor dos vestígios de pintura mural dos vãos de iluminação dos altares laterais, ocultados com a colocação dos retábulos de talha da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Já o revestimento azulejar integral do corpo da igreja, na primeira metade de seiscentos, toma a forma de superfícies de azulejo enxaquetado azul e branco, sendo ainda visíveis diversos vestígios nos espaços dos altares do alçado sul da nave e do altar de Nossa Senhora da Conceição, no alçado norte. Aqui, os vestígios encontravam-se apenas acima do nível da mesa do altar, não se tendo acesso aos mesmos, mas sendo visíveis durante a intervenção e consequente desmontagem de partes do retábulo. Já nos altares de São João Evangelista e das Almas, conservaram-se apenas vestígios da argamassa de assentamento.
Pormenor dos vestígios de azulejo enxaquetado e respetivas marcas de assentamento nos vãos dos altares laterais, ocultados com a colocação dos retábulos de talha da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografiade Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
A INTERVENÇÃO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO Logo no início da intervenção, foi possível verificar que o faceamento aplicado em 2015, nas zonas em pior estado de conservação, tinha impedido com sucesso a queda desamparada dos azulejos e respetivo vidrado. No caso do azulejo enxaquetado, estamos perante padrões constituídos por diversos tipos de unidades azulejares, que, combinados, formam o revestimento, com cores e dimensões diferentes. Cada uma destas unidades é, por sua vez, um elemento de cerâmica pintado e posteriormente vidrado que, através de vários processos de cozedura, adquire o seu aspeto característico 23. Do ponto de vista da conservação, estamos, deste modo, perante um conjunto de problemas complexos, uma vez que a degradação
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pode ocorrer quer na camada de argamassa de assentamento e na sua relação com a parede ou com a chacota, quer nos elementos cerâmicos e vidrados. Os danos podem, assim, afetar a chacota - corpo cerâmico que, após a primeira cozedura, recebe a pintura – ou o vidrado – camada brilhante que forma a superfície do azulejo.
Representação esquemática do azulejo enxaquetado da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
O estado de conservação dos revestimentos era, porém, bastante homogéneo. Para lá da queda e ausências de azulejos, as superfícies apresentavam sujidade e pó acumulado, bem como destacamentos e algumas fissuras e lacunas no vidrado, além de fendas e fraturas. A argamassa de assentamento apresentava igualmente sinais de desagregação, percebendo-se diversos destacamentos, para além de abundantes quantidades de areia no pavimento interior e sobre os próprios azulejos. Dada a curta distância entre a parede e o tardoz dos retábulos, o espaço disponível para a realização da intervenção foi reduzido e mal iluminado, pelo que as várias etapas do processo foram, por vezes, muito dificultadas, nomeadamente o acesso a partes do revestimento ou as condições para o registo fotográfico. Após a remoção, identificação e acomodação de todos os azulejos em risco de queda, realizou-se a limpeza mecânica de toda a zona de vão incluindo o tardoz de cada retábulo, com auxílio de trinchas e escovas. Note-se que, como vimos, a deposição de detritos era muito abundante. A etapa seguinte foi a da desinfestação integral das paredes com biocida , tendo sido realizada a humidificação das áreas contaminadas por 24
fungos e consequente limpeza com escovas de cerdas plásticas. Em algumas zonas, manifestou-se um forte ataque de um fungo de muito difícil remoção, originando manchas escuras na argamassa.
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Este fungo foi tratado através de diversas aplicações de biocida, revelando-se eficaz a adição de algumas gotas de água oxigenada. A tonalidade preta da parede alterou-se então para violácea, sendo as áreas contaminadas posteriormente lavadas com água desionizada 25.
Aspeto da intervenção de conservação e restauro dos vestígios de azulejo enxaquetado, ocultado com a colocação dos retábulos de talha da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Foi então necessário remover os faceamentos realizados em 2015. Tendo sido utilizada uma resina sintética 26 diluída em acetona, as gazes foram removidas com o mesmo solvente, tendo-se recolhido e acondicionado alguns azulejos que se haviam destacado. Nas zonas em que se verificavam riscos de desprendimento, as argamassas foram consolidadas através da utilização de uma calda injetada nas fendas ou bolsas do reboco. Este procedimento consistiu na preparação de uma mistura de ligantes inorgânicos, a que se acrescentou água de modo a permitir a sua fluidez. Neste caso, foi utilizada uma argamassa pré-doseada 27, variando a espessura da calda em função do espaço a colmatar. O procedimento foi repetido até se ter alcançado um resultado satisfatório.
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Procedeu-se então à limpeza por via húmida das superfícies, utilizando-se um detergente neutro 28 diluído em água, sendo igualmente removidos os vestígios remanescentes de resina sintética. As marcas da gaze, que mascaravam o brilho do azulejo, foram limpas cuidadosamente com um bisturi e pachos de algodão embebido em acetona. Ao longo do processo, removeram-se os azulejos destacados, assim como aqueles que se apresentavam em risco de queda, de modo a serem acondicionados. Para tal foram utilizadas espátulas e, uma vez recolhidos os azulejos, foram limpos os vestígios de argamassas do tardoz.
A fixação do vidrado em destacamento dos azulejos foi feita com recurso a uma solução de resina sintética e acetona 29, aplicada cuidadosamente a pincel nas zonas de fissura e de craquelê 30 excessivo, sendo a colagem dos fragmentos partidos feita com uma solução semelhante 31.
Aspeto da intervenção de conservação e restauro dos azulejos enxaquetados da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Os azulejos soltos foram recolocados, sempre que possível, nos locais de origem ou, no caso de azulejos encontrados caídos no tardoz dos retábulos, foram colocados na parede do vão correspondente. Foram ainda realizadas pequenas “rampas” de argamassa na periferia dos silhares de azulejos, destinadas a evitar desprendimentos no futuro. Para o reassentamento foi utilizada argamassa à base de cal e areia, sendo as zonas de reboco anterior previamente picadas. Seguindo o método de assentamento tradicional, quer o azulejo, quer a parede, foram previamente humedecidos. Dado o bom estado dos revestimentos e a existência de diversas unidades azulejares, decidiu-se reconstituir parte de um painel na zona posterior do altar do Menino Jesus. Trata-se igualmente do espaço com maior área de revestimento azulejar original, permitindo assim que a sua leitura fosse feita através da abertura da porta do lado direito. O objetivo foi permitir ao visitante uma experiência de leitura a uma das anteriores camadas de revestimento do interior da igreja, tirando partido de uma reconstituição pautada pela autenticidade, tendo por base, quer os materiais originais, quer o conhecimento dos exatos padrões utilizados. Por outro lado, no altar do Calvário, devido à profundidade do camarim e à configuração do retábulo, não foi possível tratar, na íntegra, os azulejos ainda existentes. No lado norte, contudo, foi possível proceder ao total tratamento das argamassas de assentamento ainda existentes. Note-se que, mesmo no alçado oeste, correspondente à parede do coro, foram encontradas pequenas superfícies com revestimento azulejar que receberam posteriormente pintura, remanescendo alguns azulejos onde é visível, devido à existência de lacunas na policromia, o vidrado original, tendo sido também objeto de tratamento.
Pormenor do azulejo enxaquetado oculto pelo retábulo do altar de Nossa Senhora da Piedade da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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OS ELEMENTOS PÉTREOS DO INTERIOR DA IGREJA: A PIA DE ÁGUA BENTA E O PÚLPITO A pia de água benta em granito, uma das remanescências da primeira fase da igreja 32, encontrava-se em razoável estado de conservação e evidenciava consideráveis intervenções anteriores. A superfície da pedra apresentava, contudo, alguns sinais de desagregação, possivelmente devido à longa ação da água, situação que se encontrava então estabilizada devido à colocação de uma bacia metálica no seu interior para depósito da água benta. Eram claramente visíveis intervenções anteriores com argamassa de cimento, quer no rebordo superior, quer na coluna de sustentação, a qual, pelas suas proporções delicadas, constituía o ponto de maior fragilidade do conjunto e que, aparentemente, já teria mesmo sofrido uma fratura total em momento indeterminado. A intervenção realizada foi aqui de caráter conservativo e centrou-se na limpeza mecânica e por via húmida da pia. A primeira etapa realizou-se com trinchas de cerdas finas e aspiração controlada, permitindo a remoção de poeiras e de sujidade depositada na superfície. A limpeza por via húmida foi feita com detergente neutro e água, aplicada com trincha e esponja, permitindo, simultaneamente, retirar a sujidade mais aderida e remover o excesso de água. A seleção do detergente neutro foi feita de modo a manter a patine da peça e dado que não existiam manchas inestéticas ou ataques biológicos.
Pia gótica de água benta (segunda metade do século XV), conservada no interior da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia, ilustração e digitalização 3D de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Tivemos já oportunidade de perceber os riscos inerentes à remoção das massas de cimento, mais duras que a pedra e extremamente coesas, pelo que a sua remoção pode trazer consigo parte do suporte pétreo. Neste caso, a sua aderência era tão elevada que se optou pela sua manutenção. Contudo, com os procedimentos de limpeza, as argamassas de cimento, pela diferença de cor, tornaram-se mais evidentes, bem como algumas lacunas volumétricas. Assim, optou-se por criar uma leitura do objeto mais harmoniosa, embora não mascarando o desgaste, pelo que foram tonalizadas as argamassas de cimento e preenchidas, de forma parcial, as lacunas mais evidentes, de modo a atenuar arestas resultantes da perda de suporte. Estes preenchimentos foram realizados com argamassa de cal e de areia grossa, a qual se revelou mais próxima da textura do granito original 33. A tonalização, ou processo de harmonização das cores e tonalidades das superfícies, foi realizada, neste caso, com recurso a leite de cal e pigmentos, procurando uma aproximação à cor da pedra.
Contrastando com a unidade cromática da pia, o púlpito transporta-nos novamente para o universo luxuriante do interior da nave, pleno de cores e de texturas, tendo sido realizado em calcário. Note-se que tivemos oportunidade de encontrar, nos alçados da nave e no teto, um conjunto de superfícies que, através de pintura, imitavam esta solução.
Local por excelência da homilética, ou pregação do vernacular sermão, o púlpito destinava-se a garantir que o sacerdote pregador se podia fazer ver e ouvir, pela sua elevação e disposição que, em muitos casos, tirava amplo partido da acústica do corpo do templo. Não podemos esquecer que, nas celebrações anteriores às práticas litúrgicas modernas, com o clero voltado para a cabeceira e celebrando em latim, este era o único momento em língua vernácula, bem como o mais especialmente orientado para a assembleia. Assim, este elemento desenvolve-se coetaneamente à valorização da pregação durante a época medieval e séculos seguintes, integrando o mobiliário litúrgico dos templos e, simultaneamente, a sua estrutura arquitetónica. O púlpito da igreja de Santa Clara do Porto enquadra-se, deste modo, nas características gerais destas estruturas, sendo constituído por uma tribuna retangular, resguardada por um guarda-corpo com painéis de talha que se encaixam no espaço existente entre o corrimão e os pilares dos ângulos. A zona inferior do púlpito, que sustenta a tribuna, é também objeto de considerável interesse visual pelas suas elegantes formas. Foi possível, desde logo, perceber uma alteração, uma vez que os painéis em talha foram uma adição posterior. A configuração anterior era em balaustrada, ou seja, um balcão formado por um conjunto de elementos verticais ou balaústres.
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No interior do retábulo de São João Evangelista, encontramos os degraus em mármore que permitem o acesso à tribuna, sendo a estrutura encostada, ou adossada, à parede norte e fixa através de peças metálicas. Junto à zona de encaixe foram encontrados vestígios de um material com oxidação que, embora aparentasse ser cera, não derretia com o calor, pelo que foram recolhidas amostras para análise posterior. No que diz respeito ao estado de conservação, foram detetados problemas estruturais que colocavam em risco a estabilidade da tribuna, encontrando-se um dos pilares fraturado e muitas das argamassas ausentes. As superfícies tinham um aspeto muito heterogéneo, provocado por sujidade, pela variação da intensidade das cores e por formas que evidenciavam campanhas decorativas anteriores. Foram realizados testes de limpeza e percebeu-se que a alteração de cor era provocada por uma camada aparentemente de goma-laca. Detetou-se ainda a presença de vestígios de douramento em algumas formas decorativas dos pilares, assemelhando-se às técnicas e motivos utilizados na parede do coro, existindo evidências de que o seu desaparecimento estaria relacionado com a limpeza intencional da pintura, que poderia estar igualmente em mau estado de conservação. Foi decidido, ainda em fase de projeto de restauro, manter os vestígios da anterior campanha decorativa. Nesse sentido, não foi feita a limpeza físico-química destas zonas, a fim de manter o registo do “negativo” da decoração. Na fase seguinte, procedeu-se à intervenção estrutural através da desmontagem de todas as partes instáveis e em risco de desprendimento. Foram então tratados os metais, através de limpeza com escovas de aço e da aplicação de um conversor de ferrugem 34, sendo isolados os elementos pétreos para sua proteção. Simultaneamente, removeram-se os preenchimentos resultantes de intervenções anteriores, cuja composição não foi possível identificar, seguida da aplicação de uma argamassa à base de cal e de areia fina. Realizou-se então a limpeza físico-química com recurso a água e detergente neutro, exceto nas zonas de decoração anteriormente referidas, bem como nas camadas de goma-laca, onde se utilizou uma solução de etanol e acetona.
Pormenor das escadas de acesso ao púlpito da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia e ilustração de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Por fim, realizaram-se os testes de reintegração cromática com aguada de cal e adição de pigmentos, no sentido de tonalizar os preenchimentos realizados nos diversos locais. Após a reintegração, foi aplicada uma cera para mármore e feito o seu polimento. Este tratamento não foi aplicado nos elementos que conservavam vestígios de decorações anteriores. Nas escadas, procedeu-se à consolidação das camadas de pintura pulverulentas dos espelhos dos degraus 35, utilizando-se uma solução de resina acrílica e etanol 36 pincelada sobre papel japonês. As escadas foram então lavadas com água e biocida 37, sendo removidas as argamassas em mau estado e de colmatação de lacunas. Após nova lavagem com água e escovas para remoção do biocida, as juntas e colmatações foram realizadas com uma argamassa pré-doseada 38. Nos degraus, os preenchimentos foram igualmente tonalizados com aguadas de cal e pigmentos.
Pormenor do púlpito da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia e ilustração de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
OS PORTAIS EXTERIORES Temos, até ao momento, concentrado a nossa atenção no interior da igreja, dominado pela obra de talha dourada e pintura, com a qual convivem, como vimos, outros materiais e soluções. A magnificência do interior pode distrair-nos de outros elementos, tais como os portais em cantaria de granito que, pela sua função e interesse plástico, constituem um autêntico prelúdio daquilo que o visitante pode encontrar no interior do templo. Optamos por conduzir o olhar do leitor para os portais neste capítulo, não apenas pela sua clara articulação com o interior, sobretudo na estrutura do portal da igreja, como veremos, mas também pela natureza da intervenção neles realizada. Embora dialogando no espaço do pátio e na natureza dos materiais – a cantaria de granito –, os dois portais apresentam claras diferenças formais, que evidenciam histórias construtivas quase antitéticas. Assim, se o portal da portaria é associável a um tempo concreto, os finais do século XVII, tal como se pode ver na data de 1697 inscrita no remate superior, o portal da igreja é uma composição que integra elementos coincidentes com as várias transformações da igreja entre os séculos XV e XVII, sendo, muito possivelmente, a sua primeira fase coincidente com a pia de água benta e com os primeiros revestimentos do interior da igreja 39.
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O estado de conservação dos portais era caracterizado pela presença de uma camada subtil e homogénea de algas, fungos e líquenes, apresentando estes uma maior intensidade. Tratando-se de superfícies pétreas muito mais expostas que as que encontramos no interior da igreja, não será de espantar que a presença de musgos e plantas fosse também notória, nomeadamente nas zonas mais húmidas ou nas juntas entre as pedras. Os portais apresentavam alguma sujidade depositada, tais como poeiras ou excrementos de aves, que provocam a alteração da superfície da pedra. Associada a zonas húmidas, abrigadas da chuva e não submetidas às águas de escorrência, identificou-se a presença de películas e crostas negras, podendo esta alteração estar também associada à poluição atmosférica. Tal como vimos nas superfícies pétreas interiores, também aqui eram evidentes as formações de sais.
Outros danos visíveis eram a fragmentação dos elementos pétreos, originada pelo esforço a que os materiais estão submetidos e, por vezes, pela degradação de elementos metálicos, bem como fissuras. A erosão, e consequente perda de elementos, afetava também os portais, manifestando-se especialmente em arestas que sofriam um progressivo arredondamento ou boleamento, dificultando a leitura das formas. Do mesmo modo, também eram visíveis lacunas, zonas de pulverização ou desagregação dos grãos da pedra, formação de placas ou lascagem de fragmentos.
Aspeto dos portais da igreja e da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ortofotografia e digitalização 3D de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt | ilustração de Luís Sebastian – DRCN).
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Portal da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ortofotografia e ilustração de Luís Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
À semelhança das estruturas em pedra do interior, também nos portais as juntas apresentavam diversas patologias, nomeadamente, a degradação das argamassas, a ausência das mesmas ou a nefasta presença das argamassas de cimento. Foram ainda encontrados elementos metálicos sem função aparente, e oxidados, bem como elementos metálicos estruturais e decorativos, também oxidados. No decorrer da intervenção foi ainda confirmada a presença de vestígios de policromia em ambos os portais, embora com maior expressividade no portal da igreja, sobretudo nas zonas de reentrância, mais protegidas da ação dos agentes atmosféricos. Tal como no interior da igreja, a cor pontuava as formas e conferia legibilidade à gramática decorativa, sendo os vestígios coincidentes com as formas arquitetónicas e ornamentais. Estes encontravam-se igualmente afetados por problemas similares aos das restantes superfícies, apresentando-se, por vezes, em destacamento.
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Para uma melhor análise, foi utilizada a captação de imagens microscópicas 40 , que revelaram um conjunto de camadas de policromia. Assim, no portal principal, e sobre a superfície pétrea, foi encontrada uma camada de cor vermelha, correspondente a uma provável camada de preparação. Na zona exterior do arco do mesmo portal, foram encontrados vestígios de um marmoreado com cores como o ocre, o vermelho, o branco, o roxo e o azul. Outras camadas foram ainda encontradas no interior do arco, tais como o azul nas aduelas, bem como o vermelho e o ocre em algumas formas ornamentais, como flores. A presença de uma camada de cal, de grande extensão, indicava uma provável anterior caiação dos elementos do portal. No portal da portaria, os reduzidos vestígios de policromia são, uma vez mais, uma possível camada preparatória de cor vermelha e uma camada ocre aplicada nos capitéis. Foi realizada uma limpeza generalizada a fim de remover as sujidades não concrecionadas, a seco e com auxílio de aparelhos de aspiração, evitando, deste modo, a dissolução e escorrência de produtos prejudiciais para as superfícies, durante as etapas futuras. Áreas não degradadas com colonização, que não apresentavam alterações e degradação no substrato, foram pré-lavadas com o método de água nebulizada e escovas macias, de modo a remover as estruturas superficiais dos microrganismos, facilitando a atuação do biocida, que foi aplicado de seguida. Após a aplicação, foi mantido um intervalo de atuação de uma semana, antes de se proceder à limpeza e remoção dos microrganismos desativados. O uso de água ficou condicionado ao sistema de água nebulizada individual ou ao sistema de lavagem por pressão controlada (sistema de nebulização). Utilizou-se água suficiente de modo a facilitar a remoção dos microrganismos, não se correndo riscos de mobilização de sais solúveis. Foi também removida a vegetação com auxílio de um herbicida 41, aplicado em sucessivas aspersões sobre a folhagem. Após o tempo de atuação, de quatro a cinco semanas, foram removidas as plantas no contexto da abertura e limpeza das juntas. Sempre que necessário, procedeu-se a uma pré-consolidação dos elementos desagregados, com recurso a um consolidante 42 aplicado a pincel, cuidadosamente para não arrastar os grãos soltos, num procedimento similar às etapas de pré-fixação já descritas para outros suportes. No caso das camadas de policromia, foi necessária a sua fixação com recurso a uma resina acrílica 43 aplicada à seringa.
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Os elementos metálicos não funcionais foram removidos, ainda antes das operações de limpeza por via húmida, para minimizar a dispersão de resíduos. A remoção foi feita por abertura de orifícios nas juntas, de maneira a originar a libertação do elemento sem acarretar danos no elemento pétreo. Para a limpeza das camadas de sujidade, o procedimento mais adequado seria a utilização de água e escovagem. Contudo, devido à presença das crostas negras sobre a policromia e consequente risco de degradação dos vestígios por atuação sobre a cal, optou-se por uma utilização muito controlada da água, fundamentalmente para a remoção dos agentes químicos utilizados. As crostas foram removidas por uma conjugação de processos mecânicos e químicos, através da utilização de um mini-berbequim com ponta de esmeril. O procedimento foi complementado por um vibro incisor, permitindo um desbaste muito controlado das superfícies. Esta operação foi realizada evitando entrar em contacto com a pedra, removendo-se o material reminiscente com compressas de solvente 44, seguindo-se alguma micro-abrasão pontual. Para as películas negras que cobriam as superfícies lisas, recorreu-se à limpeza química através de pachos 45, em sucessivas aplicações, protegendo-se as zonas de atuação com plástico, de maneira a aumentar o tempo de atuação. Sempre que este procedimento não produziu o resultado pretendido, recorreu-se ao método mecânico, através de micro-abrasão 46, procurando-se a homogeneização das superfícies a limpar e o respeito pela patine da pedra, adequando-se a intensidade do procedimento sempre que necessário. Após a secagem das superfícies pétreas, verificou-se a presença de sais. Para a sua remoção foram utilizados pachos de pasta de papel embebidos em água, permitindo uma progressiva absorção dos sais, removendo-os da pedra. Para controlo da duração do procedimento, e da necessidade de novas aplicações, foram feitas leituras de condutividade, aferindo-se, assim, a concentração de sais. Uma vez atingidos valores de referência, o procedimento pôde ter sido dado como terminado.
A remoção do cimento revelou-se, uma vez mais, problemática, tendo-se iniciado o processo com o auxílio de macetas e de escopros de diferentes tamanhos, adaptados ao local de atuação, reforçando-se o processo nas juntas com uma mini-rebarbadora de disco, onde o cimento apresentava uma maior dureza. A remoção foi feita até ao limite do suporte pétreo, de modo a não o comprometer. Um procedimento similar foi utilizado para as argamassas em mau estado.
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Seguiu-se a colagem de fragmentos, com recurso a um adesivo à base de resina epóxida 47, adicionando-se pó de pedra, de modo a evitar escorrências, e limpando previamente as superfícies de colagem 48. Nos fragmentos de maior dimensão, a colagem foi reforçada com espigões de aço inoxidável. Nas zonas de escamação e de fissuração, realizou-se uma colagem por pontos, com recurso à injeção de resinas epóxidas 49 e de caldas hidráulicas 50. A padieira do portal da portaria apresentava sinais de fratura, bem como fissuras, originadas, possivelmente, pelo peso da cornija. Uma vez que a pouca espessura da padieira não permitia a abertura de orifícios de grande dimensão para reforço estrutural, optou-se pela realização de um conjunto de orifícios de reduzido diâmetro e pela introdução de espigões roscados em aço inoxidável 51. Os orifícios foram limpos e desengordurados, seguindo-se a introdução de adesivo epóxido por injeção e do espigão, rebaixando-se a entrada do mesmo em relação à superfície da pedra, de modo a permitir a oclusão por estucagem. Para reforço da estabilidade da cornija, foi ainda colocada uma barra de aço inoxidável 52 através de um processo de furação idêntico, ocultada posteriormente pela rampa, como veremos. O tratamento das juntas foi adaptado às características do material pétreo, utilizando-se materiais inertes e silicosos, isentos de sais, garantindo assim uma maior durabilidade e estabilidade na relação com o suporte pétreo. Foram elaborados dois tipos de argamassa 53, a de enchimento e a de juntas 54, variando também a espessura da areia. A aplicação efetuou-se com as superfícies molhadas e com o auxílio de espátulas e de esponjas. Nos espaços de maior dimensão, utilizou-se a argamassa de enchimento e fragmentos de lousa, produzindo-se um rebaixamento, coberto pela camada final. A intervenção contemplou juntas vazias ou com falta de material, juntas com argamassas degradadas e juntas com argamassas de cimento, sendo todas previamente limpas e posteriormente fechadas. De modo a permitir uma melhor leitura dos portais, foram repostos alguns volumes com recurso a argamassa. Em zonas de maior volume foi introduzida uma estrutura interna de reforço em aço inox, arame inox e rede acrílica. O acabamento foi realizado de acordo com as superfícies existentes, por texturização da argamassa. Assim, uma vez seca, efetuou-se a reintegração cromática, aplicando-se uma patine artificial 55. No portal da portaria foi necessário realizar uma reposição em granito, recorrendo-se a pedra de natureza semelhante à original, encontrada nos resíduos da obra de construção civil. A pedra foi talhada com instrumentos de corte elétricos e manuais, de modo a obter a forma do elemento em falta
–
um remate de pináculo – , sendo a sua colocação reforçada com
um espigão em fibra de vidro. Recebeu, por fim, uma patine artificial, para se harmonizar com os restantes elementos.
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Pormenores do portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se os “tondi” (medalhões), ornamentação e vestígios de policromia (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Paralelamente ao processo de limpeza, foram ainda realizadas intervenções pontuais de preenchimento de descontinuidades de origem diversa, com argamassas, quer por injeção 56, como vimos, quer por estucagem ou micro-estucagem 57, recorrendo-se a espátulas e esponjas, simulando-se a textura do granito original e aplicando-se, por fim, patine artificial. Em todos os elementos horizontais dos portais foi realizado um preenchimento em argamassa, ou rampa, em plano ligeiramente inclinado, de modo a evitar a acumulação de águas pluviais e conferir uma proteção acrescida ao conjunto. Utilizou-se uma argamassa semelhante à que fora utilizada para o preenchimento de juntas, com uma estrutura em rede acrílica. A aplicação decorreu de acordo com os métodos tradicionais e o seu acabamento foi deixado propositadamente liso, para melhorar a eficiência.
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Na zona superior do portal principal, junto ao coroamento de ameias e nas proximidades da descarga das águas do telhado, foi identificada uma área de argamassas em mau estado, o que poderia original infiltrações. As fissuras foram limpas e retificadas com argamassas novas, tendo-se colocado um revestimento de impermeabilização elástico 58 em duas aplicações, após secagem e desengorduramento. Por fim, foi realizado um tratamento de proteção das superfícies pétreas contra a humidade e a ação das águas pluviais. O produto hidrofugante, ou repelente de água, 59 foi aplicado por pulverização a baixa pressão e com auxílio de brocha de caiador, num processo lento que garantiu a melhor impregnação. A intervenção no portal principal contemplou ainda o seu intradorso, composto pelo espaço compreendido entre as portas e o guarda-vento do interior da igreja, ocupando toda a largura da parede norte e inscrevendo-se num arco semelhante aos dos retábulos laterais. O espaço apresenta um lambril de azulejos, de altura pouco significativa, que acompanha o patamar e o degrau que vencem o desnível até ao pavimento da igreja, sendo as restantes paredes e intradorso do arco rebocados com estuque, formando molduras e incluindo, no centro do intradorso do arco, um motivo decorativo. Uma vez mais, a humidade revelou-se a principal causa dos danos encontrados, potenciando a degradação natural de um espaço de circulação intensa e que não recebera manutenção adequada. Assim, e à semelhança dos azulejos mais antigos do interior da nave, foram encontradas fraturas e lacunas, ao nível do vidrado e da chacota, destacamentos, juntas abertas e sujidade acumulada bem como unidades em falta. Os estuques apresentavam níveis de sujidade diferenciados, tendo sido encontradas lacunas e ausências provocadas pelos elementos metálicos dos chumbadouros da porta interior, alvo de intervenção no contexto da obra de talha.
Tal como vimos para outros revestimentos azulejares, os procedimentos contemplaram a fixação do vidrado 60, a limpeza mecânica e físico-química das superfícies, tendo sido utilizada, após testagem, uma solução de água, etanol e detergente neutro. Foram removidas as argamassas de cimento que preenchiam as lacunas, em processo cuidadoso de modo a não afetar os azulejos existentes. A colagem de fragmentos aconteceu apenas num caso 61, tendo sido removidas duas unidades que se encontravam em risco de destacamento da parede. Nos vazios entre o tardoz e a argamassa de assentamento, foram injetadas caldas hidráulicas, estabilizando-se, deste modo, o suporte.
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Eram três os azulejos em falta, sendo as ausências colmatadas com a colocação de azulejos provenientes do Banco de Materiais da Câmara Municipal do Porto 62. O procedimento iniciou-se com a limpeza e preparação da superfície, segundo o método tradicional, anteriormente referido, tendo então sido colocados os azulejos retirados e os três azulejos de reposição, com recurso a uma argamassa preparada de acordo com as características da operação 63. As juntas foram refechadas com dois tipos de argamassa, consoante se tratasse de juntas muito finas ou de juntas mais largas 64. As lacunas superficiais do vidrado foram colmatadas com uma pasta de preenchimento 65, posteriormente nivelada, fazendo-se então a reintegração cromática, de modo a garantir a unidade visual do conjunto 66. No caso dos estuques, estamos perante uma importante arte decorativa que atinge o seu apogeu no século XIX, associando-se sobremaneira aos interiores das habitações urbanas da burguesia. À semelhança da madeira ou de outros suportes parietais, os estuques eram igualmente campo por excelência para a aplicação de pintura de fingidos, imitando obra de pedraria ou elementos em talha, podendo também receber douramento, quer em superfícies lisas, quer em intricadas composições volumétricas. Não encontramos, porém, tal representatividade na igreja do Convento de Santa Clara do Porto, sendo o presente exemplo de muito contida expressão 67.
Pormenores do guarda-vento e intradorso do portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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A intervenção iniciou-se com a remoção dos elementos apostos à parede e das instalações elétricas antigas, em coordenação com a obra de instalação elétrica, que procedeu aos rasgos necessários para inclusão de novos cabos. Seguiu-se uma limpeza húmida 68, repetindo-se o processo as vezes necessárias até se conseguir a remoção de toda a sujidade. No processo de limpeza, foi encontrada policromia subjacente no elemento decorativo do teto, a qual havia sido posteriormente coberta a branco.
O suporte foi consolidado através da injeção de caldas hidráulicas 69 e foram removidos todos os elementos metálicos visíveis. Durante o processo de abertura de rasgos nas paredes para a nova instalação elétrica, foram encontrados outros elementos metálicos associados aos chumbadouros do guarda-vento. O seu tratamento iniciou-se com a remoção mecânica da oxidação, seguindo-se uma limpeza com etanol. Para proteção da superfície e estabilização do processo de oxidação, aplicou-se um produto apropriado 70. Os rebocos foram então repostos em todas as zonas necessárias, procedendo-se à regularização de toda a superfície para a posterior aplicação do estuque. Para tal, utilizou-se uma argamassa similar à de assentamento dos azulejos. A reposição dos estuques foi feita com argamassa apropriada 71, aplicada com colher e espátula e posteriormente nivelada. Na zona central do teto, os elementos decorativos ganham alguma expressividade, tendo-se encontrado vestígios de uma camada de pintura subjacente, no interior do losango, sob o motivo central, ou florão. Foram abertas janelas de sondagem, as quais permitiram perceber que a pintura se tratava de um marmoreado em tons azuis. Os repintes brancos foram, então, levantados mecanicamente com o auxílio de bisturi, sendo as zonas de desgaste e as lacunas reintegradas com uma aguada à base de têmperas acrílicas. Ao contrário da reintegração mimética, aqui foi aplicada uma reintegração diferenciada, num tom aproximado, cujas diferenças são apenas visíveis a curta distância, mantendo-se a leitura integral do elemento para o observador ao nível do solo. Por fim, as paredes foram pintadas com tinta branca 72.
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Pormenores do guarda-vento e do intradorso do portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se os lambris de azulejo e estuques do teto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
AS IMAGENS DOS PORTAIS: SÃO FRANCISCO, SANTA CLARA E NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO A intervenção nos portais contemplou igualmente as três imagens neles visíveis, São Francisco e Santa Clara, no portal da igreja, e Nossa Senhora da Conceição, no portal da portaria. O destaque que por ora damos às três imagens assenta no facto de se tratarem das únicas esculturas em pedra, sendo a de Santa Clara em granito e as restantes em calcário. Em termos do seu estado de conservação, foram encontradas lacunas, fissuras e fragmentações, bem como preenchimentos com cimento e a mesma película de cal encontrada nos portais. Note-se que, dada a escala e a complexidade formal das imagens, todos estes danos podem ter um impacte considerável na sua leitura. No caso da imagem de Nossa Senhora da Conceição, as lacunas prejudicavam gravemente a leitura, mas, felizmente, a maioria podia ser colmatada, devido à existência dos fragmentos, que tinham sido recolhidos e acondicionados.
No que diz respeito a vestígios de policromia, estes foram encontrados nas três imagens, sendo, porém, mais significativos na imagem de Nossa Senhora da Conceição. Através da observação com microscópio digital, foi possível detetar vestígios de carnações nos rostos e mãos da imagem de São Francisco, bem como evidências de imitação de panejamentos, na zona das vestes, destacando-se uma pouco habitual camada preparatória de tonalidade escura, que poderá ter sofrido alterações posteriores. Do mesmo modo, destacam-se os vestígios de douramento no cíngulo, ou cordão do hábito, bem como outras camadas posteriores, dissimuladas por uma última camada de cal. A imagem de Santa Clara aparentava ter sofrido diversos repintes, destacando-se os vestígios de pintura amarela na custódia, a qual não se deverá tratar da camada original, uma vez que foram também encontrados vestígios de douramento.
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Na imagem de Nossa Senhora da Conceição, a camada de cal mais profusa não impediu a observação de uma policromia muito rica. Assim, além dos vestígios de douramento, foram encontrados pigmentos azuis, associáveis às vestes desta iconografia, de diferentes tonalidades, cor-de-rosa e ocre, bem como as tonalidades associáveis à carnação, na zona do pescoço e do rosto.
O primeiro tratamento efetuado foi a fixação da policromia, segundo os procedimentos habituais, seguindo-se a limpeza superficial. Tal como veremos nas imagens de madeira, no caso das imagens de São Francisco e de Santa Clara, também aqui a intervenção decorreu em ateliê. Este procedimento, sempre delicado, acarretou a sua proteção com película, imediatamente após remoção do nicho, sendo depois cuidadosamente descidas, com auxílio de um cadernal (sistema de roldanas), até ao solo, onde foram colocadas em caixas de MDF 73, com o interior forrado a plástico bolha, sendo então transportadas para ateliê.
No caso da imagem de Nossa Senhora da Conceição, muito maior e mais pesada, foi necessário estabilizá-la, uma vez que apresentava alguma oscilação, optando-se apenas pela sua retirada do nicho. Verificou-se que a imagem era composta por dois elementos, cuja ligação foi reforçada com dois espigões de fibra de vidro de 8 mm 74. Devido às características da base, que potenciava a oscilação, foi criado um reforço com recurso a espigões de aço inoxidável 75, na parte posterior da escultura, permitindo uma segura fixação ao nicho. Nas zonas inferiores das esculturas era visível o ataque de fungos, pelo que se aplicou um biocida em procedimento similar ao realizado no portal. Foram depois removidos os elementos metálicos e preenchimentos utilizados em intervenções posteriores, para colmatar lacunas, os quais provocavam tensões nos elementos da escultura. A limpeza mecânica foi uma operação especialmente delicada pois, tal como no portal, era necessário salvaguardar os vestígios de policromia. Assim, foram utilizados bisturi e um aparelho micro-abrasivo de precisão 76, regulado cuidadosamente em função da área a tratar, conseguindo-se uma limpeza homogénea em todas as imagens, sem afetar o suporte pétreo ou a policromia.
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Pormenor da imagem de Nossa Senhora da Conceição no portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Tal como nos portais, a presença de sais obrigou à sua extração segundo um método semelhante. Seguiu-se a muito delicada limpeza da policromia, tendo-se optado, após uma cuidadosa testagem, por uma mistura de água, etanol e detergente neutro, adaptada a cada camada de policromia. Os suportes das imagens de São Francisco e de Santa Clara foram igualmente consolidados, utilizando-se consolidantes diferenciados, uma vez que a imagem de São Francisco é de calcário 77, aplicados a pincel até a correta saturação ter sido obtida. No caso da imagem de Nossa Senhora da Conceição, os fragmentos existentes foram colados, tendo-se criado uma película de resina acrílica 78 entre a pedra e o material adesivo 79, de modo a garantir a reversibilidade do processo. As uniões foram reforçadas com espigões de fibra de vidro, adaptando-se as furações já existentes. Findo o processo de colagem, eram visíveis as lacunas volumétricas na zona da mão e braço direitos da imagem, as quais interferiam na leitura do objeto. Através da análise da imagem, foi possível estabelecer formas de preenchimento que não desvirtuassem a identidade da composição, uma vez que existiam diversas linhas orientadoras. O preenchimento efetuou-se com uma argamassa preparada para o efeito 80, com uma última camada de grão fino, para imitar a textura do calcário, sendo reforçado com uma estrutura de aço inoxidável na zona do braço 81, para assegurar uma correta reposição.
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Pormenor da imagem de São Francisco no portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Na imagem de São Francisco foram também repostos volumes na zona posterior da escultura, que apresentava uma elevada perda de material. Criou-se, assim, uma camada de sacrifício, destinada à proteção da superfície pétrea original, utilizando-se um procedimento semelhante ao anterior. Na imagem granítica de Santa Clara, as fissuras foram injetadas com resina epóxida 82. Seguiu-se a estucagem e micro-estucagem com argamassas, adaptadas na sua composição aos calcários e ao granito. Seguiu-se a reintegração cromática das argamassas, adaptando-as ao tom da superfície pétrea mais próxima, uma vez que as esculturas não apresentavam tonalidades uniformes. Optou-se por uma reintegração limitada ao essencial, de modo a restituir a unidade cromática à imagem, sendo, porém, uma intervenção diferenciada, apenas visível a uma distância muito curta 83.
Pormenor da imagem de Santa Clara no portal da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Por fim, foi aplicado um tratamento hidrofugante similar ao do portal, adaptando-se o método à subtileza das formas das imagens. Seguiu-se, no caso das imagens de São Francisco e de Santa Clara, a sua colocação em caixas de MDF, devidamente acondicionadas na horizontal, e o seu transporte, do ateliê, de volta a Santa Clara 84, onde foram elevadas e colocadas manualmente no interior dos nichos, nivelando-se de acordo com a área existente.
O TRATAMENTO DOS ELEMENTOS METÁLICOS Para lá do brilho do ouro e da magnificência da cor, um dos aspetos visualmente impactantes no interior da igreja do Convento de Santa Clara do Porto é a presença de um vasto conjunto de gradeamentos metálicos. Encontramo-los na galeria, ou «varanda», sobre os altares dos alçados laterais, na janela termal do alçado sul da capela-mor e, claro, em impositiva composição, no alçado oeste, correspondente à parede do coro. Antes da intervenção, o seu aspeto escurecido conferia um ar grave ao espaço, convocando imagens de uma soturna clausura. Veremos, porém, que nem sempre assim foi e, embora não se pense necessariamente em metais, para lá do ouro, a propósito desta igreja, certo é que os elementos metálicos ocupam uma extensa parcela da superfície das suas paredes. Uma vez que a intervenção nos gradeamentos obedeceu a várias frentes de trabalho, abordá-la-emos em duas partes. Comecemos, pois, pelas grades da nave, resguardando a «varanda» dos olhares indiscretos. O seu intricado desenho é formado pela repetição de elementos/peças quadrangulares com decoração geométrica, sendo a estrutura fixa à alvenaria de cada vão através de chumbadouros. Na face voltada para a nave, é dourada a folha de ouro, sendo possível observar vestígios de tinta ocre nos espaços entre o douramento. A intervenção iniciou-se, como habitualmente, pelo diagnóstico do estado de conservação e pelo registo fotográfico. De uma maneira geral, as superfícies apresentavam sujidade acumulada em zonas mais recônditas, tais como poeiras, argamassas, tintas, soldas, folhas secas, fibras de escovas e serrim. No verso, foram ainda encontrados alfinetes, que poderão ser o resultado do trabalho de armação, como temos visto. As superfícies em ferro tinham desenvolvido corrosão generalizada e, na face dourada, foi possível encontrar corrosão sobre a folha de ouro. Os destacamentos eram muito pontuais e geralmente associados a zonas de maior corrosão do suporte metálico. A extensão das áreas de lacunas de douramento era muito heterogénea, sendo manifesto o melhor estado de conservação das grades do alçado norte. Em todas as grades foi possível perceber que a fila inferior apresentava sempre uma maior concentração de douramento, não tendo sido possível associar tal facto a uma alteração ou utilização específica.
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Foram encontradas algumas deformações, fissuras, fraturas e lacunas, embora não comprometessem a estabilidade geral. Uma deformação mais acentuada verificava-se nos elementos decorativos centrais, onde foram inseridos dispositivos de sustentação de lampadários entretanto removidos, como vimos anteriormente em fotografias antigas. Não eram, porém, estes os únicos elementos que os gradeamentos sustentavam, uma vez que a sua solidez lhes conferiu igualmente funções de ancoragem das sanefas diretamente inferiores, fixas às grades por arames. Pese embora o esforço acrescido, verificou-se que a fixação continuava em bom estado, sem necessitar de intervenção. Os trabalhos de conservação e restauro começaram pela proteção da zona inferior dos gradeamentos com manga plástica, de modo a reter os agentes de limpeza utilizados. Realizou-se então a limpeza mecânica da sujidade acumulada nas superfícies, frente e verso, com recurso a pincéis de cerdas e aspiração controlada. As partes douradas foram então limpas com escova de nylon, utilizando-se uma solução com água, detergente neutro e etanol, para remoção da sujidade remanescente.
Pormenores do gradeamento dos vãos das «varandas» da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Pormenor do gradeamento dos vãos das «varandas» da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Os produtos de corrosão foram removidos da superfície dourada com uma solução aquosa 85 aplicada a pincel sobre papel absorvente, sendo esta posteriormente removida com água e detergente neutro e, numa segunda etapa, com uma solução de água e de etanol e, por fim, com água destilada por nebulização. No verso, realizou-se uma limpeza com escovas de arame de aço fino, com recurso a aspirador, de modo a preparar a superfície para a aplicação de uma solução aquosa 86 destinada à estabilização e proteção da superfície. Os elementos deformados foram corrigidos mecanicamente e a frio, mas, sempre que a sua resistência se revelava diminuída, optou-se por uma correção parcial. Foram executados três elementos em meia cana, que se encontravam em falta, utilizando-se latão, sendo protegidos com uma camada de resina sintética 87 e pintados com tintas sintéticas. A sua fixação decorreu por meio de parafusos, porcas e anilhas em aço inoxidável, juntamente com os elementos originais que se encontravam soltos. Materiais semelhantes foram utilizados para colmatar os rebites em falta ou danificados, sendo posteriormente objeto de reintegração cromática com tintas acrílicas.
As fraturas e fissuras foram tratadas com aplicação, no verso, de fibra de vidro e resina epóxida, sendo os elementos posteriormente reintegrados. Optou-se por não utilizar ferro de soldar, uma vez que o calor provocaria o destacamento da camada de douramento. Nos gradeamentos do alçado sul, onde a folha de ouro se revelava mais ausente, optou-se pela reintegração cromática. Este procedimento foi realizado, nas zonas com mais falhas, com recurso a tintas acrílicas e com tinta dourada à base de micas que, como já vimos, têm um comportamento muito estável, não oxidando. A proteção final fez-se com uma cera microcristalina diluída em solvente orgânico de base mineral 88 e aplicada a pincel, protegendo o metal da ação da humidade e da corrosão. Foram ainda intervencionados cinco elementos metálicos retangulares situados sob o órgão, no alçado norte. Apesar de semelhantes aos das «varandas», somente um, localizado na proximidade da moldura da pintura da Última Ceia, apresentava douramento.
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Passando para as grades do coro, em ferro forjado, estas eram inseridas nos vãos da parede por intermédio de chumbadouros. A sua função, a que já aludimos, era a de permitir que as religiosas, instaladas no coro baixo ou no coro alto, pudessem ouvir e ver as celebrações eucarísticas, mantendo-se, porém, a sua obrigatória separação, reforçada pela projeção de elementos horizontais em jeito de espigões. As grades encontravam-se pintadas com tinta de esmalte de cor verde-escuro e em razoável estado de conservação. As zonas de oxidação concentravam-se nas proximidades dos chumbadouros, onde a policromia não fora aplicada. Realizaram-se sondagens, com decapante e bisturi, para a deteção de uma eventual decoração original e, sob o verde, foram encontrados vestígios de zarcão, de cor laranja, e, em alguns pontos, vestígios de folha de ouro, tal como nas grades da «varanda». Uma vez que os solventes não removiam a policromia e, por outro lado, era notória a presença da camada de zarcão, avançou-se para a raspagem com lixas abrasivas e posterior aplicação de conversor de ferrugem em toda a superfície das grades.
Aspeto da intervenção de conservação e restauro nas grades do alçado oeste da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
A partir dos resultados obtidos nas grades das «varandas», e após a realização de sondagens nas grades do coro, verificou-se que estas eram originalmente douradas, uma vez que foram identificados vestígios de folha de ouro. Foi realizada uma amostra de reintegração cromática e, após aprovação do resultado, procedeu-se à pintura das grades com uma tinta em dois componentes 89, o segundo dos quais lhe conferiu um efeito oxidado após secagem. As grades foram então pintadas com tinta acrílica dourada, simulando a aplicação da folha de ouro, solução adotada em toda a superfície das grades do coro, em ambas as faces, e na grade da janela termal do lado sul da capela-mor, após a realização dos respetivos testes e sondagens.
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Pormenor da grade da janela termal da capelamor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se o douramento na face virada para o interior da igreja (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
O gradeamento da janela termal, do alçado sul, é, porém, diferente, com um desenho semelhante ao das grades das «varandas», apresentando poucos vestígios de oxidação, por se encontrar coberto por pintura. Um tratamento meramente conservativo foi realizado nas grades do confessionário, da roda e do locutório, existentes na parede do coro, mas resguardadas por portas, não sendo diretamente visíveis a partir da nave. Finda a intervenção, o tratamento realizado nos elementos metálicos permitiu aliviar a imagem funesta das pesadas grades da igreja. Assim, a aplicação de um tom dourado, que imita a folha de ouro, integra-as no esplendoroso conjunto de ouro e pedrarias, diluindo ironicamente o seu impacte visual e transmutando, uma vez mais, a natureza dos materiais, de acordo com os predicados estéticos que pautam o restante interior da igreja.
Pormenor da grade da janela termal da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a ausência de douramento na face voltada para o interior da capela de Nossa Senhora (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
A PINTURA DE CAVALETE Designando-se por “pintura de cavalete” aquela que é executada sobre um suporte independente, como tela, madeira, metal, etc., formando assim uma obra móvel, e embora a pintura esteja abundantemente plasmada no interior da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, a sua representatividade enquanto prática autónoma é, de certa maneira, reduzida. Não podemos esquecer, porém, a importância que a mesma tem no coro alto ou noutras zonas da igreja, como a sacristia, locais que, além das pinturas que lhes foram originalmente destinadas, conservam também obras que, paulatinamente, abandonaram os locais originais. Tal não nos pode espantar, uma vez que a presença da pintura era muito maior na igreja até às campanhas do século XVIII, tal como se pode perceber pelo estudo histórico 90.
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TELA DO ALTAR-MOR A tela do altar-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, representando Santa Clara a afastar os sarracenos com o Santíssimo Sacramento, assinada e documentada, é da autoria do pintor portuense Joaquim Rafael da Costa (1783-1864) e deve datar das primeiras décadas do século XIX. As suas dimensões são impressionantes (5,7 m de altura por 3,77 m de largura), encontrando-se pintada apenas na face visível. Pela sua função é, por vezes, designada por “pintura de altar”, “de tambor” ou “de rolo”, dado que semelhante estrutura é utilizada para o seu enrolamento, e ocultação, com a consequente descoberta do trono.
Tela do altar-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
CORTE TRANSVERSAL NORTE-SUL (CAPELA-MOR)
Representação esquemática do funcionamento da tela de enrolar do altar-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, ilustração de Luís Sebastian – DRCN & Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt). 0
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5m
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Joaquim Rafael executou a obra segundo a técnica tradicional da pintura a óleo sobre tela, apresentando uma fina camada de preparação, de cor branca acinzentada, e uma fina camada pictórica. O suporte têxtil da tela é, provavelmente, em fibra de linho, tecido em tafetá, composto por uma trama, ou retícula, bastante apertada e regular. Dada a sua dimensão, é composta por quatro panos dispostos na vertical unidos por costura com ponto atrás, destacando-se a sua boa execução, pouco percetível. Na parte inferior, uma barra metálica inserida numa bainha, que se apresentava descosida, mantinha a tela esticada. Durante a intervenção foi possível detetar, no verso da pintura, marcas de carimbos e inscrições, porém pouco percetíveis.
O estado de conservação da tela estava comprometido, encontrando-se pouco flexível, embora com resistência. Apresentava inúmeros vincos de diversas dimensões relacionados com o processo de enrolamento e desenrolamento e, possivelmente, com uma distribuição heterogénea da tensão na zona superior. Ao nível inferior, eram visíveis reforços pontuais nos cantos para colmatar, pelo verso, os rasgões existentes. A pintura é suspensa e enrolada através de um tambor, ao qual se encontra fixa, mecanismo este inserido no tardoz do retábulo-mor sobre a tribuna e que era operado por cordas. O tambor era constituído por diversas tábuas, em forma de cilindro. A superfície da tela apresentava sujidade depositada e a camada pictórica encontrava-se algo pulverulenta, com lacunas e desgastes nas várias camadas, que terão resultado dos vincos decorrentes da sua movimentação. As observações à vista desarmada e com luz ultravioleta, bem como os testes com solventes, não evidenciaram quaisquer camadas de verniz de proteção. Na zona inferior era visível uma área com patologias diferentes. O seu aspeto era baço e granular, apresentando marcas de um material estranho à obra, levantando-se a hipótese de ter resultado da aplicação de uma camada de proteção às madeiras circundantes quando a tela se encontrava enrolada. Poderá, deste modo, tratar-se do mesmo verniz que foi aplicado no tardoz da talha da capela-mor. Sob esta película encontrava-se a camada pictórica original.
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A intervenção iniciou-se com a cuidadosa remoção da pintura da capela-mor, optando-se por criar um espaço de intervenção no coro baixo, o qual dispunha de condições para albergar as vastas dimensões da obra. O processo iniciou-se com a remoção da barra metálica da bainha inferior, descosendo-se a respetiva costura. Em seguida, a pintura foi completamente enrolada no tambor original e o conjunto foi embalado com plástico de bolhas. Os bastidores do retábulo revelaram-se, uma vez mais, muito úteis, dado que a pintura deixou o seu primitivo repouso através da porta do nicho da imagem de São Francisco, entretanto apeada.
Aspeto da colocação da tela do retábulo-mor no coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
O espaço do coro baixo foi devidamente preparado para receber a tela, tendo-se criado uma base formada por seis placas de aglomerado de madeira, criando um nivelamento uniforme sobre o soalho em tabuado. Por cima destas placas foi estendido um pano único espesso, de dimensão adequada, funcionando como superfície acolchoada e nivelando, por sua vez, as uniões entre as placas. Ao longo da intervenção, o tecido foi revestido com papel kraft 91 ou com papel siliconizado 92, funcionando como separador, de acordo com o procedimento em curso. A pintura encontrava-se fixa ao tambor original através de duas bandas de tecido grosso tipo serapilheira, uma pela frente e outra pelo verso, unidas através da mesma costura, pregadas, por sua vez, ao tambor. Por cima da banda estavam colocadas réguas de madeira igualmente fixas ao tambor com pregos. Assim, para se poder proceder à intervenção, teve-se que primeiro remover o sistema de fixação, separando-se a tela do rolo.
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Paremos, por momentos, para, com alguma distância, atentarmos na complexidade de todo este processo, uma vez que as dimensões e peso da tela se revelavam agora em pleno vigor, na proximidade do contacto. De modo a permitir um eficaz e controlado manuseamento durante a intervenção, utilizou-se um tubo de 50 cm de diâmetro e 4 m de comprimento, o qual permitiu que a tela fosse enrolada, desenrolada e virada em segurança. O trabalho decorreu com a pintura colocada na horizontal, utilizando-se sempre, de modo a protegê-la de marcas ou abrasões, uma película separadora 93. Aspeto dos trabalhos de separação do tambor da tela do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Aspeto dos trabalhos de fixação no rolo temporário da tela do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Dado que não existia camada de proteção, a sujidade encontrava-se diretamente depositada na camada pictórica. A limpeza físico-química realizou-se com soluções aquosas testadas 94, seguida da passagem de água destilada, sempre por meio de cotonetes e algodão. Na zona onde foi detetada a substância estranha à obra, foram também testadas diferentes metodologias, optando-se por utilizar a pistola de ar quente, método mais eficaz e seguro, o qual amolecia a película que podia ser então removida com o bisturi. Seguiu-se uma limpeza com ligroína 95 e acetona, para remoção de uma fina camada que ainda se encontrava depositada, formando um “véu” na pintura. O verso da tela foi limpo mecanicamente a seco com uma borracha apropriada 96, removendo-se a sujidade depositada e entranhada nas fibras têxteis. Todo o suporte foi posteriormente submetido a aspiração controlada.
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Seguiu-se a operação de estabilização física do suporte têxtil da pintura, ou seja, do tecido que lhe serve de base, assegurando-se que lhe era restituída a coesão. Foram realizados testes para verificar a reação das fibras à humidade, obtendo-se resultados satisfatórios. Deste modo, foi utilizada a humidificação lenta e controlada da tela nas zonas que requeriam planificação, seguida da aplicação de pesos e, sempre que necessário, de temperatura. Alguns vincos e deformações, mais antigos e marcados, acarretaram a repetição do processo.
Com o objetivo de se restabelecer a continuidade do suporte origiAspeto do tardoz da tela do retábulomor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se vestígios de restauros anteriores (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
nal, os pequenos e pontuais rasgões foram unidos e, seguidamente, reforçados no verso com tela de poliéster. A fixação da camada pictórica foi feita por impregnação, pelo verso, com solução de adesivo 97. Após a evaporação do solvente, o adesivo foi reativado em todo o verso, por ação do calor, com ferro de engomar e por pressão, com pesos, utilizando-se sempre o papel siliconizado como película de proteção, ou interface, entre os instrumentos e a obra. Uma vez que o suporte têxtil se encontrava em bom estado, não se optou por realizar uma reentelagem, um procedimento mais intrusivo de adição de uma nova tela e que acarretaria um peso acrescido à obra. Assim, considerou-se que a impregnação com adesivo pelo verso seria suficiente, reforçando a fixação da camada pictórica em destacamento, conferindo maior resistência e plasticidade à tela, bem como estabilizando as zonas de deformações e vincos. O adesivo utilizado 98, já amplamente testado em conservação e restauro de pintura, é compatível com a obra original e estável a variações de humidade e temperatura. Numa zona em que as deformações eram mais acentuadas, de forma a estabilizar essas áreas, optou-se pela colagem pelo verso de tecido sintético 99.
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Os reforços com tela grossa, existentes na parte superior, foram removidos pela linha de costura, dado que apresentavam alguma deterioração e enfraquecimento, percebendo-se então que não se tratava dos elementos originais, uma vez que foram encontrados orifícios de fixação da pintura ao rolo. Colocou-se uma nova banda de reforço, em tecido, de dimensão mais alargada, em altura, poupando a tela original ao esforço acrescido da fixação ao tambor. Como veremos, o novo tambor apresenta um maior diâmetro que o original, pelo que se colocou um excedente da banda de reforço, com cerca de 1 m, e sobreposição de 50 cm sobre a tela original, permitindo o reposicionamento da pintura no vão, em função do novo tambor.
Aspeto da intervenção de conservação e restauro da tela do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Na extremidade inferior realizou-se um acrescento em tela, fortalecendo a margem original, mais fragilizada, com largura suficiente para incluir a bainha da barra metálica, sendo colado à tela original com duas faixas em toda a largura. Para estes reforços utilizou-se uma tela de estrutura de tafetá em poliéster 100, escolhida pela sua resistência e por apresentar um bom comportamento face a variações de humidade. A colagem foi realizada com adesivos ativados por temperatura e por pressão 101. Foi ainda feito um reforço da colagem da banda superior, através de uma costura com fio de poliéster 102, escolhido pela sua resistência, tendo-se combinado alguns dos orifícios originais com orifícios novos, para uma melhor distribuição da tensão. As lacunas do suporte, decorrentes de antigos elementos metálicos de fixação, foram preenchidas com tela de linho de gramagem e trama semelhantes ao original, a qual foi envelhecida por lavagem e recebeu encolagem 103, de forma a minimizar a reatividade face ao suporte original. A tela foi recortada com o tamanho exato de cada lacuna e unida pela periferia com adesivo sintético 104, seguido de temperatura e pressão e reforçado, pelo verso, com tela de poliéster não tecida 105. As lacunas das camadas preparatórias foram reintegradas com recurso a uma massa sintética estável 106, a qual recebeu coloração de maneira a aproximar-se da tonalidade da preparação original. De forma a tornar a massa mais flexível, foi acrescentada uma pequena quantidade de material adesivo 107 e, após a secagem, efetuou-se o nivelamento com bisturi e com cotonetes humedecidas, recorrendo-se a pincéis de modo a reproduzir a textura das pinceladas. A reintegração cromática foi realizada segundo técnica mimética, dando-se continuidade às formas da representação e devolvendo-se leitura à composição pictórica. Numa primeira fase, efetuaram-se as bases de cor, com guaches 108. Após envernizamento, as reintegrações foram ajustadas, sempre que necessário 109, com pigmentos aglutinados em resina. Por fim, foi aplicada a proteção final, que consistiu em duas fases, como descrito na integração cromática. Pretendia-se que a pintura ostentasse cores saturadas, protegendo as reintegrações, mas sem evidenciar um aspeto demasiado brilhante, tendo sido, para isso, realizados um conjunto de testes. À solução adotada, uma resina dissolvida numa mistura de solvente orgânico, foi adicionada uma percentagem de cera microcristalina 110, aplicando-se à trincha. Após a revisão da reintegração cromática, aplicou-se uma camada final de proteção 111, também à trincha, uma vez que esta última resina é solúvel em solventes distintos da anterior, não arrastando as integrações cromáticas executadas a pigmento e resina. Ambas as resinas apresentavam boas características óticas, por terem uma elevada transparência, promovendo uma boa saturação da cor. Apresentavam, além disso boa resistência ao envelhecimento, nomeadamente em termos de amarelecimento, estabilidade e reversibilidade ao longo do tempo, sendo, nas duas etapas, adicionado um agente estabilizador para reduzir os efeitos dos raios ultravioleta 112. Recorreu-se igualmente, e sempre que necessário, a escovas de cerdas naturais, para tornar mais mates e uniformes as zonas que apresentavam um maior brilho.
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Apresentando o rolo original um diâmetro reduzido de apenas 20 cm, optou-se pela execução de um novo tambor, de diâmetro mais generoso, de 50 cm. Esta alteração implicaria um menor desgaste da tela, uma vez que esta seria enrolada menos vezes e ficaria menos sujeita a compressão. O novo tambor, construído com réguas de madeira de castanho protegidas com resina acrílica 113, incorporou o original, e foi fixo à estrutura do retábulo através de uma consola metálica.
Aspeto do novo tambor da tela do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Para auxiliar a movimentação da pintura, foram colocadas duas calhas em aço inoxidável na boca da tribuna, sendo a barra existente na zona inferior da tela substituída por uma régua em aço inoxidável. Optou-se igualmente pela criação de um sarilho 114 metálico operado por manivela, com o objetivo de tornar mais fácil e equilibrada a sua movimentação.
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Tela do altar-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto do funcionamento da tela do retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, Cimbalino Filmes, Lda.).
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A PINTURA DA ÚLTIMA CEIA A pintura da Última Ceia, executada também a óleo sobre tela, apresenta as dimensões de 2,02 m por 1,3 m e, como referimos, encontra-se enquadrada por uma moldura, no vão do primeiro tramo do alçado norte. Verificou-se que a pintura teve, originalmente, um formato retangular, tendo sido ampliada posteriormente, em data que se desconhece, com uma parcela semicircular, para se enquadrar no novo espaço. Este elemento foi realizado em tafetá, enquanto o original é uma sarja adamascada, produzindo desenhos geométricos em forma de losango. Esta constitui uma particularidade técnica, permitindo que a estrutura obtenha uma largura maior de pano, que neste caso, atingiu 1,3 m, sem necessidade de costura. A opção por este tipo de tecido poderia também relacionar-se com outros fatores, como a sua resistência ou o tipo de textura que poderia transparecer na superfície pictórica. Os dois tecidos foram unidos através de costura de ponto atrás, observando-se que o suporte retangular, correspondente à pintura original, foi dobrado para receber a ampliação. Note-se que, tal como analisado no estudo histórico 115, poderemos estar perante uma pintura proveniente do retábulo-mor de finais de seiscentos, entretanto deslocada e reaproveitada com as transformações subsequentes. Sobre o suporte têxtil foi aplicada uma camada de preparação de cor vermelha, que terá contribuído para o aspeto cromático final 116. A tela encontrava-se fixa, através de pregos, à periferia de uma estrutura em madeira de pinho, composta por cinco tábuas verticais e três travessões horizontais, que se encontrava em mau estado e não apresentava robustez. A tela possuía alguns rasgões de pequena dimensão e remendos pelo verso, quer em sarja adamascada, quer em tafetá, encontrando-se, por vezes, fixos às tábuas por meio de pequenos pregos, depreendendo-se que foram unidos ao verso da tela e posteriormente fixos pela frente.
Pintura da Última Ceia situada no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Toda a camada pictórica apresentava um conjunto de estalados, ou craquelê, natural, sendo mais evidentes na sarja que no tafetá, o que poderá estar relacionado quer com o comportamento diferenciado dos materiais, quer com a respetiva antiguidade da execução. Tal como acontecia na tela do altar-mor, a pintura não aparentava ter proteção final, possuindo muita sujidade depositada e aderida à camada pictórica, não permitindo a correta observação da composição. A superfície estava extremamente desgastada, decorrente talvez de anteriores operações de limpeza, sendo visíveis zonas de preparação, sobretudo nos tons mais escuros, porém, a camada pictórica apresentava problemas de adesão ao suporte têxtil.
Aspeto dos trabalhos de reconstituição cromática da pintura da Última Ceia pertencente ao alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
A intervenção decorreu em ateliê, pelo que se efetuou uma primeira proteção superficial, pela frente da tela, com recurso a faceamento com papel japonês e adesivo proteico 117 nas zonas mais frágeis, sobretudo à volta dos rasgões. Efetuou-se então a desmontagem da pintura e da moldura do alçado norte da igreja. Uma vez que a estrutura, em pinho, não aparentava ser a original e se encontrava em muito mau estado, foi decidida a sua substituição por uma grade. Esta foi executada em madeira de castanho, com as arestas devidamente boleadas, de modo a evitar a formação de vincos na pintura e dotada de extensores metálicos, em aço inoxidável, que permitem um ajuste da tensão da tela, sempre que necessário.
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Pelo verso, fez-se a limpeza mecânica com recurso a trinchas suaves, borracha apropriada 118 e aspiração controlada. A limpeza da superfície pictórica efetuou-se com soluções aquosas de água destilada integrando detergente neutro 119 e saliva artificial, um composto à base de enzimas e minerais que mimetiza a saliva humana, mas com um pH controlado. Foi ainda testada a utilização de um agente quelante 120, revelando-se, porém, demasiado agressivo para a pintura. Terminada a limpeza físico-química, foi feita uma impregnação da tela pelo verso, com uma solução de adesivo 121, para se obter uma fixação geral da pintura. Após a evaporação do solvente, o adesivo foi reativado, em todo o verso, com recurso à temperatura e à pressão. À semelhança do que vimos para a pintura da tela do altar-mor, também aqui foi necessário estabilizar o suporte têxtil. Adotou-se um procedimento semelhante, humidificando-se de forma lenta e controlada as áreas irregulares, aplicando-se pesos e, sempre que necessário, a ação do calor. A impregnação com adesivo, para fixação da camada pictórica, auxiliou o processo de planificação da tela. Os rasgões pontuais foram unidos e reforçados pelo verso com tela de poliéster, colada com adesivo reativado por calor, com ferro de engomar 122.
Aspeto dos trabalhos de recolocação da pintura da Última Ceia no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Face ao estado geral do suporte, não se optou, também neste caso, pela sua consolidação total, ou reentelagem, sendo suficiente a recuperação das zonas mais frágeis, onde existiam rasgões e lacunas. Foram colocadas bandas perimetrais de tensão, ou reforços à volta da pintura, uma vez que os limites se encontravam fragilizados, permitindo assim a fixação à nova grade. Estas bandas foram feitas com tecido de tafetá de poliéster 123, desfiado e desbastado na zona de contacto com a pintura, de modo a reduzir a formação de marcas com o passar do tempo, sendo unidas à tela com adesivo 124. As lacunas de suporte foram preenchidas segundo um procedimento similar ao utilizado na tela do altar-mor, com tela de gramagem e trama parecidas com a original, previamente envelhecida e encolada, reforçando-se pelo verso com tela de poliéster de fibras não tecidas. Do mesmo modo, o preenchimento das lacunas foi realizado com recurso a uma massa sintética estável 125 de cor vermelha, similar à preparação existente, o que facilitou o processo de reintegração cromática. Esta decorreu segundo técnica mimética, dando-se continuidade à composição original, e teve também duas fases, antes da camada de proteção e a fase de ajuste, que se lhe seguiu 126. Por fim, e à semelhança do que vimos na tela do altar-mor, optou-se também pela aplicação das duas resinas de proteção, sendo a segunda aplicada depois dos ajustes da reintegração cromática, complementando-se o procedimento com similar adição de um agente estabilizador para reduzir os efeitos dos raios ultravioleta 127. Terminado o procedimento, fixou-se a tela à nova grade, com recurso a agrafos inoxidáveis. O reverso foi protegido por uma tela fina de poliéster de modo a minimizar a ação da humidade e a acumulação de sujidades, sendo remontada na moldura e recolocada no lugar original.
Pintura da Última Ceia, situada no alçado norte da nave da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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NOTAS SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto:
29
Paraloid B72 diluído em acetona.
História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Cole-
30
Francesismo derivado do termo original “craqueler”, referindo-se à gretagem
ção Património a Norte, N.º 10).
do vidrado, apenas superficial ou total a toda a secção da camada vítrea. Ainda
2 As tintas de esmalte, com composições muito diversas, caracterizam-se pela for-
que este fenómeno se possa dever igualmente ao arrefecimento excessivamente
mação de uma camada sólida após a evaporação do solvente, originando um aca-
rápido durante a fase da cozedura de vidragem, é sobretudo resultado dos maiores
bamento opaco, duro e muito brilhante, sendo muitas vezes utilizadas em metais.
índices de dilatação do corpo cerâmico em relação aos do vidrado, desenvolven-
3 O zarcão, ou tetróxido de chumbo, é um composto químico utilizado em emul-
do-se progressivamente ao longo dos anos.
são de óleo como proteção contra a oxidação. A sua elevada toxidade levou à limi-
31
Neste caso, o Paraloid B72 é diluído em acetona.
tação do seu uso, sendo atualmente substituído por outros pigmentos, mesmo
32
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto:
quando o produto mantém a designação tradicional.
História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Cole-
4
ção Património a Norte, N.º 10).
1
Primal CM 330 diluído em etanol.
5 Melinex, designação comercial de uma película de poliéster.
33
Testaram-se previamente areias de granulometria média e grossa.
6 Com recurso a ácido cítrico diluído em água.
34
Aplicou-se o Polyprep da marca CIN.
7 Recorreu-se a mini-berbequim com ponta de esmeril.
35
O espelho constitui a superfície vertical do degrau, designando-se a horizon-
8 Polyprep da marca CIN.
tal por piso.
9 Tween 20 diluído em água.
36
Utilizou-se o PrimalAC330 e etanol.
10
37
Utilizou-se o Biocin T diluído.
lica natural Secil Tek Reabilita Cal.
38
Foi utilizada argamassa de consolidação de alvenarias antigas de cal hidráu-
11 Utilizou-se o White Spirit.
lica natural Secil Tek Reabilita Cal.
12 Utilizou-se o decapante universal Gel Express da marca 3V3.
39
13
História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Cole-
Utilizou-se a argamassa de consolidação de alvenarias antigas de cal hidráu-
Foi utilizado o detergente líquido Vulpex, com características não corrosivas
ou agressivas, diluído em etanol.
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto:
ção Património a Norte, N.º 10).
AB57 diluído em água, embebendo compressas de pasta de papel Arbocel,
40
Utilizou-se o microscópio digital Dino-Lite.
que foi deixado a atuar por duas horas. O AB57 foi inicialmente desenvolvido para
41
Utilizou-se um herbicida sistémico da marca Montana.
a limpeza de esculturas em mármore. É uma solução aquosa de bicarbonato de
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O consolidante utilizado foi à base de silicato de etilo, recomendado pela sua
amónia, bicarbonato de sódio, um fungicida e um agente gelificante. A sua compo-
capacidade de penetração e atuação.
sição notabilizou-se pela aplicação na intervenção de conservação dos frescos da
43
Foi utilizada a Acril 33 em dispersão aquosa.
Capela Sistina (Roma, Itália) dos anos de 1990. A pasta de papel Arbocel, composta
44
Foi utilizado o AB57.
por fibras de celulosa pura, apresenta excelentes características de absorção e de
45
Recorreu-se, uma vez mais, ao AB57.
suporte para a aplicação de soluções de limpeza.
46
Foram utilizados abrasivos compostos por óxido de alumínio. O aparelho
15 Quando foi necessário aumentar a quantidade de água, o aglutinante foi refor-
projeta, de forma muito controlada, os pós abrasivos sobre a superfície, os quais
çado com goma arábica.
devem ter uma dureza inferior ao material a limpar.
16
Foi utilizado guache preto muito diluído em água e reforçado com goma ará-
47
Foi utilizado o ICOSIT K101.
48
Utilizou-se o álcool isopropílico.
17
O procedimento foi similar ao das restantes faces.
49
Utilizou-se Sikadur-52 Injeção da marca Sika.
18
A solução adotada foi detergente líquido Vulpex diluído em etanol.
50
Utilizou-se Mape Antique I Injeção da marca Mapei.
19 Vulpex diluído em etanol.
51
Fizeram-se orifícios de 8 mm, introduzindo-se espigões roscados 316L de
20 Primal AC 330 diluído em etanol.
6 mm. Na fratura introduziram-se dois espigões, formando um V no interior da
21
Tween 20.
padieira. No caso da fissura, foi colocado apenas um espigão obliquamente.
22
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto:
52
14
bica.
História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Cole-
Barra com 120 cm de comprimento, por 8 cm de largura e 0,5 cm de espes-
sura.
ção Património a Norte, N.º 10).
53
23
lica natural NHL 3,5 da marca Secil; Ledan C 30) e areias de diferentes granulome-
SEBASTIAN, Luís; FORMIGO, Filipa – A Produção de azulejaria nas olarias
A argamassa de enchimento foi composta por ligantes hidráulicos (cal hidráu-
Coimbrãs. In MATOS, Maria Antónia Pinto de; PAIS, Alexandre Nobre (coord.) – O
trias.
Encanto na Hora da Descoberta. A azulejaria de Coimbra do século XVIII. Lisboa:
54
Museu Nacional do Azulejo. 2017. pp. 63-84.
natural NHL 3,5 da marca Secil; Ledan C 30) e areias de diferentes granulometrias
24
e tonalidades.
Utilizou-se o biocida Biotin T diluído em solução aquosa.
A argamassa de juntas foi composta por ligantes hidráulicos (cal hidráulica
25 Água isenta de iões, partículas e substâncias orgânicas.
55
26
Paraloid B72.
em resina acrílica em suspensão aquosa Acril 33.
27
Cal Inject da marca Secil.
56
28
Utilizou-se o Tween 20.
308
Esta patine foi conseguida mediante uma solução de pigmentos aglutinados Utilizaram-se caldas hidráulicas Mape Antique I.
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A argamassa para micro-estucagem foi composta por ligantes hidráulicos (cal
78
Utilizou-se o Paraloid B44 diluído em acetona.
hidráulica natural NHL 3,5 da marca Secil; Ledan C 30) e areias de diferentes gra-
79
Foi utilizado o adesivo epóxido ICOSIT K101 da marca Sika, tendo sido adi-
nulometrias e tonalidades.
cionado pó de pedra, em método similar ao que vimos no portal.
58
Foi utilizado o revestimento Sikagard-570W, cinzento, da marca Sika.
80
59
Foi utilizado o agente hidrofugante Aquashield Ultimate Tecnan Nanomat,
e o Ledan C30 e areias de vários calibres.
57
A argamassa foi composta por cal hidráulica natural NHL 3.5 da marca SECIL
cuja composição química reage com a humidade atmosférica e com a água dos
81
suportes, transformando-se, por condensação, numa espécie de silicone seco que
quada.
reveste o interior dos capilares, repelindo a humidade e impedindo a sua dispersão.
82 Utilizou-se Sikadur 52 Injection da marca Sika, após uma injeção prévia de eta-
60
nol, que funcionou como agente tensioativo. O procedimento foi acompanhado de
Recorreu-se a uma solução de Paraloid B44 diluído em acetona. A resina sin-
Utilizou-se uma estrutura de aço inoxidável roscado 316L de dimensão ade-
tética Paraloid B44 assemelha-se à já referida Paraloid B72, embora a sua compo-
micro-estucagem das fissuras, para evitar escorrências.
sição e propriedades sejam diferentes.
83
Utilizaram-se pigmentos aglutinados em Acril 33.
61
84
Note-se que o transporte foi feito a partir de um ateliê localizado na cidade
62
Recorreu-se a uma solução de Paraloid B44 diluído em acetona. O Banco de Materiais da Câmara Municipal do Porto alberga um vasto e
de Aveiro.
diversificado acervo de materiais recolhidos no contexto de intervenções ocor-
85 Foi utilizado EDTA, em uma ou duas aplicações. O Ácido Etilenodiamino Tetra-
ridas na cidade, quer por iniciativa municipal, quer por iniciativa particular. Estes
-Acético, utilizado como agente quelante, permite a formação de complexos está-
materiais, dos quais se destacam os azulejos, organizados por características for-
veis de iões de ferro e assim a remoção os produtos de corrosão.
mais, são muito utilizados em ações de conservação e restauro e de reabilitação
86
na cidade do Porto, permitindo a colmatação de lacunas dos revestimentos. Sobre
protetora de tanatos férricos na superfície do metal.
o Banco de Materiais da Câmara Municipal do Porto veja-se: http://www.sosazu-
87
Utilizou-se o Paraloid B72.
lejo.com/?page_id=687
88
Utilizou-se a cera Cosmolloid 80 diluída em White Spirit.
89
Utilizou-se a tinta Iron Paint Effect da série Modern Masters da marca CIN.
Foi utilizada uma solução aquosa de ácido tânico o qual forma uma camada
90 SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Coleção Património a Norte, N.º 10). 91 63
A argamassa utilizada foi composta por ligantes hidráulicos (cal hidráulica
Tipo de papel que apresenta boas propriedades a nível de resistência, malea-
bilidade e durabilidade.
natural NHL 3,5 da marca Secil; Ledan C 30) e areias de diferentes granulometrias.
92 A face com silicone garante que o papel não fica colado à pintura mesmo que
64
estejam a ser utilizados adesivos, vernizes ou solventes.
Nas juntas muito finas utilizou-se cal hidráulica Ledan C30 e pó de pedra
fino Areipor. Nas juntas de maior dimensão adicionou-se areia amarela APAS 30.
93
Da marca Melinex.
65
Utilizou-se a pasta epóxida Miliput.
94
Utilizou-se água destilada e citrato de triamónio.
66
Foram utilizados pigmentos inorgânicos em pó, de elevada resistência, agluti-
95
Uma mistura de hidrocarbonetos extraídos de petróleo bruto.
nados em resina epóxida, HXTAL NYL-1.
96
Utilizou-se borracha de látex vulcanizado e de pH neutro da marca Wishab.
67
97
Utilizou-se o adesivo de etileno-vinil-acetato BEVA 371 OF, diluído em sol-
Como exemplo da sua aplicação em contexto do património religioso na
cidade do Porto, veja-se, por exemplo, nas proximidades, a Capela do Santíssimo
ventes hidrocarbonetos alifáticos, Shellsol D40.
Sacramento, no interior da igreja de São Lourenço.
98
68
99 Foi utilizado novamente tela em fibras de poliéster não tecidas da marca Ree-
Utilizou-se uma solução de etanol, água e detergente neutro, aplicada com
O já referido adesivo termoplástico Beva 371 OF diluído em Shellsol D40.
esponjas e panos de microfibras.
may, impregnada com Beva 371 OF.
69
Mape Antique I.
100
70
Foi aplicado o primário epóxido 7N-180 C-POX da marca CIN.
101 A superfície das telas de poliéster foi impregnada com uma solução de Beva
71
Utilizou-se argamassa ZP 149 – Fassa Bartolo.
371 OF em Shellsol D 40, reforçada na margem superior por cinco tiras de Beva
Trevira C. S. Ispra da marca CTS.
72 Foram feitas três aplicações, a rolo, de tinta Vinyl Mate (branco) da marca CIN,
Filme.
tinta aquosa resistente a fungos.
102
73
Güttermann.
Material derivado da madeira.
A costura foi feita com uma agulha curva e fio torçal de poliéster da marca
74 Não foi aplicada resina de colagem neste caso.
103
Utilizou-se cola de coelho da marca Kremer.
75
104
Utilizou-se Beva Gel.
76 Utilizou-se o óxido de alumínio (220 mesh) em zonas sem policromia e, na sua
105
Foi utilizada a habitual tela da marca Reemay com adesivo Beva Filme, ati-
proximidade, o pó de pedra (0/0).
vado por temperatura e pressão.
77
Para o calcário utilizou-se Nanorestore (com uma composição química que se
106
Utilizou-se o Modostuc, massa à base de acetato de polivinilo e inertes.
articula bem com o calcário) em dispersão de álcool isopropílico. Para o granito uti-
107
Utilizou-se o Lascaux Medium for Consolidation.
lizou-se White Spirit D40 – Estel 1000.
108 Foram utilizados guaches da marca Winsor and Newton – Designers Gouache.
Utilizaram-se espigões roscados de 8 mm em aço inoxidável 316L.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
309
109 Foram agora utilizadas as Gamblin Conservation Colors, pigmentos aglutinados em resina de ureia-aldeído Laorpal A-81, material utilizado para a camada de proteção, como veremos. 110
A solução adotada foi uma mistura de Laropal A-81, em solventes aromáti-
cos e alifáticos – Shellsol A e Shellsol D40), adicionando-se Cosmolloid H80. 111
A segunda camada era composta por uma solução de Regalrez 1094, uma
resina de hidrocarbonetos, em solvente alifático, Shellsol D40, ao qual foi adicionado um agente espessante – Kraton G 1650 – e uma pequena percentagem de cera microcristinalina Cosmolloid H80. 112
Utilizou-se o Tinuvin 292, um agente estabilizador que reduz os efeitos da
radiação UV. 113
Utilizou-se Paraloid B72, diluído em acetato de butilo, aplicado à trincha.
114
Mecanismo de rotação e enrolamento que auxilia a operação do tambor.
115
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do
Porto: História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Coleção Património a Norte, N.º 10). 116
Esta técnica, originária de Veneza, tem uma construção pictórica inversa à
da pintura Flamenga. Na primeira, os tons claros são obtidos pela sobreposição de várias camadas de tinta, surgindo muitas vezes os empastamentos, e os tons escuros são mais imediatos, enquanto na segunda os tons claros são obtidos através de finas camadas de tinta, aproveitando o branco da preparação, e nos tons escuros há um maior número de camadas, ficando o extrato pictórico mais espesso. 117
Utilizou-se cola animal da marca Kremer.
118
Utilizou-se, novamente, a Wishab.
119
Utilizou-se o Teepol.
120
Foi testado o citrato de triamónio.
121
Utilizou-se uma solução de Beva OF 371 diluído em hidrocarbonetos.
122
Adotou-se uma solução semelhante à aplicada na tela do altar-mor, recor-
rendo-se à tela de fibras de poliéster não tecidas da marca Reemay e ao adesivo Beva Filme. 123
Utilizou-se Trevira C. S. Ispra da marca CTS.
124
Utilizou-se Beva Filme ativado por temperatura.
125
Foi utilizado também o Modostuc.
126
Foram também utilizados guache da marca Winson and Newton – Desig-
ners Gouache na primeira fase e Gamblin Conservation Colors para os ajustes. 127 Foram aplicadas as mesmas soluções utilizadas na tela do altar-mor, em proporções semelhantes.
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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7 LONGE DA VISTA: IMAGINÁRIA E OUTRAS INTERVENÇÕES
HUGO BARREIRA
Longe da vista: imaginária e outras intervenções Durante a intervenção, o aspeto da igreja era fundamentalmente o de um ativíssimo estaleiro de obra. O intrincado de andaimes criava passagens labirínticas e ocultava a verdadeira escala da obra de talha. Pelo chão abundavam revestimentos de proteção, alguns, já sem função, retirados das peças que haviam ajudado a tratar, outros, aguardando uma anunciada utilidade, repousavam na proximidade de peças ainda completamente protegidas.
Apartadas desta miríade de cores, texturas, cheiros e sons, decorriam outras intervenções. Algumas tinham lugar no coro baixo ou no andar térreo da portaria, outras ainda, nas condições mais controladas dos ateliês de conservação e restauro.
Aspeto do coro baixo do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, adaptado temporariamente a espaço de trabalho (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues & João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Como vimos, o coro baixo tinha-se transformado no espaço de intervenção para a grande tela do retábulo-mor. Era também nesta secção que algumas peças, nomeadamente imagens e outros elementos móveis, aguardavam o retorno aos locais de origem. Os dois retábulos deste espaço, intervencionados em 2017-2018, foram devidamente protegidos durante a alocação temporária do espaço. No piso superior, no coro alto, foram armazenados também alguns elementos do vasto acervo da igreja. No corpo contíguo, correspondente aos três andares do espaço da portaria, decorriam também operações. O andar superior funcionava como espaço de coordenação, no andar intermédio foi criada uma oficina de marcenaria e carpintaria. No andar térreo, acessível pela porta da portaria ao nível do pátio, decorriam operações de tratamento de peças móveis, tais como imagens, molduras ou outros elementos, por vezes destinadas ao seu acondicionamento para posterior intervenção em ateliê.
Aspeto do piso térreo da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, adaptado temporariamente a espaço de trabalho (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto do piso intermédio da portaria do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, adaptado temporariamente a oficina de marcenaria (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro realizados no ateliê da empresa Revivis, durante a intervenção na igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro das imagens da capela-mor e arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, realizados no ateliê da empresa Porto Restauro (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Podemos dividir os elementos que foram intervencionados fora do local em três grandes grupos: componentes das estruturas em talha destacadas para tratamento individualizado em ateliê, aos quais aludimos já nos capítulos anteriores; objetos móveis que se encontram dispostos no espaço litúrgico, tais como as credências ou os tocheiros; imaginária religiosa, e respetivos atributos, integrada nas estruturas retabulares.
Aspeto do tratamento de elementos de talha realizado no piso térreo da portaria do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro dos anjos de remate do altar do Menino Jesus da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, realizados no ateliê da empresa Revivis (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro dos tocheiros e anjos tocheiros da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, realizados no ateliê da empresa Porto Restauro (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Pormenor dos tocheiros do altar-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
No segundo grupo encontramos fundamentalmente objetos de caráter litúrgico, destinados a dar apoio às celebrações. Estes objetos encontravam-se sobretudo na capela-mor. Assim, foram intervencionadas duas credências, ou mesas de apoio, cuja técnica de pintura de caráter ilusionista aplicada nos seus tampos levou mesmo, inicialmente, a pensar tratarem-se de elementos em pedra. Uma vez analisadas em pormenor, percebeu-se que eram de madeira entalhada, dourada a mordente e policromada, sendo visível a pintura de embrechados no pé e a pintura de imitação de mármore no tampo, que fora já objeto de repintes.
Credência da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se pormenor de pintura imitando pedra (2020-2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda. | Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Um outro elemento, a Urna de Quinta-Feira Santa, era, como vimos, destinada às celebrações do Tríduo Pascal e encontrava-se depositada, originalmente, numa plataforma situada na parede lateral esquerda da tribuna do retábulo-mor, à cota do degrau superior do trono. A urna é composta pela peça central, uma estrutura fechada de madeira cujas faces principais são revestidas por espelhos e vidros decorados a tinta vermelha e folha de ouro, bem como por um conjunto de raios estriados, em talha dourada com interior espelhado. Os trinta e um raios, de dimensões diferentes, estão numerados e encaixam de forma única na urna, formando um aparatoso resplendor em que o brilho do ouro e os reflexos providenciados pelos espelhos e vidros concorriam para a corporização dos mistérios divinos e do anúncio da Ressurreição. Não podemos esquecer que, originalmente, o trono contaria com diversas luminárias que amplificariam este efeito cenográfico.
Aspeto da urna de Quinta-Feira Santa da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se o momento da sua remoção e primeiras operações de limpeza (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Aspeto da urna de Quinta-Feira Santa da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Aspeto da urna de Quinta-Feira Santa exposta no coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a numeração dos raios e respetivos locais de encaixe (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Era ainda percetível a marca de um elemento que coroaria a urna, possivelmente um símbolo eucarístico (um cordeiro, ou Agnus Dei, ou um pelicano), entretanto desaparecido. Por ora, e à semelhança da reserva eucarística, que seria guardada no seu interior através de uma tampa fechada à chave pelo tardoz, a urna repousava com os raios retirados e guardados numa caixa de madeira. Uma vez removida, foi cuidadosamente intervencionada. Dos danos mais evidentes salientam-se os espelhos manchados, destacados ou quebrados, tendo o conjunto perdido grande parte da sua capacidade refletora.
Os tocheiros, tal como o nome indica, são destinados a receber luminárias, funcionando como castiçais. Na atualidade, a sua função prática encontra-se mitigada pela existência das luzes elétricas, uma vez que a sua utilização se resume às disposições litúrgicas, obrigando apenas a um número reduzido de luminárias de cera, pelo que muitos destes elementos deixaram de ser utilizados. Na capela-mor foram encontrados diversos tocheiros que, pela sua dimensão, podem ser agrupados em diferentes conjuntos. Um primeiro, constituído por vinte e cinco tocheiros 1, um segundo, constituído por treze tocheiros um pouco menores 2, um terceiro, que integrava a banqueta, constituído por quatro tocheiros maiores 3 e, por fim, um tocheiro de grandes dimensões4 destinado ao Círio Pascal, fundamental para o calendário litúrgico. As alterações litúrgicas acarretaram também diversas transformações na função dos tocheiros, nomeadamente na banqueta, que passa agora ao altar central, voltado para a assembleia, podendo a banqueta original, quando se conserva o altar primitivo, permanecer visível, mas sem função. No caso da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, a banqueta original, visível em fotografias mais antigas 5, já não se encontrava montada. Os diversos elementos, em madeira entalhada e dourada, evidenciavam um estado de conservação diferenciado, destacando-se, pelo bom estado de conservação, os quatro tocheiros da banqueta. O tocheiro do Círio apresentava douramento e pintura a branco, estando também presentes purpurinas oxidadas, tal como nos restantes conjuntos. Todos foram intervencionados, de acordo com as necessidades específicas. Note-se que, nos altares laterais da nave, as banquetas se encontravam ausentes.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Dos restantes elementos, destaca-se a antiga grade de comunhão, constituída por uma balaustrada em madeira, sem evidências de douramento, e cuja pintura, entretanto muito escurecida, parecia imitar madeiras exóticas e o douramento a mordente dos registos inferiores da capela-mor. Numa intervenção prévia, foi colocada na parede do coro, perdendo assim a sua função. Como vimos, em fotografias anteriores 6, ainda delimitava a capela-mor, encerrando o presbitério, no alinhamento do intradorso do arco do cruzeiro.
Aspeto da grade de comunhão do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Em contexto litúrgico anterior ao Concílio Vaticano II, a grade não só separava o espaço do corpo da igreja destinado ao clero, como permitia a administração da Comunhão, a partir do presbitério. No decurso da atual intervenção, após recuperar o seu efeito cromático original, esta foi recolocada no seu primitivo lugar.
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Aspeto da grade de comunhão do arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Um outro elemento, também relacionado com a administração da Comunhão, era a moldura em talha, de linhas neoclássicas, da porta da grade do coro baixo, destinada a permitir que as religiosas comungassem. Salvaguardada na intervenção de 2014-2015, a estrutura foi também restaurada e recolocada no lugar original, tendo sido igualmente colocada uma grade em madeira com balaustrada similar à grade de comunhão do arco do cruzeiro, que outrora se encontrava nas dependências da portaria. Note-se que, como vimos no Capítulo 2, terá existido, antes das intervenções da década de 1930, uma grade metálica neste mesmo lugar.
Por sua vez, o ambão, elemento que a reforma litúrgica do Vaticano II integrou nas igrejas para as leituras provenientes da Bíblia, era constituído por fragmentos de peças em talha de proveniência diversa, uma prática habitual em igrejas mais antigas. Uma vez que se encontrava em muito mau estado de conservação e revestido a purpurinas oxidadas, optou-se pela execução de um novo.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Aspeto da “porta” da comunhão e da balaustrada da grade do coro baixo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto do novo ambão e cadeira presidencial adicionados à capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Graças à intervenção de conservação e restauro do coro alto foi ainda possível conhecer melhor um outro elemento relacionável com as vivências do convento. Trata-se de uma placa em madeira que integra uma das portadas do coro alto, cujo texto, manuscrito a tinta, datado de 1754, alude à proibição de objetos destinados ao culto divino. Através da leitura do texto é possível perceber que esta “patente”, tal como é designada, se encontraria originalmente no “Coro de Baixo” ou na “Sancrestia” e que terá sido colocada no presente lugar em momento que se desconhece. Temos, assim, uma clara demonstração das possibilidades de um objeto, uma vez intervencionado, atuar como um importante documento de si mesmo e do seu contexto.
Frei Francisco de Santa Tereza Xavier Leitor Jubilado qualificador do Santo officio Menistro Provincial e Servo dos frades Menores da Regular observancia de Nosso Serafico Padre São Francisco nesta Nossa Província de Portugal: Items RR Madres Abadessas do Nosso Mosteiro de Santa Clara da Cidade do Porto Saude, e Pas em o Senhor porquanto a experiência nos tem mostrado que de se emprestarem os ornamentos Prata e alfayas da Sancrestia e Igreja segue grande prejuízo, e detrimento pello muito que se denefição e a grande deficuldade que ha pera se fazerem outras de novo Pella prezente mandamos assim a Abadessa Reverendíssima, Como as Madres Sancristaas ou outra qualquer Peçoa deste Mosteiro em virtudo [sic] do Espírito Santo por Santa obediência e sob pena de Excomunhão Mayor ipso facto incorrenda que daqui em diante se não empreste couza alguma que pertencer a sancrestia, e Igreja pera fora do Mosteiro ou sejão Ornamentos, Prata, outra qualquer alfaya que pertencer ao culto Devino. Mandamos que esta Nossa Patente seja fechada no Coro de Baixo e na Sancrestia pera que a todas Conste esta nossa detreminação. Dada neste Nosso Convento do Espirito Santo de Gouvea em 15 de Novembro de 1754 sob Nosso Signal e Sello Mayor. Aspeto de portadas da grade do coro alto da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se pormenor de placa datada de 1754 (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
[Assinaturas] Fr. Francisco de Santa Tereza Xavier Menistro Provincial
D. M. D. S. P. M R. Fr. Antonio de S. Jozé Secretario da Província
Esta Patente esta Confirmada Com Breve de Roma e vinda a Sentença do ordinário a qual está guardada no Armario em que se guarda a Custodia. 7
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Por outro lado, e como vimos, no processo de restauro dos caixotões do teto da tribuna do altar-mor, procedeu-se à remoção de um conjunto de tábuas que se encontravam a forrar o seu tardoz. Para lá da sua função imediata, esta operação revelou-se de extrema importância, uma vez que se percebeu que uma grande parte destas tábuas se encontravam pintadas a óleo na face voltada para baixo. Embora desgastadas pelo tempo e pela função prosaica a que uma intervenção posterior as havia destinado 8, era visível, para espanto de todos, que as tábuas teriam integrado outrora um conjunto de pinturas, dadas as evidências de continuidade em muitas delas.
Aspeto da recuperação de tábuas pintadas reutilizadas no tardoz do teto da tribuna do retábulo da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Após a remoção, as várias tábuas foram transportadas para a sala superior do corpo da sacristia, onde foi realizada uma limpeza mínima. Foram então reorganizadas, restituindo-se-lhes algum sentido compositivo e vislumbrando-se a sua antiga magnificência. O conjunto é assim constituído por doze tábuas e cinco fragmentos de menores dimensões. Algumas, com dimensões similares, que ultrapassam ligeiramente um metro de altura e que se aproximam dos trinta centímetros de largura, formam seis pinturas com um claro ar de família 9. Este é reforçado não só pelas dimensões similares, mas também pelos motivos florais que são visíveis em várias pinturas, bem como pelos recorrentes ambientes exteriores onde as figuras se encontram integradas. Uma outra tábua, mais alta e larga, apresenta também pintura figurativa, representando Cristo em oração, mas é consideravelmente diferente das restantes.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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O conjunto mais significativo poderia ser parte do novo retábulo-mor da igreja, realizado entre 1667 e 1668 10, ou ter integrado o coro. Existem ainda outras evidências de reaproveitamentos de fragmentos, possivelmente do anterior retábulo-mor, em tábuas ocultas do retábulo-mor atual, uma vez que nelas são visíveis motivos pintados similares aos que podemos encontrar neste conjunto de pinturas. Uma futura operação de conservação e restauro das presentes tábuas contribuirá, certamente, para aclarar a sua função e proveniência que, de momento, se encontram apenas no plano das hipóteses.
Aspeto de uma das tábuas pintadas – Santos Mártires de Marrocos – reutilizadas no tardoz do teto da tribuna do retábulo da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se a presença de pregos modernos (2019, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Designação : Santa Clara Número de tábuas recuperadas : 3 Medidas : 105,8 x 29 | 104,5 x 27,5 | 104,5 x 3,7 cm Observações : As tábuas foram cortadas em altura
Designação : Santos Mártires de Marrocos Número de tábuas recuperadas : 1 + 2 fragmentos Medidas : 122,2 x 26,4 | 37,2 x 27,2 | 37 x 26 cm Observações : Da pintura foi apenas encontrada uma tábua e dois fragmentos identificáveis
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Designação : São Carlos Borromeu Número de tábuas recuperadas : 2 Medidas : 122,2 x 29,3 | 106,2 x 26,7 cm Observações : Uma das tábuas foi cortada em altura
Designação : São Jerónimo Número de tábuas recuperadas : 2 Medidas : 122 x 27 | 121,4 x 29,4 cm Observações : Falta uma tábua do lado direito
Designação : São Brás (?) Número de tábuas recuperadas : 2 Medidas : 102,2 x 28,7 | 102,2 x 27,2 cm Observações : As tábuas foram cortadas em altura
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Designação : Santa Catarina de Bolonha Número de tábuas recuperadas : 1 Medidas : 107,5 x 27,3 cm Observações : A tábua foi cortada em altura, sendo visível parte da inscrição “de Belonha”
Designação : Cristo em oração Número de tábuas recuperadas : 1 Medidas : 180,5 x 37,5 cm Observações : Apresenta consideráveis diferenças em relação às pinturas anteriores
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Por fim, encontramos a imaginária religiosa, ou imagens, que constitui o conjunto de elementos mais significativo, pelo seu valor artístico e complexidade formal. Na igreja do Convento de Santa Clara do Porto, a imaginária religiosa é fundamentalmente constituída por escultura de vulto, ou seja, esculturas que foram preparadas e trabalhadas numa grande parte ou mesmo na totalidade do seu perímetro, simplificando-se, por vezes, as zonas mais protegidas do olhar, por questões económicas. Contudo, encontramos igualmente, embora em menor número, painéis em relevo representando temáticas religiosas de dimensão e complexidade variável11, alguns dos quais formam, com as esculturas, conjuntos figurativos de grande dimensão.
À semelhança do que vimos para os vários retábulos da igreja, estamos perante objetos produzidos em cronologias diversas e que, pese embora a semelhança global dos materiais e técnicas utilizadas (madeira dourada e policromada), apresentam diferenças consideráveis de pormenor. Do mesmo modo, diferenciado era também o seu estado de conservação. No âmbito da imaginária, começamos por um conjunto que, pela sua temática e função, apresenta similitudes com os elementos que vimos anteriormente: os anjos tocheiros. Estas oito figuras, que integram o conjunto da capela-mor, tinham função de tocheiros, mas concorriam igualmente na significação das imagens da capela-mor. Assim, enquanto anjos ceroferários 12, e elementos do plano celeste, integravam o discurso iconográfico do espaço mais importante da igreja, solenizando, pela luz que carregavam, a presença dos Santos e do Santíssimo Sacramento no trono eucarístico. Os oito anjos são inteiramente dourados nas faces visíveis, aproximadamente três quartos do seu perímetro, e, à semelhança do que já vimos nas figuras dos atlantes da capela-mor, apresentam as carnações com douramento de aspeto mate, realçado por pintura de cor avermelhada nos olhos e lábios, e as vestes em ouro brunido com extenso trabalho de puncionado e pintura igualmente em tom avermelhado. O seu estado de conservação variava de acordo com a escultura e, em cada uma, com as técnicas utilizadas. As restantes imagens encontram-se identificadas no Capítulo 8 “Roteiro de Imaginária”, agrupadas pelos respetivos altares e posicionamento relativo. A diversidade de técnicas, quando observada em pormenor, bem como o seu estado de conservação, acarretaria uma descrição morosa e forçosamente repetitiva, uma vez que, em ambos os aspetos, se relaciona diretamente com o espaço onde cada uma se integra no âmbito da igreja. Note-se que foram igualmente intervencionados fora do estaleiro principal outros elementos escultóricos, tais como os anjos que integram os remates de alguns retábulos.
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Optamos, deste modo, por salientar alguns aspetos que permitam ao leitor compreender a complexidade e particularidades da intervenção. As esculturas e relevos, pese embora o aspeto altamente diferenciado face às estruturas retabulares em talha, mormente no caso das primeiras, são executadas com técnicas muito similares, ainda que, de um ponto de vista da produção, os seus autores fossem especializados em imagens, designando-se como escultores ou imaginários. À semelhança dos retábulos, nos casos de maiores dimensões, estamos perante objetos que resultam da assemblagem de diversos elementos, mesmo que, num primeiro olhar, pareçam realizados a partir de uma única peça, pelo que são visíveis elementos metálicos que reforçam a união das diversas partes. Uma outra técnica, própria da imaginária, consistia na inclusão de olhos de vidro no interior da cabeça da imagem, o que acarretava a sua serração e posterior fixação.
Nas imagens destaca-se ainda a presença de elementos amovíveis, que as figuras aparentemente seguram ou que lhes servem de adorno e/ou complemento. Veja-se, no caso do Arcanjo Gabriel – altar de Nossa Senhora da Conceição –, as asas, por exemplo. Em muitos casos, estes elementos têm funções iconográficas muito específicas, permitindo a identificação da imagem ou da cena que está a ser representada, designando-se por atributos. Por vezes, estes elementos são realizados em outros materiais, nomeadamente metais como a prata, sendo apostos à imagem de madeira, como acontece, por exemplo com a pena da imagem de São João Evangelista.
Imagem do Arcanjo São Miguel pertencente ao altar de Nossa Senhora da Conceição da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, com e sem colocação das asas (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Imagem de São João Evangelista pertencente ao altar de São João Evangelista da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se a pena e o tinteiro (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Elementos destacáveis das imagens dos altares laterais da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se cruzes, báculos e outros atributos, a pomba de Santa Escolástica e os Meninos Jesus de São Joaquim e de Santo António (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro das imagens de Santa Clara e São Francisco pertencentes ao retábulo-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, evidenciando-se as técnicas de carnação e estofado (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Pormenores das imagens de São Gregório Magno (arco do cruzeiro), Nossa Senhora (altar da Sagrada Família) e Santa Ana, a Virgem e o Menino (altar de São João Batista) da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se técnicas de execução e patologias (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Tal como nas restantes estruturas em talha dourada, as suas superfícies em madeira são igualmente objeto de preparações que se destinavam a receber o douramento e a policromia, através de diversas técnicas. Para lá das que encontrámos anteriormente, tal como os diferentes tipos de douramento, a água e a mordente, devemos aqui salientar um conjunto de técnicas decorativas designadas como estofado, que reproduzindo tecidos, podem incluir os esgrafitados, puncionados e pintura a ponta de pincel ou a pintura a óleo, em que se destaca a imitação de pele (carnações).
Imagens de Santa Ifigénia e Santo Elesbão, pertencentes ao altar da Almas da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se o pormenor das igrejas em miniatura (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Assim, além de um grande refinamento de desenho e de execução de pormenores (como o rosto ou as mãos), o fabrico de imagens acarretava um conjunto de técnicas decorativas que conferiam vitalidade à superfície da pele e requinte ao conjunto de panejamentos da figura. Nas bases, ou peanhas, bem como em alguns elementos, encontram-se muitas vezes técnicas de imitação de pedra, ou marmoreados. Veja-se o caso das igrejas, de linhas barroquizantes, que as imagens de Santa Ifigénia e de Santo Elesbão – altar das Almas – seguram. Por outro lado, as imagens, pela proximidade inerente às práticas devocionais, eram objeto de particular atenção nas operações de manutenção do interior dos templos, recebendo novas camadas de pintura – repintes e repolicromias 13 – por vezes isoladas e sem relação com as campanhas globais das igrejas, destinadas à sua revitalização ou à sua atualização, de acordo com os gostos da época. Em quase todas as imagens da igreja são visíveis evidências de novas camadas de pintura, em maior ou menor extensão, as quais, em muitos casos, alteraram radicalmente o original, como é o caso da imagem de Nossa Senhora da Conceição. Em várias imagens, tal como a do Menino Jesus, são também visíveis aplicações em renda, tecido e em outros materiais. Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro da imagem do altar de Nossa Senhora da Conceição da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Na igreja do Convento de Santa Clara do Porto, as imagens são de dimensão variável, sendo algumas em tamanho natural, complementadas por imagens de menor dimensão. Na capela-mor, todas as imagens são de vulto inteiro, com exceção da imagem de São Domingos, no nicho do arco do cruzeiro, do lado do Evangelho, trabalhada apenas a três quartos, tal como os anjos tocheiros. A imagem que com ela dialoga, São Gregório Magno, é já de vulto inteiro. Na nave, as esculturas são geralmente de vulto inteiro ou aproximado, embora a zona posterior possa apresentar um tratamento mais simplificado.
Aspeto do tardoz e vista lateral das imagens de São Domingos e São Gregório Magno, pertencentes ao arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Anjos tocheiros da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção, evidenciando-se o tardoz escavado e pormenores das técnicas de douramento e pintura sobre a folha de ouro (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Pormenor de anjo tocheiro na capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
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Pormenores da imagem de São Domingos, pertencente ao arco do cruzeiro da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção, evidenciando-se as técnicas de carnação e estofado (2019-2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues & João Lopes Cardoso – Cimbalino Filmes, Lda.).
Por vezes, tal como no retábulo do altar das Almas ou no retábulo do altar do Menino Jesus, encontramos painéis figurativos, em relevo pintado, com representações que complementam o sentido iconográfico do conjunto. Destacam-se também as composições mais complexas que integram diversas esculturas e as combinam com elementos complementares em relevo ou em vulto inteiro. A título de exemplo, recordemos o impressionante resplendor da imagem de Nossa Senhora da Conceição, ou o painel que constitui o fundo do altar de Nossa Senhora da Piedade, onde é visível uma representação alusiva à Paixão de Cristo. Igualmente impressionante é o autêntico cenário esculpido que serve de base à imagem de São João Batista, em jeito de cascata, onde se integra um nicho com funções de relicário, contendo a cabeça do santo.
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Pormenor do painel em relevo do altar das Almas e do relevo representando Santa Clara no altar de Nossa Senhora do Carmo da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Pormenores do retábulo do altar de São João Batista da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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As patologias das imagens e relevos eram similares às que referimos para os restantes elementos em madeira dourada e policromada da igreja, mas encontravam-se potenciadas pela multiplicidade de técnicas e materiais que se combinavam em cada retábulo ou mesmo em cada imagem. Assim, eram numerosos os problemas estruturais, resultantes do ataque do inseto xilófago, por vezes muitíssimo graves, como no caso do Cristo Morto – altar de Nossa Senhora da Piedade, bem como as lacunas ou ausências de elementos, entretanto danificados ou perdidos. Do mesmo modo, também as camadas decorativas apresentavam as patologias habituais, potenciadas, em alguns casos, por técnicas particulares ou pela aplicação de repintes. Nos casos mais graves, foi necessário aplicar faceamentos muito cuidados, de modo a garantir a integridade estrutural das peças, ainda antes de se iniciar a intervenção.
Pormenor do retábulo do altar de São João Batista da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção (2021, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Carlos Sousa Pereira – DETALHAR.pt).
Aspeto dos trabalhos de faceamento e transporte para ateliê da imagem de Cristo Morto, pertencente ao altar de Nossa Senhora da Piedade da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
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Cada imagem foi tratada isoladamente, aplicando-se os procedimentos considerados mais adequados a cada caso. Assim, paralelamente à intervenção na talha dourada e policromada, foi necessário proceder à pré-fixação das camadas de pintura das esculturas, para assegurar a sua remoção em segurança. Uma vez removidas e transportadas, seguiu-se, para cada imagem, o conjunto de operações habituais: limpeza mecânica, tratamento do suporte em madeira (desinfestação, consolidação, revisão estrutural, reconstituições volumétricas), limpeza físico-química, aplicação e nivelamento de massas em lacunas, reintegrações volumétricas e cromáticas e aplicação de proteção final. Todas estas operações eram, por vezes, dificultadas pela presença de elementos metálicos oxidados, bem como de diversos materiais, tais como o tecido ou a corda.
Aspeto dos trabalhos de conservação e restauro em ateliê do relevo do altar de Nossa Senhora da Piedade da igreja do Convento de Santa Clara do Porto (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Como vimos, uma das principais diferenças face à talha dos retábulos e de outras estruturas arquitetónicas, além da multiplicidade de técnicas, diz respeito à presença de elementos decorativos em outros materiais, geralmente a prata, que complementavam a imagem, nomeadamente atributos (os olhos de Santa Luzia, os báculos das figuras abaciais e episcopais, ou a coroa das imagens de Nossa Senhora), adornos, como brincos, ou resplendores, e que foram objeto de intervenção especializada.
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Pormenores da imagem de Santa Luzia, pertencente à capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, durante a intervenção em ateliê (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
Tal decorreu em ateliê separado, sendo os elementos recolocados na imagem quando esta se encontrava já colocada no lugar final. Nesse sentido, podemos dizer que a intervenção de conservação e restauro mimetiza também a prática original de execução compósita das imagens, convocando diversos saberes e técnicas especializadas, sendo muitos destes elementos, em alguns casos, resultado de adições posteriores, muitas vezes associadas a ofertas decorrentes de práticas devocionais. Refira-se, por fim, que, antes desta intervenção, e apesar de algumas imagens terem sido previamente intervencionadas, como vimos, os retábulos encontravam-se já desprovidos de muitas das imagens que outrora os integraram. Além das ausências, que procuravam assegurar a sua salvaguarda e preservação, eram também notórias algumas deslocações, pelo que, com a presente intervenção, se procurou restituir ao interior da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, não só a riqueza e magnificência da sua imaginária, mas também, tanto quanto possível, o sentido de leitura das imagens em cada altar, assegurando, deste modo, as bases para futuros e proveitosos estudos.
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Aspeto do desembalamento das imagens de São Gregório Magno e anjos tocheiros da capela-mor da igreja do Convento de Santa Clara do Porto, após intervenção em ateliê (2020, Direção Regional de Cultura do Norte©, fotografia de Hugo Rodrigues – Cimbalino Filmes, Lda.).
NOTAS 1
As suas dimensões são 74 x 24 cm.
12 Que carregam cera ou, por metonímia, luminárias.
2
As suas dimensões são 56 x 19 cm.
13 Por repinte designa-se uma intervenção realizada com o objetivo de reparar ou
3
As suas dimensões são 88 x 25 cm.
ocultar danos existentes na policromia, através da aplicação de camadas de tinta. O
4
As suas dimensões são 169 x 48 cm.
repinte pode ser total ou parcial e ser realizado por cima da superfície original, não
5
Ver Capítulo 2, “Um legado para novos séculos: intervenções anteriores”.
respeitando os limites dos danos existentes.
6
Ver Capítulo 2, “Um legado para novos séculos: intervenções anteriores”.
Por repolicromia designa-se a execução de uma nova policromia, de forma integral
7
Transcrição de Ana Cristina Sousa.
ou parcial, conferindo-lhe novo uso ou adaptação ao gosto e/ou programa decora-
8
Não é possível datar com precisão quando se deu este reaproveitamento.
tivo ou iconográfico de determinada época ou contexto.
9
Existem algumas semelhanças entre estas pinturas e a pintura do Menino
Ambas as ações se diferenciam assim da reintegração, correspondente à técnica
Jesus, também a óleo sobre madeira, intervencionada em 2017.
de restauro que permite devolver unidade e leitura à obra de arte, respeitando o
10
SOUSA, Ana Cristina; RESENDE, Nuno – Convento de Santa Clara do Porto:
original, sendo realizada unicamente em lacunas, nunca sobre a superfície poli-
História e Património. Porto: Direção Regional de Cultura do Norte, 2021 (Cole-
cromada, utilizando exclusivamente materiais reversíveis e respeitando os valores
ção Património a Norte, N.º 10).
históricos, estéticos e artísticos da peça.
11
Recordemos os elementos em relevo que vimos nas duas paredes da cape-
la-mor.
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9 GLOSSÁRIO
Glossário Almofada – Elementos em relevo que decoram as portas e outras
Caixotões (teto) – Conjunto de painéis integrados em molduras
superfícies.
que constituem a decoração do teto. Os caixotões podem receber decoração em pintura e/ou relevo.
Alvenaria – Obra de pedreiro executada com pedras ou tijolos liCamada de preparação (talha) – Camada aplicada sobre a madeira,
gados entre si por argamassa.
posteriormente à encolagem, colocada em sucessivas camadas de Ambão – Posteriormente ao Concílio Vaticano II, é um elemento
gesso grosso e, por fim, de gesso fino ou mate, misturado com
litúrgico, semelhante a uma estante, destinado à proclamação da
cola, destinada a nivelar e preparar a superfície para receber os
Palavra numa celebração litúrgica.
restantes revestimentos.
Apainelados – Decoração com painéis podendo ou não ser divididos por molduras.
Camada de proteção (pintura) – Camada final, geralmente uma resina natural ou sintética, destinada a proteger as superfícies da
Aspiração controlada – Procedimento que integra a limpeza mecânica e que consiste na aspiração de partículas. Ataque biológico – Deterioração dos bens culturais causada por organismos vivos, como animais, plantas e microrganismos. Baldaquino – Elemento que coroa um espaço, nobilitando-o. Assume a forma de uma cúpula de onde pendem cortinados em talha. Banqueta – Corpo avançado de um altar para colocação de castiçais ou outro tipo de alfaias litúrgicas. Bolo arménio – O bolo arménio, ou bolus armenus, é uma argila muito fina de tonalidades avermelhadas ou amareladas, originalmente importada da Arménia, misturada com cola animal, que proporciona uma superfície bastante polida que constitui a camada de assentamento do ouro brunido.
sujidade e da ação dos agentes externos. Cambota – Peças em madeira que funcionam, tal como os cimbres, como moldes para arcos ou estruturas abobadadas. Cantaria – Trata-se de uma superfície em pedra lavrada por canteiros especializados que interpretam o desenho dos vários elementos da estrutura arquitetónica e ornamental, animando e nobilitando a parede. As superfícies em cantaria destinam-se, geralmente, à exposição ao olhar, não sendo cobertas por reboco ou outros revestimentos. Carnação – Denominação da pintura destinada a imitar a tonalidade da pele humana. Cauda de andorinha – Técnica de ensamblagem que consiste na execução de uma peça em madeira de forma trapezoidal que irá encaixar em entalhe com o mesmo formato nas tábuas a unir.
Brecha da Arrábida – Rocha clástica de origem sedimentar proveniente da Serra da Arrábida, na Península de Setúbal, muito apreciada como rocha ornamental. A sua aparente semelhança com o mármore levou a que ficasse igualmente conhecida por “mármore da Arrábida”.
Cimbre – Ver Cambota. Círio Pascal – Vela branca de cera de abelha que se coloca sobre um candelabro, representando a Luz de Cristo, e que integra algumas celebrações litúrgicas. O Círio Pascal é acendido pela primeira
Bronzeado – Velaturas ligeiramente pigmentadas aplicadas sobre o douramento que se destinavam a conferir uma tonalidade próxima à do bronze.
vez, em cada ano litúrgico, na Vigília Pascal. Clerestório – Nível das paredes das naves de uma igreja constituído pelas janelas.
Brunir – Procedimento que consiste em polir a folha de ouro, aplicada com cola animal diluída, o designado “douramento a água”, com recurso a instrumentos específicos, como o brunidor de pedra de ágata ou um dente de animal carnívoro. Cadeiral – Conjunto de assentos, e respetivos espaldares, constituídos por uma ou mais filas, que integravam a capela-mor ou os coros destinados aos ofícios litúrgicos por parte da comunidade de religiosos. Para facilitar o esforço decorrente dos longos períodos em pé, o assento rebatido apresenta uma pequena saliência, semelhante a uma peanha e habitualmente decorada, designada de misericórdia, por permitir ao religioso, ou religiosa, sentar-se discretamente, mantendo, contudo, uma posição aparentemente vertical.
Cola animal – Cola feita à base de pele ou cartilagem de animais, formando uma gelatina à temperatura ambiente. A mais utilizada é a cola de pele de coelho. Consolidação – Tratamento destinado a restituir a coesão de uma superfície ou estrutura. Contraventamento – Elemento de reforço destinado a aumentar a coesão de uma estrutura. Conversor de ferrugem – Produto utilizado para estabilizar e proteger a superfície de materiais ferrosos através da conversão dos produtos da oxidação do ferro em compostos mais estáveis e resistentes à corrosão.
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Cornija – Elemento de remate, geralmente horizontal ou acom-
Folha de ouro – Além de designar a camada de folha de ouro pre-
panhando o perfil de uma abertura, que forma uma saliência em
sente nas técnicas de douramento, corresponde sobretudo à forma
relação ao plano da parede.
dada ao metal utilizado no processo. O ouro é aplicado em folhas, ou lâminas, de espessura muito fina, resultantes de sucessivas la-
Coroamento – Remate ou parte superior de uma estrutura.
minações, e que, consoante a percentagem de ouro, apresentam tonalidades diferentes. As folhas aderem à superfície a dourar atra-
Credência – Mesa de apoio ao altar.
vés de diferentes processos. A técnica não se alterou muito, pelo que as folhas de ouro continuam a ser geralmente quadradas e
Desaprumado – Desalinhado, fora do prumo ou alinhamento.
comercializadas em conjuntos (formando livros), dado o diminuto peso de cada exemplar.
Desmontagem – No contexto de conservação e restauro, consiste na operação de cuidadosa remoção de peças para realização do
Folha de ouro de lei – Folha de ouro cuja liga metálica contém
seu tratamento e/ou do conjunto, bem como das respetivas estru-
pelo menos 80% de ouro, o “toque do ouro” (quantidade de ouro)
turas de sustentação.
mínimo permitido por lei em Portugal para efeitos de contraste pela Imprensa Nacional Casa da Moeda. Tal corresponde a 19,2
Desvão da cobertura – Espaço compreendido entre o teto e a
quilates, ou 19,2 partes de ouro em 24 partes de liga metálica.
estrutura de suporte do telhado. Friso superior – Elemento decorativo que, sobre uma cornija ou Douramento – Técnica que consiste na aplicação de folha de ouro
sanca, integra o remate de uma parede.
em superfície previamente preparada. Pode ser feito a água, que permite o brunido, ou a mordente, utilizando um óleo secativo.
Frontispício – Parede que enquadra a abertura para a capela-mor, podendo apresentar uma estrutura mais ou menos complexa.
Embasamento – Ou base do retábulo, constitui o seu nível inferior, sendo por vezes designado como sotobanco.
Goma arábica – Secreção da acácia empregada em solução aquosa como aglutinante das cores dos guaches e aguarelas. É também
Embrechado – Técnica de pintura de fingidos que tem por objetivo
usada como adesivo.
imitar a Brecha da Arrábida, uma rocha ornamental proveniente da Península de Setúbal.
Goma-laca – Resina, de origem natural, usada como verniz, dissolvida em álcool e aplicada em finas camadas, formando uma película
Encolagem – Camada, geralmente à base de cola animal, aplicada
brilhante e resistente a choques mecânicos. Com o envelhecimen-
diretamente sobre a madeira, com a função de impermeabilização
to escurece.
e preparação da superfície que se destina a ser aparelhada. Grade de comunhão – Grade que separava o espaço do corpo da Ensamblagem – Designa o processo e/ou a ação de montagem do
igreja destinado ao clero e que permitia a administração da Comu-
conjunto de elementos que constituem a estrutura de talha.
nhão, a partir do presbitério.
Entablamento – A zona superior do retábulo, a qual integra o seu
Guarda-pó – Forro destinado a proteger a superfície da deposição
remate.
de poeiras.
Escoras – Estruturas de suporte e/ou de reforço temporário des-
Guarda-vento – Anteparo em madeira que protege um espaço
tinadas unicamente a assegurar a sustentação de uma estrutura
interior do vento.
durante a intervenção de conservação e restauro. Inseto xilófago – Inseto que, como o nome indica, consome maEsgrafitado – Técnica de decoração que consiste em raspar, com
deira.
um estilete, uma superfície que apresenta cores aplicadas em camadas sobrepostas, retirando a última, de forma a deixar a folha
Intradorso – O forro do arco, ou a sua face interna.
metálica à vista, formando um padrão decorativo. Janela termal – Abertura semicircular localizada nas proximidades Estofado – Técnica de policromia onde as cores são aplicadas em
das abóbadas e que deve a sua designação à sua utilização nas
camadas sobrepostas ou justapostas, sobre a superfície anterior-
Termas de Caracala na Roma Antiga.
mente dourada ou prateada, imitando tecidos como os brocados ou adamascados.
Janelas de limpeza – Procedimento que consiste na delimitação de uma pequena zona para realização de testes de limpeza e avaliação
Faceamento (“Facing”) – Operação que visa a proteção temporá-
dos respetivos resultados, permitindo aferir a melhor metodologia
ria de uma superfície pela aplicação de um material fibroso, fino e
de intervenção.
flexível (tecido ou papel) através de um adesivo adequado às suas características.
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Lacunas – Locais onde se verifica a ausência de camadas de re-
Material biológico – Material produzido por seres vivos, tais como
vestimento de uma superfície ou suporte. As lacunas com perda
excrementos e outros vestígios da atividade de animais ou plantas,
volumétrica designam a ausência ou perda total ou parcial de ele-
bem como comunidades de fungos.
mentos formais. Meia-madeira – Técnica de ensamblagem que consiste no corte Lajeado – Pavimento constituído por lajes de pedra.
até meia altura da peça, e respetivo entalhe.
Lambrequins – Pendentes realizados em talha que, numa sanefa
Micas – Denominação genérica de minerais do grupo dos filos-
ou baldaquino, se sobrepõem aos cortinados. Tal como os cortina-
silicatos. Apresentam grande variedade de cores e matizes de as-
dos, são interpretações escultóricas de elementos originalmente
peto brilhante, possuindo um comportamento estável no processo
em tecido.
de envelhecimento, ao contrário das purpurinas, pelo que são utilizadas em conservação e restauro na reintegração cromática.
Limpeza físico-química – Segundo nível de intervenção de limpeza, que se sucede à limpeza mecânica, e que tem por base a ação
Mísula – Ou peanha, elemento de suporte saliente numa super-
de agentes químicos (previamente testados) e de agentes físicos,
fície murária.
tais como a ação do calor, destinando-se à remoção de sujidades ou acrescentos que desvirtuem o aspeto ou integridade originais
Mordente (douramento) – Técnica de douramento que consiste
do objeto.
na aplicação da folha de ouro com um óleo secativo fervido com pigmentos finamente moídos, originando um acabamento menos
Limpeza mecânica – Primeiro nível da intervenção de limpeza no
brilhante e mais mate.
qual são removidas as partículas soltas depositadas na superfície, bem como o entulho e outros detritos. Embora, em alguns casos,
Observação com luz ultravioleta – Técnica de observação que
possam ser aplicados compostos químicos para auxiliar a ação, a
permite registar a radiação emitida pelos materiais quando expos-
limpeza mecânica realiza-se com instrumentos como trinchas, es-
tos à radiação de espectro ultravioleta. Dado que estas proprieda-
covas ou aspiração controlada.
des se alteram com o envelhecimento de forma diferenciada para os diversos materiais, esta técnica permite perceber descontinui-
Locutório – Uma das estruturas dos conventos e dos mosteiros
dades e/ou sobreposição de camadas.
destinadas à comunicação entre a comunidade de religiosos/as e o exterior. Estes espaços permitiam conversações entre a comuni-
Panejamento – Conjunto de tecidos que constituem o vestuário
dade e os visitantes exteriores através de aberturas com grades.
das representações de figuras, podendo as suas pregas produzir efeitos decorativos.
Madeira de castanho – Madeira relativamente durável, de moderada resistência à ação de alguns insetos xilófagos, proveniente
Papel japonês – Papel produzido no Japão que apresenta pH neu-
do castanheiro e utilizada em estruturas de suporte ou estruturas
tro e é especialmente resistente e durável graças à utilização de
decorativas.
fibras longas.
Manta sintética – Manta em material sintético, estável e resistente
Patine – Ou pátina, corresponde à alteração cromática de uma
(geotêxtil) destinada a proteger uma superfície do contacto com
superfície pela exposição prolongada aos elementos. Uma vez que
elementos auxiliares aos procedimentos de conservação e restau-
se trata de uma alteração progressiva, a utilização de materiais re-
ro, tais como escoras ou estruturas de suporte temporárias.
centes é evidenciada pela ausência desta alteração natural.
Marmoreado – Técnica de pintura de imitação que se destinava
Patologias – Problemas, ou anomalias, verificados nos materiais,
a imitar as características das rochas ornamentais de diverso tipo,
superfícies ou estruturas a intervencionar do ponto de vista de
nomeadamente mármores.
conservação e restauro.
Massa sintética – Massa de origem industrial cuja composição lhe
Perdas volumétricas – Ver lacunas.
garante um comportamento estável e não intrusivo que é utilizada, geralmente, para o preenchimento de irregularidades e lacunas
Pilastra – Correspondente nas arquiteturas de revestimento à co-
de menores dimensões nas superfícies ou camadas intermédias. A
luna ou pilar, embora não possua funções de suporte.
sua utilização precede a reintegração dos revestimentos, tais como Pintura subjacente – Camada de pintura preexistente que, por
pintura ou douramento.
sobreposição de camadas, se localiza sob a camada atual. Pode Material adesivo – Material destinado a consolidar elementos de
encontrar-se oculta por novas camadas de revestimento (repolicro-
uma superfície, fixando-os. Embora com diferentes composições,
mias) ou por justaposição de novas estruturas.
que variam consoante a situação, a sua função assemelha-se à das colas de uso corrente.
Policromia – Designa a camada de pintura em múltiplas cores.
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353
Pulverulento – Coberto de pó ou degradando-se em pó.
Técnica mimética – Técnica de imitação da superfície original, nas suas cores e efeitos plásticos, utilizada na reintegração cromática.
Puncionado – Técnica decorativa tendo por base marcas feitas com um punção, produzindo delineamentos ou padrões. É uti-
Tela barreira de vapor – Manta sintética destinada a proteger su-
lizada, geralmente, para a imitação de tecidos, ou estofados. As
perfície e materiais da ação da humidade.
marcas podem ter diversas formas, consoante a ponta do punção martelado sobre a folha metálica deixada à vista.
Têmpera – Técnica de pintura em que os pigmentos são misturados com cola animal, goma arábica ou ovo e dissolvidos em água.
Reboco – Camada de revestimento das paredes, geralmente em argamassa de cal e areia ou saibro.
Tensioativo – Agente ou elemento que, numa solução, se destina a diminuir a tensão da superfície e permitir uma melhor absorção
Reconstituições volumétricas – Conjunto de procedimentos des-
do composto.
tinados a reconstituir ou completar os volumes em falta numa superfície ou estrutura.
Tocheiro – Elemento destinado a receber luminárias funcionando como castiçal. Quando integra a imagem de um anjo, o mesmo
Reintegração cromática – Conjunto de procedimentos destinados
recebe a designação de anjo tocheiro.
a conferir harmonização estética ao conjunto, reconstituindo uma parte perdida. Realiza-se exclusivamente nas zonas de lacunas
Tramo – Porção de uma abóbada compreendida entre dois pontos
existentes. Pode aplicar-se a superfícies douradas ou pintadas ou
de apoio (pilares, colunas ou contrafortes).
mesmo na harmonização de patines de envelhecimento. Tratamento estrutural – Procedimento que se destina a reforçar Repinte – Aplicação de nova camada de pintura com o objetivo de
a estabilidade, solidez e resistência de uma estrutura através do
ocultar danos, de igualar reintegrações ou de modificar uma obra
tratamento das suas patologias e/ou da aplicação de novas estru-
realizada anteriormente, modificando as cores e mesmo a compo-
turas de apoio.
sição original. “Trattegio” – Técnica utilizada na reintegração cromática que conRepolicromia – Aplicação de nova policromia a uma peça com o
siste na aplicação das camadas de tinta em traços finos e justapos-
objetivo de a adaptar aos novos gostos de uma determinada época.
tos adaptados na cor e na espessura ao efeito da pintura original. Embora visíveis numa observação de proximidade, os traços desa-
Resina epóxida – Tipo de resina sintética que endurece quando
parecem com um olhar mais distante, permitindo assim devolver a
misturada com um agente catalisador ou endurecedor.
leitura ao conjunto.
Resina sintética – Material sintético com propriedades semelhan-
Tribuna – No caso dos retábulos, a tribuna designa geralmente
tes às das resinas naturais.
um nicho profundo, localizado na parte central, onde é colocado o trono eucarístico.
Resplendor – Elemento em materiais diversos (neste caso, em talha dourada), destinado a representar os raios de luz que emanam
“Trompe l’oeil” – Expressão de origem francesa, que se traduz
de um elemento sagrado, semelhante a um nimbo ou auréola na
literalmente por “ilude o olho”, aplicada para a generalidade das
pintura.
técnicas de pintura ilusionista, baseadas na criação de elementos tridimensionais em ilusão de ótica.
Roda – Estrutura de comunicação com o exterior do convento ou mosteiro, tendo por função a entrega de bens à comunidade a par-
"Vermeil" – Técnica de decoração a pincel de origem francesa, sur-
tir do exterior.
gida no século XVII, e igualmente empregue em Espanha, onde recebe a designação de “bronceado”, e em Portugal, onde a do-
Sancas – Elemento saliente que articula uma parede com um teto.
cumentação parece apontar o possível uso do termo “foscado”,
Por extensão, uma moldura saliente de uma parede.
consistindo na aplicação de um corante, ou pigmento, tipicamente avermelhado, contribuindo para dar cor e criar efeito mate.
Sanefa – Elemento em madeira ou em pano, de altura reduzida, que suporta a parte superior dos cortinados. No caso das sanefas
“Vieux chêne” – Corante para madeira, que, como o nome indica,
de talha, são realizadas em madeira e podem receber cortinados
imita a madeira de carvalho envelhecida.
verdadeiros ou serem imitações de panos. Solução aquosa – Solução na qual o solvente é a água. Tardoz – A face posterior de um elemento, tal como o azulejo ou as estruturas em talha, designando a face oposta à face exposta ou visível.
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CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Referência: DRCN-DSBC-DO/2018/26
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Referência: DRCN-DSBC-DO/2017/80
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ROTEIRO DE IMAGINÁ R I A
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1 Santo Elesbão
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 118 x 56 x 34
2 Anjo
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 85 x 57 x 20
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3 Nossa Senhora do Carmo
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 136 x 50 x 24
4 Anjo
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 85 x 47 x 20
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5 Santa Ifigénia
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 120 x 52 x 34
6 Anjo Custódio
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 77 x 38 x 20
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7 Anjo
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 85 x 60 x 24
8 João Evangelista
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 133 x 63 x 25
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9 Anjo
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 95 x 55 x 19
10 São Salvador de Horta
Cronologia: Século XVIII (1ª metade) Dimensões (A x L x P em cm): 70 x 45 x 30
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11 São José
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 108 x 45 x 28
12 Nossa Senhora da Conceição
Cronologia: Século XVII (2ª metade) Dimensões (A x L x P em cm): 162 x 63 x 39
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
369
13 Arcanjo São Miguel
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 130 x 60 x 40
14 São Domingos
Cronologia: Século XVIII (2º quartel) Dimensões (A x L x P em cm): 168 x 75 x 52
370
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15 Santa Luzia
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 110 x 50 x 36
16 São Vicente Mártir
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 100 x 40 x 28
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17 São Francisco de Assis
Cronologia: Século XVIII (2º quartel) Dimensões (A x L x P em cm): 151 x 54 x 46
18 Santa Clara
Cronologia: Século XVIII (2º quartel) Dimensões (A x L x P em cm): 153 x 56 x 48
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19 São Brás
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 108 x 43 x 30
20 São Gonçalo de Amarante
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 105 x 38 x 26
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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21 São Gregório Magno
Cronologia: Século XVIII (2º quartel) Dimensões (A x L x P em cm): 156 x 70 x 46
22 São Pedro
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 79 x 35 x 25
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23 São Bernardo de Claraval
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 75 x 37 x 26
24 Cabeça-Relicário de São João Batista
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 22 x 16 x 15
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25 São João Batista
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 130 x 47 x 26
26 Santo António
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 91 x 40 x 24
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27 São Joaquim, a Virgem e o Menino Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 75 x 37 x 28
28 Santa Ana, a Virgem e o Menino (Santas Mães ou Santa Ana Tríplice) Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 79 x 50 x 22
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29 Nossa Senhora da Lapa
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 103 x 44 x 22
30 Anjo
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 64 x 30 x 28
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31 Menino Jesus
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 113 x 52 x 27
32 Anjo
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 64 x 30 x 28
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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33 São Luís Bispo
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 112 x 35 x 22
34 São Bento
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 112 x 44 x 22
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35 Sagrada Família (Nossa Senhora)
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 86 x 34 x 23
36 Sagrada Família (Menino Jesus)
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 50 x 30 x 18
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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37 Sagrada Família (São José)
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 87 x 35 x 22
38 Menino Jesus Salvador do Mundo Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 79 x 26 x 24
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39 Santa Escolástica
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 112 x 46 x 24
40 Santa Isabel de Portugal
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 96 x 35 x 26
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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41 Calvário (Nossa Senhora, Santa Maria Madelena e São João Evangelista)
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 146 x 134 x 24
42 Calvário (Nossa Senhora)
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 120 x 42 x 12
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43 Calvário (São João Evangelista)
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 116 x 46 x 12
44 São Caetano
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 103 x 32 x 26
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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45 Cristo Morto (Cristo no Sepulcro)
Cronologia: Século XVIII Dimensões (A x L x P em cm): 175 x 30 x 28
46 Nossa Senhora da Piedade
Cronologia: Século XVII Dimensões (A x L x P em cm): 90 x 82 x 14
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COLEÇÃO
Património a Nor te Edição da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), PATRIMÓNIO A NORTE é uma coleção monográfica, numerada, sem periodicidade fixa, disponível em versão impressa e digital, acessível gratuitamente online (www.culturanorte.gov.pt). Destinada a técnicos e público generalista, aborda variados temas dentro do amplo universo de atuação da DRCN, da reabilitação patrimonial à conservação e restauro, da investigação histórica, arqueológica e etnológica à salvaguarda, das artes à museologia.
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Nº 01
Nº 02
“10 anos de reflexão sobre Casasmuseu em Portugal” reúne 7 textos de sete autores, que tentam sintetizar 9 encontros de reflexão e debate sob o tema Casas-museu, realizados em Portugal desde 2010 sob a égide do ICOM - International Council of Museums – Portugal e o DEMHIST International committee for historic house museums. Decorridos em 9 espaços de referência do atual panorama museológico português, estes encontros constituíram uma oportunidade privilegiada de reunir profissionais das mais variadas especialidades dentro do universo museológico, não só português, mas igualmente internacional. Indo para além do clássico formato de atas, tenta no seu conjunto trazer reflexões atuais sobre o tema, diversificando abordagens, experiências e perspetivas.
“A Pintura Mural no Museu de Alberto Sampaio” apresenta com rigor cientifico e de forma acessível a coleção de 10 pinturas murais de século XVI hoje integradas no Museu de Alberto Sampaio, em Guimarães. Sendo possível ao público apreciar 8 destas pinturas murais na “Sala dos Frescos” do Museu de Alberto Sampaio, este estudo inclui ainda pinturas menos conhecidas, conservadas nas reservas do museu. Inicialmente pintadas em paredes de igrejas e casas religiosas, o destacamento destas pinturas murais dos seus locais originais e posterior integração no Museu de Alberto Sampaio, enquanto peças museológicas, é o mote para uma abordagem ampla aos seus contextos de proveniência e à sua integração no panorama geral da pintura mural no Norte de Portugal, abordando técnicas, estilos, oficinas, encomendadores e as lógicas religiosas e de poder por trás da sua produção e do seu significado.
Nº 03
Nº 04
“Centros Interpretativos: técnicas, espaços, conceitos e discursos” reúne textos de apresentação de alguns dos mais significativos centros interpretativos do Norte de Portugal. Espaços estruturados de apoio à interpretação, medeiam objetos tão diversificados como monumentos, territórios, vivências, tradições, fenómenos socioculturais, acontecimentos históricos ou personalidades. Aqui explicados na “primeira pessoa” pelos decisores e equipas técnicas responsáveis pela sua conceptualização, desenho e materialização, disponibiliza numa só publicação uma síntese de saberes e experiências, tão pertinente quanto necessária, num período em que este tipo de espaço de interpretação se impôs já como modelo privilegiado nas mais diversas temáticas na área da Cultura, Património, Artes e Turismo-cultural.
“Pintura Mural: intervenções de conservação e restauro” reúne um excecional conjunto de intervenções de conservação e restauro sobre pintura mural realizadas no Norte de Portugal e Espanha. Inseridas em igrejas, capelas e ermitérios de ambos os lados da fronteira, os aspetos simbólicos, técnicos e formais destas pinturas murais expõem um fenómeno transversal aos dois “reinos” ibéricos, com especial expressão junto à “raia”, revelando um mundo de partilha onde artífices itinerantes levam consigo práticas e gostos, ignorando fronteiras. Aqui descritas na “primeira pessoa” pelos técnicos de conservação e restauro responsáveis, partilham-se problemáticas, conceitos, materiais e técnicas em ambas as línguas ibéricas.
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Nº 05
Nº 06
“Mediação Cultural: objetos, modelos e públicos” reúne textos de alguns dos mais significativos equipamentos culturais da região Norte de Portugal, que aqui são desafiados a apresentar, “na primeira pessoa”, a sua atuação na área da mediação cultural. Espaços, meios, estratégias, equipas e públicos são abordados numa lógica de partilha de experiência e conhecimento, versando áreas de aplicação tão diversas quanto História, Arte Antiga, Contemporânea ou Rupestre -, Território, Arquitetura, teatro ou Ciência. Procurando partilhar tanto quanto provocar o debate, o diálogo é desde logo aberto com um acutilante texto de reflexão por Guilherme d’Oliveira Martins: “Todas as pessoas têm o direito de se implicar e de participar na valorização do património cultural, segundo as suas escolhas, como modo de assegurar o direito a tomar parte livremente na vida cultural. Daí a importância da mediação cultural, ou seja, de promover e aprofundar a participação dos cidadãos na gestão e preservação do património”.
“Tongobriga: coletânea de estudos comemorativos de 40 anos de investigação” reúne um conjunto de treze contributos de dezasseis autores que, agrupados em três grandes áreas de atuação (“Investigação Científica”, “Formação Profissional” e “Mediação Cultural”), celebram as principais vertentes de atuação do serviço que a Direção Regional de Cultura do Norte tem instalado na Área Arqueológica do Freixo (Marco de Canaveses), classificada como Monumento Nacional desde 1986. Quatro décadas decorridas sobre o início, em agosto de 1980, da investigação que, desde logo, proporcionou e justificou o desenvolvimento das outras duas áreas preferenciais de ação, os contributos aqui reunidos estão naturalmente focados nos anos mais recentes e assumem diferentes formas e distintos conteúdos: da síntese histórica à perspetiva futura, da experiência vivida à projeção de um horizonte distante, do discurso expositivo à expressividade da imagem, do relato sobre aquilo que foi feito à expressão do desejo de concretizar o muito que ainda está por fazer.
Nº 07
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“Convento de Vilar de Frades: perspetivas de intervenção 19942008” convida o leitor a revisitar o processo de reabilitação de um dos mais icónicos Monumentos Nacionais da região Norte de Portugal. Numa lógica de partilha de experiências, alguns dos seus principais intervenientes são desafiados a expor conceitos, opções e resultados em áreas como História, História da Arte, Arqueologia, Arquitetura e Conservação e Restauro, abordando o percurso feito através das fases de estudo prévio, projeto e restauro de edifícios, azulejaria, pintura e mobiliário. O lugar de referência ocupado por este icónico convento é ainda o pretexto perfeito para uma incisiva reflexão de Paulo Pereira sobre a atualidade do “Património Monástico” enquanto herança cultural – as escolhas do passado e as opções do futuro.
“Cinema: espaços, estudos, instituições e património” proporciona ao leitor uma visão de conjunto do panorama atual do universo da “sétima arte” em Portugal, com enfoque na região Norte. Investigadores, entidades reguladoras, gestoras e de ensino, cineclubes e museus são convidados a abordar temas como as salas de cinema, imprensa da especialidade, conservação, patrimonialização, reabilitação, musealização, associativismo, ensino, produção, divulgação e consumo. Profusamente ilustrada com centenas de desenhos, fotografias, reproduções, fotogramas, vídeos e visitas virtuais, conta com especial colaboração dos principais arquivos nacionais e salas de cinema.
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Esta publicação inclui a oferta de óculos de realidade virtual
Nº 10
“Pintura mural: a raia transmontana no século XVI” identifica, descreve e caracteriza formal e tecnicamente 35 dos principais núcleos de pintura mural do nordeste de Portugal. Distribuídos por 4 concelhos - Miranda do Douro, Mogadouro, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo -, com paralelos formais e estilísticos na “raia” espanhola, o leitor é levado a conhecer os locais, as técnicas, as “oficinas”, a estética, a simbologia e o imaginário associado a este fenómeno cultural, artístico, religioso e popular tão marcante da “raia” transmontana de século XVI, constituindo-se hoje como uma das maiores heranças culturais comuns entre Portugal e Espanha.
“Convento de Santa Clara do Porto: História e Património” aborda este icónico Monumento Nacional da cidade do Porto nas perspetivas histórica e patrimonial. Convento feminino franciscano, da fundação em 1416 à extinção em 1834, o leitor é levado a conhecer o edifício e a sua evolução construtiva e estilística, incluindo os seus principais artificies, a vivência diária da comunidade religiosa e a sua relação com a cidade. De casa religiosa a herança cultural e ícone turístico da cidade do Porto, inspiração literária, objeto de estudo histórico e artístico, referência do barroco português e exemplar maior da talha nacional, a intervenção de conservação e restauro realizada entre 2019 e 2021 é o mote para a apresentação dos resultados de 2 anos de investigação, da autoria dos historiadores da arte Ana Cristina Sousa e Nuno Resende, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Nº 10 . 2021
Nº 09
Esta publicação inclui um tubo porta desenhos com ilustrações em formato A3
Inclui documentário on-line “Convento de Santa Clara do Porto: História e Património” com apresentação de Mário Augusto
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CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
VISITAS VIRTUAIS
parceria www.arquitetura360.pt
colecção PATRIMÓNIO A NORTE
Para uma experiência imersiva das visitas virtuais disponibilizadas, utilize óculos VR (virtual Reality)
Centro Interpretativo do Castelo de Guimarães Guimarães GPS 41.447889, -8.290334
Mosteiro de Santa Maria de Salzedas Tarouca GPS 41.0546361, -7.7256082
Mosteiro de São João de Tarouca Tarouca GPS 40.99575, -7.7483444
Convento de Santo António de Ferreirim Lamego GPS 41.052588, -7.775415
Centro de Interpretação do Românico Lousada GPS 41.278567, -8.283357
Tongobriga Marco de Canaveses GPS 41.161600, -8.147180
Centro Interpretativo do Vale do Tua Carrazeda de Ansiães GPS 41°12’25.7″, -7°25’10.2″
Casa da Memória Guimarães GPS 41.4420443, -8.2931302
Mosteiro de São Martinho de Tibães Braga GPS 41.555895, -8.479021
Museu de Alberto Sampaio Guimarães GPS 41.442609, -8.292255
Fundação de Serralves Porto GPS 41.159728, -8.659930
Centro de Interpretação da Cultura Sefardita do Nordeste Transmontano Bragança GPS 41.806040, -6.755918
CONV E NTO DE SA NTA CL A R A DO PORTO: CONSE RVAÇÃO E R E STAURO
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Museu do Douro Peso da Régua GPS 41.161646, -7.789954
Fundação Côa Parque Museu do Côa Vila Nova de Foz Côa GPS 41.080006, -7.111904
Casa da Arquitetura Matosinhos GPS 41.178405, -8.686878
Casa da Música Porto GPS 41.158761, -8.630723
Teatro Nacional São João Porto GPS 41.144612, -8.607457
Galeria da Biodiversidade Porto GPS 41.153633, -8.642540
Convento de Vilar de Frades Barcelos, Braga GPS 41° 32’ 25”, -8° 33’ 23”
Coliseu Porto Ageas Porto GPS 41.146902, -8.605639
Cinema Trindade Porto GPS 41.150500, -8.611982
Teatro Sá da Bandeira Porto GPS 41.146805, -8.608901
Cinema Passos Manuel Porto GPS 41.146902, -8.605639
Teatro Municipal do Porto (Rivoli) GPS 41.147757, -8.609533
Cinema São Jorge Lisboa GPS 41.158761, -8.630723
Duas Igrejas - Igreja de Santa Eufêmia Miranda do Douro GPS 41.473636, -6.356554
Duas Igrejas - Igreja de Nossa Senhora do Monte Miranda do Douro GPS 41.469000, -6.350424
CO N V E N TO DE SA N TA C L A RA D O P O RTO : CO N S E RVAÇÃO E R E STAURO
Fonte de Aldeia - Capela da Santíssima Trindade Miranda do Douro GPS 41.428060, -6.406822
Malhadas - Igreja de Nossa Senhora da Expectação Miranda do Douro GPS 41.543245, -6.326374
Picote - Capela de Santo Cristo dos Carrascos Miranda do Douro GPS 41.400612, -6.364372
Sendim-Picote - Ermitério Os Santos Miranda do Douro GPS 41.38906, -6.39527
Azinhoso - Igreja de Santa Maria/ Nossa Senhora da Natividade Mogadouro GPS 41.384084, -6.684362
Castro Vicente - Capela de Santo Cristo Mogadouro GPS 41.376019, -6.829201
São Martinho do Peso - Igreja de São Martinho Mogadouro GPS 41.422904, -6.616801
Legoinha - Ermida de Santo Amaro Alfândega da Fé GPS 41.337388, -6.846638
Sendim da Ribeira - Capela do Divino Senhor dos Milagres Alfândega da Fé GPS 41.309080, -6.905991
Valpereiro - Ermida de São Geraldo Alfândega da Fé GPS 41.392104, -6.902434
Adeganha - Igreja de São Tiago Moncorvo GPS 41.274326, -7.049880
Larinho - Capela de Santa Luzia Moncorvo GPS 41.195814, -7.016854
Peredo dos Castelhanos Igreja de São Julião Moncorvo GPS 41.108460, -7.073921
Sequeiros - Igreja de Nossa Senhora da Teixeira Moncorvo GPS 41.149495, -7.068295
Teixeira - Igreja de São Bartolomeu Miranda do Douro GPS 41.446004, -6.505115
Convento de Santa Clara do Porto Porto GPS 41.142375, -8.609584
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DOCUMENTÁRIOS colecção PATRIMÓNIO A NORTE
Título original: Convento de Santa Clara: História e Património Género: Filme Documentário Apresentação: Mário Augusto Textos: Ana Cristina Sousa; Nuno Resende; Mário Augusto Promotor: Direção Regional de Cultura do Norte (MC) Produção: Cimbalino Filmes Formato: HD, Cor, Stereo Duração: 33'36'' Origem: Portugal, 2021
PROMOTOR
PARCERIA
APOIO
FINANCIAMENTO
Sinopse: Desde a sua fundação em 1416 até ao seu encerramento definitivo em 1900, o Convento de Santa Clara ajudou a moldar o Centro Histórico do Porto como hoje o conhecemos, reconhecido desde 1996 pela UNESCO como Património da Humanidade. Classificada como Monumento Nacional desde 1910, a igreja do extinto Convento de Santa Clara do Porto é apontada como um dos melhores e mais exuberantes exemplos da arte barroca joanina e da talha dourada portuguesa. Sujeita recentemente a uma ampla intervenção de conservação e restauro, esta foi o mote para a realização de uma profunda investigação histórica, incluindo a evolução construtiva dos edifícios, as várias campanhas decorativas, com destaque para o período barroco, a vivência quotidiana da comunidade religiosa, não esquecendo os diferentes significados que este convento feminino foi assumindo no imaginário portuense ao longo dos seus 600 anos de história. Integrada na publicação homónima, os resultados do estudo histórico realizado são agora passados a forma de documentário, com a apresentação de Mário Augusto.
Título original: Convento de Santa Clara: Conservação e Restauro Género: Filme Documentário Intervenientes: Adriana Amaral (DRCN-DSBC); Jorge da Costa (DRCN-DSBC); Catarina Santos (Revivis); Tânia Lopes (Conserv’arte); Ana Brito (Porto Restauro); Sílvia Rocha (Porto Restauro); Rita Veiga (Porto Restauro) Promotor: Direção Regional de Cultura do Norte (MC) Produção: Cimbalino Filmes Formato: HD, Cor, Stereo Duração: 30' 55'' Origem: Portugal, 2021
Sinopse: Classificada como Monumento Nacional desde 1910 e considerada um dos maiores exemplos da arte barroca joanina e da talha dourada portuguesa, a igreja do extinto Convento de Santa Clara do Porto foi alvo de uma das maiores intervenções de conservação e restauro realizadas em Portugal. Decorrida entre 2016 e 2021, todo o processo foi extensamente documentado, apresentando-se agora o resultado em formato de documentário. Contando com o testemunho de alguns dos principais técnicos responsáveis, são descritos na “primeira pessoa” os desafios e as soluções encontradas no longo percurso até à devolução deste icónico monumento histórico à cidade do Porto, a Portugal e ao mundo.
Edição da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), PATRIMÓNIO A NORTE é uma coleção monográfica, numerada, sem periodicidade fixa, disponível em versão impressa e digital, acessível gratuitamente on-line (www.culturanorte.gov.pt). Destinada a técnicos e público generalista, aborda variados temas dentro do amplo universo de atuação da DRCN, da reabilitação patrimonial à conservação e restauro, da investigação histórica, arqueológica e etnológica à salvaguarda, das artes à museologia.
PA RC E R I A
APOIO
FINANCIAMENTO
DN005047
DISPONÍVEL ONLINE www.culturanorte.gov.pt