N º 05 . 2020
www.culturanorte.gov.pt
Edição Direção Regional de Cultura do Norte .
“Mediação Cultural: objetos, modelos e públicos” reúne textos de alguns dos mais significativos equipamentos culturais da região Norte de Portugal, que aqui são desafiados a apresentar, “na primeira pessoa”, a sua atuação na área da mediação cultural. Espaços, meios, estratégias, equipas e públicos são abordados numa lógica de partilha de experiência e conhecimento, versando áreas de aplicação tão diversas quanto História, Arte Antiga, Contemporânea ou Rupestre -, Território, Arquitetura, teatro ou Ciência. Procurando partilhar tanto quanto provocar o debate, o diálogo é desde logo aberto com um acutilante texto de reflexão por Guilherme d’Oliveira Martins: “Todas as pessoas têm o direito de se implicar e de participar na valorização do património cultural, segundo as suas escolhas, como modo de assegurar o direito a tomar parte livremente na vida cultural. Daí a importância da mediação cultural, ou seja, de promover e aprofundar a participação dos cidadãos na gestão e preservação do património”.
Edição da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), PATRIMÓNIO A NORTE é uma coleção monográfica, numerada, sem periodicidade fixa, disponível em versão impressa e digital, acessível gratuitamente online (www.culturanorte.gov.pt). Destinada a técnicos e público generalista, aborda variados temas dentro do amplo universo de atuação da DRCN, da reabilitação patrimonial à conservação e restauro, da investigação histórica, arqueológica e etnológica à salvaguarda, das artes à museologia.
MEDIAÇÃO CULTURAL: OBJETOS, MODELOS E PÚBLICOS
F ICH A T ÉCN I C A Coleção Património a Norte N.º 05 Título “MEDIAÇÃO CULTURAL: OBJETOS, MODELOS E PÚBLICOS” Autores Ana Filipe ; Carla Barros ; Denise Pollini ; Guilherme d’Oliveira Martins ; Joaquim Loureiro ; Luís Mendonça ; Margarida Portugal ; Maria João Fonseca ; Natália Fauvrelle ; Nuno Ferrand de Almeida ; Nuno Valentim ; Patrícia Carla Silva Sampaio ; Paulo Farinha Marques ; Paulo Gusmão ; Pedro Sobrado ; Samuel Guimarães ; Sofia Figueiredo ; Sónia Cristina Torres da Silva ; Susana Gaudêncio Edição Direção Regional de Cultura do Norte – Ministério da Cultura Local de edição Porto Data de edição 2020 maio ISBN 978-989-54450-9-7 Direção António Ponte Coordenação editorial Luís Sebastian Fotografia Adriana Lopes ; Ana Paula Ferreira ; Anabela Trindade ; Andre Delhaye ; Alexandre Delmar ; António Jerónimo ; Artur Benarus ; Aurélio Paz dos Reis ; Carlos Mota ; Daniel Espírito Santo ; Egídio Santos ; Enara Teixeira ; Fernando Guerra ; Gilson Fernandes ; Isabel Leal ; Ivo Tavares ; João Botas ; João Messias ; João Tuna ; Joaquim Loureiro ; Jorge Inácio ; José Paulo Ruas ; Lara Jacinto ; Luís Ferreira Alves ; Luís Peixoto ; Marco Aurélio Peixoto ; Maria João Dias Costa ; Maria João Vasconcelos ; Mário Reis ; Miguel Sousa ; Natália Fauvrelle ; Paulo Oliveira ; Rui Cruz ; Susana Marques ; Susana Neves Ilustração Artur Matos ; Maria João Centenário ; Mário Reis ; Patrícia Sampaio ; Sónia Silva Design gráfico Companhia das Cores, Lda.
Disponível online em www.culturanorte.gov.pt
Os conteúdos dos textos e eventuais direitos das imagens utilizadas são da exclusiva responsabilidade do(s) respetivo(s) autor(es), quando aplicável.
PA RC E R I A
INDÍCE PATRIMÓNIO A NORTE
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EDITORIAL
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MEDIAÇÃO CULTURAL
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MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES
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MUSEU DE ALBERTO SAMPAIO
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FUNDAÇÃO DE SERRALVES
63
MUSEU DO DOURO
79
MUSEU DO CÔA
97
CASA DA MÚSICA
119
CASA DA ARQUITECTURA
141
TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO
161
GALERIA DA BIODIVERSIDADE
185
PAT R I M Ó N I O A N O R T E A Mediação Cultural assume-se hoje como uma das preocupações mais amplamente reconhecidas no domínio da ação de valorização do património cultural.
Para Jean Devallon, “mediação cultural pode ser definida, sem dúvida, a nível funcional. Este processo visa fazer o público aceder a obras (ou saberes) e a sua ação consiste em construir um interface entre esses dois universos, possivelmente, estranhos um ao outro (o do público e o, digamos, do objeto cultural) com o fim precisamente de permitir uma apropriação do segundo pelo primeiro” 1. A comunicação entre duas partes, uma emissora e outra recetora de uma mensagem que se constitui de conceitos relacionados com a Arte, com as práticas e expressões culturais de um povo, tendo permanentemente em conta a diversidade e individualidade dos estilos de vida, dos valores e das identidades, é essencial para o processo de patrimonialização, situando-se no âmbito da “educação não formal”, localizada na interseção de Cultura, Educação, Educação Continuada e Lazer. Os seus objetivos são tanto educacionais como recreativos ou cívicos. Atualmente, os processos de mediação assumem importância primordial nos modelos de conhecimento e valorização da cultura e do património cultural. A conservação e a valorização já não se verificam hoje somente na intervenção física nos edifícios e objetos, nem é uma obrigação exclusiva dos Estados ou dos técnicos do património. Ela tornou-se um processo de responsabilidade coletiva, que ganha dimensão à medida que as comunidades e os cidadãos em geral se apropriam dos bens culturais e patrimoniais como reflexo de um passado e de uma identidade coletiva através de novos processos de apropriação. Assim, a Mediação Cultural representa o imperativo essencial de dialética operando a transferência do singular para o coletivo e o sentido da mediação pretende constituir formas culturais de pertença e de sociabilidade conferindo-lhes uma linguagem, formas e usos pelos quais os atores da sociabilidade se apropriam dos objetos constitutivos da cultura fundando simbolicamente as estruturas políticas e institucionais do contrato social.
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ME D I AÇÃO C ULT URA L : O BJ ETO S , M O D ELO S E P ÚBL ICOS
Sophie Joli-Coeur defende que a Mediação Cultural é uma forma mais recente de elaborar atividades culturais - tanto em termos da prática profissional e da relação com o público como do discurso e da participação do Estado - por causa da sua importância política e cívica. Na verdade, a Mediação Cultural, tal como concebida pelos decisores políticos e trabalhadores culturais, visa o trabalho conjunto, quer ao nível do significado (vida com o pensamento), quer ao nível da convivência 2 . No momento em que este texto é escrito, grande parte do mundo encontra-se obrigado a um inédito confinamento social, em virtude da pandemia causada pela propagação do vírus COVID-19. As instituições culturais foram forçadas a encerrar as suas portas e redefinir os seus modelos de trabalho. Assim, nunca como hoje os processos e instrumentos de Mediação Cultural tiveram de ser reequacionados. Sentimos a necessidade de criar novos instrumentos que permitam “levar a casa” das pessoas a Cultura e o Património Cultural através de conteúdos digitais que permitam que os públicos continuem a relacionar-se e a valorizar o objeto cultural e patrimonial.
Os desafios são enormes, mas também as potencialidades, dependendo as respostas, mais do que nunca, da arte e do engenho de cada um de nós. Abril de 2020
António Ponte Diretor Regional de Cultura do Norte
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DEVALLON, Jean - A mediação: a comunicação em processo?. Prisma.com -
2
JOLI-CŒUR, Sophie (recherche et rédaction) - Définition des termes et des
Revista de Ciências e Tecnologias de Informação e Comunicação. Porto. 4 (2007)
concepts Lexique et bibliographie. Groupe de Recherche sur la Médiation Cultu-
4-37 (Publicação original em língua francesa: DEVALLON, Jean - La médiation: la
relle. Montréal. Mars (2007).
communication en procès?. Médiations & Médiateurs. 19 (2003). Tradução: Maria
(disponível em http://montreal.mediationculturelle.org/wp-content/
Rosário Saraiva; revisão: Maria Rosário Saraiva e Helena Santos.
uploads/2010/04/lexique_biblio_2007-2008.pdf)
(disponível em http://ojs.letras.up.pt/index.php/prismacom/article/ view/2100/3046)
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EDITORIAL
Intencionalmente, o N.º 05 da coleção editorial PATRIMÓNIO A NORTE, tendo por tema “Mediação Cultural: objetos, modelos e públicos”, vem dar seguimento e complementar a abordagem já ensaiada no seu N.º 03, dedicado aos “Centros Interpretativos: técnicas, espaços, conceitos e discursos”. Se no primeiro se deu enfoco ao papel concreto que os espaços de interpretação representam no mundo de hoje na área da Mediação Cultural, neste N.º 05 - “Mediação Cultural: objetos, modelos e públicos” procurou-se uma abordagem abrangente à multiplicidade de práticas atuais de mediação, quase ilimitada nas temáticas que media e nas estratégias a que recorre. No fundo continuamos em torno das mesmas questões fundamentais: Herança Cultural, Património Cultural, Memória Coletiva… para quê? Para quem? Como?
Entre Herança Cultural - ou Património Cultural, ou Memória Coletiva - e Fruição Pública coloca-se consensualmente a Mediação Cultural, entendida globalmente como ato de apoio à interpretação. Mas “como”? Que temas mediar? Para que públicos? Com que estratégias? Que perfis devem ter os mediadores? E afinal, onde começa e onde acaba o que se pode designar por “Mediação Cultural”? tem limites? Deve tê-los?
Neste sentido, este N.º 05 - “Mediação Cultural: objetos, modelos
e públicos” reúne textos de alguns dos mais significativos equipamentos culturais da região Norte de Portugal, aqui desafiados a apresentar “na primeira pessoa” a sua atuação na área da Mediação Cultural. Espaços, meios, estratégias, equipas e públicos são abordados numa lógica de partilha de experiência e conhecimento, versando áreas de aplicação tão diversas quanto História, Arte - Antiga, Contemporânea ou Rupestre -, Território, Arquitetura, Música, Teatro ou Ciência.
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ME D I AÇÃO C ULT URA L : O BJ ETO S , M O D ELO S E P ÚBL ICOS
Procurando partilhar tanto quanto provocar o debate, o diálogo é desde logo aberto com um acutilante texto de reflexão por Guilherme d’Oliveira Martins:
“Todas as pessoas têm o direito de se implicar e de participar na valorização do património cultural, segundo as suas escolhas, como modo de assegurar o direito a tomar parte livremente na vida cultural. Daí a importância da mediação cultural, ou seja, de promover e aprofundar a participação dos cidadãos na gestão e preservação do património”.
Uma vez mais, considerando o importante papel que os espaços desempenham nas estratégias e atividades descritas – sendo por vezes eles mesmo o objeto mediado -, considerou-se mais uma vez essencial disponibilizar ao leitor um acesso visual abrangente. Para esse efeito contamos novamente com a parceria do gabinete DETALHAR (www.detalhar.pt), permitindo ao leitor aceder, através do projeto ARQUITETURA360 (www. arquitetura360.pt), a “visitas virtuais” por fotografia 360º das áreas consideradas essenciais à compreensão dos textos. Neste ponto, impõe-se reiterar o agradecimento ao Arq. Carlos Sousa Pereira e à sua equipa.
Luís Sebastian Coordenador editorial (coleção PATRIMÓNIO A NORTE)
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1 MEDIAÇÃO CULTURA L
Guilherme d’Oliveira Martins
Administrador Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian gom@gulbenkian.pt Guilherme d’Oliveira Martins (Lisboa, 1952) é Administrador Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian e Presidente do Grande Conselho do Centro Nacional de Cultura, Coordenador Nacional do Ano Europeu do Património Cultural 2018 e Presidente do Conselho Fiscal da Caixa Geral de Depósitos, S.A. É Licenciado e Mestre em Direito, Professor Universitário Convidado, Doutor Honoris Causa pela Universidade Lusíada, pela Universidade Aberta e pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Foi Presidente do Tribunal de Contas (2005-2015). Nos Governos de Portugal foi, sucessivamente, Secretário de Estado da Administração Educativa (1995-1999), Ministro da Educação (1999-2000), Ministro da Presidência (2000-2002) e Ministro das Finanças (20012002). Foi Presidente da SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (19851995) e Vice-Presidente da Comissão Nacional da UNESCO (1988-1994). Foi Presidente da Comissão do Conselho da Europa que elaborou a Convenção de Faro sobre o valor do Património Cultural na sociedade contemporânea [Faro, (Portugal) 27 de outubro de 2005]. Foi Presidente da EUROSAI – Organização das Instituições Superiores de Controlo das Finanças Públicas da Europa (2011-2014) e Presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção (2008-2015).
Mediação Cultural
Só uma noção de património cultural dinâmica, envolvendo herança, memória e criação contemporânea, humanidades e tecnologias, pode fundamentar um projeto político baseado na democracia, nos direitos humanos, na educação, na ciência e na cultura, na paz, no desenvolvimento e no respeito das diferenças – em suma, na dignidade humana. Se virmos bem, quando consideramos o património cultural não estamos a falar do passado, mas dos desafios presentes e futuros. E se os populismos se centram na suposta defesa do que é próprio contra a ameaça das diferenças e fazem renascer os fantasmas dos nacionalismos, a verdade é que a História nos ensina que a decadência dos povos começa e desenvolve-se sempre que as identidades culturais se fecham, se tornam defensivas e caem na tentação de se afirmar como superiores ou autossuficientes. Assírios, Persas, Gregos e Romanos fazem parte da lista conhecida… E lembramos as trágicas ascensões e quedas do século XX…
Segundo a Convenção Quadro do Conselho da Europa sobre o Valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea, assinada em Faro em outubro de 2005: “o património cultural constitui um conjunto de recursos herdados do passado que as pessoas identificam, independentemente do regime de propriedade dos bens, como um reflexo e expressão dos seus valores, crenças, saberes e tradições em permanente evolução inclui todos os aspetos do meio ambiente resultantes da interação entre as pessoas e os lugares através do tempo”. Em complemento: “uma comunidade patrimonial é composta por pessoas que valorizam determinados aspetos do património cultural que desejam, através da iniciativa pública, manter e transmitir às gerações futuras”. Note-se que não foi fácil chegar a este último conceito, já que se tratava de ligar a singularidade e a comunidade, evitando o fechamento ou a absolutização. Trata-se de valorizar determinados aspetos, sem a tentação de os considerar fora de uma relação de igualdade e de respeito.
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Impõe-se, pois, o reconhecimento mútuo do património inerente às diversas tradições culturais que coexistem no continente e uma responsabilidade moral partilhada na transmissão do património às futuras gerações. E não esqueçamos “o contributo do património cultural para a sociedade e o desenvolvimento humano”, no sentido de incentivar o diálogo intercultural, o respeito mútuo e a paz, a melhoria da qualidade de vida e a adoção de critérios de uso durável dos recursos culturais do território. Daí a importância da “cooperação responsável” na sociedade contemporânea, através da ação conjugada dos poderes públicos, do mundo da economia e do voluntariado. O património comum abrange “todas as formas de património cultural na Europa que, no seu conjunto, constituam uma fonte partilhada de memória, compreensão, identidade, coesão e criatividade”, bem como “os ideais, princípios e valores resultantes da experiência adquirida com progressos e conflitos passados, que favoreçam o desenvolvimento de uma sociedade pacífica e estável, baseada no respeito dos direitos do homem, da democracia e do Estado de direito”. A partilha da memória, do entendimento, da personalidade, da coesão e da capacidade criadora ligam-se à regulação pacífica dos conflitos, ao enriquecimento pela troca e à realização da democracia.
Os direitos fundamentais, as responsabilidades e as consequências em termos de políticas públicas devem assim ser assumidas por todos, na medida dos direitos individuais e dos interesses próprios, envolvendo “a responsabilidade de respeitar quer o património cultural dos outros quer o seu próprio património e, consequentemente, o património comum”, só podendo o exercício do direito ao património cultural ser sujeito “às restrições que são necessárias numa sociedade democrática para a proteção do interesse público e dos direitos e liberdades de outrem”. Assim os signatários da Convenção comprometem-se a: “reconhecer o interesse público inerente aos elementos do património cultural em função da sua importância para a sociedade”; “valorizar o património cultural através da sua identificação, estudo, interpretação, proteção, conservação e apresentação”; “assegurar (…) a existência de medidas legislativas para o exercício do direito ao património cultural”; “favorecer um ambiente económico e social propício à participação nas atividades relativas ao património cultural”; “promover a proteção do património cultural como elemento central dos objetivos conjugados do desenvolvimento sustentável, da diversidade cultural e da criação contemporânea”; “reconhecer o valor do património cultural situado em territórios sob a sua jurisdição, independentemente da sua origem”; “formular estratégias integradas destinadas a facilitar o cumprimento do disposto” na Convenção de Faro. Há, pois, uma responsabilidade de serviço público, a partilhar pelo Estado e pela sociedade, que deve ser garantida, em nome de direitos e deveres. A qualidade de vida, a sustentabilidade, o valor económico e o desenvolvimento humano têm, assim, de estar bem presentes.
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A esta luz se entende o apelo da Convenção de Faro à “reflexão sobre a ética e sobre os métodos de apresentação do património cultural, bem como o respeito pela diversidade de interpretações”, aos “processos de conciliação a fim de gerir, de modo equitativo, as situações em que são atribuídos valores contraditórios ao mesmo património cultural por diferentes comunidades”, ao “conhecimento do património cultural como um modo de facilitar a coexistência pacífica, promovendo a confiança e compreensão mútua, tendo em vista a resolução e prevenção de conflitos” e à integração destes desígnios “em todos os aspetos da educação e formação ao longo da vida”. E tudo isto se liga ao enriquecimento dos “processos de desenvolvimento económico, político, social e cultural”, bem como ao ordenamento do território, aos estudos de impacto do património cultural e às estratégias de redução dos danos. Deve ainda acrescentar-se a promoção de “uma abordagem integrada das políticas relativas à diversidade cultural, biológica, geológica e paisagística tendo em vista a obtenção de um equilíbrio entre estes elementos”, de reforço da coesão social de uma responsabilidade partilhada face ao espaço de vida em comum e de promoção da “qualidade nos elementos contemporâneos inseridos no ambiente”. Impõe-se, assim, o respeito da integridade do património cultural, com compreensão dos valores culturais que lhe são inerentes, uma gestão sustentável e a salvaguarda das necessidades específicas da conservação, a utilização de materiais, técnicas e aptidões tradicionais e explorar as suas potencialidades para aplicações contemporâneas, sempre com uma “elevada qualidade nas intervenções através dos sistemas de qualificação e acreditação profissionais das pessoas, das empresas e das instituições”. A relação do património cultural com a atividade económica não pode deste modo ficar-se por considerações simplistas de custo e benefício de curto prazo, devendo entender sempre a criação de valor, compreensão das potencialidades e a sua projeção no longo prazo. Daí a necessidade, expressamente referida na Convenção, de “aumentar a informação sobre as potencialidades económicas do património cultural, bem como a sua utilização”; de “ter em conta o carácter específico e os interesses do património cultural na conceção das políticas económicas”; e de “velar por que essas políticas respeitem a integridade do património cultural sem pôr em causa os valores que lhe são inerentes”. Como conceber as políticas públicas do património cultural? Antes do mais promovendo “uma abordagem integrada e bem informada pelas autoridades públicas em todos os sectores e a todos os níveis”, desenvolver os quadros jurídicos, financeiros e profissionais que permitam uma ação concertada das autoridades públicas, dos peritos, dos proprietários, dos investidores, das organizações não-governamentais e da sociedade civil em geral. Mas ainda, importa “desenvolver métodos inovadores para a cooperação das autoridades públicas com outros agentes”, “respeitar e encorajar iniciativas voluntárias complementares à missão das autoridades públicas”, bem como “encorajar as organizações não governamentais interessadas na conservação do património a atuarem no interesse público”. Do mesmo modo a participação cívica é essencial, nos mais diversos domínios: identificação, estudo, interpretação, proteção, conservação e apresentação, na reflexão
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e debate públicos sobre as oportunidades e os desafios. Não pode ainda esquecer-se “o valor atribuído ao património cultural com o qual se identificam as diferentes comunidades patrimoniais”, o papel das organizações sem fins lucrativos, como parceiros nas atividades desenvolvidas ou fatores de crítica construtiva das políticas de património cultural; e como agentes de melhoria no “acesso ao património, especialmente entre os jovens e pessoas desfavorecidas, a fim de aumentar a sensibilização sobre o seu valor, sobre a necessidade de o manter e preservar e sobre os benefícios dele derivados”.
Relativamente ao mundo do conhecimento e à sociedade de informação não pode deixar de se incluir a “dimensão patrimonial cultural em todos os níveis de ensino”, não como objeto de estudos específicos mas como meio de acesso a outros domínios do conhecimento, reforçando “a ligação entre o ensino no domínio do património cultural e a formação profissional”, encorajando “a investigação interdisciplinar sobre o património cultural, as comunidades patrimoniais, o ambiente e as suas relações, assim como a “formação profissional contínua e o intercâmbio de conhecimentos e de métodos” no ensino formal e na vida ativa. O desenvolvimento das tecnologias digitais deverá reforçar o acesso ao património cultural e aos benefícios que lhe são inerentes com “iniciativas que promovam a qualidade dos conteúdos e tendam a garantir a diversidade das línguas e culturas na sociedade da informação”, “normas compatíveis à escala internacional em matéria de estudo, conservação, valorização e segurança do património cultural, combatendo o tráfico ilícito no domínio dos bens culturais”. Urge ainda “suprimir os obstáculos no acesso à informação relativa ao património cultural, designadamente para fins pedagógicos”, com proteção dos direitos de propriedade intelectual. Contudo, a criação de conteúdos digitais em matéria de património não pode nem deve prejudicar a preservação do património existente que se visa proteger. O conhecimento e a prática do património cultural têm, assim, a ver com o direito dos cidadãos participarem na vida cultural, de acordo com os direitos e liberdades fundamentais comummente aceites. O património cultural é visto como um valor e um recurso que tanto serve o desenvolvimento humano em geral, como serve um modelo de desenvolvimento económico e social assente no uso durável dos recursos, com respeito pela dignidade da pessoa humana, enquanto “valor primordial ou o valor-fonte de todos os demais valores”. Com vista “a uma maior sinergia de competências entre todos os agentes públicos, institucionais e privados interessados” reconhece-se “que o direito ao património cultural é inerente ao direito de participar na vida cultural, tal como definido na Declaração Universal dos Direitos do Homem”; “uma responsabilidade individual e coletiva perante o património cultural”; que a “preservação do património cultural e a sua utilização sustentável têm por finalidade o desenvolvimento humano e a qualidade de vida”. Daí a necessidade de reforçar o “papel do património cultural na edificação de uma sociedade pacífica e democrática, bem como no processo de desen-
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volvimento sustentável e de promoção da diversidade cultural”. A Convenção-quadro visa, pois, mobilizar vontades, através de um instrumento jurídico autónomo e com força própria, no sentido de tornar o património cultural um fator de paz e de cooperação, ao contrário do que muitas vezes aconteceu no passado em que o património cultural e as diferenças culturais estiveram, ou estão, no epicentro dos conflitos. Um templo com diversas referências históricas e culturais, religiosas e sociais ao longo do tempo tem de ser visto como um lugar de encontro e de memória, referência de humanidade, facto que só enriquece a sua atual utilização, religiosa ou profana, em nome do respeito e da preservação do espírito dos lugares, segundo uma cultura de paz. Definido ao longo do tempo pela ação humana, o património cultural, longe de se submeter a uma visão estática e imutável, passa a ter de ser considerado como um “conjunto de recursos herdados do passado”, testemunha e expressão de valores, crenças, saberes e tradições em contínua evolução e mudança. O tempo, a história e a sociedade estão em contacto permanente. Nada pode ser compreendido e valorizado sem esse diálogo extremamente rico. Usando a expressão de Rabelais, estamos sempre perante “pedras vivas”, já que as “pedras mortas” dão testemunho das primeiras. O património surge, nesta lógica, como primeiro recurso de compromisso democrático em prol da dignidade da pessoa humana, da diversidade cultural e do desenvolvimento durável. E constitui um capital cultural resultante do engenho e do trabalho de mulheres e homens, tornando-se fator de desenvolvimento e incentivo à criatividade. Quando falamos de respeito mútuo entre culturas e as diversas expressões da criatividade e da tradição estamos, assim, a considerar o valor que a sociedade atribui ao seu património cultural e histórico ou à sua memória como fator fundamental para evitar e prevenir o “choque de civilizações”, mas, mais do que isso, para criar bases sólidas de entreajuda e de entendimento. O património cultural, num sentido amplo, leva-nos a compreender a realidade humana, não como imagem idílica ou como destino impossível, mas como encruzilhada de vontades e de dúvidas, contra o fatalismo, os determinismos, o imediatismo, a ignorância e o esquecimento. A Educação como aprendizagem permanente a partir da transmissão dos saberes, do exemplo e da experiência, da atenção e do cuidado, tem, por isso, um papel fundamental no combate pela “sociedade de cultura”, pela “cultura da paz” e pela defesa e salvaguarda de um património comum, da humanidade, dos povos e das pessoas. Trata-se de entender a formação cívica não como uma antecâmara para a vida, como uma vivência quotidiana da liberdade e da responsabilidade, e de uma lenta, gradual e permanente construção de aprendizagem. E quando falamos de cultura temos de nos reportar sempre ao ato de educar, que permite relacionarmo-nos com a natureza aproveitando-a, protegendo-a e desenvolvendo-a. Assim, o património cultural, como realidade complexa, tem de ser devidamente considerado – desde o código genético e do genoma humano, até às tradições, às comunidades, às instituições mediadoras, aos hábitos e costumes, num conjunto vasto do que designamos como património imaterial (o modo como os artesãos trabalham, como a culinária e a gastronomia se desenvolvem, como as pessoas
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e as comunidades se relacionam), passando pelos vestígios arqueológicos, pelos monumentos, pelo modo de organização das populações e das cidades, mas também pela valorização da criação contemporânea e pela busca de uma relação equilibrada nesse diálogo entre o que hoje temos e queremos e aquilo que recebemos de quem nos precedeu. Todas as pessoas têm o direito de se implicar e de participar na valorização do património cultural, segundo as suas escolhas, como modo de assegurar o direito a tomar parte livremente na vida cultural. Daí a importância da mediação cultural, ou seja, de promover e aprofundar a participação dos cidadãos na gestão e preservação do património. Daí a necessidade de colocar a pessoa humana e os seus valores no centro de conceito novo, alargado e transversal, de património cultural. Por isso, destacamos o valor e o potencial do património cultural bem gerido como recurso do desenvolvimento durável e da qualidade de vida. Lembramo-nos de Garrett em “Viagens na Minha Terra”, quando chegou à antiga cidadela de Santarém: “Que espantosa e desgraciosa confusão de entulhos, de pedras. De montes de terra e caliça! Não há ruas, não há caminhos: é um labirinto de ruínas feias e torpes…” (cap. XXVII). Haveria que cuidar dessa História, não a deixando ao abandono. Eis o desafio que não podemos esquecer. O Estado existe para a pessoa humana e não a pessoa para o Estado. O todo não está antes das partes e a pessoa tem um valor próprio – por contraponto aos que entendem que o indivíduo não tem valor a não ser como parte de uma totalidade que o transcende… Eis como a democracia e a liberdade voltam à ordem do dia, como tarefa urgente e necessária! A pedra angular está nos direitos fundamentais – e nestes estão os subjetivos, mas também os sociais. E avançamos para uma nova geração dos direitos – que liguem a dignidade pessoal à salvaguarda da coesão e da sustentabilidade e do desenvolvimento humano. A democracia tem de se basear na cidadania inclusiva, no respeito da dignidade humana, da singularidade e do sentido aberto de comunidade, devendo apontar para uma cultura de paz e de convivialidade pacífica bem como para uma permanente capacidade de regulação de conflitos. A filosofia política e a filosofia do direito encontram-se assim e completam-se. O risco que hoje existe é, pois, o de o direito se tornar impotente, correndo a sociedade o risco de se precipitar numa perigosa fragmentação. E onde o poder não é limitado e controlado pelo direito, a sociedade corre o risco da centralização e da ineficácia. Não basta haver votos, ou manifestações formais de vontade. A participação é condição necessária, mas não suficiente. Importa haver instituições mediadoras eficazes e legítimas, que respeitem a liberdade igual e a igualdade livre. Podemos criar mecanismos de consulta instantânea dos cidadãos através das redes sociais ou das tecnologias de informação e comunicação. No entanto, isso não é democracia, uma vez que esta exige tempo e reflexão, para evitar a tirania do imediato e do número, fruto de manipulações e demagogia.
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Põe-se a questão de saber se há uma alternativa aceitável para a democracia representativa. O tempo e a reflexão envolvem diversidade e o diálogo entre fações opostas… A liberdade individual, o respeito mútuo, a mediação cultural, e a coesão social têm de ser concretizados e postos em prática no Estado de direito e na democracia. A liberdade com consciência social, a cidadania ativa, a cultura da paz, são fundamentais. E a memória comum é fonte de ensinamentos e sabedoria. Eis por que razão a representação cidadã e a participação, o voto e o exercício, são faces da mesma moeda. Pierre Rosanvallon diz-nos que o populismo ocorre quando os sentimentos de recusa e não os de adesão dirigem a ação. Do que se trata é de compreender a força de uma mediação, em que todos caibam. Este o ponto levantado por quem se sente capaz de intervir, mas não tem voz. Importa articular, pelo exercício dos direitos e deveres fundamentais, representação e participação. Um novo contrato social tem de partir desta ideia e da sua concretização.
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2 MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES
BR AGA
Joaquim Loureiro Técnico Superior de Educação da Direção Regional de Cultura do Norte, responsável pelo Serviço de Educação do Mosteiro de São Martinho de Tibães jloureiro@culturanorte.gov.pt
Joaquim Loureiro nasceu em 1975, em Mire de Tibães, no concelho e distrito de Braga. Na Universidade do Minho obteve os graus de Licenciado (2011) e Mestre em Educação – na área de especialização em Mediação Educacional e Supervisão na Formação (2014). Em 2017 recebeu a certificação do Conselho Científico Pedagógico de Formação Contínua de Professores, na área e domínio de Conceção e Organização de Projetos Educativos. Desde 2012 que é Formador certificado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Iniciou a sua atividade profissional na indústria têxtil, em 1990. Ingressou no setor cultural, em 1994, no Mosteiro de São Martinho de Tibães, exercendo funções na carreira de Guarda de Museu ao longo de seis anos. No ano 2000 integrou a equipa do Serviço de Educação do Mosteiro de São Martinho de Tibães, trabalhando desde então na conceção, planeamento e execução de diversas atividades de caráter lúdico e pedagógico, bem como na organização de outros eventos de promoção e dinamização cultural. Colabora regularmente com o Instituto de Educação da Universidade do Minho, em Unidades Curriculares da Licenciatura e do Mestrado em Educação relacionadas com a prática profissional e experiência em contexto de trabalho. Fez e ainda faz parte da direção de diversas instituições associativas de caráter educativo não formal.
Mosteiro de São Martinho de Tibães: um espaço intemporal, de cultura e de mediação Da fundação aos nossos dias O Mosteiro de São Martinho de Tibães situa-se na vertente norte do monte de São Gens, na margem esquerda do rio Cávado, na freguesia de Mire de Tibães, concelho e distrito de Braga.
A origem e a data da fundação do mosteiro ainda hoje são motivo de discussão, o que tem conduzido ao surgimento de várias correntes de investigação 1 sobre o tema. O resultado dos trabalhos arqueológicos realizados entre os anos de 1992 e 2000, conduzidos pelo arqueólogo Luís Fontes 2, aos quais a investigação nas bibliotecas e arquivos juntou referências documentais dos anos de 1071 e 1077, levam Aida Mata a concluir que, “a sua fundação, no local onde hoje se encontra, data de finais do século XI, e deve-se, com grande probabilidade, à iniciativa da família de Paio Guterres da Silva (…)” 3.
O mosteiro, de observância beneditina, recebe em 1110 a Carta de Couto outorgada pelo Conde D. Henrique e sua esposa D.ª Teresa. Para além da posse das terras adjacentes ao edificado, numa área perfeitamente identificada e estudada por José Carlos Peixoto em 2014 4, fica também o mosteiro responsável, nesses domínios fundiários, pelo exercício dos pode-
Mosteiro de São Martinho de Tibães, vista geral do lado sul (2011, Arquivo do MSMT©, fotografia de Jorge Inácio).
res administrativo e judicial 5.
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Os séculos XII e XIII foram de grande prosperidade económica. Fruto de doações efetuadas por famílias nobres e de aquisições com capitais próprios, a comunidade beneditina residente em Tibães vê o seu património aumentar consideravelmente, tornando-se proprietária de um vasto conjunto de terras um pouco por todo o Minho 6. No século XIV tem início um longo período de crises sucessivas que vão arrastar-se por quase dois séculos. Após o Concílio de Trento, as dificuldades começam a ser lentamente ultrapassadas, sendo o mosteiro escolhido em 1567 para ser a Casa-mãe da Congregação Beneditina do Reino de Portugal. A partir desse momento, a comunidade religiosa decide pensar na construção de um novo cenóbio, capaz de responder às necessidades e exigências quotidianas que a regra impunha e com estruturas físicas adequadas às funções administrativas e responsabilidades de governo que iria possuir daí em diante. O pequeno edificado de traça românica, que sofre alterações no século XVI por ação de D. António de Sá, vai lentamente dar lugar a um novo e monumental mosteiro. A partir de 1628 dá-se início à construção da igreja, a que se seguiram espaços como o claustro, a sacristia, as alas conventuais, a sala do Vestígios arqueológicos (2019, Arquivo do MSMT©, fotografia de Joaquim Loureiro).
capítulo e a cozinha. Os estilos, maneirista, barroco (nacional e joanino), o rococó e o neoclássico, deram ao mosteiro uma grandiosidade e esplendor únicos, tornando-o numa das principais obras de cariz religioso em Portugal. Na cerca do mosteiro, para além da construção de socalcos e da plantação de diversas espécies de árvores, são edificados os escadórios, a capela de São Bento, o lago, a fonte de São Bento, os engenhos e moinhos e uma rede considerável de caminhos e aquedutos que, ao mesmo tempo aproveitaram os recursos naturais existentes e ajudaram de forma harmo-
Vista geral do interior da igreja (2009, Arquivo do MSMT©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
niosa a modelar a paisagem, numa simbiose perfeita e cheia de equilíbrio, mostrando que o Homem e a Natureza são a face visível de um projeto de criação divina. Foram muitos os artistas 7 que, trabalhando na construção de todo o conjunto monástico, fizeram do mosteiro um importante centro de experimentação de novas técnicas de arquitetura e métodos de construção. Paralelamente, muitos monges de Tibães desenvolveram os seus estudos nas áreas de Ciências e Letras, tornando Tibães num importante centro de pensamento, de educação e de difusão cultural.
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O dealbar do século XIX traz consigo as dificuldades económicas, as fracas colheitas, a fome, as epidemias e a instabilidade política, económica e social. Juntam-se ainda as invasões francesas, responsáveis pela forte destruição dos mosteiros e igrejas anexas da Congregação Beneditina e surge assim o empobrecimento e a progressiva decadência física, moral e económica das ordens religiosas portuguesas. O Mosteiro de São Martinho de Tibães não fica imune a toda esta escalada de acontecimentos e em 1834 é encerrado, à luz dos decretos de 05 e 09 de agosto de 1833, de José da Silva Carvalho. Escadório (2009, Arquivo do MSMT©, fotografia de Jorge Inácio).
A igreja, a sacristia, o claustro do cemitério, a hospedaria, o coristado e o passal, continuando propriedade do Estado Português, ficam em uso paroquial. As restantes áreas do edifício e a cerca conventual são fechadas e vendidas mais tarde a famílias privadas, conhecendo as mais diversas utilizações. No dia 11 de julho de 1894, um grande incêndio destrói aproximadamente um quarto da área do edifício. Ao longo do século XX a falta de manutenção, conservação e restauro dos espaços e de algum património móvel ainda existente, a que se juntam a venda de peças, a destruição, a incúria e a indiferença dos proprietários da parte privada, quase destruíram por completo um património de séculos. A forte pressão da sociedade bracarense sobre o Governo Português foi fundamental para que o poder político ficasse consciente do estado lastimável em que se encontrava o mosteiro e começasse um processo de negociação com os proprietários privados, com vista à aquisição do edifício e da cerca, para a sua futura recuperação e utilização. Ao fim de longas e duras negociações foi finalmente rubricado um
Ruínas do claustro do refeitório (1983, Arquivo do MSMT©, fotografia de Maria João Vasconcelos).
acordo de conciliação que culminou com a assinatura do contrato promessa de compra e venda e com a elaboração da escritura de venda da parte privada do mosteiro ao Estado Português, no dia 18 de agosto de 1986. Depois de 800 anos de ocupação monástica, a que se seguiram aproximadamente 150 de ocupação privada, o Mosteiro de São Martinho de Tibães passou para a posse do Estado Português, em janeiro de 1987. Os primeiros trabalhadores foram chegando ao mosteiro para começar a reorganizar o terreno, limpar caminhos e criar as condições de segurança básicas para abrir um percurso de visita provisório que pudesse dar a conhecer o conjunto monástico – ainda em ruínas, mas mesmo assim imponente. Recuperação de caminhos e ramadas nos campos da horta (1988, Arquivo do MSMT©, fotografia de Maria João Dias Costa).
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As escavações arqueológicas, a investigação nas bibliotecas e arquivos, a criação do Museu do Mosteiro de São Martinho de Tibães8, a implementação do Serviço de Educação, a instalação do Centro de Conservação e Restauro, o reforço da equipa de pessoal e o início das grandes obras de conservação, restauro e reabilitação, foram fundamentais para a preparação das bases de atuação do Mosteiro de São Martinho de Tibães, as quais assentam em três grandes funções: cultual; cultural; e de acolhimento.
Atualmente todo o conjunto monástico pertence ao Estado Português 9 – é património de todos nós –, mas de acordo com as suas atuais funções, nele coabitam três instituições: - A Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) / Mosteiro de São Martinho de Tibães (MSMT) que, para além do estudo, investigação, acolhimento de público, dinamização educativa e cultural é também responsável pela gestão do monumento e pela sua proteção, salvaguarda, recuperação, restauro e reabilitação; - A Paróquia de Mire de Tibães, que assegura a vertente cultual, mantendo ainda a igreja do mosteiro como centro da atividade paroquial; - A Diocese de Braga, que através de uma comunidade religiosa feminina 10 residente na zona reabilitada do antigo noviciado é responsável pela função de acolhimento, realizando a gestão de uma hospedaria e de um restaurante, abertos a todos.
Por esta estrutura organizacional, pelos objetivos de cada uma das organizações existentes dentro do espaço físico do mosteiro, pelas relações que elas estabelecem interna e externamente, e pelos interesses diversos do público que utiliza todo o conjunto monástico, poderemos afirmar que são inúmeros os desafios que se colocam a todos os atores que exercem a sua atividade nesta enorme plataforma de relações, o que deixa o caminho aberto para a entrada em cena da mediação.
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MEDIAÇÃO CULTURAL, DO CONCEITO À PRÁTICA A Mediação e o Mediador Cultural
A mediação, fortemente associada à resolução de conflitos ou à sua aplicação nos ramos imobiliário e de seguros, tem nas últimas décadas alargado a sua esfera de influência a outras áreas, ao ponto de Ana Silva e Maria Moreira 11 referirem que hoje, ao falar de mediação “(…), há que especificar a qual dos campos nos reportamos: familiar, penal, laboral, escolar, comunitária, ou socioeducativa”. O alargamento do raio de ação da mediação está também relacionado com a reconfiguração do sentido dado ao conflito. A conotação negativa que sempre lhe foi atribuída ganha um outro sentido, que coincide com o surgimento de uma nova revolução científica onde se toma consciência de que já não existem certezas absolutas e que o paradigma científico, onde tudo era quantificável e explicável, precisa de associar-se a um novo padrão que valorize também o senso comum e a aprendizagem ao longo da vida. O objetivo desta nova visão é o de caminhar para a educação holística. Ao ler, escrever e contar, obtidos em contexto educativo formal, passamos a poder associar as experiências obtidas em contextos educativos não formais e informais. O “Homem novo”, moldado por esta nova conceção de conhecimento, tem que ter competência para poder viver e sobreviver num mundo em constante mudança, em que os efeitos da globalização arrastaram também consigo a incerteza do hoje e a imprevisibilidade do amanhã. É neste contexto que o conflito emerge como sendo um momento importante de reflexão individual e coletiva, uma oportunidade de crescimento, capaz de poder ser capitalizado em transformação pessoal e social. Nesta perspetiva, a mediação passa de uma simples estratégia de resolução de conflitos para uma forma de regulação social que, apoiada na comunicação, procura operar transformação pessoal, relacional e cultural, numa sociedade cada vez mais globalizada, mas paradoxalmente egocêntrica. Para Torremorell 12, a mediação reordena o discurso “(…) à volta de um novo horizonte sociocultural no qual as relações interpessoais são fonte constante de aprendizagem e de construção de significações sociais partilhadas”. A ação desenvolvida pelos museus e por outros espaços culturais, como é o caso do Mosteiro de São Martinho de Tibães, ganha especial relevância nesta nova (re)configuração social. Aí – onde se preserva a memória, se dá a conhecer a história, se protegem a fauna e a flora, se expõem obras centenárias ou de arte contemporânea – a mesma realidade pode ser percecionada de forma diferente por cada pessoa que por lá passa, tornando esse local um ponto de possível confronto de ideias e, ao mesmo tempo, um lugar privilegiado de partilha de memórias, de experiências, de encontro de culturas e de construção de conhecimento individual e coletivo.
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Emerge assim a importância do mediador cultural como técnico especializado capaz de compreender o contexto e estudar os seus atores, para elaborar estratégias adequadas que coloquem em diálogo os diferentes intervenientes da teia de relações pessoais e institucionais e, ao mesmo tempo, os coloque em contacto com o património que se pretende dar a conhecer. A função do mediador cultural está hoje muito afastada do tradicional guia, o qual, recorrendo ao método expositivo ia debitando informações, impondo um percurso de visita e transmitindo a sua opinião (muitas vezes não fundamentada) sobre determinada peça ou facto histórico. Uma visão muito unidirecional que não deixava margem de manobra ao público para se expressar e ser elemento ativo. Banco do coro alto com misericórdia (2009, Arquivo do MSMT©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
O mediador cultural é acima de tudo um facilitador que procura deixar de lado a imposição para privilegiar a colaboração. É um comunicador que pretende estimular o diálogo interno (intrainstitucional), externo (interinstitucional) e coletivo, na procura incessante de reunir e rentabilizar os recursos disponíveis (humanos, materiais, financeiros) para encontrar os métodos e as estratégias adequadas de aproximação do objeto ao tipo de público que vai receber. Por todo o trabalho que a mediação cultural implica, a tarefa a desempenhar pelo mediador pressupõe que este seja alguém polivalente e multifacetado. Na nossa perspetiva, o mediador deve ser: atento; reflexivo; compreensivo; cooperante; empático; otimista; comunicativo; ativo; inovador; criativo; polivalente; assertivo; e responsável. Deve ter: espírito crítico; confiança; motivação; capacidade de improvisação e de análise. Assim poderá: estabelecer pontes comunicacionais; promover a escuta ativa; transformar-se e transformar; ser aceite pelos mediados; ajudar o outro a procurar o seu caminho e a rever-se nele…
Trabalho de colaboração na cerca: plantar um azevinho (2012, Arquivo do MSMT©, fotografia de Jorge Inácio).
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SER MEDIADOR CULTURAL NO MOSTEIRO DE SÃO MARTINHO DE TIBÃES Pelo facto de coabitarem no mesmo espaço três instituições e receberem público com necessidades específicas, ser mediador no Mosteiro de São Martinho de Tibães é estar no meio, mas com bases sólidas de conhecimento que lhe permitam ser reconhecido pelas partes. É conseguir estabelecer pontes comunicacionais que possibilitem a troca de informação e potenciem o conhecimento e crescimento mútuo. É ter um conhecimento sólido do passado para que, no presente, possa preparar o futuro, sem nunca esquecer as origens e a identidade dos intervenientes, do espaço e da região em que o mesmo se insere.
O seu objetivo é o de aproximar o público à sua história, vivência, ambiência, obras de arte, fauna, flora, e a todas as outras formas de património – material e imaterial –, incentivando ainda as relações com a comunidade em que o mesmo se insere. Este trabalho, no nosso entendimento, acaba por ser desenvolvido de forma específica por todos os trabalhadores do Mosteiro de São Martinho de Tibães que, com as suas competências, capacidades, experiência profissional, conhecimento técnico e científico ajudam na prossecução dos objetivos gerais e específicos da instituição. Desde o jardineiro ao investigador, da funcionária de limpeza ao técnico de conservação e restauro, do vigilante-rececionista ao técnico do Serviço de Educação, do arquiteto ao administrativo, todos colaboram num processo de formação contínua e de partilha de informação que os ajuda a construir um conhecimento muito sólido sobre o espaço e sobre as noções básicas de preservação do património, ajudando assim à transmissão correta da mensagem. Hoje o jardineiro sabe que a cobra é importante para o ecossistema e já não tem o instinto de a matar, mas sim trazê-la até à presença do grupo de crianças que está a fazer uma visita à cerca, tornando esse momento inesquecível. Do mesmo modo, a funcionária de limpeza já não deita fora um simples pedaço de madeira, mas entrega-o ao técnico de restauro para que o possa analisar e depois decidir o que fazer. Os vigilantes-rececionistas sabem que são os primeiros mediadores e o elo de ligação entre o visitante e o monumento, por isso acolhem o público e comunicam as informações essenciais para que a visita seja o mais agradável possível. Os profissionais do Mosteiro de São Martinho de Tibães têm hoje que ser do tipo “banda larga”, com competências para: cumprir as orientações emanadas pela Tutela; zelar pela salvaguarda e proteção do conjunto monástico; trabalhar em equipas pluridisciplinares; investigar para conhecer e compreender melhor a realidade em que estão inseridos; definir estratégias para aproximar o Mosteiro de São Martinho de Tibães do(s) público(s); projetar, planear, programar e realizar atividades educativas, lúdicas
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e culturais adequadas aos diferentes tipos de público; acolher todos, sem discriminação, tornando-o mais acessível; educar para o saber ser, estar, ver, ouvir, sentir, proteger. Em suma, têm que ser mediadores a nível interno e externo. Sabemos que a tarefa não é fácil e que os desafios do mediador são muitos. Por isso consideramos que o mediador deverá: manter e reforçar o bom relacionamento com as instituições que coabitam no mosteiro; ter capacidade e competência para acolher bem e saber lidar com o público, pois nunca se sabe quem será o próximo visitante a atender; procurar a inovação constante, de modo a atrair e fidelizar o público - inovar significa antecipar-se, estar mais à mais frente do que os outros; ser flexível, polivalente e comprometido para com o serviço, pois grande parte da sua função passa por proporcionar ao público momentos educativos, lúdicos e de lazer em horários pós-laborais ou de descanso semanal; convocar saberes em diversas áreas específicas; ver o visitante não como um número, mas como uma pessoa que tem necessidades específicas e que tem que ser tratada o mais individualizadamente possível; ter consciência de que será uma espécie de modelo e centro de atenções para o público que vai participar na atividade que conduz; ter boa organização e gestão do tempo; atualizar-se constantemente para ser um profissional assertivo e um educador credível. O SERVIÇO DE EDUCAÇÃO… E DE MEDIAÇÃO CULTURAL! Após a compra e a tomada de posse do mosteiro por parte do Estado Português, uma das prioridades foi a de criar as condições básicas de segurança do edifício e da cerca, para abrir quase de imediato as portas ao visitante. Com a ruína ainda bem visível, as escolas foram convidadas a conhecer o mosteiro e a brincar nos seus espaços. Uma primeira estratégia de aproximação e criação de laços com a comunidade, a qual, até então, praticamente só conhecia as áreas afetas ao uso paroquial.
Brincadeiras no claustro do refeitório no Dia Mundial da Criança (1990, Arquivo do MSMT©, fotografia de Ana Paula Ferreira).
Sabendo que a função educativa é indissociável do papel dos museus e espaços culturais e cientes da necessidade de criar estratégias de aproximação dos públicos ao mosteiro, foi criado em 1992 o Serviço de Educação (SE).
Aos poucos, as simples visitas guiadas foram dando regularmente lugar à comemoração de dias específicos. Os dias do Pai, da Floresta, da Água, da Criança, a que se juntaram as comemorações do Dia dos Monu-
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mentos e Sítios, dos Museus e das Jornadas Europeias do Património, trouxeram ao mosteiro as crianças e os seus familiares. Lentamente, a comunidade foi criando relações de proximidade, as quais foram sendo nutridas através da realização de exposições relacionadas com tradições e vivências da comunidade local. “Uma memória rural no Couto de Tibães” recolheu memórias e espólio agrícola pertencentes a quintas do antigo Couto de Tibães e que estavam em perigo eminente de desaparecer para sempre. Seguiram-se mais duas exposições: uma associada às festividades anuais em honra de São Sebastião (“Festa do Cerco”) e outra relacionada com o “Presépio Movimentado” (realizado entre o dia de Natal e o domingo a seguir ao dia de Reis). A desfolhada, a vindima, a cultura do linho ou os trabalhos na horta procuram preservar a memória, promover o encontro de gerações e valorizar o conhecimento daqueles que durante toda a sua vida trabalharam no campo e foram fundamentais no desenho da identidade de um povo e de uma região. O contacto com a terra, com os cheiros, sabores, sons e paisagem existentes na cerca são experiências educativas únicas que o Mosteiro de São Martinho de Tibães oferece. Pretendem chamar a atenção para a importância das coisas simples num mundo cada vez mais complexo (e complexado), onde a virtualidade quotidiana há muito que vai substituindo a sensibilidade, os sentidos, a convivência, o respeito pelo Exposição “Uma Memória Rural no Couto de Tibães” (1993, Arquivo do MSMT©, fotografia de Paulo Oliveira).
Desfolhada nos campos do Mosteiro de São Martinho de Tibães (2019, Arquivo do MSMT©, fotografia de Joaquim Loureiro).
outro e pelo mundo onde vivemos.
Vindima nos campos do Mosteiro de São Martinho de Tibães (2019, Arquivo do MSMT©, fotografia de Joaquim Loureiro).
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Outras atividades foram surgindo, mostrando a adaptabilidade e interligação científica que o Mosteiro de São Martinho de Tibães possui. São exemplos o “Encontro Micológico”, a “Noite das Criaturas das Trevas”, a “Observação Astronómica”, a visita às “Antigas Minas de Volfrâmio”, as aulas em espaço museológico, os concertos de música clássica, o “Eurobirdwatch” e os “Encontros da Imagem de Braga”. A investigação e a informação recolhida pelos investigadores tem servido de base à equipa do Serviço de Educação para produzir conteúdos pedagógicos credíveis e necessários à realização de novas atividades educativas e lúdico-pedagógicas, de tal forma que desde o ano de 2004 que tem sido possível elaborar um programa anual diversificado. São estes dispositivos de mediação que, adaptados aos limitados recursos humanos e materiais, à idade dos participantes, ao ano de escolaridade e aos objetivos da visita, pretendem dar um contributo importante para a educação patrimonial e operar transformação social. Do programa 13 fazem parte a(s): - “Visita Preparatória” – para professores, educadores, animadores e outros agentes educativos; - Três peças de teatro de marionetas - para crianças entre os três e os dez anos de idade; - “Exploração de Espaços Monásticos – igreja e coro alto” - atividade de exploração para crianças entre os seis e os dez anos de idade; - Visita geral “À Descoberta do Mosteiro de Tibães” – aconselhada a partir dos seis anos de idade; - Visita “Os Mistérios de Tibães” - uma viagem pelo mosteiro à procura dos símbolos, para o público a partir dos dez anos de idade; Peça de teatro de marionetas “S. Martinho, o cavaleiro do sol!” (2019, Arquivo do MSMT©, fotografia de Joaquim Loureiro).
- “Horta Tradicional” – indicada a partir dos três anos de idade. Orientada para conhecer e experimentar técnicas de cultivo em modo de produção tradicional; - Visita “A Biodiversidade na cerca” – orientada para a exploração dos ecossistemas presentes na cerca, para crianças a partir dos três anos de idade; - Visita “Caminha, procura e observa…Os cogumelos” – uma introdução ao mundo da micologia, para crianças entre os três e os dez anos de idade; - Comemoração de dias específicos – onde se preparam atividades de acordo com o público participante e com as temáticas decididas para cada ano.
Trabalho na horta (2009, Arquivo do MSMT©, fotografia de Jorge Inácio).
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Às atividades acima referidas, outras se têm juntado, quer através de produção própria pela equipa do Serviço Educativo, quer elaboradas
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Visita sobre a biodiversidade da cerca (2012, Arquivo do MSMT©, fotografia de Jorge Inácio).
em parceria com outras instituições educativas. Esta é uma estratégia fundamental para o crescimento profissional conjunto e para enriquecimento educativo, técnico e científico das atividades. Salientamos a colaboração do Serviço de Educação nos seguintes projetos: - "O Museu, a Escola e a Comunidade". Universidade do Minho; - "A Religiosidade no Couto de Tibães". Agrupamento Mosteiro e Cávado; - “CarryOn. Natural.mente.felizes”. Serviços dos ecossistemas e o seu papel nos processos de apoio a vítimas de violência doméstica e no namoro. Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem, Universidade do Minho, Guarda Nacional Republicana, Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima; - “Integrar olhares para educar e formar”. Mediação cultural para jovens adultos com necessidades educativas especiais. Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Braga; - “Aqua Cávado – O rio que nos une”. Conservação e valorização do património e do território ribeirinho do rio Cávado. Comunidade Intermunicipal do Cávado; - “Quem Tem Medo?” Práticas simuladas de um curso vocacional em contexto formal e não formal com alunos maioritariamente de etnia cigana. Escola Básica 2,3 de Nogueira, Escola Secundária de Alberto Sampaio, Transportes Urbanos de Braga; - “O Mundo Somos Nós”. Ensino doméstico. Associação o Mundo Somos Nós.
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Paralelamente, o Mosteiro de São Martinho de Tibães tem procurado acompanhar a evolução dos tempos e a transformação da sociedade e tenta reinventar-se, celebrando protocolos de parceria e ajustando a produção de atividades às necessidades de um público cada vez mais exigente. As Caminhadas com História, o BTT Rota dos Mosteiros, as Au“BTT Rota dos Mosteiros” (2013, Arquivo do MSMT©, fotografia de Jorge Inácio).
las de Ioga, os Desfiles de Moda, os “Trails”, a Orientação, os Concertos Meditativos, o “Geocaching” e as Oficinas para Crianças e Jovens (nas pausas letivas do Natal, Páscoa e férias de verão) trazem ao conjunto monástico pessoas que, de outra maneira, certamente nunca o conheceriam.
OS RESULTADOS Desde 1988 que se começaram a registar os dados relativos ao público que visita o Mosteiro de São Martinho de Tibães. Podemos constatar que - salvo raras exceções que estão perfeitamente associadas a períodos de obras no edifício - tem-se registado um aumento gradual de visitantes, sendo a linha de tendência visivelmente ascendente.
57.864
50.224
37.540 2013
39.998
36.831 2012
32.586
31.674 2011
29.029
2010
27.017
2009
22.221
2006
2008
27.567
26.800
2005
29.883
27.120 9.422 2000
13.657
9.592
10.000
1999
19.859
1996
18.036
15.196
1995
1998
14.063
1994
1997
14.626
14.427
1993
14.111 1992
18.938
11.024
15.344
20.000
14.106
30.000
1989
40.000
20.288
50.000
1988
N.º de visitantes
60.000
47.826
70.000
53.641
Direção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães Visitantes anuais (1988-2018)
Ano Número anual de visitantes do Mosteiro de São Martinho de Tibães entre 1988 e 2018 (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento de dados: Joaquim Loureiro).
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2018
2017
2016
2015
2014
2007
2004
2003
2002
2001
1991
1990
0
Salientamos que ao mosteiro chegam visitantes com três destinos possíveis: aqueles que vão participar nas atividades paroquiais; os que vão usufruir dos serviços da hospedaria e restaurante; e os que irão frequentar as atividades culturais do Mosteiro de São Martinho de Tibães. Mas para compreendermos melhor determinados resultados, apresentamos de seguida os dados relativos ao ano de 2018.
Direção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães N.º de utilizadores do conjunto monástico em 2018, acolhidos por:
92892
Total
pedaria, 35.000 das atividades paroquiais e 53.641 53641
DRCN/Mosteiro Hospedaria e Restaurante
pessoas. Destas, 4.251 foram utilizadoras da hos-
35000
Paróquia
A utilização total do espaço foi de 92.892
do Mosteiro de São Martinho de Tibães, como espaço cultural afeto à Direção Regional de Cultura
4251
do Norte.
Número de utilizadores do conjunto monástico em 2018 (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento dos dados: Joaquim Loureiro).
Direção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães Tipologia de visitantes em 2018 (Percentagem) Visitantes nacionais
Visitantes estrangeiros
9,70
Centremo-nos agora nos visitantes recebidos pela parte cultural. Poderemos referir que 90,30% 90,30
(48.436) foram visitantes nacionais e 9,70% (5.205) foram visitantes estrangeiros.
Percentagem de visitantes nacionais e estrangeiros do Mosteiro de São Martinho de Tibães em 2018 (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento dos dados: Joaquim Loureiro).
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Direção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães Percentagem anual de visitantes, distribuídos pelos diferentes serviços de acolhimento em 2018 90 76,73
80
70
Percentagem
60
50
Dos 53.641 visitantes recebidos, 76,73%
40
(41.161) foram atendidos pelo Serviço de Educação;
30 21,16
20
21,16% (11.352) pelo Serviço de Acolhimento Geral
10 0
2,10 Serviço de Educação Acolhimento Especializado
Serviço de Acolhimento Geral
Público que vem em serviço (reuniões ou trabalhos)
(SAG); e 2,10% (1.128) vieram fazer trabalhos diversos ou participar em reuniões.
Percentagem de visitantes do Mosteiro de São Martinho de Tibães em 2018, por serviços de acolhimento (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento dos dados: Joaquim Loureiro).
Direção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães Origem institucional dos visitantes atendidos pelo Serviço de Educação em 2018 %Percentagem 51,27
26,65
Dos visitantes acolhidos pelo Serviço de Educação, 26,65% (10.968) vieram através de instituições de educação formal; 22,08% (9.090) com instituições
22,08
de educação não formal; e 51,27% (21.103) vieram a título individual.
Instituições de Educação Formal
Instituições de Educação Não Formal
Participantes Individuais
Origem institucional dos visitantes do Serviço de Educação em 2018, em percentagem (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento dos dados: Joaquim Loureiro).
Direção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães Tipo de visitantes atendidos pelo Serviço de Educação em 2018 (em percentagem)
30,09
Os visitantes do Serviço de Educação com ní69,91
veis de ensino especificado foram 30,09% (12.385) e os individuais, ou sem nível de ensino determinado, foram 69,91% (28.776).
Institucionais, com nível de ensino especificado Individuais e/ou sem nível de ensino especificado
Tipo de visitantes acolhidos em 2018 pelo Serviço de Educação, em percentagem (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento dos dados: Joaquim Loureiro).
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Direção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães Percentagem de visitantes do Serviço de Educação em 2018, participantes em eventos culturais e educativos. Distribuição por níveis de ensino especificados Universitário
7,26
Técnico Profissional
7,27
Secundário
Relativamente aos visitantes com níveis de ensino especificado, poderemos afirmar que o 1º
5,03
3º ciclo
ciclo do ensino básico foi aquele que mais alunos
12,86
2º ciclo
trouxe ao MSMT, com 30,14% (3.733), seguindo-se o
10,40
1º ciclo
30,14
Pré-escolar
Pré-Escolar e o 3º ciclo.
27,03
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
Percentagem de visitantes do Serviço de Educação em 2018, por níveis de ensino (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento dos dados: Joaquim Loureiro).
Direção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães Resumo da origem geográfica dos visitantes do Serviço de Educação em 2018 (em percentagem)
A origem geográfica dos
60,00
55,08
50,00
também muito importante. Em 2018
40,00
33,39
foi o distrito de Braga que mais pes-
30,00
soas trouxe, com 33,39% (13.743),
20,00
seguido pelo do Porto e de Viana do
0,83 Origem geográfica indeterminada
Viseu
0,25
Origem no estrangeiro
Distrito
0,33 Vila Real
1,25 Viana do Castelo
0,16 Santarém
0,44
5,60 Porto
0,47
Lisboa
0,32
Leiria
0,07
Guarda
0,27
Évora
0,35
Coimbra
Bragança
0,44
Castelo Branco
0,76 Aveiro
0,00
Braga
10,00
visitantes do Serviço Educativo é
Castelo. A 55,08% (22.671) dos visitantes não foi possível determinar a origem, pois participaram nas atividades a título individual.
Origem geográfica dos visitantes do Serviço de Educação em 2018, em percentagem (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento dos dados: Joaquim Loureiro).
Ao longo de 2018 foram realizadas 92 ativiDireção Regional de Cultura do Norte Mosteiro de São Martinho de Tibães Percentagem de visitantes do Serviço de Acolhimento Geral em 2018, distribuídos pelo tipo de visitas realizadas
dades diferentes, das quais resultaram 942 sessões desenvolvidas pelos diferentes técnicos do Mosteiro de São Martinho de Tibães. Em média, houve mais de duas sessões educativas ou culturais por dia.
Visitas com audioguia 38%
Visitas guiadas 25%
Uma referência também ao Serviço de Acolhimento Geral que, dos 11.352 visitantes acolhidos, 25% (2.865) participaram em visitas guiadas; 37%
Visitas livres 37%
(4.186) nas visitas livres; e 38% (4.301) nas visitas livres com apoio de áudio-guias.
Tipo de visitas realizadas pelo Serviço de Acolhimento Geral em 2018, em percentagem (2019, Arquivo do MSMT©, recolha e tratamento de dados: Joaquim Loureiro).
M E DI AÇÃO CULTUR A L : OBJ E TOS, M ODE LOS E PÚBL ICOS
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CONCLUSÃO Desconhecendo o termo, mas utilizando algumas das suas técnicas ao longo dos séculos, a mediação esteve e está presente na vida do mosteiro. Os monges beneditinos foram os mediadores entre Deus e os Homens, o veículo de transmissão da mensagem cristã. Evangelizando e catequizando os povos, serviram de ponte comunicacional entre dois mundos: o terrestre e o celeste.
Atualmente, de forma implícita ou explícita, em vários momentos e com diferentes intervenientes - tal como refere mais em pormenor Loureiro 14 no trabalho desenvolvido sobre esta temática em 2013 -, o conceito de mediação cultural ainda tem pouca utilização no discurso desenvolvido no Mosteiro de São Martinho de Tibães, mas acaba por ser uma prática recorrente do dia-a-dia nas ações que nele são desenvolvidas, traduzindo-se na conceção de um vasto conjunto de estratégias de mediação que visam estabelecer pontes para aproximar o mosteiro do público. Lago na cerca do Mosteiro de São Martinho de Tibães (2013, Arquivo do MSMT©, fotografia de Jorge Inácio).
Os resultados têm sido muito positivos, tal como comprovam os dados estatísticos recolhidos sobre os públicos que visitam o Mosteiro de São Martinho de Tibães e a projeção que o mesmo tem tido a nível nacional, nas mais diversas áreas de conhecimento, sendo hoje um local de referência quando se fala em restauro, recuperação e educação patrimonial.
Existem contudo muitos desafios a ultrapassar e que obrigam todos a: - Tentar seguir um caminho que possa ir ao encontro dos objetivos emanados pela Tutela, mas que nunca deixe de parte a identidade do Mosteiro de São Martinho de Tibães; - Continuar a promover o diálogo e interação com todas as instituições que coabitam no monumento, criando sinergias; - Tornar o Mosteiro de São Martinho de Tibães acessível a todos, independentemente do tipo de limitação que o visitante possa ter; - Continuar a ter total abertura às propostas que surjam, adequando-as ao contexto, ao espaço e aos anseios e motivações dos públicos;
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- Interagir com diferentes parceiros, com múltiplas sensibilidades, não impondo, mas incentivando a cultura do diálogo, a reativação das relações humanas, o respeito pelas pessoas, na perspetiva de encontrar o melhor caminho para que todos se sintam integrados e incluídos nos projetos e atividades a desenvolver, promovendo dessa forma a sua capacitação, a consciência social e a cidadania ativa.
Crianças no final de uma visita à cerca do Mosteiro de São Martinho de Tibães (2012, Arquivo do MSMT©, fotografia de Jorge Inácio).
Ter as portas abertas a todos, dar a conhecer e ajudar a interpretar o património, colaborar com as instituições de vizinhança, incluir diferentes culturas e pessoas com necessidades especiais, colocar em contacto o rural e o erudito, são a chave para criar afetos e estabelecer relações de proximidade que levem as pessoas a amar e a sentir o conjunto monástico, tornando-o numa plataforma de encontro, de partilha e de mediação!
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BIBLIOGRAFIA BONAFÉ-SCHMITT, Jean-Pierre – Mediação, conciliação, arbitragem: técni-
SEIJO, Juan Carlos Torrego – Mediação de conflitos em instituições educa-
cas ou um novo modelo de relação social? In SILVA, A.; MOREIRA, M. (Or-
tivas. Porto: Edições Asa, 2003.
ganização) – Formação e Mediação Socioeducativa: perspetivas teóricas e práticas. Porto: Areal Editores, 2009. pp. 15-46.
SILVA, A. M. C.; MOREIRA, M. A. - Formação e Mediação Sócio-educativa: perspectivas teóricas e práticas. Porto: Areal Editores, 2009.
COSTA, Maria João Dias (Organização) – “O Cerco”. Uma festa de Mire de Tibães, em Braga. Braga: IPPAR – Museu do Mosteiro de São Martinho de
TORREMORELL, Maria Carme Boqué – Cultura de Mediação e Mudança
Tibães, 1997.
Social. Porto: Porto Editora, 2008.
COSTA, Maria João Dias (Organização) – O Presépio Movimentado. Tibães ConVento e Movimento. Braga: IPPAR – Museu do Mosteiro de São Martinho de Tibães, 1996. FONTES, Luís – São Martinho de Tibães, um sítio onde se fez um mosteiro. Lisboa: IPPAR – Departamento de Estudos, 2005. JARES, Xesús – Educação e Conflito. Guia de Educação para a convivência. Porto: Edições Asa, 2002. LOUREIRO, Joaquim Fernandes – O papel da Mediação na construção da história contemporânea do Mosteiro de S. Martinho de Tibães (19872012). Braga: Instituto de Educação da Universidade do Minho, 2013. Relatório de Estágio do Mestrado em Educação, Área de Especialização em Mediação Educacional e Supervisão na Formação. MATA, Aida Maria Reis – Vidas na vida de um mosteiro. Misericórdia de Braga - Revista da Santa Casa da Misericórdia de Braga. Braga: Santa Casa da Misericórdia, n.º 7 (2011) 87-168. MATA, Aida Maria Reis da (Organização) – Uma memória Rural no Couto de Tibães. Braga: IPPAR – Museu do Mosteiro de São Martinho de Tibães, 1993. OLIVEIRA, Paulo – A Congregação Beneditina Portuguesa no percurso para a extinção (1800-1834). Viseu: Palimage Editores, 2005. OLIVEIRA, Paulo – Artistas nos mosteiros de S. Bento. In MATA, A.; OLIVEIRA, E. (Organização) – Conhecer o Mosteiro de Tibães. [s.l.]: Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães, 2017. pp. 135-150. PEIXOTO, José Carlos Gonçalves – Memórias do Couto de Tibães. Braga: Câmara Municipal de Braga, 2017. PEIXOTO, José Carlos Gonçalves – Tibães, marcos e domínios. [s.l.]: [s.n.], 2014. RAMOS, Anabela – Couto de Tibães – Funcionamento do poder judicial e municipal. In MATA, A.; OLIVEIRA, E. (Organização) – Conhecer o Mosteiro de Tibães. [s.l.]: Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães, 2017. pp. 197214.
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NOTAS 1
Página 21 de PEIXOTO, José Carlos Gonçalves – Memórias do Couto de
13
Programa de Atividades do Serviço de Educação para o ano letivo 2019-
2020.
Tibães. Braga: Câmara Municipal de Braga, 2017. 14 Páginas 95 a 98 de LOUREIRO, Joaquim Fernandes – O papel da Mediação 2
Página 114 de FONTES, Luís – São Martinho de Tibães, um sítio onde se fez
um mosteiro. Lisboa: IPPAR – Departamento de Estudos, 2005.
na construção da história contemporânea do Mosteiro de S. Martinho de Tibães (1987-2012). Braga: Instituto de Educação da Universidade do Minho, 2013. Relatório de Estágio do Mestrado em Educação, Área de Especialização em Mediação
3
Página 92 de MATA, Aida Maria Reis – Vidas na vida de um mosteiro. Mise-
Educacional e Supervisão na Formação.
ricórdia de Braga - Revista da Santa Casa da Misericórdia de Braga. Braga: Santa Casa da Misericórdia, n.º 7 (2011) 87-168. 4
Páginas 83 a 138 de PEIXOTO, José Carlos Gonçalves – Tibães, marcos e
domínios. [s.l.]: [s.n.], 2014. 5
A este respeito consultar mais informação no seguinte artigo: RAMOS, Ana-
bela – Couto de Tibães – Funcionamento do poder judicial e municipal. In MATA, A.; OLIVEIRA, E. (Organização) – Conhecer o Mosteiro de Tibães. [s.l.]: Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães, 2017. pp. 197-214. 6
Páginas 99 a 103 de PEIXOTO, José Carlos Gonçalves – Tibães, marcos e
domínios. [s.l.]: [s.n.], 2014. 7
Sobre este assunto consultar mais informação no seguinte artigo: OLIVEIRA,
Paulo – Artistas nos mosteiros de S. Bento. In MATA, A.; OLIVEIRA, E. (Organização) – Conhecer o Mosteiro de Tibães. [s.l.]: Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães, 2017. pp. 135-150. 8
O Museu do Mosteiro de São Martinho de Tibães foi criado pelo Decreto-Lei
n.º 307/90 de 28 de setembro, publicado no Diário da República, Iª Série, n.º 225. 9
De referir que o conjunto monástico é composto: pelo cruzeiro (classificado
como Monumento Nacional desde 16 de junho de 1910 – Diário do Governo n.º 136/1910, de 23 de junho); pelo edifício e construções arquitetónicas da cerca (classificados como Imóveis de Interesse Público - Decreto n.º 33587/1944, de 27 de março). Foi criada uma Área Especial de Proteção para o conjunto (Diário da República n.º 242, IIª Série, de 18 de outubro de 1949), a qual foi alargada e fixada em 13 de agosto de 1994, através da Portaria n.º 736. 10 Entre o ano de 2010 e dezembro de 2017 residiram no mosteiro Irmãs da Congregação Donum Dei – Irmãs Trabalhadoras da Imaculada. Em fevereiro de 2018 entrou outra comunidade religiosa ao serviço – a Comunidade Católica Shalom (mais informações em https://www.comshalom.org/mission/braga/).
11 Página 6 de SILVA, A. M. C.; MOREIRA, M. A. - Formação e Mediação Sócio-educativa: perspectivas teóricas e práticas. Porto: Areal Editores, 2009. 12 Página 70 de TORREMORELL, Maria Carme Boqué – Cultura de Mediação e Mudança Social. Porto: Porto Editora, 2008.
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3 MUSEU DE ALBERTO SAMPAIO
GUI M AR ÃES
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Patrícia Carla Silva Sampaio
Sónia Cristina Torres da Silva
Museu de Alberto Sampaio – Direção Regional de Cultura do Norte
Museu de Alberto Sampaio – Direção Regional de Cultura do Norte
masampaio.patriciasampaio@culturanorte.gov.pt
masampaio.soniasilva@culturanorte.gov.pt
Patrícia Carla Silva Sampaio nasceu em Fafe a 14 de janeiro de 1975. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Franceses e Ingleses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1997. Concluiu pós-graduação em Necessidades Educativas Especiais, no Instituto Superior de Ciências Educativas de Felgueiras, em 2006. De 1996 a 2006 foi professora do 3.º ciclo do ensino básico e secundário e, em regime de destacamento, em 2006, trabalhou temporariamente na criação de um programa educativo no Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, em Felgueiras, tendo de seguida obtido transferência para o Museu de Alberto Sampaio (Guimarães). Desempenha até hoje funções no Serviço Educativo deste museu, que incluem, entre outras, a preparação, planificação, divulgação, agendamento, realização de atividades de mediação cultural para os diferentes públicos, a produção de conteúdos vários, nomeadamente de cariz pedagógico e adaptados ao público infantojuvenil e tradução de diversos materiais e edições.
Sónia Cristina Torres da Silva nasceu no Porto a 19 de julho de 1976. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses e Ingleses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1999. Concluiu pós-graduação em Necessidades Educativas Especiais, na Universidade Lusíada do Porto, em 2006. De 1998 a 2006, foi professora do 3.º ciclo do ensino básico e secundário e, em 2006, em regime de destacamento, trabalhou temporariamente no Paço dos Duques de Bragança (Guimarães), colaborando na realização de atividades de mediação cultural. Seguiu-se transferência para o Museu de Alberto Sampaio (Guimarães) onde desempenha, até hoje, funções no Serviço Educativo, dedicando-se à preparação, planificação, divulgação, agendamento, realização de atividades de mediação cultural para os diferentes públicos, à produção de conteúdos vários, nomeadamente de cariz pedagógico e adaptados ao público infantojuvenil, à tradução de diversos materiais e edições, entre outras tarefas.
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Algumas práticas de mediação cultural no Museu de Alberto Sampaio
O Museu de Alberto Sampaio situa-se no coração do centro histórico de Guimarães, Património Cultural da Humanidade desde 2001, e ocupa espaços de reconhecida importância histórica, artística e cultural. No local onde está instalado encontramos a génese de Guimarães. Neste preciso local, no remoto século X, a poderosa e determinada condessa de Portucale, Mumadona Dias, ordenou a construção de um mosteiro, com sua respetiva igreja, dedicado ao Salvador do Mundo e à Virgem Maria. Esta edificação marcou o nascimento do burgo de Guimarães, assumindo-se como polo atrativo para a fixação humana. Com o intuito de proteger este mosteiro, que foi acumulando bens e propriedades e atraindo a cobiça de Mouros e Normandos, a fundadora de Guimarães mandou também construir um primitivo castelo na parte mais alta deste povoado.
Cerca de dois séculos depois, por ação do conde D. Henrique de Borgonha, já estabelecido em Guimarães, o mosteiro deu lugar a outro tipo de instituição religiosa: a Colegiada de Santa Maria de Guimarães, mais tarde, Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Ao longo dos séculos, transformou-se na instituição religiosa mais importante de Guimarães (rivalizando com a vizinha Sé de Braga) e beneficiou de contínua proteção real, nomeadamente por parte do décimo moFachada do Museu de Alberto Sampaio (2012, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
narca de Portugal, D. João I, que lhe concedeu um conjunto de regalias que ficaram conhecidas como “os Privilégios das Tábuas Vermelhas”.
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Na sequência do decreto de 28 de maio de 1834, que ditou a extinção das ordens religiosas, a Real e Insigne Colegiada foi encerrada em 1869, sendo, no entanto, num esforço de resistência fomentado pela Câmara de Guimarães, reaberta por carta régia de 8 de janeiro de 1891. Foi no seio desta conjuntura política que surgiu a preocupação, por parte dos vimaranenses, em proteger o precioso património pertencente a esta instituição, o que se refletiu na criação, ainda em 1891, do incipiente “Museu de Archeologia Christã”. A legislação republicana de 1911 estabeleceu a separação da Igreja do Estado e conduziu ao definitivo encerramento da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Não havia sido infundada a precoce preocupação com a possível dispersão do património pertencente à Colegiada e foi esta “ameaça” premente que continuou a alimentar o movimento liderado pelas elites vimaranenses, reforçado, todavia, pelo apoio popular. Deste esforço nasceu o Museu de Alberto Sampaio com a publicação do Decreto-Lei n.º 15209, de 17 de março de 1928: “Artigo 1.º - É criado na cidade de Guimarães um museu de artes decorativas, de carácter regional, com designação de Museu Alberto Sampaio, o qual comportará os elementos de arquitectura, escultura, pintura, ourivesaria, tecidos, bordados, mobiliário, cerâmica e entalhadoria, que são Alberto Sampaio (DRCN – Museu de Alberto Sampaio©)
propriedade do Estado, e pertenceram à extinta Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e Conventos de Santa Clara e Capuchinhas, da mesma cidade (…).” 1 A designação escolhida representou uma simbólica homenagem ao historiador vimaranense Alberto Sampaio. Tratou-se de um reconhecimento da cidade pelo contínuo empenho deste seu filho que se notabilizou na luta pelo progresso económico e cultural da cidade que o viu nascer em 1841. Não obstante, há um outro nome e cidadão de referência diretamente ligado à história deste museu, o do seu fundador e primeiro diretor: Alfredo Guimarães. Sem a sua abnegada e resiliente determinação, alimentada pela imensa paixão que nutria pelo património, sem o seu incansável esforço de mobilização da sociedade vimaranense em torno da salvaguarda dos bens da extinta Colegiada, não teria este conjunto de objetos artísticos permanecido na sua ambiência natural nem teria este museu, descrito por José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, como “um dos mais belos museus” 2, chegado a existir.
Alfredo Guimarães junto à Sala do Capítulo do Claustro do Museu de Alberto Sampaio (Ca. 1935, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©)
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Loudel de D. João I (2017, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Tríptico da Natividade (2014, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
O Museu de Alberto Sampaio ocupa edifícios pertencentes à referida instituição religiosa, os quais, excetuando a Casa do Cabido, foram classificados como monumento nacional em 1910. Esta instituição possui uma coleção muito diversa, destacando-se, no entanto, as seguintes categorias: ourivesaria, pintura, escultura, têxtil e talha. Dela fazem parte 12 peças classificadas como tesouro nacional e, se a maioria das suas peças se relaciona diretamente com a História local, outras há que, para além desta ligação, assumem reconhecida relevância na História de Portugal. Exemplo perfeito deste duplo valor são as duas peças de referência do museu: o tríptico da Natividade em prata dourada e o loudel, presentes oferecidos por D. João I a Santa Maria da Oliveira como agradecimento pela vitória alcançada na Batalha de Aljubarrota, travada a 14 de agosto de 1385.
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MUSEU DE ALBERTO SAMPAIO: PÚBLICOS E MEDIAÇÃO CULTURAL Segundo os Estatutos do ICOM, adotados na 22.ª Assembleia Geral em Viena, Áustria, a 24 de agosto de 2007: “O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.” 3 Também a Lei n.º 47/2004 de 19 de agosto, que aprova a Lei-quadro dos Museus Portugueses, apresenta uma definição de museu: “Artigo 3.º Conceito de museu 1 — Museu é uma instituição de carácter permanente, com ou sem personalidade jurídica, sem fins lucrativos, dotada de uma estrutura organizacional que lhe permite: a) Garantir um destino unitário a um conjunto de bens culturais e valorizá-los através da investigação, incorporação, inventário, documentação, conservação, interpretação, exposição e divulgação, com objetivos científicos, educativos e lúdicos; b) Facultar acesso regular ao público e fomentar a democratização da cultura, a promoção da pessoa e o desenvolvimento da sociedade.” 4
Ambas as definições apontam, entre outras coisas, para as inúmeras funções de um museu, funções essas que não variaram muito ao longo do tempo. Foi mudando, no entanto, o enfoque colocado em cada uma delas, tal como refere José Amado Mendes, que relaciona esta mudança com “… as opiniões, as mentalidades, a ideologia, ou seja, com a própria conceção que, em determinada época, se tem do Homem e da sociedade.” 5 Comunicar e tornar o objeto cultural acessível ao maior número possível de pessoas é, como se infere da definição supracitada, uma das missões de um museu, assumindo-se esta como tão importante quanto a de reunir e conservar o espólio que guarda. De facto, o estudo da História e evolução dos museus evidencia um percurso gradualmente trilhado no sentido de tornar estes espaços e os seus objetos acessíveis, tendo-se vindo a afirmar a tendência de um esforço contínuo e progressivo de “democratização” desta instituição cultural. Fomo-nos afastando lentamente
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do tempo em que o museu servia apenas a elite; hoje assume-se que “…um museu serve muito se a muitos servir…” 6. A evolução testemunhada conduziu a uma diversificação de públicos, o que obrigou o museu a repensar as suas funções e a reinventar-se enquanto espaço de conservação, de estudo, de exposição e de comunicação, nomeadamente através da adoção de estratégias e atividades que procuravam dar resposta às especificidades e interesses dos seus novos potenciais visitantes. A “sacralidade” e a “estaticidade” que outrora o caraterizavam deram lugar a um dinamismo ativado por uma plêiade de novas iniciativas que foram proliferando e continuam a emergir avonde. Na verdade, este esforço coaduna-se com o objetivo cada vez mais perseguido de “… promover a aproximação entre indivíduos ou coletividades e obras de cultura e arte.” 7, ou seja, de desenvolver ações do que se designa hoje em dia por “mediação cultural”. Os museus têm procurado implementar nas suas práticas processos facilitadores da compreensão da obra, das peças, do seu espólio, do próprio espaço, que, ao mesmo tempo, desencadeiem a vivência de experiências positivas, desejavelmente memoráveis, e que deixem no visitante a vontade de regressar. Mediação cultural é um conceito que pode ser posto em prática de variadíssimas formas e que pode incidir sobre os mais diversos aspetos, se considerarmos que tudo num museu, desde a fachada aos mais ínfimos detalhes presentes no seu interior, possui potencial comunicativo, ou seja, transmite mensagens. As opções pela forma como os objetos são expostos, a intenção subjacente a essas opções, a qualidade estética dos materiais expositivos, a existência de obstáculos físicos que comprometam a segurança do visitante, o seu conforto, o seu acesso ao espaço e à informação disponibilizada, a própria forma de acolhimento por parte de todos os que trabalham no museu são elementos que “comunicam” com o visitante e que exercem sobre ele algum tipo de influência. Assim, ações de mediação conscientes da multitude de aspetos com poder influenciador podem ser levadas a cabo para que o museu seja capaz de estabelecer relações com o público proporcionadoras de verdadeira fruição. A persecução deste objetivo exige, por conseguinte, um trabalho conjunto e concertado de toda a equipa do museu: Direção, Gestão de Coleções, Curadoria, Guardaria, Apoio Técnico e Serviço Educativo.
Este último departamento é uma das faces visíveis de todas as decisões e opções feitas, podendo estas condicionar, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos positiva, a sua ação bem como a experiência do visitante. É, adicionalmente, e juntamente com os elementos da vigilância, um dos recetores mais imediatos das impressões que o resultado das referidas escolhas causa no visitante. A ação dos técnicos do Serviço Educativo e dos vigilantes pode ser determinante na própria construção da imagem que o visitante formará do museu, pelo que é relevante que os seus recursos humanos estejam cientes desse seu poder influenciador e, portanto, igualmente mediador.
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No que concerne especificamente à ação mediadora exercida pelo Serviço Educativo de um museu, sobre a qual nos debruçaremos a partir deste momento, sendo os seus técnicos os responsáveis por estabelecer uma comunicação mais direta e imediata com os visitantes, este pode constituir-se como um dos agentes mais ativos para a atração dos públicos e criação de relações com a cultura e/ou o objeto cultural. Uma relação pressupõe a existência de, pelo menos, dois sujeitos e está sempre dependente da vontade mútua destes para se interrelacionarem. Partindo da ideia de que a emergência de uma relação depende da capacidade que o outro tem de atrair, a ação mediadora de um Serviço Educativo assenta no desenvolvimento de ações que possuam capacidade atrativa. Os Serviços Educativos têm, assim, vindo a desenvolver atividades e iniciativas que visam dar resposta às solicitações da sociedade atual e captar o público em geral. No entanto, é possível verificar que os Serviços Educativos, na generalidade, apostam grandemente no público escolar, o que decorre da importância atribuída ao estabelecimento precoce Grupo de crianças do jardim de infância após participação numa atividade do museu (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Adriana Lopes).
de relações entre o museu e o visitante. Quanto mais cedo estas relações emergirem, mais probabilidade de enraizamento e de permanência elas terão. Luta-se, assim, para que, desde cedo, o público infantojuvenil se familiarize com estes espaços e, um dia, os sinta como espaços tão abertos, acessíveis e “confortáveis” como os de uma superfície comercial.
Promover a criação de relações duradouras com o público tem sido, ao longo dos tempos, uma das missões mais importantes do Museu de Alberto Sampaio. Foi nos anos 60 do século passado que as primeiras atividades de mediação do incipiente Serviço Educativo deste museu tiveram lugar. Seguiu-se um período de aposta em mediadores com formação na área da educação que conduziu à requisição de docentes ao Ministério da Educação. Considerou-se que este novo recurso humano possuía um dos perfis privilegiados para o estabelecimento da ponte comunicativa almejada. Na década de 90, a tentativa de aproximar as escolas do museu caracterizou-se pelo esforço de adequar as atividades de mediação do museu aos programas curriculares e assistiu-se a um investimento na sensibilização dos próprios docentes, através, nomeadamente, da realização de Encontros de História Local, momento de atualização de conhecimentos sobre a História de Guimarães e de Portugal que se foi afirmando no panorama cultural de Guimarães à época e conquistando público. Neste período, as atividades de mediação aumentaram em número e variedade, incluindo as tradicionais visitas guiadas às coleções e às exposições temporárias, os ateliês de expressão plástica, cursinhos para ocupação das pausas letivas, entre outras atividades. Os passos dados pelo Serviço Educativo neste período foram fidelizando o público escolar e a qualidade do seu programa educativo foi distinguida pela Associação Portuguesa de Museologia com o prémio “Melhor Serviço Educativo – Animação de Atividades no Triénio de 1996-97-98”.
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A partir do ano 2000, com o apoio da recém-criada Associação dos Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio, o seu Serviço Educativo chegou a um novo tipo de público escolar: as crianças do pré-escolar. Esta conquista adicional foi inevitavelmente acompanhada pelo desenvolvimento de um conjunto de atividades adaptadas à faixa etária em causa e, assim, surgiram novas modalidades de atividades de mediação: “Caça aos anjinhos” e “DesPrémio “Melhor Serviço Educativo – Animação de Atividades no Triénio de 199697-98” atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa)
cobrir animais”. Não esquecendo o público escolar que já se tornara visitante habitual e se procurava fidelizar, o museu continuou a empenhar-se em diversificar o seu programa de atividades educativas investindo em atividades de mediação distintas que fizeram e continuam a fazer sucesso: os teatros de marionetas e os teatros de sombras, bem como as descobertas do centro histórico e do museu com apoio de guiões. Atualmente, o Serviço Educativo do museu continua a trabalhar no sentido de dar resposta o mais adequada possível às necessidades dos seus diferentes públicos, procurando, desta forma, dar cumprimento a uma das suas missões primordiais: construir relações com os mais diversos públicos, relações que os cativem para sempre e os façam sentir vontade de voltar!
Das várias atividades mediadas pelo Serviço Educativo do Museu de Alberto Sampaio, destacaremos, seguidamente, os teatros de marionetas e as atividades de descoberta pelo seu caráter diferenciador. O Museu de Alberto Sampaio foi pioneiro na promoção destes dois tipos de atividades e elas foram determinantes para a conquista e fidelização de públicos. Daremos igualmente destaque às publicações infantojuvenis, via de mediação cultural em que a Direção deste museu e o seu Serviço Educativo sempre apostaram fortemente. Referiremos também a produção de filmes de animação para mediação de figuras históricas relevantes para a História de Guimarães e de Portugal. Quanto às atividades de mediação direcionadas para o público adulto, faremos breve referência aos cursos de formação e à iniciativa “Museu à Noite”.
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ALGUMAS PRÁTICAS DE MEDIAÇÃO CULTURAL DESENVOLVIDAS TEATROS DE MARIONETAS Uma das práticas de mediação cultural em que o Museu de Alberto Sampaio tem apostado consiste na apresentação de teatros de marionetas recorrendo a dois modelos distintos: o teatro de marionetas de arame e o teatro de marionetas de sombras. Este tipo de atividade visa alcançar um número significativo de objetivos: dar a conhecer as coleções e os espaços de valor patrimonial do museu; desenvolver o gosto pela História local e nacional partindo do espólio museológico; promover o conhecimento de histórias e lendas relacionadas com Guimarães e contribuir, assim, para a preservação deste património oral; e dar a conhecer figuras relevantes ligadas à História local e nacional. Teatro de marionetas “Como D. João I tomou a Vila de Guimarães” (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Garantir a oferta de atividades com o máximo de qualidade aos mais vários níveis é preocupação constante da Direção do museu bem como dos mediadores do seu Serviço Educativo. Por isso, neste caso específico, esta atividade tem sido desenvolvida, ao longo dos anos, em colaboração com a Companhia de Teatro e Marionetas de Mandrágora, que, após receber a informação científica fornecida pelo Serviço Educativo, a adapta, criativamente, a um texto dramático e concebe a estrutura de apresentação das peças, as marionetas, os cenários, responsabilizando-se também pela iluminação e sonoplastia. A realização desta atividade comporta três fases que consistem num primeiro momento de contextualização temática e de motivação, num segundo momento de apresentação da peça propriamente dita e num último momento de recolha de impressões/ reações. A procura deste tipo de atividade de mediação tem justificado o investimento na sua criação, pelo que o museu conta atualmente com uma oferta bastante variada a este nível.
Teatro de sombras “E assim nasceu Guimarães” (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa)
Recursos materiais: Estrutura de apresentação, cenários, marionetas de arame/ de sombra, sistema de som e colunas, iluminação Recursos humanos: 2 mediadores Recursos Logísticos: Necessidade de agendamento prévio e destacamento de mediadores; definição de número mínimo e máximo de participantes Espaços: Sala própria N.º de participantes: 10 a 60
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(Figura 10) Tipo de a/vidade
Tema
Teatros de marionetas Vários de arame
Designação “Sonhos da Roberta: há freiras no museu”
Espólio presente na Sala de Santa Clara
“Histórias do Tio Alberto”
Alberto Sampaio, patrono do museu
“Afonso Henriques, um rei a valer!”
Afonso Henriques e a sua vida
“Como D. João I tomou a Vila de Guimarães”
Espólio presente na Sala de Aljubarrota
“Mumadona Dias: a fundadora de Guimarães”
Figura fundadora de Guimarães e a sua ação na criação das duas construções na génese da cidade
“Lenda da Oliveira”
Praça da Oliveira e tesouro de Nossa Senhora da Oliveira
“Lenda de Santa Catarina da Penha” “Lenda do cutileiro” “Lenda do espirro de D. João I”
Espólio presente na Sala de Aljubarrota
“Lenda da Santa Cabeça”
Relicário da Santa Cabeça em exposição na Sala de Ourivesaria
“Lenda de Egas Moniz”
Figuras proeminentes da História local: Egas Moniz e Afonso Henriques
“Lenda de Santa Margarida”
Pintura e escultura representando Santa Margarida em exposição na Sala de Pintura e Escultura
“E assim nasceu Guimarães…” História e Tradições Locais “Mãos enamoradas”
Tabela com oferta a nível de teatros de marionetas e de sombras (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, ilustração de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
Públicos
A procura de atividades mediadas pelo Serviço Educativo registou
Pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico
alguns picos excecionais, que se rela-
Pré-escolar e 1.º e 2.º ciclos do ensino básico
de comemoração de efemérides ou de
1.º e 2.º ciclos do ensino básico
cionam essencialmente com momentos campanhas especiais, sendo de destacar o período de promoção de Guimarães como Capital Europeia da Cultura (2011), cujos efeitos se fizeram sentir de forma genérica no museu em termos de afluência de públicos.
Monte da Penha Passado histórico de Guimarães enquanto centro de cutelarias
Lendas Teatros de sombras
Objeto mediado
Pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico
Relativamente aos teatros de marionetas, a procura deste tipo de atividade de mediação foi acompanhando a evolução, em termos de procura, das restantes atividades.
Importância do local e espaços ocupados pelo MAS e sua evolução
1.º e 2.º ciclos do ensino básico
Cantarinha das prendas e lenço dos namorados
Pré-escolar e 1.º e 2.º ciclos do ensino básico
O primeiro teatro de marionetas estreou em 2006, tendo, nos anos iniciais, nomeadamente em 2008, chegado a ser a atividade mais procurada e representado 66% das atividades educativas
do Museu de Alberto Sampaio. Nesse ano comemorou-se o centenário da morte de Alberto Sampaio e tiveram lugar várias campanhas promocionais que incluíam a apresentação de teatros de marionetas e de sombras. De facto, os momentos de maior procura observados coincidem normalmente com os anos de estreia de peças, sendo a novidade inerente um fator adicional de atração, e com promoção de iniciativas que combinam a oferta de publicações do Serviço Educativo e apresentação de teatros. Os teatros de marionetas são, como se percebe pela especificidade do objeto mediado que lhes está na origem, atividades temáticas que permitem centrar a mediação num elemento particular da coleção ou num elemento específico da cultura, história ou património locais. Assim, eles contribuem para a diversificação da oferta do Serviço Educativo e, representando um ponto de partida particular e parcelar, têm um papel fundamental no desenvolvimento do gosto pelo conhecimento do museu em geral e das suas coleções. Hoje em dia,
Gráfico com análise comparativa entre teatros e restantes atividades desenvolvidas pelo Serviço Educativo (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, ilustração de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
os teatros de marionetas continuam a ser uma atividade de mediação motivadora e a sua procura corresponde a, pelo menos, um quarto de todas as atividades dinamizadas pelo Serviço Educativo.
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Embora este tipo de atividade de mediação apresente um potencial de adaptação praticamente inesgotável, isto é, permite mediar um universo de objetos igualmente infinitos, atualmente a oferta deste modelo de mediação a nível local e nacional já é bastante alargada e plural, pelo que o desafio que se impõe ao Serviço Educativo é o de conseguir manter/ aumentar o nível de interesse e de procura pelos seus teatros.
ATIVIDADES DE DESCOBERTA O Serviço Educativo do Museu de Alberto Sampaio tem investido numa outra prática de mediação que visa incentivar a descoberta autónoma do próprio museu e do centro histórico de Guimarães, Património Cultural da Humanidade desde 2001. Este tipo de atividade coaduna-se igualmente com outros objetivos gerais que o Serviço Educativo persegue continuamente, como sejam: despertar o gosto pelo conhecimento da HisAtividade de Descoberta no Museu de Alberto Sampaio com apoio do guião (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
tória local e nacional; sensibilizar para a importância do património local e nacional; desenvolver o espírito crítico e ensinar a perspetivar o presente tendo como referência o conhecimento do passado; permitir a fruição individual, respeitando ritmos pessoais, de espaços e locais com valor histórico e artístico.
A realização destas atividades de descoberta implica a utilização de guiões compostos por um conjunto de pistas e desafios orientadores que incentivam os participantes a explorar os espaços e as coleções para descobrir a sua história, as suas curiosidades e o valor patrimonial associado.
No caso desta atividade, a investigação e produção de conteúdos científicos fica a cargo do Serviço Educativo do museu e, mais uma vez, numa tentativa de manter a qualidade estética e apelativa dos materiais e da própria atividade, recorre-se à colaboração de uma equipa de design gráfico, a Elástico Design, cujo trabalho é de reconhecido valor. Esta atividade inicia-se com a receção do grupo e com um primeiro momento de apresentação da mesma e das regras a cumprir, seguindo-se a sua realização e um momento final de recolha de impressões. Atividade de Descoberta no centro histórico de Guimarães com apoio do guião (2014, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Adriana Lopes).
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Este tipo de atividade de mediação conheceu, também, ao longo dos anos uma crescente diversificação, sendo, atualmente, esta a oferta:
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ATIVIDADES DE DESCOBERTA NO CENTRO HISTÓRICO Recursos materiais: Guião e lápis Recursos humanos: 1 mediador Recursos Logísticos: Necessidade de agendamento prévio e destacamento de mediadores; definição de número mínimo e máximo de participantes Espaços: Variável N.º de participantes: 10 a 50 Tipo de atividade
Descoberta no CH
Designação
Objeto mediado
“À Descoberta da Praça da Oliveira”
Praça da Oliveira
“À Descoberta da Praça de Santiago”
Praça de Santiago
“Da Vila de Cima à Vila de Baixo”
Centro histórico de Guimarães
“À Descoberta do Centro Histórico de GuiCentro histórico de Guimarães marães” “À Conquista de Guimarães… de comboio!”
Centro histórico de Guimarães
Públicos 1.º e 2.º ciclo do ensino básico 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário
Tabela com oferta a nível de atividades de descoberta no centro histórico de Guimarães (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, ilustração de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
ATIVIDADES DE DESCOBERTA NO MUSEU Recursos materiais: Guião e lápis Recursos Logísticos: Necessidade de agendamento prévio e destacamento de mediadores; definição de número mínimo e máximo de participantes Recursos humanos: 1 mediador Espaços: Museu de Alberto Sampaio N.º de participantes: 10 a 50 Tipo de atividade
Descoberta no Museu
Designação
Objeto mediado
“À Descoberta do Museu de Alberto SamO museu e suas coleções paio”
Públicos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico
3.º ciclo do ensino “À Descoberta do Românico e do Gótico no Marcas do Românico e do Gótico no mubásico e ensino Museu” seu e suas coleções secundário
Tabela com oferta a nível de atividades de descoberta no Museu de Alberto Sampaio (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, ilustração de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
As primeiras edições dos guiões utilizados nestas atividades de descoberta no centro histórico e no interior do museu remontam a 2007 e a 2011, respetivamente, embora já antes se realizassem estas atividades de mediação, mas com recurso a guiões policopiados. Os primeiros guiões a serem editados foram o “À Descoberta do Centro Histórico de Guimarães” em português e a mesma edição em castelhano. O sucesso destas publicações, especialmente da versão portuguesa, foi tão positivo que, no ano seguinte (2008), se apostou na publicação de mais dois guiões, desta feita, “À Descoberta da Praça da Oliveira” e “À Descoberta da Praça de Santiago”. Todos os guiões são alvo de atualizações que decorrem de alterações em alguns pontos do percurso expositivo do museu bem como do circuito do centro histórico, o que é feito quando se esgotam as edições.
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Ao longo dos anos, a procura deste tipo de atividade de mediação tem-se mantido constante e atualmente representa 18% das preferências dos públicos do Serviço Educativo do Museu de Alberto Sampaio.
Gráfico com análise comparativa entre atividades de descoberta e restantes atividades desenvolvidas pelo Serviço Educativo (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, ilustração de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
A realização das atividades de descoberta implica obrigatoriamente a utilização do respetivo guião (e material de escrita), que é levado pelos participantes no final da atividade. Para além de poder ser reutilizado noutra altura e noutro contexto (por exemplo, numa visita em família), estes guiões documentam a experiência vivenciada. Nos últimos anos, tem-se assistido a uma procura deste tipo de atividade de mediação por parte de novos públicos, nomeadamente por parte de grupos de alunos de nacionalidade estrangeira que se encontram em Portugal no âmbito do programa Erasmus. Assim, o Serviço Educativo prepara-se, neste momento, para a edição dos guiões “À Descoberta do Centro Histórico de Guimarães” e “À Descoberta do Museu de Alberto Sampaio” em língua inglesa, sendo que esta necessidade tem sido suprida com versões policopiadas deste material. Adicionalmente, encontra-se em fase de estudo a adaptação deste tipo de atividade de mediação a suportes digitais que poderão substituir a edição em suporte de papel, nomeadamente das versões destinadas ao público escolar do ensino secundário. Para além da evidente vantagem em termos ambientais, esta adaptação funciona também como fator atrativo para este público em particular que domina perfeitamente estas tecnologias e que a elas recorre espontaneamente no dia-a-dia. Esta adaptação permite o acesso e a utilização de um leque de opções variadas e diferenciadoras: registo fotográfico no espaço a explorar, divulgação na internet, acumulação de pontos que tornam a atividade ainda mais desafiante, gravação áudio e vídeo, interação que permite aos participantes perceber, em tempo real, se estão a fazer as opções certas e um sem número de outras possibilidades.
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PUBLICAÇÕES INFANTOJUVENIS
Ano
2004
2005
Título D. João I e Guimarães: Aprender brincando Vamos brincar com a Ana e Mateus, os nossos gordos heróis
Capa
Objeto mediado
D. João I, a sua relação Rosa Maria Saavedra com Guimarães e Sala de Aljubarrota do Fichas: Susana Freitas museu Exposição temporária “Meninos gordos, contar uma história através da faiança”
2006
Roteirinho das Adivinhas
O museu e suas coleções
2006
Roteirinho dos Animais
A representação de animais nas peças do museu
2006
Roteirinho da Música
2006
O Berto descobre o museu
Autores
Serviço Educativo do MAS, do Museu de Olaria e do Museu D’Arte
ISBN 972-776241-7 / 97296494-2-1
972-99763-09/ 972-913849-4
Alexandra Pedro
Rosa Maria Saavedra
Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio; Museu de Alberto Sampaio; Instituto Português de Museus Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio; Barcelos: Museu de Olaria; Câmara Municipal de Barcelos; Esposende: Museu Municipal; Câmara Municipal de Esposende Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio
Coordenação: Rosa Maria Saavedra Alexandra Pedro e Fátima Antunes
Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio
Coordenação: Rosa Maria Saavedra Alexandra Pedro e FátiA presença de elemen- ma Antunes tos musicais nas peças Coordenação: Rosa do museu Maria Saavedra O museu e suas coleções
Editor
Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio
972-776240-9
Instituto Português de Museus
2008
Caderninho de Pintar
O museu e suas coleções
2008
D. João I e Guimarães
D. João I, a sua relação com Guimarães e Rosa Maria Saavedra Sala de Aljubarrota do museu
978-989-625317-2
Museu de Alberto Sampaio
2008
Alberto Sampaio, a brincar é que a gente se entende
Alberto Sampaio, patrono do museu
Patrícia Sampaio e Sónia Silva
978-98995725-0-8
Museu de Alberto Sampaio
2010
Afonso Henriques, um rei a valer!
Afonso Henriques e a sua vida
Patrícia Sampaio e Sónia Silva
Lendas e outras histórias de Guimarães
Lendas e História Local Rosa Maria Saavedra, e sua ligação a lugares Patrícia Sampaio e de Guimarães e ao Sónia Silva espólio do museu
Lendas e outras histórias de Guimarães. Livro de Pintar
Lendas e História Local e sua ligação a lugares Serviço Educativo de Guimarães e ao espólio do museu
2010 2016
2017
Mumadona Dias 2018
A Fundadora de Guimarães
Mumadona Dias e a sua vida
Instituto dos Museus e da Conservação
Rosa Maria Saavedra
978-98995725-5-3 978-97299763-4-6 978-98995725-6-0
Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio; Museu de Alberto Sampaio
Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio; Museu de Alberto Sampaio
Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio
978-97299763-9-1
Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio
Tabela com publicações infantojuvenis do Serviço Educativo do Museu (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, ilustração de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
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Uma outra prática de mediação em que a Direção do museu e o Serviço Educativo têm apostado é a publicação de edições infantojuvenis que visam dar a conhecer episódios e figuras da História de Guimarães e de Portugal, bem como o museu e as suas coleções. Estas edições são, ao mesmo tempo, um meio de promoção do gosto tanto pela História como pela leitura.
Para a produção destas publicações, a investigação e produção de conteúdos científicos têm ficado, uma vez mais, a cargo do Serviço Educativo do museu. Considerando o tipo de público-alvo deste tipo de materiais, torna-se imprescindível a exploração da imagem e, por conseguinte, da vertente estética e artística dos mesmos. Efetivamente, acreditamos que o texto vive da imagem, ou seja, esta não é um mero complemento decorativo, assume antes uma função narrativa adicional. A imagem torna-se, assim, um elemento mediador “per si”, porque facilitador da própria leitura. Não descurando este papel preponderante que a imagem assume neste tipo de publicações, aquando da sua edição, as vertentes estética e artística são entregues à equipa de design gráfico já mencionada, a Elástico Design. A quantidade de publicações infantojuvenis desenvolvidas pelo Serviço Educativo, e publicadas graças ao crucial apoio da Associação dos Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio, evidencia a importância que se tem atribuído a este meio de mediação. Algumas destas publicações encontram-se esgotadas ou prestes a esgotar, sendo, no entanto, nosso desejo reeditá-las, uma vez que continuam a ser procuradas. É o caso do livro “O Berto descobre o museu” e de “D. João I e Guimarães”. Duas destas edições já beneficiaram de uma segunda edição, graças ao apoio da Associação dos Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio. A procura contínua destas edições atesta a sua boa receção e confirma a importância do investimento do museu neste meio de mediação cultural.
Impõe-se como desafio obrigatório a edição de novas publicações como forma de promover a aproximação entre o público infantojuvenil e o museu. Para além disso, no sentido de tornar estas publicações mais acessíveis economicamente, faz parte dos planos do Museu de Alberto Sampaio a reedição com capa mole das publicações com mais procura assim que seja financeiramente viável.
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FILME DE ANIMAÇÃO INFANTOJUVENIL: AFONSO HENRIQUES, O PRIMEIRO REI
Refira-se ainda nesta parte referente às atividades de mediação cultural direcionadas para o público infantojuvenil um outro meio usado pelo museu para dar a conhecer uma das figuras maiores da História local e nacional: Afonso Henriques. No âmbito das comemorações dos 900 anos do nascimento do nosso primeiro monarca, além de outras atividades desenvolvidas e realizadas pelo Serviço Educativo do Museu de Alberto Sampaio, foi produzido um breve filme de animação que conta, de forma extremamente divertida e cativante, a vida desta personagem histórica. Baseando-se na informação cedida pelo Serviço Educativo do museu e contando com Ilustração do filme “Afonso Henriques, o primeiro rei” (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, "printscreen" de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
a coordenação de Isabel Maria Fernandes (diretora deste espaço), Pedro Lino criou o argumento e realizou esta animação. A equipa de profissionais por detrás desta iniciativa foram o garante da qualidade científica e artística que sempre caraterizam a ação deste Serviço Educativo. O filme “Afonso Henriques, o primeiro rei” começou por ser exibido nos espaços do Museu de Alberto Sampaio, tendo sido, posteriormente, disponibilizado on-line no youtube. Atualmente, este filme conta com 463.283 visualizações e, para além da disponibilidade online, pode também ser visualizado na torre de menagem do Castelo de Guimarães. O sucesso desta iniciativa incentiva o desenvolvimento de novos projetos nesta área. Assim, a Direção do Museu de Alberto Sampaio e seu Serviço Educativo encontram-se, neste momento, empenhados na angariação de fundos que permitam a realização e produção de dois novos filmes de animação: um dedicado a Mumadona Dias e outro a D. João I.
Filme “Afonso Henriques, o primeiro rei”, disponibilizado on-line (2010, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©).
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CURSOS PARA ADULTOS
Com o apoio da Associação dos Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio, o museu tem realizado desde março de 2015, sem interrupção, diversos cursos temáticos dirigidos ao público adulto. Esta prática de mediação cultural destina-se a todos aqueles que revelam interesse em aprofundar conhecimentos no domínio da História e da História da Arte ou que pretendem consolidar a sua formação, promovendo, simultaneamente, a aproximação deste público ao museu. Assim, têm participado nestas sessões quer meros curiosos quer pessoas com formação nas áreas temáticas abordadas. Curso “Em torno das Origens do Cristianismo” (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Luís Peixoto).
Estes cursos realizam-se duas vezes por ano, normalmente em março/abril e em outubro/novembro, em horário pós-laboral, e incidem sobre diferentes temas ligados à História, Arte e Património. É preocupação do museu garantir que as informações veiculadas se baseiem em estudos recentes e rigorosos, pelo que o convite para lecionar estes cursos tem sido lançado a diversos especialistas de História e História de Arte e incluem, por vezes, visitas mediadas pelo próprio docente a espaços específicos ou a determinada coleção do museu. Estes cursos têm sido muito bem-sucedidos e têm registado uma forte adesão, pois caracterizam-se por ser sempre momentos de grande partilha e enriquecimento pessoal.
Ano
Data
Título
2015
março, 3 a 31
2015
outubro 8 a novembro Prataria em Portugal e no Brasil 5
2016
abril 28 a maio 24
2016
setembro 27 a outubro Tesouros da Joalharia em Portugal 25
Prof. Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa
2017
março 9 a abril 1
Doutor Eduardo Oliveira
2017
outubro 31 a novembro A arte da talha em Guimarães (sécs. XVI-XIX): obras, ar- Doutor António José de Oli28 tistas e encomendadores veira
2018
maio 2 a 30
2018
outubro 16 a novembro Interpretação do espaço na arquitetura barroca portu- Prof. Doutor Manuel Joaquim 13 guesa Moreira da Rocha
2019
março 13 a abril 10
Da sala de jantar às artes da mesa
Prof. Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa
2019
outubro 2 a 31
Em torno das origens do Cristianismo
Prof. Doutor Luís Carlos Amaral
Ambientes Decorativos em Portugal entre os sécs. XVIII Prof. Doutor Gonçalo Vascone XX celos e Sousa Prof. Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa
Mobiliário Civil Português sécs. XVII, XVIII e XIX: mateDoutora Adelina Valente riais, técnicas, estética
André Soares e a arte do Minho no seu tempo
As Ordens Religiosas no Portugal Medieval
Tabela com cursos para adultos realizados no museu (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, ilustração de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
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Docente
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Prof. Doutor Luís Carlos Amaral
Esta adesão positiva conduziu, inclusivamente, à realização destes cursos para um público específico: os guias intérpretes. Esta solicitação decorreu da necessidade sentida por estes profissionais em atualizar os seus conhecimentos e também do facto de o Museu de Alberto Sampaio ser um dos locais selecionados para a realização das Provas de Qualidade para Guia Intérprete Nacional, promovidas pelo Sindicato Nacional de Atividade Turística Tradutores e Intérpretes (SNATTI), que decorrem, periodicamente, na Cidade de Guimarães. Procurar ir de encontro àquilo que poderão ser as motivações e os interesses deste público em particular já fidelizado, bem como atrair novos participantes, são objetivos a que o museu se propõe. Assim, a recolha de impressões e propostas feita junto dos participantes no final de cada curso através de inquéritos é uma ferramenta de orientação fundamental.
MUSEU À NOITE
Desde 2001 que, numa atitude inédita em Portugal, o Museu de Alberto Sampaio abre as suas portas ao público, durante os meses de julho e agosto, em horário diurno e noturno (entre as 10h e as 24 horas, de terça a domingo). Um museu à noite tem outro encanto, principalmente este museu que o escritor José Saramago, em «Viagem a Portugal», diz ser um dos mais belos museus que conhece. Assim, todos os anos, no claustro medieval do museu, o visitante pode deleitar-se com uma exposição de arte contemporânea. O contraste entre a vetustez do espaço arquitetónico onde a exposição está patente e a contemporaneidade das peças apresentadas constitui, por si só, um foco de atratividade e de interesse que surpreende o visitante. Este tipo de atividade de mediação permite dar a conhecer o museu numa perspetiva diferente, ao mesmo tempo que contribui para a divulgação de artistas contemporâneos com trabalhos de elevada qualidade estética e artística. Possibilita ainda a diversificação não só da oferta de mediação cultural do museu mas também dos próprios públicos.
Apesar da existência de outras iniciativas pontuais a Exposição temporária do Museu à Noite: “Narrativas”, de Helena Cardoso (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
nível nacional, esta atividade de mediação cultural promovida pelo museu continua a destacar-se por ser a única que se realiza durante um período significativamente alargado de tempo (2 meses). A sua promoção obriga ao reforço da equipa de vigilância do museu, bem como a um esforço financeiro suplementar que tem sido levado a cabo graças ao apoio da Associação dos Amiguinhos do Museu de Alberto Sampaio e da Câmara Municipal de Guimarães.
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Ano
Data
Exposição
Artista
2001
13.04 a 28.04
Via Sacra
Alberto Vieira
2002
05.07 a 15.09
Em busca do silêncio, à procura do mar
Margarida Reis
2002
05.07 a 15.09
Claustro
Rui Sanches
2003
04.07 a 31.08
Árvores
João Cutileiro
2003
04.07 a 31.08
Arte no claustro: Um olhar sobre as coleções do museu.
2004
04.06 a 05.09
Os farejadores do espaço
Marcela Navascués
2005
08.07 a 04.09
Rosa Rosae
Isabel Garcia
2006
01.07 a 03.09
Momentos
Paulo Neves
2007
30.06 a 02.09
Fé
Alberto Vieira
2008
04.07 a 31.08
Modos de Vida
Manuel Correia
2009
03.07 a 30.08
Ritmos e improvisos: esculturas de Rui Anahory
Rui Anahory
2010
02.07 a 05.09
Membranas
Susana Piteira
2011
01.07 a 04.09
Mesmo meio, diferentes propósitos
Álvares de Sousa/ Pedro Brito
2012
29.06 a 31.08
Três Escultores, Três Saberes
Paulo Neves/ Rui Matos/ Vítor Ribeiro
2013
05.07 a 31.08
Brilho, Luz e Cor – Faiança portuguesa na coleção do Museu de Alberto Sampaio
Coordenação: Manuel Azevedo Graça
2014
04.07 a 31.08
A perspetiva da retrospetiva com perspetiva
Pedro Guimarães
2015
09.07 a 29.08
Desde o começo não há nada
Avelino Sá
2018
13.07 a 09.09
Specularis – Looking Through
Coordenação: Teresa Almeida
2019
19.07 a 13.09
Narrativas
Helena Cardoso
Tabela com exposições realizadas no âmbito da iniciativa Museu à Noite (2019, DRCN – Museu de Alberto Sampaio©, ilustração de Patrícia Sampaio e Sónia Silva).
CONCLUSÃO
Face a um público cada vez mais heterogéneo e a uma sociedade em transformação constante, com necessidades em mutação permanente, os mediadores do Serviço Educativo do Museu de Alberto Sampaio continuam empenhados em dar cumprimento à desafiante missão de contribuírem para a criação de relações duradouras entre os seus públicos e o objeto cultural. Estão, por conseguinte, cientes de que a sua ação depende de atualizações constantes que lhes permitam a adequação da sua ação mediadora a todas as novas e diferentes exigências.
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4 FUNDAÇÃO DE SERRALVES
P ORTO
Denise Pollini Coordenadora do Serviço Educativo – Artes da Fundação de Serralves d.pollini@serralves.pt
Denise Pollini é coordenadora do Serviço Educativo do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves. Durante mais de quinze anos exerceu a mesma função no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado (MAB/FAAP) em São Paulo, onde foi umas responsáveis pela implementação do Setor Educativo deste Museu. Neste período realizou a formação e a coordenação das equipas de educadores, desenvolveu programas de formação a professores da rede de ensino pública e particular e elaborou parcerias entre o programa do Setor Educativo do Museu e variadas instituições tais como CECA-ICOM/BR (Comitê Internacional para a Educação e Ação Cultural do Conselho Internacional de Museus, Brasil) e Fundação Bienal de São Paulo e Instituto Moreira Salles, no desenvolvimento de projetos conjuntos, seminários e conferências. Em Portugal, tem coordenado os projetos educativos vocacionados para as artes e destinados às escolas, famílias e adultos, além de projetos de inclusão social e intelectual.
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A Fundação de Serralves, Porto, Portugal
A Fundação de Serralves é uma instituição cultural de âmbito internacional ao serviço da comunidade nacional, que tem como missão estimular o interesse e o conhecimento de públicos de diferentes origens e idades pela Arte Contemporânea, pela Arquitetura, pela Paisagem e por temas críticos para a sociedade e seu futuro, fazendo-o de forma integrada, com base num conjunto patrimonial de exceção, no qual se destacam o Museu de Arte Contemporânea, a Casa de Serralves, o Parque e a Casa do Cinema Manoel de Oliveira.
Multidisciplinar e fiel à sua Missão, a Fundação de Serralves é hoje considerada um dos mais bem-sucedidos e consolidados projetos culturais do país e aufere de uma singular projeção e reconhecimento internacionais. Localizada na cidade do Porto, a Fundação é detentora de um valioso património histórico e cultural, composto pelo Museu, um projeto do arquiteto Álvaro Siza, vencedor do prémio “Pritzker” em 1992, pela Casa de Serralves, um exemplar único da arquitetura “Art Déco”, pela Casa do Cinema Manoel de Oliveira, também da autoria do arquiteto Álvaro Parque de Serralves: projetado pelo arquiteto Jacques Gréber nos anos 30 do século XX, integra 18 hectares de jardins formais, matas e uma quinta tradicional, sendo uma referência singular no património da paisagem em Portugal (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra FG+SG).
Siza, e pelo Parque, desenhado pelo arquiteto francês Jacques Gréber, galardoado em 1997 com o prémio “Henry Ford Prize for the Preservation of the Environment” e no qual foi construído o “Treetop Walk”, um percurso, num nível elevado face ao solo, junto à copa das árvores, que permite uma experiência impactante de observação e estudo da Biodiversidade do Parque de Serralves.
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Casa de Serralves: exemplar único da arquitetura “Art Déco” dos anos 30 do século XX. Para o seu interior contribuíram os mais importantes nomes europeus da área do desenho do mobiliário: Émile Jacques Ruhlmann, René Lalique e Edgar Brandt (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra FG+SG).
Museu de Serralves: projeto de Álvaro Siza e integrado nos espaços preexistentes dos jardins, Parque e Casa de Serralves, o novo edifício foi inaugurado em 1999 com a exposição “Circa 1968” (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra FG+SG).
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Casa do Cinema Manoel de Oliveira: projeto de Álvaro Siza Vieira, exposições, ciclos de cinema, retrospetivas, conferências, edições e programas educativos permitem o acesso à obra do cineasta Manoel de Oliveira (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Fernando Guerra FG+SG).
A criação da Fundação de Serralves, em 1989, como uma instituição privada de utilidade pública, assinalou o início de uma parceria inovadora entre o Estado e a sociedade civil. Todo o património paisagístico e arquitetónico da Fundação está classificado como Monumento Nacional, classificação máxima que reconhece o valor cultural, arquitetónico e paisagístico do património de Serralves, bem como o esforço que tem vindo a ser desenvolvido na sua valorização, dinamização e divulgação.
Serralves tem como visão ser um polo de referência e um centro de conhecimento, em Portugal e no Mundo, nos domínios da Arte Contemporânea, Arquitetura, Paisagem e temas críticos para a sociedade e seu futuro, promovendo a diversidade da oferta cultural através de uma intervenção inovadora que, de forma sustentada construa afinidades com públicos diversificados e estabeleça uma relação de parceria com a Comunidade.
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O SERVIÇO EDUCATIVO DA FUNDAÇÃO DE SERRALVES A ação cultural e a mediação fazem parte das atividades de Fundação de Serralves desde o seu início, antes mesmo da inauguração do edifício do Museu de Arte Contemporânea em 1999. Em 2019, com a efeméride dos 30 anos da Fundação e dos 20 anos do Museu de Arte Contemporânea, o Serviço Educativo celebrou também a sua presença fundamental na estruturação, aprimoramento e disseminação da mediação cultural em Portugal. Desde a abertura do museu até 2019, calcula-se que o Serviço Educativo tenha recebido mais de 1,8 milhões de crianças e jovens e que tenha realizado um número incontável de atividades, entre visitas orientadas, visitas oficina e oficinas, nomeadamente. Bastante diversificado na sua prática, o Serviço Educativo de Serralves organiza-se por tipologias de público que, com o objetivo de explicitar os princípios que regem estas ações, são organizadas através de verbos. As atividades concebidas para a comunidade escolar, quer para alunos quer para professores estão associadas ao verbo “Experimentar”, aquelas destinadas às famílias e crianças pelo verbo “Partilhar”, a inclusão social e intelectual está assinalada pelo verbo “Incluir” e as atividades concebidas para um público adulto correspondem ao verbo “Envolver”. Estes verbos transmitem os princípios basilares da filosofia das ações do Serviço Educativo para cada público. Deste modo, o programa “Experimentar”, direcionado às escolas e aos professores, visa explorar as formas ampliadas e alternativas de produção de conhecimento possibilitadas pela educação não formal e pela via da experimentação. O conhecimento despoletado pelo fazer é valorizado, já que ajuda a desmistificar a suposta separação entre o “conhecimento teórico” e o chamado “conhecimento prático”. O programa destinado a famílias e crianças é definido pelo verbo “Partilhar”, pois as ações são concebidas com o propósito de promover a vivência conjunta e intergeracional. Deste modo, as oficinas para as famílias destinam-se ao coletivo familiar, seja ele composto por pais, mães, avôs, avós ou encarregados de educação e não à criança de forma isolada, tendo o acentuado propósito de promover a intergeracionalidade.
Oficina para famílias: “Linha Inquieta”, inspirada no trabalho do artista Pedro Cabrita Reis (2020, Fundação de Serralves©, fotografia de Andre Delhaye).
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As atividades concebidas pelo desígnio “Incluir” são aquelas que abarcam a inclusão social e intelectual, desde apoios e gratuidades no acesso às atividades educativas até oficinas, visitas e visitas-oficinas que, desde a sua conceção, consideram as especificidades do público com deficiência e/ou incapacidade. Ao longo dos anos, o Serviço Educativo da Fundação de Serralves tem cada vez mais procurado investir nos mecanismos tanto físicos quanto conceptuais da inclusão, desde intervenções nos espaços a novas tipologias de ação. Neste sentido, a Fundação tem contado com a parceria de dezenas de instituições que participam nestas ações de forma frequente ao longo de vários anos.
Ainda no domínio da inclusão, importa sublinhar que o Museu de Serralves e seu Serviço Educativo foi o primeiro em Portugal a implementar um programa regular de Visitas em Língua Gestual Portuguesa às suas exposições. Além disso, intensos esforços têm sido recentemente aplicados nos domínios da audiodescrição para cegos, da acessibilidade do site e da formação da equipa que trabalha nas exposições do Museu. O programa “Envolver”, destinado aos adultos, tem por principal objetivo promover a reflexão e o debate sobre temas relacionados com as exposições patentes no Museu, com a Arte Contemporânea, assim como o Ambiente, a Ecologia e temas emergentes e urgentes da contemporaneidade. Naquilo que respeita à Arte Contemporânea, a Fundação acredita na vasta contribuição que esta prática oferece à sociedade e na missão de dar a conhecer a um público mais alargado a Arte dos nossos dias, seja ela realizada em Portugal ou criada por artistas das mais variadas origens. Destacamos, neste sentido, as exposições itinerantes que se estendem desde o Norte ao Sul do país em municípios tão distantes como Ponta Delgada, Faro ou Chaves. Entre 2016 e 2018, cerca de 68 iniciativas foram realizadas por todo o país e, praticamente na sua totalidade, estas exposições itinerantes são acompanhadas por atividades educativas concebidas especificamente para tal, ações estas que atuam na formação de técnicos e colaboradores dos diferentes equipamentos culturais, assim como professores e também oferece oficinas para famílias e visitas-orientadas.
Visita Orientada em Língua Gestual Portuguesa à exposição “Paula Rego: o Grito da Imaginação”. Realizada por Laredo Associação Cultural (2020, Fundação de Serralves©, fotografia de Anabela Trindade)
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Visita Orientada à exposição “Joan Miró e a Morte da Pintura” (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Andre Delhaye).
O Serviço Educativo da Fundação de Serralves tem também partilhado a sua experiência na área da Mediação Cultural no âmbito das itinerâncias na forma de cursos compostos por sessões destinadas a técnicos dos Museus e equipamentos culturais dos municípios fundadores.
UM MUSEU, UM PARQUE E MÚLTIPLOS ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM
Esta pluralidade de espaços e equipamentos proporciona um potencial de mediação transdisciplinar e diversificado: a mediação cultural ou artística pode ter por objeto de mediação tanto a coleção de Arte Contemporânea do Museu, que conta com mais de 4300 obras – entre aquelas adquiridas pela Fundação e também importantes coleções em depósito, como é o caso da Coleção da Secretaria do Estado de Cultura (SEC) –, como também a arquitetura do Museu, da Casa “Art Déco” e da Casa do Cinema Manoel de Oliveira, assim como todo um campo de mediação cultural desenvolvido no domínio da arquitetura paisagística, da flora e da biodiversidade do Parque.
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Deste modo, as atividades educativas ocupam praticamente a totalidade dos 18 hectares da Fundação. Com a recente inauguração da Casa do Cinema Manoel de Oliveira e o “Treetop Walk” em 2019, a Fundação enriqueceu e ampliou ainda mais este potencial educativo abrindo novas frentes de trabalho, nomeadamente acerca do cinema português e mundial, da literacia visual e, por intermédio do “Treetop Walk”, a possibilidade de uma vivência privilegiada da biodiversidade do Parque.
É
primordial
para o Serviço Educativo de Serralves o reconhecimento de que a qualidade e formação do profissional que desenrole as atividades educativas é justamente pedra angular de uma ação educativa de excelência. A sua formação deve contemplar um profundo conhecimento da sua Visita orientada ao “Treetop Walk” (2020, Fundação de Serralves©, fotografia de Andre Delhaye).
disciplina
de
atuação,
seja ela artística ou ambiental, sendo estes associados aos saberes específicos vindos da área da Pedagogia e também das especificidades da Educação não Formal. Os resultados alcançados pelas ações desenvolvidas no âmbito da mediação cultural e artística vão muito para além dos números, que por si só são bastante significativos. Entre 2016 e 2018 o Serviço Educativo de Serralves teve um aumento de públicos atendidos na ordem dos 40% e, durante o ano de 2019, cerca de 184.621 foram pessoas atendidas pelas atividades do Serviço Educativo. Note-se que estes números não incluem o público que frequenta as celebrações anuais, tais como o “Serralves em Festa” e a “Festa do Outono” ou mesmo as numerosas iniciativas desenvolvidas “fora de portas”, nas diversas exposições itinerantes ou projetos nos quais as atividades são realizadas fora do perímetro da Fundação de Serralves.
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A MEDIAÇÃO CULTURAL Os museus e as instituições culturais, tanto na Europa quanto ao redor do mundo, têm cada vez mais aprofundado e ampliado a sua missão educativa – especialmente nas três últimas décadas – e a Educação não Formal revela cada vez mais o seu potencial pedagógico, seja como parceira da Escola ou enquanto formação e enriquecimento mais alargado da sociedade e dos indivíduos no decorrer da vida. Esta transformação deve-se a uma ampliação do papel dos museus na sociedade. Principalmente a partir das últimas décadas do século XX os museus definitivamente deixam de ser vistos como “depósitos” de objetos para serem vistos como locais de encontro, de exercício de cidadania e espaço de convergência entre alteridades diversas. E, neste contexto, também se amplia o entendimento da sua dimensão formativa-pedagógica 1 adquirindo assim marcada importância.
No campo da Arte Contemporânea, surge na década de 1990 o conceito de “Educational Turn” 2 para identificar uma prática curatorial e artística que, ao focar a dimensão processual e coletiva da produção artística, aproxima-se ou “toma emprestado” procedimentos e um vocabulário oriundo do domínio da Educação. As questões originadas pelo “Educational Turn” na sua fricção com o trabalho dos Serviços Educativos não podem ser trabalhadas no escopo deste texto, mas vale lembrar que, com este enfoque – tendo os curadores(as) e diretores(as) de museus aderido mais ou menos a esta voga –, facto é que a prática educativa nos e dos museus e instituições culturais adquire uma ênfase inaudita que coincide também com um entendimento e uma prática que vai muito além do seu início histórico. Originalmente concebidos com a expectativa expressa de serem meramente “provedores de informações”, os Serviços Educativos (nas suas diversas nomenclaturas) passaram, portanto, cada vez mais a desempenhar uma prática dialógica e participativa. O público, seja ele escolar ou composto por adultos, famílias ou por pessoas com deficiência e/ou incapacidade, é parte integrante das atividades na medida em que estas são estruturadas tendo por objetivo uma relação a ser estabelecida. Podemos considerar este como um ponto de viragem na prática da mediação cultural e artística. Se o profissional que desenvolve a ação educativa nos museus terá como “material de trabalho” não apenas o conhecimento acumulado pela sua formação e pelos estudos específicos sobre a exposição ou sobre a obra em questão, uma nova dimensão, uma nova prática e paradigma de trabalho é instaurado.
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Esta tomada de posição explica a importância que o trabalho de filósofos (e da filosofia da educação) adquire ao longo das duas últimas décadas para a Educação não Formal. Um destes autores é o filósofo francês Jacques Rancière. Particularmente o seu livro “O Mestre Ignorante” teve e continua a ter imensa influência nas formas alternativas ao pensamento pedagógico tradicional. O espanhol Jorge Larossa, Professor de Filosofia da Educação na Universidade de Barcelona, segue esta genealogia de autores que desenrolam o tênue fio da igualdade das inteligências 3. O “material de trabalho” do profissional dos Serviços Educativos em museus, para além dos conhecimentos históricos e técnicos relativos ao(s) artista(as) em questão, passa então a integrar necessariamente o conteúdo de vida e de sensibilidade de nossos diversos públicos que são agora convidados a fazer parte de um vínculo que é proposto pela ação educativa. Deste modo, na base das inúmeras ações desenvolvidas ao longo destes anos pelo Serviço Educativo da Fundação de Serralves destaca-se a convicção de que a prática educativa efetiva se dá somente pela via do diálogo e da participação. Com o entendimento de que o trabalho de mediação pode apenas se desenvolver plenamente na medida em que a ação educativa tenha por diretriz instaurar um espaço para a escuta e para a troca de experiências – a contrariar, portanto, o entendimento fechado de que a ação educativa se dá apenas pela dinâmica de um grupo de crianças ou adultos a “aprender” e um educador “a ensinar”. É a partir destes pilares que todas as atividades educativas são construídas pelo Serviço Educativo da Fundação de Serralves, sejam elas uma visita orientada, uma visita-oficina ou ainda uma oficina. O que distingue estas diferentes tipologias de ação é o tempo, o local e os diversos graus de contacto prático com materiais artísticos (que, no caso da Arte Contemporânea podem ser os meus variados). O trabalho realizado pelo educador/mediador parte do pressuposto que o conhecimento e o potencial reflexivo somente podem ser estimulados se tivermos por ponto de partida o conhecimento, a curiosidade e a vivência trazidas por aquele que participa na ação.
DESAFIOS AO FUTURO DA MEDIAÇÃO CULTURAL
Os tempos atuais, marcados pela superabundância de informação, de imagens e de estímulos, exigem dos museus e das instituições culturais o constante reexame dos seus princípios e da sua programação e, somente por intermédio deste exercício, estes se manterão relevantes para a sociedade.
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No âmbito de uma Mediação Cultural que procura contemplar o exercício dialógico e a participação, identificamos entre os desafios futuros para os Serviços Educativos em geral – e ao Serviço Educativo da Fundação de Serralves em particular – o aprimoramento da nossa comunicação com o público e da qualidade das nossas ações. Como mediar exposições de Arte Contemporânea? Como acolher num processo dialógico as expetativas dos professores e, ao mesmo tempo, abrir espaço à fruição efetiva da Arte e a vivência do seu potencial? Sobretudo, como mediar em tempos de atenção visual escassa, nos quais tudo tende a equivaler-se e, assim, perder o seu potencial para criar um outro devir. Nesta prospeção do futuro é relevante olharmos para o contributo que as inovações tecnológicas - sejam elas audioguias, aplicações em telemóveis ou óculos de realidade virtual e realidade aumentada - podem trazer à Educação não Formal desenvolvida em museus e instituições culturais e, sobretudo, reconhecê-las não como uma ameaça, mas sim como ferramentas ampliadas ao serviço dos profissionais. Oficina “Com Filtros” realizada no âmbito do Projeto Anual com Escolas que teve por tema, no ano letivo 2018-2019, “Olhar Aprendiz – as Múltiplas Formas do Olhar” (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Andre Delhaye).
As interfaces digitais são bem-vindas e podem oferecer novas camadas de interação e entendimento, porém, seja presencialmente, seja via digital, o cerne da atuação educativa continua a ser o vínculo criado com o seu público, seja este construído por ferramentas digitais ou analógicas. Para além – e antes mesmo – do possível contributo das novas tecnologias, torna-se necessário que os museus e Instituições culturais examinem com espírito aberto os obstáculos ao acesso dos variados públicos que possam ainda subsistir nos seus funcionamentos e estruturas, e combatê-los de forma continuada, a despeito das imensas dificuldades impostas muitas vezes por circunstâncias financeiras ou de tempo. Neste sentido, a título de exemplo, apresentamos o projeto “Janelas para o Mundo”, projeto apoiado pelo Programa Portugal Inovação Social e que desenvolve, dentro dos estabelecimentos prisionais de Custóias e Santa Cruz do Bispo (Estabelecimentos Prisionais respetivamente masculino e feminino), atividades no âmbito das Artes e do Ambiente.
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Oficina realizada em 2019 no Estabelecimento Prisional de Custóias. Desenvolvida no âmbito das atividades artísticas, teve a sua inspiração no trabalho do arquiteto húngaro Yona Friedman e na teoria das suas “Arquiteturas Móveis” (2019, Fundação de Serralves©, fotografia de Isabel Leal).
Tendo o seu início em 2019, as oficinas promovem o contacto e a vivência de práticas criativas, artísticas e ecológicas, tendo um “feedback” de resultados significativos ao nível da intercomunicação e intercolaboração entre os reclusos(as), além de impactos positivos nas esferas da autoestima e abertura a um panorama cultural mais alargado. O projeto prevê ainda a incorporação de novas tecnologias ao trazer para as oficinas óculos que farão as vezes de um “teletransporte a Serralves” ao promoverem – por intermédio da realidade aumentada – visitas aos diversos espaços e exposições patentes na Fundação. Este, assim como muitos outros projetos, são exemplos do potencial pedagógico da Educação não Formal que cada vez mais aprofunda e amplia as suas ações. Por se tratar de um trabalho que, além de ser alimentado pela teoria acadêmica o é também em grande medida pela prática, o futuro da Educação Não Formal depende também de formas efetivas de reflexão sobre o trabalho realizado e mecanismos de avaliação sobre o impacto das ações pedagógicas desenvolvidas. Assim, entre os desafios ao futuro da mediação cultural e artística inclui-se também a criação de espaços de reflexão e discussão sobre o trabalho praticado. Esta é justamente a bússola, a orientar um caminho que, embora promissor, depende dos tênues e delicados fios que são tecidos pelo diálogo, pela vivência e pelos vínculos que a Mediação Cultural estabelece com os seus públicos.
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Experimentar, Integrar, Partilhar, Envolver, o Serviço Educativo da Fundação de Serralves desenvolve uma miríade de atividades para miúdos e graúdos, na valência das artes como do Ambiente. Um espaço completo para aprender, fluir, divertir-se, vivenciar a arte e a natureza (2018, Fundação de Serralves©).
O Parque histórico, fundamental na estrutura ecológica da cidade do Porto, comunica através das estações pela panóplia de texturas, cores e formas, cuja singularidade assenta em unidades únicas de paisagem e património biológico que se conectam em contexto urbano. A sua dimensão, diversidade de espaços e maturidade ecológica, promovem a exploração científica e pedagógica da biodiversidade, a perceção e interpretação da sua importância biológica, arquitetónica, patrimonial e cultural (2019, Fundação de Serralves©).
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5 MUSEU DO DOURO
P ESO DA R ÉGUA
80
Natália Fauvrelle
Samuel Guimarães
Coordenadora dos Serviços de Museologia do Museu do Douro. Investigadora do CITCEM
Coordenadora do Serviço Educativo do Museu do Douro. Investigador I2ADS
natalia.fauvrelle@museudodouro.pt
samuel.guimaraes@museudodouro.pt
Natália Fauvrelle é Mestre em História da Arte na área de património e restauro, com uma tese sobre a arquitetura das quintas do Douro, e doutorada em Museologia, tendo por tema de investigação a paisagem classificada do Douro e a sua musealização. É coordenadora dos Serviços de Museologia do Museu do Douro, desde 2006, investigadora do CITCEM – FLUP e membro da direção do ICOMOS-PT. Publicou vários livros e artigos sobre o património duriense e sobre a sua história, centrando as suas investigações no património arquitetónico e na paisagem rural, em particular no património associado à vitivinicultura. Integrou a equipa responsável pela candidatura a Património Mundial do Alto Douro Vinhateiro.
Samuel Guimarães é Coordenador do Serviço Educativo do Museu do Douro desde 2006. Colabora como professor com a Licenciatura em Teatro e Mestrado em Artes Cénicas da Escola Superior de Música de Artes e Espetáculo, desde 2002. Tem o doutoramento em educação artística da Faculdade de Belas Artes do Porto e colabora com o i2ads Instituto Arte, Design e Sociedade da mesma instituição. Publica regularmente no âmbito da mediação crítica e educação artística.
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Museu do Douro – Programação como Mediação Cultural APRESENTAÇÃO
O Museu do Douro, com sede em Peso da Régua, é uma estrutura com características de exceção no contexto museológico nacional, pensado como um museu de território, com a missão de reunir, conservar, identificar e divulgar o património museológico e documental disperso pela região, devendo constituir um instrumento ao serviço do desenvolvimento sociocultural da Região Demarcada do Douro. Numa perspetiva de “museologia de comunidade”, o Museu do Douro assume-se como um processo cujo desenvolvimento deverá envolver a colaboração ativa com as instituições locais, regionais e internacionais. A ideia de fundar um museu para salvaguardar o património do Douro, criado por sucessivas gerações de viticultores ao longo dos séculos, de modo a poder valorizá-lo e divulgá-lo, remonta aos anos 30 do século XX. A proposta insere-se no movimento de glorificação das culturas regionais, que se sentiu um pouco por todo o país a partir do Plano dos Centenários e da estrutura ideológica preconizada pelo Estado Novo. Esta necessidade parte das instituições e da própria elite intelectual local, com figuras como o escritor João de Araújo Correia a defender a sua criação. Será em finais do século XX que o museu é finalmente criado, por iniciativa da Assembleia da República, que aprova a Lei n.º 125/97, de 2 de dezembro. Esta instituição legislativa do museu condiciona a sua implementação através de dois pressupostos enunciados na Lei, e que definem a natureza deste projeto e a sua ação. Por um lado, no artigo 2º, é estabelecido um modelo museológico de âmbito regional, com sede em Peso da Régua e uma estrutura polinucleada distribuída pelos vinte e um concelhos da Região Demarcada do Douro – definição próxima do conceito de museu de território –, ficando a tutela a cargo da região administrativa resultante do processo de regionalização do país (artigo 4º). Por outro, é fixado o âmbito temático do Museu (artigo 3º), que abarca Casa da Companhia (2008, Museu do Douro©, fotografia de Marco Aurélio Peixoto).
a Região Demarcada do Douro «em toda a sua diversidade cultural e natural».
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Região Demarcada do Douro (2014, Museu do Douro©, ilustração de Artur Matos).
É importante considerar a amplitude desta temática, que condiciona fortemente a atividade do Museu, tendo em conta quer a dimensão territorial quer a dimensão histórica desta Região. Trata-se da primeira região vitícola demarcada e regulamentada do mundo, que atualmente tem uma extensão de aproximadamente 250.000 ha distribuídos ao longo do vale do Douro, entre Barqueiros (Mesão Frio) e Barca de Alva (Figueira de Castelo Rodrigo). Relativamente à questão da tutela, na ausência da região administrativa, foi aprovado um modelo de gestão fundacional, criando-se a Fundação Museu do Douro (Decreto-lei 70/2006). Esta fórmula permitiu ultrapassar o impasse da questão da regionalização através de um modelo de financiamento assente não na Região Administrativa, mas nos Fundadores, onde se incluem o Ministério da Cultura, as Autarquias da Região e entidades privadas do mundo empresarial do vinho e de outras instituições com interesse regional. Esta fundação passou a fundação pública em 2015, acompanhando a reestruturação da lei das fundações. Como referido, definia-se que a sede do Museu ficasse na cidade de Peso da Régua, adquirindo-se a “Casa da Companhia” 1 para esse efeito, devendo depois a sua ação estender-se a todo o território de forma polinucleada. O conceito museológico proposto para este projeto afasta-se da ideia tradicional de museu centrada num edifício, nas suas coleções e num público-alvo. Partilhando as ideias da “nova museologia”, procura antes instalar-se no seu espaço de ação, a Região Demarcada do Douro, inserindo no seu âmbito de estudo e investigação não só as coleções que estão à sua guarda, mas todo o património material e imaterial regional passível de ser protegido.
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Esta territorialidade, numa interpretação literal da Lei, levaria a que se criassem e implantassem vinte núcleos além da sede, um por cada concelho. Obviamente, uma solução deste tipo não seria sustentável. Como se verificou em outros países com experiências de museus polinucleados, o crescimento excessivo dos núcleos pode levar ao colapso da estrutura, obrigando a uma reestruturação que se aproxima muito do modelo tradicional de museu. Como conciliar então o que está escrito na Lei com a realidade? Até ao momento, o Museu tem atuado em distintas vertentes de modo a Exposição permanente “Douro: Matéria e Espírito” - detalhe (2018, Museu do Douro©, fotografia dos Serviços de Museologia do MD).
estar presente no território, sendo através destes modelos que se comunica com o(s) público(s) do Museu, a população da Região Demarcada do Douro. A abordagem mais simples e tradicional passa pelas ações de investigação ativa no terreno, pela ação do serviço educativo, pela itinerância de exposições e o desenvolvimento de outros projetos de ação cultural como os “Sons do Douro”. Trata-se de um projeto na área da música, onde se encontram música popular e percussão contemporânea. Evocando o imaginário duriense, parte dos sons em pipas de vinho para resgatar as memórias dos cestos vindimos, dos sons de pés a escorregar nos xistos dos socalcos, dos chocalhos das juntas de bois que ajudavam da terra os homens a puxar à sirga os barcos rabelos ou do som cantado das tesouras de poda.
Sons do Douro (2014, Fotografia de Rui Cruz©).
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No caso das exposições itinerantes, o Museu além de se responMontagem de exposições itinerantes (2019, Museu do Douro©, fotografia de Natália Fauvrelle).
sabilizar pela montagem, dá igualmente formação aos técnicos locais de maneira a que estes possam fazer as visitas guiadas autonomamente, mediando a comunicação com os vários tipos de público. Anualmente conseguimos chegar a uma média de vinte locais de exposição no território e mesmo fora da Região. Esta rotatividade permite que as exposições realizadas na sede possam ser vistas em vários concelhos, ganhando diferentes leituras com a adaptação a novos espaços expositivos.
A par desta abordagem, decorrente da programação plurianual, o Museu optou igualmente por apoiar a criação de núcleos museológicos em diferentes concelhos da Região Demarcada do Douro, explorando temas fortes da Região. Como financeiramente seria um modelo com problemas de sustentabilidade, optou-se pela criação de uma rede informal, onde se reúnem equipamentos museológicos e com vertente museológica. Este modelo, numa lógica de partilha, permite agregar a diferente oferta numa lógica de rede de cooperação.
O trabalho do Museu tem ainda outras dinâmicas que são, elas mesmas, formas de ação cultural, como a apresentação das diferentes coleções ao público, presencial e virtualmente, através de exposições, catálogos e inventários on-line. A disponibilização de acervos constitui igualmente um modo de relacionamento com o território, tanto mais que quase todo o espólio resulta de doações de habitantes durienses ou com relações familiares na região. A título de exemplo, destacamos algumas linhas de trabalho que constituem a comunicação do Museu para a comunidade: Documentação fotográfica das peças (2019, Museu do Douro©, fotografia de Enara Teixeira).
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AÇÃO NO TERRENO – INVESTIGAÇÃO COMO AÇÃO A investigação realizada centra-se não apenas nas coleções à guarda do Museu, mas no estudo do património duriense. Este tem-se desenvolvido sobretudo com a realização de inventários de património de diferentes tipologias, público e privado, acompanhada pela recolha de peças para a coleção do Museu e para as exposições temporárias. Esta recolha pressupõe uma análise cuidada dos artefactos e dos saberes fazer a eles associados, procurando-se deste modo preservar também a memória associada aos objetos e de quem os utilizou. Um dos pressupostos no tratamento do património cultural é que não se pode separar materialidade e imaterialidade. Na sua forma tangível são os artefactos que nos ajudam a recuperar o passado no presente, mas à faceta material desse passado junta-se um significado imaterial, simbólico, que contextualiza um património intangível revelado através de práticas, saberes e outras manifestações que se perpetuam. Pensar o património como relacional e processual evita esta separação, tratando os diferentes artefactos na sua globalidade.
Projeto Arquiteturas da Paisagem Duriense (2007, Museu do Douro©, fotografia de Egídio Santos).
A par destas investigações temáticas, vocacionadas para inventariar o património duriense, também se desenvolvem pesquisas que procuram refletir sobre problemáticas da museologia e deste território. Neste contexto, vários membros da equipa do Museu centraram as investigações de doutoramento em áreas temáticas associadas ao trabalho desenvolvido, nomeadamente a educação e a museologia. Um dos trabalhos, distinguido com o prémio APOM de investigação na área da museologia em 2018, analisa a paisagem Alto Douro Vinhateiro “musealizada” através da classificação como património mundial, focando-se nas questões que emergem do modelo de gestão implementado. Partindo dos conceitos de paisagem e património, questiona como os mesmos são representados por quem gere e pelas comunidades que fazem a paisagem, procurando uma nova abordagem concetual que permita melhorar a eficácia da gestão deste território-museu.
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SERVIÇO EDUCATIVO O Serviço Educativo desenvolve o seu programa abrangendo sempre toda a comunidade de crianças, adolescentes, jovens e adultos da região nas suas atividades “de educação, de conhecimento e de entretenimento” que envolvem várias vertentes de ação, nomeadamente os projetos plurianuais e anuais com escolas, as oficinas sazonais, os percursos pedestres e as visitas guiadas às exposições do programa do Museu.
Um dos projetos em destaque é o programa “eu sou paisagem”, nome geral do programa de educação do Museu do Douro numa paisagem cultural, evolutiva e viva. (Paisagem cultural é uma designação definida pela UNESCO, que data de 1972). eu sou paisagem – nenhuma paisagem deixa de ser cultural. A frase pressupõe que eu sou parte integrante desta entidade e que não sou um mero sujeito que opera sobre a paisagem, ou que, passivamente, a observa como se de um objeto se tratasse. Parece-nos importante deslocar o olhar (afastado) de um sujeito Fazer a paisagem (2016, fotografia de Natália Fauvrelle©).
que opera sobre um objeto que tem na sua frente e que domina ou explora. Pelo contrário, é nesse olhar que tenho consciência de que estou na paisagem e, mais que consciente, é nela que respiro, é nela que sou. O nosso aparelho percetivo está organizado conjugadamente com a ação e as emoções com que exercemos as nossas influências sobre o ambiente. Não há ambiente neutro ou absoluto. Este é sempre relativo a um equipamento sensorial, uma emoção, uma ação significada sobre ele. É sempre uma paisagem 2. Uma paisagem é sempre uma construção enamorada e tensa entre matéria e ficção, entre solo, vento, expectativa, desejo, entre experiência e gesto diferente ou repetido. Assim, a base da ação do programa assenta na pesquisa, indagação e conhecimento de relações de experiência entre as pessoas e as paisagens. Aposta-se na atenção a contextos potenciais e na criação de dispositivos de experimentação, com carácter de continuidade, para a participação de crianças, adolescentes, jovens, adultos e seniores. Interpelam-se as paisagens e as pessoas que nela habitam, com o teatro, com a dança, com o vídeo, com o cinema e a imagem animada, com a escrita e com a oralidade, com a geografia e a antropologia ou com a literatura,
Percurso . mata . vinha . ferro . estrada | Linha do Corgo . Vila Real (2015, Museu do Douro©, fotografia do Serviço Educativo do MD).
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com a arquitetura paisagista e o cinema, com a engenharia e com o desenho, com a fotografia e com o som.
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FRONTEIRA II, Projeto Anual, 7ª edição bios 2017 e 2018 (2017, Museu do Douro©, fotografia do Serviço Educativo do MD).
As culturas são o que fazem falar o mundo. É através dos modos como os corpos humanos se movem na paisagem e transmitem esse conhecimento pela linguagem que vamos formatando o mundo humano, repleto de significados diferenciados nos quais nos reconhecemos como humanos. Na verdade, o que a linguagem faz é descrever a experiência relacional do sujeito, reformá-la, complexificá-la semântica e sintaticamente, e desenvolvê-la imaginativamente (…) Liberta as respostas e cria as ocasiões para a geração imaginativa de “mundos” . Perder a diversidade narrativa é como perder a diversidade paisagística: significa perder pedaços do que significa ser humano e empobrecer as nossas possibilidades de sermos afetados, de sermos sensíveis. É perder igualmente as trajetórias que tornam o futuro diverso e citando Bruno Latour, convocam “multi-versos” e não somente “uni-versos” 3. Esta procura concretiza-se através da articulação de 3 ações em comum: na presença do trabalho performativo com som e vídeo com o dia-a-dia das bandas de música, com grupo(s) de teatro amador, associações recreativas ou de defesa do património; com projetos temáticos realizados com as pesquisas de crianças e jovens (abrangendo diferentes níveis de ensino, da educação pré-escolar ao ensino superior), com programas para viver e registar, em diferentes suportes [som, vídeo e fotografia: os cafés (programa “café central”); as árvores (programa de leituras ao ar livre)].
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No final de cada ano de atividade, realiza-se uma mostra (síntese) em cartazes e uma publicação onde se expõem hipóteses de documentação, em texto e imagem dos momentos mais incisivos das três linhas de programação, sempre conscientes da impossibilidade de reter o que é do domínio (imaterial) da experiência, seja ela singular ou coletiva. O trabalho desenvolvido é, maioritariamente, direcionado e pensado para ultrapassar a mera definição puramente abstrata (e economicista) da segmentação em públicos-alvo. Se a questão dos FRONTEIRA II, Projeto Anual, 7ª edição 2017 e 2018 (2018, Museu do Douro©, fotografia do Serviço Educativo do MD).
públicos de uma instituição é sempre sensível, já que altamente instrumentalizável, a condição do nosso trabalho não é, nem pode ser, a de criação de um grupo de “habitués”. Assim, tentar encontrar modos mais emancipados e mais generosos nos hábitos culturais aproxima-se mais da caracterização da nossa ação do que a formação de públicos (mais restrita) para este ou aquele museu, este ou aquele centro cultural. Por outro lado, mais que dos públicos deste ou daquele equipamento cultural, propomos e procuramos pessoas e coletividades para fazermos algo em comum. Para em comum procurarmos o que há de singular num coletivo. Por isso, as ações são realizadas, na sua maioria, fora dos espaços físicos do museu, através de atividades de experimentação em que se provoca o inesperado, o excitante e, se possível, a transgressão do convencional (não por uma atitude arrivista, mas porque se propõe e acredita na importância de instalar ou descobrir mais modos de ver e viver esta paisagem, de ver e rever com mais do que um ponto de vista). Daí a necessidade do diverso, do avesso ao mono-pensamento, à monocultura, para que a circulação e troca de ideias, de pessoas e sensações, possa ser uma realidade. Às imagens únicas (e redutoras) da panorâmica que reduz a paisagem a um estereótipo é necessário fazer "zoom", procurar pormenores, asperidades, detalhes… Assim os modos de agir do programa “eu sou paisagem” partem de um sentido básico mas fundamental: o que vamos fazer e como vamos fazer e com quem vamos fazer, não é, de todo, separável. Fazer acontecer nos campos da pai-
BIOS. Biografias e Identidades, Projeto Anual, 6ª edição bios 2011 e 2012 (2012, Museu do Douro©, fotografia do Serviço Educativo do MD).
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sagem e dos lugares pesquisando de modo prático com suportes performativos e visuais, centrados nas questões dos corpos como matéria, ação e percurso. (…)
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O Douro de hoje internacionalizou-se. É certo que o vinho do Porto que já se provava nos salões civilizados da Europa do século XVIII, se bebe hoje em Pequim ou em qualquer hotel de serventia aos campos de arroz de Yuanyang. Depois das artes, foi o sector do turismo que melhor entendeu a estreita ligação do Porto ao Douro. O potenciar dessa relação evidente não pode, porém, ficar-se pela “photoshopização” de quintas e tascas, provas de vinhos, percursos e miradouros privilegiados sobre paisagens pitorescas construídas sobre os escombros da realidade, onde “o sofrimento” não tem lugar e onde todos serão figurantes à força. A ficção desta ruína depressa será a ruína da ficção turística se não for capaz de revelar a espessura da paisagem, o que nada tem a ver com categorias conservadoras como a “autenticidade”, a “tipicidade” ou a “veracidade”. Pelo contrário: os paraísos artificiais, menos os que resultam dos efeitos do haxixe, do ópio ou do vinho, descritos por Baudelaire, do que os que respeitam às utopias urbanas (como as atuais “Disneyworlds”), tiveram a sua importância na modernidade; hoje, paradoxalmente, o romanesco ou cinematográfico, enquanto criadores de imagens – alguns chamar-lhe-ão identidade –, são meios privilegiados para reinsuflar realidade onde ela tende a desaparecer: dito de outro modo, se só a ficção pode salvar o real, a paisagem é refém de uma conjuntura política em que a cultura precisa de construir natureza 4.
FRONTEIRA IV, Projeto Anual, 9ª edição bios 2019 e 2020 (2019, Museu do Douro©, fotografia do Serviço Educativo do MD).
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REDE DE NÚCLEOS
A par das itinerâncias como forma de descentralização da programação, o Museu optou, numa primeira fase, por apoiar a criação de núcleos museológicos em diferentes concelhos da Região Demarcada do Douro, explorando temas fortes da Região. Elaboraram-se vários estudos nesse sentido, nomeadamente sobre o sumagre, a amêndoa, a cereja ou o pão e vinho de Favaios. Das propostas realizadas concretizaram-se o núcleo de Tabuaço, associado ao património imaterial (o Museu do Imaginário Duriense - MIDU), o Núcleo do Pão e Vinho de Favaios, no concelho de Alijó, e o Museu do Vinho, no município de São João da Pesqueira. O papel do Museu nestes projetos foi apoiar os executivos camarários no delineamento do programa museológico, onde se incluem a preparação da exposição permanente, dos documentos normativos, a seleção e recolha de objetos para a criação da coleção e seu inventário, as intervenções de conservação preventiva e o planeando de ações de acompanhamento educativo. A direção de cada núcleo está a cargo da própria autarquia, cooperando o Museu do Douro a nível técnico sempre que solicitado. Este modelo, que exige forte investimento financeiro, colocou em causa a viabilidade de uma estrutura polinuclear, ainda mais numa região em progressivo envelhecimento e despovoamento. Para que haja ligação há comunidade é preciso que ela lá esteja, que haja massa crítica que impulsione as atividades e o desenvolvimento do projeto. A forma alternativa de implantar o polinuclear tem sido através da Rede de Museus do Douro.
MIDU, Tabuaço (2012, Museu do Douro©, fotografia de Marco Aurélio Peixoto).
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Favaios: pão e vinho - Núcleo Museológico (2015, Museu do Douro©, fotografia dos Serviços de Museologia do MD).
REDE DE MUSEUS DO DOURO – MUD A Rede de Museus do Douro – MuD foi apresentada publicamente em 2007. A sua base assenta na criação de “condições de suporte entre as diferentes estruturas culturais a operar no Douro, sejam elas museus, núcleos museológicos ou quintas com coleções visitáveis, em cujas vitrinas se exibem testemunhos do património local, de tutela nacional, municipal ou privada.” tendo como ponto unificador “a vocação para a conservação de testemunhos relevantes para o conhecimento da Região Demarcada do Douro com valor histórico, etnológico, científico, cultural, artístico, paisagístico, natural, etc.” 5. A ideia era associar a atuação de cada membro de modo a rentabilizar o mais possível os recursos existentes, numa plataforma horizontal de cooperação, em que cada membro contribui de acordo com a sua disponibilidade. Seria possível criar uma relação de partilha e troca entre as instituições, permitindo beneficiar as estruturas mais frágeis, criando progressivamente uma imagem cultural da região, não se pretendendo com isto uniformizar as instituições. Pelo contrário, pretende-se manter a diversidade e a riqueza de experiências museológicas, respeitando a individualidade de cada instituição e promovendo a qualificação do tecido museológico regional.
Museu do Vinho de São João da Pesqueira (2014, Museu do Douro©, fotografia dos Serviços de Museologia do MD).
Cada vez mais, no meio museológico, se opta por trabalhar deste modo, em que recursos humanos e financeiros podem ser rentabilizados de forma eficaz e sustentável. Seria assim possível criar um museu para o Douro a partir dos diferentes museus e estruturas museológicas do Douro. Contando já com 49 membros, a MuD encontra-se numa fase de consolidação, afinando lógicas de funcionamento e parcerias. Além de um site com informação sobre cada membro e a divulgação das atividades através das redes sociais, a MuD tem atuado através da realização de reuniões
Visita da MuD ao Jardim Botânico da UTAD (2019, Museu do Douro©, fotografia de Susana Marques).
Visita da MuD ao Pólo Arqueológico de Garganta, Sabrosa (2019, Museu do Douro©, fotografia de Susana Marques).
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regulares que permitem aos membros trocar experiências e conhecimento da realidade de cada espaço aderente. Essas reuniões revestem-se também de um caracter formativo, com a realização de palestras ou ações de formação que procuram corresponder a necessidades na área da museologia, como conservação, inventário, etc. O mais recente projeto conjunto é o lançamento de um passaporte da MuD que, dando a conhecer os diferentes espaços, funciona como um passaporte de descontos, incentivando os visitantes a percorrer a Região.
Passaporte MuD (2019, Museu do Douro©, maquete de Lateral Creative Studios).
SINALIZAÇÃO NO TERRITÓRIO
A marcação da presença no território tem também sido feita através da sinalização e interpretação de diferentes patrimónios. Um trecho de paisagem, uma quinta, uma aldeia, um prato típico, um saber-fazer, uma memória, tudo isto constitui matéria passível de ser interpretada e apresentada aos visitantes. Ao percorrerem a Região, em parte classificada como Património da Humanidade pela UNESCO, desde 2001, poderão conhecê-la e compreendê-la melhor, complementando desta forma a visita ao espaço museológico tradicional. A divulgação destes percursos e patrimónios é feita no próprio Museu, através de diferentes níveis de informação, como folhetos, visitas guiadas presenciais ou recorrendo a novas tecnologias, livros, etc.
Tornar o território museu é talvez a forma mais presencial e mais atuante de concretizar o conceito de museu do território. Deste modo, as comunidades são chamadas a acompanhar o projeto, através da identificação dos recursos a musealizar, da garantia de manutenção da sinalização colocada, enfim, do apoio que devem prestar aos visitantes que atravessam a região. Ao mesmo tempo, será da sua responsabilidade a criação de projetos, em parceria ou autonomamente, que envolvam a realização de eventos, a manutenção, venda e promoção dos produtos da terra, a conservação/ preservação do património material e imaterial, entre outros, numa lógica de verdadeiro desenvolvimento comunitário.
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Mesas de interpretação da paisagem (2015, Museu do Douro©, fotografia de Marco Aurélio Peixoto).
Um dos projetos desenvolvidos pelo Museu do Douro é o dos Miradouros da Paisagem. O programa, desenvolvido em 2012, incluiu a colocação de sete mesas interpretativas em pontos de passagem e observação da paisagem do Douro. Estes suportes reproduzem a vista e sinalizam os principais elementos visíveis, com informação mais desenvolvida num desdobrável.
IDENTIFICAR PARA CONSERVAR
“Identificar para Conservar” é um projeto do Museu do Douro implementado desde 2016 6 para fomentar as boas práticas de preservação dos bens culturais móveis. Focando-se nos artefactos com maior interesse patrimonial para a Região Demarcada do Douro, o objetivo deste projeto é identificar e selecionar, juntamente com os municípios, um conjunto de bens cuja conservação é prioritária. A partir desta escolha os objetos são tratados no Museu, sendo o processo cuidadosamente documentado. Este registo acompanha depois as obras para que em cada comunidade seja visível o trabalho realizado e as implicações que tem o cuidado dos seus bens. A metodologia de conservação seguida para cada objeto inclui: o envolvimento da tutela e da comunidade a que cada bem pertence; o estudo histórico-artístico; o levantamento fotográfico documental; o levantamento analítico; e a intervenção curativa, executada com base no princípio da sustentabilidade - esta metodologia privilegia o emprego de materiais de origem natural, ecológicos, com custos e operacionalidade viáveis. As intervenções são acompanhadas por ações de divulgação/ sensibilização e formação. Estas pretendem fazer chegar às pessoas e profissionais que lidam com bens patrimoniais a informação básica no âmbito dos cuidados preventivos. Desta forma trabalham-se conceitos e Intervenção de restauro (2019, Museu do Douro©, fotografia de Carlos Mota).
práticas que permitem prolongar a existência dos bens sem os elevados custos de uma intervenção de restauro.
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Laboratório de Conservação-Restauro do Museu do Douro (2019, Museu do Douro©, fotografia de Carlos Mota).
Como se constata o projeto do Museu do Douro procura comunicar a região do Douro e a sua memória de diferentes formas, socorrendo-se de distintos recursos e ferramentas. O desafio constante é dar a conhecer um património e uma região-património a um público cada vez mais diverso. Se por um lado há um maior peso dos visitantes exteriores, para quem a região surge como uma curiosidade, por outro temos de trabalhar com e para os habitantes, questionando experiências e conhecimento. O objetivo é sempre potenciar o “encontro” com o Douro nas suas mais distintas dimensões.
SONS DO DOURO
Bragança
AÇÕES EDUCATIVAS IDENTIFICAR PARA CONSERVAR EXPOSIÇÕES ITINERANTES MUD
Pinhão
Identificação das atividades do Museu do Douro no território em 2019 (2019, Museu do Douro©, cartografia de Maria João Centenário).
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BIBLIOGRAFIA
NOTAS
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literacia ambientais: o projecto Terra. In GUIMARÃES, Samuel; MANY, Eric
do Alto Douro, instituída pelo marquês de Pombal em 1756.
- Como abordar a metodologia de Trabalho de Projecto. Porto: edições Areal, 2006. p. 100-123.
LENCASTRE, Marina Prieto Afonso - Paisagem corpo e narrativa. Como é que a experiência e as palavras afectam os nossos sentidos?. In MUSEU DO DOURO - Paisagem: Matéria < = > Ficção. Peso da Régua: Museu do
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Originalmente a sede regional da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas Páginas 20 a 23 de LENCASTRE, Marina Prieto Afonso - Paisagem corpo e
narrativa. Como é que a experiência e as palavras afectam os nossos sentidos?. In MUSEU DO DOURO - Paisagem: Matéria < = > Ficção. Peso da Régua: Museu do Douro, 2015. pp. 20-27 (O sublinhado é do autor). (disponível em http://www.museudodouro.pt/books/paisagem-materia-ficcao/ download/paisagem-materia-ficcao.pdf)
Douro, 2015. pp. 20-27. (disponível em http://www.museudodouro.pt/books/paisagem-materia-ficcao/download/paisagem-materia-ficcao.pdf) 3
Página 101 de LENCASTRE, Marina Prieto Afonso; LEAL, Rui Marcelino - Nar-
ratividade e literacia ambientais: o projecto Terra. In GUIMARÃES, Samuel; MANY, Eric - Como abordar a metodologia de Trabalho de Projecto. Porto: edições Areal, 2006. p. 100-123. MOTA, Carlos – Identificar para conservar: um projeto de conservação na região do Douro. In PEREIRA G. M.; AMORIM M. N.; LAGE, M. O. - Douro e Pico, paisagens culturais património mundial. [em linha] Porto: CITCEM, 2019. pp. 53-68. (disponível em <https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/17832.pdf>)
4
Páginas 20 a 23 de PRETO, António – Paisagem, Território de Ficção. In MU-
SEU DO DOURO - Paisagem: Matéria < = > Ficção. Peso da Régua: Museu do Douro, 2015. pp. 6-9. (disponível em http://www.museudodouro.pt/books/paisagem-materia-ficcao/ download/paisagem-materia-ficcao.pdf)
5
Conferir as atas do I Encontro de Museus do Douro, disponíveis no sítio do
PRETO, António – Paisagem, Território de Ficção. In MUSEU DO DOURO
Museu, em particular o artigo de FAUVRELLE, Natália; MARQUES, Susana – Uma
- Paisagem: Matéria < = > Ficção. Peso da Régua: Museu do Douro, 2015.
rede de museus para o Douro.
pp. 6-9. (disponível em http://www.museudodouro.pt/books/paisagem-materia-
(disponível em http://www.museudodouro.pt/tpls/mu/files/encontros/pdf/natalia.pdf)
-ficcao/download/paisagem-materia-ficcao.pdf)
6
MOTA, Carlos – Identificar para conservar: um projeto de conservação na
região do Douro. In PEREIRA G. M.; AMORIM M. N.; LAGE, M. O. - Douro e Pico, paisagens culturais património mundial. [em linha] Porto: CITCEM, 2019. pp. 5368. (disponível em <https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/17832.pdf>)
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6 MUSEU DO CÔA VI LA N OVA D E FOZ CÔA
Sofia Figueiredo Responsável Técnico-Científica do Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC) Investigadora Lab2PT, Universidade do Minho sofiafigueiredo@arte-coa.pt
Sofia Figueiredo é Licenciada em História- variante em Arqueologia pela Universidade do Minho e Universidade Lund (Suécia), Doutorada em Arqueologia da Paisagem e do Povoamento pela Universidade do Minho, Mestre em Património Mundial e Projetos Culturais para o Desenvolvimento pela Universidade de Barcelona (Espanha) e Universidade de Turim (Itália), com a OIT e a chancela da UNESCO. Direção científica de projetos como o Estudo da Arte Rupestre do Baixo Sabor (AHBS); A Arte rupestre móvel no Noroeste Peninsular- dos gestos aos significados (Universidade do Minho, Universidade de Évora, Universidade de Alcalá- Espanha); Portable rock art from Northwest Iberia: moving gestures transforming ideas (Lab2PT); Co-Investigadora Principal no projeto Rock Art Open Access Repository (Lab2PT). Autora e coautora de mais de 40 títulos consubstanciados em livros, atas de congressos e artigos nacionais e internacionais. Conferencista em 50 encontros científicos. Colaboradora na formação de alunos do ensino superior e cursos de formação. Orientadora de dissertações de mestrados.
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Mediação Cultural do Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa
VALE DO CÔA: ARTE RUPESTRE, PARQUE ARQUEOLÓGICO E MUSEU O vale do rio Côa guarda um património cultural extraordinário, que se materializa em milhares de rochas gravadas e pintadas, dispersas por uma paisagem de inigualável beleza. Apresenta-se assim como uma verdadeira galeria de arte milenar a céu aberto, onde os painéis ou telas foram forjados pela própria natureza. De acordo com os estudos mais recentes, a Arte Rupestre do Côa é composta por mais de 1.300 rochas gravadas e pintadas, agrupadas em cerca de 95 núcleos 1, metade dos quais com gravuras paleolíticas 2, datadas entre 30.000 e 12.000 calBP 3. Contempla igualmente motivos datados da Pré-história Recente, da Idade do Ferro e de épocas históricas, nomeadamente entre os séculos XVII e XX. Na verdade, estamos perante um excecional conjunto multimilenar de sítios rupestres ao ar livre, único no mundo, expressivo de uma longa persistência artística associada às sucessivas comunidades que habitaram, moldaram e interpretaram o território até ao século XX.
Área do Parque Arqueológico do Vale do Côa (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©, ilustração de Mário Reis).
Em Dezembro de 1998, após uma das mais conturbadas polémicas relativas à conservação do património a nível nacional e internacional 4, o Vale do Côa (então consubstanciado em 14 núcleos de arte rupestre e dois sítios arqueológicos) foi integrado na Lista de Património Mundial, num dos processos mais expeditos por parte da UNESCO. Ao conjunto artístico do Côa, situado em território português, está associado desde 2005 Siega Verde (Ciudad Rodrigo, Espanha) na margem esquerda do rio Águeda, também ele um afluente do Douro, que constitui uma extensão e um complemento da Arte do Côa 5.
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Os sítios inventariados no Vale do Côa integram a área protegida do Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC), criado em 1996, com a missão de gerir, proteger, investigar e mostrar ao público a arte rupestre. Com uma superfície de cerca de 20.000 hectares, o Parque Arqueológico do Vale do Côa visou enquadrar o complexo artístico numa dimensão territorial, funcionando como uma entidade administrativa integradora, abrangida por medidas de salvaguarda e documentos legais que asseguravam a gestão desse património e a criação de condições para que o mesmo pudesse ser visitado e usufruído pelo público. Inicialmente sob tutela do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), transitou, em 1997, para a tutela do Instituto Português de Arqueologia (IPA), que lhe viria finalmente a conceder uma moldura legal, comparável à das áreas protegidas, através do Decreto-Lei 131/2002, de 11 de Maio, já enquadrado no âmbito da reguA confluência do rio Côa no vale do Douro e o Museu do Côa (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis).
lamentação da nova Lei de Bases do Património (107/2001, de 8 de Setembro) 6. Com este decreto foram criadas as condições para a existência de um novo instrumento de gestão territorial da Arte do Côa, enquadrado por um necessário plano de ordenamento, documento que começou a ser produzido, mas nunca ultimado nem aprovado nas instâncias competentes.
Para além da Arte do Côa, classificada pela UNESCO, e do Parque Arqueológico do Vale do Côa, com as suas diversificadas dimensões patrimoniais, foi inaugurado em 2010 o Museu do Côa. Este equipamento cultural procurou dar resposta à necessidade de contextualizar do ponto de vista discursivo a longa diacronia da Arte rupestre do Vale do Côa, estando particularmente orientado para a divulgação do bem classificado .
Implantado na imensidão da paisagem duriense, o museu localiza-se junto à Foz do Côa, na sua margem esquerda e nos cimos de um amplo vale. O edifício foi pensado como uma instalação na paisagem, tendo ganho o Prémio de Arquitetura do Douro em 2014. Ocupa uma área de seis mil metros quadrados, desenvolvendo-se ao longo de 190 metros e dando a ideia de uma enorme pedra de xisto 7.
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LOCALIZAÇÃO O vale do rio Côa localiza-se no Noroeste da Península Ibérica e no Nordeste de Portugal. O rio Côa nasce na Serra das Mesas, perto do Sabugal, e desagua na margem esquerda do rio Douro, depois de percorrer cerca de 130 Km 8. Corre de Sul para Norte, num vale muito encaixado, acolhendo uma rede de pequenas ribeiras, também elas muito encaixadas, formando vales profundos de margens abruptas 9.
Se no início corta uma paisagem marcadamente granítica, no final do seu percurso o vale abre-se um pouco mais, dando lugar aos xistos. O relevo atinge altitudes entre os 400 e os 800 metros na margem direita sendo que, na margem esquerda, os valores oscilam entre os 100 e os 500 metros 10. A Arte do Côa distribui-se preO vale granítico encaixado no rio Côa (2013, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis).
ferencialmente no troço final do rio Côa, numa extensão de cerca de 30 quilómetros e, nas áreas adjacentes do rio Douro, ao longo de cerca de 15 quilómetros 11. A zona mais conhecida corresponde aos últimos 12 quilómetros do Côa onde se encontram, entre outros, os núcleos da Canada do Inferno, Fariseu, Ribeira de Piscos, Penascosa e Quinta da Barca. Para além do Côa, encontram-se núcleos tanto na margem direita como na margem esquerda do Douro, que se prolongam para jusante quase até ao Pocinho e, para montante, até ao sítio de Vale d’Arcos.
Zona de xistos onde o rio Côa corre em vales mais abertos (2009, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis).
A área do Parque Arqueológico do Vale do Côa situa-se na zona mais a Norte do distrito da Guarda, abrangendo áreas dos concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel, Meda e Vila Nova de Foz Côa, sendo neste último que se insere quase na sua totalidade. O Museu localiza-se no concelho de Vila Nova de Foz Côa, na foz do rio Côa, na sua margem esquerda, unindo de forma magistral o vale do Côa ao vale do Douro, este último também classificado como Património Mundial pela UNESCO em 2001. Domina assim uma paisagem onde se encontram dois Patrimónios Mundiais.
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Distribuição dos núcleos de arte rupestre no Vale do Côa (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©, ilustração de Mário Reis).
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A DESCOBERTA DO VALE DO CÔA E A CONSOLIDAÇÃO DE UM PROJETO CULTURAL
As primeiras gravuras rupestres no Vale do Côa terão sido detetadas em 1991, sendo já bem conhecidas em 1992. A sua descoberta resultou de prospeções levadas a cabo na área de afetação de um empreendimento hidroeléctrico, sendo que, em finais de 1994, aquando da sua revelação, a construção se encontrava já numa fase muito avançada. Por conseguinte, o processo da revelação do Côa foi acompanhado de uma conturbada polémica que opôs defensores da construção da barragem a defensores da preservação do património rupestre. Durante quase todo o ano de 1995 este tema ocuparia as primeiras páginas da comunicação social portuguesa, extravasando em muito as nossas fronteiras 12. No final de 1995, o Partido Socialista Português, até então o principal partido da oposição, ganhou as eleições legislativas, tomando a decisão de suspender as obras de construção da barragem. Volvidos 25 anos, a consolidação do projeto cultural do Vale do Côa passou por várias fases, que tentaremos resumir nos seguintes parágrafos. Entre 1995 e 1996, o arqueólogo João Zilhão assumiu toda a coordenação do projeto do Vale do Côa e da criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa. A 14 de maio de 1997 foi também aprovada a Lei Orgânica do Instituto Português de Arqueologia (IPA) através do Decreto-Lei 117/97, no seguimento de um processo de reestruturação da arqueologia nacional por parte do Ministério da Cultura. Para a prossecução das suas atribuições foram então criados em Vila Nova de Foz Côa dois serviços dependentes deste instituto, o Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC) e o Centro Nacional de Arte Rupestre (CNART). Embora instituído a 10 de Agosto de 1996, só através do artigo n.º 13 do Decreto-Lei 117/97, de 14 de maio, é que são atribuídas as funções do Parque Arqueológico do Vale do Côa, que englobam “gerir, proteger, musealizar e organizar para visita pública” os monumentos incluídos na sua zona especial de proteção. Ao Centro Nacional de Arte Rupestre cabiam-lhe as funções de investigação científica do bem. Este modelo vigorou até 2007 13. Em 2007, na sequência do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), o Centro Nacional de Arte Rupestre foi extinto, passando o Parque Arqueológico do Vale do Côa a ser a única entidade com funções de gestão direta da Arte do Côa e do território, acrescentando às funções anteriores as competências relacionadas com a investigação. Simultaneamente, o desaparecimento do Instituto Português de Arqueologia desencadeou um complexo processo de mudanças da tutela da Arte do Côa, primeiro para o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), criado em 2007 e dependente do Ministério da Cultura, e, a partir de 2012, para a atual Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), no âmbito do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC). Este cenário de sucessivas reorganiza-
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ções administrativas de enquadramento dos bens culturais e patrimoniais dependentes do Estado, com o consequente agigantar de competências dos organismos referenciados, diluiu a forte ligação entre a Arte do Côa e a tutela. Em 2010 foi inaugurado o Museu do Côa. A partir de 2011, a Arte do Côa, o Parque Arqueológico do Vale do Côa e o Museu, passaram a ser geridos por uma fundação pública de direito privado, a Fundação Côa Parque. Até 2017, e dada a grave crise económica que afetou Portugal, houve um total estrangulamento financeiro do projeto cultural do Vale do Côa. Em 2017, o Decreto-Lei 70/2017 de 20 de junho procedeu a alterações nos Estatutos da Fundação Côa Parque, adaptando-os à Lei-Quadro das Fundações. Entre as alterações mais significativas destacam-se a criação de um Concelho Consultivo onde se encontram representadas instituições de âmbito nacional, regional e local; a reformulação das entidades financiadoras (DGPC, Turismo de Portugal, IP, Agência Portuguesa do Ambiente, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa e Associação de Municípios do Vale do Côa); e o reforço da sua ação através dos institutos de ensino superior. Assim, a Fundação Côa Parque vive atualmente um quadro de melhorias significativas face ao período anterior. Estabelece-se como sua visão “afirmar o Parque Arqueológico e Museu do Côa como activos estratégicos de referência nacional e internacional, nas áreas do Património, da Ciência e do Turismo, desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento económico e social da região” e, como sua missão, a “salvaguarda, conservação, investigação, divulgação e valorização da arte rupestre do Vale do Côa”.
PRÁTICA DE MEDIAÇÃO CULTURAL
A visita ao Vale do Côa pode, atualmente, ser realizada de diversas formas que cabe ao visitante selecionar. Para além do Museu, encontram-se abertos ao público núcleos de arte rupestre que contam com distintas modalidades de visita. A Fundação Côa Parque oferece ainda um conjunto de serviços educativos, entre os quais se contam as visitas orientadas, as oficinas de arqueologia experimental ou os percursos temáticos. Todas as visitas realizadas no Parque Arqueológico do Vale do Côa necessitam de marcação prévia e são mediadas por um corpo de guias, com formação específica em arte rupestre. Para além dos guias da Fundação Côa Parque, estão também formados e devidamente capacitados um conjunto de guias de operadores privados locais.
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Núcleo de arte rupestre da Canada do Inferno (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis).
Núcleo de arte rupestre da Penascosa (2017, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis).
Núcleo de arte rupestre da Ribeira de Piscos (2013, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis).
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Rocha 1 da Canada do Inferno (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis, ilustração do CNART/PAVC)
Desde a criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa, foram abertos ao público três núcleos de arte rupestre paleolítica: a Canada do Inferno, a Pensacosa e a Ribeira de Piscos. São estes os mais populares e aqueles que se podem visitar durante todo o ano, dada a sua acessibilidade. É ainda nestes núcleos que encontramos algumas das rochas paleolíticas mais icónicas do Vale do Côa, como sejam a Rocha 1 da Canada do Inferno, a Rocha 3 da Pensacosa ou a Rocha 1 da Ribeira de Piscos.
Rocha 3 da Penascosa (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis, ilustração do CNART/PAVC).
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Rocha 1 da Ribeira de Piscos (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis, ilustração do CNART/PAVC).
Dada a dificuldade em visualizar os motivos gravados, cujo sulco com o passar do tempo adquire a mesma cor da superfície da rocha, as condições de luz para uma melhor perceção das figuras rupestres no Côa jogam um papel fundamental. Por conseguinte, as visitas aos três principais núcleos são feitas em diferentes alturas do dia. De manhã é possível visitar a Canada do Inferno ou a Ribeira de Piscos e, de tarde, a Penascosa. Há ainda a possibilidade de realizar uma visita noturna ao núcleo da Penascosa. Neste caso, com a modelação de luzes artificias projetadas de forma rasante sobre as rochas, são criadas sombras nos sulcos gravados permitindo uma ótima visualização e individualização dos animais representados. Visita noturna ao núcleo de arte rupestre da Penascosa (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de Mário Reis).
Tendo ainda em consideração várias vicissitudes inerentes à arte do Côa - como o facto de os motivos serem gravados, a influência que a luz tem na sua visualização, o desgaste que a erosão provocou nos suportes rochosos e, ainda, os particularismos da arte do Côa, onde podemos encontrar vários motivos sobrepostos num mesmo painel - foi implementado um sistema de fichas para cada rocha 14. A ficha apresenta o levantamento gráfico de cada uma das rochas visitáveis, sendo que os motivos se encontram individualizados através de diferentes cores.
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As visitas aos núcleos da Canada do Inferno e Ribeira de Piscos são realizadas a partir do Museu em veículos todo-o-terreno com uma capacidade para passageiros que varia entre 7 e 8. Para o núcleo da Penascosa, as visitas são realizadas a partir do Centro de Receção de Castelo Melhor, também num veículo todo-o-terreno com capacidade para 7 ou 8 passageiros. Dentro do recente desenvolvimento de estratégias para atrair novos visitantes, foi desenhado e implementado em 2018 a visita de Caiaque. Esta permite ao visitante conhecer vários núcleos de arte rupestre de uma forma original, bem como conhecer a biodiversidade do rio Côa. Nesta modalidade, que se inicia às 9h00 e termina às 15h00, há ainda espaço para uma degustação de produtos regionais. Os núcleos de arte rupestre que se visita são a Ribeira de Piscos, o Fariseu, Vale Figueira e a Canada do Inferno. Relativamente ao Museu do Côa, este constitui-se como verdadeiro portal de entrada, que permite aos visitantes começar a descobrir e a contextualizar Exemplo de ficha da Rocha 3 da Ribeira de Piscos (1996, Arquivo Fundação Côa Parque©, ilustração do PAVC).
a arte rupestre do Côa. O percurso expositivo é linear, sendo composto por sete salas distintas 15. Três salas são dedicadas a uma contextualização geral e à introdução do tema, sendo as outras quatro de temática própria relacionada com a arte do Côa.
A sala A “Do Côa para a Humanidade”, pretende mostrar os sítios de arte rupestre no mundo, fazendo uma súmula dos que se encontram inscritos na lista de Património Mundial. Apresenta ainda um quadro que procura fazer a ligação entre a arte rupestre e as origens da cultura humana. É ainda neste espaço que se faz uma primeira introdução ao Vale do Côa.
Vista geral da Sala A do Museu do Côa (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de José Paulo Ruas).
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A sala B “O Território, o Homem e o Tempo” procura mostrar ao visitante o estudo das ocupações humanas ao longo do paleolítico no Vale do Côa. Assim, são apresentados os diferentes sítios arqueologicamente intervencionados, ilustrando as camadas arqueológicas e respetivas datações, bem como os vestígios materiais exumados, consubstanciados quase exclusivamente por indústria lítica.
Expositor e monitores explicativos na Sala B do Museu do Côa (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de José Paulo Ruas).
A sala C “Contextualização Geográfica e Cultural da Arte do Côa” estabelece uma série de analogias e paralelismos entre a estética de determinadas figuras animais do Vale do Côa com as de outras regiões, sobretudo na Península Ibérica. Procura-se por um lado expor uma gramática figurativa e artística comum entre distintas regiões, bem como chamar a atenção para o papel que os intercâmbios tinham, não se tratando apenas de trocas comerciais ou de matérias-primas, mas, também, de ideias e símbolos. São ainda tratadas as principais teorias interpretativas, desenvolvidas sobretudo no século XX, que procuraram explicar a arte paleolítica.
Pormenor da Sala C do Museu do Côa (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de José Paulo Ruas).
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A partir da sala D “O Santuário Arcaico” entramos nos temas especificamente relacionados com a arte rupestre do Vale do Côa. Neste primeiro espaço, procura-se que o visitante conheça um grande palco natural, constituído pela Penascosa e Quinta da Barca, dois núcleos que se olham na paisagem e onde se encontra o maior número de gravuras da fase inicial da arte paleolítica do Côa. O espaço foi conceptualizado como sendo interativo e mostra, entre outras, uma das figuras mais icónicas da arte do Vale do Côa, a Rocha 3 da Quinta da Barca, onde se encontra representado o bode com duas cabeças que conformam uma simetria perfeita. Projeção interativa na Sala D do Museu do Côa (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de António Jerónimo).
A sala E “O Paleolítico no Quotidiano”, parte da escavação da Rocha 1 do Fariseu - que providenciou as datações que tornaram incontestável a inserção da arte do Côa no Paleolítico Superior - para as atividades quotidianas das populações pré-históricas. Assim, para além de uma réplica da Rocha 1 do Fariseu, encontramos também nesta sala uma reprodução do que seria um habitat paleolítico. Uma vez que a escavação da Rocha 1 forneceu ainda uma vasta coleção de arte móvel, é neste espaço que podemos ver as únicas peças originais gravadas em todo o museu, numa vitrina horizontal onde as mesmas se encontram expostas.
Representação de um habitat paleolítico na Sala E do Museu do Côa (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de José Paulo Ruas).
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A sala F “A História Interminável do Côa” procura levar o visitante a fazer uma viagem no tempo, desde o Paleolítico, com as gravuras por exemplo da Canada do Inferno, até ao período Histórico, onde se mostram as gravuras da Rocha 56 do Vale do Forno ou as Rochas 9 e 24 da Canada do Inferno. Entre umas e outras encontramos as imagens da Pré-História Recente, aqui representadas sobretudo pelas pinturas da Faia, e as da Idade do Ferro, onde figuram os icásticos guerreiros do núcleo da Vermelhosa. Alusão à arte da Idade do Ferro na Sala F do Museu do Côa (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de José Paulo Ruas)
Por fim, na sala G “O Tempo da Arte”, cosem-se as motivações do passado com as do presente e as do futuro tentando expor que a arte é tudo e tudo liga.
Homenagem ao movimento de luta pela preservação das gravuras na Sala G do Museu do Côa (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de António Jerónimo).
No final de 2019, após dez anos da sua conceção original, o museu passou por uma renovação do programa museológico, tendo sido integrados dispositivos de realidade aumentada e virtual. Desta forma, procurou-se dar respostas a questões como “Quem eram os artistas do Vale do Côa”, “Como viviam”, “Porquê o Côa”, ou “Porque fizeram esta arte”. Foram intervencionadas as salas A, D, E, F e G. Neste último espaço é ainda projetado um vídeo que procura homenagear o movimento de luta pela preservação das gravuras rupestres do Vale do Côa.
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Complementando ainda a exposição permanente que acabamos de descrever, o Museu do Côa conta também com três salas de exposições temporárias, com um programa de diversas exibições contemporâneas de fotografia, pintura, escultura, gravura ou desenho que, de uma forma mais ou menos direta, pretendem evocar e lembrar a arte dos gravadores do Vale do Côa.
Para além da visita aos núcleos de arte rupestre e do Museu do Côa, a Fundação Côa Parque oferece ainda um conjunto de oficinas, onde se destaca a de arqueologia experimental, bem como diversas atividades educativas e atividades guiadas e orientadas por técnicos, onde se incluem Sala com exposição temporária do Museu do Côa (2010, Arquivo Fundação Côa Parque©, fotografia de José Paulo Ruas)
os percursos pedestres 16, importantes por permitirem ao visitante conhecer não só os sítios arqueológicos da Pré-História mas, também, da Proto-História, da Romanização e sítios medievais, que demonstram a ocupação humana continuada deste território.
O objetivo principal da Fundação Côa Parque é que os visitantes entendam a arte rupestre paleolítica como uma das primeiras expressões artísticas da humanidade; que reconheçam as suas principais características; que conheçam os modos de vida das populações que habitaram e decoraram o vale do Côa; e, que reconheçam a importância de preservar este legado cultural único.
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RECURSOS DA FUNDAÇÃO CÔA PARQUE
A sede da Fundação Côa Parque é o edifício do Museu do Côa, constituído por quatro pisos, cobertura/Piso 2, Piso 1, Piso 0 e Piso -1, organizados por um sistema particular de circulações verticais e horizontais. A cobertura reúne circulações pedonais de acesso ao museu e faixas destinadas a estacionamento de veículos. Incorpora ainda áreas panorâmicas. O Piso 0, onde se situa a exposição permanente do museu e as salas de exposição temporárias, é estruturado pela rampa/corredor que percorre todo o corpo. No fim do primeiro tramo desta rampa forma-se um nó de ligações: para o interior do Museu; para a área administrativa (conjunto de gabinetes distribuídos por dois pisos); e para o piso inferior, onde se localiza o restaurante/cafetaria e o auditório 17. Relativamente aos órgãos e recursos humanos da fundação, ela é constituída pelo Conselho Diretivo, Responsável técnico-científico e funcionários do Museu do Côa e Parque Arqueológico do Vale do Côa. Este grupo conta com um número de cerca de 35 colaboradores, com distintas formações e funções. Assim, encontramos na área administrativa e serviços gerais os recursos humanos, o secretariado, a área financeira, a informática, a manutenção, a limpeza e a gestão do parque automóvel. Para além desta, os recursos humanos da Fundação Côa Parque organizam-se em distintas áreas como a de apresentação ao público, onde se encontram os serviços educativos e o corpo de guias; a área de investigação e conservação, composta sobretudo por arqueólogos responsáveis pelo registo e estudo da arte rupestre e dos contextos arqueológicos; a área de políticas territoriais, que procura regularizar o plano especial de ordenamento do território e gestão de riscos; e, ainda, a área de comunicação que procura promover e divulgar todas as atividades culturais e científicas da Fundação Côa Parque.
EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE VISITANTES
Optamos neste ponto por apresentar o número de visitantes ao Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa desde o ano de 2010, ano da abertura do Museu 18. Observando os números, destacam-se os anos de 2018 e 2019 com alterações positivas significativas face aos anos anteriores. Lembramos no entanto que até 2017, a Fundação Côa Parque passou por um estrangulamento financeiro que impediu a devida dinâmica do Parque Arqueológico do Vale do Côa e Museu. Assim, no ano de 2019 registou-se pela primeira vez um número de visitantes superior a 50.000. Nos gráficos ilustrativos fica patente a subida destes números tanto no território do Parque Arqueológico do Vale do Côa como no Museu.
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Para além destes, importa ainda referir todas as atividades desenvolvidas fora do Museu do Côa onde se destacam, entre muitas outras, exposições em Zagreb (Croácia), Moscovo (Rússia) ou Ulsen (Coreia). Estas atividades contribuem sobremaneira para a divulgação e internacionalização do Côa, apresentando números extraordinários de visitantes.
número de visitantes ao Vale do Côa
Quadro ilustrativo do número total de visitantes ao Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa de 2010 a 2019 (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©).
DESAFIOS PARA O VALE DO CÔA São vários os desafios enfrentados pelo Vale do Côa relativamente à valorização e dinamização do seu património. Entre estes optamos por distinguir quatro cujas origens são diversas, indo desde a geografia à históPAVC
Museu
ria, passando pelo contexto das políticas culturais em Portugal 19. O primeiro prende-se com o facto do Vale do Côa se localizar numa das zonas mais despovoadas de Portugal, nos assim denominados Territórios do Interior. Esta interioridade, onde se acentua cada vez mais a tendência para o despovoamento, envelhecimento e empobrecimento, advém de aspetos económicos (fraca diversidade de atividades económicas, elevada taxa de desemprego), urbanos (centros urbanos com dimensões insuficientes), institucionais (reduzido leque de entidades) e relacionais (fracas redes de parcerias e de envolvimento da população) 20. Resulta assim num
Número de visitantes separados por núcleos de arte rupestre (Parque Arqueológico do Vale do Côa) e Museu do Côa (2020, Arquivo Fundação Côa Parque©).
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território pouco dinâmico, com bens arqueológicos dispersos e não conectados a grandes fluxos turísticos, com um claro desaproveitamento do património cultural como motor de desenvolvimento económico.
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O segundo prende-se com a imagem perpetuada de que o Parque Arqueológico do Vale do Côa falhou o seu compromisso em desenvolver a região. Esta noção teve origem e foi sendo mantida a partir do contexto da criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa, com a suspensão das obras da barragem, tendo um especial impacto na comunidade local 21. Assim, e dados também os primeiros modelos de gestão do Parque Arqueológico do Vale do Côa, numa perspetiva “Up to Down”, regista-se uma reduzida participação das comunidades locais na gestão do Vale do Côa que importa alterar.
De outra índole é o desafio decorrente de se apresentar um património situado cronologicamente no Paleolítico Superior. A Pré-História antiga apresenta-se, sem dúvidas, como o período da história da humanidade mais difícil de compreender, com conceitos e definições ambíguos e complexos, pouco dominados pelo público em geral. Ao contrário das crenças populares, as populações do paleolítico superior não habitavam no interior de grutas, não eram próximos dos grandes primatas e não eram contemporâneos dos dinossauros! No entanto, as amplas cronologias manuseadas, o tempo que nos separa do Pleistoceno, bem como um ensino incipiente sobre esta matéria nos curricula escolares, abre vias para imagens extremamente difusas sobre este período. É assim um desafio conseguir apresentar estas populações como iguais a nós (Homo Sapiens), sendo as maiores divergências o sistema económico (baseado na recoleção e na caça) e a organização social (bandos nómadas com cerca de 30 indivíduos). De facto, esta imagem é tão distante da nossa realidade, que é difícil pensar que os últimos 10.000 anos, em que tiramos o sustento da agricultura, não chegam a 10% da nossa história enquanto Sapiens. Por outro lado, o património arqueológico pré-histórico mostra uma especial dificuldade na criação de vínculos com a sociedade atual e as populações locais, uma vez que não parece ter existido até ao momento em que foi escavado ou descoberto por um grupo de especialistas, que vão depois criar um discurso académico sobre ele.
Por fim, podemos assinalar como último desafio para o Vale do Côa a sua adaptação aos paradigmas contemporâneos das políticas culturais. Estas procuram intrinsecamente um modelo de excelência e a democratização cultural, onde são valorizadas a experiência cultural e o empoderamento das comunidades face ao seu património. Num plano exógeno, procuram ainda que os equipamentos culturais tenham um impacto social e económico real, promovendo a participação e coesão social, bem como o reequilíbrio territorial.
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NOTAS 1
Última atualização proveniente dos trabalhos de prospeção e inventário de
15 Página 28 de BRITO, Lúcia Gonçalves – Um processo, um projecto, um mu-
Mário Reis.
seu. In RIBEIRO, João Pedro Cunha - O Museu do Côa: Cadernos Côa 01. Lisboa:
2
IGESPAR, 2009. pp. 23-30.
Páginas 28-33 de REIS, Mário - ‘Mil rochas e tal…!’: Inventário dos sítios de
Arte Rupestre do Vale do Côa (conclusão). Portugália. XXXV (2014) 17-59.
16 Página 152 de LIMA, Alexandra – O Parque Arqueológico do Vale do Côa. In
3
RIBEIRO, João Pedro Cunha - O Museu do Côa: Cadernos Côa 01. Lisboa: IGES-
Abreviação para anos “calibrados Antes do Presente”, em inglês “calibrated
years Before Present”, assumindo-se o ano de 1950 como padrão zero.
PAR, 2009. pp. 149-154.
4
Página 263 de BAPTISTA, António Martinho; FERNANDES, António Batarda -
17 Páginas 26-27 de BRITO, Lúcia Gonçalves – Um processo, um projecto, um
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Lisboa: IGESPAR, 2009. pp. 23-30.
Sergio - Palaeolithic Cave Art at Creswell Crags in European Context. Oxford:
18 As pessoas que participaram noutras atividades do Museu, como as
Oxford University Press, 2007. pp. 263-279.
oficinas de arqueologia experimental, foram incluídas no número total de visitantes
FERNÁNDEZ MORENO, José Javier; BAPTISTA, António Martinho – Siega
5
Verde: Extensión del Valle del Côa, arte rupestre paleolítico al aire libre en la
do Museu. 19 Página 43 de FIGUEIREDO, Sofia Soares – Plano de Gestão para o Vale do
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Página 11 de LUÍS, Luís - A Arte e os Artistas do Vale do Côa: guia para visi-
tantes. Vila Nova de Foz Côa: Parque Arqueológico do Vale do Côa/Associação de Municípios da Vale do Côa, 2008. 9
Página 35 de BAPTISTA, António Martinho - O Paradigma Perdido: O Vale do
Côa e a Arte Paleolítica de Ar Livre em Portugal. Vila Nova de Foz Côa: Parque
21 Página 150 de LIMA, Alexandra – O Parque Arqueológico do Vale do Côa. In RIBEIRO, João Pedro Cunha - O Museu do Côa: Cadernos Côa 01. Lisboa: IGESPAR, 2009. pp. 149-154.
Arqueológico do Vale do Côa/Edições Afrontamento, 2009. 10 Página 7 de CARVALHO, António Faustino de; ZILHÃO, João; AUBRY, Thierry – Vale do Côa: Arte Rupestre e Pré-História. Lisboa: Ministério da Cultura/Parque Arqueológico do Vale do Côa, 1996. 11 Página 145 de REIS, Mário - Prospecção arqueológica e a evolução do inventário da arte rupestre do Côa. In LEE, Sangmog; BAPTISTA, António Martinho; FERNANDES, António Batarda - Arte Rupestre do Vale do Côa: Catálogo da exposição. Ulsan: Ulsan Petroglyph Museum/ Fundação Coa Parque, 2015. pp. 116148. 12 Página 7 de BAPTISTA, António Martinho - No tempo sem tempo - A arte dos caçadores paleolíticos do Vale do Côa. Vila Nova de Foz Côa: Parque Arqueológico do Vale do Côa, 1999. 13 FIGUEIREDO, Sofia Soares - Plano de Gestão do Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa. Barcelona/Turim: Universidade de Barcelona/Universidade de Turim/ OIT (Organização Internacional do Trabalho)-UNESCO, 2017. Dissertação de Mestrado em Gestão do Património (policopiada). 14 Página 41 de BAPTISTA, António Martinho – Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC): O sistema de visita aos sítios rupestres. In LEE, Sangmog; BAPTISTA, António Martinho; FERNANDES, António Batarda - Arte Rupestre do Vale do Côa: Catálogo da exposição. Ulsan: Ulsan Petroglyph Museum/ Fundação Coa Parque, 2015. pp. 36-42.
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7 CASA DA MÚSIC A P ORTO
Casa da Música www.casadamusica.pt info@casadamusica.com A origem da Casa da Música remonta a 1998, com as cidades de Porto e Roterdão escolhidas como Capitais Europeias da Cultura para 2001. Nascia o projeto arquitetónico de Rem Koolhaas, “um eco fora do comum” que resultou da solução apresentada pelo Office for Metropolitan Atchitecture. Inaugurada oficialmente em abril de 2005, a Casa da Música constitui-se como um ambicioso projeto artístico e cultural, mas também educativo e social, com sede no primeiro edifício construído em Portugal exclusivamente dedicado à música. Prossegue a sua missão de celebrar artistas, compositores, músicos, novas e tantas músicas: da clássica ao jazz, do fado à eletrónica, da grande produção internacional a projetos mais experimentais. Hoje é considerada um ícone arquitetónico e cultural inconfundível, de grande projeção internacional. Uma Casa que é palco para tantas formas musicais quantos os ângulos e as cores, intermináveis, que a definem.
Casa da Música
HISTÓRIA DO EDIFÍCIO
A origem da Casa da Música remonta a 1998, quando as cidades de Porto e Roterdão são escolhidas como Capitais Europeias da Cultura para 2001. Feito o anúncio, iniciou-se um longo processo de gestão de meios e conceção de programas artísticos, sociais e educativos sob a responsabilidade da então criada Porto 2001, S.A. Entre outras iniciativas, foi lançada a promissora ideia de um edifício de características únicas onde a música teria uma residência.
Construção da Casa da Música (2007, Casa da Música©).
Construção da Casa da Música (2007, Casa da Música©).
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Cerca de um ano depois, a cedência e o usufruto do terreno a construir são negociados entre a Porto 2001, S.A. e a Câmara Municipal do Porto, tendo a escolha obrigado à demolição da já desativada Estação Terminal dos Elétricos do Porto. Outras hipóteses foram colocadas, mas acabou por se concluir que a localização deste terreno – e, logo, da futura Casa da Música – junto à Praça MouCasa da Música (2017, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
zinho de Albuquerque, mais conhecida como Rotunda da Boavista, favorecia a criação de uma dinâmica de renovação urbana e social de que toda a área envolvente necessitava. O edifício aí existente atingira já um avançado estado de degradação, pelo que o seu valor histórico-patrimonial foi considerado menor em comparação com o do novo ícone que surgiria. O concurso de arquitetura para o projeto reuniu um total de 26 candidaturas, algumas das quais em nome dos melhores arquitetos do mundo, como Hadid, Zumthor, Foster, Siza Vieira, Koolhaas ou Herzog & de Meuron. Dada a curta duração do processo, que se concluiria em seis meses, a vasta maioria desistiu, tendo passado à segunda fase sete
Casa da Música (2017, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
arquitetos (Perrault, Foster, Zumthor, Moneo, Viñoly, Koolhas e Ito) e disputado a terceira e última apenas três: Dominique Perrault, Rafael Viñoly e Rem Koolhaas.
A comissão de avaliação, composta por Pedro Burmester, Nuno Cardoso, Manuel Correia Fernandes, Eduardo Souto de Moura, Ricardo Pais, Manuel Salgado, Artur Santos Silva e Álvaro Siza Vieira, elegeu o projeto de Koolhas, que permitia uma adaptação universal dos espaços internos e externos do edifício, uma linguagem fluente e coerente na utilização de materiais de fácil manutenção e, acima de tudo, uma singularidade formal. A forte dominante visual do edifício viria a pesar na escolha, concordante com o propósito assumido pela Sociedade Porto 2001 de buscar para a cidade uma nova identidade, um marco, um ícone e ponto de referência.
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Rem Koolhaas recuperara um projeto anterior, a casa “Y2K”, para o transformar, moldar, expandir e adaptar a uma escala e um programa radicalmente diferentes, apresentando uma Casa da Música que traduzia uma afirmação de estilo, uma convenção estética, uma inconfundível marca de autor. Em abril de 2005, a Casa abria finalmente as suas portas.
FUNDAÇÃO Instituição de direito privado e utilidade pública criada pelo Estado português e pela Câmara Municipal do Porto, a que se juntaram os fundadores privados, a Fundação Casa da Música nasce em janeiro de 2006 com a missão de promover, fomentar e difundir atividades culturais e formativas no domínio da música. O modelo fundacional foi considerado o mais adequado, por potenciar os princípios de autonomia, flexibilidade, estabilidade e profissionalismo. A Fundação está estruturada em torno de três órgãos: Conselho de Fundadores, Conselho de Administração e Conselho Fiscal. Ao primeiro compete o enquadramento estratégico da atividade da Fundação. O segundo, composto por sete elementos (dois designados pelo Estado, um pela Câmara em conjunto com a Grande Área Metropolitana do Porto e os restantes quatro pelas pessoas ou entidades privadas que constituem o Conselho de Fundadores), é o órgão a que cabe a gestão da Fundação Casa da Música. Casa da Música (2007, Casa da Música©).
MODELO ARTÍSTICO A Casa da Música é um projeto artístico e cultural, mas também educativo e social, com sede no primeiro edifício construído em Portugal exclusivamente dedicado à música. Muito para além de uma sala de concertos tradicional, a Casa da Música é em si mesma um corpo unificado que engloba a atividade de um conjunto de projetos artísticos e educativos com identidade própria. Os membros mais visíveis deste corpo são os agrupamentos residentes, de onde nasce a maior parte da programação artística que desenha o perfil da instituição, e o Serviço Educativo, com cerca de mil atividades por ano. A unidade deste corpo faz-se através da criação de conceitos abrangentes de programação: o tema da temporada e os festivais que se desenrolam em vários momentos do calendário.
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PAÍS-TEMA Desde 2007, a Casa da Música tem apresentado cada uma das temporadas enquadrada num tema único – um país ou uma região transnacional. Este tema não vincula todos os concertos e atividades, mas imprime a sua marca ao longo da temporada: apresentando compositores fundamentais e obras-chave da música do país/região, correntes artísticas ali nascidas e conceitos decorrentes da sua cultura e da sua história. A escolha dos temas tem trilhado tanto os caminhos inevitáveis da cultura ocidental (países como França, Itália, Alemanha, Áustria, Reino Unido e Rússia), os países que construíram a sua identidade musical, em certa medida, sob a influência e a herança dos anteriores (Estados Unidos da América, Países Nórdicos ou Espanha), como também regiões/conceitos mais vastos (Brasil, Oriente, Novo Mundo). Mais do que uma base de apoio ao desenho da programação, o País-Tema é um estímulo Ano “Áustria” (2018, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
pensado para o público, que encontra em cada temporada uma linha condutora para a audição e um campo de descobertas a realizar ao longo de um ano. O facto de atravessar todos os géneros e correntes artísticas, todos os agrupamentos residentes, uma série de atividades do Serviço Educativo, e também o facto de não se limitar às viagens ao passado, mas dar sempre palco aos criadores contemporâneos, permitem que o Tema da temporada atinja todos os públicos e seja um eixo omnipresente na vida da Casa da Música.
Ano “Áustria” (2018, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
Ano “Novo Mundo” (2019, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
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FESTIVAIS/CICLOS TEMÁTICOS A organização do calendário da programação por grandes “constelações temáticas” é já uma imagem de marca da Casa da Música e, reconhecidamente, um dos fatores distintivos em relação à programação de outras salas de concerto. Se a continuidade dos títulos destes Ciclos Temáticos – tantas Ano “Novo Mundo” (2019, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
vezes com narrativas extramusicais – tem sido um veículo eficaz de comunicação, a renovação dos conteúdos, compositores e intérpretes tem mantido a atenção do público e estimulado a capacidade de inovação. Este plano da identidade artística da Casa da Música revela-se em vários momentos do calendário. Os festivais mantêm-se como âncoras da programação e aglutinam um conjunto de concertos em torno de um mote comum, num curto espaço de tempo. Alguns destes festivais poderão ter edição única e serem substituídos por outros no ano seguinte (Humor em Música, Música no Feminino…), o que é reflexo de um esforço contínuo de adaptação da programação aos temas
Ano “Novo Mundo” (2019, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
mais pertinentes para o público, mas há os que se mantêm há anos como marcas de água da vida musical nacional. São os
Ano “Novo Mundo” (2019, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
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casos do “À Volta do Barroco”, o maior festival de música antiga do país, que se realiza todos os Outonos desde 2005 e, além dos agrupamentos residentes da Casa da Música, já trouxe ao Porto vários dos nomes internacionais mais conceituados desta corrente; do “Música & Revolução”, desde 2007, um dos festivais mais emblemáticos e de maior impacto na crítica e no meio internacional, sempre focado em temas diferentes e desafiantes e tendo por datas de referência o 25 de abril e o 1.º de maio; ou do “Invicta.Música.Filmes”, desde 2013, uma oportunidade para cruzar duas artes tão complementares como o cinema e a música, destacando-se os cine-concertos em que a música em palco acompanha a projeção dos filmes.
Ano “França” (2020, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
Ano “França” (2020, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
Orquestra Sinfónica Porto Casa da Música (2020, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
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AGRUPAMENTOS RESIDENTES
A estratégia para os Agrupamentos Residentes – “Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música”, “Remix Ensemble”, “Orquestra Barroca Casa da Música”, o “Coro Casa da Música” e, mais recentemente, o “Coro Infantil Casa da Música” – teve sempre uma orientação em dois sentidos. Por um lado, o desenvolvimento das competências técnicas e artísticas dos agrupamentos, bem como a afirmação de cada uma das suas identidades enquanto pilares da própria Casa da Música. Por outro, a abrangência de repertório que permitem oferecer ao público, que se estende da Idade Média à atualidade, da música puramente vocal à sinfónica e ainda aos cruzamentos com outras linguagens – o que já aconteceu em concertos da Sinfónica com artistas de géneros tão diferentes como o fado, o jazz ou o hip hop. A “Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música” tem uma história que precede a da Casa da Música em muitas décadas. A sua origem remonta a 1947, ano em que foi constituída a “Orquestra Sinfónica do Conservatório de Música do Porto”. Esta orquestra passou por diversas designações e, sob o nome “Orquestra Nacional do Porto”, alcançou a formação sinfónica em 2000, com 94 instrumentistas. Foi integrada na Fundação Casa da Música em 2006, vindo a adotar a atual designação em 2010. Com a Orquestra Sinfónica, a Casa da Música procura chegar a um público heterogéneo. As temporadas deste agrupamento englobam várias séries ao longo do ano: a Série Clássica, vocacionada para as grandes obras sinfónicas que não podem faltar na sala de concertos; a Série Descobertas, com obras mais obscuras e a nova música que o público da Casa da Música está habituado a conhecer em primeira mão, em concertos sempre precedidos por uma palestra; os concertos especiais Fora de Série; e a Série Famílias, onde se enquadram os concertos comentados de domingo ao meio-dia. Com a sua programação inovadora, a Orquestra Sinfónica tem tido um papel determinante na apresentação de nova música aos mais va“Orquestra Sinfónica da Casa da Música” (2019, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
“Orquestra Sinfónica da Casa da Música” (2019, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
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riados públicos, mesmo aqueles que procuram os repertórios mais tradicionais – que também integram a sua programação –, sendo um agente importante na disseminação da criação contemporânea. Para isso contribui também o facto de, nos últimos anos, contar com um maestro titular que é um reconhecido intérprete da música do nosso tempo, Baldur Brönnimann, tal como as colaborações regulares com muitos outros maestros fortemente habilitados para a interpretação destas obras. O “Remix Ensemble Casa da Música” “Remix Ensemble” (2019, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
é o agrupamento por excelência da música do nosso tempo e rapidamente passou a ocupar uma posição cimeira no panorama da música contemporânea europeia. Sob a direção do maestro Stefan Asbury desde a sua fundação, em 2000 até 2004 e desde então pela mão do maestro Peter Rundel estabeleceu estreitas relações com prestigiados compositores internacionais, mas também com jovens promessas, criando condições de trabalho conjunto ideais para a apresentação das obras musicais, em especial as que têm estreia na Casa da Música. Já apresentou mais de noventa obras em estreia absoluta. A agenda do Remix Ensemble é estabelecida tendo em vista a sua vocação internacional, apoiada nas redes de criação artística em que
“Remix Ensemble” (2011, Casa da Música©, fotografia de João Messias).
a Casa da Música está envolvida, pelo que se apresenta com grande regularidade em muitos dos principais festivais e salas de concerto da Europa.
“Orquestra Barroca Casa da Música” (2017, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
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“Orquestra Barroca Casa da Música” (2015, Casa da Música©, fotografia de João Messias).
A música antiga é, na verdade, uma corrente moderna da práti-
ca musical, conhecida como “interpretação historicamente informada” ou “práticas históricas interpretativas”. A “Orquestra Barroca Casa da Música” é o agrupamento residente especializado em música antiga – não só nos repertórios, centrados especialmente nos períodos Barroco e Clássico, mas também no aspeto organológico, fazendo uso de réplicas de instrumentos de época e de cordas de tripa. Desde 2006, data da sua fundação, tem como titular um prestigiado especialista nesta área, o maestro Laurence Cummings. A comunicabilidade das suas atuações é um fator importante para o sucesso que alcançou junto do público, não só no Porto como noutras cidades portuguesas e internacionais. O “Coro Casa da Música” foi fundado em 2009 e teve como seu maestro titular um grande especialista em música coral, Paul Hillier, até 2019. É constituído por uma formação regular de 18 cantores, que se alarga a formação média ou sinfónica em função dos programas apresentados, muitos deles em parceria com os outros agrupamentos residentes. Também o Coro tem tido uma presença regular em festivais portugueses e noutros países, além das atuações regulares na Sala Suggia. Pela sua especificidade, ou seja, pelo facto de pretender apresentar a música vocal e não se cingir a uma determinada época nas suas escolhas do repertório, o Coro é o agrupamento que tende a abordar programas mais heterogéneos, desde a polifonia da Baixa Idade Média e do Renascimento até à música contemporânea, desde as composições “a cappella” – ou seja, sem acompanhamento instrumental – a portentosas obras corais-sinfónicas. O “Coro Infantil Casa da Música” tem a sua génese no ano letivo 2016/2017, com a implementação de três coros em três escolas públicas do Ensino Básico, 1º Ciclo: Escola Básica dos Quatro Caminhos (Matosinhos), Escola Básica da Lomba (Porto) e Escola Básica Quinta das Chãs (Gaia). Desde aí o trabalho musical continua nestes três estabelecimentos de ensino e permite o acesso à prática coral a cerca de 350 crianças. O processo de recrutamento, em renovação contínua, começa com “Coro da Casa da Música” (2020, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
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a identificação de vozes nas escolas públicas onde o projeto se desenvolve semanalmente e culmina com a integração no grupo que trabalha também semanalmente na Casa da Música. Presentemente o “Coro Infantil Casa da Música” tem 50 vozes entre os 8 e os 13 anos. Para além de se pretender criar um agrupamento de qualidade e formar crianças e jovens, a presença em escolas do ensino básico vai ao encontro da missão de serviço público que a Casa da Música tem. Assim, além de se possibilitar a prática musical com repertório adequado à idade e à voz, trabalha-se também competências que resultam do trabalho em grupo, estimula-se a criatividade, fomenta-se a interdisciplinaridade e promove-se a inclusão, já que nenhum aluno é excluído da frequência do Coro.
OUTROS CICLOS
A natureza da Casa da Música, desde a sua inauguração, passa por oferecer todos os géneros musicais e chegar a todos os públicos. Inclui na programação ciclos de concertos que não são protagonizados pelos agrupamentos residentes, mas que são imprescindíveis ao cumprimento da sua missão e que desde sempre integraram a identidade da instituição. Aqui se enquadram: O “Ciclo de Piano”, que todos os anos se inicia com um intérprete jovem e prossegue com grandes figuras internacionais. Representa o desafio constante de equilibrar a apresentação de recitalistas marcantes das décadas recentes com a revelação de jovens solistas de talento já reconhecido em prestigiantes concursos internacionais. Alguns dos nomes que têm enriquecido a programação do “Ciclo de Piano” são Grigory Sokolov, Alfred Brendel, Arcadi Volodos, Elisso Virsaladze, Alexander Romanovski, Andreas Staier, Christian Zacharias, Philip Glass, Pierre-Laurent Aimard, Maria João Pires, Pedro Burmester e muitos outros. O “Ciclo de Jazz” engloba concertos de bandas lideradas por nomes centrais do jazz internacional, concertos inéditos da “Orquestra Jazz de Matosinhos” com convidados especiais e o festival “Outono em Jazz”. As “Terças Fim de Tarde” são dedicadas a novos valores da música de câmara, do fado, da guitarra portuguesa e do jazz. O “Café Casa da Música” apresenta uma programação regular que procura aproximar a Casa da Música da comunidade artística local e de novos públicos, privilegiando a fruição musical em ambiente informal e descontraído, com artistas de qualidade e inovadores e também ensembles de escolas artísticas. A estes ciclos junta-se ainda a “Programação Extra”, resultado de parcerias com produtores externos ou outras entidades que permitem a apresentação de concertos de diferentes géneros musicais de modo a reforçar a missão de serviço público da Fundação Casa da Música, tal como alargar e diversificar o seu público.
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NÚMEROS Os números de atividades não traduzem necessariamente o cumprimento de uma missão, que tem de ser verificada no terreno, na sala de concertos, na visão do público e dos artistas. Mas servem, pelo menos, para dar uma dimensão da intensidade com que se vive a música nesta instituição. No que respeita aos agrupamentos residentes são cerca de 70 concertos por ano, sendo que alguns destes concertos implicam a colaboração de dois ou mais agrupamentos. No total, realizam-se cerca de 345 concertos por ano na Casa da Música. Agrupamentos Residentes (números anuais aproximados): - “Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música” – 50 - “Remix Ensemble Casa da Música” – 10 - “Orquestra Barroca Casa da Música” – 7 - “Coro Casa da Música” – 15 - “Coro Infantil Casa da Música” – 3 Outros Ciclos (números anuais aproximados): - “Ciclo de Piano” – 8 - “Ciclo de Jazz” – 23 (dos quais 10 duplos) - “Terças Fim de Tarde” – 27 - “Café Casa da Música” – 125 - “Programação Extra” – 90
WORTEN DIGITÓPIA Esta era a génese da “Digitópia” em 2007: plataforma para o desenvolvimento de comunidades de criação musical em computador. Resultado da vertiginosa velocidade com que a tecnologia evolui, hoje a “Worten Digitópia” engloba toda a produção digital da Casa da Música: gravação, edição e transmissão – áudio e vídeo –, apoio tecnológico, criação na área da música eletrónica, programação e desenvolvimento, investigação e formação. É constituída por uma equipa jovem, mas altamente especializada e multidisciplinar. Consequentemente, o seu âmbito de ação é bastante alargado, incluindo atividades e projetos como o desenvolvimento de “software” e “hardware”, a realização de oficinas educativas e formações especializadas, o trabalho com comunidades (por exemplo, com grupos com necessidades educativas especiais), o apoio aos agrupamentos residentes da Casa, a produção científica e artística, a criação de conteúdos musicais e vídeo e a recolha e transmissão de concertos. Cria pontes para que o público, as comunidades e os artistas possam ter acesso às realidades musicais que as novas tecnologias possibilitam. Acredita na difusão livre de conhecimento, no desenvolvimento de ferramentas com código aberto (“open source”) e tem uma visão integrada do conhecimento, desde a pesquisa à sala de concerto.
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INCENTIVO À CRIAÇÃO ARTÍSTICA
Reconhecida pelo constante estímulo à criação artística e pela promoção nacional e internacional da música dos nossos dias, a Casa da Música encomenda regularmente novas obras, incluindo na sua programação numerosas estreias mundiais e nacionais. A cidade do Porto é já reconhecida internacionalmente pela difusão da música contemporânea, lado a lado com os grandes centros musicais da Europa. Esse reconhecimento pode ser lido nas palavras de grandes compositores contemporâneos:
“Vocês são privilegiados por terem esse local tão maravilhoso para se tocar música. (…) O que me espanta é o público, que sempre me pareceu muito receptivo, coisa que nem sempre acontece. Outro aspecto extraordinário, para mim que já por aqui ando há bastante tempo, é a qualidade fabulosa das interpretações.” (Harrison Birtwistle, 2016)
Harrison Birtwistle na Casa da Música (2017, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
“A programação da Casa da Música está ao nível das salas mais importantes do mundo.” (Peter Eötvös, 2018)
Peter Eötvös na Casa da Música (2014, Casa da Música©, fotografia de João Messias).
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“O que mais me impressiona [na Casa da Música] é a programação inteligente que combina a música de hoje com a do passado.” (Jörg Widmann, 2020)
Jörg Widmann na Casa da Música (2019, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar)
Aquilo que num passado próximo parecia pouco provável – a adesão do público à vanguarda da criação musical – tornou-se realidade com a estratégia implementada na Casa da Música. A música contemporânea, tal como toda a música que é aqui tocada, já não é música para elites. As composições não perderam profundidade, continuam a exigir de quem a ouve porque não se limitam a repetir o que o ouvido já conhece. É música de elite, sim, mas para todos, resultado de um público que cresce com a Casa e que se torna mais conhecedor, mais aberto e mais exigente. A música portuguesa tem todos os anos especial destaque na programação e o catálogo das encomendas ao longo dos anos já ultrapassa as 200 obras, havendo ainda um forte investimento na reinterpretação e na gravação deste “corpus”. A este respeito, importa mencionar a edição bienal do programa “Estado da Nação”, que engloba três ou quatro concertos exclusivamente dedicados à música portuguesa contemporânea ou de décadas recentes – que resultam depois em edições discográficas bienais de algumas destas obras, em interpretações ao vivo dos agrupamentos residentes. A partir de 2007, a Fundação Casa da Música intensificou a política de fomento à criação musical com a introdução de residências artísticas e pedagógicas. Atualmente é tido como um dos programas mais consistentes e bem-sucedidos da Casa da Música, que conta com os prestigiados compositores dos nossos dias e dando a oportunidade aos compositores portugueses para que as suas obras tenham palco e divulgação internacional. As parcerias artísticas internacionais que a Casa da Música mantém com instituições congéneres permitem a estreia no Porto de muitas destas obras pelos agrupamentos residentes. A sua inclusão no repertório dos agrupamentos e em digressões internacionais contribui para uma imagem da Casa da Música enquanto entidade produtora e promotora de bens culturais. A Fundação também se preocupa em acolher o que de melhor se faz na Região: a “Orquestra Jazz de Matosinhos”, a “Banda Sinfónica Portuguesa” e o “Quarteto de Cordas de Matosinhos” não são os únicos, mas são agrupamentos que têm uma relação especial com a Casa da Música, com lugar garantido na sua programação regular.
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SERVIÇO EDUCATIVO A Casa da Música tem na sua filosofia uma ideia muito abrangente e eclética de música. O Serviço Educativo, integrado na Direcção Artística e de Educação, vai obviamente beber a essa fonte. Por isso, e porque educação não é sinónimo de escola, o Serviço Educativo serve para que todos construam as suas relações com a música: superficiais ou profundas, racionais ou afetivas, abstratas ou concretas, num ou em vários estilos, com estes ou aqueles meios. Assim, existem atividades para bebés, crianças, jovens, adultos, idosos, cidadãos com necessidades especiais, pessoas com ou sem experiência musical, professores, comunidades.
Essas relações podem ser construídas de muitas formas. É possível ouvir música, criar música, interpretar música, saber coisas acerca da música. Quanto mais se ouve, cria, interpreta e sabe mais se compreende a música, e é nessa compreensão que se alicerça o poder, o prazer e o fascínio que a música exerce sobre nós. O Serviço Educativo procura, então, proporcionar formas diversas de relacionamento com a música para que a mesma pessoa possa entrar nela de várias maneiras (construindo a sua “educação”) e para que diferentes pessoas tenham um lugar na Casa. OBJETIVOS DO SERVIÇO EDUCATIVO •
Promover o interesse do maior número de pessoas pela música;
•
Contribuir para a aquisição de ferramentas que levem a uma melhor compreensão musical;
•
Chegar a um leque alargado de pessoas: músicos, não-músicos, crianças, idosos, comunidades, pessoas com necessidades especiais, especialistas, amadores;
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Colmatar défices de oferta no campo da educação e da música, abrindo a nossa oferta às diversas músicas;
•
Promover a inclusão de comunidades desfavorecidas e de pessoas com necessidades especiais;
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Impulsionar a criação artística integrada, envolvendo várias expressões artísticas, e usar linguagens transversais a todas as áreas da música;
•
Intervir em áreas de formação e investigação: formar pessoas, criar ferramentas, investigar processos e metodologias, produzir conhecimento;
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Inspirar outros agentes educativos, sociais e culturais: criar ideias e projetos-piloto que possam ser dinamizados e desenvolvidos por agentes vocacionados para determinados tipos de trabalho com escolas, comunidades e outros.
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PROJETOS COM A COMUNIDADE A ligação entre o Serviço Educativo e a comunidade faz-se de variadíssimas formas, com base numa programação anual que compreende mais de mil eventos, procurando assim chegar a todos os públicos e comunidades. Possibilitar o acesso à música de comunidades excluídas ou em risco de exclusão foi sempre uma preocupação do Serviço Educativo, como o demonstram alguns projetos marcantes destes quinze anos que já leva a Casa da Música. Importa, pois, apresentá-los: Iniciado em 2008, o “Ao Alcance de Todos” é um festival anual que decorre no mês de abril e se dedica especialmente a pessoas com necessidades especiais, que participam em projetos de palco, da fase de desenvolvimento à apresentação pública (espetáculos, oficinas adaptadas, performances). No âmbito deste festival, também, a equipa de formadores do Serviço Educativo tem criado instrumentos adaptados que permitem a pessoas com capacidade motora limitada participar enquanto músicos em várias atividades. Privilegiada pelo “Ao Alcance de Todos” tem sido ainda a formação de profissionais nesta área, através de espaços de debate e de troca de experiências entre técnicos. Iniciativa lançada em 2005, o “Curso de
“Spirit Level” (2012, Casa da Música©, fotografia de João Messias).
Formação de Animadores Musicais (CFAM)” tem formado, ao longo dos anos, centenas de músicos/formadores para trabalho com comunidades. Hoje, a equipa de formadores do Serviço Educativo é constituída na sua maioria por pessoas que frequentaram este curso, eminentemente prático, com a duração de um ano letivo. No âmbito do “CFAM”, dezenas de comunidades trabalharam em projetos de palco e na construção de espetáculos que têm como ponto de partida a criação coletiva e a participação de todos. Foram também desenvolvidos inúmeros projetos em ambiente prisional, tendo a Casa da Música passado já, no contexto do curso, pelos estabelecimentos prisionais de Custóias e Santa Cruz do Bispo (Porto), de Paços de Ferreira e de Braga. O “Som da Rua” é um projeto que nasceu em 2009 de portas abertas a todos e teve sempre como objetivo essencial proporcionar a prática musical à comunidade de sem-abrigo da cidade. Desde o seu início, realizou mais de cinquenta apresentações e já deu origem à gravação de um CD. Por ele passaram centenas de participantes. Ativo até hoje, o “Som da Rua” serve também como elo de ligação entre o Serviço Educativo e o ensino superior, acolhendo nas suas sessões semanais, todos os anos, alunos da Escola Superior de Educação.
“Experimentum Mundi” (2013, Casa da Música©, fotografia de João Messias).
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Muitos outros projetos têm vindo a ser realizados, ao longo do tempo, pelo Serviço Educativo, trazendo novos públicos não só à plateia como também ao palco. Falemos de mais alguns: “Experimentum Mundi”, uma obra de Giorgio Battistelli, foi montada e apresentada por um conjunto de desempregados da área do Grande Porto; “Romani” trouxe a comunidade cigana de Matosinhos à Sala Suggia; “Curado” e “Gulag” proporcionaram à Associação de Deficientes das Forças Armadas a experiência inesquecível de construção de um espetáculo; “100 flautas”, “100 saxofones” e “100 clarinetes” facultou uma experiência formativa a 300 alunos do ensino vocacional de música e possibilitou a jovens compositores escreverem para esta formação. O Serviço Educativo é ainda responsável pelo funcionamento do “Coro Infantil Casa da Música”, projeto que criou em 2016 tendo como base o trabalho continuado em três escolas públicas do ensino básico, 1.º ciclo, e através do qual possibilita a experiência musical regular a 350 crianças, que assim descobrem e desenvolvem a sua capacidade vocal. Desde 2013, e a partir de 2016 com acesso livre e universal, o projeto online “Orelhudo!“ permite a audição diária de 90 segundos de excertos musicais devidamente contextualizados com a data do calendário. Esta ferramenta, que começou por ser apenas para o 1º ciclo, rapidamente ganhou uma dimensão mundial face ao interesse de muitos professores. Hoje é utilizada em salas de aula de Portugal, mas também de outros países de língua oficial portuguesa ou onde existem escolas de português. Usam-na também famílias em casa e todos aqueles que querem ouvir propostas musicais diferentes e ao mesmo tempo aprender um pouco mais.
5ª Essência 2.1 (2016, Casa da Música©, fotografia de Alexandre Delmar).
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“Tito Andrónico” (2018, Casa da Música©).
FORA DE CASA A relação da Casa da Música com os seus públicos ganha uma dimensão diferente e especialmente relevante quando a sua atividade é levada para Fora de Casa. Se o Serviço Educativo tem uma vocação naturalmente voltada para fora, seja indo ao encontro dos seus destinatários seja trazendo-os para dentro do edifício, já os agrupamentos que têm a sua residência neste edifício precisam de programas especiais para se fazerem ouvir junto de públicos que não frequentam a sala de concertos. Podíamos mencionar as digressões, nacionais ou internacionais, mas essas são uma mera expansão da atividade interna para outros palcos similares à Casa da Música. A pergunta que cedo se colocou foi: onde encontra a Casa da Música novos públicos que não se identificaram ainda com a sua atividade e não a frequentam? A resposta faz-se com os concertos metropolitanos em espaços ao ar livre de entrada gratuita, que ano após ano têm sido em maior número – em 2019 foram 13 concertos em cidades de norte a sul do país, essencialmente no Verão.
MEDIAÇÃO DIGITAL
A Casa da Música entende a comunicação digital como uma ferramenta que visa não apenas promover as atividades culturais, mas também potenciar a fruição que delas pode ter o público e, em termos genéricos, estruturar com este uma relação forte, viva e enriquecedora. O seu principal “alimento” é o conteúdo, pelo qual, nos últimos anos, tem passado grande parte do esforço de comunicação da Casa, cuja natureza propicia, a esse nível, produções de excelência. Mas a tarefa não se esgota em produzir e veicular, é também indispensável respeitar, no processo, o ato criativo do(s) artista(s), de modo a que a perceção do conteúdo por parte do público não desvirtue a proposta cultural que lhe deu origem. Além do objetivo de venda de bilhetes, esta ação divulgadora tem de contemplar uma vertente de (in)formação, transmitindo ao público conhecimento sobre os artistas, as suas perspetivas e as obras que criam e/ou apresentam. A estratégia de criação de conteúdos assume, na prática, a configuração de uma árvore com diversos ramos. Enunciemos alguns: entrevistas vídeo a músicos, maestros e compositores, onde estes expõem a sua visão sobre os programas, obras ou concertos que os trazem à Casa da Música; transmissões em direto de concertos nas redes sociais, alargando o seu alcance territorial e, consequentemente, de público; reportagens de
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bastidores que promovem uma aproximação do público aos artistas e informalizam a relação destes com a Casa; vídeos sobre concertos passados, com enfoque nos melhores momentos; conteúdos áudio, como “playlists” de “Spotify”, preenchidos por obras a ser interpretadas na Casa da Música; “podcasts” de apresentação da programação, com entrevistas a artistas e programadores; reportagens fotográficas dos concertos; partilha de imagens do edifício, demonstrativas das suas características arquitetónicas únicas.
A relevância do conteúdo e a escolha eficaz dos canais digitais são os fatores determinantes na potenciação do papel do público como retransmissor da mensagem e da oferta da Casa. O conteúdo cultural é precisamente o que permite a estas organizações sobressaírem numa floresta cada vez mais densamente carregada de estímulos, integrando os públicos não só como recetores das suas mensagens, mas também enquanto veiculadores e patronos desse mesmo conteúdo. Há depois um esforço de adaptação dos conteúdos aos diferentes canais de comunicação digital, mediante as características técnicas e o tipo de utilizadores de cada um deles. Centro nuclear da comunicação digital da Casa da Música, o “site” é muito mais do que uma agenda e uma plataforma de vendas. Na sua versatilidade cabe também, por exemplo, o papel de repositório de conteúdos criados em função dos concertos, com vista a sedimentar e disponibilizar aos utilizadores um elevado acervo de conhecimento capaz de enriquecer a sua experiência pré, durante e pós-concerto. O surgimento de novos canais digitais de comunicação bidirecional, como são, entre outros, as redes sociais, trouxe desafios e oportunidades antes inexistentes, pois tornou possível, de forma mais imediata, próxima e transparente, apreender a opinião do público sobre o que acabou de ver e, com esse conhecimento, optar – ou não, dependendo da avaliação de cada caso – por ir ao encontro das suas expectativas e predileções. À luz deste contexto, a Casa da Música procura, através da sua presença nas redes sociais, promover o conceito de “cultura participativa”, visando uma progressiva aproximação ao seu público e uma maior informalidade na relação com ele.
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A necessidade de um reforço do investimento em publicidade nos canais digitais, como forma de ampliar o posicionamento da oferta da Casa junto dos seus diferentes públicos-alvo, é também reconhecida, daí verificar-se uma aposta crescente em publicidade nas redes sociais, nos motores de busca, em sites temáticos relevantes e na imprensa. Toda a estratégia digital da Casa da Música procura a eficácia dos meios utilizados, razão pela qual a análise dos dados com um detalhe que só o digital permite é outro dos seus vetores importantes. Só através da recolha e interpretação desses dados a Casa consegue aferir da eficácia da estratégia seguida e da relevância dos conteúdos por si distribuídos.
Entrevista “À conversa com Baldur Brönnimann, Pedro Lima e Sir Harrison Birtwistle” (2020, Casa da Música©).
Concerto “Amériques”, de Edgard Varèse (2019, Casa da Música©).
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8 CASA DA ARQUITECTURA M ATOSI N HO S
Margarida Portugal
Carla Barros
Coordenadora do Departamento de Comunicação da Casa da Arquitectura margarida.portugal@casadaarquitectura.pt
Coordenadora do Departamento de Atividades e Conteúdos da Casa da Arquitectura carla.barros@casadaarquitectura.pt
Margarida Portugal (Maputo, 1963). Assessora de Imprensa. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade do Porto no Curso de Línguas e Literaturas Modernas, variante Português-Inglês. Entrou para o jornalismo em 1982 onde trabalhou no “Notícias da Tarde”, “Jornal de Notícias”, “Jornal Sete”, “Revista Face” e “Jornal Público” onde foi jornalista nas secções de Sociedade e Educação, tendo assumido o editorial da secção de Media do jornal. Abandona o jornalismo diário em 2000. Trabalhou como freelancer colaborando com a ExperimentaDesign, Fundação Calouste Gulbenkian, D&D Audiovisuais, Revista Máxima e Trienal de Arquitectura de Lisboa, entre outras entidades. Foi Assessora de Imprensa da Secção Regional Sul da Ordem dos Arquitectos até 2017. É atualmente coordenadora do Departamento de Comunicação da Casa da Arquitectura-Centro Português de Arquitectura, em Matosinhos.
Carla Barros, nascida em 1980, Matosinhos, Portugal. Licenciatura (1998-2003) e Mestrado (2007-2008) em Arquitetura pela Universidade Lusíada do Porto. Formação em Gestão de Recursos Humanos (2010) e Desenvolvimento de Conceitos para Projetos de Organização de Eventos (2010). Iniciou a sua atividade na Casa da Arquitectura em dezembro de 2008 para acompanhamento das obras de reabilitação da Casa Roberto Ivens (projeto Álvaro Siza) e apoio à programação geral, tendo ainda desenvolvido funções nas seguintes áreas: programação, coordenação e acompanhamento de visitas, produção de exposições e conferências, edição de conteúdos, contactos e parcerias institucionais, representação da Casa da Arquitectura em conferências, outras. Em setembro de 2014 passa a ocupar a função de Coordenação Geral da Programação e Equipa de Trabalho, tendo também acompanhado a obra de reabilitação do Quarteirão Real Vinícola até à instalação da Casa da Arquitectura (novembro 2017). Em janeiro de 2018 passa a Coordenar o Departamento de Atividades e Conteúdos da Casa da Arquitectura que inclui, atualmente, as áreas de Produção e Internacionalização.
Susana Gaudêncio Consultora Científica do Serviço Educativo educativo@casadaarquitectura.pt Ana Filipe Coordenadora do Departamento de Arquivo e Biblioteca da Casa da Arquitectura ana.filipe@casadaarquitectura.pt Ana Filipe é natural de Seixas, concelho de Vila Nova de Foz Côa e vive no Porto. É licenciada em Ciências Históricas – Ramo Património, pela Universidade Portucalense. Iniciou a sua atividade profissional na área dos arquivos em 1999, no SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, departamento pertencente à Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), onde se manteve até 2007, data em que transita juntamente com o departamento para o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana – IHRU, na sequência da extinção da DGEMN. Desde outubro de 2017 que é Coordenadora do Departamento de Arquivo e Biblioteca da Casa da Arquitectura, onde se encontra na modalidade de Cedência de Interesse Público.
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Susana Gaudêncio vive e trabalha no Porto. Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Mestre em Belas Artes pela City University of New York como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Doutorada pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Investiga sobre o tema “Máquinas de Imaginar: O Impulso Utópico na Arte Contemporânea”. É membro dos coletivos “Pessoa Colectiva” e “Círculo das Leitoras Peripatéticas”. Publicou, entre outros, o livro “Páginas Inquietas. Sobre Documentos Insubmissos” (2019, DOIS DIAS ed.), “Estação Vernadsky” (2017, DOIS DIAS ed,); “Época de Estranheza em Frente ao Mundo” (2012, DOIS DIAS ed.); “Luz Perpétua” (2014, Fundação EDP); “Itinerário Histórico do 25 de Abril” (2016, Parsifal ed.). Coordenou o projeto “Estação Vernadsky” (2017), residência artística de investigação e exposição no Centro Cultural Emmerico Nunes e Centro de Artes de Sines. Comissariou a exposição “O Princípio da Inércia”, Pavilhão Branco, Lisboa (2012); “Viagens de livros. O livro de artista nos 25 anos da ESAD.CR”, MiMO, Leiria (2015), e a exposição “Páginas Inquietas”, Espaço Mira, Porto (2016). Coordenou o Serviço Educativo da Trienal de Arquitectura de Lisboa (2010-2016). Coordenou o Serviço Educativo da Casa da Arquitectura - Centro Português de Arquitectura (2017-2019), atualmente é sua Consultora Científica. Desde 2010 é professora na ESAD.CR – IPL (Escola Superior de Artes e Design do Instituto Politécnico de Leiria), no Departamento de Artes Plásticas.
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Uma casa de arquitetura aberta a todos
Quando foi fundada, em 2007, a Casa da Arquitectura pretendeu ir ao encontro da necessidade de existência no nosso país de uma instituição que acolhesse, tratasse e tornasse acessível a todos os públicos o enorme património arquitetónico existente. Desde então e até aos dias de hoje, a Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura, permanece como a única instituição que, em território nacional, conserva, trata, divulga e promove os autores e a produção arquitetónica nacional e internacional, associando ao seu crescente arquivo documental a vertente da programação cultural.
A sua missão permanece mais pertinente que nunca, face à rique-
za cultural gerada pela arquitetura portuguesa e pelo enorme prestígio de Fachada da Casa da Arquitectura, Quarteirão da Real Vinícola, Matosinhos (2017, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
que gozam os nossos arquitetos dentro e fora do país, de que são exemplares os prémios Pritzker entregues a Eduardo Souto de Moura e Álvaro Siza.
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Com a transferência, em novembro de 2017, para as instalações
do renovado Quarteirão da Real Vinícola, em Matosinhos, a Casa da Arquitectura ganhou uma dimensão e uma projeção ímpares que se tem vindo a refletir no crescimento dos públicos e número de acervos doados e depositados no Arquivo da Casa, de que serve de exemplo mais recente o depósito do acervo de Eduardo Souto de Moura, referente a 40 anos de produção arquitetónica.
As duas vocações da
Casa da Arquitectura – Arquivo e Programação - alimentam-se
mutuamente:
dos acervos ali depositados ou guardados são extraídos olhares que se traduzem em exposições e outras programações paralelas. A dinâmica programática gerada pelo seu património torna o Arquivo um espaço procurado pelos arquitetos para ali depositarem os seus acervos, que ficam deste modo disponíveis para novas leituras e olhares, físicas e
di-
gitais. Galeria da Casa da Arquitectura, Quarteirão da Real Vinícola, Matosinhos (2017, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
O ARQUIVO DA CASA DA ARQUITECTURA
OBJETIVOS E MISSÃO O arquivo da Casa da Arquitectura pretende ser um arquivo contemporâneo assumindo um papel dinâmico e aberto, onde se privilegia a interação e comunicação com o exterior, apostando fortemente na divulgação da informação como forma de promoção do conhecimento e valorização da arquitetura, desempenhando um papel preponderante na atividade cultural da Casa da Arquitectura. Ainda neste seguimento, disponibiliza regularmente visitas guiadas, integradas no Serviço Educativo, visando uma aproximação a todos os públicos, como forma de valorização dos arquivos e sensibilização para a necessidade da salvaguarda dos documentos, enquanto repositórios de memória.
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ESPAÇO FÍSICO Arquivos de arquitetura são arquivos especiais que arquivam diferentes tipos de documentos, com variadas escalas e técnicas de produção, mas que se interrelacionam fornecendo em conjunto informação sobre um dado objeto arquitetónico e muitas vezes também sobre o seu agente de produção. Sempre que possível, devem ser reunidos no seu todo e mantido o seu contexto de produção. Neste sentido, o programa organizacional adotado para o Arquivo da Casa da Arquitectura foi pensado em função das necessidades dos diferentes documentos, tanto ao nível dos requisitos de conservação como de acomodação. Assim, a Casa da Arquitectura dispõe de cinco depósitos, dotados de modernos equipamentos e controlo ambiental de acordo com várias especificidades. Localizam-se no piso térreo e ocupam cerca de 1.350 m2. O primeiro depósito, com 670 m2, é ocupado por maquetes e painéis e acolhe também o estúdio fotográfico para transferência de suporte. Apesar das restrições de acesso, inerentes à segurança e conservação dos documentos, este espaço beneficia de uma frente envidraçada que permite que o público que visita Depósito de maquetes (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
a Casa da Arquitectura estabeleça um contacto visual não só com as maquetas arquivadas, mas também com o conjunto de colunas metálicas pré-existentes, que ainda hoje mantêm a sua função estrutural.
Encobertos por uma estrutura metálica encontram-se os restantes quatro depósitos, dois destinados ao arquivo de peças desenhadas, um às instáveis com 65 m2 e capacidade para 60.000 documentos A0, o outro às estáveis, com 81 m2 e capacidade para mais de 70.000 documentos A0.
Depósito de painéis (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
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Vista geral do Arquivo (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
Segue-se o arquivo de documentos textuais que ocupa a área de 102 m2 percorridos por estantes compactas com capacidade para mais de 1.100 metros lineares de documentação e o depósito de documentos multimédia, nomeadamente de fotografias, diapositivos, fotolitos, negativos e filmes. Este espaço ocupa 39 m2 e tem capacidade para arquivo de 360 metros lineares de documentos. Fazem ainda parte deste depósito duas arcas congeladoras verticais para congelação de negativos em nitratos e acetatos de celulose. Pormenor de acondicionamento de peças desenhadas (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
A área destinada ao tratamento arquivístico ocupa 343 m2 e integra espaços destinados à triagem, expurgo, quarentena, higienização, conservação e restauro e tratamento arquivístico.
FUNDOS E COLEÇÕES Do ponto de vista curatorial, o Arquivo da Casa da Arquitectura tem vindo a ser constituído em três vertentes: a) acervos e espólios pessoais, recolhidos sempre que possível na íntegra; b) projetos singulares de alta relevância arquitetónica e autoral; c) coleções coletivas de um dado território e um período de tempo definido.
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Desde novembro de 2017, o Arquivo já recebeu cerca de 25.000 documentos analógicos como peças desenhadas, fotografias, negativos, diapositivos, fotolitos, cartazes, recortes de jornais, filmes, cadernos de anotações, documentos textuais e outros objetos considerados relevantes, mais de 60.000 documentos digitais, cerca de 800 maquetas e 1.500 publicações. A Coleção de Arquitetura Brasileira foi a primeira coleção internacional reunida pela Casa da Arquitectura, abarcando um período de 90 anos, sendo constituída por 103 projetos. A nível nacional, o Arquivo alberga a Coleção Metro do Porto, constituída por 82 projetos da rede de estações da área metropolitana do Porto, com coordenação do arquiteto Arquivadores (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
Eduardo Souto Moura e participação dos arquitetos Adalberto Dias, Alcino Soutinho, Álvaro Siza, Castro Calapez, João Álvaro Rocha, José Bernardo Távora, José Gigante, Manuel Fernandes de Sá, Atelier Risco, Rui Passos Mealha e Rogério Cavaca. Atualmente, está em curso a constituição de uma coleção de arquitetura portuguesa que abarca 25 anos de Democracia,1974-1999 que será constituída por 200 projetos de arquitetura e uma coleção de periódicos e catálogos.
No que toca a acervos individuais, o Arquivo da Casa da Arqui-
tectura tem à sua guarda o acervo do arquiteto e professor Pedro Eça Ramalho, que compreende quase 60 anos de atividade profissional como arquiteto liberal e é constituído por 172 projetos. Mais recentemente, acolheu o acervo do arquiteto Eduardo Souto de Moura, galardoado com os prémios Pritzker e Leão de Ouro de Veneza, que testemunha os 40 anos de atividade com mais de 800 projetos.
Encontram-se em fase de recolha os acervos dos arquitetos Fran-
cisco Melo e Jorge Gigante, com 152 projetos, e o acervo do arquiteto Gonçalo Byrne, com 160 projetos. É ainda possível encontrar na Casa da Arquitectura o projeto de Depósito de documentação textual (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
arquitetura do Museu dos Coches, doado pela equipa de projeto liderada pelo arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, MMBB e Ricardo Bak Gordon, os projetos de engenharia da autoria da AFA Consult e o projeto expositivo da autoria dos arquitetos Paulo Mendes da Rocha e Nuno Sampaio. Foram também doados os projetos de habitação coletiva designados “Conjunto Habitacional de Matosinhos”, Rua da Seara e “Conjunto Habitacional Senhora da Hora ou Estádio do Mar”, constituídos por 1.260 unidades documentais, como esquissos, desenhos técnicos, fotografias e uma maqueta da autoria do arquiteto João Álvaro Rocha, doados pelos seus herdeiros.
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A atividade regular do Arquivo passa pela recolha, conservação preventiva - nomeadamente, higienização, reHigienização de maquete (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
moção de elementos metálicos, colas, fitas-adesivas e consolidação de rasgões-, planificação, classificação, inventário, transferência do suporte e acondicionamento. A par da sua componente física, o Arquivo da Casa da Arquitectura está a preparar uma dimensão digital que vai alargar exponencialmente o acesso ao conhecimento ali guardado. É o chamado “Second Building” que se traduzirá numa plataforma digital aberta que pode ser consultada a partir de qualquer lado, por qualquer pessoa.
Remoção de fitas adesivas (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
Remoção de fitas adesivas (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
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Processo de acondicionamento (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de Gilson Fernandes).
A PROGRAMAÇÃO DA CASA DA ARQUITECTURA
A Casa da Arquitectura organiza e produz anualmente um vasto programa de atividades transversais no seu tema e perfil, pensado para alcançar o seu maior objetivo: promover, divulgar e levar a arquitetura a todos os públicos.
A programação estrutural tem foco nas suas Exposições, Programas Paralelos associados e em dois eventos-chave anuais: o Open House Porto e o aniversário da Casa, atividades com organização e produção exclusiva da Casa da Arquitectura. Em complemento a estas atividades produzimos ainda pequenas ações por iniciativa própria, em parceria ou apenas em acolhimento. Para 2020 reforçaremos também o nosso trabalho na área da internacionalização.
Em 2018 (primeiro ano completo de atividade nas suas instalações na Real Vinícola), a programação da Casa da Arquitectura, dentro e fora de portas, contou com mais de 100.500 participações chegando ao público maioritariamente de forma gratuita. Em 2018, 45.950 pessoas visitaram as exposições realizadas na Casa da Arquitectura e mais de 17.000 participaram na programação paralela desenvolvida dentro da Casa.
EXPOSIÇÕES As exposições são um eixo estrutural da programação e atividade da Casa da Arquitectura. Os seus temas, estruturas expositivas e conteúdos são desenhadas com o objetivo de comunicar a arquitetura a todos os públicos, diversos no seu perfil, formação académica/profissional e idade. Os conteúdos e a forma como se apresentam, pretendem ser capazes de abrir a exposição a várias interpretações e níveis de leitura, enriquecendo a experiência de visita.
Pretende-se que a Casa da Arquitectura tenha na sua atividade
regular, em ano cruzeiro, até oito exposições por ano nas suas instalações: duas a três exposições na Nave Expositiva (800 m2) e, em média, quatro na Galeria da Casa (150 m2).
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Exposição “Poder Arquitectura”, Nave Expositiva, 20172018 (2017, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
Exposição “Infinito Vão”, Nave Expositiva, 2018-2019 (2018, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
As exposições principais são apresentadas na Nave Expositiva e a
si têm associados extensos Programas Paralelos e a edição de um catálogo bilingue (português e inglês). Os temas aqui abordados pretendem ser abrangentes e de interesse do grande público, capazes também de promover e estimular relações com outras artes e disciplinas. Na Galeria da Casa, de menor dimensão, apresentam-se temas mais particulares e com menor tempo de exibição. Nesta sala o objetivo é diversificar as temáticas e os perfis de público, permitindo uma maior rotatividade de temas e públicos.
O acesso às exposições é pago, com entrada gratuita aos domin-
gos de manhã e em eventos pontuais.
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Exposição “Duas Casas – Paulo Mendes da Rocha”, Galeria da Casa, 2018-2019 (2018, Casa da Arquitectura©, fotografia de Lara Jacinto).
Exposição “Souto de Moura – Memória, Projectos, Obras”, 2019-2020 (2018, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
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PROGRAMAS PARALELOS ÀS EXPOSIÇÕES Os Programas Paralelos às exposições permitem aprofundar e reinventar os temas tratados nas exposições, cruzando-os com outras áreas disciplinares e em permanente diálogo com a arquitetura. O ritmo e a diversidade desta programação permitem renovar o interesse nas exposições, trazendo novas parcerias, intervenientes e públicos à Casa da Arquitectura. Em 2018, esta programação ofereceu ao público 65 atividades (conversas, debates, conferências, filmes, concertos, cruzamentos artísticos, lançamentos de livros e outros) envolvendo 150 intervenientes, 40% dos quais estrangeiros. A quase totalidade desta programação foi de acesso gratuito (90%).
Programa Paralelo “Infinito Vão”, 2019 (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
OPEN HOUSE PORTO Open House foi lançado no Porto em 2015, pela Casa da Arquitectura e Trienal de Arquitectura de Lisboa, em parceria com as Câmaras Municipais de Matosinhos, Porto e Gaia. Portugal é um dos poucos países com a participação simultânea de 2 cidades: Porto e Lisboa. Em 2017, o evento passou a ser organizado e produzido em exclusivo pela Casa da Arquitectura, mantendo-se as parcerias com as três Câmaras Municipais.
Programa Paralelo “Souto de Moura”, 2019 (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
O Open House Porto é uma iniciativa anual concentrada num fim de semana de descoberta de espaços de relevo, dando a oportunidade ao público de experienciar as mais-valias do património arquitetónico e urbanístico de excelência. O roteiro de visita é ainda complementado por dois programas paralelos de atividades, Programa Caleidoscópio e Programa Plus. Estes programas resultam de uma vontade de apresentar outras perspetivas de exploração e ocupação dos espaços, oferecendo atividades dedicadas às crianças e famílias, à inclusão e aos cruzamentos artísticos com outras disciplinas.
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Open House Porto (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
Open House Porto (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
Em 2019, realizou-se a 5ª edição com a abertura de portas até 70 espaços em simultâneo com visitas totalmente gratuitas. Em 5 edições, já ultrapassou as 136.578 visitas. A 5ª edição mobilizou 300 voluntários, 107 especialistas com a realização de 189 visitas comentadas, gerando mais de 760 horas de abertura ao público.
ANIVERSÁRIO O aniversário da Casa da Arquitectura é celebrado anualmente com uma vasta programação pensada para chegar a todos os públicos. Integralmente gratuita, prolonga-se por um fim de semana em que domina as atenções, tornando-se um acontecimento de referência na cidade e na região, celebrado em ambiente de festa. A programação do 2º aniversário da Casa da Arquitectura (2019) mobilizou cerca de 7.000 participações nas mais de três dezenas de eventos programados ao longo de três dias de festa, entre confeAniversário (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
rências, apresentações, concertos, performances artísticas, atividades educativas e muitas visitas guiadas. Este é sempre o momento para renovar o convite para uma visita. Para muitos, é o momento de voltar à Casa da Arquitectura, individualmente ou com os amigos e família.
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Aniversário (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
ATIVIDADES EM PARCERIA As portas da Casa da Arquitectura estão sempre abertas a novas propostas de atividades em parceria ou acolhimento desde que devidamente enquadradas na sua missão. O ano de 2018 trouxe mais de 20 ações e eventos organizados por outras entidades de que a Casa da Arquitectura foi parceira. Otimizamos assim os nossos recursos e o trabalho em rede, estimulando novas sinergias e parcerias.
INTERNACIONALIZAÇÃO A dimensão internacional da Casa da Arquitectura tem sido uma constante desde a sua fundação, sendo hoje uma componente totalmente integrada na dinâmica da instituição. Para além do potencial de promoção e divulgação da Casa da Arquitectura na ativação de novos públicos, o trabalho de internacionalização está vocacionado para a incorporação no seu Arquivo de novos acervos para a constituição de coleções internacionais, sendo disso exemplo a Coleção de Arquitetura Brasileira. Atualmente, o Arquivo da Casa da Arquitectura alberga 103 projetos de autores estrangeiros e contributos de 150 doadores internacionais.
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Simultaneamente, a Casa da Arquitectura tem vindo a trabalhar na construção de uma plataforma digital, o chamado “Second Building”, que vai permitir que a sua Programação e Arquivo sejam acessíveis a todos os interessados a partir de qualquer ponto do mundo. Neste domínio, são ainda objetivos da Casa da Arquitectura: A - Incorporar a Casa da Arquitectura em ações conjuntas com outras entidades congéneres, nas áreas de arquivo e programação; B - Conhecer e integrar o que de melhor se faz a nível internacional para uma melhor otimização de recursos e meios; C - Integrar a Casa da Arquitectura nos circuitos internacionais de programação e arquivo de arquitetura; D - Promover a circulação e receção de exposições e conteúdos em cooperação com outras entidades.
A Casa da Arquitectura tem dado passos importantes na consolidação da sua programação e do seu público. O “feedback” que nos chega tem sido positivo, mas há muito ainda a fazer, nomeadamente, num maior investimento na acessibilidade de conteúdos a pessoas com condicionalismos físicos e psíquicos. Têm sido dinamizadas visitas dedicadas neste âmbito, mas queremos avançar de forma a que integração de todos os públicos seja progressiva e natural. A arquitetura é para todos e está de portas abertas! Todos são bem-vindos!
Em conclusão… O ano de 2018 foi o primeiro período completo de atuação e programação, a partir do qual se pode aferir o resultado em números que indicam claramente o sucesso da instituição. Apesar de ser uma instituição relativamente recente, a Casa da Arquitectura tem vindo a afirmar-se no universo das instituições culturais do Porto e do Norte do país de um modo consistente, sendo hoje já uma marca incontornável na vida cultural nacional e internacional. A qualidade da sua programação, a novidade do seu modelo, o ecletismo das suas atividades e a sua aproximação ao grande público permitiram que, em 2018, a Casa da Arquitectura somasse mais 100 mil participações no computo geral da sua dinâmica entre exposições e atividades dentro e fora das suas instalações.
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O SERVIÇO EDUCATIVO – PROGRAMA CALEIDOSCÓPIO
“Públicos são comunidades de estranhos, efémeras e contingentes, que se formam pela convocatória de um discurso e pela apropriação reflexiva de sentido. Comunidades que, no entanto, apesar de pouco cristalizadas, assentam na possibilidade de acrescentar mundos aos mundos da vida. Públicos são os espaços de livre acesso, nós de articulação das cidades fragmentadas, onde não existe, de antemão, um percurso, uma realidade preexistente ou um sentido único. Lugares onde vemos e somos vistos, estranhos que somos, nós no lugar do Outro, o estranho do estranho 1.
Estabelecer relações com diferentes públicos para falar de arqui-
tetura é uma responsabilidade da qual depende o dinamismo de uma instituição cultural como a Casa da Arquitectura. Neste cenário, a existência de um Serviço Educativo torna-se incontornável.
Através dos seus vários programas de atividades e do seu Serviço
Educativo, a Casa da Arquitectura assume o compromisso com a democratização da cultura, fator intimamente ligado ao desenvolvimento local, a uma cidadania ativa e equilíbrio social. Nesse sentido, depois de se ter investido na reabilitação da infraestrutura que a acolhe, o complexo industrial da Real Vinícola, é essencial investir em competências especializadas com o intuito de se transformar num agente que catalisa a formação de novos públicos.
O Serviço Educativo tem assim como enfoque os seus
visitantes e procura proporcionar um espaço informal de vertente educativa, lúdico-pedagógica, que complemente uma experiência escolar ou profissional formal e especializada.
O Serviço Educativo realiza anualmente um conjunto de
atividades educativas desenhado para pessoas de todas as idades e talentos, especialistas ou curiosos, e conta com a colaboração de vários convidados de excelência e de diferentes áreas: arquitetura, ambiente, história, ciência, tecnologia, arte, literatura, educação, etc. Tem como missão ser um laboratório focado na inclusão, na
Público escolar, “Visita Desenhada” (2018, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
descoberta, no debate e na experimentação, compartilhando uma compreensão participativa, inclusiva, pluridisciplinar e informal da aprendizagem.
Partindo dos conteúdos em acervo, espólios e coleções, do pro-
grama de exposições temporárias e do património arquitetónico da autoria do arquiteto Álvaro Siza em Matosinhos, o Serviço Educativo oferece um vasto conjunto de visitas orientadas para todos os níveis de ensino, debates e cursos para jovens e adultos, aulas temáticas, oficinas e jogos para
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famílias e crianças, aniversários, itinerários e circuitos na cidade, aulas temáticas e muito mais. A maioria das atividades requerem inscrição prévia e são realizadas em dias úteis ou fins de semana, podendo ser de curta ou longa duração, adaptadas à multiplicidade do público que envolvemos. Público geral, “Visita Orientada”, Nuno Sampaio (2019, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
Concebemos e realizamos também atividades associadas a outros programas fundamentais para a Casa da Arquitectura, tal como o Open House Porto, o aniversário da instituição, bem como para os momentos de inaugurações expositivas.
Ao Serviço Educativo interessa testar discursos e ações através
de metodologias transformadoras, assim definidas por Carmen Mörsch: “Aqui, a mediação e a educação em museus assumem a tarefa de expandir a instituição expositiva e constituí-la politicamente como um agente de mudança social. Museus e espaços de exposição são entendidos como organizações modificáveis, nas quais o imperativo é menos a incorporação de determinados segmentos de publico e mais a introdução das instituições (…) ao mundo ao redor, isto é, ao meio local. O discurso transformador questiona, entre outras coisas, até que ponto a participação a longo prazo de diversas esferas publicas é necessária para sustentar a instituição – não no sentido quantitativo, mas como um caminho para satisfazer as demandas de uma sociedade baseada no conhecimento [knowledge-based society] e seus pontos de vista passageiros, questionáveis e restritos acerca do conhecimento especializado 2.
Com este objetivo, o Serviço Educativo desenvolve parcerias e
projetos pedagógicos específicos e a longo prazo com entidades externas e parceiros estratégicos tais como a Câmara Municipal de Matosinhos, com a qual colaboramos no âmbito do projeto anual de Roteiros Pedagógicos, que inclui todos os alunos do 2º ano do 1º ciclo das escolas públicas do concelho de Matosinhos e que os convida a refletir sobre a instituição e seu programa, ou com a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, mais especificamente com o seu Mestrado em História de Arte, Património e Cultura Visual e onde somos a instituição parceira para o desenvolvimento de estágios no âmbito da unidade curricular de Gestão Cultural e Patrimonial. Aqui os alunos desenvolvem produtos e ações reais no âmbito das necessidades da Casa da Arquitectura no que diz respeito, por exemplo, à mediação de públicos, ao desenvolvimento e curadoria de programas públicos ou materiais de comunicação e pedagógicos.
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A equipa do Serviço Educativo é composta por uma média de doze monitores pedagógicos formados em arquitetura, artes plásPúblico geral, “Oficina A Cara das Casas” (2018, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
ticas, educação, história de arte e património e com idades compreendidas entre os 25 e os 36 anos. Estes colaboradores concebem em colaboração e realizam as atividades disponibilizadas ao público - escolas e grupos, famílias e crianças, adultos e jovens, etc.
Os monitores de Serviço Educativo usufruem de oportunidades de
formação especializada, programada e organizada pelo Serviço Educativo da Casa da Arquitectura. Proporcionam-se momentos únicos de atualização profissional, que atravessam um largo espetro de áreas disciplinares, nomeadamente, mediação de público, geral ou com necessidades especiais, atendimento e resolução de conflitos, temáticas relacionadas com as exposições patentes, línguas, socorrismo, etc.
Na Real Vinícola, temos um espaço exclusivamente dedicado ao
Serviço Educativo – o Espaço Caleidoscópio. Esta sala polivalente proporciona várias possibilidades de organização, adaptável às necessidades e participantes. Habitar a Real Vinícola, no âmbito das atividades pedagógicas de sensibilização para a arquitetura, é um privilégio, no sentido em que este é um espaço que faz parte da cidade e do qual tentamos tirar o maior partido. O quarteirão da Real Vinícola é composto por um conjunto de antigos armazéns onde se engarrafava, rotulava e dos quais se exportava vinhos do Porto, sendo composto por ruas, praças e espaço público. Torna-se por isso num espaço político por excelência, onde mais visivelmente se exerce a cidadania. Ele é de uso comum e está na posse de todos. Um local de encontros. Um lugar para trocas e atividades coletivas.
É produzida uma brochura anual com uma componente didática
onde é compilado todo o programa educativo dedicado aos grupos escolares do ensino obrigatório e universidades, crianças e famílias, jovens e adultos, público geral. As brochuras são distribuídas a nível nacional em escolas e outras instituições de interesse cultural e de cariz social.
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Espaço Caleidoscópio, “Oficina Maloca” (2018, Casa da Arquitectura©, fotografia de ITS - Ivo Tavares Studio).
O Serviço Educativo da Casa da Arquitectura encontra-se assim
empenhado em promover, a longo prazo, o interesse pela arquitetura; a disponibilizar ferramentas para a apreciação autónoma da disciplina; a proporcionar momentos de criação e aprendizagem livres e consequentes; a criar laços com um público diversificado, intergeracional, de forma inclusiva e a implicar as suas ações de forma cada vez mais real no dia-a-dia dos seus visitantes.
BIBLIOGRAFIA LOPES, João Teixeira - Serviços Educativos na Cultura. In Colecção Públicos . nº 2. Setepés: Porto, 2007.
NOTAS 1
Página 5 de LOPES, João Teixeira - Serviços Educativos na Cultura. In
Colecção Públicos. nº 2. Setepés: Porto, 2007.
MORSCH, Carmen. Numa encruzilhada de quatro discursos. Me-
2
diação e educação na documenta 12: entre Afirmação, Reprodução,
sos. Mediação e educação na documenta 12: entre Afirmação, Reprodução,
Desconstrução e Transformação. In Periódico Permanente. nº 6.
Desconstrução e Transformação. In Periódico Permanente. nº 6. Fórum
Fórum Permanente: São Paulo, 2016.
Permanente: São Paulo, 2016.
Página 4 de MORSCH, Carmen. Numa encruzilhada de quatro discur-
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9 TEATRO NACIONAL SÃO J OÃO P ORTO
Pedro Sobrado Teatro Nacional São João, E.P.E. – Presidente do Conselho de Administração psobrado@tnsj.pt Pedro Sobrado (Porto, 1976), editor, professor e dramaturgista. É licenciado em Ciências da Comunicação, pós-graduado em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias e mestre em Estudos de Teatro. Trabalhou no departamento de Edições do Teatro Nacional São João, assegurando a coordenação editorial de livros e outras publicações e comissariando colóquios, conferências e seminários. É, desde fevereiro de 2018, presidente do Conselho de Administração da instituição. Enquanto dramaturgista, colaborou em diversas ocasiões com o encenador Nuno Carinhas tendo, nessa mesma condição, trabalhado com Ricardo Pais. É professor de literatura dramática na Licenciatura em Artes Dramáticas da Universidade Lusófona do Porto. Tem escrito sobre autores como Gil Vicente, Almada Negreiros, Eugene O’Neill, Bertolt Brecht, Karl Kraus, Walter Benjamin, Flannery O’Connor, entre outros. É autor do livro “Quase Nada – Defesa e Interpretação de Robert Walser” (Edições Húmus, 2020).
O São João: Um Teatro com um enorme passado pela frente Todos os Teatros Nacionais se parecem. Todos os Teatros Nacionais são iguais quando vistos à luz da ideia consensualizada de uma instituição respeitável, que habita o fausto de um monumento nacional; um Teatro autorizado, privilegiado e financiado pelo Estado, com uma companhia de trinta, quarenta atores dedicada à herança dramática nacional. Talvez este consenso possa bastar a alguns teatros nacionais. Muitos há, porém, que dele divergem em direções várias.
No Teatro Nacional São João, este movimento essencial e digressivo abre o caminho das perguntas: o que pode ser um Teatro Nacional? Pode um Teatro Nacional ser também uma editora? Pode um Teatro Nacional ser também uma academia ou um centro de formação? Pode um Teatro Nacional assumir-se também como organismo de gestão e valorização do património? Pode um Teatro Nacional emergir como laboratório criativo dentro das salas de aula da cidade e da região? Pode um Teatro Nacional habitar não apenas um edifício histórico, mas três? Pode um Teatro Nacional ser também uma entidade empresarial que se coloca na linha da frente da modernização administrativa? O que é Vista da sala a partir do palco (2017, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
o Teatro Nacional São João?
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O Teatro Nacional São João é primacialmente um palco: um projeto teatral de exercício artístico, que se detém sobre o seu próprio talento e dignifica, dando a conhecer, os vários ofícios do teatro. O Teatro Nacional São João não se afirma apenas enquanto estrutura de programação, que acolhe e coproduz, mas é um teatro de criação artística – um produtor, um autor. Sob este desígnio foi criado, numa formulação que muito deve à sintaxe e imaginação de Ricardo Pais 1. Teatro Nacional polimórfico, as suas dinâmicas dão a ver uma atuação em várias frentes, com múltiplas vocações. Como estrutura de produção cénica descentralizada, simboliza a maioridade cultural do Porto e tem no ideário fundador e nas suas leis orgânicas o princípio do serviço público. Atua para a criação e desenvolvimento de públicos, junto dos quais difunde o conhecimento do teatro, revisitando o património histórico-teatral, fomentando a criação teatral contemporânea. O Teatro Nacional São João é ainda uma obra emblemática da arquitetura teatral portuguesa, um equipamento cultural de elevado valor patrimonial e artístico, inscrito no coração da cidade do Porto, na Praça da Batalha. A 7 de março de 2020, este Monumento Nacional e edifício-sede do Teatro Nacional São João, E.P.E. 2 celebra o seu Centenário com um programa comemorativo que se estende até março de 2021. Seguir-se-á uma obra de reabilitação e beneficiação do interior do edifício, projeto que envolve a modernização de toda a estrutura de palco e a renovação de equipamento técnico, a resolução de patologias estruturais e intervenções relevantes em matéria de segurança contra incêndios, sistemas elétricos e eficiência energética, entre outras. Todavia, a identidade e a dimensão do Teatro Nacional São João extravertem os limites temporais a que um século obedece e contar a sua história implica criar uma narrativa em dois atos. O próprio São João indicia idades várias e confunde: pela arquitetura e pelo estilo, afigura-se mais antigo do que é; pelas linguagens de cena, revela-se mais novo do que é. O momento atende a celebrações, mas convida também ao reposicionamento da instituição na cidade, na região e no país, na forma como se relaciona com os cidadãos e parceiros e como acolhe as memórias de todos os que viveram e habitaram o teatro. Em síntese, dá lugar a uma redefinição de estratégia que, no horizonte atual, permitirá iniciar a escrita dos atos seguintes.
Exterior do Teatro São João, Praça da Batalha (2017, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
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TEATRO SÃO JOÃO – O PRIMEIRO TEMPO DE UMA HISTÓRIA O atual Teatro São João possui uma génese dramática. Qualquer exposição diacrónica obriga a recuar a 1794, data da aprovação real para construir um novo teatro no Porto, com a dignidade que uma segunda cidade do reino solicitava. A seleção de uma zona concêntrica da fortificação, entre as vielas do Cativo e dos Entrevados, um espaço amplo e aberto, possuía o potencial de expansão urbana que o teatro ajudaria a estimular 3. A construção do primeiro
São
João
mui-
to ficaria a dever-se aos empenhos
de
Francisco
de Almada e Mendonça (1757-1804),
Corregedor
e Provedor da comarca do Porto, cujo dinamismo estimulava a edificação de “utilidade
indispensável”,
uma tão desejada “escola de costumes” das nações civilizadas.
Juntava-se-lhe
o ímpeto de uma sociedade promotora e o financiamento dos honrados habitantes e negociantes da cidade do Porto, que em 1796 fizeram avançar a obra 4.
Postal do Real Theatro de São João ([s.d.], Arquivo do Teatro Nacional São João©).
O projeto do novo teatro ficou a cargo de Vicente Mazzoneschi, que à época se encontrava em Lisboa, ao serviço do Real Theatro de São Carlos, mas era conhecido por trabalhos realizados pela Europa, especificamente o Teatro de Málaga. Nomeado Real “Theatro” de São João, em homenagem ao então príncipe regente e futuro D. João VI (1767-1826), o teatro foi inaugurado no seu aniversário, a 13 de maio de 1798. O Real Teatro São João apresentava a forma de retângulo alongado e parecia à opinião geral de uma “simplicidade desprimorosa” e despojado de pormenores decorativos que na época conferiam nobreza aos edifícios 5. Obras de requalificação acabariam por trazer ao edifício parte da dignidade esperada, enriquecendo-o com reformas e embelezamentos vários 6 que ajudaram a criar um “liame que prendia o espírito nacional ao culto da Arte com o desenvolvimento da cultura artística, a revelação de artistas nacionais e outros de fixação estrangeira”, acabando por se confundir com o próprio romantismo portuense, entre o Teatro e a Ópera, “os bailados de efeitos cénicos, as exibições funambulescas, benefícios e primas-donas em temporadas de sucesso” 7. Mas nem todas as obras foram feitas, nem todos os problemas debelados. Várias inspeções alertaram para graves questões de segurança 8.
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Rescaldo do incêndio do Real Theatro de São João (1908, Centro Português de Fotografia©, fotografia de Aurélio Paz dos Reis).
Sobre o edifício parecia estar iminente uma tragédia semelhante à que se abatera sobre outros teatros da Europa - o Teatro de Viena, ou a Ópera Cómica de Paris – ou sobre o extinto Teatro Baquet que, não tendo sacrificado o belo ao indispensável, havia sido destruído por um incêndio que vitimou 120 pessoas. Também o Real Teatro São João seria consumido pelas chamas na madrugada de 12 de abril de 1908, deixando a cidade em estado de choque 9.
O TEATRO SÃO JOÃO DE MARQUES DA SILVA Sobre os escombros e ainda num clima de emoções e grande urgência, começava a discutir-se quais os caminhos e melhorias a seguir para construir um novo teatro lírico digno do Porto. O programa de reconstrução convocava um ímpeto mecenático semelhante ao que havia erguido o velho São João – a vontade, o orgulho e as prebendas das elites do Porto – para construir um novo teatro com fundamentos de segurança que haviam escapado ao primeiro, sob o mesmo reforço afetivo e o mesmo vínculo ao Porto e aos cidadãos. O projeto de José Marques da Silva (1869-1947) – apelidado como “o último arquiteto clássico e o primeiro arquiteto moderno do Porto” – venceu o concurso para o novo teatro em 1910 e no mesmo ano arrancaria a construção, que viria a arrastar-se por uma problemática e longa década. O clima tumultuoso criado pela 1.ª República, as dificuldades na recolha de financiamento, os entraves à aquisição de materiais durante a Primeira Guerra Mundial ou a epidemia 1917-18 em muito desafiaram o bom termo da edificação, que ficaria pronta apenas em 1918. Mais dois anos haveria que esperar até à inauguração, devido a diferendos entre a comissão nomeada pelo Governo Civil e o arquiteto. Entre o arranque das obras e a reabertura do São João ao público passa uma década: ocorre a 7 de março de 2020, com uma Esquisso de um novo Teatro São João de José Marques da Silva (1909, Fundação Instituto Marques da Silva©).
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récita da “Aida”, de Verdi.
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Como descreveu Eduardo Paz Barroso, com o novo edifício implantava-se um “modelo de extraordinária funcionalidade, grande impacto decorativo e evidente qualidade e estética”, à qual se aliava o tratamento inovador do cimento e betão armado, numa obra de “enorme dignidade visual, uma sóbria monumentalidade” que parecia reforçar a tradição 10. Alçado do projeto de José Marques da Silva (1910, Fundação Instituto Marques da Silva©).
Ainda que as técnicas construtivas sejam próprias do primeiro quartel do século XX, Luís Soares Carneiro confirma que “tudo nele remete para uma conceção e um funcionamento derivados da tradição teatral e das práticas sociais dos séculos XVIII e XIX”, enquanto salienta que mesmo autores com diversos pontos de vista sobre o edifício parecem convergir na “canonização” do teatro-monumento “pela antiguidade, pela tradição, pelo valor formal e histórico, pelos méritos ar-
Construção do novo São João (1912, Arquivo Municipal de Lisboa©, fotografia de Artur Benarus).
tísticos do seu arquiteto” 11. O traçado de Marques da Silva acolhia a tradição de teatro à italiana e aplicava recursos técnicos que a “École des Beaux-arts” empregava nas edificações das urbes francesas; construía em contínuo com a malha urbana envolvente e não deixava de ser também um espelho de todas as transformações ocorridas no início do século. A sua abertura ao público seria apenas em 1920, com figuração semelhante à estampa do postal que foi produzido pouco tempo depois. Soares Carneiro destaca a dimensão, riqueza e solidez do edifício por serem, à época, pouco comuns. Formulava uma espécie de projeto-monumento, um corpo tripartido: o primeiro vai até as varandas, o segundo até o remate das colunas e o terceiro, constituído por mezaninos, estremados por uma iconografia coerente com a ideia de teatro que faz rir e chorar, comove ou apaixona: a Bondade, a Dor, o Amor e o Ódio.
Postal do recém-inaugurado Teatro São João (c. 1920, Arquivo do Teatro Nacional São João©).
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Desde a entrada, com dupla altura e quatro colunas de mármore fingido, há materiais inovadores e amplas circulações 12. As escadas participam na comunicação aberta dos espaços e convidam a vaguear pelo teatro, mostrar-se e ser visto. Marques da Silva desenhou espaços de sociabilidade como verdadeiros expositores de público, funcionais na visualização e profusamente decorados, como o Salão Nobre, o “foyer” e o “avant-foyer” 13, por onde o público circula num ato de grande Fachada poente (pormenor) (2019, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
teatralidade. Pela primeira vez, sistémica e organizadamente, construíram-se instalações sanitárias. Como remate de todo o cenário há o teto pintado por José de Brito e Acácio Lino, pintores saídos da Escola de Belas-Artes do Porto, um céu aberto evocador da Antiguidade grega que se tornou num dos ícones deste Monumento Nacional. Todo o edifício é um exemplo de conciliação entre o antigo e o moderno, atributo que até hoje caracteriza o São João como edifício e como projeto.
Escultura alegórica: o Ódio na fachada principal (pormenor) (2014, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
Teto da sala, da autoria de José de Brito e Acácio Lino (1995, Teatro Nacional São João©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
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Sala de espetáculos (camarotes) (2019, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
Salão Nobre (2019, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
Interior do São João: “ver e ser visto” (1995, Teatro Nacional São João©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
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No que diz respeito à atividade teatral, o progresso e a rápida ascensão do cinema vieram trazer outros pressupostos ao modelo, à técnica e ao programa do São João. Doze anos passados sobre a inauguração do promissor edifício, Eduardo Honório de Lima, que estivera associado à reconstrução do edifício, adquire a totalidade das ações e o teatro é convertido em cinema, recebendo a denominação de Cine São João, sem que, todavia, ao longo dos sessenta anos que se seguiram, a produção teatral ali deixasse de ter domicílio 14. Depois de um período áureo, o edifício entrou em decadência e esquecimento. O São João Cine (1951).
O RENASCIMENTO OU A OBRA ABERTA O Teatro São João foi adquirido pelo Instituto Português do Património Arquitetónico e Arqueológico a 8 de outubro de 1992 e resgatado do “estado de abandono e anonimato” a que esteve votado 15, não obstante o seu evidente valor arquitetónico e patrimonial. Recebe a designação de Teatro Nacional São João (TNSJ) e Eduardo Paz Barroso é nomeado seu primeiro diretor. Nos primeiros anos da instituição, a programação é essencialmente de cariz musical e integra produções teatrais externas, tendo como criação única “A Tempestade”, de Shakespeare, encenada por Silviu Purcarete (1994). Entre 1993 e 1995 é desencadeado um intenso processo de revitalização de dupla vocação. Por um lado, trata-se de afirmar um compromisso com a dignidade arquitetónica e formalista do criador, Marques da Silva. Por outro lado, seria impossível dignificar essa forma sem pensar na sua função e nos potenciais eixos para o desenvolvimento programático que começavam a desenhar-se no TNSJ.
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Fachada (pormenor), sala e Salão Nobre na época da aquisição do São João pelo Estado (1993, Teatro Nacional São João©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
A lógica de utilização do espaço, a reformulação das circulações ou o ordenamento interior seriam fruto de uma interpretação da programação – ou organização crítica e seletiva de atividades – do teatro pela arquitetura. Paz Barroso apontava um fio condutor para a estratégia de restauro. O valor patrimonial e dimensão histórica do TNSJ convocavam “fantasia e pragmatismo, rigor, mesmo um certo perfeccionismo, grande qualidade e dignidade nas matérias-primas” 16. Por último, a reflexão haveria de estender-se também aos recursos tecnológicos específicos do Teatro, carentes de modernização. O projeto posto em ação pelo arquiteto João Carreira visava o mesmo pendor dialogante entre o passado e o presente que tinha assistido a Marques da Silva, devolvendo ao teatro a dignidade arquitetónica do projeto inicial pensado à luz do contexto moderno.
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Obra de reabilitação conduzida pelo Arq. João Carreira (palco, sala e teto) (1995, Teatro Nacional São João©, fotografia de Luís Ferreira Alves).
UM TEATRO NACIONAL COM PERSONALIDADE ARTÍSTICA PRÓPRIA O “São João” reabriu em setembro de 1995, mas não é tudo. Com Ricardo Pais, criador teatral irrequieto então nomeado seu diretor e encenador residente, estabelecia-se no Porto um projeto com personalidade artística própria. Esboçava-se o papel axial do TNSJ no Portugal democrático enquanto serviço cultural público e grande polo de produção teatral a Norte que uma política de descentralização não poderia dispensar.
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Ricardo Pais assina a sua primeira encenação em meados de 1996: A “Tragicomédia de Dom Duardos”, de Gil Vicente. O TNSJ ganha espaço como polo de criação teatral e investe numa política de coproduções com companhias da cidade 17 e companhias nacionais 18. Chama a si o primado do teatro de repertório – elemento nuclear da missão instituída pelos seus estatutos – e assume-se como espaço preferencial das produções próprias de carreira mais longa, referentes a períodos históricos ou a novos originais. “A Tragicomédia de Dom Duardos”, de Gil Vicente, encenação Ricardo Pais (1996, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
Sob o estímulo de formar e promover novas gerações de profissionais do teatro, apoia a pesquisa no domínio das novas linguagens e tecnologias teatrais, articulado com as demais artes de vertente cénica, nomeadamente a dança, a que dedica especial atenção. Afirmando o palco como lugar privilegiado de conhecimento da polimorfia da língua, o TNSJ elege a palavra como eixo ético de todo o investimento cénico, revelando ou revisitando textos de uma ampla diversidade de autores, com destaque para os de língua portuguesa – de António Ferreira a Fernando Pessoa, de António José da Silva a Maria Velho da Costa ou do Padre António Vieira a Jacinto Lucas Pires. A estes nomes haverá ainda que acrescentar ou“O Grande Teatro do Mundo”, de Calderón de la Barca, encenação Nuno Carinhas (na foto: João Reis e Jorge Vasques) (1996, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
tros, clássicos e contemporâneos, da dramaturgia universal: Shakespeare, Calderón, Corneille, Molière, Otway, Wedekind, Büchner, Tchékhov, Jarry, Pirandello, Ionesco, Beckett, Goldoni, Friel, Handke, entre muitos outros.
“Os Gigantes da Montanha”, de Luigi Pirandello, encenação Giorgio Barberio Corsetti (1997, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
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Em 2009, Nuno Carinhas – criador indissociável da identidade artística do TNSJ – sucedeu a Ricardo Pais como Diretor Artístico, já após a reconversão da instituição em Entidade Pública Empresarial. Em anos recessivos, marcados pelo desinvestimento público no setor, o TNSJ procurou garantir a sobrevivência do tecido teatral da cidade, através do fortalecimento de uma política de coprodução com grupos do Porto e do país. Numa nova conjuntura, reafirma-se como produtor de espetáculos, investindo, em particular, na dramaturgia de língua portuguesa. “Noite de Reis”, de William Shakespeare, encenação Ricardo Pais (1999, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
Em 2013 e 2014, foi levada a cabo uma importante intervenção na envolvente exterior do edifício, entaipado durante vários anos por razões de segurança. As operações de limpeza, restauro e pintura das fachadas, os reforços estruturais, a reabilitação das coberturas e a reparação de elementos escultóricos e ornamentais corresponderam a 417 dias de minúcia que puseram a descoberto um rosto do edifício há muito esquecido, devolvendo-lhe o antigo esplendor e vigor 19.
“Castro”, de António Ferreira, encenação Ricardo Pais (na foto: Maria de Medeiros e Isabel de Castro) (2003, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
Obra de reabilitação da envolvente exterior (2014, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
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Exemplo de elemento escultórico da fachada em desagregação (2014, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
UM TEATRO NACIONAL, TRÊS CASAS Desde a sua criação, o TNSJ passou por mutações várias. Uma delas diz respeito à dimensão física que este Teatro Nacional adquiriu: Teatro São João, Teatro Carlos Alberto e Mosteiro de São Bento da Vitória, para além do atelier de guarda-roupa e adereços na Rua das Portas do Sol. Sendo um dos seus eixos prioritários a gestão e valorização do património, o TNSJ atende às necessidades prementes dos edifícios sob a sua administração, dois dos quais se encontram classificados como Monumentos Nacionais. O Teatro Carlos Alberto chegou à responsabilidade do TNSJ depois de reabilitado no quadro da Porto 2001. Desde 1897 dedicado a espetáculos de cariz popular, foi à exibição cinematográfica que dedicou grande parte da sua existência. Sob a alçada do Ministério da Cultura, abriu como Auditório Nacional Carlos Alberto entre 1980 e 2000, com programação diferenciada. Com o evento Capital Europeia da Cultura, o edifício passou para as mãos da Sociedade Porto 2001 e foi renovado, com um projeto de Nuno Lacerda Lopes que visou manter o valor simbólico que o espaço tem na memória coletiva da cidade, modernizando-lhe a prática, mas que acabou por sofrer revezes vários. Devolvido à cidade em 2003, o Teatro Carlos Alberto é hoje um espaço que privilegia a colaboração com companhias da cidade e um ponto vital de criação nacional e internacional. É ainda residência de projetos educativos da infância e juventude. Teatro Carlos Alberto, Rua das Oliveiras (2016, Teatro Nacional São João©, fotografia de Susana Neves).
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Claustro Nobre do Mosteiro de São Bento da Vitória (“Júlio César – Peças Soltas”, espetáculo de Romeo Castellucci) (2017, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
O Mosteiro de São Bento da Vitória – ou parte substancial dele, incluindo o magnífico Claustro Nobre – foi atribuído ao TNSJ em 2007. Além de acolher vários serviços da casa, assume a condição de espaço de apresentação de espetáculos e programas complementares. No coração do velho Porto, freguesia da Vitória, o Mosteiro de São Bento da Vitória é um dos mais importantes edifícios religiosos da cidade e Monumento Nacional desde 1977. Fruto da iniciativa da Congregação Beneditina Portuguesa no final do século XVI, o seu projeto é atribuído ao arquiteto Diogo Marques Lucas, antigo discípulo de Terzi. A construção com início em 1604 arrastou-se por todo o século, o que é bem visível na arquitetura de tipologia maneirista e barroca e na decoração da igreja, onde figuram obras de diferentes períodos com grande expressão na história da arte portuguesa. As obras de restauro ordenadas pelo Instituto Português do Património Cultural (IPPC) entre 1985 e 1990 foram conduzidas pelos arquitetos Carlos Guimarães e Luís Soares Carneiro. Respeitou-se a traça original e outros elementos de valia arquitetónica, consentindo depois a instalação dos monges beneditinos, da Orquestra Nacional do Porto e do Arquivo Distrital do Porto. O Claustro Nobre foi intervencionado no âmbito da Porto 2001 para receber uma concha acústica, uma estrutura metálica e soalho de madeira.
A parte significativa do edifício atribuída ao TNSJ em 2007 é lugar de espetáculos teatrais e outros eventos, mas é também um espaço dedicado à memória, com uma exposição permanente de cenografia e figurinos e a residência do Centro de Documentação. O Mosteiro de São Bento da Vitória dotou ainda o TNSJ de espaços de trabalho e, sobretudo, da sua sala de ensaios mais generosa.
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UMA VOCAÇÃO INTERNACIONAL As bases orgânicas de 1997 20 consagraram ao TNSJ uma personalidade institucional própria de âmbito aberto aos circuitos internacionais de criação teatral. Nesses anos, a aproximação do São João a es“C’est Magnifique”, um espetáculo de Jérôme Deschamps e Macha Makeieff no Festival PoNTI (1997, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
tes circuitos concretizou-se nomeadamente através da participação de criadores estrangeiros (como o encenador Giorgio Barberio Corsetti) em produções próprias e da organização do festival PoNTI – Porto. Natal. Teatro. Internacional. As edições de 1997, 1999, 2001 (excecionalmente, disseminada por todo o ano) e 2004 dão a conhecer uma multiplicidade de experiências cénicas assinadas por encenadores como Robert Wilson, Eimuntas Nekrosius, Robert Lepage, Peter Stein, Stéphane Braunschweig, Jérôme Deschamps & Macha Makeïeff, Thomas Ostermeier, Anatoli Vassiliev, entre tantos outros. Ponto culminante do processo de internacionalização foi o reconhecimento da singularidade do projeto artístico do TNSJ por parte da União dos Teatros da Europa (UTE), que, em 2003, aprova a integração do TNSJ na rede de “teatros de arte” fundada
“Zoo”, de Fabio Iaquone, no Festival PoNTI (1999, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
por Giorgio Strehler. A consequência mais evidente desta adesão ocorre no ano seguinte, com a realização no Porto do XIII Festival da UTE. Nestes anos, a afirmação internacional do TNSJ intensifica-se através de mostras como o Portogofone (2004 e 2007) e da circulação de produções da casa em grandes palcos internacionais 21. São também promovidos intercâmbios e parcerias com estruturas como o Teatro de La Abadía (Madrid), o Teatre Lliure (Barcelona), La Comédie de Reims, o Teatro di Roma e o Teatro Stabile di Torino. A internacionalização do TNSJ abrange também o Brasil, de que as digressões de “Madame” em 2000 e de “Sombras” em 2012, espetáculos de Ricardo Pais, são exemplos maiores. Em 2011, o TNSJ promove o projeto Odisseia, que envolveu a programação de um conjunto alargado de espetáculos assinados por nomes importantes da cena europeia, como Pina Bausch,
“Due Lai”, de Giovanni Testori, encenação Federico Tiezzi, no Festival PoNTI (2001, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
Peter Brook ou Josef Nadj, e a organização de um colóquio internacional.
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O abrandamento do processo de internacionalização ficou a dever-se à crise económico-financeira e à consequente retração da produção própria. O TNSJ tem agora procurado reativá-lo, ensaiando modalidades de colaboração que não se confinam à circulação internacional de espetáculos. Procura-se a renovação do vínculo com a UTE, que conheceu profundas alterações, e retomar o “romance inacabado” com o Brasil, ampliando o âmbito deste desígnio aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e assumindo o Teatro como reserva ecológica da língua. O programa de cooperação com “Otelas”, de William Shakespeare, encenação Eimuntas Nekrosius, no Festival PoNTI (2004, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
Cabo Verde, iniciado no final de 2019, adquire contornos modelares, envolvendo a apresentação de espetáculos no arquipélago africano, intercâmbios e ações de formação e projetos artísticos partilhados pelos dois países.
“Les Corbeaux”, de Josef Nadj e Akosh S., espetáculo apresentado no âmbito do projeto Odisseia (2011, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
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“Sweet Mambo”, coreografia Pina Bausch, espetáculo apresentado no âmbito do projeto Odisseia (2011, Teatro Nacional São João©, fotografia de João Tuna).
UMA COMPANHIA “QUASE” RESIDENTE O Teatro Nacional São João não possuiu uma companhia de atores residente, ao contrário do que sucede em muitos teatros públicos europeus. Tal solução revela-se financeiramente onerosa, além de artisticamente imobilista. Dispor, contudo, de um núcleo de atores contratado à temporada ou anualmente favorece um raciocínio mais consequente sobre a produção própria e a política de repertório. A existência de um elenco “quase” residente – como aquele que se institui em 2020, com um primeiro grupo de seis atores – favorecerá a circulação nacional e internacional dos espetáculos aqui criados, sendo também rentabilizado em projetos de coprodução e na qualificação de outras ações do TNSJ: oficinas, leituras, visitas guiadas, conversas públicas, etc. O Teatro é, no fundo, como um dos seus mais memoráveis heróis, Hamlet, que apenas consegue vencer o seu melancólico torpor quando uma trupe de atores irrompe Corte adentro. O Teatro nunca é tão feliz como quando usufrui da companhia dos atores.
DIMENSÃO FORMATIVA, EDITORIAL E DOCUMENTAL O TNSJ dá prioridade absoluta à língua portuguesa, o que em termos práticos se configura num tronco de múltiplas ramificações. O conjunto de iniciativas orientadas para o universo escolar – desenvolvidas pelo Centro Educativo da instituição – tem hoje um alcance nacional 22, revelando-se especialmente expressivo na Área Metropolitana do Porto. Espetáculos, oficinas de natureza e duração diversas, visitas guiadas especiais, ações de formação para professores, clubes de teatro – todo um amplo “Atelier 200”, uma iniciativa do Centro Educativo do TNSJ (2019, Teatro Nacional São João©, fotografia de Susana Neves).
leque de atividades visa formar públicos para o Teatro, cultivar a sensibilidade artística de crianças e jovens, inscrever as práticas artísticas na
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Apresentação final do projeto “Visitações” (Centro Educativo) (2019, Teatro Nacional São João©, fotografia de Susana Neves).
experiência do ensino e da aprendizagem, cruzando os territórios da arte e da educação 23. Aprofundando uma política de responsabilidade social, que incentiva os diversos modos de ver a floresta de signos de que é feito um espetáculo teatral, o TNSJ tem investido na democratização do acesso às suas iniciativas, legendando produções teatrais em Língua Gestual Portuguesa, promovendo récitas com áudio-descrição, realizando visitas-oficinas preparatórias para os espetáculos e adotando uma política de descontos para públicos em situação de desfavorecimento. A ramificação editorial no TNSJ, criada para suprir lacunas históricas na edição de teatro em Portugal e desenvolver o sentido crítico dos públicos, tem nos Manuais de Leitura, criados em 2003, os melhores programas de sala do Teatro português, que divulgam textos críticos referenciais e promovem toda uma nova reflexão sobre autores, obras e dramaturgias. Empenhado em contrariar o caráter efémero da aventura teatral, o núcleo editorial do TNSJ vem ainda publicando textos dramáticos (atualmente, em parceria com a editora Húmus), CD, vídeos e DVD de espetáculos da casa, apresentando outras perspetivas sobre as criações. Uma nova coleção, a Empilhadora, edita história e estética teatral, ensaio, memórias e biografia, estando em preparação a publicação de “Falhar Melhor: A Vida de Samuel Beckett”, de James Knowlson, a mais completa obra alguma vez produzida sobre o dramaturgo irlandês. Em 2020, são ainda dados ao prelo os “Cadernos do Centenário”, um conjunto de publicações temáticas que visam colocar em perspetiva a história dos 100 anos do Teatro projetado por Marques da Silva, bem como a do projeto de Teatro Nacional que o habita e anima nos últimos trinta anos.
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Coleção de textos dramáticos do TNSJ na editora Húmus (2019, Teatro Nacional São João©, fotografia de Susana Neves).
Mencione-se finalmente o Centro de Documentação do TNSJ, criado em 2000 para contrariar a efeméride do gesto criativo e impedir o drama documental que assolou o São João em 200 anos de história. É um serviço único no país, composto por uma biblioteca especializada em artes performativas – hoje alojada no Mosteiro de São Bento da Vitória – e por uma plataforma digital de acesso livre 24, partilhada com profissionais, estudantes, investigadores e espectadores.
O Centro de Documentação do TNSJ, instalado no Mosteiro de São Bento da Vitória (2018, Teatro Nacional São João©, fotografia de Susana Neves).
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CRIAR MEMÓRIA PARA O FUTURO
O Teatro enquanto arte estabelece uma relação peculiar com o tempo: na sua transitoriedade, a récita rescreve a experiência do dia anterior; na sua ação permanente, o teatro é uma máquina de circulação da memória cultural. O TNSJ contém e representa todas essas idades, é um projeto intempestivo. Em ano de Centenário, o Teatro Nacional São João continua a fazer-se novo todos os dias porque atua com uma estratégia: seja a renovação do parque técnico; importantes trabalhos de reabilitação e requalificação do património; o reforço qualificado da produção artística dentro e fora de portas e o desenvolvimento do programa editorial e educativo. Todos os projetos têm no palco o seu centro irradiador. E todos os dias o palco se rescreve e resiste à tentação de ser (só) do seu tempo. O que é o Teatro Nacional São João? Um Teatro Nacional que está prestes a nascer.
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BIBLIOGRAFIA
12 Página 74 de CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques
BARROSO, Eduardo Paz [et al.] – Teatro Nacional S. João: Um Renasci-
da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Mar-
mento. Porto: Porto Editora, 1993.
ques da Silva, 2010. 13 Página 79 de CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques
CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques da Silva e
da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Mar-
o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Mar-
ques da Silva, 2010.
ques da Silva, 2010.
14 Página 98 de CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Mar-
INSTITUTO PORTUGUÊS DO PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO E AR-
ques da Silva, 2010.
QUEOLÓGICO – Teatro Nacional São João. In Boletim IPPAR, N.º 1.
15 BARROSO, Eduardo Paz [et al.] – Teatro Nacional S. João Um Renascimento.
Porto: Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico,
Porto: Porto Editora, 1993.
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16 Página 28 de INSTITUTO PORTUGUÊS DO PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO E ARQUEOLÓGICO – Teatro Nacional São João. In Boletim IPPAR, N.º 1.
PAIS, Ricardo – 13 Ideias para um novo Teatro Nacional São João. Porto:
Porto: Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico, 1995.
Teatro Nacional São João, 1995.
17 Ensemble – Sociedade de Atores, Teatro Bruto, Teatro de Marionetas do Porto, ASSéDIO, As Boas Raparigas…, Visões Úteis, entre outras.
TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO – Dez Ideias Para (Mais) Dez Anos de
18 Teatro O Bando, Teatro da Cornucópia, Teatro Meridional, Novo Grupo/Teatro
Teatro Nacional São João. Porto: Teatro Nacional São João, 2019.
Aberto, Teatro da Garagem, Escola de Mulheres e Teatro Praga, entre outras. 19 Teatro Nacional São João – Obras de restauro, 2014, (disponível em https:// player.vimeo.com/video/243706510)
NOTAS 1
PAIS, Ricardo – 13 Ideias para um novo Teatro Nacional São João. Porto:
Teatro Nacional São João, 1995. 2
Cf. Decreto-Lei n.º 159/2007, 27 de abril.
20 Decreto-Lei n.º 242/97, de 18 de setembro.
Página 27 de CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques
21 “Woyzeck”, de Georg Büchner, encenação de Nuno Cardoso (2005), e cria-
da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Mar-
ções de Ricardo Pais como “UBUs”, de Alfred Jarry, em 2005, “D. João”, de Molière,
ques da Silva, 2010.
em 2007, e “Turismo Infinito”, a partir de Fernando Pessoa, em 2008.
4 Página 22 de CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques
22 Durante o ano letivo 2018/2019, o projeto educativo alcançou 139 escolas e
da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Mar-
381 turmas.
3
ques da Silva, 2010.
23 Em 2019, o TNSJ concretizou 59 projetos educativos, excluindo visitas guia-
5 Página 31 de CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques
das a grupos escolares.
da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Mar-
24 http://cinfo.tnsj.pt/cinfo
ques da Silva, 2010. 6 Página 22 de BARROSO, Eduardo Paz [et al.] – Teatro Nacional S. João Um Renascimento. Porto: Porto Editora, 1993. 7 Página 22 de BARROSO, Eduardo Paz [et al.] – Teatro Nacional S. João Um Renascimento. Porto: Porto Editora, 1993. 8
A “necessidade da separação entre palco e plateia, o atulhamento dos ce-
nários, a colocação dos camarins junto ao urdimento de cena” e detalhes outros faziam deste o mais perigoso teatro do Porto. 9
Página 96 de CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques
da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Marques da Silva, 2010. 10 Página 9 de BARROSO, Eduardo Paz [et al.] – Teatro Nacional S. João Um Renascimento. Porto: Porto Editora, 1993. 11 Página 96 de CARNEIRO, Luís Soares – A Estranheza da Estípite – Marques da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto Arquitecto José Marques da Silva, 2010.
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10 GALERIA DA BIODIVERSIDADE P ORTO
Maria João Fonseca
Luís Mendonça
Diretora de Comunicação mjfonseca@mhnc.up.pt
Professor e Investigador da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto luismendonca@netcabo.pt
Maria João Fonseca é diretora de comunicação do Museu de História e Ciência Natural da Universidade do Porto. Licenciada em biologia animal aplicada e em ensino da biologia e doutorada em ensino e divulgação das ciências pela Universidade do Porto, tem uma vasta experiência no design, implementação e avaliação de atividades de aprendizagem em ambientes formais e não formais, bem como em comunicação institucional. Entre os seus interesses, encontram-se a mobilização de públicos em ambiente museológico e as estratégias de comunicação baseadas na convergência entre arte, ciência, literatura e tecnologia.
Luís Mendonça é coautor, juntamente com Nuno Ferrand, Hernán Crespo e Jorge Wagensberg, do projeto de museografia da Galeria da Biodiversidade. Concebeu e projetou os módulos e as instalações em diálogo interdisciplinar com os pares do projeto e em estreita colaboração com Nuno Ferrand, impulsionador e responsável pelo Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, ao qual pertence a Galeria da Biodiversidade. Como designer, desenvolve uma atividade multifacetada, na qual articula interesses diversificados no âmbito da escultura, da museografia, da instalação, da arquitetura, da ilustração, da cenografia, do design de comunicação e de produto. Da escultura pública aos objetos utilitários, da imagem bidimensional às interfaces mediadoras, da conceção de exposições ao equipamento de espaços, das oficinas tradicionais à indústria contemporânea, Luís Mendonça desenvolve projetos expositivos numa prática integradora de valores técnicos, científicos, educativos e criativos. É professor da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto e investigador do ID+ Instituto de Investigação em Design Media e Cultura.
Paulo Gusmão
Nuno Valentim
Coordenador Executivo da Galeria da Biodiversidade pgusmao@mhnc.up.pt
Professor e Investigador da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto nuno.valentim@arq.up.pt
Paulo Gusmão é, desde 2016, coordenador executivo da Galeria da Biodiversidade. Nascido em 1960, licenciou-se em história pela Universidade do Porto. Foi professor do ensino básico antes de integrar a Universidade do Porto em 1990. Iniciou os serviços editoriais centrais da Universidade e o serviço central de comunicação. Foi o responsável pela organização da exposição anual da Universidade (Mostra de Ciência, Ensino e Inovação da Universidade do Porto) desde o seu início, em 2003, até à sua 14.ª edição, em 2016. Foi ainda o organizador de outras exposições, fundamentalmente baseadas nas coleções museológicas da Universidade. Entre 2007 e 2016 coordenou o programa Universidade Júnior. Os seus principais interesses académicos são a história da ciência e o desenvolvimento de ações de comunicação de ciência e de promoção cultural, particularmente as dirigidas a um público jovem. Paulo Farinha Marques Diretor do Jardim Botânico do Porto – Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto pfmarque@fc.up.pt Paulo Farinha Marques é arquiteto paisagista licenciado em arquitetura paisagista pelo Instituto Superior de Agronomia - Universidade Técnica de Lisboa e com doutoramento pela Faculty of Architectural Studies da Universidade de Sheffield, Reino Unido. Entre 1996 e 2003 exerceu e lecionou nas Universidades de Aveiro e de Trás-os-Montes e Alto Douro, tendo, nesta última, estado envolvido no lançamento do novo curso de Arquitetura Paisagista. Professor associado na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, onde leciona e desenvolve investigação em áreas que vão desde o planeamento e desenho de parques e jardins até à requalificação de espaços verdes urbanos e promoção da biodiversidade em paisagens históricas, é atualmente diretor do Jardim Botânico do Porto.
Nuno Valentim é o arquiteto coordenador da equipa responsável pela requalificação da Casa Andresen no Jardim Botânico do Porto com vista à sua conversão na Galeria da Biodiversidade, bem como pelo projeto de reabilitação e modernização do Mercado de Bolhão (o principal mercado do Porto), agora em obra. Foi recentemente distinguido com o Prémio Nacional de Reabilitação IHRU/Nuno Teotónio Pereira 2017, entre outras distinções nacionais e internacionais. É licenciado e doutorado em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, possuindo também um mestrado em reabilitação de edifícios pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É professor e investigador da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto.
Nuno Ferrand de Almeida Diretor do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto nferrand@mhnc.up.pt Nuno Ferrand de Almeida é biólogo, professor catedrático de biologia evolutiva da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, coordenador científico do CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos e diretor do InBIO - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. É também professor convidado da Universidade de Joanesburgo, na África do Sul, onde ensina genética e evolução. Os seus interesses de investigação focam-se na biologia evolutiva, particularmente em padrões de diversidade genética de populações naturais, ecologia, conservação, domesticação e especiação. Em 2011 iniciou um projeto inigualável de conceção e implementação de um novo museu de história natural e ciência na cidade do Porto, juntando, pela primeira vez no país, um museu universitário e um centro de ciência. Como diretor do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, está atualmente a liderar um ambicioso projeto cultural baseado numa filosofia museográfica inovadora no âmbito do qual a arte assume um papel fundamental.
Galeria da Biodiversidade: um lugar para saber e sonhar, na confluência da Arte e da Ciência
PREÂMBULO: DAR NOVA VOZ AOS OBJETOS DE MUSEU
“Tudo na casa era desmedidamente grande desde os quartos de dormir onde as crianças andavam de bicicleta até ao enorme átrio para o qual davam todas as salas e no qual, como Hans dizia, se poderia armar o esqueleto da baleia que há anos repousava, empacotado em numerosos volumes, nas caves da Faculdade de Ciências por não haver lugar onde coubesse armado.” Sophia de Mello Breyner Andresen 1
O desejo de Sophia – o esqueleto de baleia do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (2016, MHNC-UP/ JFF©, fotografia de JFF).
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Poderá um único objeto proveniente de uma coleção de história natural encerrar em si o poder para nos fazer (voltar a) ficar fascinados com a vida à nossa volta? A história do enorme esqueleto de baleia azul que deu à costa na Praia do Paraíso, no Porto, em 1937 e que, depois de doado ao Instituto de Zoologia “Augusto Nobre”, foi montado em 1941 na “Sala das Coleções Gerais” do Museu de Zoologia 2, naquele que é atualmente o Edifício Histórico da Reitoria da Universidade do O desejo de Sophia – o esqueleto de baleia do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (2016, MHNC-UP/ JFF©, fotografia de JFF).
Porto e casa do polo central do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (doravante MHNC-UP), mostra-nos que sim. Materializando o “sonho de Sophia” [de Mello Breyner Andresen], este objeto recebe-nos hoje, tal como a própria Sophia havia preconizado, suspenso, no átrio da belíssima Casa Andresen, onde se encontra instalada, desde o Verão de 2017, a Galeria da Biodiversidade – Centro Ciência Viva.
Quantas histórias nos pode este objeto singular contar? Poderá talvez explicar-nos como o batimento cardíaco destes gigantes aquáticos varia na razão inversa do seu tamanho, ou como, apesar do seu tamanho, se alimentam de minúsculos seres quase impercetíveis ao olho humano, ou ainda como a sua rota de migração pode ser desviada por um qualquer motivo que afete a sua capacidade de orientação. Poderá também revelar-nos a sua idade, fazer-nos sentir a tristeza que advém de percebermos que este jovem animal terminou o seu domínio dos mares mais cedo do que seria de esperar. Poderá fazer-nos refletir sobre a vida e a morte e o papel que cada um de nós desempenha numa Terra que é de todos. Mas, mais prosaicamente, poderá de igual forma mostrar-nos como o esqueleto deste animal que, já morto, encalhou na praia, acabando por ser arrematado por 200 escudos por um comerciante que, depois, ofereceu o seu esqueleto ao Dr. Augusto Nobre, foi parcialmente destruído no processamento necessário à extração da gordura pretendida para finalidades comerciais. E, mais,
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poderá explicar-nos os truques que os conservadores e restauradores utilizaram para limpar, estabilizar e reconstruir um esqueleto desta dimensão. E também explicar-nos como estas técnicas evoluíram ao longo dos anos para se chegar a resultados quase perfeitos – afinal, temos de olhar com muita atenção para este objeto para perceber o que é e o que não é baleia! Noutro sentido, poderá também revelar-nos a solução para o desafio de engenharia e arquitetura que foi suspender num edifício do século XIX um objeto de uma tonelada a partir de apenas quatro delicadas colunas. Mas, mais importante, este objeto tão único e tão irrepetível como qualquer um de nós pode fazer-nos sonhar e imaginar outras histórias, ficar curiosos sobre todos os segredos que a sua presença neste local esconde, inspirar-nos a observar cada detalhe da sua forma, desenhá-lo, pintá-lo, escrever sobre ele, como Sophia o fez, ou simplesmente desfrutar da beleza que resulta da forma como a luz incide em cada um dos seus contornos, transportando-nos para um mundo de deslumbramento e fantasia que é, na realidade, o nosso mundo.
Portanto, a resposta à pergunta formulada no primeiro parágrafo é sim, claro que sim. E a derradeira metáfora museográfica que se descreve nas linhas anteriores e que dá o mote para o projeto museológico do novo MHNC-UP, que se estreia na Galeria da Biodiversidade, mostra como, mais do que possível, é desejável tirar partido do riquíssimo património imaterial representado pelas coleções científicas que universidades, investigadores e particulares construíram num esforço e dedicação ímpares, para criar espaços de confluência de todas as áreas do saber, sem limites ou barreiras, que nos levem, independentemente da nossa origem, idade, ou de tudo o que nos carateriza, a ligarmo-nos emocionalmente aos objetos e fenómenos naturais a partir do diálogo que com eles, com os outros à nossa volta e connosco próprios estabelecemos. Esta deve ser a visão de um museu do século XXI, um museu construído e pensado para (todas) as pessoas. É esta a filosofia que está na génese da Galeria da Biodiversidade e que orienta a sua atuação.
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UM NOVO CONCEITO DE MUSEU ASSENTE NUM DISCURSO MUSEOGRÁFICO SINGULAR
Inaugurada a 20 de junho de 2017, a Galeria da Biodiversidade surge como o resultado da primeira fase do ambicioso projeto de reconstrução do MHNC-UP, desenvolvido em estreita parceria com a Ciência Viva, a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. Este é o primeiro equipamento cultural a nascer do diálogo estabelecido entre um museu universitário e um centro de ciência. No conteúdo temático e nas interações que proporciona, é, num registo muito particular, centro de ciência. Por sua vez, na sua conceção expositiva e no uso que faz dos objetos reais que apresenta segundo um acutilante critério estético, é, de forma plena, museu. Lugar mágico de confluência entre ciência, arte e literatura, promovendo uma vasta gama de ricas experiências sensoriais, pensadas cuidadosa e propositadamente com o objetivo de celebrar a diversidade da vida, exortando ao deslumbramento, à curiosidade e à conversação 3, a Galeria da Biodiversidade apresenta-nos pedaços de realidade concentrada, que descodificamos espontaneamente através da miríade de estímulos com que esta nos seduz.
Trata-se de um equipamento construído a partir do esforço concertado de uma equipa multidisciplinar, que, reunindo biólogos, museógrafos, arquitetos, designers, historiadores, artistas, comunicadores e muitos outros especialistas, deu corpo a um inovador projeto de conceção de um museu de história natural com base numa sólida curadoria artística. Na sua origem estão as ideias cunhadas por Jorge Wagensberg (1948– 2018) e estruturadas segundo uma abordagem que o próprio designava por “museologia total” 4. Com efeito, a Galeria da Biodiversidade foi concebida segundo uma lógica de integração e abertura universal que percebe o museu como espaço de encontro e conversação — com a realidade, os objetos, os outros e nós próprios. Assim, a sua linguagem museográfica tem como um dos seus princípios orientadores a indução do estímulo, sensorial, afetivo e cognitivo 5. O objetivo último passa pela apresentação da realidade, sem a representar ou substituir, mas antes condensando-a em objetos reais e fenómenos que mostram a diversidade da vida e os processos evolutivos que a originam. Como tal, peças provenientes de coleções históricas convivem com peças produzidas de novo e objetos convencionais com formas arquetípicas de organização do mundo natural, dispondo-se segundo padrões estéticos bem definidos e ganhando uma voz que fala para todos os públicos.
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Desta forma, a organização das peças expande o seu valor intrínseco. A sua descodificação parte de uma narrativa segundo a qual cada espaço expositivo se constrói em torno de uma metáfora museográfica, tal como a descreve Jorge Wagensberg: uma combinação de objetos que se distribuem no espaço e de fenómenos que se sucedem ao longo do tempo capaz de tornar visível um pedaço invisível da realidade 6.
Os aforismos da Galeria da Biodiversidade - Centro Ciência Viva [frase da autoria de Emílio Remelhe] (2017, Ecsite/MHNC-UP/ Ciência Viva©, fotografia de Daniel Espírito Santo/João Botas).
Aos objetos juntam-se metáforas e aforismos, todos trabalhados sempre segundo fortes orientações estéticas. A quantidade de informação veiculada é mantida num nível mínimo, respeitando o compromisso com o rigor científico, mas sem recorrer a jargão especializado. Com efeito, os textos que servem de suporte aos módulos e espaços expositivos assumem uma natureza mais literária, e, mais do que respostas, apresentam, sobretudo, questões passíveis de suscitar a curiosidade dos visitantes. E assim se cria o cenário ideal para o estabelecimento de interações emocionais com fenómenos e processos surpreendentes e inesperados, as quais cedo dão lugar ao gozo intelectual – o prazer da compreensão – que se pretende estimular. O caráter inovador do programa museográfico da Galeria da Biodiversidade levou em 2018 à distinção deste equipamento pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM) com o prémio de Melhor Trabalho de Museografia. Também em 2018 a “European Museum Academy”
Vista aérea da Galeria da Biodiversidade - Centro Ciência Viva no Jardim Botânico do Porto (2017, Ecsite/MHNC-UP/Ciência Viva©, fotografia de Daniel Espírito Santo/ João Botas).
considerou esta unidade do MHNC-UP como um dos cinco mais promissores museus da Europa. Igualmente importante, tendo em conta a nova forma de envolver os visitantes num museu de história natural através da aposta no conceito museográfico inédito que propõe, a Galeria da Biodiversidade foi um dos estudos de casos descritos no relatório produzido pelo Grupo de Trabalho em Aprendizagem para a “Network of European Museum Organisations” (NEMO) e publicado este ano 7. Não deixa de ser verdade que o seu ambiente também conta muito: a Galeria da Biodiversidade é indissociável do Jardim Botânico do Porto, que a envolve, conferindo a este conjunto um sentido de espaço difícil de replicar noutros contextos.
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Centrado num núcleo romântico, de zonas contidas, o jardim expandiu-se temporal e espacialmente para incluir espécies ilustrativas da diversidade natural, suporte do conhecimento científico. É agora um espaço de apreciável valor histórico, científico, paisagístico e literário, que se oferece aos seus visitantes como lugar de fruição e de bem-estar.
UM ESPAÇO DE ELEVADO VALOR PATRIMONIAL, REPLETO DE HISTÓRIA
Ao valor histórico e patrimonial do edifício que acolhe a Galeria da Biodiversidade – a Casa Andresen – junta-se, então, o do jardim que o rodeia. Ao longo dos anos, fundamentalmente a partir do século XIX, diferentes usos foram dados a esta belíssima propriedade localizada no Campo Alegre, uma das áreas mais nobres da cidade do Porto. Entre os seus proprietários incluem-se os avós daquela que é uma das maiores autoras nacionais – a poeta e escritora de contos infantis Sophia de Mello Breyner Andresen, cuja obra é conhecida de milhares de crianças (e adultos…), bem como do seu primo e também escritor Ruben Andresen Leitão (Ruben A.). Durante a infância, ambos encontraram neste espaço uma inspiração que se refletiu no seu trabalho posterior, sendo múltiplas as referências à “casa e ao jardim” na sua obra. A partir de meados do século XX, este local foi sede do Instituto de Botânica Dr. Gonçalo Sampaio, e, mais tarde, do Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto 8. No século XXI, tendo recebido um papel socialmente mais abrangente, tornou-se o lar do primeiro polo do MHNC-UP, que inclui também o Jardim Botânico do Porto.
A ESTRUTURA ORGANIZATIVA A Galeria da Biodiversidade e o Jardim Botânico do Porto são, então, unidades constituintes do MHNC-UP, uma estrutura multipolar que inclui ainda um polo central (atualmente em requalificação, mas aberto ao público com uma interessante oferta de exMomentos-chave na história da propriedade onde está instalada a Galeria da Biodiversidade - Centro Ciência Viva e o Jardim Botânico do Porto (2017, MHNC-UP©).
posições temporárias) que acolhe coleções históricas de todas as áreas, desde a botânica às ciências exatas, passando pela arqueologia, etnografia, zoologia, paleontologia e mineralogia. O MHNC-UP está sob a coordenação do seu diretor, o biólogo Nuno Ferrand de Almeida, que é simultaneamente o mentor do projeto que está na origem
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da criação da estrutura. A tutela do MHNC-UP, por sua vez, pertence à Universidade do Porto. Como tal, beneficia do apoio dos seus serviços administrativos, financeiros e jurídicos. Do ponto de vista funcional, a Galeria da Biodiversidade conta com um Diretor Executivo, que supervisiona todas as atividades administrativas e de gestão. As unidades de comunicação e serviço educativo são transversais ao MHNC-UP, encontrando-se esta última sediada na Galeria da Biodiversidade. Contando com um corpo de guias dedicados, que atua também no Jardim Botânico e no polo central do MHNC-UP, a Galeria da Biodiversidade assume de forma clara o seu compromisso com a mobilização de (todos os) públicos e com a promoção cultural, em particular em áreas científicas. A equipa da Galeria da Biodiversidade conta ainda com um técnico de manutenção, responsável pelo acompanhamento de todas as ações relativas à manutenção de infraestruturas e módulos expositivos, e beneficia do apoio científico da equipa de curadores do MHNC-UP, bem como do apoio técnico das suas Conservadora-Restauradora e Museóloga. Empresas externas especializadas fornecem serviços de bilheteira, vigilância e segurança, limpeza e restauração. Iniciativas específicas, como estudos de público, avaliação de impacto e outras atividades de investigação, são desenvolvidas em colaboração com parceiros estratégicos dentro e fora da constelação universitária, nos setores público e privado. Desde 2018, a Galeria da Biodiversidade tem contado com o apoio de um mecenas exclusivo – a Sonae, que tem vindo a contribuir de forma muito significativa para a promoção de um programa de atividades diverso e de grande qualidade em colaboração com parceiros chave, como a National Geographic ou a UNESCO.
MEDIAÇÃO CULTURAL NA GALERIA DA BIODIVERSIDADE
SENTIR E COMPREENDER A REALIDADE ATRAVÉS DE UMA LINGUAGEM DE ESTÍMULOS Na Galeria da Biodiversidade os visitantes encontram um conjunto de 49 módulos e instalações expositivas, em grande parte desenvolvidos ou adaptados especificamente para inclusão na sua exposição permanente, organizados em função de 15 temáticas principais, através das quais se abordam as dimensões fundamentais da diversidade biológica e cultural que hoje conhecemos. Com funcionalidades e características únicas a nível mundial, e tirando partido de uma gama diversificada de recursos museográficos, que vão desde modelos mecânicos até às mais sofisticadas plataformas multimédia e audiovisuais, oferecendo experiências interativas e contemplativas, esta plataforma cultural única convida os visitantes a embarcar numa estimulante viagem através da ciência, literatura e arte, ao longo da qual são contadas as mais belas histórias sobre a vida.
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Aqui, a par dos 646 m2 reservados para a exposição permanente, existem 437 m2 deVisão panorâmica do átrio central do piso 1 da Galeria da Biodiversidade - Centro Ciência Viva (2017, Ecsite/MHNC-UP/Ciência Viva©, fotografia de Daniel Espírito Santo/João Botas).
dicados
a
exposições
temporárias e eventos, oferecendo o enquadramento perfeito para todo o tipo de ações destinadas a consolidar e ampliar os laços com a comunidade. Este é um espaço que foi requalificado especificamente para fazer com que os seus visitantes se sintam em casa nas suas interações culturais.
UMA NARRATIVA IMPACTANTE E PLENA DE SENTIDO Independentemente do caráter inovador das soluções museográficas escolhidas para dar vida à sua exposição permanente, na Galeria da Biodiversidade a narrativa sobrepõe-se à interatividade e à tecnologia, oferecendo experiências cognitivas e afetivas com profundo significado e forte impacto, capazes de despertar a curiosidade, induzir a interrogação e estimular a criatividade e a imaginação. Este espaço, que se constitui como um híbrido de museu e centro de ciência, encontra-se focado numa das questões ecológicas mais relevantes para as sociedades modernas: a proteção da diversidade biológica. A sua exposição permanente é uma ode à diversidade da vida como a conhecemos, mas a mensagem transmitida é apresentada como um apelo à ação humana, condição crítica para a sua preservação. Detalhes da arquitetura da Galeria da Biodiversidade - Centro Ciência Viva (2017, Ecsite/MHNC-UP/Ciência Viva©, fotografia de Daniel Espírito Santo/João Botas).
Em linhas gerais, a história central desenrola-se desafiando os visitantes a reconhecer o papel que desempenham no mundo natural, como os alvos e os agentes de mudança que simultaneamente são. A viagem começa com um convite para que identifiquem o lugar que ocupam na árvore da vida, dando a conhecer as relações que se estabelecem entre a maravilhosa rede de seres vivos com que partilham o planeta.
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Logo de seguida, um manifesto a favor da biodiversidade confronta-os com uma incontornável questão: “Porquê preservar a biodiversidade?”. O infinito conjunto de razões que nos permitem responder a esta pergunta é resumido de forma absolutamente sintética em função de quatro princípios fundamentais:
A árvore da vida dá às boas vindas aos visitantes da Galeria da Biodiversidade Centro Ciência Viva e do Jardim Botânico do Porto (2017, Ecsite/MHNC-UP/Ciência Viva©, fotografia de Daniel Espírito Santo/ João Botas).
1. O princípio estético – a natureza é bela e só por isso merece ser preservada;
2. O princípio ético – se uma qualquer outra espécie, como a nossa, chegou até aos dias de hoje, quem somos nós para decidir interromper a sua existência?;
3. O princípio económico – é impossível pôr um preço na biodiversidade quando nós próprios não só dela dependemos, mas fazemos parte da matriz que a constitui – afinal, proteger a biodiversidade é também proteger o nosso mercado globalizado;
4. O princípio científico – é na biodiversidade que residem soluções (terapêuticas e profiláticas) para problemas que podemos nem conseguir antecipar – proteger a biodiversidade é, então, proteger-nos a nós próprios.
Cada princípio é ilustrado através de uma “vitrina hipercúbica de compreensão súbita” 9, que nos apresenta coleções de objetos (ovos, cães, sementes e comprimidos) organizados (ou não) segundo uma lógica metafórica específica, Porquê preservar a biodiversidade? – Princípio estético. Vitrina hipercúbica de compreensão súbita – coleção de ovos (2016, MHNC-UP/JFF©, fotografia de JFF).
à qual surge associado um módulo interativo ou sensorial que complementa e amplia a experiência da interação com a mesma.
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Porquê preservar a biodiversidade? – Princípio estético. Vitrina hipercúbica de compreensão súbita – coleção de ovos [detalhes] (2016, MHNC-UP/JFF©, fotografia de JFF).
Porquê preservar a biodiversidade? – Princípio ético. Vitrina hipercúbica de compreensão súbita – o lobo e todas as raças de cães (2017, MHNC-UP/JFF©, fotografia de JFF).
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Porquê preservar a biodiversidade? – Princípio ético. Vitrina hipercúbica de compreensão súbita – o lobo e todas as raças de cães [detalhe] (2018, MHNC-UP©, fotografia da Equipa do MHNC-UP).
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Porquê preservar a biodiversidade? – Princípio económico. Vitrina hipercúbica de compreensão súbita – sementes (2017, MHNC-UP/JFF©, fotografia de JFF).
Porquê preservar a biodiversidade? – Princípio económico. Vitrina hipercúbica de compreensão súbita – sementes [detalhe] (2018, MHNC-UP©, fotografia da Equipa do MHNC-UP).
Porquê preservar a biodiversidade? – Princípio científico. Vitrina hipercúbica de compreensão súbita – comprimidos (2018, MHNC-UP©, fotografia da Equipa do MHNC-UP).
Porquê preservar a biodiversidade? – Princípio científico. Vitrina hipercúbica de compreensão súbita – comprimidos [detalhe] (2017, MHNC-UP/JFF©, fotografia de JFF).
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A esta experiência introdutória, seguem-se outras, que abordam os mecanismos da evolução e apresentam a diversidade em todas as suas formas. Alguns exemplos incluem: Seleção artificial. Desde rotas de domesticação de animais como o porco ou a ovelha, e de plantas como o arroz e o trigo, projetadas numa enorme tela esférica representativa do globo terrestre, até a instalações artísticas que destacam a invenção – a partir do lobo –, de todas as raças de cães do mundo, e como estes animais inspiraram artistas, como pintores e escultores. A este nível, existe um módulo particularmente relevante que demonstra visualmente, mais uma vez com recurso a objetos reais, as várias fases do processo de domesticação do milho ( Zea mays ), através de uma moPorquê preservar a biodiversidade? – Princípio estético. Módulo interativo – a forma dos ovos (2017, MHNC-UP/JFF©, fotografia de JFF).
numental cortina de espigas de milho que conta a história de como um cereal selvagem foi manipulado para, numa fase inicial, ilustrando a tendência normal no ser humano de criar “coisas novas”, mostrar toda a diversidade que em si encerra, evoluindo posteriormente no sentido de uma cada vez maior uniformização à medida que a intenção da sua manipulação se prende com o aumento da produtividade.
Seleção artificial - domesticação do milho (2017, MHNC-UP/Ciência Viva©, fotografia de Daniel Espírito Santo/João Botas).
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Seleção artificial - domesticação do milho [detalhe] (2018, MHNC-UP©, fotografia da Equipa do MHNC-UP).
Diversidade genética, de cores, de tamanhos. As diferentes maneiras de se ser diverso são também apresentadas com recurso a soluções inesperadas e, de tão belas, inspiradoras. Um enorme painel de caracóis-listrados ( Cepaea nemoralis ), uma das mais vulgares espécies de caracóis terrestres europeus, ilustra a diversidade genética que existe no seio de uma única espécie, mostrando como cada organismo é um ser único e irrepetível. Quatro imponentes molduras elevam-se junto às paredes da sala que se abre para o Jardim do Roseiral e, albergando as folhas que, no dia 21 de março de 2016, foram colhidas a partir das verdejantes árvores do Jardim Botânico, mostram-nos uma panóplia de tons de verde, num emocionante espetáculo cromático de beleza singular. Finalmente, os visitantes são convidados a sentar-se numa cadeira que oferece um ponto ótimo para observação do grande esqueleto de baleia suspenso no amplo átrio da Galeria, ao qual se junta, em tom de contraste, um minúsculo esqueleto de musaranho.
Diversidade genética de uma espécie – o caracol riscado, Cepaea nemoralis (2017, Ecsite/MHNC-UP/Ciência Viva, fotografia de Daniel Espírito Santo/João Botas).
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Diversidade de cores – “pantone” de folhas do Jardim Botânico do Porto (2017, MHNCUP/JFF©, fotografia de JFF).
A partir deste ponto conseguimos escutar o batimento cardíaco destes dois mamíferos: o da baleia, o maior mamífero que conhecemos, batendo seis vezes por minuto; e o do musaranho, o menor mamífero de que há registo, batendo quase 900 vezes neste mesmo período de tempo.
Diversidade de tamanhos – esqueletos de baleia e musaranho (2017, MHNC-UP/JFF©, fotografia de JFF).
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Para além destes, muitos outros temas são explorados. Por exemplo, num teatro dos sentidos mostra-se como diferentes animais veem o mundo, chamando-se, logo de seguida, a atenção para processos de evolução convergente e divergente .
Seleção sexual – esculturas taxidermizadas (2017, MHNC-UP/JFF©, fotografia de JFF).
Seleção natural - o exemplo paradigmático da traça-da-bétula (2018, MHNC-UP©, fotografia da Equipa do MHNC-UP).
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Por terra, água e ar - diversidade de modos de locomoção (2017, Ecsite/MHNC-UP/ Ciência Viva, fotografia de Daniel Espírito Santo/João Botas).
Homologias e analogias (2017, Ecsite/ MHNC-UP/Ciência Viva, fotografia de Daniel Espírito Santo/João Botas).
As estratégias adotadas no mundo animal para comer e não ser comido são exemplificadas com recurso à observação de animais vivos e de esculturas de autor. A função das formas na natureza é desvendada e o processo de especiação é exemplificado com um estudo de caso que tem um significado especial em contexto nacional — a história de Charles Darwin e do coelho de Porto Santo.
Comer e não ser comido – estratégias de sobrevivência no mundo natural (2018, MHNCUP©, fotografia da Equipa do MHNC-UP).
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Num
determinado
mo-
mento, é promovido o confronto com os limites da perceção humana, ilustrando a forma como estes condicionam e moldam a gama de fenómenos que podemos testemunhar diretamente. Na sala adjacente, um gabinete de curiosidades do séc. XIX reinterpretado, no qual o passado se encontra com o futuro, expõe-se uma seleção estruturada de objetos, imagens, ilustrações e mapas que representam a origem dos museus de história natural e servem de cenário à representação visual de algumas das mais Especiação – o processo de formação de novas espécies tomando a evolução dos lagomorfos, e, em particular, a história do Coelho de Porto Santo, como exemplo (2018, MHNC-UP©, fotografia da Equipa do MHNC-UP).
importantes rotas de navegação e migração, expedições naturalistas, padrões de domesticação e movimentos de expansão e mobilidade humana, animando-se numa tela esférica, afinal gigantesco globo terrestre interativo. Finalmente, completando o ciclo que se iniciou na árvore da vida, o circuito expositivo culmina com a abordagem da biodiversidade humana, trabalhada quer do ponto de vista biológico, quer do ponto de vista cultural.
A sequência de exploração desta narrativa é perfeitamente flexível, o que oferece aos visitantes infinitas opções de interação, esperando-se que, após cada iteração, estes fiquem maravilhados perante a biodiversidade e se sintam impelidos a agir a favor da sua preservação. Em suma, através dos textos, imagens, instalações e módulos da Galeria da Biodiversidade, os visitantes percorrem uma floresta de metáforas e estímulos, em que tudo o que veem, tocam e sentem é também expressão de uma realidade mais ampla que aqui se encontra concentrada. E as mensagens veiculadas, explícita e implicitamente, acompanham-nos, ganhando forma, tornando-se consciência.
Diversidade humana – diversidade cultural: a evolução da linguagem (2018, MHNC-UP©, fotografia da Equipa do MHNC-UP).
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UM MUSEU AO SERVIÇO DOS SEUS PÚBLICOS O programa de oferta educativa da Galeria da Biodiversidade encontra-se estruturado em: visitas guiadas temáticas; atividades escolares (incluindo projetos longitudinais); oficinas; atividades sazonais; seminários e debates; iniciativas de “citizen science”; cursos de formação de professores; eventos temáticos; iniciativas para segmentos específicos (idosos, crianças, famílias, investigadores, entre outros). Esta oferta é promovida em colaboração com diversas entidades, que incluem outros museus, centros de investigação, universidades, autarquias e a rede nacional de centros Ciência Viva, bem como no âmbito de iniciativas e programas nacionais e internacionais.
Visitas guiadas personalizadas. A oferta educativa da Galeria da Biodiversidade privilegia as visitas temáticas orientadas para grupos e adaptadas às suas caraterísticas, necessidades e expectativas. Os guiões de visita variam e podem incluir diferentes seleções de módulos e espaços explorados segundo roteiros pensados para grupos específicos. As visitas guiadas são marcadas antecipadamente e têm limite de participantes (ca. 20-25), de modo a permitir controlar a qualidade da experiência.
Uma nova estratégia de mediação. As dinâmicas de interação com o público na Galeria da Biodiversidade obedecem a uma nova estratégia de mediação assente na presença permanente, mas discreta, de guias em todas as áreas de exposição. Cabe a esta equipa profissional, competente, experiente e altamente qualificada em áreas científicas, artísticas e literárias, fazer uma primeira apreciação, em tempo real, do perfil dos visitantes, a qual determina a forma de abordagem dos mesmos. Por exemplo, evitando qualquer tipo de aproximação intrusiva, os guias entram em contacto sempre que detetam alguém que parece interessado, curioso ou confuso, e iniciam uma conversa descontraída e amigável, privilegiando questões, partilhando curiosidades e convidando os visitantes a interagir. Apesar de perfeitamente capazes de aprofundar discussões, os guias estão também preparados para, sempre que identifiquem visitantes que apreciam uma exploração autónoma, sem interferência, facultar apenas a quantidade essencial de informação necessária para que estes usufruam ao máximo do espaço, ao seu ritmo e de acordo com as suas preferências. Orientam, mas não se impõem.
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Participação interativa do público. Como já referido, a exposição permanente é significativamente interativa, com módulos que reagem física e digitalmente às ações desencadeadas pelos visitantes, produzindo efeitos visuais, olfativos, táteis e acústicos. Em particular, dois destes módulos permitem aos visitantes brincar com as suas características físicas, fazendo um autorretrato que é processado através de vários filtros e que pode imediatamente ser partilhado por e-mail ou através das redes sociais. Na sala dedicada à especiação, uma escultura hiper-realista de Charles Darwin aguarda por um visitante com quem possa encetar uma interessante conversa. Na sala dedicada à biodiversidade humana, na sua dimensão biológica, encontra-se a parede humana mais colorida de sempre, repleta de retratos de pessoas de todo o mundo. Neste enorme mosaico, apenas dois espaços foram deixados em branco, convidando os visitantes a descobrir o seu lugar no “pantone“ humano. As opções são infinitas. No entanto, o aspeto mais importante a reter é o facto de que todas essas soluções interativas foram planeadas para induzir o envolvimento cognitivo e emocional dos visitantes, para além da interação social. A maioria dos módulos interativos é apresentada sob a forma de jogo ou desafio, intencionalmente com muito poucas instruções, exigindo que os visitantes recorram à sua capacidade de observação, arrisquem e comuniquem uns com os outros para aproveitar ao máximo a sua experiência. É completamente possível explorar a exposição por si próprio, mas os convites para a colaboração são muitos e, mesmo, irresistíveis.
Educação e entretenimento. Por todas as razões já elencadas, e independentemente da relevância do principal tema que aborda, a Galeria da Biodiversidade é um espaço que propicia experiências lúdicas, o que o torna particularmente estimulante para um público mais jovem. Este aspeto é bastante interessante, tendo em conta que as opções tomadas em termos do design da componente expositiva fazem com que este equipamento pareça ser primordialmente dirigido a adultos. Será, talvez, o pulsar entre assombro, reflexão e súbita compreensão proporcionado pelos seus módulos e instalações que faz com que este espaço seja tão apreciado por crianças e jovens. A verdade é que o grau de entusiasmo sentido pelos visitantes faz com que até os adultos se esqueçam de ser sérios e recuperem algum do deslumbramento típico da infância. Na Galeria da Biodiversidade, educação e entretenimento andam de mãos dadas: a exposição e as atividades paralelas, para além de uma preocupação educativa, têm como propósito promover uma sensação de bem-estar que predisponha os visitantes a tirar partido das interações que aqui estabelecem.
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DESAFIOS PARA UM FUTURO QUE COMEÇA HOJE
“A transcendência de um museu não se mede a partir do número de visitantes, mas sim através dos quilos de conservação que este gera, antes, durante e após a visita.” Jorge Wagensberg 10
Neste momento, a Galeria da Biodiversidade ocupa já um lugar especial na paisagem cultural regional, nacional e internacional. O volume de público mobilizado por este equipamento é bastante encorajador (ca. 60.000 visitantes/ano), embora o facto de ser tão recente não reflita ainda o seu verdadeiro impacto. Não obstante, mesmo interpretando estes resultados como tendências, verifica-se que existe ainda alguma margem para expansão. De notar que a abertura ao público desta unidade do MHNC-UP teve também um impacto positivo no volume de visitantes do Jardim Botânico do Porto. Desde o início da conceptualização da Galeria da Biodiversidade que foi equacionada a necessidade de caraterizar e auscultar os seus públicos. Como tal, estão em curso diversos estudos de públicos, desenvolvidos em parceria com instituições como a Porto Business School, as Faculdade de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto, e as Universidades do Minho e de Exeter, esta última no Reino Unido. Para além disso, está também em fase de delineação um observatório de públicos através da análise de testemunhos deixados nas redes sociais e no livro de visitas. Do ponto de vista qualitativo, os dados recolhidos até ao momento são muito positivos, demonstrando um acompanhamento permanente pelo público das várias iniciativas promovidas pela Galeria da Biodiversidade. Por sua vez, pelas imagens e comentários partilhados em plataformas como o “Facebook”, “Google” e, sobretudo, “Instagram”, é possível perceber que os visitantes tiram fortemente partido das experiências proporcionadas por este equipamento do MHNC-UP, encontrando muitas vezes novas e inesperadas formas de as diversificar. Portanto, são os próprios visitantes que têm vindo a atuar como embaixadores da Galeria da Biodiversidade, partilhando de forma sincera aquilo que mais e menos lhe agrada. Estes preciosos canais de comunicação já abertos e de uma autenticidade insubstituível continuarão a ser estimulados e valorizados. O principal desafio que, a médio prazo, se coloca à Galeria da Biodiversidade passa pela fidelização e diversificação dos seus públicos, em particular através da oferta de um programa cultural cada vez mais rico e variado.
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BIBLIOGRAFIA
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5
Idem
and Archive on the Move: Changing Cultural Institutions in the Digital
6
WAGENSBERG Jorge - La revolución de linguaje museográfico.
Era. Berlin: De Gruyter, 2017.
THEMA, La revue des Musées de la civilisation. 2 (2015) 118-127. 7
HAND Ciara - Engaging Visitors in Natural History Museums: A Nemo
HAND Ciara - Engaging Visitors in Natural History Museums: A Nemo - The
- The Learning Museum Group Report. Germany: NEMO - Network of Eu-
Learning Museum Group Report. Germany: NEMO - Network of European
ropean Museum Organisations, 2019
Museum Organisations, 2019
(disponível em https://www.ne-mo.org/fileadmin/Dateien/public/
(disponível em https://www.ne-mo.org/fileadmin/Dateien/public/NEMO_
NEMO_documents/NEMO_LEM_Report_2019_Engaging_Visitors_
documents/NEMO_LEM_Report_2019_Engaging_Visitors_Nat-History_
Nat-History_Museums.pdf)
Museums.pdf)
8
ANDRESEN, Teresa; ANTUNES, Ana Catarina (Eds.) – Jardim Botânico
TERRADAS Arquitects; WAGENSBERG, Jorge - Cosmocaixa: The Total Mu-
do Porto. 150 anos de culto pelas plantas. Porto: Arte e Ciência - Univer-
seum: Through Coversation Between Architects and Museologists. Barce-
sidade do Porto, 2018.
lona: Sacyr Sal, 2006.
9
WAGENSBERG, Jorge - The Hypercubic Showcase of Sudden Under-
standing (Opinion). Museum Practice. 47:11 (2009). WAGENSBERG, Jorge - The Hypercubic Showcase of Sudden Understand-
10 WAGENSBERG, 2015 Obra citada.
ing (Opinion). Museum Practice. 47:11 (2009).
WAGENSBERG Jorge - La revolución de linguaje museográfico. THEMA, La revue des Musées de la civilisation. 2 (2015) 118-127.
M E DI AÇÃO CULTUR A L : OBJ E TOS, M ODE LOS E PÚBL ICOS
207
A28
IC28
Ponte da Barca
A27
N103
A3
Mosteiro de São Martinho de Tibães Braga GPS 41.555895, -8.479021
1
N103
Braga
Barcelos
Museu de Alberto Sampaio Guimarães GPS 41.442609, -8.292255
A11
A11
2
A7
Guimarães 10
A7 A28
A3
Lousada
Casa da Arquitetura
A11
Matosinhos GPS 41.178405, -8.686878
6 7 Casa da Música
A4
Marco de Canaveses
Porto GPS 41.158761, -8.630723
Porto
8 Teatro Nacional São João
Porto GPS 41.144612, -8.607457
A1
9 Galeria da Biodiversidade
Porto GPS 41.153633, -8.642540
Fundação de Serralves
Porto GPS 41.159728, -8.659930
A1
A25
Aveiro
A25
N103
Chaves N103
A24
A24
7 A24
A4
Vila Real A4
Museu do Douro
Peso da Régua GPS 41.161646, -7.789954
4 Peso da Regua
São João da Pesqueira
Lamego rio Douro
A24
5 Tarouca
Fundação Côa Parque - Museu do Côa
Vila Nova de Foz Côa GPS 41.080006, -7.111904
IP2
A24
A25
1
2
Mosteiro de São Martinho de Tibães
Museu de Alberto Sampaio
Fundação de Serralves
Mosteiro de São Martinho de Tibães, Braga: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©).
Museu de Alberto Sampaio, Guimarães: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©).
Fundação de Serralves, Porto: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©).
Fundado no século XI, o Mosteiro de São Martinho de Tibães atingiu o seu máximo esplendor nos séculos XVII e XVIII. Tornou-se em 1567 a Casa-mãe da Congregação Beneditina dos Reinos de Portugal, estatuto que manteve até à sua extinção em 1834. Após o encerramento, a atividade religiosa manteve-se até aos nossos dias, ficando a igreja, a sacristia e o claustro do cemitério em uso paroquial. As restantes áreas do edifício e a cerca conventual foram vendidas a privados. Na sua posse permaneceram até 1986, altura em que foram adquiridas pelo Estado Português. O conjunto monástico atualmente existente, classificado desde 1944, tem sofrido nas últimas décadas obras de restauro e reabilitação. Para além sua da função cultural e educativa, o mosteiro ainda mantem a função cultual e a de acolhimento, esta última desenvolvida por uma comunidade religiosa, responsável pela gestão de uma hospedaria e de um restaurante.
Situado em pleno Centro Histórico, o Museu de Alberto Sampaio integra o principal percurso turístico da cidade e impõe-se como espaço obrigatório de visita. Ocupa o local onde a condessa Mumadona Dias, no século X, mandou construir um mosteiro. No século XII transformou-se em Colegiada e, em 1928, foi criado este museu para albergar o espólio artístico da extinta Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e de outras igrejas e conventos de Guimarães e do norte de Portugal. Assim, o Museu de Alberto Sampaio é essencialmente constituído por coleções de arte sacra: ourivesaria, pintura, escultura, talha e têxtil. Integra nas suas coleções 12 Tesouros Nacionais, sendo de destacar o emblemático “Loudel” e o magnífico presépio em prata dourada oferecidos por Dom João I a Santa Maria da Oliveira, em agradecimento pela vitória na Batalha de Aljubarrota. Este Museu distingue-se, também, por ser o único no país a possuir uma sala de pintura “a fresco” como parte integrante da sua exposição permanente.
A Fundação de Serralves é uma instituição cultural de âmbito internacional ao serviço da comunidade nacional, que tem como missão estimular o interesse e o conhecimento de públicos de diferentes origens e idades pela Arte Contemporânea, pela Arquitetura, pela Paisagem e por temas críticos para a sociedade e seu futuro, fazendo-o de forma integrada, com base num conjunto patrimonial de exceção. Localizada na cidade do Porto, a Fundação é detentora de um valioso património histórico e cultural, composto pelo Museu, um projeto do arquiteto Álvaro Siza, vencedor do prémio Pritzker em 1992, pela Casa de Serralves, um exemplar único da arquitetura “Art Déco”, pela Casa do Cinema Manoel de Oliveira, também da autoria do arquiteto Álvaro Siza, e pelo Parque, desenhado pelo arquiteto francês Jacques Gréber, galardoado em 1997 com o prémio "Henry Ford Prize for the Preservation of the Environment” e no qual foi construído o “Treetop Walk”, um percurso, num nível elevado face ao solo, junto à copa das árvores, que permite uma experiência impactante de observação e estudo da Biodiversidade do Parque de Serralves.
Braga GPS 41.555895, -8.479021 www.culturanorte.gov.pt
210
3
Guimarães GPS 41.442609, -8.292255 www.culturanorte.gov.pt
Porto GPS 41.159728, -8.659930 www.serralves.pt
C EN T RO S I N T ERP RETAT I VO S : TÉCNICA S, E SPAÇOS, CONCE ITOS E DISCUR SOS
4 Museu do Douro
5
6
Fundação Côa Parque - Museu do Côa
Casa da Arquitetura
Museu do Douro, Peso da Régua: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©).
Museu do Côa, Vila Nova de Foz Côa: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©).
Casa da Arquitectura, Matosinhos: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©)
O Museu do Douro foi criado em 1997 como museu de território, polivalente e polinuclear, estando instalado no edifício da antiga Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. A sua gestão é da responsabilidade da Fundação Museu do Douro, fundação pública desde 2015, acompanhando a reestruturação da lei das fundações. No cumprimento da sua missão, o Museu do Douro preserva, estuda, expõe e interpreta objetos materiais e imateriais representativos da identidade, da cultura, da história e do desenvolvimento do Douro, independentemente da época histórica, de vários tipos e fabricos, com especial incidência nos elementos associados à vitivinicultura. O Museu do Douro assume o papel que lhe cabe na formação de valores culturais, em articulação ativa com os demais agentes e instituições, promovendo não só uma função educacional de divulgação e contextualização da cultura e história da região, mas sobretudo, proporcionando experiências capazes de motivar a participação e o envolvimento ativo da comunidade.
A Fundação Côa Parque foi criada para gerir a arte rupestre classificada como Património Mundial pela UNESCO, o Museu e o Parque Arqueológico do Vale do Côa. A arte rupestre do Vale do Côa é constituída por mais de 1.300 rochas decoradas ao ar livre, agrupadas em 95 núcleos, metade dos quais com arte paleolítica. Há ainda arte da PréHistória Recente, Idade do Ferro e de épocas históricas. Os sítios inventariados integram a área protegida do Parque Arqueológico do Vale do Côa, com uma superfície de cerca de 20.000 hectares onde, para além da arte rupestre, encontramos outros vestígios pré-históricos e históricos, como sejam ruínas romanas ou castelos medievais. O Museu do Côa é um grande museu que procura contextualizar do ponto de vista discursivo a longa diacronia da arte rupestre do Vale do Côa, funcionando como verdadeira porta de entrada para o Vale.
Centro Português de Arquitectura criado em 2007 em Matosinhos, é uma entidade sem fins lucrativos que tem vindo a afirmar-se no universo da criação e programação de conteúdos e arquivo para a divulgação nacional e internacional da arquitetura junto da sociedade. A Casa é uma entidade cultural sem fins lucrativos em cuja Direção estão representadas as seguintes entidades: Câmara Municipal de Matosinhos, Câmara Municipal do Porto, Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Ordem dos Arquitetos, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Administração dos Portos do Douro e Leixões e Associação Empresarial do Porto. É presidente da Casa da Arquitectura o Dr. José Manuel Dias da Fonseca e Diretor-executivo o arquiteto Nuno Sampaio. A sua ação envolve não só arquitetos, mas pessoas e entidades de várias áreas culturais e sociais que incentivam e patrocinam a missão em que acreditam, no interesse público da arquitetura.
Peso da Régua GPS 41.161646, -7.789954 www.museudodouro.pt
Vila Nova de Foz Côa GPS 41.080006, -7.111904 www.arte-coa.pt
Matosinhos GPS 41.178405, -8.686878 www.casadaarquitectura.pt
C EN T ROS INTE R PR E TATIVOS: TÉCNICA S, E SPAÇOS, CONCE ITOS E DISCUR SOS
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7
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Casa da Música
Teatro Nacional São João
Galeria da Biodiversidade
Casa da Música, Porto: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©)
Teatro Nacional São João, Porto: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©)
Galeria da Biodiversidade, Porto: Visita virtual através de fotografia 360º (2020, DETALHAR©)
A origem da Casa da Música remonta a 1998, com as cidades de Porto e Roterdão escolhidas como Capitais Europeias da Cultura para 2001. Nascia o projeto arquitetónico de Rem Koolhaas, “um eco fora do comum” que resultou da solução apresentada pelo Office for Metropolitan Atchitecture. Inaugurada oficialmente em abril de 2005, a Casa da Música constitui-se como um ambicioso projeto artístico e cultural, mas também educativo e social, com sede no primeiro edifício construído em Portugal exclusivamente dedicado à música. Prossegue a sua missão de celebrar artistas, compositores, músicos, novas e tantas músicas: da clássica ao jazz, do fado à eletrónica, da grande produção internacional a projetos mais experimentais. Hoje é considerada um ícone arquitetónico e cultural inconfundível, de grande projeção internacional. Uma Casa que é palco para tantas formas musicais quantos os ângulos e as cores, intermináveis, que a definem.
Monumento Nacional, o Teatro São João sucede ao Real Theatro, datado do final do séc. XVIII e destruído por um incêndio em 1908. Fruto da iniciativa dos cidadãos do Porto, foi projetado por José Marques da Silva e inaugurado em 1920. Funcionou como teatro lírico durante os primeiros anos, sendo depois convertido em cinema. Em 1992, foi adquirido e reabilitado pelo Estado, que nele instalou o primeiro Teatro Nacional criado no Portugal democrático. Sob a direção de Ricardo Pais, afirmou-se como um projeto artístico vibrante e uma estrutura teatral de excelência, conjugando a divulgação dos grandes repertórios dramáticos e a atualidade das linguagens de cena. A par de uma relação forte com a realidade artística da cidade e do País, o São João fomenta uma parceria exigente com o panorama internacional, pertencendo à União dos Teatros da Europa. A sua estrutura integra ainda o (também centenário) Teatro Carlos Alberto e o Mosteiro de São Bento da Vitória, Monumento Nacional do século XVII.
Um espaço fora do tempo onde a ciência se cruza com a arte e a literatura, a Galeria da Biodiversidade – Centro Ciência Viva convida-nos a celebrar a diversidade da vida e a conhecer os processos evolutivos que a modelam. Instalada numa bela casa oitocentista, alberga uma singular seleção de objetos reais integrados em instalações artísticas, módulos interativos e elegantes esculturas, todos produzidos especificamente para dar corpo a uma narrativa aliciante e plena de sentido. A par do emblemático Jardim Botânico do Porto, a Galeria da Biodiversidade integra o Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto. A mediação cultural aqui promovida é ampla e diversificada, e contempla uma oferta dirigida a todos os públicos, desde as famílias à comunidade científica, passando pelos públicos escolar, infantojuvenil e sénior.
Porto GPS 41.158761, -8.630723 www.casadamusica.pt
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9
Porto GPS 41.144612, -8.607457 www.tnsj.pt
Porto GPS 41.153633, -8.642540 https://mhnc.up.pt/galeria-dabiodiversidade/
C EN T RO S I N T ERP RETAT I VO S : TÉCNICA S, E SPAÇOS, CONCE ITOS E DISCUR SOS
PA RC E R I A
DISPONÍVEL ONLINE www.culturanorte.gov.pt