N º 02 . 2019
www.culturanorte.gov.pt
Edição Direção Regional de Cultura do Norte .
A PINTURA MURAL NO MUSEU DE ALBERTO SAMPAIO
PAULA BESSA é licenciada em História, variante de Arte e Arqueologia, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Mestre pela Universidade de Lancaster, Reino Unido e Doutorada em História, área científica de História da Arte, pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. É Professora do Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. Entre 2008 e 2010 foi Diretora do Curso de Licenciatura em História da Universidade do Minho. Desde 2016 é Diretora do Curso de Mestrado em Património Cultural. É investigadora do CECS (Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade) e foi colaboradora da Linha de Investigação “Arte e Património no Norte de Portugal”, dirigida pela Professora Catedrática Doutora Natália Marinho FerreiraAlves (CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade). É autora de múltiplos estudos, alguns dos quais são consultáveis on-line no repositoriUM da Universidade do Minho e no academia.edu.
Agradeço à Doutora Isabel Fernandes, Diretora do Museu de Alberto Sampaio, o interesse que sempre demonstrou pelos meus estudos sobre pintura mural e que está na origem deste livro. Agradeço ao Doutor Luís Sebastian o seu excecional trabalho de edição deste livro, paciente, empenhado - muito para além do estritamente necessário – e de grande rigor. Agradeço as conversas sobre pintura mural sempre profícuas aos meus amigos e colegas Professora Catedrática Doutora Lúcia Maria Cardoso Rosas, também minha orientadora de Doutoramento, Doutora Catarina Valença Gonçalves e Doutor Joaquim Inácio Caetano. Agradeço à Professora Catedrática Doutora Natália Marinho Ferreira-Alves ter-me integrado na Linha de Investigação em História da Arte que dirigiu e ter-me acolhido nos Congressos de História da Arte por si organizados e que sempre foram ocasiões de grande enriquecimento científico e humano, oportunidades para conhecer colegas notáveis que se tornaram valiosos parceiros de conversas de investigação e estimados amigos como o Doutor Manuel Engrácia Antunes, a quem agradeço valiosas sugestões.
2
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Dedico este livro aos meus grandes companheiros de trabalho de campo que comigo andaram por montes e vales, no pico do inverno e no ardor do verão, e em todo o tipo de meios de transporte menos o carro que não conduzo, o meu filho, Pedro Bessa Rangel Pamplona Santos Henriques, a minha Mãe, Leonor Tavares de Azevedo, e os meus amigos António Girão e Nininha Gomes de Almeida.
Paula Bessa
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
3
F ICH A T ÉCN I C A Coleção Património a Norte N.º 02 Título A PINTURA MURAL NO MUSEU DE ALBERTO SAMPAIO Autor Paula Bessa Edição Direção Regional de Cultura do Norte – Ministério da Cultura Local de edição Porto Data de edição 2019 julho ISBN 978-989-54450-1-1 Direção António Ponte Coordenação editorial Luís Sebastian Revisão Luís Sebastian Alexandre Martins Fotografia Miguel Sousa José Pessoa Design gráfico Companhia das Cores, Lda.
Disponível online em www.culturanorte.gov.pt Apoios DGPC – SIPA Câmara Municipal de Aveiro - Museu de Aveiro / Santa Joana
Os conteúdos dos textos e eventuais direitos das imagens utilizadas são da exclusiva responsabilidade do(s) respetivo(s) autor(es), quando aplicável.
APOIO
INDÍCE
PATRIMÓNIO A NORTE
6
EDITORIAL
8
INTRODUÇÃO
11
SALVADOR
21
LAVA-PÉS, LAMENTAÇÃO SOBRE JESUS MORTO E
31
DEPOSIÇÃO DE JESUS NO TÚMULO
MARTÍRIO DE SÃO SEBASTIÃO E SAGRADA FAMÍLIA
39
DEGOLAÇÃO DE SÃO JOÃO BATISTA
43
BATISMO DE JESUS
53
TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS
68
SÃO BERNARDO E SÃO BENTO
73
CONCLUSÃO
81
BIBLIOGRAFIA
83
NOTAS
85
PAT R I M Ó N I O A N O R T E A “batalha” pela conservação da nossa Herança Cultural é intransigente e ininterrupta. Na área do património material, o maior peso recai sobre o nosso património histórico construído, que ao arquitetónico associa quase invariavelmente o artístico na sua forma de “Património Integrado”. Este desdobra-se nas mais variadas formas, do mobiliário à escultura, da talha ao azulejo, da ourivesaria à pintura de cavalete ou retabular. Tantas vezes bastiões na salvaguarda desta herança, é sintomático a maior parte dos museus da primeira República terem surgido exatamente com e para a conservação de edifícios históricos e seus acervos. Com isto passaram igualmente a desempenhar um papel impossível de dissociar não só na conservação, mas igualmente na divulgação e mediação deste património.
Neste universo sempre tão complexo e difícil de reduzir a esquematizações simples, a pintura mural surge quase como uma espécie de elemento aglutinador. É Arte, é pintura. É decorativo ou devocional consoante o seu contexto profano ou religioso. É na sua natureza imóvel e indissociável da obra arquitetónica a que se justapõe. É “Património Integrado”. Por vicissitudes da própria evolução da prática da conservação patrimonial, foi por vezes destacada dos seus lugares de origem e tornada Obra de Arte pintada e móvel. Em termos da sua conservação tem o seu destino preso à obra arquitetónica e depende da conservação desta. A sua frágil “tela” de argamassa e gesso é das de mais complexa preservação, talvez apenas ultrapassada pela ainda maior fragilidade da sua camada pictórica final. Tudo isto faz sem dúvida da pintura mural uma das manifestações culturais mais icónicas no universo da preservação patrimonial, justificando a especial atenção que aqui lhe damos, abordada em tantas das suas diferentes vertentes, tendo por fio condutor a coleção de pintura mural no Museu de Alberto Sampaio.
António Ponte Diretor Regional de Cultura do Norte
6
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Os Museus são locais de caminhos muitos, despertando os nossos sentidos de variados modos. Nos museus o olhar conduz ao sentir. E, se bem que não possamos tocar nas peças, elas tocam-nos. As coleções são variadas – na forma, no material, na cor, na textura – bem como variado é o modo de expor. Num museu, as obras de arte podem ser tipificadas de diferentes modos, por exemplo, por cronologia, por período artístico, por área temática, por material. E, todos estes “modos de ler” podem constituir objeto de estudo particular. Sim, porque na missão de qualquer museu está implícita a investigação e a divulgação das suas coleções. É-nos por isso grato ver editar um livro sobre a pintura mural destacada existente no acervo do Museu de Alberto Sampaio, o único museu português que dispõe, no seu percurso de exposição permanente, de um conjunto de 8 pinturas murais destacadas do século XVI. Hoje, no contexto do Museu, estas pinturas murais, destacadas das grossas paredes de granito de várias igrejas do norte do País, estão dispostas como se de quadros se tratassem. No Museu, estas pinturas murais perderam o seu significado original, no entanto, ganharam outros sentidos, outras leituras, despertando no visitante o interesse por uma arte que teve em séculos passados usos hoje perdidos. Nesta publicação, este conjunto de pintura mural destacada ganha outros sentidos, ganha outras leituras e propicia um conhecimento mais aprofundado desta arte, dos seus cultores e dos locais de onde vieram.
Isabel Fernandes Diretora do Museu de Alberto Sampaio
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
7
EDITORIAL Pretendendo a iniciativa editorial PATRIMÓNIO A NORTE contribuir para dar resposta à função Social da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), enquanto responsável por contribuir para a preservação, valorização e acesso à Cultura Portuguesa, o seu N.º 1, intitulado “10 anos de reflexão sobre Casas-Museu em Portugal”, tentou sintetizar 9 anos de encontros de reflexão e debate sobre o tema, realizados em Portugal desde 2010 sob a égide do ICOM - International Council of Museums – Portugal e o DEMHIST – International committee for historic house museums, debruçando-se sobre conceitos, técnicas e problemáticas associadas à museologia, gestão e significado, presente e futuro, das Casas-Museu, contando para isso com a participação de vários autores de Portugal, Brasil e Itália, convidados entre várias instituições de referência na área. Neste N.º 2, intitulado “A pintura mural no Museu de Alberto Sampaio”, da autora Paula Bessa, a coleção PATRIMÓNIO A NORTE dá especial enfoque às suas funções Educativa e Científica, ao apresentar com rigor científico e de forma acessível o estudo da coleção de pintura mural de século XVI do Museu de Alberto Sampaio, em Guimarães. Inicialmente pintadas em paredes de igrejas e casas religiosas, o destacamento destas pinturas murais dos seus locais originais e posterior integração no Museu de Alberto Sampaio, enquanto peças museológicas, é aqui o mote para uma abordagem ampla aos seus contextos de proveniência e à sua integração no panorama geral da pintura mural no Norte de Portugal, abordando técnicas, estilos, oficinas, encomendadores e as lógicas religiosas e de poder por trás da sua produção e do seu significado. Sendo sempre e inevitavelmente fruto de um alargado esforço conjunto, este N.º 2 da coleção PATRIMÓNIO A NORTE - “A pintura mural no Museu de Alberto Sampaio” - foi particularmente dependente da contribuição de muitos, especialmente no que diz respeito à obtenção e produção das imagens. Neste ponto impõe-se uma especial palavra de agradecimento aos técnicos do Museu de Alberto Sampaio, Miguel Sousa e Luís Peixoto, pelo vasto registo fotográfico realizado em mais de uma dezena de igrejas e casas religiosas dispersas pela região Norte. Ainda a este nível, agradecemos à técnica do Museu de Alberto Sampaio, Natália Andrade, e a todos aqueles que localmente tornaram possível o acesso às pinturas murais registadas fotograficamente: - Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca:
Padre Filipe Sá e Alípio Silva Pereira.
- Igreja de São Martinho de Penacova, Felgueiras:
Padre Luis Ferreira e Manuel Sidónio.
- Igreja de São Mamede de Vila Verde, Felgueiras:
Padre Joaquim Pinto Carneiro da Costa e Joaquim Costa.
- Igreja de Santa Marinha de Vila Marim, Vila Real:
8
Padre Horácio José Botelho Pereira.
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
- Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, Felgueiras:
Manuel Horácio Alves Gomes e Teresa Monteiro.
- Convento de São Francisco de Guimarães, Guimarães:
André Morais.
- Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, Vila Real:
Padre Márcio Martins e Bruno Santos.
- Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves:
Padre José Guerra Banha.
- Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves:
Padre André Meireles e Clorinda Maria Teixeira.
- Igreja de São Tiago de Folhadela, Vila Real:
Padre Manuel Vicente Morais e Maria da Graça Morais Alves.
- Capela de São Brás da Igreja de São Dinis de Vila Real, Vila Real:
Padre Manuel Coutinho e Maximiano Branco.
- Igreja de São Salvador de Fontarcada, Póvoa do Lanhoso:
Padre Salvador de Vasconcelos Mota e Maria Arminda.
- Igreja de São Paio de Midões, Barcelos:
Padre Pedro António Sampaio Lino e Maria Ermelinda Carpinho. Em questões de inventário agradecemos a supervisão de Maria José Meireles, do Museu de Alberto Sampaio. No acesso aos registos fotográficos da extinta Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) é de destacar a disponibilidade da responsável Deolinda Folgado e dos seus técnicos, Tânia Olim e Pedro Barros, da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). A Alexandre Pais, do Museu Nacional do Azulejo, agradecemos o apoio na elaboração da ilustração realizada a partir do azulejo das olarias de Sevilha (n.º de inventário 35 az). À Câmara Municipal de Aveiro – Museu de Aveiro / Santa Joana agradecemos, na pessoa do seu responsável José António Christo, a disponibilização do registo fotográfico da pintura Tríptico do Salvador (n.º de inventário 4/A) Por fim, agradecemos a Alexandre Martins a colaboração na revisão e na elaboração dos textos complementares.
Luís Sebastian Coordenador editorial
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
9
1 INTRODUÇÃO M USEU D E ALBERTO SAM PA IO, GUI M AR Ã ES
Museu de Alberto Sampaio, Guimarães: Aspeto geral da “Sala dos Frescos” (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
O Museu de Alberto Sampaio, em Guimarães, é o único museu português que integra na sua exposição permanente uma coleção de pinturas murais do século XVI. Na verdade, o primeiro diretor deste museu, Alfredo Guimarães, pugnou pela defesa e restauro das pinturas murais que encontrou no concelho de Guimarães, dando um contributo inestimável para a preservação de um dos “frescos” que integra até hoje a coleção deste museu, a Degolação de São João Baptista, proveniente da sala do capítulo do Convento de São Francisco de Guimarães 1. Mais tarde, os diretores deste museu, a partir de 1977-78, entenderam integrar, expor e proceder à conservação de outros “frescos” que vieram das reservas do Museu Nacional de Arte Antiga e do instituto de restauro, então designado como Instituto José de Figueiredo, passando esta coleção a incluir pinturas destacadas das igrejas paroquiais de São Salvador de Bravães (Ponte da Barca), da capela-mor da igreja de São Salvador de Fontarcada (Póvoa de Lanhoso) e da nave da igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco (Chaves). Assim, a existência desta coleção de pinturas murais no Museu de Alberto Sampaio revela uma consciência precoce entre nós do valor artístico e histórico da produção de pintura mural. O aumento contínuo de casos inventariados de pinturas murais e de estudos sobre elas, desde o final do século XIX, ao longo do século XX e já no século XXI, significa que, atualmente, no âmbito dos estudos de História da Arte e de instituições de defesa do património cultural, não há hoje qualquer dúvida sobre o imenso valor patrimonial da pintura mural, quer pela sua antiguidade, quer pelo quanto documentam formas de cuidar os espaços sacros, motivações religiosas (devocionais, didáticas, figuração de narrativas lembradas ao longo do calendário litúrgico, etc., ou uma combinação de vários destes aspetos) e, ainda, os percursos do gosto e da própria evolução do labor de mestres e suas oficinas. É, contudo, aqui necessário um esclarecimento prévio relativamente ao uso da palavra “fresco”. Os estudos técnicos até agora efetuados relativamente a pinturas murais no Norte do país parecem indicar que, nos séculos XV e XVI, era vulgar uma parte da pintura ser realizada sobre o reboco ainda fresco (daí a designação “pintura a fresco”), reboco esse que, ao secar, fixava a pintura (o que lhe dá um grande potencial de durabilidade). Contudo, parece ter sido também frequente que muitos acabamentos fossem já realizados depois do reboco (com pintura) secar, ou seja, muitos acabamentos teriam sido feitos “a seco” (mais vulneráveis ao desgaste do tempo, porque não ficaram “incorporados” no reboco), sendo consequentemente a técnica de feitura destas pinturas uma técnica mista, “a fresco” e “a seco” 2. Assim, as pinturas murais do Museu de Alberto Sampaio não são, no sentido literal e restrito, “frescos”, mas sim pinturas murais executadas a “fresco” e a “seco”, usando uma técnica mista. Por esta
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
13
razão, os investigadores atuais preferem usar a designação pintura mural (seja qual for a técnica usada) em vez de “fresco” (porque a pintura mural pode não ter sido executada exclusivamente a “fresco”) e, no texto que se segue, usaremos por isso mesmo a palavra “fresco” entre aspas altas, exatamente para lembrar que não se trata de pintura a “fresco” propriamente dita. Nos séculos XV e XVI, a pintura mural no Norte de Portugal apresenta ainda uma outra peculiaridade (que não se verifica noutras zonas do país nem noutras zonas europeias, como é o caso da Península Itálica): talvez devido à escassez de depósitos de calcário nesta região, e, consequentemente, de cal 3, há apenas uma camada de reboco (e não duas: uma primeira na qual se desenvolvia o trabalho preparatório e uma segunda sobre a qual se realizava a pintura sobre o reboco que permaneceria fresco, por secar, durante um dia) 4. Todas as pinturas murais expostas no Museu de Alberto Sampaio foram destacadas dos seus locais de origem e restauradas nos anos trinta do século XX ou durante a primeira metade deste, no contexto e na sequência de intervenções da responsabilidade da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), particularmente da Direção Regional dos Monumentos Nacionais - Norte (DRMN-N). Esses destacamentos faziam-se pelo método do “strappo” (o único de possível utilização no Norte, região na qual só se usava uma fina camada de reboco, como já referimos). Este método de destacamento de “frescos” consiste em aplicar-lhes uma cola e sobre ela um pano e, depois, arrancar o pano colado à pintura, o que, inevitavelmente, significava que a pintura assim arrancada da parede apresentaria lacunas. Depois de assim destacados, os “frescos” começaram por ser aplicados sobre telas, como fazia o Instituto Central de Restauro de Roma, com maus resultados, cá como lá, pelo que Abel de Moura preconiza a utilização de um novo suporte inalterável às variações atmosféricas (suporte rígido formado por placas de mazonite e um recheio de dufaylite) que, aliás, havia sido por si apresentado em 1952, por ocasião da 5ª Reunião Internacional do ICOM, em Lisboa, merecendo larga apreciação, incluindo a do diretor do Instituto Central de Restauro de Roma, Cesare Brandi. Na primeira metade do século XX, em Portugal como noutros países da Europa, foi comum recorrer-se aos destacamentos de pintura mural, usados como recurso para a sua preservação5. Hoje, consideramos essa prática completamente de evitar, uma vez que o destacamento, para além de causar sempre algum tipo de dano à pintura, afetando a sua integridade e o seu valor de autenticidade, retira a pintura do local a que foi destinada e com o qual se relaciona indissoluvelmente, isto é, a deslocação descontextualiza a pintura mural, alterando a perceção da sua proveniência e a possibilidade de apreender as suas motivações e intencionalidades que estão sempre ligadas ao local original, como se compreenderá melhor com o que diremos mais adiante.
14
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Como efetuar o estudo de pinturas murais? Para o estudo da pintura os historiadores de arte começam por proceder à análise das obras, identificando as correntes de gosto nas quais se integram e, assim, colocando hipóteses sobre a sua cronologia. Os historiadores de arte ambicionam muito especialmente encontrar um certo tipo de documentos - os contratos notariais - nos quais, perante um notário, o encomendador contrata um pintor para executar uma obra, definindo os materiais a usar, o que pintar, o prazo para a entrega da obra e o montante, condições e forma de pagamento. De certa forma, o contrato notarial responde a quase todas as questões que se colocam em primeiro lugar: quem mandou fazer, o que mandou fazer, quem fez, quando se fez, quanto custou. Não foi possível encontrar contratos notariais relativos a nenhuma das pinturas murais que se encontram no Museu de Alberto Sampaio. No entanto, e perante este obstáculo, há possibilidades de investigação documental que até talvez nos permitam compreender melhor o contexto que caracterizava a prática da pintura mural durante o período durante o qual se realizaram as pinturas aqui expostas, isto é, o século XVI. Haveria normas que determinassem a execução deste tipo de obras? Em cada diocese e arquidiocese, os prelados podiam promover reunião da clerezia (sínodo) e definir regras para a sua ação pastoral e cuidado das igrejas, o que, no seu conjunto, configurou as «Constituições Sinodais». E, de facto, para o caso da arquidiocese de Braga e para o período que nos importa agora, dispomos de «Constituições Sinodais» da responsabilidade dos arcebispos D. Diogo de Sousa e Infante D. Henrique. Neste aspeto, convém-nos considerar mesmo um tempo anterior, os finais do século XV. Assim, em 1477, o arcebispo de Braga D. Luís Pires reporta nas suas «Constituições Sinodais» verificar o “desenparo em que som postas quasy todallas egrejas e moesteiros do dicto arcebispado”, referindo que “E com tanto desprezo trauctam as egrejas e moesteiros e sanctuarios que muitas dellas mais parecem ja estrabarias de bestas e porcigõoes de porcos que templos de Deus” 6, ordenando que os mosteiros beneditinos tenham pinturas sobre madeira de São Bento e de São Bernardo e que os mosteiros de cónegos regrantes de Santo Agostinho tenham pinturas sobre madeira de Santo Agostinho, uma vez que verificava que “poucos moesteiros há em este arcebispado das dictas duas ordens que tenham ymagens dos dictos preciosos sanctos o que hé grande erro”. Cerca de 1506, o arcebispo de Braga D. Diogo de Sousa fez imprimir «Constituições Sinodais» para o seu arcebispado nas quais estabelecia que, nas igrejas paroquiais e de acordo com as suas rendas, deveria existir imagem (esculpida ou pintada) do seu santo padroeiro, colocada ao centro da parede fundeira das suas capelas-mores7. Se a ação de D. Luís Pires e de D. Diogo de Sousa evidencia a sua vontade de que se cuidassem os espaços sacros e de que aí se integrassem imagens pintadas ou esculpidas, prelados subsequentes como o Infante D. Henrique, especialmente no que diz respeito às igrejas paroquiais, continuarão a tomar medidas no sentido de reservar as igrejas para funções exclusivamente religiosas, proibindo que aí se realizassem «jogos, momos, cantigas nem bailhos [bailes], comedorias 8, recolhimentos de pam e vinho, lãa e linho e doutros fruytos e dízimos nas egrejas (...). E o que peyor hé aly fazem suas repartiçõoes e quinhõoes e lançam sortes com braados e perffiias e muitas
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
15
vezes com doestos e arroidos, os juizes seculares com pouco acatamento fazem audiências nas ygrejas e seus cimiterios: ouuindo hy os feytos cyveis e tambem crimes», proibindo-se que «nem os procuradores auoguem: nem os escriuães escreuam: nem façam pubricamente contractos de vendas: compras trocas: aforamentos: nem as escrituras dellas: nem feiras: nem mercados: nem camaras: consistorios ou concelhos (...)» 9. Assim, as «Constituições Sinodais» de D. Luís Pires de 1477 reportam o generalizado estado lamentável em que se encontravam as igrejas monásticas e paroquiais. D. Diogo de Sousa, cerca de 1506, ordena que se coloquem ao centro da parede fundeira da capela-mor imagens dos oragos (santos padroeiros) das igrejas e o grande esforço do Infante D. Henrique foi o de reservar o espaço das igrejas para uso exclusivamente religioso. As situações reportadas são de tal ordem que, por vezes, nos perguntamos qual a sua verdadeira extensão. Procurei então verificar se haveria delas ecos na documentação laica, por exemplo, nas leis do reino e, particularmente, nas Ordenações Afonsinas. E há. Claro que não bastava aos arcebispos regulamentar, era preciso também verificar o cumprimento – ou incumprimento – das regras. Para esse fim, efetuavam pessoalmente ou mandavam fazer «visitas» “no espiritual” (relativamente ao cumprimento dos deveres sacramentais e de serviços e comportamentos religiosos) e “no material” (relativamente ao estado de conservação das igrejas e de tudo o que era necessário para cumprir com zelo e dignidade os deveres pastorais). Dessas visitas resultavam registos escritos: as «Visitações». As «Visitações» do século XVI reportam o facto de que a manutenção e dotação das capelas-mores das igrejas paroquiais cabiam aos seus padroeiros ou, no caso destes aí apresentarem abades, aos seus abades, e a das naves cabia aos paroquianos 10. Estas «Visitações» indicam-nos também que os visitadores ordenavam, tal como constava das «Constituições Sinodais» de D. Diogo, a pintura do orago ao centro da parede fundeira das capelas-mores mas, por vezes, ordenavam também mais duas figurações ladeando o orago, de acordo com a vontade e devoção do padroeiro ou abade que as deveria pagar. Aos paroquianos, os visitadores sistematicamente mandam que figurem o Calvário com Nossa Senhora e São João Evangelista no topo do arco triunfal e que figurem santos nos quais tenham maior devoção de cada lado do arco triunfal, sobre os «altares de fora». Mas, em muitas igrejas, durante os séculos XV e XVI, quer abades e padroeiros (nas capelas-mores), quer paroquianos (no corpo das igrejas), individual ou coletivamente, mandaram fazer muito mais do que aquilo a que os visitadores dos prelados os obrigavam. Como podemos saber quem eram os padroeiros de uma igreja paroquial? Alguns arcebispos ordenaram a realização de indagações para apurar quem exercia esse direito de padroado, quanto é que cada igreja pagava pela visita arcebispal e, por vezes, reportam mesmo quem era o clérigo ao tempo. Destas indagações resultam os «Censuais». O padroeiro de cada igreja paroquial era quem tinha o direito de nomear o abade da igreja, nomeação a ratificar pelo prelado.
16
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Uma vez que o cuidado das capelas-mores, incluindo a encomenda de pinturas murais, cabia ou aos padroeiros ou aos abades, interessa-nos também saber qual o seu perfil. Para este fim dispomos de «Livros de Confirmações» e de «Livros de Registos de Títulos». Quando um prelado residia na sua diocese – no nosso caso, na arquidiocese de Braga – ordenava a criação de um livro no qual se iam registando os abades (e outros clérigos) nomeados para cada igreja, os que renunciavam ao seu cargo ou que morriam e os que os deviam substituir, tudo devidamente confirmado pelo prelado, isto é, constituía-se um «Livro de Confirmações», tal como fez, para o período em análise, D. Diogo de Sousa, arcebispo de Braga entre 1505 e 1532. Quando um prelado não tinha intenção de residir na diocese, ao menos, requeria que os abades apresentassem toda a documentação (os «títulos») que sustentava o seu exercício 11, daqui resultando a criação de um «Registo de Títulos». Assim mandou que se fizesse o arcebispo de Braga Infante D. Henrique que, sendo irmão do rei D. João III, não previa residir longamente em Braga. Estes dois tipos de documentação revelam-nos que filhos da nobreza e mesmo da nobreza titular, como aconteceu, por exemplo, com o filho do primeiro conde de Penela, D. Fernando de Meneses Coutinho, ou com o filho do primeiro conde de Portalegre, D. Miguel da Silva, não desdenhavam ser abades de igrejas paroquiais, mas que, pelo contrário, procuravam até ser abades de um considerável número de igrejas paroquiais. Porquê? Porque cada igreja paroquial tinha associado um conjunto de bens, casas, celeiros e, sobretudo, terras das quais se auferiam rendimentos para manutenção do abade e da própria capela-mor da igreja pela qual era responsável. Que documentos nos podem elucidar sobre os bens que estavam associados a cada igreja paroquial? O registo das propriedades pertença de cada igreja é o seu «Tombo».
Se se proceder a esta multifacetada pesquisa documental («Constituições Sinodais», «Censuais», «Livros de Confirmações», «Registos de Títulos», «Tombos» e «Visitações») podemos finalmente compreender melhor o contexto que, em cada igreja, rodeou a feitura destas pinturas murais. Uma conclusão é clara: esse contexto, na maioria das vezes, era muitíssimo diferente do atual. Na verdade, uma igreja que hoje nos parece pobre, longe dos centros de inovação cultural e de agentes culturais dinâmicos, poderia ser completamente diferente no século XVI, rica, com um abade que havia estado fora de Portugal e que se movimentava na corte, exposto ao que de mais novo por aí circulava e se estimava. Os programas de pintura mural desempenhavam um papel decorativo que, certamente, contribuía para enobrecer os espaços, mas, como se poderá depreender do que acima foi dito, as determinações de D. Luís Pires e de D. Diogo de Sousa evidenciam que a preocupação central destes prelados foi a de que aí se disponibilizassem imagens de santos de especial devoção
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
17
monástica ou paroquial. Ou seja, estas imagens constituíam-se como focos de devoção e, possivelmente, de práticas devocionais. Frequentes vezes, programas que ultrapassam as exigências que referimos parecem testemunhar a necessidade de figurações acompanhando especiais momentos do calendário litúrgico durante os quais se lembravam passos da vida de Jesus ou da Virgem Maria. Muitas vezes, programas mais extensos parecem indicar-nos que o encomendador pretendeu propor um “discurso” ainda mais complexo. Deveremos, portanto, olhar para os “frescos” do Museu de Alberto Sampaio percebendo que as suas motivações são primeiramente de carácter religioso, para além da importância do seu impacto como demonstração de opções de gosto, de escolhas estéticas e de enriquecimento decorativo. A coleção de “frescos” do Museu de Alberto Sampaio inclui pinturas destacadas da sala do capítulo do Convento de São Francisco de Guimarães e das igrejas paroquiais de São Salvador de Bravães (Ponte da Barca), de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco (Chaves) e da capela-mor da igreja de São Salvador de Fontarcada (Póvoa de Lanhoso). Por razões que discutiremos mais adiante, verifica-se que todas estas pinturas foram realizadas no século XVI, todas elas se enquadrando na arquidiocese de Braga. Todas as igrejas que referimos eram, na altura em que se realizaram estas pinturas, igrejas paroquiais. Este aspeto é importante na medida em que, como já vimos, «Visitações» do século XVI reportam o facto de que a manutenção e dotação das capelas-mores cabia aos seus padroeiros ou, no caso destes aí apresentarem abades, aos seus abades, e a das naves cabia aos paroquianos. Ao vermos os “frescos” da coleção do Museu de Alberto Sampaio, estes parecem apresentar-se-nos como “quadros”. Mas será que isso corresponde à sua intenção original? Será que apenas cabia aos pintores e oficinas que executavam pintura mural realizar “quadros”? A pintura mural faz-se… no muro. Ou seja, a pintura mural estabelece uma relação com o muro e com a arquitetura. Por vezes, quando se pintava um só santo ou uma só cena figurativa podia trabalhar-se ao modo de um “quadro”, fingindo até uma moldura de enquadramento que delimitava a figuração e a articulava com a parede e com outras pinturas que aí pudessem existir. Mas nem sempre era assim. Frequentemente pretendiam-se amplos programas para ocuparem toda uma parede ou até mais do que uma, o que colocava às oficinas de pintura mural toda uma série de problemas de conceção e de projeto que se não colocavam da mesma forma na execução de pintura retabular. As soluções encontradas para enquadrar pintura figurativa de santos ou de cenas narrativas são várias. Por exemplo, o programa estende-se do nível do pavimento até ao do teto, usando-se rodapés e molduras de enquadramento e fazendo-se extenso uso de motivos de ca-
18
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenor de “loggia” fingida (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
rácter decorativo 12, mas também podendo fingir-se panos de armar, retábulos e arquiteturas (“lógias” com seus rodapés e entablamentos, portais, etc.). A ideia norteadora deste trabalho, que agora se apresenta ao público, é a de integrar as pinturas murais da coleção do Museu de Alberto Sampaio nos programas em que se integravam originalmente. Sabendo o quanto as determinações dos encomendadores condicionavam o desenvolvimento das obras, teceremos também alguns comentários sobre a clientela das oficinas que realizaram as pinturas murais que integram a coleção deste museu. E, ainda que focando a nossa atenção nos “frescos” aqui conservados, procuraremos, tanto quanto possível, dar a conhecer ao leitor algumas outras obras das oficinas que os realizaram.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
19
2 SALVADOR I G REJA D E SÃO SALVAD OR D E BR AVÃ ES, P ON TE DA BARCA
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: “Bravães, primeiro S. Salvador (…), já destacado.” (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural© SIPA-Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00054281).
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Salvador, proveniente da capela-mor, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 5 (1996, DireçãoGeral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
22
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
A pintura do Salvador foi destacada nos anos trinta do século XX do centro da parede fundeira da capela-mor da igreja paroquial de São Salvador de Bravães, incluindo-se na primeira campanha de pintura mural que aí foi realizada. O tema – Jesus Ressuscitado, o Salvador – está de acordo com as «Constituições Sinodais» do Arcebispo de Braga D. Diogo de Sousa, de cerca de 1506, e que determinavam que as igrejas tivessem imagens dos seus oragos sobre os altares-mores, neste caso, o Salvador. Não conhecemos qual fosse o arranjo geral deste programa. Apenas sabemos que era acompanhado por um rodapé de quadrifólios, motivo que também acompanha as pinturas Martírio de São Sebastião e Nossa Senhora com o Menino sobre os altares de fora da nave, de cada lado do arco triunfal (e que ainda se conservam “in situ” na igreja de São Salvador de Bravães). Neste primeiro programa de pintura mural para a capela-mor, o Salvador aparece de pé, com túnica até aos pés e manto vermelhos, abençoando com a mão direita e segurando o orbe com a mão esquerda, na sequência da tradição das representações do Cristo Mestre e do Bom Deus 13. Na verdade, não há um tipo iconográfico único e específico para a figuração do Salvador: o Salvador é Jesus Cristo Ressuscitado 14. Não se sente aqui intenção de representação a partir de modelo vivo, isto é, trata-se de figuração de motivação conceptual. Assim, e como acontece nas outras obras atribuíveis a esta mesma oficina, o desenho é simples, aparentemente, bastante linear, embora se cuidem as expressões dos rostos, com seriedade melancólica, cujo olhar, no entanto, fixa o espectador - e o interpela – ainda que com doçura. Acompanhando o Salvador, conserva-se apenas em estado fragmentário uma legenda tão truncada na sua parte superior que não é possível lê-la. Mas, mais abaixo, lê-se: «E[ra?] (...)/ I b (...)», que podemos ler como “Era de mil quinhentos [e...]”; de facto, era assim que, na época, se escreviam as datas em documentos escritos em letra cursiva, o “I”, correspondendo a “1” e, quando em letra maiúscula “I”, a mil, e o “b” ou “b’”, correspondendo respetivamente a “5” ou “5’”, ou seja, a quinhentos. De facto, no Martírio de São Sebastião, realizado por esta mesma oficina no arco triunfal de Bravães, ocorre a data “Ibi”, isto é, 1501 15. Os paralelos de figuração entre os motivos de enquadramento e de carácter decorativo entre o Salvador e o Martírio de São Sebastião datado de 1501 são tão grandes que nos permitem pensar que a data de feitura deste Salvador não será diferente, ou não será muito diferente, da do Martírio de São Sebastião, ou seja, este Salvador deverá ter sido feito nos inícios do século XVI. Não nos deixemos iludir pela aparente simplicidade desta pintura do Salvador e, muito menos, pelo aspeto que atualmente apresenta, depois de a pintura ter sido destacada. Se considerarmos todo o conjunto de obras
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
23
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Pormenores do rodapé de quadrifólios da capela-mor (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
atribuíveis a esta oficina 16, verificamos que vários aspetos destas obras parecem indicativos de grande vontade - e capacidade - de atualização formal: o uso de enrolamentos nas barras de enquadramento, tal como em xilogravuras florentinas dos fins do séc. XV 17 (ainda que não sendo exatamente iguais); a utilização do motivo dos paralelepípedos perspetivados nos rodapés, um motivo também presente na azulejaria coeva; o recurso a barras com laçarias (como em São Martinho de Penacova, atual concelho de Felgueiras), motivo tão característico do gosto manuelino (mas também comum por toda a Europa); a ocorrência de barras decorativas com folhagem e pequenos animais ou evocando cenas de caça (presentes no primeiro programa de pintura mural realizado para a capela-mor de Santa Marinha de Vila Marim, Vila Real, e em São Martinho de Penacova), tal como em alguma iluminura das primeiras décadas do século XVI. Acompanhando as figurações sacras, recorre-se, por vezes, a enquadramentos evocando elementos arquitetónicos ao gosto manuelino (arco conopial abatido, colunas com bases de secção poligonal, presentes, por exemplo, em Bravães e em Penacova, e janelas cruzetadas, como na Nossa Senhora com o Menino de Bravães), manifestando completo acerto com o gosto arquitetónico coevo.
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Pormenor da articulação do rodapé de quadrifólios com o Martírio de São Sebastião, situado no arco triunfal (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
24
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Nossa Senhora com o Menino, situada no arco triunfal (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural© SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00054298).
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Vista geral de Nossa Senhora com o Menino, situada no arco triunfal (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Ainda nesta linha de pensamento, esta oficina parece ter estado muito atenta à produção de gravados da sua época. De facto, existe grande semelhança entre a Nossa Senhora com o Menino da nave de Bravães e a gravura com Adoração da Virgem publicada no «Regimento contra a Pestenença», 1496 (?), uma publicação, como se vê, pouco anterior à realização da pintura. Segundo Artur Anselmo, “o desenho que inspirou o artista é comum ao modelo de uma gravura publicada na mesma época em Lubeck (Spiegel der Leien, impresso em 1496 por Mateus Brandis), segundo revelou Mário da Costa Roque 18. (...) Valentim Fernandes republicá-la-ia em 1516, na «Noua Gramatices Marie Matris Dei Virginis ars», de Estêvão Cavaleiro, obra dedicada à Virgem Maria” 19. Na verdade, as proximidades desta pintura de Bravães são também muito grandes relativamente a uma outra gravura com Nossa Senhora e o Menino Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca. Pormenor da articulação do rodapé de quadrifólios com a Nossa Senhora com o Menino (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
que foi usada nas «Constituições Sinodais» de D. Frei Baltasar Limpo para a diocese do Porto (1541), ou seja, numa obra impressa em data muito mais tardia do que a destas primeiras pinturas de Bravães. Esta gravura tem em comum com a Nossa Senhora com o Menino de Bravães o facto de conjugar o enquadramento de Nossa Senhora por um arco conopial abatido com a figuração de Nossa Senhora com longa cabeleira anelada e a utilização de uma auréola flamejante para lhe rodear todo o corpo 20. Embora tenha investigado a história da utilização desta gravura, no entanto, não consegui situar as suas possíveis sucessivas utilizações.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
25
Assim, voltando ao nosso comentário a propósito do "modus faciendi" desta oficina, certos detalhes de tratamento dos solos característicos desta oficina de pintura mural que trabalhou em Bravães – os solos "lisos", ou melhor, de cor uniforme, mas com tufos de ervas e seixos dispersos, para indicar a profundidade do espaço – são também recursos correntes na gravura de ilustração bíblica Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Martírio de São Sebastião. Pormenor de data: «I b’ i», ou seja, 1501 (2019, DRCNMuseu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
das primeiras décadas do século XVI 23, assim como são correntes na pintura a óleo portuguesa 24 - e estrangeira 25. Outro aspeto recorrente nas pinturas desta oficina é a utilização, nos apontamentos de paisagem que servem de fundos, do tratamento muito gráfico de silhuetas de árvores, às vezes com pássaros de perfil, o que acontece, por exemplo, na Nossa Senhora com o Menino de Bravães, no primeiro programa de pintura na capela-mor de Santa Marinha de Vila Marim, no São Martinho de Penacova e nos santos beneditinos de Pombeiro. Tal como já argumentámos em trabalho anterior 26, esse recurso não é exclusivo da pintura mural portuguesa, ocorrendo também, por exemplo, na pintura mural italiana do século XV e estando este tipo de árvores de tratamento linear e com pássaros de perfil presente na Criação dos Animais de Vasco Fernandes para o retábulo-mor da Sé de Lamego, hoje exposto no Museu de Lamego 27. Um outro aspeto da "praxis" desta oficina, revelador da sua atualização formal, é o recurso na Nossa Senhora com o Menino de
Azulejo com motivo de laçaria produzido nas olarias de Sevilha na 1ª metade de século XVI e extensamente usado em Portugal (Ilustração a partir de Museu Nacional do Azulejo, n.º de inventário 35 az).
Bravães a barras de enquadramento lateral com motivos de vasos com flores que fazem lembrar motivos "lombardos", ao gosto italiano.
Entre os encomendadores de pinturas murais a esta oficina encontram-se abades de várias igrejas paroquiais (como a de São Salvador de Bravães) e paroquianos, coletivamente e individualmente (como em São Nicolau de Canaveses). Mas é de assinalar que, entre aqueles que procuravam esta oficina para lhes realizar as pinturas murais que pretendiam mandar executar, se encontram também figuras da elite eclesiástica das primeiras décadas do século XVI como aconteceu com dois abades comendatários da que era, talvez, a mais rica instituição monástica de então no Norte de Portugal, o Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro 28, bem como a igreja da Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães (caso da pintura mural na parede fundeira da igreja de Santo André de Telões, Amarante). De facto, conhecemos vários programas realizados por esta oficina para capelas-mores de igrejas do padroado do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro nas quais o abade comendatário D. João de Melo (abade documen-
26
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Igreja de São Martinho de Penacova, Felgueiras: Detalhe de pintura com recurso a barras com laçarias (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Nossa Senhora com o Menino. Pormenores dos motivos arquitetónicos ao gosto "manuelino": colunas com bases de secção poligonal; arcos conopiais abatidos; janela cruzetada (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de São Martinho de Penacova, Felgueiras: Vista geral do programa de pintura da capelamor, encomendado pelo abade comendatário D. João de Melo (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
tado entre c. 1507 e 1525) fez incluir o seu brasão (Santa Marinha de Vila Marim - Vila Real, São Mamede de Vila Verde - Felgueiras e São Martinho de Penacova - Felgueiras). Na própria igreja do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro (absidíolo do lado da Epístola), o abade seguinte, e filho de D. João de Melo, D. António de Melo (abade documentado entre 1526 e 1556 29), encomendou também a esta oficina um programa de pintura figurando santos fundadores da Ordem de São Bento, São Mauro e São Plácido 30.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
27
Gravura publicada em 1496 no «Regimento contra a Pestenença» (ilustração a partir de21).
Gravura publicada em 1541 nas «Constituições Sinodais» de D. Frei Baltasar Limpo para a Diocese do Porto22 (ilustração a partir de).
Igreja de Santa Marinha de Vila Marim, Vila Real: Aspeto geral e pormenores do programa de pintura mural da capela-mor, encomendado pelo abade comendatário D. João de Melo (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
28
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Igreja de São Mamede de Vila Verde, Felgueiras: Vista geral e pormenores do programa de pintura da capela-mor, com destaque para o brasão do abade comendatário D. João de Melo (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, Felgueiras: Vista geral do programa de pintura mural do absidíolo, encomendada pelo abade comendatário D. António de Melo (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, Felgueiras: Programa de pintura mural do absidíolo, encomendada pelo abade comendatário D. António de Melo. Pormenor de legenda com identificação do encomendador: «(…) de mil b e xxx:/(…) ho sñor dom/ abade dõm amtonio de/ mello a mãdou fazer:» | De mil e quinhentos e trinta:/ (…) o senhor Dom/ abade Dom António de/ Mello a mandou fazer: (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
29
3 LAVA-PÉS LAMENTAÇÃO SOBRE JESUS MORTO DEPOSIÇÃO DE JESUS NO TÚMULO I G REJA D E SÃO SALVAD OR D E BR AVÃ ES, P ON TE DA BARCA
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Lava-Pés, proveniente da capela-mor, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 11 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Lamentação sobre Jesus Morto, proveniente da capelamor, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 12 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
32
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Este conjunto de três pinturas composto pelo Lava-pés, Lamentação sobre Jesus Morto e Deposição de Jesus no Túmulo foi, igualmente, destacado da parede fundeira da capela-mor da igreja de São Salvador de Bravães nos anos trinta do século XX. Sobrepunham-se ao Salvador analisado anteriormente uma vez que, mais tarde, se quis realizar um novo programa de pintura mural na capela-mor desta igreja. Estas pinturas faziam parte de um vasto programa que provavelmente recobria inteiramente as paredes da capela-mor (só subsistiu o que se encontrava atrás do retábulo-mor de talha), do nível do pavimento até ao teto e que incluía um rodapé com cenas figurativas e legenda, um registo médio do qual se conservavam, na parede fundeira, o Lava-pés, uma nova figuração do Salvador (entretanto destacado e de paradeiro desconhecido) e a Lamentação sobre Jesus Morto e, na parede do lado da Epístola, parte de uma Deposição de Jesus no Túmulo; no topo da parede fundeira, o programa era rematado por frontão triangular, no qual se figuravam seres híbridos, ao modo de tenentes heráldicos, segurando coroa de louros rodeando o brasão do arcebispo de Braga D. Diogo de Sousa (arcebispo entre 1505 e 1532). Na verdade, estas pinturas são um testemunho importantíssimo do gosto deste arcebispo, responsável por importantíssima atividade mecenática, por serem as únicas pinturas que conhecemos da sua encomenda, e as únicas que nos permitem vislumbrar o seu gosto e o que poderia pretender com um programa de pintura mural.
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Deposição de Jesus no Túmulo, proveniente da capela-mor, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 7 (2001, DireçãoGeral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
A figuração do Lava-pés transpõe para pintura mural uma gravura de Albrecht Dürer a propósito do mesmo tema e datada de 1510. Personagens e a forma como se interligam pelo olhar, gestos, panejamentos, objetos e enquadramento arquitetónico seguem inteiramente a gravura de Dürer. Tanto quanto é possível avaliar no estado atual das pinturas, há distanciamento entre estas pinturas e a gravura no facto de, em Bravães, se ter optado por não figurar o candeeiro que ilumina a cena na gravura; no tratamento dos rostos e cabelos; na figuração, em Bravães, dos nimbos e na existência de legendas, ausentes na gravura.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
33
Também no que resta da Deposição de Jesus no Túmulo de Bravães se seguem duas gravuras de Albrecht Dürer da mesma série. Assim, São João segurando a Virgem e a figura de mulher com os braços erguidos seguem a gravura de Dürer da Lamentação (datada de 1509-1510), enquanto a representação de Nicodemos deverá seguir figuração da mesma personagem na gravura de Dürer da Deposição de Jesus no Túmulo (também datada de 1509-1510). Que dizer a propósito das intenções subjacentes às escolhas temáticas deste programa? A representação do Salvador, o orago desta igreja, ao centro da parede fundeira da capela-mor, corresponde, como já vimos, às determinações do arcebispo D. Diogo de Sousa – e encomendador deste programa - em sínodo realizado após a sua entrada em Braga (1505) e, provavelmente, publicadas pouco depois. Nas «Constituições Sinodais» que fez imprimir, este arcebispo toma uma importante resolução: «(...) Como os dom abbades e dom priores e abbades ham de teer ymageens de seus sanctos nos altares mayores. Gravura de Albrecht Dürer da Série da “Pequena Paixão”, publicada cerca de 15091510, representando Jesus lavando os pés a Pedro31 (Ilustração a partir de).
Item veendo como as ymageens sam aprouadas per dereito e quanta edificaçam e deuaçam causam nom soomente aos ignorantes mas aos sabedores e leterados. Isto meesmo como seja cousa justa que cada sancto em seu logar e ygreja preceda aos outros Ordenamos e mandamos que assy nos moesteiros de sam beento e de sancto agostinho como nas outras ygrejas parrochiaaes os dom abbades e dom priores e abbades ponham as ymageens de seus sanctos no meo do altar: as quaaes sejam assy pintadas em retauollos ou esculpidas em pedra ou paao e que respondam aas rendas da ygreja donde esteuerem. E quem isto nom comprir atee dia de pascoa de resurreiçam o auemos por condenado em tres cruzados douro se for moesteiro conventual e seendo parrochial em huum cruzado pera as obras da nossa see e nosso meirinho (...)» 34. Nesta segunda representação do Salvador fizeram-se opções diferentes das do programa de pintura mural subjacente a este – e, portanto, anterior - nesta capela-mor de Bravães e que já comentámos. Neste segundo programa da encomenda do arcebispo de Braga D. Diogo de Sousa, o Salvador aparece sentado num trono com manto que o cobre apenas parcialmente para que possa expor as chagas da Paixão, ou seja, Jesus Cristo ressuscitado. Esta figuração aproxima-se das do Cristo Juiz, particularmente das da pintura flamenga do século XV 35.
Gravuras de Albrecht Dürer da Série da “Pequena Paixão”, publicada cerca de 1509-1510, representando a Lamentação32 (Ilustração a partir de).
Como já referimos, esta pintura do Salvador encontrava-se ladeada pelo Lava-pés e pela Lamentação sobre Jesus Morto, pinturas acompanhadas ainda, na parede lateral da capela-mor, do lado da Epístola, pela Deposição de Jesus no Túmulo, figurações que integram o ciclo da Paixão e Ressurreição de Jesus. Todas estas cenas figuradas no registo médio da capela-mor eram acompanhadas por legendas. A legenda que acompanha o Lava-pés refere-se a
34
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
dois passos do Evangelho de São João citados na Missa de Quinta-feira Santa: «Exémplum enim dedi vobis, ut, quemádmodum ego feci vobis, ita et vos faciátis» (João 13, 15), ou seja, “Porque eu dei-vos o exemplo, para que, como eu vos fiz, assim façais vós também” e «Mandátum novum do vobis: ut diligátis ínvicem, sicut diléxit vos, dicit Dóminus» (João 13, 34), isto é, “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei, diz o Senhor”. A legenda que acompanhava a Lamentação sobre Jesus Morto cita um passo do Ofício de Trevas do Sábado Santo: «O vos omnes qui transítis per viam, atténditte et vidéte, Si est dolor símilis sicut dolor meus. Atténdite, univérsi pópuli, et vidéte dolórem meum. Si est dolor símilis sicut dolor meus» (Lam. 1, 12), ou seja, “Ó vós que passais pelo caminho, olhai e vede: Se há dor semelhante à minha dor. Povos da terra, considerai e vede a minha dor. Se há dor semelhante à minha dor”. A legenda que acompanhava o Salvador («Ego sum alpha (et ?) (omega?) et principium et finis») cita Isaías (44, 6) e o Apocalipse (1, 8). Este programa de pintura mural evidencia, portanto, um programa iconográfico complexo, de acordo com a invocação da igreja (São Salvador, Jesus Gravuras de Albrecht Dürer da Série da “Pequena Paixão”, publicada cerca de 15091510, representando a Deposição de Jesus no Túmulo33 (Ilustração a partir de).
Cristo ressuscitado que virá julgar os vivos e os mortos no fim dos tempos), figurando-se o seu orago ao centro da parede fundeira da capela-mor acompanhado, no rodapé, por dois anjos colocados ao modo dos tenentes das figurações heráldicas e segurando letreiro com as palavras «PAX VOBIS» (“A paz seja convosco!”), as primeiras palavras que Jesus teria pronunciado na sua primeira aparição aos discípulos após a Ressurreição (João 20, 19), portanto, em bom acordo com a representação do Salvador que se lhe sobrepunha no registo médio; mas, para além disso, o programa tem também carácter narrativo, de evocação de momentos litúrgicos e tem, ainda, ressonâncias catequéticas. Na verdade, se a intenção programática fosse apenas a da narração da Morte e Ressurreição de Jesus, seria mais natural encontrar na parede fundeira da capela-mor as três cenas centrais da Paixão e Morte, ou seja, a Última Ceia, o Calvário e a Ressurreição, aqui, naturalmente substituída por Jesus Ressuscitado, o Salvador, de resto o orago desta igreja. No entanto, o que aqui se optou por figurar foi o Lava-pés e a Lamentação sobre Jesus Morto. Ora, o Lava-pés, a Morte e Enterramento do Senhor, assim como a própria Ressurreição, dão lugar a cerimónias litúrgicas específicas e em dias sucessivos durante as celebrações da Páscoa, respetivamente na Quinta-feira
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Segundo programa de pintura mural para a capela-mor (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural© SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00054278)
Santa, Sábado Santo e Domingo de Páscoa. Esta relação com esses momentos do ano litúrgico é ainda reforçada pela inclusão das legendas que, no caso do Lava-pés e da Lamentação, citam expressamente passos das leituras da Missa de Quinta-feira Santa e do Ofício de Trevas de Sábado Santo.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
35
Por outro lado, se a Morte e Ressurreição de Jesus são aspetos centrais da fé cristã, a escolha da inclusão - e com este destaque - da cena do Lava-pés, só referida no Evangelho de João, é relevante na medida em que, sendo aqui associada às legendas já referidas, liga a mensagem ética central da religiosidade cristã (João 13, 34: «Mandátum novum do vobis: ut diligátis ínvicem, sicut diléxit vos, dicit Dóminus», “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei, diz o Senhor”), com todo o resto do programa que versa a questão do Salvador e da Salvação. Ou seja, este programa, complexo, parece evidenciar vários tipos de intenções: figuração de episódios centrais da meta-narrativa cristã; evocação de alguns dos mais importantes momentos do calendário litúrgico que relembram e comemoram esses episódios; apresentação do espírito de serviço como um dos mais importantes aspetos da moral cristã. Porque teria D. Diogo de Sousa encomendado este programa de pintura mural? Esta igreja, segundo o "Censual" de D. Diogo de Sousa, era da colação do arcebispo 36. De facto, no "Livro de Confirmações" de D. Diogo de Sousa tive a fortuna de encontrar uma única confirmação durante o arcebispado de D. Diogo, a de seu sobrinho, João Rodrigues de Sousa: Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Lava-pés, situada na parede fundeira, pertencente ao segundo programa de pintura mural para a capela-mor, ainda “in situ”, antes do destacamento (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00054320).
«(...) Aos vinte e cinquo dias do mês de nouenbro do anno de mjl e btos [quinhentos] e sete o dito senhor arcebispo confirmou em abbade e Rector da parrochial igreja de sam saluador de barbaaes terra de [sic] do dito arcebispado a Joham Rodriguez de Sousa seu sobrinho, clerigo da diocese de Coimbra a qual igreja vagou por morte natural de tristram de barros (...)» 37. Não deixa de ser curioso que o abade anterior fosse Tristão de Barros. De facto, a 9 de fevereiro de 1434, o prior de São Salvador de Bravães, então mosteiro da ordem de Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, D. João do Mato, nomeia seu procurador um escudeiro nobre e clérigo de ordens menores, Gonçalo de Barros, para em seu nome e junto do então arcebispo D. Fernando da Guerra, renunciar ao cargo. A 13 de fevereiro tal missão é desempenhada. Apesar desta situação ter levantado no arcebispo suspeitas de conluio e simonia, o mosteiro foi reduzido a igreja secular e confirmado como seu abade o clérigo de ordens menores Gonçalo de Barros que teria de se promover ao presbiterado um ano depois, o que ainda não havia feito vinte e um anos mais tarde, motivo por que, em 10 de abril de 1455, foi privado do título. No entanto, Gonçalo de Barros, como detentor do direito de padroado, mantinha ainda o direito de nomear clérigo para a igreja 38. Note-se, portanto, que em 1455 o padroado era de Gonçalo de Barros, mas mais tarde, segundo o "Censual" de D. Diogo de Sousa, tinha passado a pertencer ao arcebispo de Braga. Seria Tristão de Barros parente de Gonçalo de Barros? Terá D. Diogo de Sousa querido subtraí-la ao poder dos Barros, uma vez que o padroado desta igreja tinha passado a pertencer-lhe, apresentando nesta igreja um seu sobrinho que sendo clérigo em Coimbra não se esperava que fosse residente, tendo, portanto, que nomear um clérigo de missa 39, mas que dados os laços de parentesco com o arcebispo, dificilmente poderia ser questionado como abade pelos Barros? Depois de colocadas estas hipóteses, verificámos que, segundo a
36
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
"Pedatura Lusitana", Tristão de Barros era, de facto, filho de Gonçalo de Barros e «(...) de huma Lavradora chamada Maria f[e]r[nande]s (...)» de quem teve, talvez, seis filhos 40. Uma vez que D. Diogo de Sousa não confirma mais nenhum abade para esta igreja até à sua morte, João Rodrigues de Sousa deve ter-se mantido como abade de São Salvador de Bravães durante, pelo menos, todo o arcebispado de seu tio, ou seja, pelo menos até 1532. Por outro lado, D. Diogo de Sousa escolheu como um dos seus testamenteiros 41 um sobrinho que não nomeia, mas que designa como sendo o deão de Coimbra e que sabemos ser justamente João Rodrigues de Sousa 42, que já era deão desta diocese a 8 de maio de 1515, como é referido na documentação de aplicação de rendas desta igreja de São Salvador de Bravães para a constituição das comendas novas da Ordem de Cristo (taxa anual de 78 ducados de ouro); o capelão era, então, Brás Dinis. Este abade de Bravães, que em 1507 era clérigo de Coimbra e em 1515 e 1531 deão da Sé de Coimbra, deve ter estado sempre ausente desta paróquia, o que, talvez, explique o facto de a encomenda do segundo programa de pintura mural para a capela-mor desta igreja ter sido assumida pelo próprio arcebispo. Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Deposição de Jesus no Túmulo, situada na parede lateral do lado da Epístola, pertencente ao segundo programa de pintura mural para a capela-mor, ainda “in situ”, antes do destacamento (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00054299).
Em que altura se terá realizado este programa de pintura mural que inclui as três pinturas murais destacadas da capela-mor da igreja de São Salvador de Bravães que integram a coleção do Museu de Alberto Sampaio, Lava-pés, Lamentação sobre Jesus Morto e Deposição de Jesus no Túmulo? O facto de serem utilizadas gravuras de Albert Dürer só publicadas depois de 1511 implica que o segundo programa pictórico da capela-mor 43 terá que ser posterior a 1511 e anterior a 1532, data da morte de D. Diogo de Sousa. Finalmente, que dizer do gosto que se espelha nestas pinturas murais de Bravães da provável encomenda de D. Diogo de Sousa? Se o frontão com a sua decoração de "rinceaux/grotescos" e de seres híbridos segurando o seu brasão, a ideia de fazer rodear o brasão por coroa de louros 44, as pilastras fingidas com motivos de "candelabra" que separam as cenas figurativas do registo médio e as peanhas que separam o rodapé do registo médio, testemunham a influência de motivos queridos da produção artística renascentista italiana, certos detalhes são tratados ao modo do gótico final (o trono do Salvador, por exemplo) e, no tratamento de algumas das cenas figurativas escolhidas, seguem-se três gravuras do mestre alemão Albrecht Dürer. Ou seja, do nosso ponto de vista contemporâneo, trata-se de escolha eclética, miscigenando-se influências do modo italiano, do gótico final e da melhor gravura alemã de então.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
37
4 MARTÍRIO DE SÃO SEBASTIÃO SAGRADA FAMÍLIA I G R EJA D E SÃO SALVAD OR D E BR AVÃES, P ON TE DA BARCA
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Sagrada Família, proveniente das paredes que ladeiam o arco triunfal, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 3 (1996, Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Martírio de São Sebastião, proveniente das paredes que ladeiam o arco triunfal, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 4 (1996, Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa)
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Martírio de São Sebastião, pertencente ao segundo programa, ainda “in situ”, antes do destacamento (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00054283).
40
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
As pinturas murais de Martírio de São Sebastião e Sagrada Família foram destacadas das paredes que ladeiam o arco triunfal da Igreja de São Salvador de Bravães nos anos trinta do século XX 45. Supomos terem sido feitas por uma mesma oficina (da qual desconhecemos outras obras) e foram executadas sobre as pinturas anteriores - que permanecem “in situ” - e deviam colocar-se sobre os «altares de fora» [da capela-mor] desta igreja, figurando o Martírio de São Sebastião e Nossa Senhora como o Menino. Ou seja, a realização destas novas pinturas sobre Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Martírio de São Sebastião, pertencente ao primeiro programa, conservada nas paredes do arco triunfal (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
as anteriores corresponde, muito provavelmente, a uma alteração do gosto (porque haveria de se substituir um Martírio de São Sebastião por… outro Martírio de São Sebastião?) mas, a escolha da Sagrada Família (para substituir Nossa Senhora com o Menino) é uma manifestação de novas formas de devoção. Estas pinturas, nas quais se manifesta gosto pelo movimento e pela rotundidade das formas, são, muito provavelmente, manifestações de uma estética já maneirista e pós-tridentina. A substituição de um Martírio de São Sebastião por outro que se lhe sobrepôs manifesta, por um lado, a persistência da devoção dos paroquianos (que deviam pagar a pintura sobre os «altares de fora») da igreja de São Salvador de Bravães por este santo mas, também, muito provavelmente, uma alteração do gosto: as características estéticas do Martírio de São Sebastião de 1501 (que, como já dissemos, continua a manter-se “in situ” nesta igreja), por ventura já não lhes agradavam (ou aos visitadores do arcebispo), conduzindo a uma encomenda mais de acordo com a nova corrente de gosto da época em que foi mandada fazer. Já a substituição de uma Nossa Senhora com o Menino (realizada pela mesma oficina que fizera o Martírio de São Sebastião em 1501) por uma Sagrada Família evidencia não só uma provável alteração de gosto, mas também uma nova forma de devoção - a devoção pela Sagrada Família. Ora, segundo Louis Réau 46, este tema só se difundiu na arte da Contrarreforma, quer dizer, posterior ao Concílio de Trento (1545-1563).
Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca: Sagrada Família, pertencente ao segundo programa, ainda “in situ”, antes do destacamento (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00054296).
Se a nossa avaliação estilística estiver correta, e tendo em conta a execução de pintura dedicada ao tema da Sagrada Família, é possível que estas pinturas sejam já da segunda metade do século XVI (as decisões do Concílio de Trento relativas à produção artística só foram definidas nas últimas sessões do Concílio e publicadas em 1563).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
41
5 DEGOLAÇÃO DE SÃO JOÃO BATISTA CONVENTO DE SÃO FRANCISCO DE GUIMARÃES, GUIMARÃES
Convento de São Francisco de Guimarães, Guimarães: Degolação de São João Batista, proveniente da sala do capítulo, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 1 (1996, Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
44
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
A Degolação de São João Baptista foi destacada da sala do capítulo do Convento de São Francisco de Guimarães, devendo-se a sua preservação ao esforço do primeiro Diretor do Museu de Alberto Sampaio, Alfredo Guimarães. Num importante estudo de 1942, Alfredo Guimarães 47 publica os resultados da sua prospeção de “frescos” no concelho de Guimarães, realizada em 1928, assim como o seu estudo da Degolação de São João Baptista que procurara defender e que tinha sido objeto de recente restauro (anos trinta do século XX). Embora algumas pinturas por si inventariadas em 1928 tivessem desaparecido, o seu estudo revela os vários casos que identificou 48, incluindo as várias pinturas existentes na ala conventual do Convento de São Francisco de Guimarães, (na "casa do Tronco", no refeitório, na sala do capítulo e capela funerária dos Carvalhos).
Porque foi a Degolação de São João Baptista destacada da sala do capítulo da casa conventual de São Francisco de Guimarães? “(...) Do «fresco» da sala do Refeitório, que representava a Ceia dos Apóstolos, temos lamentavelmente que dar a seguinte e muito singular notícia. Quando estava preparado para receber restauro, um criado boçal da Ordem Terceira, como o não considerasse suficientemente limpo, passou-lhe, em várias direcções, uma vassoura de piaçá, e o formoso «fresco», com definidas características de arte italiana, ficou completamente inutilizado...ou limpo de uma vez para sempre. (...)” 49. Não admira, portanto, que Alfredo Guimarães, então diretor do Museu Regional de Alberto Sampaio, expressasse a sua satisfação pelo destacamento e restauro por António Costa da Degolação de São João Baptista. É que praticamente todos os outros “frescos” por si identificados em São Francisco de Guimarães e que não foram destacados, acabaram por desaparecer. O mesmo problema, de resto, se colocava, nas primeiras décadas do século XX, na Catalunha, o que esteve na origem do destacamento dos “frescos” medievais hoje conservados no Museu Nacional de Arte da Catalunha 50. Perante a impossibilidade de garantir a salvaguarda “in situ”, retiraram-se as pinturas do seu local de origem. Nas primeiras décadas do século XX, a única forma de salvaguarda possível, em muitos casos, parecia ser o destacamento.
A Degolação de São João Baptista apresenta uma série de características notáveis e que estão sistematicamente presentes nas obras da oficina que realizou esta pintura. Como é sabido, a degolação de São João Baptista fez-se a pedido da filha de Herodíade durante um banquete para festejar o aniversário do rei Herodes; a jovem havia dançado de tal forma que Herodes, agradado, lhe prometeu oferecer o que quisesse, até metade do seu reino (ver, por exemplo, Mateus, 14: 3-11 e Marcos, 6: 17-29). Assim, a oficina que executou esta pintura projetou a composição de modo a indicar um cenário palaciano ao modo da época em que se realizou a pintura, ou seja, nas primeiras déca-
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
45
das do século XVI, figurando-se um paço acastelado. O banquete parece ter lugar num pátio lajeado com lajes brancas e negras (o que, no século XVI, era um luxo entre nós, altura em que muitas igrejas paroquiais tinham ainda piso em terra batida), devidamente ordenado para um banquete real, ambientado por um pano de armar com padrão de brocado, por trás do rei e da sua rainha, Herodíade, sentados à mesa, sobre a qual se dispõem iguarias e objetos expectáveis numa cerimónia e numa mesa quinhentista. O pintor, no entanto, não parece ser um profundo conhecedor de uma mesa de corte, uma vez que, por exemplo, não figura essa novidade da época que eram os garfos, nem colheres, e sendo as facas desprovidas do requinte dos belos cabos de materiais semipreciosos; mas figura-se uma taça de beber com a sua cobertura, dourada. O vestuário dos guardas corresponde ao desta época e o mesmo acontece com as vestes das restantes personagens figuradas. Nesta pintura estimam-se poses e gestos cerimoniosos e de corte, gosto este que até resulta em frequentes torsões dos corpos e das posições das cabeças. A vontade de sublinhar valores de expressividade, enfatizados pelo movimento, é muito manifesta: os soldados que acabaram de degolar o Baptista, ainda ajoelhado e de mãos postas em gesto de oração, mas de cujo pescoço jorra abundantemente sangue, interpelam-se entre si, mesmo ali, no local do banquete. Um deles, apontando o indicador ao outro, parece perguntar-lhe: “Foste tu quem deu o decisivo golpe?”, enquanto a filha de Herodíade apresenta docilmente a cabeça do degolado à mãe que, com a mão direita faz o gesto de abençoar a filha e, com a mão esquerda, cobiçosa e avidamente, agarra pelos cabelos a cabeça de São João Baptista. Herodes, com a mão direita no peito e a esquerda levantada em gesto de suspensão e de afastamento parece querer manifestar que não assume a responsabilidade - nem a culpa. Convém notar que permanecem pinturas murais em várias igrejas de conventos franciscanos do Norte, para além do que subsistia ainda na primeira metade do século XX noutras dependências dos seus conventos e do que existe noutras zonas do país, como é o caso das pinturas murais na igreja de São Francisco de Leiria 51. Não é demais sublinhar este aspeto, uma vez que esta situação parece contrastar muito vivamente com a das casas de Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, nas quais, no Norte, não se conhece, até agora, nenhuma pintura mural nem nos seus mosteiros nem nas igrejas paroquiais do seu padroado 52. Na verdade, no Norte, permaneceram pinturas murais nas igrejas de São Francisco do Porto, de Guimarães e de Bragança. Sabendo que desapareceram pinturas - e apesar disso -, não deixa de ser significativa a presença de pinturas murais nestas igrejas de conventos franciscanos do Norte. E, certamente, conhecemos apenas uma pequena parte do que foi produzido.
46
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
É pertinente lembrarmos a extensão – e a qualidade - dos programas de pintura mural em casas franciscanas por toda a Península Itálica, incluindo, evidentemente, a Basílica de São Francisco, em Assis, onde trabalharam Cimabue, Simone Martini, Pietro Lorenzetti e Giotto, no fim do século XIII e no século XIV. Também entre nós, os franciscanos parecem ter adotado a realização de tais programas a “fresco” nas suas casas. É bem possível que o recurso à pintura mural nas casas franciscanas italianas tenha encorajado o favorecimento da pintura mural em igrejas e dependências conventuais franciscanas portuguesas, de que são exemplo os programas dilatados e complexos de São Francisco de Leiria e, na zona Norte, os casos da capela-mor da igreja do convento franciscano de Guimarães e da capela-mor de São Francisco de Bragança. Vários aspetos destes programas de pintura mural fazem, aliás, pensar na possibilidade de participação forânea, como auréolas com incisões e punções, por vezes, relevadas, raríssimas na pintura mural portuguesa, como na "Sacra Conversazione" na igreja de São Francisco do Porto 53. Na capela-mor da igreja franciscana de Guimarães conserva-se ainda hoje, “in situ”, atrás do retábulo-mor, evidência de vasto programa de pintura mural que para aí foi realizado, provavelmente, em diversas campanhas de intervenção.
Igreja do Convento de São Francisco de Guimarães, Guimarães: Pormenores de pintura mural conservada na capela-mor (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Migual Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
47
Mas, para além das Degolação e das restantes pinturas que já referimos, existiram muitas outras noutras dependências conventuais e que Alfredo Guimarães teve oportunidade de registar e comentar, conservando a sua memória no seu importante estudo de 1942 sobre pintura mural em Guimarães e zona envolvente, ao qual já nos temos vindo a referir 55. De facto, na casa do tronco existia ainda um “friso decorativamente dilatado a todo o contorno superior das paredes”. No refeitório existia uma Última Ceia. Na sala do capítulo constituía-se um programa dedicado a São João Batista, incluindo um Batismo de Jesus, uma composição com anjos segurando cortinas, talvez para ambientar imagem de vulto desse santo e, ainda, a Degolação de São João Baptista que foi destacada e hoje se encontra no Museu de Alberto Sampaio 56. Igreja do Convento de São Francisco de Guimarães, Guimarães: Santos provenientes das frestas da capela-mor54 (2019, DRCNMuseu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
No século XVII, Frei Manoel da Esperança refere ainda, no convento vimaranense, duas pinturas associadas a poderes milagrosos: «(...) Dous paralyticos, hum dos quaes não daua sopro, que podesse apagar huma candea, ficarão sãos em beijando a sua santa imagem [de São Gualter], que estaua pintada no alpendre da igreja. (...)» 57 «(...) Aconteceo este caso [luta entre o demónio e o vigário no coro] pelos anos de 1450. em cuja detestação se passou a assistência do coro para a capella mor, & ahi permaneceo muito tempo. No canto da sobredita varanda [segunda], por não pintarem tão horrendo espectáculo, que causaria pauor, foi pintada a Virgem Senhora nossa com Christo Iesu nos braços a o pè da sua cruz, & N.P.S. Francisco, em cujas chagas santíssimas muitos enfermos da villa, que por seus merecimentos esperão conualescencia, mandão tocar a agua, que se lhes dà a beber. (...)» 58. Em primeiro lugar importará, talvez, sublinhar o quanto se recorreu à pintura mural nesta casa franciscana de Guimarães, certamente com encomendas sucessivas e a diferentes oficinas. Na verdade, o que subsistiu, e nas condições em que é atualmente possível avaliar, ou seja, o que existe “in situ” na capela-mor e os santos que dela foram destacados, por um lado, e a Degolação de São João Batista, por outro, devem ser obras de oficinas diferentes.
48
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
As informações de Frei Manoel da Esperança são particularmente importantes na medida em que revelam a existência de pintura que, segundo a tradição conventual, fora encomendada ainda no século XV, testemunhando como momentosos episódios da vida conventual podiam dar origem a encomendas – comemorativas de pintura mural. Por outro lado, tais pinturas não tinham, forçosamente, carácter narrativo do evento, como aconteceu com a pintura que se mandou executar a propósito da luta do vigário com o diabo no coro que, no entanto, não se quis que a representasse, mas antes se optou por figurar uma "Pietà" acompanhada por São Francisco 59. As referências de Frei Manoel da Esperança revelam ainda a existência de pintura mural em paredes exteriores da igreja (a imagem de São Gualter no alpendre da igreja 60, segundo a tradição franciscana portuguesa, santo fundador desta casa e discípulo do próIgreja de São Miguel do Castelo de Guimarães, Guimarães: Detalhe de vestuário da pintura a óleo sobre madeira Virgem do Leite entre São Jerónimo e São Bento, datada de 1510-1530, integrada no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS P 8 (1996, Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
prio São Francisco), como tão frequentemente subsistem fora das nossas fronteiras e de que tão raramente há hoje sinais nas nossas igrejas. Em 1996, no livro “A colecção de pintura do Museu de Alberto Sampaio”, organizado pela então Diretora do Museu, Dra. Manuela de Alcântara Santos, Ignace Vandevivere e José Alberto Seabra de Carvalho relacionaram esta obra com a de um pintor, provavelmente ativo em Guimarães entre 1510 e 1530, para o qual propuseram a designação de “Mestre Delirante de Guimarães”, com base em paralelos de detalhes de vestuário, no gosto por cenografias complexas e no uso de um determinado padrão de adamascado 61.
Na verdade, então, estes autores - Ignace Vandevivere e José Alberto Seabra de Carvalho - aproximaram um conjunto de pinturas a óleo sobre madeira existente no Museu de Alberto Sampaio (Tríptico da Lamentação, proveniente da Capela de São Brás do claustro da igreja de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães, Virgem do Leite entre São Jerónimo e São Bento e São Miguel e Santa Margarida, provenientes da igreja de São Miguel do Castelo de Guimarães) desta pintura a “fresco”, Degolação de São João Baptista, propondo a designação de “Mestre Delirante de Guimarães” para o autor (desconhecido) de todas estas obras 62. Num outro capítulo do mesmo livro, Dalila Rodrigues propunha que a Anunciação que havia sido destacada de sobre a fresta da Convento de São Francisco de Guimarães, Guimarães: Detalhe do vestuário e do fundo de padrão adamascado da Degolação de São João Batista, proveniente da sala do capítulo, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 1 (1996, Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
igreja de Santa Cristina de Serzedelo fosse atribuída ao mesmo mestre 63.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
49
Mais tarde, Catarina Valença Gonçalves Vilaça de Sousa, considerando a Anunciação como parte integrante do primeiro programa de pintura mural da capela-mor da igreja de Serzedelo, estendeu a atribuição ao “Mestre Delirante de Guimarães” de todo este programa, assim como as primeiras pinturas na nave desta igreja e as segundas na capela funerária a ela anexa (depois usada como sacristia) e, ainda, às desaparecidas pinturas da igreja de Joane 64. Joaquim Inácio Caetano partilha o mesmo ponto de vista, como se evidencia no seu recente trabalho “Notícia sobre Pintura Mural em Telões” 65. Na verdade, e considerando as propostas de atribuição destas pinturas a uma mesma oficina, verifica-se que não só há semelhança entre o motivo de adamascado no “drape d’honneur“ atrás de Herodes na Degolação de São João Batista e os motivos de adamascado que ocorrem no Tríptico da Lamentação e na Virgem do Leite entre São Jerónimo e São Bento, mas também, para além dos outros argumentos aduzidos por Ignace Vandevivere, José Alberto Seabra Carvalho e Dalila Rodrigues, e apesar de não se encontar “um grande aparato decorativo dos cenários procurando romper com a imagem do fundo como uma superfície inerte” 66, nas pinturas de Serzedelo o que, no entanto, ocorre na Natividade de Telões. Em todas elas se manifesta o gosto por poses animadas e por torções de cabeça, tal como no conjunto de pinturas sobre madeira atribuídas ao “Mestre Delirante de Guimarães”. Para além disto, a vontade de indicar movimento pelo desenho Igreja de São Miguel do Castelo de Guimarães, Guimarães: Detalhe de vestuário da pintura a óleo sobre madeira Virgem do Leite entre São Jerónimo e São Bento, datada de 1510-1530, integrada no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS P 8 (1996, Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
é particularmente assinalável. É, na verdade, impressionante a semelhança no tratamento do rosto e das vestes entre o São João do Tríptico da Lamentação e o São Martinho de Serzedelo 67.
Igreja de São Miguel do Castelo de Guimarães, Guimarães: Virgem do Leite entre São Jerónimo e São Bento, pintura a óleo sobre madeira, datada de 15101530, integrada no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS P 8 (1996, Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
50
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Uma vez que nenhuma das pinturas murais atribuíveis a esta oficina inclui menção da sua data, coloca-se a questão da cronologia destas obras. Como, em Serzedelo, ao programa realizado por esta oficina se sucedeu outro com evidentes semelhanças com as pinturas murais de Corvite que já estavam realizadas em 1548 68, isso significa que, provavelmente, a oficina do “Mestre Delirante de Guimarães” trabalhou anteriormente a essa data, talvez nas décadas de 1520 e de 1530. Entre os encomendadores que contrataram esta oficina contam-se, como vemos, o convento de São Francisco de Guimarães e talvez a igreja da Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira (aqui existia o Tríptico da Lamentação na Capela de São Brás do claustro desta igreja 69, o que talvez tenha propiciado que o cabido da igreja de Nossa Senhora da Oliveira conhecesse os pintores e indicasse esta oficina para a realização da pintura no arco triunfal de Santo André de Telões em Igreja da Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, Guimarães: Tríptico de São Brás, Lamentação sobre Jesus Morto e São Jerónimo, pintura a óleo sobre madeira, datada de 1510-1530, proveniente da capela de São Brás situada no claustro, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS P 3 (1/3) (1996, Direção-Geral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
Amarante, igreja do padroado desta colegiada). A proximidade em relação a Guimarães poderá explicar o labor desta oficina para os abades de Joane e de Serzedelo. Na capela-mor de Serzedelo, na altura em que aqui trabalhou a oficina do “Mestre Delirante de Guimarães”, deveria ser abade Gonçalo Fernandes.
A atividade desta oficina parece, assim, estar ligada a uma rede social de uma certa elite nobre e, sobretudo, eclesiástica ligada a Guimarães e a Braga 70.
Igreja da Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, Guimarães: Pormenor da Anunciação representada no reverso dos volantes do tríptico de São Brás, Lamentação sobre Jesus Morto e São Jerónimo, pintura a óleo sobre madeira, datada de 1510-1530, proveniente da capela de São Brás situada no claustro, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS P 3 (2019, DRCNMuseu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
51
6 BATISMO DE JESUS IGREJA DE NOSSA SENHORA DA AZINHEI RA, OUTEIRO SECO, CHAVES
Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Padre Eterno, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 9 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Batismo de Jesus, proveniente da parede lateral da nave, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 8 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
54
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
As obras de restauro levadas a cabo nesta igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais iniciaram-se em 1937 e foi também nesse ano que se procedeu à “remoção dos frescos da parede da igreja”. Estes “frescos, afectados pela humidade e pela fumigação das velas, foram restaurados pelo Instituto José de Figueiredo e estão depositados 3 exemplares no mesmo Instituto, 3 no Museu Nacional Soares dos Reis, do Porto, e 2 no Museu Regional Alberto Sampaio, em Guimarães” 71. As duas pinturas murais provenientes desta igreja e que se encontram no Museu de Alberto Sampaio são o Baptismo de Jesus, que integra a sua exposição permanente, e a Transfiguração de Jesus que se encontra nas reservas deste museu. Uma vez que, na nave desta igreja, foram deixadas “in situ” a maioria das pinturas murais, não sabemos porque foi decidido destacar quer o Baptismo de Jesus, quer a Transfiguração de Jesus. Suspeitamos, no entanto, que a imensa qualidade do Baptismo de Jesus possa ter influenciado essa decisão. Na verdade, as fotografias mais antigas pertencentes ao Arquivo da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais mostram-nos um belíssimo programa de pintura mural legendado e datado. O destacamento desta pintura de grandes dimensões teve dois tipos de resultados: dada a sua enorme altura, dividiu-se a pintura em duas partes (o chamado Padre Eterno e o Batismo de Jesus propriamente dito); outra consequência foi a degradação da qualidade da pintura, como sempre acontecia quando se procedia a este tipo de destacamento. Ou seja, os dois painéis que agora se apresentam como independentes e que referi (Padre Eterno e Batismo de Jesus) e que se conservam no Museu de Alberto Sampaio, constituíam uma única pintura, figurando-se no seu topo Deus Pai (dizendo “Este é o meu filho dileto. Escutai-o!”) sobre o batismo de Jesus por São João Baptista. A composição do topo da pintura com meios corpos de Profetas (reconhecíveis como tal pelos seus exóticos adereços de cabeça), enquadrados por janelas com arcada no topo, nesta pintura colocados nos cantos superiores da composição, foi, provavelmente, influenciada pelas xilogravuras da «Biblia Pauperum». Apercebemo-nos de que havia legendas nas filacteras acompanhando os Profetas e, certamente, identificando-os pelos textos citados, mas, infelizmente, não as conseguimos ler. Sobre Deus-Pai há também uma legenda muito truncada de que consigo ler «:ADES OD[EVS] OID(...) OR: :ET FILLIVS: ET SPS: SA(…)» (a última parte da legenda refere, evidentemente, «(…) e Filho e Espírito Santo»). Melhor se conservou a legenda entre Deus-Pai e a pomba do Espírito Santo: «HIC EST FILIVS MEVS DILECTVS IN QVO MIHI BENE COMPLACUIT» (quer dizer, “Este é o meu Filho dileto no qual pus as minhas complacências”; Mateus, 3: 17; Marcos, 1:11; Lucas, 3: 22). Na legenda da base apenas conseguimos ler: «(...)DNS QV/ 1535 / IVXCTA EST HG (...)» (?).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
55
No Batismo figura-se Jesus nas águas do rio Jordão, ladeado, nas margens do rio, por São João Baptista que o batiza e por um anjo que lhe segura as vestes, tudo largamente enquadrado por uma vasta paisagem figurando o rio serpenteante, o arvoredo das margens e aves esvoaçando no céu. A delimitar o campo da pintura usaram-se colunas com bases, tanto quanto é possível analisar, toscanas. Não há quaisquer dúvidas relativamente à cronologia do Batismo de Jesus que inclui legenda mencionando a data da sua feitura em 1535. Os vários estudiosos que dedicaram a sua atenção a esta pintura, incluindo eu própria, atribuem-na a uma importante oficina que trabalhou também na capela-mor da igreja paroquial de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves, num vasto programa de pinturas murais da encomenda de D. Fernando de Meneses Coutinho, neto do conde de Abrantes e filho do primeiro conde de Penela, provavelmente em data anterior à sua nomeação como bispo de Lamego em 1513/14 e, entre muitos outros locais, na igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, num programa de pintura mural da encomenda de D. Pedro de Castro, capelão do Marquês de Vila Real e datado de Gravura com representação do batismo de Jesus no “campo central”, publicada em «Biblia Pauperum» de cerca de 1470 produzida nos Países Baixos ou Alemanha72 (ilustração a partir de).
1529. Joaquim Inácio Caetano descobriu que um mesmo padrão de brocado que esta oficina sistematicamente usa nas pinturas murais ocorre também no reverso dos volantes de um tríptico do Museu de Aveiro, nos quais também se pintou o brasão do bispo de Coimbra D. Jorge de Almeida. Por esta (e outras) razões, parece que esta oficina, tal como a do “Mestre Delirante de Guimarães”, tanto executava pintura a “fresco” como pintura retabular. Este Batismo de Jesus que integra a coleção do Museu de Alberto Sampaio incluía-se num vastíssimo conjunto de pinturas murais que recobriam quase inteiramente (e, na sua maior parte, continuam a recobrir) as paredes laterais da nave da antiga igreja paroquial de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves). Na verdade, em vários momentos do século XVI, as paredes laterais da nave desta igreja foram recebendo sucessivos programas de pintura mural, provavelmente, quase todos realizados pela mesma oficina. Assim, na parede do lado do Evangelho, são visíveis a Matança dos Inocentes (tema tratado pela liturgia no dia 28 de dezembro, ou Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Batismo de Jesus, ainda “in situ”, antes do destacamento (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA FOTO.00043916).
56
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, Vila Real: Vista geral do programa de pintura mural para a capela-mor, encomendado por D. Pedro de Castro, em cuja zona central se figura, muito adequadamente para uma igreja da invocação de Nossa Senhora, uma Árvore de Jeessé, evocando a genealogia de Jesus a partir de Jessé, pai do rei David, e culminando na Virgem com o Menino (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
seja, um tema narrativo mas, ao mesmo tempo, de evocação de um momento do calendário litúrgico) e Santo António; mais tarde, sobre a barra de rinceaux/grotescos que se colocava sobre estas pinturas, pintar-se-ia uma Última Ceia; nesta parede pintar-se-á também um gigantesco São Cristóvão (em frente ao portal lateral sul) e um Pentecostes. Mais tarde ainda, sobre o Pentecostes, pintar-se-á um Santo Bispo, este realizado por uma oficina diferente da que executou as restantes pinturas a que nos referimos.
Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, Vila Real: Pormenor do brasão do encomendador D. Pedro de Castro, situado no frontal do altar e datado de 1529 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
57
Na parede da nave do lado da Epístola, por vezes é visível, ao nível de um rodapé, um motivo provavelmente inspirado na azulejaria e que também ocorre no rodapé da capela-mor da igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves. Para além disso, pintaram-se, num registo mais baixo, o Batismo de Jesus - que hoje integra a coleção do Museu de Alberto Sampaio, de entre todas estas pinturas, a única datada (de 1535) - um São Mauro, São João Baptista indicando aos seus discípulos o Cordeiro de Deus, a Transfiguração de Jesus 73 e a Deposição de Jesus no Túmulo. Num registo superior pintaram-se, ainda o Calvário, a Lamentação sobre Jesus Morto e a Ressurreição. Assim, ao longo dos anos, em encomendas sucessivas, a nave desta igreja foi dispondo, para além de figurações de santos (neste caso, Santo António, São Mauro, São Cristóvão e Santo Bispo), da ilustração de uma série de temas de carácter narrativo relativos à vida de Jesus: uma cena incluída na narrativa da sua infância (Matança dos Inocentes), figurações referindo-se a momentos de reconhecimento da sua natureza como Filho de Deus (Baptismo e Transfiguração de Jesus) e pinturas relativas ao ciclo da Paixão. Foi ainda realizada pintura a propósito do Pentecostes 74. Joaquim Inácio Caetano integrou as pinturas Batismo de Jesus, Última Ceia, Matança dos Inocentes, Santo António, Calvário, Lamentação sobre Jesus Morto, Ressurreição, e Deposição de Jesus no Túmulo na atividade da “oficina III do Marão” 75 (a que chamo “oficina ativa em Nossa Senhora de Guadalupe” por se tratar da primeira pintura datada desta oficina que até agora conhecemos). Concordo com as atribuições deste autor, mas acrescentar-lhes-ia ainda as pinturas Transfiguração de Jesus (mesma barra de grilhagem usada por esta oficina no topo desta pintura), São João Baptista mostrando o Cordeiro de Deus (mesmo tratamento “de figura”) e São Mauro (mesma barra de grilhagem já referida no topo). Que houve mais do que uma intervenção desta oficina na nave desta Tríptico do Salvador. Pintura a óleo sobre madeira, datada de 1475-1525, proveniente do Convento de Jesus de Aveiro e integrada no Museu de Aveiro com o n.º de inventário 4/A, de provável encomenda do bispo de Coimbra D. Jorge de Almeida, cujo brasão figura no reverso dos volantes: brasão dos Noronha à esquerda e brasão dos Almeida e Silva à direita (1993, Direção-Geral do Património Cultural©, fotografia de José Pessoa).
igreja comprova-se pelo facto de a Última Ceia se sobrepor a friso de "rinceaux/grotescos" também realizado, anteriormente, por esta equipa de pintura mural. Parece-nos, portanto, que uma datação única, “tout court”, para todas as pinturas atribuíveis a esta oficina na nave desta igreja, é frágil. Se o Batismo (datado de 1535) tiver sido, como cremos, obra desta oficina, é possível que todo o programa realizado na parede sul, assim como a Última Ceia na parede norte, datem também de 1535. Na parede lateral do lado do Evangelho da antiga igreja paroquial de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, as várias pinturas que referimos
58
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
(Masssacre dos Inocentes, Santo António, Última Ceia, São Cristóvão, Pentecostes e Santo Bispo) não se subordinam a um ciclo temático: há figurações de santos, certamente da devoção dos paroquianos, e também cenas narrativas correspondendo a momentos importantes do calendário litúrgico como o Massacre dos Inocentes, a Última Ceia (talvez como preâmbulo e para acompanhar o programa relativo à Paixão que se realizou na parede em frente, do lado da Epístola) e uma belíssima pintura dedicada ao Pentecostes na qual se finge um enIgreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Vista geral da nave (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00105258)
quadramento arquitetónico de gosto renascentista que serve de cenário à efusão do Espírito Santo sobre os discípulos que rodeiam Nossa Senhora. Já na parede lateral sul desta igreja, a escolha dos temas a pintar parece ser estruturada segundo duas vertentes temáticas principais. No registo baixo, realizaram-se murais relativos a momentos de reconhecimento da natureza de Jesus como Filho de Deus e como o Cordeiro e Eleito de Deus (Batismo de Jesus, Transfiguração de Jesus e São João mostrando o Cordeiro de Deus). Nesta parede lateral sul, especialmente no seu topo, é desenvolvidíssimo o programa dedicado ao ciclo da Paixão de Cristo: Crucifixão, Lamentação de Jesus Morto e Ressurreição de Jesus, programa temático que incluía ainda no registo baixo a Deposição de Jesus no Túmulo. Este conjunto complexo de temas pintados nas paredes laterais da nave da igreja de Nossa Senhora da Azinheira levanta uma série de questões interessantes. É que os paroquianos não eram obrigados, nem pelas «Constituições Sinodais» (regras estabelecidas pelos prelados em sínodo e para serem cumpridas em todo o território da diocese), nem pelos visitadores do arcebispo (tanto quanto sabemos, a avaliar pelos documentos que registam as suas decisões e que sobreviveram), a fazer pinturas nas paredes laterais da nave. A documentação que chegou até nós apenas indica que os visitadores dos prelados repetidamente mandavam aos paroquianos que pintassem santos da sua devoção sobre os «altares de fora» e uma «Crucifixão acompanhada por Nossa Senhora e São João Evangelista» no topo do arco triunfal. Mais nada. Ou seja, todas estas pinturas existentes nas paredes laterais da nave da igreja paroquial de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco devem ter sido feitas não por obrigação, mas voluntariamente. Então, podemos perguntar-nos: o que levou os paroquianos desta igreja (ainda que, eventualmente, coadjuvados por capelães) a despender rendimentos para que se cobrissem quase inteiramente as paredes laterais da nave da sua igreja com esta multiplicidade de pinturas, a maioria das quais executada por uma boa oficina de pintura (que até trabalhava para o grande encomendador e bispo de Coimbra, D. Jorge de Almeida, e para seu sobri-
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
59
nho, D. Fernando de Meneses Coutinho, filho do conde de Penela, deão da sé de Coimbra, abade de uma multiplicidade de igrejas no arcebispado de Braga e, mais tarde, bispo de Lamego e arcebispo de Lisboa, por exemplo)? A multiplicidade de temas narrativos relativos à vida de Jesus figurados nas paredes laterais da igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco leva-nos também a perguntar: qual seria afinal a cultura religiosa destes paroquianos, leigos? 76 E porque seria importante para eles disporem destas imagens? Se atentarmos no amplo conjunto de pinturas relativas a cenas narrativas e, em particular, ao ciclo da Paixão, interrogamo-nos: estas pinturas murais tornavam-se necessárias como ilustração das referências que eram feitas a estes episódios nas liturgias e, especialmente, nas da Semana Santa? Serviriam de suporte visual a formas de devoção interiorizadora da Paixão de Cristo, na sequência de formas de espiritualidade da «Devotio Moderna»? Haveria formas de devoção focalizadas nestes episódios antecessoras da «Via Sacra»? Valerá a pena refletir sobre os encomendadores das pinturas encomendadas a esta oficina: D. Fernando de Meneses Coutinho, filho do primeiro conde de Penela (para a capela-mor da igreja paroquial de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves) e sobrinho do bispo de Coimbra D. Jorge de Almeida (por sua vez, o provável encomendador do referido tríptico que se conserva no Museu de Aveiro), D. Pedro de Castro (para a igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, Mouçós, Vila Real, grande encomendador e capelão do marquês de Vila Real), o herdeiro de João Teixeira de Macedo (que encomendou as pinturas murais para a capela funerária anexa à igreja de São Dinis de Vila Real que albergava o túmulo do seu antepassado), o abade da igreja paroquial de São Julião de Montenegro, o abade da igreja paroquial de São Miguel de Tresminas e o capelão de Santiago de Folhadela. Em relação a todos os abades de igrejas paroquiais referidos convém lembrar Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Aspeto geral do vasto programa de pintura mural encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida, para recobrir quase inteiramente a capela-mor (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
que todos auferiam nestas igrejas de importantes rendimentos (e outros benefícios que detinham, como, por exemplo, no caso de D. Fernando de Meneses Coutinho) 77. Mas esta oficina realizava também pinturas para paroquianos, fossem as encomendas coletivas (como pressupomos que é o caso quando não estão acompanhadas por nenhuma legenda que indique uma encomenda particular) ou individuais (como acontece com a pintura de Santa Marta na parede lateral do lado da Epístola na igreja de Santa Leocádia de Montenegro, encomendada por um paroquiano de Adães, por sua devoção. Ora, acontece que as pinturas murais que atribuímos a esta oficina não têm sempre nem a mesma extensão, nem a mesma qualidade de execução, o que leva a supor que esta oficina praticava uma política de preços que dependia simultaneamente da dimensão do programa a executar (um painel numa parede? toda uma parede? toda uma capela-mor?), o que, de resto, implicava diferentes graus de complexidade na conceção geral do programa, e, dadas as diferenças na qualidade de execução, uma política de preços que, muito provavelmente, dependia também da mestria do pintor a contratar (o mestre? um bom colaborador? um aprendiz?) 78.
60
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenor de Martírio dos Inocentes, inserido no programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenor de Visitação, inserida no programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa)
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenor de Circuncisão, inserida no programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenores de São Pedro, inserido no programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
61
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenores de São Paulo, inserido no programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida (2019, DRCNMuseu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenor de Anunciação aos Pastores, inserida no programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida (2019, DRCNMuseu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
62
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenor de Fuga para o Egipto, inserida no programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida. Pormenor de inscrição com identificação do encomendador - «Esta obra ma(...)/ dom fernado (...)/de Santa mar (...)/locaia(?) (...) e adaia[m] (...)/(...)» |esta obra ma[ndou (?)] (…)/ Dom Ferna[n]do (…)/ de Santa Mar[ia(?)] (…)/ Leocádia (…)/ e deão (…)/(…)| (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Pormenor de Apresentação no Templo, inserida no programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Programa para a capela-mor encomendado por D. Fernando de Meneses Coutinho, sobrinho de D. Jorge de Almeida. Pormenor da inscrição «Sancta (...)» e «(...) fazer o egregio senhor (?)/(...)nho do comcelh[o] dellrey e abade/(...) [m]aria de moreiras e samta loc/(...)m de coinbra e preto notairo(...) See apostollica./(...) es dom.» |Santa (…) e (…) fazer o egrégio senhor/ (…) nho, do concelho de el rei e abade/(…) Maria de Moreiras e Santa L[e]oc[ádia]/ (…) deão de Coimbra e protonotário (…) [da Santa] Sé Apostólica./(…) é Dom| (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
63
Igreja de São Tiago de Folhadela, Vila Real: Vista geral do programa de pintura mural para a capela-mor (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de São Dinis, Vila Real: Vista geral e pormenores do programa de pintura mural da capela funerária de João Teixeira de Macedo (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
64
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Igreja de Santa Leocádia de Montenegro, Chaves: Santa Marta, encomenda particular situada na parede lateral sul (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
65
7 TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS IGREJA DE NOSSA SENHORA DA AZINHEIRA DE OUTEIRO SECO, CHAVES
Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Transfiguração de Jesus, proveniente de parede lateral da nave, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 10 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
68
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Nas reservas do Museu de Alberto Sampaio conserva-se ainda uma outra pintura proveniente da parede lateral da nave do lado da Epístola da Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves. Trata-se de uma Transfiguração de Jesus. Esta pintura, à qual já nos referimos ao comentar o Batismo de Jesus, foi igualmente retirada da Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco em 1937. Quando foi destacada da parede, esta pintura ficou truncada no seu lado esquerdo e, sobretudo, na sua parte superior. A Transfiguração de Jesus perante Pedro, Tiago e João é relatada nos Evangelhos de Mateus (17:1-9), Marcos (9:2-10) e de Lucas (9:28-36). Sigamos, pois, estas narrativas, por exemplo, segundo a mais recente tradução para português da Bíblia Grega dos Septuaginta: “Seis dias depois, Jesus toma Pedro, Tiago e João (o irmão deste) e leva-os, só a eles, para uma alta montanha, para estarem sós. E transfigurou-se diante deles e brilhou o rosto dele como o Sol e as suas roupas tornaram-se brancas como a luz. E eis que lhes apareceu Moisés e Elias conversando com Jesus. Pedro, respondendo, disse a Jesus: «Senhor, é bonito estarmos aqui. Se queres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias.» Ele ainda falava quando eis que uma nuvem luminosa os ensombrou; e eis que uma voz veio da nuvem, dizendo: «Este é o meu filho amado, no qual me agradei. Escutai-o». Ouvindo «isto» os discípulos caíram com as suas caras no chão e apavoraram-se muito. E Jesus aproximou-se e, tocando-lhes, disse: «Levantai-vos e não tenhais medo». Levantando eles os seus olhos, não viram mais ninguém, a não ser apenas o próprio Jesus.” (Mateus, 17: 1-9) 79. “Seis dias depois, Jesus toma Pedro, Tiago e João e leva-os, só a eles, para uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles e as vestes dele tornaram-se resplandecentes e muito brancas, como lavadeiro algum as poderia branquear assim. E apareceu-lhes Elias com Moisés e ambos conversavam com Jesus. E Pedro, respondendo, diz a Jesus: «Mestre, é bonito estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias». Não sabia o que responder, pois estavam aterrados. E formou-se uma nuvem a ensombrá-los e da nuvem veio uma voz: «Este é o meu filho amado: escutai-o». E de repente, olhando à volta, já não viram ninguém, a não ser Jesus, sozinho com eles. E descendo eles da montanha, Jesus ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, senão quando o Filho da Humanidade tivesse ressuscitado dos mortos. Eles guardaram a palavra, indagando uns com os outros o que é ressuscitar dos mortos.” (Marcos, 9: 2-10)
80
.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
69
“Aconteceu que, uns oito dias depois destas palavras, levando consigo Pedro, João e Tiago, Jesus subiu à montanha para orar. Enquanto orava, o aspeto do seu rosto alterou-se e a sua roupa fulgia, branca. E eis que dois homens conversavam com ele: eram Moisés e Elias que, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua partida, que estava prestes a cumprir-se em Jerusalém. Pedro e os que estavam com ele caíam de sono. Mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele. E aconteceu que, quando eles iam separar-se de Jesus, Pedro Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Vista geral da parede lateral da nave do lado da Epístola, sendo ainda parcialmente visíveis o Batismo de Jesus e a Transfiguração de Jesus (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPASistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00043911).
disse-lhe: «Mestre, é bonito estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias». «Falava» não sabendo o que está a dizer. Dizendo ele estas coisas, surgiu uma nuvem que os ensombrava e, quando entraram na nuvem, ficaram aterrorizados. E da nuvem veio uma voz que disse: «Este é o meu filho escolhido. Escutai-o». E quando a voz se fez ouvir, Jesus foi encontrado só. Os discípulos guardaram silêncio e a ninguém contaram naqueles dias nada do que tinham visto.” (Lucas, 9:28-37) 81. Mas era a “Vulgata”, latina, mais tardia do que a Bíblia Grega, a que era lida nos serviços religiosos no século XVI. As traduções a partir da “Vulgata” são um pouco diferentes, fazendo-se diferentes escolhas de palavras: “Este é o meu filho dileto no qual me comprazo: ouvi-O”. Tendo em atenção os relatos dos três Evangelistas, parece claro que foi a narrativa segundo São Mateus a que mais influenciou o pintor desta Transfiguração de Jesus. Neste painel figurativo, no topo do lado direito, ilustra-se a nuvem luminosa e, no seu centro, vemos Deus-Pai. O Espíri-
Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Vista geral da parede lateral da nave do lado da Epístola, sendo visível o Batismo de Jesus, à direita, e a Transfiguração de Jesus, do lado esquerdo (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00043894).
to Santo está figurado como uma pomba, como é habitual, e coloca-se sobre a cabeça de Jesus, segurando filactera com uma legenda na qual, atualmente, apenas se pode ler “(...) me’ dilect(...)”, “meus dilect[us](…)”, ou seja, parte de «Hic est filius meus dilectus, in quo mihi bene complácui: ipsum audíte», quer dizer, "Este é o meu Filho dileto no qual me comprazo: ouvi-O", o que está de acordo com o Evangelho de São Mateus. Aqui se figuram também, seguindo o relato de São Mateus, os discípulos que caíram e se apavoraram muito e Jesus que se aproxima deles e lhes diz que se levantem e não tenham medo, um já se apresentando levantado e apontando para Jesus e o outro soerguendo-se, alçando os braços e as mãos. Ora a leitura do texto de São Mateus sobre a Transfiguração de Jesus fazia-se no segundo domingo da Quaresma. Outros autores têm proposto interpretações diferentes na tentativa de identificar o tema figurado nesta pintura. Mas, uma vez que só o Baptis-
70
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
mo e a Transfiguração de Jesus se fazem acompanhar pela voz de Deus dizendo «Hic est filius meus dilectus» 82, não resta dúvida de que aquilo de que se trata aqui é de uma figuração da Transfiguração de Jesus. A barra de enquadramento usada no topo desta pintura é recorrente em pinturas desta oficina realizadas quer nesta igreja de Outeiro Seco, quer noutros locais.
Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Transfiguração de Jesus depois de destaca e restaurada (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00043894).
Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco, Chaves: Pormenores da Transfiguração de Jesus, proveniente de parede lateral da nave, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 10 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
71
8 Sテグ BERNARDO E Sテグ BENTO IGREJA DE Sテグ SALVADOR DE FONTARCADA, Pテ天OA DE LANHOSO
Igreja de São Salvador de Fontacarda, Póvoa de Lanhoso: São Bernardo e São Bento, proveniente da capela-mor, integrado no Museu de Alberto Sampaio com o n.º de inventário MAS PD 6 (1996, DireçãoGeral do Património Cultural / Arquivo de Documentação Fotográfica©, fotografia de José Pessoa).
74
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
A pintura mural São Bernardo e São Bento foi destacada de um arco cego no registo alto da capela-mor da igreja de São Salvador de Fonte Arcada, Póvoa de Lanhoso. Esta igreja havia sido uma igreja monástica mas passou a ser igreja paroquial, cabeça de arcediagado, da responsabilidade do arcediago de Fontarcada 83. A pintura figurando São Bernardo e São Bento que hoje integra a coleção do Museu de Alberto Sampaio fazia parte de um vasto programa de pintura mural para toda a capela-mor da igreja de São Salvador de Fontarcada, do qual ainda se conservam alguns vestígios “in situ”. É possível que a escolha de figurar estes santos pretendesse aludir ao facto de Fontarcada ter sido mosteiro beneditino. Igreja de São Salvador de Fontarcada, Póvoa do Lanhoso: São Bernardo e São Bento, ainda “in situ”, antes do destacamento (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPASistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00056241).
Este programa foi descoberto quando a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais procedeu ao restauro desta igreja, estando a capela-mor completamente recoberta de estuques que ocultavam totalmente, no seu interior, as suas características arquitetónicas românicas, assim como as próprias pinturas murais. Foi à medida que se foi retirando esse revestimento tardio que se foram revelando quer as características da arquitetura, quer o próprio programa das pinturas que se adaptavam a esse suporte arquitetónico românico, mas que, também, o transfiguravam.
Igreja de São Salvador de Fontarcada, Póvoa do Lanhoso: Vista geral do programa de pintura mural da capela-mor (2019, DRCNMuseu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
75
Na verdade, o programa de pintura mural na capela-mor de Fontarcada é revelador de uma grande capacidade do pintor que o executou de se adaptar às estruturas arquitetónicas. O topo da capela-mor de Fontarcada oferecia grandes dificuldades à realização de um programa figurativo, uma vez que era animado por estreitas arcadas cegas no nível térreo, e por arcadas cegas mais largas, algumas das quais enquadrando frestas, no nível superior. Ou se tirava partido desta estrutura arquitetónica ou teria que se entaipar tudo para obter uma superfície lisa adequada à execução de um amplo programa figurativo “a fresco”. Demonstrando grande capacidade para lidar com os constrangimentos criados pelas estruturas arquitetónicas aqui presentes, o pintor resolveu aproveitá-las, criando um magno programa, aproveitando as arcadas cegas estreitas do nível térreo da capela-mor como enquadramento para a representação de um vasto número de imagens de vulto – fingidas - de santos. Assim, observando os vestígios do que resta desse programa, em cada arcada, sobre um padrão decorativo, foi pintada uma peanha fingida sobre a qual se representou a imagem de cada santo com a respetiva legenda de Igreja de São Salvador de Fontarcada, Póvoa do Lanhoso: Vestígios ainda “in situ” de São Bernardo e São Bento, na arcada cega do nível de topo da capela-mor (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
talhe curvilíneo, de acordo com a curvatura das arcadas cegas, e, provavelmente, identificando o santo representado. Ou seja, neste nível, a arquitetura passava a estar animada – e transfigurada – por um vasto programa em “trompe l’oeil” de imagens de vulto – fingidas – de santos. Tratou-se, assim, de substituir uma leitura arquitetonicamente expressiva, mas de granito nu, pelo desfrutar da nova proposta pictórica de uma vasta, rica e colorida coleção de imagens de santos.
Igreja de São Salvador de Fontarcada, Póvoa do Lanhoso: Vista geral da capela-mor antes do destacamento das pinturas murais (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00056245).
76
Igreja de São Salvador de Fontarcada, Póvoa do Lanhoso: Vista de pormenor de pintura mural conservada na capela-mor com representação de duas santas não identificáveis (Sem ano, Direção-Geral do Património Cultural©, SIPA- Sistema de Informação para o Património Arquitetónico FOTO.00056242).
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
No nível superior da capela-mor, as arcadas eram mais largas. Foi justamente de duas dessas arcadas que foram destacados os painéis que se encontram hoje no Museu de Alberto Sampaio (São Bernardo e São Bento) e no Laboratório José de Figueiredo - Direção-Geral do Património Cultural (São Francisco e São Domingos). Importa sublinhar as enormes qualidades de desenho, de tratamento do volume e de domínio da cor que se manifestam nesta obra. O programa geral, incluindo, no nível superior das arcadas cegas, fitas coloridas (mais uma vez, fingidas) enroladas à volta das colunas e dos toros das arcadas e uma variedade de outros motivos decorativos característicos desta oficina, adquiria até um carácter festivo. Esta pintura figurando São Bernardo e São Bento, hoje conservada no Museu de Alberto Sampaio, fazia, assim, parte do vasto programa decorativo para toda a capela-mor da igreja de São Salvador de Fontarcada, que procurámos descrever. Todos os estudiosos que ultimamente dedicaram a sua atenção a esta pintura (Joaquim Inácio Caetano 84 e, posteriormente, Catarina Valença Gonçalves 85, Luís Urbano Afonso 86 e eu própria 87) concordam em atribuir todo este programa de pintura mural – e, consequentemente, o São Bernardo e São Bento que integra a coleção do Museu de Alberto Sampaio – a mestre Arnaus, um mestre que assinou e datou, em 1535, as pinturas murais que realizou para a capela-mor da igreja paroquial de São Paio de Midões, Barcelos, e ao qual atribuímos também o segundo programa de pintura mural, datado de 1549, na capela-mor da igreja de Santa Marinha de Vila Marim, Vila Real, entre muitas outras obras. Trata-se, portanto, de um magnífico pintor que sabemos ter laborado durante os anos trinta e quarenta do século XVI.
Igreja de São Paio de Midões, Barcelos: Pintura mural situada na capela-mor, assinada por Mestre Arnaus e datada de 1535 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
77
Mestre Arnaus na sua única obra autógrafa (em São Paio de Midões, Barcelos) e nas que lhe atribuímos com base no uso de padrões decorativos muito específicos e com base em fortes semelhanças de desenho e de domínio da cor para tratar volumes, mostra-nos que trabalhava para uma clientela variada e aceitava grandes programas para toda uma capela-mor, mas também, e até, pequenas e limitadas intervenções de modernização de programas anteriores, como aconteceu na igreja de São Tiago de Folhadela, Vila Real.
Igreja de São Paio de Midões, Barcelos: Pormenor da assinatura do Mestre Arnaus e da data de 1535 (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Em Midões, mestre Arnaus deve ter trabalhado para um lóio de Vilar de Frades, instituição muito protegida pelo arcebispo D. Diogo de Sousa. Em Fontarcada – de onde proveio o São Bernardo e São Bento que integra a coleção do Museu de Alberto Sampaio – trabalhou, certamente, para o arcediago de Fontarcada, cónego e uma das dignidades da arquidiocese de Braga, arquidiocese que, nessa altura, usava e reclamava para si o título de “Primaz das Espanhas”. Trabalhou muito para D. António de Melo, abade comendatário do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, ao qual já nos referimos. Na igreja deste mosteiro executou, no meu entender, um inventivo programa, no meu entender, dedicado a São Brás no absidíolo do lado do Evangelho e um outro programa num portal entaipado, onde, para além do recurso à sua panóplia habitual de motivos decorativos, se figurava um anjo com asas de belíssimo colorido. Realizou também programas de pintura em igrejas do padroado de D. António de Melo, como Santa Marinha de Vila Marim em Vila Real e São Mamede de Vila Verde em Felgueiras. Não querendo enumerar todos os casos de pinturas murais que atribuímos a Mestre Arnaus, há, no entanto, um exemplo muito interessante de intervenções de reduzida extensão e aproveitando parte de programas anteriores cujo objetivo foi, quiçá, reparar
Igreja de Santa Marinha de Vila Marim, Vila Real: Topo do programa de pintura da capela-mor com frontão triangular com seres híbridos segurando brasão do encomendador, D. António de Melo88, abade comendatário do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, e a respetiva data de «ERA D(...)/1549» (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
78
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
qualquer degradação entretanto ocorrida e/ou modernizá-los. Assim aconteceu quer na capela-mor de São Tiago de Folhadela, Vila Real, quer até na parede do arco triunfal desta igreja. E, no entanto, essas intervenções são conduzidas com a qualidade de sempre, demonstrando até que este pintor
estava a par ou da arte de Hans Holbein ou das fontes de cultura da imagem usadas por ele. O facto de mestre Arnaus aceitar projetos grandes e pequenos leva-nos, por um lado, a pensar que pudesse fazer uma política de preços dependendo da extensão a pintar e, por outro, tal como foi crescentemente acontecendo a partir da segunda metade do século XV na Península Itálica, leva-nos a pensar que pelos anos trinta e quarenta de Quinhentos havia encomendadores capazes de diferençar a qualidade e o valor a pagar a um grande Mestre, como era Arnaus, querendo-o mesmo quando os recursos financeiros disponíveis não eram suficientes para pagar uma grande intervenção para toda uma parede, fosse ela na capela-mor ou na nave, fosse ela encomenda de um padroeiro, abade ou capelão ou uma encomenda dos paroquianos de uma igreja paroquial. BAXANDALL, Michael - Painting and experience in FifteenthCentury Italy. Oxford: Oxford University Press.1972.
Igreja de Santa Marinha de Vila Marim, Vila Real: Restos do programa de pintura de Mestre Arnaus. Pormenor de transfiguração da arquitetura através da adição de portas fingidas (2019, DRCN-Museu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
Igreja de Santa Marinha de Vila Marim, Vila Real: Restos do programa de pintura de Mestre Arnaus. Pormenores de personagem transportando galhetas para o Sacrifício Eucarístico saindo de uma das portas (2019, DRCNMuseu de Alberto Sampaio©, fotografia de Miguel Sousa).
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
79
9 CONCLUSÃO
As pinturas murais destacadas dos seus lugares de origem na primeira metade do século XX e que constituem o espólio de “frescos” do Museu de Alberto Sampaio falam-nos, assim, talvez surpreendentemente, de múltiplas realidades. São testemunho de práticas de intervenção e conservação da época em que tiveram lugar 89 e do empenho de vários Diretores do Museu de Alberto Sampaio, a começar pelo primeiro, Alfredo Guimarães, em conservar e disponibilizar aos seus públicos esta coleção de “frescos” destacados. Estas pinturas murais falam-nos também do empenho dos prelados bracarenses, sobretudo desde os finais do século XV 90 e nos inícios do século XVI 91 no sentido de dignificar os espaços sacros pelo recurso à imagem, fosse ela pintada ou esculpida. Esse esforço de dignificação dos templos terá um dos seus momentos culminantes na vontade expressa pelo arcebispo de Braga e Infante D. Henrique de que as igrejas fossem reservadas apenas para os serviços religiosos 92, contrariando práticas de longa data. E todo este esforço antecede o Concílio de Trento (1545-1563) que se constituirá como marca decisiva na Reforma da Igreja Católica Romana e cujas decisões não cessarão de ter consequências até ao final do Antigo Regime. Mas para que as decisões dos prelados fossem obedecidas era necessária vigilância e exigência, papel que, quando não era desempenhado pelos próprios prelados, o era pelos seus visitadores. E os visitadores, para além da imagem do orago ao centro da parede fundeira da capela-mor determinada nas «Constituições Sinodais» de D. Diogo de Sousa, quer para a diocese do Porto, quer para a arquidiocese de Braga, exigem por vezes figurações ladeando-a e mandam aos paroquianos que pintem os santos da sua maior devoção sobre os altares de fora, ou por vezes, nos frontais dos próprios altares e a Crucifixão acompanhada por Nossa Senhora e São João Evangelista no topo do arco triunfal 93. Tudo o que excede estas exigências corresponderá ao esforço voluntário de quem encomendou. Os “frescos” do Museu de Alberto Sampaio são igualmente testemunho do investimento, também financeiro, de padroeiros, abades, paroquianos e da comunidade do Convento de São Francisco de Guimarães na criação de imagens quer para capelas-mores e naves de igrejas paroquiais, quer para este Convento. Os temas destas pinturas, figurações de santos, mas também muitas cenas narrativas (como a Degolação de São João Baptista, o Batismo de Jesus, a Transfiguração de Jesus e várias cenas alusivas ao ciclo da Paixão de Cristo, pertencentes a um programa ainda mais vasto e complexo, como vimos) permitem-nos pensar nas devoções dos encomendadores, mas também, uma vez que muitas destas figurações correspondem a momentos especialmente lembrados ao longo do calendário litúrgico, nas intenções didáticas e catequéticas que terão motivado a realização destas pinturas. E, claro, estas pinturas murais evidenciam o gosto dos encomendadores e o trabalho das oficinas às quais recorreram, algumas fazendo pintura retabular e mural, e entre as quais se contam oficinas de grande qualidade local (como a do “Mestre Delirante de Guimarães”), ou oficinas de grande qualidade trabalhando para uma clientela mais alargada, como a que realizou o Batismo de Jesus, ou Mestre Arnaus, um dos melhores pintores laborando no Norte, pelo menos, nas décadas de trinta e quarenta de Quinhentos.
82
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
BIBLIOGRAFIA FONTES DOCUMENTAIS Arquivo Distrital de Braga, Registo Geral, Livro 330. Arquivo Distrital de Braga, Registo Geral, Livro 332.
BESSA, Paula – Pintura Mural em Santa Marinha de Vila Marim, S. Martinho de Penacova, Santa Maria de Pombeiro e na Capela Funerária Anexa à Igreja de S. Dinis de Vila Real: Parentescos Pictóricos e Institucionais e as Encomendas do Abade D. António de Melo. In Cadernos do Noroeste. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. N.º 20 (1-2): Série História 3 (2003) 67-95. (consultável em http://hdl.handle.net/1822/11928)
Arquivo Distrital de Braga, Registo Geral, Visitas e Devassas, Livro 434. Capítulos de visita e devassa das terras de Guimarães e Montelongo, 1548. Arquivo Distrital de Braga, Registo Geral, Visitas e Devassas, Livro 435. Capítulos de visita e devassa das terras de Guimarães e Montelongo, 1571. Arquivo Distrital de Braga, Registo Geral, Visitas e Devassas, Livro 436. Capítulos de visita e devassa das terras de Guimarães e Montelongo, 1586.
BESSA, Paula – Pintura Mural do Fim da Idade Média e do Início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. 3 Volumes. Dissertação de Doutoramento (policopiado). (consultável em http://repositorium.sdum.uminho.pt/ handle/1822/8305)
FONTES IMPRESSAS AFONSO, Luís – As Pinturas Murais da Igreja do Convento de S. Francisco de Leiria. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, 1999. 2 Volumes. Dissertação de Mestrado em História da Arte (policopiado). AFONSO, Luís – A cronologia das pinturas murais de S. Salvador de Bravães: uma reapreciação. Artis - Revista do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa. Lisboa. N.º 2 (2003) 273-274. AFONSO, Luís – Convento de S. Francisco de Leiria. Estudo monográfico. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. AFONSO, Luís – A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Internacional e o Fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2006. Dissertação de Doutoramento em História da Arte (policopiado). ANSELMO, Artur - Origens da Imprensa em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1981. ARCEBISPADO DE BRAGA - Constituyçoões feytas por mandado do Reverendissimo senhor dom Diogo de Sousa Arçebispo e Senhor de Braaga Primas das Espanhas. [s.l.]: [s.d.] (data provável: 1506). ARCEBISPADO DE BRAGA - Constituições do arcebispado de Braga do arcebispo cardeal-infante D. Henrique. Lisboa: Germam Galharde Frances, 1538. BATORÉO, Manuel – Sur le mur et sur le bois: la gravure dans la peinture de la Renaissance au Portugal. In AFONSO, Luís Urbano; SERRÃO, Vítor - Out of the Stream: new perspectives in the study of Medieval and Early Modern mural paintings. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 2007. pp. 103-114. (consultável em http://www.centrodehistoria-flul.com/ uploads/7/1/7/0/7170743/out_of_the_stream.pdf)
BAZAGLIA, Paulo (Direção editorial) - Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003. BESSA, Paula – D. Diogo de Sousa e a pintura mural na capela-mor da igreja de S. Salvador de Bravães. Património - Revista da Faculdade de Letras – Departamento de Ciências e Técnicas do Património. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. N.º 2: 1ª Série (2003) 757-781. (consultável em http://hdl.handle.net/1822/8493)
BESSA, Paula - Pintura mural da primeira metade do século XVI em igrejas paroquiais do Norte de Portugal: encomendas, artistas, obras. In FERREIRA-ALVES, Natália - A Encomenda. O Artista. A Obra. Porto: CEPESE, 2010. pp.473-486. BORSOOK, Eve - La sauveguarde des peintures murales en Italie de 1960 à 1993: un bilan. Revue de l’Art. Paris: Institut National d’Histoire de l’Art. N.º 108 (1995) 49-60 CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001. CAETANO, Joaquim Inácio - Conservação e Restauro da Pintura Mural [da Igreja de Santa Marinha de Trevões, S. João da Pesqueira]. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 14 (2001) 122-123. CAETANO, Joaquim Inácio – De la fragmentation du regard à l’identification des ensembles. In AFONSO, L.; SERRÃO, V. - Out of the Stream: new perspectives in the study of Medieval and Early Modern mural paintings. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 2006. pp. 88-102. (consultável em http://www.centrodehistoria-flul.com/ uploads/7/1/7/0/7170743/out_of_the_stream.pdf)
CAETANO, Joaquim Inácio – Novas achegas para a compreensão da actividade oficinal nos séculos XV e XVI. As Pinturas murais das Igrejas de Santo André de Telões, Amarante, de Santiago de Bembrive, Vigo e de S. Pedro de Xurnezás, Boborás, na Galiza. Revista da Faculdade de Letras – Departamento de Ciências e Técnicas do Património. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. N.º 5-6: 1ª Série (20062007) 57-68. CAETANO, Joaquim Inácio - Motivos decorativos de estampilha na pintura a fresco dos séculos XV e XVI no norte de Portugal: relações entre pintura moral e de cavalete. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011. Dissertação de Doutoramento em História da Arte, Património e Restauro (policopiado). COSTA, Augusto; NUNES, José; HESPANHOL, Pilar Pinto - Igreja de Santa Leocádia – Diagnóstico do Estado de Conservação de Pinturas Murais. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 7 (1997) 109-113. DIAS, Pedro - A Arquitectura Gótica Portuguesa. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.
BAXANDALL, Michael - Painting and experience in Fifteenth-Century Italy. Oxford: Oxford University Press.1972.
DIOCESE DO PORTO - Constituiçõees qve fez ho senhor dom Diogo de Sousa B[is]po do Porto. Porto: Oficina de Rodrigo Álvares, 1497.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
83
DIOCESE DO PORTO - Cõstituições sinodaes do bispado do Porto ord[e]nadas pelo muito reuere[n]do e magnifico Sõr dõ Baltasar Li[m] po bispo do dicto b[is]pado etc. Porto: Vasco Diaz Tanquo de Frexenal, 1541.(Biblioteca Nacional Digital. Cota do exemplar digitalizado: res-145-a.) (consultável em http://purl.pt/14687).
DUFFY, Eamon - The Voices of Morebath. Reformation and Rebellion in an English Village. New Haven and London: Yale University Press, 2001. DUFFY, Eamon - The Stripping of the Altars. Traditional Religion in England c. 1400- c. 1580. 2ª edição. New Haven and London: Yale University Press, 2005. ESPERANÇA, Fr. Manoel da – Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal. Lisboa: Oficina Craesbeekiana, 1656. 1ª Parte. ESTELLER, Eduard Carbonell [et al.] - Guide Art Roman. Barcelona: Museu Nacional d’Art de Catalunya, 1998.
PIMENTA, Rodrigo – Para a História do Arcebispado de Braga. Boletim de Trabalhos Históricos. Guimarães: Arquivo Municipal de Guimarães. N.º 1: volume VI (1941) 97-178. (consultável em https://www.amap.pt/bth/ano?a=2006).
QUADRIFÓLIO - Conservação e Restauro das Pinturas Murais e Retábulos [da Igreja de Santiago Maior, Adeganha]. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 20 (2004) 176-178. RÉAU, Louis – Iconografía del arte cristiano – Iconografía de la Biblia: Nuevo Testamento. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2000. Tomo I: volume II, pp.156-157. RODRIGUES, Dalila – A Pintura Mural Portuguesa na Região Norte. Exemplares dos Séculos XV e XVI, “A Colecção de Pintura do Museu de Alberto Sampaio. Séculos XVI-XVIII”. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1996.
FRAZÃO, Irene - Intervenção na Pintura a Fresco da Igreja de São Pedro de Marialva. Património-Estudos. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico. N.º 1 (2001) 151-152.
ROQUE, Mário da Costa – As pestes medievais europeias e o «Regimento proueytoso contra ha pestenença» Lisboa, Valentim Fernandes (1495-1496. Tentativa de interpretação à luz dos conhecimentos pestológicos actuais. In Fontes Documentais Portuguesas XII. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian. Centro Cultural Português, 1979.
GARCIA, António (edição e direção) – Synodicon Hispanum: vol. II – Portugal, Madrid: La Editorial Católica, 1982.
SERRÃO, Vítor - André de Padilha e a Pintura Quinhentista entre o Minho e a Galiza. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.
GOMES, Saul – Notícia sobre os frescos quatrocentistas de S. Francisco de Leiria. Lusitânia Sacra. Lisboa. N.º 8/9: 2ª série (1996/1997) 573598.
SERRÃO, Vítor - A Pintura Mural em Portugal - Um Património Artístico que Ressurge. História. Nº 27 - Ano XXII - III Série (2000, julho-agosto) 22-29.
GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo – Santa Marinha de Vila Marim: em Torno de um Brasão de Armas. Separata de Genealogia e Heráldica. Porto: Centro de Estudos de Genealogia e Heráldica e História da Família da Universidade Moderna do Porto. N.º 78 (2002) Separata.
SILVA, Isabel L. Morgado de Sousa e – A Ordem de Cristo (1417-1521). Militarium Ordinum Analecta. Porto: Fundação Eng. António de Almeida. N.º 6 (2002) p. 290.
GUIMARÃES, Alfredo – A Degolação de S. João Baptista. In Estudos do Museu Alberto Sampaio. Porto: Museu de Alberto Sampaio, 1942. Volume I. HESPANHOL, Pilar Pinto; NUNES, José – Trabalhos de Conservação e Restauro das Pinturas Murais [da Capela de São Pedro de Varais]. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 13 (2000) 141-143. KRISTELLER, Paul - Gravures sur Bois. Illustrations de la Renaissance Florentine. Paris: L’Aventurine, 1996.
SOARES, António Franquelim Sampaio Neiva – A Arquidiocese de Braga no Século XVII- Sociedade e Mentalidades pelas Visitações Pastorais (1550-1700). Braga: Bezerra, 1997. SOUSA, Catarina Vilaça de, – A Pintura Mural na Região de Guimarães no Século XVI. Revista de Guimarães. N. º111 (2001) 219-273. VANDEVIVERE, I.; CARVALHO, J. – O Mestre Delirante de Guimarães, “A Colecção de Pintura do Museu de Alberto Sampaio. Séculos XVI-XVIII”. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1996.
LOPES, Ana Sofia - Intervenção de Conservação nas Pinturas Murais do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro. Património-Estudos. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico. N.º 8 (2005) 46-50. LOURENÇO, Frederico (Tradução do grego, apresentação e notas) - Bíblia. Volume I. Novo Testamento. Os Quatro Evangelhos. Lisboa: Quetzal Editores, 2016. MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no Século XV. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988. MARTINS, Fausto Sanches – Aspectos Polémicos dos Painéis de S. Vicente: Ritual e Iconografia. Revista da Faculdade de Letras – Ciências e Técnicas do Património. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. N.º 2: 1ª Série (2003) 271-278. MAURÍCIO, Rui - O Mecenato de D. Diogo de Sousa Arcebispo de Braga (1505 – 1532) – Urbanismo e Arquitectura. Leiria: Magno Edições, 2000. Volume II. MEIRELES, Frei António da Assunção (edição de António Baião) – Memórias do Mosteiro de Pombeiro. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1942. MORAIS, Cristóvão Alão de – Pedatura Lusitana: Nobiliário de Famílias de Portugal. Porto: Livraria Fernando Machado, 1944. Tomo I: volume II. NUNES, José; HESPANHOL, Pilar Pinto - Conservação e Restauro nas Pinturas Murais [da Igreja de S. Tomé de Abambres]. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 11 (1999) 82-84.
84
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
NOTAS 1 GUIMARÃES, Alfredo – A Degolação de S. João Baptista. In Estudos do Museu Alberto Sampaio. Porto: Museu de Alberto Sampaio, 1942. Volume I.
7 Folha 2 vº de ARCEBISPADO DE BRAGA - Constituyçoões feytas por mandado do Reverendissimo senhor dom Diogo de Sousa Arçebispo e Senhor de Braaga Primas das Espanhas. [s.l.]: [s.d.] (data provável: 1506).
2 Vejam-se, por exemplo, os seguintes artigos relativos a intervenções de conservação e restauro de pintura mural – referindo-se, por vezes, a estudos laboratoriais - publicados aquando de intervenções recentes coordenadas pela DGEMN e pelo IPPAR: COSTA, Augusto; NUNES, José; HESPANHOL, Pilar Pinto - Igreja de Santa Leocádia – Diagnóstico do Estado de Conservação de Pinturas Murais. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 7 (1997) 109-113. NUNES, José; HESPANHOL, Pilar Pinto - Conservação e Restauro nas Pinturas Murais [da Igreja de S. Tomé de Abambres]. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 11 (1999) 82-84. HESPANHOL, Pilar Pinto; NUNES, José – Trabalhos de Conservação e Restauro das Pinturas Murais [da Capela de São Pedro de Varais]. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 13 (2000) 141-143. CAETANO, Joaquim Inácio - Conservação e Restauro da Pintura Mural [da Igreja de Santa Marinha de Trevões, S. João da Pesqueira]. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 14 (2001) 122-123. FRAZÃO, Irene - Intervenção na Pintura a Fresco da Igreja de São Pedro de Marialva. Património-Estudos. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico. N.º 1 (2001) 151-152. QUADRIFÓLIO - Conservação e Restauro das Pinturas Murais e Retábulos [da Igreja de Santiago Maior, Adeganha]. Monumentos. Lisboa: Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais. N.º 20 (2004) 176-178. LOPES, Ana Sofia - Intervenção de Conservação nas Pinturas Murais do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro. Património-Estudos. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico. N.º 8 (2005) 46-50. Vejam-se, ainda, outros estudos como, por exemplo: CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001.
8 Ver por exemplo página 99 de GARCIA, António Garcia y (edição e direção) - Synodicon Hispanum. Madrid: La Editorial Católica, vol. II – Portugal, 1982 e folha 16 de Constituiçõees qve fez ho senhor Dom Diogo de Sovsa B[is]po do Porto, Porto, na oficina de Rodrigo Alvares, 1497.
3 A cal tal como a conhecemos não existe na natureza. É um produto humano obtido pela transformação de matéria-prima natural. Neste caso, a matéria-prima é a rocha calcária, tanto melhor para o efeito quanto mais elevado for a sua percentagem de carbonato de cálcio. A transformação dá-se pelo processo designado de calcinação, popularmente também designada de queima, levada a efeito em fornos próprios. A região do Norte de Portugal é eminentemente granítica e xistosa, sendo consequentemente desprovida da rocha calcária própria à produção de cal.
12 Sobre a importância dos motivos de carácter decorativo que integram e enquadram pinturas figurativas, bem como para a identificação dos diversos trabalhos de uma mesma oficina, veja-se o trabalho pioneiro e de grande importância de CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001. Veja-se também a sua Tese de Doutoramento: CAETANO, Joaquim Inácio - Motivos decorativos de estampilha na pintura a fresco dos séculos XV e XVI no norte de Portugal: relações entre pintura moral e de cavalete. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011. Dissertação de Doutoramento em História da Arte, Património e Restauro (policopiado).
4 É sempre esse o caso das pinturas estudadas por CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001. 5 Relativamente à Catalunha, veja-se, por exemplo, as páginas 11-12 de ESTELLER, Eduard Carbonell [et al.] - Guide Art Roman. Barcelona: Museu Nacional d’Art de Catalunya, 1998: “L’intérêt pour les fresques romanes s’était également intensifié de manière remarquable dans le monde du commerce de l’art. Ce phénomène est à la base d’une tentative d’exportation des fresques, qui comptait avec l’aide de techniciens italiens dans l’arrachage de peintures à fresque. La Commission des Musées avec Joaquim Folch i Torres à la tête de la Section d’Art Médiéval et Moderne du Musée depuis 1918, réagit à temps et freina l’opération, mais les peintures de l’abside centrale de Mur partirent pour le Museum of Fine Arts de Boston. Non sans qu’un débat interne ait eu lieu, il fut décidé que les peintures seraient tranférées à Barcelone et installées au Musée (...)”; confirmar igualmente as páginas seguintes a propósito da constituição da coleção de pinturas murais do Museu Nacional d’Art de Catalunya. Relativamente à Itália veja-se por exemplo BORSOOK, Eve - La sauveguarde des peintures murales en Italie de 1960 à 1993: un bilan. Revue de l’Art. Paris: Institut National d’Histoire de l’Art. N.º 108 (1995) 49-60. Neste artigo, Eve Borsook faz uma revisão crítica da salvaguarda de pinturas murais em Itália no período em análise, por vezes referindo intervenções anteriores. Segundo esta autora, em Itália, nem sempre as críticas aos restauros antigos tiveram em consideração as condições em que se encontravam as peças e as técnicas então à disposição dos restauradores. Relativamente ao destacamento do ciclo de pinturas murais do século XV na catedral de Prato em 1964-65, frescos que se encontravam com terríveis problemas de desagregação do reboco, Eve Borsook diz mesmo “Les detracteurs actuels n’ont jamais dit ce que l’on aurait pu faire d’autre à cette époque, et personne n’avait encore envisagé la possibilite d’un traitement à l’hidroxyde de baryum.” (página 51). Relativamente aos destacamentos diz Eve Borsook “Ce qui les a rendu caducs, c’est le traitement à l’hidroxyde de baryum, mis au point après les inondations de 1966 par l’équipe dirigée par Enzo Ferroni à l’université de Florence, en collaboration avec le restaurateur Dino Dini. (...) Pour l’instant, c’est simplement la meilleure technique dont on dispose pour maintenir sur leur support mural bom nombre de fresques fragilisés.” (Página 51). 6 Página 76 de GARCIA, António (edição e direção) – Synodicon Hispanum: vol. II – Portugal, Madrid: La Editorial Católica, 1982.
9 ARCEBISPADO DE BRAGA - Constituições do arcebispado de Braga do arcebispo cardeal-infante D. Henrique. Lisboa: Germam Galharde Frances, 1538. 10 Páginas 457-458 de SOARES, António Franquelim Sampaio Neiva – A Arquidiocese de Braga no Século XVII- Sociedade e Mentalidades pelas Visitações Pastorais (1550-1700). Braga: Bezerra, 1997: “(...) segundo o costume da arquidiocese a sua fábrica [da Capela] era da obrigação do padroeiro, do comendador ou do abade, só em casos excepcionais recaindo sobre os fregueses (...). A sua fábrica [corpo da igreja] era geralmente da obrigação dos fiéis, que se deviam fintar para as despesas (...). Mas conhecem-se casos de abades ou padroeiros terem alguns encargos nessa parte do templo (...)”. Página 30 de DIAS, Pedro - A Arquitectura Gótica Portuguesa. Lisboa: Editorial Estampa, 1994: “(...) era obrigação do padroeiro das igrejas paroquiais pagar as obras de construção e manutenção da capela-mor, da sacristia e da casa do pároco, enquanto os fregueses tinham de arcar com o custeamento do corpo (...)”. 11 Por exemplo, bulas papais permitindo que filhos ilegítimos pudessem aceder à vida religiosa ou concedendo o privilégio de poderem ser abades de mais do que uma igreja paroquial ou de poderem deter o cargo de prior de igreja colegiada ou até o de serem cónegos ou prelados de igreja catedral, registos de terem recebido a formação religiosa necessária (ordens menores, ordem de Epístola, ordem de Evangelho e ordem de missa, por vezes recebidas em diversas dioceses portuguesas e mesmo estrangeiras), registo das suas nomeações como abades de igrejas paroquiais.
13 Como já argumentei em estudos anteriores como BESSA, Paula – D. Diogo de Sousa e a pintura mural na capela-mor da igreja de S. Salvador de Bravães. Património - Revista da Faculdade de Letras – Departamento de Ciências e Técnicas do Património. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. N.º 2: 1ª Série (2003) 757-781. (consultável em http://hdl.handle.net/1822/8493)
e BESSA, Paula – Pintura Mural do Fim da Idade Média e do Início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. 3 Volumes. Dissertação de Doutoramento (policopiado). (consultável em http://repositorium.sdum.uminho.pt/ handle/1822/8305).
14 Os epítetos associados a Jesus significam o seguinte: Cristo e Messias significam “Ungido”; Emanuel corresponde a “Deus connosco”. 15 A data que aí se pode ler, acompanhando o Martírio de São Sebastião I, é 1501. Luís Afonso propôs, no entanto, que pudesse ter havido má interpretação de restauro e que essa data pudesse antes ser 1510. Segundo Joaquim Inácio Caetano, parece haver hipótese de esclarecimento desta questão analisando-se, com recurso a lupa de grande potência, se de facto há restos de pigmento na zona que Luís Afonso supõe indicar um “x” e não um “i”, tal como agora é possível ler (AFONSO, Luís – A cronologia das pinturas murais de S. Salvador de Bravães: uma reapreciação. Artis - Revista do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa. Lisboa. N.º 2 (2003) 273-274). O esclarecimento desta questão é relevante não só no que se
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
85
refere ao estabelecimento da cronologia mas porque assim se poderá esclarecer também a responsabilidade pela encomenda do primeiro programa de pintura na capela-mor, uma vez que, se as pinturas na capela-mor foram realizadas em 1501, o seu encomendador poderá ter sido Tristão de Barros; se a data for 1510, o encomendador poderia ser o sobrinho do arcebispo D. Diogo de Sousa, João Rodrigues de Sousa. 16 Primeiras campanhas na capela-mor e nave/arco triunfal da igreja de São Salvador de Bravães, na capela-mor de Santa Marinha de Vila Marim, na capela-mor e nave de São Mamede de Vila Verde, na capela-mor de São Martinho de Penacova, na nave de São Salvador de Freixo-de-Baixo, (segundo Luís Urbano Afonso; destruídas), na capela-mor e arco triunfal de Santo André de Telões, uma segunda intervenção na parede norte da nave de São Nicolau de Canaveses e, talvez ainda, na minha opinião, as pinturas que subsistem no absidíolo do lado da Epístola da igreja do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro. À atividade desta oficina, Luís Afonso atribui também a realização das pinturas destruídas no arco triunfal da igreja de São Cristóvão de Lordelo e no arco triunfal da igreja de São Pedro de Sapiãos: AFONSO, Luís – A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Internacional e o Fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2006. Dissertação de Doutoramento em História da Arte (policopiado).
27 Museu de Lamego, N.º de Inventário 14; data atribuída: 1475-1480. 28 Páginas 686-687 e 703 de MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no Século XV. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988. 29 Página 41 de MEIRELES, Frei António da Assunção (edição de António Baião) – Memórias do Mosteiro de Pombeiro. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1942. 30 Sobre a identificação do brasão de D. António de Melo na capela-mor da igreja de Santa Marinha de Vila Marim, deverá ver-se o estudo de heráldica e genealogia de GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo – Santa Marinha de Vila Marim: em Torno de um Brasão de Armas. Separata de Genealogia e Heráldica. Porto: Centro de Estudos de Genealogia e Heráldica e História da Família da Universidade Moderna do Porto. N.º 78 (2002) Separata. 31 Ilustração a partir de exemplar disponibilizado on-line pelo Princeton University Art Museum: Jesus lavando os pés a Pedro, N.º de inventário 22974 (Consultável em https://artmuseum.princeton.edu/collections/objects/9942)
17 Ver, por exemplo, representação de Santa Doroteia in KRISTELLER, Paul - Gravures sur Bois. Illustrations de la Renaissance Florentine. Paris: L’Aventurine, 1996. p. 63. Agradeço a Joaquim Inácio Caetano a apresentação – e empréstimo – desta obra. 18 Páginas 398-399 de ROQUE, Mário da Costa – As pestes medievais europeias e o «Regimento proueytoso contra ha pestenença» Lisboa, Valentim Fernandes (1495-1496. Tentativa de interpretação à luz dos conhecimentos pestológicos actuais. In Fontes Documentais Portuguesas XII. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian. Centro Cultural Português, 1979.
32 Ilustração a partir de exemplar disponibilizado on-line pelo Princeton University Art Museum: Lamentação, N.º de inventário 22880 (Consultável em https://artmuseum.princeton.edu/collections/objects/9972)
19 Página 368 de ANSELMO, Artur - Origens da Imprensa em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1981. 20 Sobre os conceitos de nimbo, auréola e glória veja-se, por exemplo, MARTINS, Fausto Sanches – Aspectos Polémicos dos Painéis de S. Vicente: Ritual e Iconografia. Revista da Faculdade de Letras – Ciências e Técnicas do Património. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. N.º 2: 1ª Série (2003) 271-278. 21 Ilustração a partir da Página 368 de ANSELMO, Artur - Origens da Imprensa em Portugal. Lisboa: IN-CM, 1981. 22 Página 19 de DIOCESE DO PORTO - Cõstituições sinodaes do bispado do Porto ord[e]nadas pelo muito reuere[n]do e magnifico Sõr dõ Baltasar Li[m]po bispo do dicto b[is]pado etc. Porto: Vasco Diaz Tanquo de Frexenal, 1541. 23 Tal acontece em muitas gravuras ilustrando Bíblias como, por exemplo, Biblia, Venetiis, 1511; Biblia cum concordatijs veteris et noui testamenti et sacrorum..., Lugduni, 1516; Biblia , Lugduni, 1546. Todas as Bíblias do século XVI que estudei, incluindo as que aqui referimos, pertencem à coleção da Biblioteca Pública Municipal do Porto. 24 Um exemplo, aliás mais tardio, de entre a produção de pintura portuguesa a óleo sobre madeira, é a Pietá da Sé de Lamego (Museu de Lamego, N.º de inventário 20; data atribuída: segunda metade do século XVI). 25 BESSA, Paula – D. Diogo de Sousa e a pintura mural na capela-mor da igreja de S. Salvador de Bravães. Património - Revista da Faculdade de Letras – Departamento de Ciências e Técnicas do Património. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. N.º 2: 1ª Série (2003) 757-781. (consultável em http://hdl.handle.net/1822/8493).
26 BESSA, Paula – Pintura Mural em Santa Marinha de Vila Marim, S. Martinho de Penacova, Santa Maria de Pombeiro e na Capela Funerária Anexa à Igreja de S. Dinis de Vila Real: Parentescos Pictóricos e Institucionais e as Encomendas do Abade D. António de Melo. In Cadernos do Noroeste. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. N.º 20 (1-2): Série História 3 (2003) 67-95. (consultável em http://hdl.handle.net/1822/11928)
86
33 Ilustração a partir de exemplar disponibilizado on-line pelo Princeton University Art Museum: Deposição, N.º de inventário 22879 (Consultável em http://artimage.princeton.edu/files/ProductionJpegs/ INV22879.jpg)
34 Folha 2 vº de DIOCESE DO PORTO - Constituiçõees qve fez ho senhor dom Diogo de Sousa B[is]po do Porto. Porto: Oficina de Rodrigo Álvares, 1497, e folha 2 vº de ARCEBISPADO DE BRAGA - Constituyçoões feytas por mandado do Reverendissimo senhor dom Diogo de Sousa Arçebispo e Senhor de Braaga Primas das Espanhas. [s.l.]: [s.d.] (data provável: 1506). 35 Exemplos: Jan van Eyck ou discípulos, Julgamento Final, The Metropolitan Museum, New York; Rogier Van der Weyden, Políptico do Julgamento Final, c. 1443-1450, Hôtel-Dieu, Beaune; Hans Memling, Tríptico do Julgamento Final, antes de 1472, Muzeum Narodowe, Gdansk; Petrus Christus, Julgamento Final, Gemäldegalerie, Berlim. 36 Arquivo Distrital de Braga, Registo Geral, Livro nº 330 e página 136 de PIMENTA, Rodrigo – Para a História do Arcebispado de Braga. In Boletim de Trabalhos Históricos. Guimarães: Arquivo Municipal de Guimarães. N.º 3: volume VI (1941) 97-178. 37 Arquivo Distrital de Braga, Registo Geral, Livro nº332, folha 30. Aliás João Rodrigues de Sousa foi confirmado por seu tio como abade de outras igrejas do arcebispado de Braga, por exemplo, em 1509, em São Mamede de Sitiões da terra de Regalados (Arquivo Distrital de Braga, Registo Geral, Livro 332, follha 45 vº). 38 Páginas 724-725 de MARQUES, José – A Arquidiocese de Braga no Século XV. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988. 39 De facto, a 8 de maio de 1515, este sobrinho de D. Diogo de Sousa, referido na sua confirmação nesta igreja de São Salvador de Bravães como sendo clérigo de Coimbra, era já deão desta diocese como é referido na documentação de aplicação de rendas desta igreja para a constituição das comendas novas da Ordem de Cristo (taxa anual de 78 ducados de ouro); o capelão era, então, Brás Dinis: página 290 de SILVA, Isabel L. Morgado de Sousa e – A Ordem de Cristo (1417-1521). Militarium Ordinum Analecta. Porto: Fundação Eng. António de Almeida. N.º 6 (2002).
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
40 Páginas 309-311 de MORAIS, Cristóvão Alão de – Pedatura Lusitana: Nobiliário de Famílias de Portugal. Porto: Livraria Fernando Machado. Tomo I: volume II, 1944. Ainda seguindo a Pedatura Lusitana, é de notar que, apesar das frequentes bastardias, esta família tinha considerável poder. Gonçalo de Barros, o primeiro abade de Bravães depois desta igreja ser reduzida a igreja paroquial, era bisneto de Nuno F[e]r[nande]s de Barros a quem D. Pedro I doou o préstimo de Peroselo, tendo casado com Brites de Azevedo, filha do senhor da honra de São Martinho de Regalados. Seu filho mais velho, Gonçalo Nunes de Barros, foi senhor do préstimo de Peroselo, tal como o pai, mas D. João I doou-lhe ainda Castro Daire e as Terras de Entre-Homem-e-Cávado, tendo sido também comendador da Ordem do Hospital e tendo tido vários filhos bastardos, talvez legitimados pelo rei D. João I. Seu filho mais velho, com o mesmo nome, casou com Isabel de Castro Vasconcelos, filha bastarda de Gonçalo Mendes de Vasconcelos, senhor da Lousã e de outras terras, sendo seu filho mais velho justamente Gonçalo de Barros, o primeiro abade de Bravães, depois da redução desta igreja a paroquial. Segundo a Pedatura, Gonçalo de Barros foi não só abade de Bravães, mas também de Rendufe. Na verdade, numa carta de legitimação concedida por D. Manuel I em 23 de abril de 1499 a favor de Genebra de Barros diz-se que esta é «filha de Gonçalo de Bairros dom abbade dos moesteiros de Rendufe e Barbacos (sic. Será Barbaes/Bravães, como frequentemente se escreve no século XVI?) e de Isabel de Aguiar, molher solteira (...)» (página 686 de MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no Século XV. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988). Se for esse o caso, Gonçalo de Barros teve uma extraordinária longevidade, uma vez que se tornou abade de Bravães em 1434 e já era abade de Rendufe em 1464, altura em que se apresentou em Braga a receber o presbiterado e como abade deste mosteiro, e assim permaneceu até 1503, altura em que passa a comendatário deste mosteiro, cargo que retém até 1506. 41 «(...) Jtem leixo por meus testamenteiros ao dayam de cojmbra e amtonio de Meneses meus sobrinhos e ao doutor Joham de cojmbra meu provisor e ao doutor Ruy gomez meu vigajro e Joham carnejro mestre escola meu camarejro (...)» (página 305 de MAURÍCIO, Rui - O Mecenato de D. Diogo de Sousa Arcebispo de Braga (1505 – 1532) – Urbanismo e Arquitectura. Leiria: Magno Edições, 2000. Volume II). Note-se que Ruy Gomez foi abade da igreja de Gatão, uma igreja com pintura mural, e que João Carneiro foi o encomendador da capela funerária da igreja de São Francisco do Porto para a qual se realizou a pintura a óleo que Vítor Serrão data de 1525-30 e atribui a André de Padilha (SERRÃO, Vítor - André de Padilha e a Pintura Quinhentista entre o Minho e a Galiza. Lisboa: Editorial Estampa, 1998). 42 Página 290 de SILVA, Isabel L. Morgado de Sousa e – A Ordem de Cristo (1417-1521). Militarium Ordinum Analecta. Porto: Fundação Eng. António de Almeida. N.º 6 (2002).
le monde du commerce de l’art. Ce phénomène est à la base d’une tentative d’exportation des fresques, qui comptait avec l’aide de techniciens italiens dans l’arrachage de peintures à fresque. La Commission des Musées avec Joaquim Folch i Torres à la tête de la Section d’Art Médiéval et Moderne du Musée depuis 1918, régit à temps et freina l’opération, mais les peintures de l’abside centrale de Mur partirent pour le Museum of Fine Arts de Bóston. Non sans qu’un débat interne ait eu lieu, il fut décidé que les peintures seraient tranférées à Barcelone et installées au Musée (...)”; ver igualmente as páginas seguintes a propósito da constituição da coleção de pinturas murais deste museu. 51 GOMES, Saul – Notícia sobre os frescos quatrocentistas de S. Francisco de Leiria. Lusitânia Sacra. Lisboa. N.º 8/9: 2ª série (1996/1997) 573-598. AFONSO, Luís – As Pinturas Murais da Igreja do Convento de S. Francisco de Leiria. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, 1999. 2 Volumes. Dissertação de Mestrado em História da Arte (policopiado). AFONSO, Luís – Convento de S. Francisco de Leiria. Estudo monográfico. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. Páginas 395-406 do Anexo I de AFONSO, Luís – A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Internacional e o Fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2006. Dissertação de Doutoramento em História da Arte (policopiado). 52 Dever-se-á esta situação nos mosteiros e igrejas paroquiais ligadas aos Cónegos de Santo Agostinho a preferência por pintura retabular, como se aconselhava nas Constituições de D. Luís Pires que estabeleciam que «(...) somos certificado que poucos moesteiros há em este arcebispado das dictas duas ordens que tenham ymagens dos dictos preciosos sanctos o que hé grande erro.(...). E os dom priores de sancto Agostinho mandem pintar em outra grande tavoa a sua ymagem com sobrepelizia e sobre a sobrepelizia huua capa de’egreja e sobre a capa o escapulairo preto e com mitra na cabeça e baagoo na mãao.(...)»? in GARCIA, António (edição e direção) – Synodicon Hispanum: vol. II – Portugal, Madrid: La Editorial Católica, 1982. p.81 (sublinhados da minha responsabilidade). Por outro lado, recentemente, foram identificadas por Vítor Serrão duas pinturas a óleo sobre madeira atribuíveis ao Mestre Delirante de Guimarães na igreja do mosteiro de Santa Maria de Landim, o que testemunha a existência de encomendas de pintura sobre tábua nesta casa de Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. 53 Páginas 274-282 do Anexo I de BESSA, Paula – Pintura Mural do Fim da Idade Média e do Início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. 3 Volumes. Dissertação de Doutoramento (policopiado). 54 Esta pintura mural foi destacada do seu local original, conservando-se, contudo, no Convento de São Francisco de Guimarães, Guimarães.
43 E, pelo menos, o São Roque no Bosque e o Santo Mártir que acredito serem da mesma oficina.
55 GUIMARÃES, Alfredo – A Degolação de S. João Baptista. In Estudos do Museu Alberto Sampaio. Porto: Museu de Alberto Sampaio, 1942. Volume I.
44 Um exemplo, no contexto italiano, de brasão inserto em coroa de louros ocorre no rodapé da belíssima capela de Nicolau V no Palácio do Vaticano (oficina de Fra Angelico, 1448).
56 Página 21 de GUIMARÃES, Alfredo – A Degolação de S. João Baptista. In Estudos do Museu Alberto Sampaio. Porto: Museu de Alberto Sampaio, 1942. Volume I.
45 Segundo http://www.matriznet.dgpc.pt/, estes “frescos” foram incorporados “no Museu Nacional de Arte Antiga muito tarde, em data incerta (Inv. Nº. 2035) (...). No cadastro de inventário não consta o modo de incorporação. Do Museu Nacional de Arte Antiga foram para restauro no Instituto José de Figueiredo, onde estiveram largos anos, tendo vindo do Instituto José de Figueiredo para o Museu de Alberto Sampaio em 1977” (Ofício do Museu de Alberto Sampaio de 15 de março de 1978).
57 Página 158 de ESPERANÇA, Fr. Manoel da – Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal. Lisboa: Oficina Craesbeekiana, 1656. 1ª Parte
46 RÉAU, Louis – Iconografía del arte cristiano – Iconografía de la Biblia: Nuevo Testamento. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2000. Tomo I: volume II, pp.156-157. 47 GUIMARÃES, Alfredo – A Degolação de S. João Baptista. In Estudos do Museu Alberto Sampaio. Porto: Museu de Alberto Sampaio, 1942. Volume I. 48 Capela de São Brás e sala do capítulo da igreja da Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, igrejas paroquiais de Cerzedo, São Romão de Arões, São Salvador de Pinheiro, Santa Eulália de Pentieiros, Santa Cristina de Serzedelo. 49 GUIMARÃES, Alfredo – A Degolação de S. João Baptista. In Estudos do Museu Alberto Sampaio. Porto: Museu de Alberto Sampaio, 1942. Volume I, pp.21-22. 50 Páginas 11 e 12 de ESTELLER, Eduard Carbonell [et al.] - Guide Art Roman. Barcelona: Museu Nacional d’Art de Catalunya, 1998: “L’intérêt pour les fresques romanes s’était également intensifié de manière remarquable dans
58 Idem, p. 169. Valerá a pena, com certeza, a transcrição total deste passo: «(...) Mas o leão infernal, que d’antes andaua muito raiuoso pela guerra, q[ue] lhe fazia do coro co[m] as armas da oração, & deuaçao o exercício sagrado deste nosso conuento de Guimarães, no seu vigairo, ou capitão quis tomar cruel vinga[n]ça. Foi o caso tão atròz, que só pelo nome do officio, sem declararem o próprio, o derão a conhecer os antigos, dizendo também q[ue] era home[m] justificado na vida, incançauel na frequência do coro, & muito zeloso do officio diuino. Bramindo pois o demónio, co mesmo atreuime[n]to, cõ que espancou algu[m]as vezes a N.P.S.Francisco, & queria afogar o padre S. António, lhe poz também suas mãos violentas, & sacrílegas. Bateo hu[m] a noite na porta de sua cella, & espertãdoo disse q[ue] fosse pera o coro, porque não auia nelle que[m] rezasse as matinas. Foi o vigairo correndo, & achou tudo escuro, sem diuisar nestas treuas mais q[ue] huns vultos confusos, & mal distintos, dos quaes cuidou q[ue] serião os religiosos postos co[m] deuação de joelhos como costumão estar em qua[m]to não se começão as horas. Ma[n]dou accender o candieiro, & pòr liuros na estante; & ninguém lhe respondeo. Tornou a dizer, que acodissem á sua obrigação, & todos ficarão tão quietos como d’antes. Quis finalmente pegar nu[m] d’aquelles, que estauão em o lugar dos irmãos, pera q[ue] trouxesse lume; mas neste po[n]to se leuantou contra elle a quadrilha do inferno, que toda junta o feria cruelmente. Gritou pelo nome de Iesu, & com elle na bocca foi fugindo até o canto da segu[n]da varanda, â qual chegou moído, & quebrantado de modo, q[ue] não se podia ter. Os religiosos, q[ue] ainda estauão no dormitorio, acodindo a os gritos, o leuantarão nos braços, & magoados do caso o la[n] carão em o leito. Porèm elle alegre de padecer em ódio da virtude âs mãos do maior tyranno, em poucos dias deu sua alma a Deos, laureada: nosso modo de falar com coroa de glorioso martyrio. Aconteceo este caso pelos annos de 1450. em cuja detestação se passou a assistência do coro pera a capella mor, & ahi permaneceo muito tempo. No
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
87
canto da sobredita varanda, por não pintarem tão horrendo espectáculo, que causaria pauor (...)», etc.
71 http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=5780
59 Página 169 de ESPERANÇA, Fr. Manoel da – Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal. Lisboa: Oficina Craesbeekiana, 1656. 1ª Parte 60 Página 158 de ESPERANÇA, Fr. Manoel da – Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal. Lisboa: Oficina Craesbeekiana, 1656. 1ª Parte. 61 VANDEVIVERE, I.; CARVALHO, J. – O Mestre Delirante de Guimarães, “A Colecção de Pintura do Museu de Alberto Sampaio. Séculos XVI-XVIII”. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1996 pp. 16-39. 62 VANDEVIVERE, I.; CARVALHO, J. – O Mestre Delirante de Guimarães, “A Colecção de Pintura do Museu de Alberto Sampaio. Séculos XVI-XVIII”. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1996. p. 16-39.
72 Página 22 de exemplar de «Biblia Pauperum» impresso cerca de 1470 nos Países Baixos ou Alemanha, conservado na Livraria do Congresso dos Estados Unidos da América - Library of Congress Control Number 49038879. (Consultável em http://hdl.loc.gov/loc.rbc/rosenwald.0019.1)
63 Páginas 58-59 de RODRIGUES, Dalila - A Pintura Mural Portuguesa na Região Norte. Exemplares dos Séculos XV e XVI, “A Colecção de Pintura do Museu de Alberto Sampaio. Séculos XVI-XVIII”. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1996. 64 Página 234 de SOUSA, Catarina Vilaça de, – A Pintura Mural na Região de Guimarães no Século XVI. Revista de Guimarães. Guimarães. N. º111 (2001) 219-273. 65 Este trabalho foi-me gentilmente cedido pelo autor ainda antes da sua publicação, o que muito agradeço. 66 Página 59 de RODRIGUES, Dalila - A Pintura Mural Portuguesa na Região Norte. Exemplares dos Séculos XV e XVI, “A Colecção de Pintura do Museu de Alberto Sampaio. Séculos XVI-XVIII”. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1996. 67 Ver fotografias acompanhando o estudo de VANDEVIVERE, I.; CARVALHO, J. – O Mestre Delirante de Guimarães, “A Colecção de Pintura do Museu de Alberto Sampaio. Séculos XVI-XVIII”. Lisboa: Instituto Português de Museus, 1996, particularmente na página 25, figura 8. 68 Arquivo Distrital de Braga, Visitas e Devassas, Livro n.º 434, folha 2 vº, no qual consta capítulo de visita a Santa Maria de Corvite, datado de 1548, segundo o qual o visitador decide mandar «(...) aos fregueses que pintem o altar de São Bastião de remano sob pena de dozentos reaes pêra as obras da see». Nas visitações seguintes a esta igreja que se conservam (Arquivo Distrital de Braga, Visitas e Devassas, Livro 435, de 1571, e Livro 436, de 1586) não se volta a mandar realizar mais nenhum programa de pintura. Parece, assim, que, em 1548, toda a restante pintura em Corvite já existiria. Ou seja, as pinturas murais existentes em Corvite devem ter sido realizadas por oficina que interveio nesta igreja nos anos quarenta de Quinhentos. Como as pinturas da oficina que vimos comentando em Serzedelo deverão ser anteriores a essas pinturas em Corvite, elas deverão corresponder, talvez, aos anos vinte/trinta de quinhentos o que as suas características estilísticas parecem confirmar. Na verdade, nestes programas de pintura mural em Serzedelo a exuberância das composições de grotescos/rinceaux indica alguma maturidade não só no gosto por este tipo de decoração, mas também na capacidade de invenção e de execução desse tipo de motivos que esta oficina evidencia, o que parece indicar uma datação não anterior aos anos vinte. É certo que na capela-mor de Santa Leocádia há excelentes composições deste tipo de cerca de 15111513, mas apenas nos topos das paredes. A exuberância, o amor pela variação de motivos que encontramos em Serzedelo faz lembrar mais a largueza das composições de Nossa Senhora de Guadalupe (lugar de Ponte, Mouçós, Vila Real), já de 1529. 69 A Capela de São Brás serviu como capela funerária albergando os túmulos do almoxarife Álvaro Gonçalves de Freitas e de sua mulher Dona Beringela Gil. É por isso possível que o tríptico da Lamentação fosse encomenda particular e não da colegiada. Esta capela de São Brás possuiu, aliás, vasto programa de pintura mural descrito por Alfredo Guimarães no seu trabalho publicado em 1942 e já várias vezes citado. 70 Este abade havia sido confirmado nesta igreja pelo arcebispo D. Diogo de Sousa a 19 de dezembro de 1512 e ainda era vivo em 1537, altura em que teve que apresentar os seus títulos ao arcebispo-Infante D. Henrique, o que deverá corresponder à cronologia das pinturas na capela-mor desta igreja. A sua apresentação neste benefício fez-se por renúncia do seu então abade e cónego da Sé de Braga, João Gonçalves. É possível que este abade Gonçalo Fernandes fosse parente de um anterior abade desta igreja e cónego da Sé de Braga, Diogo Fernandes. De qualquer forma, esta igreja constituía certamente um benefício de interessantes rendimentos, de forma a merecer a confirmação pelo papa, em Roma, de Diogo Fernandes que, mais tarde, viria a ser cónego da Sé de Braga.
88
73 No topo desta figuração aparecem Deus-Pai e o Espírito Santo acompanhados de legenda na qual apenas se pode ler «(...) me’ dilect (...)», ou seja, parte de «Hic est filius meus dilectus, in quo mihi bene complácui: ipsum audíte», quer dizer, “Este é o meu Filho dileto no qual me comprazo: ouvi-O”, de acordo com o Evangelho de São Mateus, numa leitura que se fazia no segundo domingo da Quaresma. 74 Sobre as pinturas desta oficina poderá ver-se, por exemplo, o meu estudo em BESSA, Paula – Pintura Mural do Fim da Idade Média e do Início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. 3 Volumes. Dissertação de Doutoramento (policopiado), pp. 205-215 e, sobre as pinturas na nave da igreja de Nossa Senhora da Azinheira, Anexo I, pp. 243-259. 75 Página 39 de CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001. 76 Sobre esta questão vejam-se as reflexões de DUFFY, Eamon - The Stripping of the Altars. Traditional Religion in England c. 1400- c. 1580. 2ª edição. New Haven and London: Yale University Press, 2005, particularmente o capítulo “How the Plouwman learned his Pater Noster”, páginas 53-88, e também, por exemplo, DUFFY, Eamon - The Voices of Morebath. Reformation and Rebellion in an English Village. New Haven and London: Yale University Press, 2001. 77 Páginas 211-214 de BESSA, Paula – Pintura Mural do Fim da Idade Média e do Início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. 3 Volumes. Dissertação de Doutoramento (policopiado). E sobre relações familiares e sociais entre vários encomendadores poderá ver-se também páginas 480-481 de BESSA, Paula - Pintura mural da primeira metade do século XVI em igrejas paroquiais do Norte de Portugal: encomendas, artistas, obras. In FERREIA-ALVES, Natália - A Encomenda. O Artista. A Obra. Porto: CEPESE, 2010. pp.473-486. 78 Sobre esta questão poderá ver-se BESSA, Paula - Pintura mural da primeira metade do século XVI em igrejas paroquiais do Norte de Portugal: encomendas, artistas, obras. In FERREIA-ALVES, Natália - A Encomenda. O Artista. A Obra. Porto: CEPESE, 2010. pp.473-486. 79 Páginas 115-116 de LOURENÇO, Frederico (Tradução do grego, apresentação e notas) - Bíblia. Volume I. Novo Testamento. Os Quatro Evangelhos. Lisboa: Quetzal Editores, 2016. 80 Página 188 de LOURENÇO, Frederico (Tradução do grego, apresentação e notas) - Bíblia. Volume I. Novo Testamento. Os Quatro Evangelhos. Lisboa: Quetzal Editores, 2016. 81 Páginas 257-258 de LOURENÇO, Frederico (Tradução do grego, apresentação e notas) - Bíblia. Volume I. Novo Testamento. Os Quatro Evangelhos. Lisboa: Quetzal Editores, 2016. 82 Relativamente ao Batismo de Jesus, vejam-se Mateus (3:17-4:1), Marcos (1:11-12) e Lucas (3: 22-23). A versão da “Vulgata” era a que era lida no século XVI. Como versão mais atual poderá recorrer-se a páginas 1708, 1759 e 1793 de BAZAGLIA, Paulo (Direção editorial) - Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003. 83 Páginas 666-668 de MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no Século XV. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988. Segundo este emérito historiador, em 1437, o abade beneditino D. Frei Gonçalo é privado desse benefício e o arcebispo D. Fernando da Guerra nomeia, em sua substituição, Frei Lourenço do Mosteiro de Refojos de Basto, referindo não haver aí convento para eleger abade. Em 1438, o mesmo arcebispo passa carta de administração do mosteiro ao mestre Fernando d’Achellas da Ordem de São
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
Domingos, seu pregador. Em 1455, D. Fernando da Guerra reduz esta igreja a igreja paroquial e em 1465, eleva-a a sede do arcediagado de Fontarcada. 84 Páginas 49-57 e 69 de CAETANO, Joaquim Inácio - O Marão e as Oficinas de Pintura Mural nos Séculos XV e XVI. Lisboa: Aparição, 2001. 85 Páginas 219-273, e especialmente 243-247, de SOUSA, Catarina Vilaça de, – A Pintura Mural na Região de Guimarães no Século XVI. Revista de Guimarães. N. º111 (2001) 219-273. 86 Páginas 210-213, 275-281, 354-357 e Anexo A, pp. 839-847 de AFONSO, Luís – A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Internacional e o Fim do Renascimento: Formas, Significados, Funções. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2006. Dissertação de Doutoramento em História da Arte (policopiado). 87 Páginas 222-230 de BESSA, Paula – Pintura Mural do Fim da Idade Média e do Início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. 3 Volumes. Dissertação de Doutoramento (policopiado). (consultável em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/8305)
88 Identificado por Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo Graça. 89 Sobre este assunto poderá ver-se o que escrevi em BESSA, Paula – Pintura Mural do Fim da Idade Média e do Início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. 3 Volumes. Dissertação de Doutoramento (policopiado). p. 26-30. (consultável em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/8305)
90 Página 81 de GARCIA, António (edição e direção) – Synodicon Hispanum: vol. II – Portugal, Madrid: La Editorial Católica, 1982. 91 Folha 2 vº de DIOCESE DO PORTO - Constituiçõees qve fez ho senhor dom Diogo de Sousa B[is]po do Porto. Porto: Oficina de Rodrigo Álvares, 1497, e folha 2 vº de ARCEBISPADO DE BRAGA - Constituyçoões feytas por mandado do Reverendissimo senhor dom Diogo de Sousa Arçebispo e Senhor de Braaga Primas das Espanhas. [s.l.]: [s.d.] (data provável: 1506). 92 Constituições do arcebispado de Braga do arcebispo-infante D. Henrique, 1538, fols. 51-52 vº. 93 Sobre este assunto poderá ver-se BESSA, Paula – Pintura Mural do Fim da Idade Média e do Início da Idade Moderna no Norte de Portugal. Braga: Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2007. 3 Volumes. Dissertação de Doutoramento (policopiado). pp. 245- 251 e 262-267. (consultável em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/8305)
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
89
A3
Igreja de São Salvador de Bravães,
A28
Ponte da Barca GPS 41.797878, -8.453102
13 IC28
Ponte da Barca
A27
N103
A3
Igreja de São Salvador de Fontarcada, 14 Póvoa de Lanhoso GPS 41.579356, -8.245788
N103
Braga
Barcelos
Povoa do Lanhoso Museu Alberto Sampaio,
A11
A11
Guimarães GPS 41.442609, -8.292255
15
1
Igreja de São Paio de Midões,
Convento de São Francisco, 2
Barcelos GPS 41.501937, -8.585623
Guimarães GPS 41.440668, -8.292727
Igreja de São Miguel do Castelo,
A7
Guimarães
3
Guimarães GPS 41.447236, -8.291088
A28
10
Igreja de São Martinho de Penacova, 5
4 Mosteiro de Santa
Maria de Pombeiro,
Felgueiras GPS 41.382621, -8.225706
Felgueiras GPS 41.373600, -8.250119
Igreja de São Mamede de Vila Verde, 6
A3
Felgueiras GPS 41.304805, -8.181712
A4
Porto rio Do ur o
A1
A11
Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro de Seco,
Chaves GPS 41.768450, -7.450341
12 N103
Chaves N103
A24
Igreja de Santa Leocádia,
Chaves GPS 41.617492, -7.461254
11
A24
A7 A24 A4
Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, Vila Real GPS 41.305813, -7.743606
Igreja de Santa Marinha de Vila Marim,
Vila Real GPS 41.308975, -7.776747
7
9
Vila Real A4
10 Igreja de São Tiago de Folhadela, 8
Igreja de São Dinis,
Vila Real GPS 41.280226, -7.738843
Vila Real GPS 41.291721, -7.746540
rio Douro
Lamego A24
1
92
2
3
Museu Alberto Sampaio, Guimarães GPS 41.442609, -8.292255
Convento de São Francisco, Guimarães GPS 41.440668, -8.292727
Igreja de São Miguel do Castelo, Guimarães GPS 41.447236, -8.291088
O Museu de Alberto Sampaio encontrase instalado nas dependências da antiga Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães, que juntamente com a sua igreja, se encontram classificadas como Monumento Nacional desde 1910. Situado no centro histórico de Guimarães, o Museu de Alberto Sampaio abriu ao público a 1 de agosto de 1931 para receber a coleção da então extinta colegiada, composta maioritariamente de arte sacra, assim como o espólio de diversas outras igrejas e conventos da região. Alfredo Guimarães é escolhido para acompanhar as obras de recuperação do edificado e sua adaptação a museu, conjunto que incluía as Casas do Cabido e do Priorado, vindo a tornar-se o seu primeiro Diretor. O museu alberga um importante espólio artístico de que faz parte: o conjunto de escultura tumular, de vulto e de arquitetura, com exemplares do período medieval e renascentista; o núcleo de pintura composto por pintura mural destacada e pintura sobre tábua; a coleção de cerâmica que reúne objetos de faiança e azulejaria; e um importante conjunto de ourivesaria do qual se destaca o cálice românico de D. Sancho I. Deste espólio é de realçar a veste militar usada por D. João I na batalha de Aljubarrota e ainda o tríptico de prata dourada com a representação da Natividade e a figura de Santa Maria, ambos oferecidos pelo Mestre de Avis.
Do conjunto primitivo que precedeu o atual Convento de São Francisco em Guimarães, nada subsistiu até aos dias de hoje. Durante o reinado de D. Dinis, e no seguimento de melhoramentos no sistema amuralhado de defesa da cidade, o antigo convento foi demolido. Por esta razão, é ainda difícil fazer uma datação exata das origens desta velha construção. As opiniões que reúnem maior consenso situam a sua edificação no começo do século XIII, o que lhe confere o estatuto de ser uma das primeiras casas conventuais do país. A segunda campanha de construção, que começou no ano de 1400, duraria quase um século e resultaria no edifício Gótico que se mantém até hoje. Apesar disso, as várias reformas modernas executadas neste monumento deixaram poucos vestígios aparentes da sua arquitetura gótica original, sendo a cabeceira a melhor referência deste período. Quanto ao portal principal, a ausência de decoração e o seu traçado irregular com capiteis pouco cuidados, faz com que este se assemelhe mais com a arquitetura românica do que com a arquitetura gótica. Das grandes obras realizadas durante o período moderno destacam-se nos finais do século XVI a construção do claustro maneirista de dois andares e, já no século XVIII, a profunda remodelação do interior da igreja, alterando o seu estilo Gótico original para o atual cunho plenamente barroco. Esta campanha de obras teve um grande foco nos aspetos decorativos, o que resultaria no revestimento da capela-mor e da nave por painéis de azulejos e na colocação do retábulo-mor em talha dourada.
Quem visitar a Igreja São Miguel do Castelo irá encontrar no seu interior, junto da pia batismal, uma lápide datada de 1664. A inscrição gravada nesta lápide alude ao batismo de D. Afonso Henriques, perpetuando a lenda de que teria sido nesta igreja que o fundador da nação foi batizado. Apesar da forte ligação que este lugar tem com a história da fundação de Portugal, a verdade é que a construção deste edifício aconteceu durante século XIII, já no reinado de Afonso III. A primeira referência a este templo remonta ao ano de 1216 e menciona que a construção aconteceu por iniciativa da Colegiada de Guimarães, alvo de contenção na altura por parte do Arcebispo de Braga, o que levaria até a um confronto de armas entre as duas partes. No entanto a igreja viria a ser sagrada em 1239 pelo próprio Arcebispo. Esta igreja simples, de reduzida decoração e composta por nave única e capela-mor, caiu na ruína por volta de 1870. Poucos anos depois um grupo de habitantes de Guimarães procederam a uma ação de restauro da estrutura e já no século XX a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) levou a cabo uma campanha que visou supressão de elementos nãomedievais, como por exemplo, a remoção do campanário, dos altares barrocos que se encontravam na nave da igreja e do entaipamento de algumas janelas e portas abertas durante o século XIX. Atualmente este Monumento Nacional, classificado desde 1910, encontra-se integrado no conjunto monumental que incluí o Castelo de Guimarães e o Paço dos Duques de Bragança.
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
6
4 Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, Felgueiras GPS 41.382621, -8.225706
Igreja de São Mamede de Vila Verde, Felgueiras GPS 41.304805, -8.181712
O Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro foi, durante o período medieval, um dos mais importantes mosteiros beneditinos de Entre-Douro-e-Minho pelo seu valor patrimonial e dimensão do seu programa construtivo. Existem menções de Pombeiro que remontam ao ano de 853, através de um Breve Papal, o que o torna numa das instituições monacais mais antigas de todo território português. Da primeira construção, iniciada no ano de 1059, não sobraram quaisquer vestígios, sendo o atual edifício o resultado de uma segunda campanha iniciada em 1199 pelo abade D. Gonçalo, como indica a inscrição funerária e comemorativa da fundação do mosteiro, gravada junto de uma porta que acede ao claustro. O Mosteiro de Pombeiro viria a receber sucessivos enriquecimentos de ordem estrutural e decorativa ao longo do tempo, começando no século XIII com a execução do portal ocidental e da ampla rosácea. Durante os séculos XVI e XVIII esta construção recebe um grande número de reformas que lhe dão o aspeto atual. Em menos de uma centúria, é contruída uma nova ala do claustro (1702), coro alto (1719) e capela-mor (1722), assim como é encomendado um órgão (1767), o retábulo-mor (17701773) e múltiplos retábulos laterais (1774-1780). Durante uma campanha neoclássica de princípios do século XIX, o claustro é reformulado, mas poucos anos depois, com a extinção das Ordens Religiosas em 1834, a instituição monástica é encerrada e o mosteiro entra num processo de ruína que se prolonga pelo século XIX. O mosteiro é classificado Monumento Nacional em 1910 sendo alvo de sucessivas intervenções de conservação e restauro desde meados do século XX por parte da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), Instituto Português do Património Arquitetónico (IPPAR) e, atualmente, Direção Regional da Cultura do Norte (DRCN).
A paróquia de São Mamede de Vila Verde teve a sua fundação nos primeiros anos do século XIII. Os registos mais antigos do primitivo templo datam de 1220 integrando-o no padroado do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro. Este templo haveria, no entanto, de ser substituído por uma igreja construída no século XIV, pelo que nenhum vestígio sobreviveu da anterior construção. Composta por nave única e capelamor, a Igreja de São Mamede de Vila Verde viu o seu interior ser enriquecido durante o século XVI por um programa de pintura mural executado pelo Mestre Arnaus, importante nome do Renascentismo português. Ainda se conservam alguns vestígios “in loco” da pintura mural que reveste a nave e capela-mor, o que nos permite identificar os padrões com motivos vegetalistas e geométricos usados nas paredes laterais, assim como a composição retabular na parede da cabeceira com a representação de São Bernardo e São Bento. A transferência de culto para a nova igreja paroquial de Vila Verde, no século XIX, resultou no abandono deste monumento medieval. Na década de 50 do século XX já não possuía cobertura, o que acelerou o seu estado de ruína. Recentemente a igreja foi alvo de várias intervenções de conservação e requalificação, no âmbito da Rota do Românico do Vale do Sousa.
5 Igreja de São Martinho de Penacova, Felgueiras GPS 41.373600, -8.250119 A Igreja de São Martinho de Penacova, no concelho de Felgueiras, terá sido fundada por volta do século XVI. É composta por nave única e capelamor quadrangular, tendo adossadas a sacristia e torre sineira. No entanto, o elemento de maior destaque encontrase no seu interior, na parede fundeira da capela-mor, onde se conserva boa parte do programa de pintura mural com a representação do orago deste templo, São Martinho, na sua tradicional representação, a cavalo enquanto divide o seu manto com o mendigo. Por cima da figura encontra-se gravada uma inscrição bem conservada onde podemos ler: «mARTInVS AdVS CATECVmInUS AdjV mE …CVn…». Esta inscrição alude a um episódio da história do santo em que, depois de ter repartido o seu manto com o mendigo, São Martinho tem um sonho onde Cristo lhe aparece com a metade que havia dado ao pobre homem. Nesse sonho Cristo diz aos anjos: «Martinus, adhuc catechumenus hac me veste contexit», ou seja, “Martinho ainda que não mais que catecúmeno, deu-me este manto”.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
93
7 Igreja de Santa Marinha de Vila Marim, Vila Real GPS 41.308975, -7.776747 Fundada entre os séculos XIII e XIV, a Igreja de Santa Marinha de Vila Marim destaca-se pelo seu importante e diverso conjunto de pintura mural que reveste o interior desta construção medieval, resultado de diferentes encomendas dos séculos XV e XVI. Destas campanhas sucessivas destacam-se os dois conjuntos de pintura mural próximos do arco triunfal do lado do Evangelho. Estas duas pinturas encontram-se sobrepostas, estando numa zona superior o conjunto mais antigo com a representação de Santa Catarina e um conjunto posterior com as representações de São Brás, Santo Antão e São Roque numa zona inferior e uma outra composição representando Cristo no Jardim das Oliveiras, rodeado por Pedro, Tiago e João, e O Beijo de Judas. Também podemos ver dois conjuntos de períodos diferentes que revestem as paredes da capela-mor: na parede fundeira uma composição de finais do século XV com a representação de Santa Marinha ladeada por São Bento e São Bernardo; e um segundo conjunto com uma composição decorativa de grotescos em amarelo, ocre e vermelho. No canto inferior esquerdo desta composição é possível ver a figuração de um galgo. Em relação à estrutura, este templo é constituído por nave única, capela-mor e sacristia e é adossada por uma torre sineira contruída no século XVIII. Em 2006 foi classificada como Imóvel de Interesse Público.
94
8
9
Igreja de São Dinis, Vila Real GPS 41.291721, -7.746540
Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, Vila Real GPS 41.305813, -7.743606
Situada no antigo núcleo medieval de Vila Real, a Igreja de São Dinis está fortemente ligada à fundação daquele primitivo burgo. Mesmo não existindo certezas relativas à sua construção, pensa-se que tenha acontecido nos princípios do século XIV. De arquitetura românica tardia, a Igreja de São Dinis apresenta uma amálgama de estilos arquitetónicos, consequência das constantes remodelações que o edifício foi sujeito ao longo dos tempos. Destas transformações é de ressaltar no século XVII o revestimento interior com painéis de azulejos, no século XVIII a encomenda de retábulos laterais barrocos e colaterais maneiristas, a construção da sacristia e torre sineira, e já no século XIX, a adição do retábulomor de estilo neoclássico. A Igreja de São Dinis tem ainda adossada a capela de São Brás, o templo mais antigo da cidade e a primeira sede paroquial deste território. A sua construção teve lugar poucos anos depois da fundação de Vila Real, ocorrida no ano de 1289 por ordem de D. Dinis. Este templo, transformado em capela funerária, apresenta uma planta retangular e dispõe de apenas modestos elementos decorativos. Apesar de ainda não existirem provas concretas que atestem esta teoria, julga-se que esteja aqui sepultado o corpo de Lourenço Viegas, filho de D. Egas Moniz e espadeiro do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques.
No ano de 1996 é descoberto na Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, atrás de um frontal de madeira, uma pintura mural que revestia originalmente toda a parede fundeira da capela-mor. Nesta surge uma representação da “Árvore de Jessé” e, apesar de se encontrar bastante danificada, é ainda possível ver o ano em que foi pintada (ano de 1529), além de uma inscrição que possivelmente alude ao autor desta obra: «AM.DRA». Este pequeno templo tardo-gótico de nave única e capela-mor retangular foi construído entre finais do século XV e princípios do século XVI pelo Abade de Mouçós e Freamunde, o Protonotário de Vila Real D. Pedro de Casto. Apesar da sua arquitetura gótica, apresenta algumas características tipológicas, decorativas e de proporção que se assemelham ainda ao estilo românico, das quais podemos destacar os portais laterais de arco pleno e os cachorros no remate superior das paredes. O portal principal apresenta, no entanto, um arco de volta quebrada, de cariz gótico. Este portal é servido por um patamar quadrado de granito com três degraus. O teto, de construção mais recente, foi o resultado de uma intervenção de restauro realizada entre 1992 e 1996, que teve como objetivo o reforço das estruturas e a consolidação dos aspetos decorativos. Todos os anos, no segundo domingo de maio, é realizada a romaria de Nossa Senhora de Guadalupe junto ao cruzeiro que ainda se conserva no adro desta igreja.
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
10
12
Igreja de São Tiago de Folhadela, Vila Real GPS 41.280226, -7.738843
Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro de Seco, Chaves GPS 41.768450, -7.450341
A construção da Igreja de São Tiago de Folhadela deverá ter ocorrido por volta dos séculos XIII-XIV durante o período tardo-românico. O edifício apresenta uma planta longitudinal composta por nave única e capela-mor retangular e ainda sacristia e torre sineira adossadas do lado norte, as duas últimas em acrescento posterior executado no século XVIII. No interior o teto de madeira apresenta um programa de pintura com figurações de São Pedro, São Paulo e dos Evangelistas. No século XVI é encomendado um programa de pintura mural que alguns estudiosos atribuem ao pintor renascentista Mestre Arnaus. Dos vários conjuntos de pintura que se encontram no interior devemos realçar as localizadas no arco triunfal: do lado do Evangelho conservam-se vestígios de pintura com a representação de São Bartolomeu; do lado da Epístola observamos as figuras de São Sebastião e São Pedro; e no topo figura-se o Calvário acompanhado da inscrição «QVI TRANSITIS PER VIAM ATTENDITE ET VIDETE SI EST DOLOR SICUT DOLOR» (Lamentações 1:12: “Ó vós que passais pelo caminho, olhai e vede: Se há dor semelhante à minha dor”. A fachada principal foi completamente alterada, muito provavelmente durante o século XIX, criando um grande contraste com o resto do edificado. A este período pertencem também os retábulos colaterais e o retábulo-mor de estilo neoclássico. Já no século XX e na continuação de uma intervenção de conservação da pintura mural presente na nave, a Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) procedeu ao restauro da pintura que se encontrava na parede fundeira da capela-mor por detrás do retábulo-mor, figurando São Pedro, São Tiago e São Paulo.
11 Igreja de Santa Leocádia, Chaves GPS 41.617492, -7.461254 As primeiras menções que comprovam a existência da Igreja de Santa Leocádia remontam ao século XIII. Através de um documento régio de 28 de setembro de 1264, podemos constatar que Afonso III ordenou os juízes de Chaves a não obrigar os habitantes destas terras a prestar tributo ao castelo de Chaves, de forma a atender aos protestos dos abades das igrejas de Santa Leocádia, Moreiras e São Miguel de Nogueira. Quanto à construção do edificado, é possível que tenha ocorrido por volta do século XII, o que torna esta igreja numa das mais antigas da região de Chaves. Composta por uma nave curta e capela-mor retangular, esta igreja de arquitetura românica sofreu ao longo dos séculos várias reformas estruturais e decorativas. Destas remodelações podemos destacar a pintura mural do século XVI que revestia todo o interior com figuras representadas em grande escala; os retábulos de talha dourada dos séculos XVII e XVIII; a abertura de um novo portal e janela na fachada principal no século XVIII; e as pinturas executadas no teto durante o século XIX. Em 1997, durante trabalhos arqueológicos, é descoberto um muro romano no cunhal nordeste da capelamor, comprovando o povoamento desta zona muito anterior à existência deste templo.
Os primeiros documentos que fazem referência à Igreja de Nossa Senhora da Azinheira de Outeiro Seco são datados de 1235. Este templo românico tardio é composto por uma nave única curta, uma capela-mor quadrangular e uma sacristia adossada ao lado norte. O portal principal revela uma recetividade aos padrões proto-góticos constituído por duas arquivoltas, adornadas por capitéis de motivos vegetalistas, zoomórficos e antropomórficos. No século XVI esta igreja viria a ser melhorada, especialmente com a encomenda de várias pinturas murais com representações de cenas da vida de Jesus, como o Batismo, o Calvário, a Lamentação, o Enterro e a Ressurreição, entre outros. No entanto, com o tempo e devido à humidade e fumo das velas empregues no culto religioso, estas pinturas foram sofrendo uma acentuada degradação. Como consequência, nos anos 30 do século XX, a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) levou a cabo uma iniciativa de destacamento destas pinturas murais para serem restauradas no Instituto de Conservação e Restauro José Figueiredo, em Lisboa. Três destas pinturas estão ainda depositadas neste instituto, sendo outras três transportadas para o Museu Nacional dos Soares dos Reis, no Porto, e duas para o Museu de Alberto Sampaio em Guimarães, nomeadamente o Batismo de Jesus e a Transfiguração de Jesus.
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
95
13 Igreja de São Salvador de Bravães, Ponte da Barca GPS 41.797878, -8.453102 Classificada como Monumento Nacional desde 1910, a igreja de São Salvador de Bravães é hoje uma referência da arte românica em Portugal. Apesar de não restar evidências da construção original, a atual igreja foi construída no local onde se encontrava um anterior mosteiro beneditino, ao que tudo indica, fundado por volta de 1080 por D. Vasco Nunes de Bravães, um “homem rico” da corte de D. Afonso VI de Castela. O mosteiro, já desaparecido, terá sido ocupado por monges beneditinos e posteriormente pelos cónegos regrantes de Santo Agostinho. Não é certa a data da construção da igreja, no entanto é provável que se tenha iniciado em meados do século XII, estendendo-se até à primeira metade do século XIII. É deste segundo período que resulta a construção do portal principal, um dos seus elementos mais marcantes, composto por cinco arquivoltas densamente esculpidas com motivos antropomórficos e vegetalistas. Este espaço viria a ser igualmente ocupado pela Ordem dos Templários, que por sua vez seria substituída pela Ordem de Cristo no século XIV. Em 1434, com a renúncia do seu prior D. João de Mato, o mosteiro seria extinto e a sua igreja convertida em igreja paroquial. O complexo monástico foi sucessivamente ampliado e melhorado ao longo dos tempos. Durante o século XVI foram encomendadas várias pinturas murais, algumas das quais ainda se conservam na igreja, como o Martírio de São Sebastião e a Nossa Senhora com o Menino. Outras construções relevantes incluem a torre sineira e o arco triunfal composto por capitéis cúbicos, decorados com duas ordens de folhagem. Durante o século XX, a igreja sofreu várias intervenções de conservação e restauro por parte da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), definindo em muito o seu aspeto atual.
96
14
15
Igreja de São Salvador de Fontarcada, Póvoa de Lanhoso GPS 41.579356, -8.245788
Igreja de São Paio de Midões, Barcelos GPS 41.501937, -8.585623
O “Lugar do Mosteiro”, local do concelho de Póvoa do Lanhoso onde se encontra a Igreja de São Salvador de Fontarcada, obteve esta designação pelo facto de ter havido aqui um pequeno mosteiro beneditino, fundado no ano de 1067 por D. Godinho Fafes, “homem rico” e cavaleiro do Condado Portucalense, e do qual existem ainda menções no texto da Carta de Couto concedida mais tarde por D. Afonso Henriques. A atual igreja de estilo romano-gótico seria construída posteriormente, já nos meados do século XIII. Apesar das suas pequenas dimensões, o mosteiro prosperou durante duzentos anos. Contudo, no século XIV, viria a passar por sérias dificuldades. Em 1450, por intervenção do rei D. Afonso V, são confirmados os privilégios deste mosteiro, para apenas 5 anos depois, e após a renúncia do seu abade Mestre Fernando, ser extinto pelo Arcebispo D. Fernando da Guerra e transformada a igreja em arcediagado. Este exemplar da arquitetura românica é composto por nave única coberta a madeira e capela-mor redonda abobadada. Já no exterior é possível ver a torre sineira adossada à fachada, a rosácea de estilo gótico e o pórtico de três arquivoltas com capitéis esculpidos e tímpano com a representação do “Agnus Dei”. No século XX a igreja foi alvo de diversas intervenções levadas a cabo pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), que passando inclusivamente pela reconstrução de várias estruturas do edificado, não deixou de incluir a consolidação de vestígios de pintura mural.
Ao contrário das igrejas de São Tiago de Folhadela e de Santa Marinha de Vila Marim (distrito de Vila Real), onde se encontram pinturas que alguns historiadores atribuem a Mestre Arnaus, referência da arte renascentista em Portugal, a Igreja de São Paio de Midões destaca-se por ser a única que possui um programa de pintura mural assinado pelo pintor. Apesar do seu mau estado de conservação, causado em parte pela colocação da estrutura que suporta o retábulo-mor do século XVIII, é ainda possível ver elementos pintados na parede fundeira da capela-mor, figurando do lado do Evangelho São Paio e do lado da Epístola Santa Margarida e o Dragão e ao centro a Nossa Senhora com o Menino coroada por anjos. Além de assinada, esta obra encontra-se igualmente datada (ano de 1535), como indica a inscrição «.ARNAVS. F./.1535.». Relativamente ao edifício, hoje composto por nave, capela-mor, sacristia e torre sineira, a data da sua construção é imprecisa, acreditando-se ter acontecido por volta do século XIII, colocando-a assim no período românico tardio. Desta época conserva-se a estrutura primitiva assim como o portal principal com arquivolta plena.
A P I N T URA M URA L N O M US E U DE A L BE RTO SA M PA IO
A PINTUR A M UR A L NO M USE U DE A L BE RTO SA M PA IO
97
“A Pintura Mural no Museu de Alberto Sampaio” apresenta com rigor cientifico e de forma acessível a coleção de 10 pinturas murais de século XVI hoje integradas no Museu de Alberto de Sampaio, em Guimarães. Sendo possível ao público apreciar 8 destas pinturas murais na “Sala dos Frescos” do Museu de Alberto de Sampaio, este estudo inclui ainda pinturas menos conhecidas, conservadas nas reservas do museu. Inicialmente pintadas em paredes de igrejas e casas religiosas, o destacamento destas pinturas murais dos seus locais originais e posterior integração no Museu de Alberto Sampaio, enquanto peças museológicas, é o mote para uma abordagem ampla aos seus contextos de proveniência e à sua integração no panorama geral da pintura mural no Norte de Portugal, abordando técnicas, estilos, oficinas, encomendadores e as lógicas religiosas e de poder por trás da sua produção e do seu significado.
Edição da Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN), PATRÍMÓNIO A NORTE é uma coleção monográfica, numerada, sem periodicidade fixa, disponível em versão impressa e digital, acessível gratuitamente on-line (www. culturanorte.gov.pt). Destinada a técnicos e público generalista, aborda variados temas dentro do amplo universo de atuação da DRCN, da reabilitação patrimonial à conservação e restauro, da investigação histórica, arqueológica e etnológica à salvaguarda, das artes à museologia.
APOIO
DISPONÍVEL ONLINE www.culturanorte.gov.pt