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Transnacionalidade do delito
from Metodologias de funcionamento e estruturação de unidades especializadas de fronteira Estratégia Naci
Evidentemente, não se restringe a ação policial à repressão uma vez que a prevenção dos delitos ocorre em fase anterior. Mas é claro, isto sim, que somente se pode alcançar um estágio aceitável, em uma proposta de integração, se estiverem presentes a comunicação permanente entre os órgãos, as ações conjuntas, o vínculo operacional e uma agenda conjunta com avaliação continuada de ações e projetos.
As relações regionais entre países baseiam-se em interesse público onde a articulação busca, ao fim, benefícios comuns às distintas sociedades, porém, naturalmente surgem, paralelamente, relações de interesse ilícito aproveitando-se dos canais surgidos na relação internacional:
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[...] Entretanto, devemos considerar que a riqueza da funcionalidade regional, traz consigo uma série de outras atividades não apenas funcionais, mas também não lícitas. As facilidades induzidas pela dinâmica das articulações econômicas e sociais não formais ‘abrem espaço’ para articulação, penetração e consolidação de atividades malévolas (tipo: o narcotráfico, o contrabando, etc.) por grupos que se articulam em redes além das nações; como ainda, grupos empresariais que possuem uma tradição nas atividades formais e que podem se sentir incitados a partir para ações, não apenas funcionais, mas informais. Isto tudo não é uma prerrogativa exclusiva das fronteiras. Todos os lugares, entrementes, acumulam funcionalidades excessivas, quando a formalidade é pouco aplicada. (OLIVEIRA. 2005. p. 344)
Steinberguer (2005, p. 11) reforça a disfuncionalidade propiciada pelas conexões internacionais, pois de um lado está a capacidade de relação e as consequentes mediações, porém, de outro, asseveram-se os “perigos desterritorializados”, ou seja, novas ameaças transnacionais como o terrorismo, narcoterrorismo, degradação ambiental, proliferação de armas de destruição em massa, doenças infecciosas, etc.
Neste contexto a organização de uma lógica cooperativa entre países focada na proteção do cidadão e na ação contra os delitos transnacionais deve partir da análise das características da supranacionalidade deste delito e dos espaços legais da cooperação internacional, uma vez que as identidades nacionais devam ser preservadas. Alia-se a isto uma importante distinção entre o crime organizado, e sua teia de cooptação e penetração em instâncias de governos afetando uma região ou a democracia, e o delito local, que é específico das relações de convivência fronteiriça e atingem as comunidades de distintos países.
O Mercosul (Mercado Comum do Sul) através da Decisão nº 16 , de 10 de julho de 2006, já apresentava a preocupação com a segurança regional. Naquele instrumento encontramos em suas considerações iniciais:
Que é imprescindível o estabelecimento de um quadro jurídico sólido no âmbito do MERCOSUL que permita avançar na definição de uma política comum de segurança, mediante o estabelecimento de metas claras e instrumentos de implantação eficazes.
A vontade política de promover a mais ampla cooperação para o combate a todas as formas de criminalidade que flagelam nossos povos, especialmente aquelas que, por sua natureza e características, requeiram a atuação conjunta dos Estados.
[...] Que a crescente dimensão transnacional dos delitos constitui uma grave ameaça à segurança regional, dificultando a consolidação de um espaço integrado onde prevaleça a ordem e o respeito aos valores democráticos MERCOSUL.2007).
Werner (2009, p. 52), explica que para concretizar o crime transnacional ocorre uma organização entre indivíduos para ganhos ilícitos sob a forma supranacional, explicando que o crime “superou o modelo hierárquico, adotando redes na estruturação de suas atividades ilícitas”. Assim, a relação da organização do delito com a supranacionalidade ocorre pela não subordinação do criminoso a qualquer ordem, senão aquela que garante o lucro. Ações ilícitas possuem uma organização e efeitos que extrapolam os limites territoriais e envolvem nacionais de diferentes países. Para Cervini (2000, p. 46) a transnacionalidade do delito “rompe o círculo de validade e eficácia das normas, posto que se estabelece fora do seu alcance”. Isto tem seus efeitos positivos aos propósitos do crime, por utilizar as restrições impostas pela territorialidade aos sistemas de segurança pública. O delito transnacional então:
[...] não só não se restringe às fronteiras nacionais, senão que as utilizam precisa e deliberadamente para seus fins, já que a polícia, como o Direito Penal ao qual serve, estão delimitados pelo princípio da territorialidade. Seu limite de ação termina na fronteira do país onde desenvolve sua atividade, e toda intromissão policial e judicial fora dos limites territoriais estará implicitamente rechaçada pela própria definição de Estado soberano. (CERVINI. 2000, p. 47).
Então, nestas relações globais há de um lado temos o delito transfronteiriço, com característica de organização e efetivação difusa e extraterritorial; de outro, os Estados a exercer a prevenção e repressão, sob os limites de jurisdição. Neste sentido Vogler (2004) discorre sobre a busca de nova metodologia e de um novo papel pela polícia em função das mudanças sociais da “pós-modernidade”, Verifica-se, portanto, um desnível na competição ente Estado e Organização Criminosa, restando para o enfrentamento a Cooperação, a qual inicia primeiramente pela disposição dos Estados envolvidos de atuar contra os delitos e formalizada pela ação diplomática. Mesmo reconhecendo-se que em fronteira há espontaneidade na dinâmica de relações entre sociedades e entre as representações dos Estados, há necessidade do respaldo dos Governos Nacionais para se ter efetividade nas ações de segurança pública.