Breve Antologia da Poesia Feminista

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AN TO LO GIA DA POESIA FEMINISTA


Breve Antologia da Poesia Feminista


Daniella Lopes Dias Ignácio Rodrigues (Coordenadora)

BREVE ANTOLOGIA DA POESIA FEMINISTA

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais B846

Breve antologia da poesia feminista / coordenadora: Daniella Lopes Dias Ignácio Rodrigues. Belo Horizonte: PUC Minas, 2021. 90 p. : il. ISBN: 978-65-88331-26-2 Obra preparada e idealizada por estudantes do curso de Letras, do 6° período da PUC Minas, do segundo semestre de 2021. 1. Literatura brasileira. 2. Poesia. 3. Escritoras. 4. Feminismo. 5. Antologias. I. Rodrigues, Daniella Lopes Dias Ignácio. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Campus Belo Horizonte). Curso de Letras. III. Título.

CDU: 869.0(81).09 Ficha catalográfica elaborada por Fabiana Marques de Souza e Silva - CRB 6/2086

Belo Horizonte PUC Minas 2021

Breve Antologia da Poesia Feminista


Sumário

Copyright ©, 2021 Todos os direitos reservados. Preparação: Bruna Luiza dos Santos Paula Bruna Rocha Barbosa Daniella Lopes Dias Ignácio Rodrigues Lucas Daniel Luiz Ferreira Maria Eduarda Gomes Meireles Rafael Pinho Guedes Roberta Colen Linhares Roberto Carlos Gonçalves de Souza Revisão: Bruna Rocha Barbosa Maria Eduarda Gomes Meireles Curadoria: Lucas Daniel Luiz Ferreira Rafael Pinho Guedes Raquel Beatriz Junqueira Guimarães Roberta Colen Linhares Diagramação e capa: Bruna Luiza dos Santos Paula Roberto Carlos Gonçalves de Souza Ilustrações: Bruna Luiza dos Santos Paula

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Lagoa

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As quatro estações

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A chuva

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Valor Compromisso Esta é uma carta de amor Avesso Bem-te-vejo Tão perto do coração Pontes Invasores

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Para não dizer que não falam(os) de amor Raquel Beatriz Junqueira Guimarães

Prefácio

Esta Breve Antologia da Poesia Feminista oferece ao leitor 11 poemas escritos por mulheres jovens, corajosas e engajadas tanto no labor literário quanto na causa feminista. São poemas com a tonalidade do feminismo-século XXI: arrojado, combativo, ativo, barulhento quando necessário, como o movimento “#Ele Não”,1 de 2018; descontraído e determinado como as campanhas “Não é Não”2 desenvolvidas durante os últimos carnavais. Dividida em três partes (Liberdade, Força, Transformação), esta coletânea reúne poemas que evidenciam a coragem das autoras de se posicionarem, em tempos tão sombrios como esta segunda década do século XXI, contra as determinações do “alfabeto da fragilidade” destinado às mulheres e de proporem muitas formas de amor.

1 Para a BBC, de Londres, A manifestação #EleNão, realizada em

repúdio ao candidato a presidente Jair Bolsonaro, que se espalhou por cidades brasileiras, no dia 29 de setembro de 2018, foi a maior manifestação de mulheres na história do Brasil.

2 Não é Não! é uma campanha realizada durante o carnaval pelo

coletivo Não é Não. O coletivo foi fundado em 2017 e desde então promove campanhas de resistência e denúncia ao assédio no período do carnaval e também fora dele.

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Passeando pelos poemas, o leitor encontrará versos questionadores sobre o valor social atribuído às mulheres como os de Taís Fernanda Silva dos Santos, em “Valor”, perguntas diretas e perturbadoras que, retiradas do senso comum e cunhadas em versos (“Quanto valia sua vida? / Que foi tirada, degustada, e comida?”), fazem ecoar existências femininas de diferentes grupos sociais. A retomada estética de cenas tão recorrentes na sociedade como as que registram a violência contra as mulheres está em “Invasores”, de Lohainy Grazielle de Oliveira Santos, poema do qual emerge uma voz feminina oprimida que denuncia as relações abusivas. Nelas, o corpo-casa da mulher é ocupado pelos que chegam sem ser convidados, abrem “os armários, a geladeira”, aproveitam das benesses e seguem, indiferente, seu caminho deixando o corpo “abandonado no chão”. A apresentação da violência contra as mulheres também está em “Pontes”, de Roberta Colen Linhares. Nesse poema, a voz lírica exige um “Basta!” à violência e dele surge mais que uma confissão individual, uma vez que a trama poética alcança tonalidade social ao salientar a força e a coragem da “Mulher, mãe, fêmea”. Força que possibilita que ela não se intimide com “punhos cerrados” e se declare, destemidamente, mulher “forte, corajosa, inteira”.

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Inteireza igualmente percebida em “Avesso”, de Bruna Luiza dos Santos, em que três figuras femininas em diálogo, a submissão, a liberdade e a coragem, como que disputam o caminho trilhado pela mulher que, insubmissa, se declara para a Submissão: “sou livre demais, não posso ser sua companheira”. Nesse percurso, o leitor vai encontrar, ainda, a força da mulher em poemas intensos como “Lagoa”, de Sheila Emilia da Silva e “Quatro estações”, de Nathaly Ohana Freitas da Silva. Em “Lagoa”, no qual antevê-se um possível flerte com Ismália, de Alphonsus de Guimaraens, a figura da mulher, com “as asas que Deus lhe deu”, desprende-se das exigências externas (e eu cheguei até mim / ao te deixar partir); e em “Quatro estações”, ao compreender sua natureza e sua condição (Sendo pedra, me jogam. / Sendo espinho, me cortam. / Sendo terra, me pisam.), a mulher (se) descobre: “Sendo caminho, me trilham”. Esses caminhos de insubmissão e coragem, igualmente, se manifestam nos poemas que falam das formas de amar como em “A chuva”, de Fernanda de Quadros Carvalho Mendonça. A cena lírica se concentra no encontro dos corpos em que “As peças caem. / Todas as peças, / uma a uma. [...]” e o encontro se tece leve, livre, “com bocas / calor, / toques e lábios”.

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O que se vê em “A chuva” é, sob o ponto de vista da mulher, a sensualidade e plenitude dos corpos que se tocam amorosa e intensamente de modo que a faz “Ofegante/ boca entreaberta, olhar em êxtase/ sentindo latejar/ o suar.” Assim, intensa, a cena é construída com delicadeza, mas sem meias palavras, sem falsos pudores. Se em “A chuva” os corpos se trançam, em “Tão Perto do coração”, de Carolina Oliveira da Cunha, o amor é mais sonhado que realizado, ainda que intensamente desejado (Estou à espera de um sinal... / Apenas um sinal... / Para que eu possa mergulhar... / Nas águas profundas e cristalinas do sonho... / E fazer a grande viagem... / Rumo ao seu encontro...). Há, ainda, o hermetismo perturbador de “Bem-te-vejo”, de Isabella Cristina Lopes Rocha, no qual os jogos vi/vejo, vindo do título, virgem/ vermelho; vestir/despir; sangra/sombra evocam a canção rosiana e trazem à tona a poesia que vem do útero, mais que poesia feminista, poesia feminina, voz de mulher da qual não se “desassocia o ser da pele”.

alma, o amor de corpo e alma. Esta Antologia é, pois, a expressão da mulher em suas várias estações, envolvida no fazer poético com o que isso pode ter. Amalgamado ao grito indômito do engajamento, pode-se usufruir do diálogo com a tradição, de “Bem te vejo” e “Lagoa”, da elaboração cuidadosa do ritmo de “Valor”; da concisão da forma breve de “Compromisso” e de “Esta é uma carta de amor”; do uso seguro do verso livre de “A chuva”; do poema em prosa de “Tão perto do coração”; da sonoridade das rimas articuladas com os versos brancos de “Invasores”; da delicada construção da sensorialidade, acentuada pelas borras de vermelho que atravessam diferentes poemas e mancham os corpos-casa de sangue. Se bem-te-vejo, leitor, acredito que vais gostar. Veja com teus próprios olhos.

Com esses traçados é que se lê, nesta reunião de poemas, as mais diferentes formas de amor: o amor à escrita, o amor ao outro e o amor a si mesma, o amor sonhado, o amor realizado, o amor fraterno e o amor filial, o amor do corpo, o amor da

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Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre. Simone de Beauvoir

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Apresentação Porque há o direito ao grito. Então eu grito. Clarice Lispector Estamos em tempos em que a voz de todos precisa ser ouvida, e é exatamente por isso que esta breve antologia foi idealizada e preparada por nós, estudantes do curso de Letras, do 6° período da PUC Minas, do segundo semestre de 2021, juntamente com a Professora Daniella Lopes e nove autoras mulheres, escritoras, estudantes, mães, ativistas e, sobretudo, feministas. Inspiradas nas experiências cotidianas para validar seus discursos, elas escreveram os onze poemas que compõem esta obra, a qual conta com ilustrações de Bruna Luíza dos Santos Paula, prefácio da Professora Raquel Beatriz Junqueira Guimarães e posfácio da Professora Márcia Marques de Morais. Honrosamente, Breve Antologia da Poesia Feminista visa projetar a voz de mulheres que se aliam às palavras e as transformam em poesias que reverberam resistência, luta e união. Com isso em mente, buscamos, neste livro, promover e comover a luta feminista por meio da arma que se chama literatura. O feminismo, aqui entendido como uma instância social que luta por direitos civis e que reivindica a igualdade política, jurídica e social entre homens e mulheres, protagonizado por elas, é o foco deste livro. Ele é a base para a escrita das poesias aqui escritas, pois é a partir dele que as poetas

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revelam o seu ser mulher, lutando com as palavras pela liberdade, pelo valor, pelo compromisso, pelo amor, pelo avesso, pela forma como se vê, pela força, pelas pontes, contra os invasores, pela transformação, enfim, pelas diversas formas de ser mulher. Além disso, o feminismo é a maneira encontrada pelas mulheres de participarem da sociedade de modo igualitário e seguro, se encontrarem a partir de outras vivências e transformarem a visão atual do mundo. E a poesia feminista é um dos lugares para isso acontecer. Conceição Evaristo diz que a escrita é “a senha pela qual eu acesso o mundo”. A poesia proporciona às mulheres colocar em palavras seus sentimentos sobre o mundo, injustiças, amor, violência, beleza, na sua forma mais pura e libertadora. Escrever é ir contra o que é imposto, é um passo a mais para a mudança, é se perceber como pessoa e mulher. Entendemos a poesia como o local, por excelência, de denúncia, de realização, de encontro(s). Nela, por ela e com ela as pessoas conhecem o mundo, desbravam-no, constroem um novo, modificam o que vivem e, por isso, nada melhor que a poesia para revelar o ser (e viver) feminista. Os poemas, neste livro, abordam a liberdade de se aceitar, a coragem de ser quem é e a força e resistência diante de situações de abuso. Temas que, por muito tempo, foram silenciados por uma cultura machista e patriarcal, que diminuía e abafava a voz das mulheres.

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Os poemas Valor, Compromisso, Esta é uma carta de amor, Bem-te-vejo e Tão Perto do coração estão na parte I do livro, e se enquadram em uma temática de autoaceitação e liberdade. A seguir, na parte II, estão os poemas Pontes e Invasores, que relatam histórias fortes de mulheres que passaram por situações cruéis, de abuso e que, diante disso, buscaram forças para recomeçar. Por fim, os poemas Lagoa, As Quatro Estações e Chuva compõem a parte III da obra, tratando de uma temática de transformação, relacionando esse processo com a natureza. Enfim, esta breve antologia tem como objetivo fazer com que você se sinta acolhida e se identifique com histórias vivenciadas todos os dias por inúmeras mulheres no mundo. Dentro de cada uma de nós há uma Simone, Frida, Marie, Kathrine, Margaret, Valentina, Anne…. E, como luta coletiva, quando uma de nós ganha visibilidade, todas ganhamos. Boa leitura a todos! Os organizadores

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Parte I Liberdade

Pés, pra que te quero, se tenho asas para voar? Frida Kahlo

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Valor Taís Fernanda Silva dos Santos Quanto custa a maquiagem? Quanto vale a minha coragem? Quanto custa o vestido? Quanto vale esse marido? Quanto vale o mesmo trabalho? Com o mesmo curso no mesmo horário? Quanto valia o seu brilho? Que foi furtado por um filho? Quanto vale uma mulher? Bonita, cheirosa, salto 15 no pé? Quanto valia sua vida? Que foi tirada, degustada, e comida?

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Compromisso Sheila Emilia da Silva Não sei se você ainda gosta de mim E tanto faz Porque eu gosto.

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Esta é uma carta de amor Sheila Emilia da Silva Eu achava que não podia escrever poemas por não saber amar Meu medo de pessoas e contatos me fazia acreditar que poemas eram armas que eu não carregava dentro de mim Quando compreendi que escrever era sobre tudo que se é inclusive sobre o não sentir Pude me encontrar e para a caneta e o papel pude dizer meu primeiro sim

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Avesso Bruna Luiza dos Santos Paula Me ensinaram o alfabeto da fragilidade Os bons modos da submissão E me entregaram o caminho do medo No entanto, eu sou invertida Aprendi o alfabeto ao contrário Disse para a submissão: sou livre demais, não posso ser sua companheira e deixei o medo prosseguir comigo com a promessa de que ele ficaria em silêncio E segui caminhando em uma direção Que era sustentada por força, liberdade e coragem E percebi que esse é o caminho mais difícil E é exatamente nele que eu quero prosseguir.

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Bem-te-vejo Isabella Cristina Lopes Rocha O Gil canta, a Nicola veste, a Louise ensina. “Siruiz, cadê a moça virgem?” Ela tá por aí, Ela não morreu. Mas ela veste vermelho, vê? Na voz, ou na mudez, Não se desassocia o ser da pele, Ou do útero... O casaco não a protege, E se despir não resolve. E na sombra, Ela ainda sangra, Ela ainda morre, Para eles, ela ainda é doida. Bem-te-vejo, mas eles não.

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Tão perto do coração Carolina Oliveira da Cunha Estou à espera de um sinal. Apenas um sinal. Para que eu possa mergulhar nas águas profundas e cristalinas do sonho e fazer a grande viagem rumo ao seu encontro. Neste momento, quero me despojar de tudo. Já me desfaço, lentamente, do mundo material e supérfluo que me pesa os ombros. Eu quero apenas ser livre. Quero a simplicidade e a leveza das asas da borboleta. E por um instante imaginar que o nosso amor é possível, que o destino nos unirá novamente, que o nosso sonho interrompido aos poucos está renascendo. Eu fecho os olhos por um momento e vislumbro o nosso reencontro: Uma luz no fim do túnel. Uma porta que se abre. Você caminha em minha direção. Nossos olhos se encontram e se reconhecem. A magia acontece... Você sorri para mim Nossas mãos se entrelaçam O sol está brilhante Um vento suave sopra em nossos rostos Sentamos na beira do rio para conversar

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Nós temos tanto a dizer um para o outro Parece um sonho Estamos juntos Finalmente estamos juntos E tão perto do coração E nada mais importa…

Parte II Força

Você pode me riscar da História

Com mentiras lançadas ao ar. Pode me jogar contra o chão de terra, Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar. Maya Angelou

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Pontes Roberta Colen Linhares O silêncio era meu lugar preferido Nele me escondia e sufocava o grito As cicatrizes ainda sangram em meu avesso A maquiagem disfarça as marcas e as sombras para a selfie Os olhos dos quatro pequeninos procuram os meus Quadrigêmeos paralisados para além da deficiência Tenho vergonha de encará-los Estou colando meus cacos e os dentes na boca O maxilar foi quebrado Mas minha voz precisa ser ouvida Por mim, por meus filhos, por outras de nós Basta! Músculos e punhos cerrados não irão me intimidar O medo não vai mais me calar Mulher, mãe, fêmea Forte, corajosa, inteira

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Invasores Lohainy Grazielle de Oliveira Santos Dizem ser o corpo a nossa casa mais antiga E você entrou sem ao menos eu te convidar Se sentiu em casa Abriu os armários, a geladeira Bagunçou a casa inteira E esqueceu que não era sua para a outro entregar Sozinha, não tive muito tempo para limpar Logo outro veio aqui habitar Esse fez estragos diferentes Manchou as paredes E nem se importou com sermos parentes Depois de muito aproveitar, seguiu seu caminho indiferente Ao encontrar a casa do avesso Um “príncipe” um tanto travesso Se achegou para ajudar Mas eu ainda não sabia Que seu interesse era a casa derrubar Portas arrancadas, cortinas rasgadas Eles bagunçaram tudo, mesmo ao me ouvir gritar Se levantaram e foram embora após o seu ego saciar Enquanto meu corpo abandonado no chão Morria de tanto sangrar

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Parte III Transformação

Eu aceito a grande aventura de ser eu mesma. Simone de Beauvoir

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Lagoa Sheila Emilia da Silva Eu engoli a lua pra chegar até você Mas no fim você não gostou do meu rosto redondo e eu cheguei até mim ao te deixar partir e ver que sua luz era apenas um reflexo meu

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Quatro Estações Nathaly Ohanna Freitas da Silva Um dia sou pedra. Um dia sou espinho. Um dia sou boa terra. Um dia sou caminho. Sendo muitos, sou um. Quando sou pedra, endureço. Quando sou espinho, sufoco. Quando sou boa terra, frutifico. Quando sou caminho, caminho... Sendo pedra, me jogam. Sendo espinho, me cortam. Sendo terra, me pisam. Sendo caminho, me trilham. Quatro estações debaixo do sol.

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A chuva Fernanda de Quadros Carvalho Mendonça Bom seria banho de chuva deixar molhar o corpo, encharcar a alma. Tanto tempo faz, memória escapa. A tempestade, o temporal, matar vontades, reviver lembranças. No interior de chuvas doces, a roupa pesa e o corpo flutua. Ensopados, entre risos, calafrios, procuraremos abrigo. Casinha de portão de madeira, corredor comprido. Entraríamos molhados deixando marcas dos pés no assoalho velho.

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Abrigados, desfazendo do peso, transparecendo levezas. As peças caem, todas as peças, uma a uma. Um retirar de pesos, culpas, coisas que a chuva cuidou de lavar. Leves, ficaremos despidos, livres. Secaremos, com bocas, calor, toques e lábios.

O recíproco deslizar sobre mamilos em riste, é sinal crescente, mútuo... Calafrios cedem lugar a sussurros, gemidos tênues e já não estamos mais, molhados. Imersos no desejo, devorando, calmamente, o detalhe. Chove. O temporal abafa nosso desejo. A casa, o quarto, nós, pele, suor.

Sugando, navegando detalhes molhados.

Era banho, chuva e entrega.

Mãos que afagam, deslizam trêmulas retiram água doce misturada ao suor dos poros.

Sensações, cheiros, gostos.

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Perdido o controle tudo é sentido. Desejo percorre com a boca, a tez. Chove. Sedenta na descoberta cada minúcia e superfície. Chove. Ouvimos o barulho, é água no telhado são beijos, toques, línguas. Um contra o outro, colados, movimento leve, compassado. Batidas do coração acelerado, pingos de chuva no telhado. Passeio de mãos, costas, sobre mim, lambendo.

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Águas torrenciais excitam e saciam, engolindo, adentrando prazeres. Tudo se mistura... Pés quentes à espera da língua ardente. Minha pele branca, avermelha rubra roja. Chove. Chuva calma, Suave. Entrar e sair lento Cada segundo a respiração o roçar de pernas para além do espaço. Deitada, Recebendo, Dentro...

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Pulsando, Estremeço, Tremo, Úmida. Ofegante boca entreaberta, olhar em êxtase sentindo latejar o suar... A chuva E o mundo lá fora.

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Poemas Feministas — Resistir, quem há de? Márcia Marques de Morais Em um posfácio, me ensina o dicionário, pode-se encontrar um adendo, uma explicação ou uma advertência, expostos no fim de um livro, depois de pronto. Se o prefácio inaugura uma leitura, o posfácio, meio canhestro e nomeado por analogia ao prefácio, deixa-me a interrogação: o que fazer (facio), depois do que já se fez? Mas é justo aqui que encontro um lugar de fala dessas vozes todas que acabamos de escutar.

Posfácio

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Ademais, não se trata de fazer do posfácio, adendo — nada há a se adicionar; muito menos, de fazer dele, explicação. O poema, o texto literário, ensina-nos Alfredo Bosi, não carecem de explicação. E, mais, poemas, em sua condição ímpar de linguagem condensada que faz ouvir, com seu ritmo, a sensibilidade, não suportariam, em sua insustentável leveza, a densidade de uma explicaçãono desfazer de seus mistérios. Quem sabe, no entanto, eu encontraria, neste espaço, lugar para uma advertência? Advertência não é palavra muito pesada para poemas? Talvez… Mas foi nela, advertência, que primeiro pensei, ao ler o título deste livro “Breve antologia de poesias feministas”. Busquei, de novo, a etimologia de “antologia” — vício de quem encontra, no nascer das

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palavras, muitos segredos — e a encontrei no grego anthologia, “coleção de flores”. Percebi, então, que os poemas seriam flores num ramalhete: as flores-poemas no corpo do livro que tem, em sua capa, também um buquê de flores. Lembrou-me também a expressão flores azuis, título de livro de outra “poeta-narradora”, Carola Saavedra, inspirada nos românticos alemães que, nas “Flores Azuis”, por sua raridade, assim nomeavam a poesia. O estranhamento, entretanto, incomodava-me: ele estaria no adjetivo dos poemas — poemas feministas... Temi encontrar, na antologia, poemas empenhados demais, enfáticos na defesa de uma causa, uma bandeira. É que, ainda que vivamos um momento de tanta agressão ao feminino, a mulheres e a gêneros, em geral, sempre encontrei, na crítica literária, uma certa reserva em relação a uma literatura muito diretamente referida a determinado contexto. Sempre me pautei pela mediação estética que levaria o leitor a produzir, como efeito de sentido, uma adesão mais efetiva a uma causa. A leitura literária espera um discurso interno do sujeito que não se limite a repetir mensagens prontas: a literatura solicita do leitor a cooperação na construção interativa dos sentidos. Assim, ela, a literatura, feminina também, exige de seu leitor respeito aos caminhos de leitura que propõe, oferecendo-lhe fios que tece, linhas que escreve, como Ariadne, para percorrer os labirintos dos sentidos.

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Daí, lembrei-me, novamente, de Bosi e sua poesia-resistência. Há poesia para que se resista — basta que a forma estética seja companheira inseparável daquilo que se deseja combater. O crítico chama-nos a atenção para o fato de que, se o poeta entra muito dentro de si mesmo e, num primeiro momento, dá a perceber uma certa alienação, uma certa oposição à “prosa do mundo”, à “prosa ideológica”, a sua linguagem estranha e diferenciada em relação à linguagem do senso comum transforma-se em resistência. Foi assim que encontrei um justo motivo para o adjetivo “feministas” que qualifica os poemas desta antologia: a causa feminista, como “prosa do mundo”, “prosa ideológica”, encontra, em todos os poemas aqui publicados, um trabalho de linguagem que se diferencia do senso comum. Esses poemas são, portanto, textos de resistência a todos os descalabros que a sociedade tem vivido em relação às mulheres, ao feminino. Curtida a capa do livro, pensado seu título, chega a hora dos poemas, de cada poema. Embarco nos versos sobre mulheres de Ana Maria Martins, uma outra também poeta mineira: “E então se sentam/ lado a lado/ para que ela lhe narre/ a odisseia da espera”. (Penélope VI, em A vida submarina).

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No poema, o eu lírico encena uma roda de escuta de histórias, num tempo mítico, para Penélope contar sua espera, a espera de Ulisses, que volta à casa. Essas nossas poetas aqui, também, lado a lado, cada uma delas uma Penélope, tecem versos que cantam sua odisseia e esperam — a espera de que a sociedade seja casa comum que abrigue todos, que as abrigue em segurança e respeito. Em minha leitura, distribuí os onze poemas em algumas categorias “temáticas” e, agora, passo a realçar aquilo que, na linguagem trabalhada de cada um deles, mais me instigou, no sentido de ler neles a forma da/para a resistência. Há um grupo de poemas que tratam do feminicídio e da violência contra as mulheres: “Valor”, cujo título soa irônico e que, não por acaso, faz rimarem maquiagem e coragem (será preciso máscara para se ter coragem?), vestido e marido (estariam em pé de igualdade?); brilho e filho (como combinam...) e que, ainda, aponta o conflito de mais do que duas jornadas, jornadas do trabalho das mulheres — em tempos pandêmicos, duas e simultâneas: “Quanto vale o mesmo trabalho?/ Com o mesmo curso no mesmo horário?” — e situa a autoria numa sala de aula, chão desses poemas.

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“Pontes” denuncia a violência física e psíquica, percorrendo um corpo ferido e machucado; o silêncio, antes lugar preferido, dá lugar à voz — “Basta!”, depois que o eu lírico, com o maxilar (vale associar: máxi lar?), vai “colando cacos e os dentes na boca”. “Esta é uma carta de amor” descobre poemas como armas e enfatiza a linguagem como resistência, presenteando o leitor com o jogo dos significantes — sobre tudo X sobretudo: escrever é “sobre tudo que se é”, onde se pode ler também “escrever é sobretudo que se é”: de um lado, a leitura de que a mulher-escrita vai além de si mesma e, de outro, a leitura de que a escrita-mulher é, sobretudo, agasalho. Um segundo grupo de poemas fala do abandono que se cicatriza com o reencontro do si-mesmo, com a autoestima: “Lagoa”, em diálogo virtual, sugere o incomensurável para chegar a “você”, um “você” que, desvalorizando o eu lírico, insinua o preconceito; o caminho? — voltar-se para o si-mesmo e se encontrar como luz perdida e achada; “Lagoa” — por quê?: águas do feminino?; mergulho em si mesma?; um Narciso escondido?; um narcisismo, na medida certa? “Compromisso” repete o diálogo virtual com um “você” e também a ênfase à valorização de

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si-mesmo. Há, ainda, poemas que dialogam com outras poesias: Em “Bem-te-vejo”, ouvimos ecos da escrita rosiana. Atualiza-se a enunciação da voz do pássaro — não mais bem-te-vi, mas bem-te-vejo; no aqui e agora, o eu lírico enuncia e se retira para falar em uma mulher — ela. Ela é resposta ao título de uma balada que pergunta, no romance de Guimarães Rosa, por uma moça virgem. Essa virgindade que se veste de vermelho, que é corpo e útero, que sangra e que, embora viva, ainda morre. Quanta perplexidade para os que a veem tão bem vista pela poesia. “Invasores” faz-nos escutar o poema-canção de Chico Buarque, Teresinha, que, por sua vez, retextualiza a cantiga de roda em outra pauta – não seriam pai, irmão e o amor a quem Tereza deu a mão, aqueles homens a levantar Tereza de uma queda?... Em Chico Buarque, os dois primeiros visitantes de Tereza, ainda que tragam muitos presentes, ouvem um “não” quando chamada de “rainha” e de “perdida”; o terceiro e último se instala no coração de Tereza, pois a chama de “mulher”. Haveria inspiração maior para um poema feminista? E assim se pode ler “Invasores” cuja voz do eu lírico “confunde” casa e corpo, invadidos, mas sem que o amor viesse lhe dar a mão: o terceiro foi o avesso de um príncipe – “príncipe travesso” – e o corpo da mulher continua sangrando...

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“Tão perto do coração” e “A chuva”, diferentemente do poema anterior, apostam num happy end, ainda que seja em um sonho ou num devaneio de um banho de chuva: assim, se ambos elegem como cenário a água, forte símbolo feminino, o primeiro tem um tom bem romântico, enquanto o segundo tem uma “pegada” erótica. “Avesso” e “As quatro estações” contemplam o eu lírico construindo-se em caminho. “Avesso” canta a desconstrução de um legado (a fragilidade, a submissão e o medo ensinados foram aprendidos como força, liberdade e coragem) que, embora caminho difícil, é caminho escolhido. Em “As quatro estações”, o eu lírico se projeta em quatro “estações”: pedra, espinho, terra e caminho. Em certa gradação, seria possível encontrar no caminhar a possibilidade de mover-se, transformar-se, fazer a travessia e oferecer-se como trilha ao outro? Instigada pela leitura dessas poetas, percebo, agora, um outro verso do feminismo, um novo verso de feministas — o da sensibilidade artística capaz de nos transformar e mudar a sociedade. É a poesia-resistência.

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Quem são as autoras? Bruna Luiza dos Santos Paula Eu diria que escrevo desde que me entendo por gente, mas seria mentira, eu me expresso. E, na escrita, encontrei a melhor forma de expressão: as palavras. Elas me tornaram quem sou hoje, estudante de Letras, redatora e cronista nas horas vagas. Apaixonada por arte e pela vida.

Carolina Oliveira da Cunha Comecei a escrever textos livres, poesias e cartas após concluir a graduação em Letras, na PUC Minas. Alguns anos depois, com o apoio e incentivo do meu amigo e poeta Pedro Muriel, decidi publicar um pouco das coisas que eu escrevia e, então, hoje tenho dois livros: “Amor de Vidro” (2020) e “Amor & Solidão” (2021). Atualmente, estou escrevendo o meu terceiro, intitulado “Tão perto do coração”, que será lançado em 2022. Escrevo poesia para celebrar, acima de tudo, o amor!

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Fernanda de Quadros Carvalho Mendonça Mulher, feminista, mãe, professora, graduada em Letras, mestra em Letras (UESB), doutoranda em Letras (PUC Minas). Sou muitas. Escrevo desde muito jovem. Escrever para mim é acalentar a alma inquieta de sentimentos.

Isabella Cristina Lopes Rocha Nascida e criada em Belo Horizonte, Minas Gerais, bacharelanda em Letras na PUC Minas e irremediavelmente “clariciana”. Na leitura daquela que admiro encontrei um despertar literário e espero que, na minha escrita, no meu erro, eu me renove em suas palavras com as minhas e, seja na esperança ou na cólera, me dê a conhecer, ao outro e a mim mesma.

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Lohainy Grazielle de Oliveira Santos Comecei a escrever com 15 anos de idade e encontrei na escrita, principalmente de poesias, uma forma de externar o que sinto e ter uma voz ativa. A poesia me traz reflexão e alívio, me faz pensar e me sentir fora da caixa.

Nathaly Ohanna Freitas da Silva Graduada em Letras pela PUC Minas. A poesia me salvou de todas as formas que alguém poderia ser salvo. Escrever é minha retribuição e minha sina.

Roberta Colen Linhares Natural de Belo Horizonte - MG, casada, mãe de Arthur e Isis, contadora de histórias pelo Instituto Aletria, e atualmente é graduanda de Letras na PUC Minas.

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Sheila Emilia da Silva Sou Sheila Emilia da Silva, 25 anos. Minha arte é sobre o que vivo. E aqui adiciono o feminismo. Isto porque ser feminista pra mim não é simplesmente sobre a liberdade de se dizer “sim” a tudo que quiser, mas também sobre a de gritar os “nãos” que não nos são ouvidos a todo momento. E aqui somo à arte.

Taís Fernanda Silva dos Santos Tenho 19 anos, comecei escrever aos 9, quando ganhei de presente o meu primeiro diário, mas até então só escrevia coletâneas. Comecei a escrever poesia aos 18, quando iniciei o curso de Letras na PUC Minas e, desde então, quando vem a inspiração eu escrevo.

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