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Parentes Preocupados e a

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03 | Jimmy

03 | Jimmy

menores; muitas, inclusive, acharam o máximo poder brincar com alguém mais velho. Porém, ao descobrirem que precisavam obedecer e mostrar reverência, não queriam mais participar. Jimmy as forçava a ficar. E, quando não conseguia juntar um grupo, fazia o funeral sozinho, por vezes durante o recreio, no pátio da escola. Mesmo que não quisessem participar, as outras crianças não tinham muita escolha senão assistir.59

A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial deu a Jimmy, então com 10 anos, uma nova obsessão. Em Lynn, só se falava no conflito. Era uma cidade patriótica. Quando não estavam na escola ou na igreja, os meninos só queriam saber de brincar de guerra. Invariavelmente, faziam o papel de soldados, marinheiros ou fuzileiros navais norte-americanos, que sempre se saíam vitoriosos das batalhas contra as potências do Eixo.

Com Jimmy Jones, porém, foi diferente. Desde o princípio, demonstrou fascínio pelos nazistas, deslumbrado com a pompa dos desfiles, hipnotizado pelas obedientes hordas de soldados marchando em passo de ganso. Sem falar no carismático líder — Jimmy observava Adolf Hitler com atenção, admirava sua capacidade de prender a atenção de multidões de adoradores por horas a fio, alegando possuir todo tipo de poder, sempre envolvendo a plateia com seu ritmo: ora gritava, ora falava baixo, então voltava ao tom normal, e ia aumentando até um final retumbante. Hitler e seus fervorosos seguidores estampavam todos os noticiários e jornais dos Estados Unidos. Material de estudo para Jimmy não faltava. O líder nazista era um menino pobre que ascendera ao poder como governante de uma poderosa nação graças a sua determinação e seu carisma. O mundo inteiro conhecia seu nome, milhões o seguiam, e multidões vibravam diante dele. Conquistara o poder derrotando inimigos poderosos, que o desdenharam por suas origens humildes e convicções polêmicas. Era inspirador.

Enquanto os outros garotos faziam de conta que eram heróis de guerra norte-americanos, Jimmy queria imitar Hitler. Como não conseguiria convencer os colegas de Lynn a brincar de tropa de assalto nazista, foi buscar recrutas em outro lugar. Para sua sorte, fazia parte de uma família grande com uma porção de primos pequenos que ele podia facilmente obrigar a interpretar qualquer papel. Levou-os até um campo e ordenou que marchassem em passo de ganso sob seu comando. Eles não conseguiram entender muito bem o que era para fazer. Jimmy ficou furioso. Pegou um graveto e começou a bater nas pernas dos primos se não marchassem como ele queria. Alguns voltaram para casa machucados. Quando as mães descobriram, Jimmy se viu encrencado com as tias. Perdeu sua tropa nazista

de mentirinha, mas não seu fascínio por Hitler. O suicídio do líder nazista em abril de 1945, para fugir dos inimigos que queriam capturá-lo e humilhá-lo, deixou o garoto bastante impressionado.60

Mas nem a obsessão por Hitler e os nazistas arrefeceu a devoção religiosa de Jimmy. Myrtle Kennedy e o marido foram morar em Richmond no verão de 1942. Ninguém lembra por quê; já no outono voltaram para Lynn. Mas, durante essa estada em Richmond, época das férias escolares em Lynn, Jimmy foi morar com eles. Lynetta achou ótimo não ter que se preocupar com o filho por uns meses. Myrtle e o marido alugaram parte de um casarão onde também moravam outras famílias, inclusive crianças da idade de Jimmy — em particular um menino de 10 anos chamado Lester Wise. Jimmy e Lester ficaram amigos, e faziam tudo juntos antes de se afastarem no outono. O grande interesse dos dois era religião. Havia uma igreja pentecostal em Richmond, e eles frequentavam a escola bíblica três ou quatro vezes por semana. No culto de domingo, o pastor sempre exortava os pecadores a se aproximar para serem salvos. Na primeira semana, Jimmy se apresentou e se redimiu dos pecados. No domingo seguinte, repetiu a dose, e assim fez todos os domingos, pelo resto do verão. Segundo Lester, “não era normal fazer isso. A pessoa era salva uma vez e pronto. Podia até subir de novo se fizesse alguma coisa muito ruim; mas Jimmy não, ele ia toda vez que o pastor chamava. Subia lá e ajoelhava. Eu achava aquilo meio diferente, mas ele nunca se explicava. Ia lá e pronto”.61

Jimmy voltou naquele outono com uma nova mania. Em Lynn, todas as crianças vinham da zona rural e aprendiam as primeiras lições sobre sexo logo que começavam a andar. Os animais se reproduziam — as grandes ninhadas de filhotes de cachorros e gatos vira-latas eram só mais um sinal claro de acasalamento, e a maior parte das casas da cidade eram pequenas e não tinham isolamento acústico, em uma época em que nasciam muitos bebês. O sexo era onipresente, apenas não era assunto para gente direita.

Como sempre, Jimmy Jones fugia à regra. Falava abertamente de sexo com os primos mais novos, até que ficassem enojados. Convidava outras crianças da vizinhança para ficar em sua varanda, ouvindo tudo sobre “relações sexuais”. Onde havia aprendido aquilo tudo, ele não dizia. As tias ficaram sabendo do novo assunto predileto de Jimmy e o mandaram parar. Caso tenham pedido que Lynetta interviesse, ela não cooperou. O garoto continuava falando sobre o assunto proibido. Mas naquela época, e mesmo depois, ainda em Lynn, Jimmy era muito de falar e bem pouco de agir. Os colegas lembram que ele nunca havia “feito nada”. Se alguma coisa tivesse acontecido, todos logo ficariam sabendo.62

Quando começou o ensino médio, Jimmy Jones era marginalizado entre os adolescentes de Lynn. Só não era um pária completo porque era bom de papo. Mesmo quem não gostava dele ficava fascinado por tudo que dizia; religião e sexo eram seus dois assuntos prediletos. Jimmy ainda sabia despertar compaixão. Durante anos, os pais de outras crianças tiveram pena dele e até perdoaram seus excessos por conta da família desestruturada. A princípio, Lynetta era quem mais levava a culpa: quem teria uma infância saudável com uma mãe que fumava, falava palavrão e não ia à igreja? Mas, quando Jimmy chegou à puberdade, surgiu um novo rumor: o Velho Jim era um tremendo beberrão, e passava o dia embriagado. Em Lynn, qualquer pilequinho era motivo de escândalo. O Velho Jim sempre foi visto como digno de pena em razão das terríveis sequelas dos ferimentos de guerra e da esposa excêntrica que tinha, mas então seus hábitos passaram a levantar suspeitas. Todos os dias, era visto cambaleando pela rua a caminho do salão de bilhar. Todo mundo já o vira tropeçando, quase caindo — em alguns dias, mal conseguia se equilibrar. Às vezes, também sumia por uns tempos. A causa poderia muito bem ser a bebedeira.63

Com exceção da mulher, do filho e da família, ninguém sabia sobre o colapso que o Velho Jim tivera em 1932, nem das viagens que fazia para se tratar. Quando os boatos sobre o alcoolismo começaram a correr, não apareceu ninguém para desmenti-los. Naquela época e lugar, transtornos psiquiátricos eram considerados ainda mais deploráveis que o alcoolismo. Era melhor que o Velho Jim fosse visto como bebum do que como louco. A bem da verdade, não era nem uma coisa, nem outra. Com o corpo debilitado e os pulmões avariados, muitas vezes mal conseguia levantar da cama.64

Mas os boatos perduraram. Para Jimmy, a verdade jamais era um empecilho às suas ambições. Ele gostava de ser visto como alguém que superava obstáculos e que merecia todo apoio e reconhecimento.

Jimmy mudou o jeito de se vestir. No colégio, os jovens costumavam usar calça jeans e camisa de botão, enquanto na igreja, aos domingos, a roupa mais adequada era calça social e camisa branca. Jimmy usava roupas de ir à igreja quase todo dia. O cabelo volumoso, quase preto, e os penetrantes olhos escuros já chamavam atenção. Lynetta às vezes ainda se dizia descendente de indígenas, e o garoto passou a repetir isso. Sua aparência e maneira de se vestir o distinguiam.65

O comportamento na escola também. Nos corredores, entre uma aula e outra, Jimmy adquiriu o estranho hábito de nunca responder quando alguém puxava assunto. Só participava de conversas que tinha começado. Caso contrário, ficava encostado em uma parede perto da porta da sala

de aula até tocar o sinal e ia direto para sua carteira, sempre no fundo da sala.66 Era bastante dramático. Às vezes, contestava o que os professores diziam. Em qualquer outra escola rural de Indiana, correria o risco de ser expulso, mas em Lynn os professores gostavam de ver que os alunos sabiam pensar, e estimulavam as discussões. Jimmy parecia gostar de debater, mas nunca admitia estar errado. Tirava notas boas; alguns A, muitos B, mas não era considerado acima da média.67

Na escola, ele nunca foi um líder, mas, nos fins de semana e durante o verão, tentava ser. Não gostava de fazer parte de times, mantinha distância dos jogos de basquete e das corridas de bicicleta. Os outros rapazes pensavam que era porque não gostava de perder. Além disso, não jogava bem, e muitas vezes era o último a ser escolhido. Às vezes, montava seu próprio time e desafiava outro a enfrentá-lo. Nem nesses times ele jogava; ficava só no papel de treinador. Na maioria das vezes, os jogadores do time de Jimmy eram mais novos e ficavam lisonjeados por alguém mais velho prestar atenção neles.

Alguns moradores mais antigos de Lynn se lembram bem do verão de 1945, quando Jimmy Jones, então com 14 anos, não só montou um time de beisebol na cidade como organizou um campeonato com equipes da região. Seria uma tarefa hercúlea até para adultos. O rapaz cuidou de tudo sozinho. Conseguiu patrocínio de comerciantes para os tacos e as bolas, e tratou de recrutar garotos que quisessem jogar e estivessem dispostos a seguir um calendário oficial de jogos. Ninguém por lá estava acostumado com aquilo. Jimmy comandava o time de Lynn. Todos os garotos da cidade e dos arredores torciam para o Cincinnati Reds, mas só o time de Lynn podia usar o nome “Reds”, por determinação de Jimmy.

Embora não tivesse idade para dirigir, Jimmy levava sua equipe para os jogos no velho Ford Modelo A da família. O carro tinha um assento extra na parte traseira, onde os garotos precisavam se espremer para caber. Os meninos de Lynn jogavam bem e, para motivar a equipe, Jimmy elaborava estatísticas detalhadas — não só placares de jogos, mas também números individuais, organizados em colunas longas e alinhadas; os meninos adoravam analisá-las. Nunca haviam imaginado nada tão elaborado — foi a maneira que Jimmy encontrou para convencê-los de que só tinham a ganhar por aceitá-lo como líder.

Contudo, o clima azedou no fim do verão. O time se reunia no sótão de Jimmy. Os jogadores se sentavam e ouviam enquanto ele falava sobre os jogos anteriores e as estratégias para os seguintes. Estavam sempre rodeados de animais. Jimmy recolhia bichos abandonados o tempo todo. Ao que parecia, amava animais, mas um dia alguns meninos o viram atrair

um cachorrinho até a portinha do sótão que dava para o andar de baixo e deixá-lo cair no chão de propósito. Depois disso, não quiseram mais participar do time de beisebol. O campeonato desandou.68

O episódio do sótão foi um dos raros exemplos de crueldade de Jimmy com os animais. Talvez estivesse chateado com alguma situação familiar — algo realmente traumático, ainda mais para um adolescente —, e por isso descontou no cachorro.

Lynetta Jones ficava mais infeliz a cada ano. Estava cada vez mais claro que o resto do mundo jamais enxergaria como ela era especial. Mudou de emprego algumas vezes e, por fim, foi trabalhar em uma fábrica de autopeças em Richmond. Lá, como nas outras empresas por onde havia passado, Lynetta se achava mais inteligente que seus chefes, e acreditava que era ela quem devia dar as cartas. Mas continuava a ser uma funcionária como outra qualquer: pegava ônibus todo os dias, e ainda tinha de aguentar um marido que lhe dava nos nervos com sua doença debilitante e seus problemas respiratórios. A relação com a família do Velho Jim continuava estremecida, pelo menos na visão de Lynetta. Sua suspeita era que estivessem induzindo outros moradores da cidade a criticar a forma como ela criava o filho. Jimmy — ou “Jimba”, como o chamava —, ora era o orgulho da mãe, ora mais um desgosto. Por um lado, ainda acreditava firmemente que o menino fora escolhido pelos espíritos para ser especial. Se ela própria não podia ser famosa, pelo menos um dia poderia brilhar indiretamente por meio da glória do filho. Em muitos dias, porém, Jimba era apenas mais um fardo. Lynetta cuidava muito pouco dele. Às vezes estava sempre por perto, falando de suas crenças espirituais, lembrando-o do dom especial que herdara de seu lado da família. Na maior parte do tempo, contudo, sequer lhe dava atenção, e achava bom que outras pessoas se incumbissem de cuidar dele. Quando dirigia a palavra ao filho, era para ralhar com ele por alguma desobediência, real ou imaginária.

Lynetta também gritava com o Velho Jim. Aos seus olhos, o marido era fraco e desprezível. Além do mais, era incapaz de satisfazer a esposa tão sofrida, que às vezes queria um pouco de prazer no leito conjugal. O sexo era importante para Lynetta e, na época em que Jimba entrou para o colegial, ela arranjou um amante. O caso durou anos. Os dois eram até bem discretos, mas ainda assim algumas pessoas ficaram sabendo, inclusive na família do Velho Jim. As opiniões a respeito eram divididas. Os homens consideravam o comportamento de Lynetta indecente, mas algumas mulheres se compadeciam; afinal, tinha uma vida sacrificada, com um marido

doente daquele jeito. Embora ninguém a acusasse diretamente de adultério, Lynetta tinha consciência de que todos sabiam. Passara vinte anos acreditando ser desprezada pelos parentes de Jim. Dessa vez era verdade.69

Jimmy também sabia que a mãe tinha um namorado. Era daqueles adolescentes que captam tudo. Àquela altura, já havia colocado na cabeça que, se tivesse de escolher um lado, seria a mãe, e não o pai, quem apoiaria. O velho bem que merecia.

Assim como Lynetta vivia sua aventura amorosa, Jimmy queria encontrar alguém. Como era de se esperar, não paquerava como os outros adolescentes. Tinha uma técnica própria que continuaria usando na vida adulta. Em Lynn, namoro de colégio era coisa séria. A maioria dos adolescentes começava a namorar cedo, casava logo que acabava os estudos, formava família e ficava com a mesma pessoa até a velhice. Muitos dos amigos de Jimmy Jones ainda vivos estão perto de comemorar 65 ou setenta anos de casados.

Nos tempos de ensino médio de Jimmy, a menina dos seus sonhos era Sara Lou Harlan, a filha do dentista. Além de linda, era doce. A maioria dos meninos gostava dela, mas respeitava seu namoro com Dick Grubbs, também aluno do colégio. A comunidade escolar era tão unida quanto a própria cidade. Roubar a namorada dos outros era impensável.

Um dia, Jimmy grudou em Sara Lou. Ele a seguia pela escola inteira e, quando acabava a aula, fazia questão de acompanhá-la até em casa. Estava sendo inconveniente. Sarah Lou pediu a Dick que desse um jeito naquele garoto ridículo. Dick chamou Jimmy para uma conversa em particular e pediu que a deixasse em paz, “mas ele não deu a mínima, não adiantou nada. Na cabeça dele, se a queria, iria conquistá-la. Era direito dele e ninguém deveria falar nada, nem mesmo Sara Lou”. Com a insistência de Jimmy, Dick poderia se achar no direito de levá-lo para os fundos da escola e lhe dar uma surra. Mas não. Estava claro para Dick que nada faria Jimmy mudar de ideia. Talvez os pais de Sara Lou pudessem ter uma conversa com ele.

Foi o que aconteceu. Um dia, ao voltar da escola, Sara Lou levou um susto: Jimmy Jones estava em sua casa, conversando com sua mãe e seu pai como se fossem velhos amigos. Os pais elogiaram os bons modos de Jimmy — não era uma graça de rapaz? Convidaram-no para ir à igreja com a família no domingo. Ele foi e ficou até o final do culto. A ideia de levar os pais de Sara Lou na conversa não adiantou muita coisa. Ela não largaria Dick para ficar com Jimmy. Dick recorda que “levou um bom tempo para ele largar o osso, até que um dia começou a agir como se nada tivesse acontecido”.70

Quando Jimmy por fim entendeu que nunca ficaria com Sara, mudou seu foco para Phyllis Willmore. Se Sara Lou era a mais bonita da escola, Phyllis era a menina-prodígio da cidade. Com ela, Jimmy teve mais sorte. Os outros garotos achavam estranha a relação dos dois, porque ficavam lendo juntos na varanda da casa dela. De vez em quando, eram vistos de mãos dadas. Como lembra Phyllis, era mais uma primeira tentativa desajeitada de dois adolescentes de emplacar um namoro do que propriamente um romance. Iam juntos à igreja — Jimmy a levava para o culto nazareno e ia com ela à Igreja de Cristo — e foram uma vez ao cinema de Richmond. A mãe de Phyllis os levou; o casalzinho foi no banco de trás do carro. A sra. Willmore ficou para ver o filme. No cinema, Jimmy fez questão de arranjar um bom lugar para ela antes de ir se sentar com Phyllis, a algumas fileiras de distância.

O namoro de Jimmy e Phyllis nunca passou do estágio quase platônico. O relacionamento murchou, mas a amizade sobreviveu. Mais tarde, Phyllis teve pouquíssimas oportunidades de falar com Jimmy. O rapaz estava ocupado com outras coisas.

Alguns anos antes, chegou a Lynn uma nova igreja, radicalmente diferente das que já haviam se estabelecido na cidade. Um tal de sr. McFarland comprou uma velha loja na Rodovia 36, em frente a uma mercearia, e anunciou a abertura de uma igreja apostólica. Colou panfletos por toda a cidade, prometendo que quem fosse ao culto falaria em línguas. Os pastores de Lynn não gostaram. Aqueles apostólicos, que alguns chamavam de pentecostais, tentavam descaradamente arrebanhar seus fiéis. Por um tempo, funcionou. Nunca se vira nada igual em Lynn: as pessoas se jogavam no chão e rolavam de um lado para o outro, balbuciando coisas incompreensíveis. Era uma atração imperdível. Os moradores da cidade iam uma ou duas vezes, ficavam olhando, pasmados, depois voltavam para as igrejas que frequentavam. A congregação que a recém-chegada Igreja Apostólica conseguiu manter era quase toda de fora da cidade, em geral sulistas que haviam se mudado para Indiana e estavam acostumados com esse tipo de culto. Era impossível negar que ofereciam um grande espetáculo, não só aos domingos, mas também em algumas noites durante a semana e aos sábados. Os produtores rurais iam à cidade fazer comércio com a mercearia da Rodovia 36, depois postavam-se em frente à igreja do outro lado da rua, sacudiam a cabeça e observavam com um misto de divertimento e assombro aqueles crentes fanáticos que se contorciam, pulavam e gritavam em frenesi no culto de sábado à noite.

Muitas vezes, Jimmy Jones estava lá, no meio dos apostólicos, assistindo com atenção, assimilando tudo. Aquele pastor tinha muito mais liberdade que os das outras igrejas. Não ficava engessado em uma fórmula pronta. Pelo contrário, pulava e gritava, ou até mesmo uivava, movido pelo Espírito Santo. As reações dos fiéis eram igualmente incríveis. Também gritavam, cantavam e dançavam, transformando as reuniões em celebrações esfuziantes.71

Jimmy ainda passava os domingos entrando e saindo de todas as igrejas de Lynn, mas os apostólicos eram especiais. Passou a frequentar os avivamentos que promoviam na zona rural. Lynetta ficou sabendo, e não gostou. Até ela achava aquelas pessoas estranhas. Tempos depois, descreveu uma cena dramática, quando bateu de frente com a líder da congregação dos apostólicos: exigiu que a mulher deixasse seu filho em paz, porque as coisas horrendas que Jimmy ouvia dela durante os cultos estavam lhe dando pesadelos horríveis. Aquela víbora, na verdade, colocava Jimba para pregar, porque, quando ele pregava, a oferta era maior. Como a maioria das lembranças de Lynetta, isso não era verdade. O sr. Stump, que durante a semana trabalhava como encanador, era quem celebrava os cultos apostólicos. Ninguém se lembra de Jimmy ministrando a palavra em nenhum culto. Mas ele começou, sim, a pregar em outro lugar, e sobre um tema dos mais espinhosos.72

Na região rural de Indiana, o condado de Randolph era um lugar único, e não só pelas escolas públicas de primeira linha. Às vezes, os brancos da região passavam anos sem ver uma pessoa negra sequer, e muito menos ter algum contato com uma. Havia três enclaves de negros em Randolph, aglomerados de casas precárias que eram muito pequenos para serem promovidos a municípios. Mesmo assim, havia centenas de afro-americanos no condado, principalmente trabalhadores rurais que iam a Winchester e Lynn nos fins de semana para fazer compras e vender mercadorias. Não eram tratados como iguais. Seus filhos não frequentavam a excelente escola de Lynn. Nem passaria pela cabeça das mães brancas convidar crianças “de cor” para brincar com os filhos. Em Lynn, porém, os brancos viam negros, compartilhavam a mesma fila nas lojas da cidade e até batiam papo com eles na saída da mercearia ou do veterinário.73

Como os demais filhos de brancos em Lynn, Jimmy Jones estava habituado a conviver com pessoas negras. E, ao contrário de outros brancos, demonstrava interesse sincero na vida delas, indo além das fronteiras sociais veladas da cidade. Quando ia a Richmond, a “cidade grande” mais próxima, com seus cerca de 30 mil habitantes, ficava indignado com a forma como os negros eram tratados — ouviam insultos e recebiam ordens

como se fossem cachorros. Havia um bocado de negros pobres que moravam em Richmond — já que a cidade oferecia empregos na indústria —, fora os que passavam por lá com alguma frequência. O condado de Wayne, onde ficava Richmond, era chamado pejorativamente em todo o estado de “pequena África”. E assim, ainda no ensino médio, Jimmy às vezes acordava no sábado de manhã, vestia sua melhor roupa e viajava 27 km de ônibus até Richmond. Ao chegar, ia a pé da rodoviária até a região mais pobre da cidade, margeando a estrada de ferro. Era lá que os negros mais destituídos se reuniam. Jimmy encontrava um lugar que servisse de palanque e começava a pregar. O tema era sempre a igualdade de todos aos olhos de Deus e o fato de ser errado menosprezar o próximo, principalmente pela cor da pele. O rapaz branco prometia aos negros desamparados que, se perseverassem, veriam tempos melhores. Ninguém sabe as palavras exatas que usou, porém os moradores mais antigos de Richmond se lembram de ter ouvido falar a respeito.74

De volta a Lynn, Jimmy fazia de tudo para mostrar sua fé. Começou a andar com a Bíblia para todo lado, uma ostentação que divertia mais do que impressionava os outros adolescentes. Todos tinham certeza de que o destino de Jimmy Jones era ser pastor, o que lhe valeu certo reconhecimento na escola.75 Quando os Lynn Bulldogs enfrentaram uma escola rival em um evento esportivo importante, e pediram que Jimmy fizesse um enterro simbólico do adversário na concentração. Ele adorou a ideia, e alguns ficaram chocados com o fervor com que despachou a equipe adversária para a cova. Um colega recordou: “Ele tinha um talento natural para o teatro”.76

A cena do enterro no preparativo para o evento foi o último momento marcante da adolescência de Jimmy em Lynn. Em 1948, nas férias de verão antes de seu último ano na escola, ele se mudou com a mãe para Richmond.

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