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04 | Juventude

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02 | Lynn

02 | Lynn

4 Juventude

Assim como os pais, talvez até mais, as crianças de Lynn eram conformistas. Acreditavam nas mesmas regras, respeitavam os pais e professores acima de tudo. Era assim em todo o estado. Segundo o historiador James H. Madison, “a temperança faz parte do jeito de ser de Indiana, uma moderação alicerçada no respeito à tradição. Entre as revoluções que não aconteceram em Indiana, uma delas é a revolta de gerações”.51

Em Lynn, as crianças dividiam os brinquedos e o lanche. As meninas aprendiam a cozinhar e a cuidar da casa. Os meninos praticavam esportes, andavam pelos bosques e campos e não faziam corpo mole. Quase sempre seguiam os passos dos pais, e se contentavam com isso.

Em certa medida, Jimmy Jones se encaixava no padrão, pelo menos de início. Brincava na rua como todo garoto, gostava de melancia e não perdia a sessão de cinema de quarta-feira. Também levava jeito com animais, e era seguido por vira-latas por onde andava. Quando ia brincar na casa de alguém, a mãe do colega invariavelmente comentava que ele era um rapazinho educado.52

Jimmy sempre teve brinquedos ótimos. Todos sabiam que Lynetta precisava trabalhar, já que o marido não podia, e que os três dependiam da ajuda financeira da família. Mesmo assim, o menino tinha muitas coisas. Uma delas era um miniprojetor de cinema. Ele se gabava de poder exibir filmes na parede de casa, como na sessão de quarta-feira no centro da

cidade. Todo mundo queria ver o brinquedo, mas Lynetta proibira Jimmy de entrar em casa na ausência dos pais. Levar amigos então, nem pensar. Mas Chuck e Johnny Willmore estavam muito curiosos. Um dia, depois da escola, Jimmy entrou escondido com eles em casa — o pai estava no bilhar, como de costume —, fechou as persianas para deixar a sala escura e projetou o filme na parede. Foi uma festa, até que Lynetta chegou de repente. De cinta na mão, saiu correndo atrás de Jimmy e lhe deu uma surra. Ele gritava “foi sem querer, foi sem querer”, o que não fazia sentido. Johnny e Chuck foram embora correndo e contaram para os outros meninos. Todos ficaram com pena de Jimmy.53

Era visível também que o clima não era bom entre Jimmy e o pai. Em Lynn, não era com longas conversas e abraços que um menino criava vínculos com o pai: era acompanhando seus afazeres, observando e aprendendo a fazer reparos em casa, a mexer no carro e a realizar outras tarefas corriqueiras que precisavam dominar para ter êxito na vida. O Velho Jim não podia fazer nada disso. Jimmy não parecia ter muito respeito por ele. A única interação que se via entre os dois era quando Jimmy aparecia no salão de bilhar para pedir uns trocados. Era triste.54

Mas a compaixão das pessoas tinha limite. Ainda que pudesse merecer um desconto pela mãe cruel e o pai doente, em alguns aspectos ficava evidente que Jimmy era um garoto estranho. Ele chorava muito — o que não era coisa de menino — e praguejava o tempo todo. Os outros garotos queriam saber onde tinha aprendido a falar daquele jeito. Ele não dizia. Só dava um sorrisinho e se divertia com o constrangimento que seu palavreado causava nas pessoas. Os outros meninos eram meio brigões, às vezes ficavam de cabeça quente e distribuíam socos ou pontapés. Era normal aparecerem com o nariz sangrando ou um corte no lábio de vez em quando. Mas Jimmy não. Tinha medo de brigar e fugia toda vez que a brincadeira ficava um pouco mais violenta.

Ele também mostrava uma verdadeira obsessão por chocolate, uma cobiçada iguaria. Jimmy toda hora comia uma barrinha, que surrupiava das prateleiras do comércio local quando tinha vontade. Os comerciantes deixavam, porque todo sábado Lynetta Jones ia lá e acertava a conta com eles.55 Se fosse qualquer outra mãe, daria uns bons cascudos no filho pelo atrevimento, mas Lynetta se orgulhava da ousadia do menino. Como ela, Jimmy encontrava formas de desafiar as convenções.

Mas era no âmbito religioso que ele mais destoava dos demais. Todas as crianças de Lynn acreditavam em Deus e iam à igreja todo domingo. Era parte da vida. Mas Jimmy se superava. Frequentar todas as igrejas da cidade nem era o que mais chamava a atenção.

Jimmy tinha um jeito estranho de expressar sua religiosidade, a começar pelas coisas que dizia. Certo dia, estava brincando com os irmãos Willmore no sótão que ficava em cima da garagem. Havia uma série de vigas próximas ao telhado. Os meninos inventaram de andar sobre elas, como se fossem equilibristas. O risco de queda era grande. Eram uns três metros até o chão. Chuck e Johnny Willmore foram na frente, um atrás do outro, porque as vigas eram bem estreitas. Jimmy estava logo atrás. Passado cerca de um minuto, Johnny ficou apreensivo, com medo de cair. Queria voltar, mas ficou imóvel, no meio do caminho, bloqueando a passagem. Johnny gritou: “Pode voltar”. Com uma expressão estranha no rosto, Jimmy disparou: “Não consigo me mexer, o Anjo da Morte está me segurando!”. Os três bambearam na viga, até que Jimmy, por fim, disse que o Anjo o havia soltado. Chuck Willmore lembrou mais tarde: “Mesmo com uns 6 anos, achei aquilo muito doido”.56

Uma fábrica de caixões mantinha um depósito em Lynn. Jimmy falava muito sobre a morte e seu caráter inevitável. As pessoas que cuidavam do depósito, como todo mundo em Lynn, nunca trancavam a porta. Certa noite, Jimmy levou uma turma de garotos para lá e mandou que deitassem nos caixões; assim saberiam como era estar morto e teriam uma ideia do que acontecia depois. As crianças ficavam com medo ou, depois de algum tempo, acabavam entediadas. Jimmy voltou outras vezes, mas era difícil achar quem topasse a brincadeira.57

Jimmy chegou a afirmar por um tempo que tinha poderes especiais conferidos pelo Todo-Poderoso. Quando pediram provas, arranjou uma capa, provavelmente uma toalha, e subiu no telhado da garagem. Todos se reuniram para vê-lo voar. As outras crianças não acreditavam que seria capaz de pular, mas ele fez isso. Não voou: bateu no chão com força e quebrou o braço.58 O episódio não o intimidou. Jimmy ainda parecia convicto dos novos poderes, embora ninguém mais lhe desse ouvidos. Porém nunca mais falou a respeito.

Na mesma época, vieram os enterros de animais.

Era possível encontrar todos os tipos de animais mortos na vizinhança: esquilos e coelhos atropelados; camundongos capturados em ratoeiras; alguns gatos e cachorros; e muitos pássaros. Essas coisas eram encaradas com naturalidade, como as folhas caindo no outono. Quase sempre, os bichos ficavam lá até se decompor ou eram recolhidos e jogados no lixo. Mas Jimmy Jones quis fazer diferente. Com ar solene, começou a recolher os restos mortais, reunir as crianças e celebrar elaborados funerais. Orava diante das carcaças e pregava sobre o amor de Deus a todas as suas criaturas. Enterrava os animais em caixas de fósforos ou de papelão, conforme o tamanho. No início era até divertido, mas logo perdeu a graça, e os colegas da idade de Jimmy não quiseram mais participar. Ele não desanimou. Começou a chamar crianças

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