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Índice: pág. 1 - Editorial / pág. 2 - Paisagens Errantes - Paola Berenstein Jacques / pág. 3 - A Forma da Ausência: Terrain Vague - Ignasi de Solà- Morales / pág. 4 - Parque no Brooklyn - Frederick Law Olmsted / pág. 5 - Entrevista - Fernando Chacel / pág 6 - Praça dos Vagalumes - Aluno: Felipe Botelho | Professora: Flaviana Raynaud

nº 1 maio/2007

distribuição gratuita

periódico do curso de arquitetura e urbanismo da PUC-Rio

EDITORIAL FRESTA 1 abre-se para a discussão sobre a paisagem, reunindo textos que nos ajudam a refletir sobre um conjunto de conceitos cruciais para a prática contemporânea da arquitetura e do paisagismo — com destaque para o conceito de “paisagem urbana”. A entrevista concedida aos editores executivos de FRESTA (profs. Ana Luiza Nobre e Andrés Passaro) por Fernando Chacel, um de nossos maiores paisagistas e autor do projeto de paisagismo da Nova Biblioteca Central da PUC-Rio, ajuda a esclarecer o que é a prática do paisagismo hoje, e põe em debate sua importância na construção da cidade contemporânea. Frederic Law Olmsted (1822-1903), autor do mais famoso parque urbano do mundo, o Central Park de Nova York, viveu a braços com questões complexas, e deu a elas (através de textos e projetos) respostas instigantes. O interesse que seu trabalho despertou em personagens tão diversos quanto Lucio Costa e Robert Smithson dá bem a medida da importância de sua obra. Uma obra ainda hoje bastante ignorada no Brasil que FRESTA contribui para trazer à luz, com um texto inédito em português. Em “Terrain vague”, texto publicado por lgnasi Solà-Morales no catálogo do XIX Congresso da U1A/ União Internacional de Arquitetos, em 1996, aborda-se a paisagem urbana procurando resgatá-la da positividade (herdada do século XIX) do planejamento urbano. À noção pejorativa de “vazio urbano” o autor contrapõe a ideia de “terrain vague” — espaço residual, de ausência e liberdade, a ser urgentemente preservado nas cidades pós-industriais. Motivação análoga à de Paola Berenstein Jacques que, defendendo a ideia de “paisagens errantes”, explicita sua insatisfação com “métodos de intervenção no espaço urbano que se distanciam cada vez mais da experiência urbana, da própria vivência ou prática da cidade”. FRESTA 1 traz ainda trabalho produzido na disciplina de paisagismo por nosso ex-aluno e hoje arquiteto Felipe Botelho, que representa aqui a primeira turma do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio, formada em janeiro último. Otavio Leonídio Coordenador Acadêmico do CAU PUC-Rio


2 Paisagens Errantes Paola Berenstein Jacques "Uma paisagem...é bem isso que Paris se torna para o flâneur. Mais exatamente, ele vê a cidade se cindir em dois polos dialéticos. Paris se abre para ele como paisagem e o encerra como se fosse um quarto." Walter Benjamin Os praticantes das cidades atualizam os projetos urbanos, e o próprio urbanismo, através da prática dos espaços urbanos. Os urbanistas indicam usos possíveis para o espaço projetado, mas são aqueles que o experimentam no cotidiano que os atualizam. São as diferentes ações, apropriações ou improvisações dos espaços que legitimam ou não aquilo que foi projetado, ou seja, são essas experiências do espaço pelos habitantes, passantes, e sobretudo os errantes, que reinventam esses espaços no seu cotidiano ou em suas errâncias. Entretanto, os métodos de intervenção no espaço urbano se distanciam cada vez mais da experiência urbana, da própria vivência ou prática da cidade. Errar pode ser um instrumento desta experiência urbana, uma ferramenta subjetiva e singular, ou seja, o contrário de um método ou de um diagnóstico tradicional. A errância urbana é uma apologia da experiência da cidade, um tipo de ação que pode e deve ser praticada por qualquer um, principalmente pelos arquitetos-urbanistas. Enquanto o urbanismo busca a orientação através de mapas e planos, a preocupação do errante estaria mais na desorientação, sobretudo em deixar seus condicionamentos urbanos, uma vez que toda a educação do urbanismo está voltada para a questão do se orientar, ou seja, o contrário mesmo do "se perder". Em seguida, pode-se notar a lentidão dos errantes, o tipo de movimento qualificado dos homens lentos, que negam, ou lhes é negado, o ritmo veloz imposto pela contemporaneidade. E por fim, a própria corporeidade destes, e, sobretudo, a relação, ou contaminação, entre seu próprio corpo físico e o corpo da cidade que se dá através da ação de errar pela cidade. A contaminação corporal leva a uma incorporação, ou seja, uma ação imanente ligada à materialidade física, corporal, que contrasta com uma pretensa busca contemporânea do virtual, do imaterial ou do "incorporal". As três propriedades mais recorrentes das errâncias - perder-se, lentidão, corporeidade - estão intimamente relacionadas, e remetem à própria ação, ou seja, à prática ou experiência do espaço urbano. O errante urbano se relaciona com a cidade, a experimenta, e este ato de se relacionar com a cidade implica esta corporeidade própria, advinda da relação entre seu próprio corpo físico e o corpo urbano que se dá no momento da desorientação lenta da errância. Para resumir, pode-se dizer que o errante faz seu elogio à experiência principalmente através da desorientação do ato de se perder, da qualidade lenta de seu movimento e da determinação de sua corporeidade. As três propriedades poderiam ser consideradas como resistências ou críticas ao pensamento hegemônico contemporâneo ¹ do urbanismo que ainda busca uma certa orientação (principalmente através do excesso de informação), rapidez (ou aceleração) e, sobretudo, uma redução da experiência e presença física (através das novas tecnologias de comunicação e transporte). Apesar da íntima relação entre essas propriedades da errância, talvez seja a relação corporal com a cidade, na experiência da incorporação, que mostre de forma mais clara e crítica o cotidiano contemporâneo cada vez mais desencarnado e espetacular. Diante da atual espetacularização das cidades que se tornam cada dia mais cenográficas, a experiência corporal das cidades, ou seja, sua prática ou experiência, poderia ser considerada como um antídoto à essa espetacularização. A redução da ação urbana pelo espetáculo leva a uma perda da corporeidade, os

espaços urbanos se tornam simples cenários, sem corpo, espaços desencarnados. Ao se observar mais de perto a história crítica do urbanismo, a história marginal ²,é possível se perceber um outro caminho, que critica a espetacularização desde seus primórdios. Nesta pista, as principais questões são as diferentes formas de ação na cidade, mas também as relações corporais, através das experiências efetivas dos espaços urbanos. As relações sensoriais com a cidade que passam experiências corporais destes espaços, em suas diferentes temporalidades, seriam o oposto da imagem da cidade-logotipo, da paisagem que se torna imagem publicitária, ou seja, cenários espetacularizados, desencarnados. Paisagens errantes seriam paisagens vivenciadas de dentro, ou seja, o contrário da paisagem distanciada e desencarnada do logotipo do marketing ou branding urbano. Os praticantes da cidade e, principalmente, os errantes urbanos, experimentam os espaços quando os percorrem, e assim lhe dão corpo, e vida; pela simples ação de percorrê-los. Uma experiência corporal, sensorial, não pode ser reduzida a um simples espetáculo, à uma simples imagem ou logotipo. As cidades e suas paisagens deixam de ser simples cenários no momento em que são vividas, experimentadas. Ganham corpo a partir do momento em que são praticadas, se tornam "outros" corpos. Para o errante urbano sua relação com a cidade é da ordem da inCORPOrAÇÃO. ■ ¹ - Também chamado de pensamento único. ² - É a história do pensamento não hegemônico. Esse texto é um resumo esquemático e modificado do capítulo “Elogio aos Errantes” do livro Corpos e Cenários Urbanos (EDUFBA, Salvador, 2006)


3 A Forma da Ausência: Terrain Vague Ignasi de Solà-Morales

A experiência cultural da grande cidade está formada por um tecido humano em que a pervivencia ¹ do significado dos lugares através do tempo é algo que não pode ser menosprezado. Mais uma vez se faz necessário recordar que a arquitetura do movimento moderno manteve uma posição limitada, fundamentalmente museística, frente aos testemunhos arquitetônicos da memória coletiva, ligada sobretudo ao produtivismo e à eficiência na qual deveria ser considerada a grande cidade. Mera consideração das situações de fato, no caso de Mies, Hilberseimer ou Gropius; reutilização “museístico-turística” nos monumentos, no caso de Le Corbusier. Em todos eles, a cidade é um artefato novo onde, no entorno da nova arquitetura eficaz e tecnificada, as relíquias dos chamados “monumentos” podem ficar descontextualizadas. O que eram os monumentos para os mestres do movimento moderno é também algo que vale a pena recordar: restos fossilizados de peças isoladas cuja identificação se produzia a partir de critérios classificatórios que a história da arte havia herdado das ciências naturais. A reação frente a tanta simplificação não tardou em manifestar-se. Por um lado, surgem reivindicações em favor de funções complexas - “o coração da cidade” dos últimos CIAM - que representariam, nas cidades históricas, um reconhecimento da função viva que o patrimônio urbano do passado continuava possuindo no presente. Por outra parte, surge a noção de “ambiente” como conceito que transcendia o valor isolado dos simples edifícios. Ambiente urbano, entorno urbano, umas noções procedentes da tradição paisagística que incorporavam à leitura dos espaços urbanos complexos um tipo de aproximação em que os valores formais não eram separáveis dos valores evocativos, significativos e históricos. Junto a esta aproximação, mais paisagística que estritamente objetual, mais histórico-mnemônica que simplesmente abstrato-formal, se agrega hoje o desencanto pela própria cidade moderna, sua eficácia e capacidade de sedução. Um profundo pessimismo perpassa nossa cultura atual frente a experiência da grande cidade. Há uma ampla tradição crítica, frequentemente anti-urbana, em nada partícipe de uma leitura das grandes cidades atuais, de seus edifícios e de seus espaços como antecipação de uma vida melhor. O pessimismo urbano, desde Spengler a Mumford, definiu atitudes que se caracterizam por buscar espaços alternativos na vida da grande cidade, espaços outros, fora ou dentro da cidade como o reverso, verdadeiro e aceitável, da realidade cotidiana das metrópoles agressivas, anônimas e feias. A arte contemporânea, o cinema e a fotografia, e também a novela e a pintura, mantêm, em muitos casos, uma relação de amor e ódio com a cidade. Fragmentação, ilegibilidade e agressividade são características da percepção difusa que este tipo de porta-voz privilegiado, que quase sempre costuma ser a produção artística, manifesta frente a cidade atual. Nestas condições detectamos um interesse crescente, quase uma paixão, por aquelas situações da cidade as quais denominamos genericamente com a expressão francesa “terrain vague”. “Terreno baldío” em espanhol, “waste land” em inglês são expressões que não traduzem em toda sua riqueza a expressão francesa. Porque tanto a noção de “terrain” como a de “vague” contêm uma ambiguidade e uma multiplicidade de significados que fazem desta expressão um termo especialmente útil para designar a categoria urbana e arquitetônica com a qual nos aproximamos dos lugares, territórios ou edifícios que participam de uma dupla condição. Por uma parte “vague” no sentido de vacância, vazio, livre de atividade, improdutivo, em muitos casos, obsoleto. Por outra parte “vague” no sentido de impreciso, indefinido, vago, sem limites determinados, sem um horizonte de futuro. Nossas grandes cidades estão povoadas por este tipo de territórios. Áreas abandonadas pela indústria, ferrovias, portos; áreas abandonadas em consequência da violência, pela suspensão da atividade residencial ou comercial, pela deterioração do construído, espaços residuais nas margens dos rios, lixões, pedreiras, áreas subutilizadas por estarem inaces-

síveis entre autopistas, nos limites de operações imobiliárias fechadas sobre elas mesmas, e de acesso restrito por razões teóricas de proteção e segurança. A aproximação convencional da arquitetura e do desenho urbano a estas situações é bem clara. Se busca sempre, através de projetos e investimentos, reintegrar estes espaços ou edifícios no traçado produtivo dos espaços urbanos da cidade eficiente, sincopada, atarefada, eficaz. Entretanto, ante estas operações de renovação, manifestam-se as pessoas sensíveis. Os artistas, vizinhos, cidadãos desencantados com a vida nervosa e incessante da grande cidade se sentem profundamente contrariados. Aqueles terrain vague resultam ser os melhores lugares de sua identidade, de seu encontro entre o presente e o passado, ao mesmo tempo em que se apresentam como o único reduto não contaminado possível para exercer a liberdade individual ou de pequenos grupos. A arte dos jardins na cidade do século XIX teve que afrontar o desafio de inserir jardins públicos nas grandes cidades capitais. Este processo pode hoje parecer elementar, evidente e óbvio. Mas não era. Fazia-se necessário encontrar uma forma de introduzir a natureza na cidade de modo que ela mantivesse suficientes rasgos próprios, apesar de encontrar-se situada em território contrário. Os grandes parques urbanos de Londres, Paris, Nova York ou Sidney não são jardins domésticos de maior escala, são verdadeiras recriações da memória dos espaços naturais. São, inclusive em muitos casos, espaços naturais preservados no momento de crescimento da cidade que foram percebidos como redutos, como contra-espaços no período da construção da cidade da primeira Revolução Industrial. Pois bem. Da mesma maneira que a cultura urbana decimonônica desenvolveu os espaços dos parques urbanos como resposta e antídoto à nova cidade industrial, nossa cultura pós-industrial reclama espaços de liberdade, de indefinição e de improdutividade, desta vez não mais ligados à noção mítica da natureza, mas à experiência da memória, da fascinação romântica pelo passado ausente como arma crítica frente ao presente banal e produtivista. A comparação com o fenômeno dos parques urbanos não pode, entretanto, nos enganar com respeito às diferenças. Preservar, gerir, reciclar os terrain vague, os espaços residuais da cidade, não pode ser simplesmente reordená-los para que se integrem novamente na trama eficiente e produtiva da cidade, cancelando os valores que seu vazio e sua ausência possuíam. Ao contrário, é este vazio e esta ausência o que deve ser salvo a todo custo, o que deve marcar a diferença entre o federal bulldozer e as aproximações sensíveis a estes lugares de memória e ambiguidade. Se a nossa proposta de categorias culturais para entender as novas relações entre a arquitetura e as grandes metrópoles atuais começava pela noção de “mutação” como a mais adequada para entender os fenômenos de transformação súbita, a última que propomos, terrain vague, constitui praticamente seu contraponto, o reverso da mesma moeda metropolitana. Somente uma igual atenção aos valores da inovação e aos da memória e da ausência será capaz de manter viva a confiança em uma vida complexa e plural. O papel da arte, escreveu Deleuze, e também o da arte da arquitetura “não é o de produzir objetos para si mesmos, autorreferentes, senão o de se constituir em uma força reveladora da multiplicidade e da contingência.” ■ ¹ - Termo pervivencia em espanhol deriva do verbo pervivir, que tem o sentido de “continuar vivendo apesar do tempo ou das dificuldades”. [N.T.] Extrato do artigo “Presente y Futuros. Arquitectura en las Ciudades’.’, publicado no catálogo do XIX Congresso da UlA, realizado em Barcelona, em 1996. - Tradução: Laís Bronstein.


4 Parque no Brooklyn Frederick Law Olmsted

(...)Uma mera imitação da natureza, ainda que bem-sucedida, não é arte, e o propósito de imitar a natureza ou produzir um efeito natural e interessante não é suficiente para a tarefa que temos diante de nós. Uma cena [scene] na natureza é feita de várias partes, e cada uma delas tem seu caráter próprio e seu ideal possível. É improvável que o acaso reúna os melhores ideais possíveis de cada parte, considerando-as meramente como fatos isolados, e ainda mais improvável que alguns desses ideais sejam reunidos pelo acaso, de modo que não apenas um ou dois deles, mas todos se relacionem harmonicamente entre si. Todavia é evidente que não é impossível procurar realizar isso artificialmente, e um estudo apropriado das circunstâncias relacionadas ao perfeito desenvolvimento de cada detalhe irá pelo menos capacitar o projetista a contar com um certo êxito. Uma reunião abrangente dos resultados de seu estudo das relações harmônicas entre um, dois ou mais detalhes pode capacitá-lo, por sua vez, a descobrir a lei que rege as relações harmônicas entre vários detalhes, e se ele pode descobrir tal lei, não existe nada que possa impedi-lo de colocá-la em prática. O resultado disso seria uma obra de arte, e a combinação da arte assim definida com a arte da arquitetura na produção de composições paisagísticas é o que chamamos de arquitetura paisagística. O primeiro passo na aplicação dessa arte a qualquer sítio é a formação de um juízo sobre as capacidades e limitações deste sítio, com respeito à intenção artística. É obviamente impossível, por exemplo, produzir no Brooklyn um cenário [scenery] que irá afetar a mente tal como ela é afetada pelos Alpes ou pelas Sierras, por um lado, ou pela vegetação exuberante de um pântano tropical, por outro. Além disso, a experiência prova que certos tipos de cenários são mais satisfatórios num parque urbano, que requer uma ampla concentração

dos seus elementos. Logo se verá, por exemplo, que se toda a madeira, toda a água e todo o gramado de uma certa área fosse distribuída em canteiros, caminhos e lagos, independentemente de quão vasto como um todo e quão variadas em detalhes suas partes pudessem parecer para aqueles que se dedicassem a explorar suas minúcias, não haveria parte que escaparia de parecer confinada, não existiria uma ampla e aberta cena unitária, e não se produziria uma impressão ou efeito na mente tal como se toda a água fosse reunida num lago, todas as árvores num bosque, todos os caminhos gramados num amplo prado. Tais operações de agregação, e consequentemente a impressão que se pretende produzir por seu intermédio, devem ser limitadas para atender a dois outros propósitos: apresentar interesses variados e tornar todo o cenário disponível para satisfazer o público por meio da comunicação. Há outras limitações relativas à intenção artística impostas pelas condições do solo e pela descoberta de pedras e nascentes. O quanto cada uma dessas limitações pode ser superada, seja por meio de dinamitação, drenagem, nivelamento do terreno, proteção com anteparos, adubagem ou outras operações, deve ser estudado caso a caso, e as intenções artísticas do projeto devem ser afetadas em cada parte e pormenor pelas conclusões daí derivadas(...) ■ Extrato publicado em: Olmsted, Frederick Law. Civilizing American Cities: writings on city landscapes. New york, Da Capo Press, 1997 - Tradução: Ana Luiza Nobre

Central Park, Nova York Nacional Park Service of the United States

Relatório preliminar para os membros da comissão encarregada do projeto de um parque no Brooklyn, em Nova York (1866).


5 Entrevista Fernando Chacel Concedida a Ana Luiza Nobre e Andrés Passaro

Ana Luiza Nobre: Você trabalhou com projetos de arquitetura? Fernando Chacel: Muito pouco. Tenho alguns projetos, prédios, casas, até um colégio.... Me formei em 1953 e comecei como estagiário do Departamento de Estradas e Rodagem, no setor de arquitetura e paisagismo. Eu era guachista. Pintava o trabalho de apresentação para o Burle Marx fazer uma exposição, mas não entendia absolutamente nada. Eu via cores e formas e ficava entusiasmado com aquilo. Quando entrei no Departamento de Estradas e Rodagem, eu tinha vínculos com o escritório do Burle Marx. Então fui no arquivo, verifiquei umas duas ou três plantas que podiam se encaixar no meu espaço, e peguei-as. E aí fiz uma colagem. Isso num projeto que tinha todas as cores: pedra portuguesa, lago, plantas...Eu não sabia o que eram algumas cores e plantas. Então procurei um mestre, o Valfrido, e disse: - Você vai me ajudar. O que é esse amarelo aqui? - Ah! É uma plantinha... Ele foi me mostrando e eu fui fazendo uma montagem. Assim saiu o meu primeiro projeto de paisagismo, que foi muito bem recebido no Departamento de Estradas e Rodagem. O Burle Marx nunca soube dessa história. ALN: Me parece muito evidente a diferença entre o seu trabalho e o de Burle Marx. O Burle Marx é compositivo, parte muito de um desenho, do guache, da pintura... FC: Bom, o Burle Marx é um artista plástico por formação. E numa primeira visão do trabalho dele, ele realmente é um pintor que pinta na paisagem. Mas isso não é verdade porque ele também tem um profundo conhecimento da vegetação, da biota, das interrelações entre fauna e flora, que ele sabe manejar como ninguém. Andrés Passaro: Ele utilizou várias espécies exóticas, não? FC: Usou, porque tinha paixão por coisa bonita e alma de colecionador. Ele via uma coisa que o emocionava na natureza e ia buscar. Ele conhecia quase todos os Jardins Botânicos do mundo e era apaixonado por plantas. Mas tinha também um grande conhecimento. Veja você, a introdução de espécies nativas no paisagismo foi ele quem fez. Eu diria que sou um fiel seguidor do Burle Marx, no sentido de trabalhar nesse processo ecogenético. Outra coisa que me impressionou muito foi o trabalho que ele fez para Araxá. Araxá está no cerrado e o cerrado é muito especial porque aceita e recebe quase todos os ecossistemas de outras regiões do país. Essa é uma razão pela qual a vegetação plantada de Brasília é tão diferenciada do cerrado. Se você quiser ver o cerrado, quase tem que sair do Plano Piloto ALN: O Burle Marx já falava em ecogênese? FC: Não, o termo é do Luiz Emygdio de Mello Filho, meu querido amigo e mestre. Mas foi Roberto quem pela primeira vez criou um modelo baseado nos ecossistemas primitivos, não só para a cobertura vegetal, como também para a biota como um todo, integrando a fauna e a flora. O que eu fiz foi dar prosseguimento a isso, com essa maneira de trabalhar na paisagem que é muito mais com a paisagem do que propriamente na paisagem. Isso foi possível graças à legislação ambiental que tornou obrigatória a presença do arquiteto paisagista na recuperação de áreas degradadas. Mas essa recuperação não pode ser entendida apenas sob o ponto de vista estético ou de conforto climático, ela vai além. Criar um ecossistema, evidentemente, não é refazer um ecossistema natural, porque isso é impossível. É preciso trabalhar com os elementos do ecossistema primitivo utilizando-os para criar não uma paisagem natural, mas cultural. AP: Como seria a cidade dos seus sonhos?

FC: Sou muito urbano. Jamais moraria num lugar bucólico, fora da cidade.... Então a cidade dos meus sonhos teria que estar de acordo com o conceito de sustentabilidade. Seria um lugar em que a natureza pudesse participar da área urbana de uma maneira efetiva e a urbanização fosse feita em cima da capacidade de suporte da natureza. Penso numa cidade equilibrada, harmoniosa, saudável, e para isso deve haver um intercurso amoroso entre urbanização, conservação e preservação dos recursos naturais. AP: Essa cidade já foi projetada? Ela existe? FC: Não. Talvez alguns focos com características de autosustentabilidade. ALN: Como você vê Brasília, por exemplo? FC: Como um experimento extraordinário. Para mim, há duas grandes figuras do século XX nas artes do paisagismo, da arquitetura e urbanismo: Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx. As poucas coisas que eles fizeram juntos são muito bonitas. Agora, o paisagismo de Brasília, tirando a obra de Burle Marx, é um grande equívoco. Nunca se trabalhou com a paisagem do cerrado. O grande problema é esse. O crescimento das plantas exóticas no Brasil é muito rápido e mais visível do que o do cerrado. E isso cria no imaginário das pessoas certo imediatismo. As pessoas querem ter uma árvore secular na sua casa. Isso é complicado. Mas o grande problema de Brasília em relação à paisagem é a dificuldade de aceitação da estética da ecologia. AP: Você gostaria de morar em Brasília? FC: Não, a minha experiência de cidade é outra. Mas muitas pessoas gostam de morar lá. ALN: Lúcio Costa dizia que Brasília deveria ter técnica viária e técnica paisagística. A técnica paisagística falhou, então? FC: Falhou. Nunca foi dado ao Burle Marx, por exemplo, a possibilidade de criar um sistema de parques para a capital tendo por tema a valorização e manejo paisagístico do cerrado. ALN: Na Novacap não havia paisagistas? FC: Não tenho notícia. Pode ser que sim, mas não da estatura do Burle Marx. AP: Eu moro no Flamengo e uso muito o Parque do Flamengo. E acho o Parque muito interessante como flora, mas uma paisagem vazia como fauna. O desenho do Burle Marx excluiu a Mata Atlântica, por exemplo, ao trazer aquele exótico... FC: Existem ali belos exemplares de espécies de Mata Atlântica. Quanto à fauna, realmente, você tem razão. Talvez por falta de densos fragmentos florestais, não é? Mas o Parque do Flamengo é essencialmente um parque urbano. Uma coisa que acho muito impressionante é que o parque não tenta concorrer com a paisagem extraordinária do seu entorno, mas tem uma presença muito digna nessa paisagem, convivendo com todos aqueles ícones e referências tão conhecidas e celebradas. AP: Eu vejo o arquiteto-urbanista ou paisagista desenhando e fazendo suas opções. Ou seja, deixando de lado algumas coisas e incorporando outras. Isso significa que o que não está no desenho vai ser extinto?


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FC: É verdade. Você tem uma ideia do que vai acontecer, mas não uma garantia que aquilo que você está projetando vai acontecer daquela maneira. Tem sempre um desenho paisagístico dentro disso, mas talvez ele seja mais um gesto em relação à paisagem do que propriamente uma afirmação em relação à paisagem. ALN: Como você lida com os problemas de manutenção e preservação do seu projeto? O parque Dois Irmãos, por exemplo, no Leblon, foi muito violentado pela escultura que foi colocada lá. FC: Realmente fiz um trabalho muito cuidadoso ali, preocupado com o monumento que é os Dois Irmãos. Depois veio aquela escultura...Fiz esse trabalho para a firma que ganhou o contrato e começou a ter alguma dificuldade de projetar, por isso fui chamado. Fiz primeiro um estudo e levei-o para a Secretaria de Meio Ambiente, onde o Alfredo Sirkis era secretário. Eu tinha feito uma perspectiva aérea para mostrar o parque, aí ele me perguntou: - Mas Chacel, qual será a visão desse parque a partir da Delfim Moreira? O que é que eu vou ver? E eu lhe respondi: - Absolutamente nada! ALN: O paisagismo é um processo, não é? Pode levar anos... FC: Certamente. Na realidade, ele começa a existir e ter visibilidade quando for implantado, e você tem que ter isso na cabeça quando está projetando para que o seu desenho evolua de forma coerente e com boa qualidade, no tempo e no espaço. ALN: Você consegue incluir no seu contrato um acompanhamento do projeto depois de inaugurado? FC: Não. Há um caso, inclusive, de mutilação de todo um trabalho realizado e reconhecido nacional e internacionalmente. É o caso da Península, onde trabalhei cerca de 20 anos, tendo o meu projeto respeitado, executado e mantido de forma absolutamente exemplar. No início das vendas, que não tiveram o sucesso imediato esperado por que os corretores só sabiam vender apartamentos e não um bairro, surgiram ideias infelizes de pseudo-marqueteiros que destruíram dois parques internos, cada um com 40.000 m2, atulhando-os com aquela arquitetura que lá se vê. Será que não vamos nos livrar dessa arquitetura nos padrões de Miami, Cancun e Las Vegas? Essa mudança parece difícil. Até na APA de Marapendi, Área de Proteção Ambiental de 95.000m2, já começam a surgir construções com essas características, sendo difícil evitá-las em função do alto ganho ecológico que existirá no local pela presença de grandes áreas de preservação e conservação da paisagem. Assim, nos Estudos de Impacto Ambiental, o peso da área construída dos empreendimentos com baixa taxa de ocupação será sempre pequeno e facilmente minimizado por ações compensatórias. Isto levará facilmente à aprovação do projeto urbanístico-arquitetônico, mesmo que ele seja de qualidade duvidosa. A área a oeste da avenida Ayrton Senna, na Barra da Tijuca, terá certamente uma alta qualidade ambiental, mas quanto à arquitetura que lá irá existir, tenho muitas dúvidas. O que vemos no momento é que começam a surgir naquele local construções segundo a velha tradição de Miami, descaracterizando a paisagem na Barra e desconsiderando outra tradição, a da boa e respeitada arquitetura brasileira, reconhecida e reverenciada em todo o mundo. Hoje em dia o arquiteto produz de forma pontual uma obra de alto valor arquitetônico, enquanto que para atender o mercado imobiliário os profissionais têm de se colocar à disposição das ideias e do gosto dos corretores de imóveis. Isso é lamentável e um bom caminho a seguir para destruir a cidade. ALN: O curioso é que o paisagismo, pelo menos no Brasil, é uma atividade sem crítica. Como você vê isso?

FC: Em parte isso ocorre porque há um desconhecimento muito grande do que é o trabalho do paisagista e do que é o paisagismo. No Brasil não existe ainda a figura do crítico. Na América Latina há poucos também. Mas na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, não é assim. ALN: Que recomendação você faria a um estudante que deseja se tornar paisagista? FC: A primeira coisa que eu diria é: façam pressão para que o curso de paisagismo seja feito no nível da graduação. Isto é fundamental. E que esse profissional tenha na sua formação conhecimentos de arquitetura, agronomia, geografia, biologia, engenharia florestal dentro de uma visão técnico-científica da paisagem. Evidentemente, o arquiteto paisagista não precisa ser um especialista nessas disciplinas, mas como cada vez mais o trabalho de paisagismo vem se tornando interdisciplinar, é primordial que ele possa dialogar com todos os especialistas da equipe de forma a realizar o seu trabalho de síntese, que é na realidade o que se espera do arquiteto paisagista dentro do trabalho a ser realizado. Vejo principalmente nas escolas de arquitetura, por parte dos estudantes, uma grande vontade de trabalhar em paisagismo. Isto pode ser constatado em grande parte dos trabalhos de final de curso. Com raríssimas exceções eles se apresentam incompletos por falta de conhecimento da área ambiental e dos seus fatores físicos e bióticos. Terminada a graduação em arquitetura, o profissional tenta suprir suas dificuldades através de cursos de pós graduação, voltados muito mais para a formação teórica ou acadêmica. É na graduação que a meu ver se forja o profissional. No caso de paisagismo é preciso prepará-lo para trabalhar em todas as escalas, do micro ao macro paisagismo. AP: E depois que ele se forma, tem que comprar um sítio? FC: Seria bom... Eu mesmo já tive um sítio, tive viveiro; fiz execução de serviços de jardinagem até que fiquei só trabalhando em projetos. Assim mesmo, é difícil. A dificuldade de manter um escritório é que você dá ao cliente muito mais do que ele pede, porque você está interessado na oportunidade de propor tudo aquilo em que você considera importante para a criação de uma paisagem correta, equilibrada e saudável. ■


7 Praça dos Vagalumes Aluno: Felipe Botelho | Professora: Flaviana Raynaud

Em um terreno localizado de frente para uma via de fluxo tão intenso como a Voluntários da Pátria, invadido pelo ruído dos automóveis e cercado por altas empenas, é comum lembrar da expressão “selva de pedra”. Diante dessa atmosfera, a proposta busca uma forte presença na paisagem urbana, um diálogo com a escala da cidade, do movimento, da passagem, das impermanências. Potencializar todas as atividades já existentes no terreno, como a feira, o estacionamento e principalmente as árvores são também premissas do projeto: todas as árvores existentes foram mantidas, o estacionamento foi relocado no subsolo, e a feira foi ampliada, contando com novas barracas. Um parque de brinquedos, uma piscina para skate e um restaurante com espaço para apresentações ao ar livre são propostos para renovar e atrair novos públicos ao local.

Para compor essa paisagem, adotou-se um partido espelhado na paisagem existente: inverter a relação cheio x vazio de uma área correspondente a área do terreno em m2. Assim, o que é vazio vira cheio e vice-versa. Os volumes cilíndricos, feitos com chapas de cobre perfuradas, além de interpretações abstratas dessa “selva urbana”, possuem duas outras funções essenciais: são respiradouros responsáveis pela exaustão do subsolo e ao mesmo tempo canhões de luz, responsáveis por toda iluminação da praça durante a noite. Através dos furos da chapa, milhares de pontos de luz inundam o espaço. Como se fossem vagalumes nos galhos das árvores. Um edifício oco, mirante, é proposto para conectar e articular visualmente os dois principais marcos naturais da cidade: o corcovado, e o pão de açúcar, atualmente encobertos por empenas. ■


FRESTA | NÚMERO 1 | PERIÓDICO DO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO / PUC-RIO

Prof. Pe. Jesus Hortal Sánches, Reitor José Ricardo Bergmann, Vice-Reitor para Assuntos Acadêmicos Augusto Luiz Duarte Lopes Sampaio, Vice Reitor para Assuntos Comunitários Luiz Carlos Scavarda do Carmo, Vice-Reitor para Assuntos Administrativos Pe. Francisco lvern Simó, SJ, Vice-Reitor para Assuntos de Desenvolvimento Maria Clara L Bingemer, Decana do CTH Reinaldo Calixto de Campos, Decano do CTC Glsele Guimarães Cittadino, Decana do CCS Francisco de Paula Amarante Neto, Decano do CCBM Luiz Antonio Luzio Coelho, Diretor do Departamento de Artes e Design Celso Romanel, Diretor do Departamento de Engenharia Civil Otavio Leonídio, Coordenador Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo

Editores responsáveis Ana Luiza Nobre Andrès Passaro Otavio Leonídio Editores executivos Ana Luiza Nobre Andrès Passaro Conselho Editorial Luís Reznik (Departamento de História) Celso Romanel (Departamento de Engenharia Civil) Luiz Antonio Luzio Coelho (Departamento de Artes e Design) Cristina Cabral (Área de História/CAU) Pedro da Luz (Área de Urbanismo/CAU) Silvio Dias (Área de Representação/CAU) Icléa Reys Ortiz (Área de Tecnologia/CAU)

AGRADECIMENTOS Fernando Chacel, Paola Berenstein Jacques, César Oitica Filho do Projeto Helio Oiticica, Eulalia Serra Budallés PROJETO GRÁFICO Projetos Integrados/ Escritório Modelo de Arquitetura e Design/ PUC-Rio Bedeth Grandmasson, Supervisora de Design Juliana Ceschini, Designer Assistente. IMPRESSÃO: Gráfica Clip O formato do periódico foi fundamentado na revista Scalae - Depócito Legal e ISNN em tramitação FRESTA Rua Marquês de São Vicente, 225/L301. CEP 22453-900. Rio de Janeiro/RJ. Brasil. fresta@arq.puc-rio.br


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