© Tehnica Schweiz, Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.
Atelier Real Set/Out 2009
atelier real Set/Out 2009 www.atelier-real.org
02
Falso cobrador de facturas Um agressor ainda não identificado cobrou dinheiro a várias famílias no dia 20 de Março de 2003, declarando ser um cobrador de facturas de electricidade, e que quem lhe pagasse pessoalmente teria um desconto de 20%. Segundo informações da polícia, o homem não identificado cometeu abusos semelhantes em mais duas outras cidades. Suspeita-se o jovem da fotografia de ter cometido a fraude.
Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.
03
Atelier Real Set/Out 2009
Uma breve introdução ao Atelier Real
O Atelier Real é uma iniciativa da RE.AL, estrutura que está a transitar do modelo de companhia de autor(es), que vigorou desde a sua fundação, para uma estrutura mais aberta, vocacionada para a programação de objectos experimentais e de iniciativas ligadas à investigação artística. Este movimento acontece por estarmos convencidos que o modelo em que se coloca a figura do autor no epicentro da actividade de uma estrutura, fazendo-a girar única e exclusivamente em torno das suas necessidades, já não traduz a forma como os artistas criam, se encontram e colaboram actualmente. Sobretudo, não reflecte a forma como se geram parcerias, cumplicidades e relações com outros artistas ou investigadores, e mesmo críticos, espectadores ou programadores. As artes e as políticas culturais sempre se desenvolveram tendo em consideração a existência de um produto acabado, a ser consumido mais tarde ou mais cedo, por mais ou menos pessoas. É uma lógica legítima mas que desvirtua, a nosso ver, uma outra vertente fundamental da criação artística: o trabalho continuado de reflexão e de experimentação, independentemente das pressões e dos interesses do mercado. O facto de comemorarmos 20 anos de actividade em 2010 serve de referência simbólica para nos reposicionarmos, e a programação desenvolvida através do Atelier Real, que este primeiro número anuncia e divulga, é um importante passo nessa direcção. Esperamos assim
deslocar o centro de gravidade da actividade da RE.AL, que se tem centrado sobretudo na criação artística e na difusão de obras, para o espaço ocupado pela "investigação nas artes" [research in the arts] – expressão de Henk Borgdorff que se refere a uma modalidade de investigação que não assume separação entre sujeito e objecto e que não quer saber de distâncias entre o investigador e a prática artística. Pelo contrário, a própria prática artística constitui uma componente essencial não só do processo de pesquisa mas também dos seus resultados. Esta abordagem, finaliza o autor, baseia-se na compreensão de que nas artes não existe diferença fundamental entre teoria e prática [1]. Será esse o objectivo do Atelier Real: colocar em perspectiva a riqueza dos questionamentos que atravessam a criação contemporânea em geral, bem como gerar novas ideias, confrontos e diálogos entre práticas e pensamentos, proporcionando ao público a experiência de outros modos de percepção. Esse é, aliás, um pensamento herdeiro do trabalho de experimentação artística iniciado nos anos 1990 pela RE.AL, com projectos pioneiros na área da transdisciplinaridade (dos quais se destacam o LAB/Projectos em Movimento, entre 1993 e 2006) e será a partir desse espírito que o Atelier Real se afirmará como espaço de trabalho e de fruição artística, onde a programação não será moldada a partir de espectáculos mas de propostas artísticas. Propostas essas que serão consideradas simultaneamente como meios de reflexão
sobre a sociedade contemporânea e como objectos de mediação entre o público e o trabalho dos artistas. A programação do Atelier Real, até finais de 2010, foi desenhada a partir de dois eixos transversais: o primeiro consiste na programação de um ciclo de 8 eventos em torno do tema Restos, rastos e traços, que se propõe reflectir sobre as práticas de documentação na criação contemporânea. Concretamente, debruçarse-á sobre estratégias artísticas que se desenvolvem tendo como premissa documentar (um)a realidade. O segundo consiste num programa de residências artísticas que culminam na apresentação dos materiais resultantes da investigação e das experimentações realizadas, de forma a dar a conhecer os questionamentos que atravessam um processo de pesquisa artística. Entre os eventos do ciclo e os resultados das residências teremos, no Atelier Real, a apresentação de um projecto por mês. Esta rotina parece-nos ser a condição necessária para estimular o encontro e o debate, objectivos últimos do nosso trabalho. David-Alexandre Guéniot Direcção artística do Atelier Real João Fiadeiro Direcção artística da RE.AL
[1] Excertos do artigo de Henk Borgdorff, The Debate on Research in the Arts, consultável em: http://www.ahk.nl/fileadmin/download/ahk/ Lectoraten/Borgdorff_publicaties/The_debate_on_research_in_the_arts.pdf (03.09.2009).
04
ciclo Restos, rastos e traços: Práticas de documentação na criação contemporânea Da documentação de um processo de criação à realização de trabalhos artísticos que usam protocolos de arquivamento para se constituir em realidade ficcional, e passando por propostas que questionam a forma do documentário em termos artísticos, os termos restos, rastos e traços permitem dinamizar as noções de documento e de documentação através de uma abordagem pluri e transdisciplinar, bem como abrir a compreensão e a análise do tema a especulações teóricas e artísticas. Neste sentido, um tal conjunto de termos serve mais como catalisador de reflexão (ou seja, de "poetização da problemática") do que como mote assertivo e exacto sobre as propostas que se esperam para o ciclo. Representam sobretudo hipóteses de trabalho, já que a distinção entre restos, rastos e traços se revela na prática quase impraticável... já que cada um dos termos parece implicar sempre os outros, interferir constantemente com os outros. Restos (de processos): se definirmos o resto como a parte inutilizada, a parte que sobra de um processo de fabricação/criação, a "documentação dos restos" consistirá em reflectir sobre o uso (e o não-uso), a utilidade e/ou inutilidade desses excedentes, bem como sobre a natureza
voluntária ou involuntária do resto enquanto resultado de uma escolha artística ou da ausência dela. Quer isto dizer que no contexto artístico abordaremos o resto (e os seus "documentos") enquanto parte inexplorada de uma obra já constituída ou em curso de criação.
Interessa-nos assim promover uma reflexão prática sobre as potencialidades artísticas do resto tal como existe, por exemplo, ao nível do cinema experimental, com filmes que só usam materiais encontrados ou filmados por anónimos (found footage). Mas interessa-nos também reflectir sobre a relação que o artista estabelece com os materiais ou as suas "proto-obras" que ficaram inacabadas, abandonadas ou esquecidas. Rastos (de ficções): de maneira geral, o rasto pode ser definido como o que fica de uma actividade num dado local e num dado tempo. A “documentação do rasto” consiste então em mostrar os indícios dessa actividade, transformando/materializando esses indícios em vestígios, e organizando-os de forma a reconstituir uma realidade completa ou parcialmente desaparecida, parcial ou totalmente inventada. O documento-rasto constitui-se assim como uma mostra, ou como um extracto a partir do qual é possível (re) constituir/(re)inventar a acção ou a realidade que originou o rasto. Em relação às práticas artísticas na arte contemporânea, a noção de documento-rasto tem sido trabalhada na sua vertigem documental (simultaneamente manifestação e prova), descontextualizando documentos de uma realidade pré-existente ou criando documentos de uma realidade imaginada, ou seja, criando uma espécie de arqueologia de um mundo ausente, ou de falsificação
de um mundo presente. O mesmo é dizer que a prática da documentação na criação contemporânea pode também ser vista como motivo e móbil do processo criativo, processo no qual o que constituía a pesquisa preliminar de um trabalho artístico passou a definir a própria matéria e a predeterminar a forma do objecto artístico. Traços (de realidades): por definição (numa abordagem tradicional, analógica), o documento é um traço. O documento recebe a inscrição de um acontecimento, ou seja, transporta um significado, preserva uma informação, constitui-se enquanto testemunho de algo. A "documentação" dos traços consiste em recolher e exibir documentos que comprovam a existência e a realidade de um acontecimento. No entanto, a documentação dos traços levanta a questão da intencionalidade dos documentos. À semelhança do documento fotográfico (e do uso da legenda), o documento-traço constitui-se enquanto prova material de um acontecimento (isto aconteceu), mas é também a manifestação de referências estéticas, sociais, ideológicas… que o documento absorve da sociedade e transporta com ele. Neste sentido, o "documento-traço" constitui-se enquanto marcador de uma representação da realidade social e política, onde o que não é mostrado é tão importante como o que é mostrado. David-Alexandre Guéniot
05
Atelier Real Set/Out 2009
MANUAL DE INSTRUÇÕES
Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša, Waiting for JJ (Los AngelesInternational Airport/LAX/), Los Angeles, 2007
Ao longo dos próximos meses, serão organizadas 7 residências artísticas para receber, desenvolver e apresentar projectos artísticos originais ligados ao tema da documentação. Essas residências artísticas são essencialmente de natureza experimental. Ou seja, o que é apresentado no final da residência são os resultados práticos de uma investigação e de experimentações acerca do tema Restos, rastos e traços e da problemática práticas de documentação na criação contemporânea. Essas apresentações não são produtos ou objectos (tal como um espectáculo ou uma exposição), mas propostas artísticas, plataformas de reflexão e de questionamento mediadas por "objectos artísticos parciais". Pretendem potencializar um diálogo entre as diferentes práticas artísticas e as várias abordagens adoptadas e apresentadas ao longo do ciclo, para resolver as questões levantadas pela sua problemática. A forma de apresentação é livre. Dependendo dos conteúdos da proposta, pode apresentar-se sob a forma de uma conferência, de uma performance, um filme, uma exposição de documentos e/ou de obras, uma publicação ou qualquer outro tipo de suporte ou de experiência. Os participantes foram seleccionados através do envio de propostas. No total, foram enviadas mais de 170 propostas, das mais diversas origens geográficas, bem como de (quase) todas as disciplinas artísticas. Os artistas seleccionados recebem, para além de um espaço de trabalho, de material técnico e das condições logísticas proporcionadas pelo atelier real, um apoio financeiro para a realização das suas propostas.
Digital Photography, 2448x3264 px. Courtesy: artists.
Lançamento do ciclo: 26 de Setembro O ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea tem início no dia 26 de Setembro com a apresentação de dois projectos, em estreia nacional, convidados especialmente para o lançamento/ inauguração do ciclo: O Tehnica Schweiz Project, dos artistas húngaros Gergely László & Ráko-
si Péter, será apresentado às 18h; o projecto NAME Readymade, de Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša, artistas da Eslovénia, Itália e Croácia respectivamente, será apresentado às 21h30. Nesse dia, será possível jantar no atelier real, a partir das 20h00, de forma a poder ver os dois projectos.
06
Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
Atelier Real, 26 de Setembro, 21H30 (Entrada livre) [apresentação em Inglês] Os espectadores podem jantar no atelier real a partir das 20h00.
NAME Readymade de Janez Janša, Janez Janša, Janez Janša (Eslovénia)
É preciso imaginar três artistas portugueses que já tivessem representado Portugal na Bienal de Veneza; que já tivessem actuado em festivais de dança ou de teatro de renome internacional; que tivessem sido objecto de exposições antológicas em centros culturais nacionais e internacionais. Três artistas que, depois de se terem inscrito no Partido Socialista Português, mudassem oficialmente os seus nomes para José Sócrates e que, a partir daí, vivessem, casassem, pedissem empréstimos e assinassem planos de poupança reforma em nome de José Sócrates. Três artistas chamados José Sócrates que aparecessem em cerimónias oficiais, em inaugurações de exposições ou em catálogos ao lado de Pedro Almodóvar, de Wong Kar Wai, de Anne Teresa De Keersmaeker, do Wooster Group, ou ainda de Bruce Nauman ou Nan Goldin. Que assinassem o Manifesto Por Uma Cultura Para o Século XXI [1] com os seus nomes intercalados entre o do José Miguel Rodrigues, da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e o do Luís Miguel Cintra, actor e encenador, a reivindicar que uma política cultural
digna desse nome deve – até por imperativo constitucional – permear todas as restantes áreas de acção do Governo. Que concorressem a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian ou um apoio pontual da Direcção Geral das Artes. É preciso imaginar que esses 3 artistas portugueses, de repente, só responderiam pelo nome de José Sócrates – deixando em aberto o enigma dessa mudança de nome. A conferência-demonstração NAME Readymade apresenta um percurso através das diferentes etapas do projecto artístico NAME Readymade, focando os aspectos despoletados pelo gesto de mudar de nome levado a cabo por três artistas eslovenos que em 2007 mudaram oficialmente os seus nomes, com os devidos certificados e selos, para o nome do primeiro ministro esloveno da altura, da direita liberal conservadora: Janez Janša. Quando os três artistas mudaram os seus nomes para Janez Janša, adoptaram de facto uma posição crítica em relação ao estado. Em relação ao governo esloveno, no qual até há pouco tempo todas as funções pareciam verdadeira-
mente ocupadas por uma única pessoa – Janez Janša. (...) Através da multiplicação do nome Janez Janša, a função do primeiro-ministro adquiriu, no âmbito desta acção artística específica, uma posição semelhante à das latas de sopa Campbell nas obras de Andy Warhol. Zdenka Badovinac, NAME Readymade, Outubro 2008 [2]
Todos os projectos de Janez Janša, as suas vidas privadas e públicas, numa palavra, toda a vida de cada um deles passou desde então a ser vivida com este nome. (...) o gesto encontra-se – a partir deste momento – em processo constante: será semioticizado em conexão com cada novo trabalho artístico e apresentação pública, por isso tomará alguns aspectos nunca vistos em outras formas de afirmação subversiva. Rok Vevar, Večer, 1 de Setembro 2007 [3]
Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša conduzem-nos através de uma série de acções artísticas, políticas, administrativas e mediáticas que desempenham, com uma atenção particular para a sua última exposi-
ção intitulada NAME Readymade. As obras apresentadas nesta exposição (bilhetes de identidade válidos, passaportes, cartões multibanco e cartões de crédito, cartas de condução, certificados de nascimento e de casamento, e assim por diante) são geradas pela própria realidade. Na história da arte, não existiam tais ready-mades. Documentos pessoais como bilhetes de identidade, passaportes, cartões da segurança social, cartões de crédito, etc., não podem simplesmente comprar-se nas lojas, ser contextualizados, virados do avesso, expostos e produzidos como ready-mades. Para os obter temos que iniciar um processo: é preciso dar início a um processo administrativo para os adquirir. O uso de documentos pessoais como objectos de exposição é sem dúvida um caso liminar; explora certas fronteiras. É liminar no sentido em que não é claro se um tal uso de documentos pessoais respeita ou não os direitos que adquirimos quando nos emitiram esses documentos. Não podemos queimar documentos porque é um delito criminoso, mas será que podemos usar documentos para fins artísticos? Isso não é, por cer-
07
Atelier Real Set/Out 2009
to, algo que uma pessoa séria faria para justificar uma perseguição em nome do estado; mas quer dizer que toda a gente sabe que vocês não trazem os vossos documentos convosco, ou seja, que não estão a usá-los em conformidade com as condições pressupostas na sua emissão. Até um banco pode anular os vossos cartões se descobrir que os andam a usar de forma inapropriada. Estão a pisar uma zona a que não chamaria propriamente ‘perigosa’, mas que considero suspeita. Isto faz precisamente parte do risco a que antes me referia. Podemos ver aqui várias coisas que poderiam desenvolver-se a partir daí. Bem vistas as coisas têm que fazer um esforço especial para descobrir como é que a segurança vai funcionar durante a exposição. Expor gráficos numerados de 1 a 100, cobertos por uma companhia de seguros, é uma coisa completamente diferente. Duvido que uma companhia de seguros viesse a lançar uma política de segurança relativa ao valor funcional dos documentos expostos, da mes-
ma maneira que lançaria um seguro de viagem – um tal seguro exigiria a emissão de novos documentos. Para além do mais, o que também é interessante é o facto de esses documentos serem obras de arte, ready-mades. O original de Fountain perdeu-se, partiu-se, e Duchamp fez outros, assinou-os de novo e até fez uma versão em miniatura para a sua malinha; mas vocês não podem fazer novos documentos, que só podem ser feitos por uma organização acreditada chamada estado, com o seu ministério do interior. Mas o próprio ministério não pode funcionar ilegalmente e reproduzir esses documentos como obras de arte, por exemplo. E depois? Eles só são obras de arte na medida em que são igualmente documentos autênticos. Aqui atingimos uma contradição – a contradição própria ao mundo da arte. Um ready-made enquanto obra de arte é algo não autêntico; é a prova de uma falta de autenticidade: com um ready-made, a ‘aura’ desaparece. Só que
Janez Janša, Signature (Copacabana), Rio de Janeiro, 2008. Foto: Janez Janša. Cortesia: Maska.
no vosso caso a condição que possibilita esse ready-made é a sua autenticidade no quotidiano – a sua credibilidade e autenticidade. Se alguém comprasse essa obra de arte estaria a comprá-la como autenticidade, juntamente com o seu valor funcional de ‘ready-made’.”
Badiou pôde definir o séc. XX como paixão pelo real), enquanto Janša, Janša e Janša visam o contrário, de forma a que os seus métodos penetrem profundamente nas suas vidas materiais e nas vidas do seu enquadramento imediato.
Lev Kreft, "Name as Readymade", Uma entrevista com Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša, NAME Readymade, Outubro 2008 [4]
Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša mergulham em pleno centro das suas próprias realidades e da realidade espacial e temporal na qual trabalham. Nesta proposta usam procedimentos típicos em arte: a transformação, tradução, representação e mímica. Invertem o esquema relacional clássico entre a arte e a vida, tal como se desenvolveu no século XX. No século passado, a arte é redefinida através da entrada da realidade em contextos artísticos, sem mediação (a tal ponto que
(...) o gesto absolutamente subtil e ao que parece despretensioso de três artistas mudando os seus nomes para Janez Janša, afecta fundamentalmente o espaço artístico e mais largamente o espaço social e político. Talvez possamos daqui aprender uma lição, a saber que as grandes criações artísticas se encontram por vezes em gestos mínimos aparentemente marginais. Jela Krečič, Delo, 29 de Dezembro 2007 [5] [1] http://umaculturaparaoseculoxxi.blogspot.com (27 de Julho 2009). [2] NAME Readymade - THE BOOK. Museum of Modern Art Ljubljana, Outubro 2008. Autores: Amelia Jones, Catherine Soussloff, Zdenka Badovinac, Antonio Caronia, Janez Janša, Janez Janša, Janez Janša, Tadej Kovačič, Jela Krečič, Lev Kreft, Blaž Lukan, Aldo Milohnić, Misko Šuvaković. 208 pp. INGLÊS. www.aksioma.org/name_book. [3] Diário esloveno. [4] cf. [1]. [5] Diário esloveno.
08
Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
The more we are, the faster we will reach the goal! … quanto mais indivíduos com o nome Janez Janša houver, mais depressa podemos atingir o objectivo de esvaziar o sujeito, a sua de-subjectivização e o estabelecimento do significante vazio. O objectivo – mais ou menos des-conceptualizado, colateral – do acto de mudar de nome é então, neste caso, de minar o poder real ideológico, económico e político do portador, e isto implica desistir da sua própria identidade pessoal, íntima, artística ou pública. "The Janez Jansa Project" de Blaz Lukan, in NAME Readymade. Museum of Modern Art Ljubljana, Outubro 2008. p. 22
Afinal o que é uma mudança de nome? Em termos legais, é um direito civil para o qual virtualmente não existem quaisquer restrições formais na Eslovénia [1]. Resulta portanto da decisão completamente pessoal do indivíduo, que é legalizada por uma instituição oficial [2]. A situação nos Estados Unidos, por exemplo, é diferente, tal como podemos constatar se lermos a entrada da Wikipedia para mudança de nome (1 de Outubro 2007). A América tem um sistema legal complexo que regulamenta a mudança de nome, e a decisão encontra-se no poder discricionário do tribunal. Uma vez que se trata de um domínio não só legalmente incontornável mas também, frequentemente, de entretenimento, valerá a pena termos em conta alguns exemplos ilustrativos. Nos Estados Unidos, os nomes mudam-se geralmente por razões políticas, mais transparentes do que as que estão em jogo no caso que nos interessa. Por exemplo, o filho do famoso activista social Ab-
bie Hoffman mudou de nome para america Hoffman, com a primeira letra de America em minúscula, para sublinhar o seu patriotismo não chauvinista. Num outro caso, o candidato Byron Looper mudou de nome – por razões relacionadas com a sua pré-campanha – para Byron Low Tax Looper; enquanto a mudança de nome pode tê-lo ajudado a obter a posição de assessor dos impostos, o assassínio de 1998 pôs um fim abrupto a essa ascensão política. Por razões políticas menos ambiciosas mas não menos motivadas, um homem chamado Rob mudou de nome para Free Rob Cannabis, enquanto um outro se chama presentemente Nigel Freemarijuana, e um outro ainda adoptou o nome Go-
[1] A resposta oficial à questão colocada a um corpo administrativo esloveno no portal e-uprava, em 3 de Outubro 2007 – sobre se existe, por exemplo, uma lista de nomes para os quais os cidadãos não podem mudar os seus nomes – confirma: “Uma tal lista não existe.” Há contudo uma declaração num capítulo da página de e-uprava intitulada A Questão da Regulamentação relativamente à Mudança de Nome, no Portal Estatal da República da Eslovénia, que diz: “O
nome é um direito pessoal de cada cidadão. Todas as pessoas são obrigadas a utilizar o seu nome. O nome consiste num nome próprio e num nome de família. O nome pode ser mudado. [...] As decisões relativas à mudança de nome são tomadas pelo corpo administrativo ao qual foi apresentado o requerimento. [...] Quando o nome é mudado, todos os documentos pessoais utilizados para fins de identificação têm que ser mudados. O nome anterior pode ser verificado através
veg.com para promover um website vegetariano. A pessoa cujo nome é Kentucky Fried Cruelty.com dispensa comentários, tal como o homem que teve de pagar uma multa de 20 livras injustamente imposta e mudou de nome para Yorkshire Bank PLC Are Facist Bastards [Yorkshire Bank PLC São Cabrões Fascistas]. Também podíamos mencionar o tipo que se chamava David Fearn, mas cujo novo nome inclui os títulos de todos os filmes de James Bond... Isto tudo para dizer que a mudança de nome tem um lugar especial que depende das (várias) estratégias e está relacionada com as razões da nomeação. O anonimato é um princípio pré-identitário, mas adoptar um pseudónimo equivale a adoptar uma identidade criptográfica. Uma alcunha confere ao alcunhado uma identidade brincalhona e protésica, que – dependendo da escolha do nome – pode ocasionar várias associações com o nome do seu portador. "The Janez Jansa Project" de Blaz Lukan, in NAME Readymade. Museum of Modern Art Ljubljana, Outubro 2008. de um certificado de nascença.” (http://e-uprava.gov. si/e-uprava?2did=110&sid=147; 25 de Setembro 2007). [2] Verificam-se restrições nos casos de indivíduos envolvidos em processos legais; não se pode mudar para o nome de uma pessoa famosa com a intenção de obter benefícios ou de troçar; não é possível adoptar um nome protegido por direitos de autor ou que seja insultuoso, etc.
Uma aventura nominal David-Alexandre Guéniot Entre todas as interpretações possíveis [1], o projecto NAME Readymade pode (também) definir-se como performance invisível ou como obra de arte em estado permanente de “potência”. Uma obra que se manifestaria de vez em quando, por intermédio de processos burocráticos ou mediáticos, através da simples transubstanciação do nome JANEZ JANŠA num suporte qualquer. Como uma assinatura deposta sobre os objectos, que imediatamente os transformaria – pela magia do readymade duchampiano – em obras de arte. Mas também podemos considerar que os objectos transformados pela matriz nominativa JANEZ JANŠA não são apenas obras de arte, mas também indícios de um crime mais vasto, as provas de uma conspiração ou de uma encenação artística. Os documentos que vêm provar a materialidade da aventura nominal experienciada por Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša, e que expõem os traços irrefutáveis da ficção crítica [2] denominada “Janez Janša”, que os artistas fizeram emergir na realidade. E a forma como essa ficção, pela lógica narrativa e reflexiva que lhe é própria, desafia certos mecanismos sociais, e principalmente a ordem biopolítica, burocrática e mediática, que preside (entre outras coisas) ao controle e à gestão da identidade dos indivíduos. NAME Readymade toma então dimensões heróicas de aventuras identitárias, de interrogações e debates entre ficção e realidade, de terreno de jogos e confrontações, onde a arte pretende rivalizar com a política de igual para igual.
[1] Sobre este aspecto, consultar o já referido livro NAME Readymade, Moderna galerija / Museum of Modern Art Ljubljana 2008, disponível no Gabinete de Leitura do atelier real. [2] Crítica nos dois sentidos do termo: experiência limite da mistura entre a arte (pública) e a vida (privada), mas também experiência cívica de uma tomada de consciência das lógicas de controle dos indivíduos (da sua função, identidade e história) pelo estado.
09
Atelier Real Set/Out 2009
Bios Janez Janša (1964 Rijeka, Croácia) é escritor, encenador de performances interdisciplinares, e intérprete. Estudou sociologia e encenação teatral na Universidade de Ljubljana, na Eslovénia, e teoria da performance na Universidade de Antuérpia, na Bélgica. Encenou Camillo - Memo 1.0: Construction of Theatre no Piccolo Teatro de Milão, Itália, em 1998. Drive in Camillo inaugurou a Bienal Europeia de Arte Contemporânea, Manifesta 3, em 2000. As suas peças recentes incluem We are all Marlene Dietrich FOR, uma performance para soldados em missões de paz (com Erna Omarsdottir); uma reconstrução da peça de 1969, Pupilija, Papa Pupilo, and the Pupilecks – Reconstruction, em 2006, e Slovee National Theatre em 2007. Foi intérprete no projecto de improvisação At the Table, comissionado por Meg Stuart, e realizou uma série de performances piloto em torno do estatuto da performance nas sociedades neoliberais, sob o título Program!. O trabalho de Janez Janša inclui igualmente obras de arte visual, multimédia e performance, nomeadamente The Cabinet of Memories, uma sessão de doação de lágrimas; The First World Camp (com Peter Šenk), um projecto artístico e de investigação interdisciplinar; a performance interactiva Miss Mobile; a acção de reconstrução Mount Triglav on Mount Triglav e o projecto interdisciplinar Signature Event Context (ambos com Janez Janša e Janez Janša). Janša comissiona frequentemente workshops interdisciplinares através da Europa e dos EUA, e fundou (juntamente com Mare Bulc) P.E.A.C.E. – Peacekeepers’ Entertainment, uma organização de intercâmbio artístico e cultural. Publicou vários ensaios sobre arte e teatro contemporâneos, incluindo um livro sobre o artista e fazedor de teatro flamengo Jan Fabre. Trabalhou como editor chefe da revista de artes performativas Maska entre 1999 e 2006, e editou uma antologia de teoria do teatro contemporâneo, uma antologia de teoria da dança contemporânea, e vários outros títulos. Desde 1999 que é director da organização sem fins lucrativos Maska, com base em Ljubljana, na Eslovénia, que gere actividades de publicação, de produção e de educação. Janez Janša (1970 Bergamo, Itália) é um artista conceptual, intérprete e produtor, que se formou na Academia de Belas Artes de Milão, em Itália. O seu trabalho tem fortes conotações sociais e caracteriza-se por uma abordagem intermédia. É co-fundador e director de Aksioma, Instituto de Arte Contemporânea de Ljubljana, e o início da sua actividade artística em 1996 deu-se com a instalação urbana I Need Money to Be an Artist, que foi primeiro apresentada em Ljubljana, na Eslovénia, e depois em Veneza, Itália. Em 2001, elaborou (com I. Štromajer) Problemarket.com – the Problem Stock Exchange, uma plataforma virtual na qual as acções de companhias com problemas são negociadas. No ano seguinte, Janša produziu machinaZOIS, um patrono electromecânico que apoia financeiramente artistas e produções artísticas. Em seguida deu início ao desenvolvimento de DemoKino – Virtual Biopolitical Agora, um parlamento virtual, que através de parábolas fílmicas da actualidade dá aos votantes a oportunidade de decidir sobre assuntos que estão a tornar-se na essência da política moderna – as questões da vida. Em 2005, Janša elaborou a plataforma RE:akt!, que analisa o papel dos media na manipulação da percepção e na criação de mitos históricos (pós-)modernos e de mitologias contemporâneas. Uma parte desta plataforma corresponde ao projecto Mount Triglav on Mount Triglav de Janez Janša, Janez Janša, e Janez Janša. Paralelamente a estes projectos sociopolíticos, Janša investigou o campo da realidade virtual e das tecnologias de neuro-feedback, e entre 2000 e 2002 desenvolveu e interpretou (com Darij Kreuh) Brainscore – Incorporeal Communication, uma performance para dois operadores actuando num ambiente de realidade virtual através das suas incarnações. Entre 2004 e 2007, dirigiu o projecto Brainloop, uma plataforma de performance interactiva que permite navegar através de um espaço virtual imaginando simplesmente comandos motores específicos. Janez Janša é igualmente co-editor (com Ivana Ivković) da antologia de texto e imagem DemoKino – Virtual Biopolitical Agora, publicada por Maska e Aksioma em 2005. Janez Janša (1973 Ljubljana, Eslovénia) representa a nova geração de artistas que problematiza o campo da pintura através do uso de imagens dos media e de uma relação livre com vários processos tecnológicos. O seu principal interesse não é tanto expandir o campo da pintura; interessa-lhe mais a ideologia inerente à própria pintura. Janez Janša desconstrói a função social da pintura e a posição do observador. Os temas das suas pinturas têm geralmente uma conexão com os media, especialmente o filme, que continua a modelar a sua percepção da actualidade. A exposição mais radical do seu trabalho teve lugar na Bienal de Veneza 2003, quando pendurou as suas pinturas nas casas de proprietários temporários. Os quadros tinham câmaras embutidas que transmitiam à galeria imagens em tempo real. Tratava-se de pinturas da série intitulada Terror=decor, que analisa a forma como tanto as imagens artísticas como as imagens dos media, especialmente as imagens modernas, se transformam em decoração ao serviço do capitalismo.
1 Janez Janša, Janez Janša and Janez Janša 002199616 (Identity Card) Ljubljana, 2007 Print on plastic, 5,4 x 8,5 cm Courtesy: aksioma 2 Janez Janša, Janez Janša and Janez Janša 002199341 (Identity Card) Ljubljana, 2007 Print on plastic, 5,4 x 8,5 cm Courtesy: aksioma
3 Janez Janša, Janez Janša and Janez Janša 002293264 (Identity Card) Ljubljana, 2007 Print on plastic, 5,4 x 8,5 cm Original lost; 2nd version: 002359725 (Identity Card) Ljubljana, 2008 Print on plastic, 5,4 x 8,5 cm Courtesy: aksioma
Mais informações sobre o projecto NAME Readymade, consultar: http://www.aksioma.org/jj/ http://www.aksioma.org/name/ http://www.maska.si/en/productions/visual_intermedia/name_readymade/ http://www.aksioma.org/name_book/index.html
10
Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
Role Play Assassino Em Maio de 2005, um dos membros de um grupo de seis no autocarro N°21, no segundo bairro de Budapeste, agrediu um jovem com um objecto afiado, supostamente uma espada. O jovem foi operado. Segundo o seu testemunho, o gang vestia "roupa militar variada", incluindo uniformes tanto da Primeira Guerra como da Segunda. A seguir ao crime, o agressor e os seus cúmplices fugiram do local a pé. O delinquente é um homem de 25 anos com cabelo escuro, rosto estreito e barba arredondada, vestindo um blusão de cabedal e botas da tropa. O gang incluía igualmente um jovem de cerca de 24 anos de idade, com um capacete de aço verde, um casaco verde do exército húngaro e botas da tropa. Os membros do grupo levavam dois escudos de madeira, um redondo e outro em forma heráldica, duas espadas e uma faca do exército.
Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.
11
Atelier Real Set/Out 2009
Atelier Real, 26 de Setembro, 18H00 (Entrada livre) [apresentação em Inglês]
TEHNICA SCHWEIZ PROJECT de Gergely László & Rákosi Péter (Hungria)
Tehnica Schweiz é, desde 2004, o nome do projecto de colaboração entre Gergely László & Rákosi Péter. Esta dupla de fotógrafos tem vindo a desenvolver projectos originais inspirados em processos de reconstituição de realidades presentes ou passadas. Interessam-se pelo potencial político da fotografia enquanto médium: enquanto ferramenta de propaganda, de manipulação e de falsificação, bem como meio de documentação, de arquivo e de pesquisa infinita. Os seus trabalhos raramente se apresentam como simples séries de fotografias, e as estratégias artísticas a que recorrem variam consideravelmente. Tais estratégias implicam frequentemente que os artistas atravessem a experiência de lugares e de comunidades específicas, e se integrem em contextos culturais alheios para realizar as suas obras. Outras vezes trabalham a partir de notícias triviais, acontecimentos de todos os dias. No entanto, o que define o seu trabalho é mais o processo do que o resultado final.
Para além de apresentar alguns dos seus trabalhos fundadores, tais como Group-photo in Lak (20052006) e Identikit (2007), Gergely László & Rákosi Péter apresentarão também mais detalhadamente dois projectos mais ambiciosos, que se encontram ainda em processo: Garage project e Jad Hanna project. Garage project toma como ponto de partida um subúrbio da cidade de Dunaújváros (a 50 km a sul de Budapeste), em cujas ruas (agenciadas numa grelha perfeita) existem cerca de 1200 garagens. Essas garagens, construídas no final dos anos 1960 para os trabalhadores de uma fábrica de metalurgia, pólo económico principal da cidade, são actualmente um sítio onde os homens se encontram para escapar à vida familiar, ou onde a cena cultural alternativa se pode afirmar. Cada uma dessas garagens esconde segredos, espaços privados, hobbies e profissões. O projecto dos artistas consistiu, até ao momento, em 3 etapas/ projectos complementares: a reali-
zação de um levantamento fotográfico (o mais exaustivo possível) dos interiores das garagens existentes; a criação de interiores que imaginam, juntamente com amigos e familiares, poder encontrar por trás das portas fechadas de uma garagem e, por fim, a organização de um Garage Festival, em Setembro de 2008, com a participação da quase totalidade das bandas amadoras locais (que ensaiam em garagens) e com o aluguer de 5 garagens que foram transformadas em museu, cinema, palco livre, escritório do festival e bar. O Jad Hanna project tem a sua origem no Kibbutz Jad Hanna, em Israel, oficialmente inaugurado no dia 10 de Abril de 1950 e construído por jovens húngaros sobreviventes do Holocausto. Alguns familiares de Gergely László faziam parte dos fundadores do Kibbutz e fazem parte da centena de pessoas que ainda lá vivem. O artista visitou-os 3 vezes ao longo dos últimos 15 anos, tendo-se gradualmente tornado testemunha da transformação e do
lento desaparecimento do Kibbutz. Consciente desse facto, começou a debruçar-se sobre a organização sistemática dos arquivos fotográficos do comité do Kibbutz, adicionandoos às fotografias e à documentação que pôde encontrar através das suas ligações familiares (correspondência, jornais do Kibbutz, formulários oficiais, etc.). Ao mesmo tempo, esta recolha serve também de casting para as cenografias, os adereços, as personagens, os figurinos e a localização de um filme em preparação, que envolverá as várias comunidades que vivem actualmente em Jad Hanna (kibbutzniks, colonos da Cisjordânia, refugiados sudaneses e trabalhadores imigrantes da Tailândia). O filme evocará cenas de uma peça de teatro gravada há alguns anos por altura da celebração da festa judaica de Purim, e introduzirá igualmente cenas reconstituídas de momentos chave dos últimos 50 anos da existência de Jad Hanna, interpretadas pelos actuais habitantes do kibbutz.
12
Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
Identikit, 2007 "Os desenhos Identikit foram produzidos a partir de descrições fornecidas pelas testemunhas de uma cena de crime. São solicitados pelo inspector da polícia judiciária para facilitar a identificação de um criminoso. Os desenhos são realizados à mão ou recorrendo a software apropriado, por especialistas formados para o efeito (artistas policiais). Essas imagens baseiam-se normalmente nas declarações de várias testemunhas oculares. Não pretendem fazer o retrato robot do delinquente, mas salientar características específicas do seu rosto e/ou corpo. A ideia
subjacente não é apenas encontrar o delinquente, mas alargar a procura a todas as pessoas susceptíveis de corresponder à descrição, a partir da qual poderão ser consideradas suspeitas. Contactámos a ZSARU [ver caixa], a revista da polícia húngara, para obter os desenhos que foram publicados nos últimos 5 anos. Fizemos uma selecção. Para cada desenho procurámos um modelo com características semelhantes às da pessoa desenhada. Fizemos retratos dessas pessoas com uma câmara fotográfica de grande formato (4”x5”)." Gergely László & Rákosi Péter
Zsaru (Polícia) é a revista oficial semanal da força policial húngara, editada pelo Quartel General da Polícia Nacional. Contrariamente a muitas revistas da polícia na Europa e em todo o mundo, não circula apenas no âmbito da força policial, mas encontra-se à disposição do grande público em qualquer quiosque. Os seus leitores não são apenas ou maioritariamente polícias, mas qualquer pessoa que se interesse pelo trabalho da força policial. O objectivo da revista é informar e ao mesmo tempo divertir, cobrindo casos reais de crime, investigações, e os vários aspectos do trabalho de um polícia hún-
garo, incluindo os membros das equipas especiais. A revista Zsaru cobre igualmente com frequência histórias de crime no estrangeiro, casos de crime organizado, e informa os leitores sobre as actividades desenvolvidas por organizações policiais internacionais. Normalmente trata também de questões de prevenção do crime, aconselhando os leitores. Para além de artigos profissionais à semelhança dos que tratam de armas e da ciência forense, publicamos também entrevistas com celebridades, re-
ceitas, palavras cruzadas, artigos sobre moda e mesmo sobre vinhos. A Zsaru segue uma longa tradição de revistas policiais na Hungria. A primeira do género – Közbiztonság (‘Segurança Pública’) – apareceu em 1869. A Zsaru – que antes se chamava Magyar Rendõr (‘Polícia Húngaro’) saiu pela primeira vez em Janeiro de 1992, a seguir às mudanças de democratização na Hungria e na Europa do Leste.
Fonte: http://www.zsaru.hu
Mais informações sobre Tehnica Schweiz, consultar: http://www.photolumen.hu/lgrp/ http://www.pocproject.com/ Tehnica Schweiz é membro do POC [Piece of Cake], colectivo de fotógrafos europeus, desde 2007.
13
Atelier Real Set/Out 2009
O Preço de uma Vida O quartel-general da polícia de Esztergom andava à procura de um suspeito desconhecido, que no dia 27 de Agosto de 2000 assassinaram a Sra F. Gy (71) com vários golpes de faca. O assassino levou duas pulseiras, três colares e cinco anéis em ouro, um par de brincos, um relógio de senhora e um gravador de cassetes Grundig.
Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.
O Ladrão dos Gritos O quartel-general da polícia do segundo bairro de Budapeste procura o homem que figura no desenho, por roubo. No dia 1 de Outubro de 2002, por volta das 8h15, roubou a mala da empregada de uma das lojas da Rua László, no segundo bairro. Fugiu do local a correr. Segundo os testemunhos de casos anteriores, o método bem estabelecido do ladrão consiste em lançar um grito forte e inarticulado enquanto rouba, para assustar assim a vítima.
Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.
14
Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
O Homem Aranha em Zugló A policia de Zugló procura o homem não identificado da imagem, que entre Março e Maio de 2002 pilhou pessoas idosas em várias ocasiões, nas proximidades de Zugló. O “Homem Aranha”, completamente mascarado de preto, trabalhava após o crepúsculo. O seu método era cair sobre as vítimas, atirandose por exemplo de pontes para pedestres. Os idosos assustados e sem defesa eram presas fáceis para ele, e por isso podia facilmente escapar-se com os sacos ou com os casacos deles.
Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.
Atelier Real Set/Out 2009
15
16
Dinheiro para troco O quartel-general da polícia de Dabas abriu um processo contra um delinquente não identificado. O homem que falava alemão fluentemente apareceu pela tarde do dia 20 de Janeiro de 2003 na boutique Fashion Magic, e escolheu uma quantidade de peças no valor total de 124 900 forints. O malfeitor colocou sobre o balcão 12 notas de 10 000 forints e 5 de 2 000, antes de embalar a mercadoria num saco de compras às riscas. Entretanto, sem que ninguém notasse, conseguiu trocar o molho de notas por 13 de 200 forints e uma de 2 000, e saiu. O malfeitor não identificado causou assim um prejuízo de 120 300 forints.
Tehnica Schweiz / Gergely László & Rákosi Péter, da série Identikit, 2007.
Atelier Real Set/Out 2009
17
18
Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
PETER WATKINS Inventor de um género cinematográfico: a docuficção
Nos seus filmes de ficção, Peter Watkins utiliza técnicas geralmente associadas a um estilo documental (comentários em voz off, entrevistas, câmara ao ombro...). Baralhando as fronteiras entre a ficção e o documentário, cria “documentários fictícios” ou “ficções documentais”, que questionam a legitimidade e a credibilidade das informações tal como são produzidas pelos media. É que Peter Watkins não pretende apenas criar um efeito estilístico gratuito; ao contrário, propõe-se subverter a relação do espectador com as representações audiovisu-
ais, de forma a nela introduzir uma margem crítica. Os filmes de Watkins propõem sempre uma “versão não oficial” de certos temas da nossa história contemporânea, que foram (e ainda são) sistematicamente marginalizados, se não simplesmente ocultados por razões políticas (o nuclear, a guerra, a repressão policial). Denunciam a formatação das estruturas narrativas dos telejornais e dos filmes hollyoodianos sob um mesmo modelo a que Watkins chama “Monoforma”, e o paradoxo do artifício ficcional, que se encontra tão bem integrado nos nossos hábi-
La Commune (Paris 1871) de Peter Watkins, (1999). Foto: Corina Paltrinieri. DR.
tos de recepção que passa despercebido. Watkins parece assim recordar subtilmente ao espectador, a forma como a ideia de representação é não só uma noção estética, mas também política. Já que as imagens audiovisuais que o espectador recebe não representam apenas um ponto de vista sobre o mundo, mas participam nesse mundo formando-o, informando-o e transformando-o. E a questão é a de saber se essas imagens representam “este” mundo no qual vive “este” espectador.
Gabinete Audiovisual: Peter Watkins Uma retrospectiva dos filmes do realizador em DVD Atelier Real, todos os dias da semana, 12h00 às 18h00 (ENTRADA LIVRE)
19
Atelier Real Set/Out 2009
Um cineasta maldito A Monoforma Os filmes de Peter Watkins sempre perturbaram o sistema estabelecido, nomeadamente pelas suas escolhas formais subversivas e pelos seus temas abertamente políticos (contra o nuclear e a violência policial, a favor da paz...). Culloden (Inglaterra, 1964), a sua primeira longa-metragem, será, a par com Edvard Munch (Dinamarca, 1973), dos seus únicos filmes a conhecer um sucesso junto do público e da crítica, e a beneficiar de uma exploração e difusão normais. A partir do seu segundo filme, o realizador estará sistematicamente sujeito aos ataques de uma parte da imprensa e dos media, independentemente do país onde decorram as filmagens: Inglaterra, Estados Unidos, Suécia, Noruega, Dinamarca, Austrália, ou França. The War Game (1965), que trata dos perigos das armas nucleares, é interditado pela BBC durante mais de vinte anos, em consequência de prováveis pressões do governo britânico. Punishment Park, filmado nos Estados Unidos em 1970, é retirado dos cinemas quatro dias após a sua saída em Nova Iorque, em consequência da indignação da imprensa conservadora americana, que recusa as suas críticas à política interior repressiva do presidente Nixon. The Gladiators (1969) relata a criação de “Jogos da Paz” em Estocolmo; combates mortais entre soldados de diferentes países para desviar os instintos agressivos do Homem. Filmado
na Suécia, o filme é violentamente atacado desde a sua saída, tal como o serão na Dinamarca The Seventies People (1974) e Evening Land (1976), que abordam o suicídio dos jovens e os métodos repressivos da polícia dinamarquesa. Em 1979, o Instituo Sueco do Cinema retira-lhe um projecto sobre August Strindberg que lhe tinha encomendado (após dois anos e meio de pesquisa e de escrita), mas que Watkins acabará por realizar em 1992 no âmbito de um curso de produção de vídeo leccionado num liceu de Estocolmo. The Freethinker (filme de 4h35, dividido em três partes) não beneficiará contudo de nenhum apoio à sua difusão. Entre 1983 e 1986, Watkins filma The Journey em doze países diferentes, um filme pacifista de 14 horas que nenhuma organização televisiva aceitará emitir. Em 1999, La Commune marca o seu retorno a uma encenação que tinha abandonado em 1994. Este projecto de 5h45 será finalmente emitido entre as 22h e as 4h da manhã pelo canal franco-alemão Arte, co-produtor que se recusará, ao contrário do que tinha pretendido, a "desarrumar a sua grelha de programas".
Comparo frequentemente a narrativa hollywoodiana a uma pista de montanha russa, ao longo da qual os sentimentos do espectador são posicionados cuidadosamente, para uma viagem predeterminada e cuidadosamente guiada. Os carris correspondem à estrutura narrativa, movendo-se para cima e para baixo numa série previsível de altos e baixos emocionais – as acalmias e os clímaxes de uma história. A Monoforma funciona como grelha sistemática reguladora que acompanha o espectador, controlando sempre a velocidade do input emocional, e a quantidade de espaço que é permitida para reflectir.
Compreendemos assim que a premissa segundo a qual os filmes (inclusive os documentários) construídos de acordo com este sistema são ‘entretenimentos’ neutros, apolíticos, não ideológicos e inofensivos, é um mito absoluto. Um mito cuidadosamente alimentado – exactamente da mesma maneira que o mito da ‘objectividade’ é perpetuado pelos responsáveis editoriais que controlam a transmissão de notícias na televisão.
Mais informações sobre Peter Watkins, consultar:
Gabinete Audiovisual e Gabinete de Leitura
http://pwatkins.mnsi.net
Em complemento às apresentações e às aberturas públicas que os artistas em residência podem proporcionar ao público, o Atelier real disponibiliza, durante tudo o ciclo, um Gabinete audiovisual e um Gabinete de leitura – dois espaços de consulta em livre acesso, onde os interessados podem consultar materiais audiovisuais e livros relacionados com o tema do ciclo, inclusive os que foram utilizados ou referenciados pelos participantes na elaboração das suas propostas. O Gabinete audiovisual desenvolve também uma programação própria relacionada com o tema da documentação. Disponibiliza retrospectivas (em DVD) de cineastas e artistas que trabalham a partir de uma postura documental e numa reflexão crítica sobre o género documentário.
Peter Watkins, Role of American MAVM, Hollywood and the Monoform In: http://pwatkins.mnsi.net/ hollywood.htm (Julho de 2009)
Alexandre Labarussiat www.critikat.com/Peter-Watkins. html (22 de Novembro 2006)
O livro Media Crisis de Peter Watkins está disponível no Gabinete de Leitura (tradução em Francês). Mais informações sobre o livro, consultar o website da editora Hominsphéres: http://homnispheres.info/article. php3?id_article=38 (Agosto 2009) Media crisis de Peter Watkins, tradução de Patrick Watkins (Paris, Homnisphères, [2004] 2007, 247 p. Collection Savoirs Autonomes).
La Commune (Paris 1871) de Peter Watkins, (1999). Foto: Corina Paltrinieri. DR.
20
RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS As residências artísticas promovidas pelo atelier real obedecem a uma lógica em que se propõe ao artista um distanciamento e um reposicionamento perante o seu trabalho e modo de operação habitual. As residências proporcionam um tempo de suspensão num processo criativo e um espaço de reflexão sobre os motivos que atravessam e animam a construção de uma obra. As modalidades desse distanciamento e reposicionamento variam em função da fase em que se encontra
o artista no seu percurso profissional mas sobretudo da fase em que se encontra o processo criativo de um projecto em concreto. Pode encontrar-se numa fase ainda preliminar de pesquisa e de especulação, a tactear intuições, ou numa fase já mais avançada de realização, a precisar de um tempo curto e intenso para fazer um exame do percurso desenvolvido e medir os eventuais desvios ocorridos até o momento. Pode ainda encontrar-se numa fase de préprodução, onde se dão os primeiros
Do projecto "Fedón" de Jesús Barranco. Foto de Ana Zaragoza. DR.
contactos com colaboradores, onde acontece uma primeira aproximação à matéria, onde se improvisa e testa arranques através exercícios soltos. São projectos de artistas ou de estruturas que vão directamente ao encontro das linhas programáticas que o atelier real quer promover. São escolhidos em função de um conhecimento prévio do trabalho e do desejo do(s) artista(s) em ser acolhido(s) em residência. Essas residências são escolhidas tendo em
vista a apresentação, no fim da residência, do resultado proveniente da investigação efectuada durante a residência ou de uma conferênciademonstração mais alargada sobre a obra do artista convidado. O programa de residências artísticas tem apresentações públicas regulares de dois em dois meses, intercaladas com as apresentações do ciclo Restos, rastos e traços.
21
Atelier Real Set/Out 2009
Atelier Real, 31 de Outubro, 18H00 (Entrada livre)
PATRICIA CABALLERO ESPANHA [em residência de 14 de Setembro até 31 de Outubro]
Patricia Caballero foi convidada pelo Atelier Real no âmbito de uma parceria com La Porta (www. laportabcn.com), em Barcelona. La Porta é uma das raras estruturas independentes de produção e de promoção da dança contemporânea em Espanha, cujo trabalho é, desde 1992, apoiar e promover – muitas vezes contra a corrente institucional – as sucessivas gerações de jovens criadores. Assim sucedeu nos anos 1990, com os criadores seminais da "dança contemporânea espanhola" (agora quase toda no exílio), com coreógrafas como La Ribot, Olga Mesa, Mónica Valenciano ou Olga de Soto. Nos últimos anos, La Porta tem desenvolvido um trabalho exemplar tanto a nível local como nacional, enquanto alternativa ao conservadorismo que preside aos festivais e outras estruturas de programação e/ou formação coreográficas em Espanha. Criou vários eventos, festivais, ciclos e publicações com artistas e teóricos cujas reflexões e abordagens ultrapassam a mera etiqueta de "dança" ou de "dança contemporânea", proporcionando uma verdadeira relação crítica com o mundo da criação contemporânea que se pratica hoje, dentro e fora de Espanha. Intenções, intuições e tentações: procurar o nada Não me precipito a considerar, nesta primeira fase de pesquisa, nada que tenha a ver com a criação de uma peça,
Bio
guardar apenas as necessárias; e estabelecer assim um ponto de onde partir. Parece-me oportuno atingir um nível zero a partir do qual seja possível encontrar alguma singularidade; chegar à posição niilista de querer activamente o próprio ‘nada’. Quase impossível…
Do projecto "Fedón" de Jesús Barranco. Foto de Ana Zaragoza. DR.
mas sim um enquadramento no qual se possam abrir linhas interconectadas de investigação. Por isso também não defino nenhum formato concreto, prefiro deixar que ele se coloque, numa segunda fase de composição, ao serviço da evolução e das possíveis transformações do enquadramento em questão. Quer dizer que tudo poderia concluirse tanto com uma peça teatral como com uma intervenção, uma instala-
ção, um livro, ou várias destas opções, ou podia até nem se concluir. Não procuro nenhuma estética, ela surgirá como consequência. Procuro sim uma ética baseada na aceitação e na paciência, que me informa que os meus desejos e tentações só serão úteis se fizer o esforço tensional de distanciar-me deles. Proponho-me testar intuições, retêlas, reescrever perguntas, ordená-las e
PATRICIA CABALLERO
especial ao departamento de teoria e estética. Dada a falta de estímulo por parte do centro, co-funda e organiza este ano a primeira edição do ciclo auto-gerido “Setmana Deformativa”. Uma programação paralela à programação oficial da escola, com mesas redondas sobre pedagogia e produção artística, propostas de motivação (workshops, encontros com artistas e intervenções no edifício) e mostras de trabalhos. Este ciclo conta com a colaboração desinteressada de 25 artistas, pensadores, programadores, investigadores, animadores e re-
Formada em Dança Contemporânea entre Cádis (Conservatório Profissional de Dança), Madrid (Estúdios Profissionais de Dança Contemporânea Carmen Senra) e Barcelona (Conservatório Superior de Dança) e com um vasto percurso autodidacta nas artes plásticas. Actualmente frequenta a licenciatura de Coreografia e Técnicas de Interpretação de Dança no Conservatório Superior do Instituto de Teatro de Barcelona, dando uma atenção
Padeço de uma intensa e obsessiva inclinação para o impossível. Para não acabar esmagada em lugares apocalípticos, resigno-me a apresentar o meu desajeitado esforço para alcançá-lo, tentando afastar-me das suas possíveis formas de representação ou ilusionismo, e esperando obter como inevitável e necessário fracasso, simulacros, objectos, lugares ou conceitos do ‘nada’. Situo-me em princípio num ponto de partida sóbrio e tangível, no qual o ‘nada’ (ou o seu substituto) é o que já existe, evitando qualquer tipo de pseudo-necessidade. Por um lado, procuro a perplexidade. Procuro a ideia de submissão, de me perder num lugar sem nele desempenhar nenhum papel aparentemente activo; sem deixar qualquer rasto. Por outro lado, considero necessária a produção de ‘vazio’, em todos os sentidos. Considero necessário dar lugar ao lugar; toda a área desocupada se desmantela; todo o ocupante faz parte de um emaranhado de ocupantes. Considero necessário criar hiatos que separem os ocupantes uns dos outros, as acções umas das outras. Patricia Caballero, Maio de 2009
presentantes de assembleias, colectivos, etc. Desde 2003, a título de laboratório pessoal, tem desenvolvido projectos de pequeno formato que investigam nas fronteiras entre a acção, a intervenção urbana, a dança conceptual e a instalação – “Desequilibrios”, “Retaguardias”, “Psicastenia Legendaria”, “Amalgam”, “Verde”, “Paradiástole”, “50Hz”, “Como congelar fantasmas” e “Simulacro de simulacros” – e contam com a colaboração de fotógrafos, videastas, escritores, dramaturgos e intérpretes.
22
RESULTADOS DO CONVITE À APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS PARA O CICLO Restos, rastos e traços: Práticas de documentação na criação contemporânea Recebemos mais de 170 propostas para o ciclo Restos, rastos e traços: Práticas de documentação na criação contemporânea, vindas não só de Portugal mas também da Alemanha, da Áustria, da Bélgica, da Croácia, de França, de Espanha, de Inglaterra, de Itália, dos Países Baixos, da Roménia, da Sérvia, da Ucrânia, dos EUA, da Austrália, da América Latina e da África do Norte.
O grande interesse que o convite à apresentação de propostas suscitou traduziu-se numa dificuldade (e responsabilidade) acrescida à selecção dos projectos. A variedade das abordagens do tema, das dinâmicas desenhadas para as residências, e das disciplinas artísticas abrangidas pelas propostas flexibilizou os nossos critérios de avaliação, que se foram assim formando em função das próprias propostas. No processo de selecção, tivemos em conta não só a qualidade artística intrínseca à proposta, mas também a pertinência da realidade escolhida enquanto assunto a docu-
mentar, bem como a originalidade dos processos a desenvolver para se aproximar dessa realidade, de forma a questioná-la simultaneamente. Fomos igualmente sensíveis, enquanto responsáveis de programação, à possibilidade de criar uma dinâmica geral que evite a repetição de conteúdos, assim como a uniformização dos modos de usar a residência. Tomámos igualmente em consideração o importante número de propostas, razão pela qual decidimos prolongar o ciclo até o final de 2010, de forma a podermos acolher dois projectos suplementares.
Alexandra Ferreira & Bettina Wind (Alemanha/Portugal) Ao longo da nossa pesquisa no arquivo de Mousonturm em Frankfurt, no início deste ano, encontrámos uma cassete vídeo de ‘Xavier Le Roy by Jérôme Bel’, de 2001. As elevadas expectativas geradas pelo facto de termos descoberto uma relíquia no vasto e disperso arquivo do centro de performance, caíram por terra assim que começámos a ver a cassete VHS: era quase impossível reconstruir a performance, devido ao limitado ângulo da câmara, à inexistência de som, e à má qualidade da VHS e da própria filmagem. Só quando começámos a reflectir sobre documentações e sobre a relação delicada que têm com as obras de arte, é que nos apercebemos que o nosso achado no arquivo se podia afinal transformar numa verdadeira descoberta... O nosso interesse pelo material de documentação deve-se particularmente à sua resistência a uma reconstrução ‘fiel’ ao acontecimento, ao mesmo tempo que tanto as filmagens da performance como a entrevista [a sua documentação] evocam uma atmosfera de autenticidade e de ‘objectividade’. Simon Bowes (Reino Unido)
Projectos seleccionados Catarina Simão (Portugal) Fora de campo é um projecto sobre o arquivo de cinema de Moçambique: uma investigação artística sobre os actos de transformação política das imagens e em especial as que constituem o arquivo de cinema
Moçambicano. Trata-se de fazer a história social de um arquivo de imagens políticas, circunscrito a um período de pura ideologia militante pró independência, que no seu tempo interessou às cabeças pensantes dos três movimentos de vanguarda no cinema do século passado: Jean Rouch (‘Cinéma Vérité’), Jean-Luc Godard (‘Nouvelle Vague’) e Ruy Guerra (‘Cinema Novo’).
Em Julho de 2008 voltei à terra da minha família para poder viver pobre e beligerante, e fazer o trabalho que tinha andado a adiar devido a obrigações relacionadas com um estudo intenso e prolongado. Fundei uma companhia com o meu pai, que tem 74 anos. Denominámo-nos ‘Kings of England’ [Reis da Inglaterra] e ao espectáculo demos o título ‘Where We Live & What We Live For’ [Onde Vivemos & Para Que Vivemos]. [...]
O processo de investigação criou muito daquilo a que poderíamos chamar ‘excedente’, revelando detalhes esparsos sobre a minha família através das gerações e até um passado distante. Mas enquanto fazedor, este processo de descoberta desperta o meu interesse pela maneira como a performance ao vivo pode abordar a questão da documentação, da maneira como os documentos são performativos, de como encenar intervenções no espaço do arquivo, e do que fazer com os restos, com as questões não respondidas, as questões sem resposta, e as questões impossíveis de perceber... Noé Sendas (Alemanha/Portugal) ‘Processo: Quem é Noé Sendas’. Partindo de uma prática corrente de abrir processos sobre determinados autores ou personagens/narradores ficcionados, vou abrir um processo com o seu nome, onde pretendo examinar o seu processo criativo e de pesquisa, utilizando o seu ‘modus operandi’. No entanto, o meu objectivo não é o de me cingir a um estudo da informação reunida e do seu trabalho realizado; proponho-me ir ao encontro de uma experiência sensorial directa com o autor, sob a forma de um interrogatório. Paula Caspão & Valentina Desideri (França/Itália/Portugal) As práticas de documentação, nas suas diferentes modalidades e implicações, têm no projecto ‘HOW-TOs’ uma função de verdadeiros ‘agentes dramatúrgicos’. ‘HOW-TOs é uma colecção meia coreográfica meia infinita’ que explora a elasticidade dos ‘modos de fazer coisas’ em diferentes
23
Atelier Real Set/Out 2009
áreas de actividade: cinema, gastronomia, literatura, economia, histórias de animais, drama, geografia, ciências neurológicas, artes várias e situações quotidianas de diversos formatos. Se é certo que recorremos a práticas de arquivo, gerando taxonomias e categorias, o nosso objectivo não é fabricar um Arquivo que capture itens numa classificação estável. O que nos move é antes o desejo de fazer surgir dinâmicas relacionais capazes de iniciar diálogos improváveis entre práticas heterogéneas, tanto as existentes como as ‘ainda por existir’. Por isso aparecerão nesta colecção compartimentos ainda sem conteúdo, compartimentos especulativos ( ficcionais), como canteiros para ‘adivinhar’ restos, rastos e traços de relações futuras, ou documentos do que ainda não aconteceu. Já que a fronteira entre o acontecimento e o documento não é tão clara como parece. Rémy Héritier (França) Se a performance existe apenas o tempo que dura a sua performatividade, o que resta são apenas traços. (...) Desde há alguns meses, considero o meu trabalho como uma série de documentos: todas as secções que compõem as peças são documentos, tal como as próprias peças. Esta mudança na denominação do material de trabalho e do próprio trabalho não é uma modificação formal com o objectivo de promover um novo jargão artístico. É uma mudança de natureza. Na minha perspectiva, é um passo pessoal em frente na consideração de uma obra de arte como contribuição. Rogério Nuno Costa (Portugal)
Do projecto "Where We Live & What We Live For" de Simon Bowes / Kings of England
Na maioria das vezes, o filme é mais importante que o ‘making of’; outras vezes, raras, o ‘making of’ consegue ser mais importante que o filme. A mim interessa-me ultrapassar esta duplicidade, porque quero que o ‘making of’ seja, de facto, ‘o’ filme. Neste sentido, assumo esta fase final do projecto [‘A Oportunidade do Espectador’, plataforma de discussão teórico-prática sobre as dimensões da participação e do compromisso do espectador perante uma obra] como um momento de inflexão teórica novo e autónomo, quase como se o processo de documentação do projecto fosse, de facto, independente do projecto.
24
Programa
Atelier Real Rua Poço dos Negros nº55. 1200-336 Lisboa T (+351) 21 390 92 55 F (+351) 21 390 92 54 e: atelier@re-al.org www.atelier-real.org
Sábado 26 de Setembro 18h00 Lançamento do Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
Tehnica Schweiz Project de Gergely László & Rákosi Péter (Hungria),Estreia nacional. Uma conferência-demonstração dos autores acompanhada de projecções em vídeo e em slides (em inglês, sem tradução).
21h30 Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
NAME Readymade de Janez Janša, Janez Janša e Janez Janša (Eslovénia), Estreia nacional.
Autocarros nº60, 706, 727, 794 (paragem Conde Barão / Av. D. Carlos I) Eléctricos nº25 (paragem Conde Barão), nº28 (paragem R. Poiais S. Bento ou Cç. Combro) Metro Linha Verde, Linha Azul: Estação BaixaChiado: saída Largo do Chiado. Comboio Linha de Cascais: Estação Santos.
Uma conferência-demonstração dos autores acompanhada de projecções em vídeo (em inglês, sem tradução). Jantar no atelier real, em companhia dos artistas, a partir das 20h00
Sábado 31 de Outubro 18h00 Programa Residências artísticas do Atelier Real
Patricia Cabalero (Espanha) Uma apresentação do(s) resultado(s) de uma residência artística que ocorreu entre 14 de Setembro e 31 de Outubro.
Próximas apresentações Sábado 28 de Novembro 18h00 Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
Fora de campo de Catarina Simão (Portugal) Sobre o arquivo de cinema de Moçambique
Sábado 12 de Dezembro 18h00 Programa Residências artísticas do Atelier Real
Sete Tele & Rachel Arianne Ogle (Austrália) Uma apresentação do(s) resultado(s) de uma residência artística que ocorreu entre 24 de Novembro e 12 de Dezembro.
RE.AL | Produtora Direcção geral e artística: João Fiadeiro Artistas representados: João Fiadeiro, Cláudia Dias e Gustavo Sumpta Direcção de produção: Sofia Campos Gestão financeira e administrativa: Cláudia Nunes Secretariado: Alaíde Costa Contabilidade: Saldo Certo/Rui Silva Assessoria jurídica: Duarte Gorjão Henriques Limpeza: Rita Guimarães www.re-al.org info@re-al.org Atelier Real | Programação e residência de artistas Direcção artística: David-Alexandre Guéniot www.atelier-real.org atelier@re-al.org Programa Editor: David-Alexandre Guéniot Tradução e revisão (inglês, francês, português): Paula Caspão Grafismo: Linda Romano Textos e imagens, copyright dos autores. A RE.AL é uma estrutura financiada pelo Ministério da Cultura / Direcção Geral das Artes