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Atelier Real Mai/Jun 2010
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Estou sempre a dizer “Tenho uma memória péssima, esqueço-me de tudo”. A noite passada fui ao computador à procura de uma informação – uma frase curta. Depois fui ter com os meus amigos à sala, mas quando lá cheguei já me tinha esquecido do que era. Tive que ir outra vez ao computador e relembrar aquilo de que tinha tentado lembrar-me antes - mas desta vez consegui. Alguns podem pensar que isto tem a ver com preguiça, com uma certa falta de concentração no momento em que tentamos lembrar-nos, mas eu acho que é outra coisa – que tem mais a ver com atingir uma certa presença que nega o acto de lembrar (com clareza). Escrevo-te isto porque estou a fazer um esforço para me lembrar do teu espectáculo – a fazer um esforço para me lembrar de TODOS os espectáculos. É por isso que te agradeço teres-me enviado estas imagens, que funcionaram como uma espécie de detonador. Mas desta vez é uma detonação numa direcção diferente, já que tudo isto me chega por email, através do computador. É a fotografia do salto/queda do teu pai que me atraí – o momento entre, de potencial, de esperança, que ela evoca. Quero continuar a olhar para ela – A FOTOGRAFIA EXISTE AQUI – quero continuar a escrever. E após este exercício de concentração tangencial – de maneira um bocado estranha encontro-me de novo contigo e com os teus pais. Onde é que isto irá dar? Quando é que acabará? Agora esqueci-me.
© windferreira, 2009.
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Editorial Neste número cinco do jornal do Atelier Real, concentramo-nos em três projectos seleccionados no seguimento do convite à apresentação de propostas que lançámos em Julho de 2009, e que são acolhidos no âmbito do ciclo « Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea ». Voltaremos, antes de mais, ao projecto de Noé Sendas “Processo: Quem é Noé Sendas?”, desenvolvido em residência entre 23 de Janeiro e 20 de Março de 2010, com um “dossier especial” em que publicamos a conversa (transcrita, editada e completada) que decorreu por altura da apresentação pública no final da residência. Este dossier permitirá ao leitor completar a sua experiência de espectador (para aqueles que assistiram à apresentação) ou então substituí-la (para aqueles que não assistiram). A experiência do espectador encontra-se de resto no centro do projecto « A Oportunidade do Espectador », que Rogério Nuno Costa dirige desde 2007. Este projecto, acolhido em residência entre 22 de Março e 22 de Maio de 2010, consistiu na organização e na edição de vários documentos produzidos ao longo dos três últimos anos. Mas consistiu igualmente na preparação e “reconstituição” de um case study (tal como tantos outros foram produzidos ao longo do projecto) com a apresentação e a avaliação de uma oportunidade dada a um espectador ou – no caso específico da apresentação que terá lugar no dia 22 de Maio – a dois estudantes de teatro. Acolhemos, por fim, o projecto de Simon Bowes, que – por razões alheias à sua vontade – teve que ser redimensionado para uma residência de uma semana e para uma conferência-demonstração sobre o processo criativo e o espectáculo “Where We Live & What We Live For”, interpretado e criado em colaboração com o pai, Peter Bowes. Com este projecto abordamos um aspecto importante (e delicado) da documentação: a natureza biográfica ou autobiográfica de certos documentos e o seu uso na criação de objectos artísticos. Até que ponto esses documentos são representativos de outras experiências? Até que ponto podem transcender as suas características privadas e evitar (ou provocar) um olhar voyeurista da parte do espectador? Até que ponto é que uma vida (qualquer vida?) vale a pena ser contada – ou ouvida? E como?
David-Alexandre Guéniot, Direcção artística do Atelier Real
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Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
Atelier Real, 22 de Maio, 18H00 Entrada Livre, lotação limitada.
A Oportunidade do Espectador de Rogério Nuno Costa (Portugal)
There is no reality, only perception. Dr. Phil’s Life Law #6
“Na maioria das vezes, o filme é mais importante que o making of; noutras vezes, raras, o making of consegue ser mais importante que o filme. A nós interessa-nos ultrapassar esta duplicidade, porque queremos que o making of seja, de facto, ‘o’ filme.” Rogério Nuno Costa, sobre “A Oportunidade do Espectador” e depois de ter lido o livro do Dr. Phil
O projecto “A Oportunidade do Espectador” consistiu numa plataforma de discussão teórico-prática sobre temáticas caras às dimensões da participação e do compromisso do espectador perante a obra. O projecto teve como motor de ar-
ranque uma série de oito workshops realizados em Portugal e na Alemanha, durante os quais foi possível propor um espaço de discussão e de experimentação à volta da criação de objectos artísticos (ou para-artísticos) essencialmente “residuais”, de carácter não necessariamente efémero, mas suportados na sua construção efectiva em formatos variados de arquivo e documentação. O documento “Dogma 2005” [ver extractos na página 8] foi usado como base estruturante desses workshops, quer como fórmula concreta de criação e de construção dos projectos de cada participante, quer como plataforma de reflexão e de debate sobre os temas da liberdade artística, da regra e da obstrução, da documentalidade e da contextualidade, da inclusão do olhar do espectador no discurso conceptual sobre a obra, da ética do observador, da produção e da comunicação, da legitimação e da análise tecno-estética. Dos workshops foi seleccionado um grupo de 11 participantes, convidados a desenvolver os seus projectos pessoais de acordo com as regras contidas no “Dogma 2005” e à luz de um acompanhamento por parte quer do “curador” (Rogério Nuno Costa), quer de um conjunto de colaboradores e pensadores de várias disciplinas. Os projectos foram apresentados publicamente em três fases geográfica e conceptualmente distintas. Numa primeira fase [“The Curator’s Office”, Novembro 2007], integrada no Festival Transforma B, em Torres Vedras, seis dos participantes apresentaram-se num modelo de conferência e
discussão, numa relação com o público ainda laboratorial. O espaço da galeria foi “transformado” metaforicamente para acolher o “escritório” do curador, zona projectual por excelência, onde todas as decisões de cariz “contratual” são tomadas. O objectivo era a fabricação de um plano de trabalho fundamentado de acordo com o “Dogma 2005” e documentado até à exaustão em vídeo, fotografia e texto; como se fosse possível nunca passarmos da fase de “projecto”, ou transformando esse mesmo “projecto” no “resultado”. Os cinco participantes restantes seguiram para a fase 2 [“The Curator’s House”, Junho/Julho 2008], cuja concepção levou mais longe os pressupostos experimentados na fase anterior, contaminando-os com um desenho de intervenção mais complexo e ficcional: uma casa (a do “curador”) vigiada 12 horas por dia por um sistema de vídeo-vigilância ligado permanentemente à Internet – casa essa que era simultaneamente escritório de produção, sala de ensaios, estúdio de gravação, redacção de jornal, etc., onde tudo acontecia — da concretização do plano de trabalho à sua possível execução. Aqui, o papel do espectador ganhou uma dimensão mais incisiva, com a obrigatoriedade de cada participante permanecer ligado diariamente à Internet através da utilização de várias redes sociais, permitindo que um grupo muito vasto de olhares e perspectivas pudesse influenciar o curso dos projectos. Aqui, a figura da documentação exaustiva ganhou uma dimensão mais abrangen-
te e plural, atingindo outras esferas da observação e podendo deste modo ser controlada por mais agentes, nomeadamente os próprios espectadores. A intervenção teve uma “apresentação final” na Galeria ZDB, num formato ironicamente próximo do talk-show televisivo, no qual os espectadores puderam fazer a sua apreciação final e escolher o “projecto vencedor”. A terceira fase reuniu todos os projectos da fase anterior, colocando-os no mesmo patamar “hierárquico” em relação aos restantes colaboradores (pensadores e curador) num modelo de intervenção desenhado para funcionar como uma espécie de “escola” [“The Curator’s School”]. Esta fase teve lugar no contexto do Circular/Festival de Artes Performativas de Vila do Conde [Setembro 2008] e instalou-se num espaço ready-made: uma universidade. Ao longo de uma semana, um grupo de pessoas escolhido por candidatura (“alunos”) tiveram acesso à panóplia de materiais documentais compilados ao longo de dois anos de trabalho, assim como assistiram a um conjunto de intervenções, conferênciasdemonstrações e lectures protagonizados por todos os colaboradores do projecto, agora transformados em “professores”. Aqui, o espectro conceptual do projecto pôde conhecer mais caminhos e pontos de fuga, atingindo outras dimensões teóricas e disciplinas filosóficas, da história de arte às ciências da comunicação, da antropologia cultural à sociologia, das ciências cognitivas à física quântica, do marketing à teoria dos sistemas.
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As fotografias do projecto "A Oportunidade do Espectador" reproduzidas nestas páginas são de Rogério Nuno Costa, José Luis Neves, Joana Silva e Artur Félix
À distância de outros dois anos, surge agora a oportunidade de criar um dispositivo documental e comunicacional com base nos materiais arquivados desde 2006. A “documentação” afigura-se aqui não só como pressuposto técnico de inflexão criativa (subjacente à componente prática do projecto), mas também como conceito operacional de reflexão global. Deste modo, a residência de dois meses no Atelier Real recoloca o projecto numa dimensão não necessariamente “conclusiva” (atitude perigosamente anti-dogmática), abrindo antes caminho para uma fase de sistematização e organização de registos em suportes vários (vídeo, fotografia, texto, objectos...) inserida numa lógica de “pós-produção”. Às fases anteriores do projecto corresponderia a “pré-produção” de possibilidades criativas que nunca chegaram verdadeiramente a acontecer, um paradoxo crítico que alimentou toda a ficção do “Dogma 2005” — ou seja, não há “produção” possível. O dispositivo de apresentação tem por objectivo conceder ao público o acesso aos resultados desta experiência na forma de uma comunicação (não confundir com “conferência” ou com “lecture”), num formato consentâneo com o “Dogma” e com características ideologicamente científicas, mas também jornalísticas. Através dele serão disponibilizados
um conjunto de documentos oriundos de diversos quadrantes teórico-práticos do projecto “A Oportunidade do Espectador” e apresentados com diferentes tonalidades: 1) em bruto (o filme “The Five Obstructions” de Lars von Trier & Jørgen Leth, seguido de discussão) [1]; 2) em processo (o catálogo online, do qual farão parte alguns dos textos que se encontram pré-publicados neste jornal); 3) filtrados por uma ideia de organização cronológica e expositiva (documentários em vídeo de cada uma das três fases do projecto, bem como uma selecção de objectos-prova devidamente catalogada e disposta na forma de instalação); 4) na condição de “case study” (através da apresentação pública do resultado do processo “dogmático” encetado por duas estagiárias — Tânia Ribeiro e Teresa Athayde —, submetidas a um processo de supervisão e controle criativos em tudo semelhante àquele que foi desenvolvido pelos ex-participantes do projecto: cumprimento das regras do “Dogma” e acompanhamento do curador Rogério Nuno Costa e do orientador de estágio Nelson Guerreiro. Seguindo o desenho estrutural do todo o projecto passado, também nesta fase a responsabilização do espectador pe-
rante os objectos “criados” e “tornados públicos” será tida em linha de conta. A citação do celebrity psychologist Dr. Phil, com que inicio este texto, foi escrita no quadro da “Curator’s School” no primeiro dia de “aulas”. Com ela concluía o traçado de um projecto complexo na sua estruturação formal, mas bastante claro (aos meus olhos) nas suas intencionalidades conceptuais: quais as possibilidades “reais” da realidade poder ultrapassar a ficção? Através da (auto-)imposição de regras e de obstruções, como procurar os “reais” limites da liberdade artística, essa coisa mais ética que estética? Como ultrapassar/desconstruir/destruir o paradigma do “eterno work-in-progress” (leia-se: constante adiamento de intenções, logo, demissão), recusando que se “está em processo”, antes que se “está em resultado”? A resposta a estas perguntas não é consoladora, muito menos unilateral; multiplicou-se rizomaticamente pelas inúmeras possibilidades teóricopráticas que o projecto “A Oportunidade do Espectador” pôde testar. É o que acontece quando se acredita que as boas perguntas já trazem as respostas dentro. É também o que acontece quando se recusa que o mundo está inelutavelmente dividido em dois: copos meio cheios vs. copos meio vazios. Na gala final da “Curator’s House”
(ZDB, Julho 2008), Nelson Guerreiro respondia à minha pergunta “Quem está a ganhar, a realidade ou a ficção?” com a resposta-presságio “Nem uma nem outra; estamos na era do empate técnico”. É no seio desta realidade terceira, desta proposta para a instauração/imposição de uma Terceira Via [2], que me proponho a reflectir sobre os restos, os rastos e os traços deixados pela “Oportunidade do Espectador”. E porque sei que a memória daquilo que fica é mais importante que a memória daquilo que foi, posso afirmar que o projecto “A Oportunidade do Espectador” começou agora. Roubando e vandalizando as palavras-slogan do espectador oportuno Artur Félix: “I asked for it, I deserved it, I got it.” Rogério Nuno Costa Para mais informação: www.vouatuacasa.blogspot.com [etiquetas: A oportunidade do espectador, Restos Rastos Traços, The curator’s office, The curator’s house, The curator’s school] www.rogerionunocosta.com/oportunidade. html www.youtube.com/vouatuacasa
[1] Dia 19 de Maio, 19h00, Atelier Real, projecção do filme seguida de um debate em presença de Rogério Nuno Costa, David-Alexandre Guéniot e João Fiadeiro. [2] http://mashup-atv.blogspot. com/2009/12/manifesto.html
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O oportunismo d’a oportunidade do espectador Excertos do texto “Can artists be loved too much?” a ser publicado no catálogo online “Big Curator Is Watching You”
“A Oportunidade do Espectador” pode ser visto como um projecto que possibilita uma condição inaudita para o espectador: a de criador dos seus próprios projectos, ainda que sob a égide de um coordenador e a chancela de um manifesto. É aliás, por isso mesmo, um projecto lógico no percurso de Rogério Nuno Costa, depois da trilogia composta por Vou A Tua Casa, No Caminho, Lado C. Este conjunto é composto por duas obras (i)mobiliárias, a primeira poderia ter sido na minha ou na sua casa, ou na de quem quisesse convidar o Rogério. A segunda parte poderia ter sido num jardim, numa esplanada, numa praia, numa esquina, num museu, à mesa do restaurante, no comboio, dentro de água doce ou salgada (apenas disponível no Verão) e, por último, a sua, dele, tornada nossa casa. Assim sendo, o perímetro de cativação do projecto foi o mundo. Nessa dedicação a projectos em que é oferecida ao espectador a experimentação de relações inabituais com o espectáculo e com a criação e respectivo criador, não admira que se venha a dar mais oportunidades aos espectadores. Coloque-se mais uma pergunta: como é que será o regresso à condição de espectador? — mesmo que alguns deles já não fiquem só desse lado, passando a estar dos dois lados, como acontece com qualquer artista/criador, que nunca deixa de ser espectador. Não vou justificar nem enquadrar este trabalho do Rogério Nuno Costa, tal como outros, a partir do diagnóstico da crise da representação. Sublinho, contudo, que ela é indissociável do seu trabalho. Neste projecto, em concreto, é evidente a transformação da dimensão ética associada ao trabalho artístico “em oportunidade” que se pode transformar em armadilha, tendo em conta a questão das práticas punitivas exercidas pelas figuras do observador punitivo que, passo a publicidade, foram personificadas por mim próprio, pelo André e. Teodósio e pela Magda Henriques. Por um lado, e em todas as vertentes do projecto, é notório o afastamento dessa dimensão representativa que assenta na necessária diferenciação entre arte e vida. Bastará pensar que na Fase 2, correspondente a “The Curator’s House”, os participantes estiveram sob vigilância, e as imagens captadas pelas câmaras foram difundidas online. Essa variante orwelliana não corresponde a uma crise da relação dialógica da sua arte com a realidade. Pelo contrário. É antes a demonstração cabal dos seus anseios em expor os seus processos e ao possibilitar a existência de seguidores dos seus modos de agir. Por outro lado, este projecto é sintomático de uma espécie de indefinição ou perversão do seu lugar como artista, curador ou espectador, mostrando que vai sendo capaz de afirmar lógicas criativas autónomas e verdadeiramente
sedutoras, proporcionando uma nova exploração da ideia de “intervenção”, “colaboração” e “diálogo”. Como costuma dizer alguém a propósito de certas coincidências: nem de propósito. E num texto recente intitulado “The Emancipaded Spectator” e publicado na Artforum [1], Jacques Rancière falava num “espectador emancipado” e numa “igualdade de inteligências” entre espectador e artista, entendidos como “parceiros epistémicos” para efectivar aquilo a que chama “partilha do sensível”. Deste modo, Rancière acredita que se conseguirá minimizar as alegorias da desigualdade que ainda continuam a ser possibilitadas pela maioria dos espectadores. A atestar por aquilo, os espectadores permitem que a arte, nas suas diversas manifestações, mas sobretudo no campo performativo, lhes faça. Estou a falar de um tipo de espectadores cuja disponibilidade e postura conferem um estatuto sagrado ao artista, semelhante ao de um líder espiritual. Tal como aconteceu durante as três fases do projecto, a maior parte dos participantes aproveitou a oportunidade para se emancipar enquanto espectador, ao desenvolver projectos que não procuravam salvar nem mudar o mundo, apenas a sua incorporação enquanto criadores; para experimentar fazer, para passar a saber o que é ser criador, já que a maior parte deles ainda não o tinha sido. Esta arte que não se faz para si, nem para o público, mas com o público, neste caso individualizado enquanto espectador, explorando uma reversibilidade de posições criador/receptor, artista/espectador, etc. E a partir delas não apenas representa, mas acciona os seus processos e modus operandi (apresentados posteriormente numa sessão pública) e modus vivendi, já que todos os participantes fizeram uma residência (em Torres Vedras, Lisboa e Vila do Conde). Alegoricamente, o que este projecto também demonstrou é que há espectadores que querem continuar a ser espectadores, quando um dos participantes se recusou a produzir algo para apresentar: Katinka Priegnitz, uma das participantes da “Curator’s House”, não apresentou nada (só foi pena que não se tivesse ido embora da residência, ficando-se só pela ameaça e pela recusa constante de trabalhar segundo o “Dogma 2005”). Se o tivesse feito, estaria só a querer voltar para a sua condição de espectadora. Nunca mais me esqueci de uma pergunta que ela me fez no dia em que ameaçou partir: “Can artists be loved too much?” Nelson Guerreiro [1] Artforum nº 7, Março de 2007.
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Dogma’05 O texto que deu origem ao documento Dogma 2005 integrava a apresentação de ‘FUI, esboço #7’, espectáculo-tese de Rogério Nuno Costa sobre a trilogia “Vou A Tua Casa”, que teve lugar no dia 16 de Novembro de 2005, no Teatro Taborda, em Lisboa. Depois desse projecto, e através de correcções sucessivas e complementos, ganhou contornos independentes. É constituído por vários textos, entre eles uma lista de regras e um “conceptuário” que os “espectadores oportunos” do projecto “A Oportunidade do Espectador” se comprometem a seguir. Apresentamos aqui as principais regras que revestem a forma de um “voto de castidade”.
III. VOTO DE CASTIDADE Eu, [nome do artista], comprometo-me a cumprir, ao longo de todas as fases do meu processo de trabalho, as seguintes regras, obrigações e interdições, que o ‘Dogma 2005’ contempla e às quais terei que submeter o meu projecto: 1. Não existem temas. A matéria sobre a qual o projecto deverá versar é o próprio projecto em si, assim como o contexto social, político e institucional que lhe dá a razão de existir. O criador fica proibido de partir para o projecto com ideias préconcebidas. 2. “Para compreender uma obra de arte, o público tem que ser igualmente criativo” [disse Marcel Duchamp, de cuja herança, para mal dos pecados de muitos, ainda não nos libertámos]. O ‘Dogma 2005’ assume a figura do público como um dos elementos do contexto que envolve o projecto e o criador, logo, de importância idêntica ou superior aos mesmos. Em última análise, a palavra final caberá sempre ao espectador, responsável máximo pela validação e legitimação do objecto artístico. 3. O grande objectivo do ‘Dogma’ é a construção de objectos que antes de se poderem denominar de “artísticos”, devem ser chamados de “problemáticos”. Daí a inevitabilidade do abandono de todo e qualquer carácter lúdico, mais ou menos ‘espectacular’, do objecto produzido. 4. É com coisas ‘verdadeiras’, é com objectos ‘verdadeiros’, é com palavras ‘verdadeiras’ que o criador terá que trabalhar. Não há lugar para a falsidade. Há apenas lugar para a ficção: a vida de um projecto artístico ficcionada ao sabor da sua própria estruturação, alimentada pelos seus próprios mitos, pelas suas próprias simulações. 5. O criador que se comprometer a criar um objecto artístico debaixo da alçada do ‘Dogma 2005’, deverá ter em conta o seguinte conceptuário, utilizando-o operacionalmente na legitimação/validação de todas as decisões:
te de trabalho com o objectivo de organizar e sistematizar o conjunto de matérias “documentáveis” recolhidas ao longo de todas as fases do projecto. DOCUMENTAÇÃO Figura finalizante por excelência do processo artístico “Dogma”, ao tornar solidamente coerentes as recolhas efectuadas no contexto do ARQUIVO. A importância deste conceito pode eventualmente fazer-se substituir ao próprio projecto, transformando-se na razão de ser de toda a acção e criação artísticas. OBJECTUALIDADE/RESIDUALIDADE Binómio conceptual que explica a existência e fundamentação dos dois conceitos anteriores. À finitude formal e conceptual do trabalho artístico de cariz ‘objectual’ (perenidade), opõese a efemeridade formal e conceptual do trabalho artístico de cariz ‘residual’ (desaparecimento, esquecimento, memória). O “Dogma” potencia naturalmente a construção destes últimos. MEMÓRIA Resíduo por excelência dos objectos construídos à luz da função operativa “residual” (ver conceito-binómio anterior) e matéria documental privilegiada pelos trabalhos construídos segundo as regras do “Dogma”. Pode ser encontrada e recolhida em várias frentes, com o auxílio de vários métodos e suportes, e por intermédio da colaboração de todos os intervenientes no processo: criadores, espectadores, observadores, agentes processuais de ordem vária, etc. ESPECTADOR/ESPECTADOR-CRIADOR É o mais imediato binómio a ter em conta quando o projecto (dogmático) que temos em mãos visa especificamente o compromisso do espectador perante a obra criada, nomeadamente no que respeita à sua maior ou menor participação e responsabilização. Não se tratará, contudo, de dar “tarefas” ao espectador; tratar-se-á, sim, de o responsabilizar, mesmo que seja perante uma mera actividade contemplativa. AUTORIA Advém do anterior e é o último reduto a ser mantido pelo criador (original) do projecto, quando uma parte ou o todo da responsabilidade efectiva pelo resultado já não lhe pertence; tal é válido relativamente a todas as fases e a todos os agentes do processo criativo. Este conceito visa a anulação do papel de criador como agente imperialista em relação às restantes figuras do processo; ele transforma-se, assim, num mediador ou moderador das diversas frentes co-participantes (humanas ou materiais), a quem cabe uma quota parte significativa de responsabilidade criativa. (…)
ARQUIVO Função operativa primordial de todo e qualquer projecto criado à luz do “Dogma”; visa a obtenção de um plano estruturan-
Bio
Texto integral em: http://www.dogma05.blogspot.com/
Rogério Nuno Costa Nasceu em Amares, em 1978. Vive e trabalha em Lisboa, como artista, investigador e professor, em várias áreas da prática e do pensamento performativo. É licenciado em Comunicação Social. Frequentou o mestrado em História da Arte Contemporânea. Frequenta actualmente o Mestrado em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Como intérprete, criador e colaborador artístico, trabalhou com: Teatro Praga, Sónia Baptista, Lúcia Sigalho/ Companhia de Teatro Sensurround, Alain Béhar, Rosa Coutinho Cabral, Nelson Guerreiro, Teresa Prima e Miguel Bonneville; e com os artistas plásticos Ramiro Guerreiro e Ana Cardim. Colaborou ainda com várias companhias e estruturas nacionais e internacionais. É professor convidado na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, na Hogeschool von de Kunsten (Arnhem) e na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Escreve regularmente para publicações ligadas ao pensamento artístico e colabora com vários artistas na condição de observador. Dirigiu, escreveu e interpretou as performances: “A Leitura Encenada É Um Género Que Não Faz O Meu Género” (2002), “Vou A Tua Casa” (2003), “Saudades Do Tempo Em Que Se Dizia Texto” (2003), “ACTOR” (2004), “No Caminho” (2004), “FUI/ esboços” (2005/2006), “Lado C” (2005/2006) e “Espectáculo de Teatro” (2008). Dirigiu o projecto editorial “Projecto de Documentação” (2006/2007) e o projecto curatorial “A Oportunidade do Espectador” (2007/2008). Prepara para 2010 o projecto de gastronomia conceptual "Vou À Tua Mesa" e e o projecto de formação trans-artística "Universidade".
Dossier ?sadneS éoN é meuQ Este texto é a transcrição editada e completada da conversa entre Noé Sendas e David-Alexandre Guéniot, que teve lugar no dia 20 de Março de 2010 no Atelier Real, por ocasião da apresentação pública do projecto “Processo : Quem é Noé Sendas ?”, um projecto acolhido e desenvolvido em residência artística entre 23 de Janeiro e 20 de Março de 2010, no quadro do ciclo “Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea”. David-Alexandre Guéniot (DAG): A introdução que eu queria fazer a esta apresentação do projecto de Noé Sendas refere-se ao momento em que li a proposta que ele enviou para o ciclo. Efectivamente, quando li o projecto fui apanhado por uma espécie de perturbação, por causa da utilização, numa mesma frase e pelo mesmo locutor, de dois pronomes diferentes. Noé Sendas referia-se a si próprio utilizando tanto o pronome “eu” como o pronome “ele”… Tive que ler a frase uma segunda vez, para confirmar que não se tratava de um engano. Era mesmo assim. De repente uma só pessoa tinha-se dividido em duas. E o objectivo dessa divisão por dois “Noé Sendas” era que um queria estudar e documentar o processo criativo do outro. “Eu, Noé Sendas, vou documentar o processo de criação de Noé Sendas; ou seja, de alguém que não é apenas (ou que não é verdadeiramente) eu”. Esta divisão/multiplicação de Noé Sendas em dois indiciava assim um jogo de idae-volta entre a ficção e a realidade. É evidente que Noé Sendas existe, está aqui sentado ao meu lado, mas ao mesmo tempo parece existir também um Noé Sendas ficcional, que se calhar também está aqui sentado ao meu lado. É uma personagem que tem vários papéis: é autor, é artista, é modelo (o seu próprio modelo), é objecto e sujeito ao mesmo tempo,
é uma entidade um pouco instável, difícil de agarrar. Acontece o que pode acontecer quando se começa a confundir o autor de um livro com o seu narrador, quando o narrador parece estar a falar em nome do autor e vice versa, quando o autor parece estar a viver as aventuras do narrador e a receber – por transferência – um estatuto de personagem. E o facto de Noé Sendas estar a documentar o trabalho do artista Noé Sendas criava logo um jogo e uma dupla possibilidade: por um lado, documentar uma ficção; por outro lado, assumir o risco de essa documentação poder igualmente transformar-se numa ficção. Na continuação dessa divagação sobre uma documentação que se torna ela própria numa ficção, lembrei-me do projecto da(s) “História(s) do Cinema”, de Jean-Luc Godard. Nesse projecto, Godard não pretende fazer a História do Cinema como a faria um historiador ou um crítico de cinema, com categorias formais, académicas e científicas; Godard conta-nos as histórias contidas no cinema como se fossem narrativas (ou estruturas) que atravessam o cinema enquanto médium, mas também enquanto mundo, enquanto mitologia, enquanto terra... E tenho a impressão – e de qualquer maneira é a convenção e o ponto de partida que gostaria de esta-
belecer para esta conversa –, que a proposição “Processo: Quem é Noé Sendas?” se dedica também a contar História(s) – não do cinema, mas – da Arte. Quer dizer, as figuras, os mitos, as narrativas que atravessam a arte e a estruturam como um mundo, um universo, uma ficção, criando assim para ela uma poética particular. E uma dessas figuras, se calhar a mais central no projecto aqui apresentado, é a ideia do artista e do seu modelo. Uma figura recorrente da História da Arte, não só na pintura mas também na escultura. Na mitologia grega temos o exemplo de Pigmalião, um escultor prodigioso que um dia cria uma escultura tão bela, uma mulher tão bonita, que se apaixona por ela e vai pedir a Afrodite que dê vida à estátua para poder casar com ela. Um outro exemplo é o mito de Dédalo, que construiu o labirinto para aprisionar o Minotauro: era um escultor tão virtuoso que era obrigado a prender as suas esculturas com cadeados para que não fugissem do atelier. E também essa relação que tens com as tuas próprias esculturas, no sentido em que elas não só têm um efeito hiper-realista – já ouvi a história de um polícia a pedir ao galerista para retirar aquela pessoa que estava ali no chão, pensando que era um vagabundo a criar desordem pública – mas...
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A figura do narrador Noé Sendas (NS): Desculpa interromper… gostaria de clarificar um pouco, não tanto para explicar, mas para situar as minhas esculturas. Estas esculturas representam uma forma e uma estratégia de apropriação do modo como um escritor utiliza a figura do narrador, e das possibilidades que essa figura permite. Optei por essa forma porque não tenho a capacidade da escrita à minha disposição, e também porque não queria trabalhar com imagens captadas do real, nem com a inclusão de voz off, nem com um trabalho de actores. No fundo estas esculturas hiper-realistas funcionam como narradores silenciosos e imóveis e potenciam o meu trabalho sobre uma determinada situação. Cada vez que preparo uma escultura concebo um novo narrador, um novo contexto para determinada situação. O espectador pode ficar-se pelo usufruto formal, ou então ter a disponibilidade de se confrontar com a estranheza da situação proposta. Quando sou eu a instalar uma destas obras num museu opto pelo espaço intermédio, por exemplo, um vão de escadas. Na sala do museu, são entendidas como uma escultura; na rua, são imperceptíveis… Existem melhor nos espaços intermédios. DAG: Quando falas em narrador, qual é a história que essa personagem articula? NS: Cada uma tem o seu enredo … Não tanto “o que” a personagem articula, mas sim o subtexto. Um bom texto, que não se fica pela qualidade e requinte da escrita, da história que se lê, mas o que lhe sobrevive, uma ideia latente. DAG: … as esculturas têm também um modelo único, que é o teu próprio corpo…? NS: Pode-se sempre dizer que o modelo mais acessível para o artista é o próprio artista. Neste caso não é apenas a acessibilidade. Existe uma rapidez, uma fluidez ao utilizar este corpo como modelo. Com outro corpo não seria possível, o automatismo, a velocidade necessária entre modelo, gesto e escultura, ao construir umas pernas cruzadas, tenho não só que saber em que ponto elas se cruzam mas o peso de uma perna sobre a outra, que depois determina o ângulo das costas, etc. Esta questão do peso, do limite do equilíbrio seria difícil de captar no corpo de outro. Ao utilizar sempre o mesmo
modelo, o corpo utilizado torna-se neutro, o que importa não são os pormenores do corpo, mas sim a ideia de um corpo numa determinada situação, de forma a ser credível. DAG: Tens uma relação de auto-ficção com essas esculturas? Queria saber, por exemplo, se sentes que elas te representam – no sentido em que também podem ficcionar-te. Em que te podem proporcionar outras identidades, outras histórias… NS: Esta é a primeira vez, ainda que seja apenas um pequeno desvio, que o narrador é conscientemente fundamentado em Noé Sendas, que tem uma biografia, um passado e um nome real. Normalmente crio narradores exteriores a mim, de forma a trabalhar o seu possível passado a partir de leituras, ou de situações visionadas no dia a dia. Neste caso o alvo era Noé Sendas enquanto autor, ou a ideia que tenho de Noé Sendas enquanto autor, perceber (as suas limitações) o que lhe é particular. DAG: Não achas importante que as pessoas saibam que és tu o modelo das esculturas? NS: Se me perguntarem eu respondo. Se não houver essa interpretação, também não vou nomear esse facto… Ainda que, paradoxalmente, era uma forma de, enquanto autor, me distanciar ou de superar Noé Sendas. A partir de certa altura ele estava fisicamente ali enquanto escultura. Possivelmente só assim cheguei à performance. DAG: Faz parte de um projecto de construção de uma auto-ficção, uma ficção à volta de Noé Sendas? NS: Não e sim, isto é: espero que exista na obra conteúdo suficiente para que nela coexistam vários níveis de leitura. DAG: Este projecto agora, o facto de as esculturas ganharem vida, é um novo passo; é a primeira vez que experimentas uma relação performativa? NS: Eu sabia à partida, que colocar um actor no papel de uma escultura minha iria resultar. Encontro-me constantemente a observar as pessoas na rua, a ver se estão bem feitas, se estão mal feitas… [risos no público]. Necessitava apenas de colocar alguns defeitos; neste caso num actor, de modo a ficar com a forma com que percepcionamos a ideia de corpo, o que é diferente de um corpo real. Este projecto foi avançando, por várias etapas, todas
elas filmadas. A última etapa documentada é exactamente o fim dos “filmes” presentes na instalação. Capta o momento em que decido que esta não será só uma instalação mas também uma coreografia. Chamolhe coreografia à falta de melhor palavra: a instalação transforma-se num palco para dois actores: A faz o papel de escultura e A’ o papel de espectador. A e A’ são gémeos idênticos e estão vestidos de igual. A e A’ representam num fac-simile do meu atelier. A e A’ trocam de papel no momento em que se dá o loop simultâneo dos dois filmes, projectados em dois ecrãs no interior do atelier fac-similado. Nestes dois filmes vê-se todo o build up, todo o trabalho de atelier que culmina no momento em que decido dar esse salto da instalação para a coreografia. A troca de papéis entre actores é o único momento em que nos apercebemos da existência da componente performativa. Os actores desaparecem quase de imediato, camuflados pelos papéis que representam. Esta residência teve dois meses de duração. Mas o resultado da residência e o processo de trabalho não são cronologicamente idênticos. Por exemplo, o Jornal do Atelier Real que sai dias antes da apresentação, é preparado com mais de um mês antecedência. Aí comecei a trabalhar a apresentação deste narrador, o tal Noé Sendas, através de cartas e fotografias bibliográficas. Já na exposição acabei por incluir ainda uma resposta de um outro narrador ficcionado a esse mesmo Jornal. DAG: Com essas cartas, também há um outro elemento que acho que é recorrente no teu trabalho, a referência a personagens da literatura, a Macbeth ou a Ofélia, ou ainda a escritores: Joyce, Beckett. NS: Não é tanto trabalhar a partir de determinado autor, mas conhecer esse autor e depois quando estou a trabalhar a sua obra estar presente... os fantasmas estarem lá. Os livros, os CDs que estão no atelier, não estão plantados para servirem de referências, eles estão lá porque estavam a ser lidos e ouvidos. A Mesa do Alfarrabista DAG: Neste projecto aparece uma nova personagem, a personagem do alfarrabista… que vai dar corpo a uma ideia de objecto trouvé… NS: Eu já não estava em Lisboa (mais do que uma se-
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mana) para aí há quatro ou cinco anos. Uma coisa que me impressiona em Lisboa é que as pessoas vivem ou sobrevivem dos pequenos esquemas. Existe uma economia de esquemas, que por um lado não permite que a cidade se desenvolva economicamente e ao mesmo tempo é a razão de a cidade ter um cunho autoral e anacrónico, especialmente nos centros históricos da cidade. O alfarrabista tem livros à venda que não se sabe muito bem de onde vêm… Mas abres o livro e vês uma dedicatória e sabes de quem era o livro e começas logo a imaginar como foi lá parar… Depois tens também aqui as casas de velharias, as lojas de penhores. Nestas peças, eu queria devolver os tais objectos trouvés aos seus locais de origem…. Eu olho para aquela instalação [“Quem é Noé Sendas”, ver descrição] e parece-me que entrei numa loja de velharias. No fundo é voltar a criar o espaço onde estavam as coisas. Mas já remisturado. A peça “A Mesa do Alfarrabista” é dar corpo a um alfarrabista que encontra e dá a ver uma caixa que contém fotografias. Sendo que estas estão trabalhadas, são feitas a partir de fotografias que encontrei em alfarrabistas. DAG: Faz-me lembrar os romances epistolares da literatura do séc. XVIII. Essa ideia dos manuscritos encontrados por acaso numa falsa parede ou num mosteiro abandonado, livros sem nome do autor nem data. Esses manuscritos definem o objecto trouvé por excelência, porque não têm proprietários e parecem não ter sido planeados para ser lidos. São literalmente livros destinados a ser encontrados. “As cartas portuguesas” sobre o amor entre uma religiosa portuguesa e um oficial francês é um exemplo disso. Durante séculos pensava-se que essas cartas tinham sido traduzidas do português, que os originais tinham sido perdidos e até que a tal religiosa vivia em Beja… mas é tudo inventado: há um autor, um escritor, as cartas sempre foram escritas em francês, nunca se perderam os originais porque nunca houve “originais”… São livros que criam um efeito de realismo porque o anonimato do autor faz com que o leitor tenha a sensação que está a ler as cartas tal como as personagens as receberam: estão expressamente a ler a carta que a personagem escreveu. Ou seja, estão a ler uma carta escrita por uma pessoa que nunca existiu… mas com a convicção que existiu… Mas queria voltar às figuras que habitam ou atravessam
o teu trabalho, as tuas Histórias da Arte... Existe por exemplo uma série que se chama “O Coleccionador”… que é também uma personagem que está muito ligada à arte, que vem do mundo da arte. É também uma personagem que faz parte do teu universo? O Coleccionador NS: Mais do que estar ligado ao mundo da arte, o coleccionador está ligado à ideia da cultura. São pessoas que em determinados momentos tentam definir um conceito a partir de um aglomerado de coisas, ou que aglomeraram um grupo de coisas em torno de um conceito. O coleccionador sabe que basta faltar um elemento a esse grupo de coisas para que o conceito que as reúne esteja incompleto, e é essa falta que o faz procurar, que o faz começar a colecção de novo. É esse elemento que está em falta que me interessa… Neste caso específico [Not Nowman, Colecção de livros de arte sobre Nauman – ver descrição], nem comecei a coleccionar; um dia ao encaixotar livros de uma casa para outra, apercebi-me do peso e do volume de livros que tinha de um mesmo autor. A partir desse momento tornou-se uma colecção muito simples, um pequeno vício. Sempre que entro numa livraria vou direito à secção de livros de arte por autor. Quase sempre vazia entre o Matisse e o Nolde. Mais recentemente, ao olhar para o volume de livros mortos que tinha no meu atelier em Lisboa (“mortos” porque ninguém os pode ler ou consultar), lembrei-me do meu desagrado em relação aos coleccionadores que compram obras e as fecham numa garagem debaixo do carro para não ocuparem espaço. Decidi emprestar os meus livros sobre Bruce Nauman ao Gabinete de leitura do Atelier Real, e a partir de agora, quem quiser estudar esse autor, pode vir à Real consultá-los. DAG: O coleccionador também faz uma história, faz a sua própria história da arte, cria a sua própria narrativa… NS: Aproveitei o facto de ter o alfarrabista ficcionado que envia a caixa de fotografias de Noé Sendas para o Atelier Real, para tornar credível uma situação em que esse mesmo alfarrabista não só enviava as fotografias mas também a colecção dos Nauman. Quanto a colecções, estão aqui pessoas mais experientes sobre esse assunto do que eu, mas tens várias possibilidades…
mais histórica e institucional no sentido de abarcar o que se passa em determinado momento, tentar ter um pequeno núcleo por autor de vários autores de forma a ser abrangente … mais particular, que pode ter uma visão original e privada que escolhe peças à procura de uma coisa específica. E é esse tipo de reflexão que me interessa mais, mais autoral, é uma colecção que pode ir completamente ao lado do que se está a passar, a colecção é também ela uma obra. O falsificador – ser o seu próprio falsificador? DAG: Também podemos falar um pouco sobre a figura do falsificador. Não tanto o mero copista mas o falsificador que cria obras. Como em “F for Fake”, o filme de Orson Welles, que apresenta um falsificador de pinturas; não copia quadros já existentes, cria novos quadros de pintores como Matisse ou Picasso, ou Modigliani. No filme, podemos ver nascer “novos Picassos”, ou seja pinturas de Picasso que não existiam antes e que passam a existir… NS: Temos a cópia, a citação e o plágio: todos têm fundos diferentes. DAG: Sentes-te um falsificador da tua própria obra? NS: Dá-me imenso gozo criar enredos à volta de trabalhos meus já existentes. Criar uma história à volta de determinada obra. Mas têm de ser credíveis e provocar mais-valias… Quanto a falsificação de obras do próprio…? Muitas vezes os artistas fazem isto por revenge, apenas para confirmar a ausência de rigor por parte das pessoas com cujas obras lidam. No fundo é um pouco triste. Igualmente triste, mas desta feita por questões económicas, são, por exemplo, autores cujas obras nos anos 1970 têm um valor monetário muito superior às suas obras que realizam hoje e que acrescentam trabalhos a essas séries. Na maioria dos casos os artistas e as obras ficam sempre a perder com este tipo de decisão. Mas se for muito bem feito, pode ser um acto criativo… Tens que ser profissional, não podes ser apanhado e aí a questão de ser falso ou não já não se coloca. Aqui nesta residência a ideia não era tanto criar uma falsa obra de Noé Sendas, mas sim um falso Noé Sendas que cria obras originais. A versão integral dessa transcrição pode ser consultada no site www.atelier-real.org.
Quem é Noé Sendas, 2010 Instalação composta pela deslocação/remontagem de elementos físicos que estavam presentes na sala de trabalho de Noé Sendas durante a sua residência. Esses elementos ocupavam uma zona rectangular estritamente delimitada por uma fita de papel colada no chão e onde era possível ler umas cotas e referências métricas. Este rectângulo de objectos estava situado no espaço do estúdio do Atelier Real. Sobre dois ecrãs no interior do espaço delimitado eram projectados dois vídeos. O público podia circular à volta da instalação, observando os objectos bem como o(s) filme(s). No fim de cada loop, que durava aproximadamente 10 minutos, uma pessoa entrava no rectângulo para tocar o ombro da “escultura sentada na cadeira”, que se levantava e trocava de casaco com a pessoa que tinha vindo substituí-la. Era possível, com alguma atenção, reparar que as duas mulheres que trocavam de casaco eram gémeas idênticas. Vídeo e áudio: Dois filmes projectados em loop constituídos por uma montagem de duas fontes de imagens. Por um lado, a documentação em vídeo da construção de uma obra (uma escultura “fac-simile” do artista sentado, construída pelo aglomerar de diversos materiais com fita adesiva e posteriormente vestida). E, por outro lado, a desconstrução dessa mesma documentação através da inserção de excertos de filmes caídos em domínio publico onde se vê fragmentos de corpos, retirados dos seus contextos originais. Essas imagens eram acompanhadas por uma remistura composta pelos sons das fontes originais, bem como por fragmentos de 2 músicas.
1 figura/escultura (sentada no chão em posição de Lótus e com a cara tapada com um pano negro). 1 figura/escultura (sentada na cadeira com rodas, com a cara escondida dentro dos seus braços cruzados, braços que estavam apoiados em cima do encosto da cadeira). 2 actores (interpretando o papel de obra e de espectador). 1 cadeira de plástico branca com rodas. 1 cadeira de plástico branca sem rodas. 2 projectores de vídeo. 2 leitores de DVD. 2 sistemas áudio. 2 ecrãs (colocados frente a frente, ligeiramente em diagonal). 3 cadeiras de madeira. 1 mesa pé de galo sobre a qual se encontram rolos de fita-cola, ferramentas, livros, caixas de DVD (visível: História do Cinema), jornais (visível: capa do suplemento Ípsilon com cara de Martin Scorcese). 1 caixote do lixo, 2 aquecedores, 1 cadeirão, 2 xizatos. 1 par de chinelas.
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A Mesa do Alfarrabista, 2010 Instalação constituída por um conjunto de fotografias e de documentos espalhados em cima de uma mesa de madeira recoberta por um filme de protecção em plástico. Ao lado, uma mesa mais pequena recebe um conjunto de 26 livros, alinhados e conservados em sacos de plástico transparentes. Trata-se da colecção pessoal de Noé Sendas dos catálogos de exposições e monografias sobre o artista visual Americano Bruce Nauman [ver descrição de Not Nowman]. 1 mesa forrada com película de protecção em plástico (do tipo utilizado para guardar obras em acervo). Dim. 450 x 200 x 80cm. Sobre a mesa podemos encontrar: 1 caixa de charutos cubanos camuflada debaixo de uma capa de À Sombra das Raparigas em Flor de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust. 35 imagens de Noé Sendas (construídas a partir da apropriação e operação sobre imagens risqué [ver Jornal do Atelier Real nº4 (Março/Abril de 2010)]. 6 postais organizados em dípticos: com uma reprodução de Ophelia do pintor prérafaelita britânico John Everett Millais, e uma fotografia do autor em que a referida Ophelia se encontra no chão da Tate, ou ainda o Saut dans le vide de Yves Klein (onde
podemos ler no verso “PS: homenagem de Yves Klein a Nicolas de Staël, que se suicidou saltando de uma janela do seu apartamento a 16 de Março de 1955”) com o retrato do pintor Nicolas de Staël no seu atelier. 1 fotocópia A4 das linhas directrizes do Atelier Livre (At.Re) orientado pelo artista visual Pedro Morais nos anos 1980 e 1990 na Escola António Arroio em Lisboa. 1 convite de uma exposição de Marcel Broodthaers. 1 folha de sala do espectáculo Körper, de Sasha Waltz. 1 programa da cinemateca portuguesa, de Fevereiro de 1997, com uma retrospectiva dos filmes de Frederico Fellini. 1 bilhete de entrada para a exposição Dreams and Conflicts / The Dictatorship of the Viewer, na Bienal de Veneza de 2003. 1 aviso “NÃO MEXER”, numa folha de papel escrito à mão com uma caneta marcador preta. Negativos dentro de saquetas de plástico. Algumas ferramentas habitualmente utilizadas para tarefas de manuseamento, registo e arquivo: um par de luvas de algodão, uma régua, envelopes de plástico, uma máquina fotográfica e um tripé.
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Not Nowman, 1997-(ongoing) Uma mesa recebe um conjunto de 26 livros, alinhados e conservados em sacos de plástico transparente. Trata-se da colecção pessoal de Noé Sendas, de catálogos de exposições e monografias sobre o artista visual Americano Bruce Nauman. Essa colecção está guardada no Gabinete de Leitura do Atelier Real onde pode ser consultada mediante requisição prévia.
Lista dos livros disponíveis Bruce Nauman: Work from 1965-1972, Livingston & Tucker / Los Angeles County Museum of Art (1972); Bruce Nauman: Neons, The Baltimore Museum of Art (1982); Bruce Nauman: Drawings - Zeichnungen 1965 – 1986, Museum für Gegenwartskunst Basel (1986); Bruce Nauman: Prints 1970 – 89, Castelli Graphics Lorence – Monk Gallery, Donald Young Gallery (1989); Bruce Nauman, Dumont (1990); Bruce Nauman, Rizzoli New York (1991), Bruce Nauman, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia (1993), Bruce Nauman: Interviews 1967 – 1988, Fundus (1996), Bruce Nauman: 1985 – 1996
Drawings, Prints and Related Works, The Aldrich Museum of Contemporary Art (1997); Bruce Nauman, Centre Georges Pompidou (1997); Bruce Nauman: Versuchsanordnungen Werke 1965 – 1994, Hamburger Kunsthalle (1998); Bruce Nauman – True Artist / Der Wahre Küstler, Hatje Cantz (1998); Bruce Nauman, Museum für Neue Kunst ZKM Karlsruhe (1999); Samuel Beckett Bruce Nauman, Kunsthalle Wien (2000); Bruce Nauman: Selected Works, Zwirner & Wirth (2001); Bruce Nauman: Mapping the Studio, Museum für Gegenwartskunst Basel (2002); Bruce Nauman, John Hopkins / Collection Art + Performance (2002); AC: Bruce Nauman – Mapping the Studio I – (Fat Chance John Cage), Museum Ludwig Köln (2003); Bruce Nauman Theaters of Experience, Deutsche Guggenheim (2003); Bruce Nauman: Raw Materials, Tate (2005); Please Pay Attention Please: Bruce Nauman’s Words – Writings and Interviews, The Mit Press (2005); Bruce Nauman: Mental Exercises, NRW – Forum Kultur und Wirtschaft Düsseldorf (2006); Bruce Nauman – Topological Gardens, Philadelphia Museum of Art / Yale University Press (2009).
Agradecimentos Este projecto só foi possível com a generosa colaboração de: Alaíde Costa, Andresa e Lígia Soares, Cláudia Serpa Soares, David-Alexandre Guéniot, Filipa Coelho, Lourdes Sendas, Nuno Soares, Patrícia Almeida, Sandra Feio e Sofia Campos. Este projecto foi realizado com apoio da Epson, da Fine Print e das Galerias Cristina Guerra, Invaliden1 e Fernando Santos. Agradecimentos especiais aos referidos colaboradores e ainda a: Anabela Mota Ribeiro, André Principe, Bruno Marchand, Celso Martins, David-Alexandre Guéniot, Diogo Lopes, Filipa Oliveira, João Pinharanda, João Silverio, José Marmeleira, Maria do Mar, Mariana Branco, Miguel Matos, Moacir dos Anjos, Natxo Checa, Paulo Reis, Sandra Vieira Jurgens e Vanessa Rato, pela disponibilidade para participar nas apresentações informais que decorreram ao longo dos dois meses de residência no Atelier Real.
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Atelier Real Mai/Jun 2010
Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
Atelier Real, 19 de Junho, 18H00 Entrada livre, lotação limitada. Conferência-demonstração em Inglês, sem tradução.
Apresentação do projecto Where We Live & What We Live For por Simon Bowes (Reino Unido)
Instruções para a construção de uma bicicleta em madeira. Foto de Kings of Englands. DR.
TEXTO: Setembro de 2006: No quarto de hóspedes dos meus pais que nos serve de biblioteca, encontro um livro. Uma página em branco no início contém uma nota a esferográfica azul com a letra da minha mãe (nada o género dela): Página 253 – ‘tempo’. Vou à página. Agora (e sou capaz de citar isto de memória – mesmo sem olhar): “O tio Otto costumava pôr as mãos na lapela e fazer-nos um discurso, mesmo que lhe tivéssemos apenas per-
guntado as horas. Dizia: ‘O tempo é um conceito intemporal e extraviou gravemente a humanidade, especialmente na forma como registamos a idade, coisa que fazemos desde o nascimento, e no entanto – não é o tempo decorrido que nos preocupa, mas o tempo que nos resta, e isso é algo que não podemos saber. Um jovem de quinze anos que morra amanhã é muito mais velho do que um velho de setenta e dois anos a quem res-
tam dez anos. Por isso já vê... não devemos preocupar-nos com o tempo, a não ser para marcar encontros ou dias, por conveniência pública’”[1]. IMAGEM: Agosto de 1952: O rapaz tem cerca de dezoito anos, bem parecido, descendo a avenida com o pai: um fotógrafo aparece-lhes à frente, foca-os, carrega no botão do obturador, esperando fazer negócio. O meu pai parece contente, o pai dele bastante menos. Mas um dos
dois deve ter pago. TEXTO: Março de 2008: num outro livro, emprestado por um querido amigo (ainda por devolver), leio o seguinte desejo: “Às vezes apeteciame escrever um livro / um livro só sobre o tempo / sobre a forma como é inexistente / sobre a forma como o passado e o futuro são um presente contínuo / parece-me que toda a gente / os vivos / os que já viveram / e aqueles que hão-de viver / se encontram vivos neste momento / gostava
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de decompor esse tema / como um soldado desmantelando a espingarda” [2]. Na lógica da performance “Where We Live & What We Live For”, estes escritos são anteriores, precedendo qualquer reflexão mais profunda sobre a família ou a casa, e a minha mãe foi de facto a primeira investigadora. É significativo que comecemos com outros escritos. Se por vezes nos faltam elementos para representar as nossas histórias, recorremos aos outros. IMAGEM: Junho de 1958: O rapaz tem cerca de vinte e três anos. Saltou dos rochedos para o mar. O fotógrafo apanha-o a meio caminho. RETROSPECTIVA: A performance é sobre
a perda de memória (o meu pai, com 67 anos em 2001, caiu da bicicleta com uma espécie de mini derrame cerebral, e durante uma hora não se lembrava do nome, nem de onde estava, nem de onde vivia). Numa proposta para o Battersea Arts Centre Scratch Festival levanto uma questão: “Como é que o corpo idoso pode re-performar o(s) acontecimento(s) da juventude”, e a seguir escrevo: “A nossa performance integrará o espaço do salto (1958) no espaço da queda (2001), para celebrar o instante em que sabemos ter sobrevivido”. Quando pedi ao meu pai que viesse comigo para o palco, foi para explorar essa hora perdida, para dar
uma descrição do tempo que ele próprio não podia dar. É o buraco no tempo (a incomensurabilidade entre as experiências que cada um de nós vivenciou) que abre um espaço de jogo. As referências são familiares: aprendi estas coisas em livros, imagens, especialmente em Roland Barthes dizendo: “A fotografia em si não tem nada de animado (não acredito nas fotografias ‘vivas’), mas ela animame: é isto que faz toda a aventura”[3]. Agosto de 2008: Entre o texto e a imagem tentámos articular uma espécie de recuperação, uma espécie de reconversão. A performance cria documentos, recria documentos. Os textos, as imagens, já
performativos, comportam os traços das actuações em Londres, Liverpool, Edimburgo, Bristol, Birmingham, Lisboa. Encenando-nos como se fossemos outros, como encenando o documento, perturbamos a vivacidade dos momentos passados, há muito contidos no presente. Simon Bowes (Kings of England) 19.04.10 [1] Segundo Garrison Keillor, Lake Wobegon Boy, Faber, 1992. [2] Yevgeny Vinokurov, citado em John Berger, And our faces, my heart, brief as photos, Bloomsbury Pbks, 1984. [3] Roland Barthes, Camera Lucida, tr. Richard Howard, New York, Noonday Press, 1981, p. 3 [no original: “La photo elle-même n’est en rien animée (je ne crois pas aux photos ‘vivantes’) mais elle m’anime : c’est ce que fait toute aventure"].
Uma cena habitual na nossa casa, o meu pai a ensaiar para o coral, no seu teclado Casio de estilo espacial. Foto de Kings of Englands. DR.
Mãe e Pai a dançar. Foto de ensaio. Foto de Kings of Englands. DR.
Pedi ao meu pai para fazer uma lista com as suas 5 melhores músicas de sempre, e ele enumerou oito nas costas de um envelope. (Sexta-feira, 4 de Julho de 2008. “As 5 melhores músicas de sempre dos velhos tempos”). Foto de Kings of Englands. DR.
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Atelier Real Mai/Jun 2010
Sexta-feira , 5 de Septembro de 2008
10. Ensaio & Cantoria Hoje refiz o esboço do espectáculo, e trabalhei alguns movimentos e o débito da fala. O meu pai costumava falar muito em público no trabalho que fazia (consultor em despedimentos, entre finais dos anos 80 e finais dos anos 90), e é difícil sair desse registo formal para passar a algo mais suave, mais íntimo, mas estamos quase lá. Tentámos trabalhar um pouco de canto e correu bem, melhor até do que eu esperava. O meu pai canta em dois corais e sempre teve boa voz. Ultimamente a voz dele cansa-se facilmente, e às vezes surpreende-me quando soa velho. Mas devo dizer que algumas das melhores performances que vi foram os corais dele, todos para lá dos sessenta, a cantar velhos clássicos a plenos pulmões. Quando vou ouvi-los cantar ouço algo de animado e vital, e normalmente parece-me mais excitante que muitas das performances experimentais que sou obrigado a ver. De qualquer maneira, apesar de se sentir pouco confiante com a nova canção, o
meu pai hoje estava com uma voz excelente. A minha mãe andava por ali perto da porta a escutar, e eu pude ver que estava feliz de nos ouvir improvisar. O que estamos a fazer não é perfeito mas estou a gostar de nós os dois a tentar fazer alguma coisa em comum. POSTED BY SB AT 12:54 0 COMMENTS LABELS: BAC, CHOIRS, REHEARSAL, SCRATCH, SINGING
Terca-feira , 25 de Novembro 2008
21. Novos Escritórios para a Bowes Industries No domingo, depois de Eu & o Pai termos voltado do concerto Activador, a minha mãe propôs uma coisa que não me tinha ocorrido durante todos estes meses em que tenho estado “em casa”. Entre 1985 e 2001, o meu pai tinha um negócio que dirigia a partir de casa, e a divisão em que trabalhava passou desde essa altura a ser “o escritório”. Já que K of E [Kings of England] teve alguns sucessos, e como agora sou um “artista freelance”, ela propôs que transformássemos o escritório de forma a eu poder utilizá-lo para os meus fins, e foi o que fizemos hoje. Passámos a manhã a levar móveis para fora e para dentro, escada acima escada abaixo. Claro que houve discussões sobre o que ia para onde (a minha mãe é especialista em economizar espaço), mas não de forma a chatearmo-nos uns com os outros. Já não sou apenas um velho de 28 anos que vive com os pais. Sou um velho de 28 anos que vive com os pais e tem um escritório. É um progresso modesto mas importante. O escritório, daqui para a frente “Bowes Industries”, tem vista para a garagem traseira, para um campo e para uma colina; uma vista que com esta luz de princípio de Inverno em fins de Outono, é bastante impressionante. Hoje sinto-me mais um homem com sorte do que um homem encurralado. POSTED BY SBAT 09:19 0 COMMENTS LABELS: BOWES INDUSTRIES
Domingo, 14 de Dezembro de 2008
23. Residência Confirmada na BAC / Ideas Tenho estado a trabalhar em alguns novos textos para K of E [Kings of England], que têm que ver com momentos decisivos da história da família, coisas que escapam à elipse e entram na cronologia. De como abandonar ou ser abandonado, e como recuperar (o trabalho começa a ter que ver com recuperações). E quero mostrar que algumas delas foram possíveis, conseguidas. Mas cada recuperação é miraculosa, singular e excepcional, aprendida através da experiência, de forma tão consequente que é difícil de ensinar comorecuperar. […] Mas o meu interesse está a voltar-se para recuperações mais distantes no tempo. John Berger escreveu qualquer coisa como (depois verifico isto): “o mundo das circunstâncias e das contingências no qual eu tinha nascido há muito tempo atrás”. Posso olhar para a vida do meu pai e ver as conveniências, as circunstâncias ou acontecimentos contingentes que tinham que acontecer para que a história, ou a cronologia, seja o que é. Sem ABC, não teria havido XYZ. E essa cronologia, num dado momento, fez com que eu nascesse.
POSTED BY SB AT 01:44 LABELS: BAC, BUDDY HOLLY , TOP FIVES Material promocional de Mike Fallows da firma de design de Manchester a-to-m.com
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Quinta-feira, 14 de Maio de 2009
Sexta-feira, 15 de Maio de 2009
41. Ensaios for Burst na BAC / Uma Espécie de Declamação / Material Promocional de A-to-M.com
42. Aprender Linhas/Canções
O trabalho está a tomar uma qualidade literária, talvez mais do que antes, à medida que aprofundamos o nosso interesse por um texto que é neste momento central para o espectáculo, de Yevgeny Vinokurov (“Às vezes apetecia-me escrever um livro / um livro só sobre o tempo...” [“Sometimes I’d like to write a book / a book all about time...”]). E de alguma maneira estamos a tentar dar este livro aos que nos precederam, aos nossos antepassados (que já não precisam dele). É só um pensamento desejoso, mas pergunto-me se aquilo que sabemos agora, por tentarmos reconstruir esse livro por escrever, poderia tê-los ajudado. Será que me ajudou a mim? Vinokurov diz que passado e futuro são um presente contínuo, que toda a gente, os que já viveram, os que ainda vivem, e aqueles que hão-de viver, se encontram vivos neste momento. Assim um avô encontra-se ainda a trabalhar na mina, outro num caminho de ferro e numa quinta. Segundo o russo, eles continuam a trabalhar para nos apoiar, muito tempo depois de terem desaparecido. Pergunto-me se essa possibilidade, que tentei oferecer como um presente, é uma possibilidade que mereça a pena manter, ou um presente que valha a pena receber. Em Janeiro passado vi o meu avô (da parte da minha mãe) tornar-se irreconhecível, as feições a desaparecerem-lhe do rosto. A rapidez com que envelheceu nas suas últimas três semanas parece comparável à rapidez com que uma criança cresce nas primeiras. O espectáculo parece basear-se num orgulho, um que me parece ter implicações bastante prometedoras, mas às vezes parece desnecessário – como se estivesse a tentar iluminar uma carga que nasceu bem e completamente – honradamente – e sem queixas. Seja lá como for – como é que alguma vez podíamos estar à altura dessas pessoas? Mas a questão não é essa, pois não? A questão é mostrar essa impossibilidade. Se no fim das contas o espectáculo é autobiográfico, tal como parece a muitas das pessoas com quem tenho falado, é uma autobiografia de tudo aquilo que não sou ou que é improvável que seja – tão modesto, divino, robusto e independente quanto os avós. ***
Algumas coisas interessantes. Primeira: se tiver visto o nosso espectáculo, ou tiver lido isto, saberá que um dos nossos temas centrais é a perda de memória. Estamos a tentar reclamar uma hora perdida, após um mini derrame cerebral, em que o meu pai não se lembrava de onde estava ou de como é que tinha lá chegado. Hoje estava a tentar orientar o meu pai num texto bastante longo (cerca de uma página) que eu escrevi depois de ter encontrado os quadros de William – de Bill – do pai dele. Queria partir do princípio que os quadros representavam a selva em que o meu pai se encontrou em 1970. E queria imaginar que uma das pinturas em particular representava a saída. Por isso tentámos trabalhar no ritmo do texto: “O-velho / omeuvelho / feridonopeito aos sessenta anos / veio final-mente à to-na” [“The-old-man / myoldman /strickeninthechest aged sixty / fin-ally went above-ground”]. Após umas quantas repetições estávamos a chegar ao nosso ritmo. Não sei se amanhã se lembrará melhor do texto, mas hoje lembrou-se de um parágrafo inteiro sem ajuda. Estávamos muito perto um do outro, olhando-nos olhos nos olhos: “O médicodisse descan-se, relaxe / foi assim [...] quefez / arranjou um emprego de escriturário nos escritóriosdamina / estabeleceu-se atrás de-uma-secretária / pintouquadrosaosdomingos a seguir à missa” [“Thedoctorsaid takeyour-rest, relax / this [...] is how-he-didit / took a clerking job in the pitoffices / settled behind a-desk/ paintedpicturesonsundays after church”]. *** Segunda: a minha mãe e o meu pai a lavar a louça. O meu pai liga o rádio despertador / o leitor de CDs, e põe um CD comigo a cantar o nosso tema. Corro pelas escadas abaixo e dou com os dois a cantá-lo e junto-me a eles. Uma sessão de cantoria, ali na cozinha, e se conhecesse a minha mãe saberia que tem muito pouca confiança na voz. Pois – um prazer simples, de bem pouca dura mas adequado ao momento, na altura, Eu e a Mãe e o Pai a cantar na cozinha, a lavar a louça, a desligar o rádio despertador. POSTED BY SBAT 16:03 LABELS: MEMORY GAMES, SINGING
Excertos do Blog ‘Kings of England’ http://bowesandson.blogspot.com/
POSTED BY SB AT 09:35 LABELS: A-TO-M. , BAC, BURST, REHEARSAL
Bio
Simon Bowes é artista freelance e investigador, com base no Noroeste da Inglaterra. O seu trabalho deriva das Artes do Espectáculo, da Performance e do Teatro, movendo-se entre a conferência performance, a conversa, sessões de canto, trabalhos discretos, sessões de têteà-tête, viagens, caminhadas breves, conversações longas e dias grandiosos de passeio. Dirige “Kings of England” e desenvolve actual-
mente dois trabalhos: “Where We Live & What We Life For” e “If ”. Estes trabalhos exploram o tema da família de maneira a questionar as descendências, as genealogias, as histórias pessoais e autobiográficas, e sobretudo para celebrar o amor, a perda, a felicidade, e a passagem do tempo: em honra do Outro, Velho Mundo – que veio antes de nós. Não somos nada – ainda – apenas possibilidade. “Where
We Live & What We Life For” foi comissionado por The Nuffield Theatre, Lancaster, Battersea Arts Centre, Leeds MetStudio Theatre and The Bluecoat, Liverpool, e pelo Arts Council de Inglaterra. É membro do colectivo de artistas Sometimes..., que produz projectos de implicação pública, em associação com Greenroom e com as pessoas de Manchester.
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Atelier Real Mai/Jun 2010
A ficção é como a vida, mas sem as partes chatas
Em 1975 (aos 25 anos), Chantal Akerman realiza Jeanne Dielman, 23 quai du commerce 1080 Bruxelles, um filme de 3h20 económico em actores, em cenários, em diálogos e em efeitos de script. Jeanne Dielman observa e descreve de forma etnográfica três dias da vida doméstica de uma mulher (Jeanne Dielman interpretada por Delphine Seyrig), uma viúva que vive num isolamento quase total, mãe de um adolescente com quem mal fala. A rotina diária de Jeanne Dielman organiza-se em torno de tarefas domésticas metódicas e ritualizadas (preparar
o jantar, ir às compras, limpar o pó aos bibelôs, fazer café, limpar a louça...) muitas vezes mostradas na sua duração real. Essa rotina diária é também ritmada pela visita de um homem (diferente) por dia – uma visita que dura exactamente o tempo necessário para cozer as batatas do jantar – homem com quem Jeanne se prostitui. Durante três horas e vinte minutos, podemos observar algo que nunca tinha sido filmado antes: os gestos perdidos na rotina do quotidiano; todas aquelas acções que desaparecem da nossa memória
Gabinete Audiovisual e Gabinete de Leitura
[1]
por serem consideradas inconsequentes, ou que se tornam simplesmente invisíveis aos nossos olhos. Chantal Akerman transforma todas as acções que normalmente são imaginadas num script para sublinhar ou para dar cor a uma característica psicológica de uma personagem, no tema principal e meditativo do filme. “Jeanne Dielman foi considerado como um filme feminista, mas quando o fiz não era esse o meu objectivo. Na altura, o meu objectivo era mostrar alguém que organiza a sua vida de maneira a que não haja nenhum buraco no seu tempo,
O Atelier Real disponibiliza, durante todo o ciclo “Restos, rastos e traços”, um Gabinete audiovisual e um Gabinete de leitura – dois espaços de consulta em livre acesso, onde os interessados podem consultar materiais audiovisuais e livros relacionados com o tema do ciclo. Horários Todos os dias da semana, 10h00 às 18h00. (ENTRADA LIVRE)
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porque quando há um buraco vem a ansiedade. Podia ter feito o mesmo filme sobre um homem, mas estava mais interessada em mostrar os gestos quotidianos de uma mulher. Não me parece que seja feminista no sentido em que muitas pessoas o entenderam – pelo menos o meu objectivo não era fazer um filme sobre a alienação devida ao género. Talvez o filme se tenha transformado nisso, mas para mim Jeanne Dielman… era mais sobre deixar existir os gestos quotidianos, coisa que na altura era rara.” [2] A abordagem documental (em duração real) dos gestos da vida quotidiana de uma mulher doméstica em 1975, em Bruxelas, serve em todo o caso uma ficção construída como uma bomba de efeito retardado. A contenção da interpretação da actriz, os planos (sempre fixos) e os enquadramentos (que delimitam um espaço reduzido de possibilidades de acção) concorrem para criar, para o
espectador, uma experiência de entomologista. No entanto, a partir do momento em que essa rotina (que parecia indestrutível) se encontra desregrada (as batatas cozeram demais porque a Jeanne levou mais tempo com o cliente), o filme entra num outro registo, em que o espectador pode divertir-se com as variações que a actriz introduz na personagem, e com as disparidades que a realizadora introduz numa intriga que parecia condenada à repetição e a um enfado atroz. David-Alexandre Guéniot
[1] Aforismo atribuído a Alfred Hitchcock. [2] A critical cinema #4: interviews with independent filmmakers, Scott MacDonald (ed.), University of California Press, 2005, p.260. Filmes de Chantal Akerman em consulta no Gabinete Audiovisual: Jeanne Dielman, 23, quai du commerce 1080 Bruxelles, 1975, 200 min. D’Est, 1993, 107 min.
RESIDENCIAL Mesmo no centro de Lisboa, entre o Bairro Alto e Santos, a Real oferece um espaço único de trabalho e de alojamento para artistas, professores, estudantes, investigadores, programadores e outros agentes culturais, portugueses ou estrangeiros, das diversas disciplinas artísticas, que se encontrem em Lisboa para desenvolver projectos de criação, reunir com colaboradores, assistir a apresentações de espectáculos ou exposições, participar ou dirigir um workshop… Composta por 3 QUARTOS single e 2 duplos, a residência permite acolher até 7 pessoas em simultâneo que podem usufruir dos espaços comuns existentes como a cozinha (totalmente equipada), o pátio e zona de refeições, as casas-de-banho, a sala de estar com Tv e leitor de DVD, o gabinete de leitura e audiovisual e uma sala de trabalho. Existe telefone para recepção de chamadas e acesso wireless à internet. Paralelamente, existem espaços de trabalho que podem ser disponibilizados para projectos externos ao Atelier Real: um ESTÚDIO com 120 m2, ideal para ensaios e apresentações informais, e um SALÃO com 40m2, para reuniões, pequenos ensaios, lançamentos de livros ou projecções de vídeo. Ambas as salas estão equipadas com sistema de som, projector de vídeo, mesas e cadeiras. Para mais informações, visitas ou reservas: REAL Rua Poço dos Negros 55. 1200-336 Lisboa. Email: info@re-al.org Tel. (+351) 21 390 92 55 www.re-al.org
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Programa
Real Rua Poço dos Negros nº55. 1200-336 Lisboa T (+351) 21 390 92 55 F (+351) 21 390 92 54 info@re-al.org www.re-al.org
Atelier Real atelier@re-al.org www.atelier-real.org
Sábado 22 de Maio 18h00 Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
A Oportunidade do Espectador de Rogério Nuno Costa (Portugal) em colaboração com Nelson Guerreiro, André e. Teodósio, Magda Henriques, Diogo Machado, Tânia Ribeiro e Teresa Athayde, entre outros.
[Em complemento: 4ª feira 19 de Maio 19h00 Sessão pública de trabalho, projecção e debate sobre o filme “The Five Obstructions” de Lars von Trier e Jørgen Leth, com a participação de Rogério Nuno Costa, David-Alexandre Guéniot e João Fiadeiro] O filme “The Five Obstructions” foi a matéria referencial mais importante a ser utilizada no contexto do projecto “A Oportunidade do Espectador”. O filme, pela sua hibridez formal e por lidar especificamente com o conceito de liberdade artística, através da imposição de regras de conduta (técnica e psicológica) muito restritas, serviu de plataforma de discussão e de reflexão durante todas as fases do projecto. Os dois realizadores conseguem um produto final que é um tour de force entre um mestre e um discípulo, radicalizando conceptualmente o formato de “making of ”. Este não é mais importante que o “filme”, mas também não é subsidiário dele; o “making of ” é mesmo o filme. É esta revelação de uma “terceira via”, mais ética que estética, que aproxima ideologicamente esta obra do projecto “A Oportunidade do Espectador”.]
Sábado 19 de Junho 18h00 Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
“Where We Live & What We Live For” de Kings of England por Simon Bowes (Reino Unido)
Autocarros nº60, 706, 727, 794 (paragem Conde Barão / Av. D. Carlos I) Eléctricos nº25 (paragem Conde Barão), nº28 (paragem R. Poiais S. Bento ou Cç. Combro) Metro Linha Verde, Linha Azul: Estação Baixa-Chiado: saída Largo do Chiado. Comboio Linha de Cascais: Estação Santos.
O Atelier Real é uma produção RE.AL. Atelier Real Direcção artística: David-Alexandre Guéniot RE.AL Direcção artística: João Fiadeiro Direcção de produção: Sofia Campos Gestão financeira e administrativa: Cláudia Nunes Secretariado: Alaíde Costa Contabilidade: Saldo Certo/Rui Silva Limpeza: Rita Guimarães Jornal Editor: David-Alexandre Guéniot Tradução e revisão (inglês, francês, português): Paula Caspão Grafismo: Linda Romano Textos e imagens, copyright dos autores. Fotografia capa: Kings of England, DR. Fotografias Dossier “Quem é Noé Sendas”: Noé Sendas, Patrícia Almeida. Agradecimentos Patrícia Almeida. Financiamento
Próximas apresentações Ciclo Restos, rastos e traços. Práticas de documentação na criação contemporânea
Apoios
Rémy Héritier (França) em residência artística entre 5 de Agosto e 27 de Setembro, apresentação publica no dia 25 de Setembro de 2010. POC - Piece of Cake (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Hungria, Grécia, Finlândia, Inglaterra, Suécia, Suíça), colectivo de fotógrafos contemporâneos europeus, em residência artística entre 18 e 25 de Outubro, apresentação pública no dia 23 de Outubro de 2010. Paula Caspão (Portugal-França) e Valentina Desideri (Itália-França) em residência artística entre 20 de Setembro e 29 de Novembro, apresentação pública no dia 27 de Novembro de 2010.
Parcerias
RE.AL, estrutura financiada pelo MC (Ministério da Cultura) / DGArtes (Direcção-Geral das Artes)