Beverly barton para sempre sua

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PARA SEMPRE SUA Beverly Barton

Trent Winston passou anos tentando esquecer a única mulher que amou e a tragédia que acabou com o mundo deles. Ao retornar para sua cidade, traz consigo memórias desagradáveis, frustrações e, acima de tudo, o desejo de encontrar a filha que imaginava perdida para sempre, e também o grande amor de sua vida. Kate Malone transformara-se em uma mulher forte e independente, mas com a mesma sensualidade inocente que o fez se apaixonar. E quanto mais tempo Trent passa ao lado dela, mais sente necessidade de lutar por tudo que um dia fora seu - a começar por Kate. Digitalização: Ana Cris Revisão: Crysty


Tradução Júlio Ludemir HARLEQUIN ROMANCE" 2005 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Copyright © 2004 by Beverly Beaver Originalmente publicado por Silhouette Books Título original: LAYING HIS CLAIM Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. TeL: (55 21) 2240-2609 Impressão: RR DONNELLEY MOORE Tel.: (55 11)2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ - 20563-900 Tel.: (55 21) 3879-7766 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4o andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br


PRÓLOGO

O sol de primavera atravessava os vitrais da antiga Igreja Congregacional. Construída em 1834 pelos Prospect, a família mais rica do Alabama, a magnífica estrutura de tijolos havia resistido à fúria do tempo, inclusive a Guerra da Secessão, e, depois de muitas reformas, tinha se tornado não apenas um templo religioso, mas uma relíquia histórica. Embora com freqüência se sentisse deslocada na igreja que a família de seu marido ajudara a criar, Kate ia à missa ali celebrada todos os domingos com Trent e sua tia Mary Belle, a grande dama da sociedade de Prospect e a razão de ser de todas as suas angústias. Não que tia Mary Belle a tratasse mal. Muito pelo contrário. Sorria afetuosamente para a esposa do sobrinho e não perdia a oportunidade de elogiar-lhe para quem pudesse ouvir. Mas de um modo sutil, a velha senhora jamais a deixou esquecer que não estava à altura de Trenton Bayard Winston IV e jamais abria mão de mostrar a Kate como devia proceder. Kate não estava disposta a permitir que tia Mary Belle estragasse este glorioso Domingo de Páscoa — a primeira Páscoa de Mary Kate. Ela queria que o dia fosse perfeito para sua filhinha de três meses, a alegria de sua vida. Já deixara que ela escolhesse a roupa que ela e Mary Kate usariam na cerimônia religiosa e tivesse decidido o que seria servido no almoço. Não faria mais nenhuma concessão ao longo do dia. Sempre que protestava, perguntando a Trent a razão para que não se mudassem da mansão da família — outro marco histórico de Prospect, construído no primeiro quadrante do século XIX —, ele a beijava e implorava para que fosse paciente e compreensiva com a tia. — Eu sei que tia Mary Belle pode ser irritante, mas no fundo ela é uma boa pessoa — dissera-lhe Trent inúmeras vezes. — Esta casa é tão minha... tão nossa... quanto dela. Ela é como uma mãe para mim. Como poderia pedir para que saísse? Afinal de contas, ela nasceu nesta casa e aqui passou toda a sua existência. Eu fui criado aqui e quero que meus filhos também o sejam. Foi assim que durante quase dois anos Kate suportara as invasivas recomendações de tia Mary Belle, mas desde o nascimento de Mary Kate a


situação

estava

passando

do

limite.

Embora

jamais

tenha

falado

publicamente, estava claro que tia Mary Belle acreditava que ela e tãosomente ela devia ter a última palavra sobre a educação de sua sobrinhaneta. Havia três meses que Kate vinha sufocando o choro com sorrisos. Esforçava-se para não explodir e a muito custo aceitara coisas que odiava, em nome da harmonia familiar. Mas estava decidida a pôr um fim àquele tormento— e logo. Queria uma casa para si e dessa vez, quando dissesse a Trent que queria se mudar, ela não iria aceitar as doces desculpas que ele sempre usava para que ficasse. Embora amasse Trent com todo o seu coração — e todos os dias agradecesse aos céus por tê-lo como marido —, ela não podia passar o resto dos seus dias sendo tratada como uma criança ignorante ou como uma serviçal da família, e nunca como uma igual. — Por que não voltamos a pé para casa? — Kate sugeriu para Trent. — São só alguns quarteirões e o dia está tão bonito... Ela queria um tempo a sós com o marido de modo a poder mostrar-lhe um chalé da avenida Madison. A casa estava vazia havia vários anos e, embora precisasse de alguns reparos, continuava linda. Ficava no final de um grande terreno e tinha pelo menos 100 metros quadrados, o que é espaço de sobra para a esmagadora maioria das pessoas, embora estivesse longe de poder ser comparada com a Winston Hall, que tinha mais de 300 metros quadrados. — Hoje não, Kate. Você sabe que tia Mary Belle convidou o pastor e sua família para almoçar conosco e... — Por favor, Trent. Não vamos nos atrasar para o almoço. Prometo. — Mas nós viemos de carro. Lembre-se, você não queria vir com tia Mary Belle e por isso... — Mande Guthrie pegar seu carro mais tarde. Por favor. É importante para mim. Trent sorriu para ela — seu sorriso sensual sempre teve o poder de desmontá-la — e em seguida passou o braço em torno de sua cintura. — Deixe que eu carrego Mary Kate. Ela está pesada demais para que você a leve no colo daqui até em casa.


Sorrindo e sentindo muita alegria, Kate aconchegou-se no colo de Trent. Mantendo Mary Kate bem firme em seu quadril, ficou na ponta dos pés e beijou o rosto do marido. Se fosse tão fácil convencê-lo a comprar a velha casa dos Kirkendall na avenida Madison quanto havia sido convencê-lo a fazer essa caminhada, resolveria o principal problema de sua vida. Precisava ter sua própria casa, na qual não se sentisse como se estivesse vivendo em um museu. Quando Kate passou Mary Kate para Trent, tia Mary Belle limpou a garganta. — Não é de bom-tom fazer demonstrações públicas de afeto — disse baixinho, mas o suficiente para que Trent e Kate pudessem ouvi-la. Ignorando o comentário da tia, Trent voltou-se para ela e disse: — Kate e eu resolvemos voltar a pé para casa. E a senhora não precisa se preocupar, que não vamos nos atrasar para o almoço. Não queremos que o pastor e a Sra. Faulkner fiquem esperando. — Não estou com disposição para caminhar — Mary Belle disse, colocando a mão repleta de anéis sobre o coração e suspirando dramaticamente. — Por que a senhora teria que caminhar? — perguntou Kate. — Guthrie pode... — Eu liberei Guthrie, pensando que voltaria para casa no carro de vocês. — Não podemos deixar tia Mary Belle ir a pé — disse Trent, irônico. — Ela não aprova senhoras que transpiram. — Eu não transpiro — corrigiu-lhe a tia. — Senhoras da minha estirpe ficam coradas. Nunca transpiramos. — Dê as chaves do seu carro para tia Mary Belle — sugeriu Kate. — Ela sabe dirigir. — Não estou acostumada a dirigir o carro de Trent. Vocês sabem que eu odeio dirigir qualquer automóvel e que quando sou obrigada a fazê-lo, prefiro andar no meu Lincoln. — A senhora poderia abrir uma exceção pelo menos hoje, não? — Kate não tinha a intenção de perder esta batalha. Perdera muitas ao longo do


casamento. Talvez estivesse sendo tola em fazer tanta questão por tão pouco, mas que se danassem. Oh, sinto muito, senhoras não podem

praguejar. Não agüentava mais tia Mary Belle tomando conta de todos os detalhes de sua vida. — Minha querida Kate, seria muito pedir que uma velha senhora de salto alto não seja obrigada a andar longos quarteirões em uma manhã de domingo insuportavelmente quente? Ou que não tenha que dirigir um carro desconfortável com o qual não está habituada? Kate recuou. Trent exultou: Adorava sua tia pedante e esnobe e aceitava tudo que ela dizia e fazia com humor. Já confessara a Kate que conhecia os ardis da tia e que jamais a levara a sério. Mas ainda assim a amava. Ela havia sido pai e mãe para ele desde que seus pais haviam morrido, quando tinha apenas 12 anos. Trent pegou a tia pela mão vestida com uma luva. — Venha. Vamos voltar todos juntos. Não precisa se aborrecer. — Ele lançou uma olhar de soslaio para Kate, que respondeu com uma expressão furiosa no rosto. — Vamos dar um passeio mais tarde.

Não, não vamos, Kate quis gritar. Eu não vou ceder desta vez. Fique do meu lado pelo menos esta vez. Por favor, Trent, não a deixe vencer. De novo, não. — Sendo assim, você vai na frente com sua tia. Nós certamente não queremos fazer nada que possa desapontá-la. — Kate olhou bem no fundo dos olhos do marido, levantou o queixo e lançou-lhe um sorriso tenso. — Mary Kate e eu vamos dar uma caminhada — disse ela, e em seguida virou-se e caminhou na direção da calçada. — Kate — Trent chamou. Ignorando-o, ela apressou os passos e se livrou dele. — Kate!

Não grite, querido, não é de bom-tom. Kate parecia ouvir tia Mary Belle censurando Trent. Mas já estava longe demais para de fato ouvir o que estavam falando atrás de si. Vários fiéis falaram com ela, alguns a cumprimentaram com um gesto de cabeça e diversos olharam para ela com


um ar desaprovador — provavelmente tinham ouvido Trent chamando seu nome. Ela respondeu a todos os cumprimentos e se manteve caminhando. Cada vez mais rápido. Mary Kate choramingou. Kate diminuiu o passo e se abaixou para olhar a filha. — O que está acontecendo, minha linda? — A filha olhou-a com seus grandes olhos castanhos, idênticos aos de Trent. — É a mamãe que está andando muito rápido ou você que percebeu que estou triste? Mary Kate balbuciou e arrulhou. Kate ajustou o gorro rosa da filha. Um grande cacho louro escorreu pela testa. Kate atravessou a rua Três. Estava a apenas dois quarteirões da Madison. Se não podia mostrar a casa dos seus sonhos para o marido, nada a impedia que levasse a filha para vê-la. E elas podiam ficar lá o tempo que quisessem. Estava pouco se lixando se iria se atrasar para o almoço. Que tia Mary Belle resmungasse. Que o pastor e a Sra. Faulkner aguardassem. E se Trent ficasse irritado, problema dele. A casa dos Kirkendall ficava numa esquina, na altura do número 400 da Madison. Segundo o corretor com quem Kate havia falado sobre a propriedade, a casa era uma estrutura Sears Roebuch construída em 1924. Pintada de branco, com janelas verdes, um telhado de duas-águas e varanda larga em torno da casa, ela não tinha nada de sensacional, mas era adorável. Uma cerca branca delimitava o quintal da frente. Era o tipo de casa com o qual Kate sempre sonhou. — Olha como a varanda é grande — disse Kate para seu bebê. Neste canto aqui, nós vamos colocar um balanço e duas cadeiras de balanço. Você fica aqui e eu ninarei você todas as tardes, até que adormeça e faça a sua sesta. Kate abriu o portão da frente e atravessou o caminho de tijolos. — Olha que área enorme aqui atrás, minha linda. Aqui a gente bota um balanço, uma casa de bonecas e... — Tudo bem com a senhora? — disse uma voz feminina, atrás dela. Assustada com aquele cumprimento inesperado, Kate se virou para trás e viu uma senhora jovem e alta bem no seu encalço.


— Quem é você? — Sinto muito, querida. Não queria assustá-la. Sou nova em Prospect. Meu marido e eu estamos vindo de Birmigham e vi o anúncio desta casa. Kate suspirou, aliviada. Não havia por que se assustar! Tirando o fato, é claro, de que ela também estava interessada na casa dos Kirkendall. Não,

por favor, esta casa é minha. Meu marido, minha filha e eu vamos ser muito felizes aqui. — Esta casa está muito velha e precisando de muitos reparos — disse Kate. — Tenho certeza de que você pode encontrar uma muito melhor. A mulher estava com um jeans, uma camiseta branca e tênis igualmente brancos. O cabelo era curto e escuro. E usava óculos escuros, que não tirou nem mesmo ao se aproximar de Kate, que estava numa parte com sombra. — Talvez você esteja com a razão. Meu marido prefere um lugar para o qual a gente possa se mudar logo, sem precisar fazer reformas. — A mulher se abaixou e tocou o rosto de Mary Kate. — Que bonitinha. Está com que idade? — Está com três meses. Vai fazer quatro no mês que vem. — Nós estamos tentando ter um filho, mas... — A mulher fez uma pausa, respirando fundo, como se estivesse tentando conter o choro. — Posso pegar no colo? Kate lamentou a sorte dessa pobre mulher. Deve ser horrível desejar um filho e não poder tê-lo. Ela ficou grávida tão logo ela e Trent começaram a tentar. — Ela é a coisa linda da mamãe — Kate disse enquanto passava o bebê para aquela estranha, que lhe parecia encantadora. — Meu nome é Kate Winston e o dela é Mary Kate. A mulher pegou Mary Kate em seus braços. — Coisa fofa. Que sorte a da sua mãe, ter uma menina tão linda como você. — Ela sorriu para Kate. — Meu nome é Ann Smith. — Ela olhou para a casa. — Você é a proprietária? — Não, não sou. Mas tenho que admitir que estou interessada em comprá-la.


— Kate subiu os degraus que davam para a varanda e caminhou até a porta de entrada ladeada por janelas. — Estava querendo mostrar esta casa para meu marido hoje e... Mary Kate choramingou. Kate se virou. A estranha estava andando pelo caminho de tijolos, indo na direção da rua. O que ela estava querendo fazer? Onde é que estava indo? — Ei, volte aqui. — Kate começou a correr na direção da estranha. — Pare. Pare agora. — Será que esta pobre mulher estava tentando seqüestrar Mary Kate? Enfurecida, Kate alcançou a mulher justamente no momento em que ela estava atravessando o portão da casa. Quando a puxou pelo ombro e estava pegando Mary Kate, uma mão grande e forte a agarrou pelas costas e jogoua para trás, afastando-a da mulher. Kate lutou com todas as forças, mas não era páreo para o homem. Ele a derrubou e chutou-a na altura dos quadris. Sentindo fortes dores, Kate gritou. — Entre no carro com a criança — o homem gritou. Clamando por ajuda e gritando o nome do seu bebê, Kate tentou se levantar, mas o homem prendeu suas mãos para trás e deu-lhe vários socos, até nocauteá-la com um golpe final. Sua boca e seu nariz sangravam profusamente. Sentia dores por todo o corpo. Ainda assim, arrastou-se pela calçada e olhou impotente a mulher entrando no carro com Mary Kate e o homem se sentando ao volante e arrancando em alta velocidade. Ela perdeu o equilíbrio e caiu. — Oh, Deus, me ajude. Por favor, por favor! Isso não está acontecendo, ela disse para si mesma. Isso não pode estar acontecendo. Não em Prospect, Alabama. E não comigo. Ela era a Sra. Trenton Bayard Winston IV. — Mary Kate... Lágrimas escorriam pelo rosto enquanto ela lutava para se levantar. Ouviu as pessoas se aproximando. Depois escutou vozes. Olhando do chão, a única coisa de que foi capaz foi levantar as mãos, implorando ajuda.


Reconheceu então Portia e Robert Meyer, que moravam duas casas ao lado da mansão Kirkendall. — Mary Kate! — Kate gritou o nome da filha. — Eles... Eles levaram o meu bebê!

CAPÍTULO UM

— Quanto tempo a senhora pretende ficar? — o recepcionista do hotel, em cujo crachá se podia ler o nome B. Walding, perguntou com um largo sorriso em seu rosto jovial. — Não tenho certeza — Kate respondeu. — Alguns dias, talvez mais. Não posso ser mais específica. Tem problema? — Não se preocupe, o hotel não está lotado — o Sr. Walding disse. — Geralmente, tem muitas vagas no Magnolia House nos meses de inverno. Como estamos em janeiro, isto significa que estamos praticamente vazios. É claro que a situação seria outra se estivéssemos perto de um feriado. Nós também ficamos cheios em maio, na Semana dos Pioneiros. A Semana dos Pioneiros, Kate lembrava-se muito bem, era uma das épocas de que Mary Belle Winston mais gostava. Nessas ocasiões, a Liga Infantil de Prospect e os diversos clubes de jardinagem juntavam forças com a alta sociedade de Prospect para fazer as vezes de anfitriões em lugares históricos da pequena cidade e dos condados vizinhos. Tia Mary Belle abria a Winston Hall para turistas e representava com toda pompa e circunstância o papel de grande dama do tradicional estado de Alabama. Nos dois anos em que esteve casada com Trent, Kate também podia se vestir segundo a tradição e auxiliar a tia de Trent na recepção. Kate sempre se sentia deslocada com aquelas roupas. Pertencia a uma família de pequenos fazendeiros. Duvidava que algum de seus antepassados sequer houvesse sonhado com uma propriedade como aquela. Kate afastou as lembranças, abriu a sacola que trazia pendurada ao ombro e tirou a carteira.


— Vocês teriam serviço de quarto? O recepcionista sorriu constrangido e fez que não com a cabeça. — Não, senhora, nós não temos. Mas se a senhora quiser almoçar ou fazer um lanche reforçado, eu posso ir até o McGuire's e trazer-lhe alguma coisa. McGuire's. O melhor churrasco e a melhor costela do sudeste do Alabama. Ela e Trent comiam com freqüência no McGuire's, quando estavam namorando. — Ainda existe? — Com certeza. — O Sr. Walding estudou-a com os olhos. — A senhora já esteve em Prospect? — Sim. Há anos. — Ficamos felizes em recebê-la de volta, senhorita... — Srta. Malone. — Kate passou-lhe o cartão de crédito. — KateMalone. — Srta. Malone, ficamos felizes com a sua visita. A senhorita tem família aqui? — Não, eu... Não, eu não tenho nenhum parente em Prospect. — A não ser que a gente possa incluir um ex-marido e sua respectiva tia nessa categoria, pensou. Ou alguns parentes distantes de seu padrasto. — Eu posso ir ao McGuire's, se a senhorita quiser. — Obrigada, Sr. Walding. Passarei lá mais tarde. — Me chame de Brian, por favor. — Brian passou o cartão de crédito, devolveu-o para ela e em seguida entregou-lhe uma chave. — Quarto 1-0-4. Quer que eu carregue as suas malas? — Não, obrigada — Kate disse. — Trouxe pouca bagagem. — Voltou a colocar a sacola no ombro e procurou com os olhos pelo lobby. — 0 1-0-4 fica à sua direita. Kate sorriu para o recepcionista. — A propósito, Brian. A família Winston ainda mora na Winston Hall? — A senhorita conhece a família? — Conheci Trent Winston. Brian sorriu constrangido.


— Acho que Trent Winston conhece todas as mulheres bonitas que moram em Prospect e pelo menos metade das que um dia passaram por aqui. — Tem certeza? — Srta. Malone, se a senhorita o conheceu... é claro que depende da época em que o conheceu. Mas faz mais de dez anos que ele é o maior garanhão da cidade, se é que me faço entender. E assim desde que a mulher dele o deixou... — Brian curvou-se sobre a recepção e baixou a voz. — A senhorita ouviu falar da esposa e da filha dele? Kate sentiu um embrulho no estômago. Ela negou com a cabeça, mentindo sobre o seu passado. — Eu ainda não morava aqui. Vim de Dothan, há cerca de sete anos. Mas parece que a filha de Trent Winston foi seqüestrada e sua mulher o abandonou. As pessoas dizem que a mulher ficou meio lelé da cuca depois... — Coitadas dessa esposa e dessa criança — Kate disse, sem quere ouvir a fofoca sobre a crise nervosa em que mergulhara depois do rapto de Mary Kate. Mais do que ninguém, ela sabia que estivera muito perto de enlouquecer. — Mas, Brian, você não me disse se Trent... O Sr. Winston e sua tia ainda moram na Winston Hall? — Sim, senhorita. A Sra. Mary Belle ainda mora lá e apesar do infarto que teve no ano passado ela continua a ser a grande dama da sociedade de Prospect. E o Sr. Trent se tornou juiz da corte. Todas as mulheres do condado votaram nele. Com um sorriso cordial, Kate pôs um fim àquela conversa com o Sr. Walding e saiu pelo corredor, à procura do quarto 1-0-4. Depois de abrir a porta, ela entrou no pequeno porém elegante quarto. O Magnolia House havia sido construído na virada do século, e tirando os anos entre o início da década de 1960 e meados da década de 1970, nunca fechou. Há cerca de 13 anos, o prédio foi comprado pela prefeitura e um grande grupo econômico, preocupado em preservar a história do estado, financiou a restauração. A maioria dos prédios e das casas de Prospect era histórica e a preservação do passado era importante para muitas pessoas, mas, do passado, Kate só queria saber do que havia ocorrido há 11 anos e nove meses. Em um domingo


de Páscoa em que Mary Kate fora roubada dos braços da mãe. Depois de colocar a bolsa e a sacola em cima da cama, Kate tirou seu casaco de lã preta e pendurou-o no armário antigo que servia de closet. Depois desses anos todos, parecia-lhe estranho estar de volta à pequena cidade do sul na qual nascera e se criara. Seu pai morrera no Vietnã, deixando sua mãe ainda muito jovem, com uma filha para criar. Quando Kate tinha cinco anos, sua mãe casou-se com um homem adorável chamado Dewayne Harrelson, e a infância de Kate, apesar da pobreza, tinha sido relativamente tranqüila e feliz. Ela adorava a fazenda do padrasto e não se importava em ajudar a mãe em seus intermináveis afazeres domésticos. Concluiu o segundo grau na Prospect High aos 17 anos e o título de laureada da turma lhe valeu uma bolsa para a Universidade do Alabama. Seu presente de formatura foi um carro velho, comprado com muito sacrifício pelos pais. A mãe morreu de pneumonia no seu primeiro ano na faculdade, e seis meses depois o padrasto não resistiria a um ataque do coração. Descobriu então que os pais haviam penhorado a fazenda e não lhe restava muitas escolhas além de repassá-la para o banco no qual fora feita a hipoteca. O último ano na Universidade do Alabama tinha sido de total penúria. Ela mal tinha o que comer. Trabalhava em dois lugares e foi com muito esforço que conseguiu tirar as notas que lhe deram o título summa cum laude. No Natal do ano em que se formou, Opal, o tio mais velho de seu padrasto, convidou-a para passar os feriados com a família, em Prospect. Na viagem para a terra natal, o seu velho carro pifou de vez. Começou uma triste e solitária caminhada pela Highway 82. As lágrimas estavam prestes a escorrer pelas suas faces quando um Jaguar cinza-metálico parou atrás dela. No momento em que Trenton Bayard Winston IV saiu do carro esporte, o coração de Kate parou por um breve segundo e em seguida acelerou. É claro que ela sabia quem era Trent Winston. Todo mundo em Prospect o conhecia. Era o herdeiro da fortuna dos Winston, um dos descendentes dos fundadores de Prospect, que estudava direito na Universidade do Alabama. E todo mundo sabia que quando ele se formasse, na próxima primavera, faria a prova na Ordem dos Advogados para assumir seu posto no escritório de advocacia de Winston, Cotten and Dickerson. O pai, o avô e o bisavô de Trent, todos eles tinham sido advogados.


Trent lhe deu uma carona naquele gelado dia de dezembro e nem mesmo em seus sonhos mais delirantes ela poderia imaginar que, no Natal seguinte, seria a Sra. Trentom Bayard Winston IV. Os sinos da Igreja Congregacional anunciaram a passagem da hora e trouxeram Kate de volta de seu passado distante. Ela atravessou o quarto, abriu as cortinas e olhou da janela. Dali podia ver a praça do condado, na qual se impunha solenemente o Palácio de Justiça do município de Prospect. À esquerda da Main Street, ela viu a Corner Drugs e à direita estava a redação do Prospect Repórter, publicado semanalmente. E a porta imediatamente ao lado dava para o centenário prédio em que funcionava o escritório de advocacia Winston, Cotten and Dickerson.

E o Sr. Trent se tornou juiz da corte. Todas as mulheres do condado votaram nele. O comentário do recepcionista do hotel ecoou pela sua cabeça. Ela supôs que, depois do divórcio, Trent voltara a ser o terror das mulheres que tinha sido antes de se casarem. E por que não haveria de sê-lo? Todas as mulheres solteiras de Prospect e metade das mulheres da universidade ficaram desesperadas quando souberam que Trent havia se casado. Ainda hoje, não sabe como ele se casara com ela, quando podia ter a mulher que quisesse. Ela o amara perdidamente. Tanto que, ainda agora, não havia se recuperado completamente... apesar de tudo o que acontecera entre eles. Mas ela não podia permitir que aqueles antigos sentimentos viessem à tona. Não estava ali para reconquistar seu amor. Afinal de contas, tudo levava a crer que Trent não a amava tanto quanto lhe dissera. Se fosse assim, o casamento não acabaria por causa do seqüestro de Mary Kate. Kate caminhou na direção do banheiro. Precisava se refrescar antes de ir para a Winston Hall. Talvez fosse mais educado telefonar primeiro, mas preferia chegar de surpresa. Enquanto lavava as mãos, sorriu com ironia. Mesmo depois desses anos todos, podia ver o rosto de Mary Kate enquanto se debatia com o inimigo. A velha senhora não é mais sua inimiga, disse para si mesma. Ela não tem poder sobre você. Mas tia Mary Belle não iria ficar feliz ao rever Kate, tinha certeza. Depois de secar as mãos, deu uma olhada no espelho. Quando saiu de Prospect há 11 anos, acabara de completar 24


anos; agora estava com 35 e não era mais aquela jovem estonteante, no dizer de Trent. Mas ainda era atraente. E era forte. Tinha coragem não apenas para enfrentar tia Mary Belle, mas para olhar no fundo dos olhos de Trent e dizer-lhe que estava certa, e que ele estava errado. Mary Kate não estava morta. Sua filha estava viva.

Você não pode dizer-lhe que ela está viva, Kate disse para si mesma, previdente. Não tinha provas de que Mary Kate era uma das três meninas seqüestradas do sul do Alabama que sumiram na mesma época que sua filha. Mas as três crianças haviam sido vendidas para pais adotivos, menos de um mês daquele fatídico Domingo de Páscoa. E as três tinham entre três e quatro meses, quando foram adotadas. Kate bebeu um copo d'água. Sua mão tremia levemente. Fique calma. Não se

descontrole. Pegou a nécessaire na cama, tirou o batom e o pó compacto, passou um brilho labial rosa-choque e empoou o rosto. Talvez ela devesse comer uma das costeletas do McGuire's primeiro. Não comia nada desde o café da manhã, em Memphis. Pare de arrumar desculpas

para adiar o inevitável, disse-lhe uma voz lá dentro de si. Pegou o casaco no armário, enfiou-se dentro dele e colocou a bolsa no ombro. Empertigou-se e com passos firmes atravessou o quarto, o corredor e saiu do hotel pela porta dos fundos. Os hóspedes do Magnolia House estacionavam no pátio de trás. Quando entrou no carro alugado, desejou ir para a Winston Hall no seu próprio carro, uma sofisticada Mercedes. A compra daquele carro tinha sido a única extravagância da sua vida. Morava em um pequeno dúplex em Smyrna, na periferia de Atlanta. Comprava suas roupas nas liquidações e as únicas jóias que usava eram um relógio, um par de brincos e um bracelete, ambos de ouro. Nos últimos dez anos, gastara quase todo o dinheiro que ganhara primeiro trabalhando para a polícia de Atlanta e depois como investigadora da famosa Dundee Private Security and Investigation, seguindo o rastro de Mary Kate. Mesmo com todos os recursos da Dundee Private Security, ela foi colecionando seguidos fracassos. A filha parecia ter sumido. Mas Kate nunca perdeu a esperança, nunca se permitiu pensar que sua filha pudesse estar morta. Logo em seguida, viu-se diante da Winston Hall, uma esplêndida mansão no


estilo federal que ocupava um quarteirão quase todo. Os portões de ferro preto, como sempre, estavam abertos para receber a elite de Prospect. Ela esquecera o ódio que sentia por aquela casa e como sofrerá na mão da tia do seu ex-marido, ao longo dos dois anos em que esteve casada.

Não olhe para trás, Kate aconselhou a si mesma. Nada mudará o passado. Ela estacionou na frente da mansão. Respirou fundo e saiu do carro. Andando com passos firmes, subiu os degraus e entrou na varanda. Olhou as horas. Quatro e dez. Muito cedo para o jantar. Kate sorriu diante da idéia de ser convidada para jantar com a família. Ela hesitou na porta, mas tomou coragem e tocou a campainha. Ela mal reconheceu o senhor que lhe abriu a porta. O cabelo outrora grisalho estava totalmente branco e os ombros começavam a se curvar. — Guthrie? — Sim, senhora. — Olhou-a com seus cansados olhos escuros, estudando-a intensamente. — Sra. Kate! Deus seja louvado! Que bom ver a senhora. — Oi, Guthrie. Tudo bem com o senhor? — Vou levando — ele respondeu. — A senhora é que está muito bem. Parece que o tempo não passou para a senhora. Kate riu. Sempre gostara de Guthrie, que trabalhava para a família Winston desde criança. Era mordomo e motorista, além de supervisionar a equipe de funcionários que trabalhavam na mansão, que consistia em um cozinheiro, uma criada só para Mary Belle e duas diaristas que não moravam na propriedade. — Mas o tempo passou sim — Kate disse. — Estou dez anos mais velha. — Parece que foi ontem. — Guthrie percebeu que a estava mantendo na varanda e assumiu uma expressão de desaprovação a si mesmo. — Vamos, Sra. Kate. Saia desse frio. — Obrigada. — Ela entrou no foyer revestido de mármore. Olhou em volta e percebeu que tudo continuava praticamente igual. Uma escada em espiral conduzia a uma sala repleta de antigüidades que havia gerações pertenciam à família.


— Pensei que nunca mais voltaria a ver a senhora — Guthrie disse. — Mas Deus é testemunha de como eu pedi para que um dia isso acontecesse. O Sr. Trent, ele está... — Eu vim vê-lo. Ele está? — Sim, senhora. Está no estúdio. — Guthrie olhou para o alto da escada. — A Sra. Mary Belle está tirando sua sonequinha de sábado à tarde. Kate forçou um sorriso. — Espero resolver as minhas questões com Trent e sair antes que ela acorde. Guthrie deu um risinho de satisfação. — Devo anunciá-la ao Sr. Trent ou... — Como eu não pertenço mais à Sociedade da Etiqueta — Kate olhou na direção das escadas —, por que não abordar Trent sem ser anunciada? Guthrie abriu um largo sorriso, aprovando a decisão de Kate. — Nós todos sentimos sua falta, Sra. Kate. Muito. — Assim você me deixa sem graça, Guthrie. E realmente ficara sem graça com o comentário de Guthrie. Nós todos

sentimos sua falta, dissera ele. Nós? Certamente, ele não estava incluindo Trent. Claro que não. Trent estava muito ocupado em suas atividades como garanhão da cidade. Seduzir mulheres é uma atividade que demanda muito tempo. Mas, e se houver uma mulher em particular? Ele podia muito bem ter casado de novo. Mas o Sr. Walding, o recepcionista do Magnolia House, não fizera nenhuma referência a uma nova Sra. Winston. — Guthrie, Trent não está... Quero dizer, ele casou de novo? — Não, senhora. — Nem está comprometido? — Não, senhora. E a senhora? Ela balançou a cabeça. — Não. Nem casada, nem comprometida, nem nada. Guthrie olhou na direção da biblioteca.


— A senhora ainda lembra onde fica o estúdio do Sr. Trent, não? Ela fez que sim com a cabeça. — Eu gostaria que a senhora ficasse de vez. Ele se virou e afastou-se dela, andando na direção da cozinha e poupando-a de responder. O estúdio, como Guthrie chamava a biblioteca da Winston Hall, ficara no primeiro andar, na extremidade oposta ao salão de visitas. Quando chegou ao estúdio, deparou com a porta fechada. Estaria trancada?, perguntou-se. Trent só a trancava quando os dois ficavam a sós no estúdio, fazendo amor. No tapete diante da lareira. Na sólida mesa do período jacobino. No sofá de couro.

Não faça isso consigo mesma. Pare de se lembrar como era a vida quando vocês se amavam. Mas as memórias vinham como uma onda, arrastando-a para longe de uma década de total solidão. E ela estava sozinha. Total e completamente sozinha. Teve alguns namorados nos últimos cinco ou seis anos, alguns dos quais homens muito interessantes, mas, por mais que tentasse, não conseguira se apaixonar de novo. Deus sabe como desejou amar alguém, como rezou para reunir a coragem necessária para confiar seu coração a outro homem. Levantou o braço, fechou o punho direito e bateu com força na porta fechada. O coração por pouco não saiu pela boca. — Entre — Trent disse. O som de sua voz profunda e marcante tinha o dom de eletrizá-la. Nele, o sotaque arrastado do sul do Alabama ganhava uma musicalidade altamente sensual. Naquela época, tudo em Trent Winston lhe parecia sensual. Era muito provável que não tivesse mudado nada. Kate abriu a porta e atravessou a soleira da biblioteca com um passo hesitante. Trent estava em uma das sólidas poltronas de couro diante da lareira, de modo que ela só pôde ver o seu braço esquerdo. Estava com um suéter creme. Embora equipada com um aquecedor central, Winston Hall mantinha um pouco de umidade ao longo de todo o inverno. Este é um dos problemas das casas velhas. — Oi, Trent. — O coração dela bateu ainda mais acelerado. Ele permaneceu


imóvel e em silêncio. — Desculpe por não ter anunciado minha presença, mas eu... eu... Trent levantou-se abruptamente e se virou para ela. — Kate? Santo Deus, é você. — Sim, sou eu. Ela olhou-o fixamente. Desabridamente. Ele mudara. Ficara maduro. Seus ombros pareciam mais largos. E havia rugas em torno dos olhos e da boca. Seus cabelos castanho-escuros começavam a apresentar mechas grisalhas, principalmente nas têmporas. Continuava tão bonito como sempre fora, talvez ainda mais. A maturidade certamente lhe caía muito bem. Mas ela sempre soube que ele continuaria atraente quando chegasse aos 40, aos 50 anos, talvez mesmo aos 80. — O que... quando... faz tanto tempo — ele enfim conseguiu dizer. — Faz dez anos que assinamos o divórcio. — O que a traz a Prospect? — Ele não se movera um centímetro de onde estava, atrás da poltrona de couro. — Negócios. — Não sabia que você ainda tinha família aqui. — Mas eu não tenho. Ele

a

analisou

cuidadosamente,

seus

olhos

castanhos

e

intensos

percorrendo-a da cabeça aos pés. — Você parece... — Ele limpou a garganta. — Você está tão bem. Os anos só lhe fizeram bem. — A você também. Ele deu um passo hesitante em sua direção, mas depois parou. — Por favor, entre. Gostaria de beber alguma coisa? Ele apontou o bar em um carrinho colocado perto de um dos janelões da biblioteca. — Não, obrigada.


Foi com dificuldade que ela conseguiu fazer com que seus pés a levassem na direção dele. Hipnotizados um pelo outro, encontraram-se no centro da sala, parando quando estavam a pouco mais de um metro de distância. Ela mal conseguia domar o desejo de esticar a mão e tocá-lo. Ficaram naquela posição por um instante que lhe pareceu uma eternidade, imóveis e em silêncio. — Você disse que tinha vindo a Prospect para tratar de negócios. E como você resolveu passar em Winston Hall, acho que não seria presunçoso achar que tenho alguma coisa a ver com esses negócios. — Sim. — Seja objetiva. Caramba, basta dizer o que você quer. — Trabalho para a Dundee Agency. É uma firma de investigação de Atlanta. — Você é detetive particular? Trent esboçou um sorriso. Ela sentiu um embrulho no estômago. — Sim. E antes de entrar para a Dundee's, estava trabalhando na polícia de Atlanta. Trent balançou a cabeça. — Você deve ter mudado muito. Não posso imaginar minha doce Kate nem como policial nem como detetive particular. Sua doce Kate? Não amola, Trent. Faz muito tempo que eu deixei de ser a

sua doce Kate. — Recentemente, eu e um colega fomos mandados para Maysville, no Mississípi, uma cidade que fica a uma hora de carro de Memphis — ela disse. — Um bebê de dois meses havia sido seqüestrado e o meu colega era o pai da criança. O rosto de Trent ficou lívido. — Você trabalha em casos de rapto de criança? — Esse foi o único caso no gênero que peguei. Fui para Maysville com o pai do bebê seqüestrado e ajudei tanto ele como a mãe da criança a enfrentar aqueles dias difíceis. — O que aconteceu com o bebê?


— Ele foi resgatado — Kate disse. — E devolvido aos pais. — Que bom. — Trent afastou-se dela. — Fico feliz por eles. — O agente do FBI que estava no caso era o chefe de uma operação de resgate que há anos trabalha com esses casos — Kate explicou. — Veja você, havia uma quadrilha no sudeste e essas pessoas vinham roubando crianças há 12 anos. Trent virou-se para Kate e olhou-a fixamente. — Maldição, Kate, você não está querendo me dizer que Mary Kate foi raptada por essa mesma quadrilha. — Ele pegou-a pelos ombros e sacudiu-a delicadamente. — Eu pensava que depois desse tempo todo você tinha aceitado a dura realidade de que nada nos devolverá nossa filha. Kate fez um esforço sobre-humano para conter o vagalhão de lágrimas que se formou no fundo dos seus olhos. — Dante Moran era o agente do FBI à frente da operação. Ele é um profissional objetivo, que não tem a menor ligação emocional com Mary Kate. Ele... ele acredita que há uma possibilidade bastante razoável de que nossa filha seja uma das três crianças seqüestradas no sudeste do Alabama no mesmo mês e ano que raptaram Mary Kate. Trent soltou os ombros de Kate e fulminou-a com o olhar. — Centenas de crianças foram vendidas para desesperados pais adotivos nos últimos 12 anos — disse Kate. — As pessoas que controlavam essa quadrilha mantinham um arquivo sobre cada bebê. O estado e algumas vezes a própria cidade em que a criança foi raptada eram anotados nesses registros, bem como o mês em que supostamente foram adotados. O FBI está procurando os pais adotivos de todas as crianças raptadas, bem como os possíveis pais biológicos. — E esse agente FBI, esse Sr. Moran, acredita que Mary Kate seja uma das crianças? Trent voltou a botar as mãos sobre os ombros de Kate. Ela assentiu. — Há três meninas de 11 anos que foram raptadas por essa quadrilha quando crianças, nessa região do Alabama. Todas foram-vendidas a pais adotivos no


mesmo mês em que Mary Kate foi seqüestrada. O FBI já tem uma cópia da certidão de nascimento de Mary Kate e o próximo passo é colher uma amostra do nosso DNA. Vão comparar o nosso DNA com o dessas meninas. Trent fez um carinho nos ombros dela. — E se nenhuma dessas meninas for Mary Kate, o que você vai fazer? Você finalmente vai dar essa história por encerrada? — Por favor, Trent. Tente acreditar na possibilidade de que Mary Kate está viva e que nós podemos encontrá-la e... — E daí? Mesmo que por algum milagre uma dessas meninas seja Mary Kate, o que você faria? Você a tiraria dos pais que ela aprendeu a amar, talvez de seus irmãos? E tudo isso para quê? O que temos para dar a ela? Pais divorciados lutando pelo pátrio poder? — Trent a soltou e atravessou a sala com passos decididos. — Não. Eu não quero mais ouvir falar dessa história. Minha filha está morta. Ela morreu há 11 anos. — Não diga isso. Mary Kate está viva. E eu vou encontrá-la. Eu vim aqui na esperança de que você me ajudasse a encontrá-la. Mas vejo agora que cometi um grande equívoco. Desculpe ter incomodado. Kate saiu correndo do estúdio e atravessou a sala, sem parar, quando Trent gritou por seu nome. As lágrimas turvaram seu olhar e foi às cegas que ela ganhou a rua. Entrou no carro, ligou o motor e partiu. Na rua, olhou pelo retrovisor e viu Trent em pé na varanda, com os braços cruzados sobre o peito.

CAPÍTULO DOIS

Kate preparou uma xícara de chá quente. Ela sempre trazia consigo uma caixa de Earl Grey quando viajava, o que no seu ramo de trabalho significava a maior parte do tempo. Com um robe de flanela de algodão cor-de-rosa sobre um pijama da mesma cor, ela saiu do banheiro e se sentou em uma das duas espreguiçadeiras separadas pela pequena mesa próxima às janelas.


Depois de colocar o bule branco com a marca do Magnolia House em cima da mesa, pegou o controle remoto da TV e mudou para o canal local. Tirou o volume durante o intervalo comercial, acomodou-se na espreguiçadeira e apoiou os pés na borda da cama. Seu estômago roncou, avisando-a que não almoçara. Ela saíra tão possessa da Winston Hall que não seria capaz de ingerir nenhum tipo de comida.

Minha filha está morta. Ela morreu há 11 anos. As palavras de Trent ecoavam na sua cabeça... dentro do seu coração. Sua firme convicção de que Mary Kate estava morta e sua certeza igualmente resoluta de que a filha deles estava viva tinha sido a principal razão para que se separassem. É claro que a situação foi agravada com a culpa que ambos sentiam pelo seqüestro do bebê e pela crise nervosa que a acometeu na época. E a constante interferência de Mary Belle Winston só fez acrescentar lenha à fogueira que consumiu qualquer esperança de que fossem capazes de salvar o relacionamento.

Por que a volta a Prospect a deixara tão abalada ? O que ela estava pensando? Ela sempre soube que o teimoso Trent não mudaria de opinião, mesmo que lhe trouxesse notícias tão alvissareiras do que ela considerava um milagre. Como ele não queria encontrar Mary Kate? Ela não entendia suas razões. Nunca entendera. Dante Moran lhe dera os fatos concretos que a fizeram acreditar que Mary Kate era uma das meninas adotadas havia 11 anos. O próprio Moran acreditava ser essa uma hipótese bastante provável. E a sua opinião era totalmente isenta. Então, por que Trent não era capaz de acreditar? Por

que não conseguia deixar seu coração ser tocado por esta esperança? Kate foi tomada por uma emoção tão profunda e poderosa que por pouco não lhe tirou completamente o ar. Mary Kate estava viva. Ela sempre soube que seu bebê não estava morto. Pura intuição, que ela confirmaria nas semanas seguintes, quando enfim veria Mary Kate e a acariciaria, abraçaria e lhe diria o quanto a amava. As palavras de Trent voltaram a atormentá-la. Mesmo que por algum

milagre uma dessas meninas seja Mary Kate, o que você faria? Você a tiraria dos pais que ela aprendeu a amar, talvez de seus irmãos? E tudo isso


para quê? O que temos para dar a ela ? Pais divorciados lutando pelo pátrio poder? Precisando confortar a si mesma, Kate levantou os pés da cama e comprimiu os joelhos na direção do peito, assumindo, depois de enlaçá-los com os braços, uma posição fetal. Desde o momento em que Dante Moran lhe revelara as informações do FBI sobre os arquivos confidenciais relativos à quadrilha de seqüestradores, ela sonhava com o dia em que voltaria a colocar sua filha no colo. E ela afastara qualquer pensamento negativo de sua mente. Mas Trent a alertara para a dura realidade. Sua filha tinha sido criada por outras pessoas. Ela já amava uma mãe e um pai. Haveria algum lugar para Kate na vida de Mary Kate? Kate suspirou. Oh, Deus, sua pequena Mary Kate não seria Mary Kate. Seus pais adotivos teriam lhe dado outro nome.

O que temos para dar a ela? Pais divorciados lutando pelo pátrio poder? Saia da minha cabeça, maldito Trent, ela protestou em silêncio. Não lhe bastava saber que sua filha estava viva?, perguntou-se. Não seria suficiente vê-la? Claro que seria, respondeu. Seria? Moran lembrara que o caso ia se tornar um pesadelo jurídico, a partir do momento que os pais adotivos fossem informados que a filha deles havia sido raptada dos pais biológicos e não doadas espontaneamente. Os dois casais lutariam por seus direitos. Advogados seriam contratados. Seriam travadas

verdadeiras

batalhas

jurídicas,

que

teriam

vencedores

e

perdedores. Kate tomou mais uma xícara do seu chá e apagou todas as luzes do quarto, tentando relaxar. Tirou o robe, atirou-o em uma das espreguiçadeiras e deitou-se de lado na cama. Teria um longo dia pela frente, mas as lembranças pareciam entrar no seu cérebro pela fresta da porta. Eram lembranças de que queria se ver livre. Foi assaltada pela visão da primeira vez em que ela e Trent fizeram amor. Pela sofisticada cerimônia de casamento, obviamente organizada em seus mínimos detalhes pela tia Mary Belle. As vezes em que implorou a Trent para que deixassem Winston Hall e fossem morar em uma casa somente


deles. O dia em que Mary Kate nasceu. Amor. Felicidade. Frustração. Um turbilhão de emoções revolvia dentro dela. O dia em que sua filha foi seqüestrada. Medo. Raiva. Angústia. Teve pena de si mesma à medida que as lembranças tomavam posse do seu cérebro e arrancavam pedaços do seu coração. Parecia que seu mundo estava caindo. Era como se hoje, e não há longos 11 anos, estivesse perdendo sua filha e o único homem que amou. Nunca fora dada a ataques de melancolia, mas hoje ela resolveu não opor resistência a essa crise de autocompaixão. Pelo menos hoje. Trent dirigia seu Jaguar a uma velocidade demoníaca pelas estradas vicinais do condado de Bayard. Raramente saía com esse carro clássico, que lhe trazia muitas lembranças de sua vida com Kate. Ela não tinha nada que voltar a Prospect. Passara dez anos tentando esquecê-la e estava quase convencido de que conseguira. Foi preciso um longo tempo para perdoá-la e seguir seu próprio rumo. Apenas recentemente começara a considerar a possibilidade de um novo casamento. Evitara relações sérias como se estivesse fugindo de um vírus fatal. Mas, depois de vários encontros com Molly Stoddard ao longo do último ano, estava convencido de que aquela advogada era a mulher de que precisava. Conheciam-se havia três anos, quando ela se mudara para Prospect com os dois filhos depois da prematura morte do marido. Tinham muitas coisas em comum, conheciam as mesmas pessoas, gostavam das mesmas coisas. E ele gostava de seus filhos. Seth era um menino de oito anos e Lindy, uma menina de dez.

Mas você não está apaixonado por Molly, voltou a se lembrar esta noite, como vinha fazendo há algumas semanas, todas as vezes em que pensava em pedir a mão dela em casamento. Até então, achava que seria melhor para ele e para Molly que não estivessem apaixonados. Eles tinham carinho um pelo outro, respeitavam-se e compartilhavam uma verdadeira amizade. O amor por Kate o deixara completamente desnorteado. Nunca sentira nada parecido por nenhuma outra mulher. E aquela história tivera um final trágico. Ficaram feridos de morte. Ele a decepcionou a um ponto tal que só lhe restou a alternativa de partir, deixando para trás um homem desesperado.


Que Deus o ajudasse, pois a ferida voltou a doer. Nossa, como doía. Queria acreditar que era indiferente a Kate, que ela não significava nada. Mas se as lembranças estavam sendo tão dolorosas, isto era sinal de que ainda sentia algo por ela. Que sentimento era esse?, perguntou-se. Raiva. Desconfiança. Certamente que sim. Mas a poderosa atração sexual que sentiam no passado continuava lá, igualzinha. Gostaria de negá-la, mas não podia. Mas se o problema era o desejo que pelo menos ele continuava sentindo, tudo bem. Ele saberia como administrar essa situação. Bastava evitar Kate.

Mas e a filha deles?, perguntou-se atormentado. O que fazer com Mary Kate? Ela está morta, disse para si mesmo. Não podia se deixar levar pelo entusiasmo de Kate. Era ela que acreditava que Mary Kate fosse a menina raptada por uma quadrilha de seqüestradores quando criança, não ele. Que Kate acredite em milagres, deixando-se levar pela esperança de que a filha deles ainda estivesse viva e que um dia voltaria a viver com eles. Ele não compartilharia esse sonho. Para ele, esse sonho não passava de um pesadelo. Alguns meses depois do rapto, percebeu que a única forma de sobreviver àquela débâcle seria virando aquela página. Todas as pessoas envolvidas no caso do seqüestro de Mary Kate — do xerife da cidade aos investigadores do FBI — foram unânimes em dizer que muito dificilmente voltariam a ver o bebê, que, se não fosse encontrado dentro de um mês, deviam perder as esperanças, dando-a por perdida para todo o sempre. Ele seguiu os conselhos e tentou seguir em frente. Mas Kate não conseguiu. De uma certa forma, sua ex-esposa havia sido muito mais forte do que ele, apesar da crise em que mergulhou. Mesmo agora, depois de todos esses anos, ela se agarrava à esperança de que voltaria a encontrar a filha. Há 11 anos, Trent não fora capaz de dizer a Kate que a razão para que abdicasse de qualquer esperança é que não tinha coragem de enfrentar cada novo dia com as torturantes perguntas sobre o destino da filha, o que estaria acontecendo com ela, se estavam cuidando bem dela ou se estava sendo submetida a algum tipo de violência, inclusive a sexual. O caminho que lhe pareceu mais fácil foi se convencer de que ela estava morta. E se Kate estivesse certa? E se o FBI localizasse Mary Kate? Não queria ver sua filha? Não queria ser o primeiro a saber que estava bem, feliz, adorável?


O celular de Trent tocou. Ele reduziu a velocidade do Jaguar e atendeu o telefone. — Trent Winston. — Ela está no Magnolia House — sua tia Mary Belle disse. — Fiz alguns contatos para saber se ela ainda estava na cidade. Está. Mas eu sugiro que vá vê-la esta noite. Meu palpite é que ela vai viajar amanhã de manhã. A tia desligou antes que ele pudesse responder. Mulher metida! Como soubera que Kate estava em Prospect? Será que Guthrie lhe dissera que Kate estivera em Winston Hall? Ou vira Kate entrando ou saindo da mansão? Tia Mary Belle sabe, ele disse para si mesmo, que ela sabe que Mary Kate pode estar viva. Se ela sabia, isso significava que falara com Kate. Que Deus nos ajude. O que não aconteceria se aquelas duas voltassem a ficar cara a cara? Trent percebeu o que queria fazer. O que ele tinha de fazer. Por mais que quisesse negar, a conclusão era que, se ainda estivesse viva, ele teria de saber. Estava mais velho e talvez mais sábio e mais forte do que tinha sido há 11 anos. O que quer que acontecesse, ele seria capaz de administrar a situação e talvez agora conseguisse ajudar sua esposa — que por força do destino se tornara ex-esposa —, qualquer que fosse o destino reservado para eles. Devia-lhe isso. Fracassara de um modo lamentável no passado. Vinte minutos depois, Trent estacionou o Jaguar no estacionamento do hotel, saiu do carro, trancou-o e andou na direção da entrada dos fundos do Magnolia House. Sentiu o vento frio da noite em seu rosto e levantou o colarinho da jaqueta de camurça. Não sabia o nome do recepcionista, embora seu rosto lhe parecesse familiar. — Boa noite — Trent disse. — Boa noite, juiz Winston — o hpmem respondeu. — Acredito que a Sita. Kate Malone está hospedada aqui. — Está, sim senhor. Está no quarto 104. Trent olhou o homem em cujo crachá se podia ler o nome B. Walding.


— Pensei que vocês não pudessem dar o número do quarto dos seus hóspedes. — Normalmente, não damos — o Sr. Walding disse. Mas sendo o senhor

quem é... Trent sorriu sem convicção e olhou ao redor, tentando adivinhar qual seria o corredor que levaria ao quarto 104. — A sua direita — o recepcionista disse. — Obrigado. Nervoso e sem saber qual seria a reação de Kate ao vê-lo, Trent atravessou o hall com passos decididos. Mas hesitou quando se viu diante da porta do quarto 104. Bateu na porta, mas não obteve resposta. Bateu insistentemente. Sem resposta. Bateu mais uma vez, desta vez com mais força. Ele ouviu o som de passos dentro do quarto. A porta se abriu. Viu Kate dentro de um largo pijama rosa, com os longos cabelos loiros desgrenhados e o rosto sem nenhuma maquiagem. Que viesse ajuda dos céus. Nunca vira nada mais sensual em toda a sua vida. Quando ela fixou-lhe seus enormes olhos azuis, ele sentiu um nó no estômago. Lembrou-se da primeira vez em que seus olhos cruzaram com os dela. Seu membro ficou ereto dentro da calça. Sabia que era um homem condenado. Jamais desejou nada na vida como desejava Kate Malone. — Vou procurar Mary Kate com você — ele disse. Ela o fitou com uma expressão de incredulidade. — Você quer... você está me dizendo que acredita que há alguma chance de que nossa filha esteja viva? — Eu não sei no que acredito — ele admitiu. Tudo o que ele sabia é que não queria que Kate enfrentasse sozinha aquela situação. Ela podia ler nas entrelinhas de uma declaração como essa. — Podemos agir como seres civilizados, não? Podemos fazer isso como pais de Mary Kate e não como... — Trent mudou de assunto. — Já nos magoamos muito. Não precisamos nos magoar ainda mais.


— Concordo. — Como se só agora percebesse que passara todo esse tempo a fitá-lo, Kate limpou a garganta e mudou a direção do olhar. — Estarei esperando você às oito — acrescentou. Ele concordou com um movimento de cabeça e se virou para ir embora. Percebeu que estava sendo observado e olhou por cima do ombro. Ela permanecia na soleira da porta. Era a própria personificação da tentação. Seria uma tortura passar dias, talvez semanas, ao lado daquela mulher estonteante. — Obrigado, Kate — ele disse antes de apressar os passos. Tinha consciência de que, se passasse mais um minuto ali a tomaria em seus braços e a beijaria.

CAPITULO TRÊS

Kate não dormiu bem e sentia os efeitos de uma noite insone. Sabia que teria uma manhã difícil pela frente e fez um substancial desjejum acompanhado de três xícaras de café, no Prospect Café. Quando pagou a conta e saiu, respirou aliviada. Para sua sorte, ninguém a reconheceu. Aparentemente, as fofoqueiras da cidade não haviam tomado conhecimento de que a ex-mulher de Trent Winston estava na cidade. O café ficava a uma quadra do hotel. Fez o trajeto a pé, apesar do frio. O dia que estava começando prometia ser ensolarado, mas o sol que pontificava no céu não era suficiente para aquecer a manhã. Quando saiu do café, colocou as luvas de couro e enrolou o cachecol de lã azul em torno do pescoço. Enquanto caminhava na direção do Magnolia House, viu as horas. Eram 7h53min. Trent viria? Tinha certeza que sim. Caso contrário, ele não teria aparecido àquela hora da noite. Enquanto se virava na cama durante uma longa e aparentemente interminável noite, conseguira desligar o cérebro, interrompendo o bombardeio dos pensamentos. As lembranças do passado se misturavam e se fundiam ao presente e a sonhos irreais para o futuro. Quais eram os sonhos que queria que se materializassem? Queria ser mãe


para Mary Kate. Isto estava claro. Mas também estava pensando em voltar a ser a esposa de Trent? No fundo do coração, tinha que admitir que sim. Os sonhos eram bons. Mas como sonhos. Tinha que enfrentar a realidade. Suas chances eram mínimas. Mesmo que localizassem Mary Kate, Trent estava certo — era tarde demais para se tornarem seus pais. Aceitaria este fato? Realmente, não tinha escolhas. Precisava proteger a filha, a única coisa que de fato importava. Um Bentley preto estacionou na frente do Magnolia House enquanto Kate atravessava a rua. Ela reconheceu o motorista de imediato. Pontual. Na verdade, adiantado alguns minutos. Trent saiu do carro, olhou em sua direção e acenou. Ela acenou de volta, mas conteve-se para não apressar os passos. Ela correra de braços abertos inúmeras vezes em um passado remoto, sempre se esmerando para agradá-lo. Mas agora não. Não era mais uma menina. O tempo e as circunstâncias produziram dramáticas mudanças nela. Pararam no meio da calçada. Ela ofereceu-lhe um sorriso cordial, mas controlado. — Já fiz o checkout e coloquei minha bagagem no carro — disse-lhe. — Se quiser me acompanhar... — Não será preciso — Trent disse. — Guthrie cuidará do carro alugado mais tarde. Deixaremos as chaves com o recepcionista do hotel. — Ele tocou seu cotovelo. — Por que você não me dá as chaves, para que pegue suas malas e vá falar com o recepcionista? Você pode esperar aqui. — Ele abriu a porta da frente do passageiro. Sr. prestativo. Marca registrada de Trent. Durante o casamento, ele tinha tomado todas as decisões e ela jamais opusera resistência. Não brigue com

Trent por coisas à toa. Escolha as batalhas. Não vale a pena se indispor por causa disso. Você sabe muito bem. Abriu a sacola de couro, tirou as chaves do carro e as entregou a Trent. — Obrigada. Evitando olhá-lo nos olhos, entrou no Bentley e fechou a porta. O carro era de um luxo incrível. O couro era de verdade, assim como a


madeira. Parecia estranho que Trent, que adorava carros esporte, estivesse dirigindo um sóbrio seda. Esse era um carro para família, não para um homem solteiro. Talvez fosse o carro de tia Mary Belle. Não, provavelmente não. Duvidava que a tia estivesse dirigindo. Não depois do infarto. Além disso, ela sempre preferira ser conduzida por Guthrie. Alguns minutos depois, Trent retornou, abriu a mala do carro e colocou a bagagem dentro dela, entrou no Bentley e olhou para Kate. — Pronta? — Sim. — Tomou o café da manhã? — Sim. No Prospect Café. — Então, podemos dirigir até a hora do almoço. — Ele colocou a chave na ignição e deu a partida. — Você tem um caminho preferido? — perguntou. — Será uma viagem de oito horas, quer a gente vá por Tupelo ou Decatur. Ela riu, surpresa com o fato de ele pedir sua opinião. Ele era um poço de contradições. Em parte, continuava a ser o velho Trent. E, em parte, agia como se fosse um novo Trent. Ela lançou-lhe um olhar intrigado. — Você está dirigindo — ela disse. — Escolha o caminho. Ele fez que sim com a cabeça e avançou no moderado trânsito da manhã. — Não sei quanto tempo vamos precisar para resolver esse problema. Mas se começar a ficar arrogante ou desagradável, sinta-se à vontade para pegar uma bengala e quebrá-la na minha testa. Kate sorriu. O novo Trent tem o mesmo senso de humor que o velho Trent. — Não vou esquecer. E não se surpreenda se eu fizer o que sugeriu. Não sou mais aquela tolinha facilmente manipulada, ingênua e perdidamente apaixonada com que você casou. — Você podia ser ingênua e perdidamente apaixonada, mas tola nunca foi. — Trent não tirava os olhos da estrada. — E que eu me lembre foram muitas as vezes em que nem eu nem tia Mary Belle conseguimos convencê-la.


O sorriso de Kate sumiu quando lembrou o trágico final da rebelião que promoveu naquele Domingo de Páscoa, há quase 12 anos. — Não vá por aí — ele disse. — Não estou me referindo àquele Domingo de Páscoa. Lembro-me de diversas ocasiões em que não conseguimos fazê-la mudar de idéia. — Você e eu vemos o passado de modo diferente. Kate aproveitou o fato de ele estar concentrado na estrada para observá-lo. Era um homem impressionantemente bonito. A idade lhe dera um ar distinto, compatível com a aparência de um homem rico e de uma família tradicional que se aproximava dos 40 anos. — Há quanto tempo você é juiz? — ela perguntou, quebrando o silêncio. — Cinco anos. — Você gosta? — Sim. — Não vai lhe trazer problemas passar tanto tempo longe do trabalho? — Um outro juiz vai assumir os meus casos enquanto eu estiver fora. Tratase de uma emergência familiar. — Trent olhou-a de soslaio. — E você? Você pode se dar ao luxo de passar tanto tempo afastada do trabalho? Posso ajudá-la, caso esteja precisando de algum dinheiro. — Não preciso de sua ajuda. — As palavras fugiram de sua boca antes que se apercebesse. — Desculpe, não consegui me controlar. Acho que fiquei traumatizada com dinheiro. Você e sua tia freqüentemente insinuavam que eu só estava com você por interesse. — Qualquer idiota podia ver como nós nos amávamos. Qualquer um podia ver isso. Até mesmo tia Mary Belle. Uma onda de calor percorreu o corpo de Kate. Sentiu-se profundamente tocada com as palavras de Trent, declarando o seu amor de modo tão categórico. Acreditou no seu amor — até o dia em que Mary Kate foi raptada. A partir daí, ele lhe deu numerosas razões para duvidar do seu sentimento. — Não preciso de dinheiro, mas de qualquer modo obrigada.


— Quer dizer então que o trabalho de detetive lhe rende um bom dinheiro? — Sim, tenho um ótimo salário. Silêncio. Kate ouviu as suaves batidas do seu coração. O perfeito sistema de isolamento acústico do Bentley praticamente vedava a entrada de qualquer ruído externo. Gostaria de entender como o homem que um dia amara com todos os sentidos, que fora seu marido, amante e amigo, se tornara quase um estranho. Tão estranho como eu sou para ele. Eu também não sou mais a

mesma pessoa que ele conheceu. Perderam primeiro Mary Kate, mas, ao perderem-na, Trent e Kate se envolveram em uma série de batalhas verbais que culminaram com a separação. Depois dela, cada um foi para seu lado e longe um do outro reconstruíram suas vidas. — Você está usando seu nome de solteira — Trent disse. — Isto significa que não voltou a se casar? — Não, eu... não voltei a me casar. — Você devia ter se casado de novo, e ter tido outro filho. — Ainda há tempo — ela disse. — Eu ainda poderia. Mas e você? Cheguei aqui achando que o encontraria casado e... — Ela limpou a garganta. — Ouvi dizer que você é o homem mais cobiçado de Prospect e que se elegeu com os votos femininos. Trent deu uma risadinha. — Isto é que o dizem as más línguas. — Pois fique sabendo que quem me disse isso foi o Sr. Walding, o recepcionista do Magnolia House. — Ele fez alguma referência ao meu namoro com uma senhora chamada Molly Stoddard? Os músculos de Kate ficaram tensos. — Não, ele não falou nada a esse respeito. — Molly é uma viúva com dois filhos. Nós saímos juntos durante um ano. Começamos a namorar firme há três meses. — Então é um relacionamento sério? — Kate perguntou, embora já soubesse


a resposta; se não fosse, não teria feito referência à mulher. — Caminha nessa direção. — Trent segurou o volante com firmeza. — E você? Alguém especial? — Hmm. — Não, não há ninguém especial, mas eu gostaria que houvesse. Não queria que pensasse que jamais deixou de amá-lo. — Estou saindo com outro detetive da Dundee. Estamos estreitando nossas relações. — Ah, Kate, para

que mentir? Mas ela não estava contando uma mentira deslavada. Ela e Lucie Evans saíam com freqüência. E realmente mantinham relações muito estreitas — mas na condição de grandes amigas que eram. Não havia nenhum romantismo no relacionamento delas. — Fico feliz que tenha alguém. E você e... como é mesmo o nome dele? — O nome dele? Ahn, é... Evans. Lu-Luke Evans. — Agora você mentiu

deslavadamente e não pode negar, disse para si mesma. Não existia nenhum Luke Evans. — Vocês estão pensando em se casar? — Não. — Pelo menos isto era verdade... nem ela nem Lucie estavam pensando em casamento. Na verdade, nenhuma das duas sequer estava saindo com algum pretendente mais sério. — Estou pensando em pedir a mão de Molly. — Como? — Ela não achou nem um pouco apropriado o grito com que respondeu a essa revelação. Mas ficara surpresa. Não, na verdade tinha ficado mais do que surpresa. Aquilo fora um duro golpe. Mesmo estando divorciada há dez anos, ainda pensava em Trent como seu marido. — Fico feliz por você e por... Vou torcer para que tudo dê certo com vocês. — Ainda não fiz o pedido. Só estou pensando. Mas não sou mais nenhum jovem. Vou fazer 40 anos. E Molly, além de ser uma pessoa maravilhosa, tem filhos adoráveis. Molly era maravilhosa. Tinha filhos adoráveis. Isso lá era motivo para se casar com alguém? Não para ela. Agora, não estava tão certa. Quando chega a maturidade, a pessoa deixa de acreditar em paixões avassaladoras. Talvez devesse seguir o exemplo de Trent. E procurar um homem maravilhoso, com o qual pudesse viver uma relação madura, sem maiores arrebata-mentos.


Caia na real, Kate. Você nunca vai se satisfazer com um homem pelo qual não esteja total e completamente apaixonada. — Você disse a Molly que ia viajar com a ex-esposa? — Kate perguntou. — Claro. Telefonei ontem à noite e expliquei a situação. Ela foi muito compreensiva. É o jeito de Molly. Ela é compreensiva e gentil e... — Você a ama? — Você não devia ter feito esta pergunta. Silêncio. — Muito bem, não responda — Kate disse. — Não é da minha conta. Desculpe a intromissão. Seguiu-se um longo silêncio. — E você? Ama Luke? — Ah... sim. — Pelo menos isto não era mentira. Não uma mentira deslavada. Como não existia nenhum Luke, sua resposta era metade mentira. Ela amava Lucie, como uma irmã. Esta era a verdade. Trent riu nervosamente. — Por que estamos falando sobre o amor? Não é um assunto mais indicado para nós, depois de tudo o que vivemos. Fez-se um pesado silêncio entre eles. Kate presumiu que, como ela, Trent havia mergulhado no passado. Nadava em meio a recordações dolorosas. Quase uma hora depois, Trent interrompeu o silêncio. — Você quer almoçar em Birmingham ou prefere parar no caminho de Birmigham para Tupelo? — Não faz diferença — ela respondeu. — Se você quiser, podemos ir direto para Memphis. Comi muito bem no café da manhã. Ele se perguntou quantas vezes Kate pulara as refeições. Ela lhe pareceu um pouco abaixo do peso, mas não tão magra e abatida como na última vez que a viu. Depois do seqüestro, Kate deixou de comer, de dormir, de viver. — Vamos parar e fazer uma bela refeição pelo caminho — ele disse. — Que tal uma lanchonete de beira de estrada, daquelas bem antigas? Você ainda gosta daqueles cheesebúrgueres bem gordurosos, no meio dos operários?


Ele lembrou que na primeira vez em que saíram, ela atacara um enorme cheesebúrguer — com cebolas — e não deixou nada no prato. Ela foi a primeira mulher com que saiu que não estava de dieta. Ele gostou desse detalhe nela. Amava a vida. — Eu ainda adoro um cheesebúrguer acebolado. — Ela sorriu. — Pelo menos algumas coisas não mudam. Sentiu-se cativado por aquele sorriso — outra coisa que não havia mudado com o tempo. O animal que havia nele queria estacionar o Bentley na beira da estrada, soltar o cinto de segurança e agarrar Kate. A poderosa atração física que sentiu desde o primeiro encontro, quando resolveu ajudar uma senhorita em apuros, permanecia intacta. Ele a queria agora, com a mesma intensidade com que sempre a desejou; mas não podia ceder aos seus instintos. Não tinha direito. Deixara-a partir havia mais de dez anos e agora ela possuía uma nova vida e um novo amor. Por que isso o incomodava tanto? Não queria mais correr o risco de uma grande paixão. Ele podia ter uma boa vida com Molly e ser um padrasto atencioso e cuidadoso para os filhos dela. Afinal de contas, ele não tinha o poder de voltar no tempo e de voltar às boas com Kate.

Se pudesse, voltaria?, perguntou-lhe uma irritante vozinha. Era uma questão discutível. Da mesma forma como não podia ter a pequena Mary Kate de volta, também não seria mais possível voltar para Kate. — Kate? — Sim? — Você já pesou todas as conseqüências? — ele perguntou. — Digo, você sabe como vai lidar com as circunstâncias, sejam elas boas ou ruins? — Vou lidar com as circunstâncias — sejam elas boas ou ruins — do mesmo modo que tenho feito nos últimos 11 anos e meio. Se nenhuma dessas adolescentes for Mary Kate, continuarei procurando-a. — Ela fez uma pequena pausa. — Até o fim dos meus dias. — Você passou esses anos todos procurando o nosso bebê? Ela fez que sim com a cabeça.


— Tirando as contas básicas, cada centavo que ganho eu gasto procurando notícias de Mary Kate. Uma das razões para ter trocado o departamento de polícia de Atlanta pela Dundee' s é que sabia que como uma de suas detetives teria um desconto nos serviços da agência e poderia ter os seus vastos recursos à minha disposição. — E se uma dessas meninas for Mary Kate? O que você vai fazer? Kate abraçou a si mesma. Tentava aquecer-se de uma espécie de frio na alma. — Se encontrarmos nossa filha, eu vou querer vê-la. E saber tudo a seu respeito. — E se ela for feliz, saudável e tiver uma família adorável? Kate fechou os olhos. Trent percebeu um lampejo de dor no seu rosto, mas virou o dele rapidamente. Não suportava vê-la sofrendo. Nem antes, nem agora. Mas, dessa vez, qualquer que fosse o resultado, pretendia manter-se ao seu lado e ajudá-la a enfrentar as conseqüências. — Gostaria de acreditar que seria capaz de levar minha vida normalmente e não invadir a vida dela — Kate disse. — Mas não sei se terei forças para isso. — Você tem — ele disse. — Precisaremos ter. Os dois. — Teremos que ser muito fortes. Para vê-la. Uma vez. E em seguida deixá-la voltar para sua vidinha, com as pessoas que ela pensa que são seus pais. — Você precisa ter outro filho — Trent disse. — Você nasceu para ser mãe. — Nenhuma criança jamais substituirá Mary Kate. — Eu sei disso muito bem. Por isso, jamais quis ter outro filho — ele admitiu, surpreso com o fato de ter pronunciado aquelas palavras em voz alta. Nunca dissera a ninguém que tinha medo de amar outra criança como amara Mary Kate, que morria de medo de voltar a sofrer tanto com uma nova perda. Kate sentou-se de lado e fitou-o. — É assim que eu penso também. Tenho medo só de pensar em passar o que passamos quando perdemos Mary Kate. Eu também não tenho coragem de


ter outro filho. Por isso eu digo que entendo o que você sente. Ele lhe dirigiu um rápido, mas penetrante olhar. Quando voltou a se concentrar na estrada interestadual à frente deles, Kate tocou seu braço. Ela percebeu que o suave carinho que lhe fez provocou um efeito devastador em todo o seu corpo.

Santo Deus, por que o toquei? Trent tentou se proteger dos demônios que o acossavam todas as vezes que todo aquele sofrimento vinha à tona. Primeiro foi a filha. E depois a esposa. Mas a esposa — a ex-esposa — tinha ressurgido do nada e estava levando-o para um terreno que embora desconhecesse sabia que estava repleto de perigos. Precisara de mais de dez anos para rearrumar sua vida e começar a pensar em um futuro com uma nova mulher. E os seus planos estavam indo para o espaço, pois lá estava ele indo para Memphis com Kate — o amor de sua vida — em uma viagem que podia levá-los direto para um inferno ainda mais terrível do que aquele do qual não se sabe como tinham conseguido sair com vida.

CAPITULO QUATRO

Kate não se preocupou quando Trent atravessou o centro da cidade de Memphis e seguiu na direção do Peabody Hotel. Ela poderia lhe dizer que o mais apropriado seria ele lhe perguntar onde queria ficar, mas que diferença faria? Afinal de contas, parecia-lhe a coisa mais natural do mundo pagar um apartamento com dois quartos em um dos melhores hotéis de Memphis. Tendo nascido em berço de ouro, Trent sempre viajava em primeira classe. — Telefonei ontem à noite e fiz as reservas — ele disse enquanto passava pela Germantown, na periferia da cidade. — Reservei um apartamento com dois quartos, por uma semana, deixando em aberto a possibilidade de ficar mais tempo. Kate sorriu, como se estivesse acostumada em ter uma pessoa tomando


todas as decisões por ela. Por que devia protestar? Hospedar-se no mais elegante hotel da cidade ia muito além do orçamento de que dispunha para essa temporada, que previa noites em motéis de 50 dólares a diária. O quarto e o banheiro eram luxuriantes. E a espaçosa cama era convidativa. O carregador colocou sua bagagem em um móvel apropriado para isso e retornou à sala de estar. Ela viu Trent dando uma gorjeta para o carregador. Pelo sorriso do funcionário, percebeu que a quantia que lhe foi dada era maior do que a que conseguia com a maioria dos clientes. — Você gostaria de almoçar no Chez Philippe ou no Capriccio, que ficam aqui mesmo no hotel? Se preferir, podemos procurar um restaurante pela vizinhança. — Trent tirou o sobretudo e jogou-o em cima de uma cadeira, na sala de estar. — Também podemos comer aqui mesmo no quarto. Eu poderia encomendar um serviço de quarto. Ela pensou na resposta mais apropriada. Não queria sair, mas jantar a sós com Trent no apartamento em que estavam hospedados não seria muito íntimo? — Estou cansada. Prefiro comer aqui mesmo e ir cedo para a cama — ela disse. — Peça o que quiser. Não quero nada especial. Só não quero tomar café a essa hora, pois pode atrapalhar o meu sono. Enquanto você faz os pedidos, vou ligar para Moran do meu celular. — Bife, porco, galinha ou frutos do mar? — Trent perguntou enquanto se sentava à mesa e folheava o menu do serviço de quarto. — Não estou com essa fome toda — ela disse. — Não depois dos hambúrgueres em Tupelo. Só quero uma salada. Kate tirou o casaco e o pendurou no closet. Não era uma obsessiva, mas gostava de tudo em seu lugar. Tinha sido assim ao longo de toda a sua vida. Esta foi uma das poucas coisas que tia Mary Belle havia aprovado durante o seu curto casamento com Trent. Kate tirou o cachecol e as luvas, colocou-os na prateleira na parte superior do closet e em seguida tirou os sapatos e os alinhou no piso do closet. Quando chegou na porta, ouviu Trent encomendando o jantar ao telefone. Depois de observá-lo detidamente, fechou a porta e deu uma retocada na


maquiagem. Tinha que manter sob controle qualquer atração sexual que ainda tivesse pelo ex-marido. Iam ficar juntos durante dias, talvez semanas. Não podia seduzir um homem que estava praticamente noivo de outra mulher. Independentemente do que acontecesse em relação a Mary Kate, não havia futuro para eles. Sua cabeça entendia isso; não o seu coração. E ela sequer queria pensar em como sua libido responderia quando Trent se aproximasse dela. Depois de se sentar na beirada da cama, tirou o celular da bolsa e pressionou o botão que discava automaticamente para Dante Moran. Enquanto aguardava a ligação ser completada, tirou as meias. Desde que começou a trabalhar na Dundee's, usava calças baggy o tempo todo e preferia meias altas. Fazia anos que não usava um vestido. Na verdade, tinha apenas um vestido e um tailleur. As demais peças de seu vestuário eram calças compridas, tops e jaquetas. Lamentou o fato de não ter trazido um de seus vestidos. Bem que estava precisando. Não devia fazer isso consigo mesma — não podia pensar em agradar Trent. Ele sempre a preferiu de vestido. Disse-lhe inúmeras vezes que não fazia o menor sentido esconder pernas tão bonitas. — Agente especial Moran — disse uma voz masculina. — Moran? É Kate Malone. — Você ainda está em Prospect? — Não. Já estou em Memphis. Vim com Trent. Estamos hospedados no Peabody. Em um apartamento. Um apartamento com dois quartos. Moran assoviou. — Nossa, você subiu na vida. Mas pelo que sei seu ex tem dinheiro para isso. — Se tem. — Kate sapateou nervosamente até perceber o que estava fazendo, parando abruptamente. — Novidades? — Achamos os três casais cujos filhos foram seqüestrados na mesma época em que raptaram Mary Kate. As circunstâncias são as mesmas. Todos os bebês eram louros e tinham menos de seis meses. Falamos com eles e se todos estiverem em Memphis até as 11 horas de amanhã, poderemos fazer uma reunião para avaliar a situação.


— Você falou de três casais? — perguntou. — Mas há apenas três meninas. Isto significa... — Isto significa que temos quatro pais biológicos e apenas três crianças. Kate fez um esforço para se conter. Não queria ver ninguém sofrendo, mas não ia parar de desejar que Mary Kate fosse uma dessas crianças. — O que você sabe sobre essas pessoas? — Tudo o que eu sei desses três casais é que apenas um deles conseguiu manter-se casado. Também estão ansiosos para saber se a filha está entre as crianças encontradas. Tiveram dois filhos. Um casal está divorciado, como você e Trent, e tanto o homem como a mulher têm interesse em saber se a filha deles foi encontrada. E há também um pai cuja esposa morreu há três anos. Ele espera que uma das crianças seja a dele. — Qual é o método de identificação que vocês pretendem usar? — Kate perguntou. — É o teste de DNA? — Sim. E vamos agilizar o processo. MacNamara, seu chefe, fez alguns favores, já que Sam Dundee tem um trabalho urgente para você.

Obrigada, Sawyer MacNamara, Kate disse para si mesma. Embora Lucie Evans, sua melhor amiga e companheira de trabalho na Dundee's, nutrisse absoluto desprezo pelo diretor executivo da agência, Kate sempre gostou dele. Mas jamais diria isso para Lucie. Kate riu para si mesma. Sam Dundee era um homem querido e admirado por todos. Sendo ele próprio pai, tinha total compreensão do seu problema. Quando tudo tivesse acabado, teria que ligar tanto para Sawyer como para o Sr. Dundee para agradecerlhes. — Os pais adotivos foram notificados? — ela perguntou. — O processo já começou. Vamos começar pela menina mais velha, e como Mary Kate agora estaria com quase 12 anos, ela será a primeira da lista. Kate sentiu um aperto no coração. Deus, por favor, faça com que ela seja

uma dessas meninas. — Você está trabalhando com que prazo? — Kate respirou fundo. — Quando é que vamos fazer os testes de DNA?


— Se tudo correr bem, vamos colher as amostras amanhã. E vamos nos reunir com os pais adotivos dentro de alguns dias. — Moran fez uma pausa. — Pedimos para que os pais adotivos tragam fotos de suas filhas. — Você acha que uma mãe seria capaz de reconhecer sua própria filha a partir de uma fotografia? — Tristeza e ansiedade tomaram conta do coração de Kate. E se olhasse essas fotos e não reconhecesse Mary Kate? — E se... — sua voz ficou embargada. — Pode ser que eu não reconheça minha filha. Lágrimas correram de seus olhos. Maldição, não queria chorar. Não mais. Esgotara seu estoque de lágrimas anos atrás. Ou pelo menos ela assim pensava. — Não fique se torturando, Kate — Moran disse. — Quando tivermos o resultado dos testes de DNA, você será a primeira a ser informada. — Você está certo. Desculpe por esse ataque de mulherzinha. Sei que vocês, homens, odeiam isso. Ela forçou um sorriso. — Pois se eu estivesse no seu lugar, eu estaria totalmente descontrolado. Kate riu de verdade. — Você está brincando. Dante Moran é um homem de aço. Ele sorriu sem graça. — Sei que tenho essa fama. Mas, verdade seja dita, todos ficamos emotivos quando enfrentamos um grande problema pessoal, ainda que tenhamos dificuldade de mostrar nosso coração. — Sabe de uma coisa, agente especial Moran? Acho que eu gosto do senhor. — Sabe de uma coisa, Kate Malone? Eu tenho certeza que gosto da senhora. — Amigos? — ela perguntou. — Sim — ele disse. — Ligarei de manhã, se a reunião marcada para as 11 for confirmada. — Tudo bem. Obrigada. Kate desligou o telefone e deitou na cama, tentando relaxar. Em outras


circunstâncias, poderia aprofundar a relação com Moran. De certas coisas que ele dissera, depreendia-se que protagonizara uma tragédia romântica no passado, por causa da qual continuava solteiro até os dias atuais. A maioria dos bons partidos casava no mais tardar com 35 anos. E Moran lhe dissera que jamais havia se casado. Faríamos um belo casal, pensou ela com ironia. Ele ligado a uma mulher misteriosa e ela, a Trent. Sim, não podia negar que continuava interessada em Trent. Provavelmente ficaria até o fim dos seus dias. Quando você ama alguém do modo como ela amou Trent, as feridas jamais serão curadas. Uma parte de Kate continuaria a amá-lo para sempre. Ouviu uma leve batida na porta. Sentou-se no meio da cama. — Sim? — O jantar será servido em cerca de meia hora — Trent disse do outro lado da porta. — Ah, obrigada. Vou aproveitar esse tempo para tirar uma soneca. — Chamo você quando o jantar estiver servido. — Esta bem. — Está tudo bem com você, Kate? Aconteceu alguma coisa ruim?

Suma daqui, pensou. Sim, aconteceu uma coisa errada. Continuo apaixonada por você e este é um assunto sobre o qual não podemos conversar. — Falei com Moran — Kate disse. — Posso entrar? — Trent perguntou. Maravilhoso. Como é maravilhoso isso. — Eu... uh... sim, claro. Ela se esgueirou para a beirada da cama e quando estava se levantando, Trent abriu a porta. Ele olhou para ela. Ela olhou para ele. Ele franziu a testa. — Você estava chorando? Ele se aproximou lentamente. Parecia não saber se podia. — Não. Eu não sei chorar. Não sei mais. Parou bem perto dela.


— O que Moran disse para deixá-la tão aborrecida? — Eu não estou aborrecida. — Então me diga o que tanto a incomoda. Eu sei como você fica quando... — Não, Trent, você não me conhece — ela praticamente gritou. — Você não tem a menor idéia de quem eu seja. Nem sem sei se um dia você soube. Ele deu de ombros. Franziu as sobrancelhas. — Isto não é justo, Kate. Você pode até ter razão ao dizer que não a conheço mais, mas eu sabia quem era você. E você sabia quem eu era. Nós nos conhecíamos de corpo e alma. — Ele se aproximou, pegou uma de suas mãos e levou até o seu coração. — Houve uma época em que pensei que... — Ele largou a sua mão, como se ela lhe tivesse queimado o peito. — Desculpe. Foi o costume. Sua presença me trouxe uma série de lembranças. Boas lembranças.

Não olhe para trás, ela ordenou a si mesma. Não se deixe levar pelo turbilhão de lembranças. Ela precisava assumir o controle da situação. Se abrisse um precedente, estaria arruinada. A relação que tiveram havia acabado. Fazia parte do passado. E lá devia permanecer. — Moran vai ligar amanhã, caso consiga marcar uma reunião que tem em mente — Kate disse, deliberadamente mudando de assunto. — Eles localizaram três casais que podem ser os pais daquelas meninas. Somos o quarto casal de pais cuja filha foi raptada na mesma época. Um desses casais vai ficar frustrado quando sair o resultado dos testes de DNA. — Ah, entendi. Você está com medo de que nós sejamos os pais que vão ficar frustrados. Eu sabia que havia alguma coisa de errado. — Ele fitou-a com carinho e preocupação. E verdadeira compreensão. — Gostaria que você soubesse que do fundo do meu coração eu quero que uma dessas meninas seja Mary Kate. Quero tanto quanto você. Sabia que ele estava dizendo a verdade. Como pai de Mary Kate, queria o que Kate queria. Mas também sabia que ele não havia sonhado com esse dia, que não havia aguardado e rezado para que enfim chegasse. Encontrar Mary Kate não fora para ele uma razão de viver. Não se passara um único dia ao longo dos últimos 11 anos e nove meses sem que Kate houvesse ansiado o


momento em que voltaria a ver sua filha. Não, Trent escolhera um caminho diferente. Dera Mary Kate como morta. Para ele, nunca mais voltariam a ver a filha. — Gostaria de ficar sozinha — ela disse, com uma voz mortalmente calma. — Por favor, me chame quando o jantar estiver servido. Com uma expressão de dor, ele se virou e saiu do quarto. Quando fechou a porta, Kate correu para o banheiro, abriu as torneiras e encheu as mãos com água. Depois de lavar o rosto com água fria e de se enxugar, apertou o maxilar, fazendo força para não chorar. As coisas não estavam indo nada bem entre ela e Trent. Não havia apenas um trágico passado entre eles, lembrando todas as perdas de que foram vítimas. Assustava-a a permanente tensão sexual entre eles, um vulcão na iminência de entrar em irrupção. Seria tão fácil cair nos braços de Trent, mergulhar em sua cama, reencontrar entre os seus lençóis o tesouro de sensações que haviam compartilhado no passado. Independentemente do que acontecesse, ainda que uma daquelas meninas fosse Mary Kate, ela jamais voltaria a ser sua filhinha. E mesmo que sucumbisse ao desejo por Trent, não voltariam a ser o feliz casal de anos atrás. Era tarde demais para eles. Tarde demais para todos eles. Trent encheu outra xícara de café descafeinado e levantou-se da mesa em que ele e Kate haviam compartilhado uma deliciosa refeição na espaçosa sala de estar da suíte. Tinham conversado animadamente enquanto jantavam — ela, uma salada Ceasar, e ele, um filé de salmão. — Pedi uma sobremesa. — Com a mão livre, ele levantou a tampa de prata que cobria o prato com um brownie de chocolate com cobertura de creme. — Espero que brownie ainda seja sua sobremesa favorita. Os brownies não são uma especialidade do restaurante do hotel, mas, para nos agradar, foram até a padaria mais próxima. — Minhas preferências alimentares não mudaram muito — ela admitiu. — No almoço, você lembrou dos meus cheesebúrgueres e agora se empenhou para me oferecer minha sobremesa favorita. Você está sendo muito bacana comigo. E eu temo não estar sendo nem um pouco delicada com você. Desculpe. É que...


— Você está sendo gentil, sim — Trent disse. — Além disso, por que você seria gentil comigo? Não fui um marido ideai na época em que você mais precisou de mim. Estava muito ocupado com minhas feridas e não tinha disponibilidade para ajudá-la. Ela olhou-o fixamente. A expressão do seu rosto revelava a surpresa com as palavras que acabara de ouvir. — Isto é um pedido de desculpas? — Se você melhorar a cada pedido de desculpas meus, vou ficar pedindo desculpas até ficar rouco. Desculpe, Kate. — Ele se serviu de suco, afastou a cadeira e ficou em pé. — Deus, como você deve ter me odiado. Ele foi até a janela e contemplou a vista — o centro da cidade de Memphis. Enfeitada por milhares de luzes acesas, River City parecia vestida a rigor, como uma bela mulher coberta de jóias. Uma parte dele desejava poder sair e sumir na noite. Conseguira manter aquele demônio sob controle durante anos, agindo como se pouco estivesse se importando, dizendo a si mesmo que Mary Kate estava morta e que nunca mais voltaria a ver nem sua filha nem sua esposa. Mas a realidade denunciara a mentira à qual se mantivera fiel nos últimos 11 anos, principalmente depois da partida de Kate. Agora Kate estava de volta, mesmo que por apenas algumas semanas. E se o destino estivesse ao lado deles, logo veriam a menina.

Maldição, por que não dera ouvido a Kate, que esses anos todos havia insistido que um dia ainda iria encontrar a filha deles? Devia ter-lhe ajudado em sua procura. No entanto, preferira mergulhar em um abismo escuro e estéril, protegido de qualquer sopro de esperança e amor. Sentiu a presença dela imediatamente atrás de si, antes que tocasse em seu ombro. O corpo se retesou quando o tocou. Santo Deus, como queria abraçála... Abraçá-la para todo o sempre. — Está tudo bem, Trent — ela disse. — Não, não está nada bem. Eu fracassei com você. E eu sinto muito por tudo o que aconteceu. — Ninguém está preparado para enfrentar o seqüestro de um filho. Lidamos com essa tragédia do modo que pudemos. O que mais me doeu foi vê-lo


concordando com sua tia, quando ela disse que a culpa de tudo tinha sido minha. O que foi que ela disse? Trent percebeu a gravidade da situação e olhou-a fixamente. — Tia Mary Belle jamais disse que a culpa de tudo tinha sido sua. Deus do céu, Kate. Ela nunca... — Ela disse que se eu não tivesse saído correndo da igreja naquela domingo e se não tivesse levado Mary Kate comigo, nada disso teria acontecido. Não ouse negar que ela tenha dito isso. — Sim, ela disse isso. Mas ela também disse que se tivesse concordado em andar conosco, nada disso teria acontecido. Você não lembra... — Você está mentindo! — Não estou. Você é que não está lembrando. Acho que na hora que tia Mary Belle disse que se achava culpada, você já havia saído da sala. Kate olhou para ele, sem acreditar no que estava ouvindo. — Você quer me dizer que esses anos todos você pensou que eu a culpei por tudo o que aconteceu? — ele perguntou. — Você me culpou. Tanto você como tia Mary Belle. Ele olhou fixamente para ela. Seu coração era um misto de dor, raiva, amor e compreensão. — Kate, minha querida, você foi a única pessoa que se culpou. Você estava se sentindo tão culpada que nem mesmo os médicos conseguiram ajudá-la. Ele tentou tocá-la, mas ela se afastou. — Vamos pensar nisso depois — ela disse. — Não sei se posso acreditar em você. — Por que eu mentiria para você? O que eu teria a ganhar com essa mentira? — Não sei, mas... se você não me culpava, por que acabou de me pedir desculpas? — Por tudo — ele disse. — Por deixar acontecer o que aconteceu. Por não ter conseguido fazer as coisas direito. Por não cuidar melhor de você. Por não ser capaz de fazê-la ver o que você precisava ver naqueles tempos


difíceis. Deus do céu, Kate, se eu não tivesse cometido tantos erros, você não teria me deixado. Eu fui um total fracasso com você. — Pois eu pensava que eu é que tinha fracassado com você. Antes que ele a abraçasse do modo como desejava, ela se virou e saiu. Ele saiu correndo atrás dela, mas parou quando ela bateu a porta na sua cara. Ele ficou de frente para a porta durante longos minutos, tentando decidir se devia entrar à força ou desistir, deixando-a em paz. Decidiu-se quando ouviu o ruído da porta sendo trancada. Kate não queria nem precisava dele. Não mais.

CAPÍTULO CINCO

Kate e Trent foram os primeiros a chegar, mas em menos de meia hora todos os interessados estavam reunidos no escritório do FBI em Memphis. Dante Moran, que estava o próprio agente federal dentro de um terno preto, uma camisa cinza-claro e uma gravata listrada, estudou cada uma das pessoas ali presentes. Ela sorriu timidamente para ele. Os dois sabiam que, no final dos trabalhos, pelo menos um daqueles quatro casais ficaria profundamente decepcionado. Havia apenas três meninas adotadas que tinham sido raptadas por aquela quadrilha, perto da Páscoa de 12 anos atrás. Ou seja, só havia três meninas que poderiam ser filhas daqueles pais ali reunidos. Evitando olhar para Trent, Kate estudou cada um daqueles pais. Durante o café da manhã, nem ela nem Trent conversaram sobre os acontecimentos da noite anterior. Ela não entendia. Durante todos esses anos, acreditara que para Trent e sua tia ela havia sido a culpada pelo seqüestro de Mary Kate. Era possível que tivesse feito uma avaliação errada? Depois de uma noite insone investigando a própria alma, ela ainda não sabia ao certo se Trent lhe dissera a verdade. Mas por que mentiria?

Como é que podia ter se equivocado tanto assim e por tantos anos?, ela se perguntou. Tinha absoluta certeza de que, para ele, você era a culpada pelo


rapto de Mary Kate. À medida que seus olhos passeavam pela sala, percebeu uma expressão semelhante no rosto de cada um daqueles pais — essa estranha mistura de esperança e medo. Jayne e Clay Perkins eram o único casal cuja relação conseguira sobreviver àquela catástrofe. Eles estavam chegando à casa dos 40 anos; ele, alto e magro; ela, baixa e gordinha. Tinham um filho de dez anos e uma filha de sete. Sua filha mais velha, Megan, que estava prestes a completar 12 anos, fora arrancada do carrinho em uma loja de departamentos no centro de Birmigham, quando tinha três meses. Uma semana antes da Páscoa. A morena e bela Jessica Previn e o louro e igualmente atraente Dave Blankenship tinham se divorciado. Ele estava acompanhado de sua segunda esposa, Mindy, e Jéssica de seu noivo, Cory. Dave tinha um filho de três anos com Mindy, cujas fotos ele exibia orgulhosamente para os outros pais. A filha de Jéssica e Dave, Charity, fora roubada no quadrado que o casal armara no quintal da casa em que moravam em Prattville, um dia depois da Páscoa. Musculoso e usando um corte de cabelo militar, Dennis Copeland tinha ficado viúvo há dois anos e estava criando a filha de sete anos, Brooke, sozinho. Sua esposa Stacy e ele estudavam na Universidade de Auburn quando nasceu o primeiro filho do casal. Com apenas dois meses, Heather Copeland foi raptada por um estranho simpático, que conseguiu convencer a babá a deixá-lo pegar o bebê no colo. A babá de Copeland havia levado Heather para passear em um pequeno parque nas proximidades do apartamento em que seus pais moravam, na quinta-feira que antecedeu a Páscoa. Kate não conseguia imaginar como a perda do filho afetara o relacionamento de cada um daqueles casais. Aquela catástrofe havia sido tão devastadora para eles como o fora para Trent e ela. O casamento dos Blankenship não fora arruinado da mesma forma que o dela? Eles ficaram trocando acusações? Ou foi apenas o amor que acabou? E os outros dois casais? Como os Perkinses e os Copelands lidaram com aquela situação? Que diferença

faria?, perguntou-se. Embora compartilhassem o mesmo destino trágico,


eram indivíduos cujos relacionamentos resistiram ou fracassaram por motivos que só interessavam a eles. E talvez mesmo eles não soubessem a razão. Houve vezes em que ela se perguntou os motivos que a levaram a deixar Trent. Mas pelo menos uma coisa todos ali compartilhavam — o desejo de saber a verdade a respeito de suas filhas. Aparentemente, os outros estavam tão ansiosos quanto Trent e ela para saber se a sua filha ainda estava viva. Se por algum milagre um desses bebês roubados era o deles. Enquanto Dante Moran explicava detalhadamente o que o FBI sabia sobre a quadrilha de seqüestradores que vinha operando no extremo sul nos últimos 12

anos,

Trent

pegou

e

segurou

com

firmeza

a

mão

de

Kate.

Instintivamente, ela puxou a mão. Não queria que ninguém a confortasse, muito menos seu ex-marido. Ela não tinha sido capaz de confiar em mais ninguém. Estava sozinha por opção. Não queria se curvar perante nenhum homem. Ia cuidar de si. Mas o bom senso impediu-a de rejeitar o toque de Trent. O bom senso e a percepção de que havia ainda algum vínculo entre eles. Podiam ter passado anos sem se ver, mas continuavam compartilhando um dos mais fortes elos entre duas pessoas. Um filho. E no caso deles, um filho seqüestrado. Quando deu por si, Kate estava segurando firmemente a mão de Trent e se inclinando levemente na sua direção. Ela deu uma olhada de lado para ele e viu seus próprios pensamentos e sentimentos refletidos nos olhos dele. Ele se curvou na sua direção e disse baixinho: — Ver estes outros pais faz com que eu lamente o fato de o FBI só ter encontrado quatro meninas. Kate assentiu. — Falta a filha de um de nós. — Ela tentou conter o medo. — Mary Kate pode não estar entre essas meninas. Pode ser que nós sejamos os pais que ao final dessa investigação estarão desesperados. Trent colocou o braço em volta dos ombros de Kate. Compreendendo sua intenção, ela percebeu que foi receptiva ao conforto que lhe oferecia. Verdade seja dita, estava feliz de não estar enfrentando sozinha essa traumática experiência. Todos


esses momentos seriam difíceis, quer encontrassem Mary Kate ou não. — O FBI está identificando todos os pais adotivos. São centenas. Começamos pelas crianças mais velhas. As três que acreditamos que tenham sido raptadas em um raio de 100 quilômetros em torno do Alabama ou nas proximidades da Páscoa que em abril próximo completarão 12 anos, estão entre as primeiras que serão processadas. Estamos pedindo aos pais adotivos dessas três adolescentes que cooperem, permitindo-nos colher amostras de DNA das crianças que adotaram — Moran disse. — Vamos tentar tirar todas as dúvidas que vocês tenham. Queremos que os pais biológicos colham amostras de DNA. Esses testes são a nossa prioridade. Um dos pais biológicos se dispôs a pagar os testes em um laboratório independente, o que vai dar mais agilidade ao processo e nos permitirá saber toda a verdade em menos de uma semana. Os testes de DNA confirmarão a paternidade. Também usaremos os testes sangüíneos e as impressões digitais disponíveis de cada criança. Kate se virou para Trent. — Foi você? — Sim. — Obrigada. — Eu me propus pagar os testes de DNA de modo que não tivéssemos que esperar mais que o estritamente necessário — ele disse baixinho, somente para que ela ouvisse. — Pagaria dez vezes mais para revelar a verdade para nós... e para todos estes pais aqui presentes. Ele inclinou a cabeça na direção dos outros. — Mesmo que essas três adolescentes pertençam a qualquer um dos casais aqui presentes, isso não significa que vocês poderão sair com elas — Morgan explicou. — Vamos enfrentar um pesadelo jurídico. Os pais adotivos dessas três meninas já estão contratando advogados, como provavelmente acontecerá com centenas de outros pais adotivos nas próximas semanas e meses. — Quais os nossos direitos? — Dennis Copeland perguntou. — É uma decisão que caberá à corte.


Um burburinho se espalhou pela sala à medida que os pais se faziam perguntas sobre as opções de que dispunham. Todos eram de opinião de que cada casal devia procurar um advogado. — Entrarei em contato quando tiver informações relevantes — Moran disse. — E assim que marcar a reunião com os pais adotivos, vocês ficarão sabendo. Nesse meio-tempo, um técnico do O'Steen Labs virá à cidade para colher amostras de DNA dos senhores. Gostaria de assegurar a vocês que as amostras de DNA serão devidamente coletadas e ficarão sob a guarda do FBI no trajeto até o laboratório. O mesmo acontecerá com os resultados. Quando os casais saíam da sala, Moran fez um gesto para Kate. Deixando Trent aguardando-a na porta, ela caminhou na direção do agente do FBI. — Você sabe qual é o seu tipo sangüíneo e o do seu ma... do seu ex-marido? — Moran perguntou. Kate sentiu o coração bater mais forte. — Sim, eu sei. Por que você pergunta? — Quais são os tipos sangüíneos? — O meu é A positivo. E o de Trent é O positivo. — Duas meninas têm sangue O positivo. Kate engoliu seco. Sentiu seu rosto corar. — Mary Kate é O positivo. Tem o mesmo sangue que Trent. Moran deu uma rápida olhada para Trent e em seguida voltou a se fixar em Kate. — Achei que você devia saber. Mas não se iluda. O sangue O positivo é o mais popular de todos. Praticamente todos os casais têm pelo menos um dos cônjuges com sangue O positivo. — Entendo sua preocupação. Mas pelo menos continuamos no páreo. Moran olhou-a com ternura, deixando claro o carinho que sentia por ela. Mas não ousou tocá-la ou mesmo dizer-lhe algo antes de se virar e se afastar. Que homem estranho, ela pensou. É a um só tempo duro e gentil. — O que é que ele queria? — Trent perguntou, aproximando-se de Kate. — A forma como ele estava olhando para você me faz ter certeza de que o


agente especial Moran tem um especial interesse por você. — Dante Moran e eu trabalhamos no mesmo ramo. E por mais estranho que pareça, eu acho que nós nos entendemos. Mas não há nada romântico entre nós. — Por que ela se sentia na obrigação de explicar seu relacionamento com Moran a Trent? — Se Luke não estivesse na cena, as coisas bem que poderiam ser diferentes. Oh, Deus, havia esquecido aquela mentira — segundo a qual Luke é o homem de sua vida. Não existia nenhum Luke. Havia, sim, uma Lucie, sua melhor amiga. — Olhe, Trent, eu acho que devo lhe revelar a verdade sobre Luke... O celular de Kate tocou. Salva pelo gongo, ela pensou. Ela atendeu o telefone. — Malone — Kate disse. — Kate, é Lucie. Como é que você está? Está tudo bem? Onde é que você está? — Falou no diabo, ele aparece — Kate riu. — Agora, que tal ir mais devagar? Você está fazendo muitas perguntas ao mesmo tempo. — Desculpe. É que não tenho notícias suas há dois dias, desde que você foi para Prospect falar com seu ex. — Trent e eu estamos em Memphis, no escritório do FBI. Acabamos de participar de uma reunião com outros casais de pais biológicos. Todo mundo vai se submeter a testes de DNA e os federais acreditam que vão achar os pais biológicos das três meninas em uma semana. Dante Moran está fazendo tudo que está a seu alcance para me ajudar, embora o sistema o deixe de mãos atadas. — Ouvi falar muito bem a respeito do Moran, embora tenham me dito que ele não é uma das pessoas mais simpáticas — Lucie disse. — E como está tendo dificuldade com as regras e os regulamentos, imagino que seja apenas uma questão de tempo para ele se bandear para o lado da Dundee's. — Você está brincando? Estão comentando isso no escritório?


— Daisy deixou escapar que nosso destemido líder fez uma proposta a Moran, e você sabe que Sawyer não faria isso se não tivesse certeza absoluta de que Moran está interessado. — Moran não comentou nada comigo. — Por que deveria? — Lucie riu. — Não me diga que você e Moran estão... — Não, não estamos. Nós nos gostamos e nos respeitamos. Mas isso é tudo. — Kate olhou para Trent, que lhe pareceu estar ouvindo com muito interesse a parte final da conversa. — Tudo bem. Mas e entre você e o seu ex? Eu sei que você ainda o ama, não adianta negar. Sou sua melhor amiga e sei disso. Mas e ele? Ainda sente alguma coisa por você? — Não posso falar agora. — Ele está aí a seu lado? — Sim. — Sim, entendo. Mas você promete que vai me ligar mais tarde, contando todos os detalhes. Voltei para Atlanta ontem à noite e disse a Sawyer que preciso de uns dias de descanso antes de pegar uma nova missão. O olhar de Kate cruzou com o de Trent e ela percebeu o interesse dele na sua conversa. Teria chegado a hora de lhe revelar que Luke na verdade era Lucie? Devia ser honesta com ele? Um namorado, ainda que de mentirinha, seria uma barreira entre Trent e ela. Se removesse esse obstáculo, Trent tomaria alguma iniciativa em relação a ela ou manteria o compromisso com Molly? Verdade seja dita, Kate ainda se sentia muito atraída por seu ex, que não precisaria fazer grandes esforços para que ela se atirasse em seus braços — ou em sua cama. — Preciso de um favor — Kate disse. — Um pedido seu é uma ordem. — Preciso que você vá a meu apartamento e molhe minhas plantas. — Você está precisando de ajuda? Kate não tinha plantas em casa, como Lucie estava cansada de saber. O


pedido que acabara de fazer era um código que Lucie usava sempre que estava diante de um homem irresistível. Se Lucie estivesse prestes a se entregar à luxúria e sabia que se arrependeria na manhã seguinte, ela ligava para Kate com essa história de plantas que precisavam ser aguadas, que na verdade não passava de um grito de socorro. Lucie não tinha o menor jeito com plantas. Matava todas as plantas só de olhar para elas. — Vou passar uma ou duas semanas longe de casa e não gostaria que algo acontecesse com minhas plantas. — Você quer que eu vá para Memphis ou fique disponível para o caso de você perder o controle da situação? — Prefiro a segunda opção. — Estarei à disposição. — Ela fez uma breve pausa. — Kate, espero que uma dessas meninas seja Mary Kate. — Eu também. — Cuide-se. — Você também. Kate desligou o celular e colocou-o no bolso da jaqueta. Trent segurou em seu ombro. — Era Luke? — Sim e não — Kate admitiu. Trent olhou para ela. Estava visivelmente intrigado. — Estava conversando com Lucie Evans, minha melhor amiga. Ela já trabalhou no FBI e agora trabalha comigo na Dundee's. — Kate suspirou. — Não existe nenhum Luke. Apenas Lucie. Eu a amo. Ela é como uma irmã para mim. Eu menti só em parte para você. Trent riu. — Por que você inventou essa história de que tinha um namorado? — Quer que eu diga a verdade? Ele fez que sim com a cabeça. — Eu ainda me sinto atraída por você e acho que a recíproca é verdadeira. Um desejo reprimido, eu suponho. Pensei que a existência de um namorado o


mantivesse longe. Trent tirou a mão do ombro e a enlaçou pela cintura. — Se eu desejasse você e você me desejasse — ele disse, olhando no fundo dos seus olhos —, nem mesmo uma centena de namorados me impediria de fazer amor com você. Kate sentiu uma súbita excitação. Seu corpo em chamas parecia o céu em uma noite de ano-novo, iluminada pela queima de fogos de artifício. — Trent... Eu... Nós... Ele apertou-a contra si e abaixou a cabeça. Seus lábios foram se aproximando, se aproximando, se aproximando. — O técnico do laboratório está à disposição de vocês dois — Dante Moran disse, na soleira da porta. Kate gelou. Trent levantou a cabeça e afastou seu corpo com relutância. Essa foi por pouco, ela pensou. Mas da próxima vez que acontecer — e com certeza haverá uma próxima vez — o que será deles se não aparecer ninguém para interrompê-los?

CAPÍTULO SEIS

Trent andava de um lado para outro dentro do seu quarto. Eram quase nove e meia da noite. Onde é que ela estava? Por que não tinha a delicadeza de lhe dar um telefonema? Depois que colheram as amostras de DNA, Kate pedira para que sumisse da sua vista, deixando-a sozinha. Ele poderia ter protestado, dizendo-lhe que não iria sair do seu lado, mas isso de nada adiantaria. Tinham se desentendido, muito embora ele tenha tentado evitar. Foi assim que passaram os últimos meses do casamento — discutindo. De dia e à noite. Sobre tudo. Sobre qualquer coisa. Era mais fácil ficar com raiva e brigar do que enfrentar a dor que os estava consumindo. Quando Kate teve uma crise nervosa logo depois do seqüestro de Mary


Kate, ele fez tudo o que estava ao seu alcance para ajudá-la e confortá-la, mas ela o rejeitava sempre. Depois de certo tempo, tornou-se muito difícil suportar toda aquela rejeição. Ela o evitava. Parecia não desejá-lo mais. Agia como se não precisasse dele. Em vez de se unir e amparar no amor que os unia, eles se trancaram cada um no seu mundo. Quando Kate lhe pedira o divórcio, ele concordou sem uma palavra de protesto. Sabia que se arrependeria por não ter lutado pelo seu casamento. Na época, porém, seu coração estava endurecido não apenas por causa do desaparecimento de Mary Kate, mas também por causa do seu maldito orgulho masculino. Um homem não consegue se relacionar com uma mulher que não o deseja. O único problema é que ele ainda desejava sua esposa. Ele a queria inclusive no momento em que assinaram o divórcio. Continuava atraído por ela um ano depois. Esse sentimento permanecia intacto dois anos depois.

E agora, dez anos depois ?, perguntou-se. A porta se abriu e Kate entrou, as faces coradas pelo frio da noite. — Lá fora está um gelo. Está fazendo dois graus abaixo de zero, mas parece que está fazendo menos dez. Ela tirou o casaco, em seguida as luvas e o gorro de tricô e colocou-os no bolso do casaco. — Uh, aqui está quentinho. Ele queria explodir com ela, exigindo-lhe que dissesse onde havia estado, o que tinha feito e com quem estivera esse tempo todo. Moran? Aquele bonitão do FBI lhe fizera companhia desde de manhã? — Já jantou? — perguntou. Almoçara rapidamente no Capriccio, um dos restaurantes do hotel. Não conseguira comer mais nada desde então. — Sim, obrigada. Moran e eu... — Você jantou com Moran? — No River City Café. — Kate caminhou lentamente na direção do seu quarto. — Fica bem pertinho do escritório do FBI. — Você está muito amiguinha desse tal de Moran.


Isso, aja como um marido ciumento! Mas, lembre-se, você não quer brigar com ela de novo. — Ele é um cara muito bacana. — Kate parou na porta do quarto. — Ele está desrespeitando algumas normas do FBI porque... — Porque ele é louco por você. — Trent caminhou na sua direção. — Deus do céu, Kate. Pensei que você fosse mais esperta. Não sabia que você era tão ingênua. Será que você ainda não percebeu que Moran está sendo gentil e prestativo porque quer dormir com você? Kate deu-lhe um tapa. A mão espalmada atingiu em cheio a face esquerda dele. Ele não sabe quem ficou mais surpreso com a ação — ela ou ele. Fixoua, chocado. Passou a mão na face avermelhada. — Sinto muito, Trent. Eu não queria fazer isso. Perdi a cabeça. Ele alisou a face atingida por alguns segundos. — Tudo bem — disse em seguida. — Eu mereci. A culpa foi do meu ciúme. Ela levantou a cabeça e olhou no fundo dos olhos dele. — Ciumento? Você? Trent franziu o cenho. — Sim. Os tais antigos sentimentos sobre os quais falamos. Aquele desejo reprimido. — Moran e eu jantamos juntos. E foi só. — Eu não tenho o direito de ter ciúmes, eu sei. Mas... Kate jogou o casaco no chão e andou na direção de Trent, deixando um espaço mínimo entre eles. Ele prendeu a respiração à medida que ela se aproximava. — O que é que nós vamos fazer com isso? Com aqueles antigos sentimentos? Com o tal desejo reprimido? Trent precisou de toda a sua força de vontade para cerrar os punhos e conter o desejo de prendê-la em seus braços. — O que você sugere? Ela envolveu o pescoço dele com os seus braços e em seguida pressionou seu corpo contra o dele.


— Acho que já está mais do que na hora de atirarmos aquela bomba de efeito retardado. Ele teve uma ereção espetacular. Ele cerrou as mãos. Brotaram gotas de suor sobre o lábio superior. — Fazer sexo pode ser um grande erro. — Talvez seja, mas pode ser que libere toda a tensão entre nós. Depois de fazer amor, podemos descobrir que a única coisa que resta entre nós é um desejo reprimido. Temos que fazer alguma coisa. Não podemos continuar assim. Estou disposta a cometer um grande erro, caso você também esteja. Acabou-se ali o autocontrole de Trent. Os desejos da carne impuseram-se aos seus pensamentos. Trent abaixou-se, segurou seu quadril e puxou-a contra si, de modo que pudesse sentir toda a potência do seu sexo. Quando ela gemeu, ele procurou sua boca. Ela abraçou-o, pressionando seus seios contra ele, sentindo a pulsante ereção de Trent contra o seu sexo em chamas. — Esta é a sua última chance de voltar atrás. Como ela não opôs nenhuma resistência, ele a colocou em seu colo e carregou-a através da sala até o quarto. Deitou-a então e, enquanto a devorava com seus lábios, e usava as mãos para se livrar das roupas que ela usava, cobriu-a com o seu corpo.

CAPÍTULO SETE

Kate não lembrava a última vez em que se sentiu assim — excitada, o corpo todo em chamas, ardendo de desejo. Havia conhecido outros homens, desfrutara do sexo e da amizade que eles tinham a oferecer, mas somente com Trent experimentara a verdadeira paixão. Uma paixão dos sentidos, do coração, da própria alma. Arrastada por uma volúpia inexplicável, por uma necessidade tão arrebatadora que tudo mais se tornava insignificante, rendeu-se à fome selvagem que morava dentro dela. Seu corpo reconheceu


de imediato o toque de Trent, seu cheiro, seu gosto. Ela foi arrastada pelo instinto, longe de qualquer sombra de razão. Sempre foi assim com eles — sem freios, desejando misturar corpos e almas, sem racionalizações, apenas um desejo avassalador a ser aplacado. Ela poderia detê-lo. Ainda havia tempo. Ainda. Por que não pedia um tempo? Isso era loucura. Mas que os deuses os ajudassem diante dessa doce loucura. Enquanto ela desabotoava-lhe a camisa, Trent puxava o suéter dela por cima da cabeça. Beijando-se, deitaram e rolaram na cama. Quando já começava a lhe faltar o ar, Trent interrompeu o beijo e levantou o rosto, Arfante, o coração acelerado, ela fitou seus olhos castanhos, vibrando com um desejo incontrolável, que vinha das profundezas do seu ser. Ela estendeu a mão e tocou-lhe o rosto. A barba por fazer arranhou as pontas dos seus dedos, como se fosse uma lixa fina. Trent ajoelhou-se, puxando-a consigo de modo que ficassem um de frente para o outro. Segurando-a pelos ombros, seus olhos percorreram o rosto seguindo para o pescoço e por fim pousaram nos seios. Ele a enlaçou, abriu-lhe o sutiã por trás, abaixou a alças e tirou a

lingerie de seda bege. Com um olhar ardente e movimentos delicados, tocoulhe os mamilos nos pontos mais sensíveis. Ela esfregou os dedos pelo seu tórax, suas unhas arranhando seus mamilos e percorrendo a linha de pêlos escuros e encara-colados. Ela se deliciou com a sensação que provocou nele. A rigidez de sua musculatura e a suavidade dos pêlos que cobriam seu peito. O toque excitava-a, despertando-lhe emoções há muito adormecidas. Depois de acariciar-lhe os seios, ele passou os polegares por sobre os mamilos, delicadamente. Uma sensação atordoante e abrasiva invadiu-a, deixando-lhe os seios sensíveis e umedecendo suas partes íntimas. A ânsia entre suas coxas ficou mais intensa naquele momento. O corpo contraiu-se e relaxou. O processo se repetiu, preparando-a, umedecendo-a. Desejando, precisando, faminta por tê-lo inteiro, Kate tirou-lhe o cinto e desabotooulhe as calças, abrindo o zíper em seguida. Com movimentos ávidos, ainda que pacientemente deliberados, segurou com firmeza suas calças, abaixando-a até os quadris. Ele se afastou e ficou em pé, de modo a poder se livrar


delas. Ela foi para a ponta da cama, estendeu a mão e fez uma carícia em seu membro, mas se assustou com a rigidez da ereção de Trent. Delicadamente, ela abaixou a cueca até os pés dele. Ele chutou-a, jogando-a junto às calças. Um desejo incontrolável levou-a à ação. Ainda de joelhos na extremidade da cama, ela puxou-o pelos quadris para perto. Envolveu seu sexo com a mão direita. Acariciou-o. Beijou-o. Trent gemeu. Kate sorriu. Ele a pegou pela mão, arrastou-a para fora da cama e colocou-a de pé, de frente para ele. Com menos delicadeza e mais premência do que ela havia demonstrado ao despi-lo, ele deixou-a completamente nua. Com a respiração arfante e devastados pelo desejo, eles se abraçaram. Os seios nus contra o peito peludo. Um abdômen rijo contra um membro intumescido e pulsante. Eles se beijaram, e a suave ternura logo se tornou uma tórrida paixão. Eles se tocaram, trocaram carícias, exploraram seus corpos, apertando-se. Ele acariciou seu bumbum como se estivesse sentindo e apreciando a mais fina seda. Enquanto ela cobria seu peito com beijos molhados e apaixonados, ele passou os dedos pelos seus cabelos e agarrou-a firmemente. Erguendo seu rosto de modo que ficassem face a face, ele fitou-a por um milésimo de segundo. Soltou-a em seguida e a conduziu delicadamente para a cama. Antes que ela pudesse respirar, ele posicionou seus quadris na beirada da cama, caiu de joelhos, afastou-lhe as coxas e fez com que as pernas dela envolvessem os seus quadris. — Trent? — Shh. Ele beijou a parte interna de uma das coxas e depois a outra, repetindo essas carícias entre os seus joelhos até o vórtice de suas pernas. Trent foi o único homem a perceber que a parte interna de suas coxas era a região mais erógena do seu corpo. Ele adicionou longas e molhadas lambidas aos beijos, intercalando as duas ações até Kate vislumbrar a chegada do orgasmo. Mas quando ela estava próxima do clímax, Trent mudou a tática. Ele beijou suas partes íntimas. Ela foi sacudida por um tremor. Quando a língua alcançou a protuberância latejante, ela soltou um grito de prazer, contraindo cada nervo de seu corpo.


Sem parar de amá-la com a boca e com a língua, ele estendeu as mãos por sobre o seu estômago e acariciou ternamente seus mamilos, adicionando pressão à tensão pulsante que percorria todo o seu corpo. Minutos depois, ela teve um orgasmo. Gritando, sacudindo os quadris, ela foi à loucura. E Trent continuou, sem deixá-la até que estivesse completamente exausta, até cessar a última onda de prazer dela. À medida que se acalmava, Trent deitou-a na cama e juntou-se a ela, cobrindo-a com seu corpo e afastandolhe as pernas. Ela estendeu a mão em sua direção, tocando-lhe o sexo. Ele sentiu um estremecimento. Ela ansiava dar-lhe o mesmo prazer que ele acabara de lhe dar. Sem pedir sua permissão, empurrou-o de modo a deitálo de barriga para cima. Ele se virou, e, sem protestar, deixou-a no controle. — Você não precisa... — Eu quero — disse-lhe ela. Ela beijou seus lábios, seu queixo e seu pescoço. Em seguida, traçou uma linha lambendo seu peito de ombro a ombro, descendo até a barriga. Com carinho, ternura e lábios voluptuosos, transformou seu desejo em realidade. Ele enfiou os dedos em seus cabelos e fez com que ela o tomasse em sua boca. Ela deu-lhe exatamente o que queria. O gosto dele excitou-a. Entregando-se

completamente

a

uma

libertinagem

impensada

e

inconseqüente, ela fez com que se sacudisse de prazer. Trent soltou um grunhido baixo e animalesco. Com o corpo completamente entorpecido de prazer, ele puxou-a para seu corpo quente e molhado até que seus lábios voltassem a se encontrar. Quando se beijaram profundamente e suas línguas se cansaram, eles saborearam a si mesmos assim como um ao outro. Envolveu-a com seus braços e deu-lhe um abraço apertado. Nenhum dos dois falou.

Apenas

ficaram

ali,

enlaçados,

por

momentos

intermináveis.

Finalmente, Kate sentiu um tremor. — Você está com frio? — perguntou ele. — Só um pouco — respondeu ela. Ele se levantou e puxou a coberta, permitindo-lhe entrar debaixo dos lençóis antes que deslizasse, deitando ao seu lado. Ela aninhou-se perto dele. Ele colocou um braço sob seu pescoço de modo que a cabeça dela descansasse sobre seu ombro.


— Trent? — Mmm, hmm? O que ela devia dizer? Devia admitir que ainda pensava nele? Ou devia agir como se fazer sexo fosse algo simples? Enquanto estava tentando formular a frase correta e coordenar as palavras adequadas para a situação, o telefone tocou. Kate ficou tensa. Trent resmungou. — Será que é Moran? — perguntou Trent, enquanto estendia a mão para o telefone à mesa-de-cabeceira. — Só se tivesse surgido uma grande novidade no caso. Trent tirou o fone do gancho. — Sim? Kate percebeu uma súbita mudança em Trent. Ele tirou o braço debaixo dela, deixando sua cabeça sobre o travesseiro. Levantou-se em seguida, sentando-se. — Não, sinto muito. Esqueci de ligar. Foi um dia de muito trabalho e... — Quem é? — Kate perguntou baixinho, mais balbuciando a pergunta do que a formulando em voz alta. Trent balançou a cabeça. — Não, não sabemos muito mais do que fizemos. Nós colhemos amostras de DNA para testes que compararão nosso DNA ao das três meninas. Ei, você pode aguardar um minuto? Vou mudar de telefone. Trent colocou o telefone na mesa-de-cabeceira, saiu da cama, caminhou para o closet e pegou um roupão. Kate observou-o enquanto vestia o roupão e se deslocava para a sala, sem olhar ou falar com ela. Seria tia Mary Belle? Talvez. Mas por que precisava de privacidade para falar com a tia? O que ele poderia dizer a ela que não pudesse ser dito na frente de Kate?

Não é tia Mary Belle, sussurrou-lhe uma voz interna. É Molly Stoddard, sua quase-noiva. E Trent está se sentindo culpado porque acabou de fazer amor com a ex-esposa. Ela olhou o telefone na mesa-de-cabeceira. A tentação de pegar o fone e ouvir por pouco não se apossou dela. Não faça isso, advertiu a


si mesma. Estendeu a mão, pegou o fone e colocou-o no gancho. Resistira à tentação. Respirou aliviada. Kate saiu da cama, reuniu suas roupas e andou para a saía, ignorando a presença de Trent enquanto se apressava para o seu quarto. Ela bateu a porta tão alto quanto pôde. Que ele pensasse o que quisesse sobre isso. Bem, que diabo ela esperava que fosse acontecer? Mesmo que a amada de Trent não tivesse ligado hoje à noite, onde ela pensava que fosse levar o interlúdio sexual que compartilhara com ele? Trent iria construir uma nova vida para si, depois que voltasse para Prospect. Tem uma carreira que ama e uma mulher com a qual quer construir um futuro, uma mulher que sua tia sabe que é suficientemente boa para ele. Kate sequer conhecia Molly Stoddard, mas agora odiava essa mulher. Do fundo do seu coração. Trent desligou o telefone, amarrou o cinto do roupão e foi até a porta do quarto de Kate. Bateu. Não houve resposta. Bateu de novo. Seguidas vezes. — Kate? — Vá embora. — Precisamos conversar, Kate. — Não, não precisamos. — Sim, precisamos. — Trent girou a maçaneta e percebeu que a porta estava trancada. — Não faça assim, Kate. — Não quero ver você. Não quero falar com você. Não hoje à noite. Deixeme em paz. Se realmente tivermos o que conversar, poderemos fazer isso amanhã de manhã. Estou cansada e quero dormir. —r Desculpe. É isso o que você quer ouvir? Eu sei que errei. Eu devia ter lhe dito que era ela quem estava ligando. Na verdade, eu devia ter pedido para que ela ligasse mais tarde. Só que eu fui pego de surpresa e achei que seria estranho falar com ela estando na cama com você. — Você estava se sentindo culpado. Você a traiu e... — Não é nada disso. Molly não é minha esposa. Nem minha noiva ela é. Silêncio.


Trent fechou o punho, mas conseguiu segurar a mão antes de esmurrar a porta. Encostou a cabeça na porta e disse baixinho: — Molly sabe que você e eu estamos tentando nos entender. Ela é muito compreensiva. Ela não é uma mulher ciumenta. A porta foi aberta com tanta rapidez que por pouco Trent não perde o equilíbrio. Do outro lado, Kate fitava-o com as mãos na cintura. — Você contou a ela que nós... — Não, eu não contei. Mas não haveria o menor problema, se tivesse contado. Ela não é o tipo de mulher... — Para ter ciúme? Para ficar zangada? Para vir até Memphis e armar o maior barraco? — Kate levantou uma das mãos e colocou o dedo na cara de Trent. — Se ela não está com ciúme, ela não o ama. Se eu fosse

praticamente sua noiva e você saísse com sua ex-esposa por qualquer motivo, eu ficaria morrendo de ciúme. E se eu sequer desconfiasse que você fez amor com ela, eu iria arrancar os olhos dela com as unhas. — Esta é a diferença entre você e Molly — Trent admitiu. — Se você fosse

praticamente minha noiva, estaria perdida-mente apaixonada por mim. Molly, não. Se você não mudou, você só sabe amar se for de todo o coração. Para você ou é tudo ou nada. — Molly não o ama e mesmo assim você quer casar com ela? — Kate olhou-o com um ar inquisidor enquanto tirava as mãos da cintura. — Esqueça o que eu perguntei. Não é da minha conta. Kate se virou e começou a fechar a porta. Trent colocou o pé no limiar da porta, para impedir que ela a fechasse. Kate olhou por sobre os ombros. Parecia indagar suas intenções. — Vou fazer 40 anos. Quero ter uma vida tranqüila, uma família, uma pessoa com a qual possa dividir minha vida. Gosto de Molly. Admiro-a. Ela sente a mesma coisa por mim. — No popular, você está querendo sossegar o facho. Kate girou lentamente. Seus olhos se encontraram. E pararam. — Acho que sim.


— Que bom para você. Quando descobrirmos a verdade sobre Mary Kate, você poderá voltar para Prospect e se casar com Molly Stoddard e passar o resto dos anos levando uma vida medíocre. Sem discordâncias, sem discussões, sem altos e baixos, como um barco a vela deslizando pelas águas plácidas de um lago. Sem ondas. — Uma das mãos de Kate cortou o ar, traçando uma monótona linha reta. — Mas essa tranqüilidade tem um grande inconveniente. Falta-lhe paixão, falta-lhe um amor pelo qual lutar até morrer, falta-lhe aquele sexo que a gente faz não com o corpo, mas com o próprio coração. Quem sabe, com a alma. Kate deu as costas e tentou fechar a porta. Ele ficou estatelado. — A gente só ama assim uma vez na vida — Trent disse. — E quando você já perdeu a pessoa com a qual viveu esse tipo de aventura que você acabou de descrever, não tem mais nada a fazer senão se acomodar a uma vida medíocre. Ela parou, ainda de costas para ele. Ele quis agarrá-la pelos ombros marcados pela tensão, colocá-la em seus braços e levá-la de volta para cama para uma nova sessão de sexo selvagem. Precisou de muita força de vontade para controlar as mãos. — Eu jamais vou me acomodar. Eu ainda quero tudo. E se eu não tiver tudo, prefiro não ficar com nada. Ela tentou fechar a porta novamente. Dessa vez, Trent tirou o pé, deixando que fosse feita sua vontade. Ficou de frente para a porta durante alguns minutos. Inúmeros pensamentos invadiram sua cabeça. Sobre Kate. Sobre Molly. Sobre o futuro.

CAPÍTULO OITO

Dante Moran ligou às sete e meia da manhã. Kate estava acordada desde as seis, mas ainda continuava no quarto. Sentia-se uma covarde, uma tola, uma devassa. Sentia-se uma covarde por causa do medo de ver Trent nesta manhã. E uma devassa e uma tola por ter caído em tentação na noite


anterior. Talvez devesse acrescentar o adjetivo de abelhuda a essa lista. Afinal de contas, não tinha o menor direito de julgar Trent. Que mal havia em se dar por satisfeito com a perspectiva de um casamento momo? Essa possibilidade lhe parecia assustadora, mas para ela. Mas talvez não para Trent. O velho Trent, o homem pelo qual se apaixonara e com o qual se casara, jamais se acomodaria a uma relação de conveniência. Mas que sabia ela do novo Trent? — Kate, você está aí? — Moran perguntou. — Desculpe, fui pegar um casaco. — Acordei você? — Não, faz tempo que estou de pé. Mas por que você está me ligando a essa hora? — Os pais adotivos concordaram em mandar fotos recentes de suas filhas por e-mail. Um deles vai mandar diversas fotos de sua filha, algumas da infância. O coração de Kate disparou, enquanto se enchia de esperanças. — Da infância? Se víssemos uma foto da minha filha ainda bebê, nós a reconheceríamos imediatamente. — Não sei por que lhe disse isso. Maldição, Kate. Essa menina é a única cujo sangue não é O positivo. Mesmo assim, ela não perdeu as esperanças. — Mas nós vamos poder ver a foto das outras meninas, certo? Seria capaz de reconhecer a filha a partir de uma foto? Seu ansioso coração bem poderia ser vítima da imaginação, enxergando traços seus ou de Trent. — Sim, claro. Todos vocês receberão essas cópias. Essas fotos devem chegar ainda esta manhã. Telefonarei assim que as tiver em meu poder. — Moran, você não teria o endereço dessas meninas? — Sim. — Uma pequena hesitação. Uma respiração profunda. — Mas não me peça. Já estou fazendo muitas concessões a você. Mas tudo tem um limite.


— Você ao menos poderia me dizer se elas moram nas proximidades? — perguntou. — Diga-me ao menos os estados em que moram. — As duas que têm o sangue O positivo moram a menos de três horas de Memphis — ele disse. — Uma está no Mississípi e a outra no Alabama. isto é tudo o que eu posso revelar. Sinto muito, Kate. Estou lhe contando tudo, mas... — Tudo bem. De verdade. Não quero que o dispensem antes que você apresente sua carta de demissão. Ele forçou um sorriso. — Ligarei tão logo tenha as fotos em mãos. — Fico aguardando. Imediatamente depois de desligar o telefone, Trent bateu na porta do quarto. Ela sabia que era Trent. Quem mais poderia ser? Já havia tomado banho, trocado de roupa e tomado quatro xícaras do café que ela mesma fizera. Tomou coragem para abrir a porta e enfrentar Trent. Ele estava mais bonito do que nunca. — Pedi o café — ele disse com uma voz neutra, nem calorosa nem fria. Nem amigável. Nem hostil. — Ele acabou de chegar. Pedi uma omelete de presunto e queijo, torrada e café. Tudo bem? — Tudo bem. Obrigada. Antes que ela entrasse na sala, ele se virou e caminhou na direção da mesa. A tensão existente antes de fazerem amor havia sido substituída por uma mistura ainda mais explosiva. Junto com o desejo, havia um pouco de raiva e outro tanto de embaraço. Quando ela se aproximou, ele puxou a cadeira para que se sentasse. Ela olhou para ele por cima do ombro e ofereceu-lhe um sorriso. Ele assentiu, mas não retribuiu o sorriso. Depois de se sentar em frente a ela e de tirar a tampa que cobria os pratos, ela respirou fundo e olhou-o nos olhos. — Ontem à noite — ela disse. — De que você está falando? Do sexo que fizemos, do telefonema de Molly,


da minha estupidez ou da sua reação intempestiva a... — Estou falando de tudo. Olhos nos olhos, ele assentiu. — Olhe, Trent. Sou eu quem lhe deve desculpas. Eu não tinha o direito de lhe dizer o que lhe disse. Você tem todo o direito de se casar com quem bem quiser e entender, por qualquer que seja a razão. — Eu não vou me casar com Molly. Seu coração ficou tão inquieto como uma borboleta cativa. — Não? — Não, não vou. Pensei sobre o que você disse e lhe dou razão. Fiz tanto esforço para esquecer nosso casamento que quase me convenci que seria possível fazer um casamento de conveniência. Mas não posso. Fazer amor com você ontem à noite foi a prova que estava precisando. Pode ser que nós não nos amemos mais, mas, santo Deus, a atração que sentimos um pelo outro não cedeu nem um milímetro mesmo depois desses anos todos. Por alguns instantes, faltaram-lhe o ar e as palavras. Queria tocá-lo de qualquer maneira, sentir seus dedos passando por sua pele. Mas eu amo

você, Trent. Sempre o amei e sempre amarei. Por que não lhe dizia isso? Se lhe revelasse a verdade, talvez o mesmo acontecesse com ele. Mas e se ele não a amasse? E se ele só sentisse desejo sexual? — Com certeza, houve atração ontem à noite — ela disse. — Muita. Ele sorriu. Era um sorriso franco, que lhe falou diretamente ao coração. — Posso saber quem ligou há alguns minutos ou não é da minha conta? — Foi Moran. — Kate colocou café na xícara e em seguida uma generosa porção de creme. — Queria dizer que os pais adotivos estão mandando e-

mails com fotos das meninas. Trent levou a xícara de café até a boca. — Falou alguma coisa da reunião que ia marcar entre os pais biológicos e os adotivos? — Não. — Se uma das meninas for Mary Kate, nós não vamos tirá-la das pessoas que


a criaram, não é? — Kate precisava ser forte, pois não tinha certeza de fazer a coisa certa, caso descobrisse que uma das meninas era sua filha. — Não podemos fazer isso com ela, por mais difícil que seja para nós. Kate tentou levar a xícara até os lábios, mas suas mãos tremiam tanto que teve que devolvê-la à mesa. Maldição! Ela engoliu as lágrimas entaladas na garganta. Trent colocou a xícara na mesa. — Não, não podemos fazer isso com ela, por mais que nós queiramos levá-la conosco, cobri-la de amor e ficar com ela para sempre. — Eu tenho que vê-la. Eu tenho que acreditar com o meu coração que a coisa certa a ser feita é deixá-la com os pais adotivos. — Nós dois precisamos disso. O que quer que aconteça, será difícil para nós. Olhou para os próprios joelhos, evitando um contato direto com os olhos de Trent enquanto falava. — Moran tem o endereço delas. Quando nós formos ao escritório dele esta manhã, vou dar uma mexida em seus papéis para ver se os descubro. Se eu conseguir os endereços, você vai ver as meninas comigo? Como qualquer mãe biológica, tenho certeza de que reconhecerei de imediato minha filha, caso a veja pessoalmente. — Eu sei que é loucura, mas, sim, vou com você — Trent disse. — Vamos ter que ser muito discretos. Não podemos deixar que nenhuma das três meninas e muito menos os pais adotivos nos vejam e percebam a razão para estarmos lá. É minha condição, ok? Mesmo que você reconheça Mary Kate, você não vai... — Só precisamos ver duas meninas. Apenas duas têm o sangue O positivo. — Ela olhou nos olhos de Trent. — Moran me disse ontem. Desculpe por não têlo informado antes. Trent afastou os olhos, tomados por uma súbita tristeza. — Mesmo que você tenha certeza de que uma dessas duas meninas seja nossa filha, você não vai falar com ela ou deixar que perceba nossa presença, está combinado?


— Prometo que, independente da minha vontade de agarrá-la, abraçá-la e beijá-la, não farei nada que faça com que percebam nossa presença. Nós podemos vê-la a distância. Mas eu tenho que ver essas meninas. Não posso esperar. Estou esperando há quase 12 anos. Não agüento mais de tanta ansiedade. — Sei como você se sente. Pode ter certeza disso. — Não vamos esperar uma nova ligação de Moran — Kate disse. — Assim que acabarmos o café da manhã, vamos sair em campo. Você faz isso por mim? — Tudo bem. Mas primeiro você tem que comer. Você está muito magra, Kate. Tenho certeza que tem esquecido de fazer as refeições nesses últimos tempos. Tem sido sempre assim? Você não consegue comer quando está preocupada ou aborrecida com alguma coisa? — Você me conhece muito bem. E não é de hoje. Ela sorriu de lado e depois levou a xícara até os lábios. Robin Elliott morava em Corinth, no Mississípi, com os pais, Susan e Neal Elliott, e sua irmã mais nova, Scottie, que por sua vez também era adotada. Christa Farrell morava em Sheffield, Alabama, com sua avó paterna, Brenda Farrell. Ela havia sido adotada pelo filho de Brenda, Rick, e sua esposa, Jean, que tinham morrido em um desastre aéreo quando viajavam para Barbados, onde iriam comemorar o aniversário de casamento, havia seis anos. Enquanto Trent dirigia o Bentley a toda velocidade pela rodovia 72, Kate não parava de olhar as fotos que Moran havia passado por e-mail para os quatro casais de pais biológicos. Enquanto Trent distraía Moran com uma série de perguntas, Kate mexeu na papelada na mesa do agente do FBI até obter as informações sobre os pais adotivos e suas filhas, incluindo seus endereços. O acesso às informações havia sido tão fácil, que ela desconfiou que Moran sabia das suas intenções e deliberadamente deixara a pasta de que precisava em sua mesa, para que ela a achasse. Kate olhou atentamente a primeira fotografia, na qual Robin Elliott estava trajando o uniforme escolar. Era uma criança adorável, de traços perfeitos. Um laço de seda rosa mantinha os seus curtos cabelos louros presos para um


dos lados. Era difícil identificar a cor exata dos olhos, mas pareciam ser castanho-claros, salpicados de verde. As informações que acompanhavam a foto davam conta de que Robin faria 12 anos em três semanas. Estava na sexta série, era uma estudante razoável, que tinha um particular interesse pelos esportes e participava da torcida organizada do time de futebol da escola. Segundo os relatórios, era uma menina feliz, saudável e perfeitamente ajustada. Kate passou a foto e concentrou suas atenções no retrato da segunda menina cujo sangue era O positivo. Um par de grandes olhos castanhos olhava para Kate. Os olhos eram tão escuros quanto os de Trent. Os longos cabelos castanhos estavam partidos ao meio e presos por fitas verdes, que combinavam com o suéter de lã. Christa Farrell era uma bela criança, mas seus traços não eram perfeitos. Os lábios eram muito grandes e o nariz, de batatinha. E uma miríade de sardas se espalhava pelo nariz e maxilar. Kate também foi uma criança sardenta. A maquiagem e a intensa exposição ao sol livraram-na daquelas malditas pintinhas. Christa, que completaria 12 anos daí a duas semanas, era uma das melhores alunas da classe, mas o nível de intimidade que tinha com os livros estava longe de ser o mesmo de que desfrutava entre as colegas de turma, dentre as quais fizera poucas e raras amigas. Uma criança tranqüila e introvertida, preferia a companhia da avó e de outros adultos em detrimento de meninas de sua idade. Era saudável e excepcionalmente brilhante, mas a morte dos pais, há cerca de seis anos, deixara-a emocionalmente vulnerável. Kate colocou as fotos no colo. Alguma delas seria Mary Kate? Caso positivo,

por que eu não a reconheci? Porque não a identifico como minha filha com um simples piscar de olhos? Ela primeiro inclinou-se para Robin e sem seguida para Christa, mas por diferentes razões. Ela viu a si mesma e a Trent em ambas as meninas. Christa tinha os olhos castanhos de Mary Kate, mas Robin tinha seu cabelo louro. — Não se preocupe, Kate — pilheriou Trent. — As meninas não vão sair correndo das fotos. Trent olhou-a por sobre o ombro.


— Eu sei, mas não consigo parar de olhar para elas. — Kate deu um longo suspiro. — É bem possível que uma dessas garotas seja Mary Kate. Por que não reconheço minha própria filha? Talvez nenhuma delas seja Mary Kate. — Você está se preocupando à toa. O teste de DNA logo vai ficar pronto e aí, sim, nós saberemos a verdade. Só assim. — Acho que devíamos ter aguardado o resultado do teste, em vez de termos nos metido nessa aventura infrutífera. Mas se tivesse ficado em Memphis, eu iria enlouquecer. — Não podemos esquecer uma coisa — Trent disse. — Se nenhuma dessas meninas for Mary Kate, nossa vida não vai piorar em nada, tirando o fato de que não poderíamos alimentar mais esperanças. Mas eu também não suportaria ficar esperando, sem fazer nada. — Ainda falta muito para chegar em Corinth? — Faltam menos de 50 quilômetros. Kate respirou fundo e em seguida soltou o ar lentamente. — Estrada Oak Hill, número 1.212. — Ela deu uma olhada no relógio de pulso. — Robin deve estar saindo da escola em cerca de meia hora. Talvez possamos pegá-la no caminho de casa. — Não se esqueça de que não podemos fazer nada para chamar a atenção nem dela nem de sua família. — Não esqueci. Trent fez tudo que estava ao seu alcance para manter a calma, quando estacionou o Bentley na entrada de uma casa em cujo jardim se via a placa de "Vende-se". A casa ficava quase em frente ao número 1.212 da estrada Oak Hill. Se alguém desconfiasse deles, diriam que estavam comprando uma nova casa e que haviam parado para dar uma olhada naquela. O gelado vento do inverno doía nos ossos. Ainda bem que ele tinha colocado seu pesado casaco de lã e luvas de couro. Fingindo interesse na casa e no terreno, eles entraram no terreno e espiaram pelas janelas. Não perdiam de vista, porém, a movimentação no número 1.212 da estrada Oak Hill.


Os minutos passavam lentamente. Quanto mais tempo passavam ao ar livre, mais cortante era o vento e mais frio parecia fazer. — Por que não voltamos para o carro e nos aquecemos um pouco? — Trent sugeriu. — Não sei como você está suportando, mas eu estou morrendo de frio. Kate, que estava tentando aquecer-se abraçando a si mesma, concordou com a cabeça. — Vamos lá. Meu nariz está que é uma pedra de gelo. Quando estavam entrando no Bentley, Trent viu um Buick último modelo estacionando em frente ao 1.212. — Olhe, Kate. Ela parou ao seu lado e olhou para o outro lado da rua. Deram-se as mãos. A respiração dela estava visivelmente alterada. Ele parecia ouvir as batidas do coração. Será que ia ver sua filha? Uma mulher alta e loura saiu do Buick, acompanhada de duas crianças. Um menino aparentando ter oito anos saiu pela porta de trás, carregando uma mochila. A porta do carona abriu e por ela saiu uma menina magra e esguia, vestindo uma calça jeans e uma jaqueta de couro marrom. Kate apertou a mão dele. Eles andaram até o portão e foram até a calçada. Observaram atentamente Robin Elliott, ainda que tentassem demonstrar naturalidade. Ela era uma menina encantadora. Quando sorriu por causa de algum comentário do irmão enquanto corriam na direção da porta de entrada da casa, o coração de Trent pareceu parar. Seu sorriso era igual ao sorriso de Kate. E aquele cabelo louro e o porte esguio lembravam as fotos de Kate quando criança. Será que Robin era realmente Mary Kate? — Ela parece tão feliz — Kate disse. — Ela está feliz. Isso está claro. — Você acha... Ela lembra Mary Kate quando bebê? — Os cabelos são louros, ainda que mais escuros. E o sorriso dela é igual ao seu. Mas pode ser que o desejo de reencontrar nossa filha esteja me fazendo ver coisas onde não existem.


— Não sei se ela é Mary Kate — Kate admitiu. — Queria que fosse, mas não tenho certeza. — Ela colocou a mão esquerda sobre o coração. — Não sinto isso aqui dentro. Continuaram olhando Robin até que ela desaparecesse dentro de casa. Ficaram um longo tempo ali, sem conseguir nem falar nem se mexer. Foi Kate quem pôs um fim àquela inútil vigília. — Vamos embora — Kate sugeriu. — Com esse frio, ela não vai botar os pés fora de casa tão cedo. — Você está certa. Não faz o menor sentido ficar esperando. Não vamos conseguir ver mais do que vimos até agora. Eles caminharam na direção do carro. Uma vez acomodados, Trent ligou o carro para aquecer o interior e em seguida se voltou para Kate. — Podemos chegar em Sheffield em pouco mais de uma hora. Estamos a cerca de 100 quilômetros de distância. Kate olhou o relógio. — Christa Farrell vai todos os dias para a biblioteca pública. Sua vó trabalha lá. Podemos chegar em Sheffield antes que a biblioteca feche. Trent passou o dorso de uma das mãos enluvadas pelo rosado rosto de Kate. — Está tudo bem com você? — Sim, está tudo bem comigo. — Você está preparada para o futuro? — ele perguntou. — Você já pensou no que fará se nem Robin nem Christa for Mary Kate. — Saberei me virar. — Seus olhos se encontraram. — Mas eu jamais deixarei de procurar nossa filha. Ele ficou em silêncio durante alguns minutos. Diga o que você está sentindo, aconselhava o coração. Diga que ela não está sozinha. — Se ficar provado que nenhuma dessas meninas é Mary Kate, saiba que eu vou ajudá-la a continuar procurando. Gostaria de continuar procurando nossa filha com você. Kate fez uma expressão séria e se voltou para ele. Era visível seu esforço


para controlar as emoções e não se deixar vencer pelo choro. Maldição! Sabia que estava se sentindo da mesma forma que ela. Kate estava ansiosa quando estacionaram em frente à biblioteca de Sheffield, no centro da cidade. Além de pequena, Sheffield parecia uma cidade vazia. Tinha algo de lúgubre, ainda que houvesse alguns sinais de revitalização. Passara toda a viagem olhando a foto de Robin Elliott. As imagens da menina sorrindo iam e voltavam pela sua mente. Se Robin fosse Mary Kate, como é que seu coração de mãe não a reconheceu? Talvez ela

não fosse sua filha, dizia-lhe a intuição. Talvez Christa Farrell seja Mary Kate. Mas, e se você a vir e não a identificar? — E aí? — Trent perguntou. — Esperamos a biblioteca fechar ou entramos? Entrar? Poderia fazer isso?, perguntou-se. Conseguiria ficar no mesmo ambiente que ela, olhando-a a distância? Não ficaria tentada a falar com a menina, analisando-a como se fosse um inseto sob a mira de um microscópio? — Vamos entrar — Kate disse. — Tem certeza? Kate fez que sim com a cabeça. — Não podemos ficar olhando nem falar nada. Entendeu? — Sim. Eles saíram do Bentley e entraram na biblioteca. Ela era muito pequena e puderam abarcar todo o recinto com uma rápida passada de olhos. Kate abriu a bolsa e deu uma olhada nas fotos de Christa. Voltou a procurá-la na biblioteca e achou-a sentada a uma mesa, uma mochila na cadeira ao lado, um livro aberto à sua frente e um lápis à mão. — Lá está ela — Kate sussurrou. Trent olhou na direção que ela estava apontando com os olhos. — Gostaria que ela levantasse os olhos tio livro, de modo que pudéssemos enxergá-la melhor. — Não podemos ficar olhando desse jeito — Trent disse. — Vamos pegar algumas revistas e levá-las para uma mesa próxima à dela.


Kate seguiu Trent e depois que pegaram algumas revistas, sentaram-se à mesa mais perto de Christa. Quando se sentaram um de frente para o outro, a criança levantou a cabeça e olhou para Kate. Christa sorriu, mas não disse nada. Kate sorriu de volta. Sentiu um aperto no estômago quando viu os olhos castanhos da menina. Eram da mesma cor que os de Trent.

Isto não significa que ela seja Mary Kate. Christa voltou a se concentrar no que provavelmente era o dever de casa. Kate e Trent puderam observar a menina enquanto fingiam ler as revistas que tinham à mesa. Quanto mais analisava a menina, mais semelhanças Kate descobria. Os olhos eram iguais aos de Trent. A mesma cor, a mesma intensidade enquanto trabalhava. E sua boca tinha lábios tão fartos quanto os de Trent. A forma do rosto e as sardas que se espalhavam pelo rosto eram traços que havia herdado de Kate. Tinha o nariz da mãe de Kate — pequeno demais para seu rosto, que quando crescesse iria ganhar as mesmas formas que o da sua avó.

Maldição, Kate, não faça isso consigo mesma. Procurava detalhes que lhe assegurassem que estava diante de um parente. E o cabelo? Não era louro como o de Kate ou castanho-escuro como o de Trent. Não, mas era castanho-claro, o que poderia ser decorrente de uma mistura do cabelo da mãe com o do pai. E Christa era um pouco gordinha. Ela e Trent tinham sido crianças esguias, como Robin Elliott. Mas Kate sabia que Mary Belle Winston tinha sido uma criança rechonchuda.

Aqui está você de novo, mais uma vez tentando se convencer que esta menina é sua filha, Kate disse para si mesma. Estava imaginando semelhanças? Ou realmente essa menina era Mary Kate? Alguma coisa dentro dela unia Kate a esta menina, mas daí a afirmar que era sua filha havia uma grande distância. — Você não tira os olhos da menina — Trent sussurrou para Kate, segurando suas mãos trêmulas. Ela tentou desviar o olhar de Christa. — Você está vendo? — Kate perguntou com uma voz baixinha e suave. — Ou as semelhanças que eu estou vendo só são fruto da minha imaginação?


— Meus olhos e a minha boca. O mesmo formato do seu rosto. E as suas sardas. Percebendo que Trent também havia reconhecido as semelhanças, Kate voltou a olhar para Christa. Sentiu o coração acelerar ao ver a menina mordendo o lápis. Lembrou da mãe, que durante toda sua infância e parte da adolescência reprimiu-a por causa de sua mania de morder o lápis. De vez em quando, ainda se flagrava fazendo isso. Kate conseguiu conter o soluço na garganta. Mas seu esforço não foi suficiente para que prendesse as lágrimas nos olhos. — Acho melhor sairmos daqui — Trent disse. Kate fez que sim com a cabeça. Recolheram as revistas. Mas, em seu nervosismo, deixou uma das publicações cair. Antes que pudesse apanhá-la, Christa saiu de sua cadeira, curvou-se, apanhou a revista e entregou-a a Kate. Seus olhos se encontraram. Kate olhou para a criança através da cortina de lágrimas que jorravam de seus olhos. Christa voltou a sorrir. Kate fez tudo o que estava ao seu alcance para não agarrar a menina e levá-la consigo para todo o sempre. — Obrigada — Kate disse, quando pegou a revista. Trent passou a mão pela cintura de Kate. Sabia que estava precisando de apoio. Podia lhe faltar o chão a qualquer momento. — De nada — Christa disse. Antes que Kate estendesse a mão para acariciar o rosto angelical da menina, Trent controlou os próprios impulsos e forçou-a a acompanhá-lo. Ele pegou as revistas que ela carregava quando se aproximaram da estante destinada a periódicos. Levou-a em seguida para fora da biblioteca e caminhou na direção do carro. Ele abriu a porta do carona. Kate voltou-se para ele. Seu rosto estava banhado de lágrimas. Trent abraçou-a. Ela se aninhou em seus braços, chorando em silêncio. Ele acariciou-lhe as costas. — Calma, Kate. Assim você vai terminar enlouquecendo. — Eu sei que é loucura, mas eu acho... tenho certeza que achamos Mary


Kate. — Eu sei. Eu sei. — Você... — Kate engoliu as lágrimas. — Você teve a mesma sensação? Trent beijou-a. Com doçura e proteção. Levemente apaixonado. — Sim, eu tive a mesma sensação. Mas talvez tudo não passe de imaginação de nossa parte. — Talvez, mas meu coração diz que aquela menina lá dentro — Kate inclinou a cabeça na direção da biblioteca — é nossa Mary Kate.

CAPITULO NOVE

Seguiram-se três dias de pura agonia para Kate. E ela sabia que essa terrível sensação também tinha a ver com Trent, embora mal tivessem conversado a respeito. A espera foi insuportável. Ambos estavam com os nervos à flor da pele. Alternavam-se entre o mais solidário exercício de ajuda mútua à troca gratuita de agressões. Kate saiu sozinha do hotel em diversas ocasiões, andando pela rua por uma ou duas horas, apesar do frio. Precisava de muito esforço para não começar a gritar ou chorar. E sabia que se não se afastasse de Trent nos momentos de maior tensão, acabaria arrastando-o para a cama. A tensão sexual entre eles era palpável, dava quase para tocar. Uma noite de sexo talvez lhes proporcionasse alívio momentâneo, mas o que aconteceria à longo prazo? Não podia ter um relacionamento passageiro com Trent. Quase morrera quando o deixou, há dez anos. Não queria sentir a mesma agonia uma segunda vez. Naquela manhã, Trent foi o primeiro a sair da suíte, dizendo-lhe que se ela precisasse falar com ele, poderia localizá-lo pelo celular. Se precisasse dele? Deus do céu, precisava dele agora. A cada minuto do dia. E isso era terrível para ela. Tinha se acostumado a contar com ele. Dependia dele para qualquer coisa. Como nos dias anteriores, o tempo passava arrastado, muito embora tenha


procurado se manter ocupada o tempo todo. Fez um tratamento no cabelo que durou menos de meia hora. Tentou assistir a um programa de entrevistas na televisão, folheou diversas revistas e leu alguns capítulos de um romance que comprara em uma livraria no centro da cidade, havia alguns dias. Chegou ao ponto de pintar as unhas dos pés e das mãos. E tomou quatro xícaras de Earl Grey! E agora? Era pouco mais de meio-dia e já fizera tudo o que podia fazer. Começou a andar de um lado para o outro da sala. Tentava não pensar nos testes de DNA e na reação instintiva ao ver Christa Farrell na biblioteca de Sheffield. Analisou as opções de que dispunha. Ela podia sair para uma caminhada, mas, verdade seja dita, não sabia aonde Trent fora e não queria cruzar com ele. Do jeito como estava se sentindo, seria capaz de cometer uma loucura. Kate riu. Estava enlouquecendo. Precisava conversar com alguém — e esse alguém não podia ser Trent. Lucie! Não haveria ninguém melhor para conversar do que sua melhor amiga. Kate ligou para o celular de Lucie. Ela atendeu no terceiro toque. — Lucie Evans. — Lucie, sou eu. Você está ocupada? Pode falar comigo agora? — Oi, querida. Tudo bem com você? Novidades? — Por enquanto, nada. Essa espera está me enlouquecendo. E eu estou prestes a atacar meu ex-marido. — E um ataque mortal ou sexual? — A segunda opção. — Ham-ham. E por que você não faz isso? Kate perguntou-se como deveria responder. — Não me diga que... — Lucie disse. — Você já o atacou? — Sim — Kate admitiu. — E não posso deixar que aconteça novamente. — Por que não? Vocês já são bastante grandinhos e devem saber o que fazem.


— Já tenho muitos problemas. Tornar-me sua amante seria mais um para a coleção. — Por que você não admite que ainda o ama? Mesmo que tenha uma noiva, sou capaz de apostar que, se soubesse o que você sente... — Ele não vai se casar. Ainda não a pediu em casamento. — Viva. Pegue o homem antes que seja tarde demais. — É um risco muito grande. Pode ser que ainda o ame, mas não sei o que ele sente por mim. Talvez seja só um desejo reprimido. E eu estou muito frágil para perder Trent e Mary Kate de novo. — Por falar nisso, em que pé estão as coisas? — Lucie? — Diga. — Eu roubei o endereço de duas garotas que têm o sangue O positivo e fui vê-las com Trent. Lucie fez um longo e exagerado "Uau". — Nós vimos as duas — Kate acrescentou. — Mas elas não sabem quem somos ou o que estávamos fazendo ali. Tomamos muito cuidado. Fomos muito discretos. — E? — Sentimos as mesmas vibrações diante de uma das crianças. O nome dela é Christa. Juro, Lucie. Tenho certeza de que ela é Mary Kate. — Deve ter sido muito difícil manter o controle. Para os dois. Imagino que vocês tenham tido vontade de pegar a menina e sair correndo com ela. — Você não faz idéia. Deus do céu, o que é que eu vou fazer se o teste do DNA provar que estou certa? Como é que não vou reclamar meus direitos perante a Justiça? — Você a viu com os pais adotivos? Quero dizer, você sabe como é o relacionamento entre eles? — Os pais adotivos de Christa morreram há quase seis anos — Kate disse. — Ela vive com a avó.


— Acho que isso facilita as coisas, não? Você não acha que nesse caso não será mais simples para que você e Trent consigam a custódia da criança? — Pode ser que sim. Mas não seria uma maldade tirá-la da única pessoa com a qual ela mantém uma relação constante, nos seus curtos 12 anos? Lucie grunhiu. — Sim, eu entendo. Kate ouviu o toque do seu telefone celular, que havia deixado no quarto. — Lucie, meu celular está tocando. Você pode aguardar um minuto? — Claro. Kate colocou o telefone em cima da mesa, correu até o quarto e pegou o celular, que havia deixado na mesa-de-cabeceira. — Kate Malone. — Kate, é Dante Moran. Kate respirou fundo. — O resultado do teste acabou de chegar. — E? — Christa Farrell é sua filha. — Oh, meu Deus! Lágrimas nublaram a visão de Kate. A felicidade inundou seu coração. — Você gostaria que eu tentasse marcar um encontro entre você e Trent com Brenda Farrell, a avó de Christa? — Sim. Por favor. Diga-lhe que faremos o que ela quiser, aceitaremos todas as condições que ela impuser para que possamos nos encontrar e ter uma chance de... A voz de Kate ficou embargada e ela não conseguiu concluir o raciocínio. — Vá dar as boas-novas para Trent — Moran disse. — Ligo assim que conseguir marcar alguma coisa com a Sra. Farrell. — Obrigada. Muito obrigada mesmo. — Kate?


— Sim? — Não fique muito ansiosa. — Sim, eu sei. Tentarei não, mas... ai, Deus. Mary Kate está viva. E eu... eu a vi. Ela... desculpe, Moran, eu não devia dizer isso para você. Moran riu. — Não se preocupe. Eu sabia que você iria encontrar esses endereços. — Sim. Achei até que você havia deixado na mesa de modo que pudesse encontrá-los. — Tenho que correr. Mas voltarei a falar com você assim que for possível. — Tchau. Kate desligou o telefone, correu para a sala e pegou o telefone na mesa. — Lucie. Era Moran. Eu estava certa. O teste do DNA provou que Christa Farrell é Mary Kate. — Uau. Isso é maravilhoso. — Moran vai tentar marcar uma reunião com a avó de Christa. Cruze os dedos. — Como é que Trent reagiu à notícia? — Ai, Deus, ele ainda não sabe. Ele não está aqui. Tenho que desligar agora, Lucie. Vou ligar para ele. — Dê notícias. E boa sorte. — Obrigada. Tchau. Ansiosamente, Kate discou o número do celular de Trent. Ele atendeu no quinto toque. — Trent, volte para o hotel imediatamente — Kate disse. — Algum problema? — Nenhum. Moran acabou de ligar. Saiu o resultado do DNA. — E? — Christa Farrell é Mary Kate.


A casa de Brenda Farrell, situada em uma área de Sheffield conhecida como Village, era de estuque creme com janelas e telhas vermelhas. Arvores frondosas demarcavam o gramado e o caminho de tijolos que levava da rua até a vistosa porta de madeira e vidro era cercado de arbustos. Trent estacionou o Bentley na entrada ao lado da casa e em seguida apressou-se para abrir a porta do carona. Kate não lembrava a última vez que ficara tão nervosa. Tivera que pedir a Trent para que parasse duas vezes na estrada de Memphis, pois estava se sentindo enjoada. Estava com os nervos à flor da pele desde a hora em que Dante Moran lhe dera as boasnovas, dizendo-lhe que a Sra. Farrell iria recebê-los. — Está tudo bem com você? — Trent perguntou com o cenho franzido. Kate assentiu nervosamente e ofereceu-lhe um sorriso débil. — Quero que tudo corra bem neste encontro. Sou extremamente grata a Dante, que conseguiu convencer a Sra. Farrell a nos receber. Queria que ela gostasse de nós. — Ela segurou a mão de Trent. — Oh, Trent. Eu não sei se vou suportar, se alguma coisa acontecer de errado. — Vai dar tudo certo. — Ele apertou sua mão. — Só vamos precisar de um pouco de paciência. Para mim, já foi um grande avanço o fato de a Sra. Farrell ter nos permitido ver Christa hoje. — Você tem razão. Jamais imaginei que ela pudesse ser tão generosa. Trent passou o braço em torno dos ombros de Kate e apertou-a contra si. — Venha. Respire fundo. Vamos conhecer nossa filha. Kate respirou fundo e Trent a conduziu até a entrada da casa. A porta se abriu antes que tocassem a campainha. Uma senhora pequena e rechonchuda, com cabelos curtos e grisalhos e um belo par de olhos azuis, estudou-os nos mínimos detalhes e por fim esforçou-se para abrir um sorriso. — Vocês devem ser Kate e Trent — ela disse com um ligeiro sotaque sulista. — Por favor, não fiquem aí parados. Eu sou a avó de Christa, Brenda Farrell. — Ela se afastou e fez um gracioso gesto com a mão, indicando que entrassem.


Trent fez com que Kate desse o primeiro passo. Entraram em um florido jardim de inverno. — Obrigado por nos receber, Sra. Farrell — Trent disse. — Sim, somos muito gratos pela sua boa vontade. Seguiram-na até uma ampla sala de estar, com poltronas aparentemente confortáveis, um sofá estofado e um armário, usada como centro de lazer. — Por favor, não se preocupe — Kate disse. — Tirem os casacos e sentem-se — Brenda apontou as poltronas nas quais deviam se acomodar. — Christa não está em casa. Está na casa dos Kimbroughs, nossos vizinhos. Kate e Trent tiraram os casacos, penduraram-nos nas costas de uma das cadeiras da sala e sentaram no sofá, um ao lado do outro. Brenda permaneceu em pé. — O agente especial Moran nos deu a entender que poderíamos ver Christa hoje — Trent disse. — Achei que seria melhor que nós três conversássemos um pouco e então, se... — Brenda limpou a garganta. — Vocês precisam entender que essa situação me deixou arrasada. Saber que Christa foi raptada de seus pais biológicos, que ela não foi adotada por livre e espontânea vontade... Estou chocada, para dizer o mínimo. Tanto por vocês como por mim. Mas principalmente pela Christa. Essa doce menina ainda não tinha se recuperado completamente da perda dos pais... meu filho Rick e sua esposa, Jean. Não posso suportar a idéia de que tenha de enfrentar mais sofrimento, depois de tudo por que já passou. — Por favor, Sra. Farrell — Kate disse, com a voz ligeiramente embargada. — Pode ter certeza de que não queremos provocar nenhum sofrimento a Christa. Ela é nossa filha. Nossa pequena Mary Kate. Só queremos o melhor para ela. Trent segurou a mão de Kate, apertando-a com firmeza. — Sra. Farrell, não estamos aqui para reivindicar nossos direitos de pais. E não estamos aqui para tirar Christa da senhora.


Acima de tudo, queremos que nossa filha... sua neta... esteja feliz, bem e segura. Lágrimas brilharam nos olhos azuis de Brenda Farrell. — Por favor, me chame de Brenda. — Brenda, somos muito gratos a seu filho e a sua esposa, e a você, por terem cuidado tão bem de Mary... de Christa — Kate disse. — Todos esses anos, não sabíamos onde nossa filha se encontrava e o que tinha acontecido a ela. Somos muito gratos por ela ter tido uma criação tão boa. — Christa é uma criança amada e eu a amo mais do que qualquer coisa no mundo. Ela é tudo o que eu tenho. Meu filho era apenas uma criança... — Brenda respirou fundo e soltou o ar através dos dentes fechados. — Quando Rick e Jean morreram, eu trouxe Christa para viver comigo. Ela sofria com terríveis pesadelos todas as noites, durante meses a fio. Vi que ela estava precisando de ajuda profissional e mais tarde os pesadelos sumiram. Quero dizer, quase sumiram. Eventualmente, quando está muito pressionada, ela ainda tem um sonho terrível. Mas não se preocupem. Ela tem um grande equilíbrio emocional. — Tenho certeza de que essa saúde mental se deve em grande parte aos seus esforços — Kate disse. Brenda desviou o olhar. — Que tal um cafezinho? Como é que vocês gostam? — Preto — Trent respondeu. — Posso ajudá-la? — Kate perguntou. — Não, por favor, eu preciso de alguns minutos sozinha. Prepararei o café e em seguida irei até o vizinho, chamar Christa. Trent e Kate trocaram olhares esperançosos, mas nenhum dos dois ousou falar nada. Brenda saiu da sala de estar em direção à sala de jantar. Ela fez uma pausa na porta que dá acesso à cozinha. — Falei de vocês para Christa — ela disse, sem se virar. — Ela sabe que vai conhecer os pais biológicos hoje. Kate saiu do sofá antes que Trent pudesse agarrá-la e puxá-la de volta.


Olhou em seguida para ele, que a reprovou com a cabeça. Brenda Farrell desapareceu na cozinha. — Ela falou de nós para Christa. — Kate colocou as mãos no peito de Trent. — E se ela não explicou tudo direitinho? E se Christa estiver pensando que nós abrimos mão dela. Não, maldição, não, Trent. Eu não quero que minha filha pense que nós não quisemos criá-la. Trent segurou as mãos de Kate. — Calma, querida. Nós não sabemos o que a Sra. Farrell... Brenda... disse para Christa. Mas tenho certeza de que ela não disse nada de ruim sobre a gente. Pare e pense. Brenda parece ser uma senhora muito sensata. Ela não vai criar dificuldades para nós, pois também podemos criar dificuldades para ela. Todos nós estamos no mesmo barco agora. Ela quer proteger Christa, assim como nós. Todos nós a amamos. Percebendo que estava no seu limite, Kate resolveu se acalmar. Viu que Trent estava coberto de razão. A avó de Christa não iria querer fazer nada que pudesse trazer mais problemas para a menina.

A menina? Deus do céu, Kate, a menina é Mary Kate. Sua pequena Mary Kate. Inquieta e parcialmente enjoada porque não tinha conseguido comer nada desde o café da manhã, Kate levantou-se do sofá e andou pela sala de um lado para outro. Seus olhos foram fisgados pelas fotos acima da lareira. Ela se aproximou para olhá-las com mais acuidade. Ficou boquiaberta quando percebeu que acima da lareira havia fotos de Christa em diversos momentos. Algumas delas mostravam-na com um casal que Kate imaginou serem Rick e Jean Farrell. Uma foto em particular chamou a atenção de Kate. Era a foto de Christa ainda bebê. E pela decoração ao fundo e pelo vestido de veludo vermelho que ela usava, Kate descobriu que tinha sido tirada no primeiro Natal de Christa. Grandes e luminosos olhos castanhos. Um pequeno laço de veludo vermelho prendia seus cachos dourados. Essa era a imagem que ela guardava da sua filha. Levou-a no fundo do peito ao longo de quase 12 anos. Trent se aproximou por trás e envolveu-a com seus braços, encostando seu


rosto ao dela em seguida. — Tudo vai dar certo — ele sussurrou. — Vamos conseguir. E juntos. Kate aninhou-se nos braços de Trent. — Você acredita que haja uma solução que possa deixar todas as pessoas satisfeitas? Será que Brenda Farrell estaria disposta a... — Café — Brenda disse, entrando na sala com uma pequena bandeja nas mãos. Kate e Trent pegaram as xícaras e voltaram para o sofá. Brenda colocou a bandeja na mesa da sala de jantar, pegou sua xícara e voltou para a sala de estar. Sentou de frente para eles, em uma grande poltrona com motivos florais. — Sei que na condição de pais biológicos de Christa vocês têm certos direitos em relação a ela — Brenda disse, equilibrando a xícara em uma trêmula mão. — Mas eu acho que vocês são boas pessoas, que não vão levar Christa para longe de mim. Ela ficaria arrasada se me perdesse. Nós somos muito ligadas. — Não temos a menor intenção de separar Christa da senhora — Trent assegurou-a. — Se os seus pais adotivos estivessem vivos, nós só pediríamos para ver Christa e acompanhar seu crescimento, de modo que, quando crescesse, pudesse escolher se queria nos conhecer ou não. Mas já que seu filho e sua nora morreram e deixaram Christa sem pais, estamos pensando em uma forma de participar da educação de Christa. — Participar? — Brenda colocou a xícara em cima de um aparador. — Não entendo. Vocês estão sugerindo um acordo onde ela passe um tempo com vocês e um tempo comigo? Soube que vocês são divorciados. É isso? — O que estou sugerindo é que você e Christa venham nos fazer uma visita em Prospect — Trent disse. — Tenho uma ótima casa, com espaço de sobra para todos nós. E, sim, Kate e eu somos divorciados, mas pelo menos para a visita inicial, tenho certeza de que Kate estaria disposta a ir até Prospect, hospedando-se conosco em Winston Hall. Kate deu um gole no café, esperando que ele não caísse em seu estômago como uma barra de chumbo. Por que Trent não havia discutido essa idéia


com ela — os planos de levar Christa e sua avó para Prospect? — Estamos falando de quanto tempo? — Brenda perguntou. — Você decide. Sugiro que a primeira temporada seja de pelo menos uma semana. — Entendo. Bem, é uma proposta que eu posso analisar com carinho. — Você não precisa tomar uma decisão agora — Trent disse. — Nós lhe daremos alguns dias para pensar. Converse com Christa. Você tem a oportunidade de lhe dar uma mãe e um pai, além de uma tia-avó. E você e ela não se perderiam de vista. Se tudo correr a contento, você pode considerar a possibilidade de se mudar para Prospect. Espere um minuto, Kate quase gritou. E eu? Eu moro em Atlanta. Terei que ir a Prospect quando quiser visitar minha filha? — Vou pensar seriamente sobre a visita... logo. — Brenda levantou-se da poltrona. — Vou chamar Christa. Por favor, lembrem-se de que vocês não a conhecem. Não esperem que ela fique feliz ao vê-los. — Nós entendemos. — Trent olhou para Kate. — Não? Kate fez que sim com a cabeça. Quando Brenda saiu, Kate se virou para Trent. — De onde é que você tirou a brilhante idéia de levar Brenda e Christa para Winston Hall? — Por que essa ira toda? — Porque você tomou decisões envolvendo o futuro de nossa filha sem me consultar. Você deveria ter discutido isso comigo antes de... — Ah, Kate, a idéia me ocorreu agora. Pensei que você fosse gostar de passar uma semana com Brenda e Christa em Prospect. Seria uma oportunidade de conhecê-la e de ela conhecer sua família. — De que família você está falando? Você, tia Mary Belle e uma legião de primos Winston? Trent se levantou e deu uma volta pela sala, tentando controlar sua ira. Depois de vários minutos andando de um lado para outro, ele parou e olhou


para Kate. — Você precisa se convencer de um negócio de uma vez por todas, para evitar futuros mal-entendidos. Você e eu somos os pais de Mary Kate, o que significa que somos os pais de Christa. Ela é nossa. Não minha. Não sua. Nossa. Um calafrio percorreu o corpo de Kate, cujos nervos estavam à flor da pele. — Nossa — ela disse com uma voz gutural. — Se Brenda concordar, ela levará Christa para nos visitar em Winston Hall. Sim, tia Mary Belle também vai estar presente. Vamos ficar um tempo juntos, conhecendo-nos melhor, criando intimidade. Mais tarde, poderemos propor uma visita de duas semanas ou mesmo um mês. Também é possível que tudo saia às mil maravilhas já na primeira visita e possamos fazer um acordo definitivo no seu transcorrer. — E eu? E meu emprego? E minha vida em Atlanta? Trent ficou sério. — Pensei que você... — Ele limpou a garganta. — Se você não quiser se mudar para Prospect, eu poderia levar Mary Kate... digo, Christa... para Atlanta. Ou, se você preferir, Brenda poderá levá-la. A porta da cozinha se abriu. Brenda entrou. Christa vinha atrás dela, segurando a mão da avó. O coração de Kate pareceu parar, juntamente com o mundo todo ao seu redor. Finalmente, estava diante da filha que tivera com Trent. — Christa, esta é Kate e este é Trent. Falei deles para você. Eles são seus pais biológicos. Ela olhou primeiro para Kate e depois para Trent. Estudou-os nos mínimos detalhes. — Vi vocês dois na biblioteca um dia desses. — O quê? — Brenda engasgou. — Nós viemos a Sheffield dar uma olhada em Christa — Trent disse. — Estávamos muito aflitos e não conseguimos esperar. Nós também fomos a Corinth para ver outra menina que poderia ser nossa Mary Kate. — A culpa foi minha — Kate admitiu. — Eu estava muito ansiosa para


descobrir se... Eu queria que Christa fosse minha filha. — Eu não sou sua filha — Christa disse. — Rick e Jean eram meus pais. Agora eu pertenço a minha vó. Nós já temos nossa família. Não precisamos de mais ninguém, não é vó? Christa virou-se para a avó, com olhos suplicantes. — Nós estamos ligadas para sempre. — Brenda colocou o braço em torno de Christa e apertou-a contra si. — Kate e Trent não estão aqui para tirá-la de mim. Já lhe disse. Eles só querem conhecer você. Christa enterrou o rosto no colo da avó, que fez um carinho cheio de afeto em suas costas. — Onde está a sua educação, Christa? — Brenda fez com que a neta se afastasse e ficasse de frente. — Diga oi para Kate e Trent, pegue uma cadeira e comporte-se de modo a tornar essa visita um encontro agradável para todos nós. Com os olhos cheios de lágrimas, Christa olhou para os pais. Kate sentiu o coração se partindo. Lutara tanto para encontrar sua preciosa Mary Kate e agora ela a desprezava. — Oi — Christa sussurrou.

— Oi — Trent respondeu. Christa olhou para Kate, que conseguiu lhe abrir um sorriso. — Oi, Christa. Estou muito feliz de conhecê-la. — Por que você não conta a Kate e a Trent como é sua escola? — Brenda sugeriu. — Diga em que ano você está e quem é o seu professor e... — Não, eu não vou dizer nada para eles — Christa disse, sem conter as lágrimas. — Vão embora daqui. Os dois. Eu não conheço vocês. Vocês não são meus pais. Eu nunca deixarei minha avó. Nunca. Christa saiu correndo para o quarto. — Oh, querida. Brenda colocou a mão sobre a boca, chocada. — Por que você não vai atrás dela? — perguntou Kate, esforçando-se para


não ceder à vontade de ir atrás de Christa e envolvê-la em seus braços. Brenda suspirou. — Não. Quando ela fica nervosa, eu acho melhor deixá-la um pouco sozinha, até se acalmar. — Era exatamente assim que tia Mary Belle fazia comigo, quando eu agia dessa forma. Brenda olhou para eles. — Sinto muito. Pensei que ela estivesse pronta para conhecer vocês. Acho que não fiz um bom trabalho. — Você não tem culpa de nada — Kate disse. — Ninguém tem culpa. — Acho melhor a gente ir. — Trent colocou uma das mãos sob o cotovelo de Kate. — Vamos dormir na cidade, e se você não tiver nada contra, Kate e eu voltaremos amanhã. — Eu tenho o número do seu celular. — Brenda se aproximou e colocou a mão sobre o ombro de Kate. — Posso imaginar o que você está sentindo. Sinto muito, querida. — Talvez ela aceite conversar conosco amanhã — Kate disse, fazendo um esforço para engolir o choro. Ela se virou e atravessou praticamente correndo o jardim de inverno e a porta da casa. Trent só a alcançou quando já estava próxima do Bentley. Ele passou o braço em torno dela e a puxou contra si. Ela enterrou a cabeça no seu colo. E chorou.

CAPITULO DEZ

Trent reservou uma suíte no Holiday Inn, que era o melhor que a cidade de Sheffield, no Alabama, tinha a oferecer. Kate duvidava que os funcionários já tivessem visto um hóspede chegando em um Bentley. Toda a equipe parecia deveras impressionada em receber Trenton Bayard Winston IV,


como Kate pôde depreender do fato de o casal ter sido conduzido até a suíte pelo próprio gerente. Parecia-lhe estranho, mas nada despertava mais admiração e respeito do que o dinheiro. Enquanto o gerente fazia a corte para Trent, Kate foi ao banheiro em busca de refúgio. Chorara ao longo de todo o trajeto até o hotel e agora estava com uma dor de cabeça infernal. Ela abriu as torneiras da pia, fez uma concha com as mãos para recolher água e jogou-a no rosto. Pegou uma toalha de mão e enxugou-se. Suspirando, levantou a tampa do vaso e acomodou-se no assento. Sentia-se como um balão sem ar, que secara lenta e dolorosamente, deixando-a vazia e sem vida. Mary Kate não queria nada com eles. Não, não é Mary Kate — é Christa. Parecia estranho, mas tinha de se conscientizar que, embora Mary Kate fosse Christa, Christa não era Mary Kate. Não existia mais aquele bebê que ela dera à luz, do qual cuidara com todo o amor ao longo de dois meses. Aquela criança deixara de existir no dia em que foi roubada dos braços de Kate. Christa Farrell não tinha lembranças de sua vida pregressa. Nenhum vínculo afetivo a prendia a Trent e a Kate. Para ela, não passavam de estranhos, como Brenda tinha dito. O que iam fazer? E se Christa nunca baixasse a guarda? E se ela jamais permitisse que participassem de sua vida? Oh, Deus, não terei forças para

enfrentar isso? O coração de Kate estava desolado. Baixando a cabeça, ela cobriu o rosto com as mãos e gemeu. O feroz animal da melancolia fez morada em seu peito, parecia rasgar-lhe as entranhas. A porta do banheiro se abriu. Ela levantou os olhos e viu Trent entrando. Ele se aproximou, ajoelhou-se diante dela e segurou suas mãos, cobrindo-as completamente com as dele. Ela olhou para ele e viu a própria dor refletida nos seus olhos. — Oh, Trent... — Tudo bem, querida. Chore, desabafe, bote toda a sua dor para fora. Ela balançou a cabeça. — Para quê? Além do mais, não sou do tipo que gosta de desabafar. Essas


sentimentalidades não têm nada a ver comigo. E eu já botei o mar todo pelos olhos. — Eu estou precisando extravasar. Só vou ficar mais tranqüilo depois de passar pelo menos uma hora na academia, preferencialmente esmurrando um saco de pancada. Kate fez um carinho no seu rosto. — O que vamos fazer? — Vamos esperar até amanhã e torcer para que Christa resolva nos ver. — Trent pegou Kate pelas mãos e fez com que se levantasse. — Mas agora vamos tentar esquecer o dia de hoje. Encomendei o jantar, que deve ser servido em cerca de uma hora. Nesse ínterim, sugiro que encha a banheira de água quente e dê uma bela relaxada enquanto eu dou alguns telefonemas. — Você vai ligar para quem? — Tia Mary Belle, Dante Moran e meu advogado. Descobri o nome do maior especialista em direitos da criança. Quero que ele trabalhe para nós. Kate assentiu. Ela não sabia para que ele iria ligar para Moran, mas nada lhe importava nesse momento. E que Trent contratasse o advogado. — Um banho quente não me parece nada mal. Vou pegar meu pijama e meu robe... — Você não vai fazer nada. Relaxe. Deixe que eu cuido de você. Ele se virou e abriu as torneiras, desembrulhou o sabonete e colocou-o em cima da roupa de banho na beirada da banheira. Em seguida, colocou o xampu e o condicionador ao lado da roupa. — Tire a roupa e entre. Daqui a pouco eu trago o roupão e chinelos. — Obrigada. — Não tem de quê. Quando ele saiu do banheiro, Kate tirou a roupa e entrou na banheira. Suspirou de prazer quando sentiu a água quente envolver seu corpo. O nível da água subiu até o pescoço. Ela fechou as torneiras e encostou a cabeça na beirada da banheira. Ficou nessa posição por cerca de cinco minutos,


fazendo tudo o que estava ao seu alcance para apagar todos os pensamentos desagradáveis. A dor de cabeça não passou, mas melhorou considerávelmente. Ensaboou-se da cabeça aos pés. Lavou o cabelo, passou xampu, condicionador, esvaziou a banheira e voltou a abrir a torneira de água quente. Permaneceu um bom tempo na banheira, afastando a tensão do dia e as pequenas dores e incômodos que tomavam conta do seu corpo. Ficou assim até ser surpreendida com a presença de Trent no banheiro. Olhando-o de baixo para cima, ela sorriu quando viu que trazia um pequeno copo em suas mãos. — Parece vinho — ela disse. — E é vinho — Trent disse, rindo. — Oferta da casa. — Há quanto tempo estou aqui? — ela perguntou. — Acho que perdi a noção da hora. — Cerca de 20 minutos. Ele se aproximou da beirada da banheira e lhe estendeu o copo. Ela não se sentiu nem um pouco constrangida por estar nua na frente de Trent. Devia, mas não estava. Tinha sido seu primeiro amante, seu marido por mais de dois anos e conhecia seu corpo melhor do que ela mesma. Kate pegou o copo, bebeu o vinho e suspirou. — Nada mal. — Termine o banho. Vou buscar o roupão e os chinelos. Ela sorveu o vinho tinto, saboreando-o e apreciando sua habilidade de anestesiar seus sentimentos. Quando acabou de beber sua dose, Trent entrou no banheiro trazendo-lhe o roupão. Ele o pendurou na porta, abriu uma toalha de banho e se aproximou da banheira. Ela imaginou que estivesse segurando-a para ela, esperando enrolá-la quando se levantasse da água.

Se deixar que ele continue cuidando de mim, as coisas poderão e provavelmente sairão do controle, ela disse para si mesma. É isso o que você quer? Kate colocou o copo vazio no piso e em seguida saiu da banheira, indo para os


braços abertos de Trent. Ele a embrulhou com a toalha e conduziu-a até o vaso sanitário, fazendo com que se sentasse nele. Pegou outra toalha e esfregou-lhe os cabelos. Usando outra toalha, secou seus pés e as panturrilhas. Por fim, abriu a toalha que a envolvia e começou a massagearlhe o estômago, os seios e o pescoço. Uma onda de prazer fez com que Kate perdesse o fôlego. — Você está mais bonita do que quando nos casamos. Ele a despiu e contemplou seu corpo. Os mamilos ficaram duros. — Você é um tremendo mentiroso — ela disse. — Mas muito obrigada. Suponho que esteja em uma ótima forma para os meus 35 anos, mas... Ele colocou o indicador sobre os lábios dela, silenciando-a. — Você está numa forma maravilhosa. Ele tocou-a de modo tentador, colocando a ponta dos dedos sobre um de seus seios. Ela prendeu a respiração. Ele fez uma leve carícia em um dos mamilos. — Você não pode imaginar o quanto eu quero fazer amor com você — ele admitiu, os olhos ávidos deslocando-se dos seios para a barriga e daí para o seu sexo. — Talvez eu possa — ela disse. — Porque não deve ser nem a metade do meu desejo. — Kate? — Que tal um pouco de alívio para as feridas que ganhamos na guerra? — Dê o nome que você quiser. Alívio. Desejo reprimido. Necessidade mútua. Ela colocou as mãos em suas faces. — Só por hoje. Ela não queria que lhe fizesse promessas. Não esperava que lhe fizesse nenhuma proposta só porque iam fazer amor mais uma vez. — Isso, minha linda. Só por hoje. Ele colocou-a nos braços. Ela segurou-se firmemente enquanto era conduzida do banheiro até o quarto. Depois de deitá-la, tirou as próprias


roupas. Ela esperava que se deitasse ao seu lado, mas em vez disso retornou para o banheiro. Voltou alguns segundos depois, trazendo consigo um pequeno frasco de loção. — Fique de costas — ele disse. Ela fez o que ele pediu, sem questionar. Ele sentou-se na cama, agitou o frasco e virou um pouco de loção na mão, passando-a em seguida pelas costas e pelos ombros dela, que se entregou à sessão de massagem. Ele começou pelos braços, passou para a coluna e por fim concentrou-se no bumbum. Uma agradável sensação se espalhava pelo seu corpo. Era como se minúsculas correntes de eletricidade lhe devolvessem a vida. Trent esfregou as coxas, as panturrilhas e os pés. Quando eram casados, ele lhe fazia esse tipo de massagem com freqüência, que sempre terminava com um sexo doce e sensual. O tipo de sexo que reverberava no corpo e na mente durante horas. — Vire-se — ele disse, com uma voz rouca de desejo. Ela se virou lenta e languidamente. Uma estranha combinação de relaxamento e excitação emanava de seus movimentos. Os seios pareciam mais volumosos. Os mamilos intumescidos imploravam as mãos de Trent. Seu sexo latejava. Sentia se ficar úmida e o desejo sexual espraiava calor por todo o se corpo. Trent usou o pouco que restava da loção sobre a barriga e o ventre, as mãos grandes e gentis produziam sensações indescritíveis à medida que deslizavam por sua pele. Quando ela achava que não poderia suportar mais de tanta excitação, ele deitou-se ao seu lado. Ela sentiu seu membro ereto pressionando-lhe. Deu-lhe um longo beijo e, em seguida, seus lábios deslizaram pelas faces, pela nuca, pelo pescoço. — Quero entrar em você. E possuí-la, possuí-la e possuí-la. Ele deu uma leve mordida em um dos mamilos e depois no outro. Ela soltou um grito no qual se misturavam dor e prazer. — Uma vez não será suficiente.


Ela entregou-se ao momento. Pertencia a Trent e ao amor que nunca tinha morrido. Enquanto ele beijava-lhe os seios, ela acariciou seus ombros largos. Ele pressionou seu sexo contra ela, deixando-a ainda mais excitada. — Trent, por favor... — Ainda não, querida. Suas mãos, lábios e língua exploravam cada reentrância do corpo dela, que se tornava uma trêmula massa de desejo. Quando ela pensava que enfim ia penetrá-la, ele se afastou para pegar algo na mesa-de-cabeceira. Ela gemeu. — Pedi para que o gerente providenciasse alguns preservativos — Trent disse. — Não acredito. — Pode acreditar. — O que ele deve estar pensando? — Quem se importa? Mas ele provavelmente deve estar pensando que eu queria fazer amor com minha esposa. — Esposa? — Foi assim que eu registrei. Sr. e Sra. Winston. A ex-Sra. Winston suspirou e abriu os braços, chamando o Sr. Winston. Ele abriu o pacote às pressas, colocou o preservativo e voltou para ela. Quando ele deslizou as mãos sob suas coxas e ergueu-as, ela enlaçou seu pescoço. Ele penetrou-a, então. E ela se sentiu no paraíso. De volta aos braços de Trent. Seus corpos juntos. O amor deles era tão natural quanto a própria respiração, como se a vida só fizesse sentido para eles quando estavam um ao lado do outro. Eles se beijaram e se tocaram sem ansiedade. O desejo deles não era premido pela urgência. Ela percebeu que ele estava sendo deliberadamente gentil, tirando o máximo proveito de cada momento, alongando-o ao máximo. Ele era todo atenção, cobria-lhe de cuidados. Kate nunca havia se sentido tão adorada como nesta noite. Cada toque de Trent, cada movimento que ele fazia, cada palavra que pronunciava era uma


espécie de prece à sua deusa. Em diversos momentos, ele a conduziu a um ponto de puro êxtase, para voltar logo em seguida para lhe dar ainda mais prazer. Só muito depois foi que ele lhe permitiu retribuir o prazer que lhe proporcionava. E aí o sexo se tornou uma grande troca, a paixão crescia a cada momento, ia se tornando cada vez mais quente. Ela retesou o corpo à medida que se aproximava do orgasmo. Trent aumentou o ritmo, penetrando seu sexo cada vez mais rijo, cada vez mais veloz.

Faz mais. Faz muito mais. O orgasmo teve a força de uma explosão. Mas ainda assim soube tirar ainda mais

prazer

quando

ele

começou a

penetrá-la

ainda

mais

fundo,

movimentando-se contra seu sexo com mais intensidade. E quando ondas de prazer se espalhavam por todo o seu corpo, Trent soltou um grunhido. Ele gozou com fúria. Todo o seu corpo tremia de satisfação.

Eu amo você. As palavras estavam na ponta da sua língua. Seria a coisa mais natural do mundo revelar seus sentimentos. Mas não podia. Não enquanto ele não se pronunciasse primeiro. Quando ele se jogou na cama, ela se aninhou em seu corpo. Ele passou seu braço por baixo dela e apertou-a contra si, acariciando seu quadril nu. Ela retribuiu, acariciando-lhe o peito. — Santo Deus, Kate. Como eu senti saudade de fazer amor com você. E ela também sentira. Muito mais do que imaginava. — Sempre foi tão bom... A gente se entendia tão bem na cama, não era? Ele a beijou. — Sempre. Ela ficou ali, deitada na semi-escuridão da suíte do hotel, esperando que ele lhe dissesse as três palavras mágicas. O tempo passava arrastado. Permaneceram em silêncio até ouvir uma tímida batida na porta. — Serviço de quarto — uma voz feminina anunciou. — Maldição! Tinha esquecido do jantar. — Trent levantou-se. — Espere um minutinho — ele ordenou. Colocou as calças que estavam no chão e foi correndo até o banheiro. Quando voltou para o quarto, sorriu para Kate. —


Fique quietinha aí. Vou até a porta e eu mesmo trago o serviço de quarto. Quando Trent voltou conduzindo o carrinho com o jantar, Kate havia vestido o roupão e calçado os chinelos. Embora o ex-marido não tivesse mencionado a palavra amor nem antes, nem durante, nem depois do sexo, Kate apreciava os esforços que ele estava fazendo para agradá-la. — O jantar está na mesa — Trent disse. — Bom. Estou morrendo de fome. — Deixe espaço para a sobremesa — ele disse e piscou. — Não me diga... morango e chantilly? — Eles haviam se divertido com essas guloseimas na lua-de-mel, colocando mais creme um no outro do que nos morangos. — Sem morangos — ele disse, levantando a tampa que cobria a sobremesa. — Mas muito creme. Na manhã seguinte o celular de Trent tocou às oito horas, quando estavam se vestindo depois do banho juntos. Tinham voltado a fazer amor na noite anterior, usando o chantilly para torná-lo mais excitante. E ele a acordou antes das seis da manhã e mais uma vez se entregaram às delícias do sexo. Ele parecia insaciável. Tanto agora como no passado. Desejou-a em todos os momentos da sua relação. Mesmo quando o casamento entrou em crise, depois do rapto de Mary Kate. Como ele a deixou partir? Por que não se esforçara para salvar o casamento? Orgulho ferido e culpa o tinham deixado paralisado quando ela pediu o divórcio. Kate fora a melhor coisa que acontecera em sua vida, mas não fora capaz de preservá-la depois da perda da filha. Trent colocou uma toalha em torno da cintura e saiu correndo do banheiro. Pegou o celular no bolso do casaco e atendeu. — Trent, é Brenda Farrell. Sentiu o coração bater mais forte. — Oi, Brenda, como é que você está? — Eu estou bem, apesar de não ter dormido bem ontem à noite. — Ela fez uma pausa, esperando algum comentário de Trent, que no entanto permaneceu em silêncio. — Refleti bastante e concluí que Christa deve


conhecer você e Kate. Ela merece ter uma nova família e seria egoísmo de minha parte privá-la disso. Kate se aproximou de Trent, querendo saber quem era. — Você não pode imaginar como fico feliz de ouvir você dizendo isso, Brenda. — Ele enfatizou o nome para matar a curiosidade de Kate. — Brenda — Kate sussurrou o nome. Trent assentiu. Kate ficou na ponta dos pés e fez com que Trent se abaixasse, de modo que pudesse encostar o ouvido no telefone e acompanhar a conversa. — Christa não está cooperando nem um pouco — Brenda disse. — Precisarei de algum tempo para convencê-la. Não acho que vocês devam se ver hoje. O coração de Trent pareceu parar. — Você precisa de quanto tempo? — Até o aniversário dela. — Mary Kate faz aniversário no dia 4 de fevereiro. — Nós sempre comemoramos o aniversário de Christa no dia 7. É essa a data registrada na certidão de nascimento que a agência de adoção entregou para Rick e Jean. — Você quer dizer que nós só vamos poder ver Christa de novo no dia 7 de fevereiro? — Estou dizendo que chegarei com Christa em Prospect um dia antes do aniversário dela, para uma temporada de uma semana com você e Kate. Conversarei com a direção da escola, de modo que ela possa fazer os trabalhos que vai perder ao longo desse período. E vocês terão de entender que eu preciso ficar com ela em Prospect. Não posso deixá-la lá. Ela se sentirá totalmente abandonada. — É claro, você virá com ela — Trent disse. — E nós faremos uma festa de aniversário para Christa, se você não fizer nenhuma objeção. — Sim, seria ótimo. Sugiro apenas que seja uma festa simples, com poucas pessoas.


— Nós vamos adorar. Obrigado pelo que está fazendo por nós. — Imagino que não é fácil para vocês esperarem mais tanto tempo, mas, por favor, confiem em mim. Quero o melhor para a minha neta e se todos nós pudermos participar da vida dela, ninguém sairá perdendo, principalmente Christa. Se conseguirmos juntar as forças, a principal beneficiária será ela. — Concordo totalmente. — Entrarei em contato mais tarde, para pegar o endereço e... — Posso mandar um motorista, para pegar vocês, se quiserem. — Obrigada, mas não será necessário. — Tudo bem. Fique à vontade. — Pode me ligar, para saber como Christa está. Diga a Kate que ela pode me ligar todos os dias, se quiser. — Vou dizer, sim. Obrigado pela forma como está conduzindo a situação. — Todos nós já sofremos muito. Não quero que ninguém sofra mais. — É assim que nós pensamos também. — Até logo, Trent. Brenda desligou. Ele jogou o telefone em uma cadeira próxima, voltou para Kate e abraçou-a. — Brenda vai passar uma semana em Prospect com Christa. Chegará lá no dia 6 de fevereiro. Ele girou pela sala, abraçado a ela. — Você e eu vamos dar a nossa filha uma festa para comemorar seu 12° aniversário. — Oh, Trent, isso é bom demais para ser verdade. — Mas é verdade, querida. É verdade. Ele beijou-a novamente e antes que dessem por si estavam na cama fazendo amor de novo.


CAPÍTULO ONZE

Kate chegou a Winston Hall ao meio-dia e meia do dia 6 de fevereiro. Guthrie abriu a porta e lhe disse que o Sr. Trent só chegaria do tribunal às três da tarde e que a Sra. Mary Belle, que estava fazendo um lanche na sala de jantar, teria o maior prazer em recebê-la. Ela engoliu em seco, levantou a cabeça e andou na direção da toca do leão. Para sua surpresa, foi recebida de braços abertos e com um sorriso acolhedor. Mary Belle abraçou-a com carinho e conduziu-a pela mão até a mesa, onde havia dois pratos. — Quando você ligou dizendo que chegaria na hora do almoço, pedi para o cozinheiro preparar croquetes de salmão para nós — Mary Belle disse. — Se não me falha a memória, é o seu prato favorito. — Sim, muito obrigada. Kate sentou de frente para Mary Belle, admirada com a surpresa que sua antiga desafeta lhe fazia. O cozinheiro trouxe as saladas e sorriu para Kate. — Que bom recebê-la de volta, Sra. Kate. — Chá gelado... sem açúcar — Mary Belle disse. — Não é assim? E na sobremesa teremos Earl Grey. Servido com uma deliciosa torta de morango. — A senhora não precisava se preocupar tanto — Kate disse. — Eu sou sua tia Mary Belle. Você é da família, minha querida. E não me custou nada providenciar um almoço a seu gosto. E ainda que custasse, motivos não me faltam para querer agradá-la. Queria me desculpar por todos os mal-entendidos do passado. Só queria que soubesse que nunca quis magoá-la ou aumentar a cota de problemas que vocês estavam enfrentando depois do seqüestro de Mary Kate. Sinto muito. De todo o coração. Kate olhou para a tia de Trent. Um estranho pensamento lhe passou pela cabeça. Quem era esta mulher e o que tinha acontecido com a verdadeira Mary Belle Winston? — Você está sem palavras. — Mary Belle riu. — Amo Trent acima de todas as coisas e sua alegria é tudo para mim. Quando voltou para Prospect há


duas semanas, ele estava feliz como não o via desde que vocês dois se divorciaram. Só falava que Kate e Christa iam passar uma semana aqui conosco, em Prospect. — Trent e eu estamos ansiosos para ver nossa filha de novo e estamos rezando para que tudo corra bem. Tenho certeza de que Trent disse que nosso primeiro encontro com ela não foi nada bom. Depois da noite que passaram no Holiday Inn de Sheffield, Kate tinha voltado para Atlanta e Trent retornara a seus afazeres. Ao longo dessa angustiante espera, trocaram telefonemas quase todos os dias. Cuidaram de todos os detalhes para que a temporada de sete dias de Christa e Brenda em Winston Hall se tornasse inesquecível para todos eles. — Entendo completamente e também vou fazer o que estiver ao meu alcance para que tudo saia às mil maravilhas. — Mary Belle olhou para Kate com um ar humilde. — Tomei algumas providências que gostaria de discutir com você. Se quiser mudar algum detalhe, se alguma coisa não for do seu agrado, por favor, diga-me se... — Não sei se eu não a conheci direito no tempo em que convivemos ou se a senhora mudou tanto que mal posso reconhecê-la... Mary Belle arregalou os olhos. — Talvez um pouco de cada um, minha querida. Gostaria de pensar que não apenas estou mais velha, mas um pouco mais sábia. E no passado eu perdi tanto tempo tentando ensinar-lhe ser uma Winston que não lhe deixei saber o carinho que sempre senti por você. — Carinho? Pois eu sempre pensei que a senhora me desprezasse, achando que não estava à altura do seu sobrinho. Mary Belle franziu o cenho, tornando ainda mais profundas as rugas em torno da boca e dos olhos. — No começo, eu realmente tinha minhas reservas em relação a você. Você não era uma das nossas e... perdoe-me. Você sabe como eu sou esnobe. Não consigo ser de outra forma. — Ela riu nervosamente. — Mas não demorou para que percebesse que é uma ótima pessoa e principalmente que você e Trent se amavam. Acho que me excedi tentando fazê-la se comportar como


uma Winston. Mas uma coisa eu lhe garanto: eu acreditava que estava fazendo a coisa certa. Tanto para você como para Trent. — E agora? Eu não sou mais a esposa de Trent. — Você vai ser. Você e eu sabemos disso. Ele nunca esqueceu você. E eu suspeito que você continua a amá-lo. — Até que ponto sua boa vontade tem a ver com Christa Farrell? — Não vou negar que espero que você e Trent refaçam o casamento e possam oferecer um lar para Mary Kate. Sim, sim, eu sei. Eu tenho que me acostumar a chamá-la de Christa. Kate suspirou. Pelo menos uma vez ela e tia Mary Belle desejavam a mesma coisa. — Não esqueça que Christa tem uma avó que a cria sozinha desde os seis anos. — Winston Hall é uma grande casa — Mary Belle disse. — Há espaço para todo mundo. Inclusive para Brenda Farrell. — Você não é contra Brenda Farrell nesta casa? — Estou disposta a fazer tudo que for possível para reconstruir nossa família. — Entendo. — Kate pensou um pouco e em seguida acrescentou: — Diga quais foram as providências que você tomou para a visita de Christa e sua vó. Trent chegou em casa menos de dez minutos antes de Brenda Farrell estacionar seu velho Chevrolet. E mal teve tempo de dar um beijo em Kate, livrar-se da mala e perguntar-lhe como fora a viagem. Com Trent, Kate e Mary Belle um ao lado do outro no foyer, Guthrie abriu a porta e fez com que os hóspedes entrassem. Brenda vinha na frente de uma desconfiada Christa. Tanto a avó como a menina olharam intimidadas para o amplo foyer, a sinuosa escada, o esplendor da casa de uma família tradicional. Christa deu a mão à avó. Havia uma expressão de incerteza em seu rosto. — Bem-vindas a Winston Hall — Trent disse. — Espero que tenham feito uma ótima viagem.


— A viagem foi ótima — Brenda respondeu. — Christa, você não vai dizer nada para Trent e Kate? Kate procurou a mão de Trent e apertou-a com firmeza. Ele imaginou que ela estivesse tão nervosa quanto ele e que, como ele, precisasse de apoio moral. — Obrigada pelo convite — Christa disse com um tom mais formal do que sincero. — Sinta-se absolutamente à vontade — Trent respondeu. — Gostaria de beber alguma coisa? — Não, obrigada — Christa disse. — Que tal se sua mãe... se Kate mostrasse seu quarto — Mary Belle sugeriu com uma voz insegura e lágrimas brotando nos olhos. Christa olhou para Mary Belle. — Eu sou sua tia-avó Mary Belle. Eu nasci nesta casa. Vivo aqui desde então. Esta casa também é sua, você sabe. Você passou os dois primeiros meses de sua vida aqui e todos nós a amamos muito. — Eu não lembro — Christa disse. — Vovó me disse que minha mãe biológica não me doou. — Ela olhou para Kate. — Alguém me roubou de você, não foi? Kate assentiu. Lágrimas brilharam em seus olhos. Ela abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Trent percebeu que a emoção estava dificultando sua fala e se antecipou a ela. — Kate e eu a amávamos — Trent disse. — Você era nossa linda Mary Kate. Você era a alegria de nossas vidas. — Eu não sou mais Mary Kate. Sinto muito pelo bebê de vocês e por eu não lembrar de vocês. — Ela olhou para Mary Belle. — Ou de você. — Tudo bem, Christa — Kate disse. — Não importa. O que importa é que agora você está aqui e que vamos ter a oportunidade de nos conhecer. — Vovó me disse que vocês prometeram a ela que não nos afastariam. — Não, não vamos afastá-la de sua avó — Kate prometeu. — Não é, Trent? — É, sim. Queremos que sua avó faça parte de nossa família. A expressão de Christa mudou de uma hora para outra. Toda


a desconfiança deu lugar a uma grande curiosidade. — Nunca vi uma casa tão grande como esta. Ela é muito antiga, não é? — Sim, é muito antiga — Mary Belle disse. — Você não gostaria que Trent e Kate lhe mostrassem a casa enquanto sua avó e eu tomamos um chá de modo a que possamos nos conhecer melhor? — Posso, vó? — Certamente — Brenda disse. — O que você gostaria de ver primeiro? — disse Trent, dando um aperto na mão de Kate. que revelava sua confiança de que tudo ia dar certo. — Não sei... — Christa pensou um pouco e acrescentou: — Eu tinha um quarto só para mim quando morei nesta casa? — Você tinha um belo quarto — Kate disse. — Vocês mantêm o quarto? Kate olhou para Trent. Quando ela saiu de Winston Hall, o quarto de Mary Kate continuava intacto, como no dia em que fora raptada. — Seu quarto continua igualzinho — Trent disse. — Mas tia Mary Belle decorou um quarto maior para uma menina de 12 anos. — Jura? — Juro — Trent disse. — Posso ver os dois? — Pode. É claro que pode. Trent estendeu a mão para a filha. Ela aceitou sem hesitar e subiu a longa e sinuosa escada ao lado dele. Kate se arrependeu de não ter ouvido seus instintos e insistido para que tia Mary Belle desistisse da suntuosa festa de aniversário que planejara para Christa. Mas ela disse para si mesma que ficaria louca só de pensar que Christa seria soterrada por uma lista de 50 convidados, uma banda ao vivo, um palhaço, um mágico, uma bateria de garçons servindo refrigerantes e salgadinhos, um bolo de aniversário mais alto que a menina e uma enorme pilha de presentes.


Trent cochichou no ouvido de Kate: — Não sei se as festas da Rainha da Inglaterra são tão suntuosas como esta. Você não acha que tia Mary Belle exagerou um pouco? — O que você acha? — Kate riu. — Oh, Trent, olhe para Christa. Ela está se sentindo um peixe fora d'água. Igual a mim, quando entrei para a família. Trent passou o braço em torno dos ombros de Kate. — Ela me lembra muito você. Tem o seu jeito. O riso é igualzinho ao seu. Também tem o seu jeito tímido. — Ela está tentando agir com naturalidade — Kate disse, balançando a cabeça em sinal de desaprovação. — Mas por dentro deve estar se sentindo totalmente intimidada. — Vamos salvá-la? — Você teria coragem? Não seria uma tremenda indelicadeza cornos convidados, se fugíssemos com ela? — Para o diabo com as etiquetas. Tia Mary Belle saberá o que dizer a essas crianças e suas respectivas mães, quando descobrir que os pais de Christa a raptaram. — Você tem algum plano? — Você vai até Christa. Pergunta se ela gostaria de dar uma volta conosco. Eu vou avisar Brenda. — Vamos nessa, então. Kate abriu caminho entre as crianças até chegar a Christa, que estava sentada em uma cadeira que parecia um trono no centro da sala, cercada de presentes. — Você quer dar uma volta comigo e com Trent? — perguntou ela, falando num sussurro ao pé do ouvido da filha. Christa levantou-se da cadeira e agarrou a mão da mãe. — Estou pronta. Kate conduziu a menina pela sala, ignorando os chamados de tia Mary Belle. Trent juntou-se a elas na varanda e em seguida foram até a garagem.


Entraram no Bentley, acomodando-se no banco dianteiro. Christa não protestou quando Kate passou o braço em torno dos seus ombros. Trent ligou o carro e rumou na direção da estrada. — Para onde estamos indo? — perguntou Christa depois de alguns minutos. — Queria mostrar uma coisa para vocês duas — Trent disse. — Fica logo ali. — É outra surpresa de aniversário? — Christa perguntou, franzindo o cenho. — Não exatamente — Trent respondeu. — É um presente para todos nós, mas especialmente para Kate. Christa riu. — Sério? — Para mim? — Kate perguntou, olhando com um ar de surpresa para Trent. — Oh, Kate, eu esqueci de avisar a vovó que ia dar uma volta com você e Trent. — Não se preocupe — disse Trent. — Eu avisei a ela. Christa abriu um amplo sorriso. — Você não vai dar nenhuma pista para a surpresa? — Digamos que é uma coisa que Kate sempre quis. A afirmação de Trent aguçou a curiosidade de Kate, mas ela não fazia a menor idéia do que a esperava. O que foi que ela sempre desejou? Ela só conseguiu pensar em Mary Kate, seu belo bebê. Ter sua filha de novo era tudo o que queria na vida. — É maior do que um pacote de pão? — Christa perguntou. — Sim — Trent respondeu. Kate entrou no jogo. — É animal, vegetal ou mineral? Trent riu. — Com certeza não é animal. — Se é assim, não pode ser um cavalo, nem um cachorro, nem um gato. — Christa colocou o indicador na boca. — O que poderia ser? Você sabe que adoro adivinhações? — Virou-se para Kate. — Você não consegue imaginar uma coisa com a qual sempre tenha sonhado?


As palavras saíram da boca de Kate antes que ela se desse conta. — Eu sempre sonhei com você. Christa estudou Kate. Havia uma ponta de curiosidade em seus olhos. — Sinto muito o que aconteceu com seu bebê. Quero dizer, lamento por terem me roubado de você. Imagino que você tenha sentido minha falta. Foi isso que vovó me disse. Ela disse que você e Trent sentiram muito minha falta e que queriam que eu voltasse a ser a filha de vocês. — Sua avó está coberta de razão — Trent disse enquanto entrava na rua Três. — Não há nada que Kate e eu desejássemos mais do que voltar a ser seus pais. — Você querem que eu chame vocês de papai e mamãe? — Não, querida. Você pode chamar a gente do jeito que quiser. Pode ser Trent e Kate, não é, Kate? — Claro. Kate tentou imaginar para onde estavam indo. Ela pensou que iam dar um passeio pela cidade, mas Trent deixara o centro histórico e estava dirigindo na direção do bairro residencial. Kate prendeu a respiração quando o viu entrando na Madison. Não pode ser. É apenas uma coincidência o fato de

que a casa dos meus sonhos fica na Madison. — Veja, Kate, que casa bonita — Christa apontou para a velha casa dos Kirkendall, na esquina da Madison. — Não é que a Winston Hall não seja bonita, mas é tão grande que parece mais um museu do que uma casa. Trent riu. — Onde será que eu ouvi isso antes? — Ele deu uma rápida olhada para Kate enquanto estacionava na frente da velha casa dos Kirkendall. — Sua mãe, ou seja, Kate disse a mesma coisa para mim. Christa se virou para Kate com um sorriso que ia de orelha a orelha. — Você realmente disse isso para ele? — Sim, eu disse. O coração de Kate bateu acelerado.


— Chegamos — Trent disse. — Vamos entrar. — O quê? — disseram Kate e Christa em uníssono. — Esta é sua surpresa, Kate. — Não estou entendendo. — Você quer dizer que a casa é a surpresa de Kate? — Christa deu pulos de alegria. — Você comprou uma casa para Kate? — Trent, o que foi que você fez? Christa puxou Kate pelo braço. — Venha, vamos entrar. Numa espécie de transe, Kate abriu a porta e saiu do carro, puxada por Christa. Trent contornou o carro e seguiu os passos das duas pelo caminho de tijolos até a varanda. Trent colocou a chave na fechadura e abriu a porta. —: Vamos, entrem. — Esta casa tinha dono — Kate disse. — Espero que não tenha obrigado nenhuma família a sair daqui, só para fazer minha vontade. — Christa, veja se você consegue fazer com que Kate entre e dê uma olhada na casa. — Trent se afastou, para dar passagem para elas. — E para sua informação, Srta. Malone, eu comprei esta casa há nove anos. Christa empurrou Kate para o salão de entrada. Kate ficou boquiaberta quando viu a casa por dentro, totalmente mobiliada. Christa estava radiante de felicidade enquanto explorava a casa. — Adorei a casa. Ela é perfeita. Se é para eu morar com vocês, eu quero morar nesta casa. Trent passou o braço em volta dos ombros de Kate. — O que é que você diz disso? Que tal voltar para Prospect e morar nesta casa com sua filha? — Trent... Lágrimas correram pelos olhos de Kate. Nem mesmo no melhor dos seus sonhos foi capaz de imaginar Trent comprando a casa dos Kirkendall, reformando-a e mobiliando-a — para ela.


— Você comprou esta casa há nove anos, depois que nos divorciamos e eu fui embora de Prospect. Não entendo... — Foi uma loucura de minha parte — ele admitiu. — Mas eu pensei que um dia, talvez... — Ele passou a mão pelos cabelos e sorriu sem jeito. — Diabo, não sei o que pensei. Comprar esta casa foi a forma que encontrei de preservar sua memória, eu acho. — Há quantos quartos lá em cima? — Christa perguntou. — Quatro quartos e três banheiros. — Vai dar para todos nós. Quando você e Kate voltarem a se casar, vão dividir um quarto, é lógico. Eu terei um só para mim. E vovó terá o dela. E ainda haverá um quarto de hóspedes. Ou pode ser que vocês tenham um outro filho. Eu sempre quis ter um irmãozinho. Kate e Trent se olharam, surpresos com a naturalidade de Christa. — E se eu e Trent não refizermos nosso casamento? — Kate perguntou. — E se eu voltar para Prospect e você, Brenda e eu morarmos nesta casa? Christa olhou para Trent. — Mas se nós vamos constituir uma família, o Trent também tem que morar aqui. — Você está dizendo que quer vir morar em Prospect? — Trent perguntou. — Você quer que sejamos seus pais? — Acho que sim. Quer dizer, eu quero. Sim, é isso o que eu quero. Mas não se tivermos que morar em Winston Hall. — Esta pode ser nossa casa — Trent disse. — E você pode ficar com o quarto que quiser. Mas só Kate poderá dizer se eu serei um morador desta casa ou se serei apenas um visitante. Christa segurou a mão de Kate. — Por favor, Kate, diga que ele pode morar aqui também. Christa pegou a mão de Trent. — Tive uma grande idéia. Por que vocês não vão até Winston Hall e trazem vovó para cá? Acho que nossa temporada em Prospect será muito melhor, se


ficarmos todos aqui. — Isto a deixaria feliz? — Kate perguntou. — Sim, seria o melhor presente de aniversário. — Então, é isto o que vamos fazer — Kate disse. Ele passou um braço em volta de Kate e outro em volta de Christa. As duas olharam para ele e sorriram. Pareciam ter consciência da oportunidade que o destino estava lhes dando. Não iriam perdê-la.


Próximos Lançamentos TÓRRIDA PAIXÃO — Alexandra Sellers Eles encontraram-se apenas uma vez. Mas foi o bastante para que Mia Shahbazi soubesse que sua vida estava em perigo. Pelo menos, a vida que desejava ter. Para evitar grandes decepções ela parte para Bagestan, onde consegue recuperar seu trono na realeza. Mas o que ela queria na verdade era se fortalecer para evitar ser vítima do homem cujo povo chamava de Falcão: o Sheik Latif Abd ai Azzaq Shahin. E quando a distância provou-se impossível, Jalia é obrigada a utilizar seu último recurso de defesa.

ENTRE

O DEVER E O DESEJO

— Leanne Banks

Preso a uma promessa feita a um companheiro que morreu, o fuzileiro naval reformado Brock Armstrong não tem escolha, a não ser procurar pela viúva. Através de conversas sobre o passado e cartas, Brock conhecia Calhe Newton com bastante intimidade. Mas ao vê-la pessoalmente, Brock fica abalado. Callie era ainda melhor do que em suas fantasias. E em pouco tempo ele percebe o quanto a deseja em sua cama... em sua vida... para sempre.

Já nas bancas

O

GUERREIRO

DO

DESERTO

— Nalini Singh

Zulheina, o lendário reino do deserto, pertence a Tariq por direito de herança. E ele é o tipo de homem que não abre mão do que lhe pertence, isto significa que terá de reconquistar uma mulher muito especial — que partiu seu coração anos atrás, na Nova Zelândia. E assim que a atrair para seu reino, pretende mantê-la em sua vida para sempre... Porém Jasmine Colendge não é tão facilmente domável. Sua inocência intocada e sensualidade estonteante ameaçam, mais uma vez, colocar o altivo sheik de joelhos e fazê-lo se perguntar quem é o verdadeiro prisioneiro.


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