Bodas de Fel THE BOSS'S WIFE FOR A WEEK
Anne McAllister
Para assegurar um contrato, o milionário Spencer Tyack concluiu que precisa de uma esposa para exibir em público. Mas quem? Após escolher a sócia perfeita para o empreendimento, enviou sua assistente Sadie Morrissey a Nova York com os documentos necessários para a realização de seu divórcio. Anos atrás, ele a desposou em uma inesquecível noite em Las Vegas, e se arrependeu no dia seguinte. Mas o que fariam ao descobrir que, na verdade, ainda estavam casados?
Doação: Simone Digitalização: Ana Cris Revisão: Andréa M.
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Tradução Zé Gradel PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.àxl. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE BOSS'S WIFE FOR A WEEK Copyright © 2007 by Barbara Schenck Originalmente publicado em 2007 por Mills & Boon Modem Romance Título original: INNOCENT SECRETARY... ACCIDENTALLY PREGNANT Copyright © 2009 by Carol Marinelli Originalmente publicado em 2009 por Mills & Boon Modern Romance Arte-final de capa: núcleo i designers associados Editoração Eletrônica: ABREITS SYSTEM Tel: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185 / 2195-3182. Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4o andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921 -3 80 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
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CAPÍTULO UM Cuidar da papelada era o que mantinha Sadie Morrissey ao lado de Spencer Tyack. Ele era completamente incapaz de lidar com aquilo. Se a papelada ficasse por conta de Spence, nunca estaria pronta. A Tyack Enterprises era uma firma de empreendimentos imobiliários de enorme sucesso porque Spence tinha bom olho, muita perspicácia, uma prodigiosa ética de trabalho... E Sadie para cuidar dos detalhes. Há anos ela vinha fazendo isso. Desde que estava na escola secundária e ele mal tinha completado 21 anos: um rapaz com firmeza de caráter, metas e nada mais. Agora, 12 anos depois, Spence era dono de uma multinacional, controlava empreendimentos nos cinco continentes e já teria conquistado o mundo, pensava Sadie às vezes, se ela pudesse acompanhar a papelada. — Você precisa arquivar mais rápido — Spence vivia dizendo, com aquele fabuloso sorriso, enquanto passava às pressas pelo escritório a caminho de Londres, Paris, Atenas ou Nova York. — Nunca! — Sadie respondia, amassando uma folha de papel e atirando nele. O sorriso cintilava novamente, e ele piscava para ela. Sadie resistia ao sorriso, à piscadela. Resistia a Spence, outra coisa que fazia há anos. — Já tenho trabalho suficiente, obrigada — respondia acidamente. — E não é só arquivar. Claro que ele sabia disso. Sabia que Sadie mantinha tudo organizado e era capaz de agendar uma reunião com pessoas de quatro continentes num piscar de olhos, e que o caderno de endereços dela tinha mais informações que o dele. Só dizia aquilo para irritá-la. Depois sorria outra vez, enunciava rapidamente mais meia dúzia de tarefas para ela e sumia, para pegar outro voo, enquanto Sadie voltava ao trabalho. Até o ano anterior, Sadie tinha motivo para ficar em Butte. Decidira cuidar da avó idosa, garantir que pudesse viver na própria casa enquanto fosse possível. Mas fazia seis meses que a avó falecera, e os pais insistiam em que ela fosse para Oregon, onde moravam. Seu irmão, Danny, prometera inúmeras entrevistas de emprego em Seattle. Mas Sadie não fora. Gostava de Butte. Adorava viver em Montana, deleitava-se com as mudanças das estações, os grandes espaços abertos. Para ela, ainda era o melhor lugar do mundo. E ela gostava da vida que levava. E, sobretudo, havia o emprego. Ela e Spence 3
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sempre trabalhavam bem juntos, e era instigante, mesmo que ela parecesse sempre uma insana, trabalhando loucamente para manter tudo sob controle e em dia para que Spence pudesse continuar a comprar o mundo pedaço por pedaço. Certos dias, como aquele, Sadie achava que seria melhor se fosse um polvo. Mas mesmo oito braços não teriam bastado para lidar com todos os projetos da Tyack Enterprises com os quais ela fazia malabarismos naquela tarde. O telefone tocava quando ela abrira a porta do escritório naquela manhã. Na hora do almoço, já havia falado quatro vezes com um italiano determinado a atrair a atenção de Spence para um condomínio em Nápoles, mesmo depois de saber no primeiro telefonema que Spence não estava lá, mas em Nova York. Atendeu um arrogante magnata grego chamado Achilles, que também não aceitava um não como resposta. E, entre as ligações, continuara a preparar a reunião de Spence em Fiji, na semana seguinte. A logística para ele e seus co-investidores passarem uma semana em uma das menores ilhas de Fiji, em um hotel para executivos estressados, era, por assim dizer, um desafio. Pessoas como Spence e seus sócios não tinham agendas que lhes permitissem descansar uma semana no paraíso. — Não queremos ficar ociosos — Spence havia lhe dito na última vez que estivera em Butte. — Só queremos ir, ver o lugar, mastigar os números e, se for bom, comprálo. — Isso é o que você quer — concordou Sadie. — Mas o sr. Isogawa quer que você sinta a paz na qual vai investir. Isso ficara bem claro já na primeira conversa que ela teve com o executivo japonês Tadahiro Isogawa. Ele queria sócios, sim. Mas não quaisquer sócios. Queria os que acreditassem no conceito do resort — e que desejassem experimentá-lo pessoalmente. — A paz em que vamos investir? — Spence franziu as sobrancelhas. — Quem é que está querendo paz? Queremos é ficar sócios do empreendimento. Sadie explicou pacientemente: — Ele espera que todos vocês apareçam por lá, passem uma semana conhecendo o lugar — e uns aos outros — com suas famílias. — Eu não tenho família. — Então diga isso ao sr. Isogawa. Ele dá muita importância ao casamento e à família. E para isso que ele trabalha, pelo menos foi o que me contou. Acredita que, muitas vezes, as pessoas que trabalham demais confundem suas prioridades. Daí a necessidade de nanumi, que significa recordar em fijiano — ela informou a Spence. Nada disso impressionou Spence. Ele lançou aquele olhar cético que Sadie conhecia demasiado bem. Ela apenas levantou os ombros. — Isso é com você. Mas ele disse que se vocês pretendem participar do negócio, ele vai querer todos vocês lá, com mulheres e filhos — por uma semana, para sentir o nanumi por experiência própria. Spence revirou os olhos. Mas o desejo de participar daquele empreendimento hoteleiro venceu, e finalmente ele encolheu os ombros. 4
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— Bem. Será como ele quiser. Prepare tudo. E assim ela fez. Levou dias até ter certeza que todos teriam horário livre para aquela semana, e outros tantos para que pudesse fazer todos os acertos necessários para as viagens, desde os mais distintos cantos do planeta, até o resort da ilha. E respondeu a milhares de perguntas de esposas atônitas, que ligaram para assegurar-se de que aquela proposta de uma semana de férias em Fiji era verdadeira. — Nós nunca tiramos férias — disse-lhe Marion Ten Eyk. — John está sempre trabalhando. A mulher de Steve Walker, Cathy, dissera mais ou menos a mesma coisa. E a de Richard Carstairs, Leonie, telefonava todos os dias para Sadie, perguntando: — Você tem certeza? Richard sabe disso? E Sadie garantia todas as vezes que Richard sabia, sim. E até começou a pensar que o sr. Isogawa também sabia do que estava falando. Justamente quando ela já conseguira organizar tudo e começou a analisar um contrato que Spence lhe enviara por fax, sobre um empreendimento na Geórgia, o telefone tocou outra vez. Sadie fechou os olhos e rezou pedindo paciência. Na verdade ela não precisava de oito mãos, pensou com cansaço enquanto pegava o telefone. Mas oito orelhas cairiam bem. — Tyack Enterprises — ela atendeu e ouviu uma voz cuja primeira língua claramente não era o inglês. Nem italiano, nem grego. —Ah, Isogawa-san, konnichi wa. Que bom ter notícias suas! E realmente era bom. O sr. Isogawa era o único com o qual ela ainda não tinha falado. — Todos chegarão no domingo. Tenho os detalhes bem acertados. Alegremente ela passou as informações e sorriu ao receber a simpática aprovação do japonês. Ela descobrira que o sr. Isogawa tivera pouca experiência com ocidentais além dos que via em filmes. Como Sadie era mais dada ao trabalho duro do que a perseguições de automóveis ou a matar as pessoas para conseguir que as coisas fossem feitas, ele pensava que ela era uma trabalhadora milagrosa. Ele anotou todas as informações e depois disse: — Você também deve vir. — Muito obrigado. Eu adoraria — Sadie respondeu com um sorriso. Quem não ia querer passar uma semana em um paraíso do Pacífico Sul. — Mas tenho trabalho para fazer aqui. — Mesmo assim — disse o sr. Isogawa. — Você trabalha muito. Também deveria ter férias, ter uma vida. Como é que ele sabia que ela não tinha uma vida? — Fale com Spencer — disse ele. — Ele organizará tudo. O próprio Spence não tirava férias, e Sadie sabia que ele não via nenhuma razão para que qualquer outra pessoa o fizesse. Oficialmente, Sadie tinha duas semanas por ano, mas não podia lembrar-se de jamais haver tirado essas férias. — Talvez algum dia — ela disse ao sr. Isogawa. Quando o inferno congelar - Mas, 5
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depois que o sr. Isogawa desligou, ficou pensando no que ele dissera. Não sobre ir a Fiji. Não havia chance de isso acontecer. Mas talvez ela devesse pensar em ir embora. Mudar-se. Ela sempre tivera a convicção de que eram bons para ela a variedade e o movimento da vida que levava. Mas era realmente uma vida? Rob McConnell, o homem com quem ela vinha se relacionando nos últimos dois meses, certamente pensava que não. — Você nunca tem tempo para nada que não seja o maldito emprego — queixavase ele de vez em quando. — Você não está ficando mais jovem, Sadie. Normalmente Rob não era tão rude, mas ela sabia que ele estava ficando irritado com o fato de ela não querer mais que um relacionamento casual. Ela não o culpava. Ele era um homem genuinamente agradável, queria casar e constituir uma família. E estava certo, ela não estava ficando mais jovem. Tinha 28 anos. Sadie queria algo mais sério. De verdade. Mas não com Rob. Esse era o problema. Talvez ela devesse mudar de ares. Estava pensando nisso desde que seu irmão Danny viera de Seattle para visitá-la, na semana anterior, trazendo a mulher e os gêmeos de um ano de idade. Aquilo foi um choque. Danny sempre tinha sido um cara livre e desimpedido como Spence. Ver o irmão como um devotado homem de família deixou-a meio fora de prumo. — Quem podia pensar que eu ia tomar juízo antes de você — Danny dissera uma noite antes de partir. Ele estava sentado na sala da casa, com um dos gêmeos em cada braço, parecendo exausto, mas contente. E então ele a observou lentamente, fazendoa contorcer-se sob seu olhar enquanto dizia: — Mas você já resolveu sua vida, não é, Sadie? — O que você quer dizer com isso? — Você se estabeleceu como escrava de Spence. — Não sou escrava de ninguém! — Sadie jogou no chão a cópia do plano de viagem de Spence em que estava fazendo ajustes de último minuto, levantou-se e começou a andar de um lado para outro na sala. — Não seja absurdo! — Não sou eu que estou sendo absurdo, Sade. Com você é sempre trabalho e nunca lazer. Sempre foi assim, que eu me lembre. — Eu tenho lazer — Sadie protestou. — Quando trabalha 17 horas em vez de 18? Caramba, você está tão cega quanto Spence. — Nós temos objetivos! — ela afirmou altivamente. — Spence tem — corrigiu Danny com a rudeza de um irmão mais velho. —Você está apenas esperando. Sadie rodopiou para encará-lo. — O que será que isso significa? Danny encarou o olhar dela. — Você sabe muito bem o que significa. — Tenho um ótimo emprego! — Mas você tem uma vida? Você está perigosamente perto dos 30 anos e mal tem um relacionamento! 6
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— Tenho 28, não estou perigosamente perto dos 30! E Rob? — Você não tem nada sério com Rob McConnell. Case-se. Tenha a família que você sempre quis — Danny lançou essas palavras como um desafio, e Sadie não pôde enfrentá-lo. — Estou bem — disse ela obstinadamente. — Você poderia conseguir um emprego em qualquer lugar. Venha para Seattle. Kel conseguirá cem entrevistas de trabalho para você. Acredite em mim, você está desperdiçando seu tempo com Spence. — Não estou me relacionando com Spence. — Agradeço a Deus por isso — disse Danny.— Ele é meu amigo, mas não foi feito para o casamento, não é? Ela balançou a cabeça. — Trabalho para ele, só isso. — Então peça demissão. — Não posso. — Por que não? Spence é o dono da sua alma, Sadie? — Oh, pelo amor de Deus. É claro que não! — Mas o rosto dela ficou vermelho, e Sadie desejou que Danny não tivesse reparado. Por sorte, ele havia desviado o olhar e não vira nada. — Bem, a gente fica imaginando. Você trabalha para ele há anos! Desde que estava no colégio. — Porque ele precisava de ajuda. Você conhece Spence. Ele é bom em convencer pessoas. É bom em descobrir propriedades e reformá-las. Tem muito potencial, visão e conjunto. Mas não é bom com a papelada; nem consegue acertar os detalhes. Ela fez o irmão recordar: — Mas não fiquei de todas as formas. Eu saí, lembra? Fui para a universidade. Quatro anos na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. — E depois você voltou, sua boba. Para ele. — Para o emprego — insistiu Sadie. — Ele me paga muito bem. E tenho uma percentagem dos negócios, pelo amor de Deus. E para onde mais eu poderia ir e dirigir uma empresa internacional de empreendimentos imobiliários na minha idade? E ainda poder viver em Butte? — Ah, sim. Grande vantagem. Butte! O centro do mundo cultural do Ocidente. Velha cidade mineira há muito desvalorizada, Butte estava fazendo uma lenta escalada em direção à prosperidade, graças em grande parte a Spence e alguns outros caras como ele, determinados a mudar as coisas. — Não seja sarcástico. E não faça pouco de Butte. —A voz de Sadie ficou gelada com a rejeição do irmão à cidade natal deles. — É a nossa cidade. Spence não faz pouco dela. E teria mais direito que você a fazer isso. Ela e Danny haviam tido uma boa infância com pais estáveis e amorosos. Spence, não. Por mais que agora fosse um magnata dos negócios imobiliários de alcance internacional, Spencer Tyack não nascera em berço de ouro. — Nem mesmo de cobre — dissera uma vez com um sorriso torto, fazendo humor 7
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com o passado de mineração de cobre de Butte. — Mas sobrevivi. Não graças aos pais. Sadie lembrava do avô de Spence como um velho carinhoso e protetor, mas que morrera quando Spence tinha dez anos. Dali em diante a vida foi um inferno. O pai, alcoólatra, não conseguia ficar em nenhum emprego e raramente aparecia em casa, exceto para brigar com a mãe de Spence ou dar uns tapas no menino. E a amargura da mãe com o marido encontrou alvo mais conveniente no único filho que tinham. Sadie, a quem Spence nunca permitira entrar na casa dele enquanto eram pequenos, ainda assim em certa ocasião chegou suficientemente perto para ouvir a mãe gritar com o filho: — Você é igual ao seu pai! Ele não era. Nem de longe. Ao contrário do pai, Spence sempre teve metas. Mesmo quando era uma espécie de delinquente juvenil no colégio, estava determinado a ser o melhor delinquente da gangue. Um agente de condicional, que insistiu para que não Se encontrassem no escritório, mas sempre no cemitério, ao lado do túmulo do pai de Spence, tinha com isso posto fim aos projetos de delinquência do rapaz. Spence resolveu fazer o velho ficar orgulhoso dele, ter sucesso, sair-se bem na vida, tornar-se, enfim, o melhor homem que pudesse. Trabalhou onde pôde conseguir trabalho. Economizou, viveu frugalmente, e comprou sua primeira casa na semana em que completou 21 anos. Dizer que ela carecia de consertos seria muita amabilidade. Era pouco mais que uma choupana com um teto que gotejava. Tão logo pôde, Spence foi trabalhar na mina e ganhou mais dinheiro dirigindo aqueles enormes caminhões durante todo o dia. Quando voltava do emprego, trabalhava na reforma da casa de noite. Vários meses depois, vendeu aquela casa com um pequeno lucro, comprou outra e fez o mesmo. Fez isso repetidas vezes. Quando tinha 22 anos, Spence já pôde solicitar o primeiro financiamento para adquirir uma propriedade comercial. Foi então que contratou Sadie para criar ordem a partir do caos da papelada — na sua picape. Ele não tinha escritório. — Não posso desperdiçar dinheiro nisso — disse a ela. De modo que, no primeiro ano, ela trabalhou na parte de trás da picape dele, usando uma luz de bateria e um sistema de arquivo que ela levava de um lado a outro em uma caixa de papelão. Primitivo, mas funcionava. E Spence também. Constantemente. Em um ano já possuía um edifício. Depois, dois. Durante o último ano do curso secundário, Sadie finalmente conseguiu um escritório que pôde chamar de seu. Spence até mesmo comprou-lhe uma placa que dizia "Escritório da Sadie". E ficou furioso quando ela lhe contou que estava indo cursar a universidade na Califórnia. Ele protestou. — Pensei que você fosse trabalhar para mim! — Não para sempre — Sadie respondeu. 8
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Porque ela não poderia. A idéia de trabalhar para Spence para sempre era mais do que sua sanidade podia aguentar: porque ela estava apaixonada por ele. Por anos a fio, na verdade desde que podia se lembrar. Não que ele soubesse. Deus me livre, pensava Sadie. Ele teria ficado consternado. Porque certamente não estava apaixonado por ela. Sadie sabia disso. Ela tentara um pequeno flerte com ele, que a ignorou completamente. E foi assim que ela foi para a universidade. Para fugir. Esperava aprender muito, conseguir ofertas de emprego maravilhosas e conhecer um homem que pudesse fazê-la esquecer Spence. Pelo menos esse era o plano. E se ela voltava para casa todos os verões para ajudar Spence, era somente porque ele se recusou a contratar alguém no lugar dela enquanto estivesse fora. — Não é preciso. Pode esperar por você — dizia ele. — Você vai voltar para casa mesmo. O que era verdade. Ela voltaria para passar os verões na casa dos pais, para ver a avó, visitar Butte. Mas não pretendia voltar permanentemente. Nunca. Tudo funcionou do jeito que Sadie planejou. Aprendeu muitas coisas, formou-se com mérito e teve muitas ofertas de emprego maravilhosas — inclusive uma de Spence. Ele foi à formatura dela. — Por que não? Era como se tivesse um capital investido em seu diploma de administração de empresas que ela recebia — diria ele afavelmente. E ofereceu-lhe um emprego naquela mesma tarde. Prometeu-lhe um salário impressionante, um escritório completamente restaurado em um dos edifícios históricos de Butte e uma percentagem de seu império comercial. — Uma percentagem? — Os olhos de Sadie se arregalaram de surpresa. Spence apenas deu de ombros. — Por que não? Você trabalhou quase tanto como eu para colocar a Tyack no mapa. Você merece uma parte. Então, o que diz? -A característica impaciência Tyack mais uma vez se evidenciava. Sadie não soube o que dizer. A verdade é que ela ainda não havia virado aquela página. O sorriso matador dele ainda lhe fazia balançar os joelhos. O corpo musculoso ainda a fazia tremer toda. E quando aquele olhar de aço ficava mais macio e gentil, o que acontecia em raras ocasiões, o coração dela simplesmente parecia saltar do peito. Ela tinha perdido as esperanças. Decidira que precisava de uma terapia de choque, uma imersão total no mundo de Spencer Tyack. Isto decerto a curaria de todas as suas fantasias. De modo que disse sim. Já tinha voltado havia quase seis anos. Muita coisa acontecera nesses seis anos. Ela dera o melhor de si para superar aquilo tudo. E se convenceu de que havia superado. Tinha encontros com outros homens. Só porque ainda não achara alguém que fizesse seu coração disparar como Spence o fazia não significava que não ia encontrá-lo. 9
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Ela sabia que Spence não era para ela. — Gosto de trabalhar para ele — disse a Danny. — É emocionante. — Spence era ativo e poderoso em seu campo de ação. Agora possuía negócios imobiliários em sete países. Era dono de conjuntos residenciais de apartamentos, edifícios comerciais, condomínios. Sempre tinha novas idéias. E sempre falava delas com Sadie. Ouvia a opinião dela. Eles discutiam, analisavam e raciocinavam juntos. — Você tem um pedaço disso — ele sempre dizia. E era verdade. Ela podia não ter uma vida, mas possuía um pedaço de um negócio emocionante. Na semana anterior Spence havia estado em Helsinque, fechando uma transação para um edifício comercial. Naquela semana estava em Nova York, vendo apartamentos com Tom e Dena Wilson, uma equipe de investimentos formada por pai e filha, que já fizera negócios com ele no passado. E na próxima semana, com sorte se tornaria sócio-proprietário de um resort no Pacífico Sul. E, como Danny e o sr. Isogawa lhe lembraram, ela ficaria em Butte. Eram quase cinco horas da tarde. Ela ia poder sair às cinco. Se saísse às cinco, Sadie teria uma vida — mesmo que ficassem pilhas de trabalho por fazer. O telefone tocou outra vez, e ela atendeu sem hesitar. — Tiack Enterprises. Meu nome é Sadie. — Say-dee, case comigo, meu amor. — Se jamais houve um homem — além de Spence — que pudesse mandar os hormônios de uma mulher para o espaço, esse homem era Mateus Gonçalves. O problema é que ele sabia disso. — Oi, Mateus. Obrigada. Mas não. Ainda não quero casar-me com você. E Spence está em Nova York. Ele suspirou. — Não quero casar com Spence. — Mateus Gonçalves mudou para um inglês perfeitamente claro, apesar do sotaque. — Quero casar-me com você, e tirá-la do seu chefe, esse feitor de escravos. Era uma conversa que já haviam tido pelo menos uma dúzia de vezes. Mateus, o amigo brasileiro de Spence, esbanjava seu charme latino flertando feito um louco com ela, sempre lhe pedindo que se casasse com ele. — Ela não vai casar com você — dissera Spence alegremente em uma ocasião. — Sadie odeia homens. — Eu não odeio homens! — protestou ela. Spence se voltou para ela. — Você não tem encontros com homens. — Tenho, sim — disse ela. — Quando dá vontade — explicou, e aquilo era verdade. Ela certamente não odiava os homens. — Ela vai ter um encontro comigo — afirmou Mateus com total convicção. Mas ela nunca teve. — Não misturo negócios com lazer — Sadie dissera a ele. — Deveria — Mateus replicou. E nunca deixava de convida-la para ir ao Rio e se casar com ele a cada vez que ligava. —Ávida é uma festa no Rio — ele disse. — Sabemos como viver por aqui. Você devia era largar esse viciado em trabalho e vir trabalhar para mim. 10
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Sadie riu disso. — Você trabalha quase tanto quanto ele. — Mas eu escondo isso melhor. E tiro férias. O que você me diz? — Talvez algum dia eu vá ao Rio de visita — Sadie falou para aplacar o brasileiro. — Agora, o que eu posso fazer por você? Mateus mudou de marcha tão facilmente como sempre. — Preciso falar com Spence sobre um edifício em São Paulo. — Eu digo para ele. — Dê-me o número do celular dele. — Não adianta. Nunca está ligado. —A não ser que estivesse esperando uma chamada, Spence conservava o telefone celular desligado. Mas esperava que ela mantivesse o dela ligado, para que ele pudesse entrar em contato. — Quando ele ligar, vou pedir que telefone para você. — Obrigado — ele disse. — Diga ao Spence que tenho uma proposta para ele. E uma para você. — Não vou me casar com você, Mateus — ela disse com firmeza. — Sem casamento — ele concordou com tristeza. — Mas falando sério, Say-dee, você devia vir trabalhar comigo. Estou abrindo um escritório no Texas, que você poderia administrar com uma mão amarrada nas costas. E, além disso, ter vida própria, pensou Sadie por um breve momento. Mas suspirou e balançou a cabeça. Conservar Mateus no lugar dele talvez fizesse a vida ainda mais difícil do que trabalhar para Spence, que nem parecia lembrar de que ela era uma mulher. - Obrigada, mas não, Mateus. - Pense nisso. - Vou pensar — concordou, porque era mais fácil que discutir com ele. - Falamos depois — ele prometeu. —Adeus, garota. - Tchau, Mateus. — Ela desligou e pegou os contratos, determinada a levá-los para casa e lê-los. Pelo menos dessa forma podia dizer que saíra do escritório por volta de cinco e dez. Mas o celular tocou naquele instante. Ela viu quem era e seu olhar tornou-se feroz. Já são mais de cinco horas — disse, irritada, quando atendeu. — E daí? — Mesmo quando estava zangada com ele, o som áspero da voz de Spence podia fazer com que o pulso dela acelerasse. Maldito seja! — Daí que eu também tenho uma vida! — respondeu asperamente. — Epa! Quem foi que tirou você do sério? Você, ela quis dizer. — Hoje isso aqui foi um manicômio. — Legal. Fico contente com isso. — O que ela supunha fosse verdade. — Preciso que você faça uma coisa para mim — continuou ele animadamente. Sadie pegou uma caneta, pronta para escrever, mas ele não disse nada. — Spence? — Sim? — De repente a voz dele soou como se estivesse distraído. Sua fala, 11
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normalmente rápida, ficou ainda mais rápida. — Nada sério. Preciso que você pegue a minha certidão de nascimento e a ata do divórcio e os traga para Nova York. Sadie ficou petrificada. — O quê? Sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. — Fazer o quê? — Você me ouviu. Minha certidão de nascimento e a ata do divórcio. Preciso delas amanhã, em Nova York. Ela sempre pensou que respirar fosse um reflexo involuntário. Agora não estava tão certa disso. — Sadie? Você está aí? Está ouvindo? — A voz dele agora estava estridente. — Estou ouvindo — ela conseguiu dizer isso, e nada mais. — Ótimo. Pegue os documentos e tome um avião hoje à noite. Ou amanhã. Não interessa, desde que você esteja aqui às duas da tarde. Ela não disse nada, ficou contemplando o lápis quebrado em sua mão. — Sadie! — O quê? — ela respondeu asperamente. — Eu ouvi você! — Bem, ótimo. — Ele fez uma pausa. — Você podia me felicitar. — Por...? — disse ela, apesar de saber, sem precisar perguntar o motivo, mesmo que isso a desmontasse. — Porque vou me casar. — Ele pronunciou as palavras de forma quase desafiadora, como se esperasse que ela discutisse o assunto. Ela não caiu nessa, mas não pôde evitar o sarcasmo. — Amanhã? Não é um pouco precipitado? Quero dizer, considerando seu histórico e tudo? Cale a boca, ela disse a si mesma. Cale a boca. Cale a boca. Cale a boca. — Dessa vez vai dar tudo certo — concluiu ele terminantemente. — Não vai ser como Emily. — Eu não estava pensando em Emily — disse Sadie, sem poder evitar. — Você não se casou com Emily. — Eu lembro com quem casei. — Ele mordeu as palavras. Sadie também se lembrava. Ele havia se casado com ela! Um casamento por ricochete. Quando a grã-fina Emily Mollineux não compareceu ao casamento que marcara com ele em Las Vegas, Spence acovardou-se. O desespero dele fez Sadie lembrar-se do sofrimento por que ele passara na adolescência, quando o pai o abandonou e a mãe lançou sua fúria sobre Spence. Quando Spence fugiu da capela com um olhar aterrorizado, Sadie foi atrás dele, com medo do que ele poderia chegar a fazer. Ela nunca poderia ter imaginado que, meia dúzia de uísques depois, ele decidiria que a resposta era casar-se com ela. Mas ele decidiu. Foi muito insistente. - Você deve se casar comigo — ele disse com firmeza. — Você não se casaria comigo? — insistiu ele quando ela não respondeu. Foi porque aquele momento parecia exigir completa honestidade, Sadie teve que admitir que se casaria. - Se você me pedisse em casamento... — respondeu ela, porque era verdade. 12
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— Case-se comigo — ele disse. E encontrou o olhar dela com toda a intensidade que Spencer Tyack era capaz de transmitir com aqueles olhos de meia-noite. E foi assim que ela se casou com ele. Uma hora-depois. Eles obtiveram uma licença e se casaram. Depois voltaram para a suíte de lua de mel e fizeram amor apaixonadamente, desesperadamente. Fora a noite mais surpreendente de toda a vida dela. Sadie acordaria na manhã seguinte para encontrar Spence já desperto, caminhando furiosamente de um lado para outro, passando as mãos pelos cabelos e dizendo: — Foi um erro. Sadie mal abrira os olhos quando ele se aproximou e se debruçou sobre ela, com o rosto severo e angustiados olhos vermelhos. — Isso nunca deveria ter acontecido. Nós nunca deveríamos — eu nunca deveria — Que inferno! — Ele balançara a cabeça como se não acreditasse. — Sinto muito, Sadie, eu nunca pretendi... Diabos! Eu não sei o que me deu na cabeça. Mas vai ficar tudo bem. Não se preocupe. Vamos nos divorciar. — Um d-divórcio? — Ela só conseguiu dizer isso, e ficou contemplando-o com a boca aberta. Spence acenava veementemente com a cabeça. — Bem, podemos conseguir uma anulação — disse implacavelmente. — Isso não será problema. Eu prometo. Vou cuidar disso. Ele estava tão determinado a divorciar-se dela como estivera a casar-se com ela apenas 12 horas antes. Não pareceu o momento mais adequado para que ela declarasse imorredouro amor por Spence. Ela simplesmente concordou com a cabeça. — Certo — conseguiu dizer. Spence olhou para ela de perto. — Você está bem? — Oh, sim, ótima. Nunca estive melhor. Ter sido casada e declarada deficiente no mesmo dia é exatamente o tipo de coisa que dá a uma garota um excedente de autoconfiança! — Eu não quis dizer, eu só — ele estremeceu visivelmente — lamento muito. Não sei o que eu tinha na cabeça quando... Sinto muito. Sinto pelo casamento. Aparentemente, ele se arrependia de tudo. — Não pense sobre isso — ele disse. — Cuidarei de tudo. Você nem deve comentar com ninguém o que aconteceu. Você está cansada. Deve estar. Volte a dormir. O quarto está pago até quarta-feira. Fique até lá se quiser. Como se ela fosse ficar sozinha na suíte de lua de mel enquanto o marido estava se divorciando dela! Spence disse rapidamente, mal interpretando a palidez do rosto dela. — Liguei para Santiago hoje de manhã. Vou para Barcelona uns dias antes. Mas cuido do divórcio antes de ir, está bem? Isso não mudará as coisas, não é? Você continuará comigo. - Continuar? 13
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- Continuará trabalhando para mim. Somos amigos. — Ele disse essa última frase com total seriedade. A noite passada não significara nada para ele — além de um erro de critério. Ele a queria como amiga. Não como mulher. E estava remediando a situação tão rapidamente quanto possível. - Eu vou ficar — ela disse. — Por enquanto. Ele sorriu, aquele sorriso perfeito de Spencer Tyack, esplêndido, ao qual Sadie passara anos tentando resistir. Tudo bem, então — ele disse alegremente. — Você é uma grande companheira, Sadie. Era mesmo? - Eu sabia que você ia concordar. Vou telefonar do aeroporto para meu advogado resolver isso. Ligo para você de Barcelona. Mas não se preocupe. Considere o assunto encerrado. Pegando a pasta, ele disparou porta afora. Isso, basicamente, foi tudo. Quando ele telefonou de Barcelona no dia seguinte, perguntou: - Você está bem? — fez isso em um tom completamente diferente de outro que já tivesse usado antes com ela. — Claro que estou bem. — Ela não ia deixar que ele pensasse que lhe havia partido o coração. Deve ter sido convincente, porque ele nunca mais fez aquela pergunta ou pareceu tão preocupado. E na primeira manhã em que voltou ao escritório, um mês depois, disse: — Não se preocupe, está tudo em ordem. Estou com os papéis. Cuidei de tudo. E assim terminou o breve casamento dela com Spence. E nunca mais falou daquilo. Nem ela. Pensou nele outra vez, é claro. Muitas vezes nos primeiros meses. Como um sonho. Ou um pesadelo. Mas finalmente conseguiu deixar aquilo de lado. E assim a lembrança se havia desvanecido ao longo dos últimos quatro anos. Até agora. Ela disse: — Não sei onde os papéis estão. — No cofre que aluguei no banco. Você tem uma chave. — Está bem, mas... Casar-se? — Apenas negócios, Sadie. Ou você acha que eu me apaixonei? Ela não sabia o que pensar. — Negócios? — Vou me casar com Dena Wilson. Com quem você pensou que ia me casar? Alguém que cruzei na rua? — Eu... — É perfeito. Uma grande ideia. Dena e eu unindo forças. Não sei por que não pensei nisso antes. Juntos, temos o dobro de vantagens, o dobro de conhecimento. — Sim, mas... Amanhã? — É o jeito de já estar casado antes de ir para as ilhas Fiji. O que me faz lembrar... Você pode reservar uma passagem para a Dena? 14
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Ela teve vontade de matá-lo. — Você não precisa fazer isso hoje à noite — disse ele, magnânimo. — Pode fazer amanhã, daqui de Nova York. Traga os papéis e apareça no cartório amanhã à tarde. O casamento está marcado para as duas. Vou reservar um quarto para você em um hotel elegante para amanhã à noite, por conta desse incômodo que estou lhe causando. O Plaza? O Four Seasons? Escolha o que quiser. Pense nisso como em umas férias. Bem, tenho que correr. Tom e Dena já chegaram. Vejo você amanhã. Ouviu-se um clique. Sadie ficou contemplando o aparelho em sua mão e sentiu que seu bem ordenado mundo despencara. Onde, demônios, ela estava? Spence olhou para o relógio pela décima vez em cinco minutos e passou os dedos pelos já desgrenhados cabelos. Ele já estava andando de um lado para outro no corredor do cartório, havia três quartos de hora. Chegara ali uma hora antes, pois queria já estar lá quando Sadie aparecesse, e não tinha certeza de quando ela aparecia. Na noite anterior, deixara o celular desligado: não queria receber nenhuma chamada dela dizendo que ele estava cometendo um erro. Ele não estava cometendo um erro. O fiasco de Emily tinha sido um erro. Sem dúvida. Quatro anos atrás, quando pretendeu casar-se com Emily Mollineux, estava fora de si — vítima do próprio entusiasmo juvenil e dos hormônios — sem mencionar a equivocada determinação de casar-se com uma beldade de família tradicional, que representava o dinheiro antigo. E casar-se com Sadie, Deus sabe por qual louca razão, depois que Emily não aparecera — bem, esse tinha sido um erro maior ainda. Ele nunca deveria ter se imposto a ela, ter feito aquela proposta! Nunca deveria tê-la colocado naquela situação. Mas naquele momento ele estava maluco. Tinha sido rejeitado. A palavra ainda o fazia estremecer. Mas a deserção de Emily pareceu confirmar seus medos mais profundos — de que, como sua mãe sempre dizia, ele não valia nada. E assim ele se voltara para Sadie — e tinha usado a amizade incondicional dela para restaurar, mesmo que por pouco tempo, sua despedaçada autoestima. E tinha sido até bem fácil fazer comerciais, ela era facilmente manipulável quando se tratava de gente — quando se tratava dele. E na manhã em que acordou e viu Sadie na cama ao lado dele, quando se lembrou de como tinham passado a noite, Spence ficou estarrecido com o que havia feito. Meu Deus, ela até tinha um namorado! E ele pouco se importara com isso. Apenas falou — case comigo — e ele sabia que, naquela noite, não ia — não poderia — aceitar um não como resposta. Mas sob a gritante luz da manhã, aprendeu o que era arrependimento. Sabia que cometera um erro. E fez o melhor que pôde para corrigi-lo. Ele não estava cometendo o mesmo erro outra vez. Aquele casamento era pura e simplesmente um negócio. Ele e Dena queriam exatamente as mesmas coisas. Ia dar 15
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certo. Desde que Sadie aparecesse. Ele não sabia onde ela estava nem em que horário o voo deveria chegar. Se tivesse deixado o celular ligado na noite anterior... Afinal de contas, Sadie era uma idealista, uma romântica. Desde que ele a conhecia, Sadie vivia iludida com a ideia de que, algum dia, ia encontrar a pessoa certa. Foi uma das razões pelas quais ele soube que tinha que se divorciar dela o mais rápido possível — para dar-lhe a chance de conhecer o Homem Perfeito. E ele não queria ouvir de Sadie que Dena Wilson não era a Mulher Perfeita para ele. Era uma mulher que se dedicava aos negócios, não ao lar e à família. E que não queria nem saber disso, tal como ele. E isso, para Spence, era perfeito. Assim, ele desligara o celular e, consequentemente, não tinha ideia de onde estava Sadie, ou de quando ela ia chegar. Tentou ligar para ela, mas o celular de Sadie estava desligado. — Bem, Sadie certamente fez um cálculo arriscado — disse Dena, aparecendo ao seu lado. Ela estava com aquele sorriso habitualmente imperturbável, mas havia um sinal de tensão em torno de sua boca. — Ela vai chegar. — É claro. Avise-me quando. Tenho alguns documentos para analisar — disse Dena. — Vou trabalhar neles. Ela voltou para a sala. Spence continuou a caminhar pelo corredor. Estalou os dedos. Tentou o número de Sadie outra vez. E outra. Dez minutos depois a porta da sala do juiz abriu-se e apareceu o pai de Dena, Tom. — Tenho que me reunir com Sawyer em Savannah, às nove. Vamos começar o espetáculo. — Sadie não chegou. — Você não está se casando com Sadie. — Mas ela está trazendo meus papéis. Certidão de nascimento, ata de divórcio. — Ele não queria mencionar o divórcio, mas é claro que teria que fazê-lo. Dena arqueou as sobrancelhas quando ouviu isso, mas logo deu de ombros. — Para mim, não faz diferença. — Casem-se logo. Preocupem-se com a papelada depois — sugeriu Tom. — Sem Sadie? — Por que não? É tão importante assim que ela esteja aqui? — disse Tom com o ar de um homem que dobrava as regras para adaptá-las às circunstâncias. Spence deu de ombros. — É claro que não. Fazia sentido. Era lógico. Era fazer o melhor uso do tempo e dos recursos — exatamente como seria o casamento deles. Como sr. e sra. Spencer Tyack, ambos iam melhorar enormemente a posição deles nos negócios. Os consideráveis bens de Dena, junto com os seus, acrescentariam ao portfólio e à viabilidade de ambos no front dos empreendimentos imobiliários a longo 16
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prazo. E a curto prazo resolveria o problema com o sr. Isogawa e seu cenário de família feliz. Um dos sócios de Spence tinha uma esposa cujo olhar estava sempre meio perdido. No mês anterior, em Barcelona, o olhar — e sua dona — perderam-se na direção de Spence. Na verdade, na direção do quarto dele. A última coisa de que Spence precisava era daquela senhora fazendo coisas daquele tipo no resort. Spence resolveu que, levando uma esposa com ele, ficaria seguro de que aquilo não iria acontecer. Ele havia entendido que Tadahiro Isogawa dava muita importância às famílias felizes, como dissera Sadie. Casar-se com Dena poderia resolver este problema e criar enormes oportunidades para eles no futuro. E Dena, quando ele sugeriu a ideia, compreendeu logo. — Inteligente — disse ela depois de breve consideração. — Faremos isso — pelos negócios. E sexo, é claro. Mas sem filhos. Essas são as minhas condições. — Nenhum problema — Spence concordou prontamente. Essas também eram as condições dele. De modo que ali estavam agora — todos, menos Sadie. Onde demônios ela estava? — E então, estamos prontos? — disse Tom bruscamente. — Claro, por que não? Tom sorriu. — Avisarei a Dena. O secretário foi chamar o juiz. Tom apareceu momentos depois com Dena, que ainda segurava a pasta. Spence colocou o paletó e endireitou a gravata. A porta se abriu e o juiz entrou. — Estou em recesso — anunciou. — Não tenho muito tempo. — Olhou de relance para Spence e Dena. — Vocês são o casal? Venham até aqui. Spence pegou o braço de Dena e foi colocar-se frente ao juiz, que limpou a garganta e começou a falar rapidamente em tom monótono. Era um murmúrio de termos legais, não o corpo da lei, e Spence não entendeu nada do que ouvia. Não importava. O que importava era dizer Eu aceito, no momento certo. E encontrar Sadie. Subitamente ele ouviu uma porta abrir-se, rangendo, atrás dele. Sadie! Mas não a calma e centrada Sadie que ele estivera esperando. O cabelo dessa Sadie estava desfeito pelo vento, os olhos avermelhados, com escuras olheiras. A fisionomia estava tão pálida que as sardas, normalmente douradas, pareciam ter sido salpicadas naquele rosto por um pintor impressionista enlouquecido. E o olhar que ela lhe lançou parecia o de um cervo surpreendido pelos faróis de um caminhão. Um cervo que apertava uma pasta de couro vermelho contra o peito. — Não fique aí parada, jovem! — ladrou o juiz. — Sente-se! Não tenho o dia inteiro... — Eu preciso... — Feche a porta e sente-se! Sadie fechou a porta e sentou-se. Limpando a garganta, o juiz começou outra vez. Mais expressões legais incompreensíveis. Algo sobre o poder de que fora investido pelo Estado de Nova York. Blábláblá. Spence ouviu alguém atrás dele... Sadie?... mover-se com inquietação em sua 17
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cadeira. —... é preciso verificar se há qualquer impedimento legal ou razões pelas quais esse casamento não deva realizar-se. Alguma objeção? — Logo, sem pausa, o juiz continuou — Não. Então passaremos a... — Sim. — Era Sadie. Spence fez um movimento brusco para trás para encará-la. O mesmo fizeram Dena e Tom. — Você faz objeção, moça? — perguntou o juiz, — Eu, humm, sim. O semblante do juiz desabou. — Posso perguntar com que fundamentos? O que ela estava fazendo? — Spence a olhou furioso. Sadie lançou um rápido olhar para ele, depois se voltou novamente para o juiz. — Ele já é casado. Comigo.
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CAPÍTULO DOIS O quê? — Spence a fulminou com o olhar. O queixo do juiz caiu, os olhos de Tom Wilson se esbugalharam, a boca de Dena se abriu, e Sadie entendeu perfeitamente. Já tinha passado por tudo aquilo. Ela molhou os lábios e fez uma tênue e mal sucedida tentativa de sorrir. — Temo que seja verdade — disse, pedindo desculpas ao juiz, a Tom e a Dena. Mas quando seu olhar alcançou Spence, ela desejou que não houvesse mais nenhuma desculpa neles. — Do que você está falando? Isso foi há anos. Os papéis do divórcio... — Precisamos falar disso — argumentou Sadie. E ela desejou que tivessem alcançado o ponto, no relacionamento de anos deles, em que a comunicação não verbal funcionasse. — É claro que precisamos — disse Spence. Lançou um breve olhar a Dena, também se desculpando, e um ao juiz e a Tom, que parecia dizer não se consegue bons empregados nos dias de hoje. E então ele avançou e pegou-a pelo braço, não muito gentilmente. — Vamos. — Não demorem muito. Tenho que tomar um avião — Tom gritou para eles. Spence não respondeu. Empurrou-a para fora da sala, olhou em volta, viu várias pessoas no corredor e abriu a porta de uma sala do outro lado. — Entre aqui. — Fechou a porta atrás deles, depois a girou sobre si mesma para encará-lo. — O que, com os diabos, você pensa que está fazendo? — Tentando impedir que você cometa bigamia — sugeriu ela. — Não seja ridícula. Aquilo que tivemos dificilmente foi um casamento e... — Foi bastante legal no Estado de Nevada. — E eu pedi o divórcio no dia seguinte. — Correção. Você ligou para um advogado de divórcios e pediu a ele que resolvesse o assunto. — O que ele fez! Tenho os papéis! — Você recebeu um envelope — corrigiu Sadie. — Você não o abriu. — O que era a cara de Spence. Delegar e presumir que seria feito. Pena que ele não delegara o pedido de divórcio a ela! As mandíbulas de Spence se apertaram. — Eu não queria olhar aquilo — resmungou ele. — Você queria? — Não. — Ela teve que admitir que também não quis ver a loucura deles em preto no branco. Era demasiado doloroso naqueles dias. — Mas eu teria me assegurado que tivesse sido feito. Ele balançou a cabeça. — Então o que foi aquilo? — Ele franziu as sobrancelhas enquanto ela tirava o envelope de sua pasta. Ela tirou os papéis do envelope e mostrou-os para ele. O primeiro era a folha inicial, agradecendo a ele pelo contato e dizendo-lhe que ficariam felizes de resolver o caso se ele preenchesse os formulários anexos e criasse uma 19
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residência em Nevada, que precisaria manter por seis semanas, antes de dar começo ao processo. Mais seis semanas, e se o divórcio não fosse contestado, seria legal. — Nenhum problema — concluía a carta. — Somos especialistas em corrigir tais erros e registraremos seus papéis tão logo o senhor confirme seu endereço em Nevada e preencha os formulários necessários. Spence olhou para os papéis, passou a vista por eles, leu-os uma vez... E outra. Então levantou os olhos. Parecia furioso. — Maldito inferno. —Atirou os papéis na mesa e afastou-se dela, andando a esmo pela sala. — Eles podiam ter ligado! Pensaram que eu mudei de ideia? — Aparentemente isso foi exatamente o que aconteceu — Sadie disse para ele. — Liguei para eles hoje de manhã. Já era bastante tarde quando ela conseguiu ir ao banco e procurar pelos papéis que ele queria. Ela achou logo a certidão de nascimento. Mas os papéis de divórcio não estavam lá. Desesperada, abriu a única coisa em que poderiam estar — um envelope fechado de uma firma de advocacia de Las Vegas. E quando leu a carta, ela ficou ali, atordoada, ao dar-se conta de que Spence nunca a havia lido, ao não se incomodar em abrir o envelope. E então ela pensou que certamente ele deveria ter feito outros contatos com eles. — Liguei para o cartório para verificar, quando não achei os papéis. Disseram que não havia registro de nenhum divórcio. Mas então já era muito tarde para chamar o advogado. Fiz isso hoje de manhã, durante minha escala. — Ele foi capaz de confirmar sua pior suspeita. — Eles verificaram os registros. Não tinham nada além de uma nota sobre sua mensagem telefônica inicial. Disseram que ocorre mais frequentemente do que pensamos — agregou ela — pessoas mudando de ideia. Spence apenas olhou para ela. Sadie deu de ombros. — Parece que ainda estamos casados. A ideia manteve o cérebro dela zumbindo a noite inteira. Casada? Ela ainda estava casada? Com Spence? — Maldito inferno — Spence exclamou outra vez, e passou a mão pelos cabelos. — Lamento — disse ela com alguma aspereza. — Compreendo que isso afeta seus planos. — Certamente, maldição. — Ele apertou os dentes e depois suspirou. — Não foi falha sua — murmurou de má vontade. — Você teria visto que não havia sido feito. — Sim — concordou Sadie. — Mas eu não quis lhe dar mais trabalho — ele murmurou. — Eu diria que nós dois cometemos um erro — replicou Sadie. A porta abriu e Tom apareceu perguntando: — Tudo solucionado? Spence balançou a cabeça. — Temos um pequeno... Problema. Os olhos de Tom se esbugalharam. Olhou para Sadie. — Você ainda está casado com ela? — Sua surpresa e desaprovação eram óbvias. — Assim parece. Vá para sua reunião, Tom. Eu falarei com Dena. Daremos um 20
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jeito nas coisas. — Mas o casamento... — Está cancelado. Pelo menos por agora. — Mas e o projeto do resort na ilha? — perguntou Tom. — E Carstairs? Leonie? O que dirá Isogawa? Sadie franziu as sobrancelhas ao ouvir essas referências às pessoas a quem unira para que comparecessem à reunião em Nanumi. O que tinham a ver com seu casamento? — O que há com o projeto da ilha? — ela perguntou. — E sobre o sr. Isogawa, Richard e Leonie Carstairs? — Por quê? O que você sabe sobre Leonie? — perguntou Spence, como se pensasse que ela estivera espreitando. — Nada — disse Sadie. — Bem, pouca coisa — ela se corrigiu. Os dois homens olharam fixamente para ela. — Ela fica ligando para mim — disse Sadie —, muito preocupada, temendo que Richard vá à reunião sem ela. Eu assegurei-lhe que isso não aconteceria, que o sr. Isogawa quer os casais, que ela seria muito bem vinda. As mandíbulas de Spence se apertaram. Tom lançou-lhe um olhar malicioso que Sadie não compreendeu. Por isso Spence queria levar Dena? Mas ela não poderia perguntar. Não diante do pai de Dena. — Certo — murmurou Spence. — É só que... Nada, nada. — Ele se calou e virou-se para o outro homem. — Pode ir agora, Tom. Permanecerei em contato. — E Dena? O que você vai dizer à minha filha? — Eu explicarei tudo. Tom olhou para ele, com alguma suspeita, e depois balançou a cabeça. — Se isso se espalhar... — Não se espalhará. Tom pareceu duvidar. Mas Sadie sabia que Spence não gostava de dúvidas. Ele manteve o olhar de Tom até que este apertasse os lábios e inclinasse a cabeça, assentindo. — Bem. Dê um jeito, então. — E foi embora. Na sua ausência, fez-se silêncio. — Podemos obter o divórcio — Sadie sentiu-se impelida a dizer. — Não na próxima meia hora. — Bem, não. Mas... — Esqueça. Por agora — emendou Spence. — Preciso falar com Dena. — Irei com você. — Não, não irá. — Mas... — Não. Isso é entre Dena e eu. Nosso casamento pode ter sido um negócio, mas ela é minha amiga. E devo-lhe a cortesia de dizer o que está acontecendo pessoalmente. Privadamente. — Só pensei que podia ajudar se... 21
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— Não pode — ele disse asperamente. — E acho que você já ajudou demasiado por um dia, Sadie. — E saiu pela porta, fechando-a com violência atrás de si. Ela ajudara? Como se fosse tudo culpa dela? Providenciaria o divórcio dessa vez — e faria da maneira certa. E depois iria embora. Encontrar um novo emprego, vender a Spence a percentagem dela na empresa. Isso certamente tornaria sua saída permanente. Chega de Spence. Chegaria o tempo, como Danny dissera, em que ela finalmente teria que crescer e assumir o controle da sua vida — ter uma vida. — E o tempo é agora — disse a si mesma firmemente. Dena nem mesmo levantou os olhos quando ele entrou na sala do juiz. Estava lendo alguns documentos legais, completamente absorta. Ninguém que a estivesse observando teria imaginado que o casamento lhe fora arrebatado pouco antes. Estava imaculada como sempre, nenhum cabelo louro fora de lugar. O batom que pusera justo antes da cerimônia ainda parecia fresco. Spence, por outro lado, sentia como se um trem tivesse passado por cima dele. Estava casado! Com Sadie! Havia estado casado com ela pelos últimos quatro anos? Dena terminou a página que estava lendo antes de levantar os olhos para ele e lançar seu próprio sorriso, sereno e auto confiante. — Bem — disse ela. — Essa foi interessante. Ele sabia que ela não se referia aos papéis em sua mão. Seu maxilar travou e ele teve que fazer um esforço para relaxá-lo. — Sim. — Mas não pôde evitar morder a palavra, e aparentemente essa era a única pista que ela precisava. — Então é verdade? —Aparentemente — ele explicou, hesitante. Não sobre Emily. Ele disse apenas que ele e Sadie tinham estado em Vegas, que se casaram e que, pela manhã, ele se dera conta de que fora um erro. Era difícil não parecer um idiota, de modo que tentou não entrar em detalhes, apenas esperou que palavras triviais saíssem de sua boca até que finalmente parecia não haver nada mais a dizer. — Obviamente, eu deveria ter lido a maldita carta. Eu supus que o acordo estava feito. Dena deixou o silêncio concentrar-se por alguns segundos antes de dizer suavemente: — Isso lhe ensinará — como se fosse apenas uma insensatez menor, e não um desastre em grande escala. — Claro que sim — disse Spence. Seu maxilar fechou-se com força. Sua cabeça batia. — Bom, tudo bem. Contanto que só nós saibamos — disse Dena, engrenando a marcha. — Só não quero ver o acordo falhar. Ele a contemplou, surpreso de que ela o estivesse tomando com tanta calma. Mas então se lembrou de que, para ela, era somente uma questão de negócios. Acordos de 22
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negócios fracassavam a cada instante. E de todos os modos, era problema dele, não dela. — Vai dar tudo certo — disse ela. — Leve Sadie em meu lugar. — Quê? — Spence a olhou atônito. Dena lançou-lhe um olhar completamente ingênuo. — Bem, ela é sua esposa. — Sim, mas... — Ele não pôde terminar. Nunca seria apenas uma questão de negócios com Sadie. Não poderia ser. Sadie tinha visão dos negócios, mas não via o mundo da mesma forma que ele. — Bem, o que mais você pode fazer? — Dena disse. — Não ficará muito bem para Isogawa e sua preocupação com a família feliz se você aparecer logo depois de pedir o divórcio. — Não. — Ele estava tentando pensar. Habitualmente era tão bom nisso... As soluções sempre estavam nas suas mãos, na ponta de sua língua. — Você trabalhou tanto, tão duramente, nesse assunto do resort. É uma oportunidade única na vida — Dena o fez lembrar. — Eu sei disso — Spence disse com firmeza. Havia investidores maiores no negócio — Richard Carstairs, por exemplo —, mas fora Spence quem fizera o contato inicial com o sr. Isogawa. Era o que tinha a reputação em jogo. Richard, John e Steve, os outros três investidores, tinham experiência nesse tipo de acordo. Esse era o primeiro resort de Spence, seu primeiro ataque nos negócios do Pacífico. Tinha mais em jogo que qualquer outro. — De modo que você tem que fazer isso funcionar — Dena afirmou com simplicidade. — E se alguma vez você não pôde manter seus jeans abotoados e Sadie o fez transformá-la numa mulher honesta, que seja. Pelo menos você está casado. Isso é o que importa. Spence mal ouviu a última parte. Seu cérebro sofreu uma abrupta parada ao ouvir as palavras você não pôde manter seus jeans abotoados. De repente, memórias de uma Sadie Morrissey nua reviveram e ressurgiram como uma fênix em seu cérebro. Colocou as mãos nas têmporas, sentindo que a cabeça ia explodir. — O que você tem? — perguntou Dena. — Dor de cabeça? Não me surpreende. — Não. Sim. Tenho que pensar. — Sim, e agradeça à sua estrela da sorte que Sadie apareceu. Spence piscou e depois arregalou os olhos para ela. — Agora sou sortudo? — Bem, certamente não seria legal que você se tornasse um bígamo, não é? — disse Dena impacientemente. — Enfrentemos o fato: se o sr. Isogawa descobrisse que você estava casado com duas mulheres, o acordo iria para o lixo antes que você pudesse dizer bígamo. E Leonie teria ficado excitada. Ela se afastaria de você ao ver uma aliança na sua mão, mas estou segura de que duas alianças lhe permitiriam colocar os escrúpulos de lado. — Ela sorriu. Spence não sorriu. Normalmente ele era capaz de aproveitar, da melhor forma 23
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possível, qualquer coisa que a vida lhe oferecesse. Mas não podia ver como fazer o melhor possível do fato de estar casado com Sadie Morrissey. Dena continuou sorrindo. — Você vai ficar bem. Você queria uma esposa, não é? — Sim, mas... — Você conseguiu uma. E ela conhece seu negócio. Você vai ficar bem. Apenas faça o que sabe fazer melhor. Ele olhou para ela, sem entender. Ela se levantou, pegou os papéis, fechou sua pasta e deu-lhe um tapinha no rosto, enquanto se dirigia para a porta. — Improvise. Sadie pôde ouvir Spence berrar seu nome no corredor. Era tentador ficar exatamente onde estava — no banheiro feminino. Mas isso seria covardia, e ela já havia enfrentado o pior, não é? Claro que sim. Agora precisavam apenas sentar-se e descobrir como se divorciar de verdade. Ela poderia fazer isso. Provavelmente ele já teria assinado os papéis. Spence estava de pé, de costas para ela, teclando furiosamente seu celular. Depois o colocou no ouvido e esperou. Bateu o pé, passou os dedos pelos cabelos. Sadie aproximou-se em silêncio, não caindo no erro de interromper a ligação dele. Spence olhou para o celular, depois rosnou: — Demônios, Sadie. Onde diabos você está? — Bem atrás de você. Ele girou rapidamente sobre si mesmo, olhou para ela, depois para o celular. Guardou o aparelho no bolso. — Onde você estava? — Fui ao banheiro enquanto você falava com Dena. Ela está bem? — Quem? Dena? — Claro. Estava muito contrariada? — Nem um pouco. — Ele deu de ombros, como se isso não importasse, mas havia um tom de contrariedade na voz dele. — Estou contente. Não queria magoá-la. — Magoá-la? E eu? — Spence exclamou indignado. — Eram apenas negócios para você! — Meu negócio poderia ter ficado ferido. — Como? — Sadie levantou a cabeça, desafiante. — Você contava com uma ilha do Caribe como presente de casamento do papai? — Não, com mil demônios, eu não contava com isso! — A indignação dele era bem real, e Sadie sentiu-se mal por ter feito tal observação. Em toda sua vida, Spencer Tyack jamais ganhara nada pelo modo mais fácil. Ninguém nunca lhe dera nada. E sempre tinha sido questão de honra para ele merecer tudo que tinha. — Desculpe — disse Sadie, e falava sério. — Estou segura de que é... Difícil. E 24
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você deve cuidar de tudo que signifique negócios — acrescentou rapidamente. — Conseguiremos um divórcio tão rápido quanto for possível e então você poderá casar com Dena. — Não — disse ele diretamente. — Não posso. — Por que não? — Porque tenho que me divorciar antes. — Bem, sim, mas... — E Isogawa não vai gostar disso. Ele pertence à velha escola. Acredita na santidade e na estabilidade do casamento. — Eu também — murmurou Sadie. — Então você não devia ter dito sim — respondeu Spence com aspereza. Não, ela certamente não deveria. Mas era muito tarde para auto-recriminações agora. — Bem — disse ela. — Se você não quer um divórcio agora, não o faremos. Podemos esperar até que você volte, até que o acordo esteja assinado. Isogawa não precisa saber. Deixe que ele continue a pensar que você é solteiro. — Não posso. — Ah, pelo amor de Deus, deixe de ser misterioso! Por que você não pode? — Sadie franziu as sobrancelhas, perplexa pela teimosia dele. — Eu falei com ele. Sim, para ele é muito importante o casamento e a família. Mas não pensa que todo mundo deva marchar de dois em dois. — Ela sabia o suficiente do sr. Isogawa para estar certa disso. Mas Spence apenas balançou a cabeça. — Não, veja, eu... — ele começou, como se fosse explicar alguma coisa, mas então olhou para as pessoas passando pelo corredor, algumas das quais lançando aos dois olhares especulativos, e em vez disso pegou-a pelo braço. — Não quero discutir isso aqui. Vamos pegar um táxi. —Um táxi? Para ir aonde? — Para a minha casa. — E ele a conduziu até o elevador. A casa dele? Sadie sabia, é claro, que ele tinha um lugar no Upper West Side. Nos últimos dois anos ele passara tanto tempo em Nova York que mantinha um estúdio ali, assim como um no Caribe, um na Grécia e um na Espanha. Por mais que ela tenha crescido com ele correndo pela sua casa com Danny, o oposto nunca fora verdade. Quando eram crianças, a vida na casa de Spence com sua mãe amarga e seu pai em quem não se podia confiar — tinha sido, no melhor dos casos, imprevisível. Ela sabia que ele não queria que ninguém testemunhasse aquilo. Mas mesmo agora que ele era o senhor do próprio destino e império, e vivia em uma das antigas mansões de Copper King, que ele mesmo restaurara, na parte alta de Butte, Spence mantinha seu lar separado do resto de sua vida. Ao sentir-se fortemente atraída por ele, Sadie quisera muito ir à casa dele. Mas ao longo de todos esses anos em que ela o conhecia e trabalhava para ele, Spence havia sido um bom patrão e um bom amigo — mas um homem com fronteiras definidas. 25
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—Você está me levando para sua casa?—repetiu ela, surpresa. — Para onde diabos mais — grunhiu ele — já que você é minha esposa? Ele podia rosnar as palavras minha esposa facilmente. Era mais difícil pensar sobre a realidade daquilo. De fato, era quase impossível; maldita seja! Spence sentou no banco de trás do táxi que os levava para seu apartamento no Upper West Side e estudou Sadie pelo canto do olho. Sua esposa também estava sentada ali, mas tão longe dele como podia, como se estivesse tentando evitar uma contaminação. Tampouco olhava para ele; deliberadamente olhava pela janela, fingindo estar absorta no tráfego enquanto avançavam subindo a Oitava Avenida. Não parecia Sadie. Normalmente, ela não prestava nenhuma atenção pelo caminho que recorriam. Focava-se nele, mostrando-lhe papéis, apontando para as letras miúdas dos contratos, falando rapidamente. Agora ela não dizia palavra. Ele sabia que ela tampouco estava feliz. Essa situação — essa confusão — não era mais normal para ela que para ele, apesar de ela ter podido contar com algumas horas a mais para acostumar-se. O que ela pensava? Normalmente ele não tinha problema para sabê-lo. Quase sempre, ela lhe dizia sem que ele tivesse que perguntar. Era o que faziam: discutir, raciocinar, debater, esclarecer. Mas agora ela estava tão imóvel e silenciosa como uma pedra. Ele desejou poder ver o que se passava na cabeça dela. Mas pensando bem, considerando tudo, provavelmente era melhor que ele não pudesse fazê-lo. Tudo isso era culpa sua. Sem dúvida. Ele aceitava isso. Spence nunca recusava a responsabilidade. Ele deveria ter se assegurado de que o divórcio estava sendo providenciado. Deveria ter enfrentado seus demônios, sua momentânea insensatez e assegurado que aquilo não voltasse para assombrá-los. Mas não o fez. Erro seu. Portanto, era seu trabalho consertá-lo. De forma adequada, completa, sem vacilar. E ele o faria. Mas primeiro precisava tratar do resort. Eles haviam trabalhado tempo demais — tanto ele como Sadie — para arriscar que o acordo fracassasse agora. No entanto, ele não estava muito seguro de como lidar com aquilo. A ideia de Dena — que ele levasse Sadie — era inviável. Ela nunca aceitaria. E ele compreendia totalmente. Mas não podia pensar em qualquer outra opção. Sadie conseguiria pensar em algo. Ele estava certo disso. Essa era a alegria de tê-la trabalhando com ele. Ambos combatiam as coisas até vencê-las. Ele propunha e ela o contradizia. Normalmente ele estava certo, mas algumas vezes ela tinha uma ideia melhor. Bom seria que ela tivesse uma ideia melhor hoje. Ele começou a dizer alguma coisa, e calou-se outra vez. Não queria começar a 26
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discussão no táxi, assim decidiu esperar que chegassem à sua casa. Terminaram a viagem em silêncio. Quando chegaram ao apartamento dele, Spence indicou a ela que subisse as escadas na sua frente, até o imponente edifício onde possuía um andar inteiro. Ele abriu a porta e disse: — Terceiro andar — esperou que ela começasse a subir os degraus e subiu atrás dela. — Você não precisa carregar minha mala — disse Sadie. Ele subiu depois dela — e encontrou-se olhando nádegas curvilíneas de mulher, que acenderam sua memória. Tentou resistir, mas seus olhos estavam colados naquela visão — e a palavra esposa subitamente começou a golpear seu cérebro. Não apenas esposa, mas minha esposa. Spence não via Sadie como uma mulher há anos — nem tinha deixado que ele mesmo a considerasse desse modo, exceto é claro por uma noite muito intensa. E agora, demônios, não era o momento de começar! De modo que parou onde estava e a deixou avançar seis degraus à sua frente. Sadie olhou para trás por cima do ombro. — Algum problema? Eu disse para não carregá-la. É pesada. Ela pensava que poderia carregar a maldita mala? — Tudo bem — rosnou Spence. — Entrou alguma coisa no meu sapato. Continue. Sadie arqueou as sobrancelhas ceticamente, mas encolheu os ombros e continuou a subir. Spence esperou que ela alcançasse o próximo descanso da escada e desaparecesse de vista. Somente então, quando não estava mais banqueteado com a visão do traseiro dela, retomou a subida. Sem palavras ele destrancou a porta e a abriu, e indicou-lhe que entrasse antes dele. — Não vai me carregar pela soleira da porta? Ele olhou para ela. — Você quer que eu faça isso? — Não! É claro que não. — Ela entrou apressadamente no apartamento. — Só estou sendo... — ela fez um trejeito, lançou-lhe um rápido sorriso e, um pouco sem jeito, encolheu os ombros — inadequada. Spence a seguiu e fechou a porta com o pé. — Não tão inadequada quanto você possa pensar — disse ele, deixando a mala dela no chão. Sadie fechou a cara. — O que você quer dizer com isso? — Quero dizer que, como aparentemente ainda estamos casados, na sexta-feira você irá comigo a Nanumi — como minha esposa.
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CAPÍTULO TRÊS Ir com ele para Nanumi? Como sua esposa? Sadie olhou fixamente. — Por que não? — insistiu Spence. — Estamos casados. Você disse isso. — Sim, eu disse. Mas... — Ela olhou para ele mais de perto. Estaria ele sugerindo...? Certamente ele não queria dizer...? O coração dela pareceu saltar do peito enquanto seu cérebro brincava com a possibilidade, que nunca lhe havia ocorrido — de que Spence iria querer continuar o casamento deles, que ele finalmente a via como uma mulher. Ele parou na frente dela. — Na alegria ou na tristeza, Sadie — ele disse, como se ela precisasse do lembrete. —Agora você é minha esposa. E Isogawa põe a família na frente de tudo. Você mesma disse. Ele quer casais no resort. Nós somos um casal. Faz perfeito sentido, não é? E subitamente Sadie compreendeu que aquilo não tinha nada a ver com querer permanecer casado com ela. Ele queria discutir. Esse era Spence no modo de confrontação. Spence procurando briga. Um desafio. Era sua forma de trabalhar. O instinto visceral de Spence escolhia e propunha coisas continuamente. Algumas vezes, pensou Sadie, seu cérebro trabalhava mais rápido que a velocidade da luz. Era a maneira como ele começava cada acordo. Ele via uma possibilidade e então — usando algum tipo de sexto sentido, alguma intuição que ela nunca podia alcançar —, ele analisaria o que estivesse considerando na velocidade warp, pensaria nas opções, calcularia os riscos e depois atiraria nela algum tipo de ideia escandalosa. Como agora. Normalmente, é claro, ele não o fazia com a afiada ferocidade que ela notou em sua voz agora, apesar do sorriso. Mas mesmo com o queixo de granito e o brilho nos olhos de quem come tubarões no café da manhã, o olhar no seu rosto era decididamente familiar. Ele a estava desafiando a enfrentá-lo, para pará-lo. E desejando que ela lhe fornecesse meia dúzia de outras opções. Era como trabalhavam. Um dos testes de Spence para a intuição dele era lançar uma decisão sobre ela, e esperar que ela a discutisse. E Sadie adorava discutir com Spence. Isso a excitava, a divertia. Fazia com que ela sentisse que era parte vital do processo de decisões dele. E se ela fosse suficientemente convincente, ele estava disposto a revisar e reconsiderar. Ela apenas sorriu e disse: — Está bem. O súbito silêncio na sala era ensurdecedor. Spence a olhou fixamente, os olhos esbugalhados. —Está bem? O que demônios você quer dizer com está bem? — Quero dizer que concordo. 28
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Suas escuras sobrancelhas abaixaram, e ele lhe lançou um olhar mal-humorado enquanto esfregava uma mão na nuca. — Eu não estava perguntando a você — ele disse asperamente. — Eu estava dizendo a você. — Sim. E eu concordo com você. — Concorda? Quero dizer, é claro que concorda — vociferou ele. — É que faz sentido. Sadie anuiu. — Sim. — Você pensa isso mesmo? — Sim — ela disse com firmeza. — Eu penso. — Por quê? Ela balançou a cabeça. Não iria dizer-lhe isso. Mas ela sabia o que tinha que dizer. — Trata-se apenas de negócios. Ele piscou, e depois aprovou. — Sim. — Bem, não é nada demais. — O cérebro dela riu de sua ingenuidade, mas ela o ignorou. — Irei para Fiji com você, e depois eu me demitirei. Irei para casa e obteremos o divórcio. Dessa vez um divórcio verdadeiro, com a papelada completa, oficial, legal. E então sairei de sua vida. — Não seja ridícula. Quero dizer, o divórcio, sim, claro. Bem. Mas você não precisa sair da minha vida! — Sim, eu preciso. Meu Deus, sim, ela precisava mesmo. Certamente ela não queria passar por isso outra vez, divorciar-se outra vez de Spencer Tyack e depois voltar a ser a gerente de seu escritório. Sadie fora suficientemente tola e iludida para tentá-lo uma vez. E com tanto afinco que funcionou. — Serei sua esposa por uma semana. E depois irei embora. O maxilar de Spence se apertou. Olhou fixamente para ela por um longo tempo, depois encolheu os ombros. — Faça o que quiser. — Eu o farei. Aquilo lhe faria bem. Ela iria a Nanumi com ele, como sua esposa verdadeira por uma semana. E ela se deixaria agir como uma esposa. Teria uma semana do sonho que sempre quis. E depois iria embora. Sem dúvida haveria um pouco de choque de valores em tudo isso. Talvez a despertasse o suficiente para forçá-la a começar uma nova vida. Spence não parecia completamente convencido. E ela não iria ficar ali para discutir com ele. — Estou imunda — disse. — E estive acordada a noite inteira. Preciso tomar banho. Posso usar o banheiro? Ele pareceu espantado. Seu semblante aprofundou-se. — Tomar banho? Aqui? — Vocês devem ter banheiros, eu acho. Encanamentos internos? Sei que nunca 29
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estive em Nova York antes, mas, certamente... — Sim, maldita seja. — Apontou com a cabeça para uma porta atrás da pequena área da cozinha. — Pode ir. — Obrigada. — Ela deu de ombros, contente por ter sua mala e roupa limpa à mão. — Estou viajando desde ontem à noite. — Então por que você atrasou? — Problemas técnicos com o avião. Um problema de fiação elétrica. Passei cinco horas em Detroit. Pense só, se o avião tivesse caído, você agora seria um viúvo e tudo estaria bem. — Ela sorriu para ele, ajoelhada e abrindo a mala. — Não seja idiota! — rosnou Spence. Ela estava tentando não sê-lo. Tirou da mala um par de calças de linho, uma camiseta, roupa íntima limpa e controlou suas emoções desobedientes. Só quando esteve segura de que estava outra vez no controle é que se levantou. Ele estava no caminho dela, olhando-a fixamente. — Com licença? — ela o pressionou quando ele não se afastou. — Um banho? — O olhar dele parecia fixo nas roupas penduradas no braço dela. — Spence? E como se tivesse compreendido subitamente por que ela não se movia — porque não podia — ele saiu da frente. — Obrigada. — Ela passou por ele. — Vou me apressar. — Não há pressa — murmurou ele. — Vou pedir... Algo para comermos. — Parece bom — mentiu ela, certa de que não poderia comer nada. Foi para o banheiro, e então se virou e lançou-lhe um último sorriso, brilhante e decidido. Ele ainda a estava olhando fixamente quando ela fechou aporta. Sadie usava roupa de baixo de seda! Ela tinha nas mãos uma calcinha de seda cor de pêssego, para não mencionar um sutiã de renda que parecia ter saído de um desses catálogos de lingerie de Hollywood. A mente de Spence foi direto dessas peças de roupa rendadas no braço de Sadie para a imagem dela as vestindo. Ele respirou fundo. O inesperado daquilo o manteve ofegante. Não só o inesperado da seda e da renda cor de pêssego — que era suficientemente assombroso, dada a conduta prosaica e sensível de Sadie — mas ainda mais a imediata e muito vívida imagem que seu cérebro criou de como ela ficaria usando aquilo. Sadie era uma grande garota. Uma boa garota. E quando ela crescesse, mereceria um bom homem. O melhor. Deus sabia que não era ele. Com seu pai alcoólatra, hoje aqui amanhã quem sabe, e sua mãe, difícil e amarga, Spencer Tyack não era o homem para uma garota como Sadie Morrissey. E assim ele mantivera suas mãos para si mesmo — e seu zíper bem fechado, pelo menos ao lado de Sadie. Mas ele sabia que ela era fabulosa, como Danny sem dúvida também sabia. Certamente ela nunca ostentou seus méritos. E numa idade em que muitas garotas adolescentes estavam determinadas a praticar seus estratagemas femininos 30
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em machos suscetíveis, Sadie nunca fez isso. Quando cresceu e ficou mais bonita, tornou-se mais quieta e menos disponível. Quando criança, sempre foi fácil falar com ela, quando seguia de perto a ele e a Danny. Mas aos 16, aproximadamente, aquilo terminou. E longe de flertar com ele quando aparecia pela casa com Danny, ela se tornou quase distante. — O que você fez com ela? — perguntava Danny, vendo a reticência dela e decidindo que era por algo que Spence havia feito. — Nada! Não fiz nada! Ele teria derramado sangue — até mesmo o seu próprio — para provar isso a Danny. Mas seus protestos aparentemente foram suficientes. — Nem pense em fazer — dissera Danny. — Conte com isso — replicara Spence. Ele apenas imaginou que ela não gostava mais dele. Quando criança, ela o seguira de perto, mas como jovem mulher evidentemente ela tinha visto como ele era e decidido que não valia a pena preocuparse com ele. melhor dessa forma, pensou Spence. Melhor que ele também não pensasse mais sobre Sadie. Mas então, em uma tarde de inverno, quando estava na cozinha dos Morrissey falando com Danny e arrancando os cabelos pelo estado de seu escritório e sua papelada, Sadie entrou, ouviu por um minuto, e disse: — Isso é bobagem. É só arquivar. — Eu o faria se pudesse pensar em um sistema! — Não era a coisa mais fácil do mundo. — Eu poderia criar um sistema — Sadie disse alegremente, como se soubesse as respostas para todos os mistérios do mundo. Spence rira com desdém. — Eu duvido. — Posso provar — respondeu ela. E no dia seguinte ela apareceu na caminhonete dele. — Então, onde você trabalha? Ele indicou com a cabeça o teto de lona da caçamba da caminhonete. — Aqui. Ela piscou, arregalou os olhos, mas deu de ombros e disse. — Bem. Mostre-me. — Você não quer se meter com isso — ele disse, porque certamente não queria que ela metesse o nariz onde ele vivia. — Com medo de que eu possa fazer alguma coisa que você não pode? — Sadie o desafiara. É claro que ele teve que deixá-la entrar. Abrira aporta para mostrar-lhe as pilhas de papéis — notas, rascunhos, extratos e documentos legais —, todos jogados em cima do saco de dormir e do cobertor onde ele repousava, ou enfiados debaixo da plataforma em que guardava seu equipamento. 31
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—Ainda pensa que pode arquivar isso? — Ele lhe lançou um sorriso presunçoso e preguiçoso. — Saia do meu caminho. — E Sadie empurrou-o para o lado, fazendo-o engolir em seco ao ter uma boa visão do insolente traseiro dela entrando na parte de trás da caminhonete. Então ela se virou para ele e perguntou: — Você vai ajudar? — Se fosse, eu teria feito sozinho — ele lhe disse, honestamente. Ela concordou. — Então vá embora. Ele foi dar uma corrida, determinado a cansar-se — e tirar da cabeça todos os pensamentos sobre o traseiro de Sadie. Quando voltou, exausto, naquela tarde, ele se sentiu mais no controle de seus hormônios. Sadie não parecia estar no controle da bagunça da parte traseira da sua caminhonete mais do que estivera antes que ele saísse. Os papéis ainda estavam por todos os lados — em diferentes pilhas agora, mas em pilhas. Ele ficara aliviado. E como no dia seguinte iria a Los Angeles para um seminário de negócios, disse: — Boa tentativa. Viu, não é tão fácil como você pensou. Esqueça disso. Mas Sadie não o fez. Ela balançara a cabeça e estendera a mão. — Ainda não acabei. Dê-me a chave da caminhonete. — Você é maluca — replicou ele. Mas deu-lhe a chave. Quando voltou uma semana depois, a bagunça havia sumido, a caminhonete estava vazia, exceto pela plataforma, pelo cobertor, pelo saco de dormir e por quatro caixas de arquivos. Por um instante ele sentiu pânico. — Onde...? —Ali. — Sadie apontou para as caixas de arquivos. — Tudo está classificado e no seu próprio lugar. Posso mostrar-lhe como isso funciona — ela tinha se oferecido. Mas a única coisa que Spence aprendera no seminário era o valor de delegar. Ele não quis saber como funcionava. Ele só queria Sadie ali, fazendo-o funcionar. Ele a contratou no mesmo instante. Como sua funcionária, Sadie deixou de ser quieta. Ela vinha todas as tardes depois da escola, até sua caminhonete e se sentava na cabine, fazendo-o controlar papéis com ela, arquivando-os, discutindo-os, raciocinando sobre eles. Sadie, apesar de ter apenas 16 anos, tinha opiniões definidas. Perguntava sobre questões que ele nunca havia considerado. Não tardou muito para que ele se desse conta de que ela não só era um gênio da organização, mas tinha uma boa mente instintiva para os negócios — que complementava a sua — e estava muito feliz de que ela trabalhasse para ele. Ela era estonteante. Era agradável tê-la por perto. E ela se transformara em um incrível recurso para o trabalho dele. Com as duas últimas coisas, ele podia lidar facilmente. A primeira era um problema. Ou teria sido, se ele não tivesse aprendido há muito tempo a compartimentar sua vida. 32
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Tratar com seus pais havia lhe ensinado isso. E assim como construíra uma caixa da família em torno dos pais para manter a raiva, a amargura e o fracasso deles fora de sua vida, para poder sobreviver, da mesma forma isolou Sadie. Construiu mentalmente uma caixa da funcionária em volta dela. E cada vez que se descobria pensando, mesmo remotamente, sobre a Sadie Morrissey física, ele fechava com força a tampa daquela caixa. Até a noite em que Emily havia rompido o noivado com ele e a tampa da caixa saíra. Quando chegou ao seu nível mais baixo, mais bruto, Sadie havia estado ali, com ele. Tinha sido gentil, cálida, o apoiara. Tinha sido amorosa. Uma palavra — uma experiência, na realidade — da qual Spence sabia muito pouco. E ele cedera a ela. Necessitava de seu calor, seu cuidado, seu amor naquela noite. E não tinha sido capaz de resistir àquela necessidade. E assim a tinha pedido em casamento. Pedir? Que tal obrigar? Isso estaria mais perto da verdade. Ele resistira à tentação por anos. Resistira a Sadie por anos. Mas naquela breve noite havia sucumbido. Ele havia casado com ela. Feito amor com ela. Havia — Deus o ajude! — tirado a inocência dela naquela noite. Ao mesmo tempo ele ficara chocado e encantado. Ao ver o lindo rosto dela na manhã seguinte, ele soube o que fizera de errado. Então fizera o que pensou ser o correto — divorciou-se dela. Ou tentou. Parece que até isso ele fez mal. A única coisa que fez bem foi guardar Sadie e todas as suas íntimas memórias de volta na caixa e bater a tampa. Nos últimos quatro anos, nunca se deixou contemplar os grandes olhos verdes dela, sua encantadora pele dourada com sardas, suas longas pernas ou sua boca tão desejável. Resistiu a todos os pensamentos sobre a noite em que fez amor com Sadie Morrissey. E tão certo como o inferno, ele não passaria uma semana compartindo uma bure em Nanumi com ela se já estava se fixando em que tipo de roupa íntima ela usava! O problema era, agora que sabia que ainda estava casado com ela, e que ao menos legalmente ainda tinha direito sobre ela, não podia tirar sua imagem da mente. A tampa não só saíra, mas toda a danada da caixa em que pusera Sadie Morrissey por anos e anos havia desmoronado em pedaços. E sua imaginação, desatrelada, era uma coisa temível. — Controle-se — murmurou furiosamente para si mesmo. — É a Sadie, pelo amor de Deus. São apenas negócios. Mas sua mente — e seu corpo — estavam ocupados lembrando-lhe que Sadie não era apenas negócios; ela era sua esposa. — Por uma semana — ele recordou a si mesmo. — Apenas por uma semana. Ou até que os contratos fossem assinados e o resort virasse um acordo feito. Uma semana. Ele poderia construir outra maldita caixa e colocá-la nela por uma semana. Seu corpo implorou para discordar. — Que inferno! — Ele correu para a porta do banheiro e bateu nela. — Sadie! A água foi fechada. 33
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— O quê? Ele apertou os olhos fechados, como se isso o impedisse de visualizá-la nua e molhada no chuveiro dele. — O que você quer para o jantar? E se ela dissesse Você! Claro que não o fez. — Surpreenda-me — respondeu através da porta fechada. Spence tentou não pensar em surpresas. E Sadie deve ter tido segundos pensamentos, porque subitamente gritou: — Peça alguma coisa que não se consegue em Butte. — E a água foi aberta outra vez com toda a potência. Spence ficou ali tentando recuperar-se. — Bem, mantenha o foco — ordenou a si mesmo. — Algo que não se consegue em Butte. — Não deveria ser difícil. E certamente muito mais simples que tentar não pensar em Sadie Morrissey nua no chuveiro dele. Sadie saiu do banheiro depois do banho, vestida com roupas limpas, sentindo-se melhor — e mais cautelosa, ao mesmo tempo. Enquanto tomava banho, tentou recompor-se, chegar a termos com o que ele havia lhe pedido que fizesse, convencendo-se de que poderia fazê-lo sem fazer uma tola de si mesma. Ela sabia que tinha que fazê-lo ou morrer tentando. Ao mesmo tempo, nem mesmo estava segura de que conseguiria terminar o jantar. Spence estava na cozinha colocando embalagens na mesa. — É comida birmanesa — disse. Nem mesmo olhou para ela, apenas abriu embalagens de papelão branco com comidas que assobiavam de tão quentes. A boca de Sadie encheu-se de água. Ele pegou pratos do guarda-louça, movendo-se com a acostumada eficiência, e não parecia mais zangado. Isso era bom? — Tem um cheiro ótimo. — Sadie sorriu, ainda um pouco incerta. Spence colocou talheres de prata, depois tirou pauzinhos de madeira de uma das sacolas, colocou água gelada nos copos e arrumou tudo na mesa. — Você quer vinho? — Havia uma garrafa sem abrir na mesa da cozinha. — Não, obrigada. Eu cairia no sono. — Ela ainda sentia os efeitos da noite no avião e o estresse dos últimos dois dias. — Beba você. Ele não abriu a garrafa. Apenas apontou com a cabeça para a cadeira mais perto dela. — Sente-se. Mãos à obra. Sadie sentou-se. — Tem uma cara ótima, também. — Normalmente, sim. — Ele abriu uma embalagem de arroz e a passou para ela. — Como nesse lugar sempre que venho à Nova York. Pedi bife satay1, galinha ao curry, 1
Pelos sites que pesquisei, trata-se de uma receita de aperitivo, a base de bife de porco (lombo), com manteiga de amendoim, gengibre fresco e outros ingredientes exóticos, tais como molho de peixe.
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alguma coisa com carne de porco que nunca lembro o nome, salada prawn2 e um tipo de bolinhos fritos. Você não consegue isso em Butte. — Ele estava falando rápido enquanto colocava colheradas de comida em seu prato. Não olhava para ela. Sadie pôs um pouco de cada coisa no prato, e pegou seus pauzinhos. As coisas pareciam quase... Normais, como os almoços de negócios que ela e Spence frequentemente compartilhavam. Só que aqueles eram acompanhados por maços de papéis, contratos, diagramas e conversa incessante. Essa refeição não tinha papéis, contratos, diagramas e, até agora, nada de conversa. O que tinha era um grande e gordo elefante não reconhecido na sala: o elefante casamento. O elefante do casamento deles. Sadie precisava saber o que esperar. Mas Spence não disse uma palavra. Manteve sua boca cheia o tempo todo. Toda a refeição se passou em silêncio. Comeram teimosamente, com determinação, até não haver mais o que comer. As embalagens estavam vazias, os pratos limpos. Quando ela esperava que ele finalmente começasse a falar, Spence levantou-se de um salto e começou a limpar a mesa. Sadie também se levantou. — Deixe-me ajudar. — Não, está bem. Eu faço, a cozinha é bem pequena. — E ficou claro que ele não a queria lá. — Café, chá? — Ele deu as costas para ela, enxaguando pratos na pia. Desde quando Spence se tornara tão doméstico? — Chá, então, por favor. — Temia que o café fizesse seus nervos, já desgastados, ficarem piores. — Tudo bem. Vá sentar-se. Eu sirvo. Ela teria gostado de oferecer ajuda naquilo, mas Spence já estava enchendo a chaleira com água e não são necessários dois para preparar um chá. Bem, chega. Como ele não começara, ela o faria. Voltou-se para onde Spence estava servindo o chá. — Você disse que casar-se com Dena era uma questão de negócios. Por que agora? O que está acontecendo em Nanumi que o faz precisar de uma esposa? — Você mesma disse. Isogawa quer casais. — Mas ele não espera que você case só para satisfazê-lo. Que mais? Spence franziu o cenho, e Sadie pensou que ele não fosse responder. Mas, finalmente, ele disse: — Leonie. Sadie pestanejou. — Leonie? Leonie Carstairs? A esposa de Richard? Não estou entendendo. O cenho de Spence fechou-se mais ainda, e uma maré vermelha avançou pelo seu rosto. Mas não disse nada enquanto atravessava a sala com uma xícara na mão e a ofereceu a ela. — Obrigado. — Sadie aceitou, tomou um gole e perguntou. Por que você casaria com Dena por causa da esposa de Richard Carstairs? — Oh, use a cabeça! — rosnou Spence. — Porque ela não faz muita questão de ser 2
Uma espécie de salada de camarão, muito comum em áreas onde o marisco fresco é abundante.
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a esposa de Richard! — Não faz... — A voz de Sadie sumiu. — Quê? — Ela considerou as implicações do que Spence estava dizendo. — Você quer dizer... Mas ela é tão simpática ao telefone! — Quantas vezes ela ligou para você? — Três ou quatro. Ela parecia muito... Nervosa. Como se não estivesse segura de que era bem-vinda. Não querendo atrapalhar. — Sim, certo — murmurou Spence. Curvou os ombros, parecendo perseguido. — O que isso significa? — perguntou Sadie? Mentalmente, repassou as conversas que tivera com Leonie Carstairs. A mulher talvez lhe parecera demasiado animada quando se falaram, mas algumas vezes um pouco melancólica também. Richard estava sempre tão ocupado, havia dito. Nunca sabia o que devia fazer. — Ela parecia muito preocupada em saber se seu marido teria tempo para ela. — Seu marido? — O tom de Spence era suspeito. — Quem mais? Ele não respondeu, mas a vermelhidão em seu rosto respondia por ele. — Você! Você acha que ela está atrás de você? — Sadie ficou olhando para Spence. — Eu não penso isso! — ele rosnou, os olhos escuros brilhando zangados. Os olhos de Sadie se abriram enquanto ela considerava as implicações. — O que está acontecendo? — ela finalmente perguntou, esperando que, ao convidá-lo a falar, obteria as respostas que precisava. — Leonie Carstairs é uma prostituta desesperada e atrevida! Se um cara é solteiro, ela dá em cima dele! — Ela deu... Em cima de você? — Deu. —A resposta foi direta. — Mas ela é casada. — Você é tão ingênua assim? — Oh. — Sadie sentiu seu rosto enrubescer. — Mas... Não é um pouco drástico casar-se com Dena somente para frear Leonie? Você não podia apenas dizer não? — Não, maldita seja, não podia. — Spence colocou sua xícara no mostrador com mais força que a necessária, derramando chá por todas partes. — Eu tentei — agregou. Sadie não quis parecer demasiado interessada. Mas não pôde evitar dizer: — O que aconteceu? — com muito mais curiosidade do que pretendia. Spence franziu o cenho e passou a mão pelos cabelos. — Faço negócios com Richard há anos. Conheci sua primeira esposa. — Margaret. Sim, eu lembro dela. — Apesar de nunca ter se encontrado com Margaret ou Richard Carstairs, ela tivera conversas enquanto Spence fazia acordos com eles. E ela lembrava bem de quando Margaret morrera, há cinco anos. — Eles eram perfeitos juntos. E então, três anos depois, Richard conheceu Leonie. — Spence balançou a cabeça. — Ela é jovem. Ele anda pelos cinquenta. Que inferno, os filhos dele têm a idade dela! Mas ele não aceitava argumentos, ele a queria e casou-se com ela. E agora, agora é uma confusão dos infernos. — Spence caminhou 36
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pela sala como um animal enjaulado, depois se jogou em uma das cadeiras e olhou para Sadie com as pálpebras quase fechadas. Sadie esperou, sabendo que havia ocasiões para servir de ponto a Spence e outras não. Essa era uma delas; ela devia esperar que ele tomasse a iniciativa. — Depois que ele a teve, ele... Não lhe dá muita atenção. Francamente, acho que ela o assusta. Ela me assusta muito. Ela... Flerta. Para atrair a atenção dele, eu acho. Pelo menos eu achava. Agora não sei mais. Depois de Barcelona... — Franziu o cenho e abruptamente deixou de falar. — O que houve em Barcelona? — perguntou Sadie. Ela sabia que Spence havia estado lá no mês passado para uma reunião. Ela mesma preparara tudo. E se lembrou que Richard devia estar presente também. — Leonie esteve lá? — Sadie não reservara nada em nome dela. — Esteve — concordou Spence. — Insistiu em ir, disse Richard. Mas ele não podia levá-la a todas as reuniões. Uma noite ela estava por conta própria no hotel. Não prestei muita atenção, não tinha nada a ver comigo, eu estava trabalhando. Então, naquela noite, joguei pôquer com alguns dos rapazes. Mais tarde, quando voltei para o meu quarto — ele fez uma careta — ela estava em minha cama. Sadie olhou espantada. — Na sua cama? —Você me ouviu! - Ela estava no seu quarto! Mas como... Spence deu de ombros. — Fingiu que era o dela. Disse a uma criada que esquecera a chave dentro do quarto. Ria afetadamente, vangloriando-se disso. "Tudo de que se precisa são algumas pesetas", ela me disse. Pensou que era muito divertido. Não estava inclinada a aceitar um não como resposta. Sadie sentiu sua boca ficar seca. Ele estava dizendo que dormira com Leonie Carstairs? — Eu a expulsei imediatamente, e ela protestara todo o caminho — Spence respondeu a pergunta que Sadie não pôde fazer. — Mas ela não estava contente com isso. — Ele nunca saberá disso — ela disse. — E se descobrisse, não se importaria. — Spence balançou a cabeça. — Não é verdade. Richard se importaria muito. Ele pode abandoná-la por algumas horas — ela pode enlouquecê-lo — mas no que lhe diz respeito, ela lhe pertence. Eu teria acabado com nosso trabalho juntos, teria arruinado aquele projeto. E, além disso, eu não vou para a cama com as esposas de outros homens. Sadie engoliu uma onda de alívio. — Claro que não — ela disse, mais feliz do que tinha direito a estar. — Quando surgiu o acordo de Nanumi, pude ver Barcelona acontecendo outra vez. — Você não acha que ela recebeu a mensagem? — Não. Ela só escuta o que quer. Lembro que tentou dar em cima de Dan Fitzsimmons alguns meses atrás, mas ele se casou e tudo terminou. Ela aparentemente não respeita a própria aliança de casamento, mas não caça os maridos de outras 37
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mulheres. — E você decidiu casar-se? — Parecia uma boa ideia — ele disse com firmeza. — Sei que você pensa que o casamento diz respeito a amor, romance, flores, mas não é assim. — Saltou da cadeira e começou a caminhar outra vez. — O casamento, ao longo da história, foi mais frequentemente uma aliança econômica do que um romance de corações e flores. Eu entendo isso. Dena também. Teria funcionado. — Ele se virou e a encarou, seu olhar desafiando-a a negá-lo. — Ainda parece... Bem drástico. — Sim; bem, se você estivesse tentando realizar um negócio de algumas centenas de milhões de dólares, que pudesse ser arruinado por alguma jovem de maus costumes com peitos em lugar de cérebro, você faria alguma coisa drástica também! — E agora? — Agora — ele disse pesadamente —... há você. Certo. O elefante do casamento. A frente e ao centro. — Então, o que você pensa fazer? — perguntou ela. — Aparecer e atuar como um casal na frente dos outros — ele explicou rapidamente. — Não espero nada mais. Não se preocupe. Sim, Sadie já havia imaginado isso. Mas então seus olhares se encontraram. Algo vívido, intenso e extremamente pessoal parecia brincar nos olhos de Spencer Tyack. Algo quente. Mas antes que ela pudesse ter certeza, ele mudou novamente a direção do olhar. — Vamos — ele disse abruptamente. — Vou levá-la ao seu hotel. — Hotel? — Sadie disse tolamente, ainda sentindo-se chamuscada por aquele calor momentâneo. — Hotel. Reservei um quarto para você no Plaza. Eu lhe disse isso, lembra? — ele já estava de joelhos, colocando as roupas sujas dela dentro da mala e fechando o zíper, como se não pudesse esperar para ficar livre dela. — Eu... Sim. Mas pensei que supostamente era um pagamento por eu ter trazido sua certidão de nascimento e nossos... Papéis de divórcio. Eu não fiz isso — agregou ela. — Não importa. Você tem que dormir em algum lugar. Já está pago. Não tem sentido desperdiçá-lo. Vamos. — Ele pegou a mala, abriu a porta e ficou ali, esperando que ela o precedesse nas escadas. E Sadie dificilmente poderia dizer "Quero ficar aqui", poderia? Não, É claro que não. Mas a pergunta mais amedrontadora era: ela queria? Era suficientemente tola para desejá-lo? E, para ser honesta, sim, uma parte perversa, uma parte enormemente estúpida dela queria exatamente isso. Mas Spence claramente não o queria. Ele não a queria. Não queria estar casado com ela. E sem importar o que ele poderia ter dito uma noite há quatro anos, aquelas famintas e desesperadas palavras 38
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que ele murmurara, que lhe deram esperança, naquela noite, de que ela significasse mais para ele do que ele jamais a deixaria saber, aquilo fora obviamente uma aberração, não um desejo profundo. Ela engoliu em seco, afastou todas as noções românticas de felizes para sempre, e disse o que precisava dizer. — Muito bem. Estou certa de que me divertirei muito. — Depois, com o queixo alto, saiu pela porta e desceu as escadas. Ela pensou que se livrara dele. Esperava que ele chamasse um táxi e que ela pudesse rastejar para dentro dele e parar de fingir que não se importava, que lhe era indiferente, que ela não se preocupava. Mas ele não apenas chamou o táxi, como entrou nele com ela. Acompanhou-a todo o caminho até o Plaza, onde ela pensava que ele a deixaria na entrada. Mas, maldito seja, Spence entrou com ela. Ele cuidou do seu registro no hotel e a acompanhou ao quarto. —Você não precisa fazer isso — ela disse desesperadamente. — Preciso — disse Spence. E ela imaginou se ele ouvira qualquer ironia em suas palavras. Provavelmente não, julgando pela estudada determinação do rosto dele. Ela não estava acostumada com um Spence assim. Estava acostumada com um homem rápido, atrevido, sincero, inteligente, selvagem. Educado e adequado nunca foi a forma de Spence, pelo menos, não com ela. Mas ele estava educado e adequado naquela noite. Atuava como se alguém lhe tivesse enfiado uma cópia de Emily Post3 no traseiro. Vá embora!, ela lhe rogou em silêncio. — Está combinado. Nós o faremos. Mas necessito de um pouco de espaço, de tempo. Preciso ficar só. A última coisa que ela precisava era Spence atuando todo reservado e solícito. Era muito pior que ser tratada da maneira jovial e precipitada com que ele a tratava normalmente. Pelo menos daquele jeito parecia que eram verdadeiros amigos. Agora que ainda estavam casados, havia essa tensão terrível. Era espantoso. Nenhum dos dois falou nada enquanto subiam pelo elevador. Ele não olhou para ela. Ela não olhou para ele. Quando chegaram ao quarto, ele pegou a chave e abriu a porta para ela, segurando-a para que ela passasse primeiro. Tudo muito educado, muito adequado. Ela sentiu vontade de chutá-lo. O quarto era grande e lindamente decorado; devia ter lhe custado uma fortuna. Ele mal pareceu notar. Colocou a mala dela no lugar apropriado e afastou-se em direção à porta. Lá ele parou e olhou para ela atentamente. — Você ficará... Bem? E o que ele faria se ela dissesse que não? Sadie não queria descobrir. — Por que não ficaria? — disse ela asperamente. Ele fez uma careta. — Claro. É que apenas... Sei que isso é tão incômodo para você como o é para mim. Lamento muito. Sobre tudo... 3
Emily Post Institute é uma famosa escola de etiqueta e boas maneiras dos Unidos da América do Norte. (N. do T.)
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— Não continue! — Ela chegara ao seu limite. — Apenas saia! - Estou indo — disse ele. — Voltarei pela manhã para levá-la no aeroporto. — Não se preocupe. É inteiramente desnecessário; ainda posso ir sozinha até o aeroporto— Sadie estava agradecida por sua voz haver soado tranquila e composta. Ela queria gritar. — Vou pegar um voo cedo. Assim, estarei em casa por volta do meiodia. Tenho trabalho a fazer. Ele pareceu aliviado, como se mal pudesse esperar que ela saísse da cidade. — Tenho trabalho na cidade durante toda a semana. Não terei tempo de voltar a Butte antes de sairmos para Fiji. — Eu sei. — Certo. Reserve uma passagem para você no meu voo para Fiji e eu a verei em Los Angeles. O voo de volta no avião fretado não será um problema. Direi a eles que você irá. — Dirigiu-se à porta, mas parou no meio do corredor. — Acabo de pensar... Você pode conseguir alguém para lhe substituir enquanto estivermos fora? Substituir no escritório, ele quis dizer. Eles nunca haviam viajado ao mesmo tempo. Nem ficado juntos. Exceto uma vez, em Vegas, há quatro anos. Sadie devolveu seu olhar. — Posso conseguir alguém. Não se preocupe. Obrigada por acompanhar-me. Não perca mais tempo. — Eles têm que ser competentes. Não quero cabeças de vento — continuou ele como se ela não tivesse dito nada. — Sei disso. — Ele pensava que ela era uma idiota? — Tomarei conta de tudo. — Apenas vá embora, maldito seja! — Bom. — Houve outra pausa. Ele mudou o tom, desajeitadamente. — Obrigado. — Então clareou a garganta. — Eu mantenho o que disse ontem, Sadie. Você não precisa se demitir. Todo esse gaguejar era para isso? Ele estivera sendo evasivo até encontrar um meio de introduzir isso na conversa. — Pode ser como antes. Podemos voltar para... — Boa noite, Spence — ela disse abruptamente. E fechou a porta na cara dele.
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CAPÍTULO QUATRO em suas fantasias Sadie passara noites no Plaza. Era o resultado de ser uma criança que lia muito, que passava horas na biblioteca e que lia cada livro da seção infantil várias vezes. Ela adorou Eloise. Leu a história da menininha que vivia no Plaza Hotel até que a capa do livro praticamente caiu. Para Sadie, o Plaza sempre parecera estar mais longe que as crateras da lua. Ela podia ver as crateras desde Butte, Montana. Mas apenas podia imaginar o Plaza. E agora ela estava ali. Em seu próprio quarto — Eloise teria gostado muito dele. Teria pulado na cama e se pendurado pelos joelhos da barra da cortina do chuveiro. Teria chamado o serviço de quarto e pedido o que quisesse. Sadie podia fazer isso. Spence o havia permitido. — Você não comeu muito no jantar — disse ele quando estava com ela no check-in do hotel. — Se ficar com fome, ligue para o serviço de quarto. Peça o que quiser. Muito magnânimo, solícito, muito adequado. Um bom chefe. Não tão bom marido, mas isso ele não pretendia ser. O que não deveria incomodála. Ela deveria ter deixado Spencer Tyack para trás há anos. Na verdade, até achava que o tivesse feito. Ela tivera encontros com outros homens nos últimos quatro anos, não é? Só porque não encontrara o homem certo não significava que não o estivesse procurando. Mas ontem, no instante em que descobrira que ainda estava casada com ele, seu mundo virou de cabeça para baixo — e todos aqueles velhos sentimentos desesperados, completamente m reciprocidade, vieram à tona novamente. E ela não pôde deixar de pensar que, apesar de o casamento dele com Dena não passar de uma forma para levar seu relacionamento de negócios a um novo nível, sem dúvida ele tinha planejado passar uma noite de núpcias com a noiva., Ele certamente não se casaria para depois levá-la a um hotel, sozinha, e voltar só para seu apartamento! Mas ele enviara Sadie para um hotel. Havia atuado como se mal pudesse esperar para ver-se livre dela. Ela não deveria surpreender-se. Na verdade, não o fez. Mas teria sido tão mais simples se ela não o amasse, se nunca o tivesse amado, se ela apenas pudesse sorrir descuidadamente e ir embora. Mas não poderia ir embora por mais uma semana. Ele não a deixaria. Sadie sentou-se no meio de sua enorme cama no Plaza e sentiu como se estivesse chorando. Mas não queria chorar! Tinha coisas mais importantes para fazer, como pensar em como sobreviveria na próxima semana, sabendo que não estava fingindo — que era, de fato, a esposa de Spencer Tyack. Noites de núpcias, de acordo com tudo que Spence ouvira, supostamente deveriam ser memoráveis. Theo Savas, cuja esposa Martha havia pintado os murais no edifício comercial de 41
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Spence, não podia deixar de sorrir quando mencionava a sua. Foi completamente discreto, é claro, como Theo era. Mas bastava olhar para o sujeito para saber que ele e a esposa haviam passado momentos muito satisfatórios, mesmo que Martha estivesse nos últimos estágios da gravidez quando Theo finalmente a convenceu a usar aliança. Sortudo do Theo, Spence pensou sombriamente. Ele poderia ter dito a Theo algumas coisas sobre noites de núpcias memoráveis. Tivera uma porção exagerada delas. Era mortificante, humilhante. Primeiro a defecção de Emily quatro anos atrás. Depois seu desesperado casamento com Sadie. E agora isso! Ele não tivera um casamento hoje — mas aparentemente ganhara uma esposa! Spence tentara tão escrupulosamente, por quatro anos, esquecer aquela noite — esquecer de ter Sadie em seus braços, esquecer de fazer amor com ela — que ser atingido outra vez pelas memórias era como um soco no estômago. Ele poderia ter ficado bem se não tivesse visto aquela roupa de baixo delicada. Quando é que Sadie começou a usar lingerie sexy como aquela? Ele se lembrava de roupa de algodão, prática. Nada que instigasse a libido de alguém. É claro que ela podia estar usando um saco de aniagem e isso não importaria. Uma vez que ele lhe tirasse a roupa, era apenas Sadie. E a libido dele dominou tudo. Foi um trabalho duro afastar-se daquela noite — saber que esquecer era o melhor, a única coisa a fazer para ser justo com Sadie. E agora, era como se todos seus esforços tivessem sido inúteis. Por que diabos ele tivera que ver aquelas delicadas calcinhas de renda quando ela as tirou da mala? Por que não o deixaram dormir com a imagem de uma Sadie sem mais atração que uma freira? O problema é que ele sabia que Sadie não era nenhuma freira. Agora que não podia evitar pensar naquela noite outra vez, lembrou-se muito bem do quanto ela não se parecia a uma freira. Na verdade, ele ficara chocado. Ela sempre pareceu do tipo abotoada e recatada no escritório. Bem, não exatamente recatada. Mas ele não contava com uma mulher que pudesse fazer o sangue dele correr mais grosso e quente. E assim, estava deitado em sua larga e solitária cama, dando voltas, dolorosamente lembrando de sua noite de núpcias! E, pior, pensando sobre como seria ter Sadie aqui e agora — uma Sadie com seda e rendas. E pior que tudo, pensando em tirar as rendas e a seda dela. Pensando em passar suas mãos por aquelas longas e suaves pernas, puxando para baixo aquele pedaço de seda e jogando-o longe. Pensando em desatar aquele punhado de renda que ela chamava de sutiã, e deixar suas mãos aprenderem a curva dos seus seios, deixar sua boca deleitar-se nos picos cor-de-rosa e excitar os bicos do seio com sua língua. — Maldita seja! — Ele saltou da cama e começou a caminhar pelo quarto; seu corpo protestava, porque caminhar não era o que queria fazer naquele instante. O que 42
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queria era libertação. Dentro da quente, molhada e desejosa... Sadie. Demônios, sim, ele lembrava! Depois de anos de colocá-la com capricho em sua caixa de empregada, o anúncio de que ainda estavam casados havia explodido a tampa da caixa, dominado sua mente. Ele não pensava em coisas como essas desde quando era um adolescente alimentado por hormônios. Certamente ele não fazia coisas como essas! Era lógico, sensível. Ele ia casar com Dena, não ia? Era apaixonado por seu trabalho, não pelas mulheres. Tentou pensar, compreender. Essa súbita preocupação por Sadie era porque ele não pôde ter Dena essa noite? Parecia que sim. Ele tinha esperado fazer sexo com ela, e agora não podia. Mesmo que ele admitisse não estar apaixonado por ela, não era preciso amor para aproveitar uma noite na cama com uma mulher desejosa. Ele teria gostado. Andou por todo o apartamento. Não era suficientemente grande para caminhar muito. Mas Spence francamente duvidava se toda Manhattan seria suficientemente grande para o recorrido que ele necessitava completar aquela noite. Abriu as venezianas e ficou contemplando a escuridão. Havia algumas luzes em outras janelas. Alguns poucos estavam despertos às três da manhã. Nova York nunca dormia. Mas ele apostou que Sadie estava dormindo. Ela praticamente cabeceara de sono durante o jantar. Sentou-se com a cabeça inclinada sobre o prato, sem dizer uma palavra. Sem parecer-se em nada com Sadie. Ele estava acostumado com ela falando sem parar. Essa noite ele não conseguira nada. Ela nem mesmo pôde olhá-lo! Atirou-se outra vez na cama, contemplando o teto. Depois rolou para o lado, socou seu travesseiro e chutou o edredom, até fazer um monte. Não ajudou. Ele estava ligado, com toda a corda. Sexo ajudaria. Acalmaria sua frustração, o relaxaria. Se Dena estivesse ali... Mas não era com Dena que ele se imaginava fazendo sexo! Era uma flexível mulher de cabelo escuro com rendas cor de pêssego que ele podia ver contorcendo-se debaixo dele. Era a mesma mulher que ele podia imaginar montada sobre as coxas dele, passando as mãos pelo peito dele, acomodando-se mais abaixo, levando-o com ele. — Diabos. — Spence cobriu o rosto com o travesseiro. Colocou-o de lado e levantou-se outra vez, entrou no banheiro e abriu a torneira de água fria no máximo. Então tirou o short e ficou debaixo do chuveiro, deixando a água gelada banhar seu corpo sobreaquecido e esfriar seu ardor. Ficou ali até que seus dentes tiritaram, toda sua pele arrepiada, até que não podia mais suportar. Então saiu, secou-se e voltou para a cama. E a primeira coisa em que pensou foi que Sadie tivera muita sorte por ele ser suficientemente cavalheiro para levá-la ao Plaza, em vez de fazê-la passar a noite com ele. Se o tivesse feito, ele poderia ter arrancado aquelas calças pretas que ela usava, puxado aquele suéter cor de vinho sobre a cabeça dela e descoberto a provocação cor 43
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de pêssego que ela usava debaixo deles. E, maldito seja, o chuveiro tinha sido inútil. Ali estava ele outra vez, pensando na maldita lingerie de Sadie! Havia uma garrafa de uísque sobre a lareira. Ela prometia alívio, consolo, olvido. Ele se levantou e serviu-se um copo, depois se sentou e o contemplou. As emanações o tentaram, o excitaram, prometeram-lhe o esquecimento. Ele o usara antes, logo antes de obter o divórcio. Ou pensar que o obtivera. Ele precisara esquecer. E assim o fizera — até uma manhã em que realmente não se lembrou da noite anterior e isso o assustou muito, ao fazê-lo pensar que era, exatamente como afirmara sua mãe, igual ao seu pai. Não que John Tyack tivesse noites de núpcias que não pudesse lembrar. Mas o velho certamente passara muitas noites em um bêbado esquecimento. Noites que Spence lembrava — e odiava — demasiado bem. Ele parou de beber nesse instante. Depois disso, só bebia acompanhado, e mesmo assim só um pouco. Agora, tentado como estava, afastou-se do uísque com desgosto, jogou-se na poltrona e quis acalmar-se, esfriar, controlar-se. Ele não era como seu pai. Podia encontrar outra saída para sua dor. Certamente poderia encontrar outra maneira de esquecer Sadie e a promessa da seda cor de pêssego. Claro que poderia. Tinha muito tempo. Todo o resto da noite. — Você está bem? — Martha Savas meteu a cabeça no escritório de Sadie, em Butte, na tarde seguinte, franzindo as sobrancelhas e lançando-lhe um olhar interrogativo e um pouco preocupado. — Quê? Oh, sim, claro que estou. — Sadie trouxe seu cérebro de volta para o presente e tentou colar um sorriso alegre no rosto. — Por que não estaria? — Diga-me você. — E em vez de abanar os dedos e dirigir-se a seu estúdio no fim do corredor, onde pintava painéis gigantes para pendurar em um banco recentemente renovado, Martha entrou no escritório de Sadie e sentou-se na cadeira de Spence. — Você está com uma aparência horrível. — Muito obrigada. — Sadie manteve seu tom leve, mesmo quando passou a mão pelos cabelos em um esforço para fazê-los parecer melhor. Mas sabia que não podia disfarçar muito com as olheiras e a falta de cor em suas bochechas. — Só estou cansada. — Quando você voltou? — Ontem à tarde. E viajo outra vez amanhã. — Viajar? Outra vez? Duas vezes em uma semana? Todos sabiam que Sadie nunca ia a lugar algum. Ela podia safar-se explicando que Spence a queria em Nova York para uma reunião. Mas duas vezes na mesma semana era inusitado. Martha sorriu. — Não me diga que finalmente vai tirar umas férias? Era tentador dizer que sim. Afinal de contas, uma viagem para Fiji poderia ser chamada de férias, não? Ela não queria mentir para Martha. Sadie gostava de todos os artistas que 44
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tinham estúdios ou apresentavam seus trabalhos na galeria do térreo ou na cooperativa do segundo andar, mas gostava mais de Martha. Primeiro, quando a conheceu, uma muralista que havia chegado a Butte somente no ano passado, Sadie sentiu mortificantes pontadas de inveja. Afinal de contas, Martha só tinha vindo porque conhecera Spence em um voo voltando da Grécia, e na sua maneira alegremente precipitada, ele dissera que ela devia ir e pintar um mural para ele. Sadie não sabia se ele realmente pensara que ela iria ou não, mas ficou encantado quando a viu chegar algumas semanas depois. E ele pediu a Sadie que a ajudasse a encontrar um lugar para morar e sugeriu lugares onde ela poderia procurar trabalho. — Seattle — sugeriu Sadie quando ela e Martha ficaram a sós. Martha havia rido. — Não se preocupe. Não estou interessada em Spence — ela dissera, apesar de Sadie nunca ter dado a entender que tinha algum interesse em Spence. Ela lembrava de tê-lo dito veementemente. — Você não precisa dizer isso — Martha dera de ombros. — Não sou cega. Era óbvio, então? O pânico deve ter assomado em seu rosto, pois Martha sorriu com simpatia e balançou a cabeça. — Eu noto porque sinto o mesmo, por outra pessoa. — Era por Theo — o homem que era agora o marido de Martha. Mas nem tudo foi fácil. Quando Theo Savas apareceu, determinado a casar-se com ela, Sadie viu o drama revelar-se, encantada com o rude marinheiro grego de Martha. Mas mesmo que Martha o amasse, a Theo não foi fácil convencê-la a casar-se com ele. — Ele está sendo responsável. — Martha rejeitara a determinada perseguição de Theo. — Ele pensa que, porque estou grávida, precisa casar-se comigo. Bem, sim. Isso era uma complicação. E Martha não queria que Theo se casasse por obrigação. Ela queria amor. Sadie compreendia esse sentimento, até o compartilhava, já que por anos desejara o amor de Spence. E não tivera a menor chance. — Não são férias — disse devagar. — São... Vou para Nanumi com Spence — você sabe, aquele resort em Fiji — por uma semana. Os olhos de Martha se arregalaram. — Muito bem, aleluia! Finalmente ele viu a luz. — Ela sorriu abertamente. — E nem tive que bater nele com uma frigideira. — Ela estava absolutamente alegre, e Sadie detestou estragar seu bom humor. — São... Apenas negócios — disse. — Ah, claro, negócios. Não. Se fossem negócios, você estaria aqui. Você é o front interno e Spence é o circo viajante. Sadie não o diria dessa forma, mas entendeu o ponto de vista de Martha. —Normalmente é assim — ela concordou. — Mas dessa vez eu também preciso ir. — E não porque ele se viu finalmente interessado? Está levando você para um resort privado — Martha carregou as palavras com um banho de insinuações —, para 45
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fazê-la trabalhar? — Ela balançou a cabeça outra vez. — Ele está apaixonado. — Não está. Ele só precisa... De uma esposa. No instante em que as palavras saíram, ela quis chamá-las de volta. Mas era tarde demais. Martha a contemplava, horrorizada. — Você não vai! Perdeu a cabeça, Sadie? Como ele pode ser tão manipulador? Você não vai deixar aquele homem maldito fazer você passar por sua esposa? Sadie engoliu em seco. — Ele não é... — Mas, então... — Martha franziu o cenho, confusa. — É verdade. — Sadie deu de ombros. — Eu sou esposa dele. Martha parecia haver se engasgado com a própria língua. Sua boca se abriu, mas não produziu nenhum som. Depois ela a fechou, seus olhos ainda arregalados e sem piscar, profundamente descrentes, o que teve o efeito de fazer com que Sadie se sentisse com cinco centímetros de altura. E de repente toda a expressão de Martha mudou. Seu ultraje amenizou-se, suas feições ficaram mais gentis. E ela procurou a mão de Sadie e a apertou entre seus dedos. — Há quanto tempo? Sadie engoliu em seco. — Quatro anos. Ela esperava que Martha ganisse com assombro. Mas Martha apenas suspirou e apertou sua mão outra vez. — Oh, pobre menina. A aceitação e a simpatia de outra mulher estiveram bem perto de ser a ruína de Sadie. Ela lutou contra o nó na garganta. — É... Meu próprio erro. — Oh, eu duvido disso — Martha disse secamente. — Conheço Spence. Ele pode manipular como os melhores. — Ele... Bem, sim, ele pode — admitiu Sadie. — Mas não o fez. Quero dizer, não quis fazê-lo. Ele apenas... E então Sadie teve que explicar. Não tudo. O mínimo necessário. Ela sabia que Spence odiaria se ela trouxesse de volta o passado e falasse sobre como Emily o abandonara. Mas, para que tudo fizesse sentido, Sadie apresentou toscamente a sequência geral dos eventos, terminando com — Você se casaria comigo, não é — disse ele. E eu deveria ter dito que não. — Quero saber como — Martha disse acidamente. — Quando Spence adota uma ideia, ele não recua. Ele é como um trator. Além disso... — seu tom suavizou-se —você o amava. — Mas ele não me amava! — protestou Sadie. — Você não teria se casado com Theo se pensasse que ele não a amava! — Isso foi diferente — disse Martha. — Eu não conhecia Theo. Não realmente. Não nos conhecíamos há tantos anos como você e Spence. Nós tivemos uma experiência. E foi minha culpa, não dele. 46
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Sadie olhou para ela. — Sua culpa? — É uma longa história — Martha disse com um sorriso torcido. — Basta dizer que fui eu que empurrei Theo para a experiência. Sem amarras, eu disse. Apenas sexo. — Ela enrubesceu. — Pare de olhar para mim assim. Eu era maluca, tá? De todo modo, ele concordou. Assim eu soube que ele só queria um caso. Quando ele apareceu pedindo para casar comigo depois que fiquei grávida, certamente não pensei que era porque estava apaixonado por mim. — Mas ele estava — Sadie disse com satisfação, lembrando como Theo lhe fazia a corte com determinação, seu último gesto desesperado. — Era tão romântico. — Era loucura — disse Martha. — Mas ele a convenceu. Você sabia que ele a amava. E assim você casou com ele. Não como eu. Eu casei com Spence porque pensei... Eu esperava... Mas ela não conseguiu dar voz a esses desejos desesperados. Em vez disso, piscou furiosamente, odiando as lágrimas que brotavam de seus olhos. — Porque sou uma idiota — ela murmurou. — Ele é o idiota — disse Martha sem hesitar. Cruzou as pernas. — E o que aconteceu? — Ele ia casar-se com Dena Wilson. Queria que eu lhe levasse a certidão de nascimento e os papéis do divórcio. Ligou para mim, disse o que queria e desligou. Fui procurar onde ele me disse — e ele não os tinha. Pensou que sim, e jogou o envelope em um arquivo. Mas era apenas uma carta preliminar, nem mesmo perto de um mandado de divórcio. E não pude falar com ele porque não ligou o celular. Assim tive que ir para Nova York... E contar para ele. — Quê? No casamento? — Martha sorriu quando Sadie concordou com a cabeça. — Bem, isso o ensinará a manter seu celular ligado! Sadie sorriu. — Acho que sim. E faremos o divórcio, mas não pode ser agora. Ele... Precisa uma esposa em Fiji na semana que vem. — Precisa de uma esposa? — São apenas negócios — Sadie disse firmemente. — E perfeitamente legítimos. Ele está só fazendo o melhor de uma situação ruim. — Ele disse isso? — Não exatamente. — Sorte dele. Eu o teria matado se o tivesse dito — afirmou Martha rudemente. Ela suspirou. — Isso é difícil. — Eu sei — concordou Sadie. — Mas tenho que fazê-lo. — Por quê? Confrontada com essa pergunta tão direta, Sadie não conseguiu encontrar as palavras. Finalmente murmurou algo sobre dever a ele. — Você não deve nada a ele — Martha afirmou indignada. — Eu concordei em casar com ele. E ainda sou... Esposa dele. — Sadie finalmente conseguiu soltar as palavras. — Eu posso fazer isso — disse, frente às dúvidas de 47
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Martha. — Dará tudo certo. Depois poderemos divorciar-nos. E... Eu poderei ir embora. — Oh, pelo amor de Deus! — Martha a fuzilou com os olhos. — Você escuta o que diz? Você o ama. Como pode ir embora? Sadie não negou. — Mas você se afastou de Theo. — Na verdade, não fiz isso. Theo me deixou. — O quê? — Sadie ficou atônita. — Ele saiu de Santorini e foi para os Estados Unidos. E depois eu também saí, porque dói muito ficar lá sem ele. E talvez foi nesse instante que realmente fui uma idiota, porque antes de eu ir para casa, ele voltou. Os olhos de Sadie se arregalaram mais ainda. — Verdade? — Ela queria ouvir mais. Era melhor escutar uma história com um final feliz que contemplar sua própria história miserável. Mas Martha disse: — O que aconteceu entre Theo e eu não importa aqui. O que importa é que, se você ama Spence e o tem amado por anos — sem mencionar o fato de estar casada com ele por quatro anos! — você não pode apenas ir embora. Você precisa lutar por ele. Sadie ficou olhando para ela. — Você precisa — disse Martha. — Francamente, nunca pensei que se desse por vencida facilmente. —As palavras dela estavam cheias de desafio. Mas Sadie resistiu. E como se supõe que devo fazer isso? Uma queda de braço com ele? Se eu vencer, ele tem que permanecer casado comigo? Não, obrigada. Além disso... — ela suspirou. — Eu não conseguiria ganhar. — E então, você vai desistir? Irá passar uma semana no paraíso com o homem que ama e depois fugir com o rabo entre as pernas? — Isso não é o que eu quero fazer! — protestou Sadie, dando-se conta da verdade antes mesmo de terminar de falar. — Mas não vai funcionar! Eu o conheço desde sempre, trabalhei anos para ele, e Spence nunca me convidou para sair. Mas ele lhe pediu em casamento — lembrou-lhe Martha. - E não por negócios. Pense nisso. Sadie o fez. E pensou em outra coisa também — a única coisa que manteve suas esperança todos esses anos. Pensou no que acontecera na noite de núpcias deles, quando voltaram à suíte de lua de mel para onde ele pensava levar Emily. Sadie sentia-se desconfiada e preocupada, esperando que não ficasse com a ideia de que havia casado com a mulher errada. Spence fora completamente dedicado a ela. Mal haviam fechado a porta da suíte e ele a beijara apaixonadamente, com o fervor de um homem que ama. Ela ficara espantada — e deliciada. E tinha respondido com a avidez que guardara em seu coração por tanto tempo e devolvera o beijo, puxara a camisa dele para fora da calça e deslizara as mãos pela pele aquecida dele. Sadie o encorajou quando ele quis puxar o top pela cabeça dela. Ela tinha se inclinado para o faminto abraço dele, ela 48
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mesma, voraz. E quando ele a levara para a cama, ela fora de bom grado, ansiosa, tão desesperada por ele como ele por ela — mesmo que temesse que ele estivesse fazendo de conta todo o tempo que ela era Emily. Fizeram amor de forma rápida, frenética e deliciosa. Quando terminou, eles ficaram abraçados, exaustos, despedaçados. E então Spence a abraçou com força e sussurrou-lhe ao ouvido: — Sempre deveria ter sido você. Ela pensou sobre aquilo agora. Ele quisera dizer aquelas palavras? Será que lembra de tê-las dito? Certamente nunca as pronunciou outra vez, nem nada remotamente parecido. Mas, ainda assim, se ele tivesse... — Você está muito quieta — disse Martha. — Apenas... Pensando. — Encontrando alguma razão para lutar? — especulou Martha. Sadie arriscou uma tentativa de sorriso. — Talvez. Ele não ligou para Sadie o resto da semana. Por que deveria? Ela estaria em Los Angeles na sexta. Teriam horas durante o voo para atualizar-se sobre o trabalho. Ele não precisava falar com ela todos os dias, mesmo que fosse raro o dia em que não se falassem. Agora não era tão importante. Ela conhecia seu trabalho. Era esperta, competente. Ela era sua esposa. Sadie não ligara para dizer que havia chegado em casa. Nem mesmo ligou para dizer quando seu voo aterrisaria em Los Angeles. A única comunicação entre eles, durante toda a semana, acontecia quando ele lhe mandava um e-mail ou mensagem de texto, dizendo-lhe o que precisava que ela fizesse. Bem mais eficiente que chamadas telefônicas, ele se assegurou. Deviam estar fazendo isso há anos. Mas isso também o punha furioso, pois a única resposta que recebeu foi uma única palavra. — Feito. Hoje, no entanto, ele lhe mandara cinco textos. Não obteve resposta. Mandou-lhe outro texto assim que pousou em Los Angeles. Outra vez sem resposta. Claro que ela também podia estar viajando. Mas ele não gostou de não saber. Eles teriam que esclarecer coisas logo que ela chegasse. Não funcionaria se ela o ignorasse em Nanumi. O sr. Isogawa era esperto. Não se deixaria convencer que eles eram um casal sólido e estável se rosnassem um para o outro ou se evitassem durante toda a semana. E mesmo se Isogawa não percebesse uma brecha, Leonie sem dúvida notaria, e havia uma boa chance de que ela tentasse explorá-la. Spence sabia que tivera sorte ao conseguir tirá-la de seu quarto em Barcelona sem que Richard soubesse. E não queria que a mesma coisa acontecesse outra vez. Ele 49
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gostava de Richard. Na realidade, até mesmo gostava de Leonie, quando ela não se comportava como uma prostituta. E os milhões de Richard eram absolutamente necessários para o pacote de investimentos do resort. Leonie poderia destruir aquilo — e o casamento dela — e isso não seria bom para ninguém. De modo que, sem importar se ele e Sadie estivessem com vontade de conversar ou não, ele teria que enunciar o que esperava de sua esposa. E, com a ajuda de Deus, ele teria que comportar-se como um marido. — E então — disse uma voz familiar atrás dele — estou aqui. Spence virou-se ao ouvir isso e, sim, ela estava ali, bem na frente dele: Sadie Morrissey, da maneira exata como Sadie Morrissey sempre fora, elegante, profissional, apropriada, no controle. Graças a Deus. E, no entanto, mesmo assim seu coração deu um estranho salto no peito ao vê-la, porque seu primeiro pensamento foi: que tipo de roupa íntima ela está usando? Os olhos dele se fecharam, enquanto seu cérebro tentava controlar os hormônios. Revestiu-se de coragem para lutar contra suas reações, franzindo o cenho ao ver o quanto elas eram impróprias. — Obviamente você está contente em me ver — Sadie afirmou secamente. — Mudou de ideia, então? — Havia uma aresta na sua voz que dizia que ela não estava nem um pouco mais animada que ele. — Quê? Não, claro que não. Estou aliviado porque você finalmente chegou. — Fingiu dar uma olhada no relógio. — Trabalhando com margens estreitas, não é? — Você acha? Não penso assim. Tinha coisas a preparar — ela lhe lembrou, com altivez. — De todo modo, estou aqui agora. E sem mais palavras, ela se virou, caminhou para um grupo de poltronas e sentouse. Spence caminhou atrás dela, chateado com o que parecera uma ruidosa rejeição. — Assim que você conseguiu quem a substitua? — Claro. Eu não estaria aqui se não tivesse conseguido. — Quem? Houve meio segundo de hesitação. E então: — Grace. — Grace? — Ele a fuzilou com os olhos. — Grace Tredinnick? Você ficou maluca? Grace tem oitenta anos! — ... e você insistiu que eu viesse com você. Eu não poderia responder a toda a correspondência e tratar com as coisas do dia a dia do meio do Oceano Pacífico, de modo que tive que encontrar alguém que pudesse. Com tão pouco tempo, achei Grace — agregou ela beligerantemente. — Grace não pode... — Grace certamente pode! E no caso de precisar ajuda, ela não estará sozinha. — Oh. — Ele deu um suspiro de alívio — Bem, então... — Também contratei Claire e Jeremy. — Jeremy! — Agora ele realmente ficou apoplético. — Claire, tudo bem, acho. 50
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Pelo menos ela não é uma criminosa, apesar de ter aproximadamente 15 anos. Mas Jeremy! Pelo amor de Deus, Sadie! Ele é um delinquente juvenil! — Foi. E é claro que ninguém que tenha sido um delinquente juvenil poderia possivelmente fazer nada de construtivo com sua vida! Ambos sabiam que Spence, em sua época, tinha sido um delinquente muito maior que Jeremy. Ele franziu o cenho, furioso. — Eu paguei pelo que fiz. — Jeremy também. Ele fez um trabalho fantástico no mural e você sabe disso. Além do mais, Theo e Martha se responsabilizaram por ele. Acham que ele fará um ótimo trabalho. E você sabe que ele não enganará Grace. — Como você sabe que ele não agredirá e assassinará Grace? — Porque ele foi mandado para o reformatório por ser grafiteiro, não por espancar senhoras idosas! Pelo amor de Deus, Spence. Ele obteve nota máxima em contabilidade no semestre passado. Sei que eles estarão bem. E se você não os quiser, diga agora e eu darei meia-volta e irei direto para casa! Os olhos dela flamejaram, suas bochechas sardentas eram grandes manchas vermelhas, e ela olhava para ele da mesma forma que sempre fazia quando estavam discutindo, e de repente Spence sentiu um alívio realmente irresistível. Afinal de contas, ela ainda era a sua Sadie. Ele sorriu. E então sentiu uma punhalada de pânico quando percebeu que a sua Sadie podia, neste momento, estar usando seda e renda. E que era a sua esposa! Seu sorriso desapareceu. Precisava falar disso com ela. Mas não agora, quando estava assediado por visões de roupa de baixo cor de pêssego. Tomou fôlego. Bem... Veremos, não é? Não estava falando de Grace, Claire e Jeremy. E não sobre ver Sadie — sua esposa! — em trajes menores. Nem mesmo lhe havia ocorrido pensar nisso. Não conscientemente. Não naquela hora. Todas as esperanças e sonhos de Sadie de fazer Spence tranquilizar-se, dar-se conta e querer permanecer casado com ela — que de fato pareceram possíveis quando ela estivera em Butte, encorajada por Martha — não tiveram nenhuma chance. Ele a estava tratando exatamente como sempre o fizera. Ladrando com ela, discutindo. E ela, instintivamente, ladrava de volta. Claro que sabia que sua escolha de Grace, Claire e Jeremy o exasperaria. Mas ela realmente não tivera escolha, para poder viajar. E apesar de suas queixas, quanto mais pensava sobre isso, mais ela compreendia que precisava ir. Como disse Martha, ela não podia ir embora sem lutar. — Desculpe — disse ela enquanto subiam no avião e se instalavam em espaçosas poltronas da classe executiva. — Foi o melhor que pude fazer. Spence grunhiu. Ele guardou a mala dela no compartimento superior, mas manteve consigo sua pasta e pegou uma pilha de papéis. — Precisamos examinar isso aqui — disse ele. — Agora? 51
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— Claro. Adeus quaisquer planos de uma conversa a coração aberto. Obviamente, aos olhos de Spence, ela apenas viajava como sua esposa para desempenhar um papel. Sadie passou a língua sobre os lábios e tentou engolir em seco. — Bem — disse ela, com toda a serenidade que pode reunir. — Vamos. Spence falou sem parar. Parecia que guardara uma semana de coisas para discutir com ela, cartas que queria que ela escrevesse, pesquisas que queria que fizesse. Enquanto ela passara os últimos três dias preparando-se para a semana que viria — tentando imaginar como seria a vida como esposa de Spencer Tyack, como compartilhar uma bure com ele, sorrir amorosamente para ele, como o beijar — Spence parecia não ter pensado em nada disso. —... prestando atenção, Sadie? — Quê? — Sua face enrubesceu. — Desculpe, estou sentindo um pouco de câimbra. Meus pés estão dormentes. Talvez, se eu andasse um pouco... Voltarei logo. Spence pareceu desgostoso, mas cortesmente dobrou os papéis e colocou as pernas debaixo da poltrona, para que ela pudesse passar por ele e chegar ao corredor. Ao menos Sadie tinha mais espaço que na classe turística. Mesmo assim, ela estava agudamente consciente do roçar dos joelhos dele contra a parte de trás de suas pernas. — Desculpe — murmurou. — Voltarei em um minuto. Não foi um minuto. Ela tomou seu tempo, caminhou pelo corredor, foi ao banheiro, jogou um pouco de água na cara. Quando voltou, o comissário de bordo estava trazendo sua refeição. E depois disso, quando Spence começava a buscar seus papéis outra vez, começaram a passar o filme. — Oh, que bom! Hugh Jackman! — Sadie estava encantada. E exagerou no encantamento porque, mais ainda que de Hugh Jackman, ela gostou de não ter que lidar com Spence por um par de horas. — Suponho que você queira assistir ao filme. Trabalharei em algo enquanto isso. Ele pegou seu laptop e começou a teclar furiosamente nele. O filme era bom. Mesmo assim, Sadie levou um tempo para perder-se nele e não na confusão que era sua vida. Algum tempo depois, porém, ela notou que Spence parara de teclar. — Alguma coisa errada? — perguntou ela. Ele se sobressaltou, parecendo espantado, e então rapidamente balançou a cabeça. — Não. Sadie suspirou e tentou perder-se no filme outra vez. Mas tudo que conseguia fazer era ouvir Spence teclando furiosamente ao lado dela. Quando o filme acabou e as luzes se acenderam, ele parou de teclar e olhou para ela. — Temos que conversar. — Ele parecia sombrio e grave. Muito diferente do Spence que ela conhecia. — Tudo bem — disse Sadie cautelosamente. Mas ele não disse nada. Pelo menos por um momento. Parecia pensar no que iria dizer, o que também não era comum em Spence. Com ela, Spence sempre dizia a 52
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primeira coisa que vinha à mente e depois discutiam sobre aquilo. — Eu sei por que você casou comigo — ele disse finalmente. Ele sabia? Sabia que ela o amava? Sadie sentiu a maravilhosa refeição da primeira classe subir pela garganta. Fechou os dentes e rezou para que ela descesse de novo. E não abriu a boca até estar certa disso. Então ela disse: — Você sabe? Ela queria afundar na terra — coisa difícil em qualquer momento, mas particularmente quando se está a 12.000 metros acima dela. Ele confirmou com a cabeça, muito sério. — E quero que você saiba que aprecio isso. Apreciar? Ela levantou as sobrancelhas. O quê? Ela o amava e ele apreciava isso? — Entendo agora que você estava apenas tentando ajudar — continuou ele solenemente. — Fazer o que precisava ser feito, o que era melhor para a companhia. — Ele se inclinou em sua direção, sério. Ela o olhou fixamente, atordoada. Era por isso que ele pensava que ela se casara com ele? — E sou-lhe muito grato. Sei que o casamento foi difícil para você. E depois. E o divórcio; bem, o não divórcio — disse ele, com a boca torcida — só tornou as coisas piores. Mas podemos tirar proveito de uma má situação. Somos adultos, certo? Maduros, sensíveis, sãos. Eram mesmo? Então por que ela sentia que queria matá-lo? Sadie não disse uma palavra, apenas o olhou, espantada. — Nós podemos lidar com isso — continuou ele. — Não é? Ele estava olhando para ela, com expectativa, como se ela devesse dizer alguma coisa em resposta ao comentário dele. Como o quê? Eu te amo, seu estúpido idiota? Ele não fazia ideia. O semblante de Spence ficou impaciente. — Bem, se você não quiser discuti-lo, não o faremos. É uma pena que você se sinta assim. Estou... Agradecido. Oh, bem, justamente o que ela queria — gratidão! — Também espero que isso não vá ser demasiado difícil para você, o que lhe estou pedindo que faça — agregou abafadamente. — O quê você está me pedindo para fazer? — ela disse, irritada. — Quero dizer... Exatamente. Ela estava razoavelmente segura de que "amá-lo para sempre" não surgiria de sua boca. Com a pergunta dela, algo que poderia ter sido um rubor apareceu no rosto dele. — Nada comprometedor — ele lhe assegurou. — Comprometedor? Que palavra é essa? — Ela não conseguiu refrear-se. E Spence reconhecia um desafio quando o ouvia. — Você sabe muito bem que tipo de palavra é essa! Não estou esperando que você durma comigo! 53
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Bem, ela havia perguntado. Aguente essa, Sadie disse a si mesma. — Claro que não — murmurou ela, mais para si mesma que para ele. Mas ele a ouviu e seu olhar estreitou-se. — Eu espero que você aja como minha esposa. Sadie deliberadamente arregalou os olhos, aguilhoando-o. — O que significa...? Spence apertou os dentes. — Ver se você pode fingir que gosta de mim. Só um pouco. — Eu gosto de você — Sadie falou a verdade. — Quando você não está agindo como um idiota. As sobrancelhas dele se inclinaram. — O que se supõe que isso significa? — Significa que você confia em mim para fazer todo o resto. Confie em mim nisso também. Ele concordou com a cabeça, agitadamente. — Claro que sim. Eu confio. Eu... Só queria que ficasse claro. Assim a Leonie vai saber — agregou ele. — E Isogawa. — Eles vão saber — Sadie prometeu, subitamente cansada. Toda sua determinação inicial para fazer esse trabalho se fora. Spence era partidário do fingimento. Não queria nada real que ela tivesse para oferecer. — Tudo bem, então. — Spence ficou quieto por um minuto e depois continuou. — Você entende que teremos que compartilhar uma bure, uma dessas cabanas com teto de sapê. Elas têm uma sala e um quarto. Duas camas. E isso era mais do que Sadie queria discutir naquele instante. Talvez porque ela estivesse trabalhando sob constante adrenalina desde que Spence lhe dissera que ia se casar com Dena. Talvez porque seus sonhos subitamente voltaram à vida apenas para serem ridicularizados pela determinação de Spence de fingir. Ela não sabia. Só sabia que não podia mais lidar com isso — com ele! — Certo — disse ela. — Duas camas. Bem, não importa. Darei o melhor de mim para convencer Leonie, o sr. Isogawa e todos os demais de que sou uma esposa profundamente devotada. Agora, se você acabou de explicar meus deveres, gostaria de dormir um pouco. E sem lhe dar uma chance de responder, ela se enrolou no cobertor que o comissário lhe entregara mais cedo, reclinou a poltrona ao máximo, deu-lhe as costas e apagou a luz.
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CAPÍTULO CINCO Sadie dormiu o resto do voo. Spence o comprovou — porque ele não pôde dormir. Ele tentou, Deus é testemunha. Estava acostumado a tirar uma pestana onde pudesse — no saguão de um banco, em um avião, de pé em um corredor. Um homem que dormira dois anos em sua caminhonete podia dormir em qualquer lugar. Exceto, aparentemente, quando Sadie Morrissey dormia ao seu lado. Ele a observou por horas, os dentes apertados de frustração, totalmente desperto, ligado, enquanto Sadie dormia como um bebê. O problema é que ela não parecia um bebê. Os bebês não têm cabelos escuros desgrenhados que caem sobre os pômulos. Não sorriem nem suspiram eroticamente quando dormem. Não se torcem, giram nem jogam o cobertor para longe, deixando aparecer parte da barriga. Spence não queria ver partes da barriga de Sadie. Não queria sentir a tentação de correr seus dedos levemente sobre aqueles poucos centímetros de pele macia e pálida. Não se ele não pudesse agarrar a borda da blusa e puxá-la sobre a cabeça dela. Não se não pudesse abrir o zíper das calças dela e puxá-las para baixo sobre suas pernas sem fim. — Diabos! — A palavra silvou entre os dentes dele. Lançou seu olhar para longe e agarrou com força os braços do assento. — Senhor? — A aeromoça apareceu ao seu lado. — Está tudo bem? — ela se inclinou e o observou com preocupação. Spence se conteve. — Está tudo bem — disse em uma voz baixa. — Eu apenas... Lembrei-me de uma coisa. Como era ter Sadie nua em seus braços! — Posso lhe trazer alguma coisa? Pastilhas para dormir? — Café — ele disse finalmente. — Muito café. Preciso trabalhar. Sempre havia muitas coisas a serem feitas. E ele sempre as fez, usando o trabalho para manter as circunstâncias de sua vida longe de sua mente. Para esquecer seu pai bêbado, para apagar a imagem da megera da sua mãe. Ele usara o trabalho mais cedo, nesse voo, falando sobre projetos com Sadie porque assim ele tinha tudo sob controle. A aeromoça lhe trouxe café. Ele ligou o laptop, abriu um arquivo, prestando atenção nas especificações do edifício de São Paulo que Mateus Gonçalves recomendara que comprassem. Tentou prestar atenção. Não funcionou. Murmurou algo entredentes. — Mmmm? — Sadie virou-se na direção dele. Ótimo. Agora bastava que ele desviasse um pouco os olhos e poderia ver seu rosto, banquetear seu olhar com sua boca parcialmente aberta. Ele beijara essa boca. Realmente a beijara. Não apenas o beijinho profissional que ele se permitira outorgar 55
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como parte do relacionamento deles de amizade-negócios. Sadie tinha uma boca generosa, que se podia beijar. E ele teria que beijá-la outra vez essa semana. Não apenas passar seus lábios sobre os dela, mas — no interesse do retrato convincente deles como um casal recém-casado — afogar-se no beijo dela. E enterrar-se em... Pare! Apenas pare! Desejar Sadie Morrissey era a última coisa que ele deveria fazer. Ela não o desejava. Casara com ele por gentileza, demônios! Ele havia dito a ela que entendia por que ela o fizera — por preocupação com a empresa — pois a verdade era pior. Quando Emily rompera o noivado, Sadie teve pena de Spence. Ele lhe dissera roucamente: — Você se casaria comigo, não é? — E ela o fez porque o que mais se esperaria que ela fizesse? Ela se casara com ele por piedade! Ele não queria piedade. Jamais quis. Ele a odiara quando os professores murmuravam sobre seu pai, sobre a vida dura que Spence tivera. Claro que sua vida teria sido mais fácil com outros pais, mas ele conseguira sair-se bem. Sobrevivera, não é? Sempre o faria. Ele não sabia por que diabos ela ficara zangada com isso. Só estava tentando fazer-lhe um favor, assegurando-lhe que não pretendia saltar sobre ela. Ele podia controlar-se. É o que esperava. Além disso, eles não estariam compartilhando uma cama. Apenas uma bure. Eles ficariam bem. Lançou-lhe um olhar outra vez, determinado a revestir-se de coragem para vencer a atração. Mas havia mais barriguinha à mostra. Spence fechou os olhos. Ouviu que ela se movia, que murmurava. Ela abriu um braço que foi parar em cima dele. Os dedos de Sadie agarrando seu antebraço, quentes e possessivos. Eram dedos longos e finos com unhas curtas, bem cortadas e elegantes. Olhando para eles, ninguém pensaria que aqueles dedos pertencessem a uma mulher que usava seda rendada cor de pêssego. Não havia nada de particularmente sexy ou erótico sobre eles — até que subitamente o polegar dela começou a golpear sua manga. Ao toque dela, Spence saltou e olhou para ela com suspeita. Estava acordada? Lendo sua mente? Mas a respiração dela não mudara. Ela apenas sorriu. Ele engoliu em seco e mal respirou, mas não moveu o braço, não a empurrou, porque debaixo do algodão de sua camisa, a pele dele ardia com o toque dela. Uma vez, quatro anos atrás, ele se lembrou de queimar sob o toque de Sadie. Fechou os olhos e tentou não pensar sobre isso. Ele deveria ter examinado a cabeça por insistir em que ela fosse com ele. Mas pareceu perfeitamente são e sensato, naquela ocasião. Não era diferente de levar Dena. Rá! 56
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Sadie não esperara dormir. De modo que ficou assombrada ao despertar-se com os ruídos de um carrinho de café da manhã e sentir-se esperançosa outra vez. Ela se espreguiçou e virou, mantendo os olhos abertos enquanto girava, de modo a poder ver Spence de relance. Ele estava relaxado em sua poltrona, parecendo amarrotado, seu cabelo um pouco espetado, seus olhos um pouco cansados enquanto olhava alguns papéis em sua mão. Ela duvidou que ele tivesse dormido. Spence não a olhou até que ela se sentou e começou a dobrar o cobertor. Então olhou-a de relance. — Dormiu bem? — rosnou ele. — Na verdade, sim — disse Sadie. Pegou uma escova da sua bolsa e passou-a pelos cabelos; depois pescou um batom e um espelho. — Quase humana. Spence resmungou e retornou a seus papéis. Quando ela terminou, esticou-se e olhou para ele. — Você trabalhou durante todo o voo? — Tinha coisas a fazer. E queria estar preparado. — Seu tom era áspero e flexionou os ombros, como se quisesse tirar deles um pouco da tensão. — Você não acha que um pouco de sono faria mais por você? — Sadie disse. — Eu disse que tinha trabalho para fazer — ele falou rudemente. — Desculpe — disse Sadie alegremente. Fez uma pausa e decidiu que talvez tivesse sido demasiado abrupta mais cedo. Ele não podia evitar o que não sentia. — Eu farei a minha parte — ela lhe assegurou. Ele a olhou. — O quê? - Quando pousarmos. Eu farei a minha parte. Você não precisa se preocupar. Eu serei... Sua esposa. Ele a olhou por um longo momento. Havia algo em seu olhar, quando se conectava com o dela, que parecia quase elétrico. Não faça isso, ela preveniu a si mesma. Não leia nada nesse olhar. E o seu cérebro, são suas emoções, seus sonhos. Não é real. - Bom — disse Spence, e assentiu com a cabeça, no instante em que a aeromoça apareceu com o café da manhã deles. Eles comeram, e quando os pratos estavam sendo retirados, o comandante anunciou que haviam começado a descer e que precisavam guardar tudo como preparação para a aterrissagem. Subitamente Sadie sentiu o tremor dos nervos outra vez. Spence levantou-se e guardou seu computador e papéis, depois procurou algo em seu nécessaire e sentou-se novamente. —Aqui está — disse quase bruscamente, e uma pequena caixa de veludo preto caiu no colo dela. Sadie pulou como se fosse uma granada. — Não vai explodir — disse Spence rudemente. — Abra-a. Mas Sadie não podia. Nem podia pegá-la. Seu alento parecia preso na garganta. Ela olhava para a caixa 57
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cautelosamente e sem palavras. — Demasiado terrível para contemplar? — rosnou Spence. — Vamos lá, Sadie. Você não pode ser minha esposa sem aliança. O que você está esperando? Que eu a coloque em você? O rude tom dele finalmente galvanizou a voz dela. — É claro que não! Foi apenas o choque. Tão... Inesperado. Ela imaginou que não deveria ficar surpresa. Spence acreditava pensar em todos os detalhes. Ela rezou para que seus dedos não tremessem enquanto pegava a caixa e cuidadosamente abria a tampa de mola. — Também não é uma armadilha — disse Spence irritadamente. — Não. — Ela mal sussurrou a palavra, enquanto a tampa abria. Sadie simplesmente contemplou. Não se moveu nem falou. — Você não gosta deles — Spence disse depois de um momento. Sua voz estava apagada — Não são exatamente... Tradicionais. Não. Isso é que era tão notável a respeito deles. Sadie tinha visto o anel que ele comprara para Emily — um diamante ostentosamente elegante com pequenos rubis em toda a volta. Ela não sabia o que ele havia feito com o anel depois que Emily não aparecera. Pelo menos, graças a Deus, ele não o tinha dado a ela. Ela olhara de relance o anel de noivado que Dena tinha usado — um diamante solitário em uma tira de ouro branco. Refinado e sofisticado como a mulher que o usara. — Supus que poderia ter dado a você o anel de Dena — ele disse. — Mas não pensei... — Não — disse Sadie, a palavra arrancada das profundezas de sua alma. — Não — ela disse outra vez. — Não aqueles. Estes. — Ela inclinou a caixa para permitir que entrasse mais luz. Havia dois anéis — uma fina faixa de ouro filigranada com uma peça de jade magnificamente talhada embutida nela, como anel de noivado. E a aliança era de jade puro, colocado em um rosário de nós celtas. Os ancestrais Morrissey dela teriam aprovado. Um círculo de fogo verde e dourado. Primitivo e perfeito. Completamente dela. — Os anéis de Dena valiam muito mais, em dinheiro — disse ele. — Mas eles não... Pareciam certos. Não pareciam com alguma coisa que você fosse usar. Entorpecida, Sadie balançou a cabeça. — Não, eu não teria usado. Se ele tivesse levado o anel de Dena para que ela a usasse, Sadie teria girado o diamante para a palma da mão, fechado os dedos em volta dele e nunca abriria o punho. Mas era o que ela esperava. Afinal de contas, que diferença faria se só permaneceriam casados por uma semana? Esses anéis, no entanto, eram tão completamente dela que assustavam. Como Spence soubera? Ela lhe lançou um rápido olhar, assombrada. — Eu não lhe comprei um anel na primeira vez — ele a lembrou. 58
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— Eu sei. Mas você me deu aquele velho anel de quartzo que você costumava usar. Ele a encarou. — Você não se lembra? O que pertenceu ao seu avô. — O anel do meu avô? — Ele parecia espantado. — Pensei que o tivesse perdido. Sadie balançou a cabeça. — Não, você o tirou do dedo e me deu. Colocou no meu dedo — ela lhe contou. — Até que me conseguisse algo melhor, você disse. — Ela deu de ombros. Ele ainda parecia extremamente surpreendido pela notícia. — Você realmente não se lembra? Ele balançou a cabeça, parecendo quase aturdido. — Bem, você esteve fora por um mês, você sabe... Depois. Acho que esqueci. Eu deveria tê-lo devolvido. Na verdade, ela não tinha esquecido. E nunca o esqueceria. Ela amara aquele anel, era precioso para ela. E o manteve em uma corrente em volta do pescoço durante o mês seguinte. Somente depois que Spence voltara e lhe dissera que o divórcio era irreversível é que ela o retirara. Ela o teria dado a ele se tivesse pedido, mas ele nunca o fez. De modo que ela o colocou na gaveta de sua mesinha de cabeceira. Mais noites do que quisera lembrar-se, ela abrira aquela gaveta logo antes de dormir. Tocava o anel e pensava sobre o que poderia ter sido. — Ainda está comigo. — Ela engoliu em seco, e depois fez-se pronunciar palavras que jamais quis dizer: — Você pode tê-lo de volta, se quiser. — Eu... Gostaria disso. — Sua voz tinha uma aresta áspera. — É a única coisa que tenho que pertenceu ao meu avô. Podemos trocar, Se você quiser, claro — agregou rapidamente. — Se você não gostou desses, posso conseguir outra coisa. Eu só pensei... — Eu gosto deles. — Sadie disse com veemência. — São... Lindos. De verdade. Parece uma palavra tão usada, eu sei, mas eles são... Perfeitos. — E enquanto falava, ela estendeu um dedo e os tocou quase com reverência. Ela sentiu as lágrimas jorrarem. — Pelo amor de Deus, você não vai chorar! Isso só a fez pestanejar mais rapidamente. Mas, finalmente, ela respirou fundo e disse: — Claro que não. Eu só... Penso que são maravilhosos. Obrigada. — Bem, bom — disse ele grunhindo.— Então, não vai colocá-los? Sadie tirou a aliança da caixa cuidadosamente e a colocou no dedo. — Pode estar demasiado grande — disse Spence. Mas não estava. Ajustava-se perfeitamente. — São da cor dos seus olhos — ele disse subitamente, surpreendendo-a ainda mais. Ela nunca teria imaginado que ele soubesse a cor de seus olhos. Ela os voltou para ele e viu que havia um definido rubor em seus pômulos. — São como aquele pequeno lago na floresta daquele livro infantil — ele lhe contou. E quando o fez, o rubor ficou mais profundo. —Aquele que você me fez ler, quando era pequena. Aquele conto de fadas. — Ele parecia completamente 59
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embaraçado. — Eu lembro disso! — Quando Spence estava no quinto ano, ela o convenceu a ler um conto de fadas no qual havia um lago mágico. Danny jamais leria contos de fada para ela, mas Spence não tinha irmãs menores perseguindo-o todo o dia, de modo que aceitou. E se já não o tivesse, ele teria ganhado seu coração ao dizer que o lago da floresta era da mesma cor que seus olhos. Ela lembrou que, na ocasião, havia ficado extasiada. — De verdade? O lago mágico? Meus olhos são mágicos? — Claro — ele tinha dito então. E agora insistia. — Eles eram dessa cor. Eu não estava inventando. — Não. Claro que não! — Sadie sorriu. De repente, sentiu-se imensamente feliz. Pegou o outro anel e sentiu a tentação de pedir a Spence para colocá-lo em seu dedo. Mas ele já tinha chegado mais perto do que ela jamais pensara que chegaria. Não seria bom pressioná-lo. De modo que ela colocou o anel sozinha. Este também se ajustou perfeitamente. Ela levantou o olhar e encontrou o dele. — Obrigada. São lindos. Ele aclarou a garganta: — Que bom que você gostou. Pode ficar com eles. Depois, quero dizer. — Depois? — Depois que a semana termine — esclareceu ele. Ela ainda estava sorrindo, mas o sorriso congelou-se em seus lábios. — Eu não os quero de volta — continuou ele. — São para você. Para ela? Ele ainda estava pensando em divorciar-se no fim da semana? Ela podia ouvir Martha dizendo: — Eu não penso assim. Sadie não sabia o que pensar. A coisa dos anéis o abalara. Não apenas os anéis que ele havia comprado para ela. Spence ficara contente porque ela havia gostado deles e haviam ficado bem nela — apesar de não ter entendido porque ela primeiramente estava cálida e logo muito fria, justo no final. Porém mais que os novos anéis de Sadie, o que o abalou foi dar-se conta de que ela estava com o anel de quartzo de seu avô, e que ele o dera na noite que se casaram. Isso apenas provava como ele havia estado atordoado. Ele não se imaginava dando aquele anel a ninguém. Era grande, desajeitado, feito em casa. O pai de seu avô o havia esculpido de uma pedra de quartzo que encontrara quando, jovem, chegou a Montana para tentar a sorte com mineração. O anel era de um vermelho pesado e escuro embutido em uma peça de madrepérola com a tosca forma de um coração. — Ele sempre disse que supunha ter dado o coração à minha mãe quando ela chegou lá — seu avô contava ao jovem Spence. Levou três anos para que o jovem mineiro economizasse dinheiro suficiente para trazer a família que deixara na Cornuália. Mas apenas as crianças — um menino e uma menina que ele mal reconheceu — 60
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desceram do trem em Butte naquela manhã de verão. Sua esposa havia falecido na viagem. — De modo que ele usou o anel — dizia o avô. — E o coração. A pedra de quartzo vermelho com seu coração de madrepérola permaneceu no dedo dele até o dia de sua morte, apesar do coração de madrepérola ter rachado e estar faltando uma lasca. O avô o usara daquele jeito também. — Para lembrar-me — ele dizia. Quando morreu, o anel foi para o pai de Spence, que nunca o usou. — Não gosto de anéis — sempre dizia. Tampouco usava aliança. De modo que a pedra de quartzo costumava descansar em um pires sobre sua escrivaninha. Spence o colocava no dedo quando não havia ninguém por perto. Então seu pai deixou a casa, mas o anel ficou, e ele o experimentava mais e mais. Suas mãos cresceram, o anel já não ficava tão solto. Não parecia tão pesado. Então, um dia, quando ele tinha 15 anos, o anel, como seu pai, desapareceu. — Livrei-me dele — disse sua mãe. — Coisa velha e feia. E com aquele coração partido. — Ela balançou a cabeça. — Dava azar, se quiser saber. — Para onde ele foi? — Spence perguntara, furioso, desesperado. — Levei todas as coisas do seu pai para o brechó de Galena — disse sua mãe. — Que bons ventos as levem. Spence não se importava com nada mais, somente com o anel. A senhora do brechó o vendera de volta para ele. — Não vale muito mesmo — ela disse quando ele insistiu em comprá-lo. — Para mim, sim — disse Spence. Era a única coisa que tinha que o conectava a uma boa lembrança familiar. A única coisa que o conectava com seu avô. E ele dera o anel a Sadie na noite em que se casou com ela? O que estava pensando? Não teve tempo para descobrir, porque nesse instante o avião pousou na pista. E enquanto o avião diminuía a velocidade, virava e taxiava em direção ao aeroporto, Sadie respirou fundo. — Tudo pronto? Spence aquiesceu. Pediu a Deus que estivesse certo. Ainda se sentia abalado. Todos começaram a se levantar e sair do avião. — Olhe aqui — disse Sadie enquanto se dirigiam à porta. Ele sentiu que ela colocava algo em sua mão. — Você vai precisar disso. — Precisar de quê? — Mas ele pôde sentir a resposta enquanto perguntava. Um anel de casamento. Seus dedos instintivamente se fecharam sobre ele. A ponta pressionou sua palma. Os anéis que dera a Sadie eram um sinal de apreço. Nunca esperou receber um em troca. — É chamado de ouro rosa. Tem um pouco de cobre — Sadie disse quando pararam na escada para contemplá-lo, atrapalhando a saída dos outros passageiros, que tentavam mover-se em volta deles. — Não é grande coisa — agregou ela. — Mas 61
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pensei que talvez você quisesse, considerando Leonie e tudo. Ele concordou. — Boa ideia. Leonie o veria e saberia que ele estava comprometido. Isogawa o veria e compreenderia que ele e Sadie eram um casal. Fazia muito sentido. Ele colocou o anel no dedo. Subitamente, sentiu-se casado. E na hora certa, pensou ele, quando passaram pela alfândega e se dirigiam para o salão de embarque do avião fretado. Todos os outros já estavam lá. Ele sabia que os dois casais da Nova Zelândia, Steve Walker e sua esposa Cathy, e John e Marion Ten Eyk haviam chegado na noite anterior. E Richard e Leonie também estavam lá. Os quatro kiwis 4 conversavam entre si. Richard, como era de se esperar, profundamente concentrado no seu laptop. Mas assim que Leonie levantou a vista da revista que lia e os viu chegar, guinchou de alegria. — Spence! Querido! Pulou de sua poltrona e correu na direção dele de braços abertos. Ele se preparou para o sacrifício, pronto a agarrá-la e mantê-la a distância, quando outros dedos subitamente seguraram sua mão, e Sadie estava bem ali ao seu lado, dizendo suavemente: — Você não vai nos apresentar, querido? Querido? Spence abriu a boca, mas não emitiu nenhum som. Não importava. Sadie foi em frente. — Oh, estou reconhecendo sua voz. — Ela sorriu para Leonie, que aparentemente ao ver a mão de Sadie na dele, havia parado centímetros antes de lançar-se nos braços de Spence. — Você deve ser Leonie! Eu sou Sadie. E ela interceptou o abraço dirigido a ele e deu a Leonie um entusiástico abraço dos seus. — S-Sadie? — Leonie disse atabalhoadamente, saindo do abraço para olhar Sadie de cima em baixo. — Você é Sadie! A... Secretária de Spence? — Minha esposa — Spence disse suavemente, voltando a assumir o controle. — Sadie é minha esposa — disse a Leonie, passando o braço pela cintura de Sadie enquanto o dizia. — E você pode ser a primeira a felicitar-nos. Choque, confusão, consternação e toda uma hoste de outras expressões atravessaram o rosto de Leonie. — Mas Sadie... Trabalha para você. — Os grandes olhos azuis de Leonie grudaram em Sadie, que suportou o escrutínio sem ceder um centímetro. — Ela trabalha. Trabalhou. — Parece saído de um livro de romance — Sadie disse à outra mulher, alegremente. — Você sabe como é: anos se passam e finalmente o chefe desperta e vê a mulher com quem trabalha todos os dias como ela realmente é. Os olhos de Leonie ficaram maiores ainda, e depois com um ar de dúvida. Mas 4
Kiwi. Natural da Nova Zelândia. (N. do T.)
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frente aos comentários de Sadie, ela não podia fazer mais do que sorrir melancolicamente. — Bem, congratulações. — Depois lançou a Spence um olhar meio cético, meio acusador. — E você nunca disse uma palavra, não deu nenhuma pista. Richard! — Ela se virou para chamar o marido. — Adivinhe o que o Spence trouxe com ele! — Contratos, eu espero — disse Richard vagamente, sem olhar para ela. — Estou certa que sim, querido — Leonie disse impacientemente. — Mas ele também trouxe uma esposa! A cabeça de Richard ergueu-se. — Uma esposa? Tyack conseguiu uma esposa? — Ele deixou o computador de lado e veio direto para onde eles estavam, seus olhos estudando Sadie durante todo o percurso. Pela expressão em seu rosto, pensou Spence contrariado, ele aparentemente gostou do que viu. Richard estendeu a mão para Sadie, beijou-lhe as duas faces e sorriu para ela. — Casou com o chefe, não é? Menina esperta. Bonita, também. — Voltou-se para Spence. — Você tem olhos na nuca — disse, aprovando a escolha. — E tampouco é estúpido. Essa menina é aquela que mantém tudo funcionando na matriz, não é? — Ela trabalha bem — Spence disse reservadamente, imaginando por que Richard ainda estava segurando a mão de Sadie. Ele franziu o cenho. Sadie sorriu e destramente retirou a mão e a apoiou sobre o braço de Spence. — Tento mantê-lo pensando assim — disse ela ao outro homem. Richard riu. — Estou certo que você consegue. — Ele esfregou as mãos. — Estou contente de termos uma semana na ilha. Grande ideia de Isogawa. Isso nos dará bastante tempo para conhecermos melhor uns aos outros. Spence olhou fixo. Carstairs estava dando em cima de Sadie? — Estou certa de que teremos muitas oportunidades de ver-nos — Sadie respondeu facilmente. O sorriso dela incluiu Leonie também. — E encontrar-me com todos os outros também — acrescentou ela enquanto os Ten Eyk e os Walker se aproximavam. Spence fez as apresentações, mas Sadie parecia conhecer a todos. — Claro que conheço — disse ela. — Fiz todas as reservas. Marion, Cathy e eu falamos pelo telefone. Cathy é tecelã e Marion pinta. Ela fez alguns murais como os da Martha, e da próxima vez que Theo e Martha viajarem para Nova Zelândia, irão visitar Marion e John. — Irão? — Spence ficou parado ali enquanto sua esposa conversava com todos como se os conhecesse há séculos — o que aparentemente era verdade.
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CAPÍTULO SEIS O sr. Isogawa estava no cais quando o hidroplano chegou. Um homem garboso em seus sessenta e tantos anos, com cabelos cinza acerados e um pequeno e eriçado bigode, ele era exatamente como Spence o havia imaginado — um marechal de campo estrito e de fala suave — um homem com padrões e expectativas. Ele se inclinou e apertou a mão de Spence, mas antes que este pudesse apresentar os outros, disse: — Venham. Iremos para o hotel. Eu os apresentarei à minha mulher. Ela está esperando para conhecê-los. É bom que todos estejam aqui. Nanumi é um lugar para famílias. Ele se virou e captou o olhar de Sadie. Viu? Sadie sorriu levemente e deu um aceno infinitesimal. A cabana onde chegaram era um edifício baixo, esparramado, de madeira nativa, vidro e sapê que dava para uma baía em forma de crescente. Spence tinha visto fotos dele, é claro. Mas pessoalmente era ainda mais impressionante que nos retratos — não apenas uma bonita estrutura, mas uma harmoniosa extensão da ilha do Pacífico onde se construiu um paraíso de cartão-postal. Ao lado dele, Sadie estava sem fôlego, admirada. Dena mal o teria notado. Ela passara tanto tempo no Caribe — seu pai tinha uma ilha lá — que a beleza tropical não era novidade para ela. Mas Sadie ficou claramente encantada com a ilha, o resort e o hotel em que estavam entrando. Era uma sala espaçosa com teto alto, um lado todo de vidro e a céu aberto, frente à baía. Um bar de bambu se curvava sobre uma das extremidades, e grupos de poltronas e sofás, todos estofados com desenhos polinésios coloridos, dispostos em volta de mesas baixas. — Aqui nos sentaremos. — O sr. Isogawa gesticulou na direção deles. — E agora você vai nos apresentar, Spencer-san? Spence o fez. O sr. Isogawa sorriu, inclinou-se e, aparentemente por boas maneiras, apertou as mãos de todos os homens e suas esposas. Foi tudo muito cordial, muito adequado. E então Spence tomou Sadie pela mão e a apresentou. — Eu gostaria que conhecesse minha esposa, sr. Isogawa. Esta é Sadie. — Sadie? — A distante polidez do sr. Isogawa desapareceu. Primeiro olhou para Spence e, abruptamente, girou seu olhar para Sadie. — Esta é Sadie? Você se casou com a minha Sadie? — Sua Sadie? — Foi a vez de Spence olhar fixo enquanto o sr. Isogawa se adiantava e batia no braço de Sadie para que ela se virasse e o olhasse de frente. Sadie estava sorrindo. Um sorriso amplo, mas quase tímido, enquanto aprovava com a cabeça. — Sim. Ele se casou comigo, quero dizer. Perante o quê o sr. Isogawa bateu palmas, deliciado, e lançou um amplo sorriso de 64
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boas vindas. Inclinou-se ante Sadie — uma reverência muito mais profunda do que qualquer dos outros havia merecido — e, agarrando as duas mãos dela nas suas, começou a falar rapidamente com ela. Em japonês. Spence olhava fixamente para tudo isso. — Ela não... Mas aparentemente ela falava, porque Sadie começou a falar, também. Em japonês. — Desde quando — perguntou ele — você fala japonês? Sadie terminou o que estava dizendo para o sr. Isogawa antes de voltar-se para ele e encolher-se levemente. — Lembra-se de Tammy Nakamura, minha colega de quarto na UCLA? — Não. — O máximo que se lembrava sobre Sadie na UCLA era como tinham sido endemoniadamente inconvenientes os quatro anos que ela passou lá. Voltar para casa nos verões nunca tinha sido suficiente. O que ele se lembrava da UCLA era ir até lá para a formatura dela e arrastá-la de volta para Butte! — Tammy era japonês-americana. Mas seu pai certificou-se de que todos os filhos falassem a língua materna. Fiz com que ela me ensinasse. Quando você começou a fazer negócios com o sr. Isogawa, eu experimentei com ele. — Ela sorriu. — Ele pensa que sou muito esperta. A cabeça do sr. Isogawa inclinou-se concordando. — Sadie é muito esperta. Trabalha muito. É linda, também — murmurou. E ele ainda não soltara as mãos de Sadie, observou Spence. O que os homens tinham com as mãos de Sadie? Foi quando o sr. Isogawa disse algo mais em japonês para ela, e Sadie enrubesceu e mostrou sua mão esquerda para que ele a inspecionasse. Spence sentiu uma coceira entre as omoplatas quando o sr. Isogawa levantou o dedo dela para examinar os anéis em silêncio. Eram apenas simples anéis de jade. Arte nativa. Nada de valor nem particularmente bonitos. E era óbvio que o sr. Isogawa pensava que Sadie era ambas as coisas. Spence subitamente desejou ter ficado com a pedra da Tiffany's e insistido para que ela a usasse. Dena sabia o que estava fazendo. Ele, por outro lado, deixou seu sentido de negócio ser cegado por conhecer Sadie. Mas então o sr. Isogawa sorriu. E esse foi um sorriso diferente dos outros. Parecia vir de dentro. Ele segurou a mão de Sadie para que Spence a tomasse. Lentamente, Spence a pegou. Então o sr. Isogawa olhou para Sadie. — Sono yubiwa, o suki desuka? — Se eu gosto deles? — traduziu ela. — Oh, sim! — ela aquiesceu veementemente. — Quero dizer, hai. Certamente que sim. O sorriso no rosto dele se aprofundou enquanto o sr. Isogawa aprovava com a cabeça. — Eu também. — Ele voltou seu olhar para Spence. — Vejo que você escolhe bem. 65
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E Spence não pensou que ele falava dos anéis. Seu rosto subitamente ficou quente. — Penso que sim. Estou feliz que o senhor concorde. Ainda sorrindo, o sr. Isogawa aquiesceu. Depois girou e acenou para uma mulher que pairava nas sombras da extremidade da cabana principal. Ela tinha quase a mesma idade dele, muito pequena e lindamente vestida com um sarong de seda que parecia refletir todas as cores do mar. — Minha esposa — disse o sr. Isogawa. — Toshiko. Um por um ele a apresentou a todos. E quando chegou a Sadie, os olhos da mulher se acenderam, e os de Sadie também. Elas se inclinaram e sorriram muito adequadamente, e logo estavam de mãos dadas, conversando como velhas amigas. — Suponho que você conheceu a sra. Isogawa também — murmurou Spence. Sadie riu. — Quase isso. Nós nos conhecemos pelo telefone. Ela está aprendendo inglês. Quando o sr. Isogawa me contou, eu me ofereci para ajudar. Nós praticamos juntas, não é? — ela disse lentamente em inglês para que a outra mulher pudesse entender. — Sadie é uma boa professora — a voz da sra. Isogawa era suave, mas sua pronúncia era clara e precisa. — Muito inteligente. — Estou vendo. — Spence via mais do que jamais houvesse imaginado. Enquanto juntava as peças desse acordo, Spence estivera em todo o mundo, sem perder de vista outros negócios. Ele mandava as especificações para Sadie e o que esperava conseguir, e ela acompanhava as negociações e ficava em contato com as várias pessoas com as quais ele falava. E depois ela ficava encarregada disso tudo. Ele nunca havia considerado quantos contatos ela tivera que fazer, quanto trabalho fizera. Ele apenas assumiu que tudo se encaixara pela intuição e trabalho de campo dele. Agora via que a disposição do sr. Isogawa de considerar um bando de investidores ocidentais se devia mais a que Sadie havia fornecido cuidado diligente e sincera amizade do que pelas suas qualidades como estrategista ou por haver reunido um bom grupo. —Nós praticaremos enquanto eu estiver aqui — Sadie disse, e a sra. Isogawa aquiesceu, feliz. Mas então o sr. Isogawa começou a falar rapidamente com sua esposa na própria língua. Os olhos dela aumentaram e ela olhava de Sadie para Spence e depois para os anéis na mão de Sadie como se os visse pela primeira vez. — Vocês estão casados? — Sim, estamos — concordou Sadie. — Recém-casados — Leonie disse arrastadamente. — Tão doce. — Em sua lua de mel — disse o sr. Isogawa alegremente. — Bem, não realmente. — Sadie balançou a cabeça. Mas o sr. Isogawa tinha outras ideias. Ele pediu champanha ao barman, depois falou com outro homem que assentiu e desapareceu rapidamente pela porta. Em questão de segundos, garrafas de champanha apareceram, foram abertas e servidas, e cada um recebeu uma taça. 66
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— E agora brindaremos por sua felicidade — disse o sr. Isogawa. Ele ergueu a taça, falou primeiro em japonês, depois em inglês. Spence não tinha ideia do que ele falou em japonês, mas em inglês ele lhes desejou vida longa, boa saúde, profunda felicidade e muitos filhos. — Muitos, muitos filhos — ele ouviu a sra. Isogawa ecoar, depois ela sorriu para Sadie e riu. Sadie enrubesceu. — Muitos, muitos, muitos filhos — Leonie concordou. — Você não adoraria muitos filhinhos, Spence? Parecia que Sadie queria desaparecer através do piso. — Você está embaraçando a moça — Richard disse bruscamente. — Deixe que eles decidam em privado quantos filhos querem ter. Mas beberei pelo resto do brinde. Para Spence e Sadie. Congratulações e melhores desejos. Afortunadamente, depois que o brinde foi bebido, a atenção mudou. Sadie perguntou pela edificação e o sr. Isogawa começou a falar sobre o conceito, os móveis, os artistas nativos cujo trabalho era exposto de forma rotativa, as madeiras e panos locais usados tanto quanto o possível nas tapeçarias e na roupa de cama. — Nós tentamos dar a nossos hóspedes o melhor desse mundo. Não deixamos que o lado de fora se imponha. Nós fazemos um céu de beleza, como vocês dizem, não é? Olhou para Sadie para confirmar se havia usado as palavras certas. — Realmente usou — concordou Sadie, passando a mão suavemente sobre a parte posterior de um dos sofás. — E suas habitações ainda mais, penso eu. Vocês verão. — Ele olhou para cima quando o jovem que desaparecera pela porta retornou. — E assim que vocês estiverem prontos, Jale lhes mostrará as suas bures. — Ele se voltou para Spence. — Não sabíamos que você estava trazendo uma nova esposa. Isso é especial. — Qualquer coisa estará bem — Spence lhe assegurou. — Sadie e eu não ligamos para isso. — Eu ligo. Toshiko e eu nos havíamos mudado para a bure de lua de mel porque ela é pequena, íntima, apenas para dois, não para famílias. Não pensamos que teríamos recém-casados conosco. Assim fizemos a troca. — Nós não... — começou Spence. — Não é necessário... — Sadie disse rapidamente. Mas o sr. Isogawa levantou a mão para silenciar a ambos. — É necessário. Shinkon-san ni, tekishite imasu. Spence pestanejou, depois olhou para Sadie para ver se ela entendera. — Ele diz que é apropriado — ela traduziu quietamente. — Ele quer que fiquemos lá porque é o lugar apropriado para os recém-casados. - Mas nós não estamos em nossa lua de mel — protestou Spence. — Estamos aqui a negócios. Estamos aqui para chegar a um acordo sobre o resort. — Mas para que é o resort então? — o sr. Isogawa perguntou. Spence balançou a cabeça, confuso. — O quê? 67
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— Nós fazemos o resort para casais. Para famílias. Para ficarem juntos — explicou o sr. Isogawa. — Para lembrar, não é? Nanumi. Para lembrar a nós mesmos do que é importante. Negócios, sim, é claro que fazemos negócios. Mas os negócios são apenas uma parte da vida. — disse o sr. Isogawa. — A parte menos importante. Você entende? — Os escuros olhos dele pareciam penetrar nas profundezas da alma de Spence. — Eu... Sim. Ele compreendeu o conceito, por fim. Sua família não tinha ideia disso. O anel que dera para Sadie tinha sido sua única experiência daquele tipo de conexão. Fora sido um sinal do amor do seu bisavô. Um amor que suportou a solidão e depois a morte. Mas seu próprio pai o ignorou, o deixou ficar em um pires sobre a escrivaninha. Sua mãe, tipicamente, o jogou fora. Mas o sr. Isogawa sorria para Sadie — e Sadie sorria também, como se estivesse emocionada, como se fosse sua verdadeira esposa. — Está bem — disse Spence. — Mas estamos aqui para fazer negócios. O sr. Isogawa inclinou-se. — Mais tarde trataremos de negócios. Agora você deve compartilhar o começo do seu casamento com sua linda esposa. A bure de lua de mel era como a Família Robinson quando se juntava com a Modem Bride? Sadie parou no limiar da porta e olhou em volta, maravilhada. Todas as bures ou bangalôs nativos pareciam lindos quando passaram por eles. Mas esse era espetacular. Era uma bure, mas não era bem uma bure. Uma cabana de sapê da ilha, sim, mas construída em uma árvore — como uma casa na árvore. Não agarrada nela, mas magnificamente entretecida, de modo que a bure parecia flutuar entre os galhos. A sala parecia talhada na árvore, e não pendurada nela. — Não é tradicional — desculpou-se o sr. Isogawa. — Mas pensamos que é bonita. Bonita não bastava para descrevê-la. A bure estava aninhada uns 12 degraus acima do chão, na extensão de uma vasta árvore que Sadie não podia identificar. A varanda da frente, frondosamente coberta, com sua rede que balançava suavemente, os pisos interiores de madeira nobre nativa e esteiras kiao, a vasta cama king-size — quase tão grande como Kansas — murmurou ela — até o chuveiro privado a céu aberto em forma de cascata e o spa escondido da praia por telas de bambu cuidadosamente colocadas, tudo era elegante e espaçoso. Com suas colgaduras de parede pintadas de tecido tapa, a mesa e cadeiras de vime debaixo da janela e um par de poltronas estofadas de kauri, era exótico, mas familiar e acolhedor ao mesmo tempo. Com vistas para um paraíso de areia e mar de cada porta ou janela, era além de qualquer coisa que ela alguma vez imaginara. — Espero que sejam muito felizes aqui. — O jovem que os guiara até ali, pelo caminho de tábuas que serpenteava entre as árvores, inclinou-se levemente e os deixou a sós. Juntos. Na bure de lua de mel... Com um quarto. E uma cama. — Não é lindo? — disse ela, quando Spence ficou calado. Ele não havia dito uma 68
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palavra desde que saíram da cabana principal. Tinha seguido Jale pelo caminho de tábuas em silêncio. Normalmente Spence crivava as pessoas de perguntas. Mas observara todas as amenidades da bure em completo silêncio. E, mesmo depois de Jale ter ido embora, ele não falou nada. Abruptamente, disse: — Teremos que compartilhar a cama. Não posso dormir na rede. — Indicou com a cabeça a rede que balançava suavemente na varanda. — Eu sei. — Isogawa se daria conta. Ou o pessoal de serviço. Eles comentam. Não podemos correr o risco. — Eu sei. Ele parecia não estar ouvindo. Estalou os dedos e começou a andar de um lado para outro. — Todas as outras bures tem duas camas! — Não se preocupe com isso — disse Sadie. — Ficarei no meu lado. Prometo que não o molestarei. Ele parou em seco. — O quê? — Eu disse que prometo não lhe atacar! Foi a vez de Spence pestanejar. — Não foi isso que eu quis dizer — rosnou. — Eu lhe prometi duas camas. Você também prometeu me amar, me honrar e cuidar de mim pelo resto de nossas vidas, pensou ela. Mas não disse nada. — Eu estive presente o tempo todo. Quase podia ver o que se passava na cabeça do sr. Isogawa. Ele estava determinado a fazer disto algo especial para nós. — Você não se incomoda? — Eu vou sobreviver — Sadie lhe assegurou. — E você? — Claro! Vai dar tudo certo. Mas, enquanto falava, ele se afastava, como se estivesse determinado a colocar tanto espaço como pudesse entre a cama enquanto fosse possível. Sadie tentou não notar. Com o polegar, ela girou os anéis nos dedos. Os anéis provavam que, pelo menos em algum nível, Spence a entendia, se preocupava com ela. E a bure — bem, achou melhor considerar isso como um sinal de que alguém, ademais dos Isogawa, queria que ela e Spence ficassem juntos. Ela tirou as sandálias e flexionou os dedos dos pés contra o fresco piso de madeira. — Que tal nadar um pouco? — sugeriu ela. Spence olhou de relance para a cama. — Nadar é uma boa — disse rapidamente. — Vá na frente e troque de roupa. E eu... Oh, inferno. Esqueci minha pasta na cabana principal. Vou pegá-la. — Seria melhor que você não ficasse aqui trabalhando. — Não. — Ele saiu, parou na varanda e voltou. — Sadie? Obrigado. Ela levantou a cabeça. — Obrigado? — Eu sabia que tudo nesse acordo estava avançando suavemente. Nunca me dei 69
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conta do quanto disso era graças a você. Sua ligação com todos eles — os Isogawa, os Walker, os Ten Eyk, até mesmo Richard e Leonie — foi o que fez esse acordo até agora. — Eu gostei de cada parte dele — Sadie disse honestamente. — Foi divertido. Eles são pessoas interessantes. — Sim, eles são. Mas eu quero que você saiba que eu aprecio o que fez. — Ele hesitou, como se fosse dizer algo mais. Então apenas murmurou — Obrigado — outra vez, virou-se e apressou-se pelo caminho. Ela observou até que ele desaparecesse entre as palmeiras e então se sentou na cama e suspirou. Ele notara os relacionamentos dela com os Isogawa, os Ten Eyck, os Walker. Ele os apreciava. Spence agradecia a ela por eles. Provavelmente Spence até pensava que ela desenvolvera esses relacionamentos para o bem da empresa e por nenhuma outra razão. Algumas vezes Spencer Tyack parecia demasiado estúpido para merecer viver. E antes de a semana terminar, ela talvez pudesse matá-lo. Mas — Sadie sorriu —já que ele a levara ao paraíso, ela bem que poderia nadar um pouco primeiro. SADIE NADOU. John e Marion se uniram a ela. A água estava morna e convidativa. Quase não havia ondas. Era como um esplêndido e pacífico banho turquesa, claro e lindo de tirar o fôlego. Spence não apareceu. — Trabalhando — adivinhou Marion. — Pobre tolo — disse John. Será? — duvidou Sadie. Ou apenas a estava evitando? Ela nadou ou tomou sol por mais de uma hora. Ele nunca apareceu. — Richard provavelmente o agarrou — disse John. — Encurralou-o em algum lugar, fazendo projeções para daqui a dez anos. Ele é mais viciado em trabalho que Spence. Richard? Ou Leonie o teria tocaiado no caminho à cabana principal? Subitamente Sadie pensou que seria melhor ir verificar. — Eu vou dar uma olhada — disse ela. — Faça isso. Agarre-o por uma orelha e traga-o para cá — sugeriu Marion. — Ou encontre algo melhor para fazer — sorriu John e lhe deu uma piscadela conspiratória. Sadie enrubesceu. — Sim, hummm... Talvez eu faça isso. Ela agitou os dedos para despedir-se, enrolou a toalha na cintura e subiu o caminho até a casa na árvore. Ela pôde ver que a porta estava aberta quando chegou aos degraus. Assim nada de Richard e, presumivelmente, nada de Leonie. Ele estava trabalhando ou evitando-a. — Spence? Se o sr. Isogawa descobrir que você está aqui em cima trabalhando... 70
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— Ela parou em seco. Ele não estava trabalhando. Estava dormindo. Aparentemente ele tentara descer até a praia, pois havia um calção de natação preto na cama ao seu lado. Seus pés estavam descalços, sua camisa desabotoada. Seus lábios se abriam levemente, e Sadie ouviu um suave ronco. — Spence? — disse ela, em voz baixa dessa vez, mais para assegurar-se de que realmente dormia do que para tentar despertá-lo. Ele não respondeu. Nem mesmo uma pestana tremeu. Spence poderia ser um homem diferente do que ela conhecia desperto. A feroz intensidade que tanto caracterizava cada momento dele acordado desaparecera. Sua boca era mais suave. O resto do seu rosto também parecia mais relaxado. Mais gentil. Sua barba por fazer estava mais escura e áspera que nunca. Sadie lembrava o roçar do queixo barbado dele contra o seu quando fizeram amor na noite em que se casaram. Ela não havia tocado aquela barba desde então. Sentiu uma compulsão de estender a mão e roçá-la contra o rosto dele. Ela não o fez. Essa semana já estava demasiado dura. Não precisava torná-la pior. Apenas olhe, não toque. Mas ela quase não pôde conter-se. Nele, agora, ela via sinais do menino de que ela recordava — e do homem com quem se casara naquela noite há quatro anos. Quando voltaram para o quarto, eles tinham feito amor freneticamente, mal chegando até a cama enquanto rasgavam as roupas um do outro. Fazer amor para eles fora abrasador. E depois ele havia murmurado. — Devia sempre ter sido você. — E então, quase instantaneamente, ele adormecera nos braços dela. E Sadie o observou dormir. Ela ficou acordada, atônita com a súbita mudança de direção que sua vida havia tomado, com medo de fechar os olhos e descobrir, ao despertar, que tudo fora um sonho. E quando finalmente foi dormir, despertou algumas horas depois para descobrir que tudo tinha se transformado em um pesadelo. Mesmo assim, ela se lembrava dessa parte tão vividamente como se tivesse acontecido apenas algumas horas antes. Lembrava-se de como o segurara de perto, apreciando o roçar de seu cabelo macio contra o nariz dela, amando a sensação dos pelos ásperos de seu queixo contra a maciez do rosto dela. Ela o beijara. E Spence havia suspirado e sorrido, movido sua boca como se fosse beijá-la, mas então continuou dormindo. Sadie via aquele homem dormindo ali, agora, e só podia lembrar-se daquela noite — não da manhã seguinte. Vá, Martha murmurava dentro da cabeça dela. O que você está esperando? Entretanto, por mais que tivesse amado deitar-se ao lado de Spence e colocar seus braços em volta dele, Sadie não podia fazê-lo. Ele precisava querer; precisava amá-la; e ela precisava saber disso. Sadie começou a afastar-se, mas não conseguiu sem antes libertar uma mão para 71
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alcançá-lo e passá-la suavemente sobre seu encrespado cabelo escuro. — Eu o amo — ela murmurou. Era apenas a verdade — tanto como doía pensar que seu amor poderia jamais ser correspondido. Spence sorriu. E dormiu. Havia uma banheira comum no banheiro, que lhe daria privacidade. Mas logo depois das portas corrediças de vidro havia um pequeno pátio externo resguardado, com um chuveiro natural em forma de cascata que caía em uma piscina de rocha. Sadie fora capaz de resistir-se a compartilhar a cama com Spence — pelo menos por enquanto —, mas um chuveiro de floresta tropical era demasiada tentação. Ele nunca saberia, estava morto para o mundo. De modo que ela agarrou uma toalha do banheiro e um dos roupões felpudos e atravessou o quarto para abrir as portas corrediças. Spence havia virado de lado. Mas sua respiração ainda estava profunda e serena. Sadie o observou, calculou o lugar na cama e decidiu que, se ele ficasse onde estava, haveria lugar para que ela se metesse na cama depois do chuveiro. Isso não seria ferir demasiado as suscetibilidades dele. Ela saiu para o deque e fechou a porta. Com uma rápida olhada acanhada para o adormecido Spence, conseguiu libertar-se de seu maio. Sentindo-se ainda mais acanhada e enormemente decadente, ela entrou na piscina e debaixo da cascata. Era o céu. O jato era macio, a água morna — absolutamente perfeito. Inclinou a cabeça para trás e deixou o jato atingir o rosto, deslizar pelo pescoço e sobre o resto do corpo. — Ai, sim. — Ela sorriu, virou-se, deixou o jato correr pelas costas. Pegando um dos frascos da prateleira de rocha, espremeu um montão de xampu com cheiro de abacaxi e o colocou no cabelo, depois o enxaguou e observou enquanto gotas de espuma deslizavam por seus braços e sobre seus seios e caíam na piscina, que parecia estar se enchendo de bolhas. Decadente nem mesmo começava a descrever a situação. Ela nunca mais voltaria a tomar uma chuveirada em sua banheira com pés de garra lá em Butte sem lembrar-se desta. Uma vez mais, ela levantou o rosto para o jato e o deixou lavar todo o corpo. Uma gentil brisa do mar agitou o ar e as folhas das árvores. A distância ela podia ouvir vozes na praia. Parecia que Steve, Cathy e Leonie haviam se juntado a Marion e John. Estavam rindo de alguma coisa. Era estranho ser capaz de ouvi-los tão claramente, estar tão perto — e tão nua — e saber que não podiam vê-la. Ou podiam? Sadie esticou o pescoço para olhar sobre o biombo, para se assegurar. Mas eles nem estavam olhando para aquele lado. Ela estava completamente oculta. Ninguém a viu. Exceto Spence.
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CAPÍTULO SETE Spence estava sonhando. Eram sonhos vividos e vibrantes nos quais ele despia Sadie, depois a beijava subindo pelos braços e ombros, ao longo do queixo, em todo o rosto, na ponta do nariz e, finalmente, a linda e deliciosa boca. E durante todo o tempo em que a beijava, ele corria as mãos sobre ela e lhe tirava a roupa, suas blusas e paletós, ansioso para chegar aos panos de seda cor de pêssego que ele sabia estavam por baixo. Então, justo quando ele alcançou a seda e começou a soltar o sutiã dela, ele ouviu o suave clique do gancho. Clique? Do gancho? Ele deu um pulo. Seus olhos se abriram quando Sadie abriu a porta de vidro corrediça do chuveiro, fazendo um clique. Então a porta fez outro clique e fechou. E, através dela, Spence contemplou uma realidade mais vibrante e vívida que todos os seus sonhos e fantasias de Sadie em roupa de baixo cor de pêssego. Enquanto ele observava em aturdida, mas deslumbrada, fascinação, a Sadie Morrissey verdadeira e viva pendurou sua toalha e seu roupão no gancho ao lado da cascata, e depois de olhar rapidamente para a porta, virou-se, tirou seu maio e entrou nua na água. A boca de Spence ficou seca. Seus olhos não piscaram enquanto observava uma Sadie cor de pêssego que não vestia nada! Ele gemeu ante essa visão, com a reação instantânea de seu corpo, já prevenido por seus sonhos. Tomando fôlego, Spence fechou os olhos. — Demônios. — Ele engoliu em seco, depois abriu os olhos só um pouco, desejando ter imaginado tudo aquilo, que os fusos horários, o estresse, demasiado trabalho e a frustração sexual — para não mencionar a frustração de Sadie — haviam se combinado para criar alucinações. Não era assim. Ela ainda estava lá. De pé na rocha pouco profunda debaixo do jato de água, depois fazendo um pequeno passo de dança, como uma ninfa das águas. Os seios balançaram suavemente, a água fazia a pele brilhar. Ele engoliu em seco outra vez. Afinal de contas, ela era sua esposa. Assim ele tinha direitos, não é? Ele podia levantar-se da cama, arrancar as roupas e unir-se a ela na piscina, debaixo do chuveiro. Como seu marido, ele podia correr as mãos sobre o corpo ensaboado, beijar o pescoço, o caminho que levava aos seios dela, tocar o umbigo dela com sua língua, beijar mais embaixo, tocá-la... Sua mandíbula travou e ele rolou de costas na cama, seu corpo gritando em protesto por não ter sido autorizado a fazer exatamente aquilo, a fazer mais. Por que não fazer mais? Ela iria lutar contra ele? Não ficara tão contrariada pelo fato de haver só uma 73
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cama, como ele ficara. E ele ficou porque pensou que isso lhe importava. Será que não? Será que ela queria que ele fizesse amor com ela? Ela casara com ele, não é?, argumentava o corpo dele. Mas ela só havia casado com ele sob pressão, seu cérebro respondia. Porque ele tinha tornado impossível a recusa dela, porque ela se preocupava com ele como amigo, porque ele estava em uma situação angustiosa e, sabendo disso, ela lhe fizera um favor. Porque teve pena dele! E por que ela ia querer se casar com ele, de qualquer maneira? Conhecia a família dele, seu passado. Ela sabia, tanto como Danny, que material fraco ele era como marido. Sadie sempre desejara um marido, um lar e uma família. Ela merecia um homem bem melhor que ele. De modo que o mínimo que ele podia fazer era manter a cabeça nos negócios. Precisava lembrar-se disso. Mas agora ele precisava sair dali. Spence conhecia a natureza humana — especialmente a própria — suficientemente bem para saber que todas as resoluções racionais poderiam falhar frente à demasiada tentação. Seu pai não lhe ensinara muito, mas certamente lhe ensinara isso. Ele não estava ali! Ela havia terminado o banho, se secado e posto o macio roupão felpudo cor-derosa. Penteara os cabelos com os dedos para não parecer um espantalho e então, tomando fôlego, abriu a porta corrediça com cuidado e silenciosamente, esperando que Spence lhe tivesse deixado um canto da cama onde tirar uma soneca. E ele não estava ali! A cama se encontrava vazia, o lençol amarrotado, mas Spence não estava mais ali. Com o coração golpeando contra o peito, Sadie correu para o banheiro. Ele não estava ali. Ela olhou para a varanda. Nada de Spence. Ela até saiu e olhou na direção da praia. Mas todos haviam ido embora. A praia também ficara vazia. Ela não podia ver ou ouvir uma única alma, apenas o som do mar contra a costa e o sussurro do vento entre as palmeiras. Aonde ele tinha ido? E por quê? O calção de banho não estava. As roupas que vestia estavam penduradas no armário. Ele teria despertado e posto o calção, pensando que ela ainda se encontrava na praia? Não a vira no chuveiro? Nua no chuveiro! Como não a teria visto? O rosto dela ardeu quando compreendeu que não havia forma de que ele não a tivesse visto. A vista da cascata para o quarto estava obscurecida pelo reflexo do sol no vidro, mas a vista da área do chuveiro era clara como o cristal. 74
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Ele não poderia ter deixado de vê-la. Todo o corpo dela estava quente agora. Queimando de humilhação, sem contar com o embaraço. Ele a tinha visto e olhado para o outro lado. Corrido na direção oposta! Ela queria morrer. Como poderia passar uma semana com Spence no mesmo quarto — na mesma cama — se ele nem tolerava vê-la? E ela pensava fazer disso um casamento verdadeiro? O que estava pensando? A própria ideia agora parecia risível. E Sadie sabia que a piada era ela. O som de batidas de tambor, profundo e oco, ecoou nas paredes da bure quando a tarde avançou. Sadie sabia o que significava — que o saguão e o bar estavam abertos, que o jantar seria servido logo. E claro que ela tinha que estar lá. Era seu trabalho. Ela ficara sentada em uma das poltronas de vime da bure, chorando. Era estúpido, sem sentido, ela se dizia uma e outra vez. Mas isso não ajudava. Sadie não tinha ideia de onde Spence estava. Para onde quer que tivesse ido, desesperado por afastar-se da nudez dela, ele não havia regressado. No entanto, ele teria que aparecer no jantar. Era uma das atuações principais, um dos lugares onde o sr. Isogawa se assegurava de vê-los juntos. De modo que Spence apareceria, esperando que ela representasse o papel de esposa amorosa. — E que tal a esposa rejeitada? — murmurou ela, secando os olhos com um lenço de papel. Ela perguntou a si mesma se era assim que Leonie se sentia. Provavelmente. Malditos homens. Tirou do armário o vestido impetuosamente pintado de vermelho-alaranjado que Martha lhe dera no dia da viagem. Ela faria seu trabalho, e se divertiria o mais que pudesse. Para o inferno com Spence. Ela chegou sozinha, e o sr. Isogawa, que, junto com sua esposa, conversava com os Ten Eyk, levantou-se rapidamente e aproximou-se para fazer uma reverência e convidá-la a unir-se a eles. — Você está de divertindo? — perguntou ele. — Sim, obrigada. Arigato — repetiu em japonês, fazendo o sr. Isogawa sorrir. — Tem sido tudo muito lindo. A bure da casa na árvore é magnífica. E já estive nadando. A praia é linda, a água é tão cálida... E a cascata do chuveiro, eu a amei. Ela deve ter sido convincente, porque ele sorriu. — E Spence? Ele aproveitou? Onde está ele? — Spence adormeceu — ela contou com absoluta honestidade. — Estava tão cansado depois de trabalhar no avião toda a viagem até aqui, que desmaiou. Fui nadar sem ele. E quando ele acordou, acho que saiu para explorar o lugar por conta própria. E quando ele aparecesse, bem que poderia contar ao sr. Isogawa sobre tudo isso. O que ela dissera era a verdade. O sr. Isogawa assentiu. — Será interessante ver o que ele descobriu. O que Spence descobrira — eles souberam quando ele chegou, justo antes que o 75
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jantar fosse servido — é que havia uma trilha que subia a montanha, através da mata, até um mirante no topo, do qual se podia ver praticamente toda a ilha. — Há vistas assombrosas de 360 graus, são de enlouquecer. — Ele tinha os olhos brilhantes e parecia lindo como o pecado, descansado e completamente à vontade. Sadie o odiou. Ele devia ter voltado para a casa na árvore depois que ela saíra, porque trocara de roupa e agora vestia uma calça tropical cor caqui e uma blusa polo azul profundo que combinava com a cor dos olhos, apesar de ela estar segura que ele nem fazia ideia disso. — Então você aproveitou bem o tempo? — Ela fez o possível para parecer tão alegre e otimista como ele. — Sim. — Ele fez uma pausa. — Desculpe por eu não ter descido para nadar. Fui nocauteado. Eu ia me encontrar com você, mas você já não estava nadando quando eu acordei. Não, eu estava nua no chuveiro. Você podia ter se encontrado comigo ali. Mas é claro que ela não disse isso. — Vou levar você lá amanhã — disse ele. — Vai adorar. — E sorrindo para Sadie, passou o braço em volta dos ombros dela e a puxou com força para si. Aparte autopreservadora de Sadie queria retesar-se e resistir. A parte furiosa queria chutá-lo onde lhe doesse mais. Mas ela dera sua palavra. De modo que se inclinou para o abraço e sorriu. — Estou certa que sim. Depois, porque ela ficaria furiosa se ele fosse o único a demonstrar como eles eram dedicados um ao outro, ela virou seu rosto na direção do dele e o beijou levemente no queixo. Então foi Spence que se contraiu e ela viu um sinal de confusão em seu olhar, seguido do que pareceu um desafio determinado. E quando ela se deu conta, Spence inclinou a cabeça e a beijou nos lábios! Não era um beijo apaixonado, que devesse ser deixado para a privacidade de uma bure de lua de mel, mas demorou o suficiente para ser possessivo. E prometia uma legião de coisas que deixou Sadie sobressaltada — e tremendo — quando finalmente Spence se afastou. Ele sorriu para ela. Ela lhe lançou um olhar furioso, e depois levantou a vista para ver Leonie Carstairs observando tudo. O significado do beijo subitamente ficou perfeitamente claro. Foi um beijo de mantenha a distância, dirigido a Leonie. Ele não queria que significasse nada para Sadie. Nada mesmo. — Vamos — disse o sr. Isogawa. — Está na hora do jantar. — Ele pegou sua esposa pelo braço e a conduziu à sala de jantar. Spence, ainda sorrindo, ofereceu seu braço para ela. E Sadie, depois de respirar cuidadosamente para se tranquilizar, passou seu braço pelo dele e, ignorando a dor em seu coração, caminhou ao seu lado. 76
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— Bom, foi tudo bem — Spence disse bruscamente enquanto abria a porta da bure depois de um excelente jantar e de uma noite de conversas para conhecer-se melhor. — Você acha? — Sadie disse ironicamente, porque, apesar de ter dado o melhor de si, ela não pensava que bem descrevesse a situação. Hipócrita seria mais exato. Ela passou na frente dele e logo se arrependeu. A cama, que parecia ser do tamanho Kansas-size algumas horas atrás, agora parecia apenas um pouco maior que um selo de correio. Uma coisa é ir para a cama com o homem que se ama se você pensar que ele pode achá-la atraente, e outra é ir para a cama com um homem que se virou e fugiu quando a surpreendeu nua. E agora não havia praia para fugir, nem lugares para passear. Estava tudo escuro — preto aveludado, com assombrosas estrelas e constelações sobre as quais John Ten Eyk lhe ensinara. Mas ela não podia ficar lá fora a noite toda. — Você não achou? — Spence pareceu surpreso. Fechou a porta e lançou longe os sapatos. — Todos estavam passando bem, o lugar é maravilhoso, muito melhor do que eu esperava. O serviço parece muito bom, a comida fantástica. — Sim. — Leonie não me incomodou — disse Spence com suprema satisfação. — E quando você se acostuma com o formalismo, Isogawa é um cara legal. Assim como a esposa. E eles obviamente pensam que você é maravilhosa. Eu também — ele disse alegremente. — Por quê? Porque assustei Leonie? Porque seu brilhante plano está funcionando? Isso não é maravilhoso? A testa de Spence se enrugou. — O que há com você? — Não há nada comigo! Nada mesmo. — Claro que há. Você estava tão cheia de suavidade e luz esta noite. — Spence revirou os olhos. — Você não sabe nada sobre mim! — Diga-me você, então. Por que está zangada? A pergunta simples dele causoulhe mais fúria. — Quem disse que eu estou zangada? — Sadie afastou-se, colocando a cama entre eles, quando ele tentou se aproximar. — Adivinhei — disse ele arrastadamente. Os olhos deles se encontraram por cima da cama, os dele pétreos e furiosos, os dela igualmente loucos. Ele passou a mão pelos cabelos e franziu as sobrancelhas. — Bem, deixe-me adivinhar. — Faça o que quiser. — É sobre hoje à tarde. — Quando ela não respondeu logo, ele a aguilhoou. — Não é? — O que você pensa? — Penso que estou fazendo o melhor que posso, com mil demônios — disse asperamente. — Muito bem, ótimo, eu peço desculpas! Mas não sou cego, Sadie! Se você não puxar as cortinas sobre as janelas, eu terei uma vista completa. Não posso 77
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evitar! Mas eu saí, não é? O queixo de Sadie caiu: — O quê? Spence ainda estava corado, os olhos flamejantes. — Se você não queria que eu a visse nua, por que demônios deixou as cortinas abertas quando tomou banho? Era por isso que ele pensava que ela estava zangada? Porque ele a tinha visto nua? Não porque ficara tão repugnado pela imagem a ponto de sair do quarto? — Bem? — exigiu ele quando ela não respondeu. Entorpecida, Sadie balançou a cabeça, ainda tentando entender. Finalmente, apenas pôde perguntar: — Por isso é que você saiu? — Você queria que eu ficasse lá olhando para você? Nossa Sadie agora é uma exibicionista? — Seu tom era de zombaria. — É claro que não. Eu precisava de uma chuveirada. Vinha de um banho de mar. A cascata era linda, convidativa, não como a banheira que posso usar todos os dias. E você estava dormindo! Eu não tentei seduzi-lo! — Foi exatamente o que imaginei. E que você estaria mais sedutora quando voltasse ao quarto. — Duros olhos azuis encontraram os dela. —Assim saí. Mas Sadie estava presa a uma frase anterior. — Sedutora? — Ela repetiu a palavra como se jamais a tivesse ouvido antes. — Você pensou que eu estava... ? — Ela olhou para ele, assombrada. — Você é sedutora como o inferno, Sadie Morrissey — rosnou ele. — E apesar de eu ter adorado ficar ali vendo você cabriolar debaixo do chuveiro... — Eu não estava cabriolando! — protestou ela. — Não? Bem, dançando, então. Pulando. Você pulou. — Ele fez que isso soasse como uma acusação. Deus, quanto tempo ele ficara observando? Sadie sentiu que enrubescia. — Você instigou — ele disse de novo, com firmeza. — E eu não ia ficar satisfeito só com olhar. Ia querer mais. E isso não era parte de nosso acordo. Portanto eu saí. Oh. — Assim pedi desculpas — ele disse. — Foi tudo que consegui pensar em fazer naquele instante. — Tudo? — disse Sadie antes que pudesse se conter. Seus olhares se encontraram outra vez, e ficaram presos. Eletricidade corria entre eles. Desejo, desejo ardente, frustração, necessidade. Sadie certamente sentia tudo isso, e não tinha ideia do que Spence sentia do outro lado. Ele apertou os dentes. — Não me tente, Sadie. Meninas que brincam com fogo acabam se queimando. Foi como se ela tivesse sido libertada, os medos banidos, o coração martelando. — Isso é uma promessa? — Pare com isso — disse ele com voz brusca. — Prepare-se para dormir. Já pedi desculpas pela cama, e não o farei outra vez. — Não me importa — disse Sadie. Ele a ignorou. 78
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— Vou sair e caminhar pela praia enquanto você troca de roupa. Pisque a luz quando estiver decente e debaixo do cobertor. — Então, sem deixar que ela respondesse, ele abriu a porta e saiu. Spence ficou do lado de fora, olhando a noite estrelada, dizendo a si mesmo que tudo ia dar certo. Ele sobrevivera. Desempenhou bem seu papel, e Sadie também. Houve alguns momentos tensos, mas ele manejou bem as coisas. Pediu desculpas pelo acontecido da tarde — não que tivesse sido culpa dele, maldita seja — e saiu antes que Sadie pudesse interpretar mal qualquer coisa. Se ele tivesse sorte, ela entraria na cama e adormeceria de imediato. Ela não tivera nenhum descanso. Talvez dormira um pouco depois do banho, mas a cama parecia igual a quando ele saíra. Spence rezou para que ela estivesse exausta. Ele certamente estava. De propósito. Era a única forma que conhecia de poder compartilhar uma cama com Sadie Morrissey. Ele saíra do quarto naquela tarde e caminhara quilômetros. Literalmente. Duvidava que houvesse na ilha alguma trilha que não tivesse explorado. De modo que poderia passar a noite com ela. Claro que poderia. Não era mais um adolescente, tinha controle de si mesmo. Então, pelo canto do olho, viu que a luz da bure deles acendeu e apagou — e de repente seu controle não pareceu mais tão seguro. Deixe disso, disse a si mesmo com firmeza. Você nunca vai chegar a lugar algum antecipando o desastre. Vai dar tudo certo. Espere cinco minutos. Ela estará em sono profundo. De modo que ele esperou. Tratou de não pensar em lingeries cor de pêssego e Sadies Morrissey nuas. A mente sobre a matéria. Ele podia fazer isso. Subiu os degraus e abriu a porta. Ela não estava debaixo do cobertor! — Eu lhe disse para ficar debaixo das cobertas! Sadie sorriu e espreguiçou-se languidamente. — Não trabalho para você 24 horas todos os dias. Desculpe, mas estamos fora do horário de trabalho. Ele a olhou, furioso com a sedução que ela criava, sentada na cama em uma curta camisola amarela, toda doce e sorridente, tão sedutora como Eva e a maldita maçã. — O que você está tentando fazer? — perguntou ele. — Fazer? — Ela olhou para ele ingenuamente. Ele não acreditou na pose por um momento. — Você está se pavoneando! Tentando seduzir-me! — Ele lançou as palavras como acusações. Ela sorriu levemente. — Está dando certo? — O que você está pensando...? Maldita seja, Sadie! Você quer que eu a ataque? Houve meio segundo de hesitação. Depois ela lhe lançou um sorriso travesso. 79
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— Na verdade, quero.
CAPÍTULO OITO
- Sadie? — Parecia que não a ouvira bem. Como se duvidasse de seus ouvidos. Ela não podia repeti-lo, de modo que disse nervosamente: — A não ser que você prefira não me atacar. Ele olhou fixo para ela. — Você está brincando, não é? — Sua voz estava esfarrapada. E sem mais palavras, ele a tomou nos braços, puxou-a para perto, apertou seus lábios contra os dela. Ele a beijou. E instintivamente Sadie o beijou de volta. Foi como voltar para casa. Foi como um eco daquela noite anterior — a do casamento deles — mas infinitamente melhor. Aqueles beijos tinham sido ardentes, ansiosos e desesperados, quase frenéticos. Esse beijo também fora ardente, talvez até um pouco desesperado. Mas a similaridade terminava aí. Ele não saqueava, explorava; não exigia, buscava uma resposta. E ainda mais que isso, ele oferecia. Oferecia-se a Sadie de um modo que ela sempre sonhara. Esse beijo dizia que ele era dela. Sadie tinha sido dele desde sempre. Mas até esse momento ela estivera com medo de ter se entregado completamente a um homem que, exceto por uma breve noite, não ia nunca querer dela mais do que uma amizade casual e muitas horas de trabalho. Mas nesse beijo, no leve tremor das mãos dele quando a tocavam, ela soube que seus temores eram infundados. Ele a queria tanto como ela o queria. — Sadie — ele sussurrou o nome dela contra seus lábios. Ela podia sentir o gosto da mistura de seu nome com ele. Ela sorriu. — Hum — murmurou, precipitada pelo prazer enquanto arrancava a camisa dele, deixando suas mãos correrem pelos braços de Spence, seus ombros, a forte musculatura das costas. — Sim. — Sim? Como isso? — ele perguntou. Suas mãos estavam ocupadas aprendendo sobre ela, tocando-a, deleitando-a. Mas ele tinha mais acesso a ela do que ela a ele. Sadie procurou pelo fecho do cinto dele, desajeitada. — Falta de experiência — murmurou ela quando Spence o abriu para ela, e então arrancou o resto da roupa dele e pode vê-lo em toda sua glória nua. — Oh, sim — sussurrou ela, afastando-se para ver, depois se aproximando para tocar, para correr os dedos sobre o peito dele e sobre o duro abdômen, para roçar levemente sua excitação. Ele ficou tenso. — Sadie! — O nome dela silvou entre os dentes dele. 80
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— Hum? — Mas ele não respondeu quando ela o beijou no queixo, no pescoço, nos ombros, no peito. A respiração dele ficou mais rápida, mais superficial. Sua pele estava tão quente que ela pensou que estava com febre. Contra sua mão ela podia sentir o galope do coração dele. Ainda sem resposta, apenas um som estrangulado do fundo da garganta dele. Preocupada, Sadie perguntou: — Você está bem? O som tornou-se alguma coisa entre um riso e um gemido. — Estou morrendo. O tom esfarrapado de sua voz a fez retroceder, horrorizada. — Morrendo? — Por você, sua boba — ele murmurou. — Venho morrendo por você. Sadie não acreditou por um minuto. Mas não lhe importava que ele o dissesse. Na verdade, ela adorava que ele o dissesse. — Você tem certeza? Ele a pressionou contra a cama, seu corpo inteiro sobre o dela, acomodando-se dentro dela, ajustando-se perfeitamente. — O que você acha? — Oh. — Ela entendeu então. Sorriu, retorceu-se contra ele. — Pare com isso. — Os lábios de Spence pressionavam a boca de Sadie. — Você vai me fazer cair da cama. — Que vergonha — murmurou Sadie. Um sorriso delicioso curvava sua boca. — Provoque. — Os lábios de Spence passaram dos lábios dela para o rosto. Eles tocavam, pressionavam, golpeavam, mordiscavam, provocavam e também a faziam queimar. Houve um leve tremor nos dedos dele quando subiram pelas pernas dela, agarraram a camisola e a passaram pela cabeça dela, jogando-a longe. — Spence! Ele levantou a cabeça. — O quê? Você quer ficar com ela? — Sim. Não. Não me importo, Spence. Eu... Ele a beijou. — Shhh. Deite e pense em Montana. — Não. — Ela não iria absolutamente fazer aquilo. Ela iria participar. Completamente. — Eu quero... Fazer coisas também. —Ah, é? — Sua boca estava tão perto que ela sentiu o alento dele em seu rosto. — Sim, eu quero. — Pensei que eu fosse o chefe. — Somente no escritório. Não estamos lá agora. — Espere um pouco! Mas Sadie estava cansada de esperar. Ela o beijou para calá-lo, depois colocou a língua entre os lábios dele e a mergulhou fundo. Ao mesmo tempo, correu as mãos pelas costas dele e sobre a sólida curva de suas nádegas, revelando ao fazer isso que ela finalmente se sentia livre para tocá-lo do jeito que desejara por anos. — Você tem algum problema com isso? — perguntou ela, retorcendo-se outra vez. —Acho que posso me acostumar—murmurou ele, enterrando seu rosto nos seios 81
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dela apenas para levantá-lo um momento depois e sorrir para ela. E ela podia ouvir a admiração reverente na voz dele quando disse: — É realmente você, Sadie. É realmente você. — Sim, sou eu. — Mesmo apesar de todos esses anos, ela mesma dificilmente podia acreditar naquilo. Então Spence deixou de falar mais uma vez. Ele a beijou cuidadosamente. Suas mãos estavam em todas as partes, aprendendo as linhas, curvas e segredos dela, fazendo-a arfar e contorcer-se. E mesmo quando ele a tinha arfando, ela estava determinada a fazer o mesmo por ele. Quatro anos atrás ela havia estado tão dominada pela súbita e desnorteante mudança dos eventos e seu surpreendente casamento que ela pouco mais fizera do que se entregar a ele. Agora ela queria fazer mais, ter mais, compartilhar mais. E assim ela tocou, mordeu, beijou e se aconchegou. E o controle de Spence se perdeu. Sua respiração fez-se mais rápida. Seu coração golpeou. — Sadie! Devagar...! — Não. Eu quero você. — Eu também... Quero... Você. Mas preciso... — Ele não terminou a frase, apenas empurrou-a para sair da cama. — O que houve? — Sadie olhou para ele, espantada. Mas em um instante ele achou o que procurava em sua mala. Proteção. Eles não precisavam disso, Sadie queria dizer a ele. Ela ficaria maravilhada se ficasse grávida nesse lugar magnífico. Mas Spence já havia completado a tarefa e estava se colocando entre as pernas dela outra vez, encontrando o centro dela, golpeando, cutucando, investigando. E Sadie o recebeu dentro dela. Fazia tanto tempo. Algumas vezes ela até pensava que havia sido um sonho. Mas não fora um sonho. E depois ela não soube de nada mais — apenas o quente tremor do alívio da paixão, da tensão e a sensação de que finalmente os dois tinham se tornado um. Ele lhe devia mais que isso. Muito mais. E Spence sabia. Deveria ter sido mais lento, mais gentil, mais atencioso. Ele se sentia sem ossos, sem peso, apesar de estar seguro de que devia estar pressionando Sadie contra o colchão. Achatando-a. Mas mesmo querendo, parecia não poder se mover. Sadie tampouco se movia, apesar de Spencer ouvir o coração dela batendo contra o peito dele. — Isso... Foi assombroso. — Sadie disse sem fôlego, debaixo dele. Spence não se moveu. — É? De que modo foi assombroso? Assombrosamente ruim? Os pulmões de Sadie se expandiram. — Oh, não! Foi maravilhoso. O coração dele pulou uma batida. Ele quase podia senti-lo ampliar-se em seu peito, como se subitamente tivessem tirado o peso do mundo de cima dele. 82
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— Hum. — Então ela envolveu os braços no pescoço dele e forçou a cabeça dele para baixo, para dar-lhe um beijo nos lábios. — O melhor. Ele sorriu. Riu. Não podia evitá-lo. — Você acha que isso foi bom? — rosnou ele. — Eu vou lhe mostrar o que é bom. — Agora? — guinchou Sadie. — Em alguns minutos. Que tal? — Ele rolou de cima dela e a puxou para si, maravilhando-se de como ela se encaixava bem em seus braços, a seu lado, como se pertencesse àquele lugar. — Acho que posso suportá-lo outra vez em alguns minutos — disse Sadie depois de pensar um instante. — Bom. — Ele colocou a mão no cabelo dela. Virou-lhe a cabeça para beijar seu rosto. Mal podia acreditar que isso estava acontecendo. Iria acordar e tudo isso teria sido um sonho? Mas a noite passou... E fizeram amor mais vezes. Muitas vezes. Spence estava disposto a mostrar a Sadie cada forma de que se podia lembrar. E não era um sonho. Ele estava exausto pela manhã. Os olhos vermelhos, o corpo extenuado, o cérebro morto. Não lhe importava. Sadie concordou que era bom. Muito muito bom mesmo. Eles perderam o café da manhã. Bem, não todo. Mas todos já haviam terminado e estavam sentados na sala tomando xícaras de chá e café quando eles chegaram juntos, parecendo ruborizados, distraídos e como se tivessem passado a noite na bure de lua de mel fazendo exatamente o que se esperava deles. E eles tinham feito. E estavam ruborizados e distraídos porque haviam passado juntos a mais surpreendente das noites — sem dormir nada — e de madrugada haviam saído para nadar. Spence o havia sugerido. — Você quer nadar? — Sadie o olhou com descrença. — Eu vou me afogar. Estou me sentindo toda mole. — Vamos lá. Vai ser maravilhoso. Você vai ver. Ele estava certo. Tinha sido mágico. O frio ar matinal, a água quase morna quando eles mergulharam. Eles brincaram ruidosamente e se beijaram — e se amaram. E então, boiando na água, vendo o sol nascer no oceano, tudo se tornou ainda mais maravilhoso porque ela boiava de costas contra o peito de Spence, os braços em volta dela, o alento suave contra a orelha dela. Depois, quando o céu mudou, de azul marinho para uma estonteante mistura de violetas, vermelhos e laranjas, e finalmente para o pálido amarelo e azul brilhante da manhã, eles saíram da praia e voltaram para sua bure na árvore, onde tomaram banho juntos, na cascata em que Spence a espreitara no dia anterior. Isso tinha sido apenas ontem? Nem mesmo 24 horas completas? Como era possível que as coisas tivessem mudado tanto? 83
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Sadie não sabia. Só sabia da alegria que tinham hoje. E que se sentia um pouco dura e sensível, como se tivesse usado músculos que não estava acostumada a usar. Imagine só, pensou ela, incapaz de manter o sorriso tonto e alegre em seu rosto. Spence também parecia igualmente satisfeito, apesar de seus olhos estarem decididamente vermelhos e de que não tivesse se barbeado porque Sadie havia decidido que gostava que seu queixo arranhasse. Ela lhe pedira que não se barbeasse. — A não ser que você pense que o sr. Isogawa vai criar caso — disse ela, consciente de que havia outras prioridades. — Você é mais importante que Isogawa — disse Spence, esfregando a barba suavemente no rosto dela. E Sadie não poderia sentir-se mais importante quando entraram na sala, com o braço de Spence sobre os ombros dela. Uma olhada para eles e Sadie estava certa de que todos sabiam o que fizeram. Ela estava demasiado satisfeita para importar-se com isso. E até mesmo quando o sr. Isogawa perguntou polidamente se haviam dormido bem, ela não foi capaz de deixar de sorrir. — Tivemos uma noite boa — disse ela. Era verdade, afinal de contas, mesmo que não tivessem dormido. — Aposto que sim — disse Leonie com inveja. Richard não notou, mas Marion saltou e disse diplomaticamente. — É um lugar maravilhoso. John e eu também aproveitamos. Não é demasiado quente, nem demasiado frio. Pacífico. E todas essas ondas gentis. Ela os teria visto? — perguntou-se Sadie, sabendo que seu rosto estava ainda mais vermelho. Mas Marion não lhe deu uma piscadela ou gesto de cabeça cúmplice. Abençoado seu coração. Cathy os dirigiu a uma mesa com duas cadeiras vazias. — Venham sentar-se e desfrutem o café da manhã. É maravilhoso. Fruta fresca, ovos, torradas francesas. O que vocês desejarem. Nós comemos muito. Marion e eu estávamos falando em dar uma volta enquanto eles estão nas reuniões. Querem vir conosco? — O olhar dela incluía tanto Sadie como Leonie. — Eu não — disse Leonie de imediato. — Vou fazer uma massagem — disse ela com um sorriso de conhecedora. — Com Jale. Jale, o jovem que os levara à bure no dia anterior, era um pedaço de carne. E obviamente tinha mais talentos que carregar bagagem. Sadie lançou um rápido olhar a Richard para ver se podia estimar a reação dele ao plano de Leonie. Mas Richard nem parecia ter ouvido. Estava falando com John, sem prestar nenhuma atenção à esposa. — Eu adoraria — disse Sadie para Marion e Cathy — mas isso não é apenas uma lua de mel para mim. Também é trabalho. Tenho que estar em todas as reuniões. Spence não havia dito isso, mas a verdade é que ela queria ir às reuniões. Queria estar onde Spence estivesse, para observá-lo em ação. Não falaram muito durante a noite anterior. Quando as barreiras finalmente cederam, foi tudo tão 84
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assombroso, tão novo, tão avassalador. Houve palavras, mas poucas. Haveria tempo para elas mais tarde. No entanto, ela dissera: — Eu o amo. Ela ousara fazer isso, e contivera o fôlego depois de dizê-lo, temendo que ele fosse rir. Ele não riu. Gemeu e a beijou com um desespero que dizia a ela que ele também a amava. E ela aceitou isso. Acreditava que Spence a amava, mesmo que ainda não pudesse dizê-lo. Mas ele a surpreendeu, puxando-a para si, olhando fundo nos olhos dela e dizendo: — Eu também a amo. Ele a amava. Dissera isso. E ela não tinha dúvidas de que ele iria demonstrar isso novamente, assim que tivessem um pouco de privacidade. E enquanto isso ela podia observá-lo. Podia tomar notas se necessário, e quando não fossem necessárias, ela poderia despi-lo mentalmente e ensaiar todas as coisas que fariam quando estivessem a sós. Esse pensamento a fez sorrir outra vez. - Recém-casados — Marion repreendeu-a, rindo de seu sorriso. — Parem de sonhar acordados e peçam seu café da manhã. Vocês estão me dando inveja. Sadie sentiu que enrubescia outra vez. Mas rapidamente sentou-se e uma das garçonetes instantaneamente apareceu com um menu. Finalmente pediu um copo de suco, um bolinho, uma omelete e uma xícara de chá. Podia comer uma refeição de um lenhador, mas não queria que ninguém pensasse que Spence casara com uma glutona. Precisava conduzir-se adequadamente, com dignidade, moderação e decoro — desde que pudesse ser uma total libertina na cama! Uma risada reprimida borbulhou. Cathy e Marion olharam para ela, balançaram as cabeças, ainda sorrindo enquanto suspiravam. Leonie olhou Sadie, Spence, e de volta para Sadie, depois se voltou para lançar olhares furiosos a Richard, que mesmo assim não notou nada. Sadie ficou com pena dela e desejou poder ajudá-la, especialmente porque devia à tentativa de Leonie de seduzir Spence sua atual felicidade. Pobre Leonie. — Ah, vejo que está alegre esta manhã. — O inglês suave e precisamente acentuado fez Sadie olhar para cima e ver a sra. Isogawa parada ao lado de sua mesa. — Estou muito feliz — Sadie lhe assegurou. — Acho que esse é o lugar mais maravilhoso do mundo! — Bom lugar — concordou a sra. Isogawa. — Lugar feliz. Conheci meu marido aqui. — É mesmo? Aqui? — Sim, sim. — Então ela olhou de soslaio e disse algo ao marido em japonês. — É verdade — concordou ele. — Ela estava de férias com uns amigos. Eu trabalhava aqui, projetando esses edifícios. Só que não podia tirar meus olhos dela. Consegui um modo de ser apresentado a ela. — Seu sorriso abriu-se. — E o resto é história, como vocês dizem. 85
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Sadie estava encantada. Era mesmo um lugar mágico. — Todos os anos nossa família também vem. Eles virão mais tarde, nesta semana. Nossos filhos e filha, e os netos. Talvez — ele disse — vocês virão futuramente e trarão sua família também. Sadie ficou com os olhos úmidos só de pensar nisso. Olhou para Spence, mas ele escutava algo que Steve Walker lhe dizia. — Você não precisa ir às reuniões hoje — o sr. Isogawa lhe disse. — Se quiser aproveitar a ilha, meu assistente pode tomar notas e passá-las para você. — Eu gostaria de ir — respondeu Sadie. — É meu trabalho. Mas também gostaria muito de ir. Normalmente não vejo Spence nessa parte de seu trabalho. O sr. Isogawa assentiu. — Muito bem. Desfrute seu café da manhã. Nós nos reuniremos em uma hora. Sadie desfrutou do seu café da manha. E Spence, que estava sentado com Richard e Steve, pareceu desfrutar do dele. Mas de tempos em tempos ele olhava de relance para ela. Seus olhares se conectavam e um canto da boca de Spence se elevava. E Sadie — lembrando-se da noite passada e pensando em todas as noites por vir — sentiu que a alegria enchia seu coração outra vez. Os rapazes avançaram nele no instante em que entraram no bar, Richard com um maço de papéis, Steve e John com um monte de perguntas, demasiado absorvidos nas coisas que queriam falar sobre Nanumi. Nanumi. Sadie dissera que significava recordar. E Spence sentia que tinha direito a fazer exatamente isso. No instante em que ele a levara de volta para cama e a cobrira com os braços, tivera a sensação de já haver estado ali antes. Todos os bits caleidoscópicos de memória — sons, formas, toques, sentimentos — que ele mesmo ocultara apareceram de volta. E quando fez amor com Sadie na noite anterior, sentira como se estivesse juntando as peças de um quebra-cabeça que já montara antes. Ouviu ecos de palavras que havia escutado antes e teve sentimentos que já conhecia. Quando fizeram amor, Spence reconheceu um sentimento que nunca tinha experimentado antes daquela única noite há quatro anos — um sentimento que não experimentara desde então. Ele o perdera sem mesmo entender que o tivera — nos braços de Sadie teve outra vez o sentimento de ser bem-vindo, finalmente encontrando, depois de buscar a vida inteira, o lugar a que pertencia. Com Sadie. Sadie o amava. Ela dissera isso. Ferventemente, ansiosamente, até mesmo desesperadamente, ou pelo menos assim parecia. Muito parecido a como ele a amava. Ele até o havia dito para ela. E isso o deixara espantado. Spence não podia lembrar-se de jamais ter dito essas palavras a ninguém em toda sua vida. Mas com Sadie, as palavras apareceram sem convite. 86
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Ela as dissera primeiro, e talvez ele tivesse respondido. Mas ele não pensava assim. Pensava que realmente a amava — e a amava há muito tempo. Isso o surpreendia, também. Claro que ele sempre gostara de Sadie, mesmo quando era uma menina de cinco anos, banguela e de pernas tortas, que perseguia a ele e a Danny. Enquanto a observava crescer, ele admirava sua determinação, sua inteligência, seus talentos. Certamente apreciou a ajuda dela quando veio trabalhar para ele pela primeira vez. Eles se divertiram muito. Ele sentiu a falta dela desesperadamente quando esteve na faculdade — porque tinha sido tão essencial para o negócio dele, pensara Spence na ocasião. E por essa razão, ele se assegurou, fizera de tudo para que ela voltasse depois da universidade. Era verdade. Mas não toda a verdade. Spence entendia isso agora. Por anos ele compreendera que havia mais em seu relacionamento com Sadie Morrissey do que queria admitir. Bem antes, quando ela estava no ensino médio, houve aquelas primeiras ferroadas da atração sexual, aquela percepção de suas curvas e pernas quilométricas, dos atributos femininos que a transformaram da garota banguela de pernas tortas em uma jovem mulher atraente e deliciosa. Uma jovem mulher demasiado boa para ele. Pelo menos até que o trauma da deserção de Emily o tivesse golpeado tanto que seus instintos assumiram o controle. Então ele ousou fazer a pergunta enterrada tão profundamente que nem ousava pensar nela. Ele fizera o que seu coração desejava. Casara-se com Sadie. E arruinara tudo no dia seguinte. Mas não fora capaz de arruiná-lo para sempre. Inteiramente por acidente, foilhe dada uma segunda chance. E ele estava feliz. Mais que feliz. Estava na lua. Na noite anterior Sadie fizera com que ele se sentisse vivo, inteiro. Como ninguém o havia feito sentir em toda sua vida. Ela o fizera sentir-se amado. Outras pessoas, outras famílias amavam. Não a sua. Mas nada disso importava porque agora Sadie o amava. Ela lhe mostrara esse amor na noite anterior. Durante toda a noite. E essa manhã, quando se supunha que ele deveria estar prestando atenção à Richard e Steve, ele continuava olhando para Sadie durante o café da manhã. E ela olhava de volta, sorrindo. Spence também sorria, porque nunca em sua vida ele se sentira assim. Era o mesmo Spencer Tyack de sempre. O mesmo rapaz do lado pobre dos trilhos, filho de pais vencidos, que passara a vida lutando para tentar tornar-se alguém — e o conseguira. Mas ele se sentia renascido. Vivo. Nada do que ele ganhara ou conseguira chegava perto de descrever o presente que Sadie lhe dera com seu amor. — ... ouviu uma palavra do que eu disse? — A voz áspera de Richard Carstairs penetrou o nevoeiro que tapava o cérebro de Spence. Spence arrancou sua atenção brevemente de contemplações bem mais interessantes. 87
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— O quê? Sim, é claro que estou prestando atenção. Mas só conseguia pensar em Sadie. Ela terminara o café da manhã. Aonde tinha ido?
Seu olhar não parou de mover-se até que a encontrou no deque, a brisa levantando seu cabelo, o sol do final da manhã beijando sua face, que parecia mais vermelha que normalmente. Provavelmente culpa dele, arranhões de barba. E nessa manhã ela não quis que ele se barbeasse. — Gosto dela — havia dito, esfregando a palma da mão em seu rosto. — Muito sexy. — Ele estava contente de que ela gostasse. —... construir algumas estrebarias também — disse Richard. — Você não acha? — Hum. — Deixe o cara tomar seu café da manhã — disse Steve rispidamente. — Ele já vai escutá-lo. Richard grunhiu, mas afastou seu maço de papéis e olhou em volta, com ar ausente. — Onde está Leonie? — Não sei. — Não me importa, pensou Spence. Mas sentindo-se generoso — e de fato sentindo que devia algo a Leonie por tê-lo obrigado inadvertidamente a trazer Sadie, ele disse a Richard. — Você devia encontrá-la, ver se está aproveitando. Vá nadar com ela. — Nadar? — Richard pareceu horrorizado. — Foi para isso que Isogawa quis que tivéssemos esta semana — lembrou-lhe Spence com o zelo dos conversos. — Lembrar-se do que é importante. Reconectar-se com a família. Richard balançou a cabeça. — Leonie é minha esposa, não minha família. Spence não via a diferença, mas não era um especialista. — Foi só uma ideia — disse conciliatoriamente. Richard grunhiu e voltou a seus papéis. Sadie frequentou as reuniões, tomando copiosas notas — e observando Spence. Hoje ela o vira trabalhando com outras pessoas, escutando ideias, visualizando, sintetizando, concretizando. Ele pegou um grupo de homens com diversas agendas e preocupações individuais e levou-os até um acordo de grupo. Ainda não estava tudo arranjado, é claro. O acordo não fora feito. Mas ele se conectara com o sr. Isogawa. O respeito entre ambos era óbvio. E sua relação com os outros também estava presente. Quando Richard parecia pronto a sair pela tangente, Spence rápida e diplomaticamente redirecionava o foco dele. Quando John se perdia nos detalhes, Spence o levava de volta para o quadro principal. Ele tinha um jeito com as palavras e com as pessoas que lhes dava confiança e as ajudava a centralizar a atenção no programa. — Você esteve espetacular — ela lhe disse depois que a reunião terminou. Ele sorriu, juvenilmente entusiasmado. — Você está predisposta a pensar isso. 88
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— Mas não significa que esteja errada. — Ela ficou na ponta dos pés e deu-lhe um beijo. Ele a beijou de volta, um beijo cálido e possessivo. E quando todos os homens lhes deram uma salva de palmas e um par de vivas, ele passou o braço pelos ombros dela e disse: — Se vocês nos permitem, cavalheiros, minha esposa e eu temos coisas a discutir. Eles discutiram pelo resto da tarde. Fizeram amor em sua cama e debaixo da cascata. Foi mais perversamente maravilhoso e erótico do que Sadie jamais ousara imaginar. Spence a deixou, inerme e repleta, e vestiu-se para encontrar-se com Richard e o sr. Isogawa para ver o lugar onde Richard sugerira que poderiam construir algumas estrebarias. — Você não se importa? — Claro que não. Para isso você está aqui. Ele se inclinou sobre ela na cama e beijou-a com preguiçoso cuidado. — Quer nadar de noite? — Nadar? — Ela sorriu. — E tudo que isso implica. —Adoraria. Adoro você — ela disse, e sorriu enquanto o via colocar os pés nas chinelas e dirigir-se para a porta. Sadie tomou outro banho depois que ele saiu. Depois se vestiu e saiu para um passeio pela praia. Leonie estava parada perto de um grupo de cadeiras de praia, falando com Jale. Ele estava sorrindo enquanto ela pestanejava para ele e passava a mão pelo braço dele. Quando avistou Sadie, ela o mandou embora e, parecendo quase aliviado, ele se apressou a sair. — Só estava marcando outra massagem — explicou Leonie. — Ele é muito bom. Você não quer mesmo uma? Sadie não estava certa sobre como entender o muito bom, mas sabia a resposta para a pergunta. — Não, obrigada. Leonie sentou-se em uma toalha. — Suponho que você não precise de ninguém mais com as mãos em cima de você. — Ela lançou a Sadie um olhar de soslaio. — Além do Spence, você quer dizer? Não. — Ele obviamente é louco por você Um dia antes, Sadie não teria acreditado nisso. Agora, ela disse: — O sentimento é mútuo. — Posso ver. — Havia um tom de inveja na voz de Leonie. Sadie deixou passar. — Você está se divertindo? — O que você acha? Epa. Pergunta errada. — Eu sei o quanto você queria vir e... — Sadie começou a frear. 89
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— Spence lhe contou sobre Barcelona? Pelo menos não precisariam fingir que não acontecera. Ela assentiu. — Sim. — Eu imaginei. — Leonie deu uma risada amarga. — Quando vi você com ele ontem de manhã, no aeroporto de Nadi, quando ele disse que vocês estavam casados, pensei que talvez estivesse fingindo. Para evitar-me, entende? Para assegurar que Richard não descobrisse e arrumasse o acordo. — Ela balançou a cabeça. — Parece egocentrismo para você? Sadie esperava que a pergunta fosse teórica. — Spence e eu na verdade estamos juntos há muito tempo — ela disse. —Apenas pensamos que não deveríamos torná-lo público. Você sabe, durante o trabalho. — Eu compreendo. — Leonie fez uma careta. — Sorte sua. Eu a invejo. Oh, não por Spence. — Ela fez uma pausa. — Bem, para ser honesta, sim, por Spence. Ele é dinamite. Mas principalmente porque ele presta atenção em você. Não como Richard. Sadie compreendeu. Pelo que vira, Richard mal parecia lembrar que sua esposa estava ali. — Foi por isso que você foi atrás de Spence... Em Barcelona? — perguntou ela, sem encontrar as palavras certas. — A razão das massagens, de Jale? Leonie assentiu tristemente. — Fico esperando que Richard desperte! — Fazendo com que fique com ciúmes? — Por que não? Eu quero que ele repare em mim... Lembre que sou sua esposa. De que outra maneira posso atraí-lo? — Dizer a ele? — Era mais uma pergunta que uma sugestão. Deus sabia que Sadie era a última pessoa que deveria dar conselhos sobre como melhorar um casamento. — Dizer-lhe que quero um bebê? — Um bebê? — Sadie olhou para Leonie. — Você quer? O espaço entre reparar em mim e querer um bebê era substancial. — Sim, eu quero. Sei que Richard já tem filhos grandes, que pensa que já terminou com tudo isso. Mas eu não! Eu o amo. Quero um filho com ele, uma família. Vocês não querem? — Sim, é claro que queremos. — Sadie não precisou pensar nem um segundo sobre isso. — Mas não me dei conta de que você queria. Richard não quer? — Ainda não o discutimos — admitiu Leonie. Depois ficou com uma expressão obstinada no rosto. — Como poderíamos? Ele age como se eu mal estivesse viva. Ele se interessava muito antes de nos casarmos. Uma vez que pôs o anel no meu dedo, voltouse para o trabalho. Uma vez que me conseguiu, não estava mais interessado. — Talvez você devesse dizer-lhe como se sente — disse Sadie. — Eu acho que esperei que ele se desse conta... — Que lesse sua mente? — Sadie sorriu. Leonie deu de ombros. — Algo assim. — Confie em mim — Sadie disse com sentimento. — Falo por experiência. Não funciona. Você precisa dizer as palavras. 90
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Leonie suspirou, depois pegou um punhado de areia e deixou que escorresse entre os dedos. Inclinou a cabeça para o lado e olhou para Sadie. — Você tem tanta sorte! — murmurou. Sadie enfiou os dedos dos pés na areia cálida, sentiu o beijo do sol no rosto e pôde apenas assentir e sorrir. — Sim — disse ela suavemente. — Eu tenho.
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CAPÍTULO NOVE - falei com Leonie hoje à tarde — Sadie estava deitada de lado na cama; traçou uma linha pelo centro do peito nu de Spence e depois a acompanhou com os lábios. — Hum. — Era um sinal de que ele a ouvira, mas sua atenção claramente estava longe. Ele se mexeu quando a boca de Sadie moveu-se mais para baixo, e então ficou quieto, ofegante. — Você está muito tenso — murmurou Sadie, provocando o umbigo dele com a língua, e depois se movendo ainda mais para baixo. — Tenso não, provocado — murmurou Spence. — Mas obviamente querendo continuar — Sadie sorriu e continuou seguindo a linha, tocando, provocando. Eles tinham voltado para o quarto depois do jantar, uma refeição memorável, carne de porco suculenta e vegetais da região, cozinhados em um lovo, um forno de terra fijiano. Mas enquanto quase todo mundo aceitou o convite do sr. Isogawa para uns drinques no bar depois do jantar, Spence dissera que ele e Sadie precisavam examinar alguns papéis. — Examinar alguns papéis? — Sadie dissera dubitativamente. Spence esperara até ficarem fora de alcance. Então sorriu. — Nós os poremos debaixo da cama. Ela não sabia se eles estavam lá ou não. Ela e Spence ficaram na cama — exceto quando estiveram na cascata — pela maior parte da noite. Fizeram amor variando de quente e apaixonado a vagaroso e brincalhão. Era tudo que Sadie alguma vez pôde querer. Falava da proximidade, da confiança e da intimidade que ela e Spence haviam alcançado. E na alegria do seu amor, ela se lembrou do rosto triste de Leonie. — Você estava certo — ela disse, olhando-o entre beijos. — Ela tentou seduzi-lo. Spence meio que levantou, o peso descansando nos cotovelos. — Ela lhe disse isso? — Ele parecia consternado. Sadie moveu os ombros... — Na verdade, disse. Ela pensa que você é magnífico — acrescentou com um sorriso. — Mas era mais por Richard. Ela estava tentando enciumá-lo. Aparentemente, ele não notou. — E agradeçamos a Deus por isso — disse ele secamente. — Ou todo esse negócio teria ido por água abaixo. É muito ruim, no entanto, se ela realmente se importa — refletiu ele. — Richard tende a ficar demasiado determinado em algumas ocasiões. — Ele se deitou outra vez, os dedos da mão brincando nos cabelos de Sadie. Ela continuou a beijá-lo. — Em certa ocasião, aparentemente, ele estava determinado em persegui-la. Como se ela fosse uma espécie de troféu. E quando a obteve, esqueceu-se dela. — Ela mordiscou a barriga dele. Os dedos de Spence se agarraram aos anéis do cabelo dela. 92
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— Ela não é exatamente indigente. Está obtendo algo desse casamento — salientou ele. — Viagens pelo mundo, uma casa fantástica. Na verdade, três casas fantásticas. Uma na Flórida, uma na Inglaterra e uma na Costa Rica. Ela não estaria cabriolando por Fiji se não fosse por Richard. — Não acho que Leonie se preocupe com Fiji. Ou com as casas fantásticas. É seu casamento, é Richard. Ela o ama. — Ela tem um modo engraçado de mostrá-lo. Por que ela não diz isso para ele? — Foi o que eu lhe disse. — Sadie atenuou sua marcha para baixo e deixou seus dedos correrem pelas coxas dele, primeiro uma e depois a outra, depois mergulhando entre elas e fazendo-o contorcer-se. — Procurando problemas — murmurou Spence. — Não, um bebê — disse Sadie, beijando-o exatamente onde ela vinha apontando todo o caminho. Spence saltou: — O quê? — Leonie quer um bebê — disse ela, respirando nele, provando-o, fazendo-o ofegar. Spence estava se estrangulando. — Esqueça os bebês. Não me importa o que Leonie quer! Eu quero você! — Rapidamente ele colocou uma proteção, depois a puxou para cima dele e arremeteu para encontrar-se com ela, para fazer deles um só outra vez, E Sadie o encontrou avidamente, deliciada com a maneira como se moviam juntos, se balançavam juntos, se amavam juntos. Tremiam juntos. — Eu o amo — ela disse sem fôlego enquanto desmaiava em cima dele. A cabeça dela descansou no peito de Spence. O coração dele troava em seu ouvido. Ela virou o rosto para depositar um beijo ali, depois levantou a cabeça e sorriu ternamente para ele. — Em algum tempo talvez tenhamos um bebê também. Ele não respondeu. Apenas ficou ali, com seus dedos no cabelo dela, apreciando sua suavidade de seda. — Eu também a amo — sussurrou e envolveu-a com os braços. Ele ainda a desejava e não passou muito tempo até que seu corpo estivesse outra vez pronto para amá-la. Ela se contorceu contra ele, tão ávida quanto Spence para amar outra vez. Ele sorriu. — Penso que a vida é abundantemente completa como ela é. — Richard pensou ter ouvido coisas — Leonie contou na sexta de manhã. Estavam na praia enquanto os homens ajustavam os últimos detalhes do acordo de Nanumi. Sadie tinha ficado admirada desde a conversa delas mais cedo naquela semana, mas não quis perguntar. E nada na conduta de Leonie, antes, lhe dera qualquer razão para esperar. Mas nessa manhã os olhos da outra mulher estavam cheios e havia uma luz neles que Sadie nunca vira. 93
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— Você falou com ele? — Bem, tive que atrair sua atenção antes. Tentei falar, mas ele continuava trabalhando em seu maldito laptop. De modo que, depois de três tentativas, eu finalmente o agarrei e ameacei quebrá-lo em pedaços se ele não me escutasse. Agora foi Sadie que ficou de olhos abertos. — Você não fez isso! — Bem, não o quebrei, mas poderia tê-lo feito — admitiu Leonie. — Posso não estar mais tentando seduzir Spence, mas ainda acredito em gestos dramáticos. Só precisava achar um que chamasse sua atenção. Aquilo o fez. Sadie estava impressionada. — Aposto que sim. E o que ele disse? — Ele ficou surpreso. Atônito, na verdade. Acho que nunca falamos o suficiente antes de nos casarmos. Foi tudo muito rápido. Eu lhe disse, ele atuava como se precisasse vencer-me. E o fez. Mas pensou que eu me casara por dinheiro, e isso era tudo. O idiota não entendeu que eu o amava! — Leonie balançou a cabeça e fez um ruído que estava entre uma risada e um soluço. Sadie estava assombrada. — E agora ele entende? — Ele está... Trabalhando nisso. Acho que lhe dei algo em que pensar. Sadie apostava que sim. — E o bebê? O que ele pensa disso? — Não pôde acreditar que eu queria isso. Pensou que estava demasiado velho. Que eu pensaria que ele era demasiado velho. Eu lhe disse que não era ele que ficaria grávido. E então ele pensou no que seus filhos pensariam. Eu disse: — Pergunte a eles — e isso também o surpreendeu. — Que você deixaria que eles opinassem? — Suponho que sim. Acho que ele pensa que eles não aprovarão; que nem aprovam nosso casamento. Mas essa não é uma decisão dos filhos. É dele, apesar de que certamente eles poderiam lhe ter dito, se quisessem. E eles tampouco tomaram essa decisão. Mas por que ele não devia perguntar, se quer saber como eles se sentem? Parecia fazer sentido. E Sadie o disse. Leonie sorriu. — Espero que sim. Veremos. Ele me disse cem vezes que enorme passo era esse. Disse que eu deveria dar uma boa olhada nos netos de Isogawa amanhã e ver se realmente quero toda essa confusão. Mas não está dizendo que não. Na verdade está interessado. Tentado, eu penso. Agora sabe que eu realmente o amo. E... — ela lançou os braços em volta de Sadie e deu-lhe um abraço esmagador. — ... nós devemos tudo a você! — Ela diz que deve tudo a mim — contou Sadie, sorrindo. — Hein? Quem deve o quê? — Spence estava distraído. Ele estivera ansioso por tê-la nos braços tão logo a encontrou na praia. E a afastou de Leonie sem olhar para trás. Tinha algo em mente. — Eu disse que Leonie e Richard estão se falando — repetiu ela pacientemente 94
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enquanto caminhavam para sua bure. — Ele está realmente escutando. Estão se comunicando! Eles podem ter um bebê! E ela diz que deve tudo a mim. — Sadie estava certa de que Spence apreciaria a ironia daquilo. Mas ele apenas balançou a cabeça. — Aquela mulher é louca. Bem, ele tivera um dia difícil. Sadie apenas participara das reuniões matinais e ele estivera amarrado toda a tarde martelando os últimos detalhes para que o novo consórcio do resort fosse um acordo selado. Podia ser perdoado por não se preocupar com as questões familiares de Leonie. — Você deve estar aliviado por tudo ter terminado — disse Sadie enquanto subiam os degraus de sua varanda na árvore. Uma vez ali, ela se inclinou para massagear os retesados músculos dos ombros e das costas dele. Spence suspirou. — Sim. — Ele deixou que as mãos dela fizessem sua mágica por alguns instantes, depois se endireitou. — Eu estava pensando que deveríamos ir para casa. — Para casa? — As mãos de Sadie pararam. — Não podemos ficar aqui para sempre. É o paraíso, sim. Mas o trabalho está feito. — Mas a semana não acabou. O sr. Isogawa espera que fiquemos aqui. Além disso, amanhã é o dia da família. — E ela esperava isso com prazer. Spence deu de ombros. — A família de Isogawa. — E ele quer que os conheçamos. Eles voltam todo ano — todos eles —, o sr. Isogawa e a esposa, os filhos e os netos. Nanumi é isso. Trabalhamos para isso toda a semana. Spence apertou os dentes brevemente, depois encolheu os ombros. — Ótimo. Se você quiser ficar, ficaremos. — Entrou no quarto e caiu na cama com o rosto para baixo. Seus olhos se fecharam. Sadie sentou-se ao lado dele e começou a esfregar suas costas outra vez. — Toda a adrenalina foi embora, não é? Ele rolou sobre si mesmo e a agarrou, puxando-a para cima dele. — Não confie nisso! Ele ainda estava dormindo profundamente quando ela acordou na manhã seguinte. E não era de admirar. Ele os mantivera acordados a maior parte da noite. Ele a amara ansiosamente, urgentemente, quase desesperadamente, de uma maneira que a fez lembrar de sua noite de núpcias quatro anos atrás. Mas não foi como agora, Sadie estava segura, porque não havia como esquecer o que acontecera entre eles ali. Eram quase oito horas. Ela tinha prometido encontrar-se com os Isogawa e sua família para o Café da manhã. Isso lhe dava tempo para uma chuveirada — desde que Spence não se unisse à ela — antes de ir para lá. Ela não teria se importado se ele se unisse à ela. Mas sabia que estava exausto. 95
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Olhou para ele agora, o coração cheio do amor que sentia por aquele homem. Inclinou-se e passou levemente a mão sobre o cabelo desgrenhado. Ele não se moveu. Ela beijou seu rosto. Ele suspirou e sorriu levemente, mas não acordou. Ela tomou seu banho, secou e penteou o cabelo, tomando mais cuidado do que o fizera durante toda a semana, para ficar apresentável para conhecer a família Isogawa. Quando ela saiu, às cinco para as nove, Spence ainda não havia se mexido. O som do riso de crianças o acordou, sobressaltado. Por um momento, Spence não soube onde estava. Então abriu os olhos e se lembrou. Dia da família. Falando de uma experiência estranha... Ele estava deitado ali, pensando na melhor maneira de livrar-se de tudo aquilo, quando bateram na porta da bure. Ele franziu o cenho, porque durante toda a semana ninguém batera naquela porta. Todos respeitaram a privacidade dele e de Sadie. Mas talvez ela tivesse mandado um mensageiro para ver se ele estava se levantando. Colocou um short e abriu a porta, piscando ao não ver ninguém, e então se deu conta de que quem batera à porta mal chegava à altura do seu peito. Duas meninas e três meninos estavam parados ali, pulando e saltando de um pé para o outro. — Nunca vimos uma casa na árvore tão grande. Você mora aqui? — o rapaz mais alto perguntou a ele, os olhos abertos. Ele falava como um kiwi e se parecia com Steve, de modo que Spence teve uma boa ideia de quem ele era. — Esta semana, sim — respondeu, enquanto eles esticavam os pescoços e olhavam para o quarto. A ansiedade deles o lembrou de sua própria curiosidade juvenil. — Querem dar uma olhada? Se queriam? Ele foi praticamente atropelado na pressa deles por explorar. Estavam fascinados pela forma em que a bure fora construída em volta dos galhos; um deles era tão grande que podia ser usado como uma poltrona de janela. Ficaram encantados com a cascata particular. — Podemos entrar? — a menina ruiva perguntou. Ele deu de ombros. — São meus convidados. E enquanto eles dançavam e pulavam na cascata, rindo todo o tempo, Spence também ria. Ele lhes disse seu nome e descobriu os deles. O menino mais velho, Geoff, e o menor, Justin, eram de Steve e Cathy. O do meio era Keefe Ten Eyck. A menina ruiva era sua irmã, Katie, e a outra era Mai, a neta de Isogawa. Ela não falava inglês, mas a barreira do idioma não os fazia diminuir a marcha. — Isto é maaaaaaaaravilhoso — disse Keefe. — Poderia viver aqui toda minha vida! — Que está perto de terminar — disse uma voz vindo da porta. E uma Marion muito severa apareceu. — Vocês sabem que não devem importunar os hóspedes. — Nós pedimos licença — disse Katie. — Educadamente. Todos os outros assentiram, concordando. — Ele nos convidou — disse Justin. — Não foi? — Ele olhou para Spence pedindo 96
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confirmação. — Claro que sim — concordou Spence. — Eles não o acordaram? — Marion ainda parecia preocupada. — Sadie disse que você estava exausto, que precisava dormir. — Eu já tinha acordado. Estava descendo para nadar. Justin agarrou uma de suas mãos e Mai timidamente agarrou a outra. — Vamos, então. — Deixem o sr. Tyack sozinho — disse Marion. — Para fora, todos vocês. E agradeçam por sua gentileza de deixá-los interromper sua vida. — Eles não interromperam. Foram ótimos. — E Spence tomou a mão dos meninos, que haviam largado as suas, e guiou-os para a porta descendo os degraus. — Corram até a praia! — Ele levantou as mãos deles e, quando as soltou, saíram todos correndo, gritando, berrando — até Mai, que não podia ter entendido. Marion ficou ao lado dele. — Crianças malucas. Pensam que foram soltas na ilha da Família Robinson. Obrigado. Desculpe se o incomodaram. — Está tudo bem — Spence disse outra vez. — Eles são ótimos. — Que bom que você pense dessa forma — disse Marion, depois lhe tocou o braço. Quando ele levantou uma sobrancelha inquisitiva, ela se virou e apontou para o grupo que se aproximava. O grupo incluía os Isogawa mais velhos, um casal mais jovem que Spence presumiu serem seus filhos, com mais dois netos, muito menores que Mai. Um menino pequeno, que estava aprendendo a andar, se segurava em Richard de um lado e em Leonie do outro, enquanto dava passos hesitantes em direção à praia. Richard e Leonie riam e faziam ruídos encorajadores. A outra criança estava aninhada nos braços de Sadie. — Ela está em seu elemento agora — disse Marion, observando Sadie com um sorriso no rosto. E Spence, observando, teve que concordar. Ele sempre soube que ela era louca por Edward, o filho pequeno de Martha e Theo. Era uma coisa de mulher, imaginava ele, porque cada vez que Martha levava o filho, Sadie jogava o menino para o alto e dançava com ele por todo o escritório, soprava beijos na barriga dele, fazia que risse e lhe contava histórias infantis em verso. — Ela será uma boa mãe — Marion lhe assegurou. — Sim. — Ela seria. Sadie havia aproveitado todos os outros dias — e claro que adorara as noites —, mas o dia da família foi o melhor. Ela brincou com os netos dos Isogawa. Observou Spence brincando com os meninos mais velhos. Imaginou como seria quando eles tivessem os próprios filhos algum dia, mesmo sabendo que ela havia chocado todo mundo quando Leonie lhe perguntara quantos filhos queria ter e ela respondera: 97
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— Oito. — Ha! — John Ten Eyck rira. E Marion estremecera e dissera: — Antes você que eu! — Sadie poderia cuidar deles — Cathy disse com firmeza. Mas o olhar no rosto de Spence era tão consternado que ela apressou-se a tranquilizá-lo. —Na verdade eu não quero oito — disse rapidamente. — Sei quanto trabalho as crianças dão hoje. Penso que três ou quatro seria maravilhoso. Até mesmo um ou dois. Quantos tivermos, eu acho. E se não tivermos nenhum, poderemos adotar. Alguma coisa estava errada, Sadie podia jurar. Quando as crianças foram jantar com os pais, ela e Spence comeram com Richard e Leonie, que de repente estavam agindo mais como recém-casados do que ela e Spence. Leonie transbordava de entusiasmo quando falavam dos netos de Isogawa. Longe de afastá-la da ideia de ter filhos, o dia havia despertado seu apetite. E Richard não parecia opor-se à ideia. — Meus filhos — meus filhos mais velhos — corrigiu-se — terão que se acostumar se eu tiver mais um. Não é como se fossem adolescentes embaraçados por tudo que o papai faz. — É claro que não — disse Sadie. — Tony Hunt, um dos artistas da cooperativa de arte de Spence, foi pai aos cinquenta, três anos atrás. Seu filho é o melhor amigo de seu neto. Não é? — Ela olhou para Spence. — Sim. — Ele empurrou pelo prato um delicioso pedaço de carne de porco assada em um lovo. Não disse mais nada. Sadie o estudou em silêncio durante a refeição. Ele tomara mais sol nesse dia que nos outros. Não houve reuniões, apenas diversão e jogos na praia. Talvez tivesse pegado demasiado sol. Talvez não se sentisse bem. — Penso que por hoje está bem — disse ela quando terminou de comer. — Tenho que fazer as malas antes que o voo saia amanhã de manhã. Você quer vir? — perguntou ao marido. — Ou quer ficar aqui um pouco mais? Ele empurrou a cadeira para trás e se levantou. — Eu vou. Eles se despediram dos Carstairs. Richard deu apertos de mão entusiasmados. Leonie abraçou Sadie e Spence com força e sussurrou: — Vocês são os melhores. Se tivermos um bebê, lhe daremos o nome de um dos dois. Sadie riu. — Acho que você devia discutir isso com Richard, primeiro. Despediram-se dos outros também. O avião deles sairia de manhã bem cedo. Os Carstairs ficariam outra semana, para terem um tempo juntos. E os dois casais neozelandeses tinham um voo mais tarde, para Nadi e depois para casa. Os Isogawa se inclinaram e depois abraçaram Sadie, provavelmente porque ela os abraçou primeiro. — Sei que talvez não seja o mais adequado a fazer — ela lhes disse. — Mas esta foi a semana mais maravilhosa da minha vida. Assim, muito obrigada. Muito obrigada. 98
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— Obrigado a você por tudo — disse o sr. Isogawa. — Você é parte de Nanumi agora. Você regressará. — Depois ele fez uma reverência e apertou a mão de Spence. — Não é uma despedida. É um novo começo para todos nós. Eu lhe agradeço. Espero vê-lo logo em Nanumi. Spence se inclinou e deu um aperto de mãos. Também disse obrigado. Inclinou-se para a sra. Isogawa, disse boa-noite a todos os outros e saiu da sala com Sadie. Ele lhe ofereceu o braço para que ela não tropeçasse enquanto caminhavam pela trilha. Ele não falou. Nem ela. Sadie bebia a beleza, saboreava as memórias, sabendo que as recuperaria e as repassaria pela mente repetidas vezes. Spence abriu a porta da bure para ela. Ela passou por ele para entrar, e então se virou e o envolveu nos braços. Por um segundo ele enrijeceu. Mas então seus braços a envolveram com força e ele apenas ficou abraçado. — Foi maravilhoso — disse Sadie. — É maravilhoso. Ele lhe deu um pequeno aperto e descansou o rosto contra o cabelo dela. Apenas ficou ali, sem soltá-la. Até que Sadie finalmente soltou-se e afastou-se meio passo para poder olhá-lo nos olhos. — O que está errado? — Nada. — Ele engoliu em seco. — Estou bem. Eu... — Ele parou, tomou fôlego, e começou outra vez. Parecia pálido e havia linhas de tensão em volta da sua boca. — O que você disse sobre filhos... Sadie riu. — Eu estava brincando! Não se preocupe. Não teremos oito. — Não, não teremos. — Mas quero que todos os que tivermos se pareçam com você. — Não. — Sim. Eu sempre tive uma coisa com você. Toda a minha vida. E não posso imaginar nada mais maravilhoso que uma porção de pequenos malandros de cabelo escuro, exatamente iguais a você. Spence balançou a cabeça. — Não, eu não posso. — O quê? — Sadie o olhou, espantada. — Não pode o quê? — Não terei — corrigiu ele. — Filhos. Não quero filho nenhum.
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CAPÍTULO DEZ — Não quero filhos — ele repetiu as palavras outra vez. — Não vou ter nenhum. — Bem, podemos não ter nenhum — disse ela, tomada de surpresa tanto pelo sentimento como pela ferocidade. — Não posso. Não serei responsável por dar a uma criança o tipo de infância podre que eu tive. — Oh, pelo amor de Deus. É isso que o preocupa? Não será uma infância assim! Como você pode pensar uma coisa dessas? — Porque eu a vivi, demônios. É o inferno, e é o que conheço. Não posso fazê-lo. Não o farei! Sem filhos. Eu me decidi anos atrás. — Spence — começou ela, amaciando a voz, com gentileza, tentando passar pela muralha que ele construíra. Mas ele balançou a cabeça. — É assim que vai ser, Sadie. Sem filhos. Ponto. Sei que você gosta de crianças e... — Você gosta de crianças. Não era você lá fora, hoje, brincando com elas? Pulando na água com elas? Deixando Justin montar em você? — Claro que eu gosto delas. Mas não significa que pretendo criá-las. — Bem, eu não estou de acordo. E você nunca me disse isso. — Estou dizendo agora. — Seus olhares se encontraram, duelando. — Spence — ela tentou outra vez. — Você precisa ser lógico sobre isso. Precisa pensar claramente antes de fazer pronunciamentos duros e levianos como esse. — Eu pensei, com mil demônios. O que você acha que fiz a minha vida inteira? Você é que terá que ser lógica, pensar claramente e tomar uma decisão. Porque se você quiser filhos, Sadie, você não quer estar casada comigo. Você quer um divórcio. Ela o olhou, de boca aberta, espantada. Divórcio? Ele estava falando de divórcio? Outra vez? Depois da mais bonita semana da vida deles? — Divórcio — repetiu ele, no caso de ela não ter ouvido da primeira vez que ele soltou a palavra como uma pedra de granito no silêncio do quarto. — Pense nisso. Depois ele entrou no banheiro, fechou a porta e ligou o chuveiro. Então, a noite seria sem cascata, sem fazer amor avidamente, sem paixão fumegante. Bem, houve paixão. Mas não fora fumegante. Tinha sido zangada. Cólera apaixonada, irracional. Pensamentos irracionais. Como podia não desejar ter filhos? Era tão bom com as crianças. E elas o amavam. Elas subiram em cima dele todo o ia. E Spence instintivamente soube como tratar cada uma delas. Fizera arruaça com Justin e Keefe, escutara atentamente as opiniões de Geoff, encantara Katie e sem dúvida fizera de Mai uma devota para toda vida, ao escolhê-la para seu time quando jogaram bola. Como poderia ele não querer a chance de fazer isso por seus próprios filhos? Ele tinha sido claro no quesito sem filhos. Não era um grande segredo. Ele havia 100
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dito a Emily. Não que isso importasse, já que ela nem aparecera para o casamento. Ele fora claro com Dena também. Ela ficara aliviada ao ouvir isso, pois era uma consumada mulher de carreira sem, como ela dizia, nem um único osso mamãe em seu corpo. Mas então Sadie apareceu no cartório com as notícias de que ainda estavam casados e estragou todos os planos. Ela também lhe dera a mais linda e alegre semana que ele jamais conhecera. Não podia esquecer disso. Nem queria. Spence fechou o chuveiro e ficou parado no boxe, tremendo. Ela o entenderia. Afinal de contas, era adulta. E se não pudessem ter filhos? Muitos casais não podem. Ela o odiaria? Será que o amaria menos? Ela só necessitava de tempo para adaptar-se. Para compreender. Ele precisava dar-lhe seu tempo. Espaço. Ele precisava mostrar-lhe que a amava — e então ela o faria. — Ponho o despertador? — A pergunta era muito educada, muito civilizada, muito remota. — Boa ideia — respondeu ela em um tom igual. — Não queremos perder o voo. — Como somos os únicos passageiros, imagino que esperarão. Ontem teriam rido disso. Hoje, ela apenas assentiu. — Faça o que quiser. Ele ajustou o despertador e deitou-se na cama, observando-a. Em outra noite, ela teria ido direto para ele. Teria se arrastado para a cama ao lado dele, que a agarraria em seus braços e a levaria pela trilha do contentamento. Hoje, ela não podia fazê-lo. — Vou tomar banho — disse ela e, tirando sua camisola do cabide, entrou no banheiro e fechou a porta. Sadie teria adorado um último banho na cascata do lado de fora, teria adorado compartilhá-lo com Spence. Mas não havia nenhuma sensação de estar juntos. Ela quis um banho com privacidade onde, se chorasse, ou quando chorasse, Spence nunca saberia. Os olhos dela estavam tão vermelhos quando saiu do banheiro que, se ele os pudesse ver, saberia. Mas quando ela voltou, a lâmpada do teto tinha sido apagada. Ele deixara acesa uma luz fraca do lado dela da cama. Ainda estava ali, mas deitado de lado — de costas para ela. Ela respirou fundo e pressionou a mão contra a boca para evitar fazer ruído. Mas ele ouviu e virou-se: — Não chore, pelo amor de Deus! — Eu chorarei se quiser, seu tonto — respondeu ela. E fez exatamente isso. — Oh, inferno! — Ele a abraçou, beijando-a. — Vai dar tudo certo — prometeu ele. — Shh. Eu sinto muito. Ela soluçou e tratou de parar. Mas senti-lo perto dela a impediu. Era tão 101
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estúpido. Ele era tão estúpido! — Não faça isso — sussurrou ele. — Sadie, por favor, pare. — Ele a beijou, sem dúvida por desespero. De que outra forma um cara podia fazer calar uma mulher que chora? O beijo foi urgente, faminto. Ela o beijou de volta, enrolou-se nele. Fizeram amor silenciosamente, fora a respiração ofegante. Foi selvagem, exigente. Mas depois, em vez de sentir-se cheia e completa, Sadie sentiu-se vazia e perdida. Na manhã seguinte ela sorriu para ele, falou com ele. Sim, com uma certa reserva, tensão. Ele não a culpou. Sabia que estava zangada. Mas era tudo muito novo. Ela se acostumaria. Ele só precisava ser paciente. A viagem de volta a Butte foi cansativa. Sadie dormiu e ele a observou, como fizera na ida. Spence a amava agora, não podia tirar os olhos dela. Quando ela se mexeu na poltrona e a blusa se abriu, expondo uma renda azul pálido, ele sorriu. Agora sabia tudo sobre a roupa íntima de Sadie. Era maravilhosa. Mas ela era mais maravilhosa. Ele fora abençoado. — Então, como foi? — Martha foi discreta e só apareceu na manhã seguinte, no escritório de Sadie, os olhos abertos e curiosos.— Ah, vejo um anel! Ela agarrou a mão de Sadie. — Eles são perfeitos. Iguais a você! Sadie assentiu. Até mesmo conseguiu sorrir. — Você parece bronzeada, bonita e exausta. Espero que a exaustão seja de não dormir o suficiente. — Olhou para Sadie especulativamente. — Então, amigos curiosos querem saber. Você... — Ela arqueou as sobrancelhas. Sadie assentiu, mas não a olhou diretamente. Martha a olhou mais de perto. — Não me diga que ele é tão ruim de cama? — Ela soou consternada. — Não! — Sadie enrubesceu. Não pôde evitá-lo. — Ele foi — foi — maravilhoso. — Sim. Posso ver como você está emocionada... — O tom de Martha foi seco. — É que... Existem... Existe... Um problema. — Devo matá-lo? Ou só feri-lo? Sadie balançou a cabeça. Era tão bom ter uma amiga como Martha, que sempre ficava do seu lado, sem importar nada. Ela sorriu outra vez. — Provavelmente matá-lo, não. Eddie precisa da mãe, e você seria presa. — Muito bem. Diga o que você quer e eu faço. — Não penso que haja algo que você possa fazer — disse Sadie. Pensou se devia contar a Martha, e decidiu que sim. Talvez ela pensasse que Spence estava certo. Talvez fosse ela a tola, não ele. Então ela contou a Martha o que acontecera. — Foi uma semana maravilhosa, perfeita. Eu o amo e sei que ele me ama. Mas não podemos falar desse assunto. Ele não quer falar disso. Estou louca? Estou errada? 102
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Lentamente, Martha balançou a cabeça. — Você não está errada. Ele seria um pai maravilhoso. Por que ele pensa que não o seria? — Penso que é porque seu pai não foi. Seus pais foram... Bem melancólicos. Ele não quer o mesmo para seus filhos. — Como se isso fosse acontecer. — Martha revirou os olhos. — Sei disso. Você sabe disso. Tente convencer Spence. — Eu não posso — disse Martha. — Mas você não está errada. Se você quiser que isso funcione, vai ter de fazê-lo. Mais fácil falar que fazer. Uma vez em casa, a vida real interferiu. Spence estava todo o tempo ao telefone, enviava mensagens pelo computador. Mergulhou no trabalho como vingança. E nunca mencionou a questão de não ter filhos. Sadie quase começou a pensar que imaginara aquilo. Mas bastava vê-lo perto de Edward para saber que não era assim. Martha frequentemente levava o filho para o trabalho. Sempre o fizera, especialmente quando Theo estava navegando, o que acontecia regularmente no trabalho dele. Sempre que Edward ia, Sadie brincava com ele, fazia-lhe cócegas, jogava bola com ele. Edward era seu companheiro. Quando Theo estava em casa, Sadie até cuidava dele para que Martha e Theo pudessem sair à noite de vez em quando. — Você quer o Eddie uma noite dessas? — Martha lhe perguntou. — Theo não está em casa. Sadie lembrou-se de aconselhar Leonie a falar com Richard. Mas quando a pimenta caía nos olhos dela — Spence estava fingindo que tudo ia bem — não parecia refresco. — Sim, deixe-me levar Eddie para casa. A noite com Eddie foi um grande sucesso. Ele amava Sadie, ela o amava. Ele caminhou até Spence com passo vacilante e agarrou-o pelos joelhos. — Pa — disse ele. — Eu não — disse Spence. Mas não afastou o menino. Levantou-o e leu uma história para ele. Depois os três comeram macarrão com queijo no jantar. Eddie até mesmo comeu parte de uma lata de peras porque Sadie convenceu Spence a comer algumas também. — Aposto que Theo não come muitas peras amassadas — queixou-se. Mas comeuas, e Eddie, vendo isso, as comeu também. Observando os dois juntos, Sadie ousava ter esperanças. Quando Martha veio buscá-lo às dez, Eddie dormia na cama deles — ao lado de Spence. Sadie entrou para pegar o menino e ficou olhando para os dois, os dedinhos de Eddie segurando o polegar de Spence. E ele não queria filhos? Como podia dizer isso? Martha pegou seu filho adormecido dos braços de Sadie e cruzou os dedos. — Há esperança — disse ela. — Boa sorte. 103
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ele.
— Obrigada — disse Sadie. E depois que Martha saiu, disse a si mesma: fale com
— Precisamos conversar — disse ela na manhã seguinte. Talvez não fosse o melhor momento, mas ele iria viajar por duas semanas em questão de horas, indo para as Bahamas para ver Dena e Tom Wilson, depois para Nápoles para ver um projeto lá. Voltaria via Irlanda porque tinha ideia de comprar alguns chalés perto de Cork para uma aldeia de aposentados. Ele não a ignorou. — Falar? Sobre o quê? — Ele ainda teclava no seu palmtop, mas, quando Sadie não disse nada, olhou para ela. Sadie tomou fôlego. — Filhos. O rosto dele endureceu. Não disse nada por um longo momento, como esperando que ela continuasse. Como ela não o fez, ele disse quase casualmente: — O que há com eles? — E, para sublinhar sua falta de interesse, voltou a mexer no palmtop. Lembrando-se de Leonie, Sadie esticou-se e o arrancou de suas mãos. Ele olhou para ela, atônito com seu comportamento. — Eu disse que quero conversar — ela repetiu. O maxilar dele enrijeceu. — Então fale. — Você não pode, no meio de um casamento, fazer um pronunciamento de que não quer filhos. — Posso — disse ele. — E fiz. E não comece com essa história de que eu deveria ter dito isso antes. Você sabe que foi impossível. — Bem, não é impossível repensar o assunto. Mudar de ideia. — Não quero mudar de ideia. — Edward não pôde fazê-lo mudar de ideia? Ele franziu o cenho. — O que Edward tem a ver com isso? — Você o ama. Brinca com ele, come peras por ele, adormece ao lado dele! — E daí? — Daí, por que você quer privar filhos de um pai como esse? Nós seríamos bons pais, Spence! — Você seria. — Você também! Eu sei disso. Ele não respondeu, somente sentou-se ali, a tensão fazendo um músculo palpitar no maxilar. Olharam um para o outro, os olhares duelando, lutando corpo a corpo em silêncio. Finalmente Spence fechou o palmtop sem mesmo olhar para ele, colocou-o no bolso e levantou-se. — Eu a amo, Sadie — disse ele num tom firme. — E acho que você me ama... — Eu amo você, maldito seja! — Então tente entender que não vou mudar de ideia. Meus pais... — Oh, pare de esconder-se atrás de seus pais! Todo o corpo dele saltou: — O que disse? — Você me ouviu! Você os usa cada vez que não se deixa fazer alguma coisa. Sim, 104
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deixaram muito a desejar. Foram um casal de gente infeliz, triste, miserável. E se você se entregar à influência deles, eles terão vencido. — Eles nunca venceram nada! — Se você acredita no que eles lhe disseram, então eles ganharam sua mente — arguiu Sadie, sabendo que estava falando demais, cortando muito fundo, mas incapaz de parar. — Eles dominaram sua mente. Eles dominaram você! — Dominaram uma ova! — Ele agora estava furioso. Seu rosto escarlate, as veias do pescoço saltadas. — Eles nunca pensaram que eu pudesse realizar alguma coisa. Sempre acreditaram que eu era exatamente como eles! — E você também acreditou. Eu o amo, Spence. E acredito que você me ama. O triste é que não acredito que você ame a si mesmo. Depois dessas palavras, não havia som no quarto, na casa, nem em todo o estado de Montana. O mundo parou. Sadie sabia que pronunciara a verdade imperdoável. O rosto de Spence se fechou. Ela não soube quanto tempo ficaram ali — o silêncio entre eles — até que finalmente Spence disse: — Estarei fora por duas semanas. Se você mudar de ideia, eu a verei quando voltar. Se não, sugiro que você vá embora e peça o divórcio. — Ele lhe disse para pedir o divórcio? — Martha ficou apoplética. Estavam no escritório de Sadie. Martha caminhou, sentou-se, levantou-se, bateu portas. — Que tipo de idiota ele pensa que é? — Um idiota teimoso. — Sadie sentia-se morta por dentro. Estava viva, mas movia-se por inércia desde que Spence se fora na tarde anterior. — Talvez ele caia em si, mude de ideia — disse Martha quando finalmente se acalmou. Sadie balançou a cabeça. — Ele não mudará de ideia. Martha a olhou de perto. — E você? — Eu o quê? Mudar de ideia? Não posso. — Sadie pensara nisso a noite inteira. — Você deixou Theo em Nova York e voltou para Montana quando ele disse que se casaria com você, mas era pela razão errada. Se eu ficar com Spence agora, será pela razão errada. Seria porque eu não acreditei nele. E eu acredito. — Então o que você vai fazer? Divorciar-se? — Martha ficou pálida quando disse isso. — Talvez. Veremos. Mas não vou viver assim. Foram as duas semanas mais longas de sua vida. Spence, que ordinariamente vivia na faixa das viagens rápidas, conhecendo novos rostos e novos lugares, estava desesperado por voltar para casa, para sua esposa. Não que ele dissesse nada. Só falou uma vez com ela — das Bahamas. Foi uma conversa afetada, polida, distante. Mas ele não pôde desligar sem perguntar: — Então, você vai me abandonar? — Ficou contente que sua voz não traiu o medo 105
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que tinha. — Eu não sei ainda — dissera ela. Ele enviara mensagens de texto e e-mails depois disso, como o fizera durante a primeira semana depois que soube do casamento deles, porque não queria discutir. Tentou não pensar naquilo. Ela não falara sério, estava apenas zangada. Ele tinha certeza que ela sentia tanta saudade quanto ele. Mal podia esperar para voltar para casa. Até mesmo conseguiu pegar um voo mais cedo de Newark, via Minneapolis, para Butte. Então, quando ainda eram três da tarde, ele foi direto para o escritório para surpreendê-la. Ela não estava lá. Grace Tredinnick estava no computador, ajustando seus óculos. Spence parou no umbral da porta. — O que você está fazendo aqui? — Bem, olá para você também, filho — disse Grace. — Não o esperava até amanhã. — Peguei um voo mais cedo. Onde está Sadie? — Ele olhou em volta, mas não a viu. — Sadie foi embora. — Para casa? Grace balançou a cabeça. — Foi embora. Por isso estou aqui. Spence sentiu que o sangue fugia de sua cabeça. Ido embora? Sadie? Seu estômago se contorceu. — Onde? — Sua voz parecia a de um velho. — Onde ela está? — Texas. Austin, Texas. Conseguiu um emprego lá. Texas? Quem demônios ela conhecia no Texas? Quem se importava com quem ela conhecia? Por que ela foi embora? Ela o amava! Não devia deixá-lo! — Ela deixou uma carta e algumas coisas em sua mesa — disse Grace. Mal conseguiu dizer essas palavras e ele já tinha corrido para seu escritório. Havia um envelope na mesa e, ao lado, uma pequena caixa. Spence bateu a porta, desmoronou-se em sua poltrona e pegou o envelope. Ela escrevera o nome dele com sua caligrafia elegante e inimitável. Ele reconheceria a letra dela em qualquer lugar. Lentamente abriu o envelope e tirou uma única folha de papel. Mais letras elegantes. Ele sentiu uma forte dor amontoando-se em sua garganta. A carta dizia exatamente o que ele não queria ler — que ela seguira suas palavras e havia ido embora. Aceitara uma oferta de trabalho de Mateus Gonçalves — abrindo um escritório para ele no Texas. Era muito simples. Ela não lhe reprovava nada. Somente dizia que estava fazendo o que ele sugerira. Ele abriu a caixa. Dentro dela havia três anéis — os dois que ele lhe dera no avião, o jade e o ouro celta que eram a cara dela, e aquele que ele pensava que havia 106
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perdido, o pesado anel talhado à mão de seu bisavô. Spence os segurou na mão, passou o polegar sobre eles, sentiu o jade suave, a intrincada filigrana, o calor suave do quartzo rosa. Ele brincou com os anéis. Sua garganta doía, os olhos ardiam. Seu rosto já estava úmido quando a unha do polegar tocou a borda quebrada do coração. Tudo ficaria mais fácil. Sadie sabia que sim. Seu novo trabalho era interessante. Era fácil trabalhar com Mateus. Ele dividia seu tempo entre São Paulo, Rio e Austin. Assim como quando trabalhava com Spence, ela frequentemente fazia coisas por conta própria. Ele nunca se preocupou com o que ela fazia. Era mais descansado que Spence. Trabalhava duro, mas parava para tomar fôlego de vez em quando. Também acreditava naquele maravilhoso costume latino, a siesta. Apesar de Sadie trabalhar mais horas, em teoria, na verdade ela só passava mais tempo fora de casa. No meio do dia ela podia sair para conhecer Austin, acostumar-se com a cidade, encontrar novas coisas para fazer e lugares para visitar. Também significava que tinha menos tempo para sentir pena de si mesma. Sabia que fizera a coisa certa ao ir embora. Ela realmente amava Spence o suficiente para saber que não poderia viver com ele se isso significasse concordar com a definição dos pais dele de quem ele era. Havia tanta coisa mais dentro dele. Tanto amor que ele lhe dera, que poderia dar aos filhos deles, se somente ele aprendesse a guardar um pouco para si mesmo. Ele acreditava em si mesmo no trabalho. Como não podia fazer a mesma coisa em casa? Com ela? Ele podia. Sadie sabia que sim. Entretanto, ficou cada vez mais difícil quando os dias se transformaram em semanas, e as semanas em um mês, e depois dois — e Spence nunca apareceu. Sadie estivera certa de que ele iria. Ele leria a carta e compreenderia. Iria atrás dela e a levaria para casa. Ela não fizera nenhum segredo de onde estava. Ela ficou em contato com Martha. Falava com Grace pelo telefone. Uma vez até mesmo falou com Spence, quando ele atendeu ao telefone no escritório de Grace. — Sadie? — Ele quase engasgou com o nome dela quando ela perguntou por Grace. Ela já engasgara quando reconheceu o grunhido dele — Tyack Enterprises — segundos antes. — Olá, Spence — disse friamente. — Como vai? — Eu... Estou bem. Estou indo. — Seu ritmo aumentou. — Indo para a Irlanda outra vez. O projeto lá está tomando forma. Vai ser... — Ele parou. — Não importa, estou certo que você não está interessada. Deve ter bastante coisas interessantes ocorrendo por aí também. — Algumas coisas — ela disse. — Muita excitação. Fomos ao Rio no mês passado. Mateus me mantém ocupada. — Estou certo disso. Bem, aqui está Grace — ele disse abruptamente, e passou o telefone para ela. Foi a única vez que falou com ele. Mas perturbou os sonhos dela pelo resto da 107
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semana. Sadie estava se recuperando quando Mateus entrou no escritório uma manhã e disse: — Pode me dar os parabéns. Fiquei noivo. Como ele ficara enamorado de uma jovem carioca chamada Cristina quando ele e Sadie estiveram no Rio, não foi uma grande surpresa. — Isso é maravilhoso — disse Sadie. — Estou tão alegre por você. É claro que estava. Mas isso a fez chegar em casa e chorar pelo amor que perdera. Ainda não havia pedido o divórcio, mas esperava que Spence mandasse os papéis qualquer dia desses. — Ele falou alguma coisa do divórcio? — ela perguntou a Martha na próxima vez que se falaram. — Você acha que ele me diria? — respondeu Martha. — Ele não fala com nenhum de nós. Passa a maior parte do tempo fora. Trabalhando? — perguntou-se Sadie. Ou construindo uma nova vida? Sadie levou a roupa para lavar na lavanderia do edifício. Sentia-se bem colocando as peças de roupa na máquina de lavar, juntando o sabão e o alvejante. Pensou que precisava de alvejante para o cérebro, para livrar-se de Spence. Uma sombra projetou-se sobre ela enquanto enchia a máquina. — Desculpe — disse ela sem olhar para trás. — Peguei a última máquina. Você poderá usá-la depois que eu acabar. — Não quero a máquina de lavar. Quero você. Ao som daquela voz rouca, querida, familiar, ela girou, deixando cair a roupa suja por todos os lados. — Spence! Ela quis correr para ele, agarrá-lo, pendurar-se nele e não soltá-lo mais. Mas ele não fez nenhum movimento na direção dela. Permaneceu no umbral. Sua garganta se mexeu, molhou os lábios e deixou escapar uma respiração trêmula. — Se você me quiser... E aos meus filhos — disse ele. Não sorriu, mas havia uma luz — um fogo — nos olhos dele quando encontraram os dela. — Oh, Spence! — Ela voou para ele, quase derrubando-o. E sentiu a alegria dos braços dele envolvendo-a, amassando-a contra ele, agarrando-a como se ela fosse a única coisa que o impedia de afogar-se. — Oh, Deus, como senti sua falta, Sadie! — Ele disse as palavras contra os lábios dela, cobrindo-a de beijos, e enterrou seu rosto na curva do pescoço dela. Isso estava bem para Sadie. Ela esperara muito por esse momento, sonhara com ele muitas vezes. E temera por um longo tempo que ele nunca chegasse. — Com licença! — soou uma voz atrás de Spence. Uma mulher negra e alta, com um lindo cabelo enfeitado com contas, olhava divertida para eles. — Preciso usar a secadora, por favor. Eles se afastaram, mas Spence segurou a mão de Sadie. — Venha — disse ela. — Vamos lá para cima. Normalmente ela ficava lendo um livro enquanto lavava a roupa. Não hoje. Ela puxou Spence pelas escadas. O apartamento era tedioso, indefinido, solitário. Não hoje. 108
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— Por quê? — perguntou ela quando se abraçaram dentro do apartamento. — Depois de todos esses meses, por que agora? O que aconteceu? — Mateus ficou noivo. — O quê? — O queixo de Sadie caiu. Não podia acreditar no que ouvia. — Mateus? O que Mateus tem que ver com isso? — Eu... Eu pensei que... Você e ele... — Spence balançou a cabeça. — Você me deixou. Foi trabalhar com ele. Ele... É um bom partido. Provavelmente não se importaria em ter 12 filhos. — Spence encolheu os ombros. — Eu não poderia ficar no caminho de vocês. Sadie ficou muda. Mateus? Ela e Mateus? Se não doesse tanto, seria engraçado. — Não. ela disse afinal. — Nós nunca... — Eu não sabia. Não fui justo com você, Sadie, eu sei disso. E você estava certa, você daria uma boa mãe. — Se não pudéssemos ter filhos, Spence, eu poderia viver sem eles. — Se não pudéssemos, poderíamos adotar alguns — disse ele. — Você mudou de ideia. — Não era uma pergunta. Ela não precisava perguntar. Podia ver a resposta — a transformação — nos olhos dele. Na forma como olhava para ela, na forma como ele sorria. Ele a soltou e levantou uma mão para que ela a visse. Perto do ouro rosa da aliança que ele ainda usava — que ela dera para ele — estava o anel de quartzo que ela devolvera. — Meu avô me fez mudar de ideia — disse ele. — E Richard Carstairs. Sadie observou o anel. — Não está mais quebrado. — Eu o consertei. Consegui uma nova pedra. Está inteiro agora. Como eu. — O anel trouxe uma série de memórias. Meu avô foi a parte boa da minha infância. Quando comecei a usar o anel, comecei a lembrar dele. Ele me dizia para não escutar meus pais. Costumava dizer que eles tentavam ferir-me porque tinham feridas interiores. Que eram tristes e que ele queria poder fazer alguma coisa para mudá-los, mas que não podia. — Eles precisavam fazê-lo por si mesmos — disse ela. — Está dentro de você, ele costumava me dizer. Você pode ser quem quiser. Sempre pensei que ele falava sobre negócios, nunca pensei que se referia a tudo, à minha vida, às pessoas que amo. Agora entendo que era sobre nós também. Ele levantou a mão dela até seus lábios e a beijou levemente. — Recebi um telefonema de Richard algumas semanas atrás. Ele e Leonie vão ter um bebê. Sadie não sabia se ria ou chorava. — Isso é maravilhoso. — É, sim. E ele agradeceu. Disse que você os despertou, os fez falarem um com o outro, fez com que ele pensasse em decisões que tomara sem mesmo consultar sua esposa. Fez com que ele entendesse que as tomara porque tivera medo. Bem parecido comigo — contou Spence. 109
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— Eu não queria ser como meus pais. Principalmente eu não queria deixar de ser o homem que eu queria ser, aquele que você acreditou que eu poderia ser. Estava aterrorizado. Ainda estou. — Ele sorriu tremulamente. — Mas supus que o vovô poderia estar certo: se eu trabalhasse nisso e assumisse os riscos, poderia ser o homem que quero ser — seu esposo, o pai de nossos filhos, o homem que você ama e que vai amá-la, pelo resto de nossas vidas. — Eu o amo tanto — sussurrou ela. — Pensei que o tivesse perdido, que você nunca viria. — Vim tão logo pensei que tivesse uma chance. Tenho? — Os olhos dele procuraram os dela. — Oh, sim — respondeu Sadie. — Oh, meu amor, sim! Foi o melhor Natal que Spence jamais tivera. A neve caía, a temperatura bem abaixo de zero. Estavam longe da lua de mel em Fiji, e também de Austin. Mas era o melhor lugar do mundo para estar naquela manhã, deitado no sofá com Sadie nos braços, olhando a árvore de Natal — a primeira que compartilhavam — que decoraram com ornamentos que simbolizavam lugares onde tinham ido, pessoas que haviam conhecido. Sadie fizera uma pequena casa de papel machê que parecia a mansão de Spence em Copper King. Ele havia talhado uma pequena canoa. Eles tinham ido à Irlanda e de lá trouxeram um trevo; foram à Cornualha e de lá trouxeram uma bandeira. Mateus lhes mandou um mapa em miniatura do Texas e, é claro, um do Brasil. Tinham um modelo em gesso das mãozinhas de Edward, e uma Estátua da Liberdade para lembrar-lhes da experiência no cartório de Nova York, e meia dúzia mais de enfeites, incluindo uma cópia detalhada da bure na árvore de Nanumi que a sra. Isogawa fizera para eles. — É linda, não é? — disse Sadie, inclinando-se para beijar o queixo de Spence. — Perfeita — concordou Spence. — Não podia ser melhor. — Para ele, a vida não poderia ser melhor. — Não, não tão perfeita — disse Sadie. — Aquela que a Grace fez está fora de lugar. — Qual? — Aquela, atrás da bure. Não sei como chegou ali. Você pode aproximá-la um pouco? Aí, sim, a árvore ficará perfeita. — Está bem assim, não se preocupe com ninharias. — Ele a beijou. — Mas ficaria melhor... — Ela olhou para ele e sorriu. Suspirando, ele se levantou do sofá e cruzou o tapete até a árvore. — Qual enfeite a Grace fez? — Atrás da bure. Dá para ver? Ele tirou da árvore um enfeite tricotado por Grace. — Este? — Mas quando olhou de perto, viu que não era um enfeite. — Por que Grace tricota sapatinhos como enfeites de Natal? — Ela não faz isso — disse Sadie, sorrindo. — Ela os tricota para bebês. 110
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Spence olhou para ela, engoliu em seco, atordoado, sem acreditar, mas... — Ela está — quero dizer, você está... Certa? Sadie assentiu, ainda sorrindo. Ele se sentiu estranhamente sem ar. — Você está... Bem? — Ele parecia preocupado, nervoso. — Eu estou bem. E você? — Ela ainda sorria, mas havia um sinal de apreensão em sua voz. Estaria? Spence pensou nisso. Pensou na carga, no estresse, na responsabilidade, no potencial de desastre, nas noites sem dormir e em todas as ocasiões que seu filho iria chorar e ele não entenderia. Então pensou em compartilhar um filho com Sadie — sobre a honra e a alegria de permitirem que fizesse parte da vida de outra pessoa — e um lento sorriso de encantamento espalhou-se pelo rosto dele. Atravessou a sala, abraçou a esposa e a beijou. — Graças a você, Sadie, meu amor, nunca estive melhor em toda a minha vida.
Fim
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