RUMOS ANO 1 • JUNHO DE 2021 • DISTRIBUIÇÃO GRATUiTA
Chernobyl, 35 anos depois Islândia • Líbano • França • Itália • Portugal • Auschwitz-Birkenau • Paranapiacaba • Albânia • Canadá • Rússia • Mongólia
Editorial
E Robert Louis Stevenson: além de escrever grandes obras de ficção, como A Ilha do Tesouro e O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Sr. Hyde, foi também um grande viajante.
O grande escritor escocês Robert Louis Stevenson escreveu, em seu diário de viagem pelas montanhas francesas de Cévennes: “Não viajo para ir a algum lugar, mas para ir. Viajo por viajar. A grande aventura é mover-se.” Estar em movimento ou em transição foi um dos estados humanos interrompidos pela pandemia da covid-19, e você provavelmente sente falta de estar em aviões ou barcos em direção a algo desconhecido. Por isso, a primeira edição da revista RUMOS não é dedicada a tudo que perdemos, mas a tudo que permanece conosco: nossa curiosidade, nosso interesse pelo estranho e ainda incompreendido, e nossa capacidade de sermos transportados pela palavra e pela imagem. O roteiro dessa edição inclui, além da parada principal na cidade de Pripyat, palco do acidente nuclear de Chernobyl, uma visita aos bunkers albaneses que se tornaram vitrines de arte contemporânea, a estadia em uma estação remota de monitoramento do clima na Islândia e um passeio por Paranapiacaba, uma vila inglesa bem no interior do Brasil. Além disso, você poderá conferir uma entrevista com Thor Heyerdahl, etnógrafo norueguês que compartilhava, com Stevenson, o interesse pelas ilhas Polinésias. Na seção História, você descobrirá como as cédulas de dinheiro ajudam a contar a história de um país. O nosso infográfico traz alguns dos destinos turísticos mais gelados do mundo, que podem entrar no seu roteiro futuro, pós-pandemia. E, por fim, os artigos trazem viagens pelos olhos dos nossos colunistas, atravessando campos de refugiados no Líbano, as cidadezinhas subestimadas de França, Itália e Portugal e uma visita ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Todos a bordo! Conselho editorial
RUMOS
design gráfico
impressão
volume um
Caio Provasi Denis Forigo Márcio Crevellari Rafael Nistarda Victoria Pianca
Gráfica RGPrint
Essa revista foi criada como projeto final da disciplina de Projeto Editorial Impresso II, na Especialização em Design Gráfico da Unicamp.
foto da capa
Foto por Mick de Paola, tirada em Pripyat, Kyiv Oblast, Ucrânia, disponibilizada via Unsplash.
conselho editorial
Caio Provasi Denis Forigo Márcio Crevellari Rafael Nistarda Victoria Pianca supervisão
Fabiana Grassano Flávia Fábio
foto em destaque
Foto de Robert Louis Stevenson tirada por Henry Walter Barnett, em domínio público e disponibilizada pela Biblioteca de New South Wales.
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VIAGEM
Bunkers Albaneses
Sumário MUNDO
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ENTREVISTA
Atualidades
FOTOGRAFIAS
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RUMOS
Estação remota de monitoramento do clima na Islândia
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O antropólogo Thor Heyerdahl, a última viagem
ARTIGOS
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Vidas que se cruzam Pandemia, sede de mundo, Azenhas do Mar: reflexões de viagem Auschwitz-Birkenau
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CAPA
Chernobyl, 35 anos depois
HISTÓRIA
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As histórias que as cédulas contam
ROTEIRO NACIONAL Paranapiacaba
INFOGRÁFICO
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Os 4 destinos mais gelados do mundo
HUMOR
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MUNDO
AT U A L I D A D E S
Vinte e duas múmias são protagonistas de mega desfile no Cairo TEXTO Redação
Folha de São Paulo
E Egito faz desfile público para transferir múmias a novo museu.
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s múmias de 22 reis e rainhas do Egito antigo foram as protagonistas de um desfile no primeiro sábado de abril, enquanto eram levadas do Museu do Cairo ao Museu Nacional da Civilização Egípcia, ao sul da capital, que foi inaugurado no domingo. O cortejo foi organizado em ordem cronológica, com cada múmia a bordo de veículos com decorações típicas da época dos faraós, identificados com o nome do soberano. O cortejo foi liderado pelo faraó Sekenenré Taá (século 16 A.C.) e encerrado por Ramsés 9º (século
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RUMOS
12 A.C.). Mais conhecido do grande público, Ramsés 2º também fez parte do desfile. A maioria das 22 múmias, descobertas perto de Luxor, no sul do Egito, a partir de 1881, não sai do museu no centro do Cairo, localizado na praça Tahrir, desde o início do século 20. Desde então, elas estiveram expostas em uma sala sem muitos recursos. A partir de 18 de abril, as múmias poderão ser vistas no novo museu em urnas mais modernas, “com controle de temperatura e umidade mais aperfeiçoado que o do antigo museu”, afirma Salima
Ikram, professora de egiptologia da Universidade Americana do Cairo e especialista em mumificação. Passados anos de instabilidade política após a revolta popular em 2011, que afetou gravemente o turismo no país, o Egito procura uma maneira de recuperar os estrangeiros. O Museu Nacional da Civilização Egípcia e o Grande Museu Egípcio, que serão inaugurados nos próximos meses, fazem parte dessa estratégia. P
foto por kyodo news
Navios estão proibidos de atracar no centro histórico de Veneza
O
Primeiro Ministro da Itália, Mario Draghi, em conjunto com os ministros da Infraestrutura, da Cultura, do Turismo e do Meio Ambiente tomaram uma decisão há muito reivindicada pelos moradores de Veneza: proibir a circulação e parada de navios de cruzeiro no canal de Giudecca, área central e histórica da cidade. A medida passou a valer em 31 de março e busca preservar o patrimônio cultural e ambiental da cidade. Temporariamente, as embarcações deverão atracar no porto industrial de Marghera, a oeste de Veneza, e não dividirão mais espaço com gôndolas e outras embarcações menores no cen-
TEXTO Bruno
tro histórico. O embargo, no entanto, não é definitivo e tem validade até 31 de maio. Nesse meio tempo, autoridades portuárias farão uma consulta pública para encontrar portos alternativos para o desembarque de turistas e mercadorias. A presença de embarcações na parte central da cidade já vinha sendo alvo de protestos em razão da poluição e danos causados ao solo. Além de trazerem hordas de turistas, o fato dos cruzeiros transitarem e ancorarem na parte histórica de Veneza também ocasionava erosões, o que pode resultar em inundações ainda mais drásticas que as que acontecem durante a Acqua Alta, época em que a maré invade a cidade, principalmente a Praça São Marcos.
Aguiar
O ministro da Cultura Dario Franceschini afirmou no Twitter que a decisão é justa e segue o que já havia sido solicitado pela UNESCO. A pandemia ocasionou um esvaziamento de Veneza, causando impactos econômicos em uma cidade acostumada a receber mais de 30 milhões de turistas por ano. Por outro lado, a ausência de pessoas possibilitou que seus canais ficassem cristalinos pela total ausência de embarcações, que antes dominavam os cursos d’água. P
E Porto de Veneza, Itália.
foto por edihoch
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MUNDO
AT U A L I D A D E S
Roma: reforma no Coliseu colocará visitante no centro da arena TEXTO Bruno
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Chaise
F Coliseu, em Roma.
oi dada a largada para um ambicioso projeto de restauro do Coliseu que colocará os visitantes na mesma posição dos gladiadores quando enfrentavam os leões: no centro da arena. O projeto, apresentado em 2 de maio, inclui a construção de um piso retrátil de madeira que cobrirá a arena por completo. Um sistema de engrenagens fará com que as ripas que compõem o piso possam ser recolhidas a qualquer tempo, permitindo que o ar circule pelas câmaras subterrâneas. O piso do Coliseu começou a ser removido no final do século 18 em razão de escavações feitas por arqueólogos. No momento, boa parte das
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RUMOS
câmaras subterrâneas estão expostas. As obras devem começar ainda em 2021 e a entrega está prometida para 2023 a um custo de 18,5 milhões de euros. O projeto foi, no entanto, contestado por especialistas e arqueólogos que questionaram a necessidade da cobertura. Em entrevista ao New York Times, o historiador de arte Tomaso Montanari afirmou que do ponto de vista da política cultural a obra não servirá para nada. “É a Itália vista como se fosse Las Vegas. A ideia de que o monumento como está não seria o suficiente e deve ser transformado é ridícula. Monumentos não são coisas para serem preenchidas”, afirmou.
Pa ra o m i n i s t ro D a r i o Franceschini, o projeto combina sustentabilidade, conservação, proteção e inovação tecnológica. Antes da pandemia paralisar as viagens internacionais, o Coliseu era o local mais visitado da Itália: foram 7,6 milhões de entradas vendidas em 2019. P
foto por sabrina genovesi
Coronavírus: Google adiciona recomendações de viagens A pandemia do novo coronavírus continua fazendo vítimas no Brasil. Muitos países, no entanto, já estão voltando à normalidade graças às campanhas de vacinação. Para facilitar a vida das pessoas que estão retomando as viagens à lazer ou a trabalho, o Google anunciou um guia de viagens relacionado à Covid-19 em seu sistema de buscas e no Maps. A partir de uma pesquisa por voos, hotéis ou coisas para fazer, a Busca irá mostrar aos usuários informações
necessárias para a viagem, como os requisitos de quarentena, resultados negativos do teste para a Covid-19 ou registros de imunização. Segundo o Google, também será possível pesquisar por avisos ou restrições de viagem para determinados destinos e receber atualizações via e-mail. Outras medidas incluem a priorização de cidades menores e parques nacionais nos mapas e mecanismos para facilitar as viagens de carro, incluindo pontos de descanso e sugestões de hotéis no itinerário.
TEXTO Guilherme
Souza
Desde o início da pandemia, o Google tornou a Busca e o Maps ferramentas de acesso a informações sobre o coronavírus. É possível encontrar, por exemplo, locais de vacinação e gráficos atualizados sobre a pandemia em diversos lugares do mundo. P
Por que a vacina para turistas no Alasca pode ser uma fria Fabricio Brasiliense TEXTO
No começo de maio, o governador do Alasca, Mike Dunleavy, anunciou pelo Twitter que vacinaria turistas que visitarem o destino a partir de 1 de junho. O Alasca depende muito das divisas geradas pelo turismo e o estado sofreu um baque enorme com a pandemia. O principal mercado atingido foi o de cruzeiros, que é o meio ideal para conhecer as paisagens geladas do Estado. Sem a perspectiva de retomada dos itinerários de navio e a fronteira marítima com o Canadá fechada, o Alasca quer incentivar o turismo por via aérea: por isso, o plano é oferecer a vacina no desembarque dos aeroportos de Anchorage, Juneau, Ketchikan e Fairbanks. Sem dúvida é um marketing interessante e pode ser oportuno para quem mora nos Estados Unidos. No entanto, há um entrave: a pessoa precisa dispor de tempo e dinheiro para
ficar fora do país por praticamente um mês para tomar as duas doses. As principais vacinas aplicadas hoje nos Estados Unidos são as da Pfizer e Moderna, enquanto no Brasil dispomos, principalmente, de doses da Coronavac e da vacina de Oxford/AstraZeneca. Não é recomendado tomar doses de laboratórios diferentes, pois não há estudos sobre a eficácia dessa conduta. O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, anunciou em 6 de maio sua intenção de convidar turistas a se vacinarem na cidade. Por lá, a intenção é oferecer a vacina da Janssen, de dose única, em pontos turísticos como o Central Park, a Times Square e a ponte do Brooklyn. A ideia está aguardando aprovação do governo do estado. P
E Passeio de Caiaque pelo Glacier Valdez.
foto por piriya wongkongkathep
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E N T R E V I S TA
THOR HEYERDAHL
O ANTROPÓLOGO
THOR HEYERDAHL A ÚLTIMA VIAGEM TEXTO
Pablo Villarrubia Mauso
Q Pouco antes de sua morte em abril de 2002, o antropólogo Thor Heyerdahl, acima, falou da sua aventura a bordo da jangada Kon-Tiki e das impressões de sua viagem ao Brasil, em 1954.
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RUMOS
uando zarpou do Peru a bordo de uma frágil balsa feita de juncos até a proximidade do Taiti, em 1947, Thor Heyerdahl queria provar ao mundo sua polêmica tese de que as ilhas da Polinésia foram colonizadas por peruanos — e não por asiáticos, como diziam os historiadores. Mesmo que não tenha convencido os cientistas, a aventura de 101 dias no mar, a bordo da frágil balsa Kon-Tiki (nome de um deus da Polinésia), ganhou fama mundial ao virar best-seller e se transformar num documentário premiado com o Oscar. E mais: a viagem conseguiu mostrar para os incrédulos arqueólogos que o oceano não era um limite intransponível para as frágeis embarcações dos povos pré-históricos — ou provou, pelo menos, que isso não seria impossível se um deles tivesse o espírito audacioso de Thor Heyerdahl. No dia 16 de abril de 2002, ao morrer de câncer no cérebro, o norueguês grandalhão de 87 anos que encantou o mundo com suas aventuras fez sua última viagem. Poucos meses antes, quando concedeu essa
entrevista, ele continuava defendendo ideias polêmicas. Em um dos seus projetos recentes, Thor viajava em busca de evidências arqueológicas que comprovassem a sua tese de que os vikings se originaram do Mar Cáspio, na Rússia, e só depois migraram para os países nórdicos. Apesar da voz cansada, já abatida pela doença, seus olhos azuis ainda brilhavam quando conversava sobre esses temas na casa em que vivia na ilha espanhola de Tenerife, no que viria a ser um de seus últimos depoimentos. Revista RUMOS – Por que o senhor decidiu construir a balsa Kon-Tiki, em 1947? Thor Heyerdahl – Queria mostrar aos cientistas que o homem sempre buscou expandir seus horizontes. Com a KonTiki, quebrei o dogma de que as barcas de junco não poderiam aguentar uma travessia da costa do Peru até a costa do Taiti. RUMOS – Por que o senhor foi tão criticado por alguns cientistas? TH – Alguns acreditavam que a expedição de 101 dias da Kon-Tiki fora uma montagem
imagens cedidas por the kon-tiki museum
semelhanças entre as estátuas encontradas nas ilhas do Pacífico e algumas feitas pelas antigas civilizações da América do Sul e da América Central, sugerindo um intercâmbio cultural maior do que os arqueólogos imaginam até hoje. RUMOS – Mas só existem essas provas? TH – Não, apenas lhe dei um exemplo. Posso lhe dar outros: os polinésios usavam um complicado sistema de cordas com nós que servia de código para guardar informações, iguais aos usados pelos incas do Peru. Na Polinésia, foi encontrado um tipo de pedra, o lápis-lazúli, que só existe no Chile, e uma espécie de concha que é típica do Panamá e do Equador. A partir desse e de outros dados, especialmente botânicos, concluí que os primeiros homens que povoaram as ilhas dos mares do Sul chegaram lá por volta do século V antes de Cristo, procedentes do Sudoeste asiático. Uma onda migratória expressiva chegaria mais tarde, por volta de 1100 d.C., procedente da América do Sul.
E Jangada Kon-Tiki.
publicitária, pois uma balsa com aquelas características não poderia durar mais de duas horas sem afundar. Quando eles viram o documentário, apesar de mal feito e danificado pelas condições climáticas, ficaram calados. Ainda hoje tenho muitos inimigos. Eles já não duvidam das minhas expedições, mas contestam a capacidade de alguns povos do passado de navegar longas extensões marítimas.
RUMOS – Quais são os principais pontos de contestação das suas ideias? TH – Eles não admitem, por exemplo, que o deus Kon-Tiki da Polinésia seja o mesmo Viracocha, o deus barbado e de pele branca que era venerado no lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia. Na verdade, ele surgiu nos Andes e foi levado pelos navegantes pré-incas até a Polinésia, a milhares de quilômetros de distância. Além disso, existem inúmeras
RUMOS – Entre 1937 e 1938, o senhor viajou até a ilha Fatu Hiva, no arquipélago das Marquesas, junto com a sua primeira esposa, para viver como Adão e Eva… TH – O capitão do barco nos deixou naquela ilha e só voltou um ano depois para nos buscar. Fomos morar no meio do mato. Comíamos tudo o que a terra dava, desde cocos até raízes, além de peixes. Quisemos experimentar como viviam os nativos no
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seu estado mais natural. Foi, na verdade, um exercício filosófico que valeu a pena. Revista RUMOS – E que respostas encontrou nessa viagem? TH – Primeiro, que o homem ocidental não pode voltar ao seu estado natural. E, em segundo lugar, que o vento e as correntes marítimas eram a chave do mistério da origem da vida sobre as ilhas da Polinésia. Compreendi que a civilização é necessária para o homem moderno. Porém, o homem primitivo foi mais feliz, apesar das dificuldades de sobrevivência e de um período de vida mais curto. RUMOS – O que os nativos da ilha lhe ensinaram? TH – Tínhamos um mestre espiritual, um ancião chamado Tei Tetua, o último sobrevivente de um grupo de canibais. Ele foi convertido ao Cristianismo mas chegou a provar carne humana quando era jovem. Foi ele quem despertou minha atenção para uma estranha lenda, a do deus Tiki, o filho do Sol de pele branca, narrada pelos seus antepassados. Tiki chegou pelo mar vindo do leste, procedente de uma terra enorme chamada Fiti-Nui. Foi esse dado que me fez pensar que os polinésios receberam a visita de um rei, pertencente a alguma civilização do Peru, trazido pelas correntes marítimas. RUMOS – O senhor já esteve no Brasil? TH – Sim, há muito tempo. Foi em 1954, quando fui convidado a
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E Um barco navegando em Summer Island, nas Maldivas.
participar do 30º Congresso de Americanistas que se realizou em São Paulo. Estava então acompanhado da minha esposa Yvonne. Tinha curiosidade de conhecer os índios amazônicos. Por isso, fui de monomotor até Santa Isabel, nas margens do rio Araguaia. O avião fez um pouso forçado durante a viagem. Tivemos que voltar remando em uma canoa junto com o piloto e dois índios carajás.
RUMOS – O que mais lhe impressionou durante a viagem? TH – Durante vários dias, vimos somente a selva verde, a água marrom, muitos pássaros multicoloridos e macacos escandalosos. Achei impressionante quando milhares de olhos brilhantes nos espreitavam à noite: eram jacarés. Foi fantástico. Filtrávamos a água barrenta com os lenços, comíamos raízes e ovos de tartarugas.
foto por ishan
RUMOS – O senhor é considerado um grande ecologista, uma faceta menos conhecida dos seus leitores… TH – Acho que fui um dos primeiros ecologistas da história, do ponto de vista atual, pois os indígenas sempre foram os que entenderam melhor as relações entre o homem e a natureza e o respeito que se deve ter por ela. Militei durante muitos anos junto ao World Wildlife Fund (Fundo Mundial Para a Vida Selvagem) e à Cruz Verde
Internacional, ambos dedicados à preservação do meio ambiente. RUMOS – Quais são seus mais recentes projetos e pesquisas? TH – Estou muito interessado na busca da origem dos vikings. Tenho financiado expedições até o Mar Cáspio, na Rússia. Ali viveram os azarís, um povo que migrou até latitudes nórdicas e se tornou viking. Nas rochas encontrei muitas inscrições com embarcações semelhantes aos drakares vikings. P
PARA SABER MAIS Thor Heyerdahl lançou um livro sobre a expedição Kon-Tiki, disponível em português. TÍTULO A expedição Kon-Tiki EDITORA José Olympio PÁGINAS 280 PREÇO R$35,00
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VIAGEM ALBÂNIA
Outrora segredos de estado, bunkers albaneses agora são museus Arte e ideias criativas transportam Tirana, a movimentada capital da Albânia, para longe de seu passado comunista. TEXTO E FOTOS
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Jennifer Barger
RUMOS
No centro de Tirana, na Albânia, uma entrada em forma de cúpula leva ao Bunk’Art 2, um museu de arte e história no interior de um abrigo nuclear subterrâneo da era comunista. F
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VIAGEM ALBÂNIA
E O Museu Nacional da Albânia fica na Praça Skanderberg, no centro de Tirana, local de protestos no início da década de 1990 que levaram à queda do comunismo no país.
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o centro de Tirana, na Albânia, uma entrada em forma de cúpula leva ao Bunk’Art 2, um museu de arte e história no interior de um abrigo nuclear subterrâneo da era comunista. Em muitos países do antigo Bloco Oriental, bolas de demolição derrubaram enormes edifícios comunistas e estruturas militaristas da Guerra Fria após a queda do Muro de Berlim. Em Tirana, a capital cercada por montanhas da Albânia, governo e artistas locais escolheram formas mais vibrantes e incomuns para sair dos anos de ditadura e depressão econômica. Mansões cinzentas e em ruínas da era otomana foram pintadas em tons de laranja e amarelo impermeável; prédios cinzentos stalinistas tornaram-se grandes telas para obras cubistas abstratas em tons brilhantes ou faixas de arco-íris. Grande parte do crédito vai para o ex-
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RUMOS
prefeito Edi Rama, pintor que se tornou político (atualmente primeiro-ministro da Albânia) e iniciou, no ano 2000, um movimento de embelezamento em toda a cidade. O resultado foi artistas enfeitando fachadas de edifícios e funcionários da cidade plantando 55 mil árvores e arbustos em espaços públicos. “Quando as cores começaram a surgir em toda parte, um clima de mudança começou a transformar o ânimo das pessoas”, declarou Rama em seu TED Talk. “Isso reavivou a esperança que estava perdida em minha cidade.” Moradores e turistas agora utilizam os edifícios pintados de arco-íris como pano de fundo para selfies, e o governo afirma que a pintura ajudou a diminuir a criminalidade e aumentar o orgulho local. A arte pública e a pintura não são as únicas forças que movem essa pequena capital dos Bálcãs para além da opressão da era comunista. Por toda Tirana, museus de história ocupam antigos bunkers
militares e galerias se espalham por bairros antes reservados para oficiais do partido. Até uma ou duas décadas atrás, o souvenir mais comum que alguém poderia levar para casa de Tirana provavelmente seria um cinzeiro de alabastro em forma de bunker, não uma selfie tirada na frente de um edifício colorido. Os bibelôs com cúpula prestam uma amarga homenagem aos mais de 173 mil bunkers (bunkerët) que outrora se espalhavam pela Albânia e por sua capital, lembretes sombrios do reinado do ditador Enver Hoxha, entre 1941 e 1985. Brutal com seus cidadãos e notoriamente paranoico, Hoxha acreditava que os países vizinhos Grécia e Iugoslávia, bem como exaliados soviéticos, queriam invadir a Albânia. Por isso, da década de 1960 até o início da década de 1980, ele construiu milhares de fortalezas de concreto por todo o país, com tamanhos que variavam de iglus para duas pessoas a tocas subterrâneas de vários cômodos (para ter uma ideia de como o programa era difundido,
Quando as cores começaram a surgir em toda parte, um clima de mudança começou a transformar o ânimo das pessoas.
20, incluindo a ocupação fascista italiana entre 1939 e 1944, bem como a era comunista. “Estava ficando cada vez mais difícil encontrar símbolos do regime de Hoxha. As únicas peças do comunismo eram os milhares de bunkers espalhados por todo o país como cogumelos de concreto”, barracas de comida e vestiários. assista ao recente documentário relata Carlo Bollino, jornalista O Elesio Resort, em Golem, Mushrooms of Concrete, Cogumelos italiano que hoje mora na Albânia transformou seu bunker de Concreto, em tradução livre). e ajudou a fundar o Bunk’Art em A paranoia isolou ainda mais o subterrâneo em um spa; seu teto 2014. “Um museu dentro de um abobadado, que se projeta para país e drenou finanças e energia, abrigo antibombas parecia uma o restaurante do hotel, é forrado tornando-o um dos países mais maneira de mostrar a história.” com prateleiras que oferecem pobres da Europa. No fim, toda Os dois Bunk’Arts — um nos bufês de café da manhã. essa mistura de cimento foi arredores de Tirana e o outro no Os mais elaborados em vão. “Hoxha gastou bilhões centro da cidade — expressam reaproveitamentos dessas de dólares no seu sonho de uma mistura eclética de história estruturas apocalípticas são “bunkerizar” (bunkerizimi) cada e arte. Uma mostra sobre a os Bunk’Art, parte museus de centímetro da Albânia, escravizar ênfase exagerada nos esportes na história, parte galerias de arte que e levar toda uma população à época de Hoxha recria de forma ocupam dois abrigos nucleares beira da fome”, declara Admirina dissimulada um ginásio escolar; subterrâneos construídos para Peçi, jornalista e historiadora uma cesta de basquete contém Hoxha e seus aliados. Entre salas local. “Mas a história provou que um busto o risco real do ditador. de ataques Na entrada era zero.” do Bunk’Art Hoje, 2, no centro embora muitos da cidade, bunkers fotos antigas tenham de albaneses desabado ou assassinados sido destruídos, pelo governo centenas ainda comunista permanecem, se alinham reaproveitados na entrada como celeiros em forma de animais; de cúpula ao pintados para som de uma que pareçam trilha sonora flores nos composta pelas subúrbios da E O Museu Nacional da Albânia fica na Praça Skanderberg, no centro de Tirana, local de lembranças de cidade; ou, para protestos no início da década de 1990 que levaram à queda do comunismo no país. seus parentes. adolescentes, “Os albaneses têm uma forte sem janelas e grossas portas de aço utilizados como esconderijos destinadas a proteger os líderes do relação com o ato de recontar o isolados para namorar. Em alguns passado”, explica Driant Zeneli, partido de uma explosão nuclear, dos resorts da costa adriática videoartista de Tirana com instalações em vídeo, artefatos e da Albânia (cerca de uma hora obras em exibição no Bunk’Art. arte contemporânea mergulham a oeste de Tirana), cúpulas de Como os artistas só puderam se na história albanesa do século cimento se transformaram em
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E Bunkers de concreto abandonados em um penhasco na península de Cap Rodon, no leste da Albânia.
expressar livremente após a queda do comunismo em 1990, Zeneli sente que a comunidade está recuperando o tempo perdido. “Hoje em dia, a Albânia é um lugar de grandes ideias e energia, com artistas que traduzem a transição de uma longa ditadura. É o olhar de uma geração compreendendo seu passado e com vistas para o futuro.” Alguns ativistas e albaneses mais jovens acreditam que é preciso fazer mais para preservar as estruturas militares da Guerra Fria e usá-las para recontar um período da história marcado por campos de trabalho forçado e interrogatórios brutais pela polícia secreta Sigurimi. “Não há nenhuma política de memória, nenhum desejo do
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ministério da cultura da Albânia de lidar com o legado comunista ou pensamento estratégico sobre o que fazer com os bunkers”, declara Ivo Krug, cofundador da Tek Bunkeri, uma ONG com sede em Tirana que trabalha para reaproveitar os bunkers e reavivar as comunidades rurais. O grupo transformou um túnel de cimento próximo de Tirana em um museu temporário de arte e cultura em 2017 e espera ajudar a construir um de história em um enorme abrigo subterrâneo em Vlora, cidade no oeste da Albânia e Patrimônio Mundial da Unesco. Embora alguns críticos afirmem que reaproveitar ou pintar estruturas da Guerra Fria seja uma solução barata para a infraestrutura em ruínas (ou uma
tentativa de camuflar a história sombria da Albânia), essas mudanças criativas trouxeram otimismo e movimento para uma cidade antes considerada monótona e em depressão econômica. Paredes brilhantes em bairros antigos como Pazari i Ri e Ali Demi agora atraem turistas, e murais de rua, proibidos durante os tempos comunistas, floresceram por toda a cidade. “A cor era quase inexistente nos espaços públicos [até a década de 2000], mas dia após dia, folhas gigantes, figuras geométricas, pontos e palavras aparecem nas fachadas dos edifícios”, conta a artista local Ledia Konstandini, que criou uma crônica das mudanças na cidade
E Quartos sem janelas no Bunk’Art 1 exibem máscaras de gás da era comunista e outros artefatos projetados para sobreviver a um ataque nuclear.
E Homem sentado em um parque no centro de Tirana, tendo como pano de fundo a Mesquita Namazgja.
com ilustrações e fotos. “No início, pareciam deslocadas. Mas quanto mais fachadas decoradas apareciam, mais naturais elas ficavam. As pessoas superaram o medo e os limites usando as cores, e isso se tornou parte de nossa identidade urbana.” Perto da Praça Skanderberg, no centro da cidade (uma homenagem ao herói do século 15 que lutou contra os turcos), a Galeria de Artes Nacional une o passado e o presente da Albânia. Obras contemporâneas — esculturas sonoras, fotojornalismo — fazem companhia a uma grande exibição de pinturas e desenhos do “Realismo Socialista”. Artistas de meados do século 20, “guiados” pelo governo opressor, criaram imagens
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E Busto do ex-ditador da Albânia, Enver Hoxha, pendurado em uma cesta de basquete no Bunk’Art 1.
idealizadas de fazendas e camponeses felizes. Belas imagens — aldeões em trajes folclóricos elaborados de Kolë Idromino, operárias com lenços na cabeça de Isuf Sulovari — sugerem uma antiga utopia socialista que não combina com as exposições no Bunk’Art. Algumas quadras ao sul, há outro símbolo em ruínas do passado comunista da Albânia, a Pirâmide de Tirana. Construído em 1988 como uma homenagem a Hoxha, o gigantesco colosso de cimento e vidro foi abandonado nas últimas décadas. Mas uma
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Tirana está ganhando um novo vocabulário para expressar sua vida e seu temperamento. reforma futurística do edifício brutalista teve início em fevereiro. A ideia é transformar o espaço em um centro cultural
e escola de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, com um escorregador do lado de fora. Como a maioria das mudanças nos espaços históricos de Tirana, a reforma em potencial da pirâmide gerou controvérsias. “Muitas pessoas consideram que essas coisas são uma simples maquiagem, como passar batom em um rosto velho”, explica Konstandini. “Como artista, acho que Tirana está ganhando um novo vocabulário para expressar sua vida e seu temperamento.” T
Um túnel nas montanhas próximas de Tirana, na Albânia, leva até o Bunk’Art 1. O museu e espaço cultural localizado em um abrigo nuclear da Guerra Fria explora a brutal história comunista do país.
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A vida segue em Chernobyl, 35 anos após o pior acidente nuclear da história 22
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Jatos de areia podem ser usados para remover partículas radioativas da superfície de metais a fim de descontaminálos e prepará-los para revenda. O salário é bom, mas os riscos são altos, devido à poeira radioativa que paira constantemente pela oficina.
Embora tenha havido evacuações em massa após a catástrofe radioativa, Chernobyl nunca ficou totalmente desabitada. TEXTO E FOTOS
Jennifer Kingsley
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C A PA C H E R N O BY L
H No aniversário do pior desastre em uma usina nuclear da história, pessoas se reúnem no centro da cidade de Chernobyl para o evento que homenageia aqueles que perderam suas vidas.
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odos os anos, em 25 de abril, durante a noite, pessoas se reúnem em torno de um anjo fixado no topo de um pedestal de pedra na cidade de Chernobyl, no norte da Ucrânia. O corpo do anjo é todo feito de aço — principalmente vergalhões, que formam uma silhueta nítida contra o céu — e leva uma longa trombeta aos lábios. Essa escultura representa o terceiro anjo do Livro do
E Ex-moradores da zona de exclusão visitam os túmulos de seus familiares e amigos falecidos em Chernobyl.
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RUMOS
Apocalipse. De acordo com a Bíblia, quando essa trombeta soou, uma grande estrela caiu do céu, as águas tornaram-se amargas e muitos morreram. Essa parábola se tornou um símbolo para o desastre nuclear de Chernobyl, que começou à 1:24 da manhã do dia 26 de abril de 1986, quando uma explosão atingiu o reator número quatro da Usina Nuclear de Chernobyl, a apenas 17 quilômetros da cidade. Embora tenha havido evacuações em massa após o acidente, a área imediata nunca ficou totalmente desabitada, e nem poderia ficar. Uma catástrofe radioativa dessa magnitude é perigosa demais para ser abandonada. Até hoje, mais de sete mil pessoas vivem e trabalham dentro e ao redor da usina, e um número muito menor voltou para as aldeias vizinhas, apesar dos riscos. Na noite do aniversário do desastre, um grupo formado por moradores, trabalhadores e alguns visitantes de fora da cidade se reúne para celebrar um evento tão complexo e com tantos impactos duradouros que ainda é difícil compreender mesmo após 35 anos. As pessoas reunidas seguram velas finas de cera de abelha que pingam nas palmas de suas mãos, ouvem canções e poemas interpretados por alguns dos sobreviventes, e o ar fica carregado
de emoção. Yuriy Tatarchuk, ex-chefe adjunto do Departamento de Informações da Zona de Exclusão de Chernobyl, chama isso de “uma combinação de tristeza e contentamento. É como o Dia da Vitória em qualquer guerra — as pessoas choram e sorriem ao mesmo tempo.” Mesmo aqui, tão perto do epicentro do pior desastre de uma usina nuclear da história, há um senso de comunidade, até mesmo uma sensação de estar em casa. Em 1986, segundos antes de o reator número quatro explodir, a temperatura dentro do núcleo do reator atingiu 4,6 mil graus Celsius (a superfície do sol atinge 5,5 mil). A força da explosão, equivalente a 66 toneladas de TNT, destruiu o telhado do prédio de 20 andares do reator, arrasou completamente tudo que estava dentro do núcleo e ejetou pelo menos 28 toneladas de detritos altamente radioativos nas imediações. Também deu início a um incêndio radioativo que durou quase duas semanas e lançou uma enorme nuvem de gases e aerossóis radioativos na atmosfera, que viajou com o vento para o norte e o oeste. Dezenas de substâncias radioativas caíram na terra, frequentemente carregadas pela chuva. A precipitação radioativa incluiu iodo-131, césio-137 e plutônio-239. Nenhuma dessas substâncias ocorre naturalmente e todas são extremamente perigosas para humanos e outros animais. Cada uma possui seu próprio cronograma de decomposição, chamado de “meia-vida”, que é o tempo que leva para reduzir a radioatividade pela metade. Para o iodo-131, que se acumula rapidamente na glândula tireoide, causando câncer de tireoide, essa meia-vida é de oito dias. Para o césio-137, que permanece no solo e produz raios gama com milhares de vezes mais energia do que os raios do sol, a meia-vida é de cerca de 30 anos. O plutônio-239, extremamente radiotóxico quando inalado, possui uma meia-vida de 24 mil anos. Embora o padrão principal de precipitação radioativa — que é manchado e imprevisível — tenha sido estabelecido logo após o acidente, as partículas radioativas permanecem em movimento até hoje, mudando com o vento e fluindo pela água. Enquanto as partículas radioativas eram levadas para longe, o esforço de limpeza se concentrou na Zona de Exclusão de Chernobyl, formada em um raio de 30 quilômetros do marco zero. As evacuações da zona tiveram início 36 horas após o acidente, começando pelos 50 mil habitantes de Pripyat, uma cidade a apenas três quilômetros
E Desde 2016, uma nova unidade de contenção com teto arredondado cobre o que sobrou do reator número quatro na Usina Nuclear de Chernobyl, sendo visível das ruínas do Hotel Polissya, na cidade abandonada Pripyat.
E A cidade de Pripyat foi construída para os trabalhadores da usina nuclear. Seus 50 mil habitantes começaram a evacuação 36 horas após o acidente.
de distância da usina nuclear e construída para abrigar os trabalhadores da usina e suas famílias. Pripyat, com seus prédios de apartamentos, playgrounds e monumentos públicos, continua sendo, até hoje, uma cidade fantasma. Ao pé da estátua do anjo, há uma grande laje de concreto no formato da extensão ucraniana da zona de exclusão. Durante o memorial, ela brilha em cor laranja sob a luz de inúmeras pequenas lanternas. Uma longa fileira de placas de sinalização se estende para longe do anjo em uma via arborizada. Cada uma das mais de 100 placas carrega o nome de uma aldeia ucraniana que foi evacuada. Mas, enquanto milhares de pessoas eram evacuadas de casas para as quais nunca voltariam, outros milhares de pessoas estavam chegando. A maioria tinha sido enviada para trabalhar na
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E Cada uma dessas placas carrega o nome de uma cidade ucraniana que foi abandonada após o acidente. No aniversário do desastre, ex-moradores da zona de exclusão voltam para celebrar a tragédia.
E Pripyat continua sendo uma cidade fantasma, cheia de pequenos detalhes do cotidiano, como essas caixas de correio de prédio abandonado.
E Maria Semenyuk tinha 78 anos nesta foto, em 2015. Ela morreu no ano seguinte em Paryshev, onde viveu toda a sua vida.
descontaminação, outras vieram pela ciência e outras ainda desafiaram as ordens de evacuação e voltaram para suas aldeias o mais rápido possível. O esforço de limpeza foi oficialmente chamado de “A Liquidação das Consequências do Acidente de Chernobyl” e os trabalhadores foram chamados de liquidadores. Eles tinham um trabalho impossível. As partículas radioativas são invisíveis e não têm sabor nem cheiro, mas nos locais de maior intensidade elas contaminam tudo, desde tijolos até o gado e folhas no chão. Essas partículas não podem ser destruídas; tudo o que os liquidadores podiam
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RUMOS
fazer era enterrá-las ou tentar selá-las de alguma forma. Alguns trabalharam ao redor das aldeias destruindo plantações, derrubando florestas e até mesmo cobrindo a própria camada superior da terra. Em torno da usina nuclear, alguns trabalhos — como levantar escombros altamente radioativos ou despejar concreto para selar o reator — eram tão perigosos que os homens podiam absorver doses letais de radiação em questão de minutos. Estimativas para a quantidade de liquidadores variam muito porque não há registro oficial de todos os que participaram, mas o número está na casa dos
milhares, provavelmente acima de meio milhão. Eles vieram de toda a antiga União Soviética, e a maioria eram jovens na época. Talvez 10% ainda estejam vivos hoje. Trinta e uma pessoas morreram como resultado direto do acidente, de acordo com a contagem oficial de mortos do governo soviético. Evgeniy Valentey é especialista em TI há 10 anos, mas o desastre nunca saiu de sua mente: “penso nas pessoas realmente vitimadas no processo de liquidação. Na União Soviética, o método era encobrir tudo com vidas humanas”. Vida em uma cidade abandonada Elena Buntova, juntamente com outros cientistas, respondeu ao chamado de Chernobyl por um motivo completamente diferente dos liquidadores. Como doutora em biologia, ela foi à cidade após o acidente para estudar os efeitos da radiação na vida selvagem. E nunca foi embora. “Nos primeiros anos após o acidente, os melhores cientistas de toda a União Soviética vieram trabalhar em Chernobyl, então foi muito interessante cooperar com eles”, relata Buntova. Foi a oportunidade de uma vida, e também onde ela conheceu o marido, Sergei Lapiha. Ele cresceu perto de Chernobyl, e eles se conheceram em um café dentro da zona de exclusão. Lapiha trabalhou como fotógrafo no local conhecido como Abrigo de Objetos — a unidade de contenção que serve como um sarcófago para sepultar os restos do reator número quatro. Ao longo dos anos, ele fez um registro fotográfico das instalações, incluindo um notório objeto dentro do prédio do reator, chamado Pata de Elefante. É uma placa escura e vítrea de lava radioativa derretida que fluiu para o corredor após o derretimento, antes de se solidificar no lugar como uma estalagmite do tamanho de um humano. A placa é tão
E Ex-liquidadores e moradores aguardam para participar das cerimônias de aniversário.
Simplesmente estou feliz em Chernobyl radioativa que passar cinco minutos próximo a ela, sem proteção, seria uma sentença de morte. Por causa da idade e de sua ligação com o local, Buntova e Lapiha fazem parte de um pequeno grupo de reassentados que têm permissão do governo ucraniano para viver na zona de exclusão em tempo integral. Eles admitem que viver em Chernobyl é arriscado e problemático, especialmente porque crianças são proibidas. Cada um deles teve filhos antes de se conhecerem, mas como qualquer pessoa com menos de 18 anos é mais suscetível à radiação ionizante, seus filhos nunca puderam entrar na zona, assim como seus netos atualmente. Mesmo assim, eles moram aqui há mais de 30 anos e, agora que estão com mais de 60 anos e aposentados, não planejam ir a lugar nenhum. Quando questionada sobre o motivo, Lapiha pensa por um minuto antes de responder: “simplesmente estou feliz em Chernobyl”. O interior de sua pequena casa de tijolos é aconchegante. Pessoas como eles ocuparam casas abandonadas ao longo dos anos e as reformaram. Há diversas casas para escolher. A cidade de Chernobyl costumava ter uma população de 14 mil habitantes. Na sala de estar, eles têm plantas perto da janela, algumas cadeiras confortáveis, uma TV e um aquário brilhante cheio de peixes agitados. No quintal, mantêm colmeias de abelhas e cuidam de quatro cachorros, todos resgatados de dentro da zona de exclusão. Como Elena monitorava a vida selvagem como cientista no Centro de Ecologia de Chernobyl, ela sabe muito bem o quanto eles podem estar contaminados. Baloo nasceu de um cruzamento com lobo e é o mais jovem dos cães
E Sergei Lapiha e sua esposa Elena fazem uma pausa para o café com Valeriy Pasternak. Eles trabalharam na zona de exclusão.
E Vladimir Verbitskiy morou em Pripyat antes de a cidade ser evacuada em 1986. Ele voltou como liquidador e depois como guia turístico.
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E Equipe na sala de controle do reator número dois em um dia normal de trabalho. Embora os reatores um, dois e três não produzam mais eletricidade, eles só poderão ser desativados em 2065.
do casal. Enquanto Lapiha agarra o rosto do enorme cachorro e brinca com ele, dizendo “lobo esperto, cachorro esperto”, ele não parece muito preocupado. Poucas pessoas vivem dentro da zona de exclusão em tempo integral. Aqueles que ignoraram a ordem de evacuação e voltaram para seus vilarejos após o acidente estão agora com cerca de 70 ou 80 anos, e muitos morreram nos últimos cinco anos. Os que permanecem dependem dos alimentos que plantam e da floresta ao redor, incluindo grandes e abundantes cogumelos que são particularmente bons para absorver o césio-137, que emite radiação beta e gama. Alguns habitantes assam esses cogumelos dentro de casa em fornos a lenha. As árvores que queimam como combustível também podem ser radioativas, de modo que a fumaça causa novas pequenas precipitações
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RUMOS
E Em Chernobyl, um homem aguarda o início de uma apresentação na Casa da Cultura. Concertos, recitais e conferências ajudam a entreter a pequena população.
E Para entrar na cidade de Pripyat, cada visitante deve passar por um posto de controle e apresentar as licenças necessárias. Os guardas na entrada trabalham em turnos de 12 horas.
E Muitos dos reassentados que morreram nos últimos anos queriam ser enterrados nas aldeias onde nasceram. A zona de exclusão possui diversos cemitérios; como este em Opachici.
nas proximidades. A radiação é uma companhia constante aqui. Nos locais habitados, os níveis são geralmente baixos. Em outros, são perigosamente altos. Mas sem um dosímetro ou contador Geiger, que muitas pessoas não possuem — e às vezes nem fazem questão de possuir — a medição é impossível. Das cerca de sete mil pessoas que entram e saem da zona de exclusão para trabalhar, mais de quatro mil fazem turnos de 15 dias por mês ou quatro dias por semana — horários planejados para minimizar a exposição à radiação ionizante. São seguranças, bombeiros, cientistas ou aqueles que mantêm a infraestrutura dessa comunidade única. Como Chernobyl não é sua residência permanente, eles ocupam alguns dos quartos e apartamentos que foram evacuados em 1986. Ao entardecer, o ritmo da cidade é bastante tranquilo.
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Em Chernobyl, um homem aguarda o início de uma apresentação na Casa da Cultura. Concertos, recitais e conferências ajudam a entreter a pequena população.
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Algumas pessoas leem ou assistem a filmes. Nos dias quentes, podem quebrar as normas de segurança contra radiação e dar um mergulho no rio. O restante dos trabalhadores chega de trem todos os dias para realizar suas funções na usina nuclear. Embora ela não produza mais eletricidade, a desativação dos três reatores restantes vai demorar pelo menos até 2065, e há uma divisão inteira dentro do Instituto de Problemas de Segurança de Usinas Nucleares dedicada à contenção do reator número quatro. Em 2016, a usina recebeu uma nova unidade de contenção, que parece um barracão Quonset e deve durar 100 anos, embora os materiais dentro dela continuem radioativos por milênios. A zona de exclusão está menos radioativa do que já foi, mas Chernobyl possui a capacidade de distorcer o tempo. Trinta e cinco anos é muito tempo para uma vida humana, e também é significativo para materiais como o césio-137 e o estrôncio-90, com meia-vida de cerca de 30 anos; mas é quase nada para os materiais radioativos que levarão milênios para se decompor. De que serve uma unidade de contenção que dura um século quando ela nos protege de algo com meia-vida de 24 mil anos? Também existem novas ameaças, como incêndios florestais que queimam árvores radioativas e podem criar novas zonas de risco. De acordo com Bruno Chareyron, Diretor de Laboratório da Comissão de Pesquisa e Informação Independentes sobre a Radioatividade, a humanidade não possui atualmente as soluções técnicas ou os meios financeiros para lidar com um desastre como esse. Resumindo, embora milhares de pessoas ainda trabalhem no local todos os dias, “a catástrofe nuclear de Chernobyl não é administrável de forma alguma”. Durante sua aposentadoria, Sergei Lapiha trabalha como voluntário para manter a igreja ortodoxa local. Suas paredes externas são firmes e brancas, com arcos em azul brilhante e duas cúpulas douradas no telhado. Comparada com os prédios abandonados e os escombros que a cercam, a igreja parece nova. Antes da reunião anual em torno do anjo de aço, uma missa noturna é realizada na noite de 25 de abril. Após a missa, os participantes saem e tocam o sino da memória, pendurado em seu próprio arco no canto do cemitério. Eles dão uma badalada para cada ano desde o acidente. Este ano, foram 35 badaladas. T
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RUMOS
E A academia local na cidade de Chernobyl oferece uma oportunidade para atividades físicas e de recreação, como uma partida de tênis de mesa depois do trabalho.
E Cerca de 100 cientistas trabalham nos laboratórios científicos de Chernobyl para monitorar a contaminação e estudar os efeitos da radiação. Após o acidente, especialistas de toda a antiga União Soviética foram a cidade pesquisar as consequências do desastre.
COMO VISITAR
A
E Até mesmo Chernobyl possui cafeterias e lugares para relaxar com os amigos. “Passar todo o tempo em um lugar abandonado é muito deprimente”, relata Yuriy Tatarchuk, que trabalhou por mais de 20 anos na zona de exclusão.
visita a Chernobyl só pode ser feita através de tours registrados pelo governo da Ucrânia. O controle é altamente rigoroso, tanto na entrada, como na saída. É como se o turista estivesse entrando em outro país, passando inclusive pela imigração. É obrigatória a apresentação do passaporte. Alguns turistas tentam entrar na zona de exclusão por conta própria, mas isso é altamente desaconselhado. O ideal é contratar um dos vários tours disponíveis, como os das empresas Chernobyl Welcome, Go2Chernobyl e Chernobyl Time. Alguns tours são diários e outros incluem uma noite no local. A radioatividade nesses casos não precisa ser uma preocupação, pois a permanência por até dois dias em Chernobyl equivale a fazer um raio-X. A visita possui algumas regras, como usar roupas que cubram pernas e braços e passar por controle de radiação na saída do passeio. Além disso, na zona de exclusão é proibido consumir bebidas alcoólicas, comer e fumar; tocar em objetos; entrar em prédios não autorizados, usar drones e apoiar câmeras no chão. Também é expressamente proibido sair da região com “souvenirs”.
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AS HISTÓRIAS QUE AS CÉDULAS CONTAM Símbolos tangíveis da identidade de uma nação, as cédulas de dinheiro são fragmentos de sua história — do acerto de contas da África do Sul com o apartheid aos desafios de unir um país após a Guerra da Bósnia. TEXTO Amy
McKeever FOTOS Janusz Pienkowski
E Na Ucrânia, a cédula de 200 hryvnia homenageia uma de suas principais escritoras feministas, Lesia Ukrainka. A poeta e dramaturga reconhecida internacionalmente abordava temas de gênero e igualdade étnica em seus trabalhos, publicados na virada do século 20.
E Na Tunísia, a nota de cinco dinares tem o rosto de outro comandante militar antigo que ajudou a construir um império. O general cartaginês Hannibal é famoso até hoje for suas batalhas heroicas contra Roma na Segunda Guerra Púnica, em 218 a.C.
E Celebrado como o “pai da nação”, Michael Somare foi o político que liderou o movimento para tornar a Papua-Nova Guiné independente da Austrália. Somare, que agora estampa a nota de 50 kinas, foi o primeiro-ministro que ficou mais tempo em atividade e o primeiro a ocupar esse cargo.
E O médico sanitarista Oswaldo Cruz estampou a face das notas de 50 mil cruzados impressas entre 1986 e 1990. O prédio da Fiocruz, fundação que leva seu nome e hoje está em evidência por conta da fabricação de vacinas para covid-19, ilustra o verso.
E A cédula de 100 cruzados novos com o rosto de Cecilia Meireles foi produzida apenas em 1989. Junto com a princesa Isabel, a poeta é uma das únicas duas mulheres a aparecerem nas notas brasileiras.
Brasil As primeiras cédulas brasileiras foram impressas no século 19 e estampavam os imperadores da época. Com o fim da monarquia, em 1989, uma figura passou a aparecer com frequência nas diferentes moedas que circularam desde então: a efígie da República, símbolo da Revolução Francesa. Mas, junto com ela, dezenas de personalidades brasileiras apareceram nas incontáveis denominações criadas para estabilizar a inflação, um problema crônico da economia do país. A maioria fazia parte da elite política, mas também se imprimiu dinheiro com cara de artista — entre eles, Carlos Drummond de Andrade, Mario de Andrade, Cândido Portinari e Cecília Meireles, que enfeitaram notas de cruzeiros, cruzados e cruzados novos. A partir de 1995, com o Plano Real, a efígie passou a dividir as cédulas com animais símbolos da fauna local. O último a ser incluído, o lobo-guará, está ameaçado pela destruição do seu principal habitat, o Cerrado. Nas notas atuais, a efígie — batizada de Marianne, nome comum na França de então — usa um gorro. Trata-se do barrete frígio, peça associada a escravos gregos e romanos emancipados e cujo uso foi resgatado pelos revolucionários franceses.
Estados Unidos Em 1866, houve uma polêmica quando o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos lançou uma nota de cinco centavos com o retrato de Spencer Clark, o primeiro diretor da instituição que hoje é conhecida como Departamento de Impressão e Gravura. Alguns membros do Congresso não gostavam de Clark, que
E Na sequência de uma guerra civil implacável, Bósnia e Herzegovina criaram duas versões de cada cédula para representar sua identidade cultural dividida. Por isso, algumas das notas de 50 marcos mostram o poeta bósnio do século 20 Musa Cazim Catic, e outras honram o poeta sérvio Jovan Ducic.
havia sido acusado alguns anos antes de fraude e “grave imoralidade” (um comitê do Congresso indeferiu as acusações). Após protestos da população, em 7 de abril de 1866, o Congresso aprovou uma lei que proibia a representação de “retratos de pessoas vivas” nas moedas do país, lei que continua valendo até hoje. Nem mesmo moedas comemorativas em homenagem a presidentes podem ser lançadas em um prazo inferior a dois anos após sua morte. Hoje, o país celebra antigos presidentes e seus founding fathers (pais fundadores) em sua moeda. Retratos de George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln, Alexander Hamilton, Ulysses S. Grant e Benjamin Franklin decoram as cédulas.
Bósnia e Herzegovina As cédulas da Bósnia e Herzegovina carregam imagens de escritores famosos do país, mas essa decisão foi motivada mais pelo desejo de evitar conflitos do que por admiração literária. Em 1995, o Acordo de Dayton encerrou anos de guerra civil na Bósnia e criou um único Estado com duas partes, a República Sérvia e a Federação da Bósnia e Herzegovina. A nova nação teria uma única moeda, o marco conversível da Bósnia, mas emitiria duas versões, para refletir a identidade cultural de cada parte do Estado. Porém, as cédulas precisavam ser conexas e os primeiros modelos foram rejeitados por violarem essa exigência — incluindo um modelo controverso representando o herói sérvio Gavrilo Princip, famoso por iniciar a Primeira Guerra Mundial ao assassinar o arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinando.
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HISTÓRIA
DINHEIRO
As discussões sobre os modelos das cédulas se arrastaram por tanto tempo que, quando o banco nacional foi aberto em 1997, teve que emitir cupons em vez de cédulas, de acordo com o economista norte-americano Warren Coats. Finalmente, os dois lados concordaram em usar retratos de escritores — e até entraram em consenso quando ambos escolheram o romancista Meša Selimovic para estampar a nota de cinco marcos. Essa nota já foi descontinuada, mas em 2002 o país criou uma nova nota de 200 marcos com o rosto do escritor vencedor do Prêmio Nobel, Ivo Andric.
Nova Zelândia
E A Rainha Elizabeth II aparece em uma nota canadense de dois dólares. O Canadá foi o primeiro país a representar a imagem da rainha em sua moeda, em 1935. A Grã-Bretanha imprimiria sua primeira nota com o rosto da rainha 25 anos mais tarde.
E A rainha foi representada em moedas de mais de 30 países, porém muitos substituíram sua imagem após a descolonização. Em 1991, a Nova Zelândia reformulou sua moeda para mostrar figuras locais, como o líder político e cultural maori Sir Apirana Ngata, que aparece na nota de 50 dólares.
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RUMOS
O modelo de cédula da Nova Zelândia foi um “teste despropositado da evolução da autoimagem do país” desde que ele começou a emitir sua moeda em 1934, de acordo com o historiador Matthew Wright. As primeiras cédulas do território de domínio britânico refletiam uma identidade dividida, representando temas locais e britânicos. As primeiras cédulas carregavam um retrato do rei maori Tawhaio, cuja imagem foi substituída em 1940 pelo retrato do capitão James Cook, o explorador britânico que “descobriu” a Nova Zelândia. A Nova Zelândia se tornou uma nação autônoma em 1947. No entanto, mais de 20 anos depois, ainda restava algum orgulho em estar associada à Grã-Bretanha. Em 1967, a rainha Elizabeth II substituiu Cook em todas as denominações, junto com plantas e pássaros nativos. No final do século 20, a Nova Zelândia passou a se considerar uma nação diversificada e soberana. Em 1991, cinco anos após conquistar independência total da GrãBretanha, a Nova Zelândia tirou a imagem da rainha de todas as notas, com exceção da nota de 20 dólares, e a substituiu por neozelandeses conhecidos — a líder do sufrágio feminino Kate Shepperd, o montanhista Sir Edmund Hillary, o líder cultural e político maori Sir Apirana Ngata e o físico vencedor do Prêmio Nobel Ernest Rutherford —, que ainda estão presentes nas notas atualmente.
África do Sul Assim como a Nova Zelândia, a evolução das cédulas sul-africanas são um reflexo do acerto de contas do país com sua história como colônia. Em 1961, as primeiras cédulas foram emitidas após a independência da GrãBretanha. Em homenagem a seu histórico colonial, no entanto, cada nota carregava o retrato de Jan van Riebeeck, um explorador holandês que, em 1962, fundou a estação de comércio que se tornaria a Cidade do Cabo. Van Riebeeck foi o rosto da moeda da nação durante três décadas. Porém, em 1992, quando a África do Sul lutava para desmantelar o sistema racista do apartheid, ele foi finalmente substituído por cinco animais icônicos — rinoceronte, elefante, leão, búfalo-africano e leopardo —, figuras consideradas mais representativas (e aceitáveis) para o povo sul-africano. A África do Sul fez outra grande mudança 20 anos depois. Em 2012, o país apresentou novas cédulas de dinheiro com o rosto do primeiro presidente negro do país, o ativista contra o apartheid Nelson Mandela. “A moeda de um país é um componente fundamental da sua identidade nacional”, apontou Gill Marcus, diretor do Banco Central da África do Sul, explicando que o novo modelo “reflete o orgulho da África do Sul como nação”. Mandela continua sendo o rosto da moeda sul-africana — e, em 2018, o país emitiu uma série de cédulas comemorativas representando cenas da vida de Mandela, para celebrar o 100º ano do seu nascimento.
República Dominicana
H Em alusão a seu passado colonial, as primeiras cédulas da África do Sul emitidas após sua independência em 1961 mostravam o rosto de Jan van Riebeeck, um explorador holandês do século 17 que fundou o posto comercial que daria origem à Cidade do Cabo. Seu rosto permaneceu nas cédulas por 30 anos. E Hoje, Nelson Mandela, o primeiro presidente negro do país, aparece em todas as cédulas da África do Sul, como símbolo do movimento contra o apartheid.
Mongólia A história do dinheiro na Mongólia tem origem no reinado de Genghis Khan, durante o século 13. Ele transformou a nação de comunidades rurais em potência global, criando o maior império contíguo da história. Embora Genghis Khan tenha introduzido moedas de ouro e prata no império, foi seu neto, Kublai Khan, que implementou o dinheiro em papel em larga escala. A Mongólia manteve apenas duas figuras importantes nas suas cédulas de dinheiro: seu famoso governante, Genghis Khan, e o herói revolucionário Damdin Sükhbaatar, que liderou o exército mongol à vitória sobre os ocupantes chineses em 1921. O retrato de Sükhbaatar estampou as notas do país pela primeira vez em 1939, em comemoração ao seu papel no estabelecimento de um governo comunista na República Popular da Mongólia. O herói de guerra continuaria a dominar a moeda por mais de 50 anos, até a democracia ser instalada na Mongólia na década de 1990. Desde 1993, Genghis Khan aparece nas notas de maior valor — entre 500 e 20 mil tugriks — enquanto Sükhbaatar ainda aparece em notas de valores menores.
A nota de 200 pesos da República Dominicana presta homenagem a três irmãs que organizaram um movimento de resistência contra o ditador Rafael Trujillo — e cujos assassinatos foram o pontapé inicial para uma revolução. Após chegar ao poder em 1930, Trujillo tiranizou a República Dominicana. Ele aprisionava, torturava ou assassinava qualquer pessoa que se opusesse a seu governo. Na década de 1950, as irmãs Mirabal — Patria, Minerva e María Teresa — tornaram-se líderes do movimento de resistência que buscava acabar com o regime brutal. Trujillo as prendeu e aprisionou repetidas vezes antes de ordenar seus assassinatos, em 25 de novembro de 1960. O regime de Trujillo chegou ao fim um ano depois, com seu assassinato, mas o governo somente reconheceu as irmãs Mirabal (também conhecidas como Las Mariposas, ou as borboletas) como heroínas nacionais décadas depois. Embora elas tenham estampado as moedas de 25 centavos por um curto período na década de 1980, tornaram-se o rosto da nota de 200 pesos apenas em 2007. A ONU também considerou a data dos seus assassinatos como o Dia Internacional de Eliminação da Violência Contra a Mulher. P
E Alguns países fazem do orgulho nacional um reflexo de sua história antiga. Na Mongólia, Genghis Khan aparece nas cédulas mais valiosas da moeda mongol, entre 500 e 20 mil tugriks. O governante do século 13 conquistou a maior parte da Eurásia para construir o maior império contíguo da história.
E Maria Teresa Mirabal e suas irmãs mais velhas, Patria e Minerva, que aparecem na nota de 200 pesos da República Dominicana, são símbolos não apenas da revolução do país, mas também do esforço global para acabar com a violência contra a mulher após o assassinato brutal ordenado pelo ditador Rafael Trujillo.
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INFOGRÁFICO
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Os 4 destinos mais gelados do mundo Onde experimentar os climas frios mais extremos do planeta Terra TEXTO E FOTOS
Portal de Inverno
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RUMOS
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1 Antártida
É um continente praticamente coberto de gelo. Situado no Polo Sul, possui uma área de 14 milhões de quilômetros quadrados. Enormes geleiras cobrem a região, que é considerada o lugar mais frio de toda a Terra devido ao clima extremamente frio e seco, com alta incidência de ventos.
-59°C
Sem população permanente
2 Ulaanbaatar
Maior cidade da Mongólia, possui o título de capital mais fria do mundo. É famosa por ser uma região habitada por um povo nômade: sua população mudou de localização pelo menos vinte vezes nos últimos 350 anos até se instalar em um vale, tendo ao seu redor os quatro picos sagrados e o rio Tuul. 1,45 milhão de habitantes
-32°C
3 Snag
-28°C
Este pequeno vilarejo no Canadá registrou a menor temperatura da América do Norte em 1947: -63°C. Esse tipo de frio requer aquecimento e ambientes com calefação, o que significa que roupas normais podem ser usadas em locais de trabalho e outros estabelecimentos fechados. 34 mil habitantes
4 Yakutsk
Essa cidade foi construída sobre o permafrost na Rússia, um solo típico da região ártica, que está sempre congelado. Em 1891, registrou-se a temperatura de -64,5°C. Uma atração local é o Permafrost Kingdom, dois túneis iluminados por neon numa colina escavada e permanentemente congelada. 282 mil habitantes
-20°C JUNHO DE 2021
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TA G O U A S S U N T O
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RUMOS
TA G O U A S S U N T O
Paranapiacaba: a vila inglesa de Santo André TEXTO
Nicole Dias
Um tour pelos arredores da cidade conhecida por sua neblina e pelo estilo britânico
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aranapiacaba é um distrito da cidade de Santo André, a cerca de 44km da capital. No século XIX, a área era ocupada por ingleses, e ainda é possível sentir um clima europeu por lá, seja pela arquitetura ou pela neblina
frequente. É um ótimo destino para quem ama história e construções antigas. Quanto menor um local, maiores são suas lendas. E com Paranapiacaba isso não é diferente. Não faltam histórias de que o distrito é mal-assombrado. Dizem, por exemplo, que à noite é possível ouvir som vindos do 13º túnel, onde a caldeira de
um trem explodiu muitos anos atrás. No Castelinho também seria possível ver vultos e ouvir murmúrios estranhos. A Lenda do Véu da Noiva é um dos contos mais conhecidos entre as famílias de Paranapiacaba. Conta que o filho de um engenheiro rico teria se apaixonado pela filha de um funcionário da ferrovia.
E Estação de trem em Paranapiacaba
fotos por caio provasi
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ROTEIRO NACIONAL
Como a família do moço era contra o enlace, deixou o noivo preso no porão no dia do casamento. A noiva ficou esperando por horas e, sem notícias do seu amor, pegou um trem e se jogou do precipício. O corpo nunca foi encontrado, mas todos os dias uma neblina, branca como um véu de noiva, cobre o local. Em apenas um dia, é possível passar pelas principais atrações de Paranapiacaba. Embora não seja um local badalado ou com grandes atrativos turísticos, a cidade oferece boas opções de lazer para quem está disposto a conhecer a vila um pouco melhor. Com rica flora, o Parque Natural Municipal de Nascentes foi criado para conservar os recursos naturais da Mata Atlântica. As visitas podem ser feitas de terça a domingo, das 9h às 16h, sendo necessária a
PA R A N A P I A C A B A
A região oferece um ótimo roteiro de trilhas de ecoturismo para quem ama estar em contato com o verde. Programa perfeito para respirar ar puro e superar os seus limites. presença de guias ao longo das trilhas. É possível ver lindas cachoeiras e animais, tornando o parque um ótimo passeio para famílias com crianças e apaixonados pela natureza. O Museu do Castelo costumava ser a residência do engenheirochefe da estação ferroviária. Ela ficava no alto da cidade, para que fosse possível ter uma visão completa dos veículos que chegavam e partiam. O museu está fechado para reformas, mas
guarda um interessante acervo com peças de época. Vale a visita para ter uma vista privilegiada de Paranapiacaba. Conectando as cidades de São Bernardo, Santo André e Mogi das Cruzes, o Caminho do Sal é uma rota ecoturística ideal para os apaixonados por paisagens naturais e possibilidade de aventuras. O trajeto, que pode ser percorrido a pé ou de bicicleta, se divide em Caminho do Zanzalá, Caminho dos Carvoeiros e Caminho de Bento Ponteiro. Há várias subidas e descidas ao longo dos mais de 50 quilômetros, mas o lindo cenário compensa. Para se sentir em uma viagem no tempo, o local indicado é a Igreja Bom Jesus de Parapiacaba.
E Maquinista na estação de trem em meio a névoa
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foto por ana bastos
E Trilha do Rio Mogi na Serra do Mar de Paranapiacaba
Ela fica ao lado do cemitério local e foi construída por volta de 1880. Trata-se de um prédio simples e que precisa de reforma, mas encantador por toda a sua história. De lá, é possível ter uma bonita vista da cidade. Os apaixonados por locomotivas e boas histórias, por sua vez, podem visitar o Museu Tecnológico Ferroviário de Paranapiacaba. Sua importância se dá justamente por causa da grande força da atividade ferroviária na cidade. No museu é possível saber como era o funcionamento das máquinas, da Maria-Fumaça e dos sistemas de tração. O museu funciona aos sábados, domingos e feriados, e os monitores com vestes de época são um charme à parte.
Um dia inteiro de passeio dá fome, e isso não é nenhum problema em Paranapiacaba. Não faltam bons restaurantes e cafés charmosos para comer bem na vila.
Restaurante Estação Cavern Club e Wine Bar E
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ROTEIRO NACIONAL
O Bar da Zilda é um dos mais tradicionais de Paranapiacaba, tendo sido inaugurado por volta de 1970. Por lá é possível comer bem por um preço justo e ter uma linda visão do povoado. Entre os pratos principais da casa, destaque para o contra filé à cubana, que acompanha arroz à grega, batata frita, feijão, abacaxi e banana à milanesa. As porções são bem servidas e contam com delicioso sabor caseiro. Localizado na Rua Direita, 420, aberto todos os dias, das 10h às 22h. A Estação Cavern Club Restaurant & Wine Bar é um ambiente acolhedor, com atendimento simpático e cardápio variado cheio de sabor. É difícil não viver uma boa experiência nesse restaurante e wine bar comandado pela chef Zélia Paralego. O prato da casa, costela com geleia de cambuci e arroz negro, é muito elogiado pelos frequentadores, assim como a pasta ao molho de vinho com mignon. Local perfeito para uma refeição a dois. Localizado na Avenida Fox, 525,
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E Casa do Engenheiro-chefe da ferrovia
aberto de segunda a sexta, a partir das 9h, e aos sábados e domingos a partir das 8h30. O Café Infinito Olhar é um lugar confortável, onde o charme impera, assim como o ótimo atendimento. Cafeteria, arte, cervejas, fotografia, tudo junto em um ambiente lindamente decorado. O estabelecimento é
uma ótima opção para um café da manhã ou lanche no meio da tarde. Vá sem pressa! Os bolos diferenciados estão entre os destaques da casa, assim como os petiscos veganos. Localizado na Avenida Fox, 435, aberta de quinta a domingo, das 10h às 20h. A Estação do Sabor é ideal para um almoço em família. Oferece comida caseira de ótima qualidade e um ambiente acolhedor. Há um buffet self service com muita variedade (inclusive opções veganas) e sistema à la carte. A área coberta dos fundos é uma boa pedida para grupos grandes. Peça o suco de Cambuci para acompanhar a refeição. Localizado na Avenida Antônio Olinto, 485, aberto de segunda a sábado, a partir das 9h, e domingo das 13h às 21h. O Railway Beer é um bar temático que proporciona uma experiência muito agradável. O chopp artesanal é um dos destaques da casa e combina
E Restaurante Estação do Sabor
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fotos por lua morales
perfeitamente com os deliciosos hambúrgueres e petiscos, como a batata frita com cheddar e bacon. A vista da vila é um charme a parte. Preço justo e trilha sonora de qualidade. Localizado na Rua William Speers, 19, com horário de funcionamento de sábados, domingos e feriados, das 10h às 23h.
Ao visitar Paranapiacaba, tenha certeza: não faltam lugares bacanas para comer bem, e não será difícil sair de lá com boas histórias.
Como chegar É possível chegar a Paranapiacaba de carro, trem ou ônibus. De carro é possível pela Via Anchieta, indo até o KM 29 pela pista marginal (sentido Riacho Grande), pegando a rodovia Caminhos do Mar e siga as sinalizações até a Estância Alto da Serra (quilômetro 33). De lá é preciso pegar a Rodovia Índio Tibiriçá (SP-31) até o quilômetro 45,5 e virar à direita na SP-122. Vale lembrar que é possível chegar de carro até a vila, mas deverá deixá-lo estacionado. Por lá só é possível andar a pé. De trem, a dica é acessar a linha 10 Turquesa da CPTM e descer na estação Rio Grande da Serra. É de lá que parte o ônibus 424 com destino ao charmoso refúgio inglês. Há, ainda, o Expresso Turístico da CPTM, que sai todos os domingos, às 8h30, da Estação da Luz. Já para quem vem de São Bernardo do Campo, é necessário pegar o ônibus São Bernardo / Rio Grande da Serra no Terminal Rodoviário e, depois, o 424. Para quem vem de Santo André, os ônibus para a cidade vizinha (linha 040) partem da rodoviária a cada 30 minutos. P E Vista sobre ponte chegando na vila inglesa
foto por caio provasi
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Monitorando o clima na borda do mundo Marsibil Erlendsdottir cuida de uma fazenda e elabora relatórios climáticos a partir de um posto remoto no leste da Islândia. O trabalho requer vigilância e uma determinação determinação infalível. TEXTO E FOTOS
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Marzena Skubatz
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udo começou com uma única frase, no post de um blog sobre a Islândia: “Uma fazendeira precisa de ajuda em uma estação climática e fazenda de ovelhas.” Era 2012 e, após estudar fotografia em Dortmund, uma cidade industrial alemã, eu estava pronta para uma mudança. Eu já planejava há muito tempo visitar a Islândia, e quando li sobre a fazenda reclusa, tudo pareceu se encaixar. Respondi ao post, consegui o trabalho, vendi a maior parte das minhas coisas e comprei a passagem de avião. Marsibil Erlendsdottir, a fazendeira responsável pela estação climática, me buscou no pequeno aeroporto de Egilsstadir, próximo à fronteira mais oriental da Islândia. A viagem de carro até a estação durou quase duas horas — através de estradas que cortavam montanhas cobertas de neve, ao lado de cachoeiras, passando por renas e casas de verão vazias. Na medida em que nos aproximávamos do nosso destino, a estrada ficava cada vez mais estreita e irregular. Finalmente, chegamos ao fim de um fiorde isolado, no qual um pequeno farol amarelo aparecia, à distância.
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“Bem-vinda ao fim do mundo”, a sra. Erlendsdottir disse, rindo. O Departamento Metereológico Islandês supervisiona setenta e uma estações climáticas habitadas por todo o país, cinquenta e sete das quais informam, uma vez ao dia, sobre os níveis de precipitação, profundidade da neve e cobertura do solo. A sra. Erlendsdottir, que prefere ser chamada de Billa, cuida de uma das catorze estações que também relatam a cobertura de nuvens, as condições climáticas e outros fenômenos meteorológicos. A cada três horas, dia ou noite, não importando o clima, Billa checa as leituras dos instrumentos climáticos de sua estação e os repassa — temperaturas, pressão do ar, condições do vento, entre outros — para o escritório em Reykjavík. Seus relatórios, e aqueles que chegam do resto do país, são publicados online e transmitidos pelo rádio. Para os fazendeiros que dependem das previsões, as informações que Billa apresenta podem ajudar a ditar o trabalho diário. Para pescadores em alto-mar, as informações podem ser a diferença entre vida e morte. Essa área possui uma estação climática desde 1938, e ela sempre foi operada por pessoas reais (dadas as condições difíceis da região, a automação seria impossível, segundo Billa). A região é incrivelmente remota. Nos meses mais frios do ano, a fazenda só é acessível por barco, e quando as tempestades chegam, ela pode ficar isolada do mundo lá fora por dias a fio. Billa cresceu na estação climática com seu irmão e cinco irmãs. Casou-se com um dos pescadores locais e construiu sua própria família, criando duas crianças — uma das quais, seu filho, nasceu em um barco a caminho do hospital. O marido de Billa morreu há alguns anos, deixando-a para cuidar, sozinha, da estação climática e da fazenda. Billa poderia ter ido embora, mas decidiu ficar. “Aqui nunca é entediante”, ela disse. Eu trabalhei com Billa por 10 meses. Tendo crescido em uma fazenda na Polônia, muito do trabalho me pareceu familiar: cuidar das ovelhas, ajudar a treinar os border collies, consertar cerca, coletar feno. Billa não gosta dos holofotes. Mais de um ano já havia se passado antes que ela estivesse confortável o suficiente para que eu tirasse seu retrato.
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Enquanto isso, comecei a documentar sua vida e seu trabalho, seguindo o ritmo dos seus dias — e dos relatórios climáticos. Como Billa, gosto de passar tempo off the grid, e por isso continuei voltando à fazenda, onde não há sinal de celular. No total, passei cerca de dois anos e meio lá. A área é especialmente inacessível nos meses de inverno, quando a luz do dia dura apenas algumas horas e o farol faz girar faixas de luz constantes, que cortam a escuridão. Por meses a fio, a fazenda fica coberta por neve, e os sons ficam abafados — exceto o som do mar ao redor. No inverno, as ondas que quebram ficam cada vez mais selvagens, o vento cada vez mais forte, as condições climáticas menos previsíveis. Mesmo na tempestade mais dura, Billa sai de casa para cuidar dos animais e checar o abrigo de instrumentos climáticos. Cada estação traz consigo suas próprias tarefas. Na primavera, quando as ovelhas dão à luz, os animais precisam ser monitorados 24 horas por dia. No verão, o feno para os meses de inverno precisa ser coletado. E, durante o outono, as ovelhas são trazidas do alto das montanhas. Além de todo o trabalho na fazenda, Billa também faz a manutenção do farol, que foi construído em 1908. A sua despensa precisa estar sempre bem abastecida, já que o supermercado mais próximo fica a quase oitenta e um quilômetros de distância. No inverno, demora-se uma hora, de barco, para chegar às lojas mais próximas. Um barco dos correios vem uma vez a cada duas semanas, mas apenas quando as condições climáticas permitem. As circunstâncias aqui são exigentes, mas viver em harmonia com a natureza dá a Billa uma sensação de paz interior. Ela não consegue ficar parada e passa a maior quantidade de tempo possível do lado de fora. Alguns anos atrás, a filha de Billa, Adalheidur, que prefere ser chamada de Heida, terminou seus estudos em Reykjavík e mudou-se de volta para a fazenda para acompanhar e ajudar sua mãe. “Se algum dia eu me mudar, minha mãe com certeza continuaria aqui sozinha”, Heida disse. “Aqui”, acrescentou, “ela se sente livre.” P
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Vidas que se cruzam
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Juliana Reis
avia algo de semelhante entre algumas vizinhanças brasileiras e a área de Shatila, no Líbano. Estruturas precárias, pedestres e carros se misturando, moradias empilhadas e um tanto de gambiarras. Shatila nasceu em 1949 como um campo para acolher refugiados vindos da Palestina, após a ocupação israelense. No dia da minha visita, Shatila já era praticamente uma cidade de palestinos, vivendo em situação instável e sem pátria, estabelecida dentro de Beirute, a capital libanesa. Eu fazia uma visita de observação. Sozinha, sem aviso nem encontros previstos. Sentia-me observada quando, por acaso, o avistei. Vinha caminhando na direção contrária… Era ele, sim! Doutor Al-Jatib. Conferi. Careca, moreno, gordinho… Passou por mim. Então me virei, trocando a direção e querendo tocá-lo nos ombros e me apresentar. Ensaiei a frase, estiquei o braço e… segurei o ímpeto. Já era observada por mais de uma pessoa. Desisti e retornei ao bairro onde me hospedava. Do outro lado da cidade, Michel me acolhia em sua pensão familiar. O lugar ficava próximo a uma avenida que, segundo me contaram, serviu de linha divisora entre cristãos e muçulmanos, durante a complexa guerra civil libanesa (1975–1990). Não tenho certeza se a separação era assim tão definida ou se Beirute se dividia irregular como um quebra-cabeças. Começava com o Líbano sendo uma colônia francesa anexada à Síria, que não reconhecia a independência libanesa. E explodia com divisões étnico-religiosas internas que tornavam impossível saber quem mandava na coisa toda. Tudo isso numa região onde a presença dos palestinos escan-
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carava questões mal resolvidas e o conflito entre árabes e israelenses era histórico e constante. O prédio da pensão de Michel ainda tinha buracos de bala — assim como quase todas as paredes da vizinhança. A poucos metros dali, um bairro reconstruído sediava missões diplomáticas e departamentos da Organização das Nações Unidas. Nenhum sinal da cidade mediterrânea, apelidada antes da guerra de Paris do Oriente. Sem muita intimidade com a intrincada história da região, preferi esquecer a razão de ter vindo ao Líbano e ir embora. Mas no trajeto acabei conhecendo Juliana e Douglas, jornalistas brasileiros em férias. Eles insistiram para que eu não colocasse um ponto final no meu fascínio pelo Líbano nem na história sobre aquele homem com quem cruzei em Shatila. Quando eu era criança, encontrei em casa uma revista contando a história do campo de Shatila e da guerra libanesa. Anos mais tarde, li num jornal estrangeiro a jornada heroica de um homem que teria salvado centenas de pessoas na ocasião de um terrível ataque ao campo, em 1982. Terminei de ler sobre o doutor AlJatib e fui ao Líbano simplesmente pela paixão por história e pela vontade de ir além da leitura. Foi quando o acaso o colocou na minha frente, naquela visita ao campo. Juliana e Douglas, caçadores natos de boas histórias, me acompanharam novamente a Shatila, onde descobrimos um centro de convivência para manter os jovens locais longe de encrencas. Ali fizemos amigos, e eles nos levaram ao Doutor Al-Jatib. O homem me abriu as portas da casa onde vivia com a esposa. Serviu o café forte do Oriente, contou sua trajetória e me presenteou com
foto de maxime guy
pequenos livros de poemas de sua autoria. Mohammed que já partira, a sueca Ingrid — que conheci semaal-Jatib chegou ao Líbano aos 6 meses no colo dos pais, nas antes numa pensão de Damasco, na Síria. Hanadi, vindo de uma Palestina que nunca conheceria. Tornou- filha de um ex-diplomata iraquiano, dava aulas de inse médico em Cuba e passou a vida servindo refugiados formática. Ela tinha o costume de nos contar, com palestinos em um hospital patrocinado pela ONU, em certo humor, sua rotina de criança no Iraque durante Shatila. Após o café com o doutor, decidi ficar. Juliana e a guerra. Hanadi conhecia o endereço dos melhores doces de Beirute. Douglas seguiram viagem. Junto com o crânio Pelos próximos dois Walid, o galã Salah e o meses, eu passei a sair doce e franzino Ahmed, da p ensão de Michel rapazes de Shatila, forp ela manhã, atraves mamos a turma mais sar parte de Beirute a legal do campo naquele pé e tomar uma van vetempo. Frequentamos as lha até Shatila. Lá, eu promovia conversações casas uns dos outros, éraem inglês apresentanmos bem vindos para as refeições e festas em fado a vida na perspectiva mília. Passeávamos por de uma brasileira. Beirute, íamos ao cinema No caminho diário, eu tentava desvendar o e agitávamos as aulas de mosaico que é Beirute. conversação. Seguíamos Atravessava bairros sim- E O mercado principal no campo de refugiados de Shatila, um aprendendo sobre as dos dois assentamentos em rápido crescimento em Beirute. histórias e cicatrizes de p l e s co m p e q u e n o s comércios e áreas residenciais requintadas. Não me quem vivia sem uma pátria para colocar num passarecordo de um só quarteirão livre de marcas de guer- porte e sem oportunidades para construir uma vida ra. Na ida, eu cruzava a Universidade Americana de além da que levavam dentro de Shatila. As condições Beirute, um McDonald’s e lugares servindo café Illy para os palestinos no Líbano nunca foram fáceis. Fora do campo, Michel, o da pensão, discretamente e bagels – os pãezinhos em forma de rosca cultuados nos Estados Unidos. No fim da tarde, eu voltava me zelava por mim. Ensinou-me a fazer quibe e disse-me embrenhando por outras ruas e matava a fome com que esfiha é uma invenção da nossa cabeça. Explicoupão-folha, queijo, zatar e hortelã fresca numa lancho- me que em Beirute, moradores de bairros diferentes nete qualquer. não se frequentavam — o que me levava a olhar as fronteiras Em Shatila conheci gente do invisíveis da cidade com o cuimundo todo, mas especialmendado de uma viajante humilde. te voluntários escandinavos Quando estava na pensão, seu atuando por meio de ONGs inpai me preparava café e ovos ternacionais. A maioria vinha ao centro de convivência para mexidos temperados com canela. Na véspera da minha partida, dar aulas de reforço aos jovens os rapazes palestinos aparecerem do campo. Ane, da Noruega, esna pensão de surpresa dando tudava Relações Internacionais, adeus e chocando Michel, que os perdera o pai na infância. Ele trabalhava com exportações, recebeu cordialmente. No dia seviajava de avião quando a aeguinte, me despedi dele com um ronave sumiu dos radares nos anos 70. Então ela aperto de mão e fui embora. Antes que eu terminasse cresceu num colégio interno vizinho — vejam só! — de descer o último lance de escadas da pensão, Michel me alcançou e ofereceu um longo abraço. “É assim que à casa onde morei na Suíça. O norueguês Rune vivia como uma asceta, era dis- nos despedimos dos amigos no Líbano”. No dia 4 de agosto de 2020, pela tela do celular asléxico e queria ajudar pessoas como gratidão por ter tantos privilégios. Sofria de amor por uma voluntária sisti a uma onda de energia invisível atingindo Beirute
Salvar histórias de viagem das garras do esquecimento é uma forma de nutrir a alma até que possamos viajar novamente.
foto de bryan denton
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E O doutor Mohammed Al-Jatib no Museu de Memórias da Palestina.
e arrasando a cidade — incluindo a área da pensão onde morei. Era uma explosão. Beirute no chão mais uma vez. Cerca de 15 anos após minha passagem por lá, Michel é pai e vive com a família no Canadá. Ane é funcionária de campo da Cruz Vermelha — não tem ponto fixo e nem tempo para responder às minhas mensagens. Juliana agora é chefe da seção asiática de uma grande rede internacional de notícias. Eu nunca soube dos outros.
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RUMOS
Recentemente, li que doutor Al-Jatib reuniu peças que famílias palestinas carregaram consigo após décadas de deslocamento. Com elas, montou o pequeno, porém grandioso, Museu de Memórias da Palestina. Doutor Al-Jatib terminou seu trabalho como cuidador de pessoas. Tornou-se um cuidador de histórias. Ele existe. E eu o conheci. P
foto de nizar hassan
Pandemia, sede de mundo, Azenhas do Mar: reflexões de viagem TEXTO Raquel
Verano
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onfesso que ser jornalista de viagens nesta pandemia que já dura mais de um ano não é tarefa fácil. Já me rendi ao mundo das lives, já parti para entrevistas, já cansei de falar de picos, de melhoras, de novos picos, de lockdown, de reabertura, de lockdown de novo, de covid. Me vejo, muitas vezes, relembrando meus tempos de hard news em revista semanal, escarafunchando dados, estatísticas, correndo atrás daquela fonte difícil, de mil personagens, de mil e um depoimentos. Estou com saudades de escrever puramente de viagens. Na verdade, estou mesmo com saudades de viajar. Como ainda vai demorar um pouco até que possamos sair livres, leves e soltos pelo mundo, o jeito é revisitar escapadas recentes (e comedidas), mas não menos surpreendentes. Uma coisa que sempre me intrigou é como alguns lugares, por mais incríveis que sejam, acabam designados ao “day use” do turismo. Muitas vezes isso acontece por estarem muito perto de algum destino blockbuster, mas nem sempre isso é denominador comum. Sempre que tenho a oportunidade de conhecer um desses injustiçados eleitos (ou não!), adoro ir contra a maré e ficar. Sem pressa. Já tinha ido duas vezes a Giverny, onde fica a casa de Monet a cerca de uma hora de Paris, quando decidi passar a noite durante uma viagem à França. Foi mágico. Se às 9h da manhã a vila encantadora e florida já estava lotada, às 19h era pura calmaria. Simplesmente ninguém nas ruas, que viraram praticamente minha ciclovia particular. As flores pareciam mais coloridas, as fachadas mais bonitas, o silêncio… muito mais silencioso. E ainda tinha um restaurante estrelado à espera!
foto de rachel verano
E A casa de Monet, na rua principal de Giverny, numa “noite” de verão: quando os turistas voltam para Paris, é assim que a cidade fica.
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ARTIGOS
No sul do país, outro desses destinos é Carcassone. Eu nem entendo muito bem o motivo, pois a vila que mais parece cenário de contos de fadas, cercada de muralhas, não é exatamente perto de lugar nenhum (ok, é destino passeio de cruzeiro). Quer Carcassone só para você? Fique, durma, coma um belo cassoulet e desmaie sem culpa na cama mais próxima. Na última vez que estive na Toscana, fui passar o fim de tarde em San Gimignano, que nunca priorizei muito justamente porque estava sempre lotada e com ares meio de Disney medieval. As lojinhas de comida, de souvenirs, os museus de tortura (sempre achei bizarra esta predileção)… tudo parecia maquiado e sem alma. Mas a beleza da cidade e de suas torres, especialmente vista dos arredores cercados de vinhedos, é incon-
E San Gimignano, o sorvete, a cisterna: melhores lembranças.
testável. Então foi ficando tarde, eu consegui uma reserva por milagre em um restaurante super concorrido, bebemos uma garrafa de vinho, fomos ficando e Florença, onde estávamos hospedados, pareceu longe demais. Sucumbimos. Sem roupa, sem escova de dentes, sem desodorante. Passei a amar San Gimignano. Na saída do restaurante já não havia viv’alma. A praça principal tinha uns gatos pingados, a fila da sorveteria que diz servir il miglior gelato del mondo havia desaparecido e a cisterna ao centro reinava soberana. Foi o melhor palco para um cone de pistache que jamais vou esquecer. Portugal tem destas pérolas também. A mais óbvia? Óbidos. Sou tão insistente que uma vez dormi umas quatro noites seguidas numa casa fofa e minúscula aos pés das muralhas. Amava ver a cidade lotar e esvaziar, lotar e
Óbidos, em Portugal.
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fotos de bruno barata e henrique ferreira
Uma coisa que sempre me intrigou é como alguns lugares, por mais incríveis que sejam, acabam designados ao “day use” do turismo
Azenhas do Mar vista do alto.
esvaziar, lotar e esvaziar. Mas eu tenho, aqui em terras lusas, uma predileção. Um lugar que sempre me fascinou desde a primeira vez em que lá coloquei os pés. Um cantinho de natureza cheia de personalidade que é tão bonito em dias ensolarados quanto ultra nublados e sombrios, e sendo serra, isso acontece com alguma frequência: Azenhas do Mar. Azenhas fica na Serra de Sintra, a cerca de 40 minutos de Lisboa e 15 de Sintra. Se resume a um punhado de casas brancas empoleiradas numa falésia desafiando as leis da gravidade. Sempre a vi como o destino de inverno perfeito para uma escritora solitária. A principal atração do vilarejo, além de uma curiosa piscina natural na areia da praia, é o restaurante Piscinas, debruçado sobre ambas. A cataplana de polvo num almoço tardio,
foto de bruno barata
escoltada pelo ótimo vinho branco de Colares, é o programa perfeito. As amêijoas, a sapateira, o queijinho de Azeitão e o pesto do couvert, coadjuvantes sob medida. Voltar para casa depois de tudo isso beira o sacrilégio! Mas eu demorei a saber que poderia me dar ao luxo. Então, no meu último aniversário, rumei para um fim de semana prolongado. Não tinha grandes ambições: reservei o restaurante, a cataplana, o vinho e uma das casas encarapitadas no morro, de porta turquesa. Que surpresa. Cozinhei de ceviche a risoto de limão, andei na chuva, fiquei horas olhando o mar da janela. Ouvi música, acendi a salamandra com lenha, dormi. Tudo muito. Ganhei Azenhas só para mim de presente das minhas quatro décadas e tal. P
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O sinistro portão de entrada em Auschwitz, com o dístico “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta), com o B invertido.
Visita ao impensável: Auschwitz-Birkenau TEXTO Flávio
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foto de jean carlo emer
Passamos sob o portão de entrada, onde se lê a frase hoje irônica, antigamente sarcástica, ‘Arbeit macht frei’ — ‘O trabalho liberta’
E
m 2013, fomos Zinka e eu a Cracóvia, considerada “a cidade mais bela da Polônia”. A cidade não deixa de merecer esta consideração — embora, até o momento, seja a única que eu conheça neste país. Ela combina o estilo que tem algo de antigo, característico de cidades do antigo Leste europeu, com bairros de traçado medieval ao lado de praças esfuziantes em estilo mediterrâneo. Muito interessante, muito bonito. Um dos pontos altos da cidade é o antigo bairro judeu, hoje transformado — ainda com suas sinagogas, algumas transformadas em museus e memoriais, num bairro boêmio, aliás, “O” bairro boêmio da cidade. Pois foi a partir deste bairro, onde ficamos, que empreendemos nossa visita ao impensável: os campos de concentração de Auschwitz e Birkenau. Esperamos ali a van que nos conduziria lá. A van nos conduz primeiro através de Cracóvia. Depois passamos à zona rural, numa viagem que dura aproximadamente uma hora e meia. Daí chegamos à entrada do primeiro campo, o chamado Auschwitz I. A primeira surpresa é o enorme número de visitantes que vêm aos milhares por dia para conhecer os campos de concentração. A visita começa. Passamos sob o portão de entrada, onde se lê a frase hoje irônica, antigamente sarcástica, “Arbeit macht frei” — “O trabalho liberta”. Uma curiosidade: o B da palavra Arbeit está invertido. Até hoje se discute se isto foi um protesto dos prisioneiros que tiveram de fazer a peça de metal, ou se isto aconteceu por serem eles analfabetos. Aos poucos o guia vai esclarecendo a história sinistra de Auschwitz. Seu nome era uma adaptação germânica do nome polonês da cidade próxima: Oswiecim. Auschwitz era na verdade um complexo de três campos, construídos em momentos diferentes, e que eram o centro de uma rede de outros 45 campos de concentração nazistas. Auschwitz I foi construído em 1940, inicialmente para prisioneiros poloneses. Auschwitz II, também conhecido como Birkenau, foi construído em 1941. O terceiro campo do complexo foi construído depois. O primeiro objetivo do campo era o de concentrar trabalhadores forçados, no esforço de guerra. Mas logo,
sobretudo a partir de 1942, ele se tornou também um campo de extermínio. Calcula-se que 1 milhão e 100 mil prisioneiros morreram nestes campos. 90% destes eram judeus. Mas também foram assassinados ali ciganos, poloneses, soldados soviéticos, dissidentes de várias nacionalidades, inclusive alemães. Um grande número de prisioneiros também era vitimado pelas doenças, a desnutrição, o trabalho esgotante, as execuções e nos chamados experimentos médicos, perpetrados, inclusive, por Josef Mengele, que viria a morrer em Bertioga, no litoral de S. Paulo. Auschwitz foi escolhido como o principal campo de extermínio por sua localização central em relação a outros campos dispersos pela Europa ocupada. A maioria dos prisioneiros morreu nas câmaras de gás, sobretudo em Auschwitz II, ou Birkenau. Os prisioneiros chegavam nos trens, através do portão principal, e eram separados em dois grupos: os que iam para os trabalhos forçados, a minoria, e os que seguiam diretamente para as câmaras de gás. Abandonavam os seus pertences, tiravam a roupa, achando que iam tomar um banho. Fechados nas câmaras, ao invés de água, os dutos jogavam gás Zyklon B, obtido através de um pesticida. A morte sobrevinha em poucos minutos. Depois, os corpos eram levados aos fornos crematórios. Ainda restam, em Auschwitz I, uma câmara de gás de dimensões pequenas, e alguns dos fornos crematórios. A visita abala e emociona. Aos poucos vamos vendo salas com cabelos humanos — um dos únicos lugares onde é proibido fazer imagens. Depois vêm os óculos, as malas, os sapatos, os sapatinhos de criança, pratos, canecas, até próteses, as fotos dos prisioneiros, os lugares de execução, a sala de julgamento, única em que ainda há um retrato de Adolf Hitler. Ao final da guerra, os nazistas evacuaram o campo. Antes de sair, tentaram destruir tudo o que pudessem, para ocultar os vestígios do genocídio. Quando as tropas do Exército Vermelho chegaram ao campo, encontraram menos de 10 mil sobreviventes. Se você for empreender esta viagem, prepare-se. É impossível não se emocionar nem deixar de se emocionar. É uma visita à maldade humana que, como a estupidez, não tem limites. P
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"Está escrito que aquele vôo ficou mais caro porque nós percebemos que ele existe!"
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