Identidade Cultural: nas experiências de intercâmbio

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IDENTIDADE CULTURAL

NAS EXPERIÊNCIAS DE INTERCÂMBIO

MATHEUS RESENDE PIRES DE OLIVEIRA

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IDENTIDADE CULTURAL

NAS EXPERIÊNCIAS DE INTERCÂMBIO

Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a). Oliveira, Matheus Resende Pires de Oliveira Identidade Cultural nas Experiências de Intercâmbio / Matheus Resende Pires de Oliveira Oliveira - São Paulo (SP), 2019. 88 f.: il. color. Orientador(a): Ana Lúcia Reboledo Reboledo Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em DESIGN - LINHA DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM DESIGN GRÁFICO ) - Centro Universitário Senac, São Paulo, 2019. 1. Identidade 2. Intercâmbio 3. Motion Graphics 4. Vídeo Ensaio I. Reboledo, Ana Lúcia Reboledo (Orient.) II. Título

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Santo Amaro como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Design Gráfico. Orientadora: Prof. Ana Lúcia Reboledo Matheus Resende Pires de Oliveira 2019


AGRADECIMENTOS Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por todo cuidado e por cada oportunidade de estudo que até hoje geraram esse trabalho. Agradecer aos meus pais e irmã pelo apoio nas minhas decisões e por entenderem os processos que tenho passado. Agradeço a Ana Lúcia pela orientação nesse trabalho, pelas referências e direções, e por acreditar nos meus processos criativos, assim como Régis Rasia por ter participado da primeira banca e me ajudado a direcionar o trabalho, e Rafael Beraldo por ter aceito o convite para contribuir na banca final do projeto. Obrigado Priscila Midori, Nicholas Requena, Lucas Alves, Luiz Filipe e Karen Deguchi por tornarem públicas suas experiências de intercâmbio, tanto nas suas partes boas quanto aquelas que os confrontaram. Sem vocês esse trabalho 6

não teria acontecido. Obrigado especial à Thaís Germano, Priscila e Nicholas, por participarem das primeiras entrevistas que infelizmente tiveram que ser refeitas. À todas as pessoas que conheci durante a graduação: amigos, colegas e professores que contribuíram tanto para o meu crescimento profissional quanto pessoal. Senac, obrigado pelo curso e pela oportunidade de intercâmbio acadêmico ambos me revelaram uma visão mais profunda do mundo e revelara suas complexidades.


RESUMO O presente trabalho tem como objetivo o desenvolvimento de um vídeo ensaio com intervenções gráficas, que busca entender de forma crítica e poética as mudanças que intercambistas sofreram durante seus períodos de viagens, e como suas relações com os outros, no caso pessoas locais, afetam sua percepção sobre o mundo e sobre si mesmos. O viajante é uma figura importante em toda a história da humanidade. Desde a antiguidade, as percepções do mundo são formadas pelos relatos de viajantes Palavras-chave: 1. identidade 2. intercâmbio 3. motion graphics 4. vídeo ensaio

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que são transformados por suas viagens. Seus relatos já percorreram vários saberes e mídias: a história oral, livros e filmes. A análise de mais diversos trabalhos de viajantes reais e fictícios através da história, foram neste trabalho, de encontro com ex intercambistas para a composição do vídeo ensaio. Além da pesquisa teórica sobre o viajante, também foi estudado sobre a história e influência do Motion Graphics, assim como o conceito e a percepção de documentários.


SUMÁRIO 12//// Objetivo 13//// Justificativa 14//// Procedimentos Metodológicos 16//// Fundamentos Teóricos 17........ 1. O viajante na Antiguidade 18....... 2. O viajante na Idade Média 24...... 3. O viajante na Modernidade 29...... 4. O viajante na Pós Modernidade e o intercâmbio 34...... 5. O Motion Graphics 38...... 6. O documentário e o narrador 43...... 7. Motion Graphics em documentários 47//// Requisitos para o Projeto 48//// Estudos de Concepção 51//// O Vídeo Ensaio 51....... 1. Textos Poéticos 58...... 2. Entrevistas 62...... 3. Roteiro e Edição 63...... 4. Edição do Motion Graphic 64...... 5. Referências Gráficas 68...... 6. Storyboard 72...... 7. Paleta de Cores 73...... 8. Tipografia 74...... 9. Sonorização 75//// Considerações Finais 76//// Referências Bibliográficas 82//// Lista de Imagens


OBJETIVO Objetivo Geral Esse projeto teve como objetivo estudar as motivações dos viajantes através do tempo e sua relação com a aquisição do conhecimento, para estabelecer conexões com o universo das viagens de intercâmbio da atualidade. Sistematizar criticamente a importância sociocultural das experiências que são estabelecidas durante o intercâmbio em um vídeo ensaio, apoiado no Motion Design.

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JUSTIFICATIVA Objetivos específicos I) Entender as relações do viajante através do tempo, na Antiguidade, Idade Média, Moderna e Contemporânea. II) Analisar e refletir entre viagens e as relações interpessoais construídas. III) Desenvolver com base em uma análise crítica sobre os viajantes e suas relações com os ambientes, um material audiovisual aplicando o design como design em movimento (Motion Graphics), não só como tipografia em movimento mas também com as mais variadas interferências visuais.

Segundo pesquisa realizada por We Are Social em julho de 2018, 54% da população mundial é usuária da internet, sendo que 52% desse tráfego da internet vem de celulares e smartphones (WE ARE SOCIAL / 2019). A internet tem possibilitado a troca de informações com uma quantidade e velocidade que não eram possíveis antes de sua existência, com isso as relações internacionais crescem cada vez mais, e transformam as possibilidades de comunicação com o ambiente e populações. No mundo globalizado essa troca de informações não se restringe ao meio digital. Primeiramente a troca de informações a longa distância surgiu da permuta geográfica em viagens realizadas pelos mais diversos motivos, entre eles a busca por conhecimento técnico e dominação política. Ainda hoje as viagens continuam sendo relevantes para o conhecimento técnico, conforme pesquisa realizada pela Associação das

Agências Brasileiras de Intercâmbio (Belta), o mercado de educação estrangeira no Brasil cresceu 23% em 2017, o que movimentou entre 2,7 e 3 bilhões de dólares (BELTA / 2018). Mas como essas relações com o estrangeiro influenciaram e continuam influenciando nossas percepções de mundo? Essa pesquisa pretende focar mais no sentido filosófico e contemplativo do estrangeiro, e gerar uma crítica social-poética enfatizando autores que tiveram esse olhar nas suas obras, como Baudelaire e o conceito de flâneur. Outras pesquisas levantaram questões importantes sobre o intercambista como o mestrado de Ivy Lima e Silva “Relações de alteridade no contato intelectual: Perspectivas de estudantes estrangeiros na Universidade de São Paulo”, mas tais trabalhos sobre intercambistas tiveram um olhar mais prático em suas obras.

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Levantamento inicial de bibliografia para o projeto Foi levantado os livros e autores principais que compuseram o projeto, para início foram escolhidos autores que focam mais na poética sobre o viajante e que em retrospectiva criaram histórias e relatos sobre vivências diárias durante os tempos, como exemplo o livro Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino. Também foram considerados autores que debateram com um olhar poético sobre o diário, tendo como principal autor o Baudelaire e seu conceito de flâneur.

Referências e pesquisas sobre Motion Graphics Uma das principais formas de manifestações de ideias em Design quando aplicado em vídeos, é o Motion Graphics que dá não só a forma, mas o movimento para engajamento do público em tópicos e questões diversas. Para entender melhor o estado do Motion Graphics atualmente, foi realizado um levantamento da situação atual, designers importantes na área e exemplificações bases para guiar a construção do vídeo ensaio.

Levantamento de materiais audiovisual para pesquisa teórica Além da bibliografia também foram escolhidos filmes que tratam do tema do viajante, para se ampliar as formas que o tema pode se tomar. 15


FUNDAMENTOS TEÓRICOS 1. O viajante na Antiguidade A Antiguidade é marcada por grandes peregrinações, o crescimento e o final de importantes civilizações. No Oriente, os egípcios construíram uma civilização relevante, marcada por suas pirâmides, formas de escrita e avanços em diversas áreas da ciência que são intrigantes até os dias de hoje. No âmbito dos viajantes no Oriente, também podemos pontuar os hebreus que continuam exercendo relevância histórica. A Bíblia como documento que trata as viagens e peregrinações do povo hebreu nos conta muitas histórias. Uma das mais relevantes do velho testamento é a história de Abraão, que liderou seu povo para uma nova terra, passou por diversos conflitos com outros povos, e a partir dele novas gerações de outras histórias e peregrinações foram criadas na Bíblia,

como Jacó, Moisés, Davi e Jesus. No Ocidente é possível pontuar Homero, e suas histórias Ilíada e Odisséia ambas possuem como pretexto a Guerra de Tróia, essas histórias marcaram a Grécia antiga. Os personagens de suas histórias são continuamente mencionados e usados em diversos âmbitos culturais. Ambas coleções de histórias influenciaram o mundo na política, filosofia, artes e sociologia. As histórias que sobreviveram da Antiguidade até o presente foram contadas em diversos momentos da História e possuem um valor inestimável para a recontar as influências e pensamentos da sociedade através do tempo.

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2. O viajante na Idade Média Nomeada “Idade Média” pelos artistas renascentistas (séc. V e XV), foi um período que o discurso iluminista chamou de “Idade das trevas” pelo fato do conhecimento estar muito atrelado à instituições religiosas, e o movimento iluminista propunha trazer luz para o novo mundo, mas na verdade as descobertas que possibilitaram o discurso iluminista estavam na Idade Média. A igreja dominou grande parte do Ocidente, e era onde os intelectuais estavam majoritariamente inseridos. As viagens em grande escala da época aconteciam por conta de guerras e domínio de povos, um dos grandes marcos foram as cruzadas, quando cristãos lutaram contra muçulmanos para o domínio da terra santa. Apesar do domínio religioso, a cultura e o conhecimento se desenvolveram de diversas maneiras, não por acaso as Universidades se desenvolveram no período. Também a pintura evoluiu enquanto representava histórias religiosas nos mais diversos substratos e na arquitetura o estilo gótico marcou as construções do período. Um tópico interessante para se observar é a questão do conhecimento da medicina, ela avançou lentamente e foi dividida entre a medicina teórica e a medicina prática, como explicado por Cybele Crossetti Almeida: 18

A partir do século XIII os avanços em medicina começam a aparecer cada vez mais ligados a essas instituições (MARGOTTA, 1998, p. 59) e não tardará muito até que elas - à semelhança das corporações de ofício, nas quais se inspiram - desenvolvessem pretensões de monopólio sobre a prática médica. Assim foi sendo criado um fosso entre a medicina “teórica” ou erudita e a medicina “prática”, entre os médicos e os cirurgiões ou “barbeiros” que - além das atividades típicas da sua profissão - exerciam funções médicas consideradas mais simples, como a sangria. Os teóricos conheciam os clássicos da Antiguidade, mas lidavam pouco com os problemas concretos e mantinham-se excessivamente ligados à tradição. Já os “práticos”, sem formação formal, agiam somente com base na experiência, muitas vezes misturada com crendices, práticas mágicas e supersticiosas. (ALMEIDA, 2009, p.45) Conhecidos como barbeiros, estas práticas eram vistas à margem da sociedade, perseguidos pelos líderes religiosos, então uma de suas características era a peregrinação de cidade em cidade procurando pacientes. O viajar para eles era voltado para a sobrevivência em sua profissão e uma visão prática da

resolução dos problemas, seu conhecimento aumentava a cada novo paciente tratado, cada nova experiência, rumor e crença. No filme “O Físico” (2013) podemos encontrar justamente esse cenário da Idade Média, na própria introdução encontramos um resumo do cenário que se aproxima muito da realidade: “Na idade média, a arte de curar desenvolvida na era romana foi quase totalmente esquecida na Europa. Não há médicos nem hospitais, somente barbeiros ambulantes com conhecimento escasso. Ao mesmo tempo, do outro lado do mundo a ciência médica está prosperando” (O FÍSICO, 2013) Continua sendo narrada a história de Rob, o personagem principal, que é um menino pobre, cristão que trabalha nas minas de carvão. Sua mãe adoece ainda muito jovem e acaba o deixando sozinho, a igreja não o acolhe, então Rob resolve ir atrás do barbeiro que estava na cidade para ter como trabalhar e sobreviver. Nesses primeiros minutos do filme já nos é apresentado o cenário tenso entre os padres e os barbeiros, já que sua ciência era considerada bruxaria. Rob cresce com o barbeiro, aprendendo técnicas de cura na prática como amputação de membros, retirada de dentes etc. Com o tempo o barbeiro fica cego, e

a primeira diferença cultural nos é apresentada: Os únicos que sabiam cuidar de cataratas eram os Judeus, e o barbeiro como cristão não queria se envolver com eles. Rob se mostra diferente, pois admira o conhecimento do outro povo mesmo sendo de outra religião e mesmo com as rixas que os envolviam, essa característica de admiração se torna essencial para o personagem. O barbeiro é curado e Rob pergunta aos judeus onde adquiriram o conhecimento para a cura da catarata, então o judeu mostra que foi no Oriente, do outro lado do planeta onde aprendeu com o mestre Ibn Sina e sua universidade, mas que por conta da religião, Rob nunca conseguiria chegar lá pois seria morto no caminho. O personagem Rob é um exemplo metafórico de intercambista na Idade Média, ele ansiava pelo conhecimento e decidiu atravessar o mundo, se passar por membro de outra religião e condições extremas para chegar a uma nova oportunidade de aprendizado. Rob se passa por judeu durante toda sua viagem, e tenta imitar seus companheiros de viagem judeus para não ser morto. No filme, até Rob chegar a Ibn Sina, demorou por volta de 1 ano, condições que para os dias de hoje são inimagináveis, já que por volta de 30 horas conseguimos chegar ao outro lado do planeta com os aviões. 19


Também nos é retratado um mundo muito segmentado e dividido por povos, crenças e autoridades, que são fatores no âmbito geral muito mais impeditivos do que no século XXI. Rob se coloca como um desbravador do Oriente, tentando criar conexões além dos desafios impostos, por mais que ele tivesse que mudar seus costumes e suas relações com os outros. As diferenças culturais teriam que ser superadas para que pudesse ser ensinado como nunca seria em sua terra natal. O filme foca muito nas relações e costumes dos diferentes povos, na universidade de Ibn Sina encontramos judeus e muçulmanos convivendo diariamente em paz, pois as suas diferenças eram menores do que seu interesse em comum pela oportunidade do conhecimento da medicina. “O Físico” nos mostra um resumo dos extremos da Idade Média, as condições precárias de vida e de viagem, as rixas intensas entre as religiões e seu âmbito governamental. O filme também revela o conhecimento como maior alvo a ser atingido com a superação desses fatores, e que a tolerância, o processo de conhecer o outro e de se colocar no lugar do outro são tão importantes quanto o conhecimento em si, não nos fazendo perder nossa identidade nem o que acreditamos, antes isso agrega a nossa visão de mundo. A medicina na Idade Média se de20

senvolveu grande parte pela prática dos barbeiros, e pelos riscos que sofreram, e também por aqueles que se arriscaram a enfrentar partes dos desafios apontados para o seu desenvolvimento. Diversas outras histórias aconteceram no Oriente durante esse mesmo período. Marco Polo foi uma figura de viajante importante, apesar de existir uma grande discussão se ele realmente chegou a visitar a China ou não. Suas histórias estão em diversos âmbitos da arte, como na literatura e cinema. No livro As cidades invisíveis, Ítalo Calvino explora a poética do personagem Marco Polo e sua visão peculiar das cidades que Kublai Khan o fazia visitar nas missões diplomáticas. No livro, Marco Polo descreve as cidades não por suas características geográficas e políticas, como outros faziam, ele as tornava símbolos vivos da humanidade. Ao retornar das viagens designadas por Kublai, o engenhoso estrangeiro improvisava pantomimas que o soberano precisava interpretar: uma cidade era assinalada pelo salto de um peixe que escapava do bico de um cormorão para cair numa rede, outra cidade por um homem nu que atravessava o fogo sem se queimar, uma terceira por um crânio que mordia entre os dentes verdes de mofo uma pérola alva e redonda. O Grande Khan decifrava os símbolos,

porém a relação entre estes e os lugares visitados restava incerta: nunca sabia se Marco queria representar uma aventura ocorrida durante a viagem, uma façanha do fundador da cidade, a profecia de um astrólogo, um rébus ou uma charada para indicar um nome. Mas, fosse evidente ou obscuro, tudo o que Marco mostrava tinha o poder dos emblemas, que uma vez vistos não podem ser esquecidos ou confundidos. Na mente do Khan, o império correspondia a um deserto de dados lábeis e intercambiáveis, como grãos de areia que formavam, para cada cidade e província, as figuras evocadas pelos logogrifos do veneziano. (CALVINO, 1990, p.25 e p.26) A visão dele ia muito além da visão superficial, não era como uma fotografia de uma praia que ilustra muito bem como ela se assemelha, antes Marco Polo mostrava as cidades como a própria experiência de se banhar ao mar, sentindo o sol, areia e água, compondo assim uma pintura viva e possível de ser experimentada. Suas histórias deixavam Khan intrigado e elas o faziam montar um quebra-cabeça de vivências e não somente de dados factuais. Durante todo o livro, é ressaltado que o físico era somente um pretexto para o vivido em cada cidade. No capítulo “A cidade e a memória”, ele ressalta que as histórias que envolvem a cidade são mais

valiosas para a descrição da mesma, e os objetos que as compõem são somente pretextos para as suas histórias: Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da circunferência dos arcos dos pórticos, de quais lâminas de zinco são recobertos os tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado: a distância do solo até um lampião e os pés de um usurpador enforcado; [...] A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras. (CALVINO, 1990, p.14 e p.15) Surgem então algumas perguntas: Será que para um viajante, as histórias vividas por ele nos locais visitados não têm mais importância do que os próprios ambientes? Será que os objetos e lugares não são somente símbolos daquilo que impacta, toca e transforma o viajante? 21


Os locais por si só, em geral, não expressam importância, seus objetos e situações só se tornam relevantes para o viajante quando ele participa dos acontecimentos, quando aquelas situações distantes se aproximam de sua realidade, não só geograficamente, mas sim de uma forma pessoal e intrínseca à sua realidade. Nos textos do livro Cidades Invisíveis isso fica extremamente claro, pela constante lembrança de que os locais com seus dados factuais que são tão importantes para o império, não expressam importância para o viajante Marco Polo, e sim somente aquilo que o personagem observa, interpreta e o impacte das suas viagens. Os textos também levantam questões quanto aos símbolos que o próprio viajante repete na sua memória, para que a versão concreta da cidade seja tão grandiosa quanto a versão da cidade vivenciada: [...] A cidade é redundante: repete-se para fixar alguma imagem na mente. Também retorno de Zirma: minha memória contém dirigíveis que voam em todas as direções à altura das janelas, ruas de lojas em que se desenham tatuagens na pele dos marinheiros, trens subterrâneos apinhados de mulheres obesas entregues ao mormaço. Meus companheiros de viagem, por sua vez, juram ter visto somente um dirigível flutuar entre os 22

pináculos da cidade, somente um tatuador dispor agulhas e tintas e desenhos perfurados sobre sua mesa, somente uma mulher-canhão ventilar-se sobre a plataforma de um vagão. A memória é redundante: repete os símbolos para que a cidade comece a existir. (CALVINO, 1990, p.23) Se a cidade exausta seus símbolos para ser lembrada, a própria memória do viajante também exausta os símbolos de suas viagens, revisitando constantemente os símbolos vividos para uma construção maior do seu que próprio ambiente físico, para compor a grandiosidade que ele tem sobre suas experiências. Em todos os capítulos de Cidades Invisíveis, Ítalo Calvino questiona e analisa as interações dos viajantes com a cidade. Entre vários temas, Ítalo Calvino comenta os anseios do viajante, e como esses desejos determinam sua visão da cidade: “Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe; é assim que o cameleiro e o marinheiro veem Despina, cidade de confim entre dois desertos.” (CALVINO, 1990, p.22) Os anseios do cameleiro, o faz olhar a cidade como um porto, já o marinheiro percebe a cidade como terra firme. Ambos desejam o seu oposto, mas em sua essência ambos desejam pelos confortos que não possuem. As histórias de Marco Polo no livro

Cidades Invisíveis, são como parábolas para quem as lê, fazem surgir questionamentos e fazem o leitor entender sua condição, não só como um viajante, mas nas suas relações diárias com o mundo ao seu redor. A figura do viajante deixa de ser sobre aquele que se desloca geograficamente, para aquele viajante do dia a dia que vivencia as diversas situações onde e como estiver. Elas dizem muito mais do que as condições da época, elas expressam e analisam as angústias e olhares do viajante contemporâneo. Contam sobre um viajante que está sempre aprendendo sobre si quando se dispõe a conhecer o outro.

em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos — Você viaja para reviver o passado? — era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: — Você viaja para reencontrar o seu futuro? E a resposta de Marco: — Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá. (CALVINO, 1990, p.28 e p.29)

Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos. Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás; ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até outra cidade 23


3. O viajante na Modernidade O fim da Idade Média se dá com o começo do Renascimento. Esse período foi marcado pela disrupção de diversos pensamentos da época que contribuíram para avanços tecnológicos e científicos. Durante o Renascimento, começo da valorização da cultura clássica e a sua mistura com o cristianismo. O humanismo começa a colocar o homem como centro de tudo, com isso os estudos de filosofia voltam a ser realizados. Isso influenciou todos os âmbitos da sociedade, nas artes é possível citar Leonardo Da Vinci e Michelangelo com seus estudos da forma humana, na literatura Luís de Camões com “Os Lusíadas”, Shakespeare com suas diversas obras e Dante Alighieri com “A Divina Comédia”. Cristóvão Colombo foi uma figura de extrema importância para a Europa, ele revelou aos europeus o Continente Americano, apesar de ter encontrado muitas dificuldades para realizar tal feito, como a dificuldade inicial de encontrar patrocínio para suas viagens, o mar revolto, problemas com a embarcação durante a viagem em si, e conflitos violentos nas terras que descobriu. Eu seu diário de viagem, contado através do livro “Diários da Descoberta da América”, podemos entender melhor quem foi Cristóvão Colombo, seus sonhos como navegador e viajante. Seu maior sonho 24

era encontrar um caminho para as Índias pelo Ocidente, pois o caminho terrestre criado por Marco Polo era muito demorado e trabalhoso, ele acreditava fortemente que a Terra era redonda e que era então possível chegar às Índias dando uma volta pelo Planeta, ao contrário do pensamento da época. Só foi encontrar apoio pela realeza espanhola, que ofereceu os barcos e a tripulação para essa viagem completamente incerta, e a própria tripulação estranhava Cristóvão Colombo. Em determinado momento da viagem pensaram em matá-lo para voltarem vivos à Espanha: O almirante era um estrangeiro, não gozando de favor algum, tendo sido sempre desaprovado e sua opinião contradita por tantos homens doutos e sábios, e ninguém agora o apoiaria ou defenderia. E não faltou quem falasse que a discussão deveria cessar - isto era o melhor - e que se o almirante não quisesse renunciar ao seu projeto eles podiam jogá-lo ao mar, e proclamar em seguida que ele tinha caído por descuido. (COLOMBO, 2013, p.11 e p.12) Mas Cristóvão os convenceu de que não era o melhor a ser feito, prometendo ouro e glória para os tripulantes. A visão de Cristóvão Colombo quando chegam a

Cuba, sua primeira terra firme, é de fascínio. Ele pensava estar em alguma parte da Índia, mas questiona e descreve os ambientes e frutos com grande maravilha e prazer, seu objetivo final da viagem era o ouro mas seu diário de viagens escrito como se fora um poeta: Bandos de papagaios escondem o sol. Pássaros e pequenos pássaros de tantas espécies e tão diferentes dos nossos que é uma maravilha. Árvores de mil tipos, com frutos diversos, e tal perfume, que é maravilha. Fico triste de não conhecê-los: certamente são tão bons.” (COLOMBO, 2013, p.15 e p.16) Cristóvão se alegra imensamente com suas descobertas, assim como Marco Polo contava ao Khan de suas viagens, Cristóvão Colombo anota em seu diário de viagens as maravilhas da nova terra para rainha Isabel. Seus sonhos, dificuldades e situações diárias anota em seu diário de viagem, ele queria descobrir os mitos anotados por outros viajantes e descobridores, queria descobrir e se transformava enquanto descobria, assim como Marco Polo: “Porque ele partiu para novas viagens, em busca do Grande Cã, sempre na mesma rota. Mas em cada uma destas jornadas, o mundo e o seu próprio mundo se modificavam brutalmente.” (COLOMBO, 2013, p.19)

As viagens e descobertas são fontes de inspiração, mas são as mesmas que nos mostram quem somos, e ao mesmo tempo nos transformam. Cristóvão Colombo descobriu muito sobre os tripulantes, companheiros em suas viagens, assim como, descobriu que os locais divergiam de sua expectativa. Isso fica extremamente evidente quando chega às Américas e pensa estar em alguma parte da Índia. Sua visão estava ofuscada pelos seus conceitos de como a Terra era formada. Diversas vezes os viajantes estão em uma situação parecida, em que suas expectativas e suposições sobre os lugares visitados os ofuscam evitando seu entendimento sobre onde realmente estão, sobre os problemas locais e suas complexidades. As suposições de Colombo foram desconstruídas enquanto se comunicava com os nativos, enquanto eles os mostravam como era a região habitada. Cristóvão espantou-se e se maravilhou por ter encontrado parte da América, mas ao mesmo tempo desejava modificá-la para seus padrões ideais.

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Ele olha tudo com os olhos de Marco Polo e com o mapa de Toscanelli: como colar a realidade ao sonho ou aquilo que entendia como Ciência? O outro conflito é que Colombo também sonha com o ouro e com a cristianização das almas dos habitantes destes lugares. Pode ser o Paraíso. Mas é um Paraíso que ele quer tocar e transformar. (COLOMBO, 2013, p.16) As viagens sempre foram marcos de mudanças em sociedades, que vão muito além do comércio e conhecimento técnico. Quando uma viagem acontece, ocorre uma troca de culturas envolvendo ambas as partes se fazendo conhecidas uma a outra, sua visão de mundo, seus ideais, seus hábitos e ambições. Qualquer indivíduo que realiza uma viagem, reconhece hábitos e situações que prefere por ser parecido com sua própria cultura, mas ao mesmo tempo reconhece a cultura do outro. Os diários de bordo de viajantes se tornaram as únicas fontes de informação sobre as Américas na Europa pós-1500 por um longo período. Suas histórias misturavam o fantasioso com o real, tornando difícil a distinção para os leitores. Por conta de tantos costumes diferentes dos povos europeus, eles começaram a atribuir seus valores morais cristãos sobre os acontecimentos descritos. Todos esses diários e histórias moldaram a visão do Brasil para o restante do mundo, 26

impactando até hoje o imaginário dos estrangeiros. (RASIA, 2018) Suas histórias então, acabam dizendo mais sobre os próprios viajantes do que os lugares visitados. Seus preconceitos, valores e imaginário refletem nas suas experiências de viagem. Aquilo que se experimenta passa a agregar mais profundamente do que um primeiro olhar possa interpretar. O Modernismo foi marcado por mudanças extremas, essas transformações tiveram tanta intensidade que o autor Nicolau Sevcenko as definiu como uma montanha-russa em seu livro “A corrida para o século XXI”. A subida da montanha-russa é marcada por um otimismo Europeu que se eleva acima das outras civilizações com seu domínio das forças naturais, novos meios de comunicação, transporte e novos tipos de armas entre os séculos XVI e XIX. Esse domínio técnico garantiu à Europa a conquista de grande território global, no qual gerou uma grande acumulação de riqueza. Após a grande subida em uma montanha-russa, vem a grande queda que nos pega desprevenidamente, nos faz perder nossas referências de espaço e controle sobre as circunstâncias que nos rodeiam. Isso aconteceu por volta de 1870 com a Revolução Científico-Tecnológica, que gerou novas formas de uso e produção de energia elétrica, novos meios de comunicação como o telégrafo, rádio,

cinema e fotografia, e os diversos novos meios de transporte como os carros, motocicletas e caminhões (SEVCENKO, 2001). O Modernismo também foi um momento no Design que enxergava os consumidores com um senso comum em toda parte do mundo, esse pensamento foi chamado de Design Universal. Todos esses avanços de poderes e tecnologias foram amplamente influenciados pela Primeira Guerra Mundial, mudando completamente nossas relações geográficas, consequentemente nossas relações com o estrangeiro. Durante esse período de mudanças, surgiram diversos autores que criticaram o modo que a tecnologia mudou as relações humanas, gerando reflexões que são válidas até os dias de hoje. No livro “Além do Planeta Silencioso” de C.S. Lewis, o autor nos coloca em uma viagem espacial para Marte. Nessa viagem o personagem principal Elwin Ransom, um professor de Filologia, é sequestrado por dois cientistas que já tinham explorado Marte para adquirir riquezas, mas voltaram assustados pensando que os habitantes desejavam um sacrifício humano. Os cientistas levam Ransom para ser sacrificado, mas quando chegam novamente a Marte, Ransom conseguiu fugir dos cientistas. Durante o livro, o autor nos mostra que os habitantes de Marte não tinham nenhum tipo de interesse no sacrifício humano, na verdade

a maldade e a ganância não eram conceitos que os habitantes entendiam e conheciam (LEWIS, 2019). O livro “Além do Planeta Silencioso” utiliza-se da tecnologia, que estava em ascensão na modernidade, como pano de fundo para ressaltar as diferenças culturais e a desconstrução de pensamento que ocorre nos mais diversos tipos de viagens. Esse mesmo fenômeno já mencionado nas viagens de Cristóvão Colombo para América, só ressalta que o viajante carrega um pré-conceito de como os lugares são, de como as pessoas se relacionam no lugar e como a vivência diária é diferente da observação distante. Walter Benjamin no livro “Baudelaire e a modernidade” discute bastante sobre a observação, mas uma observação do diário e das relações humanas no qual está inserido. Na Modernidade, era a primeira vez que tantas pessoas viviam juntas em cidades tão industriais, o tempo tomou uma nova forma e a velocidade do dia a dia começou a tomar cada vez mais importância. Aqui nasce a sociologia para tentar compreender estas novas relações e dinâmicas sociais. Em nenhum momento antes se haviam tantas pessoas em único transporte público, por exemplo, no qual ninguém conhece ninguém e a observação sobre o outro tomou uma nova dimensão.

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Simmel encontrou uma expressão feliz para essa problemática: “Quem vê sem ouvir fica muito mais inquieto do que aquele que ouve sem ver. Esse fato contém algo muito característico da sociologia das grandes cidades. As relações recíprocas dos seres humanos nas grandes cidades… caracterizam-se por um evidente predomínio da atividade do olhar sobre a do ouvido. As causas principais desse estado de coisas são os meios de transporte coletivos. Antes do aparecimento do ônibus, do trem, do bonde no século XIX, as pessoas não conheciam a situação de se encontrar durante muito minutos, ou mesmo horas, a olhar umas para as outras sem dizer uma palavra” (BENJAMIN, 2015, p.40) Esse tema sobre o transporte público também foi explorado por Stanley Milgram, como relatado no filme “O experimento de Milgram”, entre os citados no filme é mostrado um experimento social, no qual fotografou a estação de trem que utilizava diariamente, e pediu ao seus alunos para entrevistarem as pessoas que apareciam na fotografia, perguntando se elas reconheciam outras pessoas na foto. Muitos disseram que reconheciam outras pessoas e imaginavam o que eles faziam no dia a dia, Milgram então afirma que elas provavelmente nunca iriam conversar umas com as outras a menos que algum caso extremo as fizessem se 28

comunicar diretamente. Walter Benjamin também dá grande atenção em seu livro para o que Baudelaire chamou de flâneur, e o nomeia “Botânico do asfalto” (BENJAMIN, 2015). O flâneur é um poeta que se sente realmente em casa só em meio à multidão, e ao observá-la, descobre algo que o intriga, indo atrás de suas histórias quase como um detetive. Um viajante se coloca nesse estado de flâneur quando se vê em novos lugares. São nas viagens que o véu de seus olhos sobre as relações diárias das cidades, cai, seja pelo desconhecido ou pelo simples fato de não saber o que esperar, logo observa, se intriga e questiona. Isso é evidente em diversos poemas e diários de viagens realizados ao longo do tempo, no qual os viajantes sempre escrevem, maravilhados por suas descobertas, detalhes que passam despercebidos pelos olhares acostumados com aquela visão (BENJAMIN, 2015). O flâneur é a pessoa que não se acostuma com a multidão, e são na verdade, os detalhes que a intrigam: A rua se transforma na casa do flâneur, que se sente em casa entre as fachadas dos prédios, como o burguês entre as suas quatro paredes. Para ele, [...] os quiosques de jornais são as suas bibliotecas, e as esplanadas as varandas de onde, acabado o trabalho, ele observa a azáfama da casa. (BENJAMIN, 2015, p.39)

Esse estado de observação contínuo é encontrado no livro “O Estrangeiro” de Albert Camus, o personagem é extremamente intrigante, mas na sua narração é como se ele mesmo só estivesse observando as situações que sofre. O espírito do flâneur é fortemente encontrado no personagem quando está na sacada, observando as multidões irem e virem, pontuando como a tecnologia está mudando a cidade e como as relações estão se transformando ao longo do tempo. O personagem de “O Estrangeiro” é uma mistura da embriaguez do flâneur com uma profunda questão existencialista. O livro de Nicolau Sevcenko, “A corrida para o século XXI”, após mencionar as duas guerras mundiais, continua a discorrer sobre a Guerra Fria e como isso voltou a retomar os avanços tecnológicos. Sevcenko ressalta a importância da crítica à tecnologia massificada que transforma nossas relações humanas, para que a sociedade não seja mais pega de surpresa com o mau uso das tecnologias e então paremos e pensemos que já é tarde demais. Essa crítica existiu na Modernidade, mas ainda assim não foi o suficiente para evitar o que ele chama de looping da montanha russa, no qual a tecnologia e a sociedade estão criando tanto e mudando tanto que simplesmente aceitamos as transformações que ocorrem na nossa sociedade:

A intenção desse texto é tentar contribuir para que isso não ocorra, ou seja, para que, aturdidos por esse efeito desorientador de aceleração extrema, não nos sintamos dispostos a ceder, desistir, e nos conformar com o que der e vier. (SEVCENKO, 2001, p.17) De acordo com Nicolau, estamos vivendo no looping da montanha-russa na pós-modernidade e precisamos fortalecer as vozes críticas sobre como nossas relações estão mudando em vista da tecnologia. 4. O viajante na Pós Modernidade e o intercâmbio O Design Pós-Moderno, é provavelmente uma das grandes formas da crítica reflexiva sobre o pensamento moderno. Foi desfeita a ideia do Design Universal, entendendo que a pessoa que vive em outro país provavelmente não entenderá o que é o botão no produto, se ela nunca teve acesso a algo do gênero. A partir da pós-modernidade houve uma valorização muito maior sobre as produções locais e vernaculares, também foi melhor aceita a ideia de que os objetos e produtos não precisam ser entendidos por todos e útil para todos. Os anos 90 e 2000 foram definidos pelo avanço tecnológico ainda maior do 29


que na modernidade. Os smartphones foram criados e aprimorados resultando numa máquina poderosa na mão de milhões de usuários diários. As redes sociais foram criadas e nunca se viu tanto o compartilhamento de imagens e pessoas conectadas. A distância não importa mais tanto, pois a todo momento podemos nos comunicar com alguém que está do outro lado do planeta. De acordo com a pesquisa “2018 Global Digital” da We Are Social, em 2018 foi ultrapassada a marca de 4 bilhões de usuários com acesso à internet, que é equivalente a 53% da população mundial. Existem mais de 5 bilhões de usuários de celulares e mais de 3 bilhões de usuários de redes sociais (WE ARE SOCIAL / 2019). Nunca antes na história houve uma sociedade global tão conectada como atualmente, assim também a cultura dos continentes, países e cidades se modificam com a visão internacional, influenciando um ao outro assim como Marco Polo era influenciado sobre os lugares que viajava. O acesso a informação modifica nossa relação com o outro, e nossos mundos individuais ficaram muito mais evidentes com a tecnologia que tem explorado esse comportamento. Essa diversidade de pensamentos é muito evidente no livro “Ar Condicionado” de Gustavo Piqueira, o livro é formado por silhuetas 30

humanas sobrepostas ou interagindo entre si, com textos quebrados, representando seus pensamentos, inseridos dentro de sua figura. Em primeiro momento não se parece um livro possível de leitura, mas o próprio autor na introdução informa que mesmo que não pareça, o livro foi criado para ser lido. Essa sobreposição de informação é simplesmente um retrato do dia a dia nas cidades, Walter Benjamin fala sobre o mesmo tópico em “Baudelaire e a modernidade” Aquelas centenas de milhares, de todas as classes e posições, que aí se acotovelam não serão todas elas pessoas humanas com as mesmas qualidades e capacidades e com o mesmo desejo de ser feliz?... Apesar disso, passam correndo uns pelos outros, como se não tivessem nada em comum, nada a ver uns com os outros; [...] Essa indiferença brutal, o isolamento insensível do indivíduo nos seus interesses privados é tanto mais chocante e gritante quanto mais esses indivíduos se comprimem num espaço exíguo. (BENJAMIN, 2015, p.60) As viagens também mudaram, hoje existe muito mais mobilidade e então o turismo cresceu exponencialmente. O turismo adquiriu uma importância tão enorme que em algumas cidades no mundo, a principal forma de arreca-

Figura 01 - Páginas do livro “Ar Condicionado” de Gustavo Piqueira

damento monetário, é o turismo. Já as viagens de uma duração mais longa, no qual o principal motivo dela é o estudo, hoje se é comumente chamado de intercâmbio. O intercâmbio é muito mais institucionalizado do que anteriormente, e a globalização instiga aos países a criarem oportunidades para que exista essa troca de aprendizado com outras nações e fronteiras. Como é, então, a experiência de se viver em outro país num mundo globalizado? Será que as fronteiras culturais são ultrapassadas facilmente por esses estudantes? Será que as inquietações e

experiências do perfil do viajante através do tempo, ainda se encontram no intercambista contemporâneo? O mestrado de Ivy Lima sobre as relações e contato intercultural de intercambistas para a Universidade de São Paulo, propôs diversas reuniões com intercambistas internacionais que estavam estudando na Universidade de São Paulo. Durante a primeira reunião foi enfatizado quanto o intercâmbio fez os participantes terem um novo olhar sobre seus preconceitos. Alguns sofreram preconceitos por serem da América Latina, outros mudaram sua visão sobre 31


o Brasil e brasileiros durante o próprio intercâmbio. Um ponto levantado pela participante Olivia, foi a importância de envolvimento no intercâmbio: Olivia comentou que os intercâmbios de seis meses eram muito curtos e apresentou que considerava fundamental não ter medo na experiência de intercâmbio. Trouxe exemplos de estrangeiros que não se comunicavam com os brasileiros e tinham dificuldades de adaptação: “não que não se adaptem, é que não fazem também por se adaptar.”. Nesse ponto Bianca concordou em se aventurar. (SILVA, 2016) O mestrado de Ivy Lima abriu portas para a discussão das dificuldades do intercambista contemporâneo, e o quanto essa viagem o modifica, apesar de não ter proposto uma visão crítica sobre os assuntos levantados pelos entrevistados. O viajante contemporâneo vivencia mais as questões levantadas pelos viajantes antigos em períodos mais longos, quando ele está disposto a se abrir ao novo. O tempo de transporte é menor hoje em dia, a comunicação com as pessoas do ponto de partida é muito mais facilitada com a internet globalizada. É possível adquirir o conhecimento de lugares distantes pelo acesso da internet e ter uma visão lógica como Khan a tinha no livro “Cidades Invisíveis”. Mas 32

também a experiência da viagem de um período considerável, se prova impactante para o viajante quando ele sai de seu pequeno mundo digital e se abre a realidade de outros locais, assim como Marco Polo era modificado e impactado em suas viagens. O dicionário Dício, define Alteridade como “Caráter ou estado do que é diferente, distinto, que é outro” (2019) Ao mesmo tempo, também oferece a definição da Filosofia sobre o termo: “Circunstância, condição ou característica que se desenvolve por relações de diferença, de contraste.” As relações que acontecem nos intercâmbios são completamente impactadas pelas diferenças entre os participantes, suas origens, costumes e crenças. Ao descobrir melhor sobre quem é o estrangeiro, viajantes descobrem mais de si mesmos, definindo-se pelas diferenças e similaridades com o antes desconhecido. Seus preconceitos sobre o outro são desafiados, assim como seus preconceitos sobre si mesmos. As cidades se colocam como um pano de fundo cultural para as relações de trocas acontecidas nas viagens, elas têm muito mais significado pelos seus habitantes e acontecimentos diários, do que suas estruturas e construções geográficas. Portanto, é muito mais fácil de se reconhecer como parte da cultura do local deixado do que parte do local visitado,

ao mesmo tempo, durante o intercâmbio é mais simples se relacionar com pessoas que sofrem pelas mesmas diferenças culturais, simplesmente pela similaridades dos contrastes culturais, do que os nativos que estão acostumados e fazem parte integral do local. Logo, as viagens de intercâmbio estão muito próximas daquelas relatadas anteriormente, que com seus preconceitos, crenças e costumes tentavam entender o local. Mas ao conhecer melhor o estrangeiro, percebe que sua própria cultura e a do outro são somente mais uma entre tantas no mundo, e acaba definindo-se pelas suas trocas de diferenças, mas ao mesmo tempo reconhecendo que há sempre algo novo e uma nova oportunidade para mais uma vez passar pela alteridade.

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5. O Motion Graphics O chamado Motion Graphics ou Motion Design são abreviações de Motion Graphic Design (Design gráfico de movimento) e ele tem se consolidado grandemente no mercado atual como uma área da animação, mas não utiliza os métodos de animação tradicionais de desenho quadro a quadro, antes se apoia principalmente de métodos digitais. Sua popularização tem crescido muito com marketing para redes sociais, mas sempre existiram diversas aplicações para o Motion Graphic. Seu início não possui uma data específica, nem uma pessoa específica que criou o que se conhece hoje, mas o Motion Graphic veio principalmente do cinema, que possibilitou a mistura e experimentação de processos midiáticos para criação de audiovisuais. O Motion Graphic também não possui um criador único, antes é possível ressaltar alguns designers pioneiros no ramo, como Saul Bass, Marcel Duchamp e John Whitney. Eles tiveram grande influência no que hoje se entende e se cria com o Motion Graphic, esses designers tiveram o início de seus projetos nos anos 50, voltados para o cinema. Marcel Duchamp (1887-1968) é principalmente conhecido por seu trabalho “ready-made” que buscava inserir objetos cotidianos criados pelas indústrias, 34

Figura 02 - Círculo com escrita, frame do curta

Figura 03 - Motion Graphic do título, frame do filme “O homem com braço de Ouro” (1955)

“Cinema Anêmico” (1926)

no âmbito das artes, questionando fortemente o que é arte e o que é arte autoral. Na área do Motion Graphics, Marcel Duchamp participou do curta “Cinema Anêmico” (1926) que mostrava espirais rotacionando, gerando um efeito tridimensional, com frases em francês nas diversas espirais. Apesar de seu trabalho nas artes plásticas ser muito mais conhecido, Marcel Duchamp trouxe influência do Dadá para o cinema através do Motion Graphics, já que mistura a tipografia e elementos gráficos em movimento. Saul Bass (1920-1996) foi um dos maiores designers de Motion Graphics no

cinema dos anos 50 e 60, seus trabalhos eram pioneiros na área de design de títulos, e esses títulos de filmes se tornaram icônicos e facilmente reconhecidos. Um dos grandes exemplos de produto de design de Saul Bass é o seu trabalho para o filme “O Homem com Braço de Ouro” de 1955, além do trabalho de design de título, Saul Bass criou os posters para divulgação baseado no título criado, mostrando quão importante o Motion Graphic foi no restante das comunicações do filme. Saul Bass também produziu diversos outros títulos como “Um corpo que cai” (1958),

“Onze homens e um segredo” (1960) e “Anatomia de um crime” (1959), e chegou a ganhar um oscar pelo curta “Porque o homem cria” (1968) que dirigiu. John Whitney (1917-1995), era americano e pode ser considerado um dos pais da animação computadorizada. Depois de trabalhar na segunda Guerra Mundial na área de fotografia e cálculo de trajetos de mísseis, criou filmes e animações experimentais como “Variations on a Circle” (1942) e diversos outros projetos, até mesmo trabalhou em conjunto com Saul Bass no título do filme “Um corpo que cai” (1958). Em 1960 John Whitney 35


Figura 04 - Triângulos sobrepostos, frame do curta Matrix III (1972)

abriu um estúdio de animação chamado Motion Graphics Inc., que originou o nome que conhecemos agora como Motion Graphics, nessa empresa John criou um reel (conjunto de cenas de projetos diversos) chamado “Catalog” (1961), e mostrou sua capacidade criativa e técnica em diversos outros projetos que participou, como os três curtas: Matrix I (1971), Matrix II (1971) e Matrix III (1972). O grande diferencial de John Whitney era o uso dos computadores para a criação das animações, ele programava as formas, cores e movimentos para suas animações. O uso de formas e cores 36

vibrantes eram marcantes no trabalho de John Whitney, e seu conhecimento técnico se tornou extremamente relevante para a área. A área de Motion Graphics cresceu muito com a melhora dos dispositivos eletrônicos, isso facilitou o acesso de softwares relevantes para a área, como o After Effects, e diminuiu os custos de produção dessas animações que não seguem mais os métodos de animação tradicional, mas depende de softwares e métodos digitais para sua criação. O mercado atual é bem mais amplo do que nos anos 50 e 60, podendo ser usado na Publicidade, Redes Sociais, Televisão, Cinema e até mesmo em UX (User Experience) para sistemas e aplicativos. Com essa gama de aplicações, sua criação e consumo aumentou, bastando alguns minutos gastos em alguma rede social para visualizar algum exemplo de projeto de Motion Graphics. Como o memso possui diversas aplicações, não existe um estilo gráfico específico antes ele faz uso dos mais diversos movimentos, abrangendo desde o flat design até o 3D, criando possibilidades de misturas de métodos e mídias para resultados novos e complexos. Para esse projeto de conclusão de curso pretende-se focar no uso do Motion Graphics em curtas e documentários, para criar camadas de informações e profundidade no tema sobre o intercambista.

Figura 05 - Motion em flat design, frame do vídeo “Alegria” (2017)

Figura 06 - Motion 3D, frame do vídeo promocional para divulgação do Big Brother USA (2018)

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6. O documentário e o narrador Apesar de tratar de situações e pessoas reais, os documentários não são uma reprodução do real. Bill Nichols define isso muito bem no seu livro “Introdução ao documentário”: Se documentário fosse uma reprodução da realidade, esses problemas seriam bem menos graves. Teríamos simplesmente a réplica ou cópia de algo já existente. Mas ele não é uma reprodução da realidade, é uma representação do mundo em que vivemos. Representa uma determinada visão do mundo, uma visão com a qual talvez nunca tenhamos deparado antes, mesmo que os aspectos do mundo nela representados nos sejam familiares. (NICHOLS, 2005, p. 47) Essa definição de documentário como representação que possibilita novos olhares para o espectador, se assemelha muito com a experiência do intercambista que viaja para um novo ambiente, com uma cultura diferente que o faz enxergar e perceber o mundo de uma nova maneira. Algumas situações para o intercambista podem ser semelhantes ao previamente conhecido, mas com as mudanças de situação, existe a abertura para novas oportunidades diversas em meio ao semelhante. Talvez não exista melhor representa38

ção de diferentes visões de mundo em um documentário, como em Humans (2015). Nele, nos é apresentada uma coleção de histórias contadas por uma grande e diversa quantidade de pessoas ao redor do globo, suas histórias são sobre temas comuns como o amor, pobreza, feminilidade, trabalho etc. Sobre o documentário, seu diretor Yann ArthusBertrand comentou: Cada novo encontro é um passo à frente, e cada história é única. Testemunhar tantas outras histórias de vida me fez questionar: Todos nós temos o mesmo desejo por amor, por liberdade e por reconhecimento? [...] As nossas necessidades são as mesmas? Fundamentalmente o que significa ser humano hoje? (HUMAN by Yann Arthus-Bertrand Genesis of the film, 2015)

Figura 07 - Mulher entrevistada, frame do documentário “HUMAN” (2015)

O documentário Human não deixa uma única resposta correta ou melhor, antes nos oferece uma coleção de histórias e opiniões relevantes para os tópicos propostos. Human também não possui um narrador ligando os depoimentos dos entrevistados, ele utiliza das próprias falas e a edição feita no filme para guiar o espectador aos assuntos. Documentários que utilizam o narrador, o trabalham de duas maneiras: Ou como narrador-participante ou como narrador onisciente. Exemplos de narradores participantes são recorrentes em curtas documentários que trabalham a busca pelas respostas levantadas do diretor como parte do documentário. 39


Figura 08 - Narrador participativo, frame do curta documentário “BOOKSTORES: How to read more in the age of content” (2019)

Figura 09 - Página do site Great Big Story (2019)

O curta documentário “BOOKSTORES: How to read more in the age of content” (2019) é um bom exemplo de um narrador participativo. O diretor Max Joseph narra o documentário e conta sua experiência na busca pelas respostas apresentadas no início do curta, para onde ele teve que viajar no mundo, suas experiências nas entrevistas e seu processo de reflexão. Nesse exemplo, o narrador trata o documentário falando diretamente com o espectador, quase como um diário de viagens no qual pode relatar acontecimentos e refletir sobre eles. O

participante, ou até mesmo ser inexistente. Mas sempre que é usado, tem como maior papel a introdução do tópico ao espectador e o fechamento da história, ele utiliza os depoimentos das entrevistas para ir mais afundo nos assuntos apresentados. Seus documentários costumam ser bem curtos, cada um deles possuindo em média de 3 a 8 minutos, e seus temas são bem amplos tocando em assuntos como biografias, esportes, tecnologia até gastronomia. A Great Big Story é um

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espectador se engaja facilmente com o modo que Max Joseph fala diretamente com ele, e como conduz a história de um ponto ao outro, levantando questionamentos com um ar leve e cômico. Ainda sobre narradores, podemos citar os diversos mini documentários da Great Big Story, empresa parte da CNN Worldwide, que produz múltiplos projetos ao redor do mundo que ficam disponíveis principalmente na plataforma do Youtube. Seus curtas documentários variam no uso do narrador, podendo ser apenas introdutor do tópico, ou como

ótimo exemplo sobre storytelling eficiente, cada documentário trata de um assunto diferente rapidamente mas entrega as informações necessárias para o espectador. Com essa gama de pontos de vista, Great Big Story ajuda a projetar novas visões de mundo e diversidade, como sua própria missão diz em seu site: “Através de compaixão, entendimento e perspectivas únicas, estamos unidos pelo interesse comum para iluminar, engajar e entreter a geração global, não importa onde vivem ou como se identificam”. 41


Figura 10 - Green Lady, frame do curta documentário

Figura 11 - Shigeru Miyamoto, frame do curta documentário

“The Jolly Green Lady” (2017)

“The Real Story Behind Mario” (2017)

No curta documentário “The Jolly Green Lady” de 2017, o narrador é inexistente. A entrevista foi editada de forma que fosse possível que a própria entrevistada contasse sua história, sem nenhum tipo narrador externo ou ciente do processo de produção do documentário, como foi possível identificar no exemplo do curta “BOOKSTORES: How to read more in the age of content”. Já o curta “The Real Story Behind Mario”, também produzido pela Great Big Story, possui um narrador participativo

que ajuda a contar a principal história do curta, mas que também revela processos jornalísticos. Nesse exemplo uma pessoa-chave da história preferiu não dar entrevista, o narrador então nos revela esse fato e deixa seus processos de produção bem claros. Como exemplificado, o narrador pode assumir diversas formas na construção de um documentário, e a percepção das histórias contadas são modificadas através do tal, na forma que essa construção da representação do real é feita.

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Figura 12 - Título de documentário, frame de “Manhunt: The Search for Bin Laden” (2013)

7. Motion Graphics em documentários Como apresentado anteriormente, o Motion Graphic possui diversas áreas de aplicação, sendo uma delas o cinema, consequentemente em documentários. Eles podem ajudar a contar as histórias, ou a explicar pontos narrados dentro do curta ou filme. A seguir serão apresentadas algumas situações no qual o mesmo é utilizado em documentários. No documentário “Manhunt: The Search for Bin Laden” o Motion Graphic é

usado principalmente no título do filme. Ele recria a ideia de arquivos policiais e secretos, impactando com o visual sujo e com a tipografia vermelha em destaque. Os movimentos do Motion Graphic evoca a ideia de descoberta, já que as imagens e palavras nunca são completamente reveladas e sempre com texturas transparentes por cima.

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Figura 13 - Colagem Vox, frame do curta documentário “Why parrots can talk like humans” (2019)

O documentário “Why parrots can talk like humans” tem uma versão muita mais sistematizada que outros projetos de Motion Graphic, pois ele participa do canal de Youtube: Vox, que tem sua identidade visual muito bem estabelecida em todos os documentários. A cor amarela é marcante em todos os seus projetos, e o uso de uma baixa taxa de quadros por segundo nas animações também compõe sua identidade. Os temas são bem variados, mas todos possuem esses elementos em comum. 44

Nos documentários da Great Big Story, também é possível reconhecer um sistema visual, mas ele está muito mais presente nos títulos dos documentários e seus fechamentos do que durante as próprias entrevistas. Nos títulos dos documentários sempre está presente o retângulo que se abre após a apresentação do logo para mostrar o título do documentário. Para exemplificar, podemos observar esse padrão no título do curta “City of Volcanic Coffee” (2019) e no curta “Doing It for Kicks” (2018)

Figura 14 - Título GBS 1, frame do curta documentário “City of Volcanic Coffee” (2019)

Figura 15 - Título GBS 2, frame do curta documentário “Doing It for Kicks” (2018)

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REQUISITOS PARA O PROJETO Figura 16 - Animação do entrevistado, frame do curta documentário “Making the Worst Game Ever” (2016)

É comum o Motion Graphic ser usado como interferência em cenas gravadas ao invés de criar uma própria com somente a animação. Esse tipo de interferência pode ser observada em qualquer um dos documentários citados, mas existem documentários que optaram por ao invés de uma gravação de vídeo, criar suas cenas majoritariamente com o Motion Graphic e gravações de voz. O curta documentário “Making the Worst Game Ever” de 2016 propôs justamente isso. A imagem do entrevistado não é um vídeo gravado ou mesmo uma fotografia, nesse caso foi optado pela ilustração do entrevistado com as gravações de sua 46

voz. Em nenhum momento do documentário é mostrado para o espectador como o entrevistado realmente é, temos somente uma representação de sua aparência. Isso ressalta ainda mais o que Bill Nichols afirma sobre o documentário ser uma representação do real e não sua réplica. O entrevistado perde sua importância concreta, a sua história se torna mais tangível e real do que a própria pessoa. O Motion Graphic em documentários pode ser abordado das mais diversas maneiras, como foi ilustrado aqui, cabe aos envolvidos na produção decidirem o tom que preferem dar para seus projetos.

Durante a pesquisa do projeto, foi reconhecida a falta de materiais que buscam discutir de forma mais profunda a questão dos viajantes pós intercâmbio. Existem diversos projetos instrucionais para a preparação do intercâmbio, mas não foi encontrado algum que discutisse de forma crítica e poética a questão da identidade cultural proporcionada pelos processos de alteridade nas relações dos intercâmbios. Então o desafio se tornou em como trazer essa visão de diversas pessoas que viajaram para países diferentes, de forma simples para que fosse possível entender melhor as falas e situações em comum entre esses viajantes. Para tanto, foi optado a

criação de um vídeo ensaio com caráter documental das falas de ex intercambistas. O projeto também utilizou o Motion Graphics para criar camadas críticas e poéticas sobre o viajante, assim como, outros autores citados o fizeram em seus projetos. A partir dessa proposta, o objetivo foi recolher uma amostra significativa e diversa de entrevistados e juntar esses conhecimentos com a bibliografia já lida para a elaboração de perguntas para os entrevistados, de forma que fosse possível chegar às questões de identidade cultural. Só depois das entrevistas realizadas seria possível a criação do roteiro, pois as falas e vivências dos viajantes iriam diferir entre si, e era preciso reconhecer os pontos em comum. Para a edição do vídeo ensaio, foi proposta a utilização do Adobe Premiere, After Effects, e apoio para preparação de arquivos no Illustrator e Photoshop. 47


ESTUDOS DE CONCEPÇÃO Gravações das entrevistas Em primeiro momento, no vídeo ensaio, foi estudada a gravação das entrevistas de duas formas: Com um fundo diferente para cada entrevistado, para capturar a essência de cada entrevistado em seu próprio ambiente como no documentário “BOOKSTORES: How to read more in the age of content” , ou como no documentário “Humans” que utiliza o mesmo cenário para hegemonização das cenas.

Estilo gráfico 01

Figura 17 - Fotografias autorais, própria

Nos primeiros estudos e pesquisas nas cenas de Motion Graphics, uma opção de estilo gráfico seria utilizar fotografias já capturadas para criação de colagens digitais animadas, como no exemplo do curta “The most feared song in jazz, explained” e diversos outros curtas do canal de Youtube Vox.

Figura 18 - Colagem no Motion Graphic, frame do curta documentário “The most feared song in jazz, explained” (2018)

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O VÍDEO ENSAIO 1. Textos Poéticos Figura 19- Interferência 1, frame do curta documentário “BOOKSTORES: How to read more in the age of content” (2019)

Figura 20 - Interferência 2, frame do videoclipe “123456” (2019)

Uma vez que o tema do vídeo ensaio foi definido. Foi criado três textos poéticos diferentes que se completassem para serem usados no vídeo ensaio como narração e cortes entre as entrevistas. Os textos trazem fortemente uma crítica quanto a questão da identidade e valorização do Brasil e do ser brasileiro por viajantes. Foi usada uma forte inspiração no livro Cidades Invisíveis e no Diário de bordo de Cristóvão Colombo, ressignificando suas narrativas.

O vídeo finalizado pode ser encontrado através do QR code:

Ou através do link: https://drive.google.com/open?id=10dMyiJ2YBHuzpz-N21wxoKuTJw75RMMx

Estilo gráfico 02 Outro estilo que poderia ser utilizado nas cenas de Motion Graphics seriam interferências visuais nas próprias cenas gravadas, como no videoclipe da música “123456” da banda Fitz and The Tantrums, ou como em algumas cenas do documentário “BOOKSTORES: How to read more in the age of content” 50

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COMO ME VEJO sou paraíso um que precisa ser mudado meus costumes são exóticos minha cultura indiferente só há espaço pra cobiça parque da luxúria quando olho meu rosto vejo as cicatrizes sou miscelânea de trapos quando olho meu corpo o vejo nú sou despido de valor a alma não tem Deus os pés são de macaco paraíso de ladrão

Interpretação dos versos Objetivo do texto poético: Tratar negativamente a visão da cultura brasileira, trazendo dentro do texto referências de textos externos, assim como a visão de colonizadores sobre o Brasil. “sou paraíso um que precisa ser mudado” Verso parafraseado da introdução do livro “Diários da descoberta da América”, no qual é comentado como Cristóvão Colombo enxergou o Brasil. (COLOMBO, 2013, P.16) “meus costumes são exóticos minha cultura indiferente só há espaço pra cobiça parque da luxúria” Ao ler “Diários da descoberta da América” é claro como os portugueses acharam os indígenas intrigantes, mas não ao ponto de se importarem com a preservação da cultura local. Os colonizadores procuravam pelo ouro, durante o diário existem diversos relatos de como ficaram impressionados com a quantidade abundante encontrada, por isso o verso “só há espaço pra cobiça”, esse fato é refletido em diversos outros momentos da história brasileira. “Parque da luxúria” dialoga diretamen-

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te com o interesse dos colonizadores nas mulheres indígenas. Todos os versos ainda dialogam com a imagem brasileira que é passada ao exterior, um país rico em natureza, considerado “exótico”, no qual as mulheres são amplamente sexualizadas. “quando olho meu rosto vejo as cicatrizes sou miscelânea de trapos”

“Os pés são de macaco” retoma a ideia do Brasil “exótico” e uma visão errônea de que o país é somente uma grande floresta descontrolada. “Paraíso de ladrão” retoma a questão apresentada no primeiro verso do poema. Esse verso também dialoga com questões políticas atuais e a visão da população sobre o assunto.

Esses versos, tratam uma visão pejorativa quanto à mistura de culturas no Brasil. Essa mistura resultou em pessoas diversas, que numa visão negativista podem ser vistas como “restos” de outros países. Esse verso será relembrado no terceiro texto para quebrar com essa visão pejorativa e mostrar o valor da diversidade. “quando olho meu corpo o vejo nú sou despido de valor a alma não tem Deus os pés são de macaco paraíso de ladrão” O verso “a alma não tem Deus” retoma a questão da colonização portuguesa e a cristianização dos povos indígenas.

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ALTERIDADE Ao longe, Avisto terra. É um lugar onde se tem tudo o que desejo Ela é tudo o que não sou Tem tudo o que não tenho Seus símbolos projetam Luzes, ornamentos e sonhos Mal a conheci Mas deixo tudo para ir correndo ao seu encontro Quando piso em suas praias de conchas, A minha mente clareia, a miragem se desfaz. Como assim? Poderia realmente ser? Ela era meu oposto, mas agora é tão parecida comigo. Seu corpo e rosto são tão semelhantes aos meus. Descubro, então, que sou o que ela não é, E que tenho o que ela não tem.

Interpretação dos versos Objetivo do texto poético: Tratar do anseio do brasileiro em participar em outras culturas e a tentativa de ser como elas são. Tratar também da falsa ilusão e mudança de pensamentos que ocorre quando realmente se conhece a fundo as outras culturas. “Ao longe, Avisto terra. É um lugar onde se tem tudo o que desejo Ela é tudo o que não sou Tem tudo o que não tenho” Coloco o leitor como descobridor da terra, como um antigo navegante à busca dos seus desejos realizados. A terra descoberta à primeira vista é somente maravilhas para o navegador, reiterando a perspectiva que muitos brasileiros possuem em relação à outros países, erroneamente acreditando que esses outros países são completamente melhores, desvalorizando suas próprias conquistas. “Seus símbolos projetam Luzes, ornamentos e sonhos” Baseado no capítulo “A cidades e os Símbolos 1” do livro Cidades Invisíveis. Marco Polo comenta sobre a cidade

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não ser os seus acontecimentos, mas somente o que ela diz sobre si mesma. Isso ilude os viajantes a construírem em suas mentes um lugar melhor do que a cidade realmente é. A mesma situação acontece com a imagem que outros países emitem sobre si mesmos, iludindo tantos viajantes. “Mal a conheci Mas deixo tudo para ir correndo ao seu encontro Quando piso em suas praias de conchas, A minha mente clareia, a miragem se desfaz.”

Descubro, então, que sou o que ela não é, E que tenho o que ela não tem.” Depois de seus olhos se abrirem para a realidade, o viajante desacreditado, reconhece que a terra tem tantos erros quanto a sua própria terra. No final, passa a valorizar suas origens e sua própria cultura, contrastando com os primeiros versos do texto poético.

O viajante deixa tudo o que tinha para ir atrás da cidade projetada, mas ao chegar nela, descobre que nem suas praias que eram bonitas ao longe eram confortáveis ao serem pisadas. Aquela ilusão dos símbolos projetados se desfaz e o viajante reconhece seus erros em achar melhor a nova terra do que a sua própria cultura. “Como assim? Poderia realmente ser? Ela era meu oposto, mas agora é tão parecida comigo. Seu corpo e rosto são tão semelhantes aos meus. 55


ESPELHO EM NEGATIVO Ao conhecer o outro Não aproveitei de suas maravilhas Mas sim das respostas que me deu às minhas perguntas. Reconheci o que é meu, descobrindo o que não tive e o que não terei. sou emblema entre os emblemas, antropofágico com o que toco. Como uma colcha de retalhos construída pelo compartilhamento, me torno todos: português, americano, francês, africano, japonês, tupiniquim. Tenho sabor no paladar, Samba nos pés, Bossa Nova nas mãos E ainda muito mais dentro da alma.

Interpretação dos versos Objetivo do texto poético: Tratar da visão transformada do viajante, depois de maior conhecimento de outras culturas. “Ao conhecer o outro Não aproveitei de suas maravilhas Mas sim das respostas que me deu às minhas perguntas.” Os primeiros versos fazem referência a outro texto do Cidades invisíveis, no qual Marco Polo discute com o Khan o que aprendeu com suas visitas à tantas cidades. Ele reconhece que as cidades em si variam, que para ele, mal tinham importância por si só, mas sim no que o transformaram. “Reconheci o que é meu, descobrindo o que não tive e o que não terei. sou emblema entre os emblemas, antropofágico com o que toco.” Esses versos têm ligação direta com o significado de alteridade já tratado na pesquisa. Existe também uma referência ao movimento antropofágico da década de 20, que se apropriava do que outras culturas criavam e transformavam aquilo para algo único.

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“Como uma colcha de retalhos construída pelo compartilhamento, me torno todos: português, americano, francês, africano, japonês, tupiniquim.” Os versos têm referência direta aos versos do primeiro texto poético “vejo as cicatrizes, sou miscelânea de trapos”. O viajante, agora, valoriza suas origens e diversidade, deixa de ser trapo para ser uma colcha de retalhos. “Tenho sabor no paladar, Samba nos pés, Bossa Nova nas mãos E ainda muito mais dentro da alma.” Tais também fazem referência direta ao primeiro texto poético, mais especificamente o final do texto. Agora ao invés de desvalorizar seu próprio corpo, aquilo que o construía, passa a valorizá-lo e se tornar orgulho de suas origens.

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2.2 Perguntas das entrevistas

2. Entrevistas As entrevistas construiram a narrativa principal do vídeo ensaio. Os textos poéticos tiveram o papel de fazer as ligações entre os assuntos das entrevistas. Para começar a estruturá-las foi preciso definir quem e quantos seriam entrevistados, as perguntas a serem feitas e como a entrevista aconteceria.

2.1 Os entrevistados

Para compor uma profundidade nas experiências de intercâmbio, foi optado por escolher entrevistados que tivessem ficado por pelo menos 4 meses no intercâmbio; pois para se conhecer mais a fundo uma outra cultura é preciso conviver um período significativo no outro país. A princípio, foi cogitado a entrevista de 8 pessoas, mas por conta do tempo do projeto se optou por entrevistar 5 ex intercambistas que diferiam em suas experiências, desde países, tempo e motivo de suas viagens. Os entrevistados foram: Entrevistado 1 Luiz Filipe Tsarbopoulos Resende Realizou dois intercâmbios acadêmicos para a França

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Entrevistado 2 Karen Yuri Deguchi Realizou um intercâmbio acadêmico de 6 meses para o Canadá Entrevistado 3 Nicholas Fernando Silva Requena Aneli Realizou intercâmbio de 1 ano e meio com foco no estudo de língua para o Canadá Entrevistado 4 Priscila Midori Ueno Realizou intercâmbio acadêmico de 4 meses no Chile Entrevistado 5 Lucas Alvez Felippe Realizou intercâmbio acadêmico de 1 ano no Japão Apesar de dois entrevistados terem realizado intercâmbio no mesmo país, ambos foram em momentos e por motivos diferentes. Isso só ajudou a compor melhor as entrevistas criando uma noção mais complexa da visão dos viajantes sobre as experiências vividas no país.

As perguntas foram o principal método para a construção da entrevista. Para conseguir respostas mais complexas dos entrevistados, foi optado pelo uso de perguntas “abertas” ou perguntas qualitativas, no qual o entrevistado teria que elaborar as suas respostas ao invés de um simples “sim” ou “não”. A intenção era criar uma espécie de roteiro através das perguntas, para guiar o entrevistado tocando primeiramente nas expectativas antes da viagem até chegar nas questões mais profundas como a identidade cultural. Como o intercâmbio é uma experiência complexa, esperava-se que em momentos fossem tocados em questões mais previsíveis como comida ou transporte público, então isso foi aproveitado para guiar a entrevista. Roteiro das entrevistas: •

Agradecer a participação, introduzir ao entrevistado o assunto do projeto e o motivo da entrevista. • Pedir o nome do entrevistado, qual tipo de intercâmbio realizou, lugar e data. • Perguntas principais: 1. Antes de realizar a viagem quais eram suas expectativas quanto ao local, pessoas e a experiência no geral? 2. Quais foram suas primeiras impressões sobre o estrangeiro? 3. Conte uma experiência que para você foram claras as diferenças culturais. 4. O que mais te marcou sobre as pessoas que você conheceu? 5. O que mais estranhou na outra cultura e nas pessoas participantes daquela cultura? 6. Você se reconheceu brasileiro durante a viagem? Você relacionou sua identidade com a sua nacionalidade? 7. Comparando você hoje com a pessoa antes de realizar o intercâmbio, quem é você? No que você mudou? 8. Depois da sua experiência na viagem, qual a importância que ela teve para você? Por que? • Agradecimento final

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2.3 Gravação das entrevistas Em todas as entrevistas, os participantes se mostraram mais tímidos e desconfortáveis nas primeiras perguntas, fazendo visivelmente um esforço maior para trazer a memória suas experiências. Mas a partir da terceira pergunta os entrevistados já estavam mais relaxados, e já conseguiam responder melhor, indo mais a fundo nas questões apresentadas. Ao longo da entrevista, foram feitas anotações sobre algumas respostas dos entrevistados, para compor novas perguntas durante a gravação que fossem relevantes às questões individuais de cada ex intercambista. Isso se mostrou muito eficiente para o conteúdo gravado, gerou respostas mais profundas sobre os temas tocados pelos entrevistados. Outras perguntas também fizeram mais sentido para os entrevistados ao sofrerem pequenas mudanças. Na pergunta “O que mais te marcou sobre as pessoas que você conheceu?” ao ser mudado durante a entrevista para “O que mais te marcou para as pessoas que você conviveu?” foi possível obter respostas mais profundas sobre o assunto.

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Depois que as perguntas e entrevistados foram definidos, precisava estabelecer como seriam as gravações das entrevistas. Para padronização do vídeo ensaio, optou-se por gravar todos os entrevistados no mesmo local, utilizando duas câmeras: uma para o entrevistado e outra para o realizador das entrevistas. As primeiras entrevistas foram gravadas no dia 21 de setembro, no estúdio de fotografia do Senac em Santo Amaro. Nesse primeiro foram entrevistados dois ex intercambistas: Priscila Midori e Nicholas Requena. As entrevistas duraram por toda a parte da manhã, e tiveram boas respostas às perguntas feitas aos entrevistados. Para os entrevistados restantes, tinha-se planejado utilizar o mesmo estúdio no dia 05 de outubro, mas por um evento do próprio Senac não seria possível gravar neles. Foi então decidido gravar todos os ex intercambistas num ambiente cedido pelo autor. Isso implicou na regravação das entrevistas da Priscila e Nicholas, mas ambos de bom grado participaram. As gravações aconteceram no próprio dia 05 de outubro, e duraram o dia inteiro. Cada entrevista durou em média uma hora, gerando conteúdo gravado por volta de 40 minutos. Os entrevistados foram gravados em uma sala com grande quantidade de

janelas para uso de luz natural. A captação de voz dos entrevistados foi através de um microfone de lapela na roupa do entrevistado, também foi captado separadamente a voz do entrevistador com um microfone saindo diretamente da câmera, para caso necessário, o uso da voz do entrevistador na edição. A câmera utilizada foi uma Canon EOS 750D DSLR com uma lente 50mm. Por conta do autor estar encarregado sozinho das entrevistas e da produção em geral, optou-se por deixar as lentes em foco automático, o que se mostrou um grande problema na edição. Durante todas as entrevistas o foco da câmera ficou constantemente mudando, prejudicando o uso das imagens, e consequentemente, o vídeo ensaio em geral. Apesar do problema do foco da câmera, as gravações aconteceram tranquilamente sem quaisquer outros problemas. A captação de áudio ficou estável, e todos os entrevistados puderam contar de suas experiências por completo sem nenhum imprevisto.

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Esse processo facilitou a estruturação do vídeo ensaio. Após ter os 5 tópicos, foi preciso editar as falas dos entrevistados para dar a relevância desejada nos assuntos comentados por cada um deles, e também criar uma mistura entre as falas de diferentes entrevistados, de forma que o vídeo ensaio passasse uma sensação de unidade entre as falas, como se cada entrevistado estivesse completando o outro. 4. Edição do Motion Graphic Figura 21 – Tela de edição das falas dos entrevistados no Adobe Premiere, própria

3. Roteiro e Edição Após a captação das entrevistas, começou a edição de cada uma delas para compor o vídeo ensaio completo, para tanto foi utilizado o programa Adobe Premiere. O desafio nessa etapa do projeto era encontrar e unir as falas em comuns entre os ex intercambistas. Para tanto, foi necessário assistir novamente as entrevistas, separando os conteúdos de maior relevância dito por cada um dos entrevistados. No final desse processo havia 15 cenas dos entrevistados, que foram dividas em 5 tópicos em comuns: 62

• Cenas que mencionavam preconceitos que os ex intercambistas sofreram; • Cenas que os entrevistados reavaliaram seus preconceitos com as outras culturas conhecidas; • Cenas sobre a valorização da cultura brasileira; • Cenas que discutiam a questão da identidade para descendentes japoneses; • Cenas que comparavam o antes e depois de realizar o intercâmbio pelos entrevistados.

A partir da quantidade de entrevistas, foi preciso diminuir a ideia inicial de utilizar os 3 textos poéticos no vídeo ensaio, tanto pelo tempo de produção do projeto, quanto o tempo final do vídeo ensaio. Optou-se por utilizar somente o segundo texto poético: “Alteridade”. Esse texto resume de forma eficiente a ideia geral concebida pelos três poemas, trazendo o foco na transformação da visão do viajante em relação ao estrangeiro.

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5. Referências Gráficas Para a criação do Motion Graphics de todo o vídeo ensaio, foram utilizadas algumas referências de outros designers.

Figura 24 – Cena de Coffee (2018)

Figura 22 - The New Yorker - Tyshawn Sorey Portrait

Figura 23 - Politico - Europes Deadly Migration Strategy Figura 25 – Cena de Showreel (2018)

Mike McQuade é artista e designer gráfico americano com mais de onze anos no ramo. Seus famosos trabalhos são parte de revistas como The New York Times e WIRED. Mike também é sócio do estúdio de design The Mcquades, que produz diversos outros materiais gráficos. Seus trabalhos foram usados como referência na composição de cores e a mistura de texturas e fotografias nas suas colagens. 64

Ben Marriott é motion designer australiano graduado pela UNSW’s College of Fine Arts. Já contribuiu em projetos para empresas como Buck, Google e possui um canal no Youtube de tutoriais em After Effects, onde ensina mais sobre técnicas e processos de criação. Seus trabalhos foram referência para o vídeo ensaio, no seu intenso de texturas animadas. 65


Figura 26 – Cena de What Was Reformation All About (2017)

Figura 28 – Cena de Madam President (2016)

Figura 27 – Cena de What Was Reformation All About (2017)

Figura 29– Cena de Madam President (2016)

Jorge Rolando Canedo Estrada é motion designer boliviano, e atualmente é o dono do estúdio de animação Ordinary Folk em Vancouver. Já contribuiu para empresas como School of Motion, TED e Volvo. O seu projeto “What was Reformation All About” foi uma referência na composição do Storyboard da introdução do vídeo ensaio.

Tom McCarten é animador e diretor que atualmente vive em Londres. Já trabalhou em projetos para Nike, The New York Times e HuffPost. Seu uso de imagens em seus trabalhos de motion graphic foram referência para a construção do vídeo ensaio.

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Figura 30 – Cena de What Was Reformation All About (2017)

6. Storyboard A construção do Storyboard foi um processo de experimentação nas técnicas que seriam aplicadas nos seções de Motion Graphic. Em primeiro momento foi realizado um teste de gravação de imagens com chroma key para edição mais fluida, mas a técnica se mostrou ineficiente, resultando numa animação com aspecto amador. Uma vez que o uso de chroma key foi descartado, seguiu-se a experimentação com somente o uso de fotografias e a animação de tais fotografias realizada na edição digital. Com essa técnica já estabelecida, foram esboçadas as cenas principais do Motion Graphic. A partir dos esboços, foram criadas as cenas do StoryBoard no programa Illustrator, ao mesmo que tempo que o layout dessas cenas foram definidos, também essas cenas foram preparadas para animação no After Effects.

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Figura 31 – Esboços do StoryBoard, própria.

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6.1 Storyboard Digital 1

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15 O Storyboard digital se tornou um exemplo mais concreto de como as animações finais se concretizaram, apesar de sofrer diversas mudanças para o resultado final como nas cores e layout. Figuras 32 a 46 - Storyboard Digital, própria.

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7. Paleta de Cores

8. Tipografia

A paleta de cores foi definida para a harmonização dos elementos das cenas e assim criar uma continuidade nos temas apresentados. As nove cores definidas possuem um tom mais sóbrio, mas vibrantes, criadas para harmonizarem com os elementos fotográficos em preto e branco.

Pela proposta moderna do tema viajantes e intercâmbio, optou-se pelo uso da tipografia Barlow. Criada pelo designer Jeremy Tribby, é uma tipografia sem serifa, levemente arredondada, com pouco contraste de peso ao longo de suas letras. Inspirada pela tipografia usada nas sinalizações de carros e transportes públicos da Califórnia, é uma tipografia que é lida facilmente mesmo em movimento. Tais características contribuíram para seu uso nesse vídeo ensaio, no qual foi possível utilizá-la para a leitura rápida de itens de destaque ao longo de todo o vídeo nos seus mais diversos pesos.

Barlow Regular R:235 G:175 B:65 #EBAF41

R:230 G:117 B:77 #E6754D

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R:84 G:106 B:231 #546AE7

R:81 G:197 B:160 #51C5A0

R:93 G:162 B:83 #5DA253

R:124 G:124 B:124 #7C7C7C

R:234 G:196 B:136 #EAC488

R:53 G:53 B:53 #353535

Barlow Italic

AaBbCcDd 0123456789

AaBbCcDd 0123456789

Barlow Bold

Barlow Bold Italic

AaBbCcDd 0123456789

AaBbCcDd 0123456789

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Figura 47– Processo de gravação das músicas no Logic Pro X, própria.

9. Sonorização O vídeo ensaio primordialmente se apoia nas falas dos entrevistados. Em algumas cenas o autor guia o tema através da fala para criar continuidade ou para apresentação do tema. Com as falas dos entrevistados e as cenas de Motion Graphic editadas, foram criadas algumas músicas em piano para contribuição poética. As composições foram criadas com o uso de um piano digital, e o programa Logic Pro X. Foi optado pelo som do piano ao invés de outro instrumento, para contribuir com a sobriedade do tema e sua poética. As músicas variam o uso da escala maior ou menor dependendo do assunto sendo falado no vídeo ensaio. Para efeitos sonoros do vídeo ensaio, foram utilizados diversos sons de uso livre, devidamente creditados no final do vídeo ensaio.

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Por fim, se encontraram muitas falas semelhantes entre os ex intercambistas, com a própria experiência de intercâmbio do autor, e com falas de viajantes ao longo da história. As condições de preconceito com o outro, o preconceito sofrido pelo outro e com si mesmo, contribui constantemente para a percepção do que é ser brasileiro e como esses processos de alteridade nos definem. Foi possível conhecer mais dos entrevistados durante o projeto, proporcionando as reflexões que eles sofreram nessas viagens a serem passadas adiante através do vídeo ensaio. Pode-se concluir que a identidade cultural é um tema que precisa ser continuamente debatido e reavaliado conforme novos contatos com o desconhecido vão acontecendo ao longo da vida.

O projeto se mostrou um desafio agradável, a criação do vídeo ensaio se tornou maior do que primeiro se imaginou, mas se mostrou relevante para as conexões do mundo atual e entre aqueles que viveram tais experiências. A poética trazida nos textos e no Motion Graphic criaram uma nova camada de interpretação das falas, mas pode-se concluir que o projeto pode ser melhorado tecnicamente por problemas que influenciaram a gravação das entrevistas. O TCC se tornou o projeto mais complexo de vídeo que já foi realizado pelo autor, tanto pelo tema amplo escolhido que são as viagens e as mudanças de percepção de mundo sofridas, quanto à quantidade do desenvolvimento técnico.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros BENJAMIN, Walter. Baudelaire e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015 CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Iª ed. CAMUS, Albert. O estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 2018 COLOMBO, Cristóvão. Diários da Descoberta da América. Porto Alegre: L&PM, 2013. LEWIS, Clives Staples. Além do planeta silencioso. São Paulo: Thomas Nelson, 2019. NICHOLS, Bills. Introdução ao documentário. São Paulo: Papirus, 2005 PIQUEIRA, Gustavo. Ar Condicionado. São Paulo: Veneta, 2018 SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Artigos ALMEIDA, Cybelle. Do mosteiro à universidade: considerações sobre uma história social da medicina na Idade Média. Porto Alegre: Revista do corpo discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS, 2009. Disponível em: <https:// www.lume.ufrgs.br/handle/10183/128786>. Acesso em: 19/05/19 RASIA, Régis Orlando. Poéticas da presença e mise-en-presença nos filmes de Rogério Sganzerla. Campinas: Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, 2018.

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SILVA, Ivy Lima e. Relações de alteridade no contato intercultural: Perspectivas de estudantes estrangeiros na Universidade de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-08022017-110122/pt-br.php> Acesso em: 19/05/19 Filmes Cinema Anêmico. Direção de Marcel Duchamp. 1926 (7min) HUMAN. Direção de Yann Arthus-Bertrand, Bettencourt Schueller Foundation e GoodPlanet Foundation, 2015 (190min) Manhunt: The Search for Bin Laden. Direção de Greg Barker. HBO, 2013. (102min) Matrix III. Direção de John Whitney, 1972. (10min) O Físico. Direção de Philipp Stölzl. Universal Pictures, 2013. (150min) O Homem com Braço de Ouro. Direção de Otto Preminger. United Artists, 1955. (119min) Variations on a Circle. Direção de John Whitney, 1942. (5min) Vídeos ARTHUS-BERTRAND, Yann. HUMAN by Yann Arthus-Bertrand - Genesis of the film. 2015.(3min e 58s) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qUWrdnbOEOQ> Acesso em: 19/05/19 BUCK. Alegria. 2017 (58s) Disponível em: <http://buck.tv/#/work/project/17429/ alegria-illustration-style> Acesso em: 19/05/19

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GREAT BIG STORY. City of Volcanic Coffee. 2019 (4min e 4s) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hAOsXcbA_OI&t=33s> Acesso em: 19/05/19 GREAT BIG STORY. Doing It for Kicks. 2018 (2min e 59s) Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=4r1lyt6xGps&t=42s> Acesso em: 19/05/19 GREAT BIG STORY. Making the Worst Game Ever. 2016 (3min e 47s) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GXs_pI4Tcmk&list=PLAVxdV2aTwhBKp2IvUcCSfA1s_fmaZdQb&index=3> Acesso em: 19/05/19 GREAT BIG STORY. The Jolly Green Lady. 2017 (3min e 3s) Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=pE5h2kk0NTI&list=PLAVxdV2aTwhBKp2IvUcCSfA1s_ fmaZdQb&index=8> Acesso em: 19/05/19 GREAT BIG STORY. The Real Story Behind Mario. 2017 (6min e 12s) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=v9ERab8P6Io&t=37s> Acesso em: 19/05/19 JOSEPH, Max. BOOKSTORES: How to read more in the age of content. 2019 (37min e 50s) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lIW5jBrrsS0&list=PLAVxdV2aTwhBKp2IvUcCSfA1s_fmaZdQb&index=2&t=0s> Acesso em: 19/05/19 STATE DESIGN. Big Brother (26s) Disponível em: <http://statedesign.tv/cbs-big-brother/> Acesso em: 19/05/19 VOX. Why parrots can talk like humans. 2019 (4min e 21s) Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=dBGw7uXc0eo&list=PLAVxdV2aTwhBKp2IvUcCSfA1s_ fmaZdQb&index=9> Acesso em: 19/05/19 Sites BELTA. Pela primeira vez, Brasil ultrapassa 302 mil estudantes no exterior, revela pesquisa da Belta. <http://www.belta.org.br/pela-primeira-vez-brasil-ultrapassa-302-mil-estudantes-no-exterior-revela-pesquisa-da-belta/> Acesso em: 19/05/19

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ALTERIDADE. Dicio, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2019. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/alteridade/> Acesso em: 22/11/19 GREAT Big Story. We connect the world one story at a time. <https://www.greatbig.com/> Acesso em: 19/05/19 WE Are Social. Digital in 2018: World’s internet user pass the 4 Billion mark. <https://wearesocial.com/blog/2018/01/global-digital-report-2018> Acesso em: 19/05/2019

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LISTA DE IMAGENS

Figura 01 - Páginas do livro “Ar Condicionado” de Gustavo Piqueira pág 31 Figura 02 - Círculo com escrita, frame do curta “Cinema Anêmico” (1926) pág 34 Figura 03 - Motion Graphic do título, frame do filme “O homem com braço de Ouro” (1955) pág 35 Figura 04 - Triângulos sobrepostos, frame do curta Matrix III (1972) pág 36 Figura 05 - Motion em flat design, frame do vídeo “Alegria” (2017) pág 37 Figura 06 - Motion 3D, frame do vídeo promocional para divulgação do Big Brother USA (2018) pág 37 Figura 07 - Mulher entrevistada, frame do documentário “HUMAN” (2015) pág 39 Figura 08 - Narrador participativo, frame do curta documentário “BOOKSTORES: How to read more in the age of content” (2019) pág 40 Figura 09 - Página do site Great Big Story (2019) pág 41 Figura 10 - Green Lady, frame do curta documentário “The Jolly Green Lady” (2017) pág 42 Figura 11 - Shigeru Miyamoto, frame do curta documentário “The Real Story Behind Mario” (2017) pág 42 Figura 12 - Título de documentário, frame de “Manhunt: The Search for Bin Laden” (2013) pág 43 Figura 13 - Colagem Vox, frame do curta documentário “Why parrots can talk like humans” (2019) pág 44 Figura 14 - Título GBS 1, frame do curta documentário “City of Volcanic Coffee” (2019) pág 45

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Figura 15 - Título GBS 2, frame do curta documentário “Doing It for Kicks” (2018) pág 45 Figura 16 - Animação do entrevistado, frame do curta documentário “Making the Worst Game Ever” (2016) pág 46 Figura 17 - Fotografias autorais, própria pág 49

Figura 30 – Cena de What Was Reformation All About (2017) pág 68 Figura 31 – Esboços do StoryBoard, própria. pág 69 Figuras 32 a 46 - Storyboard Digital, própria. pág 70 e 71 Figura 47 – Processo de gravação das músicas no Logic Pro X, própria. pág 74

Figura 18 - Colagem no Motion Graphic, frame do curta documentário “The most feared song in jazz. pág 49 Figura 19 - Interferência 1, frame do curta documentário “BOOKSTORES: How to read more in the age of content” (2019) pág 50 Figura 20 - Interferência 2, frame do videoclipe “123456” (2019) pág 50 Figura 21 – Tela de edição das falas dos entrevistados no Adobe Premiere, própria pág 62 Figura 22 - The New Yorker - Tyshawn Sorey Portrait pág 64 Figura 23 - Politico - Europes Deadly Migration Strategy pág 64 Figura 24 – Cena de Coffee (2018) pág 65 Figura 25 – Cena de Showreel (2018) pág 65 Figura 26 – Cena de What Was Reformation All About (2017) pág 66 Figura 27 – Cena de What Was Reformation All About (2017) pág 66 Figura 28 – Cena de Madam President (2016) pág 67 Figura 29 – Cena de Madam President (2016) pág 67

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