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Boca do Lixo
from Trilha da Morte
“Para Freud (1969) deve-se compreender o estranho para além da equação do estranho como não familiar. O estranho, portanto, compreenderia também algo conhecido, porém suprimido e que retorna porque foi reprimido.”
(Evelyn Caroline de Mello, O Brasil em Trevas: o Estranho Mundo de Zé do Caixão, 2018).
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No cinema brasileiro, a tendência artística mais encontrada é o realismo. Obras como Tropa de Elite (2007) de José Padilha e Cidade de Deus (2002) de Fernando Meirelles e Kátia Lund, tiveram uma boa percussão e bateram Records de bilheteria no país. Esses filmes representam algumas características so Naturalismo e do Realismo brutal. Os filmes brasileiros, segundo o teórico Antônio Cândido, possuem um grande valor político e social e muito provavelmente esse é o motivo de muitas obras serem esquecidas e desqualificadas, de modo possivelmente proposital.
O imaginário nacional do povo brasileiro segue se apagando e se dissolvendo cada vez mais em ideologias que não nos prende a união e ao pertencimento de uma nação e muitas figuras importantes para a construção desse imaginário foram abstraídas, assim como José Mojica Marins. A personagem Zé do Caixão, criada pelo diretor brasileiro José Mojica Marins, possui criação legitimamente brasileira na década de 1960 na cidade de São Paulo. Com características não comerciais, o filme marca a história do cinema nacional trash e representa a arte cinematográfica marginal vinda da região da Boca do Lixo em São Paulo, na região central da cidade. A saga de “O estranho mundo de Zé do Caixão” (1968) e o filme “À Meia Noite Levarei Sua Alma” (1964) rendeu algumas críticas positivas por parte dos que souberam entender o horror e o mal acabamento como ferramenta estética que representava a sociedade brasileira daquele período no contexto de ditadura e opressão. Por outro lado, muitas pessoas não conseguiram compreender essa estética nova no cinema nacional que serviu como mecanismo de protesto e reprodução da limitação cultural naquele momento. O diretor se via perseguido, preso, torturado e censurado pelo regime militar que condenava suas obras como violenta e imoral. O cineasta José Mojica Marins, afirmou em entrevista para a revista Crescer que a personagem Zé do Caixão foi criada a partir de um pesadelo que o perseguia em meados de 1963, a personagem nascia de suas angústias reais, presentes em seu inconsciente e vindas do contexto em que ele e toda a população brasileira se encontrava, que era o contexto de repressão, violência e instabilidade. A região Boca do Lixo se tornou um grande polo de produção cinematográfica e o mais importante para o cinema paulista. No período, entre 1960 e 1970, o Cinema Novo foi estabelecido em resposta à desigualdade e a instabilidade social e classista vivida no Brasil durante a ditadura militar. O movimento era contra o cinema tradicional brasileiro que se baseava em musicais e comédias ao estilo hollywoodiano. O Cinema Novo era vanguardista e tinha influência do Neorrealismo italiano e Nouvelle Vague francesa que moldavam as produções. O professor e autor Fernão Pessoa Ramos descreve no livro “Má-Consciência e a representação do popular no cinema brasileiro”: “Se no Cinema Novo eles tendem a representar a classe social à qual pertencem, os Marginais parecem um pouco mais individualizados. Os filmes marginais podiam ser definidos como ultra-revolucionários, pois se as montagens cinematográficas partiam da crítica padrão à burguesia, filmes como “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, davam uma forma de apontar para os diversos vilões sociais incrustados no cotidiano brasileiro da década de 60.” Com o poder de repressão crescendo cada vez mais no período de ditadura militar, o movimento do Cinema Novo perdia força
e encontrava dificuldade de ter suporte, já que suas produções possuíam incentivos do Estado, que ao contrário disso, os censurava (Fernando Machado, 2018). A partir daí, o Cinema Novo tomou dois rumos: aqueles que dependiam do estado para se sustentar e se afastaram de seus ideais revolucionários e aqueles que radicalizaram o movimento, mantendo as origens vanguardistas. “Uma vez que o Cinema Novo passou a se valer da conciliação entre Estado opressor e indústria cinematográfica, o Cinema Marginal, ou Cinema de Invenção, termo que o crítico Jairo Ferreira atribuiu ao movimento, partiu para o confronto, fazendo filmes que ignoravam a censura e o mercado”. (Fernando Machado, Cinema Marginal e a Boca do Lixo | Movimentos Cinematográficos, Artecines, 2018). A Boca do Lixo chegou a produzir quase metade dos filmes lançados no Brasil naquela época e os cineastas eram resistência da repressão imposta pela criação do AI-5 em 1968. Entre esses cineastas, resistência do cinema brasileiro no período de repressão, estão: José Mojica Marins, Carlos Reichenbach, Luiz Castelini, Alfredo Sternheim, Juan Bajon, Cláudio Cunha, Julio Bressane, Rogério Sganzerla e Walter Hugo Khouri.