Diagnóstico 27

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Edição Especial

5 Anos

Nomes

A REVISTA DOS LÍDERES DA SAÚDE DO BRASIL

E X E M P L A R

D E

ASSINATURA

VENDA

PROIBIDA

ANO V | N º 26 | JUL/AGO 2014 | R$ 50,00

As melhores entrevistas da Diagnóstico

REGINA HERZLINGER – Harvard Business SUSAN FRAMPTON – Planetree FRANZ KNIEPS – BKK Dachverband ROSEMARY GIBSON – The Hastings Center ENA DE ARAÚJO – Etesb THOMAS HARTER – Gundersen Health System SÉRGIO MINDLIN – Instituto Ethos BAIXO CRESCIMENTO E ALTA DA INFLAÇÃO DEVEM SE CAMILA MORSH – ONU ESTENDER ATÉ 2015, SEGUNDO ECONOMISTAS. QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DESSE CENÁRIO NA ECONOMIA DA SAÚDE E O QUE ISSO VAI INFLUENCIAR EM SEU NEGÓCIO ANTÔNIO BRITTO – Interfarma

CATHERINE MOHR – Intuitive Surgical PATRICK FIGGIS – PwC DON SINKO – Cleveland Clinic Diagnóstico | jul/ago 2014

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Diagn贸stico | jul/ago 2014


Responsável técnico: Dr. Delfin Gonzalez Miranda - CRM 4875

o d n a l e s Rev e h l a t de r o i a m da a m i r p a r b o . a d i v da

O Grupo Delfin é a maior holding de saúde e bioimagem do Norte/Nordeste. Com diversas empresas líderes de mercado, incluindo a clínica com o maior número de ressonâncias magnéticas do país em uma única unidade, o Grupo investe fortemente em seu parque tecnológico, tornando-se uma referência expressiva em sua área de atuação. Tudo isso para oferecer sempre o melhor em material humano e tecnológico aos seus parceiros e clientes. 71

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Fotos: Divulgação

10 REGINA HERZLINGER Consumidor

Professora de Harvard, ela defende o consumerdriven health care como forma de conter os custos na saúde

16 SUSAN FRAMPTON Humanização

Presidente do Planetree, executiva explica como o patient-centered-care pode revolucionar a saúde

24 FRANZ KNIEPS Reforma

SUMÁRIO

Consultor da alemã BKK Dachverband, conta como o seu país lidou com as mudanças na saúde

28 ROSEMARY GIBSON Overuse

Escritora americana aponta os riscos dos tratamentos desnecessários

Foto: Alan Sampaio

34 ENA DE ARAÚJO Enfermeiros

Excesso de poder dos médicos na rotina dos hospitais torna os técnicos invisíveis, segundo pesquisadora

40 THOMAS HARTER

Gundersen Health System

Especialista em ética médica, ele é um dos gestores do melhor hospital para se morrer no mundo


Foto: Ricardo Benichio

46 SÉRGIO MINDLIN Ética

Para fundador do Instituto Ethos, fraudes e corrupção na saúde ainda são temas tabu entre executivos

50 CAMILA MORSH Preconceito

Especialista em equidade de gênero relata as dificuldades da inclusão das minorias na alta governança da saúde

58 ANTÔNIO BRITTO P&D

Presidente da Interfarma critica as raras políticas de inovação do governo brasileiro

66 CATHERINE MOHR Robôs

Diretora da Intuitive Surgical fala sobre o futuro da sáude e o uso da inteligência artificial no setor

70 PATRICK FIGGIS Gastos

Executivo da PwC acredita que é preciso integrar ações dos governos e setor privado para cortar custos

74 DON SINKO Compliance

Executivo da Clínica Cleveland (EUA) compartilha as experiências do hospital mais ético do mundo


EDITORIAL

Um presente aos leitores

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m seus cinco anos de existência, a Revista Diagnóstico se notabilizou por ser um instrumento persistente de promoção da sustentabilidade no mercado de saúde nacional, através da partilha de conteúdo relevante e de qualidade. Não por acaso, a publicação é considerada, pelo próprio mercado, o veículo mais influente do trade de saúde nacional. Algo que pode ser creditado à crença, inegociável, de que jornalismo de qualidade só se faz com isenção, crítica e independência. Focada no público leitor da alta governança do setor médico-hospitalar brasileiro, a Diagnóstico se internacionalizou – foi a primeira do segmento a ter correspondentes internacionais –, passou a olhar o mercado com os olhos do mundo e fez do benchmarking com a Europa e Estados Unidos uma das suas principais fontes de inspiração. Foi além, ao criar o Movimento pela Ética na Saúde e o Fórum Brasil Healthcare Compliance, que estreia em novembro próximo, em São Paulo. Uma iniciativa inédita, que partiu da singela constatação de que hospitais e demais serviços de saúde precisam liderar os avanços para a criação de um mercado cada vez mais pautado na ética e nos bons costumes. Inquieta, a publicação é também conhecida pelo seu texto duro, questionador e capaz de causar muito mais desconforto do que regozijo. É a nossa forma de entender o mundo. Acreditamos que somente o conteúdo crítico, provocativo e inspirador da reflexão é capaz de transformar uma sociedade. E assim buscamos, ao longo desses anos, ser fiéis a nossos princípios. Foi assim quando nos tornamos a primeira publicação do segmento a estampar em suas páginas uma reportagem especial sobre fraudes no sistema de saúde. Foi também a Diagnóstico o primeiro veículo de comunicação do país a debater o overuse – tratamento desnecessário –, mostrando a realidade de nações como EUA, Inglaterra e o paralelo com o Brasil. Parte dessas histórias foi contada através de entrevistas inspiradoras, com algumas das mais influentes personalidades do mundo da saúde nos últimos cinco anos. Um acervo único, perene, reeditado em formato especial e carinhosamente preparado para nosso leitor – um outro fascículo será dedicado integralmente a artigos de grandes pensadores internacionais. A todos que nos ajudaram a chegar a esse momento, nossos sinceros agradecimentos.

Diretor Executivo Publisher Reinaldo Braga reinaldo@diagnosticoweb.com.br Repórteres Brasil Eduardo César – eduardo@diagnosticoweb.com.br Adalton dos Anjos – adalton@diagnosticoweb.com.br Estados Unidos Rodrigo Sombra Inglaterra Mara Rocha Diretora Comercial Verônica Diniz – veronica@grupocriarmed.com.br Financeiro Ana Cristina Sobral – ana@diagnosticoweb.com.br Fotógrafos Ricardo Benichio Roberto Abreu Tadeu Miranda Diagramação e Arte Cacá Ponte Ilustrações Túlio Carapiá Revisão Rogério Paiva Tratamento de Imagens Roberto Abreu Atendimento ao leitor atendimento@diagnosticoweb.com.br (71) 3183-0360 Distribuição Dirigida Correios Impressão Santa Bárbara

Roberto Abreu

Redação Brasil Av. Centenário, 2411, Ed. Empresarial Centenário, 2º andar CEP: 40155-150 | Salvador-BA Tel: 71 3183-0360 Realização

Reinaldo Braga CEO/Publisher

A Revista Diagnóstico não se responsabiliza pelo conteúdo dos artigos assinados, que não refletem necessariamente a opinião do veículo.


CORREIO CARTAS@DIAGNOSTICOWEB.COM.BR

Não me parece ser razoável que o “hospital mais ético do mundo” não contrate obesos. Para lá das razões de sáude pública, a postura de uma instituição vocacionada a curar deve ser sempre de acolhimento. Nunca de exclusão. Alselmo Gomes, Porto Alegre-RS

Capa

O HOSPITAL MAIS ÉTICO DO MUNDO

Achei mais do que oportuna a matéria de capa da Revista Diagnóstico. O exemplo da Cleveland Clinic – apesar da necessidade de ser avaliado com algumas ressalvas – deve servir de inspiração para muitos hospitais brasileiros. A defesa da ética em uma organização de saúde nunca precisou tanto se tornar uma tendência em nosso país. Osvaldo Clemente, São Paulo-SP

Dirijo um grande hospital público no Rio de Janeiro e preciso admitir que a discussão sobre compliance ainda é uma realidade distante do serviço público brasileiro. Os exemplos de falta de ética são gritantes e a punição mais óbvia, a demissão, simplesmente não pode ser usada pelo gestor. É lamentável. T.R, Brasília-DF

Todos do mercado de saúde sabem da importância que os hospitais têm em ser protagonistas na sustentabilidade do setor. Não adianta nada a indústria cumprir o seu papel, se o filtro não for feito por quem paga a conta. Hospitais

éticos precisam dar o primeiro passo e só se relacionar com fornecedores compliance, como defende Dom Sinko, da Cleveland Clínic, capa da última edição. Gustavo Costa Uberlândia-MG

A edição da Diagnóstico sobre o “Hospital Mais Ético do Mundo” é simplesmente um presente para todos os leitores. Parabéns a toda a equipe da revista. Anselmo Góes, Riberão Preto-SP

Entrevista

JOSÉ LUIZ SETÚBAL

Dr. Setúbal era a melhor escolha para a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, mas acabou sendo vítima do seu próprio arrojo. A Irmandade simplesmente temeu pelas mudanças – e perda de privilégios – e acabou optando pelo continuismo. Quem vai pagar a conta será, mais uma vez, o erário e, em última instância, a população que mais precisa. T.M, São Paulo-SP

Como médico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, e que vive a realidade da instituição, não me causou

surpresa o agravamento de uma crise anunciada. Falta de equipamentos e de insumos básicos sempre fizeram parte da rotina dos hospitais, pelo menos nos últimos 12 meses. O que vemos na imprensa hoje é a crônica de uma morte anunciada. W. T, São Paulo-SP

Artigo

HOSPITAIS DIGITAIS

Muito oportuno o artigo de Stefan Biesdorf e Florian Nieddermann sobre o desafio de implantar o ‘all in’ na saúde. Efetivamente tratase de uma discussão que interessa a toda a cadeia de prestadores. Mas o grande mérito do texto é lançar luz no papel do paciente em toda essa engrenagem.

Antônio Souto, Rio de Janeiro-RJ

Parabéns a Camila Morsch por defender de forma tão apaixonada a causa dos LGBT e a inserção das mulheres, de forma equânime, no mercado de trabalho brasileiro. Ainda falta muito a ser conquistado, é fato, mas a militância pela causa é fator decisivo para que os avanços, necessários, ocorram. Sandra Bernardo, Rio de Janeiro-RJ

Perfil

BRUCE IRWIN

Maurício Matias Belo Horizonte-MG

Entrevista

CAMILA MORSCH

gestores em discutir um tema tão importante.

Estimuladora a visão de Camila Morsch sobre igualdade de gênero (ou a ausência dela) no mercado de saúde brasileiro. Definitivamente o debate ainda não chegou à indústria de saúde, muito menos aos hospitais. Acho até que falta coragem por parte de nós

Fantástica a história de senhor Brice Irwin, considerado o midas do varejo de saúde nos Estados Unidos. Impressiona a forma como a maior nação do planeta vem discutindo a democratização da saúde de forma sensata e objetiva. Enquanto isso, no Brasil, a popularização do acesso à saúde é cercada de mito, tabus e conceitos ultrapassados, quase sempre relacionados à reserva de mercado. Vide exemplo dos Mais Médicos e o que isso representou em termos de reação. Eraldo Campo, Aracaju-SE

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Regina Herzlinger

TODO PODER AO CONSUMIDOR

Professora de Harvard e uma das mais badaladas autoras do trade de saúde mundial, a americana Regina Herzlinger defende o consumer-driven health care como a única forma de se conter os custos na saúde DANIELE VILELLA 10

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Aos 68 anos, Regina Herzlinger acirrou o debate sobre a sustentabilidade no mercado de saĂşde ao sair em defesa de mĂŠdicos e pacientes

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Regina Herzlinger

P

rofessora da Harvard Business School há 40 anos, Regina Herzlinger se define como “a voz do consumidor” quando se trata da discussão sobre a qualidade dos sistemas de saúde em algumas das principais nações do pla­ neta, o Brasil, inclusive. Com doutorado pela Harvard Business School e primeira mulher a se tornar professora titular da instituição, Regina ficou conhecida no meio acadêmico e no mundo corpora­tivo com sua proposta de administração e financiamento da assistência médica, sobretudo ao cunhar o termo consumer-driven health care. “A única maneira de controlar os custos é colocando o con­sumidor no comando”, dispara. “Se o governo, os empregadores ou os hospi­tais forem os únicos responsáveis pelos rumos da saúde, os custos vão aumentar sempre”. Ao defender que os Estados de­veriam parar de subsidiar os serviços de saúde pública, passando a dar dinheiro diretamente aos cidadãos e exigindo mais transparência na gestão da qualidade, a economista subiu a temperatura no debate sobre o financiamento do setor de saúde norte-americano. “Os empresários amam a ideia de ter informações sobre a quali­dade dos bens que adquirem, como auto­móveis, por exemplo”, polemiza a aca­dêmica, em um inglês professoral. “Mas nunca gostam quando essa transparência deve ser aplicada sobre seu negócio”. Aos 68 anos, Regina possui seis livros publicados na área de saúde, todos best­-sellers em suas categorias, o último deles Valor para o paciente – O remédio para o sistema de saúde, publicado no Brasil pela Grupo A Editoras (original em inglês “Who Killed Health Care”). Atualmente, desenvolve um estudo de caso sobre o sistema de saúde brasileiro. “Claramente, o Brasil é o futuro”, acredita. De Boston, nos Estados Unidos, ela conversou com a Diagnóstico. Revista Diagnóstico – Se “Valor para o paciente” fosse um filme de faroeste, os médicos seriam os mocinhos, que militam por uma causa justa e precisam vencer essa guerra. Não teme ter sido passional demais em uma discussão tão complexa? Regina Herzlinger – Sim, os médicos não são anjos, mas eles são os mocinhos des­ta história. Afinal, quem é o personagem mais importante no sistema de saúde? Quem realmente realiza os serviços? Se continuarmos a desmoralizá-los, quem vai querer se formar médico? Fico mui­to triste que cada vez mais médicos es­tejam abandonando suas profissões ou nem mesmo cheguem a se tornar médicos. Minha posição não é pró-médico, minha posição é pró-consumidor. O que sei so­bre os consumidores de serviços de saúde é que eles não confiam nas seguradoras, não confiam no governo e não confiam nos hospitais. O médico é a única pessoa em quem os pacientes confiam. Diagnóstico – A senhora faz questão de admitir, no prólogo, que seu livro seria objeto de muitas críticas por parte de seto12

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res do trade de saúde. Qual delas mais a incomodou? Regina – Não me agradam as acusações de que sou uma marionete de empresas privadas e uma pessoa boba, que não sabe que está sendo manipulada, mas isso não importa tanto. O que mais me incomodou foram as reações na própria academia, en­ tre meus pares, onde fui acusada até de plágio. Diagnóstico – A senhora revela que há uma batalha pelo controle do sistema de saúde norte-americano, em um ne­gócio que envolve muito dinheiro e in­teresses muitas vezes obscuros. Como está esse embate atualmente? Regina – Os consumidores estão total­mente fora do sistema de saúde. Mesmo que financiem essa estrutura em todo o mundo, eles não têm possibilidade de sentar à mesa de negociação. Nos Esta­dos Unidos, a principal mudança desde a publicação do meu livro é a reforma pro­posta pelo presidente Barack Obama. Ba­ sicamente, ela dará mais poder aos consu­midores, pois pretende ampliar o número de cidadãos cobertos pelo governo, tornar a assistência mais barata e impor regras mais rígidas às seguradoras. Virtualmen­te, todos terão um plano de saúde, o que é muito bom. Por outro lado, a concessão corre o risco de concentrar ainda mais poder nas mãos do governo. Isso é pre­ocupante porque, além de desautorizar os médicos, os hospitais e as seguradoras, os governos não são capazes de negociar a escolha das pessoas. Se não há escolha do cidadão pelo plano de saúde, não há concorrência; sem concorrência, não há nenhuma intervenção, e, se não há inter­venção, os custos continuam crescendo. Diagnóstico – O que caracteriza o consumer-driven health care (CDHCC)? Regina – O sistema com foco no consu­midor significa que o indivíduo pode con­trolar o seu plano de saúde. Na Suíça, o cidadão é obrigado a comprar o seu pró­prio plano – mesmo que não tenha con­dições, o governo dá esse dinheiro para que a pessoa possa comprar um plano de saúde privado. Resultado: o sistema suíço é muito adaptado ao que os consumidores querem. A Suíça tem um sistema de saúde com qualidade muito melhor até mesmo que os Estados Unidos e possui o maior índice de satisfação entre os consumido­res de todo o mundo. Diagnóstico – Como isso poderia ser fei­to na prática? Regina – Muito fácil, o governo lhes dá um vale restrito e deixa que o cidadão escolha entre as empresas de planos pri­vados. Essa aplicação não é nenhuma ci­ência misteriosa. A Suíça tem uma adesão muito grande, mais de 99% da população possui plano de saúde neste sistema. O vale não pode ser utilizado para comprar cerveja, para comprar batatas fritas, só serve para comprar plano de saúde. Diagnóstico – O que acontece se o cida­dão não comprar o plano? Regina – Se ele está desempregado, o go­verno suíço pode descontar o valor dire­cionado ao plano de saúde, qualquer que seja o auxílio financeiro oferecido, e os empregadores têm multas vultosas quan­do contratam um trabalhador sem plano. A Suíça tem uma população de cerca de seis milhões de habitantes e 87 empresas de planos de saúde privados competitivas, com custos administrativos representan­do apenas 5% de sua receita. Para se ter uma ideia, o estado de Massachusetts, nos Estados Unidos,


Regina é autora de Who Killed Health Care (Valor para o paciente – O remédio para o sistema de saúde), já publicado no Brasil

Se o governo, os empregadores ou os hospitais forem os únicos responsáveis pelos rumos da saúde, os custos vão aumentar sempre. A única maneira de controlar os custos é colocando o consumidor no comando Diagnóstico | jul/ago 2014

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Regina Herzlinger tem aproximadamente a mesma população da Suíça e apenas dez seguradoras competitivas. A concorrência pelos consumidores obriga os planos de saúde suíços a se tornar muito mais eficientes. Diagnóstico – Na prática, de que forma a concorrência e a competição contri­buem para a qualidade dos serviços do setor de saúde? Regina – Uma evidência da qualidade dos serviços de saúde é o grau de satisfação do consumidor, que, no caso do sistema suíço, é o maior do mundo. Os motivos para essa excelência são muito óbvios. Os cidadãos compram o seu próprio plano de saúde, então as seguradoras têm que ser muito sensíveis ao que as pessoas que­rem. Não vemos situações como: “Olha, só posso recebê-lo daqui a seis meses, às cinco horas da manhã”, porque os pacientes estão comprando o plano e, se os fornece­dores os tratam de qualquer maneira, eles podem simplesmente mudar para outra companhia. Diagnóstico – É possível fazer adapta­ções para que o sistema do managed care seja benéfico para pacientes e em­presários? Quais seriam as mudanças necessárias? Regina – Sim, as empresas devem parar de comprar planos de saúde e, em vez disso, dar um vale aos seus empregados e deixá-los comprar seus próprios planos. O governo brasileiro deveria parar de subsidiar serviços de saúde pública ineficientes e extremamente inadequados. Diagnóstico – Qual sua opinião sobre o sistema de saúde brasileiro? Regina – Estou fazendo um estudo de caso para analisar todo o sistema brasi­leiro e os dados são chocantes. Virtual­mente, ninguém que é educado utiliza o sistema de saúde pública, quer dizer, as pessoas que o usam são majoritariamente indivíduos que não têm muita instrução. Isso é um reflexo de que pessoas inte­ligentes não usam o sistema público de saúde? Não. A reflexão é que os ricos não usam a estrutura pública, e as pessoas po­ bres, que não são capazes de obter uma educação adequada, são as únicas que se submetem a usá-la, e os resultados são terríveis. O sistema de saúde governa­mental não chega nem perto dos planos privados. Qualquer pessoa que queira ter uma assistência melhor ou um acesso mais rápido adquire um plano privado. Diagnóstico – Essas deficiências do sis­tema de saúde brasileiro são identifica­das também em outros países? Regina – Isso acontece na cobertura uni­versal do Reino Unido. Se você não pa­rece que está prestes a processá-los, se não tiver conexões, ou seja, se não tem médicos nas administrações dos hospitais ou administradores de planos entre os seus amigos, você vai para o fundo da fila e tem de esperar muito mais tempo para ser atendido do que as pessoas que são de classe média ou superior. Diagnóstico – Qual seria a melhor solu­ção para essas desigualdades no acesso? Regina – Na Suíça, cujo sistema de saú­de é focado no consumidor, eles têm a mais alta qualidade dentre os países de­senvolvidos no que diz respeito ao aces­so de pobres e não-pobres. Isso acontece porque aqueles que precisam recorrer às instalações e aos 14

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planos governamentais podem adquirir os mesmos serviços que todos os outros. Se uma pessoa pobre vai ao médico, ele não faz ideia de que aquele paciente é pobre. Diagnóstico – A grande discussão no pla­no político brasileiro hoje é ressuscitar um imposto cobrado sobre os cheques e que seria destinado ao sistema público de saúde. Essa política de Robin Hood funciona? Regina – Claramente, o que pode acon­tecer é as pessoas começarem a pagar as coisas de outras maneiras, usando dinhei­ro por debaixo do pano para comprar seus produtos e serviços. Não me parece uma boa fonte de receita. Além do mais, o ver­dadeiro problema não é a disponibilidade de recursos, mas sim as desigualdades do sistema de saúde brasileiro. Diagnóstico – Outro debate caloroso é o ressarcimento aos cofres públicos, por parte dos planos de saúde, dos atendi­ mentos feitos pela rede pública ao pa­ciente/cliente que possui seguro priva­do. Qual sua opinião a respeito? Regina – É um debate estúpido, porque seus resultados são exclusivamente polí­ticos. Não são decisões econômicas, não são baseadas no valor do dinheiro, elas são baseadas no poder político do público no privado. Esse tipo de discussão nunca leva a lugar nenhum. A maneira de lidar com isto é eliminar o sistema público de saúde e deixar os pacientes comprarem um plano privado. Diagnóstico – Quais sãos as característi­cas do plano de saúde ideal? Regina – Competitividade. Com um gran­de número de empresas competindo umas com as outras, ocorre uma oferta maior de diferentes tipos de produtos e há muitas maneiras em que os planos de saúde po­dem diferir entre si nos tipos de apólices oferecidas. Uma companhia poderia ven­der uma apólice na qual, se o cliente assi­na com eles por cinco anos e se mantém saudável durante esse período, ele recebe­ria metade do seu dinheiro de volta. Isso é totalmente viável e iria motivar as pes­soas a permanecerem saudáveis durante os cinco anos negociados. No entanto, a atuação do governo também é necessá­ria nessa indústria para certificar que as seguradoras são financeiramente viáveis, garantir que não são empresas fantasmas, que não vendam planos que nunca vão entregar ou que não pagam aos médicos no hospital. Diagnóstico – A senhora denuncia casos de irregularidades, má qualidade dos serviços de saúde e descaso com os pa­ cientes. Como o agente público poderia ser mais eficaz na fiscalização dos servi­ços oferecidos à população? Regina – Desde 1996, defendo a criação de uma agência governamental indepen­dente, que não faria nada a não ser mo­nitorar a qualidade do sistema de saúde. Seu funcionamento deve ser separado de tudo no governo para garantir, finalmen­te, a transparência dos processos. Assim, se a agência produz poucos dados ou in­formações pouco úteis em vez de mos­trar os resultados, o público vai saber e vai ficar bravo. Insisto na necessidade de uma agência independente porque o setor privado teve ampla oportunidade para produzir dados de melhor qualidade e não o fez. Todo mundo gosta de transparên­cia, os empresários amam a ideia de ter informações sobre a qualidade dos bens que ad-


quirem, como automóveis, por exemplo. Mas nunca gostam quando essa transparência deve ser aplicada sobre seu negócio. A única maneira de tornar essa mobilização efetiva será criando uma agência independente, muito visível, cujo objetivo primordial é medir a qualidade. Eu adoraria que sua presidente (Dil­ma Rousseff) fizesse isso. Diagnóstico – É preciso modificar o siste­ma de qualidade? Regina – Sim, passar da atenção ao pro­cesso e focar nos resultados. Nós tenta­mos controlar a qualidade dos serviços, mas o monitoramento é realizado através de um processo de valoração, ou seja, as seguradoras e o governo verificam se os prestadores seguem as receitas de biscoito na hora do atendimento. No entanto, pre­cisamos medir a qualidade como resulta­do. Se eu sofro de insuficiência cardíaca congestiva, estou interessada se o médico me disse para parar de fumar ou estou in­teressada em quanto tempo eu vivo sob cuidados médicos? Em outras palavras, estou interessada em medir o processo ou seus resultados? Quando compro um car­ro, eu me importo se o fabricante segue a receita do governo para construí-lo ou quero saber se ele é seguro e confiável? Na indústria temos muitas informações disponíveis sobre a qualidade, mas no sis­tema de saúde tudo o que temos são dados que dizem se o médico me falou para pa­rar de fumar ou não. Diagnóstico – A senhora critica a falta de autonomia profissional e as poucas possibilidades de inovação dos médicos devido à burocracia sustentada pelo go­verno e pelas seguradoras. De que for­ma isso se reflete no sistema de saúde como um todo e no atendimento ao pa­ciente? Regina – Na indústria automobilística, se um empreendedor monta uma empresa e fatura bilhões, o governo monitora se a fábrica é segura, mas não determina como os carros devem ser produzidos. Se o em­preendedor tem espírito inovador e pode fazer um carro melhor e mais barato, ele não enfrenta dificuldades, apenas ouve “vá em frente”. Mas os profissionais de saúde não conseguem iniciar uma nova maneira de tratar a insuficiência cardíaca porque são microgerenciados pelo gover­no e pelas seguradoras, que determinam como eles devem praticar a medicina. Muitas destas regras são boas, mas elas obrigam os profissionais a abdicar das inovações. Diagnóstico – Qual a sua opinião sobre a expansão dos negócios envolvendo o turismo médico? Regina – É um negócio que vem crescen­do rapidamente no Oriente Médio, onde as pessoas pagam o serviço de saúde dos seus próprios bolsos. Muitas pessoas vão para o sudeste asiático para ser aten­didas, porque recebem bons serviços a preços muito inferiores aos dos Estados Unidos ou aos do Reino Unido. Esse tipo de negócio também experimenta uma expansão no Brasil e na Argentina. Nos Estados Unidos, há algum turismo mé­dico para serviços não segurados, como odontologia e cirurgia plástica. Diferentes partes do mundo têm diferentes especiali­zações nos cuidados de saúde por razões culturais, assim como ocorre com o de­senvolvimento de equipamentos eletrôni­cos no Japão.

gias de mudança de sexo é a Tailândia, porque seu povo não é problemático quanto à identidade sexu­al. Eles detêm a maioria das cirurgias de transgêneros no mundo. É um procedi­mento extremamente complexo, e os pa­cientes devem procurar um local onde a técnica é levada muito a sério e vem sen­do desenvolvida há muito tempo. Países como Estados Unidos, Índia e Alemanha são excelentes para tratamento de doen­ças cardíacas. Assim, o turismo médico traz tantos benefícios quanto a medicina de livre comércio, mas isso só vai aconte­cer quando os consumidores forem livres para escolher onde querem ser atendidos. Somente um sistema orientado para o consumidor me ofereceria uma apólice que permitisse a realização de uma cirur­gia cardíaca na Índia por 40% dos custos em vez de limitar a realização deste pro­cedimento ao estado de Massachusetts. Mas os empresários têm medo, não que­rem esse negócio de ir para fora do país, por isso não vão oferecer. Diagnóstico – Quais reformas ainda se­rão necessárias para que os custos de saúde para idosos e para as populações carentes não se tornem um problema para as gerações futuras? Regina – É preciso colocar o consumi­dor no comando. Os custos só aumen­tam quando governo ou empresários são responsáveis. Os países em desenvolvi­mento seguem esse modelo, com custos horríveis e qualidade de atendimento aos pobres muito inferior em relação aos ricos e à classe média. Espero que o Brasil faça essa mudança.

Os médicos não são anjos, mas eles são os mocinhos des­ ta história. Afinal, quem é o personagem mais importante no sistema de saúde? Quem realmente realiza os serviços? Se continuarmos a desmoralizálos, quem vai querer se formar médico? Minha posição não é pró-médico, minha posição é pró-consumidor. O que sei so­ bre os consumidores de serviços de saúde é que eles não confiam nas seguradoras, não confiam no governo e não confiam nos hospitais. O médico é a única pessoa em quem os pacientes confiam

Diagnóstico – Poderia dar um exemplo? Regina – O melhor lugar do mundo para a realização de cirurDiagnóstico | jul/ago 2014

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Susan Frampton

HUMANIZAÇÃO BY PLANETREE

Presidente da organização que se tornou referência na difusão dos conceitos de humanização em hospitais do mundo inteiro, a americana Susan Frampton acredita que os cuidados centrados no paciente vêm revolucionando a maneira como unidades de saúde exercem sua principal vocação: acolher e curar ALINE CRUZ

FOCO NA HUMANIZAÇÃO: A Planetree possui cerca de 500 membros e já certificou com a designação “patientcentered-care” mais de 28 hospitais na Europa, EUA e América Latina

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outora em antropologia médica pela Universidade de Connecticut, nos EUA, a americana Susan Frampton é a atual presidente da Planetree – organização sem fins lucrativos, especializada na humanização de unidades médico-hospitalares mundo afora. Fundada em 1978, a instituição possui cerca de 500 membros e já certificou com a designação “patient-centered-care” mais de 28 hospitais e centros médicos na Europa, EUA e América Latina, a exemplo do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.“Há uma atenção especial às necessidades dos pacientes nos hospitais brasileiros, que estão se tornando muito eficazes no que diz respeito à criação de ambientes que contribuem para a cura”, avalia Susan. A Planetree foi inspirada na experiência de sua fundadora, a também americana Angelica Thieriot, que após um longo período de internação, percebeu como os hospitais americanos estavam deficientes do ponto de vista do acolhimento e do investimento em relações humanas. “A reforma em curso no sistema de saúde americano, vinda da própria crise do modelo, deve encorajar também os hospitais a se tornar mais focados no paciente”, prevê a executiva, que preside a instituição desde 2003 – Angelica Thieriot passou a ser membro honorária da instituição em 1998. Da sede da Planetree, no estado de Connecticut, Susan falou à Diagnóstico.

ALINE CRUZ

Revista Diagnóstico – O que mudou nas instituições americanas desde a experiência de Angelica Thieriot como paciente? Susan Frampton – Acredito que houve um número significativo de mudanças que a experiência dela ajudou a construir. Na época, Angelica pôde perceber, como paciente, as mazelas do sistema de saúde americano do ponto das relações humanas. Os hospitais eram instituições frias, com muitas regras sobre o que talvez fosse conveniente para a equipe da instituição, mas não ajudavam a curar o paciente. De lá para cá houve avanços significativos. E uma das mudanças mais visíveis se deu na estrutura dos hospitais. As instituições construídas hoje são espaços muito mais convidativos e confortáveis do que eram há 30 anos. Não por acaso, o conceito que Angelica tinha de um ambiente realmente “curativo” era o de um local que faz o paciente sentir-se bem só por estar lá – e isso vai desde uma mobília confortável até a iluminação, passando pelo contato com a natureza. Um maior envolvimento da família no processo de cura – antes visto com pouca relevância – é outro ponto que devemos destacar. Acreditamos que a fundação da Planetree teve uma contribuição importante em todos esses avanços. Diagnóstico – Quais eram as restrições mais comuns nos hospitais americanos? Susan – As equipes acreditavam que os pacientes deveriam estar em um ambiente totalmente controlado, livre de qualquer ameaça de fora, de bactérias que poderiam vir das visitas, por exemplo. Para eles, a família era uma ameaça em potencial. A própria estrutura do hospital não era construída para comportar visitantes. Isso se justificava pela cultura de que, quando um paciente está no hospital, ele está no espaço do médico, que deve controlar tudo, incluindo quem entra e quem sai. Mas isso, felizmente, mudou. Diagnóstico – Qual o perfil de uma instituição com a designação “patient-centered-care”?

Susan – Um exemplo de critério para quem busca a designação é o acesso aberto à informação. Isso significa que o paciente deve conhecer as informações sobre seu tratamento enquanto estiver sendo tratado. Assim, a postura do hospital não será a de “isto é o que faremos com você”, mas “vamos buscar a melhor maneira de realizar o tratamento, para que a nossa perspectiva e seus direitos como indivíduo sejam respeitados”. A instituição deve envolver também um responsável da família no planejamento do tratamento. E no que diz respeito à família, o envolvimento precisa ir além. A enfermaria deve trabalhar em conjunto com os familiares, para que seja possível saber coisas como a melhor maneira de tornar o quarto agradável para o paciente, por exemplo. Outra importante questão é criar um espaço que também atenda às necessidades espirituais do paciente. Diagnóstico – Como a questão religiosa deve ser tratada? Susan – O importante é que esse espaço seja o mais democrático possível e atenda às mais diversas religiões. Nossa sugestão é que os hospitais possam ter uma capela sem denominação, com representantes não apenas da Igreja Católica, mas de outras religiões. É preciso prever também o acolhimento de pacientes que podem não ser religiosos, mas possuem necessidades espirituais, e isso precisa também ser respeitado. Diagnóstico – A morte também precisa ser “tratada” dentro do hospital? Susan – Nossa crença básica é que o hospital deve criar um ambiente onde o paciente e sua família possam estar confortáveis, porque aquele é o último espaço onde a pessoa estará. Então, é preciso se assegurar de que o paciente com uma doença terminal tenha suas necessidades atendidas, mesmo as especiais, como uma comida diferente, ou se ele deseja ver todos os membros de sua família, seus animais de estimação ou ouvir algum tipo de música. Diagnóstico | jul/ago 2014

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Susan Frampton

Diagnóstico – A permissão de animais no hospital – uma prática estimulada pela Planetree – é criticada por médicos brasileiros, por entenderem que iniciativas deste tipo podem trazer riscos à rotina de um hospital. Pode comentar? Susan – Existem, sim, diversas críticas a esse respeito também nos EUA. Em algumas culturas, ter um cachorro no hospital é simplesmente inaceitável. E existem outras nas quais é possível. Tentamos ser sensíveis a essas diferenças e justamente por isso a Planetree não impõe nenhuma regra que possa violar ou ofender a cultura de algum país. Encorajamos os hospitais de diferentes países a avaliar suas crenças e perguntar a si mesmos se existem evidências que as comprovem. Por exemplo, encontramos hospitais que já disseram que não era possível haver plantas em suas dependências porque elas poderiam ter germes. Então, questionamos a instituição sobre a existência de alguma pesquisa que valide o argumento, porque, para nós, é importante a comprovação científica dessas ideias. Outra crítica que já foi colocada é que, dependendo do nível de envolvimento da família, isso pode prejudicar o tratamento, em vez de ajudar. É um questionamento constante: como balancear as necessidades da família e do paciente com as necessidades da equipe do hospital para que o trabalho seja feito. Diagnóstico – Essas nuances de alguma forma dificultam a difusão dos conceitos de “patient-centered-care” defendidos pela Planetree? Susan – De alguma forma, sim. Mas o maior obstáculo, certamente, é o fato de que ainda existem muitos hospitais que estão focados em outras prioridades. Nos EUA, está em curso um grande processo de transformação da atividade médica que

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SUSAN É DOUTORA EM ANTROPOLOGIA MÉDICA PELA UNIVERSIDADE DE CONNECTICUT, NOS EUA: todo paciente tem direito à informação

Muitos profissionais de saúde passam a abraçar a nossa filosofia quando percebem os benefícios trazidos ao paciente. Mesmo assim, há muito desconhecimento sobre o “patient-centered-care”.


coloca o foco no paciente como prioridade. O próprio governo americano vem estimulando essa mudança de postura, após descobrir as vantagens financeiras do investimento em humanização. Prova disso é que, para que um hospital americano consiga reembolso integral dos gastos com o paciente durante o tratamento, a instituição precisa ter atenção também à qualidade do atendimento ao paciente. Percebo que no Brasil esse processo de humanização também está ocorrendo. O governo brasileiro, ainda que de forma incipiente, está exigindo mais dos hospitais. E a contrapartida dos prestadores para que haja um modelo de humanização de atendimento é fundamental sob esse aspecto. Diagnóstico – A aceitação de uma filosofia humanista é maior ou menor a depender da cultura do país? Susan – As diferenças culturais entre os países é algo levado em conta nas ações da Planetree, razão pela qual, por exemplo, decidimos transformar a designação em um programa internacional, com representantes de diversos países, como o Brasil. Dessa forma, os 63 critérios previstos na filosofia da Planetree acabam sendo positivamente influenciados pela visão de cada representante. Acreditamos que essa troca de experiências é fundamental para mudar a linguagem ou as expressões desses critérios e para que pudéssemos ser sensíveis aos diferentes contatos culturais. Diagnóstico – Quais os custos da adequação de um hospital aos critérios da certificação? Susan – É difícil definir um custo fixo. Depende muito do tamanho da organização e também do que já foi feito para se criar uma cultura do foco no paciente. Dependendo do ponto em que o hospital estiver, é possível ter uma definição mais clara dos custos para uma posterior adequação aos critérios. Em geral, percebemos que a maioria das organizações que partem do zero demora pelo menos três anos para construir uma estrutura organizada de práticas com foco no paciente. Dessa forma, pode haver desembolsos envolvendo treinamento de pessoal ou dos gestores, melhorias de infraestrutura, etc. Mesmo assim, essas demandas implicam custos bastante variáveis. Diagnóstico – Os médicos acreditam na filosofia da Planetree? Susan – Muitos desses profissionais passam a abraçar a nossa filosofia quando percebem os benefícios trazidos ao paciente durante o processo de cura. Mesmo assim, há muito desconhecimento, o que torna necessária a instrução dos médicos sobre os benefícios reais do “patient-centered-care”. Muitas vezes, esses profissionais acham que a filosofia afetará o modo como eles tratam o paciente, algo equivocado. Quando o paciente, por exemplo, passa a ter acesso irrestrito ao prontuário médico – um dos princípios defendidos pela Planetree –, ele passa a estar apto a decidir com mais clareza sobre as alternativas propostas de tratamento, o que, em última instância, acreditamos, é algo bom para o paciente. E, sendo assim, também para o médico. Diagnóstico – Quais os principais problemas encontrados nos hospitais avaliados pela organização? Susan – Um dos principais desafios é justamente a permissão para o acesso à informação, porque, em muitos hospitais, as informações costumam estar disponíveis apenas para os profis-

sionais de saúde. Reverter isso é uma mudança cultural muito grande. Médicos e enfermeiras muitas vezes não se sentem à vontade com o compartilhamento da informação com o paciente. Acho até que eles podem ter uma fobia de que os pacientes façam perguntas difíceis. Trata-se, contudo, de um desafio que vem sendo superado. Diagnóstico – O selo influencia para que o hospital receba outras acreditações, como a JCI? Susan – A JCI é um tipo de acreditação bastante técnica, voltada para a segurança do paciente, enquanto a designação Planetree é focada em humanização. Os dois selos juntos funcionam muito bem. Ambos são extremamente necessários e, com certeza, influenciam de forma positiva um ao outro. Diagnóstico – Como adotar a filosofia Planetree sem onerar a operação de um hospital? Susan – A Planetree não é um modelo que pode onerar a operação, mas um modo como o hospital usa o dinheiro que já estava direcionado para uma determinada operação. Por exemplo: todo hospital tem um orçamento para investir em formação da equipe. Então, é possível usar esse dinheiro para trabalhar uma formação voltada para a humanização. Em termos de infraestrutura, as instituições podem utilizar o orçamento que já possuem para manter a qualidade de suas instalações e, por exemplo, aumentar o bem-estar do paciente no hospital. Diagnóstico – As crises das economias americana e europeia geraram impacto na busca pela certificação Planetree? Susan – A reforma no sistema de saúde americano, vinda da própria crise do sistema, tem sido uma boa oportunidade para encorajar os hospitais a se tornarem mais focados no paciente. Isso se aplica à Europa também. Há um desejo da sociedade, das pessoas e dos governos em melhorar a qualidade da saúde, e a humanização dos hospitais é essencial na busca por esse objetivo. A decisão do governo americano de condicionar reembolso de despesas ao foco no paciente reafirma essa tendência. Isso torna a filosofia ainda mais interessante para as empresas. Diagnóstico – Além do Albert Einstein, já existem outros hospitais no Brasil em busca da designação? Susan – No momento, 40 instituições estão sendo avaliadas. Ainda não podemos revelar quais são, pois o processo de avaliação é feito visualizando os critérios, sem que os avaliadores saibam os nomes das instituições. Diagnóstico – Você já teve alguma experiência como paciente em um hospital? Susan – Sim, quando tive meus dois filhos. Isso foi há muito tempo, mas mais recentemente minha mãe foi hospitalizada. Ela teve um infarto, e eu tive que ver a experiência do paciente da perspectiva da família. Me dei conta de que existiam duas dificuldades na instituição. Uma era a falta de espaço de acomodação para os familiares, e a outra era o acesso precário à informação. Muitas vezes, não entendíamos o que estava acontecendo e quais procedimentos seriam feitos. Não havia uma comunicação eficiente dentro do plano de cuidados do hospital. Essa é uma realidade que ainda persiste nos EUA e que nos mostra que ainda temos um longo caminho a percorrer. Diagnóstico | jul/ago 2014

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Ricardo Benichio

JOSÉ HERMÍLIO CURADO, PRESIDENTE DO HOSPITAL AC CAMARGO

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Mais ética na Saúde. O mercado precisa. A sociedade exige.

Movimento pela Ética na Saúde

UMA INICIATIVA

APOIO

Revista

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Franz Knieps

REFORMA ALEMÃ Um dos principais responsáveis pela reestruturação do sistema de saúde alemão, o consultor Franz Knieps defende a tese de que para obter sucesso na gestão pública é preciso reorganizar periodicamente a coalizão de atores dentro do sistema com um único objetivo: não deixar que ninguém (prestadores, operadoras e usuários) se sinta confortável Diagnóstico | jul/ago 2014 22 DA REDAÇÃO


PRAÇA NA CAPITAL ALEMÃ, BERLIM: usuário do sistema público de saúde é encorajado a contribuir com o uso racional do sistema


Franz Knieps

O

FRANZ KNIEPS

Consultor da BKK Dachverband (Berlim)

fato de ser a mais rica nação da zona do euro não isenta a poderosa Alemanha de verificar, centavo por centavo, como estão sendo aplicados os recursos na área de saúde. O país consome 10,4% do seu PIB com assistência médica e enfrenta os mesmos dilemas de outras nações mundo afora. Como, afinal, tornar mais eficiente um sistema que, fora de controle, pode ser uma fonte de desperdício de dinheiro público? A resposta a esse dilema é ainda mais necessária e urgente para os alemães pela tendência de estagnação do crescimento demográfico e de envelhecimento populacional, o que se reflete em mais pressão sobre o orçamento. “Nos últimos 20 anos, nossa filosofia predominante tem sido a de que o sistema de saúde não pode gastar mais do que a sua renda”, diz o consultor Franz Knieps, que durante seis anos foi diretor-geral do Ministério da Saúde alemão. “Além disso, controlamos cuidadosamente todos os tipos de gastos. Também introduzimos incentivos que encorajem todos a evitar gastos desnecessários”. Ele explica que o sistema de saúde germânico é financiado em uma base pay-as-you-go. E a menos que a despesa seja mantida sob controle, as contribuições a partir da diminuição do número de trabalhadores ativos em breve poderão ser insuficientes para cobrir o custo dos cuidados para os aposentados. Diante desse dilema, há uma receita alemã para resolver a questão e que possa ser seguida por outras nações? “Quando era jovem – lembra Knieps –, conheci um economista da saúde influente na London School of Economics e o questionei sobre qual era a grande ideia na política de saúde. Sua resposta, em essência, foi esta: ‘Meu querido jovem amigo, a única maneira de organizar e prestar os serviços de saúde é mudar o sistema a cada dois anos, para que ninguém se sinta confortável nele’”, contou o consultor, com um humor pouco comum entre os burocratas alemães. De Berlim, Franz Knieps concedeu entrevista a Matthias Wernicke, diretor do escritório da McKinsey na capital germânica, que a Diagnóstico publica com exclusividade na América Latina. Revista Diagnóstico – Como a assistência médica é financiada na Alemanha? Franz Knieps – O financiamento de assistência médica é mais 24

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complexo na Alemanha do que em muitos outros países porque não depende de uma única fonte de receita. Em vez disso, é utilizada uma variedade de fontes. O fundo estatutário de seguros de saúde (público) cobre cerca de 90% da população. Contribuições para esse fundo, que são baseadas na renda, são feitas tanto por empregadores quanto por empregados. A Alemanha tem cerca de 180 fundos de seguros de saúde legais, e eles são responsáveis por aproximadamente 70% das receitas do sistema de saúde. Diagnóstico – Ao longo da última década, a Alemanha tem sido bastante bem-sucedida em conter os seus custos com assistência médica, especialmente em comparação a alguns outros países europeus. Ao que se deve esse êxito? Knieps – Não houve uma alavanca única que usamos para a contenção de custos. Em vez disso, foi implementado um grande número de medidas menores para estabilizar as receitas e despesas do sistema de saúde. Nos últimos 20 anos, nossa filosofia predominante tem sido a de que o sistema de saúde não pode gastar mais do que a sua renda. Foram implementadas as medidas em todos os níveis do sistema de saúde. Por exemplo, a cada ano, estabelecemos um orçamento global para o sistema em nível nacional para servir como um guia para todos os participantes do sistema. Orçamentos virtuais também são criados em nível regional. Isso assegura que todos os participantes do sistema, incluindo os fundos de seguros de saúde e os prestadores, saibam desde o início do ano o quanto de dinheiro pode ser gasto. Além disso, controlamos cuidadosamente todos os tipos de gastos. Também introduzimos incentivos que encorajam todos a evitarem gastos desnecessários. Diagnóstico – Como a Alemanha estabelece preços de referência para medicamentos? Knieps – Introduzimos um sistema com base em classes de grupos terapêuticos, de medicamentos similares, utilizados para a mesma condição. Sob esse sistema, reembolsamos todas as drogas em uma classe terapêutica com o mesmo preço. Nosso objetivo era dar às empresas farmacêuticas um incentivo para se concentrarem na inovação e não simplesmente para produzir medicamentos biossimilares. Preços de referência não impedem que uma empresa farmacêutica exija mais dinheiro para um determinado medicamento, nem impedem que um médico prescreva essa droga. No entanto, o médico teria que explicar aos pacientes por que essa droga é necessária, e os pacientes teriam que estar dispostos a pagar um valor adicional superior ao copagamento normal. Os farmacêuticos que preenchem as prescrições também questionariam os pacientes para se certificar de que eles entenderam que alternativas mais baratas estão disponíveis. Como a substituição por genéricos é permitida na Alemanha, temos ainda uma outra vistoria no local, para ga-


Profissionais de saúde em hospital público na Alemanha

Médicos recebem dinheiro adicional para cada paciente que adere ao programa federal de autocuidado. As seguradoras de saúde também se beneficiam com o investimento público em prevensão rantir que os medicamentos caros são utilizados apenas quando necessário. Por último, mas não menos importante, removemos a maioria dos medicamentos isentos de prescrição do pacote de benefícios. Os pacientes que compram medicamentos sem receita médica têm que pagar por eles. Diagnóstico – Como os pacientes reagiram à introdução de copagamentos nas prescrições e ao fato de que eles podem ter de pagar mais por alguns remédios? Knieps – A implantação de uma política de copagamentos, que varia de acordo com o custo de cada remédio, ajudou o governo alemão a desencorajar os pacientes a usar medicamentos caros que não oferecem nenhuma vantagem real sobre alternativas menos dispendiosas. Nossa experiência diz que cerca de 90% dos pacientes estão dispostos a usar um remédio mais barato se o seu médico explicar que ele é tão bom quanto o medicamento mais caro. Se o médico disser que a droga mais cara é um pouco melhor, cerca de 70% dos pacientes ainda estão dispostos a tomar o medicamento mais barato. Isto nos sugere que os incentivos estão tendo o efeito desejado nos pacientes e estão cumprindo com os nossos esforços para controlar os gastos com medicamentos.

Diagnóstico – De que outro modo vocês estão usando incentivos para controlar os custos? Knieps – Há alguns anos, introduzimos programas de gestão da doença, uma abordagem que adotamos a partir dos Estados Unidos. Como os americanos dispõem de uma infinidade de planos de saúde diferentes em seu mercado, essa experiência é, muitas vezes, um laboratório para novas ideias. Algumas seguradoras de saúde dos EUA estão usando programas de gerenciamento de doenças para melhorar a qualidade da prestação de atendimento, enquanto gerenciam custos. Ficamos impressionados como os resultados dessas seguradoras foram obtidos. E assim decidimos implementar programas similares na Alemanha. Temos, agora, os programas de gestão para pacientes com doenças cardíacas, diabetes e algumas outras condições crônicas comuns. Os programas foram projetados usando diretrizes baseadas em evidências, o que garante que os tratamentos incluídos nos “protocolos” de programas são os mais eficazes disponíveis. Para participar dos programas, os pacientes devem concordar em fazer check-ups regulares com seus médicos e em aderir às recomendações de tratamento. Os médicos devem concordar em aderir aos programas “protocolos” e educar os pacientes para o autocuidado. Os programas dão a ambos, paDiagnóstico | jul/ago 2014

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Franz Knieps cientes e médicos, um incentivo para participar. Por exemplo, os médicos recebem dinheiro adicional para cada paciente inscrito, que, por sua vez, tem copagamentos menores à medida que adere ao programa de autocuidado. As seguradoras de saúde também se beneficiam, pois os programas são concebidos para prevenir exacerbações da doença, complicações e os elevados custos que elas acarretam. As seguradoras também receberam financiamento federal adicional para cobrir os custos iniciais dos programas. Uma clara evidência está emergindo de que essas iniciativas foram muito bem sucedidas. Milhões de pacientes já estão inscritos e todos eles concordaram em cumprir os protocolos do programa. Diagnóstico – Muitos países estão tentando coordenar mais de perto a prestação de assistência médica como forma alternativa de melhorar a qualidade do atendimento, ao mesmo tempo em que gerenciam os custos. Que medidas a Alemanha adotou para integrar melhor seus serviços de saúde? Knieps – Historicamente, o sistema alemão era estritamente separado em dois campos principais: assistência ambulatorial, que pode ser prestada tanto por médicos de família quanto por especialistas, e cuidados hospitalares. No entanto, essa divisão rigorosa levou ao desperdício de um monte de dinheiro e, por isso, estamos tentando preencher a lacuna entre o atendimento ambulatorial e o hospitalar. Por exemplo, agora incentivamos os médicos de ambulatórios a cooperar mais estreitamente com os seus colegas baseados em hospitais, e até mesmo permitimos que os médicos de cuidados ambulatoriais trabalhem nessas unidades. Médicos do hospital também podem trabalhar nos ambulatórios. Além disso, abrimos os hospitais para que seus funcionários possam fornecer atendimento ambulatorial especializado para certas doenças raras e casos muito complicados. Também estamos tentando encontrar formas de integrar mais plenamente todo o cuidado contínuo, desde a prevenção à atenção ambulatorial, hospitalar, reabilitação e até mesmo de cuidados de longo prazo. Para promover o cuidado integrado, separamos uma verba específica no orçamento para incentivar os médicos de cuidados ambulatoriais e hospitais a experimentar novas ideias e novos modelos de prestação de cuidados. Temos agora que avaliar os resultados destas experiências e trazer melhores ideias para o sistema como um todo. Diagnóstico – Por que houve poucos avanços na política de prevenção de doenças do governo alemão? Knieps – Infelizmente, a Alemanha ainda não teve muito sucesso nesse quesito. Nossa Constituição atribui a responsabilidade pela gestão da saúde pública aos 16 estados federativos e há pouca coordenação entre eles – ou entre eles e o governo federal – no que diz respeito a iniciativas preventivas de saúde. Não há na Alemanha, por exemplo, leis que promovam a política de saúde pública antitabagista – o que é um enorme contrassenso em termos de saúde pública. Em comparação a outras nações, nas quais questões como essas já são superadas, parece estar claro que precisamos desenvolver nossas habilidades. Diagnóstico – A Alemanha tem uma longa experiência com policlínicas, uma forma de cuidados primários que outros países estão experimentando agora. Como a oferta desse tipo de serviço tem se mostrado eficiente? 26

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Knieps – Grupos policlínicos de clínicos gerais que trabalham em conjunto para formar centros de cuidados primários mais especializados foram usados extensivamente e com bastante sucesso na ex-Alemanha Oriental. No entanto, muitos políticos da parte ocidental inicialmente não gostaram da ideia das policlínicas porque as associavam à ideologia comunista. Demorou um pouco para muitas pessoas entenderem que policlínicas oferecem vantagens significativas em relação à comunicação, coordenação e cooperação. No final de 1990, reintroduzimos as policlínicas com um novo nome, centros médicos, e eles agora são vistos como uma forma muito atraente da prestação de atendimento. Muitos médicos jovens, especialmente aqueles que querem ter um bom equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, acham que clinicar em um centro médico é preferível a trabalhar sozinho ou em pequenos grupos clínicos. Na Alemanha, centros médicos se tornaram populares primeiramente em grandes cidades, como Berlim e Munique. No entanto, eles também são agora bastante populares em áreas rurais, que historicamente sofreram com a escassez de médicos. Os centros de saúde são formados não só por médicos, mas também por enfermeiros e outros profissionais de saúde. Uma estrutura que possibilita aos médicos organizar as suas atividades de modo a permitir que sejam capazes de concentrar mais tempo no atendimento ao paciente. O que, afinal, deve ser a essência do trabalho desses profissionais. Muitos países estão começando a questionar se eles devem pagar por tratamentos que não são muito producentes. A Alemanha tenta limitar a utilização de tais tratamentos? Knieps – Por lei, os planos de saúde podem não reembolsar por serviços que são considerados desnecessários. Assim, um médico que presta tais serviços não será pago por eles. Para determinar o valor dos serviços médicos e de produtos, a Alemanha criou uma agência nacional, o Instituto para a Qualidade e Eficiência em Saúde (Institut für Qualität und Wirtschaftlichkeit im Gesundheitswesen - IQWiG). Esta agência é semelhante ao Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (Nice), do Reino Unido. Como o Nice, o IQWiG investiga dispositivos médicos, medicamentos e outras formas de tratamento para determinar o quão eficazes eles são. Se a agência decide que um dado tratamento não traz benefícios à saúde, ele pode ser excluído do conjunto de benefícios fiscais. Essas decisões são tomadas por uma instituição muito especial em nosso sistema, a Bundesausschuss Gemeinsamer (G-BA), uma comissão mista federal que representa médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde; fundos de seguros de saúde e os proprietários dos hospitais. Se o IQWiG decide que um novo dispositivo ou droga não é melhor do que as terapias existentes, o reembolso fica próximo à taxa dada pelas terapias existentes. Mas se a agência decide que um novo medicamento ou dispositivo é uma inovação real, há muito menos restrições relativas ao reembolso do que em outros países. Diagnóstico – No Reino Unido, houve considerável debate público sobre os tratamentos que foram excluídos do reembolso. Como a Alemanha lidou com as expectativas dos pacientes sobre a cobertura? Knieps – Na Alemanha, cada novo tratamento é incluído no pacote de benefícios assim que é aprovado para uso, tendo ou não


a anuência do IQWiG – a quem compete apenas determinar o valor que ele agrega. Somente se as conclusões do instituto forem negativas e o tratamento não tiver valor, o reembolso é negado. A Alemanha não exige que o IQWiG ofereça uma recomendação positiva antes que um novo tratamento possa ser incluído no pacote de benefícios. Em nossa experiência, a maioria dos pacientes e médicos costuma aceitar as recomendações do IQWiG. No entanto, surgiram fortes debates sobre algumas medicações, como os análogos de insulina de ação prolongada. O instituto decidiu que esses remédios não fornecem um valor adicional além do que tratamentos de diabetes existentes oferecem e, assim, os fabricantes não receberam o preço adicional que buscavam. A indústria acabou tendo que aceitar taxas de reembolso inferiores. Diagnóstico – O que a Alemanha faz para obter consenso, entre todos os participantes do sistema de saúde, sobre a assistência médica? Knieps – A G-BA tem um papel importante nesse sentido. A lei alemã afirma que os pacientes têm o direito de ter acesso ao atendimento ambulatorial. Mas o que isso significa? Que serviços estão incluídos na definição de atendimento ambulatorial? Quais serviços são excluídos? Que padrão de qualidade é esperado? O G-BA é encarregado de tomar decisões sobre essas questões e, em seguida, regulamentar a assistência médica. Ele é capaz de fazer o que chamamos de “soft law”. Por incluir todos os atores do processo – médicos, enfermeiros, gestores de fundos e CEOs dos hospitais –, as decisões do G-BA são mais propensas a serem aceitas por todos os intervenientes no sistema. Se o processo de tomada de decisão ocorresse dentro das paredes do Ministério da Saúde, haveria muito menos concordância das partes interessadas. Diagnóstico – A Alemanha utiliza listas de espera como uma maneira de alocar serviços? Knieps – Não temos experiência de contingenciamento, sob esse aspecto. Claro, os pacientes que querem consultar especialistas de renome ou receber tratamento em hospitais muito proeminentes podem enfrentar atrasos. Mas a maioria dos pacientes pode ter acesso a qualquer serviço, a qualquer momento no sistema alemão. Temos uma enorme capacidade no nosso setor hospitalar. E a maioria das nossas áreas urbanas está amplamente servida com os mais diversos especialistas. Assim, as listas de espera não existem realmente. Diagnóstico – De que forma a opinião dos pacientes é usada na condução das políticas públicas de saúde na Alemanha? Knieps – No sistema alemão, os fundos de seguros de saúde sempre obtiveram uma grande quantidade de dados dos médicos, hospitais, farmácias e outras fontes. Porém, agora eles estão autorizados a reunir tudo isso em um único banco de dados. Trata-se de um avanço que tem melhorado a capacidade de avaliar se as reivindicações são precisas. E, o que é ainda mais importante, fazer com que os dados agregados nos possibilitem orientar o sistema de maneira mais eficaz. Isso permite, por exemplo, que os fundos de seguros identifiquem e criem incentivos aos médicos e hospitais para que encorajem seus pacientes a mudar de comportamento. Portanto, a tecnologia da informação vem desempenhando um papel muito importante no nosso sistema. Nem tudo

sobre a agregação de dados no setor, contudo, está funcionando bem na Alemanha. Por exemplo, tivemos problemas com a proteção dessas informações. Mas acreditamos que a ampliação da coleta desses indicadores e o uso racional dessas informações são muito importantes para o futuro do nosso sistema. Diagnóstico – Que outras novas ideias a Alemanha está considerando para aumentar o controle de custos da assistência médica? Knieps – Acho que não há ideias novas ou revolucionárias na política de saúde, mas existem algumas ideias antigas que ainda valem a pena levar em conta. Quando eu era jovem, conheci Brian Abel-Smith, um economista da saúde influente na London School of Economics, e o questionei sobre qual era a grande ideia na política de saúde. Sua resposta, em essência, foi esta: “Meu querido jovem amigo, a única maneira de organizar e prestar os serviços de saúde é mudar o sistema a cada dois anos, para que ninguém se sinta confortável nele”. Ele quis dizer que, de vez em quando, é necessário reorganizar a coalizão de atores dentro do sistema para que ninguém se sinta satisfeito, ninguém se sinta seguro. Na Alemanha, recentemente implementamos este tipo de rearranjo através da introdução de maior concorrência no sistema. Os pacientes acabaram tendo muito mais liberdade para escolher entre os vários fundos de seguros de saúde estatutários. Eles também têm uma maior liberdade para escolher em quais serviços querem que haja cobertura, que médicos consultar e quais hospitais visitar para tratamento. Como resultado, os fundos de seguros, médicos e hospitais devem agora competir por pacientes. A mudança trouxe uma série de novas ideias para o sistema e aumentou a pressão sobre os pagadores e provedores para oferecer serviços de alta qualidade com eficiência. Acreditamos que o aumento da concorrência, em combinação com as nossas salvaguardas regulamentares, poderia permitir que nosso sistema de saúde se reinventasse, se não a cada ano, pelo menos década após década. Não está claro se faz sentido introduzir este tipo de competição em outros sistemas de saúde, especialmente aqueles que são administrados centralmente. É difícil dar conselhos, mas acho que todos devemos estar dispostos a aprender com outras experiências e a adotar práticas que foram bem-sucedidas em outras nações. Por exemplo, um sistema gerido centralmente poderia introduzir a concorrência de forma gradual, talvez, em primeiro lugar, trazendo hospitais privados. Se isso ocorrer de forma satisfatória, o próximo passo pode ser aumentar a concorrência entre as seguradoras públicas e privadas. Podem ser feitas alterações passo a passo, de modo que os próprios atores do sistema de saúde possam avaliar se as medidas funcionam ou não. Diagnóstico – Nesta etapa, você pode quantificar com precisão o impacto das mudanças que foram discutidas, tais como preços de medicamentos de referência, cuidados integrados e agregação de dados? Knieps – Ainda é cedo. No momento, não está claro se nós produzimos redução de custos reais ou se nós simplesmente retardamos o aumento da despesa. Estou convencido de que o custo de assistência médica não está indo para baixo, mas há muito que podemos fazer para reduzir a quantidade de dinheiro desperdiçado. Recursos que podem ser investidos em prevenção, reabilitação e assistência de qualidade superior. Diagnóstico | jul/ago 2014

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Rosemary Gibson

A ARMADILHA DO TRATAMENTO Jornalista de formação, a escritora Rosemary Gibson, autora do livro A Armadilha do Tratamento, se tornou famosa em todo o mundo ao denunciar médicos criminosos que estão ponto em risco a vida de milhares de pacientes ao ministrar tratamentos desnessários em troca de lucro fácil GILSON JORGE

PARA ROSEMARY, os conflitos entre o interesse do paciente e dos prestadores em fazer dinheiro são maiores do que nunca


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o recolher material para um livro sobre erros médicos, a jornalista e escritora americana Rosemary Gibson se deparou com algo muito mais assustador: casos em que hospitais e profissionais de saúde aplicam deliberadamente procedimentos médicos que podem levar os pacientes à morte com o objetivo de conseguir dinheiro público para as instituições a que estão subordinados. Um único hospital americano chegou a inserir catéteres em 580 pacientes que não precisavam de intervenções cirúrgicas. A Associação de Medicina dos Estados Unidos classificou atos como esse de “tratamento excessivo”, do inglês overuse – procedimento médico que traz mais riscos à saúde dos pacientes do que benefícios. Rosemary também revela casos em que os próprios médicos são beneficiados pelas fraudes no sistema. “Os conflitos entre o interesse do paciente e dos prestadores em fazer dinheiro são maiores do que nunca”, acredita a escritora, cuja pesquisa sobre erros médicos a inspirou a escrever o livro A Armadilha do Tratamento, do inglês The Treatment Trap – ainda sem tradução no Brasil. Segundo ela, há estimativas de que 30% dos US$ 2,6 trilhões gastos anualmente no sistema de saúde americano são desperdiçados em procedimentos desnecessários, assim como nas ineficiências do sistema e em fraudes. “Um problema que não é apenas dos Estados Unidos, mas de muitos outros países”, conclui Rosemary, que falou de Washington D.C., com exclusividade, à Diagnóstico. Revista Diagnóstico – A senhora já foi vítima, alguma vez, do overuse? Rosemary Gibson – Não, nunca fui vítima de tratamento excessivo. Sempre que vou ao médico, levo uma cópia de A Armadilha do Tratamento. Na verdade, eu costumo ir a médicos atenciosos e nós discutimos as evidências sobre o que funciona e o que não funciona. Essa é uma conversa que todos os pacientes deveriam ter com o médico. Eu me envolvi com esse tema por uma série de razões. Estava escrevendo um livro sobre erros médicos, Wall of Silence (Muro do Silêncio). Muitos dos pacientes que eu ouvi tinham sido vítimas de erros médicos, enquanto haviam se submetido a cirurgias desnecessárias. Também lembro de um jantar que tive há 12 anos com um proeminente médico, que falou enfaticamente sobre a quantidade de danos provoca-

dos pelo tratamento excessivo. Ele nunca diria tais coisas publicamente. Então comecei a pesquisar o tema e encontrei artigos na literatura médica sobre o uso excessivo de cirurgias de coluna, histerectomia, cirurgia de ponte de safena e outros procedimentos invasivos em que os riscos superavam de longe os benefícios. Entrevistei os médicos e as respostas foram extraordinárias. O ex-presidente de um hospital internacionalmente conhecido, por exemplo, fez o seguinte relato: “Meu Deus, isso está em todo lugar”. Escrevi o livro porque o público tem o direito de saber o que médicos e outros profissionais de saúde já sabem. Eles não devem cair na armadilha do tratamento. Diagnóstico – O Hospital Mayo apontou em um estudo que 40% das cirurgias que foram indicadas para seus pacientes por médicos de outras unidades eram desnecessárias. Quanto os Estados Unidos gastam a cada ano com procedimentos médicos que não precisam ser feitos? Rosemary – Não sabemos exatamente qual a extensão dos tratamentos médicos inapropriados. Portanto, é difícil avaliar custos. O Instituto de Medicina da Academia Nacional de Ciências dos EUA estima que 30% dos US$ 2,6 trilhões gastos no sistema de saúde são desperdiçados em tratamentos desnecessários, assim como nas ineficiências do sistema e em fraudes. Aparentemente, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos tem aumentado a sua atenção ao tema e processado médicos que realizam cirurgias desnecessárias, especialmente procedimentos cardíacos. Ainda assim, os processos são relativamente raros. Os executivos dos hospitais usualmente não são implicados. Diagnóstico – Explique a expressão “monstro verde”, que a senhora apresenta no seu livro A Armadilha do Tratamento? Rosemary – O termo “monstro verde” foi usado por um médico muito ético que eu entrevistei. Ele estava citando um amigo, também médico, que explicou as razões pelas quais colegas seus haviam feito uma cirurgia de dupla reconstrução do ligamento cruzado em um homem que tinha doença vascular periférica nas pernas e nunca deveria ter sido submetido à cirurgia. O paciente morreu de um ataque cardíaco logo após o procedimento. Os médicos disseram ao colega ético: “Você não viu o monstro verde?”, referindo-se ao dinheiro – a nota do dólar é verde. O médico ético ficou atormentado com essa experiência. Diagnóstico – Como as associações americanas representativas dos médicos se posicionam em relação ao overuse? Rosemary – Médicos éticos não permitem o tratamento excessivo. As declarações de princípios da categoria dizem que um médico nunca deveria colocar os pacientes em uma situação em que os riscos excedem os possíveis benefícios. O Instituto de Medicina (correspondente ao CRM, no BraDiagnóstico | jul/ago 2014

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Rosemary Gibson sil), em assembleia, definiu o overuse como uma situação em que o potencial de dano em um procedimento de cuidados médicos supera os seus possíveis benefícios. Ainda assim, a ética médica é ignorada muito frequentemente e é por isso que esses problemas existem não apenas nos Estados Unidos, mas no Brasil e em muitos outros países. Sob os auspícios do Fórum Nacional de Qualidade – órgão que fiscaliza a qualidade do serviço médico americano –, um grupo identificou as cirurgias e exames que são conhecidos por serem usualmente adotados sem parcimônia. As cirurgias mais recorrentes que eles identificaram foram cirurgia da coluna, de ponte de safena, histerectomia, prostatectomia e cesarianas. Recentemente, tentei encontrar esse relatório no site do Fórum Nacional de Qualidade, e a informação não estava mais lá. Diagnóstico – Seu livro tem como público-alvo preferencial o usuário do sistema. O paciente tem poder para intervir nesse processo? Rosemary – Em algumas instâncias, absolutamente sim. Encontrei uma quantidade de pessoas bem informadas que declinaram das recomendações de tratamento feitas pelos seus médicos, não de forma espontânea, mas muito cuidadosa. Talvez pela primeira vez na história da medicina temos um subconjunto da população que está dizendo “não” às recomendações médicas porque eles acreditam que não vão estar melhores, mas sim piores. Em economia, isso se chama retorno decrescente. Falei com um grupo de legisladores estaduais no verão de 2012. Depois, um deles veio até mim e disse que vai ao médico a cada três meses para fazer um raio-x do peito. Perguntei se ele tinha uma condição médica subjacente. Disse-me que não. Eu tinha falado durante o encontro sobre a exposição à radiação emitida pelo equipamento e como esses exames deveriam ser feitos apenas quando necessários. Ele disse que ia perguntar ao médico se realmente precisava daqueles exames. Esse cidadão provavelmente nunca pensou na exposição à radiação. Aposto que nunca mais vai fazê-los. Diagnóstico – Os médicos americanos costumam argumentar que solicitar um número grande de exames é uma forma de se precaver contra eventuais processos judiciais, caso sejam acusados de omissão, por exemplo. Pode comentar? Rosemary – Médicos cautelosos realizam exames que acreditam ser desnecessários por causa do temor de processos. O medo de ser processado, contudo, não explica a realização de cirurgias, implantação de pontes de safena, cateterismo. De fato, médicos estão sendo processados por terem realizado esses procedimentos. Um médico que trabalhou em um hospital não muito longe de Washington D.C. foi processado por inserir catéteres desnecessariamente em 580 pacientes. Diagnóstico – Como seu livro repercutiu no mercado de saúde americano? Em algum momento se sentiu constrangida por parte da indústria ou pelos médicos? Rosemary – O tema do excesso de tratamento não é bem recebido por aqueles que dependem da renda proveniente do 30

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excesso de tratamento dos pacientes. Entretanto, o clima mudou. Se há dois anos era difícil até abordar o tópico, agora eu posso ir a encontros e falar sobre excesso de tratamento com muita liberdade. Solicitaram que eu falasse no Encontro Nacional sobre Excesso de Tratamento, realizado no último mês de setembro, sob o patrocínio da Associação Médica Americana e da Joint Comission. O fato de ter acontecido um evento dessa magnitude mostra como a maré virou. Dito isso, o desafio de falar sobre excesso de tratamento ainda permanece. Afinal, o débito que os Estados Unidos têm no orçamento federal e os gastos com o sistema de saúde são o principal fator de endividamento. O Congressional Budget Office (escritório de orçamento do Congresso Americano) estima que, se continuarmos nesse ritmo, em 2082 os Estados Unidos vão gastar todo o PIB com o sistema de saúde. O único lugar razoável para fazer os cortes é o excesso de tratamento, onde não estamos agregando valor à saúde do paciente. A principal razão para fazermos isso, entretanto, é que pessoas estão sofrendo danos por conta de cirurgias e exames desnecessários. Diagnóstico – Segundo um trabalho publicado no Jama (jornal da Associação Americana de Medicina) em 2000, o ato de pagar uma viagem para um profissional aumenta entre 4,5 e dez vezes a possibilidade de ele receitar as drogas produzidas pela patrocinadora. Esse marketing é legítimo? Rosemary – Muitos estudos mostram que os médicos que recebem dinheiro das companhias são influenciados por esses pagamentos na hora de tomar decisões. As grandes e antigas tradições da medicina chamam os médicos a ter o interesse do paciente como o principal e único propósito. Agora passamos a ter conflitos de interesse. Diagnóstico – Pela sua experiência, a senhora arriscaria dizer a porção de médicos americanos que praticam tratamento excessivo nos Estados Unidos? Rosemary – Certa vez, um médico de grande reputação, disse-me durante um jantar que um terço dos profissionais que estão na medicina continuam trabalhando porque essa é a sua vocação; outro terço por causa do dinheiro e a porção restante está pensando em abandonar a carreira porque está cansada de ver os colegas prescreverem procedimentos médicos desnecessários para os seus pacientes. O excesso de tratamento chegou a ser mencionado em um discurso há sete anos pelo presidente Obama (então senador), mas nunca mais isso foi mencionado em público. Diagnóstico – Muito se fala nos conflitos de interesse com ênfase nas atitudes dos médicos. Mas não deveria haver um maior rigor também com a postura ética dos hospitais? Rosemary – É difícil. Há algumas clínicas e hospitais que só visam ao lucro e nunca ao paciente. Você sabe o quão terríveis eles podem ser? Nos Estados Unidos há um programa de atendimento específico para pessoas em estado terminal (End of Life Care). Essas pessoas não serão curadas, mas têm direito a passar um tempo, normalmente uns seis meses, internadas recebendo todo atendimento para que se sintam confortáveis. Há clínicas que,


A ESCRITORA ROSEMARY GIBSON: denúncias levaram o Conselho de Medicina Americano a tomar medidas mais severas contra médicos não éticos

Um terço dos médicos americanos continuam trabalhando porque essa é a sua vocação; outro terço por causa do dinheiro e o restante quer abandonar a carreira porque está cansado de ver os colegas prescreverem procedimentos desnecessários. Diagnóstico | jul/ago 2014

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Rosemary Gibson para receber o dinheiro do governo, matriculam pessoas que não estão doentes, que não têm perspectiva de morrer. O 60 Minutes (programa de TV da rede americana CBS) mostrou como executivos de hospitais são constantemente pressionados a admitir pacientes idosos para suas unidades mesmo quando não há necessidade médica. Entrevistei um médico para o A Armadilha do Tratamento. Segundo ele, o diretor financeiro do hospital onde ele trabalhava disse que, se ele e os seus colegas pudessem admitir um paciente a mais por mês, o hospital estaria em uma situação financeira mais sólida. Que pessoa quer ser esse indivíduo adicional e ser internado em um hospital? São lugares assustadores. Isso mostra o quanto perdemos a nossa bússola moral. Diagnóstico – Em busca de transparência, os Estados Unidos dispõem de uma lei que obriga as indústrias a informar quais são os médicos que lhes prestam consultoria e quanto eles recebem. Além disso, há iniciativas como o site ProPublica, em que qualquer cidadão pode consultar quanto um médico recebeu de um fabricante qualquer. Até que ponto isso tem funcionado? Rosemary – A transparência na informação sobre o dinheiro que os médicos recebem das companhias é uma coisa boa. Mas agora há uma tendência de que mais médicos sejam empregados das companhias, que estão comprando consultórios médicos nos EUA. Os conflitos entre o interesse do paciente e dos prestadores em fazer dinheiro são maiores do que nunca. Isso jamais pode ser bom para o paciente, muito menos para o seu bem-estar. Diagnóstico – Médicos brasileiros não éticos costumam associar a prática de overuse à baixa remuneração que recebem. Esse é um argumento aceitável? Rosemary – Como observado, tratamento excessivo, para o Instituto de Medicina, é quando o potencial para dano de um serviço médico é maior do que o seu possível benefício. Nunca pode ser aceitável que um médico exponha os seus pacientes a riscos que excedam possíveis benefícios. Diagnóstico – Por que é tão difícil punir um médico que age como “sócio” de fornecedores, cobrando comissões para usar determinada prótese ou indicar um laboratório, por exemplo? Rosemary – Os médicos podem fazer muito pelos seus pacientes. Um paciente que eu conheço descreve isso como a “imunidade da reputação”, que deriva dos cuidados médicos. Pacientes querem médicos que sejam leais a eles e somente a eles. Diagnóstico – Os defensores da saúde pública e gratuita acreditam que esse tipo de distorção é quase uma prerrogativa do modelo capitalista implantado na saúde. O que a senhora pensa a respeito? Rosemary – Todo mercado precisa ser regulado. Os americanos não se importam que alguém ganhe muito dinheiro trabalhando duro. O que as pessoas não suportam é a fraude. Aqui há um conflito de interesses em um nível muito alto. As empresas têm um dever fiduciário primário com os seus 32

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acionistas, e os médicos, com os pacientes. Estas duas forças são conflitantes. O resultado é uma armadilha de tratamento em que muitos pacientes caem. Diagnóstico – Diante de tudo o que foi exposto, a senhora tem esperança de que o seu livro possa mudar a realidade? Rosemary – O primeiro passo para resolver um problema é falar sobre ele. Se permanece invisível, nunca vai ser corrigido. A boa notícia é que mais pessoas estão falando sobre os danos das armadilhas de tratamento. Não chegamos a este ponto da noite para o dia e vai levar, na mesma medida, um longo tempo para nos desenterrarmos. Pelo menos, há mais honestidade em torno do debate. Diagnóstico – Há planos para lançar o seu livro no Brasil? Rosemary – Eu gostaria muito que o livro fosse traduzido para que as pessoas no Brasil pudessem estar cientes deste fenômeno nos cuidados de saúde. Afinal, acredito que tratamento excessivo seja um problema crescente também em mercados emergentes. Editá-lo seria um grande serviço público ao cidadão brasileiro. Nos EUA, parte da renda com a venda da obra será doada para ajudar pacientes que tenham sido vítimas do overuse.

Médicos éticos não permitem o tratamento excessivo. As declarações de princípios da categoria dizem que um médico nunca deveria colocar os pacientes em uma situação em que os riscos excedem os possíveis benefícios. O Instituto de Medicina (correspondente ao CRM, no Brasil) definiu o overuse como uma situação em que o potencial de dano em um procedimento de cuidados médicos supera os seus possíveis benefícios. Ainda assim, a ética médica é ignorada muito frequentemente e é por isso que esses problemas existem não apenas nos Estados Unidos, mas no Brasil e em muitos outros países.



Ena de Araújo A HIERARQUIA DE CLASSES: “predominância” dos médicos sobre as demais categorias pode ser danosa ao processo de cura


A INVISIBILIDADE NA SAÚDE Diretora da Escola Técnica de Saúde de Brasília (Etesb), a pesquisadora Ena de Araújo critica o excesso de poder dos médicos na rotina dos hospitais e defende uma gestão de saúde menos verticalizada e com decisões colegiadas REINALDO BRAGA


Ena de Araújo

Divisão de classes

Segundo a pesquisadora, o processo de trabalho em saúde é deflagrado por hierarquias nem sempre saudáveis. Algo motivado, em larga medida, pelo histórico de alunos de medicina oriundos de classe sociais mais altas, de famílias que têm poderes de vocalização e aquisitivo predominantes

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A invisibilidade dos profissionais técnicos de saúde existe, é real e percebida de forma mais contundente na divisão e fragmentação das ações por eles exercidas, além dos salários – de forma mais evidente. No ambiente da saúde, há os que pensam e os que executam.


Revista Diagnóstico – Como a invisibilidade dos profissionais técnicos de saúde pode ser percebida? Ena de Araújo – Ela existe, é real e percebida de forma mais contundente na divisão e fragmentação das ações por eles exercidas, além dos salários – de forma mais evidente. No ambiente da saúde, há os que pensam e os que executam. Diagnóstico – Há situações em que essa realidade se transforma em assédio moral? Ena – Isso é uma coisa muito delicada de se falar, mas as evidências existem – inclusive com uso de expressões do tipo “faça o que eu mando, mas não faça o que faço”. Só que as pessoas têm medo de falar para não perder o emprego, a gratificação. Elas falam aquilo que os gestores, os seus superiores, gostam de ouvir. É uma coisa muito velada, como não é claro o assédio moral em lugar nenhum. Diagnóstico – Na Europa, enfermeiros e técnicos exercem atividades que no Brasil são prerrogativas exclusivas dos médicos. A Lei do Ato Médico é atrasada sob esse aspecto? Ena – A Lei do Ato Médico foi alvo de críticas por diversas categorias, e muitas ponderações, que acabavam restringindo a atuação dos médicos, acabaram sendo vetadas pelo Executivo. Lembro de um caso em que uma enfermeira docente foi levada à Justiça porque estava ensinando consulta de enfermagem – uma prerrogativa prevista na Lei 7.498/86, que regulamenta o exercício da profissão. É como se o termo consulta, em toda a sua acepção, fosse de propriedade exclusiva dos médicos. A gente consulta a cartomante, o dicionário, a bula do remédio. Não é possível haver um dono para o termo. Diagnóstico – Há muito corporativismo e classismo entre os médicos? Ena – Há uma divisão de classes clara. E um histórico das profissões que justifica esse status. Afinal, os alunos de medicina saem, com raras exceções, de uma classe social mais alta, de famílias que têm poderes de vocalização e aquisitivo muito evidentes. Assim, o processo de trabalho em saúde é deflagrado por essa hierarquia. É o médico que prescreve a alimentação do paciente e o nutricionista cumpre. A enfermagem aplica a medicação. A farmácia fornece o remédio. De certa forma há uma “predominância” do médico sobre as demais categorias. Tanto é assim que quando há uma “insurgência” para se democratizar essas ações, como a participação colegiada, discussão do processo de trabalho e gestão compartilhada, o movimento é visto como uma ameaça. Diagnóstico – É possível medir o impacto dessa invisibilidade no desempenho desses profissionais? Ena – Não há dados estatísticos sobre a questão. Há, por outro lado, uma especificidade, que é a divisão técnica do trabalho. Há um superior, que supervisiona, e o técnico, que executa. Trata-se de um modelo usado em linha de montagem de uma fábrica, que é trazido para a área social. O setor, aliás, tem uma forte regulamentação. A Lei do Exercício da Enfermagem, por exemplo, define todas as nuances da prática da enfermagem – inclusive as ações de supervisão e ensino. Cabem ao auxiliar, contudo, as ações repetitivas, como se eles não pensassem. Sempre lutei contra esse status, porque se tratam de trabalhadores que cuidam da vida de pessoas. Desde a época do Dasp (Departamento Ad-

ministrativo do Serviço Público, criado em 1938), porém, esses profissionais são definidos como auxiliares de serviços diversos. Algo que perdura até hoje. Essas pessoas não têm identidade profissional e não são sindicalizadas. Compõem uma massa de manobra para executar tarefas que não exijam grandes preparos. Mas na área da saúde até a limpeza requer conhecimento científico, já que uma ação mal executada pode disseminar uma infecção hospitalar em toda a unidade. Diagnóstico – Como essa invisibilidade se manifesta no SUS? Ena – O que eu vejo no SUS de forma mais clara é que, primeiro, o sistema de saúde ainda hoje é centrado na doença, no hospital e no lugar individual. Nesse ambiente, são requeridos, predominantemente, profissionais de nível superior – por disporem de um melhor aparato para resolver os problemas. Eles assumem o comando e gerem os processos de trabalho dos profissionais técnicos. Para o nível médio, é muito recorrente o trabalho em procedimentos do tipo “faça isso, arruma assim”. Eles vão repetindo o trabalho de forma acrítica, sem autonomia. Há pouco tempo, em um hospital público de Brasília, ocorreu um episódio evitável de falha na assistência, devidamente alertado por um auxiliar, à médica responsável. Ela o interpelou e fez questão de “restabelecer a hierarquia”. O desdém diante da “intromissão”, contudo, fez com que o paciente – uma criança – viesse a óbito. Um exemplo desastroso da organização do trabalho no ambiente médico hospitalar brasileiro, fortemente marcada pelo verticalismo. Diagnóstico – Como superar essa barreira? Ena – Implementando políticas que levem a decisões colegiadas, trabalho em equipe e valorização do profissional – tanto no que se refere aos salários, quanto aos processos de educação permanente, autonomia e avaliação constante de desempenho. Ações que devem redundar em motivação financeira e meritocracia. Vale lembrar que estamos falando de enfermeiros, técnicos e auxiliares, que correspondem a quase 60% da força de trabalho da saúde no nosso país.

É o médico que prescreve a alimentação do paciente e o nutricionista cumpre. A enfermagem aplica a medicação. De certa forma há uma “predominância” do médico sobre as demais categorias. Tanto é assim que quando há uma “insurgência” para se democratizar essas ações, o movimento é visto como uma ameaça

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Ricardo Benichio

RENATO MEROLLI, PRESIDENTE DA CNS

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Mais ética na Saúde. O mercado precisa. A sociedade exige.

Movimento pela Ética na Saúde

UMA INICIATIVA

APOIO

Revista

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Thomas Harter

O MELHOR HOSPITAL PARA SE MORRER Especialista em ética médica, o americano Thomas Harter é um dos responsáveis por fazer do hospital americano Gundersen Health uma referência mundial em tratamentos terminais ADALTON DOS ANJOS

UMA MORTE PLANEJADA PELO PACIENTE: modelo de assistência, que promove uma redução de custos no tratamento de pacientes terminais em até 30%, é questionado no próprio EUA



Thomas Harter

O

s hospitais da rede Gundersen Health System carregam o contraditório título de ser a melhor instituição de saúde para se morrer no mundo. O grupo, sediado na cidade de La Crosse, em Wisconsin – norte dos EUA –, se orgulha de atender quase todos os desejos dos seus pacientes em estágio terminal. Há até um número que representa a eficiência da instituição no tratamento a esse tipo de público. Se você estiver para morrer, quase todos os seus desejos, ou 98% deles, segundo o site da instituição, serão atendidos. “Damos voz aos pacientes quando a doença os impede de participar das decisões”, defende o americano Thomas Harter, um dos líderes da instituição, ligada à tradicional Igreja Luterana. “A maioria deles dispensa muitas intervenções médicas e apenas quer não sentir dor nos últimos dias de vida”. O modelo de assistência, que promove uma redução de custos no tratamento de pacientes terminais em até 30% – em relação a rotinas convencionais –, chegou a gerar polêmica ao ser debatido no Congresso dos EUA. A suspeita era de que o programa Respecting Choices (Respeitando Escolhas, em tradução literal) faria apologia à eutanásia – procedimento considerado crime em todos os 50 estados norte-americanos. “Aqueles que acreditam que defendemos a limitação do tratamento médico têm um entendimento inadequado da proposta”, sentencia Harter, que possui doutorado em filosofia e é especialista em ética médica. Formado por 24 clínicas médicas espalhadas pelos estados de Wisconsin, Iowa e Minnesota, além de dois hospitais próprios e quatro associados, o Gundersen Health System realiza anualmente mais de 283 mil internamentos – incluindo, em sua imensa maioria, pacientes que buscam a instituição à procura de cura. “Nunca planejamos ser um especialista no plano de cuidados avançados no fim da vida”, salienta Harter. “No entanto, nossa vocação em providenciar uma assistência baseada no modelo dos cuidados centrados nos pacientes nos levou a desenvolver nossa expertise”, completa o executivo, que concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico. Revista Diagnóstico – Como o Gundersen Health System consegue atrair pacientes em busca de cura, e ao mesmo tempo ser reconhecido como uma instituição modelo nos EUA como o melhor lugar para se morrer? Thomas Harter – O Gundersen Health System é reconhecido como um dos melhores hospitais dos EUA por oferecer excelentes serviços médicos ao nosso público. Isto se deve a um trabalho de preparação da nossa equipe para que ela tenha conversas abertas com pacientes e seus entes queridos sobre as metas de saúde – que é conhecido como um plano de cuidados avançados. Alguns doentes terminais que vêm ao hospital preferem não receber muitas intervenções durante o tratamen42

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to. Tudo o que eles desejam é estar confortáveis e sem sentir dores. Os colaboradores da instituição também são treinados para ajudar a formatar este tipo de cuidado médico. Como resultado, os pacientes são atraídos para o Gundersen pelo alto nível de cuidado promovido para suas necessidades e objetivos, incluindo o fim da vida. Diagnóstico – Por que o mercado de saúde se dedica tão pouco a esse tipo de prestação de serviço? Harter – Existem múltiplas razões para que o mercado nos EUA ainda não tenha adotado o plano de cuidados avançados como um padrão de serviços oferecido aos seus pacientes. Uma razão importante é que este serviço é contraintuitivo do ponto de vista dos negócios. Tem sido através de nossa experiência que muitas pessoas, que não querem receber muitos tratamentos no fim da vida, estão se engajando a adotar este tipo de estratégia. Além disso, os custos dos cuidados de fim da vida no país são muito caros. Enquanto nosso plano pode resultar em menores gastos para os pacientes terminais, representa também perda de lucratividade para os sistemas convencionais de saúde. Diagnóstico – Lidar com a morte ainda é um tabu para os hospitais? Harter – As discussões sobre a morte são difíceis para muitas pessoas, independentemente de onde elas ocorram. Estas conversas são especialmente reprimidas nos hospitais porque as pessoas doentes os procuram com a esperança de ficar boas novamente. Contudo, como a área de cuidados paliativos está se tornando padrão de serviço no meio hospitalar, as discussões sobre a morte são muito menos tabu do que já foram. Alguns hospitais, como o Gundersen, também desenvolvem programas de treinamentos para o corpo médico, estagiários, residentes e estudantes, sobre como ter este tipo de conversa com os pacientes e seus entes queridos Diagnóstico – O que motivou o Gundersen Health System a se especializar nesse tipo de assistência? Harter – Nunca planejamos ser um especialista no plano de cuidados avançados no fim da vida. No entanto, nossa vocação em providenciar uma assistência baseada no modelo de cuidado centrado no paciente nos levou a desenvolver esse tipo de expertise. O projeto inicial do Respecting Choices resultou de histórias e experiências dos nossos pacientes e seus entes queridos. Ouvimos seus desejos, medos e preocupações. Questionamos sobre como poderia ser nossa ajuda e preparamos os doentes e familiares para informá-los sobre as escolhas de saúde. Estávamos motivados a criar uma estratégia efetiva, testá-la e garantir que nossos clientes refletissem sobre suas decisões, seus objetivos, valores e preferências de tratamento. Além, é claro, que teriam o tempo para discutir essas informação com seus parentes. Para resumir, nossos pacientes também nos ensinaram a como desenvolver este tipo de cuidado. Diagnóstico – Como funciona o “plano de fim de vida”? Harter – Ele possui três diferentes estágios. Cada etapa corresponde ao nível de enfermidade do indivíduo que está fazendo o planejamento: aqueles que estão relativamente em boas ou estáveis condições, os que estão começando a sofrer compli-


THOMAS HARTER: “Aqueles que acreditam que defendemos a limitação do tratamento médico têm um entendimento inadequado da proposta”

cações de sua condição crônica ou progressiva e, finalmente, os que estão se aproximando do fim da vida. Todos os estágios envolvem profissionais treinados, aprendizagem sobre as experiências de saúde das pessoas, seus valores e metas para o tratamento (incluindo situações cujo tratamento das pessoas possa sofrer alterações). Essas conversas são documentadas e compartilhadas entre a equipe responsável, que fica informada sobre os desejos e preferências do tratamento destes pacientes. Diagnóstico – O custo do tratamento de pacientes terminais no Gundersen Health System é cerca de 30% menor do que a média nacional nos EUA. O que está por trás desses números?

Harter – Nos EUA, quando os desejos de tratamentos dos pacientes são desconhecidos, a posição padrão de prestadores de serviços clínicos é promover a maior quantidade de tratamento que eles possam. Portanto, não é surpreendente que exista uma associação entre o custo do tratamento e o plano de cuidados avançados. Em lugares com programas desta categoria mais fracos – cujos pacientes não têm um planejamento tão efetivo como o nosso –, os doentes estão mais vulneráveis a receber tratamentos indesejados, resultando em altos gastos. Este tipo de resultado não é comum em modelos como o do Gundersen. Nossos índices não apenas mostram que a maioria dos nossos pacientes terminais tem planos de cuidados avançados, mas também que grande parte deste público quer ser cautelosa com Diagnóstico | jul/ago 2014

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Thomas Harter o tratamento médico. Nossos custos menores não são nada mais do que o reflexo de honrar os desejos dos pacientes. Diagnóstico – Uma das principais críticas da iniciativa, a ex-governadora do Alasca, Sarah Palin, acredita que a proliferação do “Respecting Choices” criaria o que ela definiu como “death panels” (painéis da morte) para determinar quem deveria viver ou morrer. Poderia comentar? Harter – Aqueles que acreditam que o nosso plano de cuidados avançados defende a limitação do tratamento médico têm um entendimento inadequado da proposta. Damos voz aos pacientes quando a doença, enfermidade ou lesão os impede de participar da tomada de decisões médicas. O objetivo é fazer as pessoas documentarem suas preferências de tratamento, porque se eles perderem a habilidade de se comunicar com os médicos, estes profissionais podem continuar sabendo o que seus pacientes gostariam que fosse feito. Desta forma, o plano de cuidados avançados isola as preferências de tratamento das opiniões dos outros (profissionais de saúde ou parentes) e pode, na verdade, ajudar os pacientes a receber mais tratamentos que talvez seus entes queridos quisessem para eles mesmos. Diagnóstico – Por que este modelo não foi replicado nos EUA? Harter – A saúde nos EUA encontra-se em um ponto em que as discussões sobre os planos de cuidado avançados estão se tornando mais predominantes, seja em níveis mais básicos ou mesmo individuais, com mais adesão de pacientes a esse tipo de assistência. Há também avanços nas políticas estaduais e federais de regulamentações. Parte disso é resultado dos êxitos relacionados à difusão e implementação do Respecting Choices. O fato desse diálogo sobre este tipo de serviço estar ocorrendo é um bom sinal de que estamos prontos para considerar pequenas mudanças na prática médica no país. Diagnóstico – Quais são os principais desejos dos pacientes em seus planos de fim da vida? Harter – Em nossa experiência com o plano de cuidados avançados, os dois desejos mais frequentes dos pacientes no fim da vida são não sofrer dor e não continuar com o tratamento médico se eles perderem a habilidade de se comunicar com seus entes queridos. Normalmente, podemos atender a maioria dos pedidos dos pacientes no fim da vida desde que eles não sejam ilegais, antiéticos ou estejam fora do domínio da prática médica. Como resultado, pode haver uma gama grande de preferências nesta etapa da vida que nós lutamos para atender. Por exemplo, recentemente tivemos um paciente que estava morrendo em decorrência de um câncer progressivo e decidiu renunciar à continuação do tratamento sabendo que ia morrer em alguns dias. O paciente queria se casar, mas estava muito debilitado para deixar o hospital. Então, realizamos a cerimônia em um dos pátios do Gundersen por um membro da nossa equipe de capelães. Diagnóstico – Como o hospital lida com o fato de não poder atender ao pedido de pacientes que queiram abreviar suas vidas? Harter – A maior parte dos nossos pacientes próximos ao fim da vida que vem ao hospital não quer abreviar suas vidas. Na 44

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verdade, eles simplesmente querem aliviar qualquer dor ou sofrimento que estão sentindo. Quando pacientes do hospital apresentam como desejo abreviar a vida, os informamos que não podemos honrar aquele pedido. Nos cabe, então, tentar identificar e tratar a causa da dor ou sofrimento desse paciente com o melhor de nossas habilidades. Diagnóstico – Como é a estrutura do hospital que atende pessoas com doenças terminais? Harter – O Gundersen tem uma variedade de serviços para pacientes próximos ao fim da vida. Muitos pacientes são assistidos por profissionais do setor de Cuidados Paliativos. Na medida em que as condições médicas dos pacientes hospitalizados pioram para um grau em que os cuidadores acreditam que eles provavelmente morrerão dentro de seis meses, abrem-se as discussões para um desejo manifesto do paciente em se inscrever no programa de cuidados paliativos. Os pacientes têm o livre-arbítrio de escolher ou não a opção. Independentemente da escolha do paciente, nossos profissionais continuam a focar o tratamento na satisfação das necessidades e preferências dos pacientes. Diagnóstico – Qual o feedback que as famílias costumam dar ao Gundersen Health System após a morte de seus entes queridos? Harter – Resultados recentes de um estudo na Austrália sobre o modelo Respecting Choices mostram que o plano de cuidados avançados aumenta o sentimento de alívio, e ao mesmo tempo reduz a sensação de estresse, fardo e culpa por parte dos familiares, em relação à perda de um ente querido. O feedback típico que recebemos das famílias é que o nosso método as ajuda a lidar com a morte, essencialmente porque elas conheciam as preferências de tratamento daqueles que morreram e o momento de continuar ou parar o tratamento médico. Diagnóstico – Em um recente artigo, o colunista da Forbes Robert Pearl diz que informar a um paciente que o fim está próximo é muito difícil para os médicos, que foram preparados para salvar e prolongar vidas. Como ter este tipo de conversa com os pacientes sem cometer erros? Harter – É muito frequente ver médicos nos EUA despreparados para conversar com pacientes e seus familiares sobre a morte. Eles não são treinados especificamente para esta tarefa. O Gundersen desenvolveu programas de capacitação para o seu corpo médico e de estudantes que os ajudam a falar sobre a morte com pacientes e seus entes queridos. Esses cursos fazem com que nossos profissionais se tornem mais conscientes dos seus medos, ao precisar revelar para os pacientes que o fim da vida está próximo. Além disso, procuramos estimulá-los a desenvolver estratégias e dar-lhes a oportunidade de, até mesmo, ensaiar estes momentos difíceis durante encenações com outros membros da equipe. Diagnóstico – O senhor já pensou em seu plano de cuidados avançados? Harter – Sim, é claro. Seria difícil ensinar os outros com sinceridade sobre os planos de cuidados avançados e como usar o modelo Respecting Choices sem ter pensado ou planejado meu próprio plano.


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Sérgio Mindlin

PRESIDENTE DO INSTITUTO ETHOS, SÉRGIO MINDLIN: corrupção não é privilégio de países subdesenvolvidos como o Brasil

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OS DESCAMINHOS DA ÉTICA NA SAÚDE Fundador e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos, Sérgio Mindlin, defende que há uma resistência do setor de saúde em discutir a ética em sua forma mais ampla. Sentar-se à mesa, colocar seus interesses e chegar a um ponto comum ainda é um tabu

A ADALTON DOS ANJOS

recusa em abrir mão do lucro fácil continua sendo um dos maiores obstáculos para que a ética impere nas empresas. A constatação, em tom para lá de crítico, é do fundador e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos, Sérgio Mindlin. No caso específico do mercado de healthcare, a questão é ainda mais complexa. “Há uma resistência do setor de saúde em discutir a ética em sua forma mais ampla, sentar-se à mesa, colocar seus interesses e chegar a um ponto comum”, identifica Mindlin. “Além disso, os interesses conflitantes entre os diversos segmentos que formam a cadeia produtiva do setor (prestadores, indústria e operadoras) tornam ainda mais difícil se chegar a uma harmonização”. Segundo ele, o país precisa refletir sobre as consequências da corrupção em uma sociedade que vem cobrando comportamentos mais transparentes e que se empodera como nunca de aparatos regulatórios voltados para a prevenção de crimes envolvendo a falta de ética. “Não se pode dizer, ainda assim, que o executivo brasileiro de uma forma geral é corrupto. Muito pelo contrário, a maioria não é”, garante Mindlin, que costuma recorrer a um provérbio italiano para definir o caráter universalizante do desvio de conduta humana: “Fatta la legge, fatta la burla” (feita a lei, feita a fraude). “Há sempre alguém que quer levar vantagem. Não importa onde”, resume o dirigente. Com passagem pela indústria (Metal Leve) e pelo setor de serviços (Telefónica), Mindlin comanda um organismo com mais de 1.500 em-

presas associadas e cujo principal objetivo é difundir uma cultura de ética nos relacionamentos entre o mercado e seus diversos stakeholders. Militante do assunto – é uma das principais vozes em Brasília a favor do projeto de lei que regulamenta o lobby no país –, o executivo interrompeu as férias na bucólica cidade paulistana de São Bento de Sapucaí, na Serra da Mantiqueira, para conceder a seguinte entrevista à Diagnóstico. Revista Diagnóstico – O que falta para a ética ser incorporada como uma estratégia de governança corporativa obrigatória nas empresas brasileiras? Sérgio Mindlin – Muitas coisas precisam acontecer ao longo do tempo. A legislação está sendo aprimorada com as leis anticorrupção e de acesso à informação. No entanto, o Brasil é um país em que a existência de normas não tem coibido fatos ilícitos. Um exemplo contundente é a forma como as contribuições não contabilizadas nas campanhas eleitorais ainda imperam na política brasileira. Falta um processo de efetiva aplicação da Justiça. Os trâmites judiciários em nosso país são extremamente complexos, possuem níveis quase infindáveis de recursos, o que faz com que as punições muitas vezes não ocorram. Além disso, no que se refere às empresas, é preciso que gradualmente haja a incorporação da cultura da ética e da integridade em suas rotinas. Não por acaso, o empresário – ou o principal dirigente da organização – é o responsável por esta tarefa. Cabe a ele ser um exemplo de comportamento adequado, boa formação e caráter. Ainda asssim, e apesar dos desvios de conduta que presenciamos a todo momento, seja na esfera pública ou privada, não se pode dizer que o executivo brasileiro de uma forma geral é corrupto. Muito pelo contrário, a maioria não é. No Brasil, assim como em qualquer país, há profissionais desprovidos de ética. Os italianos têm um provérbio que define bem o caráter universal do desvio de conduta no comportamento humano: “Fatta la legge, fatta la burla” (feita a lei, feita a fraude). Há sempre alguém que quer levar vantagem. Não importa onde. Diagnóstico | jul/ago 2014

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Sérgio Mindlin Diagnóstico – Uma recente pesquisa, na qual o Brasil foi representado pelo Comitê de Recursos Humanos do Instituto Brasileiro de Gestão Corporativa, realizada com executivos da Ásia, Europa e América, apontou que 20% dos executivos de grandes empresas cometem algum tipo de desvio de conduta, a exemplo de assédio moral e pagamento de propinas a funcionários públicos. A corrupção ainda pode ser encarada como um fenômeno endêmico? Mindlin – A corrupção acontece em todas as sociedades. O que essa pesquisa também mostra é que a maioria dos executivos – 80% – não comete crimes. É preciso ressaltar que um desvio de conduta ou assédio moral é diferente de corrupção. Isso certamente ocorre e vai continuar ocorrendo no mundo inteiro. Diagnóstico – A definição do Brasil como um país dos corruptos e da impunidade já pode ser revista, diante dos avanços que o país tem alcançado? Mindlin – Estamos avançando. Dispomos de uma legislação que vem sendo aplicada e os avanços, naturalmente, estão sendo reconhecidos – inclusive fora do país. Em 2012, por exemplo, a Transparência Internacional realizou no Brasil a 15ª edição da Conferência Internacional Anticorrupção. A organização do evento escolheu o país com o objetivo de sinalizar as mudanças positivas no contexto institucional brasileiro. Diagnóstico – É possível quantificar o peso da corrupção na economia do Brasil? Mindlin – É difícil precisar. Frequentemente se discute se o aumento dos casos de corrupção divulgados na mídia é um indicativo de que os desvios de conduta aumentaram ou se, tão somente, representam o reflexo de mais esforço nas investigações de combate a fraudes. É uma resposta que ninguém tem. O fato de ser ilegal impede o registro e o real peso na economia. Uma pesquisa da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e da CNI (Confederação Nacional da Indústria), divulgada em 2011, estimou que o custo com a corrupção no país atinja cerca de R$ 69 bilhões/ano. Há uma outra pesquisa, conduzida pelo deputado federal Mendes Thame (PSDB/SP), em 2013, que apontaria para um volume de recursos maior, na ordem dos R$ 85 bilhões anuais. Trata-se de um número expressivo, que representa cerca de 2% do PIB brasileiro. Desvios que poderiam ter sido aplicados na educação ou na prestação de serviços em saúde, por exemplo. Diagnóstico – Que lições o mundo corporativo pode tirar do “escândalo do metrô” de São Paulo, envolvendo a atuação das multinacionais Siemens e Alstom no Brasil? Admitir que errou é uma boa estratégia? Mindlin – A sociedade civil vem cobrando um comportamento muito mais ético e transparente das autoridades e dos políticos. Com a tecnologia, os mecanismos de divulgação da informação permitem mais visibilidade e acessibilidade a esses temas. As empresas, não somente as envolvidas nesse episódio, precisam aprender a lição de que não é possível agir deliberadamente de forma inadequada ou simplesmente achar que não vão ser punidas ao adotarem posturas não éticas em suas decisões. Admitir que em algum momento a empresa agiu de forma inadequada é um avanço, mas não basta. É preciso de48

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monstrar que haverá uma mudança de comportamento com a implementação de sistemas de prevenção e com a punição dos responsáveis que reincidirem nos desvios de conduta. Mas há uma faceta pouco explorada no caso Alstom/Siemens, e na mesma medida prejudicial ao país: o vazamento de informações processuais que deveriam estar sendo tratadas de forma sigilosa. De repente, vários escritórios de advocacia na cidade de São Paulo passaram a ter cópias do processo em mãos. Isso, além de comprovar, no mínimo, uma fragilidade do nosso Judiciário, pode resultar em um recuo das empresas em aderir ao expediente da delação premiada – o que seria um grande retrocesso. Por tudo isso, ainda tem muito a evoluir. Diagnóstico – Há alguma relação entre ética e subdesenvolvimento? Mindlin – Existe falta de ética no mundo inteiro. Certamente nos países menos desenvolvidos, onde houve uma evolução mais lenta da legislação para punir rastros da corrupção, há mais processos deste tipo. As nações europeias e os EUA sempre tiveram uma legislação forte a esse respeito. Mesmo assim, suas empresas continuam a cometer desvios éticos em filiais localizadas em países subdesenvolvidos. Até 2000, na Alemanha, era possível contabilizar as despesas de corrupção em países estrangeiros como se fossem recursos para o marketing. Se um executivo de alguma empresa germânica, adepta dessa prática, fosse questionado sobre o assunto, certamente responderia que o procedimento fazia parte do negócio, que se tratava de algo permitido. Há, além disso, questões culturais mais amplas. Latinos e anglo-saxões, por exemplo, possuem diferenças em seus comportamentos éticos. Os países latinos tendem a ser mais flexíveis. E nós, como fomos colonizados por latinos, herdamos um pouco dessa cultura. Basta citar o exemplo de Pero Vaz de Caminha, que, ao escrever a primeira carta ao rei D. Manoel I, narrando as belezas da terra brasilis, aproveitou para pedir emprego a um familiar. Para muitos, o episódio foi o primeiro registro de nepotismo no país. Diagnóstico – No mercado de saúde, falar sobre fraude é como trazer do subterrâneo distorções que todos sabem que existem, mas que poucos se dispõem a debater. Abrir mão do lucro fácil é um desafio para que a ética impere? Mindlin – O empresário tem que perceber que o lucro fácil terá um custo direto para a empresa no momento em que ela for flagrada no exercício de práticas delituosas. E a probabilidade de que isso aconteça está aumentando com a transparência, a acessibilidade aos meios de informações, bem como com o surgimento de novas estruturas de legislação que o Brasil vem adotando. Há também uma consequência indireta, porque o dinheiro retirado da saúde, por exemplo, deveria promover o acesso a cuidados para uma população desprovida. No futuro, isso resultará em mais prejuízos para o gestor privado ou público, já que ele não terá mão de obra com adequada cobertura e prevenção. Não conheço o setor de saúde para falar especificamente, mas seguramente trata-se de um dos segmentos mais importantes de qualquer sociedade. Por conta disso, o Instituto Ethos escolheu a saúde, juntamente com os setores de energia, transporte e construção civil, como uma das quatro áreas prioritárias para integrar o projeto Jogos


Limpos, que consiste em criar mecanismos de transparência e monitoramento de rotinas – focadas na difusão de princípios éticos.

po, percebe-se que há falhas nas legislações, e que é preciso de mais regulamentações. As pessoas vão descobrindo formas de ultrapassar as barreiras.

Diagnóstico – O senhor afirma que as leis de acesso à informação e anticorrupção, recentemente sancionadas, junto com a lei do lobby, ainda em tramitação, são os pilares da transparência no processo da integridade das relações entre o setor privado e órgãos públicos. Já é possível perceber os resultados da normatização em vigor? Mindlin – A legislação está entrando em vigor e ainda não há como mensurar. Mas há indícios. Vários escritórios de advocacia, que lidam com a questão dos complaints, por exemplo, estão experimentando um grande aumento na demanda para a implantação desses sistemas, o que sugere haver uma sensibilização do mercado em começar a se prevenir contra a corrupção. E, em última análise, podemos supor tratar-se de um sinal de que a legislação está surtindo efeito.

Diagnóstico – A indústria farmacêutica e as operadoras de saúde fazem parte dos segmentos que mais financiam campanhas políticas – somente planos de saúde investiram mais de R$ 12 milhões nas últimas eleições para o Congresso e Planalto. Em contraste, hospitais privados, públicos e filantrópicos têm presença insignificante no debate sobre os rumos do setor, em Brasília. Como é possível equalizar esse tipo de distorção? Mindlin – A lei do lobby faria com que o setor fosse mais explícito e transparente na defesa dos seus interesses. Acho que o processo de envolvimento das várias associações e segmentos no setor de saúde ocorreria gradualmente. Com mais transparência, por exemplo, seria de conhecimento público quem mais investe em lobby – “os campeões da causa no setor” –, bem como seus objetivos. Isso acabaria atraindo naturalmente outros atores, convencidos de que é preciso estar mais próximos das discussões.

Diagnóstico – O Projeto de Lei nº 1.202, que regulamenta o lobby, está parado no Congresso Nacional desde 2007. A quem interessa este atraso na decisão sobre o tema? Mindlin – Interessa a quem faz o lobby de forma inadequada e defendendo interesses escusos. Sem a obrigação de registro do lobista, não é possível dar transparência à questão que ele está defendendo. Desta forma, fica fácil atuar em defesa de interesses escusos e particulares de um grupo. Acho que este tipo de beneficiário é que está procurando postergar a regulamentação. Infelizmente, nosso ambiente político também precisa evoluir bastante. Isso passa, obrigatoriamente, por uma discussão sobre o financiamento das campanhas eleitorais e do próprio processo eleitoral. As campanhas são financiadas e custam muito. O país certamente será obrigado a discutir alternativas ao atual modelo de financiamento das campanhas eleitorais. Por trás dessa questão, aliás, se encontra a base de muitos atos de corrupção que acontecem no país e, que, felizmente, vêm sendo cada vez mais descobertos. Diagnóstico – Os críticos à lei do lobby defendem que o Brasil já tem um Código Penal que prevê punições para crimes de tráfico de influência, corrupção ativa e passiva. Por conta disso, eles argumentam que uma regulamentação para quem desrespeita os limites éticos seria desnecessária. Poderia comentar? Mindlin – Essa legislação não é suficiente para dar transparência necessária a esta atividade. A depender do que seja aprovado na lei do lobby, o indivíduo tem que se registrar, em alguns casos precisará passar por uma quarentena antes de ter este tipo de atuação e terá que atuar com transparência diante da especificidade do interesse que está defendendo. O parlamentar também terá que obter um registro na agenda de quem recebe. Não é só uma questão de punição, como prevê o Código Penal. Diagnóstico – Na Inglaterra, onde o lobby é regulamentado e o senhor refere sempre como um modelo a ser seguido, há um projeto de lei que endurece as regras da atividade, sobretudo em anos eleitorais. Trata-se de um retrocesso? Mindlin – Acho que não. É um aperfeiçoamento. Com o tem-

Diagnóstico – A fiscalização sobre a aplicação de qualquer lei no país é um capítulo à parte. Como esse controle se daria em uma legislação tão particular? Mindlin – Teremos que avançar nesse aspecto também. Tanto na questão da preparação da formação de fiscais, quanto no processo de fiscalização dos fiscais. Em muitos lugares, a corrupção parte de ofertas que são feitas por esses agentes públicos, vide o caso do “escândalo dos auditores fiscais” em São Paulo. Setores como as controladorias terão que estar bem preparados para monitorar todo este processo e garantir que a fiscalização seja efetiva. Diagnóstico – Mesmo com a ausência de uma lei que regulamente o lobby, a ação acontece no país. Quais os riscos dessa informalidade na atividade? Mindlin – Não haver a transparência, o que acaba gerando corrupção e instituindo o famoso “toma lá dá cá”: eu financio a sua campanha eleitoral e depois você defende o meu negócio em detrimento de uma discussão mais aberta dos interesses da sociedade. Diagnóstico – Por que o Ethos não tem tido sucesso para atrair a indústria da saúde para seus projetos? Mindlin – O que a nossa equipe identifica é que o setor é muito pulverizado. Existem interesses conflitantes entre operadoras de saúde, associações de médicos, empresas farmacêuticas, além de hospitais públicos, privados ou filantrópicos e uma dificuldade em chegar a uma harmonização. Há uma resistência do setor de saúde em discutir a ética em sua forma mais ampla, sentar-se à mesa, colocar seus interesses e chegar a um ponto comum. Para alcançar este consenso, no processo de um pacto pela integridade do setor como costumamos promover, certamente cada um deve abrir mão de um pouco do que pode se beneficiar individualmente, em prol de um conjunto que funcione melhor. Mesmo assim, temos empresas do setor associadas ao Ethos [no total, 53 integrantes dos segmentos hospitalar, farmacêutico e indústria], buscando contribuir com a promoção da integridade. Diagnóstico | jul/ago 2014

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Camila Morsch

SAÚDE vs INCLUSÃO

Para a ativista Camila Morsch, especialista em equidade de gênero, a inclusão da força de trabalho de mulheres, negros e LGBTs ainda é prioridade distante no mercado de saúde do Brasil MARA ROCHA

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LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS, TRANSEXUAIS E TRANSGÊNEROS: a não discriminação requer um olhar específico e sensível por parte de empresariado brasileiro


Camila Morsh

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inclusão, não só de mulheres, mas de LGBTs, pessoas com deficiência e negros nas empresas ainda continua sendo um desafio universal”. Quem afirma é a brasileira, membro do Grupo Assessor da Sociedade Civil para a ONU Mulheres no Brasil, Camila Morsch. No mercado de saúde, a realidade não é diferente. “A cadeia produtiva do setor tem se destacado mais em agendas tradicionais da sustentabilidade, como a gestão de energia e de resíduos, bem como na discussão sobre o custo da saúde”, analisa ela. “A equidade de gênero não é prioridade”. Para Camila, a discussão sobre o papel das minorias no mercado de trabalho brasileiro só ganhou fôlego há cerca de dez anos, com a introdução das cotas raciais – consideradas pela feminista um marco na história recente do país. Nos EUA, onde viveu por quase seis anos, o debate sobre a equidade de gênero virou até assunto de pesquisa da Escola de Negócios de Harvard. Um estudo, realizado em 2010, demonstrou que as estudantes tinham dificuldade no curso por não encontrarem um ambiente favorável para desenvolver os seus respectivos talentos. “As alunas não se sentiam confortáveis, por exemplo, em participar ativamente das aulas, intimidadas pela atuação dos homens e pelo método competitivo de ensinar”, salienta Camila, que entre 2006 e 2009 foi diretora adjunta do fórum de discussões African American Policy Forum (AAPF), da Universidade de Columbia, Nova York. O estudo mostrou também que, além disso, as mulheres se sentiam mais à vontade realizando trabalhos em equipe. Após algumas adequações simples, como a instalação de microfones na sala de aula e avaliações por meio de trabalhos em grupo, o rendimento delas melhorou. “O estudo de Harvard comprovou que a promoção da equidade de gênero não se resume apenas a uma questão numérica”, avalia Camila, que é PhD em direito pela Universidade de Canterbury (Itália). Em São Paulo, onde vive, a feminista concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico.

Camila – É preciso um aprofundamento do discurso mais estrutural sobre o papel da mulher no imaginário da sociedade brasileira. É mais comum dentro das empresas o discurso da qualificação e não, por exemplo, o de transformação dos ambientes empresariais como espaços mais favoráveis ao desenvolvimento da mulher, de uma maneira mais justa e menos onerosa. A carga da dupla jornada para nós, que muitas vezes somos forçadas a sair do mercado de trabalho, é um exemplo de conquista à espera de se tornar realidade. O discurso da qualificação precisa existir, claro, mas não se pode dissociá-lo de um olhar mais estrutural de adequação do ambiente social. Diagnóstico – Quais os casos mais comuns de desfavorecimento da mulher nas empresas? Camila – Nas reuniões em que uma mulher participa, geralmente ela não é escutada da mesma forma que os homens, além de ser colocada numa posição de subserviência. Mesmo ocupando um posto de comando no executivo, ela pode acabar atuando como secretária de seus colegas homens, produzindo ata, fazendo reservas, organizando viagens. Não se trata de um papel demeritoso, desde que não seja sempre a mulher a realizar tais tarefas. Além disso, temos uma organização social que ainda faz das mulheres a principal responsável pela casa e filhos, dedicando muito mais horas ao trabalho doméstico do que o homem. Para as mulheres casadas com homens, esse fator, muitas vezes, a impossibilita de seguir seus próprios sonhos de carreira. Portanto, falar em mulher em posição de comando implica dar as condições para que essa pessoa, que se dedicou, batalhou e venceu barreiras, possa exercer a profissão de maneira tão tranquila quanto o homem, que geralmente não tem dupla jornada.

Revista Diagnóstico – O Brasil avançou na questão da equidade de gênero? Camila Morsch – Existem vários campos de atuação pela equidade de gênero. No âmbito das empresas, há atualmente uma movimentação muito grande de mulheres empresárias, executivas, jovens líderes, dedicadas a debater o tema. Um exemplo disso é a Maria Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, que vem defendendo veementemente as cotas para mulheres em conselhos de administração. É muito importante ter essa movimentação no topo. Vemos também o governo se mexendo, através das cotas no serviço público, e se movimentando para passar legislação de incentivo para as empresas que promoverem a igualdade de gênero. Essa mobilização é, com certeza, um avanço.

Diagnóstico – Pode explicar o conceito de visão eticonômica? Camila – O que mais se tem argumentado para convencer o empresariado sobre a equidade de gênero é a versão de economia inteligente, que quantifica o valor da mulher dentro da organização, afirmando, por exemplo, que as empresas de capital aberto com mais mulheres na liderança têm melhor performance financeira, medida pelo crescimento proporcional de seu valor de mercado, como constatou estudo do Credit Suisse. Ou empresas com mais mulheres no quadro funcional costumam ser mais produtivas. As mulheres também consomem mais do que os homens e costumam ter o poder de decisão na hora da despesa. É bom tê-las no quadro da empresa, por serem boas conhecedoras do mercado. Todos esses argumentos são importantes e ajudam no convencimento do empresariado. Daí a visão eticonômica, que envolve as bases fundamentais dos direitos humanos e também das mulheres, aliadas à questão econômica. Mas, quando adotamos esse discurso, não podemos esquecer que a equidade de gênero não deve ser tratada como uma agenda voluntária e de fins puramente econômicos, porque a não discriminação é uma questão de direito. E a não discriminação requer um olhar específico e sensível para questões de gênero. Todos temos direito de trabalhar em um ambiente livre de discriminação. Para isso, existe um marco regulatório do direito das mulheres, há as diretrizes da ONU e, acima de tudo, o direito fundamental à igualdade de todas as pessoas. A empresa que não garante um ambiente não discriminatório acaba por violar direitos, isso é claro.

Diagnóstico – E o que ainda falta?

Diagnóstico – Como esse direito costuma ser violado de forma

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CAMILA MORSH É PHD EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE DE CANTERBURY (ITÁLIA) E FEMINISTA MILITANTE

Pesquisa de Harvard

Um estudo da Escola de Negócios de Harvard, realizado em 2010, demonstrou que as estudantes tinham dificuldade no curso por não encontrarem um ambiente favorável para desenvolver seus talentos. A pesquisa comprovou que a forma como estavam estruturadas as aulas e avaliações favorecia os homens, em detrimento das mulheres

mais recorrente? Camila – Quando não existe equiparação salarial entre homem e mulher, quando se vê mais homens do que mulheres sendo sistematicamente promovidos, nos casos de assédio moral e sexual contra a mulher, mesmo que das formas mais sutis, muitas vezes naturalizadas pela sociedade brasileira. Da mesma forma, viola a lei a empresa que não respeita o direito da mulher ao trabalho após a licença maternidade, que não respeita o direito da criança ao aleitamento materno. É preciso reiterar, portanto, que a empresa não tem que promover a igualdade como uma questão voluntária, mas porque é obrigação dela. Há um dever de conformidade e

de direito muito maior. Existe ainda um risco, um passivo para as empresas que não se adequarem. Todo abuso requer remediação extrajudicial. Diagnóstico – Há setores da economia em que as mulheres conseguiram avançar mais? Camila – Podemos dizer que há setores que estão mais avançados na aplicação de princípios e práticas de responsabilidade social e empresarial como um todo. Por consequência, a diversidade e a inclusão de mulheres nesses setores têm vindo junto, trazendo consequências positivas, gerando um ciclo virtuoso. Diagnóstico | jul/ago 2014

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Camila Morsh A indústria extrativista, o varejo e o setor têxtil têm avançado bastante na agenda de responsabilidade social e direitos humanos. Até porque tratam-se de setores envolvidos em debates de grande repercussão, como o trabalho escravo e não regularizado, além da própria legislação ambiental. Somem-se ainda as áreas de extração de óleo, gás e minério. Em todas essas esferas, as mulheres estão envolvidas, seja como trabalhadoras, chefes de família ou consumidoras. As empresas têm entendido o valor de ter mulheres pensando suas operações. Diagnóstico – Como se dá essa penetração no mercado de saúde, onde a presença feminina nos quadros de assistência é tão grande? Camila – O setor de saúde tem se destacado mais em agendas tradicionais da sustentabilidade, como a gestão de energia e de resíduos, bem como na discussão sobre o custo da saúde para todos. O debate sobre o papel da mulher no setor da saúde, seja como profissional ou como cliente, ainda não foi feito de forma satisfatória, principalmente quando comparado com outros setores da economia que abraçam a diversidade a partir de uma agenda mais ampla. A inclusão, não só de mulheres, mas de LGBT – sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros –, pessoas com deficiência e negros nas empresas é um desafio universal que ainda demanda um olhar específico por parte do empresariado brasileiro. Diagnóstico – Os Estados Unidos continuam sendo uma referência na luta pela inclusão das minorias? Camila – O número de mulheres americanas em cargos executivos e na política é muito maior do que no Brasil. Esse fator é um indício de que os EUA avançaram mais rapidamente do que o nosso país no assunto. Mas, sem ter um olhar integral dos ambientes onde as mulheres estão operando, não podemos afirmar que o país seja um exemplo para a promoção da equidade de gênero. Foi somente em 2010, por exemplo, que um estudo da Escola de Negócios de Harvard demonstrou que as estudantes tinham dificuldade no curso por não encontrarem um ambiente favorável para desenvolver os seus respectivos talentos. A pesquisa, muito emblemática, comprovou que a forma como estavam estruturadas as aulas e avaliações favoreciam os homens, em detrimento das mulheres. Diagnóstico – O que de mais relevante o estudo revelou? Camila – As alunas não se sentiam confortáveis, por exemplo, em participar ativamente das aulas, intimidadas pela atuação dos homens e pelo método competitivo de ensinar. Além disso, a instituição constatou que as mulheres se sentiam mais à vontade realizando trabalhos em equipe. Após algumas adequações simples, como a instalação de microfones na sala de aula e avaliações por meio de trabalhos em grupo, o rendimento delas melhorou. O estudo de Harvard comprovou que a promoção da equidade de gênero não se resume a uma questão numérica e que é necessária uma reestruturação do ambiente para que as mulheres atuem da melhor forma possível. Esse é um pequeno exemplo de como estão estruturadas as empresas, em uma lógica desenvolvida por homens e para homens, sem levar em consideração as condições para o desenvolvimento das mulheres. Diagnóstico – Como é essa realidade do Brasil? 54

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Camila – Estamos ainda engatinhando no assunto, apesar dos avanços registrados nos últimos anos e dos movimentos sociais de mulheres, pioneiros desde os anos 60. Uma parte dessa nova movimentação em torno da igualdade de gênero, seja dentro das empresas, no serviço público ou na política brasileira, ganhou fôlego com o debate sobre a introdução das cotas raciais, um marco histórico que ajudou a avançar no debate. Portanto, uma discussão que, de forma mais robusta, começou há cerca de dez anos. O atraso brasileiro na questão da equidade de gênero também está relacionado à história de tradição escravocrata do Brasil, de grande herança patriarcal e também de uma hipersexualização das mulheres negras, uma boa parte da nossa força de trabalho. Veja, por exemplo, como na literatura e nos personagens da televisão é difícil encontrar histórias de mulheres líderes empresárias no nosso país, muito menos de mulheres negras. Portanto, o imaginário social brasileiro, em relação a seus líderes, ainda está muito focado nos homens. Em outras palavras, é importante ressaltar também os papéis tradicionais de cada um na sociedade brasileira: a mulher precisa ser uma boa esposa, “ter comportamento adequado” para não sofrer vários tipos de violência e sanções sociais. Esse papel da mulher tradicional faz com que, fora de casa, ela continue a ser vista como a pessoa que serve e não a que comanda. Vivemos, claramente, um engessamento dessa posição. Algo que ocorre também em nações maduras, como os EUA. Mas lá, contudo, há um outro tipo de debate acadêmico, político e social que colabora para o avanço. A questão racial, por exemplo, vem sendo amplamente debatida desde a década de 60 na sociedade americana. Diagnóstico – Como as afrodescendentes e indígenas aparecem nesse quadro? Camila – Existe uma invisibilidade das mulheres negras e indígenas nesse mercado. Na última pesquisa do Instituto Ethos sobre o tema, foram contabilizadas, em números absolutos, apenas seis mulheres negras em cargos executivos no Brasil, nas 500 maiores empresas. As indígenas não figuraram nesse quadro. Os movimentos empresariais não tratam dessa diferença intragênero, porque a maioria das mulheres que lidera as discussões é branca. Então, a dificuldade de acesso da mulher negra aos cargos de comando é piorada porque elas não têm voz nos espaços de debate. Diagnóstico – A senhora é a favor das cotas? Camila – Sim. Se deixarmos que as coisas aconteçam naturalmente, por mais que a mulher se qualifique, estude e se esforce para cuidar bem da família e, ao mesmo tempo, ser uma boa profissional, ela não será escolhida. As cotas são apenas um tipo de ação afirmativa, que tende a corrigir o desequilíbrio de oportunidade. Mas não tem o poder, por exemplo, de por si só quebrar essa percepção social de que o homem é mais capacitado ou é ideal para as posições de comando. Outros mecanismos, como as bolsas universitárias para mulheres e as formações para conselho, são válidas e seguem na mesma linha. É necessário realizar um mapeamento da lógica masculina dentro da empresa, perguntando-se: “Será que a forma como trabalhamos favorece os homens? As mulheres que aqui trabalham estão confortáveis e livres de rótulos e preconceitos? Elas se sentem confortáveis em suas reuniões e têm a oportunidade e a liberdade para contribuir?”


Diagn贸stico | mai/jun 2014

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Diagn贸stico | jul/ago 2014



Antônio Britto

OS DILEMAS DA CIÊNCIA MÉDICA NO BRASIL Um dos maiores críticos da desorganização brasileira em P&D no setor farmacêutico, o presidente executivo da Interfarma, Antônio Britto, diz que a iniciativa privada e as instituições de ensino fazem muito pouco para o país deixar de ser um membro permanente da Série C do campeonato da inovação REINALDO BRAGA


O BRASIL É O 156º EM TERMOS DE ATRATIVIDADE DA INOVAÇÃO: o setor farmacêutico do país recebe pouco mais de 1% (US$ 200 milhões) dos US$ 150 bilhões anuais investidos em inovação em todo o mundo


Antônio Britto

ANTÔNIO BRITTO, PRINCIPAL EXECUTIVO DA PODEROSA INTERFARMA:

críticas ácidas à política de inovação do governo brasileiro

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m dos maiores críticos da desorganização brasileira em P&D no setor farmacêutico, o presidente executivo da Interfarma, Antônio Britto, divide a culpa pelo país ser apenas o 156º em atratividade de inovação. Segundo ele, o poder público – por onde já passou, como governador do Rio Grande do Sul, entre 1995 e 1998 –, a iniciativa privada e as instituições de ensino fazem muito pouco para o país deixar de ser, em suas palavras, um membro permanente da Série C do campeonato da inovação. Para ele, no Brasil sobram doutores e papéis, mas faltam patentes. “Do pau-brasil ao minério de ferro, nos contentamos em um rodízio entre exportação de commodities e a esperança no mercado interno”, frisa. “A inovação sempre foi vista como um complemento”. Jornalista de formação, Britto foi também deputado federal e ministro da Previdência Social no governo de Itamar Franco – em uma carreira que começou a ser construída quando se tornou o porta-voz da agonia e morte do ex-presidente Tancredo Neves. A derrota na tentativa de reeleição ao governo do Rio Grande do Sul e, na sequência, à sucessão estadual gaúcha, em 2002, pôs fim a sua carreira política. “Não volto mais para a política. Encerrei esta etapa”, garante. Em 2009, a ida de Britto para a Interfarma, que reúne gigantes responsáveis por 80% dos medicamentos de referência no mercado e 34% dos genéricos, chegou a causar polêmica por conta da suspeita de que a já poderosa indústria farmacêutica seria favorecida com uma influência política sem precedentes. “O meu caso é absolutamente diferente. Quando vim para a Interfarma estava fora do governo havia 11 anos”, compara, ao ser questionado sobre o debate atual que envolve a participação de ex-executivos de mercado nos quadros da ANS. Com voz pausada – a mesma de quando era repórter especial da Rede Globo – e eloquência típica de quem se acostumou a falar para multidões, Antônio Britto concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico. Revista Diagnóstico – O senhor já disse que “inovar no Brasil parece pecado”, em relação aos ditames do atual ambiente regulatório. A quem interessa esse tipo entrave? Britto – Diante do desafio da inovação, alguns países, visando atrair a pesquisa, promovem programas agressivos, no sentido de diminuir a burocracia, reduzir tributação e coordenar ação dos governos. Contudo, o Brasil está na contramão do mundo. A pesquisa aqui é quase pecado. Há uma burocracia que estabelece prazos três vezes maiores do que a média mundial. Isso mostra o

ambiente de desperdício por que o mundo acadêmico-científico passa no país. Diagnóstico – E como sair deste ciclo? Britto – O país como um todo terá que escolher uma opção, mais dia menos dia. Ou levará a sério o jogo da inovação ou se contentará com a Série B ou C do campeonato da inovação. Se o Brasil quiser tomar o caminho da inovação, temos três tarefas inadiáveis. A primeira é mudar a mentalidade dentro das universidades, para que elas se aproximem do setor privado. Segundo, mudar a mentalidade do setor privado para que ele se aproxime mais do risco na inovação e das academias. E terceiro, pedir que o governo não atrapalhe com burocracia, tributos e regulações absurdas. É preciso também melhorar a qualidade de nossa educação no campo das ciências exatas. É um projeto para 20 anos, mas, daqui até lá, vamos sair dessa posição em que produzimos muitos doutores, muitos papéis e poucas patentes. Outro caminho é continuar onde estamos. Somos o 19º país em pesquisa clínica no mundo, ao mesmo tempo em que estamos em 6º lugar no mercado farmacêutico. O país é o 156º em termos de atratividade da inovação. Apenas no campo farmacêutico, em um mercado de US$ 150 bilhões anuais em inovação, o Brasil está recebendo uma migalha de cerca de US$ 200 milhões. Esta realidade resulta em importação excessiva de tecnologia e insumos. Montamos uma indústria de genéricos no país e não lucramos, já que 86% deste segmento é produzido com princípios ativos trazidos da Índia e da China. Diagnóstico – Já é possível medir os efeitos da Resolução nº466/12? Qual o paralelo dessa legislação com as práticas de pesquisas em nações mais desenvolvidas? Britto – O efeito é uma barra de gelo na cabeça de qualquer cientista brasileiro. Havia uma expectativa de que o ministro da Saúde, [na época, Alexandre Padilha], conseguisse conduzir as discussões no Conselho Nacional de Saúde na direção de uma maior abertura dos normatizadores de pesquisa clínica. Não se previa, no entanto, a facilitação em termos éticos, e sim, a eliminação de burocracias e preconceitos. Infelizmente, a resolução não caminhou nessa direção. O mundo todo tende a fazer exigências éticas cada vez maiores em pesquisa, e o Brasil não deve ceder um milímetro nessa matéria. Mas, em nosso país, em nome da ética, começa-se a pendurar exigências burocráticas e retrabalho. Lá fora, o que demora dois ou três meses, aqui leva um ano. Desperdiçamos o potencial brasileiro em matéria de pesquisa e inovação. Diagnóstico – Um projeto de governo, nos moldes do Inovar Auto, pode ser uma alternativa de estímulo à pesquisa local? Britto – Não sou especialista em setor automobilístico. Ao contrário de outros segmentos, a inovação farmacêutica não se faz com terreno, nem com verba oficial, ou com medidas simplesmente de interferência no mercado. A inovação se faz com a união de cérebros, a colocação destes pesquisadores em um Diagnóstico | jul/ago 2014

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Antônio Britto ambiente adequado e a aproximação com a iniciativa privada. Foi assim que um bando de cabeludos transformou a Califórnia no quinto “país do mundo”, que alemães transformaram a Alemanha e a Suíça em potências químicas, e os asiáticos fizeram do Japão, da Coreia e agora da China vendedores de tudo que tentamos comprar hoje em dia. Estes países não usaram programas “Pró-isso”, “Pró-aquilo”. Temos que lançar o “Pró-cérebro”. Diagnóstico – O senhor está à frente de um movimento que defende redução de impostos para os produtos farmacêuticos. Como garantir que essa desoneração seja repassada para o mercado consumidor e para os hospitais? Britto – O que a Interfarma faz é participar e colaborar com muito entusiasmo com o debate de uma questão a nosso ver bastante simples: só existe um produto brasileiro com preço tabelado – os medicamentos. Se o governo, às 16h, diminui o imposto de medicamentos, às 16h01, a indústria irá repassar a diferença no preço final para os consumidores. Temos uma carga tributária que nenhum outro país do mundo cobra. Aqui no Brasil, remédio paga mais imposto do que biquíni e urso de pelúcia. Isto vai na contramão da necessidade de ampliar o acesso. Diagnóstico – O avanço da tecnologia e o consumo ascendente no setor farmacêutico nem sempre resultam em produtos mais acessíveis. Os custos do setor, aliás, nunca são discutidos de forma transparente. De quem é a culpa? Britto – Há um aspecto correto e outro não nesta afirmação. Temos uma inovação que é realmente cara. No entanto, o ciclo de vida dos medicamentos e o aumento da oferta reduzem consideravelmente os preços. Diante deste cenário, em países como os EUA, está acontecendo uma grande discussão em como ajudar a pesquisa para que ela e o preço inicial dos remédios sejam mais baratos. Não se trata de zerar o imposto sobre a inovação, mas entrar com dinheiro para que o preço do resultado da inovação custe menos. É bom lembrar que o medicamento sempre tem sido reajustado abaixo da inflação, e que o valor inicial destes produtos no Brasil é definido numa regra em que ele será sempre mais barato do que o preço de nove países escolhidos pelo governo. Não estou dizendo que remédio é barato, mas acho que há esforços no país no sentido de reduzir as dimensões dessa questão. Acredito que estes esforços poderiam ser maiores se houvesse mudanças no ambiente da inovação, no campo tributário e na questão regulatória. Diagnóstico – Para as operadoras de saúde e demais agentes financiadores do setor, a evolução tecnológica na indústria farmacêutica é vista como um dos grandes vilões na elevação dos custos em saúde. O senhor pode comentar? Britto – Qualquer hospital é obrigado a oferecer infraestrutura física adequada, equipe qualificada, além de serviços, instalações, equipamentos, cuidados, diagnósticos e medicamentos. Estes oito diferentes elementos mostram uma tendência mundial a um brutal agravamento dos custos de saúde. Estamos diante de uma equação que não se resolve andando para trás. Não vamos fazer as pessoas abandonarem a tomografia e voltarem para o raio-X, ou abrirem mão da medicação mais avançada e adotarem drogas de 30 anos atrás. Precisamos encontrar soluções que favoreçam hospitais, operadoras, indústria farmacêutica e governo a trabalharem em um ambiente onde se reduzam os preconceitos e se 62

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ampliem análises racionais de como o Brasil pode montar respostas para um problema que é grave em todo o mundo. Diagnóstico – Qual o peso da circulação de medicamentos falsos no mercado farmacêutico brasileiro? Britto – Felizmente é pequeno. Vivemos uma boa regulação sanitária determinada pela Anvisa. Neste ponto, o Brasil caminha para a frente. Os quatro bilhões de unidades anuais de medicamentos fabricados aqui vão sair das fábricas a partir de 2016 com uma impressão de dados em tecnologia 2D. Isso vai permitir que cada etapa de circulação passe se ser monitorada remotamente. A qualquer tempo se poderá rastrear por onde e como transitou cada medicamento no país. Diagnóstico – As PPPs são a melhor alternativa do governo para produção de medicamentos biológicos no Brasil? Britto – Não somos contra as PPPs. Mas achamos que elas deveriam ser mais transparentes. É preciso que haja uma brutal reorganização das condições de conexão entre a universidade, o governo e o setor privado. Diagnóstico – A onda de fusões e aquisições no setor farmacêutico já foi consolidada no país? Britto – Essa é uma consolidação que nunca termina, apesar do lapso, nos últimos dois ou três anos, em função da crise mundial. Mas o custo da inovação e a globalização do mercado indicam que neste setor a fusão e a concentração são tendências irreversíveis. Diagnóstico – Como as multinacionais estão vislumbrando o futuro do pharmerging? Há uma tendência de mudança de estratégia para entrada nestes mercados? Britto – Existem países na África e no sul da Ásia onde são indispensáveis políticas imediatas de apoio e facilitação às condições de acesso, e, neste sentido, a indústria farmacêutica tem trabalhado em parceria principalmente com a Organização Mundial de Saúde. Há países como Turquia, México, Coreia, Brasil, Rússia, Índia e China que estão em condições de emergência em todos os campos e que tendem a ser tornar o polo dinâmico do mercado farmacêutico mundial. Há também os mercados maduros, como nos EUA, na Europa e no Japão, que tendem a perder importância relativa neste cenário. A atuação dessas multinacionais nesses mercados não significa uma mudança de estratégia, e sim a busca de novos enfoques. Se há um polo dinâmico em um lugar, elas direcionam seus esforços e atenção para aquele local. Diagnóstico – Os escândalos de suborno da britânica GlaxoSmithKline na China resultaram numa grande queda na venda de medicamentos da farmacêutica. O caso pode servir de paradigma para condutas mais éticas por parte da indústria? Britto – A indústria tem adotado globalmente condutas cada vez mais restritivas e afirmativas do seu compromisso ético. No Brasil, temos, com muito orgulho, um código de ética da Interfarma – uma iniciativa inédita na indústria nacional. O documento nos leva à permanente atenção junto aos nossos 53 associados, com requisitos éticos e punição de eventuais condutas. Todo este ambiente está conveniado com instituições como o CFM e a AMB. O caminho é de uma prestação de serviços em um ambiente cada vez mais ético.


Diagnóstico – Segundo artigo publicado no Jama (jornal da Associação Americana de Medicina) em 2000, o ato de pagar uma viagem para um médico aumenta entre 4,5 e dez vezes a possibilidade de ele receitar as drogas produzidas pela patrocinadora. Esse marketing é legítimo? Britto – O código de ética da Interfarma tem também a função de regular questões com essa. O documento estabelece, por exemplo, medidas extremamente rigorosas para impedir qualquer tipo de interação (entre médico e indústria) que não tenha como objetivo a troca de experiências científicas. No caso das viagens patrocinadas, as condições são bastante específicas quanto ao tipo de passagem, hotel e ao teor do evento. O código de ética da Interfarma está disponível em nosso site para qualquer cidadão brasileiro. Diagnóstico – Como funciona o processo de fiscalização e punição para os que descumprem as regras do código? Britto – Temos uma comissão de ética que recebe e apura as denúncias, além de punir quando existe contrariedade ou desconformidade com as regras. Ele não é um integrante da nossa biblioteca e sim da nossa prática diária. As punições vão desde sanções financeiras, com a doação dos recursos a entidades sociais, até a exclusão da vida associativa. Diagnóstico – Em recente entrevista à Diagnóstico, o ex-secretário de Saúde alemão, Franz Knieps, revelou que o governo germânico criou um comitê de notáveis para avaliar a eficácia de medicamentos tidos como revolucionários pela indústria farmacêutica e que serão custeados pelo poder público. A intenção é avaliar o custo/benefício de novas drogas, cujo impacto para os sistemas de saúde é cada vez mais crescente. Como a indústria avalia esse tipo de estratégia de “regulação branca”? Britto – Em alguns países, o governo é o principal comprador e, por isso, estabelece regras para decidir incorporar ou não em sua lista de compras determinados medicamentos. O ponto principal é quais são estes critérios de avaliação, que podem ser construídos a partir do ponto de vista do paciente. O remédio é bom ou não? Acrescenta? O que médicos e pacientes dizem sobre o medicamento? Se a avaliação vem sendo feita nestes termos, ela é absolutamente positiva e necessária. Mas, em alguns outros lugares, e o Brasil tem tendência a cair nisso, as pessoas se reúnem e usam outro critério: ‘Tenho dinheiro para pagar?’ Portanto, a escolha acontece não com base no interesse do paciente, mas sim no orçamento da saúde e nos cofres do governo. Medicamentos que poderiam ser muito importantes, do ponto de vista humanitário e social, são vetados não por razões relacionadas às questões científicas e sim estritamente financeiras e econômicas. Este não nos parece ser o melhor critério de avaliação. Diagnóstico – O senhor pretende voltar para a política um dia? Britto – Não mais. Encerrei esta etapa em minha vida. Diagnóstico – Por quê? Britto – Foi uma passagem importante em meu currículo que se encerrou. Pretendo concluir minha atividade profissional atuando apenas na iniciativa privada.

Interfarma causou polêmica, com a suspeita de que a indústria ganharia uma influência política sem precedentes no círculo do poder central. Atualmente, o debate é no caminho inverso, com a ANS sendo criticada por compor seus quadros com profissionais que já foram da iniciativa privada (operadoras). Há certa “esquizofrenia” sobre a questão? Britto – Meu caso é absolutamente diferente. Quando vim para a Interfarma estava fora de governo havia 11 anos. Acho que, em outras situações, o fundamental é se estabelecer o princípio da quarentena, que já existe na legislação brasileira. No caso da ocupação de cargos no setor público, o mais importante é se promover a despartidarização. Não é possível que as agências se preencham com critérios exclusivamente partidários. Claro que qualquer decisão no mundo terá um caráter político. Ela só não pode é ser somente política. Diagnóstico – Recentemente, a revista Veja revelou gravações que supostamente citavam a Interfarma na compra de apoio no Congresso Nacional. O caso envolvia especificamente o deputado federal Saraiva Felipe (PMDB). O que o senhor tem a dizer a respeito? Britto – O episódio foi totalmente esclarecido. Tratavam-se, na verdade, de recursos para financiamento de campanhas, rigorosamente dentro da lei, no período eleitoral. As declarações do deputado, portanto, não correspondem à realidade que foi sugerida nas gravações. A Interfarma cumpre as leis do país. Diagnóstico – O senhor é a favor da regulamentação do lobby como atividade profissional? Britto – Evidente que sim. O ‘cinza’ é um inimigo em qualquer área de atuação.

Se o governo, às 16h, diminui o imposto de medicamentos, às 16h01, a indústria irá repassar a diferença no preço final para os consumidores. É bom lembrar que o medicamento sempre tem sido reajustado abaixo da inflação. Além disso, temos uma carga tributária que nenhum outro país do mundo cobra. Aqui no Brasil, remédio paga mais imposto do que biquíni e urso de pelúcia. Isto vai na contramão da necessidade de ampliar o acesso

Diagnóstico – Na época, a sua decisão de aceitar o convite da Diagnóstico | jul/ago 2014

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Diagn贸stico | jul/ago 2014


Brasil Healthcare Compliance

O mais importante evento de compliance do mercado de saúde brasileiro

27 Novembro | 2014 Hotel Tivoli Mofarrej São Paulo - SP

FRANCISCO BALESTRIN PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS HOSPITAIS PRIVADOS (ANAHP)

FERNANDO BOIGUES PRESIDENTE DO SINDHRIO

ROBERTO D’ÁVILA PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM)

JORGE ABRAHÃO PRESIDENTE DO INSTITUTO ETHOS

MARCIO CORIOLANO PRESIDENTE DAFENASAÚDE

YUSSIF ALI MERE JR PRESIDENTE DO SINDHOSP

Sempre é importante ampliar o debate que os diferentes setores da saúde brasileira fazem à respeito de questões éticas. O Conselho Federal de Medicina está sempre disponível para contribuir com essa discussão ROBERTO D’ÁVILA - CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM)

CLÁUDIA COHN PRESIDENTE DA (ABRAMED)

EDSON ROGATTI PRESIDENTE DA CMB

PAULO FRACCARO PRESIDENTE DA ABIMO

CARLOS GOULART PRESIDENTE DA ABIMED

UMA INICIATIVA

Revista

Movimento pela Ética na Saúde

APOIO

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Catherine Mohr

“OS ROBÔS NÃO VÃO SUBSTITUIR O CIRURGIÃO”

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A Para a médica Catherine Mohr, diretora de pesquisa da Intuitive Surgical, líder global em cirurgias assistidas, o futuro da tecnologia e o uso da inteligência artificial na robótica não vão excluir o expertise humano

ADALTON DOS ANJOS

s intervenções assistidas por robôs, que representam a segunda geração de cirurgias minimamente invasivas, enfrentam o seu maior dilema desde que foram criadas, há quase duas décadas: ganhar escala e, ao mesmo tempo, ter os efeitos adversos dessa expansão sob controle. Em 2013, cresceu o número de reclamações sobre mortes, lesões e problemas gerados pelo uso de robôs em cirurgias nos EUA, segundo o FDA. Foram 3.697 eventos adversos contra 1.595 no ano anterior. Todo ano, mais de dois milhões de procedimentos são realizados ao redor do mundo. No Brasil, 12 hospitais – entre eles Samaritano, Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz – utilizam esse tipo de equipamento. “Nossa tecnologia ajuda a tornar a performance das cirurgias mais segura, mais eficiente e muitas vezes com procedimentos mais efetivos”, defende a americana Catherine Mohr, diretora médica da Intuitive Surgical – líder em cirurgias robóticas no mundo. A companhia, com sede na Califórnia, na costa oeste americana, chegou a figurar no top 100 da revista Fortune entre as empresas que mais lucram no mundo. No último trimestre de 2013, contudo, a Intuitive registrou queda de 23% em sua receita. “Acreditamos que a cirurgia robótica continuará crescendo no Brasil e no mundo, assim como seus benefícios econômicos e médicos se tornarão mais evidentes”, aposta a executiva. O Da Vinci, principal produto da multinacional, é comercializado por valores entre US$ 1,5 milhão e US$ 3 milhões. Procedimentos com o uso da tecnologia, a exemplo de uma cirurgia de próstata, chegam a custar mais de R$ 25 mil no Brasil. “Operadoras de saúde têm percebido que o custo-benefício no pagamento de cirurgias assistidas por robôs é mais efetivo, já que a técnica promove redução dos índices de complicações, readmissões e no tempo de internação”, defende Catherine. Questionada sobre a futuro da tecnologia e o uso da inteligência artificial, a médica, que também é formada em engenharia mecânica pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), é lacônica. “O cirurgião está sempre no controle do Da Vinci”, sentencia. “Mesmo assim, é difícil dizer se no futuro teremos este tipo de recurso, como nos filmes”. De São Francisco, na Califórnia, onde vive, Catherine, concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico.

Revista Diagnóstico – As cirurgias robóticas ainda enfrentam preconceito por parte de médicos e pacientes? Catherine Mohr – Ele já foi maior. Esse tipo de procedimento está se tornando mais comum, tanto para pacientes como para cirurgiões, que estão se conscientizando dos benefícios da cirurgia minimamente invasiva. A cirurgia “robótica”, aliás, Diagnóstico | jul/ago 2014

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Catherine Mohr deveria ser pensada estritamente como cirurgia assistida por robôs. Afinal, é o cirurgião que realiza a cirurgia através extensores mecânicos, que têm como principal função propiciar mais destreza à operação. O benefícios são enormes, como a redução de complicações, readmissões e o tempo de permanência em relação a cirurgias abertas. Existe um número crescente de publicações clínicas que demonstram de forma irrefutável os benefícios substanciais da técnica de cirurgia assistida pelo robô Da Vinci, em comparação a cirurgias abertas. Os próprios pacientes que já passaram pelo procedimento têm sido propagadores desse tipo de tecnologia. Diagnóstico – No Brasil, os custos com cirurgias assistidas por robôs têm sido repassados, com raras exceções, integralmente para o consumidor final. Esta é uma tendência em outros sistemas de saúde privados? Catherine – Adicionar um novo procedimento de saúde na lista de serviços oferecidos pelas operadoras demanda um tempo considerável, independentemente do mercado ou país. No Brasil, alguns planos de saúde cobrem integralmente os custos dos procedimentos assistidos por robôs. Já outros custeiam uma porção, e o custo acaba sendo dividido com o paciente. O mesmo acontece para muitos tipos de laparoscopias. Ao redor do mundo, contudo, os sistemas de saúde estão evoluindo seus pensamentos sobre a cirurgia assistida por robôs. Em alguns países, ela está mais estabelecida. Operadoras de saúde têm percebido que o custo-benefício no pagamento de cirurgias assistidas por robôs é mais efetivo, já que a técnica promove redução dos índices de complicações, readmissões e no tempo de internação. Diagnóstico – O mercado brasileiro detém 1/3 dos robôs em uso na América Latina, com 12 sistemas. Qual a expectativa de crescimento de vendas para os próximos dez anos? Catherine – O Brasil é um dos top seis no mercado global de compradores desse tipo de tecnologia. Na medida em que este crescimento continua, o Brasil melhora sua posição global. Por isto, esperamos oportunidades adicionais para o Sistema Cirúrgico Da Vinci. Os pacientes e os hospitais do sistema público que desejam ter resultados similares ou melhores do que a cirurgia aberta, mas com menores complicações e um mais rápido retorno à vida normal, continuarão a conduzir o crescimento das opções de cirurgias minimamente invasivas. Diagnóstico – O que China e Índia representam para o avanço da Intuitive no mundo? Catherine – O rápido crescimento de economias como China e Índia – bem como o Brasil – representa oportunidades substanciais para qualquer companhia que busca uma penetração global. Na Intuitive, desenvolvemos estratégias para cada um destes mercados. Cada um destes players, entretanto, apresenta um conjunto único de desafios e oportunidades que exigem abordagem personalizada. Diagnóstico – Os custos dos robôs (entre US$ 1,5 mi e US$ 3 mi) e das cirurgias são os maiores gargalos para o crescimento deste mercado. Como ganhar escala em um cenário tão adverso? Catherine – No mundo repleto de sistemas de saúde que ten68

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tam reduzir os custos, enquanto aumentam a qualidade, acreditamos que a cirurgia com Da Vinci pode ajudar a alcançar este objetivo. O custo do tratamento cirúrgico para qualquer paciente inclui o equipamento na sala de cirurgia (em que os custos da cirurgia assistida por robôs são mais altos), além do pós-cirúrgico, complicações, readmissões e cuidados em longo prazo, cujos estudos têm mostrado que são menores para cirurgias assistidas por robôs, em comparação com a cirurgia aberta. Essas economias de custos tornam o Da Vinci rentável quando o sistema de utilização é otimizado. Diagnóstico – Os nanobots continuam sendo a principal ameaça aos negócios da Intuitive? Catherine – Os nanobots, máquinas que são tão pequenas que não podem ser vistas a olho nu, são assuntos de pesquisas acadêmicas consideráveis, mas, ainda, não têm sido apresentadas com um alvo clínico claro ou aplicação na medicina. Para uma tecnologia ser usada em humanos, ela deve se mostrar segura e efetiva. A pesquisa da Intuitive está concentrada na área de mecanismos em larga escala que são mais prováveis de ter valor clínico em curto prazo. Diagnóstico – Os avanços na terapia celular também podem ser encarados como desafio competitivo para a robótica médica? Catherine – Vemos muitas dessas novas tecnologias biológicas mais como sinérgicas com cirurgias robóticas do que competitivas. Os novos diagnósticos, para a imunoterapia baseada em células e medicina regenerativa, tecnologias biológicas no desenvolvimento atual, têm o potencial de algum dia melhorar os resultados de pacientes. A robótica é uma plataforma ideal de integração para muitas dessas tecnologias porque a implantação cirúrgica precisa e minimamente invasiva de novos materiais, como células terapêuticas para corrigir uma região do corpo, dará ao paciente o benefício integral da tecnologia biológica, sem grandes incisões. Diagnóstico – Quais os maiores entraves enfrentados pela Intuitive na área de P&D? Catherine – Podemos experimentar qualquer coisa que gostaríamos dentro do laboratório, mas existe uma diferença entre ser capaz de fazer algo no laboratório e a transferência de forma segura e efetiva para terapias clínicas. Alcançar esta transição é um dos maiores desafios de qualquer companhia de dispositivos médicos inovadores. Diagnóstico – Depois de quase duas décadas de fundação, a Intuitive está perto de perder suas primeiras patentes. Quem serão esses novos competidores? Catherine – A Intuitive detém mais de 2,5 mil patentes americanas e internacionais. Apesar de cada uma destas patentes ter uma vida finita, continuamos a evoluir e ampliar nossa tecnologia e apresentar pedidos de patentes com regularidade. Os competidores potenciais estão emergindo em muitos mercados, mas eles não têm compartilhado um cronograma exato em seus lançamentos. Diagnóstico – A queda da receita da Intuitive no quarto trimestre do ano passado poderá se repetir em 2014?


Catherine – Nossos funcionários estão profundamente comprometidos em aumentar o conhecimento e o sucesso dos programas de cirurgias assistidas por robôs. Com um foco contínuo na inovação e o crescimento dos mercados internacionais, acreditamos que o Da Vinci tem um futuro promissor. Diagnóstico – Em 2013, cresceu o número de reclamações sobre mortes, lesões e problemas gerados pelo uso de robôs em cirurgias nos EUA, segundo a FDA. Foram 3.697 eventos adversos contra 1.595 no ano anterior. Poderia comentar? Catherine – Existem dois fatores específicos para se ter em mente. O primeiro é que o grande número de procedimentos cirúrgicos sendo realizados a cada ano com o sistema cirúrgico Da Vinci cresceu substancialmente, portanto o índice de lesões e problemas segue este mesmo movimento. Mais de dois milhões de procedimentos foram realizados no mundo. O segundo, que é importante ser enfatizado, é que tão logo os incidentes são conhecidos pela companhia, eles são relatados. As lesões causadas por falhas de funcionamento do robô têm sido sempre comunicadas imediatamente. Apesar de existir um crescente número de reclamações em um ano, o índice de eventos adversos por cirurgia realizada tem caído constantemente. Além disso, devemos ter em mente que a cirurgia por si só tem riscos inerentes que devem ser sempre explicados e acordados pelos pacientes. Acreditamos que nossa tecnologia ajuda a tornar a performance das cirurgias mais segura, mais eficiente e muitas vezes com procedimentos mais efetivos, mas os riscos ainda se aplicam em cada caso e devem ser devidamente considerados pelo paciente e pelo seu médico. Diagnóstico – Mesmo com as diversas vantagens do uso de robôs cirúrgicos – períodos de internação mais curtos, menos riscos de infecção hospitalar, mais precisão no tratamento, entre outros –, os hospitais brasileiros ainda não conseguem compensar o investimento na aquisição dos equipamentos e manutenção. Como é esta realidade nos EUA? Catherine – O sistema de saúde brasileiro é muito diferente do americano, com considerações únicas. Na Intuitive, continuamos a tentar entender e discutir essas considerações no desenvolvimento de nossas estratégias de negócios. Realmente acreditamos que a cirurgia robótica cotinuará crescendo no Brasil e no mundo, assim como seus benefícios econômicos e médicos se tornarão mais evidentes no sistema de saúde. Diagnóstico – Na contramão das tendências tecnológicas, o Da Vinci, um dos mais famosos robôs cirúrgicos da Intuitive, é grande e de difícil transporte. A próxima geração do Da Vinci será menor, mais barata e com maior portabilidade? Catherine – Enquanto a tecnologia avança, ela prepara o caminho para arquiteturas menores. Contudo, existem alguns requisitos de tamanho fundamentais e necessários para dar flexibilidade na configuração para alcançar qualquer parte da anatomia dos pacientes, então nós não antecipamos uma redução significativa do tamanho. Contudo, isto não significa que não podemos melhorar a maneabilidade dos sistemas. A última versão do sistema, o Da Vinci Xi, é autoalimentada e pode ser conduzida facilmente de uma sala cirúrgica para outra. Ninguém pode prever o futuro com certeza, mas não é

irrealista esperar que o Da Vinci diminuirá e a funcionalidade aumentará, como acontece normalmente na maioria das tecnologias assistidas por computador. Diagnóstico – Quando estes equipamentos serão usados em larga escala em cirurgias remotas? Quais os principais entraves para que este avanço ocorra? Catherine – É tecnicamente possível a performance de cirurgias remotas com sistemas como o Da Vinci, e, em alguns casos, elas têm sido realizadas para demonstrações. Contudo, os principais obstáculos para ampliar a adoção deste conceito são as infraestruturas de telecomunicações e os atrasos que poderiam interferir negativamente na execução da cirurgia. Também deve ser reconhecido que este tipo de cirurgia requer treinamentos intensivos de pessoal para preparar o paciente antes e dar suporte depois da operação e responder em qualquer emergência. O telemonitoramento é útil e já foi implantado. Ele permite que cirurgiões mais experientes, localizados em grandes distâncias da sala de cirurgia, guiem os menos experientes que estão realizando o procedimento. O orientador pode ver tudo o que acontece no ambiente e ao mesmo tempo, em uma tela ilustra sugestões e orientações anatômicas. Diagnóstico – Como foi sua primeira vez operando com o Da Vinci? Catherine – Minha primeira experiência com o Da Vinci na sala de cirurgia foi quando estava na faculdade de medicina. Foi a primeira vez que tinha uma cirurgia sob a minha responsabilidade e tive que realizá-la com a assistência de um robô. A cirurgia inédita que realizei foi de redução de estômago, indicada para tratar a obesidade mórbida. Isto nunca tinha sido feito desta forma em um paciente, somente algumas vezes no laboratório, e existe uma grande diferença entre o mundo real e as simulações. Este procedimento foi extremamente bem-sucedido e o paciente não poderia ter ficado mais feliz. Diagnóstico – É verdade que o uso deste equipamento torna a vida de mulheres cirurgiãs mais fácil? Catherine – Existem benefícios ergonômicos no uso do Da Vinci para homens e mulheres. A laparoscopia é desgastante fisicamente e muitos dispositivos, como grampeadores, têm manípulos que são difíceis para ser manuseados por pessoas que têm mãos pequenas. A redução de tremor, a posição ergonômica do corpo, a redução da fadiga e os controles com menos força beneficiam todos os cirurgiões usando o dispositivo. Os cirurgiões habilidosos de muitas especialidades podem performar clinicamente excelentes procedimentos na maneira mais minimamente invasiva. Diagnóstico – Um dia será possível o Da Vinci operar sozinho? Catherine – O Da Vinci não é equipado ou programado para ter inteligência artificial. O cirurgião está sempre no controle. É difícil dizer, contudo, se no futuro teremos este tipo de recurso, como nos filmes. O julgamento e a tomada de decisão pelo profissional treinado não pode ser subestimado na promoção da segurança e nos efeitos dos resultados clínicos. Vamos manter o cirurgião “no laço” por muito tempo. Diagnóstico | jul/ago 2014

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PATRICK FIGGIS, DA PWC:

“O sistema de saúde global, no ponto em que se encontra, é simplesmente insustentável”

O EQUILÍBRIO DA BALANÇA Para o global leader for health industries da PwC, Patrick Figgis, governos e setor privado, em diversos continentes, vêm se esforçando para deter o aumento dos custos, sem sacrificar o acesso e a qualidade do atendimento. Mas o esforço tem sido suficiente? ADALTON DOS ANJOS

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fórmula mágica de um modelo de negócios rentável e que reduza os custos na saúde é um desafio possível, na opinião do global leader for health industries da PwC, Patrick Figgis. Para o executivo, que comanda uma equipe de oito mil profissionais, em 158 países, governos e setor privado, em diversos continentes, vêm se esforçando para deter o aumento dos custos, sem sacrificar o acesso e a qualidade do atendimento.“O sistema de saúde global, no ponto em que se encontra, é simplesmente insustentável”, pondera Figgis, que fez carreira na Price, onde ingressou como consultor em 1990. “Mas não se trata de uma guerra perdida”. Um dos elos da cadeia que poderia ser aperfeiçoado, em sua opinião, é justamente o uso da tecnologia – aliado que costuma ser mal utilizado na luta contra os gastos na saúde. “Deveria ser sustentável, integrada com soluções tradicionais, além de promover benefícios em longo prazo para todos os stakeholders dentro do ecossistema de saúde”, critica o executivo. “No entanto, o retrato atual reflete atrasos nas estratégias em saúde digital das empresas e equívocos como a falta de interoperabilidade entre as soluções e o próprio overuse”. Ações simples, como a utilização de medicamentos genéricos ou o melhor uso das ambulâncias, continuam a ser a melhor receita para a diminuição das despesas, sobretudo aquelas aplicadas em nações em desenvolvimento, onde, segundo Figgis, “a necessidade é a mãe da invenção”. Altruísta – o executivo costuma participar de mobilizações para angariar recursos destinados a instituições de caridade –, Figgis acredita que os mercados maduros são arrogantes quando se negam a adotar experiências valiosas dos emergentes em cortes de custos culpando as diferenças culturais. “Temos muito a aprender com os mercados emergentes”, declara o consultor. Direto de Nova York, o number one da PwC para a saúde concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico. Revista Diagnóstico – A busca pela redução dos custos de saúde já pode ser considerada uma guerra perdida? Patrick Figgis – Acho que existe uma maior consciência ao redor do mundo, em governos e no setor privado, de que algo deve ser feito para conter a escalada dos custos em saúde. O sistema de saúde global, no ponto em que se encontra, é simplesmente insustentável. Mas há saídas e, sob esse ponto de vista, a guerra pode ser vencida. Acredito que estamos alcançando um novo despertar na saúde, em que todos os stakeholders estão abertos para novas ações que ajudem a solucionar esta questão importante. As organizações estão reexaminando seus modelos de negócios e o governo e órgãos reguladores transformando suas políticas com a esperança de que podemos vencer a guerra contra o aumento dos custos sem sacrificar o acesso e a qualidade do atendimento. Diagnóstico – A PwC criou o conceito “bending the cost curve”

(alterando a curva de custo, em tradução literal) – uma série de simpósios globais em que os líderes compartilharam suas melhores práticas. As soluções simples continuam sendo a melhor receita? Poderia citar um exemplo? Figgis – Existem alguns exemplos que posso citar em termos gerais. Temos visto governos locais implementar soluções práticas para melhorar os custos, por exemplo ampliando o índice de uso de medicamentos genéricos ou readequando a utilização das ambulâncias ao incentivar os pacientes a usar outros meios de transporte. Essas soluções simples não impactam na qualidade do cuidado, mas elas podem economizar milhões de dólares para os contribuintes. Algumas empresas privadas e agências do governo estão adotando o mhealth e as mídias sociais como ferramentas para proteger a cadeia de abastecimento global de produtos farmacêuticos. Em algumas nações emergentes, a falsificação de remédios é um sério problema que pode significar menos receita para as companhias e maior dano para a sociedade. Um sistema pode permitir ao paciente e aos prestadores de serviço médico checar a autenticidade dos medicamentos através da digitação de um número inscrito na embalagem de um remédio nos seus aparelhos celulares. Após o envio de um SMS gratuito ao servidor, uma resposta é encaminhada em tempo real para verificar se o produto é real ou não. Diagnóstico – O que leva uma empresa do segmento de saúde a buscar uma consultoria atualmente? Figgis – As grandes tendências, aliadas ao desenvolvimento social significativo, que está modelando o mundo, revolucionam a indústria da saúde nos dias atuais. Avanços tecnológicos, mudanças demográficas e o crescimento da influência de mercados emergentes, como o Brasil, estão promovendo um tremendo impacto na maneira como os nossos clientes estão se posicionando no mercado. Aliado a tudo isso, os governos estão cada vez mais sob pressão para produzir mais valor. E é justamente a partir desse cenário que as companhias de saúde estão solicitando nossa ajuda para dar um sentido às mudanças em curso, identificar oportunidades de colaboração com organizações fora da saúde – e vice-versa – e para codesenvolver modelos de negócios e novos serviços. Estas questões têm sido predominantes, mas elas têm se tornado mais pronunciadas devido às forças econômicas e geopolíticas. Sem mencionar, é claro, a influência crescente dos consumidores, que estão tendo uma maior responsabilidade por seu cuidado. Diagnóstico – Quais os questionamentos que os líderes de empresas do setor de saúde em países em desenvolvimento, como o Brasil, devem se fazer ao tentar definir estratégias de sustentabilidade para os seus negócios? Figgis – Especialmente em países emergentes, os líderes precisarão se perguntar se os modelos de atendimento são suficientes para assistir às demandas das mudanças populacionais e um consumidor mais informado e exigente. Por exemplo, eles podem resolver as necessidades de cuidados primários da sua população não através do treinamento de mais médicos generalistas, mas criando um acesso aos prestadores e um cuidado através da telemedicina e mhealth. Nossos clientes em países emergentes estão buscando caminhos para melhorar a qualidade e expandir o acesso ao cuidado, tudo ao mesmo tempo e mantendo os custos sustentáveis. O emprego de tecnologias que aumentem a eficiênDiagnóstico | jul/ago 2014

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Patrick Figgis cia e o devido suporte de análise e proficiência na gestão são ferramentas essenciais para possibilitar melhoria de performance e a consequente sustentabilidade aos sistemas de saúde.

abordagens acadêmicas que conscientizam os públicos, prestadores e pagadores a entrarem em um consenso sobre o uso eficiente dos recursos de saúde.

Diagnóstico – Em recente pesquisa da PwC, 86% dos CEOs da área de saúde acreditam que o avanço tecnológico transformará seus negócios nos próximos cinco anos. No entanto, há um gap entre a situação atual e o que eles querem ser – somente 33% dos entrevistados aumentaram os investimentos em tecnologia. Poderia comentar? Figgis – O estudo mostra que uma das razões de eles não terem feito muito progresso é porque os CEOs acreditam que as funções de pesquisa e desenvolvimento em TI estavam mal preparadas para capitalizar. A tecnologia promoveu uma disrupção em muitos setores e a saúde não é uma exceção. Para ter sucesso, a tecnologia deveria ser sustentável, integrada com soluções tradicionais, além de promover benefícios em longo prazo para todos os stakeholders dentro do ecossistema de saúde. Além disso, muitas companhias do setor estão atrasadas em suas estratégias de saúde digital. As barreiras podem ser devido à falta de interoperabilidade entre soluções tecnológicas, de privacidade e de eficácia das questões sobre regulamentações e a falta de incentivos na adoção das novas ferramentas. Apesar de estas barreiras serem significantes, elas não são intransponíveis e as organizações podem trabalhar com seus pares em outros setores para aprender como eles podem aproveitar a tecnologia como uma vantagem competitiva.

Diagnóstico – O que os países mais ricos podem aprender com a experiência de nações emergentes, como Brasil e Índia? Figgis – A velha máxima de “a necessidade é a mãe da invenção” é confirmada quando se trata de olhar a forma que alguns mercados emergentes resolvem seus problemas antigos nos seus respectivos sistemas de saúde. Uma vez que os mercados em crescimento não têm o mesmo nível de recursos que os países desenvolvidos, eles acabam desafiando o pensamento convencional e adotando princípios de outras indústrias para desenvolver soluções criativas que melhoram o desempenho e reduzam custos. Mercados maduros tendem a ter certa arrogância com estas práticas, citando diferenças culturais, regulações e demografia, como razões do porquê estas experiências não podem ser transferidas. Mas temos muito a aprender com mercados emergentes, principalmente com suas abordagens para a industrialização de procedimentos e aplicações no mercado de saúde.

Diagnóstico – O senhor é a favor do consumer-driven health care? Figgis – O consumer-driven health care já está se tornando uma realidade. Portanto, não é uma questão de se colocar a favor ou contra esta tendência, mas de como podemos efetivamente capitalizar esta influência crescente no consumidor. Os pacientes estão se tornando mais empoderados, administrando melhor seus gastos em saúde, influenciando nos resultados devido ao uso crescente de ferramentas tecnológicas como os smartphones e mídias sociais. As organizações de saúde que colocam seus consumidores no centro do cuidado podem colher os frutos no novo mercado de saúde. Diagnóstico – De que forma o overuse – que já compromete quase 1/3 das receitas com saúde nos EUA – vem sendo tratado na Europa? Figgis – O overuse, o underuse (subutilização) ou misuse (uso indevido) são as três maiores variações que vemos na saúde. Eles representam uma falha na adoção de protocolos e procedimentos padrões, e não levam as preferências dos pacientes e objetivos em consideração de forma suficiente. O overuse é um fenômeno reconhecido na Europa, apesar de ser menos recorrente do que na América do Norte. Existem três abordagens amplas no sentido de minimizar a prática na Europa. O primeiro envolve órgãos nacionais, como o National Institute of Health e Clinical Excellence no Reino Unido, fazendo recomendações sobre a qualidade e o valor do cuidado. Eles geralmente usam evidências científicas e aplicam análises econômicas baseadas na efetividade e custos do desenvolvimento de suas diretrizes. Outras formas de reduzir os gastos são através do incentivo financeiro aos programas focados na redução do overuse e nas 72

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Diagnóstico – Qual a importância estratégica do mercado brasileiro de saúde na operação global da PwC? Figgis – O Brasil é um mercado em crescimento prioritário para a empresa. Na área de saúde, nós já estamos fazendo grandes trabalhos e a rede de oportunidades é intrigante. Diagnóstico – Se a PwC fosse montar um ranking dos dez maiores países para se investir em saúde, incluindo todos os Brics, em qual posição estaria o Brasil? Figgis – Normalmente não ranqueamos países, já que existe um grande número de fatores que determinam a viabilidade para o investimento. Diria que o Brasil continua sendo uma opção atrativa. O país tem um crescimento rápido entre os setores farmacêuticos e de saúde, registra um aumento do poder de compra do consumidor e possui condições demográficas favoráveis. Diagnóstico – Ao assumir o cargo de líder global da divisão de saúde da PwC, em julho de 2013, o senhor afirmou que os clientes teriam novas oportunidades nos próximos anos. O que o senhor quis dizer com isso? Figgis – Estamos enfrentando um grande número de desafios que ameaçam um preço acessível, a qualidade e a sustentabilidade do sistema de saúde, mas ainda acredito que estamos na vanguarda da formação de um novo sistema que serve aos clientes. Com uma crise, vêm as oportunidades. Os avanços na tecnologia fornecem ferramentas interessantes para os provedores, pagadores e o governo tornarem-se mais precisos na detecção e diagnóstico de doenças e prevendo o comportamento do paciente, permitindo assim tratamentos mais eficazes. Novos participantes comerciais – aqueles fora do mercado tradicional de saúde – estão revolucionando o setor, introduzindo novos produtos, serviços e sistemas de atendimento que promovem opções de tratamento mais convenientes e acessíveis. Finalmente, a crescente influência dos mercados emergentes e seus ganhos econômicos estão desafiando o domínio do mundo desenvolvido e nos forçando a repensar a forma como estamos servindo nossos consumidores na atualidade. Todas estas forças estão contribuindo para um modelo de saúde mais dinâmico.


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AS LIÇÕES DE CLEVELAND Chief integrity officer da Clínica Cleveland (EUA), eleita pela conceituada revista americana Ethisphere como o hospital mais ético do mundo, o americano Don Sinko prega a tática de tolerância zero para fazer da organização uma referência mundial em ética MARA ROCHA 74

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TRANSPARÊNCIA:

os colaboradores da Cleveland Clinic são estimulados a zelar por um ambiente de integridade moral e respeito aos preceitos médicos


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DON SINKO

Chief Integrity Officer da Clínica Cleveland (EUA)

Clínica Cleveland, segundo maior grupo de prática médica do mundo, com receita anual de R$ 6,5 bilhões, cresceu à sombra de um ícone americano na área de saúde, a famosa Clínica Mayo – considerada por muitos o maior exemplo de benchmarking no segmento médico-hospitalar do planeta. Fundada em 1921, por um grupo de médicos de Ohio – região nordeste dos EUA –, a organização possui, contudo, um título que a Mayo não tem: ser considerado pelo segundo ano consecutivo o hospital mais ético do mundo. Concebido anualmente pela respeitada revista americana Ethisphere, o ranking inclui participantes de todos os continentes – no Brasil, Natura e Banco do Brasil foram os últimos vencedores –, em diversas categorias. “A preservação da reputação da instituição é, para nós, algo muito importante”, sentencia o americano Don Sinko, chief integrity officer da organização. “Não somos infalíveis. Mesmo assim, procuramos pautar nossa rotina de maneira correta, tratando bem nossos funcionários e servindo à comunidade”. As práticas de gestão, baseadas em controle, auditorias e condutas moral e ética do grupo hospitalar seguem uma rotina de tolerância zero. Para ser fornecedor da instituição, que está prestes a abrir sua primeira filial fora da América do Norte, em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), é preciso, além de todas as certificações legais, ser obrigatoriamente uma empresa com estrutura de compliance estabelecida. Além disso, é obrigatório fazer um curso para se adequar à filosofia e os preceitos éticos da Cleveland. Candidatos a uma vaga na instituição não podem ser nem fumantes, nem obesos. “Queremos praticar o que pregamos. Todos sabem que o fumo é uma das piores escolhas que o indivíduo pode fazer para a saúde. E a obesidade já é considerada uma doença endêmica em muitas nações”, resume Sinko, que se orgulha de manter na instituição um site aberto ao público com todas as informações sobre a relação de seus médicos com a indústria farmacêutica. “A intenção desta política é garantir que a primeira preocupação dos médicos seja promover o melhor para seus pacientes”, justifica o executivo. “Se essas relações partem sempre da primazia da transparência, não há o que esconder”. De Ohio, Sinko concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico.

Revista Diagnóstico – Por que a Cleveland Clinic venceu pelo 76

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segundo ano seguido o prêmio Ethisphere’s World’s Most Ethical Companies? Don Sinko – Os critérios da Ethisphere focam na ética dos negócios, apoio à comunidade e sustentabilidade – três áreas que a Cleveland Clinic leva a sério, aplicando o tone at the top. Nosso compromisso estratégico é apoiar a comunidade, reduzir gastos e o uso de energia e fazer negociações de modo correto, seguindo todas as normas e regulações federais, estaduais e locais. A preservação da reputação da instituição é, para nós, algo muito importante. Procuramos pautar nossa rotina de maneira correta, tratando bem nossos funcionários e servindo à comunidade. Em 2012, a Cleveland Clinic se beneficiou com US$ 754,2 milhões – incluindo US$ 154,6 milhões em assistências financeiras –, a partir de doações. Na área de sustentabilidade, a Cleveland Clinic foi reconhecida pela U.S. Environmental Protection Agency (EPA) como a vencedora do prêmio Energy Star Partner of the Year – Sustained Excellence Award [mais importante premiação na área de sustentabilidade nos EUA]. Fomos, ainda, uma das únicas organizações de saúde a serem reconhecidas pelo relatório de sustentabilidade do Global Reporting Initiative. Diagnóstico – Qual era a realidade da Cleveland Clinic antes de adotar uma estrutura de compliance em sua cultura organizacional? Sinko – Sempre fomos uma organização compliance, mas o departamento foi formado no final dos anos 1990, como uma forma de adicionar consistência e providenciar a documentação para os nossos esforços na área de ética. Dez anos atrás, o setor de compliance foi unido ao departamento interno de auditoria, que o elevou para o C-suite, com a coordenação do chief integrity officer. Com a mudança, que é incomum no setor de saúde, a Cleveland Clinic confirmou que a tomada de decisão ética é uma prioridade real. Também é importante notar que como um executivo desta categoria, reporto-me diretamente aos diretores da Cleveland Clinic e não aos administradores seniores, que ficam sob minha tutela. Isto não apenas dá mais força e credibilidade ao setor de compliance, mas também garante que ele opere de forma independente. As pessoas da organização sabem disso e demonstram respeito. Diagnóstico – De que forma ser membro fundador da Northeast Ohio Business Ethics Coalition (Neobec) – coalização de mais de 900 instituições de Ohio, cuja missão é educar e prevenir ações corruptas – influenciou a Cleveland a se tornar referência em compliance? Sinko – A formação do Neobec veio em um momento em que nosso governo estava no meio de um grande escândalo de corrupção no setor público. O convite para integrar a entidade partiu do ministério público local, que apoiou a escolha pelo tamanho da nosso organização, escopo de atuação e, principalmente, em nossos padrões de compliance estabelecidos. Para nós, a iniciativa foi vista como uma deferência. Afinal, os requisitos para se tornar membro da Neobec são claros, concisos e encorajam as empresas a adotar o lema “negócio bom é negócio honesto”, ao mesmo tempo em que as estimulam a rejeitar a corrupção e condutas antiéticas nos negócios. É obrigatório ainda, por parte de seus associados, o compromisso contínuo em criar um tone at the top do fazer ético como uma prioridade. Estabelecer padrões escritos para os seus empregados e parceiros comerciais, docu-


mentar incentivos e disciplina, promover uma estrutura de relatoria justa e fluida – além de agendar programas de treinamento contínuos – são outras prerrogativas obrigatórias de quem integra a Neobec. Em resumo, seus associados precisam se pautar, sempre, em fazer a coisa certa. Diagnóstico – A lista de empresas de saúde que fazem parte da Neobec poderia ser maior? Sinko – O setor de saúde apresenta considerações éticas especiais. Nossos “clientes”, por exemplo, são nossos pacientes, que estão depositando confiança em nós com algo da maior importância, suas vidas. Em tais circunstâncias, o compromisso com a ética é primordial. O mercado de saúde nos EUA vem avançando na propagação dos preceitos éticos em suas organizações. Prova disso é que o Neobec já possui muitos hospitais e companhias do setor de saúde em seu quadro, incluindo os maiores sistemas hospitalares de Ohio, departamentos de saúde governamentais, além de operadoras de saúde e demais prestadores de saúde. Diagnóstico – Que papel cabe ao corpo clínico para fazer um hospital atingir um nível de excelência em ética? Sinko – A Cleveland Clinic é organizada como um modelo de prática de grupo, ou seja, os médicos são assalariados, trabalham sob contratos que são revistos anualmente. Em nosso hospital, os profissionais não são pagos com base no número de cirurgias que eles realizam ou testes que solicitam. Não há, portanto, interferência dessa rotina em seus ganhos. Eles fazem o que é o melhor para o paciente, não o que é melhor para suas contas bancárias. Do ponto de vista de compliance, se não existe influência monetária nas atitudes, é mais fácil tomar as decisões corretas e éticas. Diagnóstico – De que forma os investimentos no Programa de Compliance da Cleveland Clinic influenciam nos resultados financeiros da instituição? Sinko – Um departamento de compliance não gera recursos, mas promove economia. Gosto de comparar o compliance com a medicina preventiva: tomando as medidas adequadas para ser um hospital compliance, podemos evitar multas, penalidades e processos. Tudo isso pode resultar em milhões de dólares em economia. Diagnóstico – Ser um hospital referência em ética já influencia na escolha do paciente? Sinko – É seguro dizer que os pacientes querem lidar com companhias éticas. Para a Cleveland Clinic, ser reconhecida como uma das mais éticas companhias do mundo ajuda seus pacientes a saberem que estão em contato com pessoas que querem fazer as coisas certas. Isso também mostra que nosso princípio – “Pacientes em primeiro lugar” – não é somente um discurso vazio. Nossa filosofia permeia tudo que fazemos. Oferecer cuidados médicos no mesmo nível de outros países do mundo é importante, mas é somente o começo. É preciso ser ético, ouvir e responder às preocupações e pedidos dos pacientes. Devemos ajudá-los a enfrentar o medo e as incertezas de vir ao hospital. Por isto, a Cleveland Clinic foi o primeiro grande centro acadêmico a implantar o Chief Experience Officer (CXO) [setor responsável por definir estratégias e executar ações voltadas para a experiência do usuário], e um dos primeiros a estabelecer um escritório de experiência do paciente. É como um dos nossos fundadores, William

Lower, disse em 1921: “Um paciente é a pessoa mais importante em uma instituição. É nosso trabalho satisfazê-lo”. Diagnóstico – Qual a importância do tone at top e tone at middle no processo de manutenção da cultura da ética na Cleveland Clinic? Sinko – Ambos são críticos. Os funcionários observam os seus líderes para os seguir, não importa qual seja a sua posição dentro da organização. Vemos isto a todo momento, quando diretores fazem algo, notamos seus funcionários fazendo isto também. Se os gestores trabalham de forma ética, seus funcionários também o farão. Diagnóstico – Quais as estratégias utilizadas pela Cleveland Clinic para não permitir que seus pacientes sejam vítimas do overuse? Sinko – Este é um problema que acrescenta bilhões de dólares com custos desnecessários nas despesas de saúde nos EUA. A Cleveland Clinic está totalmente estruturada para conter este problema. E a prática de grupo, cujos médicos têm os salários pagos baseados em contratos que são revistos anualmente, é um dos alicerces da nossa estratégia de compliance junto à área de assistência. Esse tipo de acordo remove incentivos financeiros do processo de tomada de decisão dos médicos. Não há pagamentos extras para a realização de cirurgias adicionais, pedidos de exames ou novas visitas ao consultório. O único fator considerado é o que é o melhor para o paciente. A Cleveland Clinic também tem sido pioneira no uso de prontuários eletrônicos, que podem ajudar a reduzir o número de testes desnecessários. Nossos prontuários têm embutido um “stop”, que bloqueia pedidos duplicados e desnecessários. Entre 2011 e 2012, cerca de 12 mil exames foram suspensos. Os médicos reclamaram em apenas 3% das ordens bloqueadas, que acabaram sendo revistas após nova avaliação. Diagnóstico – Ser um hospital ético ajuda a atrair e a reter mais colaboradores? Sinko – As pessoas geralmente não querem trabalhar para chefes antiéticos e esta é uma das razões pelas quais as empresas éticas têm se apresentado como referência em baixa rotatividade de funcionários, maior produtividade e redução dos custos. Se estamos contratando um médico, enfermeiro, técnico farmacêutico ou qualquer outro profissional, há leis e regulamentações para cada cargo que definem quem pode ser contratado. Por exemplo, existem regulamentações especiais exigidas para aqueles que trabalham diretamente com pacientes, para os que interagem com pacientes com mais de 60 anos ou para aqueles que lidam com crianças. Também é crucial que todos os novos contratados, indivíduos, prestadores de serviço ou fornecedores, estejam livres de qualquer pendência restritiva imposta por programas federais de saúde e pela Justiça americana. Se um candidato está na lista de exclusão, ele não será contratado. Se um funcionário entrar nessa lista, ele será demitido. A postura é a mesma com empresas não éticas: seus produtos ou serviços não serão comprados pelo hospital. Diagnóstico – Como o hospital lida com as críticas de ser considerado politicamente incorreto ao vetar candidatos obesos e fumantes em seu staff? Sinko – Como uma instituição de saúde, cuja missão inerente Diagnóstico | jul/ago 2014

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Don Sinko é curar a doença e cultivar uma comunidade saudável, não faz sentido apoiar hábitos que em última instância levam a doenças, inabilidades e mortes. O tabaco, que é viciante, prejudicial e mortal, causa cerca de 450 mil mortes – ou um a cada cinco óbitos –, todos os anos, nos Estados Unidos. A droga está relacionada cada vez mais a ataques cardíacos, doenças respiratórias crônicas e vários tipos de cânceres. Cuidamos da saúde dos nossos empregados e é importante que eles incentivem comportamentos saudáveis nos pacientes. Queremos praticar o que pregamos. Todos sabem que o fumo é uma das piores escolhas que o indivíduo pode fazer para sua saúde. E a obesidade já é considerada uma doença endêmica em muitas nações.

Diagnóstico – Por que a Cleveland Clinic decidiu divulgar informações sobre a relação entre médicos e farmacêuticas aos seus pacientes? Sinko – Sentimos que é importante para os pacientes saberem da relação entre indústria e médicos, seja na área de pesquisa, consultoria, negócios ou prática da medicina. A intenção desta política é garantir que a primeira preocupação dos médicos seja promover o melhor para seus pacientes. Isto não significa que as relações fora da Cleveland Clinic sejam desencorajadas. Até porque entendemos que a colaboração da indústria com as escolas de medicina, hospitais e instituições de pesquisas biomédicas são fundamentais para promover os esforços de pesquisa e acelerar tratamentos inovadores para os pacientes. Se essas relações partem sempre da primazia da transparência, não há o que esconder. Diagnóstico – O hospital já puniu funcionários por condutas de non-compliance? Sinko – A disciplina dos empregados é um elemento essencial para qualquer programa efetivo de compliance. Dependendo do nível de non-compliance e da severidade da questão, os empregados podem receber advertências por escrito, ser suspensos ou demitidos. Normalmente, nos hospitais, as questões compliance mais comuns envolvem a proteção da informação dos pacientes. A informação de saúde identificável individualmente é protegida sobre as regulamentações de privacidade do Hipaa – lei que regulamenta a portabilidade das operadoras de saúde nos EUA. Há casos, por exemplo, de pacientes que recebem acidentalmente informações de outras pessoas – o que acaba sendo tratado como erro. O que não toleramos é o acesso de informações não autorizadas de registros de pacientes. Os empregados da Cleveland Clinic também são avisados a não usarem suas contas de e-mail pessoal para compartilhar informações dos pacientes. Diagnóstico – Há um limite nessa tolerância? Sinko – Existe uma diferença entre cometer um erro e decidir deliberadamente desobedecer regras. Muitos de nós, quando enfrentamos a escolha, decidiremos fazer a coisa correta. Contudo, pessoas comentem erros. E a saúde é muito dependente das pessoas nos negócios. Os médicos, enfermeiros e outros cuidadores não podem ser substituídos por robôs e máquinas, então erros acontecem. A questão é, quando estes erros acontecem, o que estamos fazendo para mitigá-los e ter certeza que eles não se repetirão no futuro? Uma das coisas que observamos quando investigamos uma questão é: a pessoa cometeu um erro ou foi uma decisão deliberadamente escolhida? Se foi um erro, muitas vezes a questão pode ser conduzida com educação e treinamento. 78

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Obviamente, no entanto, se é um caso de infração intencional das regras, realizamos ações que podem culminar em uma demissão sumária. Não defendo que nunca tenhamos cometidos erros na Cleveland Clinic, justamente por isso temos um departamento de compliance. E o governo entende isso também. O que o governo quer saber é se as companhias estão fazendo algo para enfrentar e evitar esses erros – como treinamentos – ou estão paradas e vendo as coisas acontecerem. Na Cleveland Clinic, sabemos que a educação e o treinamento fazem a diferença. Diagnóstico – De que forma os fornecedores precisaram se adequar à filosofia de compliance da Cleveland Clinic? Sinko – Antes de fechar um contrato com um fornecedor, o setor de compra investiga a reputação da companhia. Se, por exemplo, a empresa está na lista de exclusão do governo, não a contrataremos. Uma vez selecionado, o fornecedor deve aceitar nosso código de conduta e realizar um treinamento online com questões sobre segurança, privacidade e compliance. Diagnóstico – A Cleveland Clinic tem uma estrutura montada para receber denúncias dos seus colaboradores de casos non-compliance. Como a instituição reverteu esta má imagem ligada ao denunciante – o “dedo duro” – em algo positivo? Sinko – Empregados podem escolher reportar casos non-compliance de forma anônima ou diretamente, ambos por telefone ou email. Descobrimos que os empregados ficam muito confortáveis em ligar diretamente porque levamos suas preocupações a sério e agimos. As pessoas são mais aptas a ligar e sabem que você fará algo para atender às suas preocupações. No curso das investigações das reclamações, protegemos a fonte e não divulgamos como descobrimos a falha.

Em nosso hospital, os profissionais não são pagos baseados no número de cirurgias. Eles fazem o que é o melhor para o paciente, não o que é melhor para suas contas bancárias. Do ponto de vista de compliance, se não existe influência monetária nas atitudes, é mais fácil tomar as decisões corretas e éticas. Não há pagamentos extras para a realização de cirurgias adicionais, pedidos de exames ou novas visitas ao consultório.


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Fotos: Roberto Abreu

1 – A White Matins, de Orlando Amorim (centro) foi tetracampeã na disputa, seguida por Linde Gases (Alex Gomes) e Air Liquide (Karina Pontes), respectivamente, prata e bronze. 2 – O São Rafael, de Alfredo Martini (centro) foi vencedor na categoria Hospital Filantrópico, seguido do Santa Izabel (Eduardo Queiroz e Roberto Sá Menezes – à direita) e Hospital Português (Otoni Costa Filho). 3 – O Planserv, ouro na disputa, foi representado por Rodrigo Pimentel Souza (Saeb) – centro. Alberto Figueiredo (Petrobras AMS) e Neide Machado (Cassi) fecharam o pódio.

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4 – Os vencedores na categoria Diagnóstico por Imagem: Antônio Carlos Borba (Diagnosson), bronze; Fernanda Gonzalez (Delfin Imagem), ouro, e Gileno Portugal (Multimagem), prata. 5 – O evento foi realizado no casarão Cunha Guedes, no Corredor da Vitória, centro de Salvador.

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6 – Vencedor da categoria Empresa de TI, Marcelo Kutter (Medicware), ao centro. À esquerda Thiado Uchôa (MV) e Humberto Guimarães (TOTVS) – prata e bronze, respectivamente. 7 – Alfredo Martini e Marla Cruz subiram mais uma vez ao palco para receber os troféus ouro e prata, respectivamente, na categoria Sustentabilidade.

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8 – Sidnei Neves (São Rafael), Antônio Brito (Olhos Freitas), Roberto Sá Menezes e Lise Weckerle (Santa Casa de Misericórdia da Bahia) foram os vencedoes na categoria Ação Social 9 – CEO da Bionexo, Maurício Barbosa entregou o troféu ouro a Eduardo Queiroz - tricampeão na categoria Executivo do Ano.

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10 – Tânia Barros, da Protécnica – troféu ouro na categoria Arqutetura Hospitalar.

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11 – Dircurso de Márcio Alírio (Cardiopulmonar) – ouro da categoria Hospital Privado de Médio e Grande Portes. 12 – Os troféus foram confeccionados em madeira nobre (corpo), metal fundido (medalha) e acrílico (base).

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13 – José Antônio Barbosa, do Grupo Meddi – prêmio pela vanguarda. 14 – Fábio Brinço, ao lado de Tania Chagas, exibe o troféu dourado na categoria HospitalDia

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15 – A SulAmérica, de Marileide Cavalho, foi prata na categoria Seguradora.

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16 – Alex Carvalho, diretor-geral do Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus, recebeu o troféu Desataque OS. 17 – A dama da fillantropia baiana, Lise Weckerle, recebeu o troféu ouro pelo trabalho assistencial à frente da Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

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18 – Presidente da Ahseb, Ricardo Costa, e esposa, a cirurgiã Ana Paula Costa. 19 – O Benchamarking Saúde é promovido pela Revista Diagnóstico.

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20 – Laura Ziller – presidente do Monte Tabor – em seu discurso de agradecimento pelo prêmio Benchmarking Brasil, concedido à organização. 21 – Presidente do Desenbahia, Vitor César Ribeiro Lopes, ouro na categoria Serviços Financeiros. 22 – Essa foi a quarta edição do Prêmio Benchmarking Saúde.

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23 – A equipe do Hospital Samur, Norma Bulhões, Sebastião Castro e a CEO da unidade, Lúcia Dórea. 24 – Vencedores na Categoria Laboratório de Análises Clínicas – Maurício Bernardino (Labchecap); Marla Cruz (Leme), Lídia Abdalla (Sabin) e André Guedes (Sabin).

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25 – Teresa Valente, presidente da Promédica (ouro na categoria Medicina de Grupo). 26 – Equipe do Bradesco Seguros. 27 – O empresário Delfin Gonzalez, em seu discurso de agradecimento pelo tetracampeonato na categoria Empresário do Ano.

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28 – Camila Abreu e as oncologistas Gildete Lessa e Samira Mascarenhas, do Núcleo de Oncologia da Bahia. 29 – Eduardo Queiroz e esposa, Renata Queiroz.

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30 – Mariléia Souza recebeu o prêmio máximo na categoria Seguradora. Na foto, ao lado do esposo e médico Alvaro Nonato. 31 – Ruy Cunha, fundador do DayHORC, ao lado da esposa, Marigracia Cunha. 32 – Família Promédica, Teresa Valente, Jorge Oliveira e Luciana Valente, prêmio máximo na categoria Medicina de Grupo.

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33 – Karina Tinoco, gerente comercial do Hospital Santa Izabel e o casal Maysa Domenech, articulista da Revista Diagnóstico, e Alfonso Carvalho (Hospital Aeroporto). 34 – Laura Ziller (Monte Tabor), concede entrevista à equipe da Revista Diagnóstico. 35 – Roberto Sá Menezes, provedor da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, e esposa Rosângela Sá Menezes.

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36 – Alberto Figueiredo (Petrobras AMS) e sua esposa, Joilza dos Reis Cruz.

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Prêmio Benchmarking Saúde 2013 Bahia

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37 – Jorge Solla e esposa, Marília Fontoura. 38 – Aylla Domizio (Assiste Vida) e o esposo, Américo Gagliardi. 39 – Equipe da Cehon, um dos vencedores na categoria Serviço de Oncologia, Luiz Flávio Maia, Cristina Cagliari e Rafael Vita.

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41 – Herika Pedroza (Semed) e esposo Ricardo Sequeiros Tanure.

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40 – Sérgio Colavolpe e esposa, Maria José Colavolpe, ao lado de Orlando Colavolpe, fundador da COT – ouro na categoria Serviço de Ortopedia.

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solution Responsável Técnico: Dr. Ariovaldo Mendonça - CRMMG 33477 - RQE 21876 - Inscrição CRM 356 - MG

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