Revista Diagnóstico Edição 26

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Impresso Especial 9912247598/2009-DR/BA

A REVISTA DOS LÍDERES DA SAÚDE DO BRASIL

CRIARMED

PROIBIDA

E X E M P L A R

VENDA

D E

ÉTICO DO MUNDO

ASSINATURA

MAIS

ELE EXISTE, NÃO CONTRATA OBESOS, NEM FUMANTES E SE ORGULHA DE SE RELACIONAR EXCLUSIVAMENTE COM FORNECEDORES COMPLIANCE

ELE PREVIU A CRISE: candidato derrotado nas últimas eleições da Santa Casa de São Paulo, José Luiz Setúbal falou à Diagnóstico

REMÉDIOS DIGITAIS: médicos americanos já estão receitando aplicativos para smartphone a seus pacientes. O que isso pode significar para Diagnóstico | mai/jun 2014 03 a economia da saúde?

ANO V | N º 26 | MAI/JUN 2014 | R$ 50,00

O HOSPITAL


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Diagn贸stico | mai/jun 2014



SUMÁRIO Ricardo Benichio

08 ENTREVISTA Don Sinko

Executivo da Cleveland Clinic explica como o hospital se tornou referência em ética no mundo

16 ARTIGO Biesdorf e Niedermann

Terceira onda da adoção de TI é uma realidade em muitas instituições de saúde nos setores público e privado

22 ENSAIO Anahp

Gestão baseada em práticas de Governança Corporativa é forte aliada na adoção da ética empresarial

24 ARTIGO Eduardo Najjar

Como prevenir conflitos entre parentes no dia a dia dos negócios de uma empresa familiar

26 ENTREVISTA José Luiz Setúbal

Candidato derrotado nas eleições da Santa Casa (SP) fala sobre a crise que fechou a instituição filantrópica

30 ENSAIO Robert Pearl

Articulista da Forbes problematiza a influência da indústria nos resultados das pesquisas científicas

32 DEBATE Saúde globalizada

Einstein reúne grandes pensadores internacionais para discutir o futuro da saúde no Brasil

36 APLICATIVOS Saúde

A revolução silenciosa dos apps pode resultar em economia na saúde, mas carece de regulamentação

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DEPUTADO RICARDO IZAR (PSD-SP): regulação de preços de órteses e próteses é necessária para sustentabilidade do mercado de saúde

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JOSÉ LUIZ SETÚBAL: “Não há diálogo com a atual gestão. Nosso grupo político foi banido da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo”


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ENTREVISTA Camila Morsch

Divulgação

Ativista discute a inclusão de mulheres, deficientes, negros e LGBT no mercado de saúde

48 ARTIGO Daniela Ártico

Enunciados publicados pelo CNJ demonstram evolução no sistema jurídico brasileiro

50 GESTÃO Micah Solomon

Empresas de saúde precisam fazer benchmarking com outros setores e não com concorrentes

GESTOR 52 CARO Osvino Souza

Desafio de dirigentes é equilibrar as metas de crescimento desejadas e as verdadeiramente possíveis

54 P4P Economia

O que as experiências americana e inglesa de pay-for-performance podem ensinar para o setor no Brasil

70 TECNOLOGIA Nubia Viana

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PRÁTICAS 78 BOAS Celebridades

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Médica comenta a tese de pesquisadores americanos de que uso dos PEPs diminui produtividade

Como evitar uma crise por conta de falhas no atendimento de um paciente famoso em seu hospital

64 EMPREENDEDORISMO 80 ARTIGO Bruce Irwin Fernando Machado Médico americano se inspira em Sam Watson (Walmart) e cria rede de clínicas de baixo custo

Articulista explica como iniciar um programa contínuo de inovação em hospitais e empresas de saúde

CAMILA MORSCH: para feminista, debate sobre minorias ainda não chegou à saúde

DIRETO AO PONTO Tom Fox

Especialista em leis anticorrupção diz que empresas éticas têm performances melhores na Dow Jones

84 RESENHA Redes sociais

Publicação da Clínica Mayo é uma estimulante coletânea de textos sobre o uso das redes sociais na saúde

Divulgação

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SEDE DA CLEVELAND CLINIC, EM OHIO (EUA): “código de tolerância zero” fez da instituição o hospital mais ético do mundo


EDITORIAL

Os bons exemplos de filantropia

P

Roberto Abreu

ara muitos especialistas, a história da profissionalização das Santas Casas de Misericórdia no Brasil começou há pouco mais de duas décadas, em Porto Alegre. Fundada em 1814 e batizada oficialmente de Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, a instituição quase fechou suas portas no início dos anos 80, quando passou pela pior crise de sua existência. Agonizante, a Irmandade foi obrigada, na época, a profissionalizar sua gestão, através de uma “intervenção branca” chancelada pelo governo do Rio Grande do Sul. A instituição passou a ser comandada por um grupo de gestores profissionais com uma grande incumbência: implantar uma cultura de resultados, com base em benchmarking. As fontes de inspiração viriam da indústria local (Gerdau), do setor financeiro e de congêneres, a exemplo do Hospital Albert Einstein. Atualmente, a Santa Casa de Porto Alegre – embora ainda enfrente dificuldades para se manter sustentável – é considerada um modelo de assistência e passou a ser, ela própria, referência em gestão profissional. A instituição chegou a 2014 como um colosso composto por sete hospitais, 1.042 leitos – 129 de UTI –, 2.200 médicos, 6.322 funcionários e faturamento anual que ultrapassa os R$ 650 milhões. Outro case de sucesso é a Santa Casa de Misericórdia de Maceió. Localizada em uma das regiões mais carentes do Brasil – e quase sempre lembrada como símbolo do que não fazer quando o assunto é gestão do agronegócio açucareiro –, a organização é a maior referência do Nordeste no assistencialismo profissionalizado. Ano passado, a Santa Casa de Maceió integrou o top five das melhores organizações de saúde do país, eleitas pela revista Istoé Dinheiro. No ranking, que leva em conta critérios como sustentabilidade financeira, governança corporativa e inovação, ficou atrás apenas do Fleury, do Dasa e dos hospitais Oswaldo Cruz e Samaritano. Até o fim do ano, a instituição, fundada em 1851, será a primeira do país a ser certificada pela Accreditation Canada. Muitas outras organizações poderiam integrar uma lista extensa de bons exemplos de filantropia – ao contrário do que se possa imaginar: Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (MG), Santa Casa de Misericórdia de Marília, Santa Casa de Misericórdia de Votuporanga – ambas de São Paulo –, Santa Casa de Misericórdia da Bahia, Obras Sociais Irmã Dulce, etc. Na contramão, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo vive um momento adverso, fruto, em certa medida, de lições de governança que certamente deveriam ter sido aprendidas há 10, 20 anos. Há algo além – igualmente importante – como o subfinanciamento, a exagerada diversidade no escopo de atuação assistencialista e a falta de unidade política na Irmandade. Não há uma fórmula pronta para sair de uma crise do tamanho da maior entidade filantrópica da América Latina. Mas há um caminho, quase unânime, sugerido pelos grandes pensadores do trade de saúde internacional: olhar para o lado e aprender com quem faz melhor. Toda última segunda-feira de cada mês, entre março e novembro, a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre abre suas portas para gestores de todo o Brasil – inclusive da indústria e do varejo – interessados em conhecer um modelo vencedor de governança. E ai vai o contato para agendamento: benchmarking@santacasa.tche.br.

Reinaldo Braga CEO/Publisher

Diretor Executivo Publisher Reinaldo Braga reinaldo@diagnosticoweb.com.br Repórteres Brasil Eduardo César – eduardo@diagnosticoweb.com.br Adalton dos Anjos – adalton@diagnosticoweb.com.br Estados Unidos Rodrigo Sombra Inglaterra Mara Rocha Diretora Comercial Verônica Diniz – veronica@grupocriarmed.com.br Financeiro Ana Cristina Sobral – ana@diagnosticoweb.com.br Fotógrafos Ricardo Benichio Roberto Abreu Tadeu Miranda Diagramação e Arte Cacá Ponte Ilustrações Túlio Carapiá Revisão Raul Rodrigues Tratamento de Imagens Roberto Abreu Atendimento ao leitor atendimento@diagnosticoweb.com.br (71) 3183-0360 Distribuição Dirigida Correios Impressão Sant Bárbara Redação Brasil Av. Centenário, 2411, Ed. Empresarial Centenário, 2º andar CEP: 40155-150 | Salvador-BA Tel: 71 3183-0360 Realização

A Revista Diagnóstico não se responsabiliza pelo conteúdo dos artigos assinados, que não refletem necessariamente a opinião do veículo.


CORREIO CARTAS@DIAGNOSTICOWEB.COM.BR

O interessante sobre o fracasso das PPPs é tratar-se de algo conjuntural na gestão pública de nosso país. Faltam projetos de Estado e não de governo, que acabam sendo revistos ao saber de cada novo governante Silas Gonçalves, Lisboa-Portugal

Capa

PPP DA SAÚDE

Oportuna a discussão feita por esse prestigioso veículo sobre as Parcerias Público-Privadas na Saúde. Apesar da efetividade e das vantagens desse modelo de gestão, o poder público vem se mostrando incompetente para dar o tão sonhado salto de performance na saúde brasileira. Agostino Santos,

tratam-se de soluções muito mais baratas quando comparadas à gestão direta. Olívio Sacramento, Belo Horizonte-MG

Parabenizo toda a equipe da Diagnóstico por trazer a cada edição um conteúdo único, crítico e sem paralelo no mercado de saúde do Brasil. A. Bacelar, São Paulo-SP

São Paulo-SP

Sou médico no Hospital do Subúrbio e vivo de perto a rotina de um hospital que funciona, onde não faltam medicamentos, materiais cirúrgicos, muito menos estrutura física adequada para o exercício da medicina. Se não dá lucro, algo que eu duvido, é uma outra história. Mas para nós, profissionais da medicina, sermos geridos por um ente privado, focado em resultados, tem feito todo a diferença. A.A, Salvador-BA

As PPPs, juntamente com as OS’s, são soluções que já se provocam eficaz para tornar a saúde pública brasileira mais eficiente. Ao Estado, só restaria cobrar pelos resultados. Como se não bastasse,

Entrevista

CATHERINE MOHR

As cirurgias com uso da robótica vão continuar se expandindo em todo o mundo, mesmo com os revezes, pontuais, relacionados aos efeitos adversos da própria expansão desse tipo de tecnologia. Para nós, cirurgiões, trata-se de um caminho sem volta. Ivan Kert, Florianópolis-SC

O uso em larga escala do aparato robótico nas cirurgias realizadas no Brasil enfrenta um grande dilema: a falta de interesse das operadoras em custear o procedimento e, por conseguinte, o intimidamento da rede de prestadores em investir nesse tipo de tecnologia. Por conseguinte, apenas

mas da academia e de entidades representativas da boa prática médica.

instituições filantrópicas ou públicas de ponta conseguem dispor desse tipo de tecnologia. Definitivamente, o país está perdendo a chance de acompanhar uma revolução sem precedentes na história recente da medicina.

Cristiano Chagas, São Paulo-SP

Entrevista

RICARDO IZAR

Carlos C. Pinto, Rio de Janeiro-RJ

Artigo

ERROS MÉDICOS

Muito contributivo o artigo publicado na última edição da Revista Diagnóstico sobre erros médicos, assinado pelos pesquisadores Charles Andel, Stephen Davidow, Mark Hollander e David Moreno. Nos EUA, nada menos de 98 mil pessoas morrem anualmente vítimas de erros médicos, alguns dos quais absolutamente passíveis de serem evitados. No Brasil, não há estatísticas, mas é razoável supor que os números devam ser contabilizados – para cima – a partir da referência americana. Para nós, trata-se de uma realidade silenciosa, não contabilizada e que representa a vida de milhões de brasileiros. O texto, que faz inferência ao desperdício, não somente de vidas, deveria acender o debate não somente por parte do poder público,

Importante saber que a discussão sobre o preço de órtese e prótese finalmente chegou ao Parlamento brasileiro. Todos nós, médicos éticos, sabemos da importância desse debate para a sustentabilidade do setor. O mercado inteiro convive com o alastramento de práticas non compliance na saúde, mas, lamentavelmente, pouco se faz para mudar essa triste realidade. E. H, Porto Alegre-RS

Tecnologia

TERCEIRA IDADE

Foi com grata surpresa que li na Diagnóstico a reportagem sobre o Silver Valley, sediado em Paris, e que pretende ser, para as pesquisas sobre a saúde na terceira idade, o que o Vale do Silício é para a informática. Um olhar mais detalhado sobre essa investida mostra como nações desenvolvidas – e exatamente por isso as são – se preparam para acolher seus idosos. Virna Moreira, Curitiba-PR

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ENTREVISTA DON SINKO

‘SER O HOSPITAL MAIS ÉTICO DO MUNDO NÃO NOS TORNA INFALÍVEIS’ Fotos: Divulgação

Don Sinko, executivo de compliance da Cleveland Clinic: obesos e fumantes não podem trabalhar na organização

Eleito pela conceituada revista americana Ethisphere como o hospital mais ético do mundo, a Clínica Cleveland (EUA) usa a prática da tolerância zero como principal estratégia de compliance

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Diagnóstico | mai/jun 2014

A

Clínica Cleveland, segundo maior grupo de prática médica do mundo, com receita anual de R$ 6,5 bilhões, cresceu à sombra de um ícone americano na área de saúde, a famosa Clínica Mayo – considerada por muitos o maior exemplo de benchmarking no segmento médico hospitalar do planeta. Fundada em 1921, por um grupo de médicos de Ohio – região nordeste dos EUA –, a organização possui, contudo, um título que a Mayo não tem: ser considerado pelo segundo ano consecutivo o hospital mais ético do mundo. Concebido anualmente pela respeitada revista americana Ethisphere, o ranking inclui participantes de todos os continentes – no Brasil, Natura e Banco do Brasil foram os últimos vencedores –, em diversas categorias. “A preservação da reputação da instituição é, para nós, algo muito importante”, sentencia o americano Don Sinko, Chief Integrity Officer da organização. “Não somos infalíveis. Mesmo assim, procuramos pautar nossa rotina de maneira correta, tratando bem nossos funcionários e servindo à comunidade”. As práticas de gestão, baseadas em controle, auditorias e condutas moral e ética do grupo hospitalar seguem uma rotina de tolerância zero. Para ser fornecedor da instituição, que está prestes a abrir sua primeira filial fora da América do Norte, em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), é preciso, além de todas as certificações legais, ser obrigatoriamente uma empresa com estrutura de compliance estabelecida. Além disso, é obrigatório fazer um curso para se adequar à filosofia e os preceitos éticos da Cleveland. Candidatos a uma vaga na instituição não podem ser nem fumantes, nem obesos. “Queremos praticar o que pregamos. Todos sabem que o fumo é


uma das piores escolhas que o indivíduo pode fazer para a saúde. E a obesidade já é considerada uma doença endêmica em muitas nações”, resume Sinko, que se orgulha de manter na instituição um site aberto ao público com todas as informações sobre a relação de seus médicos com a indústria farmacêutica. “A intenção desta política é garantir que a primeira preocupação dos médicos seja promover o melhor para seus pacientes”, justifica o executivo. “Se essas relações partem sempre da primazia da transparência, não há o que esconder”. De Ohio, Sinko concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico.

Revista Diagnóstico – Por que a Cleveland Clinic venceu pelo segundo ano seguido o prêmio Ethisphere’s World’s Most Ethical Companies? Don Sinko – Os critérios da Ethisphere focam na ética dos negócios, apoio à comunidade e sustentabilidade – três áreas em que a Cleveland Clinic leva a sério, aplicando o tone at the top. Nosso compromisso estratégico é apoiar a comunidade, reduzir gastos e o uso de energia e fazer negociações de modo correto, seguindo todas as normas e regulações federais, estaduais e locais. A preservação da reputação da instituição é, para nós, algo muito importante. Procuramos pautar nossa rotina de maneira correta, tratando bem nossos funcionários e servindo à comunidade. Em 2012, a Cleveland Clinic se beneficiou com US$ 754,2 milhões – incluindo US$ 154,6 milhões em assistências financeiras –, a partir de doações. Na área de sustentabilidade, a Cleveland Clinic foi reconhecida pela U.S. Environmental Protection Agency (EPA) como a vencedora do prêmio Energy Star Partner of the Year – Sustained Excellence Award [mais importante premiação na área de sustentabilidade nos EUA]. Fomos, ainda, uma das únicas organizações de saúde a serem reconhecidas pelo relatório de sustentabilidade do Global Reporting Initiative. Diagnóstico – Qual era a realidade da Cleveland Clinic antes de adotar uma estrutura de compliance em sua cultura organizacional? Sinko – Sempre fomos uma organização compliance, mas o departamento foi formado no final dos anos 1990, como uma forma de adicionar consistência e pro-

Em nosso hospital, os profissionais não são pagos baseados no número de cirurgias. Eles fazem o que é o melhor para o paciente, não o que é melhor para suas contas bancárias. Do ponto de vista de compliance, se não existe influência monetária nas atitudes, é mais fácil tomar as decisões corretas e éticas

Sinko – A formação do Neobec veio em um momento em que nosso governo estava no meio de um grande escândalo de corrupção no setor público. O convite para integrar a entidade partiu do ministério público local, que apoiou a escolha pelo tamanho da nosso organização, escopo de atuação e, principalmente, em nossos padrões de compliance estabelecidos. Para nós, a iniciativa foi vista como uma deferência. Afinal, os requisitos para se tornar membro da Neobec são claros, concisos e encorajam as empresas a adotar o lema “negócio bom é negócio honesto”, ao mesmo tempo em que as estimulam a rejeitar a corrupção e condutas antiéticas nos negócios. É obrigatório ainda, por parte de seus associados, o compromisso contínuo em criar um tone at the top do fazer ético como uma prioridade. Estabelecer padrões escritos para os seus empregados e parceiros comerciais, documentar incentivos e disciplina, promover uma estrutura de relatoria justa e fluida – além de agendar programas de treinamento contínuos – são outras prerrogativas obrigatórias de quem integra a Neobec. Em resumo, seus associados precisam se pautar, sempre, em fazer a coisa certa.

videnciar a documentação para os nossos esforços na área de ética. Dez anos atrás, o setor de compliance foi unido ao departamento interno de auditoria, que o elevou para o C-suite, com a coordenação do Chief Integrity Officer. Com a mudança, que é incomum no setor de saúde, a Cleveland Clinic confirmou que a tomada de decisão ética é uma prioridade real. Também é importante notar que como um executivo desta categoria, reporto-me diretamente aos diretores da Cleveland Clinic e não aos administradores seniores, que ficam sob minha tutela. Isto não apenas dá mais força e credibilidade ao setor de compliance, mas também garante que ele opere de forma independente. As pessoas da organização sabem disso e demonstram respeito.

Diagnóstico – A lista de empresas de saúde que fazem parte da Neobec poderia ser maior? Sinko – O setor de saúde apresenta considerações éticas especiais. Nossos “clientes”, por exemplo, são nossos pacientes, que estão depositando confiança em nós com algo da maior importância, suas vidas. Em tais circunstâncias, o compromisso com a ética é primordial. O mercado de saúde nos EUA vem avançando na propagação dos preceitos éticos em suas organizações. Prova disso é que o Neobec já possui muitos hospitais e companhias do setor de saúde em seu quadro, incluindo os maiores sistemas hospitalares de Ohio, departamentos de saúde governamentais, além de operadoras de saúde e demais prestadores de saúde.

Diagnóstico – De que forma ser membro fundador da Northeast Ohio Business Ethics Coalition (NEOBEC) – coalização de mais de 900 instituições de Ohio, cuja missão é educar e prevenir ações corruptas – influenciou a Cleveland a se tornar referência em compliance?

Diagnóstico – Que papel cabe ao corpo clínico para fazer um hospital atingir um nível de excelência em ética? Sinko – A Cleveland Clinic é organizada como um modelo de prática de grupo, ou seja, os médicos são assalariados, trabalham sob contratos que são revistos anualmente. Em nosso hospital, os profissioDiagnóstico | mai/jun 2014

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ENTREVISTA DON SINKO nais não são pagos com base no número de cirurgias que eles realizam ou testes que solicitam. Não há, portanto, interferência dessa rotina em seus ganhos. Eles fazem o que é o melhor para o paciente, não o que é melhor para suas contas bancárias. Do ponto de vista de compliance, se não existe influência monetária nas atitudes, é mais fácil tomar as decisões corretas e éticas. Diagnóstico – De que forma os investimentos no Programa de Compliance da Cleveland Clinic influenciam nos resultados financeiros da instituição? Sinko – Um departamento de compliance não gera recursos, mas promove economia. Gosto de comparar o compliance com a medicina preventiva: tomando as medidas adequadas para ser um hospital compliance, podemos evitar multas, penalidades e processos. Tudo isso pode resultar em milhões de dólares em economia. Diagnóstico – Ser um hospital referência em ética já influencia na escolha do paciente? Sinko – É seguro dizer que os pacientes querem lidar com companhias éticas. Para a Cleveland Clinic, ser reconhecida como uma das mais éticas companhias do mundo ajuda seus pacientes a saberem que estão em contato com pessoas que querem fazer as coisas certas. Isso também mostra que nosso princípio – “Pacientes em primeiro lugar” – não é somente um discurso vazio. Nossa filosofia permeia tudo que fazemos. Oferecer cuidados médicos no mesmo nível de outros países do mundo é importante, mas é somente o começo. É preciso ser ético, ouvir e responder às preocupações e pedidos dos pacientes. Devemos ajudá-los a enfrentar o medo e as incertezas de vir ao hospital. Por isto, a Cleveland Clinic foi o primeiro grande centro acadêmico a implantar o Chief Experience Officer (CXO) [setor responsável por definir estratégias e executar ações voltadas para a experiência do usuário], e um dos primeiros a estabelecer um escritório de experiência do paciente. É como um dos nossos fundadores, William Lower, disse em 1921: “Um paciente é a pessoa mais importante em uma instituição. É nosso trabalho satisfazê-lo”. Diagnóstico – Qual a importância do 12

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tone at top e tone at middle no processo de manutenção da cultura da ética na Cleveland Clinic? Sinko – Ambos são críticos. Os funcionários observam os seus líderes para os seguir, não importa qual seja a sua posição dentro da organização. Vemos isto a todo momento, quando diretores fazem algo, notamos seus funcionários fazendo isto também. Se os gestores trabalham de forma ética, seus funcionários também o farão. Diagnóstico – Quais as estratégias utilizadas pela Cleveland Clinic para não permitir que seus pacientes sejam vítimas do overuse? Sinko – Este é um problema que acrescenta bilhões de dólares com custos desnecessários nas despesas de saúde nos

SALA DE ESPERA EM UMA DAS UNIDADES DA CLEVELAND CLINIC, NOS EUA: ser um hospital compliance ajuda instituições americanas de saúde a evitar multas, penalidades e processos


EUA. A Cleveland Clinic está totalmente estruturada para conter este problema. E a prática de grupo, cujos médicos têm os salários pagos baseados em contratos que são revistos anualmente, é um dos alicerces da nossa estratégia de compliance junto à área de assistência. Esse tipo de acordo remove incentivos financeiros do processo de tomada de decisão dos médicos. Não há pagamentos extras para a realização de cirurgias adicionais, pedidos de exames ou novas visitas ao consultório. O único fator considerado é o que é o melhor para o paciente. A Cleveland Clinic também tem sido pioneira no uso de prontuários eletrônicos, que podem ajudar a reduzir o número de testes desnecessários. Nossos prontuários têm embutido um “stop”, que bloqueia pedidos duplicados e desnecessá-

rios. Entre 2011 e 2012, cerca de 12 mil exames foram suspensos. Os médicos reclamaram em apenas 3% das ordens bloqueadas, que acabaram sendo revistas após nova avaliação. Diagnóstico – Ser um hospital ético ajuda a atrair e a reter mais colaboradores? Sinko – As pessoas geralmente não querem trabalhar para chefes antiéticos e esta é uma das razões pelas quais as empresas éticas têm se apresentado como referência em baixa rotatividade de funcionários, maior produtividade e redução dos custos. Se estamos contratando um médico, enfermeiro, técnico farmacêutico ou qualquer outro profissional, há leis e regulamentações para cada cargo que definem quem pode ser contratado. Por

[Não aceitamos obesos e fumantes em nossos quadros porque] queremos praticar o que pregamos. Todos sabem que o fumo é uma das piores escolhas que o indivíduo pode fazer. Somente o tabaco causa cerca de 450 mil mortes todos os anos nos EUA – um em cada cinco óbitos registrados no país. E a obesidade já é considerada uma doença endêmica em muitas nações exemplo, existem regulamentações especiais exigidas para aqueles que trabalham diretamente com pacientes, para os que interagem com pacientes com mais de 60 anos ou para aqueles que lidam com crianças. Também é crucial que todos os novos contratados, indivíduos, prestadores de serviço ou fornecedores, estejam livres de qualquer pendência restritiva imposta por programas federais de saúde e pela justiça americana. Se um candidato está na lista de exclusão, ele não será contratado. Se um funcionário entrar nessa lista, ele será demitido. A postura é a mesma com empresas não éticas: seus produtos ou serviços não serão comprados pelo hospital.

LINHA DE MONTAGEM DO ROBÔ DA VINCI, NA CALIFÓRNIA, COSTA OESTE DOS EUA: em 2013, cresceu o número de reclamações sobre mortes, lesões e problemas gerados pelo uso de robôs em cirurgias nos Estados Unidos, segundo o FDA

Diagnóstico – Como o hospital lida com as críticas de ser considerado politicamente incorreto ao vetar candidatos obesos e fumantes em seu staff? Sinko – Como uma instituição de saúde, cuja missão inerente é curar a doença e cultivar uma comunidade saudável, não Diagnóstico | mai/jun 2014

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ENTREVISTA DON SINKO faz sentido apoiar hábitos que em última instância levam a doenças, inabilidades e mortes. O tabaco, que é viciante, prejudicial e mortal, causa cerca de 450 mil mortes – ou um a cada cinco óbitos –, todos os anos, nos Estados Unidos. A droga está relacionada cada vez mais a ataques cardíacos, doenças respiratórias crônicas e vários tipos de cânceres. Cuidamos da saúde dos nossos empregados e é importante que eles incentivem comportamentos saudáveis nos pacientes. Queremos praticar o que pregamos. Todos sabem que o fumo é uma das piores escolhas que o indivíduo pode fazer para sua saúde. E a obesidade já é considerada

uma doença endêmica em muitas nações.

Diagnóstico – Por que a Cleveland Clinic decidiu divulgar informações sobre a relação entre médicos e farmacêuticas aos seus pacientes? Sinko – Sentimos que é importante para os pacientes saberem da relação entre indústria e médicos, seja na área de pesquisa, consultoria, negócios ou prática da medicina. A intenção desta política é garantir que a primeira preocupação dos médicos seja promover o melhor para seus pacientes. Isto não significa que as relações fora da Cleveland Clinic sejam desencorajadas. Até porque, entendemos que a colaboração da indústria com as escolas de medicina, hospitais e instituições de pesquisas biomédicas são fundamentais para promover os esforços de pesquisa e acelerar tratamentos inovadores para os pacientes. Se essas relações partem sempre da primazia da transparência, não há o que esconder. Diagnóstico – O hospital já puniu funcionários por condutas de non-compliance? Sinko – A disciplina dos empregados é um elemento essencial para qualquer programa efetivo de compliance. Dependendo do nível de não-compliance e da severidade da questão, os empregados podem receber advertências por escrito, ser suspensos ou demitidos. Normalmente, nos hospitais, as questões compliance mais comuns envolvem a proteção da informação dos pacientes. A informação de saúde identificável individualmente é protegida sobre as regulamentações de privacidade do Hipaa – lei que regulamenta a portabilidade das operadoras de saúde nos EUA. Há casos, por exemplo, 14

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Antes de fechar um contrato com um fornecedor, o setor de compra investiga a reputação da companhia. Se, por exemplo, a empresa está na lista de exclusão do governo, não a contrataremos. Uma vez selecionado, o fornecedor deve aceitar nosso código de conduta e realizar um treinamento online com questões sobre segurança, privacidade e compliance de pacientes que recebem acidentalmente informações de outras pessoas – o que acaba sendo tratado como erro. O que não toleramos é o acesso de informações não autorizadas de registros de pacientes. Os empregados da Cleveland Clinic também são avisados a não usarem suas contas de e-mail pessoal para compartilhar informações dos pacientes. Diagnóstico – Há um limite nessa tolerância? Sinko – Existe uma diferença entre cometer um erro e decidir deliberadamente desobedecer regras. Muitos de nós, quando enfrentamos a escolha, decidiremos fazer a coisa correta. Contudo, pessoas comentem erros. E a saúde é muito dependente das pessoas nos negócios. Os médicos, enfermeiros e outros cuidadores não podem ser substituídos por robôs e máquinas, então erros acontecem. A questão é, quando estes erros acontecem, o que estamos fazendo para mitigá-los e ter certeza que eles não se repetirão no futuro? Uma das coisas que observamos quando investigamos uma questão é: a pessoa cometeu um erro ou foi uma de-

cisão deliberadamente escolhida? Se foi um erro, muitas vezes a questão pode ser conduzida com educação e treinamento. Obviamente, no entanto, se é um caso de infração intencional das regras, realizamos ações que podem culminar em uma demissão sumária. Não defendo que nunca tenhamos cometidos erros na Cleveland Clinic, justamente por isso temos um departamento de compliance. E o governo entende isso também. O que o governo quer saber é se as companhias estão fazendo algo para enfrentar e evitar esses erros – como treinamentos – ou estão paradas e vendo as coisas acontecerem. Na Cleveland Clinic, sabemos que a educação e o treinamento fazem a diferença. Diagnóstico – De que forma os fornecedores precisaram se adequar à filosofia de compliance da Cleveland Clinic? Sinko – Antes de fechar um contrato com um fornecedor, o setor de compra investiga a reputação da companhia. Se, por exemplo, a empresa está na lista de exclusão do governo, não a contrataremos. Uma vez selecionado, o fornecedor deve aceitar nosso código de conduta e realizar um treinamento online com questões sobre segurança, privacidade e compliance. Diagnóstico – A Cleveland Clinic tem uma estrutura montada para receber denúncias dos seus colaboradores de casos non-compliance. Como a instituição reverteu esta má imagem ligada ao denunciante – o “dedo duro” – em algo positivo? Sinko – Empregados podem escolher reportar casos non-compliance de forma anônima ou diretamente, ambos por telefone ou email. Descobrimos que os empregados ficam muito confortáveis em ligar diretamente porque levamos suas preocupações a sério e agimos. As pessoas são mais aptas a ligar e sabem que você fará algo para atender às suas preocupações. No curso das investigações das reclamações, protegemos a fonte e não divulgamos como descobrimos a falha. Diagnóstico – Médicos do Cleveland Clinic podem receber presentes de seus pacientes? Sinko – Presentes razoáveis de valor nominal são aceitáveis.


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Ricardo Benichio

YUSSIF ALI MERE JR, PRESIDENTE DO SINDHOSP

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Mais ética na Saúde. O mercado precisa. A sociedade exige.

Movimento pela Ética na Saúde

UMA INICIATIVA

APOIO

Revista

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GESTÃO TI

O DESAFIO DE IMPLANTAR O ‘ALL IN’ NA SAÚDE Muitas instituições de saúde, nos setores públicos e privados, já têm se movimentado para uma terceira onda de adoção de TI: a digitalização de sua empresa inteira, incluindo produtos digitais, canais e processos, bem como um sistema avançado de analytics que permite novos modelos de operação

Shutterstock/Editoria de Arte

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Stefan Biesdorf e Florian Niedermann adoção de um sistema de TI para a saúde tem, em geral, seguido o mesmo padrão das outras indústrias. Nos anos 1950, quando as instituições começaram a usar novas tecnologias para automatizar tarefas altamente padronizadas e repetitivas, como a contabilidade, a folha de pagamento, os pagadores e outros stakeholders de diversas indústrias, elas também começaram a usar a TI para processar uma vasta qualidade de dados estatísticos. Vinte anos depois, uma segunda onda de adoção de recursos em TI chegou e promoveu duas mudanças: ajudou a integrar diferentes partes de processos relacionados à manufatura e RH dentro de organizações individuais, por exemplo, além do suporte ao processo de B2B como uma cadeia de fornecimento para diferentes instituições dentro e fora de indústrias individuais. Quanto aos seus efeitos no setor de saúde, este segundo momento ajudou a fo-

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mentar, por exemplo, o electronic health card na Alemanha. A adoção da TI também foi um catalisador para a Health Information Technology for Economic and Clinical Health Act in the United States – um esforço para promover a adoção de tecnologias de informação na saúde americana – e o National Programme for IT in the National Health Service in the United Kingdom – também com o mesmo propósito. Independentemente de seus impactos imediatos, estes programas ajudaram a criar uma importante e poderosa infraestrutura que certamente será útil no futuro. Muitas instituições nos setores priva-

do e público já têm se movimentado para uma terceira onda de adoção em TI – a completa digitalização de sua empresa inteira, incluindo produtos digitais, canais e processos, bem como um sistema avançado de analytics que permite novos modelos de operação. Estes recursos já não se limitam em ajudar as organizações a fazer determinada tarefa melhor ou mais eficientemente. Afinal, as tecnologias digitais têm o potencial de afetar todos os aspectos da vida privada e comercial, permitindo escolhas mais inteligentes, possibilitando às pessoas gastarem menos tempo em tarefas que elas consideram valiosas e, frequentemente,


transformando fundamentalmente a forma que o valor é criado. Mas como a adoção desta terceira onda em TI acontecerá no setor de saúde? Players da indústria de saúde foram relativamente bem sucedidos e beneficiados pela primeira e segunda ondas. Mas eles tiveram que empreender uma luta árdua para gerir com sucesso uma série de partes interessadas, questões regulatórias, preocupações sobre privacidade para construir um sistema de TI em saúde totalmente integrado. Parte deste processo se deu porque o foco era maior em processo e menor nas necessidades dos pacientes. Contudo, programas como a rede de comunicação britânica N3 e a plataforma de segurança telemática da Alemanha criaram poderosas infraestruturas que tiveram o potencial de apoiar este novo momento de adoção de serviços digitais na saúde – mas apenas se os stakeholders seguirem corretamente os próximos passos. Agora que os pacientes ao redor do mundo estão utilizando de forma mais fácil as redes digitais e serviços, até mesmo para questões complexas e sensíveis como a saúde (websites bem sucedidos como DrEd, PatientsLikeMe e ZocDoc são apenas três exemplos desta tendência), acreditamos que o momento para o sistema de saúde, pagadores e provedores é de irem em direção ao “all in” em suas estratégias digitais. A questão, no entanto, é: de onde eles deveriam partir? Organizações que não estão relacionadas ao setor de saúde e que foram pioneiras na terceira onda da digitalização iniciaram por tentar entender o que seus consumidores realmente desejam. Elas então iniciaram a formatação dos seus produtos e serviços digitais baseadas nesta informação e metodologicamente expandiram suas ofertas e base de clientes. Acreditamos que este modelo funcionaria para o setor de saúde também. O sucesso do ‘all in’ na saúde depende muito do primeiro entendimento das preferências digitais dos pacientes nos canais e serviços. Muitas estratégias digitais em saúde, contudo, continuam conduzidas por mitos ou informações que não são mais reais. Entrevistamos milhares de pacientes de diferentes grupos etários, países, gêneros e classe social. Os participantes tinham diversos níveis experiência com recursos digitais. Nossa pesquisa reve-

lou surpreendentes visões sobre o que os pacientes realmente querem – o que pode por sua vez informar como as organizações de saúde começam sua jornada digital. Aqui, apresentamos cinco perspectivas: Mito 1: Pessoas não querem usar serviços digitais na saúde Muitos executivos do setor de saúde acreditam que, devido à sensibilidade natural dos cuidados médicos, os pacientes não querem usar serviços digitais, exceto em algumas situações especificas. Tomadores de decisão frequentemente citam dados que apontam para um uso relativamente baixo dos recursos digitais no setor de saúde. Na verdade, os resultados de nossas pesquisas revelam algo bastante diferente. A razão pela qual os pacientes são mais lentos em adotar estas ferramentas é primeiramente por conta da existência de serviços que não atendem às suas necessidades ou porque eles são de má qualidade. Em todos os países de nossa pesquisa, realizada este

ano na Alemanha, Cingapura e Reino Unido – foram ouvidos mais de mil entrevistados –, cerca de 75% dos pacientes consultados disseram que gostariam de usar serviços digitais em saúde, tanto quanto aqueles serviços que satisfazem suas necessidade e promovem um nível de qualidade esperado (Gráfico 1). Certamente, canais não digitais continuarão a ser relevantes e importantes, mas canais digitais terão que ser incorporados em um conceito de multicanal criteriosamente programado. Mito 2: Apenas pessoas jovens querem usar serviços digitais Um dos mitos mais recorrentes sobre a saúde é que apenas as gerações mais jovens querem usar os serviços digitais e, dessa forma, a saúde digitalizada não alcançaria a parte interessada de muitos sistemas. Nossa pesquisa mostra, contudo, que os pacientes de todos os grupos etários estão muito dispostos a usar serviços digitais em saúde (Gráfico 2). Na verdade, os pacientes mais idosos (aci-

Gráfico 1

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GESTÃO TI

Gráfico 2

Gráfico 3

ma dos 50 anos) querem serviços digitais tanto quanto os mais jovens. Mais de 70% de todos os pacientes da terceira idade no Reino Unido e na Alemanha querem usar serviços digitais em saúde. Em Cingapura, esse número é ainda maior. No entanto, existe uma diferença entre os tipos de canais digitais que pacientes mais jovens e idosos querem usar. Os anciãos preferem canais digitais tradicionais como os websites e e-mail, enquanto os mais jovens estão, previsivelmente, abertos a novos canais como as mídias sociais. Um recente relatório da União Europeia sugere que o tipo de serviço – e não apenas o canal – seria segmentado por idade. Pacientes mais jovens, certamente, querem acessar serviços relacionados à medicina preventiva, enquanto os mais idosos precisam de informações sobre serviços para condições crônicas e agudas. Mas ambos os grupos buscam informações no mesmo nível. Mito 3: mHealth é um divisor de águas O mHealth – a prática de saúde apoiada por dispositivos móveis – é frequentemente apontado como o futuro de serviços digitais em saúde. Contudo, nossa pesquisa mostra que a demanda por mHealth não é universal. Portanto, não é o único fator crítico para o futuro da digitalização do setor de saúde. Claro que existe uma demanda por aplicativos de mHealth, e é mais forte entre pessoas mais jovens. Os sistemas de saúde deveriam criar soluções mobiles específicas para esta audiência – por exemplo, apps que são focados no pré-natal ou aqueles que poderiam ser classificados como estilo de vida. Assim, é preciso ter cuidado com soluções que podem ter um grande impacto, mas não são de interesse do segmento em questão – aplicações digitais para administrar condições crônicas tipicamente são voltadas para os idosos, por exemplo. Mito 4: Pacientes querem características e aplicações inovadoras Os sistemas de saúde, pagadores e provedores frequentemente acreditam que precisam ser inovadores quando configuram a oferta dos seus serviços digitais. Mas a essência das expectativas dos pacientes sobre o sistema de saúde é surpreendentemente mundana: eles que-

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Shutterstock

EM BUSCA DE UMA IDEIA TRANSFORMADORA: muitas instituições de saúde pensam que é necessário ser grande para alcançar avanços tecnológicos de vanguarda, porém, é mais inteligente começar pequeno e agir rapidamente


rem eficiência, melhor acesso à informação e a integração com outros canais e, o mais surpreendente, a disponibilidade de uma pessoa real se o serviço digital não lhes dá o que precisam. Algo que nos leva a concluir que os serviços altamente inovadores, com os melhores aplicativos e mídias sociais, são largamente menos importantes para a maioria dos pacientes. Mito 5: Uma plataforma abrangente de oferta de serviços é um pré-requisito para criação de valor Ao entrar no mundo digital, muitas instituições – não apenas as do setor de saúde – pensam que é necessário ser grande antes que eles possam alcançar algo. Acredita-se, assim, que é preciso construir uma plataforma abrangente com ofertas ao longo de um espectro inteiro de serviços ao cliente. Mas nossas pesquisas revelaram que é mais inteligente começar pequeno e agir rapidamente. Surpreendentemente, ao redor do mundo, a maioria das pessoas quer a mesma coisa: assistência com as tarefas de rotina e navegar no sistema, muitas vezes complexos. Na Alemanha, Cingapura e Reino Unido, por exemplo – três países muito diferentes, com três sistemas de saúde distintos –, os pacientes frequentemente citam “encontrar e marcar consultas com médicos” como o serviço que eles mais precisam na área de assistência. Outra necessidade comumente citada inclui a ajuda para escolher o especialista correto e o apoio para tarefas administrativas repetitivas, como o preenchimento de prescrições. O que a maioria desses serviços tem em comum é que eles não exigem um investimento massivo em TI para serem iniciados. A terceira onda da digitalização em saúde: Primeiros passos Entender os mitos e realidades sobre o que os pacientes querem da saúde digital é capturar seu valor – mas por onde as organizações de saúde devem ir? Três passos podem ajudá-las a iniciar esta jornada em direção à terceira onda da digitalização. O primeiro passo é entender o que é que os pacientes realmente querem e a melhor maneira de atendê-los. Pesquisas e grupos focais podem ajudar aqui, assim como os concorrentes. As organi22

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PLAYERS DA INDÚSTRIA DE SAÚDE FORAM RELATIVAMENTE BEM SUCEDIDOS PELA PRIMEIRA E SEGUNDA ONDAS DE TI NO SEGMENTO DE SAÚDE. MAS ELES TIVERAM QUE EMPREENDER UMA LUTA ÁRDUA PARA GERIR COM SUCESSO QUESTÕES REGULATÓRIAS E PREOCUPAÇÕES SOBRE PRIVACIDADE. O FOCO ERA MAIOR EM PROCESSO E MENOR NAS NECESSIDADES DOS PACIENTES

zações de saúde podem combinar essa informação fazendo um levantamento de quais tipos de serviços eles podem substituir ou poderiam facilmente oferecer – muitas organizações estão surpresas de ver o quanto elas podem fazer com as suas capacidades tecnológicas existentes. Na sequência, as organizações deveriam segmentar seus serviços de acordo com critérios básicos como a quantidade de investimento exigido, a estimativa de demanda dos pacientes e o valor criado pelo serviço. As companhias devem também considerar a mudança de necessidades – o serviço fundamentalmente melhora algum aspecto da oferta de saúde? O ZocDoc criou uma aplicação simples para marcação de consultas e ganhou milhões de usuários em apenas alguns anos. Claramente, esta organização descobriu uma profunda necessidade não atendida na comunidade de saúde. Após superar a análise de critérios básicos – tão bem quanto as questões mais complexas de mudanças de necessidade –, uma organização pode implementar um ou dois resultados imediatos que, idealmente, impulsionam a experiência do paciente e constroem uma base de usuários significante. E finalmente, assim como organizações de outras indústrias, as companhias do setor de saúde deveriam continuamente adicionar novos serviços digitais para reter a atenção dos pacientes e construir valor. Uma vez que os pacientes estão familiarizados com a ideia geral do oferecimento de serviços digitais, as organizações podem começar a oferecer serviços mais complexos, tais como aplicativos de companhia de cuidados integrados ou registros mHealth. Isto segue o modelo de campeões digitais como Google e o Facebook, que conseguiram, através do uso de seus principais serviços, construir uma base de usuários significativa e, em seguida, oferecer mais serviços, aumentando continuamente a familiaridade de seus usuários – e, por sua vez, a intensidade com que eles os utilizam. Acreditamos que a indústria de saúde está no início da terceira onda na adoção de TI. E que agora é o momento derradeiro de progressão em direção às estratégias digitais. Entender o que os pacientes querem e o que é puramente um mito pode ajudar à pavimentar o caminho.


Brasil Healthcare Compliance

O mais importante evento de compliance do mercado de saúde brasileiro

27 Novembro | 2014 Hotel Tivoli Mofarrej São Paulo - SP

FRANCISCO BALESTRIN PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS HOSPITAIS PRIVADOS (ANAHP)

ARTHUR CHIORO MINISTRO DA SAÚDE

ROBERTO D’ÁVILA PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM)

JORGE ABRAHÃO PRESIDENTE DO INSTITUTO ETHOS

LUIZ ARAMICY PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE HOSPITAIS (FBH)

YUSSIF ALI MERE JR PRESIDENTE DO SINDHOSP

Sempre é importante ampliar o debate que os diferentes setores da saúde brasileira fazem à respeito de questões éticas. O Conselho Federal de Medicina está sempre disponível para contribuir com essa discussão ROBERTO D’ÁVILA - PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM)

CLÁUDIA COHN PRESIDENTE DA (ABRAMED)

EDSON ROGATTI PRESIDENTE DA CMB

PAULO FRACCARO PRESIDENTE DA ABIMO

CARLOS GOULART PRESIDENTE DA ABIMED

UMA INICIATIVA

Revista

Movimento pela Ética na Saúde

APOIO

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Ensaios

FRANCISCO BALESTRIN

GOVERNANÇA CLÍNICA: ÉTICA EMPRESARIAL PARA OS HOSPITAIS BRASILEIROS

O

modelo de gestão das empresas brasileiras meiro passo foi dado e certamente essa é a tendência do mercado. tem se modificado nas últimas décadas, e na Outro ponto importante é que muitas vezes confunde-se gosaúde este cenário não é diferente. A gestão vernança com gestão. A má gestão ou a falta de gestão na saúde baseada nas melhores práticas de Governão pode ser atribuída à governança. As empresas que adotam nança Corporativa e Clínica tem se tornado os princípios de governança são geridas de maneira mais transuma aliada importante para o desenvolviparente e equilibrada, mas a prática de governança não resolve mento do setor. todos os problemas de gestão. A Governança Clínica, em especial, tem ganhado cada vez Entre as instituições membros da Anahp, a Governança Clímais atenção nos hospitais brasileiros. Com origem do Sistema nica é objeto de discussões há algum tempo. Alguns hospitais já Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS – sigla em Inglês), aderiram à prática de maneira bastante madura, mas sabemos, o conceito tem como foco principal no entanto, que essa não é a realidade iniciativas voltadas para a melhoria da maioria das instituições de saúde da assistência, utilizando como prinno país, uma vez que, dadas as dicípios os processos de qualidade e gomensões e disparidades regionais, o Entre as instituições vernança organizacional. Brasil ainda precisa evoluir muito na membros da Anahp, a De acordo com a definição do qualidade e segurança do atendimenGovernança Clínica é próprio NHS, a Governança Clínica to ao paciente. Em 2011, cumprindo “é um sistema através do qual as orcom um dos objetivos da entidade, de objeto de discussões há ganizações são responsáveis por mecontribuir com a melhoria da qualidaalgum tempo. Alguns lhorar continuamente a qualidade dos de da assistência à saúde brasileira, a seus serviços e a garantia de elevados Anahp publicou o Manual de Organihospitais já aderiram padrões de atendimento, criando um zação do Corpo Clínico, que apresenà prática de maneira ambiente de excelência de cuidados ta, em um formato objetivo e amplo, bastante madura, mas clínicos”. Para alcançar esses resultaas diretrizes para a construção de uma dos, é importante que as instituições sabemos, no entanto, que relação saudável e duradoura entre de saúde sigam alguns pilares imporcorpo clínico e hospitais. essa não é a realidade da tantes, como: efetividade da intervenEm 2014, entendendo a compleção clínica, auditoria clínica eficaz e xidade do assunto e percebendo a nemaioria das instituições participativa, gestão eficiente do risco cessidade de aprofundar na discussão, de saúde no país de eventos adversos, educação e treiGovernança Clínica tem sido o tema namento de profissionais, desenvolviprincipal dos eventos da Anahp. A mento e pesquisa clínica e transparêndiscussão foi levada para diferentes cia em todos os processos. Parece simples, mas trata-se de uma capitais do país: o primeiro seminário aconteceu no Recife (PE) mudança na cultura das instituições de saúde. e o segundo em Curitiba (PR). Para finalizar as discussões, será Os princípios de governança no Brasil ainda são muito repromovido, entre os dias 3 e 4 de dezembro, o Fórum Internaciocentes. O próprio Instituto Brasileiro de Governança Corporativa nal Horizontes Anahp, que reunirá importantes nomes do setor (IBGC) tem pouco mais de 15 anos. Na saúde, ainda estamos e estudiosos sobre o tema. O evento acontecerá no Hotel Tivoli, engatinhando nesse processo, mas o mais importante é que o priem São Paulo (SP) 24

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Shutterstock/Editoria de Arte

OS PRINCÍPIOS DE GOVERNANÇA NO BRASIL AINDA SÃO MUITO RECENTES. O PRÓPRIO INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC) TEM POUCO MAIS DE 15 ANOS. NA SAÚDE, AINDA ESTAMOS ENGATINHANDO NESSE PROCESSO, MAS O MAIS IMPORTANTE É QUE O PRIMEIRO PASSO FOI DADO E CERTAMENTE ESSA É A TENDÊNCIA DO MERCADO. OUTRO PONTO IMPORTANTE É QUE MUITAS VEZES CONFUNDE-SE GOVERNANÇA COM GESTÃO. A MÁ GESTÃO OU A FALTA DE GESTÃO NA SAÚDE NÃO PODE SER ATRIBUÍDA À GOVERNANÇA.

Francisco Balestrin Presidente do Conselho de Administração da Anahp

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Divulgação

ARTIGO Eduardo Najjar

O Papel dos Conflitos nos Negócios Familiares

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parados para agregar valor ao negócio. Três regras básicas para contratação de pessoas, no negócio familiar: a) definição do perfil do cargo (e não da pessoa) que se deseja contratar; b) comparação das competências, habilidades e atitudes do candidato, com o perfil previamente desenhado, através de estratégias de seleção; c) observação estrita da regra de ouro para contratação: não contrate quem você não poderá demitir (é o caso da contratação de parentes, amigos e assemelhados), a menos que o processo de seleção revele compatibilidade total do perfil do cargo, com o candidato em questão. V. Definir formalmente, cargos, funções e responsabilidades – Nos negócios familiares existem sementes que podem dar origem a conflitos dentro do desenho da organização, pois é tênue a relação entre membros da família, cargos que ocupam e relações de hierarquia (relação chefe-subordinado). Um exemplo: se houver conflito entre dois membros da família porque um deles dá ordens para colaboradores da equipe de outro membro da família, será importante esclarecer a relação entre essas áreas, seus líderes e aclarar o mal-entendido, com uma negociação formal entre os dois membros da família. VI. Descrição das trajetórias de vida e encaminhar soluções de conflitos, na família e carreira: Planos – Estratégia que vem sendo discutida e aplicada, com grande empresária, é uma postura sábia e preventiva sucesso, mais recentemente. Tem como objetivo, não permitir a existência de ambiguidade no planejamento da vida ferramentas mais poderosas que movem as organizações. Ao criá- profissional de lideranças familiares, conforme as circunstâncias -la e compartilhá-la com os membros da família empresária, os do negócio da família, expectativas, interesses e habilidades pesdirigentes estarão trabalhando em favor da perenidade dos laços soais, do membros da família empresária. A descrição das trajetórias profissionais reduz a incerteza daqueles familiares que se familiares e perenidade da empresa. II. Criar regras para a família, visando o negócio – Todos os preparam para ocupar posições importantes na organização, mas membros da família empresária devem conhecer, ao menos, as também indica aqueles que não desejam tal trajetória. VII. Encapsular o conflito – É tentador para qualquer ser huquestões fundamentais do negócio e saber o que se espera deles, no papel de sócios ou futuros sócios. A família empresária deve mano envolvido em um problema, buscar alianças para compartidesenvolver um protocolo para tratamento das questões que envol- lhar insegurança e mesmo, frustrações. Esta atitude, no ambiente vam a convivência de seus membros, com o negócio. A existência de um negócio familiar pode aumentar a dimensão de um conflito, de regras claras, que sejam de conhecimento de todos os membros que poderia ser resolvido no âmbito das pessoas envolvidas. Imada família, possibilita reduzir as ambiguidades da convivência fa- gine a situação em que um familiar está à procura de parcerias para mília-negócios, aumentar a segurança do posicionamento familiar agir contra outro membro da família, no ambiente do negócio. A atitude correta seria encapsular o conflito e resolvê-lo diretamente e reduzir as eventuais disputas internas. III. Projetar uma organização profissional – Negócio familiar com o parente envolvido na questão. Membros de famílias empreorganizado, reduz significativamente o espaço para conflitos entre sárias envolvidos com a gestão dos negócios devem ter em mente sócios e familiares. No outro extremo, se estiver voltado para prio- a possibilidade de causar impactos não superáveis, sempre que tirizar a dimensão familiar (com o fim de atender às necessidades e verem a tentação de comentar situações profissionais, com outros expectativas da família empresária), deixará de atender – a médio membros da família, ou da organização. prazo – às demandas e especificidades do mercado, tornando-se estrategicamente vulnerável. IV. Incorporar pessoas competentes, à estrutura do negócio – Eduardo Najjar é expert brasileiro em family business, consultor e palestrante associado da Empreenda, coordenador do GrandTour Family Business Empresas são, em essência, as pessoas que nela trabalham. Para International, professor na ESPM e, além da Diagnóstico, é colunista do servi-la devem ser contratados profissionais competentes, pre- Blog do Management (Exame.com). egócios familiares detêm, em sua base, alta carga emotiva protagonizada pelos membros da família empresária que os controlam. Conflitos gerados por divergência de idéias e expectativas entre os membros da família empresária são comumente encontrados neste cenário. E são úteis, no contexto, pois apoiam o processo de acomodação das regras de convivência entre pais, filhos, sobrinhos, netos, demais parentes, e agregados. Observe que, conflitos não trabalhados, podem derrubar a harmonia do grupo familiar e, até, destruir o patrimônio familiar, a médio-longo prazo. Construir dinâmicas para abordar e encaminhar soluções de conflitos, na família empresária, é uma postura sábia e preventiva. A partir deste ponto, passo a discutir alguns aspectos que podem apoiar a prevenção de conflitos, ou solucioná-los, no dia-a-dia dos negócios familiares. I. Criar visão compartilhada do negócio – Visão é uma das

Construir dinâmicas para abordar

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Ricardo Benichio

ENTREVISTA JOSÉ LUIZ SETÚBAL SETÚBAL, DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO: resultado nas urnas mostrou que a visão assistencialista prevaleceu sobre a proposta de governança focada em resultados


“Nosso grupo político foi banido da Santa Casa de São Paulo” Candidato derrotado nas eleições da maior instituição filantrópica de saúde da América Latina, o médico José Luiz Setúbal previu a crise por qual passa a entidade, acredita que uma intervenção seria algo drástico, mas admite: “não há diálogo com a atual gestão” Reinaldo Braga Revista Diagnóstico – Há mais de dez anos, boa parte das Santas Casas em operação no país fecharam as portas ou profissionalizaram a gestão para continuar existindo. Qual o risco da Santa Casa de São Paulo não se reerguer? José Luiz Setúbal – Cada Santa Casa tem um problema diverso, apesar do mesmo nome, cada uma funciona de uma maneira e a solução para uma não necessariamente serve para todas. A Santa Casa de SP é uma exceção, tem hospital privado, tem OSS e tem SUS direto. É um hospital de ensino, de alta complexidade e estratégico para a saúde pública. Possui fontes alternativas de receitas e um patrimônio imobiliário enorme. Acredito que necessita de uma força tarefa envolvendo membros da sociedade, membros da irmandade e setores de governo, para que juntos possam ajudá-la a se reerguer. Existe o risco disso não ocorrer, mas com trabalho e uma reformulação geral pode ser reerguida Diagnóstico – O bate-chapa das últimas eleições que reelegeram a atua gestão foi uma evidência de uma crise política já instaurada dentro da instituição? Que peso essa divergência teve nos rumos da instituição? Setúbal – Não acredito em crise política na Santa Casa, mas em ideias diferentes de como conduzir a gestão. Tínhamos uma visão mais moderna, baseada no princípio de que uma instituição filantrópica deve gerar resultados. Do outro lado, havia uma visão mais antiga e focada no assistencialismo. Venceu a mais tradicional – o que era até esperado pela análise do colégio eleitoral, mais velho e tradicionalista. Não creio que essa divergência de ideias agravou a crise administrativa, uma vez que ela foi anunciada antes e que aconteceria, mesmo se não houvesse

[Perdi eleição porque] as minhas ideias eram muito inovadoras para a Santa Casa. Muitas pessoas tinham medo que a mudanças pudessem afetá-las e outras se sentiam em dívida com o atual provedor mudança de rumo na gestão, como, de fato, ocorreu. Diagnóstico – O senhor já tinha previsto esta crise em depoimentos e artigos publicados na grande imprensa. Ela ocorreu também na dimensão que o senhor imaginava? Setúbal – A surpresa foi a velocidade com que o agravamento do quadro se deu. Ainda assim, meu prognóstico era otimista, se as medidas corretas fossem tomadas. Meus depoimentos, sejam na imprensa, sejam na comunicação à irmandade, sempre foram para mostrar onde havia erros e como poderíamos solucioná-los. Sempre pela minha visão administrativa e no que eu acreditava ser o melhor para a Santa Casa, mas que não foi a visão escolhida. Diagnóstico – O senhor é a favor de uma intervenção no comando da San-

ta Casa? Setúbal – Não estudei o assunto, mas acredito que uma intervenção seria uma medida drástica e só aconteceria na descoberta de fatos muito graves. Diagnóstico – Há uma crítica comum sobre a incapacidade de médicos em gerir grandes serviços de saúde, principalmente quando o profissional continua exercendo a atividade médica. Poderia comentar? Setúbal – Muitos hospitais privados e públicos são bem administrados por médicos, e muitos possuem administradores hospitalares que não são médicos. Acredito que a pessoa que está na administração de um hospital ou de uma empresa necessita estar preparada para esta função, não importando a faculdade que tenha cursado. Diagnóstico – Por que o senhor acha que não conseguiu ser eleito? Setúbal – Acredito que as minhas ideias eram muito inovadoras para a Santa Casa. Muitas pessoas tinham medo que as mudanças pudessem afetá-las e outras se sentiam em dívida com o atual provedor. Diagnóstico – O senhor é a favor de uma mudança na lei para permitir que provedores recebam salários? Setúbal – Sou presidente de uma fundação e não recebo remuneração como nenhum presidente de fundação. No caso do provedor, ele não é o responsável pela administração, papel que cabe ao superintendente, que é um profissional contratado para isso. Na campanha, falávamos em reestruturação da governança corporativa baseada nas orientações do IBGC. Sou contra o amadorismo, acho que todos que cumprem funções profissionais devam receber por isto. Diagnóstico | mai/jun 2014

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Diagnóstico – Acredita que o modelo de votação que define os rumos das Santas Casas no Brasil é justo? Por que o senhor é a favor da reeleição? Setúbal – Só conheço os estatutos da Santa Casa de São Paulo e, por isso, não posso generalizar. Na plataforma de campanha, sugeríamos uma reeleição ou o aumento do mandato. Não acredito na perenidade de funções em instituições que não possuem “donos”, o que deve valer tanto para Santas Casas, quanto para entidades esportivas, por exemplo. São entidades frágeis, do ponto de vista de uma cultura de fiscalização. Justamente para isso é que servem as regras de governança corporativa. Diagnóstico – A receita que as Santas Casas bem geridas no Brasil adotaram é diminuir gradativamente a dependência dos recursos do SUS. Como seguir esta cartilha e manter o princípio primordial da filantropia? Setúbal – A filantropia no decorrer do tempo mudou. A Santa Casa fazia misericórdia e atendia gratuitamente os pacientes carentes até 1988 – o que seria impossível atualmente. Nos dias atuais, a filantropia se dá de uma forma menos assistencialista e mais em cooperação com os governos, como uma ONG. Acredito que quanto melhor for administrada a Santa Casa, melhor será seu retorno financeiro e mais pessoas poderão ser atendidas, com qualidade cada vez melhor. Diagnóstico – O senhor se limita a imputar na crise das Santas Casas apenas questões relacionadas a má gestão e governança. Há outros fatores ainda não conhecidos que podem explicar melhor esta crise? Setúbal – Nunca disse que só a má gestão é responsável pelas mazelas da Santa Casa. O subfinanciamento existe e é um problema para todos que atendem o SUS. Mas existem muitos hospitais filantrópicos que atendem SUS e a medicina suplementar e que estão em situações financeiras muito boas. O Hospital AC Camargo (SP) é um exemplo. Creio que existe uma miopia administrativa de que o governo deve resolver todos os problemas da Santa Casa de São Paulo. Como entidade privada e com fontes alternativas de receita, a instituição deveria diminuir a dependência ao SUS e procu30

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No dia seguinte à eleição, enviei uma carta pessoal ao sr. Abdalla. Encaminhei outra à irmandade e mais uma ao provedor. No documento, nos colocávamos – eu e alguns membros da minha chapa – à disposição do provedor da irmandade. Nunca recebi resposta rar sua verdadeira vocação filantrópica, universitária e de instituição de saúde. Diagnóstico – Houve uma avalanche de críticas à forma com que o anúncio da suspensão do atendimento da Santa Casa se deu, com os pacientes sendo as maiores vítimas do que, para muitos, foi uma tacada política para pressionar o governo a liberar mais recursos para a instituição. O que o senhor achou do episódio? Setúbal – Quem poderia responder isso é o atual provedor. Pelo que soube, o superintende estava de férias, fora do país. Acredito que se estivesse aqui, isso não teria ocorrido. Diagnóstico – O senhor acredita que a Santa Casa desperdiça recursos que recebe do governo? Qual o principal ponto de sangria que impede a sustentabilidade financeira da instituição? Setúbal – Acredito que eles confundem investimento com despesa. Por exemplo, gastaram mais de R$50 milhões para construir o prédio da faculdade e chamam de investimento. Na verdade, como nunca será pago pela faculdade, é uma despesa. O problema é que isso foi feito com dinheiro de empréstimo bancário, com juros muito altos. Pelos seis anos que atuei como membro da Mesa Ad-

ministrativa, penso que se houvesse um planejamento estratégico de médio e longo prazo, com regras de governança clara e com metas a serem cumpridas pelos gestores, esta sangria poderiam acabar. Diagnóstico – Há nepotismo nos quadros da Santa Casa de São Paulo? Setúbal – Outro dia li nos jornais que o filho do provedor trabalhou na Santa Casa, algo admissível caso houvesse regras claras de governança. Fala-se muito desse episódio nos corredores da instituição. Há, pelo que sei, processos correndo no Ministério Público a esse respeito. Diagnóstico – O senhor estaria presente em uma reunião convocada com o atual provedor para resolver os problemas da Santa Casa? Setúbal – No dia seguinte à eleição, enviei uma carta pessoal ao sr. Abdalla. Encaminhei outra à irmandade e mais uma ao provedor. No documento, nos colocávamos – eu e alguns membros da minha chapa – à disposição do provedor e da irmandade. Nunca recebi resposta. Algum tempo atrás, fui tomar um café com ele, e, a não ser o fato de que esse encontro foi divulgado pelos jornais, o diálogo não avançou. O encontro deveria ser repetido em três semanas, mas não ocorreu. Como se vê, da minha parte existe boa vontade. Diagnóstico – O senhor acredita que as divergências entre o bloco que o apoiou e o que elegeu o atual provedor podem ser superadas em prol da reestruturação da Santa Casa de São Paulo? Setúbal – Não só acredito como acho que seria fundamental, afinal, fazemos parte de uma irmandade, somos todos irmãos. Mas, em minha opinião, nosso grupo foi banido pelos vencedores. Coisas da vida. Diagnóstico – O senhor planeja se candidatar na próxima eleição ao cargo de provedor? Setúbal – Não desejava nem ser este ano, fui “convocado” pelos companheiros de chapa. Aceitei, pois minha fundação, que tem 3 anos e é gestora do Hospital Infantil Sabará e do Instituto Pensi, apresenta bons resultados em 2013, facilitando meu afastamento das funções administrativas. Não é meu desejo, mas às vezes algumas coisas se impõem na nossa vida. Sei das minhas responsabilidades.



ENSAIO PESQUISA

TOMA LÁ DÁ CÁ: conflitos de interesse entre quem investe (indústria de equipamentos e laboratórios) e profissionais de pesquisa não podem ser ignorados Shutterstock/Editoria de Arte

As pesquisas científicas e a influência da indústria

P Robert Pearl

ara melhorar o cuidado do paciente, os médicos confiam na pesquisa e informações publicadas. De acordo com uma reportagem da American Medical News, as revistas científicas continuam sendo as fontes de atualizações mais populares de informações médicas entre os profissionais de saúde. Estas publicações informam aos médicos sobre novas drogas e tratamentos, além de conter estudos revisados por seus pares, que são assumidos por pacientes e médicos como cientificamente precisos. No entanto, muitas vezes as descobertas das pesquisas não são científicas quanto deveriam ser. E algumas são fortemente tendenciosas. Estudos confirmam viéis na pesquisa

Em 2012, o relatório “O patrocínio da indústria e o resultado da pesquisa” concluiu que os estudos patrocinados por companhias farmacêuticas ou de equipamentos levam a “resultados e conclusões” mais favoráveis sobre os produtos estudados que os independentes. Um estudo recente da Harvard Medical School sobre os resultados em cirurgias plásticas concluiu que: “Estudos de autoria de grupos com conflitos de interesse são significati32

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vamente associados com relatos de complicações cirúrgicas menores e, portanto, descrevem resultados positivos da pesquisa”. Isto se confirma quando o mercado de fabricantes de produtos foi usado no estudo, de acordo o resumo do artigo. Talvez o estudo mais contundente venha do National Center for Biotechnology Information. Os autores identificaram 24 trabalhos revisados pelos médicos e publicados em revistas médicas altamente respeitadas. Cada estudo comparou dois diferentes tipos de equipamentos de sucção que ajudam a curar feridas mais rapidamente. Um equipamento usa um material esponjoso enquanto outro confia em uma interface envolvida em uma gaze. Os pesquisadores pediram a cinco cirurgiões independentes para lerem todos os 24 artigos e determinar que produto foi julgado como melhor em cada estudo. A conclusão: sete pesquisas pareceram favorecer o primeiro tratamento, 15, o segundo. Dois artigos não tiveram um julgamento definitivo. Agora, aqui está o inesperado

Dos 24 estudos, 19 foram financiados pelo fabricante de um dos dois equipamentos. E acredite se quiser, baseado nas determinações feitas pelos cirurgiões independentes, 18 dos 19 artigos recomendaram o produto feito pelo fabricante que financiou a


pesquisa. Somente um estudo financiado pelo fabricante foi classificado como tendo uma conclusão neutra. Jogue uma moeda 19 vezes e há uma chance a cada 524.288 de dar cara. Poderíamos esperar que, se os dois produtos alternativos forem relativamente equivalentes e a pesquisa realmente não-tendenciosa, o produto vendido pela companhia sem financiamento deveria ir para o topo na metade do tempo. Para não ter de ir contra o estudo da empresa, o financiamento da companhia gera chances quase impossíveis disso acontecer. Se eles não são equivalentes, o melhor produto deveria ser identificado em quase todos os estudos, independente das fontes de financiamento de cada um deles. Não existe uma forma de interpretar estes resultados, exceto assumir que os pesquisadores próprios foram influenciados a se basearem em quem paga pelos seus trabalhos. Resultados tendenciosos como estes iriam levantar bandeiras vermelhas em qualquer outro contexto. Eles teriam sinalizado algum tipo de influência inadequada. Os resultados científicos teriam sido rejeitados por revistas médicas. Mas não sobre estas circunstâncias. Como o viéis atinge a pesquisa médica

Nenhum fabricante é tolo o suficiente para demandar que investigadores cheguem a uma conclusão específica em sua pesquisa. Descobertas de uma relação “toma lá dá cá” poderiam resultar no maior escândalo para a empresa e o fim dos pesquisadores. A origem de uma tendência nos estudos financiados pelos fabricantes pode ser subconsciente, mas não menos efetiva. Pesquisadores e patrocinadores interagem em eventos, reuniões, durante o tempo em que o trabalho está sendo realizado e nos testes clínicos subsequentes. E a literatura em ciências sociais claramente demonstra que as pessoas têm um forte desejo de retribuir um presente. No mínimo, pesquisadores agradecidos inconscientemente querem “devolver um favor” para suas organizações financiadoras. Dada a constante pressão na academia por “publicar e perecer”, esta tendência poderia ser mais aberta na medida em que os pesquisadores temem perder seu financiamento – mesmo se uma ameaça nunca for explicitamente repassada. Independentemente da etiologia, a tendência dos pesquisadores e os resultados distorcidos são reais quando companhias médicas financiam estudos sobre os seus produtos. E se o viéis é consciente ou inconsciente, ele não é apropriado para qualquer contexto cientifico. Inibindo o viéis na pesquisa médica

Ao longo das últimas décadas, tentativas têm sido aplicadas para limitar a influência inapropriada das tendências nas pesquisas. Hoje, os pareceristas dos artigos e apresentadores de reuniões credenciadas são requeridos a divulgar qualquer financiamento pessoal beneficiado pela pesquisa. Eles devem também informar as operações financeiras com o fabricante - mas não qualquer um dos detalhes. Os pesquisadores que recebem financiamentos de subsídios federais devem registrar seus testes no clinicaltrials.gov e publicar seus resultados até quando as descobertas não forem a favor da organização financiadora. Já se foi o tempo em que os patrocinadores poderiam suprimir os resultados desfavoráveis e que ajudavam os pesquisadores a escrever seus trabalhos às vésperas da apresentação. Mas como os dados demonstram, o

PESQUISADORES E PATROCINADORES INTERAGEM EM EVENTOS, REUNIÕES E DURANTE O TEMPO EM QUE O TRABALHO ESTÁ SENDO REALIZADO. A LITERATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS CLARAMENTE DEMONSTRA QUE AS PESSOAS TÊM UM FORTE DESEJO DE RETRIBUIR UM PRESENTE. NO MÍNIMO, PESQUISADORES AGRADECIDOS QUEREM “DEVOLVER UM FAVOR” PARA SEUS FINANCIADORES sistema atual está longe de ser efetivo na garantia da integridade científica. As consequências negativas das pesquisas financiadas por fabricantes

Os médicos confiam nos dados publicados para determinar o melhor tratamento para seus pacientes. Quando a informação está contaminada por influências inapropriadas, os profissionais não podem promover o melhor cuidado possível. Como um resultado, os pacientes terminam tendo uma má qualidade no tratamento, aumentando as complicações e os custos. As entidades públicas e privadas poderiam tomar medidas para aniquilar as pesquisas médicas tendenciosas. Para começar, as revistas científicas revisadas pelos pares poderiam recusar a publicação de artigos financiados por uma empresa. Se os fabricantes querem um avanço no conhecimento médico, a competição entre companhias farmacêuticas e de equipamentos poderia contribuir para um financiamento de pesquisa comum e independente de uma indústria particular. Isso eliminaria o relacionamento fabricante-pesquisador da equação deste estudo. Alternativamente, uma pequena taxa poderia ser adicionada para os preços de venda de equipamentos médicos e remédios para integrar um fundo de pesquisa independente. Organizações como o National Institute of Health (NIH) poderia prever a distribuição destes recursos. Certamente, esperamos que os fabricantes resistam a estas mudanças. Afinal de contas, companhias farmacêuticas e de equipamentos aspiram conduzir a venda dos produtos, não produzir pesquisa imparcial. Mas os problemas criados pelo atual sistema são extremamente graves para aceitar o status quo. Precisamos parar de esconder nossas cabeças na areia. Os dados são claros. A mudança é essencial. Robert Pearl é médico formado pela Escola de Medicina da Universidade de Yale, com residência em cirurgia plástica e reconstrutiva na Universidade de Stanford, onde ensina estratégia, liderança e tecnologia. É colunista da revista Forbes. Publicado com autorização.

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DEBATE FÓRUM DE LÍDERES

O PRESIDENTE DO EINSTEIN E GRANDE ANFITRIÃO DO ENCONTRO, O MÉDICO CLAUDIO LOTTENBERG

Desafio global, soluções locais Evento realizado pelo Einstein, em São Paulo, trouxe alguns dos principais pensadores da saúde internacional para o Brasil, e um consenso: apesar dos desafios comuns, cada país precisará encontrar seu próprio caminho na melhoria da assistência e na redução dos custos

O

problema do financiamento da saúde é um desafio mundial, passível de ser superado, mas ainda sem respostas definitivas para um drama que atinge governos e iniciativa privada em todos os continentes: tornar o acesso à saúde de qualidade mais acessível, em meio a gastos cada vez mais crescentes. Este foi um dos principais consensos do 1º Fórum de Líderes do Setor da Saúde, promovido pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira (Sbibae). O encontro, realizado nos dias 15 e 16 de agosto, na capital paulista, reuniu alguns dos maiores nomes da saúde internacional, a exemplo da americana Elizabeth Teisberg, uma das autoras do best-seller Repensando a Saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir o custo, e Steve Brookes, líder de políticas públicas e gestão do badalado NHS inglês. “O encontro serviu para discutir, de maneira oportuna, o futuro da saúde brasileira, sob o prisma de soluções globais”, avaliou o presidente da Sbibae – e grande anfitrião do evento – o médico Claudio Lottenberg. “O acesso à saúde de qualidade, afinal, é uma das reivindicações prioritárias da população. É preciso buscar caminhos para assegurar um sistema de saúde mais efetivo e sustentável em nosso país”. Uma solução, que, na opinião de Elizabeth Teisberg pode estar no estímulo a franca competição no setor. “Um elemento im34

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portante sobre a sustentabilidade dos sistemas de saúde é a forma de remunerar os médicos, que ainda pensam apenas em termos de salários mais elevados”, defendeu Elizabeth, parceira do pensador Michael Porter, em Repensando a Saúde. “É preciso recompensar resultados que impulsionam um ciclo virtuoso de cuidado”. Em sua opinião, o pagamento por performance – um dos focos de sua palestra – permite que médicos se tornem mais eficientes, desenvolvam melhores técnicas, com ganhos importantes em escala. “Não existem soluções em forma de ‘commodities’ para o mercado de saúde”, ponderou Steve Brookes. “Apesar de desafios comuns, cada país deverá buscar suas próprias alternativas para a melhoria da qualidade de sua assistência”. Um exemplo condudente veio do debate conduzido pelo indiano Ravi Ramamurti sobre os custos da saúde na Índia. O país, um das referências emergentes em medicina de ponta, realiza procedimentos de alta complexidade com uma das menores relações tratamento/dólar investido do mundo. Uma cirurgia cardíaca não invasiva realizada no país, por exemplo, pode custar em hospitais indianos, com acreditação internacional, menos de U$ 800. Uma façanha, em parte, conseguida pela desvalorização da moeda local, a Rupia, em relação ao dólar, imposta pelo governo de Nova Deli. “Se combinarmos amor pelo que fazemos, excelência e disciplina financeira poderemos construir sistemas de saúde mais acessíveis”, acredita Ramamurti. “Espero que a experiência indiana possa ajudar o Brasil de alguma forma”.


Fotos: Ramede Felix

palestrante inglês Steve Brookes OO presidente da Anahp,

presidente da Anahp, Francisco Balestrin OO presidente da Anahp, Francis-

Renilson Rehen - ao centro (Hospital da Criança de Brasília

Os médicos Victor Nudelman e José Goldenberg (Einstein)

O indiano Ravi Ramamurti (Northeastern University - USA)

Cristiane Segatto (Época), Reynaldo Brandt (Einstein) e a escritora Elizabeth Teisberg

Luiz Vicente Rizzo - ao centro (Einstein)

Marcio Coelho, presidente da J&J

Maurício Ceschin e José Abrahão (ANS)

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Terra e o médico Milton Steinman OClaudio presidente da Anahp, Fran-

Beth Koike, Marcio Coriolano e José Cechin José (Fenasaúde) Beth Koike. Marcio Coriolano. Ce-

O gastroenterologista Márcio Dias de Almeida (Einstein)

O diretor de Medicina Diagnóstica do Einstein, Luis Roberto Natel, e o cirugião Sidney Klajner

John McDonough (Harvard)

Reed Tuckson e Lincoln Moura Jr. (Accenture)

O médico Silvio Possa (Einstein)

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O evento reuniu mais de 600 pessoas, em dois dias de debates


Webb (Accenture) OKippresidente da

Cordioli (gerente médico do Einstein Unidade Ibirapuera) OEduardo presidente da Anahp, Francisco Balestrin

(...?) A jornalista Cláudia Collucci (Folha de S. Paulo)

Valdesir Galvan, da AACD (direita)

Pierre Barker (IHI)

Adalton Capelo - de frente - (Beneficência Portuguesa)

O presidente do Sindhosp, Yussif Ali Mere Jr.

O Fórum de Líderes da Saúde foi realizado no auditório Moise Safra

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SAÚDE APLICATIVOS

A MEDICINA BASEADA EM APPS O que essa revolução silenciosa pode significar para a economia da saúde e como nações como EUA e Inglaterra estão lidando com a falta de regulação desse tipo de tecnologia Fotos: Divulgação

A Adalton dos Anjos

o final de uma consulta com o endocrinologista, um paciente diabético recebe uma prescrição que contém, além dos medicamentos, um aplicativo de rastreio de glicose, um vídeo sobre a doença e um PDF com uma dieta de restrição de açúcar personalizada, que pode ser acessado através do smartphone ou computador. Ao mesmo tempo, o médico envia um e-mail para todos os membros da família do paciente que os ajudará a administrar as taxas de glicose. Com o passar do tempo, mensagens são encaminhadas automaticamente para lembrá-lo a abrir e ler as prescrições digitais. Se necessário, a equipe de tratamento também envia conteúdos específicos para auxiliar o tratamento deste doente crônico. Apesar de parecer futurística, esta história não tem nada de ficcional. A prescrição de aplicativos de saúde ou a sugestão do uso dessa ferramenta como um complemento ao tratamento de pacientes já é uma realidade em

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países como os EUA e o Reino Unido. Sete entre dez americanos usam rastreadores de saúde e quase um terço dos donos de smartphones no país – cerca de 46 milhões de pessoas – baixaram pelo menos um aplicativo de saúde ou fitness em janeiro de 2014. Uma pesquisa da eClinicalWorks, desenvolvedora de soluções clínicas e ambulatoriais, aponta que 93% dos médicos acreditam que o mHealth tem potencial de melhorar os resultados em saúde e ajudar a reduzir custos, enquanto 33% dos entrevistados revelaram que prescrevem apps de saúde. Além da eficácia clínica, o uso desses softwares está diretamente relacionado à diminuição dos gastos com os cuidados dos pacientes, principalmente com os doentes crônicos. Um diabético que teve como prescrição o uso do DiabetesManager – um aplicativo que estima o índice de glicose no sangue a partir de dados inseridos pelo usuário, como alimentação e os remédios que tomou – pode trazer uma economia para as operadoras de saúde de até US$ 8 mil por ano. Segundo a WellDoc – desenvolvedora americana que patenteou

o aplicativo – um estudo realizado em 30 pacientes com diabetes tipo 2, o A1c (glicose no sangue) das pessoas que usaram a ferramenta, durante os três meses de estudo, reduziu em uma média de 2,03%, comparado com 0,68% daqueles que não adotaram o app. Nas lojas de aplicativos da Apple e Google, já existem mais de 100 mil aplicativos de saúde destinados a fornecer informações, além de fazer monitoramentos e rastreios. Em meio a este universo, sobram iniciativas que geram descrença no uso destas ferramentas. Softwares falsos, com informações desatualizadas e voltadas para o entretenimento, fazem com que haja a necessidade de um levantamento e avaliação desses aplicativos por especialistas. Há quatro anos, por exemplo, foi lançada a Happtique – uma startup fundada a partir de uma venture do Greater New York Hospital Association (GNYHA), associação criada em 1978 e que reúne mais de 300 hospitais e sistemas de saúde de Nova Iorque, Nova Jersey, Connecticut, Massachusetts e Porto Rico. A empresa, cujo nome é uma contração das palavras Health, App e Boutique, além


COREY ACKERMAN, PRESIDENTE E DIRETOR DE OPERAÇÕES DA HAPPTIQUE, STARTUP AMERICANA ESPECIALIZADA EM TESTAR APPS PARA SAÚDE: integração dos dados coletados dos pacientes para os prontuários eletrônicos

de catalogar e testar os apps, também mantém uma plataforma com um algoritmo próprio que permite completar o ciclo de prescrição de um aplicativo. “Nosso software atravessa o gap entre desenvolvedores e profissionais de saúde, além de permitir que os médicos prescrevam aplicativos e os enviem aos pacientes antes deles saírem do consultório”, disse à Diagnóstico o advogado Corey Ackerman, presidente e diretor de operações da Happtique, sem revelar seu número clientes. Segundo ele, a startup trabalha com alguns desenvolvedores de aplicativos de saúde e fitness para que no futuro seja possível que os softwares realizem upload dos dados coletados no dia a dia dos pacientes diretamente para os prontuários eletrônicos. O levantamento e revisão dos apps realizados pela startup americana é feito em três etapas. O primeiro critério está relacionado com a reputação da fonte, que deve ter o seu produto aprovado por uma sociedade ou organizações de saúde. Na sequência, os médicos avaliam a probabilidade do software criar uma mudança de comportamento. Por fim, questões relacionadas à segurança e precisão das informações são avaliadas. BIBLIOTECA DE APLICATIVOS – A catalogação dos aplicativos não é tarefa única da Happtique. O NHS – badalado sistema de saúde do Reino Unido – tornou-se o primeiro organismo público da Europa a incentivar o uso seguro e confiável dos apps. Lançado em março de 2013, o NHS Health Apps Library submete os softwares a uma checagem por profissionais de saúde que garantem a relevância e verificam os possíveis riscos causados pela ferramenta para os britânicos. Vários testes são realizados e perguntas, como a fonte de informação ou a possibilidade de oferecer recomendações médicas persona-

[No Brasil] A cultura dos médicos ainda é pequena e praticamente não há pesquisa na área dos aplicativos de saúde. Em geral, esses profissionais agem de forma repulsiva ou ficam com ‘cara de bobo’. No fundo, muitos deles continuam detestando que o paciente saiba mais do que eles RENATO SABBATINI, FUNDADOR DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFORMÁTICA EM SAÚDE (SBIS)

lizadas, são feitas pelos desenvolvedores, que precisam enviar um formulário com dados sobre o aplicativo. “Assim como esperamos que outras indústrias, como a aviação e o transporte, tenham padrões que garantam a segurança do público, é esperado o mesmo da saúde e setor de cuidados”, declara a diretora clínica do setor de segurança dos pacientes do NHS, Maureen Baker. “Com o mHealth não pode ser diferente. Por isso, nos preparamos para adotar a nova tecnologia seguindo padrões rigorosos de controle”. A biblioteca de aplicativos do governo britânico atualmente contém cerca de 250 apps classificados em quatro categorias – Doenças, Informações de Saúde, Vida Saudável e Assistência Social. A iniciativa faz parte de um esforço do Departamento de Saúde do Reino Unido que há dois anos solicitou aos seus clínicos gerais e médicos do NHS que incentivassem seus pacientes a

transmitirem as informações coletadas pelos softwares de saúde durante a consulta. Estima-se que 15 mil britânicos utilizem o mHealth. Mas a realidade britânica não é regra. E a falta de uma regulamentação específica para a criação e distribuição de apps de saúde tem sido um dificultador da popularização do uso desse tipo de recurso entre a comunidade médica. A FDA, nos EUA, divulgou no final do ano passado um guia de orientação para alguns segmentos de health app, vista por muitos como uma “desregulamentação”. O órgão indicou que não regulamentará os softwares e deixou um caminho aberto para a inovação de aplicativos móveis na saúde e na indústria médica. O posicionamento da FDA reflete a dificuldade das autarquias nacionais de saúde em fiscalizar a comercialização dos aplicativos, já que a montagem de um sistema para avaliar e testar estas ferramentas seria extremamente dispendiosa. O biomédico Renato Sabbatini, um dos primeiros pesquisadores em bioinformática do Brasil e fundador da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), questiona se os apps de saúde estariam mais próximos da configuração de um livro ou de um equipamento. Caso as regras sejam as mesmas de um livro, a atuação seria pós-dano, quando o processo judicial seria aberto contra os autores depois do consumo. Se o aplicativo for submetido às regras de um equipamento médico, seria preciso definir normas semelhantes às aplicadas a aparelhos como um respirador automático ou um eletrocardiógrafo. “Se ele for considerado um dispositivo, a Anvisa vai regulamentar e o mercado vai fechar”, alerta Sabbatini. Enquanto o mercado for totalmente livre, será possível ver em uma mesma “prateleira” apps extremamente úteis e uma maior concorrência no mercado – o que é muito bom. Por outro lado, a falta de regulação abre espaço para inventos que podem até mesmo por em risco a vida do paciente. “Já vi um aplicativo que dizia que se a pessoa realizasse o download e ficasse olhando para ele por 15 minutos, ela estaria curada de todas as doenças”, conta Sabbatini. Para alguns pacientes, a “posologia” poderia perfeitamente significar que ele não precisaria tomar mais seus Diagnóstico | mai/jun 2014

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SAÚDE APLICATIVOS medicamentos de uso contínuo – o que seria temerário. Um caso emblemático, cometido por um grande hospital paulista na hora de explorar os apps, revela o terreno movediço que ainda é o uso de apps no setor de saúde. Segundo Sabbatini, a instituição – cujo nome ele prefere preservar – desenvolveu um software para smartphones e tablets voltado para pacientes diabéticos que precisavam de insulina, e o disponibilizou em seu site. Depois que os médicos foram convidados a divulgar a ferramenta para o público, descobriu-se uma falha no algoritmo que poderia levar os usuários a um grave quadro de hiperglicemia. A unidade hospitalar, segundo ele, cometeu dois graves erros. O primeiro ao não testar app e o segundo ao distribuí-lo através do site, e não pelas lojas de aplicativos, onde seria possível atualizar automaticamente a solução mobile e corrigir o problema. Sem saber quem tinha baixado o programa, o grande temor era que os pacientes diabéticos que apresentassem problemas após o uso da ferramenta resolvessem processar o hospital. CERTIFICAÇÃO – Nos EUA, a própria

Happtique foi obrigada a se dedicar apenas a catalogar e testar os apps de saúde, depois de uma malfadada tentativa de criar um programa de certificação para o mercado. À época, os custos para a verificação de cada app giravam em torno de US$ 2.500 a $ 3.000 e o modelo de preços levantou uma série de questionamentos sobre a integridade da certificação. “Se as pessoas que eles estão certificando estão pagando por isso, logo, elas são clientes da Happtique”, questionou Harold Smith III, CEO da Monkton Health, empresa de TI, em seu blog mHealth and Mobile Development. O executivo levantou dúvidas quanto à proteção dos dados de dois aplicativos que já tinham sido certificados pela startup nova-iorquina. Ele também descobriu que informações como nomes de usuários e senhas eram arquivadas e enviadas em formato de textos. Uma falha incompatível para uma empresa que testa a segurança dos dados dos aplicativos em seu programa de certificação. Questionado sobre a suspensão e os problemas envolvendo o programa, Ackerman assumiu as limitações inerentes ao processo de testes, que não per40

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Divulgação

UNIDADE DO NHS, EM LONDRES (INGLATERRA): primeiro organismo público da Europa a incentivar o uso seguro e confiável dos apps na saúde

mitia assegurar padrões de certificação compliance, sobretudo com desenvolvedores de versões de aplicativos recém-lançados. “O programa começou com várias organizações de porte nacional e era dependente de submissões de app de desenvolvedores voluntários”, justificou. “Não poderíamos garantir uma revisão de todos os aplicativos clínicos e por isso suspendemos o programa de certificação”. Sem uma certificação que resolva o problema da desconfiança da qualidade e


Assim como esperamos que outras indústrias, como a aviação e o transporte, tenham padrões que garantam a segurança do público, é esperado o mesmo da saúde e setor de cuidados. Com o mHealth não pode ser diferente. Por isso, nos preparamos para adotar a nova tecnologia seguindo padrões rigorosos de controle MAUREEN BAKE, DIRETORA CLÍNICA DO SETOR DE SEGURANÇA DOS PACIENTES DO NHS INGLÊS

efetividade do uso de aplicativos na assistência, a recomendação de um app por um médico torna-se uma tarefa árdua. No Brasil, a prescrição dos softwares é algo raro entre a classe médica. “A cultura dos médicos ainda é pequena e praticamente não há pesquisa na área dos aplicativos de saúde”, critica Sabbatini. Ele também relata os casos dos pacientes que vão ao consultório com o app instalado no smartphone e querem saber a opinião do médico sobre a ferramenta. “Em geral, os médicos agem de forma repulsiva

ou ficam com ‘cara de bobo’. No fundo, muitos deles continuam detestando que o paciente saiba mais do que eles”, afirma. Mas, como tornar os apps de saúde ferramentas confiáveis na rotina dos profissionais de medicina e pacientes? Na opinião do ortopedista Chao Lung Chih, professor associado e chefe da disciplina de Telemedicina na USP, os aplicativos ainda não podem ser prescritos, embora alguns tenham embasamento, porque falta validá-los. “É preciso criar protocolos de investigação e este processo deve ser

conduzido em hospitais universitários e faculdades de medicina”, defende. Sobre a confiabilidade destes softwares, o acadêmico acredita que os desenvolvedores precisam cada vez mais especificar o serviço agregado com o objetivo de evitar imprecisões e falhas. No entanto, a criação dos apps está desvinculada do ambiente acadêmico e, muitas vezes, não segue a experiência da indústria farmacêutica. Egressos de cursos ligados à informática, prontos para criar startups e se transformarem em milionários no Vale do Silício, muitas vezes desenvolvem software de saúde muito pouco efetivos. A ideia de um aplicativo enviar automaticamente ao médico um e-mail todas as vezes que a glicose do seu paciente apresentar valores elevados é totalmente irrealista, na visão de especialistas. Na verdade, estes dispositivos tendem a gerar o fenômeno do quantified-self (eu-quantificado – em tradução literal), uma espécie de histeria coletiva Diagnóstico | mai/jun 2014

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em busca da coleta de dados obtidos a partir da mensuração de todos os hábitos diários através das tecnologias móveis. Outra consequência seria o abandono destas ferramentas após alguns meses. “Isso provoca uma fadiga do conhecimento e a indicação do uso destes aplicativos deve ser bem precisa”, destaca Sabbatini, que também lamentou o fato de o Brasil estar no ponto zero quanto à avaliação de aplicativos. MÉDICOS E DESENVOLVEDORES –

Para Ackerman, da Happtique, os desenvolvedores já perceberam que a indústria da saúde digital evoluiu e dão mais valor à integração dentro do sistema formal de saúde clínica e fluxo de trabalho dos médicos. “Os desenvolvedores têm construído apps com APIs abertas, que permitem terceiros a se integrar e acessar dados coletados”, avalia. “Por outro lado, vemos hospitais e instituições acadêmicas envolvidas na criação das soluções que permitem a captura de dados gerados por pacientes”. A aproximação entre desenvolvedores de apps e médicos foi a aposta do Medical App Journal, um site (www.medicalappjournal.com/) sem fins lucrativos que tem como objetivo revisar as ferramentas criadas para o uso dos provedores. O processo de avaliação é realizado tanto pelos especialistas do setor de saúde, quanto por profissionais de informática através de determinadas diretrizes. “Esse alinhamento é muito importante, até porque os desenvolvedores têm alguns dos melhores insights a acrescentar”, afirma o editor do Medical App Journal e ortopedista Dan Rhon. Qualquer médico pode se habilitar para avaliar um aplicativo de saúde no site, basta que suas credenciais sejam aprovadas pelos editores. Um misto de preocupação e interesse marca a avaliação de médicos, acadêmicos e especialistas sobre o uso de aplicativos do setor de saúde. Mais do que a acurácia nas informações e efetividade dos dados obtidos através dos dispositivos, outras barreiras precisam ser transpostas. A primeira delas é a inserção destes recursos na cultura médica, e que passa pela maior integração de especialistas em informática e do setor de saúde com a academia e iniciativas público-privadas. Outro ponto é a necessidade do controle dos apps adequando-os ao Código de Ética Médica – é preciso garantir, por exem42

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plo, a proteção de dados que podem ser acidentalmente perdidos. Somente nos últimos três anos, 25 milhões de pacientes norte-americanos, 10% da população, já tiveram seus dados violados por falta de uma política de segurança e proteção. A sinergia entre desenvolvedores e a indústria farmacêutica também pode ajudar a tornar os aplicativos mais úteis e efetivos, a exemplo de softwares que auxiliem no tratamento de condições específicas e na administração de cuidados – um dos maiores desafios do setor de medicamentos. Outro mercado que vê com bons olhos o desenvolvimento dos apps de saúde é o de operadoras. Uma

DAN RHON, EDITOR DO MEDICAL APP JOURNAL E ORTOPEDISTA: necessidade do controle dos apps adequando-os ao Código de Ética Médica ainda continua sendo um dos maiores desafios para a difusão do mHealth

pesquisa nos EUA aponta que 1,7% das readmissões em menos de 30 dias são resultantes do uso equivocado por parte dos pacientes da medicação prescrita – um erro facilmente evitável através do uso de um app de rastreio ou lembrete e que pode economizar até US$ 2 mil por dia. Apesar da desconfiança por parte dos profissionais de saúde, a indústria de health app é um mercado estabelecido e com previsão de movimentar US$ 26 bilhões em todo o mundo até 2017. Além disso, a estimativa é que até 2018, 50% dos mais de 3,4 bilhões de usuários de smartphones e tablets farão download de aplicativos de saúde. No Brasil, este segmento ainda tem se comportado de forma muito tímida, do ponto de vista da produção dos softwares. Com mais de 35 milhões de smart-phones vendidos somente em 2013 no país, já é hora de pesquisadores, executivos e médicos assumirem o desafio de explorar de modo mais consistente os apps de saúde.


Informe Publicitário

Atenção Domiciliar:

“Conquistamos a confiança do mercado através de uma assistência médica bem prestada”

1- O Serviço de Home Care, também chamado de Internação Domiciliar, ainda não é amplamente conhecido no estado da Bahia. O senhor pode falar um pouco sobre este serviço? Eu diria que o serviço de Internação Domiciliar não é amplamente conhecido no Brasil. Primeiramente, isso se deve ao fato de ser um serviço relativamente jovem se considerarmos que os Hospitais como unidades de saúde existem há mais de 100 anos, enquanto que a história da internação domiciliar no Brasil se propagou na década de 80. A Internação Domiciliar é uma alternativa à Internação Hospitalar, desde que o paciente tenha um diagnóstico firmado, um plano terapêutico definido e esteja estável clinicamente. Qualquer paciente que preencha estas características poderá ter seu tratamento realizado em casa. Além da internação domiciliar que são serviços hospitalares realizados em domicílio, os serviços ambulatoriais também podem ser realizados através de atendimentos no domicílio, a exemplo de consultas médicas, seções de fisioterapia e aplicação de medicações parenterais, dentre outros 2- Quais os principais benefícios da Internação Domiciliar para o paciente e para o segmento de saúde? Para o paciente, o ambiente domiciliar é mais seguro e saudável, pois evita o risco de infecções hospitalares. Além disso, o convívio direto com os familiares favorece a recupera-

ção. Para o segmento de saúde, é uma poderosa ferramenta de gestão além de ser menos custosa que a Internação Hospitalar. A carência de leitos hospitalares no Brasil, principalmente na Bahia, é tão grande que seriam necessários investimentos altos na construção e ampliação das unidades, além de levar muito tempo para suas conclusões. Estima-se que cerca de 30% dos leitos clínicos dos Hospitais estejam ocupados por pacientes que poderiam estar se tratando em seus domicílios. 3- A indicação de pacientes para a Internação Domiciliar tem aumentado nos últimos anos. Como o Sr. percebe a viabilidade econômica e o futuro deste segmento? Como disse antes, a Internação Domiciliar bem indicada e com um plano terapêutico bem definido com início e fim, é uma importante ferramenta de gestão que garante sustentabilidade ao segmento de saúde. Não vejo a Internação Domiciliar como um custo novo ao sistema de saúde; vejo como uma alternativa ao custo hospitalar para os pacientes que nela estão. 4- A ASSISTE VIDA existe há aproximadamente 6 anos e vem se destacando no segmento local. A que o Sr. atribui este crescimento? A Assiste Vida já surgiu com gestores que acumulavam uma experiência de mais de 10 anos em Atenção Domiciliar. Isto fez com que a empresa investisse desde cedo no aprimoramento dos colaboradores envolvidos

Dr. Leonardo Salgado. CRM BA-13985. Sócio e Diretor Técnico da Assiste Vida.

para lidar com todas as particularidades do serviço, além de ter um bom entendimento do que o mercado precisava. A confiança do mercado nós conquistamos através de uma assistência médica bem prestada, associada a uma obstinação no cumprimento dos planos propostos para cada paciente, pois o segmento precisa desta previsibilidade. Isto tem trazido credibilidade para a Assiste Vida. Entendo que os altos índices de satisfação que estamos obtendo junto aos pacientes assistidos e aos seus familiares, podem ser atribuídos à qualidade dos nossos serviços, à uma comunicação adequada e à uma assistência humanizada. A comunicação na Atenção Domiciliar é muito peculiar. Além disso, desde o seu nascimento a Assiste Vida vem se especializando no cuidado com um público alvo muito específico e trabalhoso, que são os pacientes com indicação de medicina paliativa. Nossa equipe multidisciplinar encontrou neste desafio uma paixão que move a todos. Este gostar de cuidar, é uma característica da nossa empresa.


Divulgação

ENTREVISTA CAMILA MORSCH

“O debate sobre a inclusão de minorias ainda não foi feito no mercado de Saúde” Para a ativista Camila Morsh, especialista em equidade de gênero, a inclusão da força de trabalho de mulheres, negros e LGBT – sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros – ainda é prioridade distante no Brasil

“A Mara Rocha

inclusão, não só de mulheres, mas de LGBT, pessoas com deficiência e negros nas empresas ainda continua sendo um desafio universal”. Quem afirma é a brasileira, membro do Grupo Assessor da Sociedade Civil para a ONU Mulheres no Brasil, Camila Morsch. No mercado de saúde, a realidade não é diferente. “A cadeia produtiva do setor tem se destacado mais em agendas tradicionais da sustentabilidade, como a gestão de energia e de resíduos, bem como na discussão sobre o custo da saúde”, analisa ela. “A equidade de gênero não é prioridade”. Para Camila, a discussão sobre o papel das minorias no mercado de trabalho brasileiro só ganhou fôlego há cerca de 10 anos, com a introdução das cotas raciais – consideradas pela feminista um marco na história recente do país. Nos EUA, onde viveu por quase seis anos, o debate sobre a equidade de gênero virou até assunto de pesquisa da Escola de Negócios de Harvard. Um estudo, realizado em 2010, demonstrou que as estudantes tinham dificuldade no curso por não encontrarem um ambiente favorável para desenvolver os seus respectivos talentos. “As alunas não se sentiam confortáveis, por exemplo, em participar ativamente das aulas, intimidadas pela atuação dos homens e pelo método competitivo de ensinar”,

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salienta Camila, que entre 2006 e 2009 foi diretora adjunta do fórum de discussões African American Policy Forum (AAPF), da Universidade de Columbia, Nova Iorque. O estudo mostrou também que, além disso, as mulheres se sentiam mais à vontade realizando trabalhos em equipe. Após algumas adequações simples, como a instalação de microfones na sala de aula e avaliações por meio de trabalhos em grupo, o rendimento delas melhorou. “O estudo de Harvard comprovou que a promoção da equidade de gênero não se resume apenas a uma questão numérica”, avalia Camila, que é PhD em Direito pela Universidade de Canterbury (Itália). Em São Paulo, onde vive, a feminista concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico. Revista Diagnóstico – O Brasil avançou na questão da equidade de gênero? Camila Morsch – Existem vários campos de atuação pela equidade de gênero. No âmbito das empresas, há atualmente uma movimentação muito grande de mulheres empresárias, executivas, jovens líderes, dedicadas a debater o tema. Um exemplo disso é a Maria Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, que vem defendendo veementemente as cotas para mulheres em conselhos de administração. É muito importante ter essa movimentação no topo. Vemos também o governo se mexendo, através das cotas no serviço público, e se movimentando para passar legislação

CAMILA MORSCH E A VISÃO ETICONÔMICA: empresas de capital aberto com mais mulheres na liderança têm melhor performance financeira


Adalton dos Anjos

de incentivo para as empresas que promoverem a igualdade de gênero. Essa mobilização é, com certeza, um avanço. Diagnóstico – E o que ainda falta? Camila – É preciso um aprofundamento do discurso mais estrutural sobre o papel da mulher no imaginário da sociedade brasileira. É mais comum dentro das empresas o discurso da qualificação e não, por exemplo, o de transformação dos ambientes empresariais como espaços mais favoráveis ao desenvolvimento da mulher, de uma maneira mais justa e menos onerosa. A carga da dupla jornada para nós, que muitas vezes somos

forçadas a sair do mercado de trabalho, é um exemplo de conquista à espera de se tornar realidade. O discurso da qualificação precisa existir, claro, mas não se pode dissociá-lo de um olhar mais estrutural de adequação do ambiente social. Diagnóstico – Quais os casos mais comuns de desfavorecimento da mulher nas empresas? Camila – Nas reuniões em que uma mulher participa, geralmente ela não é escutada da mesma forma que os homens, além de ser colocada numa posição de subserviência. Mesmo ocupando um

posto de comando no executivo, ela pode acabar atuando como secretária de seus colegas homens, produzindo ata, fazendo reservas, organizando viagens. Não se trata de um papel demeritoso, desde que não seja sempre a mulher a realizar tais tarefas. Além disso, temos uma organização social que ainda faz das mulheres a principal responsável pela casa e filhos, dedicando muito mais horas ao trabalho doméstico do que o homem. Para as mulheres casadas com homens, esse fator, muitas vezes, a impossibilita de seguir seus próprios sonhos de carreira. Portanto, falar em mulher em posição de comando impliDiagnóstico | mai/jun 2014

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ENTREVISTA CAMILA MORSCH ca dar as condições para que essa pessoa, que se dedicou, batalhou e venceu barreiras, possa exercer a profissão de maneira tão tranquila quanto o homem, que geralmente não tem dupla jornada. Diagnóstico – Pode explicar o conceito de visão eticonômica? Camila – O que mais se tem argumentado para convencer o empresariado sobre a equidade de gênero é a versão de economia inteligente, que quantifica o valor da mulher dentro da organização, afirmando, por exemplo, que as empresas de capital aberto com mais mulheres na liderança têm melhor performance financeira, medida pelo crescimento proporcional de seu valor de mercado, como constatou estudo do Credit Suisse. Ou, empresas com mais mulheres no quadro funcional costumam ser mais produtivas. As mulheres também consomem mais do que os homens e costumam ter o poder de decisão na hora da despesa. É bom tê-las no quadro da empresa, por serem boas conhecedoras do mercado. Todos esses argumentos são importantes e ajudam no convencimento do empresariado. Daí a visão eticonômica, que envolve as bases fundamentais dos direitos humanos e também das mulheres, aliadas à questão econômica. Mas, quando adotamos esse discurso, não podemos esquecer que a equidade de gênero não deve ser tratada como uma agenda voluntária e de fins puramente econômicos, porque a não discriminação é uma questão de direito. E a não discriminação requer um olhar específico e sensível para questões de gênero. Todos temos direito de trabalhar em um ambiente livre de discriminação. Para isso, existe um marco regulatório do direito das mulheres, há as diretrizes da ONU e, acima de tudo, o direito fundamental à igualdade de todas as pessoas. A empresa que não garante um ambiente não discriminatório acaba por violar direitos, isso é claro. Como esse direito costuma ser violado de forma mais recorrente? Camila – Quando não existe equiparação salarial entre homem e mulher, quando se vê mais homens do que mulheres sendo sistematicamente promovidos, nos casos de assédio moral e sexual contra a mulher, mesmo que das formas mais sutis, muitas vezes 46

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O setor de Saúde tem se destacado mais em agendas tradicionais da sustentabilidade, como a gestão de energia e de resíduos, bem como na discussão sobre o custo da saúde para todos. O debate sobre o papel da mulher no setor de Saúde, seja como profissional ou como cliente, ainda não foi feito de forma satisfatória

naturalizadas pela sociedade brasileira. Da mesma forma, viola a lei a empresa que não respeita o direito da mulher ao trabalho após a licença maternidade, que não respeita o direito da criança ao aleitamento materno. É preciso reiterar, portanto, que a empresa não tem que promover a igualdade como uma questão voluntária, mas porque é obrigação dela. Há um dever de conformidade e de direito muito maior. Existe ainda um risco, um passivo para as empresas que não se adequarem. Todo abuso requer remediação extra-judicial. Diagnóstico – Há setores da economia em que as mulheres conseguiram avançar mais? Camila – Podemos dizer que há setores que estão mais avançados na aplicação de princípios e práticas de responsabilidade social e empresarial como um todo. Por consequência, a diversidade e a inclusão de mulheres nesses setores têm vindo junto, trazendo consequências positivas, gerando um ciclo virtuoso. A indústria extrativista, o varejo e

o setor têxtil têm avançado bastante na agenda de responsabilidade social e direitos humanos. Até porque tratam-se de setores envolvidos em debates de grande repercussão, como o trabalho escravo e não regularizado, além da própria legislação ambiental. Some-se ainda as áreas de extração de óleo, gás e minério. Em todas essas esferas, as mulheres estão envolvidas, seja como trabalhadoras, chefes de família ou consumidoras. As empresas têm entendido o valor de ter mulheres pensando suas operações. Diagnóstico – Como se dá essa penetração no mercado de saúde, onde a presença feminina nos quadros de assistência é tão grande? Camila – O setor de saúde tem se destacado mais em agendas tradicionais da sustentabilidade, como a gestão de energia e de resíduos, bem como na discussão sobre o custo da saúde para todos. O debate sobre o papel da mulher no setor da saúde, seja como profissional ou como cliente, ainda não foi feito de forma satisfatória, principalmente quando comparado com outros setores da economia que abraçam a diversidade a partir de uma agenda mais ampla. A inclusão, não só de mulheres, mas de LGBT – sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero –, pessoas com deficiência e negros nas empresas é um desafio universal que ainda demanda um olhar específico por parte do empresariado brasileiro. Diagnóstico – Os Estados Unidos continuam sendo uma referência na luta pela inclusão das minorias? Camila – O número de mulheres americanas em cargos executivos e na política é muito maior do que no Brasil. Esse fator é um indício de que os EUA avançaram mais rapidamente do que o nosso país no assunto. Mas, sem ter um olhar integral dos ambientes onde as mulheres estão operando, não podemos afirmar que o país seja um exemplo para a promoção da equidade de gênero. Foi somente em 2010, por exemplo, que um estudo da Escola de Negócios de Harvard demonstrou que as estudantes tinham dificuldade no curso por não encontrarem um ambiente favorável para desenvolver os seus respectivos talentos. A pesquisa, muito emblemática, comprovou que a forma como estavam


estruturadas as aulas e avaliações favoreciam os homens, em detrimento das mulheres. Diagnóstico – O que de mais relevante o estudo revelou? Camila – As alunas não se sentiam confortáveis, por exemplo, em participar ativamente das aulas, intimidadas pela atuação dos homens e pelo método competitivo de ensinar. Além disso, a instituição constatou que as mulheres se sentiam mais à vontade realizando trabalhos em equipe. Após algumas adequações simples, como a instalação de microfones na sala de aula e avaliações por meio de trabalhos em grupo, o rendimento delas melhorou. O estudo de Harvard comprovou que a promoção da equidade de gênero não se resume a uma questão numérica e que é necessária uma reestruturação do ambiente para que as mulheres atuem da melhor forma possível. Esse é um pequeno exemplo de como estão estruturadas as empresas, em uma lógica desenvolvida por homens e para homens, sem levar em consideração as condições para o desenvolvimento das mulheres. Diagnóstico – Como é essa realidade do Brasil? Camila – Estamos ainda engatinhando no assunto, apesar dos avanços registrados nos últimos anos e dos movimentos sociais de mulheres, pioneiros desde os anos 60. Uma parte dessa nova movimentação em torno da igualdade de gênero, seja dentro das empresas, no serviço público ou na política brasileira, ganhou fôlego com o debate sobre a introdução das cotas raciais, um marco histórico que ajudou a avançar no debate. Portanto, uma discussão que, de forma mais robusta, começou há cerca de 10 anos. O atraso brasileiro na questão da equidade de gênero também está relacionado à história de tradição escravocrata do Brasil, de grande herança patriarcal e também de uma hiper sexualização das mulheres negras, uma boa parte da nossa força de trabalho. Veja, por exemplo, como na literatura e nos personagens da televisão é difícil encontrar histórias de mulheres líderes empresárias no nosso país, muito menos de mulheres negras. Portanto, o imaginário social brasileiro, em relação a seus líderes, ainda está muito focado nos homens. Em outras palavras, é importan-

Não podemos esquecer que a equidade de gênero não deve ser tratada como uma agenda voluntária e de fins econômicos, porque a não discriminação é uma questão de direito. E a não discriminação requer um olhar sensível para questões de gênero. Todos temos direito de trabalhar em um ambiente sem discriminação

te ressaltar também os papéis tradicionais de cada um na sociedade brasileira: a mulher precisa ser uma boa esposa, “ter comportamento adequado” para não sofrer vários tipos de violência e sanções sociais. Esse papel da mulher tradicional faz com que, fora de casa, ela continue a ser vista como a pessoa que serve e não a que comanda. Vivemos, claramente, um engessamento dessa posição. Algo que ocorre também em nações maduras, como os EUA. Mas lá, contudo, há um outro tipo de debate acadêmico, político e social que colabora para o avanço. A questão racial, por exemplo, vem sendo amplamente debatida desde a década de 60 na sociedade americana. Diagnóstico – Como as afrodescendentes e indígenas aparecem nesse quadro? Camila – Existe uma invisibilidade das mulheres negras e indígenas nesse mercado. Na última pesquisa do Instituto Ethos sobre o tema foram contabilizadas, em números absolutos, apenas seis mulheres negras em cargos executivos

no Brasil, nas 500 maiores empresas. As indígenas não figuraram nesse quadro. Os movimentos empresariais não tratam dessa diferença intragênero, porque a grande maioria das mulheres que lidera as discussões é branca. Então, a dificuldade de acesso da mulher negra aos cargos de comando é piorada porque elas não têm voz nos espaços de debate. A mulher negra sofre por discriminação racial e de gênero, reforçada pela sua visão na sociedade de posição de servidão, conforme dito anteriormente. O caso das mulheres indígenas é bastante específico, mas como visto na experiência das cotas raciais, quando os indígenas optam por sair da aldeia, o preconceito que sofrem nas universidades e nas empresas é enorme, exigindo um esforço fenomenal. Este processo desigual é muito injusto. Diagnóstico – A senhora é a favor das cotas? Camila – Sim. Se deixarmos que as coisas aconteçam naturalmente, por mais que a mulher se qualifique, estude e se esforce para cuidar bem da família e, ao mesmo tempo, ser uma boa profissional, ela não será escolhida. As cotas são apenas um tipo de ação afirmativa, que tende a corrigir o desequilíbrio de oportunidade. Mas não tem o poder, por exemplo, de por si só quebrar essa percepção social de que o homem é mais capacitado ou é ideal para as posições de comando. Portanto, são instrumentos modestos. Outros mecanismos, como as bolsas universitárias para mulheres e as formações para conselho, são válidas e seguem na mesma linha. Em qualquer desses casos, a questão não é só uma meta numérica, de quantidade de mulheres na liderança, nas empresas. É preciso analisar a própria estrutura, com a organização olhando para as funcionárias e refletindo sobre como criar o ambiente adequado para que aqueles talentos possam se desenvolver e ter uma trajetória longa e saudável. É necessário realizar um mapeamento da lógica masculina dentro da empresa, perguntando-se: “Será que a forma como trabalhamos favorece os homens? As mulheres que aqui trabalham estão confortáveis e livres de rótulos e preconceitos? Elas se sentem confortáveis em suas reuniões e têm a oportunidade e a liberdade para contribuir?” Diagnóstico | mai/jun 2014

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determinado tratamento, medicamento ou OPMs houver indício de ilícito civil, criminal ou ético, o juiz deverá oficiar o Ministério Público e respectiva entidade de classe profissional. Divulgação Além de auxiliarem no julgamento das ações em curso, esses dois enunciados contribuirão para a redução da judicialização da saúde, pois, uma vez que os médicos não poderão mais prescrever a marca comercial do produto, mas sim a descrição do material desejado, demandas que seriam propostas com este escopo não mais existirão. Todo o sistema ganhou maior transparência, com a oportunidade de outras empresas concorrerem livremente. Outra questão que se vê com frequência nas decisões judiciais é a supressão das normas expedidas pela Agência Nacional Conselho Nacional de Justiça publicou de Saúde e, muitas vezes, as operadoras, embora cumprindo esrecentemente 45 Enunciados Interpreta- tritamente as normas da Agência, sofrem punições judiciais. Um tivos, frutos da I Jornada de Direito da exemplo típico ocorre quando o Judiciário determina tratamentos Saúde realizada no Tribunal de Justiça de que não constam do rol de procedimentos da ANS e ainda aplica São Paulo, os quais foram divididos em indenizações por danos morais. Para esses casos, a operadora não cometeu nenhum ilícito, três temas: (i) Biodireito, contendo nove enunciados; (ii) Saúde Pública, com 19, pois não descumpriu as normas da ANS, mas ao passar pelo crie Saúde Suplementar, com 17 enunciados. A nossa intenção com vo do Judiciário, termina por ser penalizada. Mas o Enunciado este artigo é analisar os enunciados sobre Saúde Suplementar e 27 veio a elucidar essa questão, ao dispor que o rol de procedimentos e eventos em saúde vigentes da ANS e suas alterações suas consequências. Primeiramente, há de se esclarecer que os enunciados são in- são de observância obrigatória, assim como o Enunciado 21 que terpretações jurídicas propostas por doutrinadores, que, apesar de dispõe que, nos contratos celebrados ou adaptados na forma da não terem efeito vinculante, possuem autoridade doutrinária sufi- lei 9656/98, recomenda-se considerar o rol de procedimentos ciente para servir de referência interpretativa, gerando uniformi- de cobertura obrigatória elencados nas resoluções da ANS. No zação, isonomia e celeridade nas decisões judiciais, fatores estes mesmo escopo, o Enunciado 23, que prevê que nas demandas que discutam cobertura vinculada ao rol da ANS, recomendaessenciais para que a justiça seja alcançada. O uso de enunciados como fundamento de decisões judiciais -se a consulta, pela via eletrônica e /ou expedição de ofício, à Agência, para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio. Já o Enunciado 24 dispõe na área e saúde demonstram uma grande evolução, que cabe ao médico assistente a prescrição terapêutica a ser com benefícios para milhares de usuários adotada e, se houver divergências, o impasse deverá ser solucionado por meio de junta já é amplamente utilizado. Por exemplo, em recente julgamento constituída pelo profissional solicitante ou nomeada pelo consusobre “direito ao esquecimento”, o Superior Tribunal de Justiça midor, por médico da operadora e por um terceiro escolhido de utilizou-se de um Enunciado para construção da fundamentação comum acordo pelos dois profissionais, cuja remuneração ficará de recursos especiais, comprovando a aplicabilidade dos enuncia- a cargo da operadora. Outro enunciado que segue esse raciocínio é o 31, que recomenda ao juiz obter informações do Núcleo de dos nos casos concretos. Iniciaremos pelos enunciados que tratam do fornecimento de Apoio Técnico ou, na sua ausência, de outros serviços de atenórteses, próteses e materiais especiais, os chamados “OPMs”. Sem dimento especializado, tais como instituições universitárias, dúvida, este tema envolve uma relevante quantidade de ações e, associações profissionais, etc. Esses dois enunciados vão evitar em sua maioria, motivadas pela exigência do médico assistente a que liminares sejam proferidas automaticamente, sem qualquer indicar uma determinada marca/fornecedor. Nesses casos, mesmo questionamento técnico, e certamente o grande vencedor dessa a operadora liberando OPMs de outra marca, que teriam o mesmo nova sugestão de solução de conflito será o próprio paciente. efeito pretendido, o paciente opta por pedir judicialmente a marca Pelo que se pode verificar, os enunciados publicados pelo Conselho Nacional de Justiça demonstram uma grande evolução para sugerida por seu médico. Mas esse cenário tende a ser exterminado, pois o Enunciado o sistema jurídico brasileiro e, consequentemente, beneficiarão o 28 dispõe que os magistrados, ao proferirem decisões liminares interesse de milhares de pessoas que se encontram em conflitos para o fornecimento de Órteses, Próteses e Materiais Especiais, dessa natureza, que terão decisões mais céleres, justas e isonômideverão exigir a descrição técnica e não a marca específica e/ou o cas, fatores essenciais para que a justiça seja alcançada. fornecedor, em consonância com o rol de procedimentos e eventos em saúde vigentes na ANS e na Resolução n. 1956/2010 do Daniela Artico é advogada, pós-graduada em Direito Tributário material e CFM, bem como a lista de verificação prévia sugerida pelo CNJ. processual, especialista em Direito Contratual e atuante nas áreas de Direito E ainda o Enunciado 29 dispõe que, se na análise do pedido de Médico e Saúde Suplementar em Curitiba.

ARTIGO Daniela Ártico

Enunciados do Conselho Nacional de Justiça: evolução relevante para as decisões judiciais sobre operadoras

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Novos enunciados publicados pelo CNJ

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Conferência e Exposição 2014

18 e 19 de Setembro

World Trade Center Events Center - São Paulo, Brasil

ACESSE HIMSSLA.ORG Organização:

Palestrantes Confirmados

Jack COCHRAN

Diretor Executivo, Kaiser Foundation, EUA

Marco Antônio GUTIERREZ CIO, Instituto do Coração, InCor, USP, Brasil

Moacyr PERCHE

Coordenador Geral de Gestão de Projetos do DATASUS - Departamento de Informática do SUS / Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde;

John HOYT

Lawrence GARBER

Valeria Pinheiro de SOUZA

Vice-Presidente Executivo, HIMSS Analytics, EUA

Diretor Médico de Informática, Reliant Healthcare, EUA

CMIO (Chief Medical Information Officer), Hospital Albert Einstein, Brasil

David WHITLINGER

José Miguel SELMAN

Vicent MONCHO MAS

CEO, New York eHealth Collaborative, EUA

CMIO, Clinica Las Condes, Chile

Augusto Cesar GADELHA

Diretor do DATASUS - Departamento de Informática do SUS / Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde

CIO, Hospital Marina Salud de Denia, Espanha

Wilson Modesto POLLARA

Secretário Adjunto - Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo

Patrocinadores:

Apoiadores:

Mídia:

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GESTÃO PRÁTICA DE CUIDADO

“NÃO FAÇA BENCHMARKING COM SEU CONCORRENTE” Consultor da Forbes defende que uma das melhores formas do executivo de saúde melhorar a experiência dos pacientes é entender que o seu travesseiro pode ser uma instigante fonte de inspiração: que tal abrir a mente para incluir modelos de fora tão bem sucedidos quanto os de dentro do setor de saúde? Divulgação

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Micah Solomon

é um consultor em experiência dos pacientes, palestrante, escritor e colunista na Forbes

uidado em saúde é sinônimo de hospitalidade e cura. Ou, se você preferir, é a cura com hospitalidade. A parte da cura desta equação – o resultado clínico – é indiscutivelmente importante. Mas o lado da hospitalidade, o que chamamos de “experiência dos pacientes”, também é notada pelo usuário e seus entes queridos. Infelizmente, a abordagem que estamos adotando atualmente na experiência dos pacientes não está alinhada com a proposta de resultados em hospitalidade como os pacientes e entes queridos esperam. O problema dos hospitais fazerem benchmarking com hospitais

Um obstáculo para melhorar a sa-

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tisfação dos pacientes em saúde é a natureza insular da indústria, que faz o status quo do autorreforço. Em outras palavras, os provedores de saúde e as instituições comparam a si mesmas com outras – o hospital do próximo bairro, o cirurgião na próxima sala de cirurgia. E fazer isso é colocar o foco no lugar errado. Não é como se os pacientes parassem de ser consumidores – clientes – quando eles colocam a roupa de hospital. E não é como se seus entes queridos renunciassem suas identidades de empresários, twitteiros, usuários de Facebook, mesmo quando eles entram em sua instituição. Então, é hora de fazer benchmarking em saúde dos serviços aos clientes junto com o que há de melhor em todos os serviços de indústrias intensivas, porque é isto que seus pacientes e entes queridos vão fazer. Toda a interação dos pacientes com o setor de saúde é julgada, em parte, com base em expectativas configuradas pelas melhores organizações de varejo, de serviços de saúde, da indústria de hospitalidade, dos serviços financeiros e de outras áreas onde players experientes têm feito dos serviços ao consumidor uma ciência e uma arte. E uma das melhores formas do executivo de saúde melhorar a experiência dos pacientes é entender que o seu travesseiro pode ser uma instigante fonte de inspiração: que tal abrir a mente para incluir modelos de fora tão bem sucedidos quanto os de dentro do setor de saúde? Contudo: Enfermeiros não são garçons, médicos não são baristas

Agora, não quero exagerar o caso. Conheço consultores que levam a coisa ao extremo: Já vi e competi com consultores que defendem que se hospedar no Ritz-Carlton [rede internacional de hotéis de luxo] e ficar em um hospital da comunidade devam ser equivalentes. Ou que ordenar um café com leite no Starbucks e a obtenção de um procedi-

mento ambulatorial estão em conceitos semelhantes. Argumento contra eles o testemunho de uma enfermeira que me foi enviado recentemente: “Cuidados em saúde são um chamado, não tratamos isso como trabalhar em um fast food. Se quiséssemos ser garçonetes, estaríamos em um bar. E não estamos”. Acho que é absolutamente correto e a analogia com outro setor é tensa pelo fato de que o paciente não escolhe fazer “check in” com você. Além disso, os cuidados em saúde para o paciente são reforçados pela hospitalidade – um aspecto do acolhimento que, via de regra, se dá eminentemente por relações humanas. Isto torna as coisas um pouco diferentes. Mas há muito a ser aprendido com as poderosas práticas testadas de organizações em diversos setores – e estes realmente incluem Starbucks e Ritz-Carlton, apesar da minha declaração acima. Aqui estão cinco princípios que irão ajudar a começar. 1. Proposta vs. Função

Você só pode montar uma base para um bom serviço para o paciente se você trabalhar para assegurar, do primeiro dia de orientação para frente, que todos os empregados entendam qual a finalidade básica da sua organização. Um funcionário tem ambas as funções – suas responsabilidades cotidianas – e uma proposta: a razão de porque o trabalho existe. Por exemplo, “criar resultados médicos e experiências humanas hospitalares de sucesso para o seu paciente” é uma proposta. “Trocar os lençóis” é uma função. Funcionários propriamente treinados saberão – e terão poderes para – adiar a troca de lençóis se for menos oportuno do que um ato nobre de hospitalidade, como não interromper, por exemplo, o primeiro encontro entre pai e o seu filho enfermo. E depois, a gestão vai celebrar o “gesto de momento” feito pelo colaborador e não repreendê-lo


por ter deixado de contribuir momentaneamente com os “escores” de lençóis trocados. 2. As primeiras coisas primeiro: Determine o início o final do seu serviço Por conta da forma como a memória humana trabalha, o primeiro e o último item em qualquer lista são aqueles mais facilmente relembrados. (Você pode ler a literatura psicológica sobre isto, ou prová-la consigo mesmo com uma lista de itens e um grupo de amigos). Na experiência do consumidor, o principio é o mesmo: o primeiro e o último momento da interação do paciente são provavelmente aqueles que ficarão guardados permanentemente em suas lembranças como um flash de memória, que representa todo o evento para ele. Isto significa que pode ser difícil recuperar a boa vontade dos pacientes ou membros da família cuja primeira impressão é: • Irritação com membros da equipe front-desk ao ser “interrompido” – até mesmo para um segundo aviso; • Gastar um longo tempo para encontrar um espaço para estacionar (e quando encontra, o local está distante seis minutos a pé – e o paciente está de muletas); • Sinalização no prédio é confusa (uma vez que finalmente ele chega após seis minutos de caminhada mancando na porta do hospital). Quanto às despedidas: O adeus precisa ser melhor que somente uma fatura fria enviada pelo correio pelo serviço de faturamento. (Por que os veterinários universalmente acompanham como seu cliente está, mas os médicos raramente fazem a mesma coisa com seus pacientes? Isto poderia fazer toda a diferença). 3. Grande serviço ao cliente – uma verdadeira hospitalidade – é o melhor atendimento na hora agendada do paciente

Esforçar-se para entregar o serviço no horário agendado pelo paciente não é apenas uma programação que passa a ser conveniente para a sua instituição. Por exemplo: • Evite esperas desnecessárias para distribuir lotes de resultados de laboratórios; esta prática é desrespeitosa e

até mesmo cruel; • Considere as inovações disponíveis que permitem ao paciente um maior controle que a (sádica) tradição de forçá-lo a esperar no escuro para uma eventual resposta de sua luz de chamada; • Você realmente precisa se render à pressa dos pacientes em ir em uma cadeia de drugstore clinic [clínica para cuidados básicos vinculada a uma farmácia] – ou é possível que você possa reorganizar suas operações para vê-los imediatamente? Quando for revisar seus padrões, sempre deixe em mente que as expectativas de velocidade mudaram para o usuário: seus pacientes não são mais pacientes quanto eles costumavam ser. Os pacientes de hoje e seus familiares vivem em um mundo onde dispositivos Android e iPhones, laptops e iPads, podem conectá-los – imediatamente! . O Amazon.com, por exemplo, pode oferecer a eles livros de especialistas em aconselhamento instantaneamente em sua forma eletrônica, ou dentro de onze horas na versão impressa. Portanto, pensar que você pode dar de volta aos pacientes informações no mesmo ritmo lento que sempre respondeu não é uma boa ideia. Os pacientes não querem que você dê uma resposta rápida e sem pensar nas consequências, mas eles precisam estar bem informados. Frequentemente e rapidamente. 4. Sugestões sobre a questão da qualidade: você é um profissional treinado, mas que diz o contrário

Não espere que seus pacientes deixem de julgá-lo somente porque eles estão com percalços e aflitos. Se eles colocam a “boca no trombone”, significa que houve falhas na condução dos cuidados em saúde por parte do provedor – da mesma maneira que acontece no mundo lá fora. Muitas sugestões para qualidade estão relacionadas ao mau uso da linguagem e o desprezo à comunicação não-verbal, como o fato de os funcionários do hospital evitarem contato visual com os clientes, e agindo como se eles fossem estranhos. (Falando nisso: os empregados precisam entender que prestar um bom serviço ao cliente é seu trabalho da hora que eles chegam até quando deixam o prédio).

TODA A INTERAÇÃO DOS PACIENTES COM O SETOR DE SAÚDE É JULGADA, EM PARTE, COM BASE EM EXPECTATIVAS CONFIGURADAS PELAS MELHORES ORGANIZAÇÕES DE VAREJO, DA INDÚSTRIA DE HOSPITALIDADE E DE OUTRAS ÁREAS ONDE PLAYERS EXPERIENTES TÊM FEITO DOS SERVIÇOS AO CONSUMIDOR UMA CIÊNCIA E UMA ARTE NÃO ESPERE QUE SEUS PACIENTES DEIXEM DE JULGÁ-LO SOMENTE PORQUE ELES ESTÃO COM PERCALÇOS E AFLITOS. SE ELES COLOCAM A “BOCA NO TROMBONE”, SIGNIFICA QUE HOUVE FALHAS NA CONDUÇÃO DOS CUIDADOS EM SAÚDE POR PARTE DO PROVEDOR – DA MESMA MANEIRA QUE ACONTECE NO MUNDO LÁ FORA

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OSVINO SOUZA

Carogestor

O plano de metas estipulado pela indústria de medicamentos na qual trabalho sempre se baseia em performances que nunca são atingidas. O sentimento da equipe é de que os parâmetros estão sempre fora da realidade, de forma intencional. Exigir do colaborador algo que ele não pode dar conta não compromete o ambiente de trabalho? ANÔNIMO Estabelecer metas de desempenho para organizações, áreas, equipes e colaboradores é uma prática comum hoje em dia. Trata-se de um mecanismo que visa ao mesmo tempo indicar a necessidade permanente de desenvolvimento da organização, mantendo assim sua competitividade, e também desafiar as pessoas intelectualmente, motivando-as a ter um desempenho superior. O que está por trás disso é a teoria behaviorista. O desafio dos dirigentes é conseguir o equilíbrio entre as metas de crescimento necessário ou desejado para a organização e as possíveis e verdadeiramente desafiadoras para os colaboradores. Não é fácil estabelecer metas assim, pois isso exige, de um lado, um profundo conhecimento da organização e do mercado em que atua, e, do outro, do potencial de realização das pessoas, que ainda têm que levar em consideração o ambiente em que estão inseridas, os recursos que dispõem, a própria capacidade da liderança 54

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a que estão submetidas, etc. Se as metas são frouxas, a instituição não se desenvolve o suficiente, deixando às vezes de aproveitar oportunidades de desenvolvimento que podem não se repetir nunca mais, o que, em determinadas circunstâncias, pode ser fatal. Se as metas são superdimensionadas, podem provocar um efeito emocional muito danoso nas pessoas: a desmotivação. E, consequentemente, comprometer o ambiente de trabalho, como você menciona. O resultado disso pode ser igualmente fatal. Cabe à administração da organização estar atenta para o que está ocorrendo e agir, corrigindo as metas em tempo, apertando ou afrouxando-as em períodos regulares para que estas não percam o componente do desafio, mas que não sejam inatingíveis. Como mencionei acima, elas devem funcionar como instrumento de motivação e não para destruir o moral dos colaboradores. Contudo, há organizações que têm como prática estabelecer desafios sempre inatingíveis. Procure saber se a sua é uma delas. Sou médico há vinte anos e sempre procurei me adaptar à realidade dos hospitais onde trabalhei. Atualmente, integro uma instituição de medicina de grupo que controla, de forma autônoma e impositiva, até mesmo o número de exames que solicito a meus pacientes. Porque a política


de controle de custos das empresas não costuma ser discutida com os colaboradores? ANÔNIMO Controlar não significa necessariamente proibir, mas monitorar, analisar e verificar a real necessidade e resultado. Para o diabético, controlar a taxa de glicose no sangue não se faz assim. Se esta for a sua realidade, não vejo grandes problemas aí, desde que isto não interfira na qualidade de serviço prestado para o paciente. O que estamos vivendo hoje nas organizações da área da saúde é um movimento intenso de aprimoramento de sua gestão. Durante anos as organizações de saúde viveram e sobreviveram sem se preocupar muito (ou nada) com isso. Essa preocupação tornou-se uma questão de sobrevivência agora. Ou se cuida dos custos ou não se permanece no mercado competitivo da saúde. O custo da saúde aumentou muito e as práticas que até pouco tempo eram viáveis não o são mais atualmente. Um novo modelo de gestão está emergindo rapidamente. Ele exige dos profissionais da saúde um novo modelo mental. A prescrição de exames, procedimentos e medicamentos precisa ser revista à luz desta nova forma de pensar. O grande desafio está em conseguir fazer esta mudança mantendo e até aprimorando a qualidade do atendimento. Quanto à discussão dessas questões em equipe, é sem dúvida uma prática recomendável, porém ela exige maturidade, tanto da equipe gestora quanto dos gerenciados. Por um lado os gestores têm de conhecer muito bem a estrutura de custos da organização para saber quais são aqueles que merecem maior atenção. Também devem saber lidar com pessoas, ou seja, liderar. Da parte dos liderados, estes precisam ser capacitados, envolvidos e comprometidos com os resultados da organização. A maturidade implica em reconhecer que são muitos os resultados almejados e necessários para as organizações, particularmente as da saúde. Os resultados financeiros são um deles, importantes, sem dúvida, para a sua sobrevivência, mas sem a satisfação do cliente/ paciente também não se sobrevive. Qual o caminho das pedras para se criar um plano de remuneração por meritocracia dentro de um hospital? É possível incluir a área de assistência?

ANÔNIMO Já tratamos disso em outras edições desta revista, portanto recomendo que você faça uma leitura retrospectiva. Veja também a resposta à primeira pergunta desta seção. Bem, o primeiro e fundamental passo é uma boa definição dos resultados a serem alcançados pela organização, que deverão nortear todo o plano. Qualquer falha aqui levará a problemas na certa, mesmo que o sistema de meritocracia seja muito bem montado. Se os resultados almejados não forem definidos adequadamente, o sistema conduzirá a organização a eles, ou seja, os colaboradores farão um ótimo trabalho para levar a organização na direção de resultados inadequados ou indesejados. Um segundo elemento, e um dos mais difíceis, é definir o que é mérito - o que cada área, equipe e colaborador precisa realizar e atingir para ser considerado merecedor de melhoria em sua remuneração. As pessoas podem merecer esta melhoria porque adquiriram uma capacidade superior de desempenho e, neste caso, podem ter um aumento permanente em seu salário, ou podem ter atingido um resultado temporário e receber uma recompensa por isso. No último caso, estamos tratando da remuneração variável. Qualquer que seja o mecanismo de recompensa, esbarramos sempre na subjetividade da avaliação do mérito, portanto, é preciso estabelecer critérios tão objetivos quanto possíveis e deixá-los muito claros entre as partes envolvidas – contratante e contratado –, o que não é uma tarefa fácil. Uma boa conversa no início do processo é indispensável, mas é preciso repeti-la com frequência para que não surjam lacunas no contrato psicológico de trabalho. Um problema recorrente aí é a tendência de comparação entre as pessoas, ou seja, todos tendemos a comparar nosso desempenho com o dos outros e é difícil manter o senso de justiça nestas situações. Sem dúvida, é possível incluir a área de assistência num plano de meritocracia, mas é preciso muita maturidade das partes envolvidas para que isso aconteça. Lembre-se, quanto mais subjetivos forem os resultados envolvidos, mais difícil se torna a implantação do sistema. Osvino Souza é professor da Fundação Dom Cabral (FDC) nas áreas de comportamento e desenvolvimento organizacional.

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ECONOMIA DA SAÚDE PERFORMANCE

A PERFORMANCE DO MÉDICO: para a Associação Médica Americana (AMA), os programas de remuneração devem basear-se em uma política de incentivos, invés de penalidades

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O futuro do P4P O que as experiências americana e inglesa de pay-for-performance – P4P, na sigla em inglês – podem ensinar para o mercado brasileiro de saúde Mara Rocha

É

possível elevar a qualidade dos cuidados em saúde, sem aumentar e até reduzindo os custos para os provedores? A receita, para alguns especialistas, está no pagamento por performance. Prática ainda incipiente no Brasil, o P4P – abreviatura para a expressão em inglês pay-for-performance, difundida em vários setores da economia, a exemplo da educação – vem ganhando terreno nos Estados Unidos e Inglaterra. A compra baseada em valor, como também é conhecida, já responde por 20% dos honorários pagos pelas operadoras nos EUA aos prestadores locais (dados da Blue Cross). Na Inglaterra, 25% da remuneração dos clínicos gerais é resultado de incentivos ao bom atendimento. Considerados benchmarking internacionais no assunto, os dois países vêm inspirando outras experiências mundo afora, servindo de referência para iniciativas na Holanda, Alemanha, França, Austrália, Canadá e, ainda que de forma mais discreta, no Brasil. Não existe um modelo fixo de pagamento por performance, é o que ensinam as iniciativas norte-americana e inglesa. Cada prestador ou operadora precisa analisar a realidade em que está inserida e as demandas vigentes para, desta forma, construir o próprio projeto. O dos EUA, por exemplo, foi formulado considerando a saúde suplementar local. Da mesma forma que o P4P inglês foi formatado para o sistema público do país. Mas o que os dois têm em comum são indicadores de qualidade consistentes, a transparência do sistema – os usuários têm fácil acesso aos resultados das avaliações –, e uma comunicação plena, onde todos os

envolvidos são avisados sobre como funciona o programa. “Substituir o pagamento por volume por uma remuneração com base na qualidade do atendimento é uma ideia atraente, mas é preciso ter cuidado com a formulação do programa para não cair em armadilhas”, alerta o professor de economia e política de saúde da Carnegie Mellon University’s Heinz College, Martin Gaynor. Segundo o acadêmico, a escolha dos parâmetros utilizados na avaliação e o entendimento sobre o que fazer com os resultados obtidos serão determinantes para o sucesso do sistema. “Além disso, é importante a consciência de que a abordagem da qualidade e corte de custos em saúde requer várias ferramentas, sendo a forma de remuneração apenas uma delas”, adverte. Gaynor cita como exemplo o fracasso das primeiras iniciativas de pagamento por performance na saúde, surgidas na década de 90 nos EUA, país pioneiro no assunto. Na época, os mecanismos de comparação adotados pelos planos do sistema suplementar nacional, em experiências ainda isoladas, limitavam a avaliação apenas a temas de redução de custo, sem atentar para a qualidade no atendimento de patologias mais graves e ao fomento de políticas de prevenção a longo prazo. “Os programas tiveram efeitos modestos sobre o desempenho dos hospitais quanto à segurança dos procedimentos e nenhum efeito sobre os resultados dos pacientes”, lamenta. Somente em 2012, impulsionado pelo Obamacare – principal reforma do setor na história dos EUA –, é que um novo modelo de P4P, mais centrado nas necessidades do paciente, surgiria no país. O Medicare – programa de seguro saúde estadunidense Diagnóstico | mai/jun 2014

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ECONOMIA DA SAÚDE PERFORMANCE para maiores de 65 anos e portadores de alguns tipos de deficiência, maior provedor local – passou a remunerar cerca de 4 mil prestadores, de acordo com a avaliação do desempenho em três grupos de referência. O primeiro deles é um conjunto de 13 medidas para assegurar os cuidados em tempo útil e de forma eficaz, e corresponde a 45% da pontuação do hospital. Nesse sentido, o sistema observa, por exemplo, o número de pacientes com ataque cardíaco que receberam medicamento para prevenir coágulos sanguíneos, até 30 minutos após a chegada ao hospital. Também são avaliados detalhes como o tempo de resposta da equipe médica aos acidentes cardiovasculares e as orientações dadas durante a alta. Outros critérios são a administração dos antibióticos no pós-cirurgia e em casos de pneumonia, priorizando a escolha do tipo de medicamento e o tempo empregado na terapia. O segundo grupo de referência está relacionado a sondagens de satisfação dos pacientes após deixarem o hospital, e equivale a 30% da pontuação. A pesquisa analisa aspectos como a comunicação dos profissionais de saúde com os doentes, a administração da dor durante a internação, além do grau de limpeza e silêncio na instituição. Já o terceiro domínio, que vale 25% da avaliação, diz respeito às taxas de mortalidade dos enfermos com problemas cardíacos e pneumonia, registradas dentro do serviço ou até 30 dias após a alta. Para essa etapa, o Medicare também considera o estágio de avanço das doenças e as readmissões por complicação. Os índices registrados anualmente em cada unidade de saúde são comparados aos dados obtidos no mesmo período dos anos anteriores, para entender a evolução do desempenho avaliado. A performance das instituições também é confrontada com as médias nacionais. Ficam de fora do programa os hospitais com poucos casos de internação por pneumonia e ataques cardíacos, ou de especialidades como psiquiatria, reabilitação e oncologia. A partir da avaliação desses três conjuntos de critério, os prestadores podem lucrar ou perder até 3% (valor para 2014 ), em cima dos reembolsos realizados regularmente pelo Medicare. Na página da web Hospital Compare, alimentada com os dados disponibilizados pela operadora, os próprios usuários podem fazer a comparação entre prestadores pares e escolher o melhor serviço conveniado. O plano, no entanto, ainda não divulgou números que comprovem ganhos de eficiência e eficácia 58

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P4P NO BRASIL: baixa adesão das operadoras e reação repulsiva dos conselhos de medicina ajudam a tornar a experiência do pagamento por performance quase um tabu no país

Fotos: Divulgação

através do modelo adotado. REPERCUSSÃO – Entre as entidades representativas do setor nos EUA, há um consenso de que as formas de remuneração mais tradicionais precisam ser revistas no país e que a solução pode estar no P4P. “O sistema de pagamento por procedimento premia médicos quanto à quantidade, em detrimento da qualidade. Esses profissionais recebem mais para realizar mais procedimentos e pedir mais exames, ao invés de um melhor atendimento”, diz o relatório publicado em 2013 pela National Commission on Physician Payment Reform, comissão independente composta por representantes de diversos setores da saúde norte-americana. A organização foi criada pela Sociedade de Medicina Interna Geral (SGIM), com o intuito de debater e contribuir na discussão sobre as formas de remuneração do setor e a qualidade dos atendimentos. “Há uma necessidade crescente de reduzir os custos da saúde nos Estados Unidos. Sem grandes

mudanças no sistema atual, essa despesa chegará a U$ 4,5 trilhões em 2019”, conclui o documento. Antes do emprego do P4P pelo Medicare, o Instituto de Medicina da América (IOM) – uma espécie de Fiocruz nos EUA –, também já havia se pronunciado, apontando a implementação progressiva da remuneração por desempenho como um instrumento necessário para a redução de gastos na saúde, controle dos tratamentos excessivos (overuse) e melhoria da qualidade dos atendimentos médicos no país. “O pagamento por performance é um componente-chave para a transformação do sistema de saúde, mas não será como uma bala mágica que resolve todos os problemas sozinho”, alertou na época o presidente da entidade, Harvey Fineberg, referindo-se à necessidade de outras medidas de transformação, através da regulação do governo. No entanto, persiste a preocupação geral quanto à escolha dos parâmetros de avaliação e ao embate ético que pode sur-


gir das pressões para redução de custo nos procedimentos realizados. “Os medidores de desempenho precisam atentar para as normas que de fato melhorem a confiabilidade dos procedimentos, a fim de evitar a má classificação de cuidados nos programas de prestação de contas”, disse à Diagnóstico o gerente de comunicações do Colégio Americano de Cirurgiões (ACS), Chantay Moye. Sem tecer críticas diretas ao programa adotado pelo Medicare, ele questiona até que ponto o profissional de saúde pode ser o único responsabilizado pelas complicações no quadro clínico de um paciente com, por exemplo, hábitos de vida não saudáveis. Preocupada em assegurar a ética médica na adoção do P4P pelos provedores, a Associação Médica Americana (AMA) elaborou uma cartilha com cinco princípios que devem reger a avaliação do desempenho. “Os programas de P4P justos e éticos são aqueles que têm como principal missão a melhoria da assistência ao paciente”, ensina a publicação. Para tanto, segundo o texto, a

qualidade dos atendimentos deve ser medida com base em evidências, estipuladas por especialistas das áreas avaliadas. A associação também defende que a participação do médico no programa seja voluntária, “sem prejudicar a viabilidade econômica de prestadores não participantes”, enfatiza a cartilha. Além disso, a entidade ressalta a importância da precisão dos dados e da adoção de métodos de análise cientificamente válidos. “Os médicos estão autorizados a rever, comentar e apelar contra resultados”, defende o documento, que reforça a necessidade dessas avaliações não prejudicarem a relação entre médico e paciente. O programa de remuneração deve, ainda segundo a AMA, basear-se em uma política de incentivos para os profissionais participantes, ao invés de penalizá-los. DEBATE ANTIGO – No início da década de 80, os crescentes gastos mundiais na saúde já forçavam as organizações do setor a repensarem as formas de remuneração vi-

gentes na época. Mais uma vez, coube aos EUA dar o primeiro passo, com a criação do pagamento por Grupo de Diagnósticos Relacionados (DRG). Idealizado por pesquisadores da Universidade de Yale, o sistema tinha como objetivo mensurar e caracterizar os “produtos” oferecidos pelas instituições de saúde, com a categorização de casos hospitalares clinicamente coerentes e similares quanto ao consumo de recursos. Os Grupos de Diagnósticos Relacionados partem do pressuposto que, apesar de cada paciente ser único, existem características clínicas, demográficas e terapêuticas comuns que determinam a complexidade dos serviços a serem adotados. Por exemplo, em situações de apendicectomia (retirada do apêndice), é possível, segundo o sistema, designar qual o pacote de serviços (procedimentos, exames e medicamentos) a ser comprado pela operadora, enquadrando o perfil do enfermo em um dos grupos relacionados. O método foi adotado pelo Medicare em 1983, que passou a remunerar os hospitais através de uma taxa fixa por caso de internamento. O modelo substituiu a forma de remuneração embasada no custo de cada serviço, pelo pagamento prospectivo (PPS), aproximando-se da compra baseada em valor. Por não capturar adequadamente os custos de hospitais especializados em certas áreas, a exemplo da psiquiátrica, oncológica e pediátrica, o DRG norte-americano sofreu modificações ao longo dos anos. Nestes casos, as unidades de saúde foram isentadas do sistema. Além disso, o modelo incluiu mudanças na prestação dos cuidados de saúde e avanços da medicina, passando a considerar a medição de aspectos como gravidade e risco. “O setor de saúde dos EUA precisava de uma ferramenta que olhasse para além do consumo de recursos e permitisse que agências, como as comissões estaduais de dados, avaliassem as diferenças nas taxas de mortalidade hospitalar”, aponta a professora assistente clínica da Universidade do Kansas, Judy Bielby, em seu artigo The Evolution of DRGs (A evolução dos DRGs, em tradução livre). Aos poucos, o gerenciamento concomitante de custos e qualidade assistencial hospitalar era introduzido na saúde estadunidense. “Pagar por resultados entregues é uma forma de troca mais justa”, defende o sócio-diretor do Instituto de Acreditação e Gestão em Saúde (IAG Saúde), o médico Renato Couto. Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele dedicou os Diagnóstico | mai/jun 2014

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ECONOMIA DA SAÚDE PERFORMANCE

anos de mestrado e doutorado ao tema da gestão de qualidade para a redução de infecções hospitalares e melhoria assistencial. Junto com uma equipe de PHDs, desenvolveu em 2001 o DRG Brasil, adaptando o sistema criado nos EUA às características da realidade brasileira, como codificação de doenças e perfil da população. Segundo o modelo brasileiro, ao dar entrada em um hospital, o paciente é cadastrado em uma das categorias de DRG Brasil (clínico ou cirúrgico), baseado em seu diagnóstico inicial. Ao categorizar o enfermo em um determinado pacote, a unidade de saúde e a operadora já têm os parâmetros pré-estabelecidos para conduzir o atendimento, tais como custos e tempo de permanência em internação para uma adequada resposta terapêutica e a condição segura para a alta hospitalar. “Isso permite um melhor gerenciamento dos custos hospitalares, uma avaliação de qualidade do serviço prestado e do desempenho da equipe multidisciplinar, bem como a prevenção de erros e eventos adversos”, garante Couto. Com cerca de cinco mil médicos cooperados e quase 350 prestadores credenciados, a Unimed BH iniciou no ano passado a implantação do DRG em sua rede hospitalar. A participação também foi estendida para outras instituições conveniadas, mas de forma voluntária. É o caso do Santa Rita (HSRC), na capital mineira, hospital de médio porte com 180 leitos. A estrutura, com faturamento mensal médio de R$ 4,5 milhões, iniciou há cerca de seis meses a coleta de dados para a implantação do sistema. “A partir das informações coletadas sobre tempo de permanência e custo dos atendimentos, teremos uma visão mais ampla da qualidade dos serviços prestados pela instituição”, acredita o diretor geral do HSRC, Reginaldo Teófanes, sobre as expectativas com a adoção do novo sistema. “Será uma oportunidade de autoconhecimento, para entendermos onde estamos acertando ou errando na nossa rotina hospitalar”, completa. Oportunidade também para os planos de saúde compararem os resultados de seus prestadores e entenderem quais hospitais oferecem o atendimento de forma mais eficiente, segundo o diretor de planejamento e controle da Unimed Goiânia, Breno de Faria. Maior operadora da região Centro-Oeste, com mais de 350 mil beneficiários, a cooperativa vem há um ano coletando dados e formatando os grupos de diagnósticos relacionados. A expectativa é iniciar a im60

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ECONOMISTA MARTIN GAYNOR, DA CARNEGIE MELLON UNIVERSITY’S: EUA fracassaram na implantação do P4P, na década de 90

plantação do DRG brasileiro nos 105 hospitais da rede espalhados pelo estado, a partir do ano que vem. “O pagamento por serviço é nocivo, por estimular o lucro através do excesso de tratamento”, explica o executivo sobre o que motivou a organização a querer abandonar o antigo sistema. “Ele é prejudicial para todas as partes envolvidas: para os planos que pagam pelo excesso, para quem recebe, porque exaure os recursos do próprio provedor, e para o paciente, que tem a qualidade dos cuidados afetada”, declara Breno, que também é médico. EXPERIÊNCIA INGLESA – Voltado para uma medicina mais socializada, de acesso universal e gratuito, o programa de pagamento por performance do Sistema de Saúde Nacional (NHS) inglês foi criado há dez anos. Na época, além de melhorar a qualidade dos atendimentos, a Inglaterra tinha como desafio ajudar a suprir a falta de clínicos gerais (GPs) na região. Para tanto, a estratégia seria a adoção de um modelo centrado em uma política de recompensa, com participação voluntária do prestador e sem impor penalidades como na iniciativa norte-americana. Com o novo projeto, um quarto da remuneração dos 8 mil médicos inscritos no programa é fruto de incentivos baseados na performance. E funcionou: em 2008, o NHS local já contabilizava quatro mil GPs a mais

do que cinco anos antes, segundo relatório divulgado na época. O documento também apontou melhorias nos serviços prestados, com consultas mais longas e reduções nas listas de espera. Batizado de Quality and Outcomes Framework (QOF), o modelo inglês vem sofrendo adaptações ao longo dos anos, com a revisão dos padrões de bom desempenho. No formato atual, um esquema de pontuação avalia 148 indicadores de qualidade, distribuídos em quatro domínios. O primeiro grupo vale 669 pontos, e abrange o tratamento de doenças crônicas mais comuns como asma, diabetes e doença cardíaca coronária. O segundo domínio equivale a 254 pontos, e considera aspectos organizacionais, como a disponibilidade de informações, a comunicação com os pacientes, títulos de formação profissional, produtividade, práticas de gestão e gerenciamento de medicações. Já a vivência do paciente tem peso 33 e utiliza como único indicador a duração das consultas. Procedimentos como triagem cervical, vigilância em saúde infantil, serviços de maternidade e de contracepção também são analisados no modelo inglês, e valem 44 pontos. Todas as notas somadas podem chegar a 1.000. Quanto maior o score, maior será a recompensa. Aqui também a valutação fica disponível para consulta pública, através do banco de dados online do Centro


de Informação em Saúde e Assistência Social (HSCIC). A experiência acabou sendo exportada para os NHSs dos demais países que compõem o Reino Unido – Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales. Sobre as situações em que a competência médica não basta para a prestação do bom atendimento, o QOF disponibiliza os “relatórios de exceção”. O documento serve para os GPs notificarem, por exemplo, episódios de doenças não tratáveis, como as terminais, e de pacientes que se recusam a fazer o tratamento ou que não toleram determinada medicação. Casos assim não são contados na avaliação, evitando a perda de pontos para os profissionais. Protegidos por uma política de privacidade vigente no país, os GPs não são obrigados a divulgar os próprios salários. No entanto, dados do NHS demonstram que os 25% em incentivos do QOF equivalem a aproximadamente £ 290 milhões (mais de R$ 1 bilhão) no total. Mesmo com a adesão voluntária ao modelo, o P4P inglês conta com a participação de quase 100% dos clínicos gerais. “A recompensa paga pelo programa tem um peso importante na remuneração dos médicos ingleses, que acabam por se dedicar mais na prestação de seus serviços”, relata a clínica Karen Bateman, GP em Wheatley, vilarejo a cerca de 80 km de Londres. Apesar da política de incentivo resultar em mais dinheiro para as contas dos GPs com bom desempenho, o NHS registrou uma redução de £ 400 milhões (mais de R$ 1,5 bilhão) nos gastos com a categoria, entre 2010 e 2013. O valor, divulgado no final do ano passado pela Royal College of General Practitioners, equivale a uma queda de 7% nas despesas do país com cada paciente. Valores que precisarão ser acrescidos, segundo o instituto. É que para atender de forma satisfatória os 55 milhões de usuários do sistema de saúde, em uma população em contínuo envelhecimento, seriam necessários mais 10 mil profissionais. “Os ministérios da Educação e da Saúde precisam investir mais para que no futuro 50% dos estudantes de medicina se tornem GPs, ou faltarão profissionais para atender a demanda crescente e complexa do NHS”, afirmou ao jornal The Independent a médica porta-voz do Royal College, Clare Gerada. Mesmo que discretamente, as experiências estrangeiras têm surtido efeito no cenário brasileiro, através de iniciativas isoladas de gestão do desempenho e po-

O Brasil poderá aumentar muito a eficiência do gasto em saúde, com o uso de um modelo de contratualização por resultados e de pagamento de funcionários por desempenho. Ainda assim, o país ainda tem muito a aprender com as experiências internacionais de pagamento por desempenho em saúde ANDRÉ MEDICI, CONSULTOR DO BID

líticas de incentivo. São práticas em fase preliminar, não consideradas modelos de pagamento por performance, mas que já demonstram a preocupação de algumas organizações com o tema. BRASIL – “Buscamos alternativas para que o montante gasto em saúde se reflita em pacientes mais saudáveis, mais controlados, com menos complicações decorrentes da evolução das doenças”, explica o diretor de Marketing e Desenvolvimento da Unimed do Brasil, Edevard de Araújo. Com cerca 20 milhões de clientes, a rede vem defendendo, entre as 353 cooperativas médicas que compõem o sistema, a importância de programas de gestão da qualidade dos atendimentos e custos. Algumas, como a gaúcha Unimed Erechim, com 222 cooperados, planejam instituir a longo prazo o P4P. Com mais de 50 mil beneficiados, a operadora já deu o primeiro passo, através da adoção de um programa de gestão da performance. Iniciado há um ano, o sistema está em fase de definição dos indicadores de qualidade a serem avaliados. “É imperativo rever as

formas de pagamento, priorizando a boa gestão nos serviços da saúde e a excelência nos atendimentos médicos, de olho nas reais necessidades do paciente”, defende a gerente de marketing da cooperativa, Cleusa Daronch. Há quem defenda a necessidade urgente de revisão dos modelos de pagamento brasileiros. “Já está provado que para o avanço da qualidade do sistema de saúde, com atenção à eficiência, eficácia, segurança, equidade, acesso e centralidade do paciente, é preciso começar pela reforma do modelo de remuneração médica”, sustenta o consultor da ANS, César Abicalaffe. Presidente da 2iM, empresa de consultoria especializada no segmento hospitalar, ele acompanhou de perto a implantação do QOF na Inglaterra, quando cursou mestrado em economia na saúde na Universidade de York (Londres), uma das instituições mais envolvidas na construção do P4P inglês. Em São Paulo, os contratos entre as Organizações Sociais (OSS) e a prefeitura associam parte do financiamento ao cumprimento de metas e indicadores. Não à toa, a paulistana OS – Santa Catarina iniciou um projeto piloto de gestão da performance, desde 2012, nas unidades de saúde da família. “Precisávamos de um panorama das ações realizadas na unidade, com indicadores que evidenciassem a qualificação da assistência e a obtenção de resultados para a melhoria da saúde da população da área de abrangência”, informa o diretor técnico da estrutura, Roberson Jun Kitamura. Ao todo, 17 indicadores referentes à estrutura, efetividade do cuidado, eficiência técnica e satisfação do cliente compõem o sistema. O projeto, que atualmente funciona em três unidades, encontra-se em fase de coleta de dados para ser estendido a outras 13 estruturas. “Já registramos alguns bons resultados”, garante o gestor. Outras iniciativas vêm dando o exemplo no SUS. Ainda em São Paulo, os médicos do sistema público têm pagamento variável de acordo com o desempenho. E em Minas Gerais, 149 unidades hospitalares – um quarto da rede hospitalar estadual, responsável pela assistência de 60% da população local – recebem incentivos para a boa atuação nos 51 municípios em que estão inseridas, através do Prohosp. O programa, implantado em 2003, tem estimulado a qualificação dos profissionais Diagnóstico | mai/jun 2014

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ECONOMIA DA SAÚDE PERFORMANCE envolvidos no processo: até o ano passado, 574 gestores da rede pública estadual tinham se capacitado e cerca de 350 Planos Diretores e de Intervenção Hospitalar haviam sido produzidos. A iniciativa mineira inspirou o Hospsus, no Paraná. Desde 2011, a remuneração de 49 hospitais paranaenses conveniados à rede pública é baseada na performance institucional. “Mas todas essas experiências são ainda incipientes e pouco avaliadas”, pondera o consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) André Medici. Brasileiro morando em Washington desde 1996, atua em iniciativas internacionais ligadas a temas como acreditação, segurança médica e economia do setor. Ele participou da construção do sistema público de saúde brasileiro há trinta anos, e vê no pagamento por performance uma alternativa para os problemas de qualidade do SUS. “O Brasil poderá aumentar muito a eficiência do gasto em saúde, com o uso de um modelo de contratualização por resultados e de pagamento de funcionários por desempenho”, aposta. Medici, que também é editor do blog Monitor de Saúde, defende um olhar mais acurado para as iniciativas de P4P estrangeiras. “Ainda assim, o país ainda tem muito a aprender com as experiências internacionais de pagamento por desempenho em saúde”. Para o presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Francisco Balestrin, a remuneração com base no desempenho é um instrumento interessante, mas muito distante da atual realidade do SUS. “O pagamento por performance só é possível se existir uma estrutura organizada, com todas as informações do sistema de saúde acessíveis e informatizadas, algo que atualmente não existe no país”, sinaliza o executivo. Ele destaca que, sem o conhecimento dos dados que permeiam os atendimentos, não é possível definir os riscos e indicadores para a avaliação. “E até a saúde pública brasileira atingir esse grau de conhecimento, teremos um longo caminho a percorrer”, lamenta. Diretor executivo da XHL Consultoria, especializada em administração hospitalar, Eduardo Regonha aponta as diferenças regionais do país como maiores empecilhos para a adoção do P4P na saúde pública. “Ainda falta médico em algumas áreas brasileiras”, lembra o consultor, reiterando a importância da adesão dos profissionais de saúde para o sucesso do modelo de pagamento. “Nessas regiões, vai ser mais difícil 62

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“O P4P é interessante, mas, antes de adotálo, precisamos definir qual modelo de saúde queremos para o país. Uma discussão sobre as formas de pagamento, neste momento, seria precipitado. Precisamos debater a forma de remuneração, mas pular essas etapas de definição do que será o SUS seria catastrófico EMILIO ZILLI, DIRETOR DE DEFESA PROFISSIONAL DA AMB

atrair a participação dos médicos para um programa de avaliação do desempenho”, constata. RESISTÊNCIA – Difícil mesmo será convencer as entidades médicas a aderirem ao modelo. “O P4P é mais uma tentativa do governo e planos de saúde de instituir programas de diminuição de custo e limitação de procedimento”, critica o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira. Para ele, a adoção do pagamento por performance na saúde brasileira seria prejudicial, ao vincular a remuneração dos profissionais e instituições do setor a uma política de redução de despesas, criando um embate ético. “Isso afetaria negativamente os atendimentos, penalizando os pacientes”, afirma. Segundo Ferreira, seria mais interessante uma política de investimento na indústria hospitalar brasileira. “Com equipamentos nacionais mais baratos e de qualidade, o custo dos procedimentos e exames seria consequentemente reduzido”, cogita. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) chegou a se pronunciar em carta pública contra a adoção do pagamento por performance. A entidade

comparou o modelo de remuneração às metas de redução de exame instituídas no passado por algumas operadoras, e classificadas como ilegais pela ANS, em 2011. “É mais um método usado pelas operadoras para monitorar e, frequentemente, punir – pecuniariamente ou não – o médico”, afirma o documento. Há um erro de interpretação, segundo Medici. Para ele, as entidades de classe precisam compreender que o pagamento por desempenho não é um modelo punitivo. “A ideia de performance pode ser fruto de debates e ser customizada de acordo com as práticas de cada instituição”, comenta o consultor. “O importante é beneficiar tanto o médico quanto o paciente das melhores práticas do setor, através de incentivos econômicos e profissionais, mas é necessário um mínimo de consenso na construção dos indicadores”, ressalta. A resposta estaria em uma política de incentivos, como mostra Abicalaffe. Ele propõe como modelo a remuneração mista, composta por um fixo mais um bônus para o bom desempenho, como ocorre na Inglaterra. “O P4P não irá substituir os modelos tradicionais de pagamento, ele vem para complementar a remuneração já existente”, esclarece o consultor, destacando a necessidade do envolvimento das entidades médicas na construção do sistema. “As organizações do setor poderiam contribuir na discussão, analisando questões de remuneração e propondo alternativas que dessem a sustentabilidade que o mercado precisa”, sugere Abicalaffe, citando como exemplo a participação das associações de classe na discussão do modelo estadunidense. Diretor de Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira, Emílio Zilli acredita que ainda é cedo para o debate sobre a remuneração. “O P4P é interessante, mas, antes de adotá-lo, precisamos definir qual modelo de saúde queremos para o país”, diz o médico. Ele aponta como medidas mais urgentes a decisão sobre quais serão as necessidades do SUS com a população envelhecida, para, com base nessas informações, estipular os parâmetros de qualidade do sistema público. Na opinião de Zilli, uma discussão sobre as formas de pagamento, neste momento, seria uma ação precipitada. “Precisamos, sim, debater a forma de remuneração, mas pular essas etapas de definição do que será o SUS futuramente seria catastrófico para a saúde brasileira”, alega. O debate promete.


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EMPREENDEDORISMO BRUCE IRWIN

“A ASSISTÊNCIA CORRETA. AGORA MESMO”: para o médico e empresário Bruce Irwin, seu negócio atende a uma clientela que dá valor ao seu tempo


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O REI DO FAST HEALTHCARE A Diagnóstico foi buscar no Alabama (EUA) a fantástica história do Bruce Irwin, médico americano que se inspirou no McDonald’s e em Sam Watson (Walmart) para criar uma das maiores redes de clínicas de baixo custo das Américas

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Adalton dos Anjos médico e empresário americano Bruce Irwin enfrentou a conservadora indústria americana de saúde do final da década de 70 e provocou uma disrupção na forma como os cuidados de saúde eram oferecidos. Sem apoio nem dos melhores amigos, como costuma dizer, Irwin fundou uma das primeiras redes de clínicas especializadas em oferecer atendimento de cuidados primários nos EUA, a American Family Care (AFC). Trinta e dois anos depois, Irwin já recebeu propostas de até US$ 400 milhões pela marca, que cresce de forma agressiva, com uma média de 16 novas unidades por ano nos últimos cinco anos. A recente aquisição das 73 franquias da Doctors Express (DRX), concluída no primeiro semestre, fez com que a companhia passasse a ter cerca de 150 unidades e presença em 27 estados – até o ano passado eram quatro. A filosofia da empresa, sediada em Birmingham, no Alabama, se inspira em lições vindas das empresas de varejo e de fast-food para atender mais de um milhão de pacientes por ano. Do WalMart vem o ganho em escala com a operação de centenas de clínicas especialmente com maior poder de barganha na hora da compra. Já do McDonald vem a experiência proporcionada aos pacientes/clientes refletida no lema da AFC – “A assistência correta. Agora mesmo” –, muito semelhante com o atendimento imediato no drive-thru da hamburgueria mais famosa do mundo. Questionado sobre o perfil de público almejado pela companhia, Irwin não hesita e dispara: “Pessoas que dão valor ao seu tempo”, disse à Diagnóstico. Todo o processo de atendimento em qualquer uma das franquias localizadas próximas a uma loja do Wal-Mart ou da Target em bairros periféricos dura em torno de 68 minutos. Especialista em medicina ocupacional e de emergência, Irwin desenvolveu um negócio que se tornou uma mina de ouro

Sou filho de um homem que se tornou sapateiro após perder as duas pernas em um acidente de trem. Desde muito cedo, tinha minhas próprias responsabilidades. Minha infância foi de mais trabalho que brincadeiras. Meu espírito empresarial nasceu de uma necessidade de sobrevivência no segmento assistencial nos EUA. Atualmente, mais de 10 mil clínicas de urgência e emergência fazem parte deste mercado e movimentam US$ 16 bilhões por ano. O executivo demonstra ser um profundo conhecedor dos desafios e riscos do mercado de saúde e por isso diversificou e reinventou seus negócios. Além da AFC e DRX, ele é o proprietário da U Save Pharmacies, rede de farmácias com 12 unidades no estado do Alabama; da Occupational Health Services of America (OHSA), serviço especializado em saúde ocupacional oferecido nas unidades da AFC; e da imobiliária DBI Properties. “Ele é um verdadeiro empreendedor em todos os sentidos da palavra”, revelou à Diagnóstico o presidente da AFC, Randy Johansen – há 22 anos na companhia. “Sua visão do futuro e entendimento do que é ne-

cessário para se ajustar ao ambiente da saúde é a razão do nosso sucesso”. Nem por isso o mercado deixa de ser difícil. Com exceção da AFC, as maiores companhias especializadas em cuidados básicos nos EUA – a Concentra Urgent Care, a US HealthWorks, a MedExpress e a NextCare Urgent Care – não possuem capital próprio. Seguradoras, redes de hospitais e outros investidores foram responsáveis por dar o lastro financeiro necessário para o início e manutenção destas companhias. “Este tipo de negócio é bem difícil e requer capital intenso e uma longa aceleração, que exige muitos recursos inicialmente”, avalia o executivo da empresa que registrou uma receita anual de US$ 62 milhões em 2012, antes da aquisição da Doctors Express. RELÓGIOS DE LUXO – O modelo agres-

sivo de crescimento da companhia nos últimos anos ensinou os executivos da AFC a evoluir em suas habilidades de administradores e o maior legado deste processo, segundo eles, é o valor da delegação. O dia a dia da rede de clínicas é conduzido por uma equipe formada por diretores de longa experiência. Os membros de primeiro escalão trabalham com Irwin há mais de 15 anos, já os líderes do andar de baixo possuem mais de 10 anos na empresa. “Hoje com mais experiência, me tornei mais um gestor e, com a bela equipe que formei, posso me concentrar em nossa estratégia e visão de crescimento”, explica o ex-workaholic. Com uma rotina de trabalho que se estende das 9h30 às 16h, sobra tempo para se exercitar, cuidar da família, ler, se dedicar à coleção de relógios de luxo e à prática do golfe. Johansen, que regularmente joga com o chefe, revela que nenhum dos dois pontua bem. Na verdade, assim como Steve Jobs, que costumava discutir o futuro da Apple em passeios pelos jardins de Cupertino – sede da empresa –, as caminhadas nos campos de golfe no Alabama são uma estratégia de Irwin para falar sobre os negócios da AFC de forma aprazível. Diagnóstico | mai/jun 2014

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EMPREENDEDORISMO BRUCE IRWIN A redução dos custos nos atendimentos é um dos temas constantes das conversas de Irwin com Johansen. Em média, a tarifa por uma consulta emergencial na AFC é 1/5 do valor cobrado em um hospital e 75% mais barata que um consultório tradicional especializado em cuidados básicos. A economia vem do ganho em escala, da centralização de todas as funções médicas, do modelo de contratação de médicos (que não são sócios) e das instalações das unidades, que funcionam na periferia e longe de hospitais. O investimento em localização também ajuda a atrair o público que não quer perder tempo em grandes deslocamentos com tráfego complicado. Em qualquer franquia da AFC, os procedimentos serão os mesmos: sem burocracia, o paciente passa pela admissão e é encaminhado imediatamente para a triagem. Em seguida, um médico o examina, emite o diagnóstico, discute o tratamento e prescreve a medicação. Tudo funciona quase como uma linha de montagem. E se o paciente estiver em uma das filiais da clínica no Alabama, ainda pode aproveitar os preços da U Save Pharmacies na compra do medicamento receitado – uma estratégia comercial que no Brasil provocaria arrepio no Conselho Federal de Medicina (CFM). Os custos da intervenção, para quem não tem cobertura privada, chegam na casa do paciente, via boleto bancário. “CONSUMER-DRIVEN” – O mantra do

“atendimento centrado no consumidor”, de Sam Walton, criador do Wal-Mart, faz parte do DNA da AFC. É preciso satisfazer o cliente reduzindo o tempo de espera e atendimento, ampliando o horário de funcionamento das 8h às 18h todos os dias da semana, e lançando mão de ferramentas como TV e Wi-fi grátis, além de uma equipe treinada para receber o público de forma acolhedora. Os funcionários de cada clínica são recompensados mensalmente com bônus baseados na avaliação do paciente sobre o tratamento oferecido na clínica. A estratégia rendeu o comemorado índice de uma reclamação a cada 2000 atendimentos nas clínicas da rede. Se o maior varejista da história afirmava que “um cliente pode demitir todo mundo em uma empresa gastando seu dinheiro em outro lugar”, Irwin, que o considera o empreendedor de maior sucesso da era moderna, costuma dizer: “Cuide do paciente e o resto se cuidará por si mesmo” – uma paráfrase ao mantra de sucesso do McDonald. “Não tratamos apenas os pacientes durante a visita inicial, também o encorajamos 68

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Cuide do paciente e o resto se cuidará por si mesmo. [Por isso] não o tratamos apenas durante a visita inicial, o encorajamos a voltar, quando apropriado. A necessidade por cuidados em saúde acessíveis é universal e os custos estão quebrando as economias até de países desenvolvidos a voltar, quando apropriado”, pontua Johansen. Ao comparar o modelo de atendimento da AFC com a concorrência, ele explica que os recém-chegados ao segmento tratam as doenças agudas e traumas durante a visita inicial e, em seguida, encaminham os pacientes ao seu médico de cuidados primários ou para um especialista. A preocupação com a marca faz com que Irwin e sua equipe trilhem o caminho oposto a esta tendência e estimulem a continuidade do tratamento na própria instituição. A reputação da companhia sediada em Birmingham é uma aposta tão forte entre os executivos que mesmo após a aquisição do Doctors Express, uma franquia presente em 25 estados nos EUA, o nome da nova rede de clínicas passou a ser AFC/Doctors Express e, no futuro, todas as unidades terão apenas a marca da AFC. DENÚNCIA DE FRAUDE – O sucesso das

franquias da AFC tem chamado a atenção do mercado nacional e internacional. Segundo Irwin, abordagens comerciais foram recebidas da América Latina, Europa, China e da República Árabe Unida (bloco formado por Síria e Egito). “A necessidade por cuidados em saúde acessíveis é universal e os custos estão quebrando as economias até de países desenvolvidos”, analisa, sem revelar mais detalhes sobre a expansão da marca para fora do território norte-americano.

Nos EUA, no entanto, a AFC acaba de pagar uma multa de US$ 1,2 milhão depois que agências federais revelaram uma fraude no sistema de reembolso da unidade-sede em Birmingham junto às operadoras de saúde Medicare, Medicaid, Tricare e Champus. Milhões de dólares foram obtidos indevidamente através do “upcoding”, a inserção de códigos nos demonstrativos de faturamento que eram mais altos que o serviço realizado. Irwin, que ainda não tinha comentado o caso publicamente, afirmou à Diagnóstico que o pagamento da multa não significa que a companhia admitiu que tenha cometido o crime. “Foi um ajuste econômico, era mais barato chegar a um acordo do que continuar com as despesas legais”, justificou o executivo tentando minorar o escândalo. Ainda segundo ele, a questão foi “criada” por um ex-funcionário insatisfeito e que foi demitido por justa causa. As denúncias de fraude vão de encontro com o perfil altruísta de Irwin. Através da AFC, várias organizações de caridade são beneficiadas através de doações financeiras e utilização dos recursos humanos da rede para apoio em eventos para recolher fundos. Anualmente, US$ 150 mil são repassados às entidades locais e nacionais especializadas no tratamento da leucemia, linfomas, fibrose cística, câncer de mama e vítimas de tornados. Bem sucedido financeiramente, o executivo conheceu a pobreza como poucos americanos de sua geração. Seu pai tornou-se um sapateiro logo após perder as duas pernas em um acidente de trem, quando sua mãe estava grávida dele. “Desde muito cedo tinha minhas próprias responsabilidades. Minha infância foi de mais trabalho que brincadeiras. Meu espírito empresarial nasceu de uma necessidade de sobrevivência”, lembra. Visionário, Irwin fez mais do que construir unidades de cerca de 450 m², com salas de emergência, serviços laboratoriais, aparelhos de raio-X e prontuários eletrônicos. Quando ninguém acreditava na sustentabilidade de um negócio tão arriscado, ele enfrentou a desconfiança e explorou até mesmo sua própria imagem como médico para tornar seu empreendimento conhecido. Apesar de não se considerar um showman, Irwin reúne quase todas as características dos melhores da sua espécie – disruptor, intuitivo e estrategista ao mesmo tempo. Não gosta muito de estar em público, mas diz que pode ser tão extrovertido quando a situação assim exigir. Ou dar uma aula de modéstia se a necessidade for apenas despistar a concorrência.


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Ricardo Benichio

CLÁUDIA COHN, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DIAGNÓSTICA (ABRAMED)

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Mais ética na Saúde. O mercado precisa. A sociedade exige.

Movimento pela Ética na Saúde

UMA INICIATIVA

APOIO

Revista

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TECNOLOGIA RESENHA

O USO DOS PEP’S VS PRODUTIVIDADE Médica especialista em prontuário eletrônico comenta a tese, defendida pelos pesquisadores americanos Julia Adler-Milstein e Robert S. Huckman, de que a uso de PEP’s diminui a produtividade de profissionais adeptos da nova tecnologia

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Nubia Viana* números são os pontos que podemos discutir atualmente com relação aos benefícios ou impactos que a utilização de ferramentas de prontuário eletrônico podem trazer: 1) Maior colaboração não somente entre os profissionais de saúde envolvidos com o paciente, mas também entre as diversas instituições de saúde, consolidando o conceito do Registro

Eletrônico de Saúde – RES. Este processo faz com que o sistema de saúde repense seus processos, seus graus de inter-relacionamento, delegações de tarefas, tamanho das instituições envolvidas, entre outros fatores; 2) Prevenção de Eventos Adversos Graves – EAG, com utilização de ferramentas de suporte a decisão, gerando alertas ou lembretes aos profissionais envolvidos, maior controle dos protocolos

baseado na Medicina Baseada em Evidência ou Guidelines. Todas estas ações preconizam real utilização das ferramentas supracitadas; 3) Segurança do paciente, atuando na melhoria contínua dos processos e qualidade e acuracidade da informação; A lista pode conter outros tópicos. Mas como estes elementos se equilibram com a questão da produtividade envolvidos neste processo, e em espeShutterstock/Editoria de Arte

JORGE OLIVEIRA, PRESIDENTE EXECUTIVO DA PRODAL, QUE ADMINISTRA O HOSPITAL DO SUBÚRBIO: prejuízo de R$ 1

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cial o profissional médico? Profissional este responsável, na grande maioria dos fluxos hospitalares, pela entrada e gatilho de informações críticas ao processo da assistência. Como o porte do serviço pode afetar a produtividade? Como o nível de delegação de algumas atividades, sejam elas complementares ou substitutas, pode contribuir ou não para aumento da produtividade? O artigo do The American Journal of Managed Care – AJMC discorre justamente sobre este âmbito [a versão original, em inglês, está disponibilizada em: http://www.ajmc.com/publications/issue/2013/2013-11-vol19-SP/ The-Impact-of-Electronic-Health-Record-Use-on-Physician-Productivity]. O texto, de autoria dos americanos Julia Adler-Milstein e Robert S. Huckman – ambos PHD’s –,detalha os aspectos sobre a metodologia utilizada para mensurar os resultados, amostras e períodos considerados. Não iremos entrar no detalhamento desses aspectos aqui. Mas vale a pena a leitura do mesmo, seja pelo tema em si – sempre importante e na pauta de discussão das diversas instituições que estão analisando a compra de solução – ou pela própria importância de definir os métodos que serão utilizados como métrica para medir os resultados e possibilitar elementos para discussão de forma quantitativa e qualitativa. Sem sombra de dúvida, aspectos como tamanho do serviço que irá utilizar e a forma como os profissionais médicos trabalham com os demais profissionais de saúde (equipe multidisciplinar), com a delegação de tarefas, são nuances que interferem na sua produtividade. O interessante do artigo foi a correlação estabelecida entre o aumento na sua produtividade, concomitante a um aumento das tarefas executadas diretamente por eles, ou indiretamente, através das atividades delegadas. Estas, dependendo do tamanho do serviço, atuam como tarefas complementares ou substitutas – novamente, sugiro a leitura dos autores Adler-Milstein e Huckman para compleO ESTUDO FOI PUBLICADO ORIGINALMENTE NO THE AMERICAN JOURNAL OF MANAGED CARE: médicos gastam um tempo precioso na rotina de assistência preenchendo prontuários eletrônicos

tar o entendimento da abordagem. Foi estabelecido no artigo uma correlação entre os serviços de grande porte e um maior um número de atividades delegadas – tidas como complementares – e serviços de menor porte e maior número de atividades – tidas como substitutas. As atividades substitutas, caso aspectos regulatórios ou legais de cada país, podem afetar a produtividade médica, caso o “staff” de suporte clínico não tenha essa atribuição claramente descrita. Esse é um ponto que necessita de maior discussão, pois foge da alçada puramente de processos, mas envolve também aspectos principalmente regulatórios, e que estão ligados diretamente à realidade de cada país. O ponto que gostaria de discorrer aqui está correlacionado com o primeiro tópico abordado no parágrafo acima – produtividade versus aumento das atividades ou tarefas. Vale a pena, neste momento, considerar algumas premissas para que possamos trabalhar as questões envolvidas na perspectiva produtividade que, apesar de não explícito no artigo, devem ter sido devidamente isoladas da análise, possivelmente entendendo que estes são pré-requisitos mínimos e necessários para este nível de discussão: 1) Desempenho do sistema: é fundamental que seja provida infraestrutura compatível com o número de usuários e com o volume de transações diárias realizadas; 2) Usabilidade: as soluções desenvolvidas devem cada vez mais buscar produtos (seja hardware ou software) que sejam amigáveis, com flexibilidade de se adaptar aos processos e fluxos institucionais; 3) Interoperabilidade: os diversos sistemas de informação devem se “falar” entre si, evitando redundância na entrada de dados comuns aos processos, e ao mesmo tempo integridade das informações, o que garante não somente maior confiabilidade na informação fornecida, mas também base valiosa para dados gerenciais. GATILHOS DE NEGÓCIO – A partir destes tópicos, que atuam como fatores técnicos importantes e coadjuvantes a qualquer processo de implementação de prontuário eletrônico, devidamente iso-

A REALIDADE PODE SER DURA, PORÉM, É IMPORTANTE QUE OS HOSPITAIS DE FATO AVALIEM O ANTES E O DEPOIS COM RELAÇÃO À ADOÇÃO DO PRONTUÁRIO ELETRÔNICO E O IMPACTO NA PRODUTIVIDADE MÉDICA. E ISSO VALE NÃO SOMENTE PARA O PERCENTUAL DE AUMENTO ABSOLUTO NO TEMPO DESTES PROFISSIONAIS NO REGISTRO DA INFORMAÇÃO, MAS O QUE ISTO ACARRETARÁ NA QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA

lados da nossa análise, vamos nos voltar para o registro das informações necessárias para que possamos discutir a produtividade dos profissionais médicos. Um ponto importante que o estudo abrange e coloca sob foco nesta discussão é que estamos falando de utilização e não somente da adoção de ferramentas voltadas para a gestão do paciente. O que as ferramentas de gestão clínica acabam por trazer às instituições que as adotam como soluções para o prontuário eletrônico são gatilhos e/ou regras de negócio disponibilizadas em meio digital para incrementar o maior registro das informações possível. Um aparato já obrigatório ao processo, mas que no meio papel é mais dificilmente regulado em tempo real. Este dilema traz à tona o quanto, ao longo dos anos, houve real diminuição no registro de informações com qualidade e acuracidade devidas. Estes fatoDiagnóstico | mai/jun 2014

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TECNOLOGIA RESENHA res, somados a outros não relacionados diretamente à questão da utilização de ferramentas eletrônicas (formação do profissional, número de profissionais ligados direta ou indiretamente ao hospital, complexidade cada vez maior do sistema de saúde, tecnologias de ponta, entre outros) agravam este cenário. Toda a semiótica médica que aprendemos nas escolas de medicina, com sua riqueza de detalhes, focando aspectos de cronologia, localização corporal do sintoma ou sinal relatado ou identificado – respectivamente, qualificação e quantificação dos mesmos –, além de fatores que podem agravar ou atenuar os aspectos informados, precisam ser devidamente registrados no prontuário do paciente. Toda a história pregressa do indivíduo e familiar, que pode também estar correlacionada à condição clínica, precisa também estar devidamente documentada. “PACIENTE S/ ALTERAÇÕES” – É óbvio que a prática e o exercício médico trazem ao profissional médico maior facilidade e rapidez na identificação de toda esta gama de dados que comporá a hipótese diagnóstica e orientará toda a conduta terapêutica. Some-se a isso o uso de ferramentas auxiliares que corroborarão ou não a hipótese diagnóstica, como os exames complementares. Mas o registro de todas as ações que levaram o profissional àquela hipótese diagnóstica continua sendo obrigatório, o que dificilmente poderá ser resumido em frases hoje comumente registradas no papel como “paciente em BEG, s/ alterações”. EF sem anormalidades.” ou “EF ndn”. Na prática, trata-se de um conjunto de abreviaturas – ao longo do tempo discutidas na prática da medicina – sem a real evidência de que tudo que deveria ter sido analisado e examinado foi feito. A realidade pode ser dura, porém, é importante que os hospitais de fato avaliem o antes e o depois com relação à adoção do prontuário eletrônico e o impacto na produtividade médica. E isso vale não somente para o percentual de aumento absoluto no tempo destes profissionais no registro da informação, mas o que isso acarretará na qualidade da assistência. A utilização do prontuário eletrônico deverá significar, ao mesmo tempo, obrigatoriedade de preenchimento, justificativa para determinadas ações não previstas, tomada de decisão em tempo real 74

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A DISCUSSÃO [SOBRE O USO DO PRONTUÁRIO ELETRÔNICO E O SEU IMPACTO NA PRODUTIVIDADE DOS MÉDICOS] É NECESSÁRIA E FUNDAMENTAL PARA QUE A TOMADA DE DECISÃO DOS GESTORES SAIA DO PATAMAR TÃO SOMENTE DE PRODUTO (QUAL O MELHOR SOFTWARE? QUAIS MÓDULOS EXISTEM?) PARA UMA TOMADA DE DECISÃO BASEADA EM RESULTADOS

(frente a alertas e lembretes), bem como aumento na qualidade da assistência, claramente demonstrados através de: 1) Indicadores assistenciais: a. Infecção Hospitalar, notificação de EAG, Eventos Sentinelas, indicadores de segurança do paciente; b. Gestão de condições clínicas importantes: Acidente Vascular Cerebral, Insuficiência Cardíaca Congestiva, Asma, entre outras; 2) Indicadores gerenciais: a. Completude no preenchimento do prontuário; b. Tempo de permanência; c. Tempo de rotatividade do leito; 3) Indicadores de qualidade: a. Gerenciamento de Risco; 4) Indicadores administrativo-financeiros: a. Estoque: desperdício de medicamentos, de acordo com lote/validade; b. Faturamento: diminuição no número de glosas; c. Menor exposição legal;

Os ganhos de qualidade na assistência, sejam para instituição, para o próprio profissional (com vínculo direto ou não) e para o próprio paciente, devem ser contabilizados, no meu entendimento, como um ganho na produtividade médica. O tempo de registro pode erroneamente ser interpretado como maior (que o artigo brilhantemente isola, através da metodologia adotada, enfatizando a importância de métodos claros quando se aborda assuntos dessa natureza), podendo levar a conclusões inadequadas. A análise dos elementos de forma mais global não somente evita este tipo de conclusão, como expõe pontos importantes, como o aspecto do nível de delegação das suas tarefas, bem como o tamanho do serviço que o utiliza. Esses elementos, vale salientar, não foram devidamente aprofundados – mesmo porque não era o objetivo inicialmente proposto pelos autores. Mas vale ponderar aspectos não explicitados no texto, como o papel de programas de qualidade implementados, processos de acreditação, revisão contínua dos fluxos de trabalho, revisão contínua da documentação do prontuário etc. Normalmente, instituições de maior porte possuem estas politicas implementadas, o que traz maior clareza do nível e quantidade de tarefas executadas direta ou indiretamente – sejam complementares ou substitutas – pelos profissionais médicos ou demais membros da equipe multiprofissional (ou de suporte clínico, como o artigo intitula). Dessa forma, artigos como estes só colocam mais “sabor” à discussão da utilização do prontuário eletrônica nos serviços. Discussão necessária e fundamental para que a tomada de decisão dos gestores hospitalares ou dos serviços de saúde de uma forma geral saia do patamar tão somente do produto (qual o melhor software? Quais módulos existem?) para uma tomada de decisão baseada em resultados (qual trará maior produtividade? Como diminuir meu número de EAG? Qual trará melhor resultados nos meus indicadores, sejam assistenciais, administrativos ou financeiros?). Mas este é assunto para outra conversa.

*White Paper por: Nubia Viana é médica; Country Solution Manager para o segmento Enterprise IT da Agfa HealthCare.


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INFORME PUBLICITÁRIO

NOVA GESTÃO MODERNIZA UM DOS MAIS IMPORTANTES HOSPITAIS DA BAHIA Rebatizado de ProHope, antigo Hospital Jaar Andrade vai receber até o final do ano investimentos de R$ 7 milhões. Nova gestão, que modernizou a governança corporativa da unidade, foi assumida pelo grupo pernambucano ML Menezes

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nze meses foram necessários para que o Grupo ML Menezes, empresa especializada na área de saúde, impusesse seu estilo de governança ao antigo Hospital Jaar Andrade – localizado em Cajazeiras, um dos bairros mais populosos de Salvador (BA). Recém-adquirida pelo grupo, com sede em Recife (PE), a nova unidade foi rebatizada de Hospital ProHope, passou por investimentos em revitalização física, aquisição de novos equipamentos e, principalmente, em uma nova cultura de governança corporativa. Até agora, R$ 4 milhões já foram aportados na operação – outros R$ 3 milhões serão investidos até o final do ano. “Implementamos uma gestão 76

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focada em resultados”, salienta Thiago Cavalcanti, diretor administrativo-financeiro do ProHope. “O maior desafio foi modernizar as rotinas administrativas e financeiras do hospital e prepará-lo para um futuro do tamanho de sua importância para a comunidade”. Ele explica que o ponto crucial do processo de reestruturação da unidade, que existe há mais de 20 anos, foi a informatização de áreas antes carentes, tanto nos setores de assistência quanto na gestão financeira e administrativa. “O Prohope é hoje um hospital saudável do ponto de vista de seus números”, afirma Thiago. “Demos um salto de performance”. NOVOS DESAFIOS – A oportunidade de investir em uma região carente

da periferia de Salvador, com mais de 500 mil habitantes, vem incentivando a equipe de gestores a ir além. “Queremos fortalecer nossa marca ao disponibilizar um serviço de qualidade e com custos melhores”, garante Joílson Matos, diretor comercial da unidade. Para isto, a infraestrutura do Hospital ProHope também está sendo atualizada. O setor da nutrição, por exemplo, passou por reformas para atender melhor às demandas da assistência. A UTI Geral e as cinco salas do centro cirúrgico foram modernizadas e passaram a se equiparar com estruturas disponíveis em alguns dos melhores hospitais da cidade. Com 136 leitos, a meta dos novos gestores da unidade é acrescentar mais de 120 nos próximos anos, com a


construção de um prédio de seis andares em uma área ainda não explorada dentro dos 8 mil m² que pertencem à instituição. Os planos de crescimento também incluem a ampliação do número de cirurgias por mês, passando das atuais 150, para 500. Está prevista também a implantação de centros de referência em oncologia, com serviços clínicos, cirúrgicos e quimioterápicos, além de diálise e a ampliação do Centro de Isquemia Crítica e Pé Diabético. “Será a primeira emergência vascular 24h da cidade para tratamento da isquemia crítica com Pé Diabético a possuir centro de feridas”, destaca Cavalcanti. Atualmente, 21 especialidades médicas são atendidas no hospital.

THIAGO CAVALCANTI (ESQ) E JOÍLSON MATOS, DO GRUPO ML MENEZES: reestruturação vai capacitar a unidade a buscar a acreditação ONA; abaixo, fachada ilustrativa do ProHope

ONA – A ambiciosa previsão de dobrar a capacidade de atendimento em um prazo de cinco anos não é o único grande desafio do ProHope. Um conjunto de ações visando a uma mudança na cultura organizacional já está sendo implementado com o objetivo principal de envolver as equipes para a conquista da certificação junto à ONA. “A gestão do hospital foi completamente profissionalizada e especialistas de todas as áreas foram contratados, o que resultou na incorporação de aproximadamente 250 novos colaboradores”, revela Cavalcanti. “Boa parte do novo staff é formado por líderes de grupos que vão atuar como multiplicadores da nova filosofia da empresa”. Novos médicos, muitos dos quais oriundos de grandes hospitais de Sal-

vador, também passaram a fazer parte do corpo clínico. Além disso, todas as comissões exigidas para a obtenção do selo da acreditação já foram formadas, entre elas o setor da Qualidade. “Temos uma visão empreendedora, visando ao futuro do negócio e investindo em tecnologia e gestão participativa”, observa Matos. Os gestores admitem que a chegada de uma nova forma de governança foi um desafio para a equipe, que teve de lançar mão de diversas estratégias para lidar com a interação entre veteranos e recém-contratados. Um novo profissional de marketing ficou responsável por organizar ações que divulguem para a equipe os resultados obtidos pelos próprios funcionários internamente. E uma psicóloga, especialista em apoiar hospitais na obtenção da acreditação, também passou a integrar os quadros da instituição. “Recebemos um retorno positivo do nosso público interno. Além disso, nossos pacientes e a comunidade de um modo geral já demonstram ter percebido as mudanças, para melhor, na unidade”, afirma Cavalcanti. E elas chegam em boa hora. Afinal, a revitalização e o crescimento do ProHope serão importantes para enfrentar um grave problema na periferia da cidade: a escassez de leitos e a carência de atendimento médico suplementar de qualidade. “O ProHope quer ser cada vez mais uma referência de acolhimento, resolutividade e segurança para Salvador”, salienta Cavalcanti.

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Ricardo Benichio

QUEM LÊ DECIDE. QUEM DECIDE LÊ. EUDES DE FREITAS AQUINO, PRESIDENTE DA UNIMED DO BRASIL

A REVISTA DOS LÍDERES DA SAÚDE DO BRASIL

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BOASPRÁTICAS

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ESTRATÉGIAS PARA RECEBER CELEBRIDADES EM SEU HOSPITAL

Adalton dos Anjos

asta uma falha para que toda a visibilidade proveniente da admissão de um paciente celebridade, político ou de notoriedade pública em um hospital passe de uma publicidade espontânea positivamente para uma crise de repercussão internacional. Durante a Copa do Mundo de Futebol, o Hospital São Carlos, em Fortaleza, pagou pelo erro de uma enfermeira que não resistiu ao ímpeto de fã descontrolada e fez um vídeo dentro da unidade hospitalar com a chegada de Neymar em uma maca. O atleta, principal estrela da seleção, tinha acabado de sair de campo, em prantos, após ser atingido por um defensor da Colômbia. Viralizado nas redes sociais, o material ainda foi concluído com um sorriso maroto da autora, em um momento de luto no futebol nacional marcado pela saída definitiva do craque da competição. Em poucas horas, a grande imprensa e a opinião pública transformaram aquelas imagens no pior pesadelo para os gestores do hospital cearense, inclusive com repercussão internacional – Yahoo (EUA), Rede CBC (Canadá) e L’Express e Le Parisien (França). A decisão tomada acabou sendo a demissão da colaboradora. Nestas horas, não adianta analisar o histórico do hospital, que tinha recebido duas semanas antes o jogador brasileiro Hulk e a estrela italiana Mario Balotelli, além de já ter atendido cantores e políticos ao longo dos anos. O Hospital São Carlos terá a imagem marcada por muito tempo pela atitude da enfermeira. Nacionalmente, hospitais como o Sírio Libanês e o Albert Einstein (SP), o Copa D’Or (RJ) e o Mater Dei (MG) se tornaram referências no atendimento a celebridades e políticos. Para a especialista em hotelaria hospitalar Ana Augusta Salotti, as unidades devem cada vez mais buscar inspiração no setor hoteleiro no momento de configurar suas estratégias para receber esta modalidade de público. “É preciso investir em privacidade e hospitalidade, proporcionar conforto para todos e preparar a equipe”, alerta. Uma receita que inclui investimento em segurança, treinamento de pessoal, fluxo de informação e protocolos internos. A revista Diagnóstico destacou quatro estratégias usadas por gestores em hospitais benchmarking no assunto.

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PRIVACIDADE (OU NÃO)

Os hospitais devem estar preparados para atender os desejos de diferentes perfis de celebridades e políticos que buscam atendimento. Há pacientes que exigem privacidade e diversas estratégias precisam ser implantadas. Uma sala de espera que não os exponha à curiosidade e assédio de populares, além de apartamentos específicos e com a possibilidade de acolher o staff de 80

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apoio e familiares são alguns pontos a serem considerados. “Não se trata de privilégios, são cuidados que devem ser tomados para a segurança de todos na unidade hospitalar”, explica Ana Augusta. A discrição da equipe é outra questão abordada em todo programa de treinamento dos grandes hospitais que recebem este tipo de público. É preciso indicar aos funcionários a forma como ele devem agir diante de um ator, cantor ou político para não constrangê-lo, sobretudo aqueles profissionais que entram com frequência no apartamento do cliente e podem se aproveitar da sua vulnerabilidade. Mais do que isso, eles necessitam ter consciência de que mesmo se tratando de uma figura pública, a política de confiabilidade e ética profissional tem que ser aplicada para qualquer paciente. Não há um perfil procurado pelos setores de RH dos hospitais para os funcionários que trabalharão direto com a assistência à celebridades, mas características como a discrição, o bom senso e a lealdade aos princípios éticos e normas internas são alguns elementos levados em consideração pelos gestores. Na linha de frente, um treinamento especial é realizado para um posicionamento mais claro e preciso diante da imprensa. O Sírio Libanês, tradicionalmente reconhecido por prestar assistência a grandes nomes da política brasileira, a exemplo do ex-presidente Lula, do ex-vice-presidente José de Alencar e da presidente Dilma Rousseff, submete sua equipe a um media training. A frequência das aparições é tamanha que médicos como Roberto Kalil, médico da atual presidente Dilma, e Raul Cutait, responsável por ter operado outros cinco presidentes da República ganharam, eles próprios, status de figuras públicas. No Albert Einstein, a ordem é “todos os pacientes são iguais, o conceito de celebridade quem dá é a mídia”, portanto, evita-se nestes casos a exposição à imprensa. Institucionalmente, hospitais precisam estar preparados também para receber pacientes que aproveitam todos os momentos de suas vidas – até mesmo uma intercorrência médica – para terem visibilidade. Recentemente, o rapper 50 Cent sofreu uma infecção estomacal e foi internado em um hospital de Los Angeles. Durante a estadia na unidade, ele divulgou em seu perfil no Twitter uma foto em que aparecia deitado em seu leito. O ato foi encarado pela imprensa como uma autopromoção, já que o cantor queria atrair atenção para um álbum que estava prestes a lançar. Em novembro de 2013, o cantor Reginaldo Rossi autorizou um fotógrafo a divulgar uma foto sua sorridente junto a duas enfermeiras no Hospital Memorial São José, em Recife. À época, o artista, que passava por sessões de quimioterapia, queria tranquilizar os fãs e encerrar boatos de que havia morrido. Para a vice-presidente assistencial operacional e diretora clínica da Rede Mater Dei, Márcia Géo, é preciso respeitar a vontade do paciente. “Nos casos em que não se deseja privacidade, orientamos a família e a própria assessoria de imprensa do paciente a lidar com a situação, respeitando os protocolos e direitos do paciente”, declara.

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SEGURANÇA

Independentemente de o paciente desejar ou não expor publicamente sua passagem por uma unidade hospitalar, o in-


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vestimento em segurança sempre é necessário. Um dos pontos primordiais é a definição de parâmetros para filtrar a entrada de pessoas. “O hospital tem que estar preparado para ter um plano de contenção na entrada das pessoas, porque muitas vezes o fluxo de fãs e imprensa pode gerar grandes transtornos”, pontua Ana Augusta. O Sírio Libanês, por exemplo, já registrou histórias de farsantes vestidos de médico e outro que passava por advogado. O fluxo de informações também merece ser definido de forma criteriosa pelos gestores. O transporte de prontuários e o comprometimento de funcionários, firmados em contrato, para não divulgar informações sobre os pacientes são alguns cuidados tomados. Outra estratégia é a criação de um espaço específico para atender a imprensa e realizar coletivas, já que todo este público será direcionado para uma área que não provocará transtornos no acesso dos pacientes. Métodos tradicionais, a exemplo da instalação de câmeras de vigilância, também apoiam o complexo trabalho de contenção dos fãs e jornalistas que passam do limite do bom senso. “Pessoas públicas atraem mais atenção e a equipe de segurança é orientada para evitar qualquer situação que coloque em risco a privacidade ou segurança”, pontua Márcia. Em janeiro, por exemplo, um repórter que buscava fotografar o bebê recém-nascido da cantora Wanessa Camargo foi flagrado por seguranças da Maternidade Pro Matre, sediada em São Paulo, disfarçado de enfermeiro. O fenômeno da invasão em hospitais não é apenas brasileiro. Durante o período de cerca sete meses em que o ex-piloto de Fórmula 1, o alemão Michael Schumacher, ficou internado no Hospital Grenoble, na França, por conta de um acidente de esqui, várias pessoas tentaram invadir seu quarto. Um jornalista tentou se passar pelo pai do ex-piloto, outro colega se vestiu de padre e dois homens não identificados pelo jornal alemão Bild também tentaram acessar a unidade. Em todos os casos, os seguranças barraram as investidas dos farsantes.

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AMENITIES

Normalmente, um paciente notório é sempre um reconhecimento para o hospital por conta do marketing espontâneo que ele promove. Por conta disso, mimos e agrados também são formas

de tornar o período de internação mais confortável. Há mais de 20 anos, a UCLA Medical Center, em Santa Monica, Califórnia, já estava atenta à necessidade de prestigiar uma clientela almejada por muitos hospitais americanos. Quando a atriz Elizabeth Taylor e o astro pop Michael Jackson foram internados na unidade em 1990, eles ficaram em duas das quatro suítes luxuosas da instituição – acomodações semelhantes a hotéis quatro estrelas – com espaço para receber convidados, alimentação gourmet e permissão para o Bring Your Own Bodyguard (BYOB - Traga Seu Próprio Segurança). As maternidades cariocas Perinatal e a Casa de Saúde São José foram solicitadas por famosas como as atrizes Taís Araújo, Letícia Spiller e Bia Antony (ex-mulher do ex-jogador Ronaldo). Consideradas “maternidades cinco estrelas”, elas oferecem serviços extras que vão desde livraria e concierge a produtos de beleza e até massoterapia.

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ATENÇÃO AOS DETALHES

Uma rede multinacional de hotéis se preparava para receber uma equipe de executivos da Coca-Cola, em uma das suas unidades em São Paulo, quando percebeu um detalhe que poderia constranger seus hóspedes: todos os frigobares dos quartos tinham refrigerantes da Pepsi. O fato foi percebido a tempo e todo o fluxo de produtos foi organizado de forma a substituir a marca concorrente da bebida para que os executivos não se sentissem ofendidos. No Sírio Libanês, um aparato de trânsito interno era sempre montado para oferecer rotas livres e sem paradas indesejadas ao então presidente Lula, mesmo quando a ida ao hospital era motivada pela visita a um colega político. A simples ocultação da entrada de uma pessoa notória para tratamento ou visitação de paciente através de acessos exclusivos acaba sendo um trunfo guardado a sete chaves pelas unidades hospitalares, que sequer citam os nomes dos clientes famosos que já receberam. Na era da Idade Mídia, o melhor mesmo é atender ao desejo do paciente, seja aquele que procura discrição, como no caso dos políticos – cuja simples ida a uma unidade de saúde pode comprometer uma campanha – ou o popstar ávido por flashes. Nos dois casos, o que está em jogo é, também, a saúde da carreira. Diagnóstico | mai/jun 2014

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Divulgação

ARTIGO Fernando M. Machado

A Competitividade dos serviços privados de saúde no Brasil - Ameaças e oportunidades na porta da frente- Epilogo

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as quatro últimas edições da Diagnóstico, com este mesmo titulo, foram apresentados exemplos de inúmeras inovações tecnológicas que estão transformando o setor saúde no mundo; os possíveis riscos econômicos e de sobrevivência para as empresas privadas do setor no Brasil; a continua aceleração das inovações de ruptura, o que ressalta a urgência do tema; e a natureza do desafio, de cada empresa, para construir, rapidamente, a capacidade interna de gestão da inovação que é requerida para fazer frente às ameaças e oportunidades mencionadas. Neste epílogo, detalha-se o primeiro passo, ou seja, como iniciar um programa continuo de inovação na empresa. Como atividade de facilitação para a execução de programas de indução da inovação tecnológica em Hospitais, Clinicas e outras empresas da área de saúde, sugere-se a realização de um seminário facilitador e indutor, ao interior de cada empresa.

- Minha empresa tem as condições para inovar? Se não, como faço para tê-las? - Como são identificados os projetos de inovação rentáveis? Como são avaliados? - Qual o risco das inovações, e qual o risco de não inovar? Quais as técnicas que se necessita dominar para realizar inovações? - Como explorar, de modo efetivo, meu capital de inovação? -Como influir na formatação das políticas publicas para o setor saúde e como acessar as fontes de incentivos públicos, financeiros e fiscais, para a inovação nas empresas do setor? PARTICIPANTES - Diretores e gerentes da empresa, além de pessoal e consultores vinculados com as atividades estratégicas. FORMATO-ANDRAGOGIA - Inicialmente, faz-se uma apresentação da direção da empresa sobre sua estratégia competitiva e de crescimento. Em seguida se levam a cabo três apresentações curtas sobre a correlação entre o Seminário e as Políticas estaduais e nacionais para a Competividade do Setor, incluindo aquelas de apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação - com destaque para as fontes de financiamento e os incentivos fiscais, como a Lei do Bem, da inovação - e outras. Continuandas empresas, da correlação entre sua estratégiado, são realizadas três sessões dinâmicas e interativas, com debates, de acordo ao competitiva e de inovações, abre portas conteúdo descrito abaixo. Ao final do Seminário, se elabora um relatório, base Estes Seminários estão orientados a conformar a percepção da para as ações e investimentos futuros da empresa na área de inovaalta direção das empresas sobre a competitividade e sobrevivência ção e competitividade. de suas organizações, a inovação tecnológica e a natureza de sua esCONTEÚDO E RESULTADOS - Com uma duração estimada treita correlação. O entendimento, por parte da direção das empresas, de 4.5 horas, entre outros, cada Seminário de Sensibilização deve da correlação entre sua estratégia competitiva e de inovações, abre incluir os seguintes temas: portas para compromissos concretos com a realização dos câmbios Uniformização conceitual sobre a competitividade empresarial, demandados pelo crescimento, lucratividade, competitividade e so- a inovação, e sua interdependência, brevivência das mesmas empresas. Desafios e oportunidades apresentadas pelos contextos econôDe igual maneira, e não menos importante, promove a aceitação micos, sociais, políticos, tecnológicos e ambientais - atuais e futudo apoio externo especializado para a construção dessas capacidades ros - para a estratégia competitiva e novos negócios empresariais, de inovação, o qual não se encontra disponível ao interior da maioria mediante a inovação, das empresas. Da mesma forma, proporciona valor agregado e um O que e porque da inovação, condições requeridas para que a sólido marco de referencia para os gestores internos de câmbios or- empresa possa inovar com sucesso. ganizacionais e de desenvolvimento de recursos humanos. Fontes de conhecimento, grau de novidade, “timing”, sequenciaOBJETIVO- RESULTADOS - Entre os principais objetivos ção e outros ingredientes dos processos de inovação bem sucedidos. desses Seminários encontram-se a criação, nas cadeias e empresas do Natureza e dimensões da gestão efetiva das inovações, as casetor saúde, de um melhor entendimento da relação entre os objeti- deias de valor e a inovação, avaliação do risco e marcos organizaciovos estratégicos de cada empresa e a inovação; da natureza e desafios nais para a inovação -incluindo o estilo de liderança. da função de gestão da inovação; e da importância do apoio externo Tipologias da inovação frente a distintos contextos empresariais especializado para a efetividade desta gestão; além de estimular a e respectivas metodologias. participação efetiva das empresas na formulação e execução das poTécnicas e metodologias práticas para determinar a estratégia líticas publicas e incentivos para o setor. Ao final de cada Seminário, de inovação da empresa, de modo integrado com suas estratégias os participantes terão condições de responder a perguntas do tipo: competitivas e de colaboração. - Como a inovação pode fazer a empresa mais competitiva, cresFernando M. Machado é mestre em administração pela Universidade de cer mais rápido e acessar novos negócios de maior lucratividade na Aston (Inglaterra) e presidente da Focototal Ltda. Foi diretor de tecnologia rápida evolução tecnológica que sofre o setor? das Nações Unidas entre os anos de 1981 e 2006.

O entendimento, por parte da direção

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Diretoaoponto TOM FOX

Divulgação

“A mensagem anti-suborno está se tornando um sentimento mundial” Um dos maiores especialistas em leis anticorrupção do mundo, o advogado americano Tom Fox é um defensor entusiasta das práticas de boas maneiras no mundo corporativo. Segundo ele, além do bônus moral, seguir os preceitos éticos estabelecidos faz bem para o caixa de qualquer companhia. “As corporações mais éticas do mundo sempre apresentam performances melhores que a média do mercado de ações da Dow Jones”, salienta Fox, autor do blog FCPA Compliance and Ethics seguido por milhares de executivos de compliance mundo afora. Em 2013, Fox publicou o livro GSK in China: A Game Changer in Compliance. A obra, ainda sem tradução no Brasil, foi a primeira ação fiscalizadora implementada pelo governo chinês contra uma companhia do ocidente por corrupção e suborno. “Se a China começar a processar mais companhias, acredito que poderia acontecer uma real virada de jogo e forçar mais ações compliance com leis anticorrupção no segundo maior mercado do mundo”, salienta Fox, que concedeu a seguinte entrevista à Diagnóstico. APESAR DE AMBICIOSA, A FCPA NÃO VEM CONSEGUINDO INIBIR A AÇÃO DE EMPRESAS AMERICANAS NON-COMPLIANCE EM PAÍSES COMO O BRASIL E A CHINA. O QUE DEU ERRADO? O The US Foreing Corrupt Practices incide apenas sobre a conduta de empresas que possam estar sujeitas à lei para ações de execução que envolvem as empresas sujeitas à lei dos EUA. Houve casos de ações de execução FCPA contra empresas na China e no Brasil. Contudo, ambos os países agora passaram a ter leis similares à FCPA – lei americana anti-corrupção. Portanto, diria que a mensagem anti-corrupção e anti-suborno está se tornando um sentimento mundial.

NO FINANCEIRO DAS EMPRESAS ÉTICAS EM COMPARAÇÃO ÀS NÃO-ÉTICAS? A revista anual Ethisphere anuncia as corporações mais éticas do mundo e elas sempre apresentam performances melhores que a média do mercado de ações da Dow Jones.

OS CASOS ENVOLVENDO ESPIONAGEM DO GOVERNO NORTE-AMERICANO, DENUNCIADOS POR EDWARD SNOWDEN, NÃO JÁ PODEM SER CONSIDERADOS COMO UM DOS MAIORES ESCÂNDALOS DE NON-COMPLIANCE DOS EUA? Minha especialidade é em temas como compliance e anti-corrupção. Não saberia responder a esta questão.

COMO SER UMA EMPRESA REFERÊNCIA EM COMPLIANCE E OPERAR EM PAÍSES COMO CHINA E RÚSSIA, ONDE A CORRUPÇÃO É UMA ENDEMIA E ONDE ATOS SIMPLES, COMO ABRIR UMA EMPRESA, PRESSUPÕEM O PAGAMENTO “LEGITIMO” DE PROPINA A FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS? Existem alguns tipos de pagamento, chamados “facilitação” ou propinas que não são ilegais na FCPA. Desta forma, em um país onde há estes pagamentos, uma companhia deve ter precauções extras para evitar qualquer pagamento ilegal. As companhias estão de sobreaviso para o trabalho em países como a China e esta é uma das razões para que existam tantas ações de fiscalização da FCPA contra companhias americanas que fazem transações com o gigante asiático.

É POSSÍVEL MENSURAR O RETOR-

EM 2013, O SENHOR PUBLICOU

TOM FOX: empresas americanas éticas apresentam performances melhores que a média do mercado de ações da Dow Jones

UM LIVRO SOBRE OS ESCÂNDALOS DA CHINA INTITULADO “GSK IN CHINA: A GAME CHANGER IN COMPLIANCE”. POR QUE ACREDITA QUE O CASO É UMA VIRADA DE JOGO EM COMPLIANCE? O SENHOR PODERIA NOS CONTAR OS BASTIDORES DO CASO? Esta foi a primeira ação fiscalizadora implementada pelo governo chinês contra uma companhia do ocidente por corrupção e suborno dentro da lei anticorrupção. Se a China começar a processar mais companhias, acredito que poderia acontecer uma real virada de jogo e forçar mais ações compliance com leis anticorrupção. EM SUA OPINIÃO, QUAL DEVE SER A MAIOR QUALIDADE EM UM EXECUTIVO DE COMPLIANCE? Nunca pensei em um perfil ideal, mas acho que a mais importante característica de qualquer executivo, além do seu caráter ilibado, é a sua habilidade em ouvir. O SENHOR JÁ COMETEU ALGUM ATO NON-COMPLIANCE COMO CIDADÃO AMERICANO? Já recebi uma série de multas por excesso de velocidade ao longo dos anos. Algo que não é um bom exemplo. Diagnóstico | mai/jun 2014

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Informe Publicitário Roberto Abreu

COM FOCO NA EDUCAÇÃO, AHSEB INCENTIVA MELHORIAS NA SAÚDE Entidade, que congrega cerca de 250 associados em toda a Bahia, elegeu a educação continuada uma das prioridades para a melhoria da performance no setor

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umentar o leque de opções e serviços aos associados da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Ahseb), tendo em vista a necessidade do mercado de saúde de promover melhorias para a gestão e a profissionalização do setor. Foi com esse objetivo que a atual gestão, presidida pelo ortopedista Ricardo Costa, assumiu o comando da instituição há pouco mais de um ano. E para colaborar com esta nova fase, passou a fazer parte do staff da associação a engenheira e experiente gestora em saúde, Maisa Domenech, que assumiu a função de superintendente. “Precisávamos de alguém com expertise 84

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e fôlego para atender às demandas da entidade”, justifica Costa. E os frutos já podem ser contabilizados. Parcerias foram feitas com instituições de ensino para cursos de pós-graduação, a exemplo da Ufba e da Unifacs. Pelo acordo, todos os 250 associadas da Ahseb podem qualificar seus colaboradores a preços subsidiados e com aulas ministradas em horários que minimizem a ausência do profissional na sua atividade do dia a dia. Os avanços em capacitação e cursos de extensão só foram possíveis, salienta Costa, graças à modernização da Universidade Coorporativa - Ucas, que foi completamente reestruturada em 2014 com o apoio da Febase e do Sindhosba. Para possibilitar sua expansão, foram realizados investimentos em recursos técnicos e comerciais. Em menos de cinco meses, já foram capacitados mais de 500 profissionais nas áreas de interesse apontadas na “Pesquisa de Necessidades” realizada pela Ahseb junto às instituições associadas. Cursos como o de Gestão Comercial, versão atualizada da TISS, Faturamento e Auditoria em Saúde Suplementar, Faturamento e Auditoria SUS, Segurança do Paciente,


Ricardo Costa, presidente da Ahseb, e a superintendente da Associação, Maisa Domenech: associativismo tem sido usado com sucesso para ampliar a atuação da Ahseb em todo o interior do estado

Logística de Suprimentos, Gestão de Contratos, Atualização para Recepções, E-Social, foram avaliados como excelentes por aproximadamente 80% dos participantes e como bons pelos demais. Com o objetivo de atender à demanda reprimida no interior do estado, a entidade estuda a viabilidade de aquisição de ferramenta para que os cursos da Ucas possam ser oferecidos na modalidade de curso à distância. Instituições que desejem capacitar seus colaboradores dentro da própria empresa, otimizando tempo e possibilitando expandir o conhecimento em maior escala, podem solicitar cursos in company. “O investimento em educação e profissionalização será o principal norte de nosso mandato”, salienta Costa, eleito para o triênio 2013-2016. Segundo ele, a carência de mão de obra especializada tem paralisado a atividade produtiva em diversas áreas da economia brasileira e o setor de saúde vem sendo impactado de forma expressiva. A Ahseb desenvolveu também um projeto como o objetivo de melhorar a comunicação com os associados e se encontra em fase de implantação. Inicialmente foi feita atualização cadastral junto aos associados, criação de novos sites – Ahseb e Ucas, newsletter mensal, além de outras ações em construção. Através da parceria com a Vigilância Sanitária Estadual (Divisa), a Ahseb vem ministrando desde 2013 palestras aos associados sobre os mais variados temas. O objetivo é estreitar o relacionamento entre o órgão regulador e os prestadores de serviços médico-hospitalares, além de contribuir com a melhoria da qualidade e segurança dos serviços. Projeto Caravanas do Interior – Outro destaque é o Projeto Caravanas do Interior – compromisso assumido pelo atual presidente para ampliar as ações da Ahseb em todo o interior baiano. O projeto possui formato de fórum e é totalmente gratuito, tanto para associados como não associados, e já contou com a participação de mais de 600 profissionais do setor. As abordagens levam em conta temas atuais que agreguem valor e contribuam para o aumento da produtividade, competitividade e otimização de custos nas instituições de saúde. Para o sucesso da iniciativa, importantes parcerias foram feitas com empresas tais como a Bionexo, Linde Gases, Medicware, Planisa, como também com palestrantes experientes e apoio da Febase e Sindlab. O projeto já se fez presente em municípios como Vitória da Conquista, Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus, Eunápolis, Porto Seguro, Itabuna, Ilhéus e Barreiras. Para oportunizar a troca de informações entre asso-

ciados com semelhanças nas suas estruturas, a Ahseb mantém também núcleos de especialidades (oncologia, oftalmologia, bio imagem, ortopedia e pediatria), que se reúnem sistematicamente. “Tais alianças, possibilitam o crescimento pessoal e profissional, uma vez que as habilidades de uns podem ser aprendidas pelos outros, havendo uma troca de informações e experiências entre seus membros”, salienta Maisa, que acumula a função de coordenadora dos Núcleos de Hospitais. Esta interação, segundo ela, permite também o alcance de objetivos maiores e de forma mais rápida do que na prática do isolacionismo, tão prejudicial no modelo vigente da saúde suplementar. “As vantagens obtidas não ocorrem apenas para os empreendedores e instituições, mas, prioritariamente, para o usuário do sistema de saúde, ou seja, para o paciente, já que a troca de informações e adoção de estratégias promovem melhorias na qualidade dos serviços”, complementa a executiva. Mas os avanços incentivados pela Ahseb vão além. Baseando-se em algumas experiências nacionais, a Ahseb iniciou em janeiro de 2014 um projeto piloto na área de suprimentos com a participação de cinco hospitais. O grupo já iniciou o processo de compras conjuntas e vem aumentando a rede de relacionamento com os diversos fornecedores de materiais e de insumos hospitalares. A próxima compra deve ultrapassar os R$ 500 mil. Na seara política, a Ahseb continua alinhada com entidades representativas do setor, a exemplo da CNS, juntamente a parlamentares sensíveis à causa da saúde, em busca de benefícios fiscais e linhas de crédito diferenciados para o trade. Somente na Bahia, a rede privada de saúde emprega 110 mil pessoas. “A Ahseb quer continuar sendo uma referência nacional em associativismo, com o compromisso de oferecer, sempre, retorno para seus associados”, finaliza Costa.

O INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO SERÁ O PRINCIPAL NORTE DE NOSSO MANDATO. A AHSEB QUER CONTINUAR SENDO UMA REFERÊNCIA NACIONAL EM ASSOCIATIVISMO, COM O COMPROMISSO DE OFERECER, SEMPRE, RETORNO PARA SEUS ASSOCIADOS Ricardo Costa, presidente da Ahseb

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RESENHA REDES SOCIAIS

Facebook para pacientes Publicado pela Clínica Mayo, o livro Bringing the Social Media Revolution to Health Care é uma estimulante coletânea de textos que traçam estratégias de como usar as redes sociais para melhorar a saúde dos pacientes

Shutterstock/Editoria de Arte

Mara Rocha

A

s instituições de saúde parecem não ter aprendido a utilizar corretamente as redes sociais, é o que dizem especialistas. Passadas quase duas décadas desde o início da popularização da internet, muitas são as organizações do setor que ainda não aderiram às novas tecnologias, ou que estão presentes nos canais online de forma inexpressiva, sem explorar corretamente todas as possibilidades oferecidas nesses ambientes. Pensando nisso, uma das mais famosas e antigas organizações de saúde dos Estados Unidos, a centenária Mayo Clinic, publicou o livro Bringing the Social Media Revolution to Health Care (Trazendo a Revolução das Mídias Sociais para a

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Saúde – ainda inédito no Brasil). Uma espécie de guia para empresas e profissionais de saúde, a publicação reúne relatos de cerca 30 colaboradores da Mayo que, estimulados pelo Centro de Mídia Social da entidade norte-americana, experimentaram ao longo de sete anos o contato direto com pacientes e pares através da web. “Não é sobre vantagem competitiva”, antecipa na apresentação do livro o presidente da Mayo, John Noseworthy, em recado para quem espera encontrar lições de marketing na publicação. “É sobre pacientes e como essas ferramentas online podem beneficiá-los, trabalhando para melhorar a saúde deles”, esclarece o gestor de uma das maiores organizações sem fins lucrativos da saúde estadunidense, que agrega hospitais e centros acadêmicos distribuídos pelo país.

Ele classifica as redes sociais como revolucionárias, por favorecerem o combate a doenças e melhoria da qualidade dos atendimentos. “Se bem aproveitadas, essas mídias podem ajudar a aperfeiçoar os cuidados em saúde, a catalisar pesquisas, a fortalecer a educação médica e a promover o contínuo desenvolvimento profissional”, explica. Assim, a obra parte do pressuposto que o atendimento em saúde tem exigido cada vez mais o engajamento tanto dos profissionais da área, quanto de seus pacientes. Seja na escolha da terapia ou em campanhas de prevenção contra doenças, esse comprometimento mútuo tem impactado positivamente nos resultados. “As redes sociais estão ajudando a reforçar esse engajamento”, garante a publicação. Em formato de coletânea de textos, mé-


Reprodução

“[A obra] Não é sobre vantagem competitiva. É sobre pacientes e como essas ferramentas online podem beneficiá-los, trabalhando para melhorar a saúde deles” JOHN NOSEWORTHY,

dicos e gestores da Mayo compartilharam perspectivas e experiências vividas no Facebook, Twitter, LinkedIn, blogs e Youtube ao longo de sete anos. São conselhos direcionados tanto para a construção de perfis pessoais de quem atua no setor, quanto das empresas, com orientação jurídica e de especialistas da comunicação sobre como se comportar na internet. O trabalho teve início em 2005, ano em que o Centro de Mídia Social do hospital, de forma pioneira no segmento, passou a investir em ferramentas web para estreitar relacionamento com os pacientes e agentes de saúde. “Temos desenvolvido com afinco ações nas redes sociais, e esperamos que outros hospitais possam aprender com as nossas descobertas”, conta o livro. E de pioneirismo a Mayo Clinic entende. A estrutura, fundada em 1910 pelos médicos e irmãos Mayo, em Rochester, Minesota, foi o primeiro grupo integrado de medicina dos EUA. Na época, acreditava-se que a saúde de um paciente deveria ser responsabilidade de um único profissional e não de uma equipe de especialistas, como defendiam os fundadores da instituição. “Eles foram chamados de radicais”, relata Noseworthy no livro. “Eram visionários e isso está no espírito da Mayo, que agora aposta nas redes sociais para revolucionar a prática médica”, sentencia. Quase cem anos após a sua fundação, a entidade coleciona prêmios. O último foi atribuído justamente ao hospital de Rochester, eleito o melhor do país no ranking de 2014-2015 pelo U.S. News & World Report, um dos mais importantes reconhecimentos do setor. PLANEJAMENTO – A primeira lição ensinada em Bringing the Social... é que, para ser eficaz na abordagem online, é necessário conhecimento das ferramentas web. “Antes de interagir, crie intimidade com as plataformas e observe como as pessoas e empresas se comportam”, diz o texto, reforçando a necessidade de definição de um plano estra-

PRESIDENTE DA CLÍNICA MAYO

tégico, com objetivos de atuação bem estabelecidos. “Planejamento não serve só para as páginas web empresariais”, destaca a publicação, que ressalta a importância de evitar assuntos pessoais quando o foco do perfil for profissional. Essa primeira etapa também será importante para despertar o interesse do próprio usuário em atuar nas redes sociais. “A participação nessas mídias é voluntária e precisa de paixão para ter sucesso, algo que só surge com o pleno conhecimento do processo”, pontua. A fase de observação será fundamental para compreender qual é a linguagem mais adequada a cada meio e o que de fato tem relevância para os demais internautas. “Porque às vezes o que consideramos interessante pode ser bem chato para os outros”, sinaliza. Nesse contexto, é importante analisar, por exemplo, o comportamento dos perfis mais populares no Twitter. Vale também a busca nos grupos do Facebook dos internautas com interesses profissionais ou conhecimento em comum. Eles são seguidores em potencial e, em alguns casos, colegas com quem trocar experiências. Seguindo esse passo-a-passo, a médica Patricia Anderson obteve alguns benefícios. “Encontrei pesquisadores com quem assinar artigos científicos, recebi convites para apresentações em seminários e passei a integrar comissões como membro conselheiro”, afirma ela no livro. No LinkedIn, através de perfil profissional e da company page, é possível estabelecer um rico networking, com engajamento dos colaboradores em grupos de discussão em temas referentes à própria especialidade. “A participação constante e estratégica no LinkedIn vai permitir que a organização apareça listada em posts sobre iniciativas e alcances, sendo citada como referência”. Essa relação também pode ser reforçada com videos-aula compartilhadas no Youtube. Quanto à interação com pacientes e seus familiares, o Centro de Mídia Social da Mayo encoraja seus colaboradores a

responderem rapidamente a perguntas e dúvidas sobre patologias e possibilidades de tratamento em linguagem acessível nas redes. “Diante da difusão de informações não confiáveis na web, o contato direto com o médico evita a confusão do enfermo, já fragilizado pela doença”, justifica o livro. “Desesperado, ele pode não ter conseguido te achar no celular ou no contato disponível no site da instituição. Então, responda”, aconselha. As instituições também podem ajudar, através da criação de blogs com atualização constante sobre temas de interesse e comunidades no Facebook voltadas para a participação dos pacientes. “Eles terão a segurança de que nesses canais encontrarão informação confiável”. Mas todo o procedimento precisa ter respaldo jurídico. Por isso, o livro recomenda a confecção de um manual de comportamento, a ser distribuído entre os funcionários da instituição. “O site e as redes sociais vinculadas ao hospital são como a recepção de uma empresa e precisam condizer com os preceitos da mesma”, lembra. Bringing the Social Media Revolution to Health Care é interessante, por ser construído com base em evidências. O formato de coletânea de relatos, embora favoreça em alguns textos a repetição de ideias, permite uma leitura dinâmica e nada exaustiva. Qualidade essa reforçada pela linguagem de fácil compreensão para profissionais de qualquer segmento da saúde, inclusive sem experiência nas redes sociais. Sem dúvida, é uma leitura imprescindível para quem deseja entrar de forma estratégica ou rever o próprio posicionamento na web.

BRINGING THE SOCIAL MEDIA REVOLUTION TO HEALTH CARE: Centro

de Mídia Social da Mayo Clinic | Mayo Foundation for Medical Education and Research | 112 páginas | U$ 9,45 Diagnóstico | mai/jun 2014

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Estante&Resenhas Divulgação

Divulgação

Leia também Com prefácio de Fernando Henrique Cardoso, livro apresenta discussão aberta e informativa sobre a essência da liderança no contexto empresarial brasileiro

Paula Usier, gerente de marketing da Wareline (SP)

Robson Luis Espirito Santo, diretor da XHL Consultoria (SP)

O autor, um repórter investigativo do jornal The New York Times, propõe uma teoria em que existem gatilhos que impulsionam certos tipos de comportamento. Os hábitos são resultados de reações a fatores internos e externos sempre da mesma maneira e com frequência. No entanto, mapeando o que leva pessoas e empresas aos maus hábitos é possível mudá-los de maneira rápida. Esse trabalho mostra como os hábitos, mesmo que não percebamos, são parte fundamental para o sucesso ou fracasso de pessoas e instituições. A leitura, portanto, é super recomendada!

O livro, além de possuir uma agradável leitura, aborda vários aspectos da administração de um hospital. O autor, Enio Jorge Salu, transmite diversos conceitos e faz uma abordagem bem abrangente dos diversos aspectos e particularidades do dia a dia da gestão de uma unidade de saúde, sendo pública e privada. Enfim, uma obra que enriquecerá os profissionais que atuam em hospitais, com visões de diversos ângulos dos processos e do funcionamento das instituições de saúde

Mostra como os hábitos são importantes para pessoas e instituições

uma obra que enriquecerá os profissionais que atuam em hospitais

O Poder do Hábito - Por Que Fazemos o Que Fazemos na Vida e Nos Negócios Autor: Duhigg, Charles Editora: Objetiva Número de páginas: 408 Preço sugerido: R$ 25,30

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Administração Hospitalar no Brasil Autor: Enio Jorge Salu Editora: Manole Número de páginas: 488 Preço sugerido: R$ 95,90

Liderança - Uma Questão de Competência Autores: Vários autores Editora: Saraiva Número de páginas: 358 Preço sugerido: R$ 70,50

Livro resgata a importância da ação administrativa, além de temas relacionados às evoluções administrativas no ambiente organizacional; a administração no futuro; o planejamento; uma retrospectiva do pensamento administrativo; o processo de negociação, entre outros assuntos.

Gestão de Negócios Autores: Jayr Figueiredo de Oliveira, Edison Aurélio da Silva, Jonas Prado Editora: Saraiva Número de páginas: 310 Preço sugerido: R$ 109,00

Autores Vijay Govindarajan e Chris Trimble, reconhecidos como os principais pesquisadores e professores da inovação no âmbito mundial, trazem mais de uma década de pesquisas em uma obra objetiva, prática e que estimula a ação.

O Desafio da Inovação - Fundamentos para Construir Empresas Inovadoras em Meio a Incertezas e Complexidades Autores: Vijay Govindarajam e Chris Trimble Editora: Elsevier Número de páginas: 200 Preço sugerido: R$ 49,90


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