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a 10 Enquadramento António Costa Silva - Presidente Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR
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“NÃO HÁ RETOMAI ECONÓMICA SEMI PESSOAS, SEMI CONHECIMENTO,I SEM TECNOLOGIAI E SEM INOVAÇÃO”I
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António Costa Silva, presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR
O presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência, António Costa Silva, falou recentemente em Coimbra, no âmbito da conferência promovida pela AICEP, sobre “A importância do PRR para o relançamento da economia portuguesa”.
No Convento São Francisco, em Coimbra, onde participou na Conferência Anual da AICEP, o responsável pela preparação da “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030” - documento enquadrador das opções e prioridades que deverão nortear a recuperação dos efeitos económicos adversos causados pela actual pandemia a partir do qual foi desenhado o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apresentado à Comissão Europeia – elencou alguns pontos decisivos para o desenvolvimento do país, mostrando-se preocupado com o estado actual das empresas e da sociedade, de um modo geral.
«As nossas empresas estão descapitalizadas, um dos problemas mais importantes que temos. Discutimos muito como distribuir riqueza mas nunca como criar riqueza» lamentou, auspiciando que esta seja uma questão que o PRR e o Plano Portugal 2030 possam responder de forma positiva, contribuindo para a superação «dos obstáculos com que o país se defronta». Uma dessas dificuldades tem a ver, na opinião de António Costa Silva, com o facto de sermos «um povo muito individualista, que não comunica, e isso é letal para o desenvolvimento de um país». Referindo um estudo da alemã Hannah Arendt no livro “A Condição Humana”, o professor relembrou que as «sociedades que têm um propósito, são as que conseguem superar e ultrapassar todas as outras», referindo que «nas últimas décadas, em Portugal perdemos um pouco este elo colectivo, a capacidade de trabalhar uns com os outros». E é também aqui que, no seu entender, o PRR e o Portugal 2030 podem ser «programas de reconstrução da confiança, deste espírito comunitário que é absolutamente decisivo para superarmos os nossos desafios. Se não fizermos isso, o futuro vai ser extremamente difícil».
«Temos de ser realistas», sublinhou, e «hoje ser realista é reconhecer que temos um contexto internacional ainda muito difícil. Estamos a sair da pandemia mas estamos a ver também uma série de fenómenos “anormais” que estão a ocorrer no sector produtivo internacional: disrupções completas das cadeias de abastecimento, filas de espera dos principais portos do mundo, aumento em cerca de 500% dos custos do frete marítimo internacional nos últimos 12 meses, segundo as estimativas do FMI, uma repercussão brutal do aumento dos custos dos bens de produção e um aumento brutal também dos custos de energia e das matérias-primas». Realidade já vivida em outros ciclos da história, sublinhou, no entanto, agora o cenário é outro: «Tivemos pela primeira vez uma pandemia que afectou o mundo todo, uma depressão económica global seguida de uma retoma global e isto coloca problemas novos, não só porque quando a procura se desencadeia, a oferta está dessincronizada em termos de resposta, em variadíssimas áreas, mas também porque podemos ter riscos sérios na implementação de alguns dos projectos, não só pelo preço da energia e das matérias-primas, como pela própria desertificação de alguns concursos se as companhias estiverem já completamente congestionadas na sua resposta».
Uma outra dificuldade que António Costa Silva aponta é de âmbito interno e prende-se com o facto de «nos 20 anos do século XXI a economia portuguesa ter estado estagnada e continua estagnada. O nosso PIB per capita, se comparado com o nível médio da UE, tem oscilado nestes anos 20 a 30% abaixo da média da Europa. Isto acontece num país que é extremamente criativo, com vários sectores que se reinven -
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tam, com crescimento das exporta ções e trabalho hercúleo das empre sas que se estão a reinventar para fa zer face a estas dificuldades. Mesmo assim, com novos produtos e ser viços não estamos a conseguir sair deste nível, e isso inquieta-me profundamente. Assim, é muito claro «que o PRR tem as ala vancas fundamentais para responder àquilo que são as dificuldades do país e que não o deixam crescer».
Pilares fundamentais do PRR
As qualificações e as competências foram apontadas como primeiro pilar a ter em conta. «Avançamos exponencialmente nas últimas décadas mas temos de fazer muito mais. Em 1995, a nossa taxa de insucesso escolar era da ordem dos 42%, hoje está nos 8%. É uma redução extraordinária mas ainda está nos 8%», referiu. Posto isto, «temos de continuar este esforço, porque quando olhamos para a percentagem da população activa portuguesa que completou o ensino secundário, nós ainda temos um dos piores indicadores da União Europeia e é por isso que o pilar que está no PRR sobre as qualificações e as competências é absolutamente decisivo para o futuro. Temos de continuar a qualificar, inclusive a população adulta, apostando na aprendizagem continua, para um impacto significativo no tecido económico».
O segundo ponto decisivo prende-se com a descapitalização de muitas empresas portuguesas. «Hoje os dados indicam que cerca de ⅓ das nossas empresas têm capitais próprios negativos, isto é, está a lutar pela sobrevivência. No pilar de capitalização das empresas que está no PRR, há muitas coisas que podem ocorrer e que são decisivas para o futuro, desde logo a questão do Banco de Fomento», afirmou, acrescentando que «nós fomos dos primeiros países na UE que teve a ideia deste banco e hoje temos as condições para o implementar. Penso que as coisas estão bem encaminhadas. É muito importante termos os programas de recapitalização das empresas, de recuperação dos capitais próprios das empresas que foram altamente flageladas durante a crise, mas não esqueçamos a recapitalização estratégica. O último estudo feito no último grande quadro comunitário de apoio indicava que havia pelo menos uma falta de capital de dois mil milhões de euros que podia chegar aos 8 mil milhões de euros nas empresas e portanto um grande programa de recapitalização estratégico penso que é decisivo». O terceiro aspecto tem a ver com a mudança do tecido produtivo, reforçando e consolidando tudo aquilo que temos de bom no país. «Basta olhar para as últimas décadas, para a reinvenção que as empresas tiveram, do têxtil (na 1.ª linha a tentar robotizar alguns segmentos da cadeia de produção, a apostar na economia circular) ao calçado, dos bens de equipamento a outras áreas. Esse esforço tem de ser consolidado», disse. No entanto, António Costa Silva assume-se como uma pessoa que acredita que o país não irá ter um salto significativo no crescimento económico se continuar a exportar as mesmas coisas que exporta hoje. «Elas são muito importantes mas temos de criar outros clusters, outros segmentos que permitam superar isto. Penso que o PRR e o PT 2030 podem proporcionar uma nova vaga de investimento nestes conceitos, serviços e produtos que alavanquem novos sectores, e que aproveitem as capacidades que o país tem para gerar sectores económicos significativos». A título de exemplo, referir as indústrias da saúde. «Temos no país competências muito claras em ciências da vida, investigação muito avançada nas ciências da saúde, capacidade de criar substâncias activas dos medicamentos, criação de produtos e equipamentos complexos. Se aproveitarmos essas valências, muito provavelmente o país pode vir a ser uma fábrica de medicamentos da Europa». Outro exemplo elencado pelo presidente da CNA passa pela indústria electrónica, de software e de dados. «Com as capacidades que temos em termos da inteligência artificial podemos provavelmente criar um sector que é
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decisivo para o futuro», sublinhou. Este ponto está relacionado com um outro pilar fundamental do PRR: a digitalização porque «os dados vão mudar a economia do século XXI». Para António Costa Silva, «somos uma civilização que produz dados a uma escala sem precedentes. As economias que conseguirem processar estes dados, interpretar e aplicar a inteligência artificial, são aquelas que vão ter sucesso e nós temos competências nas nossas universidades, centros de investigação e algumas empresas que apostam neste cluster que une electrónica, software, tratamento de dados. E nós podemos, face ao que existe no PRR e às agendas mobilizadoras, dar resposta a estas áreas». O programa de digitalização das empresas 4.0 é fulcral para que possam reconfigurar as suas cadeias produtivas, o seu modelo de negócio e usar as suas plataformas para competir a nível global. «O ciberespaço duplica a economia, abre novas dimensões e são oportunidades extraordinárias para abrir janelas», garantiu.
A Economia Circular é um outro tema que tem lugar no PRR. «Somos uma civilização que transforma recursos em lixo a uma velocidade sem precedentes na história, podemos também agora mudar de paradigma e transforma lixo em recursos. A UE produz por ano 4 mil milhões de toneladas de lixo. Se o reprocessarmos conseguimos recuperar entre 25 a 30% das matérias-primas estratégicas que a UE precisa. Os primeiros países que o conseguirem fazer, vão ter sucesso», sublinhou. No âmbito do pilar da Economia Circular do PRR foram recebidas cerca de 146 propostas, facto que mostra a vitalidade do tecido produtivo, das empresas, e a sua criatividade.
Outro pilar que está “sempre em cima da mesa”, tem a ver com os custos de contexto. Algumas das reformas previstas (como justiça económica e fiscal, simplificação de procedimentos) podem contribuir de forma decisiva para os diminuir. Outra questão, e que preocupa seriamente as empresas portuguesas, prende-se com os custos de energia e da electricidade. Este é um problema global. «Estamos a meio da transição energética e é fundamental continuarmos a apostar nas energias renováveis, considerando o gás como combustível de transição. Tudo pode ser superado com a revolução que está em curso», garantiu, acrescentando que «com a digitalização dos processos seremos capazes de reduzir substancialmente o desperdício e de optimizar as operações. E o país tem condições para o fazer no que concerne à transição energética e transição verde. Vários pilares do PRR estão relacionados com esta área, apoiados na bioeconomia, na economia circular, na descarbonização das indústrias e temos em Portugal empresas nesse processo acelerado, como as siderúrgicas e as cimenteiras». Estes são alguns dos pontos que, para António Costa Silva são fulcrais no relançamento da economia nacional, concluindo que «não há retoma económica sem pessoas, sem conhecimento, sem tecnologia e sem inovação».