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Opinião António Saraiva - Presidente da CIP
1500 Maiores Empresas
Mais do que recuperar, é preciso transformar a economia
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António Saraiva
Presidente da CIP
Conhecemos hoje o pesado impacto da crise pandémica sobre a situação económica e financeira das empresas: os indicadores relativos a 2020, recentemente divulgados pelo Banco de Portugal, revelam que o volume de negócios se contraiu em 9,7%. Consequentemente, a rentabilidade dos capitais próprios caiu para metade do valor de 2019 e tornou-se negativa (próximo de 20%) nos setores mais afetados, em particular nos transportes e armazenagem e no alojamento e restauração. Outros indicadores apontam, para um significativo aumento da percentagem de empresas em potencial situação de risco.
Tendo em conta este ponto de partida, a evolução da economia e do emprego em 2021 mostrou bem a surpreendente capacidade das empresas portuguesas para enfrentar a adversidade, marcada, no início do ano, por novas restrições à atividade decorrentes da evolução da pandemia.
Com o progressivo levantamento das mesmas, as empresas responderam à retoma do consumo e à melhoria da confiança dos consumidores, permitindo alguma recuperação no atraso relativo que Portugal vinha a registar no regresso aos níveis de atividade anteriores à eclosão da pandemia.
A resistência das empresas revelou-se particularmente surpreendente na evolução do mercado do trabalho, mostrando a sua determinação na preservação dos postos de trabalho.
Com menos apoios públicos, as empresas portuguesas conseguiram melhor, em termos de criação de emprego, do que a generalidade das suas congéneres europeias.
A continuação da retoma do consumo e da procura externa permitir-nos-ia encarar o próximo ano com mais otimismo, não fossem as dificuldades do lado da oferta, com a atual escalada de custos de produção, além de graves problemas em abastecimentos indispensáveis à produção causados pela falta de matérias-primas e dificuldades nos transportes marítimos.
Sabemos que estas disrupções nos mercados são temporárias, a grande incógnita é quão temporárias serão. Acresce ainda o risco de acumulação de situações de maior debilidade financeira, que podem traduzir-se num aumento de insolvências.
Estes desenvolvimentos lançam maiores incertezas e colocam em risco as projeções de uma aceleração do crescimento económico em 2022 para valores superiores a 5%.
No plano empresarial, o desafio mais imediato é o do reequilíbrio dos balanços das empresas, para serem capazes de investir e assim impulsionarem a recuperação e melhorarem a sua capacidade competitiva. Daí a importância de instrumentos, de natureza financeira e fiscal, dirigidos ao reforço do capital das empresas. Instrumentos há muito prometidos, mas que continuam adiados.
Não menos importante é a necessidade de se dotarem de recursos humanos com as competências necessárias para se modernizarem e responderem ao desafio da transformação digital e tecnológica. O ressurgimento do problema da escassez de recursos humanos qualificados será mais um obstáculo a enfrentar.
Mais do que recuperação, a transformação da economia é um imperativo, no rescaldo da crise sem precedentes que ainda vivemos. Este imperativo está, em grande medida, nas mãos das empresas. Será, fundamentalmente, obra das empresas. Apesar de toda a adversidade, a iniciativa privada está viva e empenhada em participar nessa transformação.
Contudo, este desígnio será condicionado pela orientação e eficácia das políticas públicas. Espero, por isso, que o início de um novo ciclo torne possível o envolvimento de agentes políticos e parceiros sociais em compromissos efetivos e ambiciosos para promover as reformas que o país necessita.
Podemos perder alguns meses, não podemos perder mais anos.