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a 60 Entrevista Francisco Gomes da Silva - Director-geral da CELPA

1500 Maiores Empresas

“A SITUAÇÃOI NO TERRENOI ESTÁ MAIS GRAVEI DO QUE AQUELAI QUE EXISTIA ANTESI DOS TERRÍVEISI INCÊNDIOS”I

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Francisco Gomes da Silva é o director-geral da CELPA

A CELPA - Associação da Indústria Papeleira tem como associadas 14 empresas industriais e florestais pertencentes à Altri, DS Smith, Renova e The Navigator Company. Ao nosso jornal, Francisco Gomes da Silva, director-geral da CELPA, traça um diagnóstico bem crítico do que tem sido a política florestal do Governo

No ranking das 1.500 maiores

empresas do distrito de Coimbra as empresas da fileira do papel ocupam posições de destaque. Como define a importância do sector na economia local e nacional?

Francisco Gomes da Silva - A melhor forma de lhe responder é dar nota de que o distrito de Coimbra é que ocupa um lugar de destaque na economia da fileira da pasta e do papel: por um lado pela importante área florestal que nele existe, por outro por albergar algumas das mais importantes unidades industriais desta fileira. Mas é claro que ambas as perspectivas são verdadeiras, pois estou certo de que a região de Coimbra reconhece a importância desta fileira para o seu desenvolvimento económico e social e para a resiliência dos seus territórios. Em termos nacionais, a venda desta indústria aproxima-se dos 2,4 mil milhões de euros, representando cerca de 1,2% do PIB. O Valor Acrescentado Bruto é superior a 600 milhões de euros. Esta indústria coloca Portugal como o maior produtor europeu de papel de escritório, e o terceiro maior produtor europeu de pasta de papel. Só para ter uma ideia, as empresas associadas da Celpa produzem cerca de 2,8 milhões de toneladas de pasta de fibra virgem (de pinheiro-bravo e eucalipto), 1,4 milhões de toneladas de papel para usos gráficos, 400 mil toneladas de cartão kraft e cerca de 180 mil toneladas de papel de uso doméstico, o chamado tissue.

Como se tem pautado a evolução do sector?

Em termos industriais o sector tem sofrido uma evolução notável ao longo da última década, com um programa de investimentos muito ambicioso, centrado essencialmente no aumento da eficiência dos seus processos produtivos. A concretização destes investimentos tem permitido que o sector tenha ganhos muito consideráveis em termos ambientais, tais como uma enorme redução do volume de água utilizado por tonelada de produto, uma redução dos consumos unitários de energia, uma melhoria notável na qualidade dos seus efluentes e das suas emissões gasosas, e diversas

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outras conquistas ambientais. Este caminho tem sido percorrido de forma muito sólida, ao mesmo tempo que tem sido possível expandir a capacidade instalada e produzir com standards de qualidade do produto (pasta, papel ou cartão) dos mais elevados do mundo. De notar ainda que estamos a falar de uma indústria que produz a maior parte da energia que utiliza a partir de fontes renováveis, das quais se destaca a biomassa florestal residual e a queima de alguns dos subprodutos do processo produtivo.

E quais os maiores problemas?

O maior problema que o sector enfrenta é, atrevo-me a dizê-lo, um problema de acesso a matéria-prima. Este problema, que é transversal a todas as indústrias de base florestal (como a da cortiça, a do mobiliário, a da serração, a dos painéis, etc…) não tem sido olhado com a preocupação devida por parte das políticas públicas do Governo. Temos a sorte de ter um território com condições diversas de solo e orografia, e com uma variabilidade de climas também assinalável. Devido à excelente adaptação de três espécies florestais com interesse industrial (o pinheiro-bravo, o sobreiro e o eucalipto) a estas condições, Portugal tem um potencial de produção florestal assinalável, muito além daquilo que neste momento se verifica. É verdade que temos uma estrutura fundiária que não ajuda (propriedade pequena e fraccionada), mas até esse obstáculo tem solução, como a CELPA já provou no terreno, em diversos projectos. Perante este cenário, as nossas políticas florestais deveriam estar focadas no fomento de práticas de gestão florestal sustentável e no apoio às soluções de gestão agrupada. Mas em vez disso, centram-se apenas na obsessão contra duas espécies – o pinheiro-bravo e o eucalipto –que vão servindo de desculpa para a total inacção do Estado nestas matérias. Ou seja, em vez de estarmos num caminho de crescimento de produtividades (fruto de uma boa gestão e da consequente redução do risco de incêndios) que nos permitiria reduzir as importações de madeira e de cortiça, estamos num caminho desenfreado de restrições, que continuam a empurrar para baixo as produtividades. E, reforço, sem que isso contribua em nada para reduzir o risco de incêndio.

Associação tem promovido acções em Pedrõgão bem como em Mortágua

Em que medida a pandemia afectou a sua actividade?

Para a indústria, o ano de 2020 foi complicado, tendo em conta as perturbações que a pandemia causou nos mercados de consumo, bem como os impactos directos que teve no normal funcionamento das unidades industriais. Na floresta nada se alterou, para além dos cuidados de protecção individual, pois a actividade teve que prosseguir no terreno com ou sem pandemia. Os maiores problemas estão agora a surgir, e não são específicos da indústria da pasta e do papel. Relacionam-se com esta vaga de aumento de preços de diversos recursos, nomeadamente da energia, bem como de todas as operações logísticas associadas aos processos desta economia globalizada em que nos inserimos.

Qual o papel da CELPA no apoio a estas empresas?

A CELPA desenvolve a sua actividade na defesa dos interesses das empresas suas associadas. Eu diria que temos duas grandes áreas de actuação. Por um lado, no acompanhamento das questões que resultam da relação entre a indústria e o ambiente, e das exigências crescentes que a sociedade nos coloca nessa matéria, tanto a nível legal como a nível de compromisso social. Como atrás referi, a indústria da pasta e do papel tem percorrido um caminho de excelência neste domínio, sendo benchmark internacional em diversas dimensões do processo. Por outro lado, desenvolvemos também uma intensa actividade no acompanhamento dos temas florestais pois, além de serem indústrias que consomem madeira nos seus processos, alguns dos associados da Celpa são igualmente importantes proprietários e produtores florestais, reunindo profundo conhecimento e domínio das tecnologias florestais. Ora, uma das missões da CELPA é também servir de meio para transferir essa tecnologia para os proprietários florestais, garantindo assim a melhoria contínua da sustentabilidade da floresta nacional. E fazemos isso no terreno, com obra, onde mais nenhuma entidade intervém.

Que actividades têm vindo a desenvolver?

Na área florestal temos um conjunto de programas no terreno que fazem de nós, sem margem para dúvida, o principal agente de fomento florestal do país. Pergunta: fazemo-lo com a ajuda do Estado e das suas políticas

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públicas? Não. Fazemo-lo por conta e risco das empresas associadas da CELPA, nomeadamente a The Navigator Company e a ALTRI, em conjunto com associações de produtores florestais e empresas prestadoras de serviços florestais. Reconhecimento do estado por este papel? Nenhum. Concretamente, nos últimos três anos tivemos intervenção em mais de 30 mil hectares de pequenos proprietários florestais no âmbito do Programa Limpa e Aduba. Neste programa, a CELPA paga o adubo e comparticipa na sua aplicação desde que o proprietário efectue a limpeza do terreno. Nos últimos dois anos tivemos também uma acção intensa em Pedrógão, levando para a frente um projecto piloto de replantação –o Replantar Pedrógão – que demonstrou que é possível juntar um elevado número de pequenos proprietários e reflorestar cerca de 90 hectares de área que tinha sido consumida pelos incêndios de 2017, com recurso a cerca de sete espécies florestais diferentes. Em 2022 iremos fazer o mesmo em mais cerca de 100 hectares também no município de Pedrógão. Também em 2022 arrancaremos com um novo Programa Piloto, o Programa de Recuperação de Áreas Ardidas. Fá-lo-emos no concelho de Mortágua e no de Pedrógão, sempre em articulação com as associações de proprietários florestais, as empresas prestadoras de serviços e, muito importante, os municípios. E serão mais cerca de 700 a 800 hectares de intervenção. Apoiamos igualmente os proprietários na luta contra o Gorgulho, uma importante praga do eucalipto, em cerca de 3 a 4 mil hectares por ano. Além destas acções vincadamente florestais, e dirigidas a outros alvos, desenvolvemos um projecto interessantíssimo, a Missão 360, que já vai na sua quarta edição. É um trabalho que fazemos junto das escolas, com o envolvimento do Ministério da Educação, e que se foca muito nos conceitos de gestão sustentável da floresta, na multiplicidade dos seus recursos e na circularidade dos processos industriais de fabrico de papel. É um programa de enorme sucesso, também graças à acção dos nossos parceiros “Sair da Casca” e “A Equipe”. Por último, a CELPA desenvolve também o prémio Floresta e Sustentabilidade, com diversas categorias, e cujas inscrições ainda estarão abertas até final deste mês de Dezembro.

Como antevê o futuro deste sector tendo em conta todas as alterações que têm vindo a verificar-se na sociedade. Quer ao nível dos hábitos de consumo quer das exigências com a sustentabilidade?

Este sector é o melhor exemplo de circularidade que se pode encontrar na economia: utiliza matérias-primas de origem biológica, 100% renováveis, e produz produtos 100% recicláveis e, muitas vezes, reutilizáveis. Os recursos florestais, nos quais se inclui a madeira nos seus múltiplos usos, é a matéria-prima que mais se adequa a substituir os produtos e as matérias-primas de origem fóssil. Tudo aquilo que se “fabrica” a partir de matérias-primas de origem fóssil

Nos últimos três anos tivemos intervenção em mais de 30 mil hectares de pequenos proprietários florestais

pode ser produzido a partir da Floresta e, na sua maioria, a partir da celulose presente na madeira. Além disso, esta indústria junta a esta capacidade de substituição de produtos de origem fóssil, a mais-valia de o fazer com contributos directos positivos para o ambiente: sequestra carbono, protege os solos, regula os regimes hídricos torrenciais promovendo a infiltração de água ao longo do perfil, promove biodiversidade e gera amenidades paisagísticas diversas. Não tenho nenhuma dúvida que esta indústria de base florestal é o caminho mais promissor para termos as soluções de que necessitamos para um futuro mais sustentável no planeta. Mas, para isso, é preciso também começarmos a pensar na floresta que nos poderá ser útil nesse desafio, e recusarmos as visões utópicas da floresta encantada do Bambi. Em

Portugal, não é essa a floresta que melhor serve o futuro do país, a sustentabilidade dos territórios e a vida das populações rurais.

Como classifica então a política do actual Governo no que diz respeito à floresta portuguesa?

A CELPA tem uma posição bastante crítica em relação à política florestal seguida nos últimos anos. Aquilo a que temos assistido resume-se a uma política restritiva e de criação sucessiva de novos ónus que recaem sobre a floresta e os proprietários florestais. A diabolização de espécies florestais como o pinheiro-bravo ou o eucalipto, que têm sido apresentados como a razão de todos os males que afectam a nossa floresta, em nada contribui para que a floresta presente no nosso território melhore. Pelo contrário, aquilo que

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Em Portugal nunca se reflorestou tanto como nos últimos três ou quatro anos, acusa a CELPA

tem provocado é um maior abandono em muitas áreas do nosso país, tornando a situação no terreno mais grave do que aquela que existia antes dos terríveis incêndios de 2017. O resto tem pouco a ver com política florestal, pois o que o Governo tem feito é criar um vasto e complexo conjunto de instrumentos de ordenamento do território (PRGPs, AIGPs, OIGPs, Condomínios de Aldeia, etc...) que nada têm de política florestal. Alguns desses instrumentos, quando utilizados sem bom senso, estão a dar origem a verdadeiras aberrações, como é o caso do Programa de Reordenamento e Gestão da Paisagem de Silves e Monchique (já aprovado) e como se encaminha para ser o das Serras da Lousã e do Açor, este ainda em elaboração. Ambos apontam soluções irrealistas, sem fundamentação técnica, e que se limitam a plasmar em letra de lei os gostos e preferências pessoais de alguns, esquecendo que o território tem que ser viável.

Após os grandes fogos, de 2017, muito se prometeu sobre o ordenamento florestal do país. Que balanço fazem?

Até à data, um balanço muito negativo. Como lhe disse, no terreno nada mudou, antes pelo contrário: com as medidas proibicionistas e com o aumento do ónus sobre os proprietários florestais, o abandono é hoje maior do que aquele que existia em 2017. É importante percebermos que quando se diz que uma coisa é proibida, se não existirem alternativas ao alcance da maioria, a consequência é o imobilismo e o abandono. As soluções para um melhor ordenamento florestal terão sempre que passar por políticas positivas e de estímulo de boas práticas. Terão sempre que partir do território e da paisagem que existem, e traçar um caminho viável. Caso contrário, se se limitam a desenhar paisagens sobre uma tela em branco e a passá-las para letra de lei, a única coisa que irá acontecer é o abandono. Consegue indicar-me uma área geográfica em que o ordenamento florestal tenha melhorado? Mas atenção que, dois anos (ou seis anos) não permitem mudar de forma visível muitas coisas em matéria florestal. Mas algumas coisas já poderiam dar sinais de mudança. Dou-lhe um exemplo. Em Portugal nunca se florestou tão pouco como nos últimos três ou quatro anos. Porquê? Porque politicamente esse tipo de acções foi considerado irrelevante ou mesmo desinteressante. A agravar tudo isso, o discurso político tornou-se muito agressivo para com aqueles que olham para a floresta com um interesse económico, desincentivando a sua ação. Ou seja, em vez de se apostar em políticas activas para melhorar a floresta que temos, criou-se um caminho de miragem para uma floresta imaginária e muito pouco adaptável às nossas condições. A reduzidíssima taxa de florestação que se tem verificado apresenta ainda a agravante de o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, no Cenário que nos conduz a esse sucesso (o Cenário Camisola Amarela), prever uma média anual de florestação de 8.000 hectares, para além da reflorestação necessária à manutenção das áreas já arborizadas. Ora, este valor, de 2018 para cá, está muito longe de ser alcançado. E pior, não há quaisquer sinais que apontem para que o ritmo de crescimento da área florestal aumente.

Com as medidas proibicionistas e com o aumento do ónus sobre os proprietários florestais, o abandono é hoje maior do que em 2017

Criou-se um caminho de miragem para uma floresta imaginária e muito pouco adaptável às nossas condições

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