90 Anos com Montemor-o-Velho

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90 ANOS COM

MONTEMOR

Com o patrocínio de:

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Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente



90 anos com Montemor-o-Velho Introdução

Diário de Coimbra

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90 anos comi Montemor-o-Velhoi

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ltaneiro, o Castelo impõe-se. Um guardião incontestado que durante séculos protegeu a região dos mais diversos ataques. As Infantas, Teresa e Mafalda, empenharam-se na construção de um verdadeiro Paço Senhorial e Montemor esteve, pelas melhores e pelas piores razões, particularmente ligado à vida da Corte. Outro Infante, D. Pedro, fez deste castelo o seu paço pessoal. E também foi ali que Afonso VI, reunido com os seus conselheiros, entendeu que os amores de Pedro e Inês eram um assunto de Estado, que poderiam fazer perigar a independência da nação, e, por isso, assinou a sua sentença de morte. Memórias que dão mais magia às velhas muralhas, alimentaram lendas e inspiram poetas e justificarão, talvez, algum do valioso património do concelho. Quiçá, também, a relevância de algumas figuras ilustres, como Fernão Mendes Pinto, o autor do mais célebre livro de viagens, escrito em português (“A Peregrinação”), ou Diogo de Azambuja, militar, cavaleiro da Ordem de Avis, explorador e conselheiro real. Na imensa planície que se avista do castelo, são outras as “estórias” para contar. De labuta árdua para amanhar a terra, alagada pelas águas do Mondego. O rio que fertiliza os campos, mas que, enfurecido, tudo arrasa. Terras de aluvião, onde se produz o melhor Arroz Carolino do país e onde o milho tem vindo a ganhar terreno,

juntamente com as hortícolas. Mais longe do vale, nas terras arenosas da Gândara, a agricultura continua a ganhar dimensão, com hortas e pomares que alimentam o país e a exportação. À couve, alface, tomate, morango, kiwi, mirtilo, maracujá e abacate, prometem juntar-se outras plantações, mais ousadas, de cannabis, destinada à indústria farmacêutica. Referência, ainda, para a criação de gado, com Montemor a assumir, há décadas, uma posição cimeira na produção leiteira, hoje menos relevante, mas que continua marcante. Um forte pendor agrícola que, ontem como hoje, é a imagem do concelho, que se assume, cada vez mais, como o grande celeiro e a horta por excelência de toda a região. Mas ao lado deste empreendedorismo ligado à terra, as gentes de Montemor sempre souberam inovar noutros sectores, mostrando que o espírito guerreiro dos velhos antepassados continua vivo, pronto a enfrentar novos desafios. É a Montemor-o-Velho que dedicamos esta revista, integrada no projecto editorial que assinala as nove décadas de publicação do jornal. Sem a veleidade de sermos exaustivos, convidamos o leitor acompanhar-nos nesta viagem pela história e por algumas das memórias mais marcantes deste território. 

FICHA TÉCNICA Novembro de 2021 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo Coordenação editorial: Manuela Ventura

Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Manuela Ventura Fotos: Ferreira Santos, Figueiredo, Câmara de Montemor-o--Velho, família de Afonso Duarte. Associação Fernão Mendes Pinto, Unidade

Funcional de Montemor-o-Velho da APPACDM, D.R. e Arquivo Vendas: Ana Lopes, Luís Ferrão e Marta Santos Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: Carla Borges e Rui Semedo

Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA Tiragem: 10 mil exemplares Agradecimentos: Câmara Municipal de Montemor-o-Velho


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Opinião 90 anos com Montemor-o-Velho

Diário de Coimbra

Diário de Coimbra, memória e futuro desde 1930! Emílio Torrão Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho

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á mais de 90 anos que, todos os dias, o Diário de Coimbra nos traz o tanto que acontece na região e no mundo, provando que num dia cabem vários dias. Quero, por isso, deixar o meu mais profundo reconhecimento a todos os homens e mulheres que diariamente, desde 24 de Maio de 1930, contribuíram e contribuem para honrar a visão do seu fundador, Adriano Viegas da Cunha Lucas, continuando a desenvolver um trabalho assente nos valores da

liberdade, rigor e isenção em prol da comunidade.Assim se explica a longevidade do Diário de Coimbra e a sua imensa capacidade de adaptação às mudanças da sociedade sem perder a sua génese de “Órgão Regionalista das Beiras".Aquele que é um dos mais antigos órgãos de comunicação regional do país tem sabido acompanhar e dar voz aos anseios e conquistas dos concelhos e da região, sempre com o intuito de ajudar a formar uma opinião pública mais informada e esclarecida.Com uma atuação vincada por um trabalho de proximidade, o Diário de Coimbra tem seguido de perto as vivências, as lutas e as conquistas do concelho de Montemor-o-Velho.As grandes provas desportivas mundiais realizadas no Centro Náutico de Montemor-o-Velho, as intempéries que nos abalaram nos últimos anos, a luta

contra a Covid-19, o desenvolvimento do parque escolar, os eventos culturais ou o trabalho desenvolvido pelo tecido associativo são alguns dos exemplos recentes que têm merecido destaque nas páginas do jornal.Num caminho feito lado a lado, a história do Diário de Coimbra e do concelho de Montemoro-Velho continua a fazer-se diariamente, pautada por um respeito mútuo, dando voz às gentes do concelho, num processo que incentiva e reforça o serviço público e a Liberdade.Que estas nove décadas de serviço à comunidade possam continuar a ser o motor para a construção de uma sociedade mais informada e com espírito crítico.Em nome do Município de Montemor-oVelho, endereço os mais sinceros parabéns ao Diário de Coimbra, aos seus/suas colaboradores/as aos seus/suas leitores/as!. 

Com uma atuação vincada por um trabalho de proximidade, o Diário de Coimbra tem seguido de perto as vivências, as lutas e as conquistas do concelho de Montemor-o-Velho


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90 anos com Montemor-o-Velho Obra de Fomento Hidroagrícola

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VALE DO MONDEGO:I ENTRE O CELEIROI E A HORTAI

Projecto hidroagrícola mudou a paisagem do Vale do Mondego. Um caso exemplar de emparcelamento e irrigação que falta concluir

1988 Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego assume, em Agosto de 1988, a gestão do empreendimento. As obras começaram no final dos anos 70 e ainda há 40% da área à espera de intervenção

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o rio vem a água, que não falta, mas tem de ser gerida. A Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, constituída em 1988, assume essa função. Antes, foi feita uma intervenção de fundo, ao nível da estrutura fundiária, que mudou a configuração dos terrenos. As pequenas leiras, muitas delas sem acesso a água e a caminhos, ganharam dimensão. O arroz mantém-se como uma das referências, mas o milho cresceu e ganhou terreno. Há também hortícolas, designadamente batata e couve. Consoante a época, as cores variam. Desde o verde tenro de quem começa a crescer, ao amarelo, primeiro suave e depois tórrido, que indica a maturação plena dos cereais. E o castanho, a cor da terra, mais claro ou mais escuro, consoante o tempo, temperado com a água. São 12.286 hectares sobranceiros ao rio, distribuídos entre o Vale Central e os Vales Secundários. O Mondego reina no Vale Central. O Pranto, oArunca e o Ega dominam

os Vales Secundários. Ainda há muito trabalho a fazer, para controlar a água, irrigar os campos e optimizar uma zona de cultivo por excelência. Mas também há trabalho feito, de décadas, que permitiu regularizar o leito central do rio e promover o aproveitamento hidroagrícola. «O grande problema do Mondego sempre foram as cheias», afirma António Terrão Russo, engenheiro agrónomo, especialista em recursos hídricos.Aforça descontrolada das águas sempre invadiu os campos e a configuração da bacia hidrográfica, com encostas com muitos arenitos, não ajudou. O também responsável técnico da Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego lembra que os reis impuseram medidas para travar o assoreamento, mas, mesmo assim, ao longo de oito séculos, o Vale do Mondego sofreu um assoreamento médio de um metro por século! «O Basófias é uma massa de água desordenada», adiantaAntónio Russo, que recorda uma «grande intervenção», efectuada no século XVIII, pelo padre Estêvão Cabral. Terá sido a primeira grande obra empreendida no Vale do Mondego, numa tentativa de resolver o problema das cheias. Confiante que a melhor solução era tornar mais curto o caminho do rio rumo ao mar, pois quanto mais depressa as águas chegassem ao destino menos prejuízo causavam, o padre

empreendeu a «linearização do rio». Uma obra que demorou anos e cujos resultados deixaram muito a desejar. Com um rio praticamente “a direito”, a água flui com mais rapidez, mas também arrasta mais sedimentos e o assoreamento teve margem para crescer. Significa que, apesar da intervenção entre Coimbra e Maiorca, o problema das cheias ficou longe da solução. Nos anos 70, recorda António Russo, avançou o projecto de regularização fluvial do Mondego. Uma empreitada assumida pelo Estado, cujo contrato foi assinado em 1977 e representou um investimento que rondou os 147 milhões de euros (1,5 milhões de contos). As obras de regularização do Baixo Mondego – Leito Central ficaram concluídas em 1984 e a obra de rega foi inaugurada em 1988, precisamente no ano de constituição da Associação de Beneficiários, que tem a gestão da água como uma das suas funções fundamentais. Trata-se de «um empreendimento de fins múltiplos», explica António Russo, que destaca a obra feita a montante e a jusante, que funciona como um todo. A mais de 30 quilómetros, no concelho de Penacova, estão as barragens da Aguieira e da Raiva, no rio Mondego. Mais acima, no rio Alva, encontra-se a barragem das Fronhas (Arganil). Mais próximo, em Coimbra, está o açude-ponte. São as chamadas obras primárias de um amplo processo de regulari-


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Obra de Fomento Hidroagrícola 90 anos com Montemor-o-Velho

zação do rio, com objectivos diferentes, mas articulados, que vão desde a produção de energia eléctrica ao controle das cheias, passando pela alimentação do regadio, pelo consumo humano e ainda um canal para abastecimento da indústria papeleira, na Figueira da Foz. O projecto contempla 12.286 hectares, abrangendo os concelhos de Montemor-o-Velho, Figueira da Foz, Coimbra, Condeixa, Cantanhede, Soure e Pombal. O Vale Central representa 7.178 hectares (ha). Destes, 6.798 estão devidamente emparcelados e infraestruturados, o que corresponde a 1.244 beneficiários e um total de 6.636 prédios. «Passados 40 anos, ainda falta equipar cerca de 40% do perímetro de rega», diz António Russo, referindo-se aos 5.108 ha,

correspondentes a 10.007 prédios e a 1.114 beneficiários. Uma obra inacabada, que espera ter novos desenvolvimentos em breve, concretamente no Vale do Pranto. De resto, todo o processo é lento e moroso. «Foi sendo feito aos bocados», afirma António Russo, brincando com a designação dos “blocos”. Os primeiros foram a Quinta do Canal (347 ha) e Moinho de Almoxarife (244 ha), dois blocos sem emparcelamento, mas infraestruturados, prontos em 1990. No total são 10 blocos. O de Tentúgal (700 ha) ficou concluído em Outubro de 1993, Meãs do Campo (593 ha), em Março de 1995, Carapinheira (722 ha), em Setembro de 1999, Montemor-Ereira (868 ha), em Fevereiro de 2002, Alfarelos (482 ha), em 2004, Maiorca (510 ha) e Bolão (345 ha),

Mais ocupação e rentabilidade «O processo de emparcelamento só teve sucesso no Mondego. Fizeram-se outras tentativas, mas não tiveram tanto êxito», diz António Russo. Hoje, esta é uma «terra valiosa», «praticamente toda cultivada», com uma taxa de ocupação de 96%. Este é, garantidamente, um ganho, uma conquista da obra hidroagrícola, que imprimiu uma maior rentabilidade à terra. Antes, «a ocupação da terra cingia-se a 150 dias», explica, tantos quantos o tempo da cultura do arroz. «Com as condições hídricas criadas, muitos agricultores fazerem duas culturas», entremeando, designadamente, milho com batata ou outras hortícolas. «A terra está mais ocupada e com culturas mais diversificadas. Aumentou-se a rentabilidade e o rendimento da terra», adianta. O milho, exemplifica, «exige muita água», mas nos campos do Mondego «faz-se milho com metade da água necessária mais a Sul». Ao contrário do que acontece com outros sistemas hidroagrícolas, como o Alqueva ou o Alto Sado, onde este bem escasseia, no Vale do Mondego «a água não tem limites». «O nosso único limite é a energia solar. Temos 60% de horas de sol potenciais disponíveis», um indicador que se prende com a muita nebulosidade e nevoeiro, fruto da proximidade do mar, mas também em virtude da «configuração do próprio vale». Independentemente do pendor agrícola da região e da excelência das terras,António

Cultura de milho tem vindo a crescer

Russo entende a agricultura no Baixo Mondego como «uma âncora, que dinamiza um cluster muito importante da economia local», designadamente com a venda de máquinas, alfaias, sementes e fertilizantes. «Há um conjunto muito vasto de actividades que giram em redor da agricultura que têm de ser tidas em conta», considera. Mais do que a produção há «todo um equilibro social» que funciona em redor do campo. Isto sem falar do equilíbrio do ecossistema. «Se não fosse a agricultura, não havia aqui flamingos, garças ou cegonhas», afirma. «É necessário ter em conta as particularidades destas terras. Se não se fizer agricultura, tudo isto fica insalubre», avisa.

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em 2015, a que se juntam os blocos de S. Martinho do Bispo e São João (696 ha), São Silvestre e São Martinho da Árvore (726 ha) e a Margem Esquerda (465 ha). O processo de reestruturação da matriz fundiária, com o moroso e complexo processo de emparcelamento, foi acompanhado da obra de rega, que implicou, designadamente, a construção do canal condutor geral, com 41 km, a rede de rega, com 200 km e a rede de drenagem, com 211 km. Juntou-se-lhe uma rede viária, que permite o acesso às propriedades, estradas e caminhos rurais, uma boa parte gerida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), outra, a mais capilar, pela Associação de Beneficiários, também conhecida por Associação de Regantes. 

A tarefa de gerir o regadio À Associação de Beneficiários compete fazer a gestão do regadio, no quadro de uma concessão, feita pelo Estado, em Janeiro de 2010, por um período e 20 anos. Os beneficiários, mais de dois mil em todo o Vale Central, pagam uma taxa de manutenção e conservação, um valor fixo – quer regue, quer não regue – que este ano foi fixado em 47 euros/ha. Pagam, igualmente, uma taxa de exploração, que tem a ver com o volume de água consumida. «Faz-se um cálculo em função das culturas», explica, uma vez que não há propriamente um “contador”para aferir o gasto ao milímetro. Os agricultores pagam, ainda, taxa de recursos hídricos, em função do volume de água solicitada. Contas feitas, António Russo garante que, anualmente, por ha, um agricultor do Vale Central «não gasta mais do que 90 euros em taxas».«Trata-se de pagar um serviço», sublinha. Nem todos o beneficiários conseguem pagar e há penalizações. Com dois anos em atraso, «é cortado o acesso à água». Tenta-se, em sintonia com os beneficiários, fazer uma negociação, evitando sempre o último recurso, ou seja a execução fiscal. A gestão da água é assegurada pelo pessoal de campo, 27 cantoneiros. Cada bloco tem os seus cantoneiros próprios e é junto deles, pessoalmente ou através de telefone, que os proprietários fazem o pedido de água, com 24 horas de antecedência, explicitando o dia e a quantidade necessária. O pedido é registado e reportado



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para a sede. Aqui, depois das contas feitas a todos os pedidos, a Associação solicita à APAa disponibilização, no canal, do volume de água para fazer face aos pedidos. O “reservatório” funciona no açude-ponte. Aágua vem pelo canal, na margem direita, que ao longo do percurso tem várias estações elevatórias, destinadas a manter o nível da água. A espaços, há “tomadas de água”, que garantem a alimentação da rede de distribuição, com um caudal de 30 litros

por segundo. O sistema funciona com “palhetas”, que se abrem e permitem a rega. Natural de Lisboa, mas com origens familiares no Alentejo, António Russo tem um especial apreço e preocupação com a água. Um bem escasso, se bem que abundante no Baixo Mondego. Por isso sublinha a importância das três estações meteorológicas, criadas no início do ano, onde os beneficiários se podem inteirar das previsões do tempo para sete dias e fazer o

Obras que continuam por fazer

“Tomadas de água “permitem o acesso à água e a irrigação das culturas

Alguns dos componentes do sistema de rega «têm mais de 30 anos» e «precisam de obras profundas de remodelação». «Temos necessidade de intervir todos os anos e em alguns blocos é mesmo necessário «reconverter o sistema», afirma, reconhecendo que, comparativamente com outros projectos hidroagrícolas, o Vale do Mondego tem uma gestão «bastante artesanal», sustentada em tecnologias do passado. Os caminhos e estradas alcatroadas, que fazem a serventia ao longo do canal e dique periférico direito são da responsabilidade de APA. «Estão num estado lastimável», faz notar. Aponta, igualmente, as precárias «condições de segurança» de algumas pontes, igualmente da tutela da APA. A ponte da Carapinheira, recorda, esteve meses fechada e reabriu após intervenção do Exército. «Há estradas e pontes construídas há muitos anos, dimensionadas para máquinas que não são as que hoje», refere, sublinhando a necessidade de «um conjunto muito grande de investimentos que a APA não faz». AAPA é responsável pela acessibilidade primária,

pontes e estradas, embora algumas vias tenham passado para a tutela municipal. «Tudo o resto, ou seja, 200 km de caminhos rurais, de terra batida, de acesso às propriedades, são da responsabilidade da Associação de Beneficiários, que assegura a sua operacionalidade e manutenção. Num sistema de aproveitamento de fins múltiplos, «os activos têm de conversar e participar na gestão, o que não acontece», critica, e faz questão de sublinhar que «os problemas do Vale do Mondego não se resolvem no vale», mas a montante e a jusante. Daí a necessidade de uma «verdadeira gestão conjunta», de «partilha de informação», que «não se verifica». É também necessário que a tutela faça obras e procure soluções mais adequadas à gestão do canal. Sem pruridos, elogia as papeleiras que fazem praticamente todas as intervenções no canal, pois sem água não há processo fabril. Lembra que, em Dezembro de 2019 o canal rebentou e «se não fosse a estação elevatória das papeleiras, a bombar água 24 h/dia, não teríamos água para a campa-

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mais conveniente planeamento de rega. «Quem quiser, pode pedir as credencias para aceder à estação meteorológica», diz, garantindo que o acesso é gratuito e já é partilhado por grande número de beneficiários. Através do facebook, a associação também emite “avisos de rega”, tendo em conta as previsões meteorológicas. «Não há restrições de consumo, mas a questão não está em gastar menos água, antes pagar menos», sublinha.  nha do arroz. Lembra, ainda, que ruiu uma comporta, em Dezembro de 2019, no Pranto, que inundou os campos com água salgada e ainda não foi devidamente reparada.

Pranto é o próximo passo O Vale do Pranto, um dos vales secundários, representa o próximo desafio. O projecto está pronto e espera luz verde para o lançamento do concurso. Um investimento que ronda os 25 milhões de euros e vai melhorar substancialmente as condições de produção agrícola no Campo do Conde e na Quinta do Seminário. Terras dedicadas ao arroz, que funcionam em condições precárias, com todos os mais de 600 proprietários a terem de, em simultâneo, proceder à irrigação ou ao enxugo dos campos, porque não há forma de o fazerem individualmente. O projecto contempla a instalação de um adutor, com cerca de 10 quilómetros, que capta água junto à Fontela (Figueira da Foz) e a transporta para a freguesia da Vinha da Rainha. O sistema vai permitir irrigar os 350 hectares do Campo do Conde – que vão ser emparcelados – e levar água a mais 1.195 hectares do Vale do Pranto. Ainda sem horizonte para o início da obra, esta intervenção pode representar, no entender da Associação de Beneficiários, uma “alavanca”, reduzindo a “fatia” dos 40% de área que carece de intervenção. O Pranto vai manter-se na “ordem do dia”, com mais 1.129 hectares, distribuídos pelos concelhos da Figueira da Foz, Soure e Pombal. São 5.650 prédios e mais de seis centenas de proprietários. Terrenos que precisam de uma intervenção de fundo, com emparcelamento, rega, infraestruturas de drenagem, onde se prevê a instalação de um adutor para captação e transporte de água. «O projecto do Baixo Mondego é para concluir», garante a Associação.


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90 anos com Montemor-o-Velho Campo do Bico da Barca

BICO DA BARCA: O LABORATÓRIO DO CAMPO 1996 Campo de Experimentação da Direcção Regional de Agricultura é um espaço de excelência para testar novas variedades, fertilizantes e formas de controlar as pragas

“Dia Aberto” sobre cultura do arroz é promovido todos os anos pela Direcção Regional

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ão 5,5 hectares de terra, em pleno Vale Central, paredes-meias com o Mondego. Mesmo ao lado do Centro Náutico, são outras as “remadas”que se fazem no Campo de Bico da Barca. Mas o objectivo é o mesmo: formar vencedores, criar campeões. Os atletas treinam, ganham asas e vencem, velozes, a força das águas. Quanto às plantas, adaptam-se à terra encharcada, ganham raízes e resiliência e conquistam-nos pelo bom sabor do arroz. Carolino do Baixo Mondego, claro está! Um campo de experimentação e ensaio, onde o saber e o fazer caminham da mãos dadas, com a ciência a dar um contributo fundamental à produção e a ajudar a consolidar a fileira do arroz. Falamos do Campo do Bico da Barca, uma estrutura criada em 1996, sob a tutela da então Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral (hoje Direcção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Centro). Mas já antes havia “sementes”deste projecto. Isso mesmo explicaAntónio Jordão, técnico da DRAP Centro, que sublinha a necessidade que sempre se fez sentir de promover alguma experimentação ligada à cultura do arroz. A Quinta do Canal e a Quinta de Foja

foram duas referências, sob a batuta do Instituto Nacional de Investigação Agrária. Todavia, na década de 80, com o início das obras de emparcelamento e regularização, alterou-se o perfil do regadio, surgiram novos interlocutores no Baixo Mondego e a Direcção Regional de Agricultura passa a acompanhar e a apoiar os trabalhos de experimentação e de investigação, sob a coordenação do INIA (Instituto Nacional de Investigação Agrária) dando seguimento a um interesse de há longa data dos serviços regionais do Ministério da Agricultura. António Jordão lembra a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (hoje União Europeia) e os fundos vindos de Bruxelas para a agricultura. A formação tornou-se uma necessidade e a par, «como um complemento», os serviços do Ministério da Agricultura foram criando unidades de experimentação, divulgação e demonstração. Passo decisivo foi dado em 1996, quando o Projecto de Emparcelamento Hidroagrícola do Baixo Mondego cede à Direcção Regional de Agricultura uma parcela, pertencente ao “banco de terras”, precisamente no Campo do Bico da Barca. «Ainda man-

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tivemos algum trabalho, ao nível de ensaios, na Quinta da Foja», adianta. Um percurso que se estendeu até 2002/2003. Mais ou menos nesta altura (2003), uma segunda parcela de terreno, igualmente pertencente ao “banco de terras”, é cedida àquele organismo, perfazendo os cerca de 5,5 hectares que existem hoje. Um espaço que funciona quase como uma “amostra”dos cerca de 5.800 hectares do Vale do Mondego onde se cultiva arroz. Num passado ainda relativamente recente, «fazia-se arroz» às portas de Coimbra, na zona da Geria e da Cidreira. Todavia, hoje esta é uma zona mais aproveitada para a cultura de milho e de hortícolas, com o arroz a marcar presença a jusante de Tentúgal, até à Figueira da Foz. Como campo de ensaios e de experimentação, o Bico da Barca é uma referência para a fileira do arroz. Ali se testam novas variedades, novos fertilizantes, novas formas de controlar as infestantes. Um trabalho moroso, que junta os diversos parceiros da fileira, desde a investigação, às empresas, passando pelos agricultores. Agricultores que, de resto, são os convidados de honra de uma iniciativa, promovida todos os anos pela Direcção Regional. Um Dia Aberto dedicado à cultura do arroz, onde se dão a conhecer todas as “novidades” do sector, designadamente no que concerne ao desenvolvimentos de novas variedades, de fertilizantes e de ferramentas de controle das infestantes.

Aposta na “criação” de novas variedades Fundamental é o trabalho que tem vindo a ser efectuado no Campo do Bico da Barca ao nível do melhoramento das variedades. Trata-se do Programa Nacional de Melhoramento Genético doArroz.António Jordão faz notar que esta sempre foi uma preocupação do Estado, inicialmente através do Instituto Nacional de Investigação Agrária e, depois, através da participação e colaboração da Direcção Regional de Agricultura, com o objectivo de «obter variedades nacionais, adaptadas ao Baixo Mondego e às outras regiões onde se produz arroz», designadamente nos vales do Sado e do Tejo e Sorraia. Um programa que sofreu um hiato, com as últimas variedades a darem entrada no Catálogo Nacional nos anos 80.«Tivemos cerca de 30 anos sem variedades nacionais no Catálogo Nacional»,


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esclarece, e lembra o “input”que o Programa de Melhoramento teve, no início dos anos 2000, altura em que se assiste à constituição do COTArroz – Centro Operativo e Tecnológico doArroz, um organismo que congrega todas as entidades, desde a produção, representantes dos agricultores, indústria, investigação e empresas. O COTArroz é a “herdeira”do extinto Centro de Orizicultura (Salvaterra de Magos), da qual o Campo do Bico da Barca é, igualmente, parceiro. Em 2017, após um longo interregno, entram no Catálogo Nacional duas novas variedades: Ceres e Maçarico, a que já juntaram entretanto mais duas: Diana e Caravela. Maçarico é um arroz agulha – residual no Baixo Mondego – e todos os outros três são arroz carolino. António Jordão explica a pertinência desta investigação e a importância acrescida das variedades nacionais, uma vez que «há direitos de propriedade que pagamos pelas sementes que importamos. Se tivermos sementes nacionais, evitamos esse gasto». Além de uma questão essencialmente económica, trata-se de «associar as novas variedades à resistência aos fungos», com destaque para a piriculária, a doença que mais ataca o arroz no Baixo Mondego, tendo em conta uma relação entre temperatura e humidade que se faz sentir no vale nos meses de Julho, Agosto e Setembro. Mas também a pragas. Por outro lado, importa ter em linha de conta as «exigências do mercado» e do sector da indústria. «É natural que haja necessidade de mais variedades, para acompanhar as tendências do mercado e do consumo», afirma, destacando a importância deste trabalho em rede, de parceria. «A indústria começou a procurar variedades específicas, que respondem melhor aos requisitos do mercado e se adaptam melhor a determinado tipo de clientes».Apropósito, António Jordão refere o aumento significativo das exportações de arroz português, pese embora sejamos deficitários em termos de produção (produzimos cerca de 60% do arroz que consumimos). «Fruto da qualidade do nosso arroz, aumentámos bastante as exportações», diz, apontando alguns dos «bons mercados, com grande poder de compra», do arroz nacional sobretudo nos países do Médio Oriente. Fruto desta dupla conjugação, «a indústria conseguiu fidelizar os agricultores», o que significa que, para «manter os agricultores

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Ensaios testam novas variedades de arroz, adaptadas à região e aceites pelo mercado

empenhados em produzir com qualidade, também paga mais, um preço mais justo». Refere que, até 2011/2014, o preço médio ao arroz ao produtor rondava os 30/35 cêntimos por quilograma, valor que “cresceu” para os 37/40 cêntimos. António Jordão lembra que Portugal é o país europeu com maior índice de consumo de arroz, que ronda uma média de 16 kg por habitante/ano, mas também são as “modas” que orientam o consumo. Isso significa que, se há uns anos oArroz Carolino era “rei e senhor”, começou a sofrer concorrência feroz do Arroz Agulha, significativamente mais fácil de cozinhar. Recentemente surgiram outros desafios no mercado, como o basmati, o arroz negro ou o arroz biológico. Este último constitui, de resto, uma das linhas em que o Campo do Bico da Barca aposta há cerca de 18 anos. Fernando Martins, director regional da DRAPC, destaca particularmente esta «nova área a explorar». Trata-se, sublinha, de «ir ao encontro do objectivo “Green Deal” e da estratégia da União Europeia “Farm do Fork”. O mercado e os consumidores exigem isso», refere, dando nota que se trata de um modo de produção «particularmente exigente». Fernando Martins enaltece o «trabalho em rede», com vários parceiros, que envolve o Estado mas também os privados, desde empresas a instituições de ensino e investigação, agricultores, associações e cooperativas, que tem sido desenvolvido no

campo de ensaios visando a melhoria do arroz e da busca de novas soluções. Um trabalho que se pretende continuar a promover mais ainda no futuro. Nesse sentido, aponta uma candidatura que a Direcção Regional vai promover, no sentido de impulsionar os campos do Bico da Barca e do Loreto (Coimbra) e resolver alguma precariedade existente ao nível de instalações e equipamentos, de forma a garantir que este trabalho de vanguarda vai continuar a ser feito, procurando impulsionar a desenvolver o sector agrícola.

Ensaios reforçados No Campo do Bico da Barca avançaram os ensaios de melhoramento genético de arroz com «900 linhas de gerações segregantes». «Nunca tínhamos feito tantas», explica, lembrando que nas últimas cheias «todo o material de melhoramento foi por água abaixo. Só conseguimos salvar sementes para três campos». Face a esta perda e tendo em vista salvaguardar outras situações que possam ocorrer, avançou-se com 900 linhas, que representam, seguramente, 700 a 800 «cruzamentos diferentes», adianta. Linhas que configuram diferentes “gerações”, ou seja fases de desenvolvimento. «Destas 900 linhas, seguramente não aproveitamos metade», diz ainda o responsável, que destaca o «trabalho exaustivo» e «moroso» que é feito, no sentido de chegar a um resultado que possa ser positivo e dar uma nova variedade de arroz. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Campo do Bico da Barca

Fileira do milho em crescendo O arroz está no centro das atenções, mas no Campo do Bico da Barca também se “trata” de milho. Aliás, os campos de ensaio falam por si. De resto, o milho tem vindo a ocupar terreno “sobre”o arroz, que durante muito anos esteve acima dos seis mil hectares no Baixo Mondego, mas tem vindo a descer, «oscilando entre os 5.500 e os 5.800 hectares», refere António Jordão. Trata-se de uma cultura mais simples e menos exigente em termos de acompanhamento por parte do agricultor, que «está bem adaptada a todo o Vale do Mondego», cuja expressão é particularmente relevante em termos económicos e sociais. Para a região, salvaguarda, não são indicadas variedades com ciclos mais longos – tempo entre a sementeira e a colheita – uma vez que «são mais exigentes em termos de luz e temperatura, embora possam ser mais produtivos». Por isso fazem-se, sobretudo, ciclos mais curtos, médios e médios/longos (FAO 400, FAO 500 e FAO

600, com menos expressão), destinados essencialmente para alimentação humana e animal. António Jordão destaca a importância da produção para alimentação humana, seja para «a indústria cervejeira e produção de malte» ou para a fileira dos flocos de cereais, sem esquecer o milho branco, destinado ao fabrico da broa. O responsável destaca o trabalho que tem vindo a ser feito no Bico da Barca ao nível do milho, designadamente na adaptação de variedades, na utilização de fertilizantes, no estudo dos solos e no sistema «mais sustentável e racional da utilização da água». Reconhece que no Baixo Mondego não há propriamente problemas com falta de água, mas noutros locais os agricultores «têm de fazer um grande investimento para garantir a rega». O técnico da DRAPC lembra uma investigação, em parceria com a Escola Superior Agrária de Coimbra, «que é necessário aprofundar» em nome de uma «utilização mais racional da água».

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Relativamente às sementes, é um negócio liderado por multinacionais, como a Pionneer ou a Bayer, que fazem uma grande aposta na investigação, têm os seus centros genéticos e de investigação, onde fazem cruzamentos. Todavia, a inclusão dessas sementes no catálogo nacional de variedades carece de avaliação obrigatória, da responsabilidade da Direcção Geral deAlimentação e Veterinária, que os serviços da DRAP Centro asseguram. «As empresas têm interesse no trabalho que fazemos, porque avaliamos as variedades e os nossos resultados são isentos e fidedignos», adianta. Por curiosidade, António Jordão refere que Portugal possui um dos «mais importantes bancos de sementes do mundo. Tudo começou com um programa de melhoramento genético do milho e hoje é um banco de vegetais». Sediado em Braga, só de milho este banco tem «mais de duas mil variedades». Algumas «têm características interessantes, por exemplo, um grão mais vítreo, mais resistente». As empresas podem recorrer a este portefólio para criar novos cruzamentos e variedades, esclarece. 


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Cooperativa de Montemor 90 anos com Montemor-o-Velho

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COOPERATIVA DE MONTEMOR É UMA REFERÊNCIA PARA A AGRICULTURA 1977 Criada em 1977, só na década de 80 começa a singrar, após a extinção efectiva do Grémio da Lavoura. Hoje tem 4.700 associados e garante apoio a mais de dois mil agricultores, na produção de milho, arroz, batata e hortícolas

Cooperativa coloca no mercado uma média de 300 toneladas de milho por mês

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m Julho de 1977 era lavrado o alvará de criação da Cooperativa Agrícola de Montemor-o-Velho. Uma infraestrutura de apoio à actividade agro-pecuária, herdeira do Grémio da Lavoura, que cresceu e consolidou a sua actividade. Hoje é o parceiro indiscutível de mais de dois mil agricultores, ligados à produção de milho, de arroz, batata e hortícolas, mas continua “fiel”às origens, mantendo a ligação aos produtores de leite. Manuel Martinho, contabilista de formação, é o homem do leme desta estrutura, que contabiliza 4.700 associados dos concelhos de Montemor, Soure e Figueira da Foz. Começou a sua actividade profissional antes do surgimento da cooperativa, na altura em que avançou o processo de liquidação do Grémio da Lavoura, em 1976, e coube-lhe, entre outras tarefas, a preparação dos estatutos. Conhece os “cantos” desta casa, que ajudou a erguer e onde exerce funções de gerente (não nomeado, sublinha) desde os anos 90. A pessoa certa para apresentar a Cooperativa, os momentos cruciais da sua história, a realidade de hoje e os projectos para o futuro.

Investimento previsto de um milhão de euros «Com as estruturas que foram criadas e a forma como se desenvolvem, pode haver algumas alterações, necessidade de mudar culturas, mas enquanto houver água no Mondego, vai sempre haver agricultura, sobretudo milho e arroz», diz Manuel Martinho. Relativamente ao milho, «a situação é boa», «o mercado está em alta», afirma. Confiante no futuro, a Cooperativa está a preparar-se para fazer um investimento de «cerca de um milhão de euros» em secadores e silos para armazenamento. «Só estamos à espera da licença da Câmara para avançar com a obra», refere. O terreno com 2,5 hectares foi adquirido, na Carapinheira. «Este é um indicador evidente de que acreditamos no futuro da agricultura», remata. 

Como referências, aponta o ano de 1980, altura em que se extingue o Grémio da Lavoura e a Cooperativa avança com a construção de instalações próprias, onde se encontra actualmente. Uma década depois, com a «profissionalização dos serviços» e a «contratação de técnicos», a Cooperativa deu início ao circuito cada vez mais arrojado de «aconselhamento técnico» ao nível de sementes, fertilizantes e análise de solos, que conduziu, mais tarde, ao seu reconhecimento como “organização de produtores”. «É uma mais-valia para os associados», designadamente nas candidaturas aos apoios do IFAP, refere. Nos finais da década de 90, depois da criação de uma marca própria de arroz, “Tricana”, a Cooperativa avançou para um novo desafio, com a aquisição de uma empresa de descasque. O milho e o arroz, duas das culturas de referência do Baixo Mondego são, igualmente, os dois grandes pilares da cooperativa. São cerca de 300 os produtores que encaminham milho para a Cooperativa de Montemor, aos quais presta todo o apoio técnico, desde a preparação dos campos à colheita, secagem e armazenamento. Em 2020, segundo Manuel Martinho, foram 15.441 toneladas de milho que a organização adquiriu, secou e armazenou. «Colocamos no mercado na ordem das 300 toneladas de milho por mês», avança. Uma parte é vendida para a indústria de rações e outra é embalada e colocada no mercado. Grande parte da produção é de milho amarelo, destinado exclusivamente a animais. Há produtores de milho amarelo não transgénico, «mas sem significado». No que se refere ao milho branco, uma fatia da produção é destinada à panificação. «Há um grupo de cinco/seis produtores», explica Manuel Martinho, que aponta as maiores exigências desta cultura, em termos de capacidade financeira e de armazenamento, porque não se trata de uma produção escoada de imediato, como o grão para rações. Mas, «compensa», garante. O milho



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tanto é embalado em sacos de 20 kg, de 10 ou de 5kg, como em sacos gigantes (big bag), de uma tonelada. Quando começou a colheita, em armazém estariam cerca de 150 toneladas. «Estamos a comprar milho à saída do barco, em Aveiro», diz o gerente. Milho importado, designadamente do Brasil. «É normal nesta época do ano, porque já não há milho», diz. Todavia, no armazém já crescia o “monte” de “milho miúdo”. Grande parte destina-se ao alimento de aves, em particular para a columbofilia. «Procuramos criar valor acrescentado aos nossos produtos», diz Manuel Martinho, que estima recolher 1.200 toneladas deste cereal. A aposta forte nos cereais começa em 1990 e representa uma viragem na vida da Cooperativa. «A direcção decidiu avançar para a profissionalização dos serviços», lembra Manuel Martinho, o que passou pela admissão de técnicos, a instalação de um secador e de todo o equipamento para trabalhar o milho. Em 1992, com a presença do então ministro da Agricultura, Arlindo Cunha, assistia-se à inauguração do secador. Uma aposta que se revelou certeira. «A Cooperativa ganha o seu lugar». Todavia, não foi um passo fácil. «A instalação do secador foi feita com suprimento dos directores», confessa, lembrando um dos momentos difíceis da vida da Cooperativa. A instalação do secador implicou um aumento da equipa, mas também algumas horas mortas, designadamente do pessoal da distribuição. Uma situação que se resolveu com a experiência de partir milho. O mercado correspondeu e «acabámos por comprar um equipamento para fazer milho partido», destinado à alimentação de animais. A estrutura ficou concluída em 2006 e ao milho partido juntaram-se outras medidas, tendentes a incutir valor acrescentado, como o embalamento e a distribuição. A colheita do milho começa em Agosto/Setembro e o momento forte é em meados de Outubro. Nessa altura sucede-se o vai-vem dos tractores. Passam pela báscula, onde se faz a pesagem. Simultaneamente, uma sonda entra na carga e recolhe uma amostra, analisada de imediato, que permite conhecer o teor de humidade do cereal. A dose certa para entrar no mercado é de 14%, O secador garante essa aferição perfeita. O secador tem capacidade para trabalhar 200 a 220 toneladas por dia. Os silos, melhor, as tulhas têm, cada uma, capacidade para receber 900 toneladas. É o mundo do milho na Cooperativa Agrícola de Montemor. 

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Ligação ao sector leiteiro mantém-se desde a origem

Cooperativa tem um desempenho muito centrado no arroz e no milho

Associada da Lacticoop – União de Cooperativas de Produtores de Leite de Entre Douro e Mondego, a Cooperativa manteve, desde a sua origem, um apoio muito directo aos produtores de leite, a quem garantia a recolha e apoio técnico. Na altura, Manuel Martinho recorda que Montemor era o «terceiro concelho com mais produtores de leite, logo depois de Vagos e de Cantanhede». «Só Arazede detinha 60/70% da produção de leite». Em meados da década de 80, a forte concorrência no sector «obrigou a or-

ganização a reestruturar-se e a tentar encontrar outras vertentes de negócio», explica. Daí resultaram novas apostas, muito embora o leite se mantenha como referência histórica e de origem. «Hoje, a recolha do leite é feita pela Lacticoop e nós só facturamos e procedemos ao pagamento», adianta. São nove produtores que se mantêm fiéis à Cooperativa de Montemor, oriundos de Mães, Arazede, Seixo e Tentúgal, o que representa um movimento de 74 mil euros mensais. 

Apoio ao sector da batata e hortícolas A Cooperativa de Montemor também garante o acompanhamento técnico a produtores de hortícolas. «Não são muitos. Onze ou doze, depende do ano», esclarece. Aopção centra-se sobretudo na produção de brócolos. «Temos uma parceria com uma empresa de Alcobaça que faz congelação e coloca no mercado», adianta. Relativamente à batata, a cooperativa dá apoio a 16 produtores que “fazem” batata para a indústria. São 2.800 toneladas/ano que ficam ali mesmo ao lado, numa empresa de Tentúgal. A estes pro-

dutores, a cooperativa garante o acompanhamento técnico e disponibilizaria factores de produção. Uma batata que tem uma grande vantagem, adianta o gerente. «Existe um contrato e tem um preço fixo», o que já não acontece com a chamada batata de consumo, cujo preço está dependente do mercado. No concelho também existem produtores de batata de consumo. «A Cooperativa adquire pequenas quantidades, para comercializar no espaço da loja, mas não tem expressão no escoamento», adianta. 



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Supermercado e posto de combustíveis O facto de a Cooperativa Agrícola de Montemor-o-Velho ser associada da Lacticoop ditou, desde há muito, a criação de um ponto de venda de produtos lácteos. Primeiro leite, depois queijo e outros. «Em 2005 criámos mesmo um espaço próprio», explica Manuel Martinho, apontando o verdadeiro supermercado que funciona na sede da Cooperativa, recentemente remodelado e redimensionado, depois da tempestade Leslie ter provocado alguns danos na estrutura. Hoje, desde os produtos lácteos, ao arroz, batata, fruta (proveniente de um produtor de Cantanhede), vende-se ali um pouco de tudo. Há um espaço inteiramente dedicado à alimentação animal, com milho inteiro, milho partido, milho miúdo, em sacos de 5, 10 e 20 kg, mas também mistura para coelhos, comida para gatos, cães, bovinos, caprinos e galinhas. As pequenas alfaias, designadamente enxadas, também se encontram à venda, a par das mais diversas utilidades domésticas, que entram no cabaz de compras de qualquer família. O supermercado, melhor, a “loja”, como faz questão de referir o gerente, está aberta ao público, o que significa que qualquer pessoa, seja ou não sócio da cooperativa, ali pode fazer as suas compras. A Cooperativa possui mais duas lojas, em Gatões e em Mães. Além do imprescindível gasóleo agrícola, o posto de combustíveis instalado na Cooperativa de Montemor possui gasolina e gasóleo ditos “normais” e qualquer pessoa pode ali abastecer, com a vantagem de os preços serem inferiores aos habitualmente praticados no mercado. «O combustível é bom», garante o gerente. O abastecimento do posto é garantido pelo Grupo Alves Bandeira, através da Petroibérica. 

Sistema de descasque processou, no ano passado, 3.596 toneladas de arroz

Entrada na fileira do arroz Anabela Loureiro, com formação na área da Contabilidade, trocou as aulas de Matemática, na escola de Montemor, por outras contas, talvez mais complicadas e sempre diferentes. Está há 24 anos à frente da unidade de descasque de arroz da Cooperativa. Uma empresa instalada em Gatões, criada pela família Patrão Rosete, cuja gestão e exploração a Cooperativa de Montemor assumiu em 1996. Num pequeno descasque, «calibrado de acordo com o equipamento da fábrica», fazem-se os testes. «Compramos arroz com base na amostra», explica a responsável. Significa que uma pequena mão cheia de arroz, 100 gramas, vai servir de teste. À semelhança da maquinaria industrial, mas em dimensão micro, o equipamento procede ao descasque do arroz, primeiro e, depois, ao respectivo branqueamento. «Tem menos trinca», afirma Anabela Loureiro. O padrão, explica, é ter 10% de trinca (arroz partido). «Tudo o que é abaixo de 10% representa maior rentabilidade», adianta. Mas há mais contas, muitas contas para fazer. As básicas, que Anabela Loureiro sabe de cor e salteado, dizem-nos que, depois de submetido ao necessário processo de descasque e de branqueamento, 1 kg de arroz dá 600 g de grão inteiro e 100 g de

trinca, 10 g de sêmea (farinha) e 200 de casca. Tudo se aproveita. O grão inteiro, com mais ou menos trinca, é embalado em sacos de 1 kg, com as marcas da casa – Gatões e Diamante Azul - ou em sacos de 20 kg ou de maiores dimensões, de mil quilos, que se destinarem à indústria. A trinca que sobeja destina-se a alimentação animal, o mesmo acontecendo com a sêmea, a farinha que resulta do processo de fricção a que o grão é sujeito e que permite que o tom castanho do grão descascado dê lugar a um grão de arroz branco, também se destina aos animais. Já a casca do arroz tem o seu escoamento garantido para aviários. Cinco mil toneladas, ou como Anabela prefere, cinco milhões de quilos de arroz é quanto as tulhas (silos) permitem armazenar. «É a nossa capacidade máxima», explica a responsável, sublinhando que a empresa «só trabalha com arroz da região». Na unidade «expurgam-se» os silos, ou seja procede-se à sua limpeza, de forma a criar as condições necessárias para receber a nova campanha. A colheita processa-se entre Setembro e Dezembro e é nesta altura que todos os produtores, com raríssimas excepções, procedem à entrega do cereal. O arroz é descarregado, na recepção, para


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90 anos com Montemor-o-Velho Cooperativa de Montemor

a “torva”, passa por uma zona de secagem, de forma a reduzir a humidade dos 20 a 23% para os 13% e segue para as tulhas, onde fica armazenado. «Nessa altura, temos arroz por todo o lado», refere. Aliás, é praticamente só na recepção que se vê o arroz. Depois fica armazenado nas tulhas, de onde sai para o descasque e branqueamento e posterior embalamento. Todavia, em todas essas operações o arroz «circula por cima, no tecto, ou por baixo, no chão, num circuito» próprio, fechado, que garante a máxima protecção. «Somos uma empresa do ramo alimentar», lembra Anabela Loureiro. A unidade fabril revela alguns “desajustamentos”, designadamente o facto de a recepção do cereal ser numa “ponta” da empresa e as tulhas de armazenamento estarem praticamente noutra. Manuel Branquinho, gerente da Cooperativa, faz notar que a fábrica tem mais de 90 anos, idade que a imensa chaminé comprova. «Era a fornalha», esclarece Anabela Loureiro. Queimava-se ali a casca do arroz, o que criava o vapor necessário para fazer accionar os mecanismos de descasque. «Hoje é a casa das cegonhas», adianta. Manuel Branquinho lembra que os antigos proprietários foram aumentando a empresa e as respectivas estruturas, tendo em conta as necessidades, facto que justifica alguns destes “desajustamentos”. Isto apesar de, no final da década de 90, a família Patrão Rosete ter feito uma remodelação geral da empresa. Todavia, a funcionalidade não foi a trave mestra dessa reforma e a Cooperativa não tem capacidade para fazer uma reforma profunda. «Nos últimos cinco anos foram feitas algumas melhorias», refere Anabela Loureiro, apontando, designadamente a intervenção feita ao nível do branqueamento e do embalamento. «Mas era preciso mais», reclama.

Gatões e Diamante Azul Sérgio e Otilinda não são os operacionais habitualmente alocados ao embalamento, mas em tempo de férias todos se desdobram, pois a equipa é muito reduzida. «Somos sete», lembra a responsável, Os sacos grandes destinam-se à indústria. Para o mercado seguem os pacotes de 1kg de arroz Carolino do Baixo Mondego, extralongo branqueado, com as marcas Gatões ou Diamante Azul. Marcas particularmente acarinhadas pelo consumidor da região, mas que não se encontram facilmente no mercado, pois não chegam às grandes superfícies. «A quantidade não justifica», assume Anabela Loureiro. Mas

Projecto conjunto assumido por um A aquisição da empresa de descasque, em 1996, foi a resposta a uma crise grave na unidade de Gatões, com uma elevada dívida associada, que ainda hoje representa dois milhões e 600 mil euros nas contas da Cooperativa. A Cooperativa de Montemor acabou por ficar com a unidade, depois de um conjunto de encontros e desencontros. O gerente recorda o «grande projecto» que envolvia várias cooperativas da região e a Lacticoop. Todavia, a Cooperativa de Montemor foi a única que disputou o assunto e tomou uma posição. A mudança na direcção da Lacticoop ditou outro rumo ao processo e a Cooperativa de Montemor acabou por pagar «um escudo» e ficar com a “criança nos braços”. 

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chega ao retalho, através de um distribuidor, que abastece uma série de estabelecimentos comerciais da região. Obrigatória é a presença do arroz Gatões ou Diamante Azul nas três lojas da Cooperativa, em Montemor, Gatões e Mães. A unidade de descasque é um “mundo à parte” no universo da cooperativa. «Aqui é transformação, é indústria», faz notar Anabela Loureiro. Mas significa, igualmente, que a Cooperativa «vai até ao final da fileira do arroz». Uma situação sui generis que, a nível nacional, apenas acontece com a Cooperativa de Montemor e com a Orivárzea (Ribatejo), esta uma herança da antiga Companhia das Lezírias. Actualmente, a Cooperativa recebe arroz de 64 cooperantes integrados no Agrupamento de Produtores e de mais 51 produtores, o que representou, em 2020, 6.535 toneladas. Destas, 3.596 foram tratadas no descasque e as restantes 2.939 toneladas foram vendidas em casca à indústria. Depois de ter alargado o seu horizonte geográfico (que obrigou a alteração estatutária) e fazer recolha de arroz, designadamente em Alcácer do Sal, onde a Patrão Rosete tinha fornecedores, hoje a Cooperativa apenas transforma arroz Carolino do Baixo Mondego. Esta é a sua marca distintiva. Na unidade de descasque de Gatões só entra arroz produzido na região. Gatões e Diamante Azul são as duas marcas que a Cooperativa coloca no mercado. Ambos arroz Carolino do Baixo Mondego, extra longo. A diferença está nos índices de trinca que cada embalagem contém. Nos termos da legislação em vigor, é permitido 5% de grão partido, esclarece o gerente. Este é o quantitativo que entra nos pacote do Gatões. O Diamante Azul tem menos teor de trinca. Um e outro garantem o sabor inconfundível do “melhor Arroz Carolino do mundo”. 


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Cooperativa de Bebedouro 90 anos com Montemor-o-Velho

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Cooperativa está na expectativa de uma nova mudança. Depois do leite e do milho, anuncia-se uma nova era, vocacionada para a fruta e para as hortícolas

COOPERATIVA DE BEBEDOURO: DO CICLO DO LEITE À RELEVÂNCIA DO MILHO 1968 Com 53 anos de vida, organização tem vindo a adaptar-se aos novos tempos

e realidades e garantindo sempre um circuito de crescimento, que espera possa dar um “salto” em breve

A

produção de leite está historicamente associada às origens da Cooperativa Agrícola do Bebedouro, uma estrutura criada em 1968, que surgiu pela mão da Igreja. José Manuel Leite, pastor da Igreja Evangélica Presbiteriana, foi o responsável pelo projecto, que liderou durante mais de 20 anos. Era a percepção da importância e da necessidade de «criar uma estrutura que aglutinasse os pequenos produtores da região», sublinha José Marques, que preside à direcção da Cooperativa há 27 anos. «Esse tem sido o nosso caminho» e, apesar das dificuldades, «temos crescido nos últimos anos», afirma. O número de sócios, «mais de dois mil», não deixa de ser significativo, mas reduzem-se a «poucas centenas» aqueles que são activos e mantêm uma relação efectiva, que «vêm à cooperativa e têm os seus negócios com a cooperativa», adianta.

O sector leiteiro foi, efectivamente, uma referência, mas o paradigma mudou. «Infelizmente o sector leiteiro tem vindo a decrescer». «Passámos de centenas de produtores para escassas três dezenas», afirma José Marques. Uma mudança que se prende com o facto de o sector «assentar essencialmente em pequenas explorações, com dificuldades de crescimento». «À medida que os proprietários foram envelhecendo, não tiveram sucessores» ou «não tiveram capacidade de adaptação», acabando por desaparecer. Outras conseguiram, efectivamente, manter-se e algumas ganharam mesmo dimensão. Entre os 25/26 produtores afectos à Cooperativa, José Marques aponta algumas explorações «com dimensão», designadamente uma no Bebedouro, «com cerca de 700 animais», outra no Meco, com «cerca de 300» e mais duas, na casa das «duas centenas de animais». As restantes têm 20,

30, 40 animais, esclarece. Contas feitas, se se assistiu a uma substancial redução do número de produtores e de explorações, o efectivo mantém-se no mesmo nível, sendo provável que se tenha registado mesmo algum aumento. Mas, independentemente de alguma escala, adquirida com as explorações de maior dimensão, o sector leiteiro atravessa, no entender de José Marques, um momento «muito difícil». Dificuldades que se prendem com o «agravamento dos custos dos factores de produção, dos combustíveis, das rações». «Toda a alimentação animal subiu, mas o preço do leite não acompanhou a subida», faz notar. «Basta vermos, nos supermercados o leite a 40 cêntimos para percebermos o que se está a passar», adianta. Actualmente, o preço pago ao produtor está na casa dos 33 cêntimos/litro, explica, salientando uma subida recente de 0,5 cêntimos. «Mas continua a ser muito pouco. O ideal seria um



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Cooperativa de Bebedouro 90 anos com Montemor-o-Velho

preço na casa dos 40 cêntimos ao produtor», considera José Marques. Se no início da sua história a Cooperativa garantia e geria as salas de ordenha e procedia à recolha do leite, esse processo há muito que faz parte do passado. De resto, o facto de a Lacticoop – União de Cooperativa de Entre Douro e Mondego, ter assumido a recolha de leite, numa colaboração que data de 1978, veio agilizar todo o processo, com esta entidade a proceder à recolha directa do leite. Num registo meramente formal, a Cooperativa funciona como “intermediário”do processo junto dos produtores e da Lacticoop.Aprodução ronda, actualmente, «12/13 milhões de litros ano», o que significa «cerca de um milhão de litros de leite por mês», refere José Marques, que lembra os «20 milhões de litros de leite» produzidos na região «há cerca de uma década». Uma altura em que, recorda, se assistiu à extinção de uma outra cooperativa de produtores de leite, criada também no Bebedouro, cujos associados transitaram para a Cooperativa do Bebedouro. No passado e no presente, a Cooperativa garante «o apoio à produção, na área sanitária», o que significa assegurar todo o apoio ao nível da sanidade animal de que as explorações carecem.

Aposta forte no milho A par desta vertente muito ligada à produção leiteira, a Cooperativa do Bebedouro investiu fortemente nos factores de produção, garantindo desde as sementes aos fertilizantes e produtos fitofarmacêuticos aos produtores de milho e de arroz da região. Faz, também, a recolha de milho e de arroz. «O arroz é residual», afirma o presidente da direcção, mas relativamente ao milho , o “movimento” é de vulto. «No ano passado comprámos 12 mil toneladas de milho aos produtores do Baixo Mondego», afirma José Marques. «Compramos ao produtor e vendemos às diferentes indústrias», explica, fazendo notar que, muitas vezes, «em mais de 90% dos casos», o milho nem chega aos silos da cooperativa, pois «os camiões das indústrias vão directamente ao produtor carregar o milho, que segue de imediato para as fábricas». A maior fatia do milho produzido no Baixo Mondego – cerca de 90% - destina-se à alimentação animal», esclarece o presidente. Há, ainda, uma «pequena quan-

Resposta à formação profissional A formação profissional constitui outra das vertentes em que a Cooperativa Agrícola do Bebedouro tem apostado, garantindo uma panóplia cada vez mais alargada de cursos que são exigidos aos agricultores, designadamente ao nível da aplicação de produtos fitofarmacêuticos ou para o transporte de animais, bem como de operadores de máquinas, de empilhadores, tractores etc. «Damos formação a centenas de pessoas durante o ano», adianta o presidente da direcção. Um serviço prestado através da contratação de formadores creditados.  tidade que se destina à panificação», normalmente um milho «mais miúdo» que, além da alimentação humana também é utilizado na alimentação de animais. José Marques assume um «crescimento» no negócio do milho. «O milho é mais rentável do que o arroz e os produtores têm-se virado mais para o milho», afirma. Todavia, sublinha que nem todos os terrenos oferecem condições para esta cultura. «De Montemor para “baixo” (em direcção à Figueira da Foz), as condições não são tão boas», alerta. Nas instalações, construídas na década de 80 do século passado, em substituição dos “barracões” onde funcionou desde a origem, a Cooperativa instalou uma “loja”, onde é possível adquirir todos os produtos relacionados com o mundo rural, desde os adubos e fertilizantes aos pesticidas e sementes, bem como alfaias agrícolas. «Só não temos frescos nem, mercearia», esclarece José Marques. O supermercado enquanto tal, com a comercialização generalizada de todos os produtos necessários ao lar está mesmo ao lado. As instalações são da Cooperativa, mas a exploração está concessionada a uma empresa, explica. No exterior, junto ao enorme armazém, estão quatro silos, com capacidade para receber 400 toneladas de milho. Mais do que armazenamento, são “ferramentas” para «“amortecer” a entrega do milho», ou seja, dão resposta a produtores que não

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têm bem capacidade para guardar o cereal enquanto não se assiste ao seu escoamento. Dentro do armazém, instalado há cerca de cinco anos, está um moinho, destinado a produzir farinha para animais. Um processo a que se junta o milho partido, com o mesmo destino. Um circuito de embalamento completa o processo de diversificação de respostas aos associados. Com combustíveis mais baratos, ou com «descontos simpáticos», como José Marques prefere, está o posto de combustíveis da Cooperativa, onde qualquer pessoa pode abastecer. «Sacrificamos a nossa margem», afirma o presidente, explicando o “segredo” para conseguir preços mais baratos, seja no gasóleo rodoviário, seja no gasóleo agrícola ou na gasolina. O posto de combustíveis é de acesso livre. Diferente é o abastecimento directo, que a Cooperativa garante a alguns associados. Trata-se de produtores que têm um grande consumo e possuem tanques próprios, que o fornecedor abastece de forma directa.

Expectativas para o futuro «Hoje somos um dos grandes operadores do Baixo Mondego», afirma o presidente da direcção da Cooperativa Agrícola de Bebedouro, apontando todas as frentes de intervenção, ao nível da produção leiteira, da compra e venda de cereais e da venda de factores de produção. José Marques admite que se está a viver um «momento de viragem», tendo em linha de conta um projecto de emparcelamento que está em fase de concretização e que vai dar origem a um novo paradigma na agricultura da região, ao qual, necessariamente, a Cooperativa vai ter de se adaptar. Confiante, o presidente da Cooperativa do Bebedouro acredita que, «dentro de meia dúzia de anos», a freguesia de Arazede esteja «completamente diferente».«A sementeira está a ser feita», considera, confiante que o futuro se está a desenhar e que a Cooperativa de Bebedouro poderá, mais uma vez, assumir um papel de relevo nessa nova realidade. Depois da era do leite, em que Arazede se afirmou com a freguesia com maiores índices de produção leiteira do país, seguiu-se o ciclo do milho e começou a florescer o circuito das hortícolas e dos morangos. O abacate, o kiwi, o maracujá começam a ganhar espaço e a perfilar-se como culturas de futuro.


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90 anos com Montemor-o-Velho Casa Valente

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VACAS FELIZES NO VALE DO MONDEGO 1990 Família Valente pôs de lado as vacas leiteiras e apostou nos animais de raça brava.

Mais tarde investiu nas raças autóctones e na produção de animais para carne. Duas áreas distintas a que se junta a produção de arroz e de milho branco

Paulo Valente procede à distribuição de feno, uma operação repetida todos os dia do ano

É

um rapagão!». Nasceu durante a noite. Ficou para trás, quando a mãe foi comer. Uma oportunidade de ouro para “brincar” com o recém-nascido. É preto, de um negro lustroso, brilhante. Pacífico e indefeso, até permite que lhe façam festas. Uma operação impossível dentro de escassos meses. Daqui a três anos, se tudo correr bem, pode ser uma das estrelas que dão brilho à faiena dos toureiros. Sim é um touro, bebé, é certo, mas tem no ADN a Raça Brava de Lide. Estamos em Montemor, numa língua de terra entre o leito do rio e o canal de rega. São 90 hectares de terrenos incultos, onde só o gado pode pastar. De um lado, vacas de lide. Do outro, animais de carne. Uns e outros com a chancela da Casa Valente.

«São animais muito inteligentes. Em manada não atacam, mas podem surpreender». A advertência é de Paulo Valente, que todos os dia se desloca de Meãs para alimentar os animais e, sobretudo, ver se estão todos bem. A irmã, Diana, veterinária, bem lhe tinha dito que havia vacas a parir. Mais uma vez não falhou. Na cerca há mais um recém-nascido, mas acompanhou a mãe e a tarefa de “brincar”teve que aguardar melhor oportunidade. É o primeiro “registo” de nascimento do animal. «Temos, por lei, 20 dias para impor a marca auricular, que identifica o animal», esclarece. Seguem-se, mais tarde, outras marcas, feitas a “ferro” que, além das orelhas, contemplam o pescoço, o costado, a espádua e a coxa. Dados que identificam por completo o animal,

desde a raça, aos progenitores, exploração e data de nascimento, em consonância com o “livro da raça”, onde também são inscritos. Paulo Valente é um apaixonado pelas “vacas de lide”. «Talvez porque nas Meãs sempre houve vacadas», diz. Ou então porque herdou essa paixão do pai. António Valente cresceu com vacas de leite. «Tínhamos 10, 12 cabeças e chegava a percorrer três quilómetros para ir à ordenha pública», refere. Já homem feito, trocou as vacas de leite pelas de lide. «Os touros são a minha grande paixão» afirma, incomodado com os crescentes fundamentalismos anti-tourada. Filho e neto de agricultores, António Valente deu dimensão à herança familiar e imprimiu-se uma matriz de negócio. Com tristeza, lembra um problema de tuberculose, que obrigou ao abate sanitário de toda a manada. «Foram 100 vacas, mortas num só dia», recorda. Mas as vacas de lides regressaram à Casa Valente. «Não foi fácil, porque os grande senhores do Alentejo e do Ribatejo não gostam de concorrência», diz. Conseguiu, através da ajuda do Frei Elias, da Ganadaria S. Martinho, no Alentejo. Em duas tranches, comprou 25 vacas e um touro de cobertura. Actualmente, são 80 vacas bravas, um reprodutor, novilhas, toiros e vitelas, num total de 170 “cabeças”. A Casa Valente é uma das três ganadarias do concelho, duas em Meãs, a terceira em Arazede. Paulo Valente é o “tratador” de serviço. «Convém serem tratados sempre pela mesma pessoa, com uma roupa semelhante.


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Casa Valente 90 anos com Montemor-o-Velho

Acabado de nascer, jovem vitelo é “brindado” com o “selo” de identificação

Eles reconhecem-nos. Se venho com outro carro, as vacas ficam logo agitadas», explica o jovem engenheiro agrónomo. Por isso, também usa sempre o mesmo tractor quando se trata de espalhar o feno. «Se for outro, as vacas fogem», diz. Mas como é o mesmo, até atravessam as cancelas, entretanto abertas, que separam as cercas e vão ao encontro do tractor. Uma, acelera mesmo o passo e, quase a trote, vai mordiscando o feno, ainda no tractor. O enorme rolo vai-se “desdobrando”, distribuído pelo campo. Uma operação fundamental, porque estes animais de Raça Brava de Lide têm uma «hierarquia muito definida», que se reflecte nos lugares ocupados nos comedouros. «Comem sempre os mesmos», o que significa que alguns ficam sem alimento. Do segundo campo continuam a chegar animais. Uns vitelos brincalhões saltam, numa correria desenfreada. Os “bisontes”, as vacas de maior porte, são praticamente as últimas a chegar, sem qualquer pressa. Algumas, mais leves, até fazem uma ligeiríssima corrida rumo à comida. O tractor é-lhes familiar e Paulo Valente também. Agem como se não existissem. É uma rotina feita todos os dias, ao princípio da manhã. No cercado ao lado encontram-se os novilhos. Têm direito a milho partido e farinha. Paulo Valente salta a cerca, mas os animais pressentiram gente estranha dentro

do carro. Olham para ele e para a viatura, repartindo a sua atenção entre um e outro. São touros com dois a três anos. Imponentes, impõem respeito. O pêlo preto brilha, lustroso. Distingue-se um castanho e outro “malhado, em tons de cinza, “boreaco”, de acordo com a designação mais correcta. Desconfiados, só se aproximam da comida quando viramos costas. No cercado cresce erva, há árvores que garantem sombra e água para os animais beberem.Ali é a sua casa. De manhã recebem a visita de Paulo Valente, que providencia a comida e vê se está tudo bem. Regresa antes da noite cair, para atestar que nada de anormal acontece com a manada. É assim todos os dias do ano, seja sábado, domingo ou feriado. Dali os novilhos saem para uma praça de touros. Antes, há que comprovar que são animais de raça brava. Não basta o “BI”, com a referência aos progenitores, pai e mãe bravos, é necessária, ainda, uma análise genética. Três anos, explica Paulo Valente, é a idade mínima para um animal ser toureado. Nas praças de terceira categoria, além dos três anos, exige-se 410 kg de peso. Peso que sobe para 430 kg nas praças de segunda categoria. Nas de primeira, onde se encontram o Campo Pequeno ou a Praça de Touros de Santarém, as exigências são maiores: 4 anos e 450 kg de peso. Mas antes disso acontecer, há um teste, explica Paulo Valente. «Aos dois anos, as

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novilhas são toureadas». «Os toureiros precisam de treinar e nós precisamos de testar a bravura das novilhas, para perceber se têm condições ou não. Se forem bravas, continuam, caso contrário vão para abate». Na casa de Sofia Matias, a exploração tem seis novilhas em teste. Já se sabe quais são as que têm condições… e está traçado o destino das restantes. A «inteligência» e a «memória» destes animais, impede que sejam toureados uma segunda vez, pois não iriam, de todo, facilitar a vida do seu opositor. Terminada a faena, «se for muito bravo e tiver grandes condições de lide, o animal é tratado de imediato e regressa à exploração, onde continua a recuperação. Se tiver as características de que gostamos, pode ficar como reprodutor», esclarece o empresário. O segundo destino é, depois de tratado, participar nas “largadas de rua”. «Na região não se fazem, há três anos que o meu mercado é Vila Franca, onde se fazem muitas “largadas de rua”», refere. Todavia, a situação mais normal é o abate. «Por lei, temos seis horas para o animal ser abatido», adianta. Mas Paulo Valente faz questão de esclarecer que, muitas vezes, mais do que os ferimentos das bandarilhas, a bravura dos touros dá origem a outros ferimentos, provocados por cornadas, alguns de gravidade superior. Isso acontece tendo em conta a hierarquia muito definida que existe na manada, com cada animal ocupar o seu espaço. Mas, «quando os animais se aproximam, em termos de peso, começam a disputar o lugar», faz notar. «No ano passado, três touros mataram-se nesta disputa», acrescenta. É a raça brava a dar sinal. De resto, adverte, o transporte destes animais tem regras muito especiais. «O camião tem celas individuais, blindadas, pois se os animais estão juntos, matam-se». Nas ganadarias de renome, o preço de um touro chega aos 5 mil euros. É a Liga dos Campeões do mundo taurino, centrada no Ribatejo e Alentejo. A Casa Valente vende, em média, um animal por 1.500 euros. A Praça da Figueira da Foz tem sido o destino de eleição. Com a pandemia os preços caiaram desastrosamente. «Temos uma perda de 80% no valor do animal», o que significa que o preço de cada touro desceu para uns modestos 300 euros. «Acreditamos que para o ano vai haver recuperação», diz, confiante o jovem empresário. 



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Casa Valente 90 anos com Montemor-o-Velho

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Vacas de raça autóctone para carne Mais à frente, nos mesmos 90 hectares balizados pelo rio e pelo canal de rega, vive outra numerosa família. Perde-se o domínio do preto e entra-se no universo castanho. O porte também diminui e a simpatia e amabilidade crescem a olhos vistos. Isto porque além da paixão pelas vacas bravas, a família Valente também se empenhou na produção de carne. A eleição recaiu sobre a raça Cachena. Paulo Valente percebeu o potencial desta raça na Escola Superior Agrária de Coimbra, onde tirou o curso de Agronomia. «É a vaca mais pequena da Europa, com altura máxima “ao garrote”, de 1,11 metros», diz. Uma vaca autóctone, muito semelhante à Barrosã, quase em extinção», originária da zona de Arcos de Valdevez, na Peneda-Gerês. E foi com seis exemplares e um “sementel” (touro de cobertura), que a Casa Valente deu início, em 2013 a este novo desafio. «São vacas só para carne». 90 “de ventre”, ou seja, em idade reprodutora, um “sementel”, 10 novilhas praticamente prontas a iniciar a reprodução e duas dezenas de machos “em casa”, em fase de engorda. Com seis meses, procede-se ao desmame dos animais, que deixam o campo rumo às Meãs, onde vive a família, e começam o processo de engorda. São abatidas com 13/14 meses. Um vitelão, até um ano, é pago a 5 euros/kg, carcaça limpa, sem cabeça, sem pele e sem vísceras. Se for mais velho, o preço desce. O abate é feito no Matadouro de Aveiro, onde Paulo Valente leva, praticamente de 15 em 15 dias, animais. «Abasteço o Intermarché de Montemor», sublinha, enaltecendo a qualidade desta carne, que figura na “lista de compras” da família real inglesa. Na cerca, onde acabam de se instalar, ainda há erva abundante, o que obvia a necessidade de proceder à distribuição de feno. Dentro de dois ou três dias já será diferente. «Limpam tudo», diz o jovem, destacando uma das capacidades destes animais. Aliás, no ano passado vendeu 60 novilhas para “limparem” terrenos. Foi essa, de resto, a estratégia que a família Valente usou quando teve oportunidade de arrendar ao Estado, há cerca de oito anos, os 90 hectares de terreno. «São zonas de protecção das faixas de massa de água, que não podem ser cultivadas». Significa

Raça Cachena adaptou-se particularmente bem ao Vale do Mondego

que eram terrenos inculto, onde o mato crescia, representando um “rastilho” para incêndios. Além de um local aprazível para “residência” dos animais, de onde se avista, na colina, Verride, e apenas se “pressente” a proximidade da auto-estrada e da linha de comboio, estes 90 hectares garantem algum alimento, ao qual se junta o feno dos prados, a palha dos cereais e tudo o que sobra da produção de milho e de arroz, com a exploração a ser praticamente auto-suficiente. «Em terras abandonadas, que só tinham silvas e mato, conseguimos fazer uma exploração sustentável, com raças ameaçadas», refere.

Amistosas, as vacas aproximam-se, num quase cumprimento. São curiosas e interessadas. Paulo Valente procura um vitelo, nascido durante a noite, para “brincar” (identificação). O recém-nascido “chora” e toda a família “corre” na sua direcção, para perceber o que se passa. Mas depressa se faz o regresso ao pasto. A água abunda e, à semelhança de todas as cercas, está ali a manga sanitária, usada sempre que é necessário assistir um animal ou proceder à vacinação ou desparasitação. Ao final do dia, Paulo Valente regressa para olhar para elas «com olhos de ver». Uma rotina implacável, que se cumpre todos os 365 dias do ano. 

Animais vivem em espaço aberto, no meio do campo. Só vão para “casa” para cumprir o período de engorda


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90 anos com Montemor-o-Velho Casa Valente

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Jarmelista: uma nova aposta Junto à residência, na localidade de Meãs, a família Valente tem mais uma exploração. É ali que se assiste à engorda dos novilhos para abate, vivem os quatro cavalos de raça Lusitana e uma terceira raça de bovinos, igualmente autóctone. Uma criação que arrancou há três anos e que é a “menina dos olhos”de Diana Valente. Licenciada em Veterinária e em Agro-Pecuária, com um mestrado em Gestão de Empresas e a preparar o doutoramento, a jovem dá aulas na Universidade Vasco da Gama e trabalha a “meio tempo” na exploração. «Pega num tractor e vai para o campo, fazer o que é preciso», diz, com orgulho, o irmão. As vacas de raça Jarmelista merecem-lhe um carinho especial. «Só há cerca de 200 no país», afiança o pai. António Valente recorda que não foi fácil obter os primeiros exemplares desta raça, oriunda da freguesia de Jarmelo, na zona da Guarda. Da Herdade das Ervas Tenras vieram os primeiros exemplares, várias fêmeas e um macho, que fizerem da exploração das Meãs a sua casa e já aumentaram a família. À semelhança da raça Cachena, são animais destinados à produção de carne, mas quase com o dobro do tamanho. Animais com um porte majestoso, de tons castanhos, com uma ligeira “franja” que lhes dá um toque de distinção muito particular. Uma das novilhas, rejeitada pela mãe, «foi criada a biberão», recorda António Valente. Na manjedoura há feno, resíduos de arroz e de milho e batatas. António Valente e a esposa, Fátima, são os responsáveis pelas vacas de raça Jarmelista e pelos novilhos de engorda. O filho trata das manadas mais distantes, em Montemor, já a caminho da Ereira.

Arroz e milho como complemento Às voltas com um secador, carregado de cereal, Paulo Valente tenta sanar a avaria. É um equipamento que se usa uma vez no ano, onde acaba de diagnosticar uma falha. Dois tractores, cada um com 12 toneladas de arroz, esperam, no armazém, que o secador regresse à vida. Uma aposta na diversidade, que também contempla a cultura de milho, exclusivamente branco, destinado à panificação. «Quando um sector não dá, dá outro, o que permite mais margem para equilibrar as coisas», diz Paulo Valente. Por

Raça originária da zona da Guarda “instalou-se” em Meãs há três anos

outro lado, todos os restos e desperdícios ganham utilidade ao nível da alimentação dos animais. A área de milho ocupa pouco mais de 20 hectares, nas zonas de Tentúgal, Meãs, Carapinheira, Abrunheira e Alfarelos e a produção ronda as 280 toneladas/ano. Quanto ao arroz, são sete hectares em Ançã (São Facundo) e 15 na Quinta do Conde, na Figueira da Foz e a produção ronda, em média, as 120 toneladas.Afamília não possui descasque, embora seja um investimento, que rondará os 20 mil euros, pensado para o futuro. Entretanto, recorre a um produtor de Maiorca, onde procede ao descasque e embalamento do arroz, que comercializa com a marca “Cortesia do Vale”. Paulo Valente foi o “padrinho”. «É o melhor arroz do Vale do Mondego, não porque é meu, mas porque é mesmo assim», explica, dando conta que, em virtude das menores amplitudes térmicas, o arroz produzido na foz do rio, «não parte tanto». Significa que a “trinca” é muito inferior (5% contra 20%). Este grão partido é aproveitado para a alimentação dos animais, o que significa que não é incorporado no pacote, o que constitui mais um argumento para a marca “Cortesia do Vale”, designação onde o Vale de origem

marca presença, mas remete, igualmente, para o nome da família, Valente. António Valente está a caminho da Quinta do Canal, onde vai cortar arroz. «É uma vida muito dura, a agricultura é muito bonita do lado de fora, mas do lado de dentro é muito dura, exige muito sacrifício», afirma. Orgulhoso por ver os dois filhos empenhados em dar continuidade à herança familiar, o empresário, de 56 anos, sublinha a importância da agricultura como pedra angular da economia de um país. Mas tem consciência que a maioria das pessoas «não percebe isso». «Encontram tudo nas prateleiras do supermercado e não têm noção de onde vêm ou como se produz», lamenta. 

Milho branco destina-se à panificação e o arroz é comercializado com a marca Cortesia do Vale. Todos os sub-produtos vão para os animais


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Quinta do Muroz 90 anos com Montemor-o-Velho

Comida, água e uma boa “cama” são factores essenciais para uma boa produção de leite

QUINTA DO MUROZ: A FONTE DO LEITE 1997 Três irmãos criaram, em 1997, no Bebedouro, a maior

exploração de vacas leiteiras da região. Actualmente são 14 mil litros de leite por dia, mas em breve vai ultrapassar a fasquia dos 20 mil litros

A

nova ordenha está em construção. Lá para o final do ano, início do próximo, a obra deverá estar pronta. «Já devia estar a trabalhar», afirma César Silva, que aponta a pandemia e a falta de materiais como as razões para o atraso na empreitada. Vai ser a coqueluche das explorações agro-pecuárias da região. Uma ordenha rotativa, com capacidade para 50 vacas em simultâneo. Um milhão e 200 mil euros é o valor do investimento, exclusivamente no pavilhão de ordenha. Mas já está um outro pavilhão concluído e há outro para erguer, o que representa um investimento total de três milhões de euros na Quinta do Muroz. «Há coisas que não podem parar», afirma o empresário. É precisamente isso que César Silva e os dois irmãos, Fernando e Luís, têm vindo a fazer no Bebedouro, freguesia de Arazede. Começaram em 1997, com 40 animais. Hoje a exploração tem 1.050 “cabeças”, com 450 a produzirem leite. 14 mil litros de leite saem todos os

dias da Quinta do Muroz. Mas a nova ordenha vai agigantar estes números. «A intenção em curso pretende passar a ter 750 vacas em produção», o que significa mais 300 animais em ordenha. «Vamos tentar chegar aos 21/22 mil litros/dia», explica, com a maior das naturalidades. «Espero que sim, senão não temos dinheiro para pagar o investimento», diz, com um sentido de humor muito próprio. Em casa dos pais já havia vacas de leite. «A minha mãe começou com uma vaca» e o casal chegou a ter «40 vacas em ordenha». Os três irmãos decidiram transformar esta herança familiar num negócio. Hoje, com 450 vacas a produzir, apresentam, indiscutivelmente, a maior exploração de todo o distrito. «Temos vindo a crescer, à medida das possibilidades», afirma o empresário, apresentando-nos o primeiro pavilhão, de origem, onde começou a Quinta do Muroz. A este primeiro seguiu-se outro e mais outro. «São uns sete», diz. Nuns estão as vacas em fase de ordenha, noutros as

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“secas”, noutro os animais que estão prestes a parir e nos restantes encontramos desde as vitelas acabadas de nascer às vacas que acabaram de ser inseminadas. É este crescimento, pavilhão a pavilhão, projecto a projecto, que levou César Silva a empenhar-se na nova ordenha. Há uma, mas mais pequena, instalada no vizinho concelho de Soure, na Mc Milk. Um sistema muito mais funcional do que o actual. «Esta é uma sala pequena», com um sistema de ordenha em “espinha”, que permite a ordenha simultânea de 22 animais, 11 de cada lado. No espaço adjacente estão os tanques de aço inoxidável, três, com capacidade para sete, cinco e três mil litros. Na nova ordenha vai ficar um tanque novo, com capacidade para 20 mil litros e outros dois, de 18 e 6 mil litros, totalizando 40 mil litros. E certamente vão ter uso intensivo. Isto porque, com as limitações actuais, César Silva apenas consegue fazer duas ordenhas, uma a começar às 5h00 da madrugada e a outra a terminar às 24h00. O sistema não permite mais, uma vez que apenas 22 vacas possam estar em simultâneo na sala. Mas a entrada em funcionamento do novo equipamento vai fazer toda a diferença. «Vamos fazer três ordenhas por dia», perspectiva. O ajustamento das cancelas “orienta” as vacas em produção, a caminho da ordenha. «Vão por elas, só temos que as guiar», explica. Aliás, todas as 450 vacas que estão a dar leite estão alojadas nas proximidades da sala de ordenha, de molde a facilitar os procedimentos. A maioria do efectivo é de raça Holstein Frísia, as conhecidas vacas pretas e brancas. Mas também há vacas Suecas Vermelhas e Montbeliarde. Não pense que as distingue necessariamente pela cor, pois nem todas apresentam o mesmo tom castanho. «A Montbeliarde tem a cara mais branca», ajuda César Silva. Aos 24 meses, seja de uma raça ou de outra, um animal destes tem condições para começar a dar leite, explica César Silva. «A nossa média está nos 25 meses», adianta. O que significa que já foram inseminadas, cumpriram nove meses de gestação, pariam um vitelo e estão em fase de produção. O leite está na matriz de todos os procedimentos e envolve desde o animal que nasceu hoje ao mais velho da exploração. Em qualquer das circunstâncias, ou produz leite ou está em vias de produzir. Por isso,


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todas as fêmeas ficam na exploração. Quanto aos machos, «são vendidos para recria». «Aqui não se tem direito a reforma», diz o empresário, revelando, mais uma vez, o seu apurado sentido de humor, mas também o espírito prático de quem lidera um negócio. «Quando as vacas deixam de dar leite são vendidas para carne», explica, fazendo notar que o interesse é que isso aconteça o mais tarde possível, mas tudo depende dos animais. Directamente ligada com a produção está a alimentação das vacas. 45 kg é o que cada animal come, em média, por dia. Estamos a falar de animais com 600 a 700 kg! «Têm de ter sempre comida», explica o responsável pela exploração. Palha, silagem de milho, farinha de milho, resíduos de produção de cerveja fazem parte da dieta destes ruminantes vorazes. No “Uniffid”, um moderno equipamento, Jorge Luís, filho de César Silva, prepara o composto alimentar. Tem 19 anos e «gosta de tudo o que são máquinas», diz o pai. Actualmente está a frequentar um curso na Escola Agrícola de Montemor, mas o objectivo é

90 anos com Montemor-o-Velho Quinta do Muroz

«tirar o curso de engenharia agrícola», adianta. Para já, é uma ajuda preciosa na exploração, juntando o seu esforço à equipa liderada pelo pai e pelos tios. Assim que acaba de preparar o composto alimentar, Jorge pega noutra “máquina” e “varre” os restos de alimento numa manjedoura. Terminada a operação, começa de imediato outra, agora para encher a mesma manjedoura. Os animais não se fazem rogados e comem. Todos os dias as manjedouras são limpas e, uma vez ao dia, ao princípio da tarde, são atestadas de alimento. «As vacas têm de ter comida 24 horas por dia», adverte o empresário. E também água. Muita e sempre com as pias limpas, duas vezes por dia. «Os fiscais dizem-nos que nós temos de poder beber água das pias», sublinha, para esclarecer a importância da higienização dos bebedouros. «Comer, dar leite e dormir é a vida delas», diz César Silva. Mas, convenhamos, as vacas também têm preocupações estéticas ou, quanto mais não seja, ao nível do bem-estar. Por isso deliciam-se, à vez, numa operação de massagens. Trata-se de uma

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escova gigante, que funciona ao toque do animal. Entre o lombo, o pescoço e a cabeça percebe-se de forma clara a satisfação da vaca enquanto recebe este tratamento VIP, disponível em todos os pavilhões. «Elas gostam», garante. E percebe-se claramente que sim.

Vacas têm comida à sua disposição durante 24 horas. Cada animal adulto consome, em média, 45 kg de alimento por dia Quanto às camas, há desde as individuais às “camaratas”. Camas individuais com serradura ou com um tapete de borracha com serradura por cima. Já os dormitórios colectivos, ou as “camas quentes”, na designação técnica, representam um espaço colectivo, também com serradura, onde os animais dormem em conjunto. O empresário não é grande apologista desta solução de “camas livres”. «Não gosto, as vacas sujam-se muito mais», afirma. A manutenção


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Quinta do Muroz 90 anos com Montemor-o-Velho

também é mais complexa, pois obriga a “mexer”todos os dias, com a grelha de um tractor. Operação que tem de ser feita quando os animais vão para a ordenha. Falta referir os “rodos de limpeza”. Um sistema automático, instalado em todos os parques, que “varre”a grande maioria dos dejectos e outros resíduos, três a quatro vezes por dia. «Tentamos dar o maior conforto possível aos animais», diz César Silva. Nos diferentes pavilhões, os moradores estão alojados consoante as idades e a respectiva condição. Os mais pequenos em “iglos”, um alojamento que começou por ser de carácter individual, mas que em nome do bem-estar animal acabou por ser convertido em “residência para dois”, uma vez que os especialistas entendem que os animais precisam de companhia e também de ver os vizinhos do lado. Até aos três meses, as vitelas bebem leite. Seguem-se as que se encontram em fase de desmame, já com comida na manjedoura. Com 14 meses, são inseminadas. «Há sémen sexuado», esclarece o responsável, explicando que se trata de uma solução que garante 90% de probabilidades de a cria ser uma fêmea, o que numa exploração leiteira é essencial. «Por norma usamos sémen convencional», refere. «Se nascerem 50% de fêmeas, não está mal», comenta. E tem sido essa a média da exploração. Os vitelos são vendidos com oito ou 15 dias. «Não temos condições para criar os vitelos». Praticamente acabados de nascer, ainda se encontravam alguns na exploração. De resto, é difícil que isso não aconteça, tendo em conta que todos os dias nascem vitelos na Quinta de Muroz. Em média são «55 partos por mês» e há mais de uma centena de vacas prenhes. As fêmeas ficam todas, o que significa que das 1.050 cabeças, «95 a 96% são nascidos cá».«A nossa intenção é deixar de comprar animais fora», diz ainda. 

“Iglos” acolhem os pequenos vitelos

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Preços da alimentação a subir No Vale do Mondego, a exploração tem 140 hectares de terrenos, 80 dos quais destinados à produção de milho. Nos arredores da quinta, no Bebedouro, também crescem campos de milho. Todavia, esta produção está longe de satisfazer as necessidade do efectivo, que ultrapassa o milhar de cabeças. Por isso, praticamente todos os dias chegam camiões

com carregamentos de ração, milho, soja, resíduos de cerveja. César Silva queixa-se do aumento crescente dos preços. Só este ano, a soja subiu de 300 para 500 euros a tonelada. Quando aos resíduos de cerveja, que em tempos foram gratuitos, hoje já há dificuldade de entrega e o preço já cresceu de 50 para 60 euros, exemplifica. 

Dificuldades de mão-de-obra «Mesmo que a gente morra, temos que vir cá tratar das vacas», diz o humor cáustico de César Silva, pois todos os dias as vacas precisam de água, comida, limpeza e de ser ordenhadas. Significa que não há domingos, feriados ou dias santos. Todos os dias são dias de trabalho, que começa à 5h00 da manhã, com o início da primeira ordenha (que termina às 13h00) e se prolonga até às 24h00, altura em que termina a segunda ordenha, que começa às 17h00. Um trabalho exigente, assegurado por uma equipa de 12 elementos, entre os quais se encontram os três irmãos, proprietários e gestores do empreendimento.«É mais fácil arranjar gente para o trabalho agrícola, porque não se trabalha ao domingo», diz César Silva. Por isso, e face às dificuldades, tem ao serviço cinco paquistaneses, que asseguram a ordenha. Um processo que a Quinta de Muroz iniciou há cinco anos e que tem dado re-

César Silva

sultado. «São muito bons na ordenha», assegura. Trata-se de trabalhadores que têm a sua situação regularizada no país, um dos quais já tem a família consigo. Os restantes vivem numa casa, alugada pela empresa. «Estamos satisfeitos», diz, elogiando o facto de, se algum destes trabalhadores pensar em ir-se embora, procurar arranjar um compatriota para o substituir. 

“Água mais cara que leite” Da Quinta de Muroz saem actualmente, todos os dias, 14 mil litros de leite e a perspectiva é ultrapassar a casa dos 20 mil dentro de meses. Leite que a exploração vende à Lacticoop, através da Cooperativa Agrícola do Bebedouro. Apesar de ser muito leite, «a rentabilidade é muito pouca», diz César Silva, lembrando que vende o leite a 32 cêntimos.«Vai aumentar agora 1,5 cêntimos», diz. Mas não chega.«O leite devia estar, no mínimo dos mínimos, a 40 cêntimos», diz, referindo-se ao preço

pago ao produtor. Todavia, percebe que isso é impossível, tendo em conta que o leite «se vende nos supermercado a 45 cêntimos». «Portugal tem o preço do leite ao consumidor mais baixo da Europa», garante, exemplificando com Espanha, onde, «no mínimo», o litro de leite é vendido a «60 cêntimo». «Aqui vende-se a 45 cêntimos». «Não pode! Um litro de leite não pode custar menos que um café», alerta. «A água esta mais cara do que leite», conclui César Silva. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Valmarques

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No auge da produção são colhidas diariamente mais de 20 toneladas de morango

MORANGOS DE ARAZEDE CONQUISTAM PORTUGAL E A EUROPA 1989 Na localidade de Moita Vaqueira nasce, em 1989, a Valmarques. A empresa começou

com uma exploração leiteira, mas depressa cresceu para o mundo das hortícolas. O morango é, desde 2005, a sua coroa de glória. Abastece todo o país e exporta para a Europa

D

e um laranja vivo, quase redondas, do tamanho de uma bola de andebol, apresenta-se a variedade Okaid. Ao lado, mais anafadas, crescem as Mosque Provence, uma “prima” da “Menina”, mas mais controlada em termos de tamanho. Entre umas e outras surge a elegante Manteiga. São milhares de abóboras que, num espaço de 30 hectares (ha), começam a ser colhidas na zona de Faíscas, freguesia de Arazede. Inglaterra e, essencialmente, aAlemanha são os destinos já definidos para esta produção da empresa Valmarques. As Manteiga e as Okaid produzem uma média de 30 toneladas/ha. As “Mosque”, maiores e mais pesadas, chegam às 50 toneladas/ha.

Concluída a colheita do morango, o trabalho continua, com as abóboras. Seguem-se as couves e começa a preparação da terra para plantar morango

Com uma tesoura, um grupo de funcionários entra no campo e corta “o pé” da abóbora. É para «encascarem melhor», explica José Marques, fundador e responsável pela empresa Valmarques – SociedadeAgrícola e Pecuária, Lda. Depois, a seu tempo, o tractor passa e carregam-se as abóboras para o contentor e seguem para o armazém, onde posteriormente são embaladas e expedidas. Mais abaixo, quase nos limites do perímetro da propriedades, cresceram as “Manteiga” biológicas. Em frente e ao lado do campo de abóboras começam os preparativos para a cultura do morango, em estufa e ao ar livre. Mais à frente ainda se avista um enorme campo descoberto, de onde saíram muitos milhares


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Valmarques 90 anos com Montemor-o-Velho

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Colheita exige mais de 100 trabalhadores

Abóbora é mais uma aposta, com toda a produção destinada a exportação

de toneladas de morango. São cerca de 50 ha inteiramente dedicados ao morango. É aqui, em Faíscas, e mais à frente, na localidade de Moita Vaqueira, também na freguesia de Arazede, que se concentra a maior exploração nacional deste fruto. Morangos que abastecem o país de lés a lés e também já conquistaram o mercado internacional. O morango é a “jóia da coroa”da empresa, assume José Marques, que encara as restantes culturas, designadamente de abóbora ou de couve coração, plantada a seguir, no terreno onde cresceram as abóboras, como culturas alternativas, que dão uma ajuda à sustentabilidade da empresa. Mercado existe, sem dúvida. «Portugal e toda a Europa têm grande carência de hortícolas», afirma o empresário. As abóboras, já o dissemos, seguem para aAlemanha e Inglaterra. Relativamente à couve, estão contratualizados, até Março de 2022, 120 camiões para a Alemanha. José Marques é um acérrimo defensor da «rotação de culturas». Desta forma «não cansamos o terreno e mantemos um bom padrão sanitário», atesta, lembrando que a cultura de leguminosas, como o feijão ou a ervilha ajuda a «fixar o azoto». Já as restantes, seja os resquícios das couves, dos morangos ou das abóboras, representam «um bom fertilizante». Esta é, de resto, uma das preocupações do empresário. «Temos uma terra pobre, mais arenosa, que precisa de muita matéria orgânica para enriquecer o terreno», explica. José Marques deixa bem clara a diferença entre os terrenos da zona da Gândara e os do Vale do Mondego. «São terrenos mais

arenosos, menos férteis, com problemas de carência de matéria orgânica». Todavia, têm uma grande vantagem «em termos de drenagem». «Mesmo que chova muito não temos problemas», garante. Isso significa que «aqui fazemos couve sem problemas. Lá têm dificuldades, porque a certa altura não conseguem entrar no campo». A água, que abunda no vale, também não falta aqui, praticamente à superfície. Um poço com 5 metros de profundidade basta para garantir a rega de uma boa mão cheia de hectares. A rotação de culturas permite, por outro lado, dar resposta a uma questão fundamental que se prende com a manutenção dos postos de trabalho, cerca de meia centena. «A abóbora tem pouca mão-de-obra. Asementeira é mecânica e não tem qualquer manutenção», pois a rega é automática. «Está tudo informatizado, não temos grande trabalho, basta programar o computador», adianta. 80, 90 dias depois da sementeira, a abóbora está pronta para a colheita. Diferente e muito mais exigente é a cultura do morango. Nas Faíscas, prepara-se o terreno, dentro das estufas. Ao ar livre o processo está mais avançado. Os “camalhões” estão feitos e já têm o plástico preto, que protege os morangos do contacto com a terra. São elevações no terreno, onde se plantam os morangueiros. Uma técnica de cultura com um conjunto de vantagens. A começar pelo “maneio”, pois facilita deveras o processo de apanha (manual) da fruta, permitindo que um “carrinho” circule sem qualquer problema para a recolha do morango. O facto de as plantas ficarem mais

No auge da produção de morango não há mãos a medir. «Chegamos a apanhar mais de 20 toneladas por dia», conta José Marques. O trabalho “aperta” e «é praticamente todo manual». Significa que à meia centena de funcionários têm de se juntar outros tantos. «Precisamos de mais de 100 pessoas», esclarece o empresário, assumindo que não se trata de uma tarefa fácil. «Quem é que quer andar a colher morango?», questiona, dando conta que «a maior parte das pessoas não quer trabalhar na agricultura». A soluções tem sido o recurso a empresas de trabalho temporário. «A maioria dos trabalhadores vem da Índia e também do Bangladesh». refere. A empresa garante condições de alojamento e alguns têm ficado por cá. «Temos cerca de 30 estrangeiros, que já são trabalhadores efectivos da Valmarques», afirma, elogiando a forma de estar destes funcionários de origem indiana e dos que contrata durante o Verão. «Não temos qualquer reclamação», designadamente da população local. Pelo contrário, os moradores acolhem esta comunidade de trabalhadores e criam com eles uma relação de boa vizinhança. «Levam-lhe batatas, ovos», exemplifica. 

elevadas também garante um «melhor arejamento», adianta. Falta ultimar o sistema de rega. Segue-se a plantação. Nas estufas da localidade de Moita Vaqueira, o processo está mais avançado, já com a plantação dos “pés” de morango em curso. A primeira colheita acontece em Dezembro, precisamente a partir das estufas. Praticamente quando esta produção está na fase terminal, ganha força a de cultura ao ar livre. Uma colheita que se estende no tempo, desde Dezembro a Setembro, sem interregno, que abastece toda a cadeia da Sonae e do Lidl a nível nacional e ainda garante uma linha de exportação para a Europa, sobretudo para Espanha e para a Alemanha. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Valmarques

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Da produção de leite às hortícolas e ao morango que o tomate ou a alface». Inicialmente começou a fazer morango em área coberta e, dois ou três anos depois, avançou para produção ao ar livre. A pouco e pouco, a zona de estufas que tinha junto à residência, criada para as alfaces e para o tomate, foi ocupada com morango. Até agora. A plantação está a ser feita. Em Dezembro já há morango para colher. José Marques não é adepto da cultura em sistema de hidroponia, mas numa das estufas mantém uma pequena a produção. «É uma experiência», explica. As plantas assentam num suporte de fibra de coco. «Não tem nutrientes»,sublinha. Esses vêm através do sistema de rega. O morango que daqui resulta «não é tão saboroso, é mais aquoso e não tem conservação», faz notar.

Nas estufas começa a plantação em Outubro. Em Dezembro já há morango para colher

Natural de Cadima, no vizinho concelho de Cantanhede, José Marques casou na Ereira e instalou-se em Arazede, depois de comprar um terreno com 12 ha, o que na altura era um espaço extraordinário. As vacas leiteiras foram a sua primeira aposta. «Ainda hoje tenho produção de leite», refere. Vivia-se o ano de 1989. «Há 30 anos já previa o que veio a acontecer», diz, referindo-se aos crónicos problemas do sistema fundiário, de pequenas propriedades, e à falência das pequenas explorações leiteiras. Lembra, ainda, que já à época a Europa era «mais do que excedentária» em produção de leite, facto que não augurava boas perspectivas para o sector, como se viria a confirmar. Em contrapartida, o país, assim como a Europa, eram «muito deficitários em hortícolas» e aí estava a resposta que José Marques precisava. Mantendo as vacas leiteiras, avançou para a produção de alface, tomate e feijão verde. «Desde então, nunca parámos de crescer», afirma, com satisfação. No início da década de 90, com o surgimento das grandes superfícies, designadamente o Continente de Matosinhos, primeiro,

e de Vila Nova de Gaia, depois, a Valmarques encontrou o mercado que procurava para escoar as hortícolas. «Fiz parte do Clube de Produtores da Sonae, em exclusividade, durante 20 anos», recorda. Depois, numa altura em que a grande distribuição começou a “esmagar” preços, José Marques virou-se para a Europa, através do mercado de Rungis, em França. A produção de morango começa em 2005 e não deixa de ter uma histórica curiosa. O empresário integrava, desde a sua origem, o Clube de Produtores da Sonae, em representação do sector hortícola. Espaço onde tinha assento, igualmente, um produtor de Almeirim que lhe lançou o desafio, no sentido de experimentar cultivar morango na Gândara. Almeirim – a zona tradicionalmente apontada como referência na produção de morango - «apresentava algumas dificuldades, com invernos rigorosos e, a partir de Março/Abril, com picos de temperatura muito altos». «O morango bloqueia, a partir dos 30º», refere José Marques. O empresário fez a experiência em Arazede e confessa que gostou. «É uma cultura mais interessante

Produtor de Almeirim, zona tradicionalmente associada à produção de morango, lançou o desafio a José Marques, que decidiu experimentar e nunca mais parou O morango produzido em Arazede chega aos quatro cantos do país e também abastece o mercado europeu. Para a Europa, a Valmarques remete, igualmente, a abóbora e a couve que produz, mas também hortícolas que adquire a outros produtores da região, designadamente alface. «Cheguei a mandar muita alface de cultura do Inverno para França». Hoje não é um produto que esteja entre as suas prioridades, tendo em conta as «dificuldade de transporte». «Uma caixa com 12 alfaces paga um euro de transporte». Mas há mais. Um camião com destino à Alemanha representa um custo de «três mil euros», refere. Uma realidade que se prende com o facto de Portugal ser um «país periférico», afirma o empresário, que advoga a criação de «algum apoio ao transporte», de molde a evitar que esse “peso” seja incorporado no preço do produto transportado. Seria uma forma de «incentivar e apoiar a exportação nacional de hortícolas e de fruta», considera. 


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PIER de Arazede 90 anos com Montemor-o-Velho

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PROMOVER A VOCAÇÃO HORTOFRUTÍCOLA

Projecto-piloto foi desenvolvido numa área de 140 hectares, com 350 artigos, pertencente a 290 proprietários

2018 Plano de Intervenção em Espaço Rural (PIER) de Arazede vem dar escala a uma produção de excelência e imprimir consistência a uma vocação exportadora

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região da Gândara é, por excelência, uma zona vocacionada para a produção de hortícolas e é essa vocação que o Plano de Intervenção em Espaço Rural (PIER) de Arazede pretende reforçar. José Veríssimo, vice-presidente da Câmara Municipal de Montemor, destaca a importância que essa vocação assume, particularmente numa freguesia que outrora foi uma referência a nível nacional na produção leiteira. O leite «deixou de ser rentável» e tornou-se necessário e urgente criar «alternativas» para os antigos proprietários de vacas leiteiras terem «possibilidade de sobreviver». «A hortofruticultura pode ser a solução», defende o empresário, dando conta da produção deficitária no país e da necessidade crescente que se faz sentir na Europa a este nível. «Temos condições para produzir para a Europa, mas não temos área», sublinha, esclarecendo os princípios-base em que

assenta o PIER, um projecto-piloto inovador à escala nacional. «É uma zona pobre, quase sem agricultura», reconhece José Veríssimo. Todavia, tem duas “coisas” essenciais: «um solo fácil de trabalhar», constituído à base de areia, e «água em abundância». A revisão do Plano Director Municipal (PDM) de Montemor, efectuada em 2014, criou o espaço necessário para estas “demarches”, com a definição de «zonas operacionais para agricultura». Foram os alicerces para o PIER de Arazede. «Definimos uma zona de 140 hectares, constituída por 350 artigos, pertencente a 290 proprietários», recorda o autarca. O regulamento, aprovado pelo executivo camarário, estabelecia um conjunto de regras, a mais relevante das quais passava por cada proprietário ter de ficar, no mínimo, com uma área de 25 mil metros quadrados. A Câmara reuniu com os proprietários e esclareceu as regras. «Uns venderam, outros compraram, ficaram 13 proprietários». Ao

município coube, ainda, a tarefa de fazer o levantamento de toda a área, o emparcelamento e criar as infra-estruturas, designadamente caminhos e electricidade. Neste momento, esclarece o vice-presidente, existem oito lotes, pertencentes a 13 proprietários, e o PIER de Arazede tem uma ocupação de 70% da área, com produção de hortofrutícolas de forma integrada e com uma crescente preocupação pela produção biológica. Forma de produção que «marca a diferença», salienta José Veríssimo, destacando a preferência que a Europa dá ao «sabor» da fruta e dos legumes produzidos em Portugal. Uma questão de qualidade que tem vindo a ganhar dimensão e mercado, mas que também exige “espaço”. «Precisamos cada vez de mais área», faz notar, tendo em conta a redução do tratamento com herbicidas e fertilizantes, que requer uma «rotação de solos» e uma «rotação de culturas», de forma a «dar descanso» às terras. Um projecto-piloto que, com a chancela


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da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC) está em vias de ser alargado aos vizinhos concelhos de Mira e Cantanhede, isto é, a toda a Gândara. Montemor, por seu lado, quer replicar o modelo noutras áreas, com uma renovada aposta na freguesia de Arazede, mas também na Carapinheira, nas Meãs e em Tentúgal. José Veríssimo entende que, apesar desta primeira experiência ter corrido da melhor forma, devia haver uma «ferramenta legal» que permitisse às autarquias agilizar os processos e facilitar a intervenção. Na opinião do autarca a experiência pode ser desenvolvida noutros concelhos, sempre com o foco centrado na produção hortofrutícola e os olhos postos no mercado europeu. «Temos tudo, em termos de condições naturais, apenas nos falta a escala», garante José Veríssimo, que espera que a “bazuca”também possa representar um instrumento de apoio à produção hortofrutícola. «Aqui é que temos o terreno, o clima», salienta. Quanto à mão-de-obra, actualmente estão mais de 300 estrangeiros no concelho de Montemor, todos a trabalhar no sector agrícola.

90 anos com Montemor-o-Velho PIER de Arazede

Um exemplo que fala por si José Veríssimo sabe do que fala, mais, ele próprio, enquanto empresário, é um exemplo desta “viragem” e da aposta vencedora na produção de morango e legumes. Natural da freguesia de Arazede, em 1987 começou com uma exploração leiteira, mas no início da década de 90 avançou com a produção de alface. Primeiro com uma pequena área, em estufas, que depressa cresceu para quatro hectares em estufa e 8/9 ao ar livre. No início do novo século estreou-se na produção de morango e acabou por pôr de lado a vacaria e fazer uma aposta forte neste fruto vermelho. Actualmente é o filho que está à frente da empresa, que tem 10 hectares de morango (oito ao ar livre e dois em estufa, para manter o ciclo de produção, durante todo o ano), o que representa uma média de 250 a 300 toneladas de produção anual. A maioria do morango destina-se a exportação. Itália, França, Luxemburgo, são os mercados de eleição, há 25/30 anos. Mas também vende para a Rússia, Finlândia

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ou Cabo Verde. «Trabalhamos com muita qualidade», diz e essa qualidade é reconhecida. «O mercado quer sabor», sublinha, referindo que, na última campanha, a vizinha Espanha perfilou-se como um mercado de excelência, apesar de ser um grande produtor de morango. As razões prendem-se, precisamente, com o bom sabor do morango nacional. «Eles preocupam-se com a quantidade, nós com a qualidade», conclui. Além do morango, a J.J. Veríssimo produz alface e couve. O empresário destaca a chamada couve de Natal (couve portuguesa ou troncha), que tem no mercado do Luxemburgo um nicho de eleição. A plantação está feita e espera, este ano, levar para o Luxemburgo 80 a 100 toneladas de couve de Natal. O Luxemburgo funciona, de resto, como “entreposto” para países vizinhos. Pela primeira vez este ano, José Veríssimo vai produzir couve coração com destino à Alemanha. São 90 mil plantas já no terreno. Uma nova cultura, mas também uma prova de que o sector hortofrutícola tem futuro na região da Gândara. 


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Kiwilife 90 anos com Montemor-o-Velho

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KIWIS, ABACATE E OUTROS DESAFIOS 2018 A produção e o comércio de produtos hortofrutícolas, designadamente kiwi e abacate, constituem o centro motor da Kiwilife, um projecto que nasceu em 2018, em Arazede

M

ilhares de frutos correm, velozes, ao longo da passadeira, sob o olhar atento de meia dúzia de funcionários, que asseguram que tudo corre em conformidade. Pequenos, médios, grandes. São os três tamanhos, três destinos diferentes. As enormes paletes de kiwi, recebidas directamente do produtor, ganham outra dimensão. É a calibragem da fruta, uma operação que a lei obriga e o mercado exige, que antecede o circuito de comercialização. Estamos na Kiwilife, uma central hortofrutícola instalada no Pólo Logístico e Industrial de Arazede. Um projecto que surgiu em 2018, pela mão de André Nogueira, Luís Paulo e Carlos Jorge. Os três sócios, todos com um vasto know how ligado ao mundo rural, resolveram pôr as “mãos na massa” e renovar um projecto, iniciado por uma empresa de origem espanhola, que ficou pelo caminho. O kiwi, que inspira o nome da empresa, é, sem dúvida, o elemento central do projecto, que tem como horizonte transformar-se numa organização de produtores. Este ano as estimativas apontam para o processamento de cerca de três mil toneladas de kiwi, provenientes de todo o país. À espécie tradicional, verde, junta-se o kiwi amarelo, o baby e o biológico. 90% do negócio circula em torno do kiwi. «8% destina-se ao abacate» e a restante capacidade operacional, quer ao nível da calibragem, quer do armazenamento e embalamento, destina-se aos frutos vermelhos. Carlos Jorge, com uma larga experiência no cultivo de kiwi, destaca a aposta da Kiwilife na produção e comercialização de kiwi amarelo. «É uma variedade só nossa, em toda a Península Ibérica», adianta André Nogueira, referindo-se a esta variedade de cor amarela e polpa mais doce. A empresa, que também está a investir na produção, avançou com uma primeira plantação, que este ano deu os primeiros frutos. Um projecto com cinco hectares de área de cultura, que numa segunda fase vai crescer para 25 hectares, visando, «dentro de 10 anos, atingir os 200 hectares»,

Sistema de calibragem “cresceu”, funcionando actualmente com quatro linhas

adianta. A empresa deu o primeiro passo e plantou os primeiros exemplares, mas quer estender esta variedade a outros parceiros e disseminar o mais possível a cultura do kiwi amarelo em toda a região, tendo como referência, sempre, a «proximidade à central» e uma garantia de «total apoio técnico e logístico» aos novos produtores interessados nesta variedade. Apoio que a Kiwilife assegura, igualmente, aos produtores já instalados, que pretendem carrear a sua produção para a central. «Avaliamos o momento certo, através da análise dos frutos, e marcamos a colheita», explica Carlos Jorge. O pro-

Objectivo da Kiwilife é crescer para uma organização de produtores e atingir, dentro de uma década, os 200 hectares de kiwi amarelo

dutor decide se entrega pelos seus meios ou se a Kiwilife vai buscar a colheita. Chegado às instalações da central de Arazede, o carregamento da kiwis é sujeito ao necessário tratamento. A pré-calibragem permite fazer a divisão pelos diferentes tamanhos – peso e categoria - o que representa, igualmente, diferentes clientes. Já devidamente separados, os frutos são acondicionados no frio. «Temos capacidade para armazenar três mil toneladas», lembra André Nogueira. O embalamento acontece de acordo com a cadência da comercialização, ou seja, consonante as solicitações do mercado. É, então, feito o embalamento e a expedição. «Recebemos os frutos entre Outubro e Novembro e comercializamos até Maio/Junho», esclarece Carlos Jorge. «O kiwi tem grande potencial de crescimento», afiança, sublinhando que «85% do kiwi nacional se destina a exportação». A Espanha é um mercado de excelência, seguindo-se França, Inglaterra, Holanda, Alemanha, praticamente toda a Europa. Marrocos perfila-se como um mercado interessante para a fruta de calibre mais


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90 anos com Montemor-o-Velho Kiwilife

pequeno. Ao mercado nacional destina-se 15% da produção. «Trabalhamos praticamente com todas as grandes superfícies e mercados abastecedores», explica André Nogueira. O empresário sublinha o crescimento da central: «No ano passado não chegámos às 2 mil toneladas, este ano contamos ultrapassar as três mil». E destaca, igualmente, a «satisfação dos produtores», «mais de 80», que já trabalham com a Kiwilife. De resto, este crescimento sustentado obrigou a renovar o equipamento e a instalar um novo sistema de calibragem, equipado com quatro linhas, bem como a instalar um novo sistema de embalamento, mais automatizado. Significa que a central duplicou a sua capacidade de processamento.

Novas culturas para a região À parte do kiwi amarelo, a empresa está a fazer uma aposta muito focada na produção de abacate, que começa a ter algum peso na região. De resto, numa parceria com a Cooperativa Agrícola do Bebedouro,

André Nogueira, Carlos Jorge e Luís Paulo

em terrenos desta entidade, foi plantado um campo de abacate, que pretende funcionar como «campo de experimentação e demonstração». «Queremos mostrar que é possível, na região, fazer-se esta cultura»,

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diz André Nogueira, salientando o apoio da Cooperativa, com o seu know how em termos de formação profissional, nas mais diversas áreas, a que se soma apoio técnico e logístico que a Kiwilife assegura a quem queira embarcar neste desafio. «São culturas alternativas», outras práticas culturais, que são rentáveis e podem crescer», afirma André Nogueira. «Temos terra, temos água, temos as pessoas», diz, sublinhando que o «mais importante são as pessoas» que, na região, estão umbilicalmente ligadas ao mundo rural, a trabalhar a terra. Trata-se de procurar criar alternativas, introduzir novas culturas que possam dar um novo alento à produção da região. Os «picos de frio» e a queda de «alguma geada» são, a priori, os problemas que podem afligir a produção de abacate. Todavia, a Kiwifile está a fazer um conjunto de ensaios, de molde a contornar esta situação, garantindo que a produção de abacate – uma das frutas que mais quota de mercado tem conquistado em todo o mundo - tem futuro na região.


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Centro Náutico 90 anos com Montemor-o-Velho

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CENTRO NÁUTICO:I A PISTA DOSI CAMPEÕESI

Nos útimos 20 anos o Centro Náutico de Montemor-o-Velho afirmou-se à escala nacional e internacional como pista de excelência

1990 Instalado na década de 90 do século passado, o Centro Náutico ganhou, nos últimos 20 anos, estatuto internacional, com competições europeias e mundiais. É também o centro de treino de várias selecções, incluindo a portuguesa

O

Mondego leva a melhor sobre o Vouga, com a tutela a decidir, na década de 90 do século passado, que a Pista de Remo/Centro Náutico fica instalada em Montemoro-Velho. Para trás ficava a hipótese do Rio Novo do Príncipe, em Aveiro. Nascia, assim, um espaço único, de eleição, que coloca Montemor nas “bocas do mundo”, com a elite da canoagem nacional e internacional a fazer do Centro Náutico a sua casa. «Temos as melhores condições para disputar as melhores provas a nível mundial», garante José Veríssimo, vice-presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, que aponta a pista com 2.300 metros de comprimento e uma segunda pista de retorno, que «oferece condições de excelência». «Montemor tem uma das melhores pistas do mundo», afiança. Mas não há “Bela sem senão”, e este está na torre de chegada. O local onde se procede às cronometragens e ao arranque das provas, que notoriamente tem «falta de

condições». O problema está em vias de solução, com a construção de uma nova torre, actualmente em curso. Um projecto que envolve a Câmara Municipal de Montemor, “dona” do Centro Náutico, com o apoio do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), da Federação Portuguesa de Canoagem e de outras entidades. O investimento «ronda os 900 mil euros» e a obra deveria ter ficado concluída para o Campeonato do Mundo de Velocidade de Juniores e Sub 23, realizado em Setembro. Todavia, as contingências decorrentes da pandemia ditaram o atraso da empreitada, que no início de 2022 vai, garantidamente, estar pronta. «Isto era o que faltava para termos um equipamento de excelência», afirma, orgulhoso, o autarca, que lembra outros investimentos, efectuados com o objectivo de melhorar a performance do Centro Náutico, designadamente um corta-vento, colocado em 2019, que representou um investimento de 170 mil euros, igualmente efectuado no quadro de uma parceria entre o município e a Federação. «O Baixo Mondego é um pouco ventoso», diz, explicando a necessidade de «proteger» as primeiras pistas, do «lado Norte». Sobre o que falta fazer, o vice-presidente lembra que o Centro Náutico tem 20 anos e, por isso, «é urgente requalificar o sistema de largadas» e proceder a «marcações e

alinhamentos». Lembra que a água «tem muitos nitratos» e grande parte do equipamento está dentro de água, facto que, apesar do «máximo cuidado que existe», em termos de manutenção, dita alguma deterioração. «É uma infra-estrutura que dignifica o município», considera José Veríssimo, mas não esconde as “dores de cabeça” que representa. «Custa muito dinheiro», diz, apontando para um investimento anual que ultrapassa os 400 mil euros. De resto, o vicepresidente enaltece a «excelente relação» do município com a Federação Portuguesa de Canoagem. «Não exigem e têm-nos ajudado muito e colaborado nos investimentos feitos», refere. «Uma parceria profícua» que tem sido fundamental para elevar a relevância deste equipamento.«Os estágios da selecção nacional são sempre cá», faz notar o autarca, que destaca, igualmente, o facto de a Federação ter instalado um Centro de Estágio em Montemor. Fernando Pimenta, um herói nacional que tem conquistado medalhas sobre medalhas, é uma das presenças frequentes em Montemor, assim como Beatriz Gomes, João Ribeiro, Messias Batista, Emanuel Silva ou David Varela. Mas há selecções de outros países que vêm cá estagiar», explica José Veríssimo, que aponta, em particular, os países de Leste. «A partir de Novembro, a Rússia, por exemplo, não tem condições


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para treinar, por causa do gelo». A pista de Montemor é a solução. De igual modo, «a partir de Março» são os ingleses que demandam o Centro Náutico. «É difícil gerir», confessa, salientando a necessidade de «muito rigor», tendo em conta o grande número de atletas que frequentam este espaço, provenientes de outros pontos do globo, designadamente da Coreia do Sul ou do Chile. Uma dificuldades acrescida, uma vez que, além dos atletas profissionais que o procuram, «o Centro Náutico não está vedado aos atletas do concelho» Se a pista é a face mais visível do Centro Náutico, há um conjunto de outras valências que são igualmente uma referência, nomeadamente o ginásio, «equipado com máquinas “top”, necessárias à preparação dos atletas», bem como outras infra-estruturas de apoio, designadamente sauna, jacuzzi e banho turco, que dão o seu contributo para a boa forma dos canoístas. Estendendo-se por uma área de cerca de 60 hectares, em redor de uma antiga vala do rio – transformada em pista, com uma

90 anos com Montemor-o-Velho Centro Náutico

área de 18 hectares - , que é alimentada pelo canal de rega, o Centro Náutico possui, ainda, um hangar onde é possível guardar as embarcações e outro tipo de equipamento, infra-estrutura que também ajuda a fazer a diferença. Em Montemor foram “escritas” algumas das páginas de glória da canoagem nacional e também aqui se realizaram provas de referência internacional.Aprimeira, organizada pela Federação de Canoagem, remonta a 2004. Em 2012, foi o Campeonato Europeu de Velocidade Juniores e Sub 23 e, no ano seguinte, o Campeonato Europeu Absoluto de Velocidade. Em 2015, mais um Campeonato Mundial de Velocidade Juniores e Sub 23 e em 2016 a Taça do Mundo de Velocidade e, pela primeira vez, o Campeonato do Mundo Universitário, numa parceria entre a Federação Portuguesa de Canoagem e a Federação Académica de Desporto Universitário. Em 2018 foi o Campeonato do Mundo de Velocidade e Paracanoagem, com a presença de 90 países, e para 2023 está programado mais um Europeu de Velocidade Juniores e Sub 23. 

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Espaço com múltiplas utilizações Se a canoagem é a grande referência do Centro Náutico, também já ali se efectuaram provas de motonáutica e um campeonato do mundo de pesca, além do campeonato nacional que se realiza todos os anos. «Sem ter de meter peixe», sublinha o vice-presidente. A zona envolvente é muito usada para realizar caminhadas, mas o vasto parque de estacionamento também permitiu descobrir, em tempos de pandemia, outra utilização, tendo acolhido vários espectáculos, promovidos pelo município. A ciclovia, que vai ligar Coimbra à Figueira da Foz, marca encontro com o Centro Náutico e o projecto de requalificação da frente ribeirinha quer criar uma proximidade maior entre a vila e este centro de excelência. 


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Centro Náutico 90 anos com Montemor-o-Velho

A “CASA” DA CANOAGEM 2007 Residência universitária, criada em 2007, instalou

atletas. Mas é também no Centro Náutico que estagia a selecção e se disputam provas nacionais e internacionais

Pedro Casinha sagrou-se campeão do mundo na prova disputada em Setembro

F

ernando Pimenta, Pedro Casinha ou Norberto Mourão. Três nomes grandes da canoagem nacional que nos últimos tempos conquistaram medalhas internacionais. Todos eles e muito outros têm a «sua casa» em Montemor. Quem o diz é Vítor Félix, presidente da Federação Portuguesa de Canoagem (FPC). «Montemor é casa da canoagem portuguesa», afirma. Mais, para o mais alto responsável da canoagem nacional é à pista de Montemor que se devem os «bons resultados» que a modalidade tem conquistado a nível internacional. «Todos os nossos campeões se “fazem”em Montemor». «A canoagem nacional tem a “marca”Montemor», sublinha. O presidente da FPC, que se perfila para mais um mandato, não poupa elogios ao Centro de Alto Rendimento de Montemor, como prefere chamar-lhe. «É a única pista de canoagem - também de remo - no país e uma das melhores do mundo», assegura. «Tem todas as condições para a realização dos estágios da selecção e para provas nacionais e internacionais», adianta. A chamada “torre de chegada”, actualmente em construção, um investimento que ronda os 900 mil euros, é o equipamento que “faltava”, reconhece, uma vez que a

estrutura existente não oferecia as condições ideias, obrigando, aquando da realização de provas, ao aluguer de equipamentos alternativos.Aobra vai resolver definitivamente o problema, contando com a participação da FPC, entre outras entidades. «Somos os principais utilizadores, temos uma responsabilidade acrescida», diz o presidente, que sublinha, também, os benefícios que este equipamento vai trazer a outras modalidades, designadamente ao remo, triatlo e natação, que também utilizam o espaço. A Federação comparticipou, igualmente, a colocação do corta-vento e está, sempre, garante Vítor Félix, «disponível para colaborar com a Câmara de Montemor», no sentido de optimizar as condições do Centro Náutico. Lembra, a propósito, os estragos causados pela tempestade Leslie, em 2018 e, no ano seguinte, pelas cheias. «Estivemos sempre ao lado do município, para ajudar a reparar os danos e repor a actividade do Centro Náutico». Apesar das condições modelo que oferece, o responsável reconhece a necessidade de «substituir algum equipamento», instalado em 2010 e que está a chegar ao fim do seu ciclo de vida, sobretudo tendo em conta o grande desgaste a que está sujeito, dentro de água ou sob sua influência e exposto à

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ventania. Pequenos “ajustes”, pormenores que nem de longo nem de perto “beliscam” e grandiosidade do Centro Náutico.

Atletas residentes em Montemor Vítor Félix diz que Montemor é a «casa da canoagem» nacional. Não se trata apenas de uma imagem simbólica, porque essa “casa” existe efectivamente. No âmbito de um protocolo assinado em 2007, entre a Federação Portuguesa de Canoagem, Universidade de Coimbra e Câmara Municipal de Montemor, foi criada, efectivamente, uma «residência universitária». Actualmente são 15 os atletas que residem e treinam em Montemor.Alguns frequentam a Universidade de Coimbra, outros vão à escola no Agrupamento de Montemor. Em simultâneo, estes jovens, oriundos de vários pontos do país, conjugam a sua formação académica com os treinos de canoagem. Trata-se de reunir competências para que, no futuro, os atletas possam ter “argumentos” para ingressar no mercado de trabalho. «A canoagem não é como o futebol», brinca o responsável da FPC, numa alusão aos diferentes “rendimentos” auferidos nas duas modalidades. Além disso, «nem todos os atletas são campeões e conquistam medalhas internacionais», faz notar, reforçando a importância desta “carreira dual”, que permite aos atletas continuarem a sua formação académica, ao mesmo tempo que se preparam, em pista, para vencer. Instalada em Montemor, esta “casa”, apesar de ser grande, não chega para acolher a selecção nacional, quando estagia em Montemor. E muito menos quando se trata de provas nacionais ou internacionais. Vítor Félix refere, a título de exemplo, eventos de carácter nacional, que envolvem «cerca de mil atletas», ou provas internacionais, como aconteceu em Setembro, que trazem a «Montemor «cerca de duas mil pessoas». Toda esta dinâmica criada pela canoagem, a começar pelos atletas que vivem em Montemor, pelos que aqui vêm estagiar ou, sobretudo, pelas provas que se efectuam no Centro Náutico, leva o presidente da FPC a apontar o «impacto social e económico» desta actividade no concelho e na região. A escassa capacidade hoteleira de Montemor, depressa fica lotada com qualquer pequeno evento, refere, destacando a necessidade de recorrer a alojamento na Figueira da Foz, em Coimbra e em Soure. «Toda a região beneficia», conclui. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Paul do Taipal

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TURISMO GANHA NOVOS VOOS 2021 Projecto Birdwatching, aprovado em Maio de 2021, pretende criar condições para a observação de centenas de espécies, sobretudo aves, no Paul do Taipal sadiço e terra batida, de forma a permitir a visitação de todo o paul, ao mesmo tempo que procura assegurar a menor intrusão no espaço. O Paul do Taipal representa «um dos mais interessantes destinos europeus para a observação de muitas espécies protegidas». Inclusive, algumas das aves que têm o seu habitat neste “santuário” natural estão classificadas ou estão ameaçadas. «É um local de visitação fantástico, natureza pura», refere o autarca. «O espaço vai ser intervencionado com muito cuidado, para não perturbar o ecossistema e potenciar a visita de turistas de elite», adianta, convicto do «valor acrescentado» que este projecto de observação das espécies no Paul do Taipal, designadamente aves, representa para a atracção turística do concelho. Município está empenhado em avançar com o projecto Birdwatching

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á 400 e tal espécies migratórias. Mais de 120 estão referenciadas no Paul do Taipal», afirma Emílio Torrão, autarca de Montemor-o-Velho, que resolveu pôr termo a anos de «abandono» e, no quatro de um acordo com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), o município assumiu a co-gestão deste espaço único. Nasce, assim, o projecto Birdwatching no Paul do Taipal, aprovado em Maio deste ano, que pretende criar condições para a observação das espécies que têm ali o seu habitat natural, sobretudo aves, que escolheram o vasto caniçal que a mancha de água como a sua “casa”. Desde os patos às aves de ra-

pina, designadamente o peneireiro-vulgar ou o bufo real, às garças, vermelha e boieira, as andorinhas-das-chaminés, os garçotes ou o rouxinol, pequeno ou grande, dos caniçais, muitas são as aves que escolhem o paul como zona de nidificação ou para dormitório. O projecto, que representa um investimento superior a 180 mil euros, co-financiado pelo Programa Operacional Regional do Centro, Portugal 2020 e União Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, visa a reabilitação dos observatórios já existentes e a construção de um novo observatório, complementados com a construção de um percurso, em pas-

Projecto pretende promover a visitação do paul, considerado uma referência para observação de algumas espécies protegidas Emílio Torrão assume o seu particular empenho no Birdwatching, que «gostaria de integrar com o centro de interpretação da natureza, pensado para Quinhendros. Uma proposta a desenvolver na antiga escola da localidade, com espaço para crianças e onde assume particular relevo a criação de um «labirinto de educação ambiental». Em análise está, ainda, a ligação do Paul às rotas pedestres e clicáveis do concelho.


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Cheias 90 anos com Montemor-o-Velho

DILÚVIO ATINGIU O VALE 2001 Mais do que uma cheia centenária, foi uma cheia milenar. O Mondego agigantou-se e tomou conta de todo o vale. Uma inundação sem memória, que ficou gravada na história das gentes de Montemor

A violência das águas deixou o vale submerso “dias a fio”

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sta não é uma cheia centenária, mas uma cheia milenar como nunca se viu». Palavras de José Manuel Antunes, presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, proferidas no dia 28 de Janeiro de 2001. Era o desespero do autarca, num concelho com centenas de desalojados e a ameaça bem presente da contínua subida das águas. Na Barragem da Aguieira continuavam as descargas, o caudal do rio crescia, levando tudo à sua frente. Depois de Penacova e de Coimbra, era o concelho de Montemor que apanhava com milhares e milhares de metros cúbicos de água. Uma torrente imparável e destruidora. «As inundações deixaram sem casa mais de 500 famílias» entre Montemor e Ereira, escrevia o Diário de Coimbra no dia 30 de Janeiro. “Desespero”era o título da manchete, onde se via um fuzileiro a sair de um bote com uma criança ao colo. Na embarcação mantinham-se várias pessoas e dois cães, igualmente resgatados pelos militares. Viviam-se «situações dramáticas, com habitações submersas e localidades isoladas». «Os prejuízos são incalculáveis e os municípios de Coimbra e de Montemor-o-Velho pediram a declaração de estado de cala-

midade», dizia o jornal. «Nunca na minha vida vi nada assim”, era a expressão mais ouvida. E, de facto, quem chega a Montemor dificilmente reconhece estradas, caminhos, terrenos e até habitações. O que se vê é um mar de água, uma imensidão de água que na sexta-feira invadiu a vila e parece que vai demorar alguns dias a abandoná-la. A caminho da Ereira, que ontem se encontrava totalmente isolada, a paisagem era impressionante. Os fios de electricidade, que deveriam estar metros acima das nossas cabeças, tinham de ser levantados para que o barco passasse. Diário de Coimbra destacava o tema no dia 30 de Janeiro

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Das casas, o que se via era o cimo dos telhados, e das estradas os únicos vestígios eram os sinais», escrevia o Diário de Coimbra, numa reportagem assinada por Ana Margalho. A população «esperava, aflita, a chegada de mantimentos, trazidos pelos bombeiros e fuzileiros, que desde a manhã de ontem davam apoio aos desalojados, na evacuação e no transporte de pessoas e bens que se foram conseguindo tirar das casas inundadas. “Perdi tudo!”, afirmava Vítor Moreno, uma das pessoas que ficou sem casa e que desde sábado dorme no Centro Cultural Desportivo e Cultural de Ereira. “As águas subiram tão depressa que a única coisa que consegui salvar foi a máquina de lavar. De resto, estou sem nada”, acrescentou, desesperado». No lar da Santa Casa da Misericórdia de Montemor, junto aos Paços do Concelho, «as funcionárias viviam momentos de grande angústia. A luz faltou no domingo e as velas são a única companhia dos 50 utentes da instituição, que tiveram de ser transportados dos quartos para a sala, com o apoio das funcionárias, pois o elevador deixou de funcionar. No rés-do-chão do edifício, onde antes funcionavam as enfermarias, o posto médico e os escritórios, o que há agora é muita água e a memória de alguns momentos dramáticos para transferir os sete moradores internados para o primeiro andar, antes que os quartos inundassem», adianta o jornal. No dia 2 de Fevereiro, o Diário de Coimbra dava conta da iniciativa da Câmara Municipal de Montemor, que disponibilizou máquinas de lavar, nas localidades de Pereira, Formoselha, Ereira e Montemor, que os munícipes poderiam usar para retirar das roupas a lama que a descida das águas deixou. O município preparava, igualmente, a colocação de fogões, para uso de todos quantos ainda não tinham acesso aos de suas casas. Uma semana depois das cheias eram apresentadas as primeiras contas, que apontavam para «mais de 800 mil contos de prejuízos em Montemor», anunciava o jornal no dia 3 de Fevereiro. Na mesma edição era dado destaque à destruição da Estação de Alfarelos-Granja do Ulmeiro, «um edifício centenário que não resistiu às cheias e começou e levantar sérios problemas de segurança. A solução foi proceder à sua demolição». 



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Cheias 90 anos com Montemor-o-Velho

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BAIXO MONDEGO EM SITUAÇÃO CRÍTICA 2019 Dezoito anos depois de uma cheia de má memória, o mau tempo voltava a “fazer das suas”. Dois diques colapsaram e a água voltou a tomar conta de tudo

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audal do Mondego ultrapassou níveis de segurança no AçudePonte, dique colapsou em Formoselha e as águas invadiram vários concelhos. Houve povoações evacuadas e centenas de desalojados em Coimbra e Montemor-o-Velho». Foi assim, que, na primeira página, o Diário de Coimbra de 22 de Dezembro de 2019 deu conta da situação dramática, mais uma, que se vivia, motivada pela força descontrolada das águas do rio. «O aumento do caudal do rio Mondego e a eventualidade de rebentamento de diques levou à retirada de mais de duas centenas de pessoas do concelho de Montemor-o-Velho. Uma questão de precaução, sobretudo, depois de um dique ter cedido em Formoselha, com a autarquia a declarar alerta máximo de risco de cheia para as zona baixas de Carapinheira, Montemoro-Velho, Meãs do Campo, Tentúgal e Ereira», escrevia o jornal, num artigo assinado por Carlos Sousa.

Centro de Alto Rendimento ficou com mais de dois metros de água nos hangares e todos se emp

O colapso do dique, na margem direita do Mondego, numa extensão de 100 metros, em Formoselha, era motivo de grande preocupação. «A água entra directamente do leito para os campos e são muitos milhões de litros», referia o presidente da Câmara, Emílio Torrão. O dique de betão «não aguentou a pressão da água e eclipsou-se e, dado que na margem esquerda

não existe nenhum dique e o caudal é direito, optámos por retirar as pessoas de Formoselha, Santo Varão e Pereira», adiantava o autarca, sublinhando que se tratava de uma «zona de alto risco». No dia seguinte, apesar das condições meteorológicas menos adversas, as «cheias do Mondego continuam a ameaçar povoações, sobretudo no concelho de Mon-


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penharam em salvar o que podia ser salvo

temor-o-Velho, onde ontem rebentou mais um dique», escrevia o Diário de Coimbra no dia 23 de Dezembro de 2019. A rotura aconteceu por volta das 23h00, junto à povoação de Casal Novo do Rio. «O talude esquerdo do leito periférico direito do rio Mondego, em Montemor-oVelho, colapsou ontem à noite, no local onde poucas horas antes tinha sido identi-

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ficado um aluimento de terras. À hora do fecho desta edição, a população estava a ser defendida através de uma barreira de pedras e sacos de areia, ali colocados por meios da Protecção Civil municipal», anunciava o jornal. Emílio Torrão presidente da Câmara Municipal, confirmava o colapso do talude esquerdo, numa extensão de 50 metros, «bem como o transbordo de água para aquele canal a partir dos campos agrícolas, que estão alagados, cerca de meio quilómetro a montante da Ponte das Lavandeiras, na povoação e Casal Novo do Rio». Com a situação do colapso «sob controlo», o autarca pediu a intervenção do ministro do Ambiente, no sentido de que «a EDP pudesse suspender as descargas na Barragem da Aguieira». «As autoridades identificaram ainda outro aluimento de terras no talude esquerdo do leito periférico – que está sujeito à pressão das águas dos campos agrícolas do vale central da bacia do Mondego e que, segundo o autarca, está dimensionado para resistir à força das águas do interior do leito, mas não às que o pressionam do exterior». «Este aluimento, a jusante da Ponte das Lavandeiras, não originou ainda um colapso do talude esquerdo, mas a autarquia está a preparar um segundo reforço do talude direito, na zona frontal do aluimento, também com uma barreira de perdas. Ambas as intervenções visam impedir o eventual colapso do talude direito do leito periférico do rio que, se romper, como em 2001, poderá levar a água a invadir a vila de Montemor-o-Velho a povoação da Ereira», adiantava o Diário de Coimbra. No dia 23 de Dezembro, o jornal dava conta de um dispositivo de cerca de uma centena de operacionais, destacados, na véspera para o município de Montemor. Aos bombeiros locais juntou-se um grupo de reforço do distrito de Leiria, uma equipa

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de Fuzileiros da Marinha, Força Especial de Bombeiros e funcionários camarários e da Protecção Civil. Com o caudal dos rios a baixar em todo o território nacional, Montemor era a «zona mais preocupante do país». Com «documentos e medicamentos à mão» e o recheio da casa e os animais salvaguardados, a população da Ereira estava preparada para “sair” a qualquer momento. «Somos a última localidade a levar com a água do rio antes de ele voltar em direcção ao mar», explicava José Dias, morador na Ereira, à reportagem do Diário de Coimbra, assinada por Andrea Trindade. E lembrava a falha na secção de bombagem. «Estão agora a tentar reparar a única bomba que existe, de seis que devia ter», lamenta».

Colapso de dois diques implicou a “descarga” de milhões de litros de água pondo em risco pessoas e bens O Centro de Alto Rendimento ficou submerso, com «uma altura de dois metros de água dentro dos hangares». Ricardo Machado, vice-presidente da Federação de Canoagem, apontava «elevados danos nas infraestruturas, como a torre de controle, torre de chegada, hangar, ginásio...», embora só quando o nível da água baixasse fosse possível «avaliar os prejuízos». «O senhor ministro do Ambiente e o Governo têm de imediatamente, disponibilizar os meios para que estas duas situações – o dique do canal principal do rio e o talude esquerdo do leito periférico direito – sejam corrigidos», reclamava Emílio Torrão no dia 23 de Dezembro. No mesmo dia, o ministro do Ambiente garantia a recuperação dos dois diques e avançava com um prazo de «dois meses» para a conclusão dos trabalhos no Vale do Mondego. 


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Água subiu repentinamente, atingindo os 2,5 metros e instalou o caos

EREIRA: “A ILHA MÁRTIR DO MONDEGO” 2001 As águas subiram, repentinas, atingindo 2,5 metros de altura. Mesmo para uma população habituada a conviver com as cheias, Janeiro de 2001 foi um pesadelo. Em 2019 houve nova ameaça

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esde tempos imemoriais que o Mondego galga as margens e arrasta tudo pela frente. Na planície de aluvião, a situação complica-se mais ainda. Sempre foi essa a sina da Ereira. «A nossa freguesia é conhecida como a “Ilha Mártir do Mondego”», recorda o presidente da Junta de Freguesia, evocando as palavras sábias e verdadeiras do poeta Afonso Duarte, natural da Ereira. Se é verdade que a população sempre conviveu de perto com o rio, o que justifica a sua vocação agrícola ligada à cultura do arroz e a arreigada tradição piscatória, e se habitou

a encarar com normalidade as cheias de Inverno, certo é que 2001 foi, efectivamente, um ano de má memória. «Foi a situação mais complicada que vivemos na freguesia», adianta Vasco Sousa Martins. Na altura era um jovem com 22 anos, mas recorda-se como se fosse ontem do que aconteceu. Lembra que depois das obras de beneficiação, que levaram à criação do regadio, a «água continuou a vir, mas não como antigamente». Mas em 2001, a chamada “cheia centenária” ultrapassou tudo o que de mais trágico estava gravado na memória das gentes da Ereira. Não houve vítimas pessoais, é certo, e todos os animais foram retirados a tempo do campo e levados para local seguro, no monte. Mas só a lembrança faz tremer quem a viveu. «Foi muito complicado! A água atingiu o primeiro andar», o que significa que «houve habitações com mais de 2,5 metros de água» e a freguesia esteve

«totalmente isolada» durante dias, com «os fuzileiros e os agentes da protecção civil a garantirem a distribuição dos bens mais essenciais, a começar pelo pão, pelo leite, pelo peixe e pela carne». As embarcações e os botes foram, nesses dias, as únicas “viaturas”a circular na Ereira. Um cenário dantesco, com água a perder de vista, que faz parte da memória das gentes da freguesia, habituadas a viver com o rio, com as suas fúrias, mas que nunca entenderem a raiva desnorteada que, no dia 29 de Janeiro de 2001 provocou a maior e mais rápida inundação de que há registo. «As pessoas começaram a retirar os equipamentos do chão e a colocá-los em cima das mesas», refere Vasco Martins. Por norma este gesto bastava, pois rapidamente a água voltava a descer e a normalidade era reposta. Ali foi diferente. «Não conseguiram fazer mais nada», pois rapidamente a água atingiu um metro e continuou a subir, até atingir


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os dois metros. Subiu mais ainda, até aos 2,5 metros e, teimosamente, manteve-se, durante dias. Uma semana depois, quando a água nivelou, foi possível contabilizar os estragos e perceber a dimensão incomensurável dos danos. «Todas as casas tinham à porta móveis e electrodomésticos destruídos», “afogados” por 2,5 metros de água, que foi necessário recolher e substituir.As máquinas de lavar, colocadas pela protecção civil e pelo município, iam permitindo a lavagem da roupa enlameada. Nos fogões cozinhavam-se as refeições. «Houve moradores que tiveram praticamente uma semana a dormir nas instalações da Associação Cultural Desportiva e Social da Ereira, impossibilitados de irem para as suas casas», adianta.

Existiram lacunas e continuam a existir Porque é que aconteceu? A questão continua, hoje, a fazer sentido e as respostas também não se pode dizer que sejam absolutamente esclarecedoras. Sobretudo, há lacunas que existiram no passado e se mantêm presentes, constituindo uma preocupação acrescida para moradores e responsáveis. Vasco Martins é um deles. O presidente da Junta lembra que, na altura, se falava muito num «erro humano», designadamente numa alegada «má gestão e planeamento das retenções e descargas na Barragem da Aguieira». «Isso nunca foi provado», sublinha o autarca local, para quem, mais do que erros, pontuais, existe, sim, um problema essencial, que se salda na «falta de manutenção e preservação de infraestruturas». Na análise do autarca local, «o assoreamento do rio» é uma questão fundamental, que não tem sido devidamente cuidada. «Os fusíveis dos diques podem estar obstruídos com sedimentos», faz notar. Em 2001, lembra, «rebentou o dique periférico direito da margem direita» e «foi isso que causou a inundação. Em 2019, «a situação não foi tão catastrófica», mas «rebentou o dique periférico direito da margem esquerda e a água foi para o vale central». «Foi mais um alerta. Durante toda a noite a população não dormiu e nós, autarcas, estivemos de plantão, em Montemor, a analisar a evolução das coisas», recorda, lembrando que 20 anos depois, o Mondego voltou a rugir e a mostrar que continua a ser um problema

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por resolver. Vasco Martins, que em 2019 já era presidente da Junta de Freguesia de Ereira, destaca o envolvimento do Governo, com a deslocação do ministro do Ambiente a Montemor, e do Presidente da República e a recuperação do rombo provocado no dique periférico direito da margem esquerda, onde «foram colocadas válvulas de maré, que vão permitir o escoamento da margem esquerda do Mondego». Foram ainda, adianta, «construídas quatro passagens hidráulicas na vala da Ereira (paralela ao canal)». Mas «não é suficiente, é preciso fazer muito mais», considera, destacando o «esforço enorme» da Câmara de Montemor, que tem estado «empenhadíssima» neste processo, que necessita de igual empenho por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e do Ministério do Ambiente. Para o autarca, há um conjunto de medidas que importa tomar e que as cheias de 2019 vieram por, de novo, a nu, lembrando que o risco existe e que a tragédia pode voltar a acontecer. Fundamental é, em seu entender, reparar a infraestrutura da Estação de Bombagem de Foja. «É do conhecimento geral que existem “repasses”», diz, o que significa que «entra água do leito central para o Foja e o Abandonado». Lembra que se há água no vale central, são necessárias bombas para proceder à sua descarga. Mas, além de “rota”, o que significa que «é quase como se não existisse», a bombagem é insuficiente. Refere que, aquando da construção da obra, estavam previstas várias bombas para a Estação de Foja e «apenas foi colocada

uma», que está a funcionar de forma deficitária. «Desde sempre teve problemas», afiança, defendendo uma intervenção a preceito, designadamente como a colocação de mais bombas». Defende, ainda, «a construção de outras saídas de água naquela zona», uma vez que conflui ali toda a água proveniente do Abandonado, Foja, valas, chuvas, etc.. Para Vasco Martins, a «limpeza, manutenção (desassoreamento) de todas as linhas de água e equipamentos», designadamente do rio, diques, valas, sifões, fusíveis, descarregadores, manilhas, e pilares das pontes é essencial para a «redução do risco». Também a eliminação dos jacintos ajuda. Como medida cautelar, o autarca local aponta a retirada do gado de grande porte, bois e cavalos, das zonas dos diques, particularmente no Inverno. «Como são animais de grande porte e os terrenos estão moles, isso pode contribuir para o desmoronamento dos taludes os diques», refere, dando conta que é nestas zonas, normalmente mais protegidas que os animais procuram abrigo. A «conclusão da obra», uma vez que o projecto hidroagrícola «ainda está por acabar», designadamente no que se refere à regularização do Arunca e do Ega», representa outra das medidas propostas por Vasco Martins, que defende, igualmente, o «reforço do dique, entre o Casal Novo do Rio e a zona do sifão 5, pois Casal Novo do Rio, Montemor-o-Velho e Ereira ficarão “submersas”caso o dique direito do periférico rebente», faz notar.

Vasco Martins presidente da Junta

Reparação da Estação de Bombagem de Foja constitui, no entender do autarca local, uma das medidas que importa acautelar para sanar o problema


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“FAZER A INVERSÃO NA HISTÓRIA DAS CHEIAS” 2021 A instalação de válvulas de maré está em fase de conclusão. Está igualmente a ser instalado um fusível. Não se trata de obras para evitar as cheias, antes e sim para prevenir inundações

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ão obras importantíssimas, obras que vão fazer uma inversão na história das cheiras». Emílio Torrão, presidente da Câmara, refere-se à instalação de válvulas de maré, na zona de Montemor, e de um fusível, junto ao dique que rebentou em 2019, entretanto recuperado. Não se trata, sublinha, de evitar as cheias, que fazem parte do rio Mondego e da história das gentes da região. Trata-se, isso sim, de criar ferramentas que permitem «mitigar o risco» e «aliviar Montemor e a Ereira da pressão das cheias» e das inundações que fecham estradas e isolam povoações. «Podemos ter invertido a história das cheias. Não quer dizer que se houver uma cheia secular, não haja inundações, mas o que aconteceu em 2019 dificilmente volta a repetir-se», adianta, elogiando o Governo, que «prometeu e cumpriu». «Foi considerada uma obra prioritária», recorda, referindo-se à empreitada lançada pelo ministro Ambiente e da Acção Climática, Matos Fernandes, no dia 23 de Dezembro de 2020, um ano depois das cheias. A cerimónia decorreu no Centro Náutico, que um ano antes estava completamente submerso, com mais de dois metros de água. «As válvulas de maré vão permitir que as águas do leito periférico direito escoem, evitando, assim, inundações em Montemor e na Ereira», adianta o autarca, que recorda a situação de «grande alarme» que se verificou em 2019. «Foi uma situação anómala», repara, decorrente do rebentamento da margem direita, que levou as águas a «espraiarem-se pelo vale». «Milhões de metros cúbicos de água», destacou. O controlo das águas que as válvulas de maré vai permitir irá ter reflexos directos na

quantidade e massa de água que se acumula no vale «durante semanas». «A água sai, aliviamos muito a zona da Ereira e de Montemor da pressão das cheias», adianta, sublinhando que o perigo de inundações fica «mais mitigado». Trata-se de um equipamento localizado no cruzamento do leito central com o periférico direito, na zona de Montemor, que pretende melhorar as condições do projecto inicial» de aproveitamento hidroagrícola e «trabalha sob pressão». «Se o leito periférico direito estiver muito alto, a válvula fecha e não deixa que a água passe para os campos. Quando o nível do leito desce, abre e deixa que a água drena, por gravidade», explica fonte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), responsável pela obra. O vale central é claramente um «leito de inundação» e há um conjunto de equipamentos, designadamente “descarregadores”, que entram em funcionamento quando há excesso de água, explica a mesma fonte. Estes descarregadores são particularmente importantes tendo em linha de conta a instalação de novos equipamentos na zona, designadamente o Centro Náutico, que não existia quando foi feito o projecto inicial de aproveitamento hidroagrícola. A este factor juntam-se outros, designadamente outro tipo de culturas de Inverno, que se sucedem aos tradicionais milho e ao arroz. As válvulas de maré, de acordo com a APA, «estão em fase de conclusão», devendo a empreitada – que representa um investimento de 390.699 euros - ficar concluída em meados de Dezembro. A entrada em funcionamento «vai contribuir para evitar um tão grande acumular de água nos campos». Não se trata, alerta, de resolver o problema das cheias.Antes e sim, de «minimizar os impactos das cheias». «Na zona de Montemor e da Ereira, na zona de confluência dos dois leitos, vamos ter menos dias com grande altura de água. Possivelmente a estrada nacional 342 vai deixar de estar interdita», vaticina. Entre as estruturas e gestão do nível da água encontram-se «três sifões», na margem

Emílio Torrão, presidente da câmara


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90 anos com Montemor-o-Velho Cheias

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Intervenção do Governo e acção da Câmara

Reparação do dique de Formoselha foi efectuada. Procede-se agora à instalação do fusível

esquerda, nos primeiros sete quilómetros do rio (desde Coimbra), distanciados cerca de 1,5 km, que «permitem a descarga do leito central para os campos». O primeiro sifão entra em funcionamento aos 1.200 m3 por segundo, aos 1.400 m3 entra em funcionamento o segundo e aos 1.600 m3/segundo é activado o terceiro. Também importante e actualmente no início da obra, é o fusível, que começou a ser construído na zona onde ser verificou a rotura no leito periférico direito, na última cheia, em 2019. Segundo a APA, foi decidido proceder à reconstrução do dique «com a incorporação de uma estrutura fusível», de modo a que, «aquando da ocorrência de cheia com inundação dos campos, em que seja inevitável a descarga de água sobre o dique da margem esquerda do leito periférico direito, esta se faça nesta localização, permitindo

que este leito assegure o escoamento da água para o Mondego, sem causar outros danos, senão os do próprio aterro do dique fusível». O fusível representa mais um elemento de “controlo” do nível e fluxo da água, que «entra em funcionamento a partir dos 1.600/1.700 m3 de água». A obra, que representa um investimento de 1.066.18 euros foi consignada no dia 24 de Setembro e tem conclusão prevista para Maio de 2022. As válvulas de maré, são o terceiro “elemento” do sistema de “gestão” das cheias do Mondego. O objectivo, como reiterou o ministro do Ambiente em Dezembro de 2020, quando foi aberto o concurso para a Empreitada de Construção da Estrutura de Descarga para Derivação de Água dos Campos do Vale Central para o Leito Periférico Direito, é «ter um Mondego mais seguro». 

A intervenção do Governo, em nome de um “Mondego Mais seguro”, definida em Janeiro de 2020, considerou três eixos prioritários de actuação. O primeiro, no valor de 11,1 milhões de euros, para responder às situações mais prementes, decorrentes das cheias. O segundo eixo, no valor de 17,7 milhões de euros, para as obras de conclusão do Aproveitamento Hidroagrícola do Mondego (AHM). O terceiro eixo, dotado com meio milhão de euros, para «análise e reflexão sobre do projecto do AHM em cenário de alterações climáticas». Um “pacote” a que se junta a reabilitação do rio Ceira - o afluente “descontrolado” do Mondego, que os incêndios de 2017 tornaram muito mais “agressivo”, em virtude da desflorestação - com uma dotação orçamental de 2,6 milhões de euros. A par disso, o município de Montemor tem vindo a munir-se das suas próprias ferramentas. «O município tem um sistema de monitorização próprio», refere Emílio Torrão, que aponta a instalação de «três hidrométricas, que medem o caudal do rio». «Antes, só se media o caudal na Ponte-Açude», refere, explicando que actualmente o caudal é monitorizado também em Pereira, no periférico direito, em Casal Novo do Rio e em Verride». «Temos monitorização própria, um sistema informático que nos vai permitir, num futuro próximo, monitorizar todo o vale». Significa que «a Câmara tem capacidade de previsão, de reacção e de intervenção», destaca, satisfeito o autarca, que nos últimos oito anos se empenhou em dotar a Câmara Municipal com os mais diversos tipos de máquinas, de forma a conseguir uma resposta célere e eficaz nas mais diferentes situações, o que tem acontecido, seja com as cheias, seja com os efeitos dos temporais. «É preciso reforçar, mas temos tudo», conclui. 


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Castelo 90 anos com Montemor-o-Velho

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MONTEMOR “RECONQUISTA” O CASTELO 2020 De origem muçulmana, teve um papel relevante no tempo da Reconquista

Cristã e no século XIX foi quartel das tropas de Napoleão. Em Setembro de 2020, o município assumiu a sua gestão

Castelo de Montemor é uma das mais relevantes fortificações da região e do país

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mpõe-se pela dimensão, pela beleza e pela conservação. A nobreza sente-se em cada pedra, que também faz lembrar velhos milagres, prendas malditas ou reuniões secretas. A lenda diz que, junto às muralhas, estão enterradas duas arcas, uma com ouro, outra com peste. Prenúncios de desgraça, lançados pelo velho e despeitado alcaide que não queria “perder” a sua única filha. Não foi preciso abri-las para, a 6 de Janeiro de 1355, D. Afonso IV ali reunir com os seus conselheiros e decidir a má sorte de Inês de Castro, executada dias depois, em Coimbra. Maldições, mas também milagres, como aquele que, no tempo do abade João, fez ressuscitar os familiares dos defensores do castelo, degolados pouco antes (para os poupar a afrontas maiores nas mãos dos mouros), depois de vencida a refrega com as forças do califa de Córdoba. Lendas encantadas que facilmente nos fazem imaginar outras guerras, desde o século IX. Primeiro entre cristãos e mouros, depois para garantir a independência de Portugal. Mais tarde, já no século XIX, o

castelo foi ocupado pelas tropas de Napoleão (1807-1808), que, três anos depois, derrotadas e em retirada, o saquearam, o mesmo fazendo à vila. Entre a barbacã, os panos de muralha, a torre de menagem e as restantes torres, que se erguem altaneiras, as portas do Sol, da Peste e de Nossa Senhora do Rosário e a Igreja de Santa Maria de Alcáçova que remonta ao século XI e tem uma singular imagem de Nossa Senhora do Ó e outra de Nossa Senhora da Vitória - facilmente conseguimos imaginar a pequena corte que ali se instalou, depois de construção do Paço Senhorial, iniciado por D. Urraca (século XI) e mais tarde remodelado pelas filhas de D. Sancho I. A magia do castelo, onde não faltam testemunhos do tempo dos romanos – alguns, achados recentes, com uma cisterna milenar - ganha mais espaço quando, entre as ameias, olhamos para os campos que, no Vale do Mondego, se estendem a perder de vista. Mais perto, dentro das muralhas ou da barbacã, erguem-se outros templos, como a Igreja de Santa Maria

Madalena, de origem medieval, abandonada desde os finais do século XIX, que está a ser alvo de trabalhos de recuperação e conservação. Mas também a Igreja de Santo António, datada, segundo uns, do século XI, do século XVI, segundo outros, recuperada no século XIX, onde está sepultado o famoso Guterres Pais, fidalgo que viveu em Montemor no tempo da reconquista cristã. Há ainda os vestígios da chamada Igreja Nova, localizada junto à porta poente do castelo, que terá sido erguida no quadro de uma contenda entre o pároco de S. Martinho e a Colegiada de Santa Maria de Alcáçova. Perspectivava-se como a igreja matriz da freguesia, mas nunca chegou a ser usada. Em 1906, segundo os registos, mantinham-se de pé as paredes e um pórtico da Renascença final. Em 1941, com as obras efectuadas no castelo pela Direcção Geral dos Monumentos Nacionais, o que restava da igreja foi demolido. As obras de requalificação da envolvente Sul, actualmente em curso, colocaram à vista os alicerces e parte das paredes da igreja, que seria dedicada a Nossa Senhora da Encarnação. O Castelo de Montemor, onde foi instalada (1996/1999) a Casa de Chá, uma obra do arquitecto João Mendes Ribeiro, sob a égide do Instituto Português do Património Arquitectónio e Arqueológico (que, à época, também procedeu ao arranjo do recinto muralhado e consolidou as ruínas do Paço das Infantas), é uma das maiores fortificações portuguesas e uma imagem de marca do concelho, que o município faz questão de promover. Passo fundamental nesse sentido foi dado a 30 de Setembro de 2020, com a assinatura, na Sé Catedral de Idanha-a-Nova, de um protocolo entre a Câmara Municipal e o Governo, que formalizou a transferência para a autarquia das competências de gestão, valorização e conservação do castelo. «Reconquistámos a gestão do castelo ao Governo de Portugal», afirma, com algum humor o presidente da Câmara Municipal. «Hoje o castelo é nosso, o Castelo é de Montemor», remata Emílio Torrão. 


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Castelo recebe uma média de 100 mil visitantes por ano e acolhe iniciativas da mais diversa natureza

ULTRAPASSAR A “MALDIÇÃO” E CRIAR A “MÍSTICA DO CASTELO” 2018 Castelo Mágico arrancou em 2018. Um dos eventos que, com enfoque no castelo, pretende atrair visitantes à vila. A requalificação urbana é outra “frente de ataque” para a “defesa” daquela fortificação

O

castelo tem mais de 100 mil visitantes por ano. Visitam o castelo durante uma hora, o tempo médio da visita, mas não descem à vila». A constatação é de Emílio Torrão, presidente da Câmara Municipal, que lembra o facto de, para muitos moradores do concelho, o castelo ser «uma maldição». São duas as ordens de razões que motivam essa percepção. Por um lado, explica, o facto de se tratar de um monumento nacional, desde 1910, impõe «limites à intervenção na encosta», bem como na «sua rentabilização». Mas, sobretudo, sublinha, essa maldição prende-se com o facto de os turistas não descerem à vila. «Montemor tem muitos turistas, mas as visitas não têm concretização», o que significa que não têm um impacto na vida da comunidade, sobretudo junto

do comércio e de outros negócios existentes na vila. Daí a necessidade imperiosa de «aproximar o castelo da vila e das pessoas, para que deixe de ser uma maldição», diz o autarca. «O meu antecessor construiu as escadas rolantes, o ascensor», recorda Emílio Torrão, referindo-se ao equipamento, inaugurado em Junho de 2013, que permite o acesso directo do castelo a partir da zona histórica da vila. «Nós concretizámos um projecto de recuperação (que vem do executivo anterior) de recuperação da barbacã - muro mais baixo, que antecede a muralha, construído em finais do século XIV - e o arranjo paisagístico e urbanístico da envolvente Sul, que está quase concluído», adianta. Em causa está um projecto com a assinatura de Siza Vieira, acordado com a au-

tarquia em 2012, que representou a primeira experiência de trabalho do arquitecto em castelos. Um projecto que contempla a recuperação da Igreja de Santa Maria Madalena e da Capela de Santo António, a consolidação e reconstrução do muro exterior da barbacã, bem como uma intervenção ao nível da iluminação e espaços verdes. A empreitada conta com o apoio de Programa Operacional Regional do Centro, Portugal 2020 e Fundo Europeu do Desenvolvimento Regional. À beleza do castelo, o município pretende juntar uma «visão mais icónica», que permita atrair mais turistas, mas também outros visitantes. Por isso, o espaço entre muralhas tem sido o local de eleição para a realização dos mais diversos eventos, alguns de iniciativa do município, como as feiras medievais ou o programa de ani-


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mação de Verão, espectáculos musicais ou de teatro. Outros de iniciativa externa. Aqui, destaque para o Festival Forte, um evento dedicado à música electrónica que atrai a Montemor um público diferente, vindo dos mais diversos pontos do globo. «Não sabemos se vai ter continuidade ou não», confessa o autarca, tendo em conta os problemas financeiros da organização. Todavia, garante, o município «já foi contactado para a realização de um outro festival de música». «O castelo é uma enorme sala de espectáculos», afirma o autarca, destacando o espaço, a sua beleza, mas também a «acústica especial, única no país» que caracteriza a zona do antigo Paço das Infantas. Inclusivamente, a banda “Resistência” já ali gravou um disco, salienta.

Castelo Mágico dá vida ao sonho de Natal O “Castelo Mágico” é um exemplo paradigmático dos eventos para atrair visitantes. «Sempre quis fazer um parque temático, porque Montemor tem uma grande capacidade de atracção de turistas, mas não os consegue fazer voltar. O castelo não suscita curiosidade para uma segunda visita», adianta o edil. Daí a ideia de fazer um «parque temático de luz, na época de Natal», que marcou a programação com a instalação de uma pista de gelo, entre outras propostas. Em 2018, em parceria com uma entidade externa, Montemor viu concretizada a possibilidade de fazer um «grande evento de Natal, à semelhança do que acontecia em Óbidos e em Santa Maria da Feira, mas com características diferentes, tendo em conta o castelo». Emílio Torrão recorda que a equipa visitou os eventos de Natal que se realizavam, procurando «perceber as suas lacunas e apresentar um projecto diferente», com «uma abordagem mais familiar, mais intimista», que deu origem ao “Castelo Mágico – Uma Viagem ao Sonho de Natal”. Logo na primeira edição revelou-se «um sucesso». «Vendemos bilhetes em todos os distritos do país», afirma Emílio Torrão, que destaca, ainda, a grande afluência de cidadãos brasileiros ao evento. Actividades circenses, insufláveis, exposições, passeios com animais, um parque aventura, a casa do Pai Natal, espectáculos, observação das estrelas, mas também a oportunidade para saborear os bons sa-

bores da gastronomia local. «Foi um sucesso incrível», recorda, satisfeito, o autarca. O Castelo Mágico criou uma parceria com os dois outros eventos natalícios do distrito, o Penela Presépio e o Pampilhosa da Serra Villa Natal, procurando criar uma complementaridade e rotação de visitantes. «Este é um projecto estruturante para o castelo e para a vila e com grande impacto local», considera Emílio Torrão, satisfeito por ver que este é um verdadeiro “ascensor”, que consegue cativar os visitantes e levá-los aos restaurantes, cafés, pastelarias e outros estabelecimentos comerciais da vila. Um passo importante para atrair turistas e visitantes e, sobretudo, para «mudar o rumo da maldição» e caminhar para que o «castelo ganhe uma mística própria», sublinha. Um evento interrompido pela pandemia, mas que “veio para ficar”, assegura o autarca, que reitera o empenho do município em promover todo o tipo de eventos que, respeitando a identidade e a nobreza das muralhas, permita atrair visitantes.

Recuperação do Convento e do centro histórico E também é com esse objectivo e, simultaneamente, com o propósito de preservar o património, a memória e a história, que o município avançou com a requalificação do Convento de Nossa Senhora dos Anjos e da zona envolvente, conferindo-se um novo e mais modero sentido de urbanidade. Uma empreitada no valor de 1,3 milhões de euros, comparticipada por fundos comunitários, que vai criar um novo espaço de fruição e dinamização cultural. Além do arranjo dos claustros, dos jardins e da fonte, o claustro superior, no primeiro andar, vai transformar-se no espaço expositivo central do convento, onde serão colocadas muitas das colecções pertencentes ao município. De acordo com o projecto, a antiga biblioteca e os dormitórios serão utilizados como espaços de reserva para colocação de peças e documentos. No lado oposto da vila, ou seja, no casco velho, a autarquia tem vindo a efectuar uma intervenção cirúrgica, promovendo a


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dar resposta a «pessoas com problemas sociais ou vítimas de violência». A Casa do Artista é outro projecto em carteira. «Já temos projecto, mas ainda não temos financiamento», diz o autarca, que pretende promover um espaço onde os artistas se possam instalar e produzir as suas obras de arte, criando, desta forma, mais um elemento de atractividade para a zona história e para Montemor.

Aproximar o castelo da vila e atrair visitantes à urbe é um dos grandes objectivos do município

regeneração urbana, através da aquisição e requalificação de edifícios. Exemplo disso é o edifício que já acolheu a GNR, o CITEC e a Biblioteca Municipal, e que está a ser alvo de uma intervenção, superior a meio milhão de euros, integrada no Plano de Acção para a Regeneração Urbana (PARU) para ali instalar um centro de coworking, «capaz de incentivar a criação de empresas ou ideias de negócios», «estimular a criatividade» e «reforçar a capacidade empreendedora concelhia». Em recuperação estão

outros três edifícios devolutos, também com o objectivo de «dinamizar o centro histórico». Emílio Torrão destaca o exemplo que a autarquia está a dar, ao promover a regeneração, acreditando que no casco velho da vila, com a crescente afluência de turistas, possam começar a surgir «pequenos negócios tradicionais e ao nível da restauração». Entretanto, a autarquia pretende avançar, a breve trecho, com a criação de uma casa de acolhimento temporário, que permita

Devolver o rio à vila «Recuperar o rio, devolver rio a Montemor» é o grande objectivo da Reabilitação da Frente Ribeirinha, afirma o autarca, que está empenhado em recuperar o chamado leito abandonado do rio Mondego, que deixou de passar junto à vila no âmbito das obras de aproveitamento hidroagrícola. «O rio está intimamente ligado a Montemor, faz parte do ADN das suas gentes», adianta, entusiasmado com o projecto, que envolve uma área com cerca de 80 mil metros quadrados. Além da recuperação do plano de água, pretende-se criar um espaço qualificado de lazer e recreio, para acolher os visitantes e as famílias. Com um enfoque em «soluções sustentáveis», a intervenção prevê a criação de equipamentos urbanos e serviços de apoio, um espaço multiusos para eventos ao ar livre e um parque lúdico, bem como a instalação de percursos ribeirinhos e interpretativos, pedonais e clicáveis, além de estacionamento. A primeira fase do projecto representa um investimento superior a 1,6 milhões de euros, contando com o apoio do Programa Operacional Centro 2020, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Uma segunda fase, a desenvolver posteriormente, envolve a recuperação alargada do espaço, até Casal Novo do Rio, ligando Montemor ao Centro Náutico. 


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Citemor 90 anos com Montemor-o-Velho

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CITEMOR:I UMA ÂNCORAI CULTURALI Festival mantém-se firme e tem conseguido cumprir, todos os anos, o tradicional encontro com Montemor

1978 Assistia-se, em 1978, à primeira edição do festival. Um evento que ganhou asas

e ultrapassou fronteiras e todos os anos marca encontro com Montemor-o-Velho

S

ão 43 edições, cumpridas este ano. Um projecto que surge sob os efeitos do clima de revolução de Abril de 1974, mas com raízes bem mais profundas. Armando Valente, director do Citemor, lembra um passado de glória, quando Montemor «se sentava na primeira fila da corte». Uma sensibilidade cultural que justifica que, em 1882, Montemor ganhe um teatro, que no século passado passa a chamar-se Esther de Carvalho, em homenagem à famosa actriz, natural do concelho. Mas houve outros acontecimentos, nas décadas de 50 e 60, com Paulo Quintela, professor da Faculdade de Letras e fundador do TEUC – Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, como timoneiro. No Verão, deslocava-se com o TEUC para Montemor, motivando uma «verdadeira romaria para assistir a essas representações». Um terceiro pilar surge nos inícios da

década de 70, com a fundação do CITEC – Centro de Iniciação Teatral Esther de Carvalho, protagonizada por jovens com formação no TEUC, que criam um grupo de teatro em Montemor. O entusiasmo dos jovens, o calor do pós-revolução, juntam-se para, «num momento de efervescência política e social», promover um festival de teatro. O primeiro data de 1974 e em 1978 arranca, em definitivo, o Citemor – Festival de Montemor. Armando Valente destaca a mudança que se vive nos inícios da década de 90, que coincide com o início do trabalho da equipa que ainda hoje assume as rédeas

A “diplomacia cultural” desenvolvida pela equipa do Citemor abrir muitas portas “lá fora”, criando uma dinâmica internacional de grande interesse

do festival. «Uma nova geração que chega e reinventa o projecto», «conferindo-lhe uma visão mais contemporânea, que necessita de muitos recursos, de muito know how, que procuramos reunir com estratégia». O teatro continua a ser uma âncora incontornável, mas todas as artes performativas ganham aqui espaço, dimensão e sentido, com espectáculos ligados à música, à dança, à fotografia, ao vídeo. A marca diferenciadora é imprimida mais tarde quando, como espaço de apresentação, o Citemor se assume como um local de criação, que atrai artistas e criadores de vários pontos da Europa e projecta essas obras para o mundo. «A primeira edição marcante é a programação de 1992. O projecto rebenta na comunicação social. Fizemos muitas primeiras páginas, foi um acontecimento com uma expressão muito grande», adianta. «Quando empreendemos essa reestrutu-


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ração, temos outras ambições, há um pensamento muito estruturado, uma visão muito clara, ambiciosa, que será a linha orientadora durante mais de duas décadas e também revela os eixos orientadores para outros eventos que acontecem na Europa», sublinha. Fundamental foi o olhar atento que o Citemor estendeu a Espanha, um país que, até então, passava quase despercebido. «Olhámos para a Península quase como um todo» e começou «uma relação muito estruturada, muito coerente, com programadores, com artistas, mas também com academias». Isso permite que o Citemor «assuma o papel de rampeamento para alguns artistas vindos de Espanha, que ganham um reconhecimento importante». «Houve performances que estrearam em Montemor e só depois foram apresentadas em Madrid», recorda Armando Valente. Uma relação de «diálogo constante» que permitiu, inclusivamente, «captar financiamento para mandar artistas portugueses lá para fora, designadamente para Madrid». A internacionalização, que arrancou nos anos 90, constitui, igualmente, uma marca diferenciadora do Citemor. Uma «diplomacia cultural» que criou laços, abriu horizontes, trouxe a Montemor artistas de outros países e levou produções do Citemor para um patamar de circulação internacional. «Chegamos a ter 4/6 novas produções, metade das quais tinham circulação internacional, no centro e Norte da Europa. A marca Citemor circulava pela Europa», adianta. Se inicialmente o festival se centrou no Teatro Esther de Carvalho, o espaço público da vila e o seu património foi ganhando mais presença. As paisagens, designadamente os campos de arroz, viram surgir espectáculos ligados à música e ao teatro.

90 anos com Montemor-o-Velho Citemor

As residências de criação reforçaram essa nuance. Trata-se de «promover o desenvolvimento do processo de criação, com atenção ao projecto, às necessidades dos artistas, mas sem os encerrarmos num laboratório, antes promovendo uma relação com a comunidade». «Uma parte significativa dos processos criativos alimentam-se da relação com o espaço, com as pessoas e com os lugares», defende Armando Valente. A ajudar a «consolidar relações» está a continuidade da presença. «Tomámos a opção de acompanhar o percurso de alguns artistas e companhias, que estiveram presentes em quatro ou cinco edições do festival. Francisco Camacho, Angélica Liddell, A Mala Voadora são disso exemplo. Lisboa e Porto foram as primeiras “extensões” do festival. Mais recente foi a presença em Coimbra e na Figueira da Foz.

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Um processo natural, de «dar corpo a este fluir da região do Baixo Mondego», «contribuir para a coesão territorial», promover uma relação com o território, que também serve a programação. Consegue-se «diversificar» e «intensificar» a programação e proporcionar um movimento entre as três localidades. Apesar de muitas dificuldades, o Citemor manteve-se sem interrupções. «Mesmo sem financiamento», diz Armando Valente, que recorda os tempos difíceis, entre 2012 e 2014. Com «uma equipa unida» e «muito experiente», que tem «tido capacidade para se renovar e reinventar o projecto», o grande objectivo para os próximos anos passa pela «necessidade de reforçar a capacidade de produção, que tem andado muito afectada pelo subfinanciamento.. É muito urgente e necessário, é o objectivo fundamental», diz. 

Ao teatro foram-se juntando outras formas de arte


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Museu do Campo 90 anos com Montemor-o-Velho

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MUSEU DO CAMPO GUARDA MEMÓRIAS 1988 É um repositório dos artefactos mais representativos da vivência do Baixo Mondego. Inaugurado em 1988, o Museu do Campo mudou, em 1992, para o novo espaço. Um “Ex libris da Carapinheira

U

ma brincadeira» no final das festas em honra de Nossa Senhora das Dores dava origem a um projecto muito sério. Vivia-se o ano de 1988 e a 26 de Novembro era oficialmente constituída a LACAM – Liga dos Amigos dos Campos do Mondego. António Correia Góis, investigador na área da história e do património foi um dos pilares da sua fundação e o primeiro presidente da direcção. Com sede na Carapinheira, a LACAM assumiu-se como um baluarte na defesa e preservação do património. O Museu do Campo – Eng. Luiz Correia de Oliveira é o reflexo mais visível e objectivo deste desígnio. «Não havia por aqui nada no género», recorda António Claro, que preside à comissão de gestão que há escassos meses assumiu as rédeas da colectividade. Os «apetrechos» começaram a surgir, num registo que se mantém até hoje. Ainda há bem pouco tempo chegou às instalações do Museu uma velha máquina de costura, um rádio não tão antigo e uma máquina de tricotar. Doações que desde sempre alimentaram este vasto património, todo devidamente catalogado e inventariado, que de tão vasto já não cabe no espaço de exposição. Trata-se de um museu essencialmente etnográfico, que reúne um conjunto alargado de peças ligadas à vivência agrícola, desde as charruas para lavrar a terra, ao trilho de destorrar (espécie de fresa), as tararas para limpar o milho, o feijão ou o arroz, um moinho que além de moer o milho e o trigo, podia ser adaptado ao descasque do arroz. Referência ainda para os descascadores de espigas ou o enorme descascador de arroz, uma máquina a diesel, puxada por vacas, que andava de eira em eira, no tempo das colheitas. Os cereais têm uma atenção especial, não estivéssemos nos campos do Mondego, por isso há mais uma debulhadeira de arroz,

Bateira em tamanho real, recorda a importância que desde sempre teve a ligação ao rio

proveniente da Quinta de Malta, malhos, rolos e outras ferramentas. Ainda na área dos cereais, referência para as medidas, recipientes em madeira, desde o salamim, ao meio salamim, o alqueire ou a fanga. Ferramentas fundamentais para, no passado, aferir o pagamento das rendas. António Claro lembra as quintas que existiam na freguesia e os muitos agricultores que pagavam em géneros, que enchiam os enormes celeiros dessas quintas. Há ainda uma velha balança decimal, arcas do milho, do feijão e do arroz e uma enorme pia, em pedra, onde era arrecadado o azeite A vindima está ali espelhada através da dorna, dos pipos, mas também do apetrechos para injectar cal ou enxofre. Não faltam os curiosos cantis, nem o alambique ou, logo à entrada, uma enorme prensa, que quase parece uma árvore inteira, adaptada às funções. Antes de entrar no mundo do campo, o Museu apresenta as vivências de casa, ou

melhor, a reconstituição de uma cozinha tradicional, com os armários, as loiças, os cântaros da água. Em frente está o quarto, com uma cama de ferro, vários berços em madeira, o lavatório e os penicos. Ao lado, uma enorme banheira redonda, em barro, recorda as dificuldades que a higiene pessoal representava na época. Guardado numa vitrine, numa zona central, está um traje de noiva, datado de 1877, oferecido pelos netos de Ermelinda Correia Pessa. Igualmente em destaque, noutro manequim, está um traje de trabalho de uma mulher do campo, que data de 1945. A antiga escola primária da Carapinheira, com as respectivas carteiras, individuais e duplas, os tinteiros, os antigos mapas, obriga a uma paragem.

Profissões em destaque Um conjunto de brinquedos, em madeira, mostra o passado, mas também o presente, uma vez que são obra de um morador da vila, paraplégico na sequência de um aci-


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dente, que se dedica a esta arte. O enorme tear, pronto a funcionar, recorda uma tradição de antanho, mas também um projecto que a LACAM liderou, com a criação de uma Escola de Tecelagem, procurando recuperar esta arte de trabalhar o linho. Além da dubadora, um conjunto de peças de vestuário e mantas mostram o resultado dessa experiência, actualmente em “banho-Maria”. A oficina do sapateiro está praticamente intocável, com todas as ferramentas, e um enorme fole orienta-nos para a forja, com a respectiva bigorna. Equipamentos que trazem à memória algumas das mais representativas profissões do passado. A bateira, autêntica e em tamanho natural, im-

90 anos com Montemor-o-Velho Museu do Campo

põe-se pela sua dimensão. É a memória da actividade piscatória, ilustrada pelas redes penduradas no tecto. Um foquim mostra como eram as antigas lancheiras dos pescadores, também usadas para transportar o peixe no regresso a casa. Numa zona de arrumos, onde a LACAM guarda muitos dos equipamentos que não cabem na zona de exposição, encontra-se uma segunda bateira, maior e com tejadilho. O museu apresenta, ainda, memórias das invasões napoleónicas, com uma “barretina dragona e polainito” do século XIX, oferecidos por uma família de Formoselha. Há também alguns achados arqueológicos, uma colecção e moedas antigas, algumas peças de arte sacra e pinturas de artistas da região, uma colecção de cartazes das festas em honra de Nossa Senhora das Dores e um conjunto de obras e documentos sobre o Baixo Mondego. António Claro lembra que o Museu do Campo, inaugurado em 1988, começou a funcionar num outro local, uma casa oferecida pela família Flórido. Em 1992, assistiu-se à mudança para o actual espaço, na Rua do Alhastro, pertencente à Câmara Municipal de Montemor, uma das entidades que, juntamente com a Junta de Freguesia da Carapinheira, mais apoia a colectividade, que vive basicamente destes apoios, das quotas dos associados (6 euros/ano) e de alguns donativos. A falta de espaço é um dos maiores problemas do Museu do Campo, que acolhe, habitualmente, um grande número de visitantes. «Vêm muitos autocarros do Norte», refere o presidente da comissão de gestão, que destaca a colaboração com o Instituto de Emprego, que tem alocado recursos humanos que têm ajudado a manter as portas abertas e a garantir a preservação deste vasto património etnográfico. 

António Claro preside à comissão de gestão da LACAM

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Grupos de Teatro e de Cantares

Além do Museu do Campo Eng. Luiz Marçal Correia de Oliveira – em homenagem ao histórico presidente da direcção, que durante largos anos liderou os destinos da colectividade, falecido em Julho de 2016 - a LACAM tem um Grupo de Cantares, criado há cerca de 15 anos. Um projecto que resultou, em muito, da pesquisa e recolha de músicas e canções antigas efectuada por Luiz Marçal. Com cerca de duas dezenas e meia de elementos, o grupo marcou presença num conjunto de eventos, realizados na região e é presença obrigatória das iniciativa da LACAM. Mais recente, mas com mais de uma década, está o GRUTELA – Grupo de Teatro da LACAM, um projecto liderado pelas professoras Albina Campos e Edite Pimentel, que fez igualmente sucesso. Um tanto “adormecidos” devido às condicionantes da pandemia, os dois grupos estão, de acordo com António Claro, a preparar-se para retomar as suas actividades. Em agenda, igualmente para retomar, estão as peregrinações ao Santuário do Senhor da Serra, em Miranda do Corvo, e as comemorações do aniversário, em Novembro. Em suspenso e ainda com o futuro incerto está o folhetim “Ecos do Mondego”, que a colectividade publicava mensalmente e que parou, praticamente depois da morte de Luiz Marçal. 


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Escola Profissional 90 anos com Montemor-o-Velho

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Em 2020 as duas escolas juntaram-se dando origem à Escola Profissional e de Desenvolvimento Rural do Baixo Mondego

UMA ESCOLA QUE É UMA FAMÍLIA 1990 Arranque do ensino profissional tem Montemor na linha da frente. A primeira escola surge em 1990. A segunda no ano seguinte. Em 2020 juntam-se, criando um único estabelecimento de ensino

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ontemor esteve na vanguarda do processo», afirma Joaquim Carraco, director da Escola Profissional e de Desenvolvimento Rural do Baixo Mondego, lembrando a reforma do ensino, em 1990.

Grande proximidade entre alunos, professores e funcionários constitui uma das marcas diferenciadoras da escola e uma das razões do seu sucesso

Precisamente no ano em que avançou o renovado sistema do ensino profissional, entrava em funcionamento a Escola Profissional de Montemor. «Primeiro no Solar dos Pinas», onde esteve até 1999, mudando depois para as actuais instalações, edifício do antigo Externato Fernão Mendes Pinto, o primeiro estabelecimento de ensino criado em Montemor, com formação além da 4.ª classe, fundado pelo padre Carraco (tio de Joaquim Carraco, falecido em 2019). Externato que, na década de 70, passou para a tutela do Estado e onde chegou a funcionar o ciclo


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e o liceu, entretanto transferidos para novos espaços. Um ano depois da abertura da primeira escola, surge a segunda, para dar resposta ao «cluster rural que caracteriza o concelho», a Escola Profissional Agrícola Afonso Duarte. Instalada ao lado do Solar dos Pinas, numa primeira fase, muda em 1994, para os pavilhões pré-fabricados, junto à Cooperativa Agrícola. «Não sendo exactamente os mesmos, na sua maioria os promotores eram os mesmos», refere o director. Promotores que acabam por ficar “agregados”, em 1999, com a criação da Associação Diogo de Azambuja, em resposta às exigência legais, que ditaram que as escolas profissionais tinham de possuir uma entidade de suporte. Ainda hoje, refere Joaquim Carraco, são sete sócios: Câmara Municipal de Montemor, Associação Fernão Mendes Pinto, Santa Casa da Misericórdia de Montemor, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Baixo Mondego, Cooperativa Agrícola de Montemor e Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego. «A Associação Diogo de Azambuja (ADA), passa a deter as duas escolas, que funcionavam totalmente em separado», sublinha. Separação que se manteve até ao virar do século, altura em que passaram a estar «financeiramente juntas, mas pedagogicamente separadas». Um paradigma que mudou, em 2020, altura em que «foi deliberado juntar as duas escolas numa só». Assistia-se, assim, ao surgimento da Escola Profissional e de Desenvolvimento Rural do Baixo Mondego. Uma única escola, com dois espaços físicos, o antigo Externato, sede da ADA, e o pólo agrícola. «Já formámos milhares de alunos. Já formámos os pais, os filhos e já estamos a formar os netos!», afirma Joaquim Carraco,

90 anos com Montemor-o-Velho Escola Profissional

que lamenta o facto de a conjuntura de pandemia não ter permitido, em 2020, celebrar os 30 anos desta «grande família» que passou pela escola e que criou laços. «Alguns antigos alunos são nossos professores», adianta o director, que destaca a «grande proximidade» entre «professores, funcionários e alunos», que constitui um «ponto forte» e diferenciador. «Criamos uma família», salienta. Também é esse espírito familiar, essa proximidade, que permite ultrapassar algumas dificuldades que ainda continuam a existir relativamente ao ensino profissional. Algum preconceito, por um lado e, por outro algum desnorte relativamente ao sistema de orientação profissional, que, muitas vezes, canaliza para o ensino profissional os «alunos que dão problemas». «Para nós não há problema, trabalhamos com eles há 30 anos», brinca. «Podem não ser grandes crânios, mas saem daqui melhores homens melhores mulheres e bons profissionais», garante. «O nosso problema não é nas saídas, nem no relacionamento com as empresas ou com as instituições do ensino superior», afirma, fazendo notar que «os alunos acabaram o curso e têm trabalho». Apesar disso, salienta, nos «últimos anos» têm sido muitos os alunos que «acabam o curso e ingressam no ensino superior».Satisfeito, Joaquim Carraco aponta o exemplo do «amigo Paiva», um jovem com quem se tinha acabado de cruzar no átrio da es-

É cada vez maior o número de alunos que, depois de concluir o curso profissional ingressam no ensino superior

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Oferta formativa «Por muito que as empresas, o mercado, peça determinadas áreas, não conseguimos cativar os miúdos», confessa Joaquim Carraco, exemplificando com o curso de construção civil, que data do início da escola e que «o mercado pede». «Não há profissionais para trabalhar na construção civil», refere. O mesmo acontece na área da mecânica ou da soldadura. Satisfeito, destaca a abertura, este ano, do curso de técnico de Logística. Continua a funcionar o curso de técnico de Multimédia, um dos cursos âncora mais recentes da escola, de técnico auxiliar de saúde e de técnico de produção agro-pecuária e de turismo ambiental e rural. Há ainda um curso de educação e formação (CEF) de operador agrícola (9.º ano) e um curso de educação e formação de adultos (EFA) de técnico de Qualidade Alimentar (12.º ano). A Escola Profissional e de Desenvolvimento Rural do Baixo Mondego oferece, ainda, unidades de formação de curta duração, de 25 a 50 horas, em horário pós laboral, destinados a maiores e 18 anos, nas mais diversas áreas, tanto procurados por empresas, como a título individual. O director destaca, ainda, a experiência positiva do programa Erasmus, que tem levado alunos da escola a efectuar estágios nos mais diversos países, ultimamente mais centrados em Espanha, França e Itália. Um programa que inclui professores, alunos e funcionários e que quer alargar, envolvendo outras parceiros e entidades concelhias. 


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Escola Profissional 90 anos com Montemor-o-Velho

cola e que entrou para Ensino Esquestre «com a segunda melhor nota». «O nosso problema está na entrada», assume, muito embora este seja «um problema transversal a todo o ensino», que tem subjacente «um problema demográfico de fundo», alerta, mas também «constrangimentos endógenos e exógenos», que «nos impedem de suprir algumas necessidades do mercado». Apesar de uma «aposta diferenciadora, com alguns cursos que só existem aqui», «a região não acompanha, com uma rede de transportes ou de habitação», faz notar. Apesar disso, Montemor já recebeu alunos de Castelo Branco ou dos Açores e, naturalmente, é importante ter «algum suporte» para estes jovens com 14/15 anos, que saem de casa para investir na sua formação. «Tentamos ser o mais atractivos possível». Um esforço que tem dado resultado. «Felizmente, este ano tivemos mais procura», diz Joaquim Carraco, um defensor acérrimo da «importância estratégica do ensino profissional». Sem “papas na língua”, aponta a «concorrência dos cursos profissionais» nas escolas ditas “normais”. «Não faz sentido! Nós é que temos o know how», diz, esperando que, no futuro, sejam postos os “pontos nos “is””. «Espero que quando a educação passar para tutela do município o ensino profissional seja feito na escola profissional e o ensino dito público seja feito na outra escola», adianta.. 

Diário de Coimbra

Construção de residência para estudantes vai avançar A necessidade de criar condições de atractividade, leva Joaquim Carraco a apontar a criação de uma residência de estudantes como um projecto com “pernas para andar”. «Temos mercado», garante, apontando a falta de resposta – tirando os quartos particulares existentes na vila – para alojar estudantes vin-

dos dos mais variados pontos da região e do país. «Temos espaço em vista e algumas propostas de projecto. Estamos a analisar. A ideia é, até ao final do ano lectivo, conseguirmos ter qualquer coisa concluída», acrescenta. Numa primeira fase, o objectivo é criar condições para alojar 16 a 20 estudantes. 

Exploração agrícola em diferentes frentes Além da componente formativa, a ADA possui uma exploração agrícola, com cerca de 22 hectares de terreno no Baixo Mondego, uns cedidos, outros arrendados. Terras que funcionam como espaço para as aulas práticas, mas também para investigação, em colaboração, designadamente com a Escola Superior Agrária de Coimbra, a Direcção Regional de Agricultura e empresas produtoras de sementes, de adubos e pesticidas. «Produzimos, sempre, milho e arroz», explica Joaquim Carraco, e alguma batata, vendida à Cooperativa de Montemor, bem como hortícolas, que «vendemos no mercado local». Há ainda uma zona de vinha, que está a ser renovada, e dois pomares, um de kiwi e outro de citrinos

(limão e lima). A reconstrução do hangar destinado à maquinaria, um projecto “com pés e cabeça”, depois da destruição do espaço existente pela tempestade Leslie, com o apoio do PDR 2020 constitui outro dos objectivos, o mesmo acontecendo com a construção de novas estufas. Joaquim Carraco lembra o Dia Aberto do Milho que a ADA promove há vários anos e que assumiu uma vertente mais profissional, com a Feira Mondego Agrícola, que conta com a presença de empresas ligadas ao sector das sementes, adubos e maquinaria agrícola. Um evento com alguma envergadura, que decorre em anos alternados com um certame realizado no Cartaxo. 

Alargar número de sócios

Abertura do novo ano lectivo

Décio Matias, presidente direcçao daADA, é um defensor acérrimo da entrada de novos associados para esta entidade. «Os sete iniciais são importantes», considera, mas é necessário alargar o leque. A começar por uma questão formal, uma vez que «os sete não cumprem o limite legal para o funcionamento dos órgãos sociais». Depois, e sobretudo, tendo em conta os novos desafios. «Os tempos de hoje são diferentes do que eram há 30 anos, quando se criaram as escolas – hoje uma única – os desafios são outros. Há uma procura de novos profissionais qualifi-

cados, novas áreas de trabalho emergentes e a escola tem de ter capacidade para responder, com qualidade, às novas exigências e solicitações do mercado», faz notar, reiterando a necessidade de «alargar o número de sócios às instituições e às empresas do concelho e dos concelhos limítrofes». Para Décio Matias, esta medida, que já foi aprovada em assembleia geral, vai permitir imprimir «um novo apport, novas sinergias, o desenvolvimento de novas áreas à escola», garantindo-lhe, igualmente um «toque de modernidade» . 


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90 anos com Montemor-o-Velho Bombeiros

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BOMBEIROS PRONTOSI PARA NOVOS DESAFIOSI

Corporação tem o quartel sede instalado em Montermor e uma secção destacada em Arazede

1932 Criada em Fevereiro de 1932, a Associação Humanitária dos Bombeiros de Montemor-o-Velho assume, em 2021, um desafio para o futuro, de olhos postos na Secção de Arazede

C

riada na década de 80, a Secção Destacada de Arazede assume actualmente uma «importância estratégica», não apenas porque se trata da «maior freguesia do concelho», mas pela sua «localização geográfica ímpar», a dois passos da auto-estrada, o que representa um acesso privilegiado a Coimbra, Figueira da Foz, Mira ou Cantanhede. Ciente disso, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Montemor-o-Velho, criada em Fevereiro de 1932, entende que o futuro passa por uma intervenção de fundo nesta freguesia, criando «um novo quartel», mas, sobretudo, uma base de referência que, além dos bombeiros, pode representar um papel essencial em termos de protecção civil. «Precisamos de um novo quartel», assume o comandante Joaquim Carraco, que aponta as limitações do espaço, construído nos anos 90, cerca de uma década depois da criação desta Secção destacada. «Hoje está no centro da vila» e «não se consegue mexer no edifício», onde «os camiões não cabem na garagem» e não

há condições para instalar os operacionais. Uma preocupação acrescida, tendo em conta que a segunda equipa de intervenção permanente (EIP) dos Bombeiros de Montemor vai ficar estacionada em Arazede. Além de não reunir condições, o quartel não está em conformidade com os regulamentos da própria Autoridade Nacional de Protecção Civil. «Não precisamos nada de extraordinário, apenas espaço para ter os camiões, camaratas e balneários femininos e masculinos, uma sala central e espaço para acolher alguns reforços», adianta. «O quartel não tem de ser só dos bombeiros», considera o comandante, que destaca a posição estratégica de Arazede. Tanto assim é que, lembra,foi o local escolhido para instalar a base logística e operacional de distribuição das vacinas contra a Covid 19 para todo o território nacional. Joaquim Carraco lembra que o município criou, bem perto, na antiga escola do Meco, um centro logístico onde se encontram as equipas de sapadores florestais da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC). «Pode não ser só uma base de apoio terrestre», adianta, sublinhado que também «numa perspectiva de gestão eficaz da distribuição dos meios aéreos», fazia sentido olhar com atenção para esta zona. Lembra que, em 2019, a água das cheias atingiu o Parque Logístico da Câmara e, apesar de

não ter chegado ao quartel-sede, é sempre uma possibilidade, que dá consistência à ideia de criação de um «centro alternativo». Nuno Rasteiro, presidente da direcção, embora considere que as questões estratégicas são da responsabilidade do comandante, está perfeitamente em sintonia com Joaquim Carraco e, inclusivamente, já lançou o «desafio» ao presidente da Câmara Municipal. Trata-se de «pensar numa estrutura de fundo e de futuro», que passa por «transformar a secção num aquartelamento». Um espaço que garanta as condições mínimas para acolher os operacionais e os meios dos bombeiros, mas, igualmente, um espaço que «pudesse ser integrado, se for esse o entendimento das entidades competentes, num complexo maior e mais amplo», onde possam caber outros recursos adstritos à «operacionalidade da protecção civil» e mesmo alguma «estrutura redundante, que possa servir de apoio em caso de necessidade». Assumindo que se trata de um «projecto de sonho», Nuno Rasteiro, um “homem dos números”, entende que o processo pode ser desenvolvido de uma «forma faseada», «acrescentado módulos». «Se as dificuldades financeiras nos obrigarem a fazer uma coisa mais simples, que não se deixe de fazer», considera, sublinhando a necessidade de «haver vontade» e «não deixar morrer o projecto».


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Bombeiros 90 anos com Montemor-o-Velho

Diário de Coimbra

Joaquim Carraco assume que é o seu “sonho” e, com optimismo, acredita que será possível contar com o «envolvimento» da Câmara Municipal e da Junta e Freguesia de Arazede, uma vez que se trata de um «projecto muito convergente».

“Profissionalizar a gestão” Com um corpo activo a rondar os 85 elementos e um parque de três dezenas de viaturas, a corporação passou por momentos complicados. Más memórias, bastante recentes. «Em 2013, a corporação estava em falência técnica, não tinha motivação, não tinha viaturas, não tinha bombeiros», lembra Nuno Rasteiro, que refere a autêntica «reviravolta» a que se assistiu, e que imprimiu uma dinâmica imparável aos Bombeiros de Montemor. No quartelsede foram efectuadas obras de remodelação e beneficiação, que representaram um investimento na casa dos 300 mil euros e o parque de viaturas tem vindo a ser remodelado. «Fazemos uma gestão racional dos recursos e aproveitamos todas as oportunidades», aponta Joaquim Carraco. «As viaturas de incêndios são mais fáceis de resolver», adianta, uma vez que é possível adquirir, a preços mais em conta, viaturas noutros países europeus e proceder à sua adaptação. «Temos um parque de combate a incêndios velho, mas que vai dando para as necessidades», diz. Apesar de Montemor ser considerado com um concelho de risco pouco elevado em matéria de incêndios, o que se deve ao facto de Ereira não ter floresta, o concelho tem outras condicionantes complicadas. «Temos linha férrea, duas auto-estradas», circulação de «muitas matérias perigosas», dois «parques industriais», que têm vindo a crescer… e cheias. Cheias que «não conseguimos controlar, mas fazemos o máximo para mitigar os seus efeitos», adianta. No que se refere a ambulâncias, o problema é mais complicado. São viaturas que «fazem milhares de quilómetros» e que precisam de uma renovação contínua. Visivelmente irritado, o comandante aponta duas viaturas paradas, uma nova, que custou 50 mil euros, e a antiga ambulância do INEM, que se encontram paradas devido a problemas burocráticos, decorrentes da inspecção do INEM. Uma situação que agrava as dificuldades da corporação, que tem como objectivo a “recusa zero” a todas as solicitações de emergência.

Nuno Rasteiro, presidente da direcção e o comandante Joaquim Carraco

Nuno Rasteiro confessa estar «expectante» relativamente às possibilidades da «famosa “bazuca”» financeira da União Europeia. «É importante que não coloque só os olhos na incidência de incêndios florestais», refere, lembrando a situação peculiar de Montemor e o facto de estar na linha da frente quando se trata de escalar equipas de reforço no combate, que pode ir desde Castelo Branco a Monchique. «Espero que não sejamos excluídos, porque senão temos de deixar de participar nesse apoio», diz, lembrando uma deslocação, este Verão, para Monchique, com um carro com 24 anos, vindo de França. «Não temos outro!», lamenta. «É preciso que haja alguém, com conhecimento operacional, que saiba o que se está a fazer, aquando da preparação do lançamento dos concursos», alerta, defendendo que a situação «tem de ser debatida com quem sabe». Além da “bazuca”, o presidente da direcção refere os quadros comunitários de apoio, que também devem «contemplar estas situações». A “gestão corrente” também merece reparos do presidente. «Ao nível operacional, não há amadorismo» e «também não pode haver amadorismo não nível da gestão». «Precisamos, cada vez mais, de uma gestão profissionalizada», adverte. «O socorro não pode parar», sublinha, lembrando que uma colectividade pode ter problemas e, por exemplo, parar com a prática da uma modalidade, mas isso «não pode acontecer com os bombeiros». E há situações que, no entender deste responsável, não fazem de

todo sentido, designadamente quando se trata de obter financiamento junto da banca. «O Estado dá garantias para tudo e mais alguma coisa, mas quando se trata dos bombeiros, não existe no quadro bancário nenhum modelo que exclua a garantia pessoal», refere. Significa que, a contracção de um empréstimo, feita pela associação, para fazer obras ou adquirir viaturas destinada a prestar um serviço público, só é validada mediante «garantias pessoais», dos titulares dos órgãos sociais da associação, que envolvem seu «património pessoal». De resto, foi isso que aconteceu à direcção dos Bombeiros de Montemor, em 2015 e 2016, recorda, quando foi necessário recorrer à banca para «garantir a operacionalidade dos bombeiros», designadamente, para a aquisição de duas ambulâncias. Foram dois empréstimos, um de 80 mil e outro de 55 mil euros (um já está saldado e outro termina no próximo ano). «O Estado não olha para isto», lamenta. «Isto mexe com milhões», «tem de haver uma legislação» que corresponda e uma gestão cada vez «mais profissionalizada». «Quando vim para cá, não percebia nada de bombeiros, só percebia de números», confessa Nuno Rasteiro, que assumiu a presidência da direcção há meia dúzia de anos e teve uma intervenção essencial no “arrumar” da casa. Crítico, chama, ainda a atenção para a necessidade de «uma mudança de visão» e de uma «evolução» ao nível da «estratégia nacional para os bombeiros». 


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90 anos com Montemor-o-Velho ABMG

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ABMG: SANEAMENTO E ÁGUA PARA UM UNIVERSO DE 53 MIL MUNÍCIPES 2019 No dia 17 de Outubro de 2019 assistia-se à assinatura da escritura pública de constitui-

ção da ABMG – Águas do Baixo Mondego e Gândara, empresa intermunicipal que junta os concelhos de Mira, Montemor-o-Velho e Soure. A sede está instalada na Carapinheira

H

á muito trabalho pela frente», mas uma equipa «motivada e empenhada» está pronta para procurar a melhor resposta a todos os desafios. Sobretudo ao nível do saneamento básico, a área mais deficitária, tendo em conta que no abastecimento de água há uma cobertura praticamente completa. Falamos da ABMG – Águas do Baixo Mondego e Gândara, empresa constituída formalmente em 17 de Outubro de 2019, pelos municípios de Montemor-o-Velho, Soure e Mira. Foi o culminar de «um trabalho intenso de preparação», iniciado «cerca de dois anos antes» pelas três autarquias, que «resolveram agregar-se para integrar num sistema multimunicipal os seus próprios sistemas de abastecimento de água e tratamento de esgotos, constituindo uma empresa», escrevia o Diário de Coimbra na edição de 18 de Outubro de 2019. A ABMG, adiantava, assumia a ambição de se tornar «uma referência no sector». No arranque de 2020, a empresa começava a funcionar, pondo em prática um «novo estilo de gestão, mais adequado à realidade dos dias de hoje», refere Nuno Campilho. Há seis meses a liderar o projecto, o director-geral da ABMG destaca o investimento de «cerca de nove milhões de euros», que correspondem a sete empreitadas, muito focadas na área do saneamento, que contam com o apoio de fundos comunitários, no âmbito do POSEUR (Programa de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos). Destaca, igualmente, «mais 10 projectos, executados na expectativa de concorrer ao próximo quadro comunitário», que rondam os 10 milhões de euros e pretende «investir na área do saneamento», mas também dar resposta às necessidades de cada um dos concelhos. «Estamos a fazer uma aposta muito forte e simultaneamente arriscada», diz Nuno Campilho, que salienta as exigências decorrentes desta comparticipação». Mas

Empresa começou a funcionar em 2020, imprimindo um novo modelo de gestão

“Eficácia” e “qualidade” são os pilares da empresa intermunicipal, que, acredita, vão conquistar a confiança dos consumidores dos três concelhos Nuno Campilho destaca o investimento de cerca de nove milhões de euros em sete empreitadas e outros 10 projectos, que rondam os 10 milhões de euros

esta «exigência» vai mais longe, está na própria base de criação da ABMG. «É uma assumpção, por parte dos três municípios, a partir do momento em que avançaram para a constituição da empresa» e decidiram fazer «uma aposta muito forte para corresponder e responder aos utilizadores dos três concelhos». «Trabalhamos todos os dias para garantir um serviço mais adequado e que sirva as populações», diz Nuno Campilho, que aponta um universo de 30 mil clientes, o que representa 53 mil munícipes. Um desafio que, reconhece, «não tem sido fácil», tendo em conta a «extensão da rede» cerca de mil km ao nível da água e de 400 km de saneamento – a que se junta uma «carteira de necessidades», designadamente ao nível do combate às perdas de água, que requer a substituição de condutas, ou problemas de roturas, que obrigam a alguma interrupção, ainda que momentânea, do abastecimento de água. Deficiências que ditam intervenções que


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ABMG 90 anos com Montemor-o-Velho

Novos contadores e contadores inteligentes Nuno Campilho fala com entusiasmo de um projecto-piloto que envolveu 50 contadores inteligentes, instalados no concelho de Mira. Um sistema de medição que permite uma leitura real, em termos de consumo, detecção de falhas, de roturas, de consumos. Os resultados reflectem a prestação do serviço no ponto de entrega, ou seja, a casa do consumidor, e «são muito animadores», considera. Um dado que leva a empresa a pensar alargar este projecto e a aplicação desta ferramenta. «No final do primeiro trimestre de 2022 vamos avançar com isso», adianta.. Paralelamente, a ABMG pretende, com base no levantamento dos contadores cujo “prazo de validade” está a terminar, proceder à «substituição de três mil, em 2022», o que corresponde a 10% do parque de contadores. «É uma coisa nunca vista», sublinha, apontando um investimento de 120 mil euros. 

Proximidade com o cliente «Não há um dia sem surpresas» ou «sem problemas para resolver», diz o director-geral. A equipa está pronta para o que “der e vier”. São 70 pessoas, dos quais 50 são «operacionais, que trabalham no terreno e na área comercial», com 20 a exercerem funções administrativas. A proximidade com o consumidor é uma das regras da ABMG. Com sede na Carapinheira (Montemor), apostou na descentralização de serviços, de molde a servir cada um dos três concelhos. Assim, junto à sede funciona uma zona de atendimento ao público e existe uma unidade logística, de intervenção operacional. O mesmo cenário existe em Soure, com uma loja de atendimento e uma unidade de intervenção operacional. Em Mira ainda só funciona a loja de atendimento, uma vez que têm havido alguma dificuldade em encontrar o local mais indicado para instalar a unidade operacional. Todavia, já la se encontram dois engenheiros da futura unidade. 

é necessário fazer, mas que Nuno Campilho encara com confiança. «As nossas perspectivas são muito animadoras. Temos uma equipa pequena, em construção, mas com uma grande capacidade de trabalho e com muita vontade de fazer bem», diz. O director-geral a ABMG refere, ainda, o Plano de Investimentos, aprovado, que já começou a ser executado e tem um horizonte temporal até finais de 2022. Um Plano de Investimentos de dois milhões de euros, direccionado para situações muito diversificadas, desde a «aquisição de equipamento, à intervenção na rede e também a abertura de furos», de forma a aumentar a capacidade e reduzir a dependência de terceiros. Actualmente, esclarece o responsável, a ABMG adquire água (abastecimento em alta) à INOVA – Empresa Municipal de Cantanhede, para abastecer Mira e o Norte do concelho de Montemor. Outro fornecedor é a Câmara Municipal de Pombal, a quem a ABMG adquire água para abastecer Soure, concelho que tem uma pequena área (Casa Velha), cuja água é adquirida à APIN. A restante água é proveniente de furos, alguns que já pertenciam aos municípios, outros que a empresa já abriu. A diversidade do Plano de Investimentos visa, ainda, a «redução de constrangimentos no abastecimento de água», o

Nuno Campilho, director-geral da ABMG

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«combate às perdas de água», através do sistema de telemetria, que permita monitorizar a rede, bem como garantir intervenção pontuais, cirúrgicas, para sanar hiatos na área do saneamento, garantindo ligações à rede que por uma ou outra razão ficaram por fazer. «É um trabalho muito demorado», «as intervenções vão-se fazendo, refere Nuno Campilho, salientando que se trata de um serviço de continuidade. «Isto é uma maratona, não é um sprint», diz, recorrendo à linguagem desportiva, que tem como objectivo «prestar um melhor serviço às populações dos três concelhos». Por vezes, reconhece, pode «faltar alguma capacidade financeira», facto que está directamente ligado com a necessidade de «criar condições de melhor cobrança e de relacionamento com o consumidor». Os munícipes, considera, «não estavam habituados a uma gestão profissional», tendo em conta que a gestão municipal era mais “friendly”. «Isto exige rigor», faz notar. «A empresa tem de gerar receitas para investir na rede e garantir, um serviço eficaz», adianta. Nuno Campilho acredita que essa mudança de paradigma foi responsável por algum clima de desconfiança em relação à empresa e entende que é precisamente pela eficácia e pela qualidade que a ABMG vai conquistar a confiança das pessoas. «As pessoas querem ver acção», adianta. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Misericórdia de Pereira

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MISERICÓRDIA COM NOVOS DESAFIOS 1990 Na década de 90 do século passado a Irmandade de Pereira ganha nova vida, dando

resposta aos mais velhos e aos mais novos. Posteriormente, abraça a área da saúde

mas o projecto ainda está numa fase bastante embrionária.

Igreja da Misericórdia é uma das jóias do património de Pereira

I

nstaladaem 1498, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pereira assumiu, à semelhança das suas congéneres, o cumprimento das 14 Obras de Misericórdia. Mas soube adaptar-se aos tempos e às novas necessidades, sempre com uma atenção especial à área social. O provedor, Adérito Galvão, recorda a Casa dos Pobres, que «apoiava os pedintes e os sem-abrigo que passavam pela freguesia». «A sopa dos pobres estava sempre disponível», adianta. Por outro lado, numa zona marcadamente rural, assumiu o papel de “entidade bancária”, «emprestando dinheiro aos agricultores para as sementeiras, que, após as colheitas, procediam ao respectivo pagamento». O evoluir dos tempos ditou outras necessidades e outras respostas. Assim, no início da década de 90 do século passado, em 1993, assiste-se à criação do Centro de Dia. Era a resposta ao envelhecimento da população. Uma valência a funcionar em instalações pré-fabricadas, que há cerca de quatro anos foram sujeitas a uma remodelação profunda, para garantir mais comodidade às três dezenas de utentes. Obras que contaram com o apoio do Fundo Rainha D. Leonor, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e contemplaram a criação de uma nova lavandaria e cozinha, a remodelação e ampliação das instalações sanitárias, substituição do mobiliário e uma

intervenção na zona ajardinada. A par do Centro de Dia, a Santa Casa desenvolveu o apoio domiciliário, que beneficia 40 utentes. A pensar nos mais novos, e procurando promover um projecto intergeracional, foi criado o Centro deActividades de Tempos Livres, com capacidade para acolher 30 crianças. Qualquer uma das valências tem a lotação esgotada. Mais recente é a resposta na área da saúde. O provedor lembra, de resto, que a Misericórdia de Pereira foi detentora de um hospital, que funcionou em 1600/1700, extinto há muito. A aposta centrou-se na criação de uma Unidade de Cuidados Continuados (UCC), um “parto” difícil, que representou um investimento a rondar os 2,1 milhões de euros. A UCC, a única unidade desta natureza existente no concelho de Montemor, entrou em funcionamento nos inícios de Maio de 2015 e oferece 24 camas de longa duração e seis de média duração, igualmente com lotação esgotada. Com cerca de seis dezenas de colaboradores, a Misericórdia de Pereira possui, ainda, a valência de cantina social, garantindo refeições a pessoas carenciadas. Relativamente a projectos, Adérito Galvão assume o seu empenho na construção de um lar residencial. Trata-se, explica, de uma resposta necessária, tendo em conta o crescente envelhecimento da população da freguesia,

Preservar o património AMisericórdia de Pereira está, igualmente, empenhada na preservação do seu património. Com notória satisfação, o provedor afiança que as obras na Igreja da Misericórdia «estão quase a acabar». Em causa está um edifício que remonta à primeira metade do século XVIII, de uma grande beleza e valor arquitectónico, um “ex libris” da freguesia. As primeiras obras incidiram no exterior, contemplando o telhado, as paredes, a madeira e a pedra. O investimento atingiu os 108.990 euros, com 53.495 deles suportados pela AD Elo, o município de Montemor a garantir 25.677 euros e a Santa Casa a suportar o restante. Seguiu-se, mais recentemente, a intervenção no interior, que representa um investimento de 148.529 euros, com o Fundo Rainha D. Leonor a garantir um apoio de 124.209 euros. Adérito Galvão destaca «algumas surpresas», ou seja, “relíquias” que a obra revelou. Exemplifica com a abóbada do altar-mor, tapada com estuque. «A técnica de restauro estava convencida que debaixo do estuque estava uma pintura», conta. E a verdade é que, depois deste ser picado, surgiu um «magnífico fresco». Também por baixo dos altares a tinta escondia outras pinturas. «Está tudo recuperado», afirma. Os seculares azulejos, a maioria dos quais se tinha desprendido da parede, «estão todos repostos» e o «tecto da sacristia, que estava a cair, está quase pronto», adianta. AMisericórdia empenhou-se, igualmente, na recuperação da Capela de Nossa Senhora do Pranto. «Foi feita a intervenção na parte exterior», esclarece Adérito Galvão, salientando a urgência desta obra. «Com mais um Inverno rigoroso, o telhado caía», diz recordando que a tempestade Leslie agravou a situação. A obra ascendeu a 20.670 euros, comparticipada em 7.687 euros com fundos de apoio à recuperação dos estragos. «Devia haver mais “meia dúzia” de tostões para arranjarmos a capela por dentro», refere. Mas, de momento, o dinheiro não existe e a recuperação completa vai ter esperar. 


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Misericórdia de Tentugal 90 anos com Montemor-o-Velho

Diário de Coimbra

Igreja da Misericórdia sofreu obras de manutenção que estão em fase terminal

ENTRE O APOIO SOCIAL E O PATRIMÓNIO 1980 Desactivada em meados do século XX, a Santa Casa de Tentúgal renasceu

na década de 80, fazendo valer a sua vocação de apoio aos mais necessitados

I

nstituída em 1583, por Filipe II de Espanha, I de Portugal, a Santa Casa da Misericórdia de Tentúgal herdou e deu continuidade à vocação assistencial da Confraria de S. Pedro e S. Domingos, designadamente através do hospital, que se manteve activo até finais da primeira metade do século XX, tendo um desempenho essencial no combate à “pneumónica”. Simultaneamente, criou património, designadamente com a construção da Igreja da Misericórdia, que começou logo em 1583, uma obra da responsabilidade de Tomé Velho da Lamarosa, discípulo de João de Ruão na Escola Coimbrã. Sucedeu-se a Casa do Despacho, concluída em 1756, e um prestígio crescente, com a Misericórdia a ser o apoio dos mais pobres, garantindo-lhes a necessária assistência. Um prestígio que permitiu que, aquando do encerramento do Convento do Carmo, nos inícios do século XX, a Santa Casa adquirisse muitos desses bens, designadamente algumas imagens que mereciam ampla devoção ao povo de Tentúgal. Todavia, nos finais da primeira metade do século passado, a Misericórdia entrou em colapso financeiro, acabando por encerrar toda a actividade. Na década de 80, por iniciativa do padre José Gonçalves e

um conjunto de homens bons de Tentúgal, com o apoio da Cáritas Diocesana de Coimbra, regressa ao activo, com as atenções centradas, mais uma vez, em quem mais precisava: os mais velhos da freguesia. Hoje é essa a vocação essencial da Santa Casa de Tentúgal, igualmente empenhada na recuperação da Igreja da Misericórdia, um “ex libris” único da região. Maria de Lurdes Santiago, provedora da instituição, recorda a transformação efectuada no rés-do-chão da Casa do Despacho para a instalação do Centro de Dia. Uma resposta necessária, tendo em conta os muitos seniores desamparados, a que se juntou o Serviço de Apoio Domiciliário. Em 1995, abriu o lar de terceira idade, no edifício do antigo solar da família Viegas de Morais, doado por Adrião Forjaz de Sampaio. «Fez-se um peditório na freguesia e, com o apoio da Segurança Social, a casa foi adaptada a lar», explica. Ficaram ali instalados os dormitórios, com o refeitório a funcionar no rés-do-chão da Casa do Despacho. Em 2005, no quintal da casa, foi erguido um novo refeitório, cozinha, sala de convívio e lavandaria para servir todas as valências. À frente dos destinos da Misericórdia desde Janeiro de 2019, «porque não havia

mais ninguém», Maria de Lurdes Salgado da Costa Santiago empenhou-se na recuperação da Igreja da Misericórdia. «Foi a primeira candidatura que se fez na Misericórdia», recorda, referindo o projecto apresentado ao Fundo Rainha D. Leonor. Antes, por estranho que pareça, foi necessário registar a Igreja. «Pensávamos que pertencia à Misericórdia, mas quando fomos ver os registos, concluímos que não pertencia a ninguém». «Mexer num edifício do século XVI afigurava-se um desafio complicado», reconhece Lurdes Santiago, que refere os danos sofridos aquando do grande terramoto de Lisboa, em 1755, que nunca foram “sarados”, aos quais se sucederam outros, designadamente a tempestade Leslie. Inês Dentinho, responsável pela gestão do Fundo Rainha D. Leonor, da Santa Casa de Lisboa, deslocou-se a Tentúgal para «ver se valia a pena» e ficou rendida. «A nossa Igreja é única no país», diz, com manifesto orgulho a provedora, que destaca o «retábulo maravilhoso, todo esculpido em pedra de Ançã». A candidatura apresentou um orçamento de 284 mil euros e foi contemplada com 233 mil euros. Diferença que representa uma dificuldade para a Santa Casa de Ten-


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90 anos com Montemor-o-Velho Misericórdia de Tentúgal

túgal, «uma das mais pequenas e mais pobres Misericórdias do país». A acrescer às dificuldades, está o facto de a candidatura não ter incluído a recuperação do salão nobre. «Fizemos uma campanha de crowdfunding, andei a espalhar flyers», mas o resultado deixou muito a desejar. As obras de reabilitação da Igreja deverão ficar concluídas no final do ano, princípios de 2022. Lurdes Sampaio refere o trabalho hercúleo de reabilitação do retábulo, que foi «desmontado, peça por peça» e já regressou ao seu lugar. A fachada está restaurada, assim como a torre sineira e todas as peças de arte sacra. Mas ainda há muito a fazer. Um trabalho moroso, delicado, que deu um presente inesperado à provedora. Isto porque, conta, foi descoberto um crucifixo seráfico, que poderá representar um agradecimento aos frades franciscanos, que terão ajudado a erguer a Igreja. «Com o pó, acumulado anos e anos, não se via que o crucifixo tinha asas». «Foi um prémio», afirma, feliz. A provedora recorda outro momento feliz, que consistiu na recuperação do órgão

Outras valências Com 19 funcionários, além do Centro de Dia (17 utentes), do serviço de apoio domiciliário (10 utentes) e do lar residencial (25 utentes e uma vasta lista de espera), a Santa casa de Tentúgal tem uma loja social, criada em 2009, que disponibiliza roupas, calçado e utilidades domésticas, oferecidas à instituição. Um espaço que abre todas as quintas-feiras, durante a tarde. Também distribui alimentos a famílias carenciadas e possui um Banco de Ajudas Técnicas, que permite o empréstimo de andarilhos, camas articuladas, cadeiras de rodas, bengalas, elevadores sanitários, entre outros equipamento, fundamental para assistência a pessoas dependentes. A requalificação e ampliação do lar, dando resposta à enorme lista de espera, é um dos objectivos da provedora. 

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do século XVII, proveniente do espólio do Convento do Carmo, com a ajuda de José Saramago. Uma feliz coincidência, uma vez que o Prémio Nobel foi convidado a visitar terras de Montemor e de Tentúgal e ouviu o grupo de canto gregoriano. Impressionado, quis conhecer a maestrina e ficou a saber que o peditório se destinava a angariar receitas para recuperar o órgão. Solícito, Saramago preencheu um «cheque jeitoso», solicitando ao presidente da Câmara que assumisse o restante. O órgão foi recuperado e, em 2007, fez-se a reinauguração. Saramago não pôde estar, nas veio em 2009». Mais um motivo para visitar Tentúgal. Mas há outros momentos ímpares, como a Procissão dos Passos do Senhor, 15 dias antes da Páscoa. Sábado, a procissão nocturna «é única no país», faz notar, apontando os «500 a 600 candeeiros de metal», que, alimentados a azeite, “alumiam” a noite e os Passos do Senhor. A provedora lembra a simbologia do candeeiro, oferecido pela madrinha aos afilhados e presente em todos os momentos essenciais, nomeadamente no casamento, no parto e… na morte. 


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Misericórdia de Montemor 90 anos com Montemor-o-Velho

A ARTE DE BEM SERVIR 1980 Na década de 80 do século passado, a Santa Casa de

Montemor avançou com um projecto de apoio social, que alargou e consolidou, entrando, também na área da saúde

No centro da vila, funciona o lar-sede, que vai ser sujeito a obras de remodelação

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riada em 1498, no mesmo ano em que foi instituída a Misericórdia de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Montemoro-Velho tem um rol notável de pergaminhos e uma história de mais de cinco séculos de ajuda a quem mais precisava. Objectivos que se mantêm actuais e continuam a mobilizar a instituição. Os mais velhos e os mais necessitados têm um conjunto de respostas sociais, mas a saúde também merece uma especial atenção, o mesmo acontecendo com a cultura. Actualmente são três as estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI) que a instituição tem ao seu serviço. Um projecto que começou na década de 80 do século passado, com o primeiro acordo com a Segurança Social a ser firmado em 1987, e a assegurar o funcionamento do Lar-sede, instalado num emblemático edifício, no centro da vida, junto aos Paços do Concelho. Mas já antes, em 1983, as duas entidades assinavam um primeiro acordo, que selou o funcionamento do centro de dia. Valências que se mantêm em funcionamento, com capacidade para 45 utentes em lar e 60

em centro de dia. O histórico edifício, um tanto degradado devido ao peso da idade, vai, dentro em breve, de acordo com a directora técnica da instituição, entrar em obras de remodelação. Igualmente na sede do concelho foi criado um segundo lar residencial, o Centro de Acolhimento Nossa Senhora de Campos, com 25 utentes. Mais recente, inaugurado em 2013, em Seixo de Gatões, é o Centro de Acolhimento São João Batista, com 12 utentes, que vem consolidar uma resposta criada anteriormente, com a instalação de um centro de dia, com capacidade para acolher 40 utentes. Sara Veloso, directora técnica da Santa Casa, destaca, ainda, o serviço de apoio domiciliário que a instituição presta, procurando adiar o mais possível a institucionalização, mantendo os utentes nas suas casas e assegurando-lhes um conjunto de cuidados, em termos da alimentação e higiene. Aos mais necessitados, independentemente da idade, a Santa Casa garante refeições, alimentos, medicamentos e acompanhamento. Assim, através da Cantina

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Social, são servidas diariamente 17 refeições, a pessoas que não têm possibilidade de cozinhar. Através do Gabinete de Intervenção e Inovação Social «garante o atendimento e acompanhamento social a 217 famílias em situação de vulnerabilidade». Através do Banco Solidário do Medicamento, a Santa Casa fornece medicação gratuita a pessoas com comprovada fragilidade económica. Um projecto que arrancou em 2017/18, no quadro de «uma parceria da instituição com várias farmácias do concelho». O Banco de Ajudas Técnicas Solidário, criado em 2015, constitui outras das respostas, com o empréstimo de equipamentos, designadamente camas, cadeiras de rodas, andarilhos, equipamento para banho a residentes no concelho. Mais recente é o Banco da Maternidade e do Bebé, que, de acordo com Sara Veloso, teve a sua origem em 2020, no quadro de um projecto de acompanhamento a grávidas, mães e bebés, a que a instituição deu continuidade, através da cedência de vário tipo de equipamentos, assim como de roupas, quer para os bebés, quer para as mães. Um banco singular, pois tem o seu foco centrado exclusivamente na mulher grávida, na mãe e no bebé.

Universidade Sénior Manuel Carraco, provedor da Santa Casa, fala com um “brilhozinho” nos olhos da Universidade Sénior, que começou a funcionar em 2010. Na sua base, recorda, está uma tese, elaborada por uma colaboradora da instituição, precisamente sobre “Acriação de uma Universidade Sénior”. A Santa Casa pegou na ideia e deu-lhe corpo. «É uma forma de juntar os reformados para não morrerem sozinhos», diz, sublinhando a importância de juntar as pessoas mais velhas, sem compromissos profissionais e «pô-las a conversar uns com os outros». Uma partilha de «memórias» que se estende, igualmente, à partilha de saberes, relacionados com cuidados de saúde, higiene e alimentação, mas também nas mais diversas áreas, desde a história, à pintura, passando pelas línguas, pela música. «É um espaço onde se pretende divulgar e preservar a nossa história, cultura, tradições e valores, através das actividades desenvolvidas», refere a Santa casa. Apandemia obrigou a Universidade Sénior a uma paragem forçada, mas este mês as


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90 anos com Montemor-o-Velho Misericórdia de Montemor

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actividades vão ser retomadas, «com o devido cuidado», realça o provedor. Com notório orgulho, Manuel Carraco lembra que a Seniormor faz parte da rede de universidades seniores e foi considerada, em 2018, uma escola de excelência.

Unidade de Saúde dá resposta de proximidade Em 1989, a Santa Casa avança para a criação de uma Unidade de Saúde. Uma verdadeira clínica, localizada na Avenida Diogo de Azambuja, onde estão disponíveis consultas de clínica geral e de várias especialidades, desde a cardiologia, à oftalmologia, passando pela ortopedia, entre outras. «A medicina dentária é uma especialidade em expansão», esclarece Lídia Pagaimo, responsável por esta valência. Esta verdadeira clínica também permite efectuar os mais diversos exames complementares de diagnóstico. Qualquer pessoa pode recorrer à unidade, que tem acordos com a ADSE, o Serviço Nacional de Saúde e várias seguradoras. Entre médicos, enfermeiros, técnicos e ad-

Unidade de Saúde garante, em média,o atendimento de 2.500 pessoas por mês

ministrativos, são mais de 40 profissionais que ali prestam serviço. A clínica funciona de segunda a segunda a sexta-feira, entre as 9h00 e as 20h00 e ao sábado, das 9h00 às 18h00. Trata-se de uma «resposta de proximidade», que a Santa Casa criou para uma população envelhecida e com dificul-

dades de deslocação, sublinha Lídia Pagaimo. Além de servir o concelho de Montemor, também dá resposta a utentes dos vizinhos municípios de Cantanhede, Figueira da Foz e Soure. «Atendemos cerca de 2.500 pessoas por mês», diz, com satisfação, a responsável. 


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APPACDM 90 anos com Montemor-o-Velho

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CRESCER PARA A INCLUSÃO 1990 Unidade Funcional da APPACDM abre Centro de Apoio Educativo em 1990.

Uma resposta diferente, para pessoas diferentes e que faz a diferença

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ão havia escola para as crianças e jovens diferentes. Em Montemor, como no resto do país. A mudança surge em 1962, com a criação da Associação de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM), em Lisboa. A partir da capital começaram a surgir delegações em vários pontos do país e a resposta chega a Coimbra em 1969. A pouco e pouco, também as crianças e jovens de Montemor-o-Velho começam a receber o apoio da instituição. Todavia, as dificuldades de transporte levam os pais de Montemor a lançar um desafio à delegação de Coimbra da APPACDM, então presidida por Pedroso de Lima, no sentido de instalar uma sub-delegação no concelho. A Câmara Municipal aliou-se ao projecto, providenciando a cedência do terreno, e em 1990 assistia-se à inauguração do Centro de Apoio Educativo. Eram os primeiros passos da Unidade Funcional daAPPACDM de Montemor. Um desafio pautado, ontem como hoje, por dois grandes objectivos. Por um lado, garantir total apoio, ao longo da vida, às pessoas com deficiência. Por outro, promover a sua inclusão na comunidade, através de uma relação de grande proximidade, de colaboração, de serviço mútuo. Isso mesmo destaca Helena Albuquerque, presidente da direcção da APPACDM de Coimbra, que nos apresenta a instituição e os seus diferentes serviços e elogia o espírito «aberto e solidário» da comunidade de Montemor. «Garantimos o acompanhamento ao longo de toda a vida», sublinha, lembrando que o Centro de Recursos para a Inclusão acompanha o processo de escolarização, com uma equipa a deslocar-se a seis escolas do Agrupamento de Montemor e a garantir o apoio especializado a cerca de três dezenas de jovens. Helena Albuquerque elogia este «trabalho conjunto, feito com o Agrupamento e com as escolas, que ajuda estes meninos a desenvolverem-se de uma forma integrada». Terminada a escolaridade obrigatória, aos 18 anos, a Unidade Funcional tem um Centro de Formação Profissional, com dois

“Verdinhos” é a designação carinhosa dada à equipa de limpeza de espaços verdes

cursos, de assistente familiar e de apoio à comunidade e o curso de cozinheiro. 20 jovens frequentam este centro, que «os prepara para o mundo do trabalho» e procura orientar a sua inserção laboral. Os jovens com deficiência mais grave frequentam o Centro de Actividades Ocupacionais (CAO), que oferece um conjunto lato de actividades, de molde a garantir «o seu desenvolvimento pleno, sob o ponto de vista emocional, terapêutico e físico». 30 jovens beneficiam deste apoio. A presidente da direcção destaca, ainda, um projecto, simultaneamente terapêutico e ocupacional, desenvolvido pelo CAO, que se revelou um sucesso, criando uma verdadeira aliança com a comunidade local. Em causa está o projecto “Verdinhos”obrigado a parar devido à pandemia. 22 jovens integravam o programa, um exemplo de sucesso de uma equipa dedicada a trabalhos de limpeza e manutenção de espaços verdes. «Oito jovens trabalhavam diariamente na zona do castelo», refere, enquanto os restantes 14 garantiam a limpeza e manutenção dos espaços verdes de todas as freguesias, no quadro de uma parceira com o município. «Vamos reactivar o projecto em breve», promete Helena Albuquerque. A Unidade Funcional garante apoio domiciliário a quem precisa (actualmente

duas situações) e funciona como Centro de Recursos para o Emprego. Trata-se de uma equipa de Montemor, explica a presidente, devidamente credenciada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), que funciona como estrutura de apoio ao Centro de Emprego da Figueira da Foz. A equipa sinaliza e encaminha pessoas com deficiência para o mercado de trabalho, garantindo-lhes todo o apoio e informação sobre medidas, apoio que também assegura à entidade empregadora.

Edifício em obras de requalificação Actualmente, a APPACDM de Montemor – que tem 21 colaboradores - está a funcionar provisoriamente nas instalações da antiga Escola Profissional Agrícola, uma vez que o edifício está a sofrer obras de requalificação e remodelação. Um investimento de «cerca de meio milhão de euros», refere Helena Albuquerque, que conta com um apoio de fundos comunitários, através da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), de 360 mil euros. Trata-se de obras com alguma urgência, tendo em conta a idade do edifício, inaugurado em 1990, mas sobretudo pela necessidade de substituição do telhado, construído em amianto. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Ass. Fernão Mendes Pinto

ATENÇÃO ESPECIALI ÀS CRIANÇAS E JOVENSI

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casais que não tinham com quem deixar os filhos quando iam trabalhar. Uma resposta que «não existia», faz notar José Guerra, presidente da direcção, que destaca a mudança de paradigma social, nascido pouco depois de Abril de 1974. AAssociação Fernão Mendes Pinto foi o berço desta proposta, de creche e jardim-de-infância, que começou por acolher crianças dos 3 ou 4 meses, até à idade escolar. Seis anos depois, novamente com a criança e o «seu desenvolvimento global e integrado» em mente, surge uma segunda valência , o ATL. «Foi uma experiência piloto a nível distrital e uma das primeiras a nível nacional», diz, referindo-se a estes centros de ocupação de crianças com actividades lúdicas e pedagógicas, após o horário escolar.

Depois da creche e jardim-de-infância, associação avançou com um projecto pioneiro ao nível das actividades de tempos livres

Crianças e jovens são, desde origem, o público-alvo da Associação Fernão Mendes Pinto

1977 Nascia o Infantário Jardim de Infância, a primeira de

uma série de valências da Associação Fernão Mendes Pinto, que põe a tónica na criança e no jovem, mas cresceu para outras áreas e outras respostas

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m grupo de «activistas locais», na «maioria jovens», avançava, em 1977, com um projecto pioneiro que ganhou raízes, cresceu e consolidou-se, tornando-se uma refe-

rência. Cuidar da criança foi o primeiro passo, com a abertura, em Fevereiro, do Infantário Jardim de Infância de Montemor-o-Velho. Um projecto muito à frente, que procurava dar resposta aos jovens

De resto, estas duas valências continuam a ser a pedra angular de uma associação que tem uma intervenção plural, alargada às famílias, que procura respostas para a deficiência, a pobreza, a toxicodependência, as vítimas de violência, mas que também aposta na formação e na educação e tem o seu nome ligado a um conjunto de entidades e a projectos de carácter local, regional, nacional e internacional. Actualmente, nas várias valências, em Montemor e nas freguesias do concelho, e na Figueira da Foz (para onde estendeu a sua actividade nos finais da década de 80, princípio dos anos 90), a Associação Fernão Mendes Pinto dá apoio a 331 crianças ao nível de


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Ass. Fernão Mendes Pinto 90 anos com Montemor-o-Velho

respostas de creche e pré-escolar, e a um total de 375 ao nível de ATL (aqui também com um centro em Vila Verde, Coimbra). A prática desportiva, tendo em conta a máxima latina, “Mente são em corpo são”, “inspirou o arrendamento e remodelação de um antigo celeiro, na vila, que foi transformado, em 1986, no «primeiro espaço desportivo coberto de Montemor», recorda José Serra. Foi ali que os jovens do concelho descobriram modalidades desportivas como o karaté, a ginástica, o ténis de mesa, mas também a canoagem e o remo. José Guerra recorda a criação de um departamento desportivo, que mais tarde cresceu e tomou a forma de uma colectividade autónoma, o Clube Infante de Montemor. Envolvida em múltiplas acções e projecto de e para a comunidade, a associação alarga, a partir de 1987, a sua rede de ATL a várias localidades e freguesias, designadamente Gatões, Seixo, Liceia, Carapinheira, Tentúgal, Ereira, Verride, Formoselha e Santo Varão, e abriu novos jardins-de-infância em Gatões e Liceia, o Centro de Estimulação Precoce de Montemor e o Centro Infante Dom Pedro de Tentúgal. Sensível às novas necessidades, a associação «abraçou com afinco e empenho a actividade social, cultural e a educação e formação profissional», refere José Guerra, lembrando que a Fernão Mendes Pinto é um dos sócios fundadores das escolas profissionais. Uma “porta aberta” para a formação e educação de adultos, «que tem mais de 20 anos», através da criação de um Centro de Educação e Formação Popular em Maiorca (Figueira da Foz) e outro em Gatões (Montemor). Este último cresceu e deu forma a um Centro Qualifica, actualmente instalado na Escola Profissional, dada a necessidade de uma intervenção de fundo nas instalações de origem, em Gatões, devido aos danos provocados

Projectos para o futuro Com várias respostas na Figueira da Foz, designadamente apoio aos semabrigo ou a famílias ciganas, a Associação pretende apostar na criação de uma unidade de cuidados continuados. Um investimento de 3,5 milhões de euros, que está à espera da oportunidade de uma candidatura a apoio do Plano de Recuperação e Resiliência. O projecto contempla 55 camas, 10 de cuidados de convalescença e as restantes de média e longa duração. Pioneiro, também para a Figueira é o projecto de uma Unidade de Dia e Promoção de Autonomia. Trata-se, explica José Guerra, de uma nova tipologia, uma resposta inovadora que vai entrar em fase experimental no país. Em síntese, é uma resposta que funciona na lógica de “hospital de dia”, com o doente a passar o dia na instituição, onde recebe todo o acompanhamento em termos de reabilitação, higiene e alimentação, regressando a sua casa ao final do dia. Ambos os projectos têm como espaço de acolhimento a Casa de Nossa Senhora do Rosário, que pertenceu às Irmãs Doroteias, adquirida no ano passado pela Associação Fernão Mendes Pinto. 

pela tempestade Leslie. AAssociação Fernão Mendes Pinto também está «intimamente ligada à criação daAd Elo –Associação de Desenvolvimento.

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O combate à violência, através do Núcleo de Apoio à Vítima é, igualmente, um desafio abraçado há largos anos, «com comparticipação ou sem ela», refere o presidente da direcção. Um trabalho que nasceu em Montemor, mas cresceu com respostas alargadas aos concelhos de Cantanhede e de Mira e, mais tarde, à Figueira da Foz o mesmo acontecendo com a promoção da igualdade de género, desde sempre «uma das nossas bandeiras». A prevenção da toxicodependência, a integração da pessoa deficiente, a participação nas comissões de protecção de crianças e jovens, a economia social e o desenvolvimento local também fazem parte das preocupações desta grande “família”, que dá respostas ao nível da saúde, com uma estrutura de proximidade, instalada na Carapinheira, e tem desenvolvido uma cooperação internacional, designadamente com S. Tomé e Príncipe. Na cozinha central, actualmente a funcionar no edifício da Antiga Cadeia, a Fernão Mendes Pinto procura desenvolver respostas inovadoras, como as afamadas “Pinhas de Montemor”, mas também ali são confeccionadas as refeições servidas nas escolas básicas do vizinho concelho de Cantanhede. «É uma forma de contribuir para a sustentabilidade da instituição», refere o presidente. De resto, esta valência está em fase de mudança, para o antigo edifício da escola do 1.º ciclo, cedida pelo município. «Já transferimos o ATL, mas falta a cozinha e pastelaria», cujo projecto está em fase de elaboração, refere. «A Associação Fernão Mendes Pinto é uma instituição pioneira, em muitas situações, a nível regional nacional, que se tornou numa referência para muitas instituições», destaca José Guerra. Actualmente dá resposta, nas diferentes valências, a cerca de 1.500 pessoas. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Pinhas de Montemor

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AS DOCES PINHAS DE MONTEMOR 1998 Associação Fernão Mendes Pinto patenteou, em Novembro de 1998, esta

doce tentação. Um manjar dos deuses que produz e comercializa em exclusivo

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ma bolacha crocante envolve o recheio, feito à base de ovos e de açúcar. Um doce dourado, que se derrete na boca e representa uma tentação para o paladar. São as Pinhas de Montemor. Uma criação com a assinatura da Associação Fernão Mendes Pinto, inspirada nas antigas “espigas doces”, um doce tradicional do concelho. A Associação Fernão Mendes Pinto começou, precisamente, pela produção destas “espigas doces”, recorda Dina Bandeira. Todavia, não conseguiu, por vicissitudes várias, sobretudo de carácter financeiro, «ficar com a patente». Lamentando a perda, a direcção da colectividade empenhou-se em recriar um outro doce, com «uma confecção muito parecida», a que chamou Pinhas de Montemor. Aqui, sim, conseguiu encetar as diligências necessárias e, em Novembro de 1998, obteve a patente. Dina Bandeira recorda o trabalho desenvolvido para a criação da forma, feita com base «numa pinha verdadeira». Um molde em gesso permitiu criar a forma, «em ferro fundido». «Um macho e uma fêmea», que se unem para dar forma à Pinha de Montemor. O exterior, ou seja, a forma da pinha, obtém-de através de uma massa feita com farinha, manteiga, claras e canela. Uma massa leve, que permite criar uma «bolacha exterior crocante». Por dentro, o recheio é um «doce húmido, feito à base de ovo». Sem revelar o segredo, Dina Bandeira sempre adianta que se prepara uma calda de açúcar, à qual se juntam os ovos, com claras e gemas. O Empreendimento Hoteleiro Cadeia Velha foi o espaço eleito para a confecção deste doce. Um projecto que nasceu com uma empresa de inserção, destinado a apoiar pessoas com algumas dificuldades. A medida em causa já não existe, mas a Cadeia Velha continua a ser o local mais doce e mais saboroso da Associação Fernão Mendes Pinto. Com sete colaboradores, centra as suas atenções no mundo da cozinha e da pastelaria. As Pinhas de Montemor são o doce de eleição e são apresentadas em três formatos. O maior, que consiste numa caixa

Pinhas de Montemor são uma especialidade exclusiva da Associação

com seis pinhas, o médio com oito e as miniaturas, as mais solicitadas, com 10 unidades. «Também temos as nossas bolachas», que têm, igualmente, uma excelente aceitação, refere Dina Bandeira. Há outros doces que o Empreendimento Hoteleiro Cadeia Velha produz, mas não têm tantas solicitações. Situação diferente acontece com os salgados, sobretudo com as empadas de galinha, igualmente um sucesso. «Fazemos rissóis, bolos de bacalhau», além das empadas, exemplifica. Doces e salgados que podem ser adquiridos ou encomendados por qualquer pessoa. «Temos porta aberta», diz Dina Bandeira. A Cadeia Velha funciona de segunda a sexta-feira, entre as 9h00 e as 17h00 e as encomendas também podem ser efectuadas através dos telefones 239 687 530 ou 239 687 170. «Temos vindo a aumentar a produção», afirma, satisfeita, Dina Bandeira, recordando que durante a pandemia houve algum decréscimo, tendo em conta que os restaurantes e pastelarias estiveram fechados, e a própria Cadeia Velha parou de funcionar.

As Pinhas de Montemor e as empadas de galinha são presença obrigatória em todos os eventos promovidos pelo município. Por vezes, a Associação Fernão Mendes Pinto participa em certames promovidos em Coimbra, directamente, ou seja, com uma presença física, ou fazendo-se “representar”, através de outros doceiros que levam ao público as Pinhas de Montemor. Uma aposta diferente, nos sabores, que dá uma renovada força aos projectos de intervenção social e comunitária da Associação Fernão Mendes Pinto. 

Além das Pinhas, associação confecciona empadas, rissóis e bolos de bacalhau. Tem porta aberta e aceita encomendas


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Queijadas de Pereira 90 anos com Montemor-o-Velho

Diário de Coimbra

Preparação da queijada. Sílvia estende a massa da base e Lurdes coloca o recheio e molda o bolo

O SABOR ÚNICO DAS QUEIJADAS DE PEREIRA 1986 Com 12/13 anos, Lurdes Oliveira aprendeu os segredos

desta herança do Convento das Ursulinas. Há 35 anos que faz bolos. Para muitos as “melhores Queijadas de Pereira”

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evagar não dá!» Uma constatação óbvia para quem está habituada a moldar a massa a uma velocidade estonteante. Nós olhamos, tentamos perceber como se faz, mas a enorme rapidez não dá qualquer hipótese. Maria de Lurdes Santos Oliveira reduz a velocidade. Tenta moldar o recheio com a maior lentidão possível. «Um, dois, três, quatro… são sete bicos!». A Queijada de Pereira tem sete bicos, explica, ansiosa por retomar o ritmo normal. Ou melhor, a moldar o recheio das queijadas a uma velocidade vertiginosa. São muitos e muitos anos de experiência. As mãos ganharam velocidade e já não conseguem fazer a operação devagar. Lurdes Oliveira retoma o ritmo, uma cadência apressada, um ritmo veloz, mas acertado. Sílvia Baptista acaba de esticar e cortar a base. Uma massa feita com farinha, margarina, água morna e um pouco de sal. «Agora até nem pomos sal», salienta Lurdes Oliveira, que entende que este condimento

não faz falta, embora esteja consagrado no receituário. Mistura-se tudo e amassa-se bem. Uma amassadeira, o único equipamento eléctrico – além do forno – que existe na pequena unidade artesanal, dá uma ajuda preciosa.Amassa faz-se depressa. Sílvia ultima a operação de forma manual. Faz um pequeno rolo de massa e, com a longa experiência, corta pequenos pedaços, o necessário para uma base. Com o rolo estende a massa. Uma leve película, perfeitamente uniforme, qual folha de papel. Pega na “cartilha”, a forma redonda, que indica o tamanho certo para a base da Queijada de Pereira, e corta. Também Sílvia trabalha a um ritmo acelerado, que reduz à medida que nos explica cada um dos procedimentos. Está pronta a base. Maria de Lurdes pega nela, coloca-a numa pequena tábua redonda e começa a colocar-lhe o recheio, previamente preparado. O queijo fresco é o ingrediente fundamental. Vem do Rabaçal, da Queijara Flor

da Serra. Queijos de quilo, faz notar. Feitos com leite de ovelha e de vaca. «Tem de ser de mistura», sublinha a doceira. O queijo já vem preparado, ou seja, vem “solto”, ao invés do formato redondo que habitualmente conhecemos. Passa-se por uma peneira, o que permite esmagar por completo o queijo fresco, e, a esta pasta uniforme e branca juntam-se gemas, açúcar e um pouquinho de farinha. «Amassa-se tudo e está pronto», explica Lurdes Oliveira. É o creme, ou seja, o recheio das queijadas. Lurdes Oliveira retira uma colher bem generosa e deita-a sobre a base. Roda a tábua ao mesmo tempo que vai dando forma à queijada. «Quatro, cinco, seis, sete!», conta. «Porquê sete?», questionamos. «Não sei, foi assim que me ensinaram», responde. E assim faz. Está moldada a queijada, com os sete bicos que a caracterizam. Com um “prego” afere se os “cantos” estão bem recheados. Está pronta para ir ao forno. Junta-se a mais umas boas dezenas e enchese o tabuleiro. 10 a 15 minutos é o tempo de cozedura. Um cheiro bom invade o espaço. Atenta, Sílvia abre de quando em vez o forno e retira as que estão “no ponto”. Ficam a arrefecer voltadas ao contrário. «É para não encrequilharem e ganharem brilho», explica. E deixa uma virada para cima, para que não restem dúvidas de que, efectivamente, têm de ser viradas ao contrário se queremos ter queijadas bonitas!


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90 anos com Montemor-o-Velho Queijadas de Pereira

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Diferentes e… únicas

Dez, quinze minutos no forno e as queijadas estão lourinhas e prontas a sair

Quanto a sabor… há quem prefira quentes, mas a verdade é que, depois de frias, potenciam muito mais o sabor único do queijo, mostram a cremosidade que as caracteriza, envolvidas numa fina película que apenas existe para suster este recheio tão simples quanto genial. Uma herança de Pereira, um “ex libris” da freguesia. Queijadas únicas, inconfundíveis, diferentes de todas as outras.

De aprendiz a empresária Lurdes Oliveira começou a fazer queijadas com 12 ou 13 anos. À semelhança do que aconteceu com Sílvia Baptista e com muitas outras jovens de Pereira. A D. Maria Melo foi a grande professora desta geração de doceiras. «Aprendi na casa dela», recorda, lembrando a herança fantástica que esta senhora transmitiu a muitas jovens, ensinando-lhes o segredo das queijadas, que a sua avó aprendeu no Colégio das Ursulinas. Na altura «fazia umas horas» e «ganhava-se muito pouco». Deixou as queijadas durante algum tempo, mas com 17/18 anos voltou. «Já trabalhava mais horas e ganhava mais».Também começou a fazer “bolos”e a vender e depressa percebeu que era esse o rumo da sua vida. Há 35 anos que Lurdes Oliveira faz queijadas para vender e vive das queijadas que vende. Com 55 anos, cheia de energia, recorda as suas primeiras “aventuras” na venda de queijadas. «Fazia bolos e ia vender para Lisboa». Ainda solteira, a viver com os pais, apanhava o comboio das 6h00 da manhã e lá ia, com duas cestas de verga cheias de bolos. Às vezes, ainda le-

vava um caixote. «Tinha passe da CP», graças ao pai, que trabalhava na empresa, o que lhe permitia poupar na viagem e levar mais longe o negócio. «Vendia em Moscavide, Sacavém,Amadora, no Rossio e no Cais do Sodré», refere. Uma tradição seguida por muitas mulheres de Pereira, que rumavam, de comboio, até Espinho, às praias da Costa Nova e da Barra, Aveiro, Coimbra ou Figueira da Foz. Ainda hoje há quem faça essas viagens, mas em menor número. Raras vezes trazia bolos de regresso a casa. «Aconteceu uma ou outra vez», conta. Aventureira, mas com os pés bem assentes no chão, Lurdes Oliveira começou a ganhar clientes certos e a «trabalhar por encomenda». Depois foi o casamento e, como o marido não achasse grande “piada” às viagens e, tendo em conta que já tinha um número razoável de encomendas garantidas, acabou por se fixar na Rua da Torre, mesmo ao lado do Centro de Saúde. «Comecei a fazer queijadas na casa da minha mãe. Depois comprei esta casa e comecei a fazer aqui os bolos. Entretanto, já remodelou por completo a casa e, nas traseiras, criou um espaço inteiramente dedicado à confecção das Queijadas de Pereira. Durante largos anos, Lurdes Oliveira funcionou com um forno a lenha. Todavia, as novas regras obrigaram-na a investir num forno eléctrico. «Tem uma pedra refractária», refere. Uma característica que permite que este moderno forno eléctrico tenha algumas semelhanças com o tradicional forno a lenha. 

Todos os dias, com excepção do domingo, Lurdes Oliveira começa o dia de trabalho às 6h00 da manhã. Sílvia chega às 9h00, o mesmo acontecendo com Susana, a colaboradora mais jovem da empresa. E também a filha, Ana, dá uma ajuda, quando é necessário. A unidade artesanal funciona até às 20h00 e além das queijadas, produz raivas, bolos (biscoitos) de canela e bolos de limão . São um extra, uma forma de aproveitar o tempo e o forno e dar resposta a alguns tempos mortos, diversificando, igualmente, a oferta. Todavia, o foco está todo ele centrado nas queijadas e não será por acaso que, na opinião de muitos apreciadores, são, indiscutivelmente, «as melhores queijadas de Pereira». Lurdes Oliveira não gosta desse tipo de comentários. «Há pessoas que gostam mais das da Queijadinha», faz notar. «São muito parecidas com estas. As do Manjar já são diferentes, não são feitas manualmente», sublinha, destacando esta marca diferenciadora, uma vez que as verdadeiras Queijadas de Pereira são necessariamente moldadas à mão. É aí que reside uma das grandes diferenças. «Também não são muito doces, nem muito grandes», adianta. Outra diferença está na forma como são embaladas. Sílvia Baptista prepara pacotes de seis e de 12. Primeiro passa uma escova nas queijadas que, de “rabo para cima”, acabaram de arrefecer. «É para tirar restos de farinha», explica. São colocadas duas a duas, “batendo” “cara com cara” e “costas com costas”. Colocam-se sobre um pedaço de papel grosso e enrola-se. Está pronto o pacote. Mais pequeno, se for de meia dúzia, maior, se for de dúzia. Lurdes Oliveira não consegue contabilizar o número de queijadas que faz, em média, por dia. Tudo depende das encomendas e também dos clientes que todos os dias lhe batem à porta. Vende para escolas, cafés (em Pereira e em Coimbra), pastelarias e supermercados. Com 55 anos, gosta do que faz, faz tudo com um enorme gosto. «Enquanto puder, vou continuar», afirma, cheia de genica. E acredita que a filha, que concluiu a licenciatura em Desporto, se não encontrar “saída” no mercado de trabalho, pode ter ali o seu futuro. Fazer queijadas, isso já sabe, e os clientes prometem não faltar, fiéis ao sabor das Queijadas de Lurdes Oliveira. 


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Queijadas de Pereira 90 anos com Montemor-o-Velho

Maria Melo herdou da família o segredo das queijadas e ensinou-o às “moças” da freguesia

D. MARIA MELO: A “RAINHA” DAS QUEIJADAS 1914-2018 Maria Melo Castelão Teixeira foi a grande dinamizadora da confecção das Queijadas de Pereira, uma mestre que iniciou praticamente todas as jovens da freguesia neste doce artesanal

M

aria de Melo Castelão Teixeira foi, sem dúvida alguma, a “rainha”das Queijadas de Pereira. Os segredos da confecção deste doce herdou-os da avó, educada no Convento das Ursulinas. Uma herança que a família Couceiro de Vasconcelos preservou e que Maria Melo partilhou, ensinando muitas jovens a preparar este doce, e contribuindo de forma incontornável para tornar as queijadas no “ex libris” que hoje são. Na véspera de completar 100 anos e de uma homenagem que a Junta de Freguesia e o Rancho Folclórico lhe prepararam,

Maria Melo contou ao Diário de Coimbra a história deste doce, que é, simultaneamente, a história da sua família. As queijadas já se faziam com frequência na casa da família Couceiro de Vasconcelos, todavia, a dada altura, a avó resolveu fazer queijadas para vender. Tudo porque, contou Maria Melo, pretendia obter dinheiro para pagar um «casaco muito bonito», que uma amiga, residente em Paris, lhe tinha trazido. Perante a «resmunguice do marido», deitou mãos à obra e fez as primeiras queijadas para venda. Todavia, segundo Maria Melo, foi a sua mãe quem levou por diante o negócio. Ca-

Diário de Coimbra

sada com um professor, Júlia não estava disposta a ver o marido mandado para longe, leccionar numa qualquer escola distante de Pereira. Por isso resolveu meter “mãos à obra”e fazer queijadas para vender a ajudar a sustentar a família. «Chegou a mandar queijadas para Lisboa», dizia ao Diário de Coimbra, numa notícia publicada no dia 19 de Março de 2013. Também com o objectivo de «ajudar a família» e «ganhar algum dinheiro», Maria Melo deu continuidade ao negócio, quando os dois filhos entraram para a escola primária, e, sobretudo, deu-lhe dimensão. «Chegámos a fazer mais de uma centena de dúzias de queijadas por dia», recordava, lembrando o grande número de vacas e de ovelhas que, na altura, existiam em Pereira. «As mulheres faziam o queijo», que levavam-no a casa de Maria Melo. «Dava uma massa extraordinária», dizia, sublinhando a mistura dos diferentes leites, que garantiam a cremosidade e o sabor genuíno da queijada. Se a mãe afirmou o negócio das queijadas, foi Maria Melo que o consolidou, alargando os circuitos de distribuição, designadamente a Coimbra, Figueira da Foz, Pombal, Espinho ou Aveiro. O comboio, que parava ali praticamente à porta, era o meio de transporte mais simples e eficaz. Com as suas cestas de verga cheias de bolos, os doceiras punham-se a caminho, levando as Queijadas de Pereira a toda a região. Para a ajudar nesta verdadeira empreitada, Maria Melo tinha «muito pessoal», pois, além do grande número que era necessário produzir, «a queijada exige muito trabalho, é tudo feito à mão». Significa que uma grande parte das jovens da vila trabalhavam em sua casa, dando uma ajuda na confecção deste doce de origem conventual, ganhando com isso “alguns tostões”, mas, sobretudo, aprendendo esta arte. Muitas dessas aprendizes transformaram esta formação em negócio, dando continuidade ao fabrico artesanal das Queijadas de Pereira. Maria Melo fez queijadas para fora até ao “dobrar” do século, altura em que enviuvou, mas não “tirou as mãos da massa”, mantendo-se sempre disponível para dar ”uma dica”ou ensinar quem quisesse aprender. Toda a gente na vila a conhecia e nutria por ela um «enorme respeito». Maria de Melo Castelão Teixeira faleceu no dia 21 de Fevereiro de 2018, a escassas três semanas de completar 105 anos. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Arroz Doce

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A TENTAÇÃO DO ARROZ DOCE 2o19 A mistura do arroz, com o leite e com o açúcar representa um manjar dos deuses ao

qual poucos resistem. Em 2019, foi candidato às 7 Maravilhas Doces de Portugal

Tradição do arroz doce, acabado de fazer, presente em todos os eventos do concelho

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aço arroz doce há muito anos, para casamentos», afirma Clara Silva que, à semelhança do que acontece com o arroz de lampreia, também no arroz doce o maior segredo está na qualidade extra do «nosso arroz», o Arroz Carolino do Baixo Mondego. Qualidade que, quando se trata de arroz doce, se prende essencialmente com a «capacidade de absorção de líquidos». É essa característica que confere ao arroz doce o aspecto e a consistência cremosa que são a marca diferenciadora da região. A “mestra”de Clara Silva foi Maria Alberta, uma senhora da Ereira, que faleceu no ano passado, «com mais de 90 anos», e que durante décadas foi a doceira-mor ao serviço, sobretudo quando se tratava de fazer arroz doce para os casamentos. Em causa está uma tradição, muito peculiar da região, explica, que ainda se mantém nos dias de hoje, que leva os noivos a entregarem uma travessa de arroz doce aos convidados. É uma espécie de “aperitivo” para a boda e um convite generosamente comestível e doce para o casamento. Clara começou a ajudar Maria Alberta nestas “diligências”. Mais tarde, quando a

idade a impediu, continuou ela a preparar tachos e tachos de arroz doce. «Ainda vou para fora, para Reveles, Verride, Carapinheira, fazer arroz doce em eventos, festas ou para casamentos», adianta. «Houve anos em que fiz cento e tal quilos de arroz doce», refere. Cada tacho destes, ou seja, de arroz doce para casamentos ou para outro tipo de festividades, leva 10 a 11 kg de arroz e 40 a 50 litros de leite, faz notar. Já que se fala em leite, importa uma ressalva relativamente ao leite que, por norma, se utiliza nesta zona. Não, não é leite de pacote. «Antigamente, na Ereira, havia ordenha e vacas», e era ali que os especialidades do arroz doce se abasteciam. «Agora vou a Maiorca, a uma ordenha», explica Clara Silva. E convém dizer que, aliado à qualidade do arroz, o leite também faz toda a diferença quando se trata de confeccionar arroz doce. Quanto à receita propriamente dita, Clara Silva

explica que, antigamente, «”abria-se” o arroz na água e ia-se pondo o leite aos poucos». Era a “fórmula clássica”. Todavia, agora, com «as modernices», como lhe chama, os preceitos são outros: «mistura-se o leite com a água e põe-se o arroz» e coze tudo em conjunto. «Só quando o arroz está cozido é que se junta o açúcar», avisa, lembrando que o açúcar “corta” o ciclo da cozedura. A «textura do arroz e o gosto de cada um», dita quando esta operação deve ser feita. «Há quem goste de sentir e de trincar o arroz e há quem o queira mais mole. Tudo depende do gosto!», adianta. Há quem ponha manteiga, margarina ou natas. «Eu cá não! Gosto dele ao natural!», diz, torcendo o nariz a estas “novidades”. «Também há quem ponha ovos, mas nós, aqui, não usamos ovos», adianta. Além do leite, do arroz e do açúcar, não se pode esquecer a casca de limão. «Há quem ponha um limão inteiro dentro do tacho. Não, ponho só a casca», esclarece. E não se pode esquecer o sal. «Fundamental», sublinha, que se deve colocar «quando o arroz está em meia cozedura». Recapitulando a receita, agora com quantidades, a nossa doceira aponta um quilo de arroz, um litro de água e quatro litros de leite, casca de um limão e sal quanto baste. Um tacho de ferro fundido é, faz notar, o mais indicado. «Não “pega”, os tachos de alumínio “pegam”», explica. Quando o arroz está cozido, no ponto desejado, junta-se o açúcar. Um quilo certo, tanto quanto o arroz. Depois de mexer bem e deixar ferver, deita-se em travessas e enfeita-se com canela. Come-se frio ou quente, consoante os gostos. Em dias de festa ou sempre que apetecer! 

Clara Silva é uma das mais conceituadas cozinheiras do concelho


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Arroz Doce 90 anos com Montemor-o-Velho

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Farinha de arroz é o principal ingrediente desta taça original e comestível

ARROZ DOCE SERVIDO EM TAÇA DE… ARROZ 2021 Centro Social e Paroquial de Meãs do Campo cria um produto diferenciador, que promove a sustentabilidade e defende o ambiente

A

tradição ainda é o que era” em Meãs do Campo. Terra de arroz e de leite, juntou os dois ingredientes numa conjugação perfeita. «São produtos nossos», afirma Susana Medina, secretária da direcção do Centro Social e Paroquial. Uma colectividade criada em 1989 que, além das valências de apoio social, se empenhou em promover e preservar as tradições do Baixo Mondego, particularmente o arroz doce. Um doce de excelência que a colectividade representou no concurso das 7 Maravilhas. Não ganhou, mas tem conquistado multidões. Sinal disso são as longas filas de espera que, em cada Feira do Ano ou no Festival do Arroz e da Lampreia, se formam junto à sua “tasquinha”, com um público guloso e ansioso para provar o arroz doce acabado de fazer. Trata-se de «agarrar as nossas raízes», afirma Susana Medina, que recorda a tradição do arroz doce dos casamentos, com as «moças a levarem um tabuleiro à cabeça

e a distribuírem travessas de arroz doce aos convidados». Todavia, além do aspecto cultural, o bom sabor do arroz doce também contribui para o equilíbrio das contas da colectividade. «Ajuda-nos a alimentar alguns projectos», afirma. Por isso mesmo, além da participação nos vários eventos promovidos pelo município, o Centro Paroquial de Meãs do Campo confecciona, desde Maio de 2020, uma vez por mês, arroz doce para quem quiser. «Foi uma forma de nos reinventarmos», tendo em conta a situação de pandemia e o cancelamento de grande parte dos eventos. «As pessoas têm aderido muito bem e têm-nos ajudado», refere. São entre 25 a 30 kg de arroz Carolino do Baixo Mondego, “transformados”em arroz doce, que de Meãs do Campo seguem para a Figueira da Foz, Coimbra, Soure e para a própria freguesia. As encomendas podem ser feitas, através de e-mail, mensagem na página da instituição ou por contacto telefónico. «As pessoas vêm le-

vantar, mas também fazemos algumas entregas», em zonas mais próximas, refere Susana Medina, satisfeita com a receptividade e “produtividade” desta ideia. Mas a capacidade de inovar do Centro Social e Paroquial das Meãs não se fica por aqui. Com efeito, a colectividade empenhou-se em procurar uma solução ambientalmente mais saudável para substituir as tradicionais taças de plástico que usava, seja para servir o arroz doces nos eventos, seja para dar resposta às encomendas mensais. Esta «necessidade de inovar», conduziu à criação de «uma taça confeccionada com farinha de arroz», refere Susana Medina, que destaca a resposta à «necessidade de substituir o plástico» e, ao mesmo tempo, oferecer uma solução diferente, também ela concebida com base num produto endógeno, o arroz, e que tem a particularidade de «ser comestível». Em Março deste ano deu-se o “pontapé de saída” para a esta taça de farinha de arroz, nascida dentro da instituição, com a equipa a «testar e a aperfeiçoar» a massa. «Demos a provar a alguns cozinheiros, para avaliar a textura e o sabor», refere a responsável, salientando que a ideia foi inteiramente concebida, desenvolvida e concretizada pela equipa do Centro Paroquial de Meãs. Os chefs aplaudiram o resultado e o público rendeu-se a mais esta ideia com a marca de sucesso. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Arroz de lampreia

ARROZ DE LAMPREIA INCOMPARÁVEL NA EREIRA 1999 Ereira fez valer a fama do seu arroz de lampreia para

promover um festival, que se saldou num êxito. De um já passou para dois dias e tem reservas de todo o país

“O arroz cresce no vale e é no Mondego que as lampreias são apanhadas

O

segredo está no nosso arroz, arroz Carolino do Baixo Mondego». Palavras de Clara Silva, uma cozinheira de “mão-cheia”, afamada por confeccionar o melhor arroz de lampreia da região. A juntar ao «melhor arroz do mundo», que cresce nos arrozais e rodeia a localidade por todos os lados, está a lampreia. «São os nossos pescadores que apanham a lampreia no rio», faz notar. Entre Janeiro e Abril vive-se a época da lampreia e Clara Silva não tem “mãos a medir”. «Tem de ser preparada na véspera», esclarece, referindo-se às atenções que o ciclóstomo exige antes de ir para o tacho. Para quem não está habituado a estas “andanças”, a especialista, que já preparou milhares de lampreias, lembra que o “bicho” tem de «ser escaldado, amanhado e limpo». Depois, é colocado numa “marinada”, feita com vinho, alho, louro, colorau, sal e salsa. «Fica a marinar de um dia para o outro». No dia seguinte, «há quem faça um estrugido de cebola e azeite e coloque todos

os temperos da marinada no tacho», explica. Todavia, não é esse o preceito que Clara Silva segue. Conta que sempre gostou de cozinhar, «desde que me conheço como gente» e aprendeu estes “segredos” com a mãe. Por isso, faz «tudo de novo». Ou seja, não aproveita nada da marinada, «a não ser o vinho». Cebola, alho, azeite, louro, colorou e salsa, fazem a base, a quem junta o vinho, levando a lampreia a cozer «durante uma hora, uma hora e pouco». «Tem de ficar rijinha», adverte. «Se cozer demais fica espapaçada», adianta. Depois de cozida, «retira-se, com um bocadinho de molho, e nessa calda faz-se o arroz». «Se a lampreia tiver ovas, o arroz fica melhor», adianta. Quando está quase pronto, acrescenta-se «um bocadinho de vinagre» e serve-se. «O arroz de lampreia não pode esperar. As pessoas é que têm de esperar por ele», avisa. Clara Silva tem uma larga experiência na preparação do afamado arroz de lampreia da Ereira, que dizem ser «diferente», uma

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iguaria «imperdível» para os apreciadores, que “correm” quilómetros e quilómetros para se banquetearem com este prato, que habitualmente é servido nos dois restaurantes da localidade, o “Abrigo do Pescador” e o “Major”. Mas essa fama que vem de longe esteve na base de uma outra iniciativa, o Festival da Lampreia, que em 2020, nas vésperas do primeiro confinamento ditado pela pandemia, realizou a sua 21.ª edição. O evento decorre sempre em Março e de um dia passou para dois, ocupando todo o fim-de-semana. «Vêm pessoas de todo o país, autocarros», acrescenta, orgulhoso, o presidente da Junta de Freguesia. São dias e muito trabalho para Clara Silva, a mestre que, na cozinha, orienta os trabalhos, de forma a garantir que as muitas dezenas de apreciadores do arroz de lampreia à moda da Ereira ficam satisfeitos. Razões de queixa não existem. Pelo contrário, cada vez são em maior número os “repetentes”e aqueles que regressam e trazem consigo um amigo. Alguns são mesmo clientes desde o primeiro festival.

Vinagre e sal são o segredo do peixe frito Se a lampreia é a rainha do festival, há outros habitantes do rio que merecem uma principesca referência. São as enguias, os barbos, as tainhas e o sável, «também apanhados aqui, no rio, pelos nossos pescadores». Peixes que são fritos e garantem uma entrada diferente e apetitosa no festival, além de fazerem parte da tradição da mais genuína gastronomia local. Todavia, o peixe do rio, porque é disso que se trata, tem muitos “segredos”. «O peixe do rio é bom frito», afiança Clara Silva. Mas antes de entrar na sertã ou na frigideira, como lhe queiramos chamar, tem de sofrer um determinado “tratamento”. São os tais “segredos” que fazem a diferença. «O peixe tem de ser temperado com sumo de limão, alho e bastante sal», afirma. O sal é essencial, «porque o peixe do rio é adocicado», explica. O sável tem algumas particularidades: «corta-se em postas muito fininhas e tempera-se com sal, alho e vinho branco e deixa-se a marinar de um dia para o outro». Depois de bem frito, todo o peixe, incluindo o sável, «tem de levar vinagre para cima», adianta. «O peixe do rio tem de ser bem temperado», remata Clara Silva. 


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Pastel de Tentúgal 90 anos com Montemor-o-Velho

Doce conventual é uma complexa obra de arte apesar dos ingredientes simples

TENTÚGAL DEU NOME AO PASTEL QUE CONQUISTOU O PAÍS 1898 A morte da última irmã, Maximiana do Loreto, ditou o encerramento do Convento do Carmo e abriu, definitivamente, a porta ao mundo dos afamados pastéis

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ourado e crocante, é uma verdadeira obra de arte. Um doce delicado, que se derrete na boca e conquista quem o prova. Uma massa leve, fruto da sabedoria e da paciência. Um recheio feito de gemas e açúcar, que representa a memória mais doce das tradições conventuais. Um pastel exclusivamente feito por mulheres, que ganhou o nome da terra que o viu nascer e projectou Tentúgal em todo o território nacional. Na sua origem está o Convento do Carmo e as irmãs que ali viviam. Olga Cavaleiro, uma estudiosa do tema, licenciada em Sociologia e com um mestrado em História da Alimentação, filha e neta de pasteleiras, fala-nos desta delícia doce, cuja delicadeza está directamente relacionada com a «doçaria rica que se fazia no Convento». O facto de ali serem acolhidas muitas das filhas da alta nobreza é um elemento fundamental. O segundo factor prende-se com «as rendas», pagas ao Convento, que

permitiam a abundância de ovos. «A maior disponibilidade de açúcar» trouxe ao Convento de Tentúgal o ingrediente que faltava para fazer o doce. Essencial é, sem dúvida alguma, o exercício de paciência que subjaz à confecção deste pastel. Um dia é, ainda hoje, o tempo médio necessário para preparar pouco mais de uma centena de pastéis. Um trabalho que, ontem como hoje, continua a ser todo feito de forma manual. «Inicialmente, o pastel tinha o formato de meia-lua», o que reflecte, sublinha Olga Cavaleiro, o «espírito do pastel», que era preparado para ser «oferecido a quem fazia ofertas ao Convento». O Convento do Carmo de Tentúgal encerrou definitivamente em Fevereiro de 1898, altura em que morreu a última irmã, Maximiana do Loreto. Fechadas as portas, do Convento também saíram algumas mulheres da vila, que ali trabalhavam e conheciam os segredos do pastel e o trans-

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mitiram às respectivas famílias, sempre com o maior secretismo. «Havia quase um véu à volta do processo de produção», diz, lembrando a colocação de «cobertores nas janelas», para evitar que alguém pudesse “espiar” a confecção. Duas irmãs, Ana e Branca Faria Delgado, carinhosamente tratadas por Branquinha e Aninhas, familiares de uma das residentes no Convento, e uma outra senhora, a professora Conceição, também conhecedora da receita, foram as grandes mestras e as responsáveis pela divulgação do pastel. «Começaram a ensinar as jovens de Tentúgal» e o doce começa a ser conhecido e comercializado. «A partir da década de 50, o pastel começa a ser produzido em grande escala e a ser enviado, de camioneta, para Coimbra e para Lisboa», transportado em «cestas e em baús». Todavia, faz notar Olga Cavaleiro, já muito antes, pelo menos em 1850, há testemunhos da venda dos «mui afamados pastéis de Tentúgal» em Coimbra. Começam, igualmente, a surgir as primeiras pastelarias em Tentúgal e, na década de 60, com a abertura da Estrada Nacional 111, que liga Coimbra à Figueira da Foz, o pastel instala-se definitivamente, com a abertura de várias pastelarias, ao longo da via, transformando Tentúgal num pólo de atracção e de visitação. «O pastel tem vida própria, precisa de todos e não precisa de ninguém», afirma Olga Cavaleiro. Essencial é, em seu entender, «valorizar as mãos que estiveram por detrás desta magia», as muitas mulheres que, ao longo de muitas décadas, «deram vida à massa» e «sabor» ao recheio do pastel. Histórias de vida, memórias, que vão muito além do valor comercial do pastel, sublinha. Um doce que «tem um conteúdo histórico e cultural muito forte», que envolveu sucessivas gerações de pasteleiras e que, ganhando o nome da vila, «projectou Tentúgal pelo país inteiro». «Se Tentúgal existe, como vila, há cerca de mil anos, é o pastel que vem dar conhecimento e reputação à vila. A vila deu o nome ao pastel e o pastel deu nome e reputação a vila», adianta. Em termos económicos e sociais, o pastel teve uma relevância extraordinária, ao permitir que «muitas jovens começassem a trabalhar cedo e a ter a sua independência económica, fugindo ao trabalho do campo, muito mais duro e desgastante».


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90 anos com Montemor-o-Velho Pastel de Tentúgal

Ingredientes simples num processo complexo Para a confecção do pastel é necessário “flor de farinha”. Trata-se da farinha mais fina, mandada moer nas chamadas “mós alveiras” e peneirada em peneiras de seda, de malha fina. Junta-se água e amassa-se. Tão simples quanto isto. Farinha e água. Falta referir os segredos, as mãos hábeis das mulheres que trabalham a massa. «São sempre mulheres, porque têm as mãos frias e as mãos frias não rebentam a massa», esclarece a investigadora. Amassa-se bem e começa a esticar-se. Estica-se, estica-se até se ter uma espécie de um lençol. É o “ponto de véu”, cuja espessura, destaca, não ultrapassa os 0,05 mm. Às vezes a massa “rasga” e perdem-se umas dezenas de pastéis. Uma situação que só confirma o exercício de paciência que a operação do pastel exige. Feita a massa, há que cortar pequenos pedaços, «folhinhas muito finas, quase transparentes e delicadas, que se trabalham para “armar o pastel». Olga Cavaleiro enfatiza a expressão “armar”. «Não é bater, amassar», como em qualquer bolo. No pastel, «a massa é armada», ou seja, é feita «uma construção». Uma obra de arte, que conjuga, em beleza e harmonia, a massa e o recheio. Recheio que não é mais do que um doce de ovos, feito com gema de ovo, água, açúcar e canela. Dobra-se a massa e ajeitam-se os cantos. «Saber armar o pastel faz parte da magia própria deste doce», adianta. Concluído o processo, todo ele manual, o pequeno tesouro vai ao forno. Pela força da sua história, mas sobretudo pela dimensão enorme do saber-fazer que lhe subjaz e pelo enorme trabalho que a preparação do pastel exige, Olga Cavaleiro refere a necessidade de se «valorizar o trabalho, a mão de obra» que representa. Todavia, a realidade é outra e «continua a vender-se por um valor baixo». Para revenda, explica, muitas vezes não chega aos «40/50 cêntimos», o que constitui uma «desvalorização do pastel». 

Confraria defende e promove doçaria tradicional

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Confraria promove os doces, mas sempre com um olhar na história e no património

«Dignificar a doçaria de Tentúgal, tendo como maior protagonista o pastel, sem esquecer os outros doces feitos no Convento do Carmo», foi o objectivo que presidiu, em 2007, à constituição da Confraria da Doçaria Conventual de Tentúgal. Olga Cavaleiro é uma das fundadoras e a grã-mestre da Confraria, e destaca, igualmente, o propósito assumido de «fazer a história do Pastel de Tentúgal, promover a sua dignificação e associar o pastel ao rico património de Tentúgal». Uma aliança entre a doçaria, designadamente o pastel, e a vila que a também presidente da Federação Portuguesa da Confraria Gastronómica considera especialmente importante. Trata-se de uma aposta fundamental em «trazer mais pessoas a Tentúgal, não só para comerem o pastel, mas também para conhecerem o património», ficarem com uma percepção da «identidade da vila» e da sua história. Uma preocupação que não se ficou pelas palavras. Pelo contrário. A Confraria dinamizou um conjunto de iniciativas, procurando recuperar e valorizar o património. Passo relevante foi a recuperação da roda da portaria do Convento. «Era a forma de comunicar com o interior do Convento», refere a grã-mestre. Era através desta roda que eram «entregues esmolas, medicamentos, comida», faz notar. Era também ali que eram deixadas as crianças indesejadas ou de famílias sem condições. Uma obra de recuperação feita em 2013, antecedida por outra, igualmente no Convento do Carmo, em 2008, com a recu-

peração de duas telas. A Torre do Relógio, outra das referências do património de Tentúgal, também foi recuperada e, na sequência da tempestade Leslie, a Confraria voltou a virar os olhos para o Convento e recuperou um enorme buraco, resultante da queda de uma chaminé. Em simultâneo com esta vertente de recuperação, a Confraria apostou na realização de visitas guiadas. «Fomos pioneiros no desenvolvimento do turismo gastronómico, aliando o Pastel de Tentúgal ao património da vila», afirma. Os visitantes tinham, desta forma, oportunidade de se inteirar do valor cultural e histórico da vila e do pastel e a possibilidade de apreciar e acompanhar a sua confecção. «Em vez de estarem aqui 10 minutos, os visitantes ficavam praticamente o dia inteiro», refere Olga Cavaleiro. Visitantes que chegam de todo o país e inclusivamente, do estrangeiro. A responsável lembra a visita do actor francês Gérard Depardieu, em 2015, que se rendeu à delicadeza do pastel, experimentou a sua “armação” e acabou por ser entronizado confrade da Confraria de Tentúgal. A Confraria empenhou-se, igualmente, em recuperar velhas tradições, muitas das quais corriam o risco de cair no esquecimento, e em sensibilizar os mais novos para o valor deste património. Nossa Senhora das Candeias, a Senhora da Boa Morte, os Bolinhos e Bolinhós foram algumas destas referências ancestrais que a Confraria recuperou, «puxando pelo orgulho de ser de Tentúgal». 


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SIA 90 anos com Montemor-o-Velho

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Após o descasque, batata volta a ser vistoriada. As maiores são cortadas

SIA: O MUNDO DAS BATATAS FRITAS 1891 Instalada em Tentúgal, a “fábrica das batatas fritas” é um caso único e de inquestionável sucesso no país. Processa mais de 50 mil toneladas de batata por ano

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ouradas e estaladiças, são uma tentação. Onduladas, lisas ou “palha” representam um desafio permanente. Difícil é mesmo escolher. Entre as caseiras, fritas em azeite ou em óleo de girassol, ou os muitos aromas. De oregãos a ovos com presunto, as possibilidades multiplicam-se, sem esquecer as “light”. É o universo SIA – Aperitivos. O mundo da batata frita que, a partir de Tentúgal, abastece todo o território nacional e também vários países da Europa e de África. “Sr. Basílio” e “Super Douradas” são as marcas próprias, que a empresa produz há mais de 30 anos. Seguiram-se outros desafios, com a SIA a garantir a produção da esmagadora maioria das marcas oferecidas pela grande distribuição, multiplicando os sabores e a espessura, mas mantendo o traço genuíno de lisas, onduladas e “palha”, que lhe conferem o estatuto de maior produtor da Península Ibérica. Em causa está uma empresa criada em

1991, que passou pela posse de vários grupos internacionais, pelos ingleses da United Biscuits, pelos espanhóis da Grefusa, regressando, em 2007 às mãos de dois investidores portugueses. Um período de grande crescimento, com a duplicação, em 2011, da capacidade produtiva instalada. Em 2014, a empresa é adquirida pelo grupo Altho, o maior grupo francês de produção de batata frita, que actualmente possui 100% da empresa. Todavia, o grupo gaulês fez sempre questão de «manter a identidade portuguesa», sublinha Pedro Santos, administrador da empresa. Por isso, os administradores são portugueses, o mesmo acontecendo com 100% dos 230 colaboradores. Já quanto à batata, metade é produção nacional, com uma grande fatia proveniente da região. «Gastamos praticamente 100% da produção local», explica. Quanto aos restantes 50%, vêm de Espanha e de França. 52.300 toneladas de batata entraram, em 2020, na empresa. A batata vem, so-

bretudo a de produção nacional, directamente da terra, do produtor, para a empresa. Um processo que se verifica praticamente entre Maio e Setembro. A partir daí, a batata, ou seja, a matéria-prima da produção da SIA Aperitivos, vem de Espanha e de França. Uma situação que se prende, explica o administrador, com o facto de «Portugal não armazenar batata», tendo em conta que se trata de um processo «muito caro». «Apenas existe um armazenista» nacional, explica. Na visita que efectuámos, um camião vindo de Espanha procedia à descarga de batata a granel. O tubérculo é sujeito a uma primeira operação de triagem. As batatas rolam numa imensa passadeira sob o olhar clínicos dos elementos da equipa. As verdes e, eventualmente, uma batata podre, são logo colocadas de lado. Segue-se a calibragem, balizada entre os 38 e os 90 mm. Significa que a batata miúda não passa no crivo e é devolvida ao produtor. Da mesma forma, os resíduos de plantas e de terra são detectados e retirados. As passadeiras continuam a rolar, desta vez para levarem a batata, armazenada numa das tulhas para um primeiro banho. Depois de lavada, a batata é descascada e volta a ser lavada. Segue-se mais uma vistoria completa. Equipadas com auscultadores, várias colaboradores atentam no perfil da batata. Usam uma faca especial, com a lâmina a perfazer um ângulo recto


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perfeito. As batatas maiores são partidas ao meio ou mesmo em três partes. Procuram-se, ainda, imperfeições ou manchas, “resolvidas” com um corte. A batata continua a seguir o seu caminho, agora rumo aos cortadores, “afinados” de acordo com o objectivo. Podem ser lisas, onduladas ou “palha”. O diâmetro do corte é definido, de acordo com o desejo do clientes e a máquina corta. Estão a “sair” onduladas, que depressa “apanhamos” mais à frente, acabadas de sair da fritadeira. Noutra linha “crescem” as lisas. Aqui a opção pode recair sobre o óleo de girassol, o mais usual, ou sobre o azeite, que dá um toque tradicional e caseiro à batata frita. Uma terceira opção, que passa pelo óleo de palma, tem vindo a cair em desuso. A selecção é rigorosa e se o dourado não estiver homogéneo, a batata é rejeitada. As perdas não são muito significativas, garante Pedro Santos. De resto, estes resíduos são aproveitados para a alimentação animal. Antes da pesagem e do posterior embalamento, há que dar sabor à batata frita. Sal, apenas, para a situação mais simples. Aromas a queijo, a presunto, a chouriço, só para referir os mais comuns. Falta-nos falar nas batatas light. Sim, são fritas, como as restantes, mas posteriormente são submetidas a um tratamento especial, no forno, que permite reduzir «30% da gordura» resultante da fritura. Os “pacotes” estão prontos. Falta reuni-los em caixas de cartão ou em paletes,

90 anos com Montemor-o-Velho SIA

que ficam em armazém, à espera da hora de segurem viagem, rumo a qualquer estabelecimento comercial.

Monitorização completa Toda a produção é monitorizada milimetricamente, com o laboratório a garantir análises da produção hora a hora. Curiosidades não faltam numa empresa de referência, única no território nacional, que trabalha 24 sobre 24 horas, de segunda a sexta-feira. Por exemplo, para produzir um quilo de batata frita são necessárias 3,5 kg deste tubérculo. «A batata tem muita água», faz notar Pedro Santos. As variedades usadas são diversas, dentro da gama de batata para a indústria e a SIA garante a recuperação do amido, que se “perde” com a lavagem. «É vendido», explica o administrador, salientando a utilização deste sub-produto em vários sectores, designadamente na produção de cola e na indústria de papel. O tratamento do efluentes sempre foi uma das preocupação da empresa, que tem uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR) própria. Os óleos são reciclados para produção de biodiesel. A segurança constitui outra das grandes preocupações, designadamente em termos de incêndios. Além do sistema de alarme, há um tanque próprio de água, que obvia a «dependência de terceiros». A empresa é certificada desde 2009, nas áreas da qualidade, ambiente, saúde, segurança ocupacional e segurança alimentar. 

Depois de fritas, batatas recebem os aromas pretendidos

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Investimento de capacidade produtiva e tecnológica

«Somos uma empresa com um investimento intenso na capacidade produtiva e tecnológica», afirma Pedro Santos. Sinal disso é o facto de, nos últimos três anos, a SIAAperitivos ter investido 16 milhões de euros na instalação de uma nova linha de produção e numa nova linha de embalamento, além do alargamento da área social, necessário, tendo em conta o crescimento significativo de colaboradores. Em 2014 eram 160, actualmente são 230, esclarece. O crescimento da empresa tem sido acompanhado pelo aumento da capacidade de produção e com o aumento do número de clientes. É, de resto, numa parceria estreita com os clientes que a SIA tem procurado dar respostas inovadoras, nomeadamente na «busca de novos aromas». «15% da produção» da empresa destina-se a exportação. A vizinha Espanha afigura-se como o principal mercado, mas também exporta para Marrocos, Rússia, Angola, Bélgica, Cabo Verde e Luxemburgo. Pedro Santos reconhece que há margem de crescimento, «novos mercados e novos desafios». Por isso a empresa participa em várias feiras internacionais, sublinha, muito embora faça notar os custos de transporte como um “handicap”. A nível local, «somos uma empresa muito inserida na comunidade», diz ainda Pedro Santos, que sublinha o facto de muitas famílias, pais, mães e filhos, terem na SIA o seu posto de trabalho, além de um número significativo de produtores da região que têm o escoamento da produção garantido através da empresa. Além de apoiar os Bombeiros Voluntários de Montemor-oVelho, a empresa alia-se ao Agrupamento de Escolas na atribuição dos Prémios Excelência. 


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Pro4Matic 90 anos com Montemor-o-Velho

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PRO4MATIC: UMA OFICINA 5 ESTRELAS 2019 Ao negócio da distribuição de suspensões automáticas, Nuno Durão decidiu juntar

uma oficina diferente e tem vontade de ir mais longe

Em Montemor existe a única oficina especializada em suspensões automáticas

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azar pode transformar-se em sorte. Foi isso que aconteceu a Nuno Durão. Um empreendedor nato para quem «a virtude está no fazer». “Nasceu”ligado à informática, cresceu na mediação imobiliária e foi no reino dos automóveis que encontrou a sua grande vocação. «Sempre fui um aficionado do mundo automóvel», confessa. E foi um problema com o seu carro, há 12 anos, que o levou a descobrir este mundo novo e diferente, que projecta a Pro4matic e Montemor, com visitantes a chegarem dos mais diversos pontos do país, mas também da Alemanha, Holanda ou Inglaterra. Um problema na suspensão do Audi 6 trouxe dores de cabeça acrescidas a Nuno Durão. «Não havia nada em Portugal», recorda, sublinhando que se tratava de uma peça «muito cara, na marca», o que o levou a procurar alternativas e a descobrir um fabricante na Alemanha. Estava dado o “click” para uma viragem na vida do jovem empreendedor, actualmente com 38 anos. «Fiz formação, especializei-me», refere e mudou de vida. Para trás ficava a mediação imobiliária. À sua frente abria-se o mundo das suspensões automáticas. «É um nicho de mercado, praticamente só 5% dos carros em Portugal têm este tipo de suspensão», esclarece, apontando o segmento médio-alto e alto de marcas

como a Audi, BMW ou Mercedes. Trata-se de substituir a peça original por uma outra, que garante «maior conforto».Arnoh (americana), Bilstein (alemã) e, mais recentemente a Duenlop (inglesa), são as marcas de suspensões automáticas que a Pro4matic representa em exclusivo na Península Ibérica. Uma empresa cujo nome diz tudo: «profissionais para pneumáticos em quatro rodas», diz o mentor do projecto, que começou com uma forte aposta na distribuição. «Aoficina nasce da necessidade de termos um espaço físico para apresentar os nossos produtos e dar formação a terceiros, nomeadamente oficinas e casas de peças em todo o território nacional», esclarece o empresário. Juntou-se o «gosto» e a «vontade» de tudo fazer para que «as pessoas se sintam bem». O resultado foi um espaço diferente de tudo o que se possa imaginar. Uma parte do edifício, instalado na zona industrial de Montemor, é ocupado pela distribuição e armazém. Para os clientes e visitantes foi criado um bar, com 160 m2, onde se fazem exposições de vinhos e cervejas internacionais, há música ambiente e um ambiente de conforto que convida a ficar. «As pessoas gostam de lá estar», diz Nuno Durão. Um espaço com vista panorâmica sobre a terceira valência da Pro4matic, ou seja, a oficina, também ela diferente. O piso branco destaca-se. «Obriga-nos a

limpar», diz o empresário, para quem a «limpeza e a organização representam 60% do trabalho». Impecavelmente branca e limpa, a oficina, a funcionar há dois anos, é uma aposta ganha. «Tem corrido muito bem», diz Nuno Durão, e destaca o facto de a Pro4matic já ter sido nomeada por algumas revistas como «oficina de referência», «um modelo». Um novo departamento que conquista quem o visita. «Recebemos visitantes da Alemanha, da Holanda, de Inglaterra» e todos «ficam admirados» e rendidos a este novo conceito. Uma oficina modelo que não se dedica apenas às suspensões pneumáticas. Significa que ali se faz tudo o que é comum numa oficina automóvel, designadamente revisões certificadas, pneus, alinhamento ou lavagem, refere, sublinhando o facto de ser uma oficina «extremamente bem equipada», designadamente com máquinas de teste de travões e de amortecedores. «As pessoas vêm recomendadas por outras e recomendam-nos», diz Nuno Durão, que não se queixa da vasta carteira de clientes - com Lisboa e Porto no top tendo em conta a «especificidade do negócio». «É a única oficina especializada em suspensões automáticas», adianta. Muitos clientes começam precisamente por aí, mas voltam para resolver outros problemas da sua viatura. A Pro4matic tem sete funcionários, três direccionados para a oficina e os restantes dedicados ao atendimento e distribuição, área de origem, que representa «cerca de 90% do negócio», embora a oficina esteja a crescer de forma significativa. «A sabedoria é saber-fazer. A virtude está no fazer. É isso que faz toda a diferença», diz Nuno Durão, que acreditou no projecto e se empenhou na sua concretização. «Nada se faz sem trabalho», alerta, confessando que a empresa «exige dedicação total» e um investimento de vulto, que ultrapassa os dois milhões de euros. Mas a “máquina” não pode parar. Nuno Durão já comprou o lote ao lado das actuais instalações e pensa crescer. Afigura-se uma nova aposta, ainda no segredo dos deuses. «Uma coisa nova», promete. 



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Parques industriais 90 anos com Montemor-o-Velho

Parque de Negócios de Montemor tem lotação esgotada

UMA EMPRESA LICENCIADA EM 20 DIAS 2021 Com parques empresariais de referência,

praticamente lotados, executivo municipal está empenhado em avançar com o seu alargamento. Interessados não faltam

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om uma localização privilegiada, graças à proximidade das autoestradas, a escassos quilómetros do porto da Figueira da Foz e da linha férrea, Montemor tem sido um dos concelhos que mais empresários tem cativado, inclusivamente com alguma deslocalização de projectos que se saldaram num êxito. O resultado é que o Parque de Negócios de Montemor e o Parque Logístico

e Empresarial deArazede estão praticamente esgotados e à espera de ampliação. Mas a autarquia também tem feito o seu papel. «Há dinâmica na instalação de empresas», assume Emílio Torrão, recordando que quando chegou à Câmara, em 2013, «o Parque de Montemor tinha uma empresa em laboração» e hoje tem «um lote por concluir». «Criámos dois truques», confessa. Por um lado uma aposta «na imagem, na

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arquitectura», o que tornou o parque «mais atractivo, mais agradável e chamativo». O segundo prende-se com a dinâmica interna que o município criou, através de um director de departamento, para evitar que os projectos «entrem na malha burocrática». «Os projectistas falam com os nossos serviços, corrigimos os projectos e, quando chegam à Câmara, está tudo em conformidade, fruto desse acompanhamento e proximidade», refere. Os projectos empresariais «têm via verde na Câmara», garante o autarca, o que pode permitir que uma «empresa seja licenciada em 20 dias», conclui. Com cerca de 14 hectares e 34 lotes, quase todos vendidos, o Parque de Negócios de Montemor acolhe actualmente duas dezenas de empresas e prepara-se para crescer, com o desenvolvimento de uma Unidade Operativa de Ampliação que representa mais 18 hectares. Mais recente, o Parque Logístico e Industrial deArazede (PLIA) acolheu a primeira empresa em 2017 e os 26 lotes referentes à primeira fase «estão todos vendidos». «Esgotou a primeira fase», diz o edil, apontando uma segunda fase, que representa mais oito lotes, igualmente vendidos. A terceira fase (com 40 lotes) «está em preparação» e «vai depender de financiamemto», tendo em conta que se trata de um «grande volume financeiro», que carece de «apoio comunitário. «É um «investimento prioritário» numa zona de «grande expansão», sintetiza Emílio Torrão. 

Município está empenhado em fazer crescer as zonas industriais,em resposta ao interesse dos investidores


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90 anos com Montemor-o-Velho Parque Zoológico

EUROPARADISE: UM HINO AOS ANIMAIS E À NATUREZA

Hanoi, o gibão preto, exibe a sua boa forma física saltando entre as ramadas do pinheiro

1998 A 8 de Agosto de 1998 assistia-se à inauguração do Zoo de Montemor, um parque que actualmente reúne 530 animais, provenientes dos mais diversos pontos do globo

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reguiçosamente recostada, Fifi descansa à sombra, fugindo ao abrasador calor que se faz sentir ao princípio da tarde. Não dorme, mas está quieta. Olha-nos, atenta, mas apenas quando o tratador lhe atira uma perna de peru sai daquela modorra. Um segundo naco de carne - que não representa mais do que um modesto bife para as suas necessidades alimentares - leva o tigre fêmea a dar mais uns passos e a mostrar a majestade do seu porte, a imponência do seu fato listado. Mas a Fifi – cujo nome oficial é Chiva”, «como a deusa» - está triste. «As vespas morderam-lhe e tem um olho ainda inchado», conta Agostinho Pedro, proprietário do Jardim Zoológico de Montemor. Mas também se sente só e ainda chora a morte do companheiro de longa data, Nero, que morreu há cerca de três meses. «O macho era mais imponente, mais impressionante», conta. «Tinha 340 quilos», contra os 205

da fêmea. Morreu de velhice. «Tinha 19 anos. A duração média dos tigres é de 20 anos», esclarece. «As fêmeas podem ir até aos 25 anos», adianta. Indeciso, Agostinho Pedro continua a manter o cadáver de Nero na arca, congelado. «Não sei se o hei-de mandar embalsamar», confessa, recordando com saudade uma “companhia” de 15 anos. «Era um tigre da Sibéria», que fez parte de um circo. De um circo já lhe propuseram a aquisição de outro macho, pois «até 2024 vão ficar sem animais», refere, lembrando a legislação. Todavia, o proprietário do Europaradise não sabe o que fazer. «O animal tem 16 anos... A gente afeiçoa-se aos animais e custa perdê-los...», confessa, fechando o cadeado da dupla cerca que mantém a Fifi e os visitantes protegidos das investidas ou das proezas dos mais aventureiros. Aventureiro e ousado é, garantidamente, o gibão preto que, bem perto do “bairro” dos tigres, tem a sua “ilha”, encimada por um enorme pinheiro manso. Habituado aos visitantes, Hanoi, assim se chama, em homenagem à capital do Vietname, a sua terra natal - exibe-se e fica à espera do aplauso e da recompensa. Apanhou Agostinho Pedro desprevenido. «Não tenho nada, agora, para te dar», diz, pois nor-

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malmente há uma peça de fruta por perto para dar ao Hanoi. «Faz de conta que se vai suicidar», esclarece, explicando a subida para o alto do pinheiro, de onde o gibão se atira. Uma queda milimetricamente calculada, pois são várias as cordas existentes e Hanoi termina a sua aventura em queda livre agarrando-se a uma delas. Estamos mais ou menos a meio do Jardim Zoológico de Montemor. Num vasto espaço, onde crescem pinheiros, sobreiros, carvalhos e azinheiras e outras espécies autóctones, que criam um ambiente muito especial. Um pavão recebe-nos, livre, logo à entrada e ao longo do circuito os lémures conquistam o visitante pela sua simpatia, mas também pelo número significativo desta família. «Até há dois/três anos andavam soltos e vinham receber as pessoas», esclarece o proprietário, confessando que teve de os encerrar face às exigências da tutela, que impôs esta medida para o zoo poder acolher girafas. Os altaneiros animais de língua azul ainda não chegaram, mas os lémures deixaram de dar as boas-vindas aos visitantes. Ao saguim comum segue-se o tamarino cabeça-de-algodão, os suricata, um porco-espinho, os guaxinim, os capuchinos castanhos, com o seu rabo enrolado para dentro, o gibão, comum e prateado e mais e mais lémures, de cauda anelada e de colar vermelho, alguns pendurados nas costas das respectivas mães, que quase se riem para os visitantes. «Temos sorte com os lémures», diz, referindo-se em particular aos de colar vermelho. «São muito raros, mas dão-se muito bem aqui». O responsável do zoo está a preparar-se para enviar um conjunto de lémures de colar vermelho para Espanha, em troca com flamingos. O faisão azul da Machúria “abre”a secção das aves, onde as atenções vão, naturalmente, para as coloridas araras, vermelhas, umas, e azuis e amarelas, outras. Os pavões andam livremente e supreendem-nos nos mais variados locais. Na lagoa, existente nas imediações, meia dúzia de patos levantam voo, enquanto outros permanecem ancorados, junto à margem. Zebras, gamos, cabras anãs, exemplares enormes de avestruz, cinzentas, umas, pretas, outras, cangurus de pescoço vermelho desfilam perante o nosso olhar. Ao lado do cudu grande estão os veados wapiti, os exemplares maiores e os mais pequenos desta espécie.


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Parque Zoológico 90 anos com Montemor-o-Velho

A paragem impõe-se no “apartamento” da Casuar. «É a nossa jóia da coroa, a mascote do parque», diz. Um “perú”gigante, que impressiona pelas suas cores fortes, azul e vermelho, que se antevêem debaixo de um “pano” de penas negras. «Quando fica excitada, as cores tornam-se mais vivas»», explica o tratador. O papo armazena 20 litros de ar e, zangada, a Casuar emite um silvo que faz lembrar um barco. «Provavelmente é a única fêmea em cativeiro no mundo e não existe nenhum macho», explica, lamentando a impossibilidade de haver acasalamento, apesar de a ave gigante pôr ovos todos os anos «Vai morrer solteira», adianta, com tristeza. Quando isso acontecer, o destino está traçado: «vai para o Museu de História Natural», refere. «É uma ave pré-histórica. Há três milhões de anos voava e as asas, que hoje têm cinco centímetros, teriam uns cinco metros». As patas são verdadeiras garras, onde se inclui «um punhal assassino». «Mata seis a 10 pessoas, todos os anos, na Austrália». Os machos estão entre as suas vítimas preferenciais. «40% sucumbem ao acasalamento», apesar de serem os machos que, diligentemente, chocam os ovos, durante 56 dias. «Não comem nem bebem», vinca o tratador. A ave terá uns 25 anos e pode viver o dobro. “Prima” da mascote do parque é outra Casuar, de capacete ou casuar comum. Menos exuberante, merece uma paragem. «Há uns três/quatro anos, cortou o macho aos pedaços», conta Agostinho Pedro. Tudo porque a ave, que estava a chocar os ovos, ousou de sair do ninho para beber água. A fêmea não perdoou: matou-o! Perto dos nadu, um grou do Japão faz um verdadeiro passo de ballet, obedecendo às ordens do tratador. Seguem-se outros exemplares, como o adax, o antílope do deserto, «que já não existe em liberdade», as lebres da Mongólia, os porcos do Vietname, o muflão da Europa, veados, gamos comuns, o elande, um animal de grande porte, cuja fêmea morreu debaixo de uma árvore, na tempestade Leslie. Na recta final da visita, antes do pequeno lago com cágados, a família de lamas aproxima-se e, orgulhosa, apresenta uma cria, nascida há pouco tempo. «É um animal que cospe quando é agredido», esclarece Agostinho Pedro, que aponta mais uma, entre muitas, das curiosidades dos 530 animais que vivem sob o seu tecto, no Europaradise.

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Um sonho que nasceu em França Natural da zona de Leiria, mas desde pequeno radicado em França, foi em terras gaulesas, na zona da Bretanha, queAgostinho Pedro e a sócia, Maria Adelina, iniciaram a experiência de um zoo. Entenderam, em 1997, regressar a Portugal.Afalta de terrenos amplos e o seu custo elevado na zona de Leiria, trouxe-os mais para Norte.Acompra do Convento de Seiça, na Figueira da Foz, chegou a ser uma hipótese, mas o preço levou Agostinho e Adelina a optarem por uma quinta em Montemor. De França começaram a chegar os animais, à volta de 400, e a 8 de Agosto de 1998 assistia-se à inauguração do Europaradise. Uma vida que não tem sido fácil, confessa Agostinho Pedro. A tempestade Leslie, em Outubro de 2018, foi o último grande revés. «Pareciam dois boieng em colisão», recorda, ilustrando o estrondo ensurdecedor que se fez ouvir no parque. Morreram 26 animais e «1.500 toneladas de pinheiros mansos foram para o chão», com o prejuízo a ultrapassar os «500 mil euros». Até hoje, Agostinho Pedro garante não ter recebido um cêntimo de apoio. «Tive que mandar embora gente». Eram seis. Hoje são três, que se desdobram para fazer tudo o que é necessário. A bióloga, Rafaela, e Pedro, o veterinário, ajudam, como voluntários. O parque esteve um ano fechado. «Não foi fácil sustentar isto. Tivermos de recorrer às pensões de França», confessa. Entre 250 e 200 euros é quando o parque precisa, por dia, apenas para garantir o alimento dos animais, basicamente fruta, hortaliça e rações. Agostinho Pedro faz questão de fazer um agradecimento à Makro de Coimbra, que «desde o primeiro dia nos ajudou, com fruta e legumes. Sem eles, o parque já não existia há 10 anos», diz. Agradecimento que estende ao Intermarché de Montemor, mais recente, que também oferece fruta e legumes. Com 68 anos, Agostinho Pedro ainda espera concretizar um «grande sonho»: ter girafas no Europaradise. Já investiu perto de 100 mil euros para fechar os lémures em vários pavilhões, mas ainda espera autorização da Direcção Geral de Veterinária. «Não temos luz verde», lamenta, agarrado a este sonho. «Há muitas crianças da região que nunca viram uma girafa ao vivo, porque não têm oportunidade de ir a Lisboa», diz. É por isso que está empenhado em trazer girafas para Montemor!


90 anos com Montemor-o-Velho Alves Barbosa

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ALVES BARBOSA:I A ESTRELA MAIORI DO CICLISMOI NACIONALI Alves Barbosa, o campeão, também foi o mestre de muitas gerações de ciclistas

1931-2018 Vencedor por três vezes da prova maior do ciclismo nacional e com um palmarés notável a nível internacional, António Alves Barbosa foi um herói nacional nos anos 50 e 60 e continua a ser um ícone

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inda hoje me rio, sozinha, quando me lembro de algumas das suas expressões». De uma forma simples, serena, Rosa Maria Milheiro Barbosa recorda o marido, António Alves Barbosa, uma referência do ciclismo nacional e internacional. Um homem que imprimiu a sua marca no mundo das duas rodas, como atleta, como treinador, como dirigente e como técnico. Rosa Maria e António conheceram-se «desde sempre». Ele, natural da Fontela, Figueira da Foz, «veio para Montemor com 2 anos». Ela, natural de Montemor, sempre ali viveu. Todavia, os «quase nove anos de diferença» entre ambos “adiaram” o seu encontro. Rosa Maria «não ligava muito ao ciclismo», mas confessa que começou a prestar alguma atenção quando, no auge da sua carreira, as vitórias de Alves Barbosa eram amplamente festejadas na vila. «Faziam-lhe recepções, com música,

ranchos». «Lembro-me, em pequenita, de ir com o meu irmão». «Ela andava muito por fora», diz, referindo-se às muitas viagens ao estrangeiro. Lembra-se, todavia, do «grave acidente» que Alves Barbosa sofreu. «Ainda andava no liceu D. Maria e lembro-me do grande choque, do grande impacto que teve nas pessoas da terra», diz. «Sofreu fractura do crânio e esteve em coma», adianta Guilherme, o filho mais novo do casal. «Só começámos a namorar em 1961, no final da carreira de ciclista», adianta, lembrando, juntamente com o filho, a Volta à Andaluzia, a Volta a Espanha e a última prova, os 6 dias de Nova Iorque, em pista. Alves Barbosa punha termo, de uma forma quase abrupta, a uma carreira fulgurante. Guilherme Barbosa diz que não foi bem assim. Recordando longas conversas com o pai, o filho mais novo afirma que a ideia de Alves Barbosa, quando foi para o Benfica, era «continuar a correr». «Sempre gostou de correr em pista e, quando foi para os Estados Unidos, ficou siderado com aquele tipo de provas. A ideia dele era continuar a correr». Todavia, houve um conjunto de impedimentos. «O Sangalhos nunca o libertou», sublinha Guilherme, que recorda o facto de o pai ter sido o «primeiro profissional de ciclismo

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em Portugal», numa altura em que «os clubes praticamente eram “donos” dos atletas». «Para se sair de um clube, ou se arranjava um trabalho ou se mudava de terra e o Sangalhos não queria “largar” o Alves Barbosa». Um facto a que se juntou «um acidente, na Calçada de Carris, quando corria com os atletas que treinava», onde Alves Barbosa partiu uma perna, o que representou um obstáculo quase incontornável relativamente aos sonhos do ciclismo em pista. «Só casámos em 1965», refere Rosa Maria. Tinha Alves Barbosa 35 anos. Rosa Maria, concluído o curso de Filosofia, começou a dar aulas em Lisboa, onde o marido cumpria um contrato de quatro anos ao serviço do Benfica, como treinador da equipa de ciclismo. «Houve uma tentativa de renovar, mas ele achou que era disparate». Isto porque, esclarece, apesar de não viver com os ciclistas, a proximidade da casa do casal, em Benfica, levava-o a estar praticamente sempre lá. «Parecíamos a mulher a dias e o guarda-nocturno», diz, com o mesmo sentido de humor que caracterizava Alves Barbosa. «Era terrível. Eu tinha férias no Verão e era nessa altura que havia as provas», exemplifica. «Decidiu sair e enveredar por uma carreira ligada aos seguros», conta. Com o nascimento do primeiro filho, Hugo, a situação complicou-se. «Não tínhamos apoio nenhum», refere, lembrando que ninguém da família vivia em Lisboa e havia uma criança pequena, com pai e mãe a trabalharem. O casal toma, então, a decisão de regressar a Montemor. Rosa Maria dava aulas no Colégio Fernão Mendes Pinto e Alves Barbosa deslocava-se diariamente para Flandria, uma empresa de bicicletas, de origem belga, instalada em Águeda. «Joaquim Agostinho correu na equipa da Flandria», recorda Guilherme. Alves Barbosa voltava, depois de um muito breve interregno, a estar ligado ao mundo das duas rodas. «Nunca perdeu a ligação ao ciclismo», faz notar esposa, sublinhando que o campeão «nunca deixou de escrever para a Bola, para o Record e de fazer comentários na RTP». Segue-se a transferência para outra fábrica de bicicletas, a Stelber, uma empresa de origem norte-americana, «com uma linha de montagem que permitia produzir mais de mil bicicletas por dia». Alves Bar-


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Alves Barbosa 90 anos com Montemor-o-Velho

bosa mantinha-se ao serviço das duas rodas, desta feita com o seu olhar técnico e de profundo conhecedor da bicicleta. O casal acabou por se instalar em Águeda, onde viveu «oito ou nove anos». O 25 de Abril de 1974 trouxe «alguns problemas à fábrica» e Alves Barbosa, «em defesa dos trabalhadores», acabou por se «incompatibilizar com os responsáveis da fábrica». «Foi um ano difícil», recorda Rosa Maria que, depois de concluído o estágio, passou pelo Liceu D. Duarte, em Coimbra e, posteriormente, durante três anos, esteve ligada à formação de professores, em Aveiro. Foi neste tempo de viragem que Melo Antunes, então director-geral dos Desportos, lança um desafio a Alves Barbosa, no sentido de «fazer um trabalho de reformulação do ciclismo nacional». «Ficou muito entusiasmado» e, apesar das dúvidas, a esposa incentivou-o a ir «imediatamente para Lisboa». «Trabalhou na Direcção-Geral dos Desportos, criou escolas de ciclismo pelo país, criou a estrutura do ciclismo». «Havia uma escola em Coimbra, na Pedrulha», lembra Guilherme Alves Barbosa. «Ele queria muito ver regressar o ciclismo de pista, que considerava uma base essencial para a formação de ciclistas de eleição». «Estudou muito», diz a professora de Filosofia aposentada, lembrando os muitos estudos e trabalhos que marido

derava «essencial para a modalidade». Seguiu-se a criação de uma escola de ciclismo para os jovens, uma colaboração estreita com professores de educação física para a promoção e ensino do ciclismo e a criação do Prémio Alves Barbosa.

Rosa Maria e Guilherme Alves Barbosa

desenvolveu nessa altura. Acabou por ser requisitado como director técnico pela Federação de Ciclismo. O estudo e a formação sempre constituíram uma preocupação de Alves Barbosa, que ainda passou por uma terceira empresa ligada a importação de bicicletas e acessórios, IBA, em Lisboa (1979) e frequentou os mais diversos cursos em Itália, Alemanha, Bélgica, França, EUA e Suíça, países que também o convidavam, com frequência, para dar formação, participar em conferências e seminários. Na viragem do século, o casal decide regressar a Montemor. «Estava completamente obcecado com a construção do Velódromo de Sangalhos», refere Rosa Maria. «Passava a vida a ir para lá» e deu a sua colaboração ao projecto, que consi-

Um “grande orgulho” e muito boas recordações Para mãe e filho, a notoriedade do pai nunca foi um “peso”, apesar de um e outro se manterem sempre a uma distância dos “holofotes” que sempre acompanharam Alves Barbosa. Só em raras excepções partilharam o “palco” com o grande campeão. Rosa Maria lembra a cerimónia em que foi agraciado, em França, e Guilherme recorda com foi nessa altura que decidiu rapar o cabelo, pois viu, nas fotos, uma “coroa” a começar a despontar na sua cabeça. Guilherme assume, com a voz embargada, o «orgulho enorme» que sente como filho de Alves Barbosa e não resiste a contar as inúmeras situações que viveu, em criança, com o pai a ser amplamente cumprimentado na rua, nos mais diversos

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pontos do país. «Conheces?», pergunta-va-lhe. «Não!», respondia o pai. «As pessoas reconheciam-no e tinham um enorme respeito por ele», sublinha. «É difícil caracterizar o meu marido», confessa Rosa Maria. «Era uma pessoa que me fazia rir. Ainda hoje nem lembro de algumas cosias que ele dizia e rio-me sozinha». O filho concorda e destaca o grande sentido de humor de Alves Barbosa. Juntos lembram as «risadas» que caracterizavam os encontros de família à mesa. «Não sei do que estão a falar, mas compro já quatro caixas». Era uma das suas expressões mais características. «Era uma pessoa muito bem-disposta». «Também era uma pessoa muito soli-

Filhos não seguiram exemplo do pai Nenhum dos dois filhos seguiu as pisadas do pai. Ambos optaram por uma carreira artística que, de resto, Alves Barbosa incentivou. «Fazíamos concursos de banda desenhada», diz Guilherme, que mostra uma tatuagem no braço inspirada num desenho de um ciclista, feito pelo pai, e enverga uma t-shirt com o rosto de Alves Barbosa. «Ainda hoje “colo” à televisão a ver a Volta a Portugal ou a Volta a França», refere, mostrando que o “bichinho” “está lá”. Mas também recorda, a brincar, o “trauma” de, com 5 anos, participar na Volta a Portugal dos Pequeninos, em Espinho. «Queria muito ir e o meu pai arranjou-me uma bicicleta, muito pesada, sem mudanças, que travava com o pedal… Fiquei em último», conta, entre uma bem-disposta gargalhada. Guilherme seguiu uma carreira profissional como técnico de espectáculos, a que a pandemia pôs termo. Actualmente trabalha na distribuição de medicamentos. O irmão, Hugo, está em Barcelona e trabalha na criação de vídeos.  dária, sempre disponível para ajudar qualquer pessoa», faz notar o filho. «Era uma pessoa muito especial. Um homem extraordinariamente bom. Uma alma enorme», adianta Rosa Maria. «Sempre fomos grandes companheiros» ao longo de 53 anos de vida em comum. «Há duas coisas que permanecem comigo. Uma, é um grande orgulho. A outra é continuar a rir-me quando me lembro de algumas coisas que ele dizia». Punha toda a gente bem disposta», conclui. Na casa da família, no centro de Montemor, permanece intacto um “memorial” de Alves Barbosa. Uma divisão toda ela ocupada com medalhas, taças, diplomas. A memória de uma carreira que, não sendo longa, foi, seguramente arrebatadora, com três vitórias na prova rainha do ciclismo nacional, entre muitas outras, a que se junta o facto de ter sido o primeiro atleta português a ficar entre os 10 primeiros na Volta a França. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Alves Barbosa

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Perfil António Alves Barbosa nasceu a 24 de dezembro de 1931 na localidade de Fontela (Vila Verde), no concelho da Figueira da Foz, mas mudou-se com dois anos, para Montemor. Foi o pai, também ele ciclista, José Alves Barbosa, que o levou para o reino das duas rodas, onde se tornou o símbolo maior do ciclismo nacional, sendo considerado um dos melhores atletas de sempre. Alves Barbosa iniciou a sua carreira em 1950, com um 11.º lugar na Volta a Portugal, prova que venceria no ano seguinte, com apenas 19 anos, segurando a camisola amarela do primeiro ao último dia da prova. Voltou a vencer a competição maior do ciclismo nacional em 1956 e em 1958, tendo perdido a vitória em 1955, devido ao facto de ter sido agredido por espectadores, quase à chegada à meta. Campeão Nacional de fundo entre 1954 e 1956, Alves Barbosa foi campeão de Portugal de velocidade em 1954, 1955, 1956, 1958 e 1959; campeão de ciclocross em 1961 e 1962. Em 1956 foi o primeiro ciclista português a participar na icónica Volta a França, ao serviço da selecção do Luxemburgo, arrebatando um sexto lugar na primeira etapa e terminando a prova no 10.º lugar da classificação geral. Além do “Tour”, Alves Barbosa participou em inúmeras provas no estrangeiro, designadamente as Volta a Espanha, Andaluzia, Marrocos ou Venezuela, tendo vencido, em 1955,

a Corrida 09 de Julho em São Paulo, no Brasil, na altura a maior prova velocipédica da América do Sul, com meio milhar de participantes. Quando terminou a sua carreira como profissional, sempre ao serviço do Sangalhos, foi treinador da equipa de ciclismo do Benfica. Foi director nacional da modalidade entre 1975 e 1978 e entre 1989-1992. Em 1990, foi agraciado com a Medalha de Mérito Desportivo e em 2007 foi condecorado com a Medalha de Ouro da Juventude e dos Desportos de França. Casado com Rosa Maria Milheiro Barbosa, teve dois filhos, Hugo Miguel e Guilherme José Alves Barbosa. Morreu no dia 29 de Setembro de 2018, com 86 anos, no Hospital da Figueira da Foz, onde estava internado devido a proble-

Troféu Alves Barbosa realiza-se todos os anos em Montemor. Uma festa do ciclismo e uma homenagem ao grande campeão Alves Barbosa foi o primeiro ciclista português a “dar nas vistas” na emblemática Volta a França

mas respiratórios e cardíacos. No dia do seu funeral, um jovem, com a sua bicicleta, aproximou-se do professor Vítor Pardal e do dr. Vicente, que acompanharam o cortejo fúnebre de bicicleta e fez questão de os acompanhar, conta Rosa Maria Barbosa. Questionado pelos dois amigos de Alves Barbosa, o jovem respondeu: «Foi este senhor que me ensinou a andar de bicicleta na escola». O Troféu Alves Barbosa, instituído há mais de duas décadas, promovido pelo município de Montemoro-Velho, em colaboração com a Federação Portuguesa de Ciclismo e a Associação de Ciclismo da Beira Litoral, constitui, igualmente, uma homenagem ao eterno campeão. Em sua homenagem, o município instalou um monumento, numa das principais entradas da via. 


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Afonso Duarte 90 anos com Montemor-o-Velho

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AFONSO DUARTE, O POETA DA EREIRA 1884-1958 Considerado um dos poetas mais relevantes do século passado, Joaquim Afonso Fernandes Duarte foi também um notável pedagogo

I

rreverente, inquieto, genial, marcou uma geração e deixou o seu traço distintivo. Inspirado na força da terra, da água, das plantas, da sua pena brotavam poemas diferentes, originais, únicos. É de Afonso Duarte, o poeta da Ereira, que falamos. Uma terra, a sua terra, uma “ilha”, que marcou toda a sua vida. Uma vida repartida entre o torrão natal, a ruralidade, e a paisagem urbana, de Coimbra. De um lado, a força telúrica da Ereira. Do outro, as infindáveis tertúlias, à mesa do Central ou do Arcada, rodeado por inúmeros jovens, aprendizes de poeta, que acarinhou e encaminhou. Falamos de Joaquim Afonso Fernandes Duarte (1884-1958), mais conhecido por Afonso Duarte. O poeta, o professor, o pedagogo, o apaixonado pela etnografia e pela arte popular. Um homem que marcou o seu tempo e que, embora bastante esquecido, continua presente. Afonso Duarte Costa é seu sobrinho neto e transporta consigo a mesma «inquietude» e o «fervilhar de ideias» que caracterizavam Afonso Duarte. Falta-lhe a “varinha de condão”que fazia brotar a poesia. Mas transporta consigo o nome do poeta. Uma «homenagem» que o pai, João José Duarte Fernandes Costa, sobrinho de Afonso Duarte e seu grande admirador, quis fazer ao tio. Afonso Duarte Costa seguiu-lhe o exemplo e decidiu, em sintonia com a esposa, Joana, manter o sinal de família, este traço de união entre gerações, dando ao filho, de três anos, o nome de João Afonso Duarte. Uma dupla homenagem, ao pai e ao tio-avô e uma forma de «perpetuar o nome de Afonso Duarte», assume. Com 36 anos, Afonso Duarte Costa não

Afonso Duarte deixou uma vasta obra poética, apelidada de “Os Lusíadas do Povo”

conheceu o tio-avô. «O meu pai sim, conheceu-o», diz. E é através dessas memórias, necessariamente curtas, tendo em conta que o pai morreu quando tinha 13 anos, que o sobrinho-neto nos fala do poeta. «Tinham uma grande proximidade. O meu pai tinha uma profunda admiração por ele». Por isso, sempre que podia, galgava a distância entre Verride, onde residia, e a Ereira, a casa do poeta. E foi Afonso Duarte que lhe deu uma verdadeira “lição”. Face ao insucesso escolar, «castigou-o e colocou-o num colégio interno, em Coimbra». O sobrinho respondeu na perfeição e, no Colégio Mondego, rapidamente recuperou. «Conseguiu fazer dois anos num», recorda. Assumindo com «grande orgulho» o facto de ser familiar directo de Afonso Duarte,

Afonso Duarte Costa é um apaixonado por toda a obra do poeta e tem dificuldade em eleger um poema que seja. «Gosto de todos», diz. Lembra, além do seu «enorme talento», «a sua visão» e o facto de ter sido um «pioneiro na questão da pedagogia e avaliação das crianças através do desenho. Foi reconhecido a nível europeu muito antes de ser reconhecido no seu país», refere, lamentando o facto de ter sido obrigado a aposentar-se, em 1932 - «por não querer prestar vassalagem a Salazar» - o que o impediu de dar uma outra consistência a esta sua vocação como pedagogo. Se a «angústia», a «melancolia», a «inquietude», faziam, reconhecidamente, parte integrante do carácter de Afonso Duarte, o sobrinho-neto lembra que também «con-


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seguia ter tranquilidade e dar tranquilidade a todos – e foram muitos – os que o procuravam». Jovens que se deslocavam para Coimbra, com o objectivo de “aprender a ser poetas”, no dizer de Paulo Quintela. Jovens que «o procuravam e o tratavam por mestre». Jovens que, continua o sobrinho-neto, Afonso Duarte «acolhia, sempre com um carácter crítico e construtivo». «Conseguiu apoiar e impulsionar novos artistas, quer na área da literatura, quer da música», refere, destacando, igualmente, a capacidade constante de «se reinventar», de «evoluir» e de «se adaptar aos novos tempos». Um homem com uma cultura notável, mas com «uma grande humildade», embora «sem nunca perder a vontade de fazer coisas grandes». «Disse que estava a escrever os Lusíadas do povo», recorda. Apesar de ter «sentido o desterro na própria Pátria», de ter sido vítima da «maior injustiça» à sua «alma de pedagogo», ao ser obrigado a abandonar o ensino, e «um dos homens mais maltratados da literatura portuguesa do último meio século», como dizia Paulo Quintela, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, grande companheiro e amigo, Afonso Duarte foi, dois anos antes de morrer, alvo de uma grande homenagem, prestada em Coimbra. «Houve um reconhecimento. Afonso Duarte teve a felicidade de ser homenageado em vida, o que não é normal», lembra o sobrinho-neto.

Morte aos 74 anos Foi na sua residência, na Ereira, que Afonso Duarte morreu na madrugada de 5 de Março de 1958. O funeral realizou-se no dia seguinte. «Um poeta não morre. E ele,Afonso Duarte, grande entre os maiores, bem sabia que “a morte não é fim da vida (...). Morre a carne, vive o espírito”. E o espírito, esse ficará para sempre a assinalar a presença, única, de um Homem e, por ele, um dos momentos mais altos da poesia portuguesa de todos os tempos!», escrevia Adriano de Faria no Diário de Coimbra, no dia 7 de Março. A Miguel Torga coube fazer o elogio fúnebre. «Restam-nos a recordação do que foste e o respeito pelos versos que escreveste. E dela e dele tiraremos o lenitivo possível. Mas tínhamo-nos acostumado à eternidade da tua presença. “Eu posso lá morrer, terra florida!”. Desde esse grito de luz, ninguém mais acreditou nesta hora de negrura. E,

90 anos com Montemor-o-Velho Afonso Duarte

afinal, ei-la diante de nós, apesar do poema e da Primavera que rodeia de esperança a tua ilha entristecida. Pagaste, e nós devemos ainda».

Manter viva a memória e a obra do Poeta Tudo o que possa ser feito para lembrar o nome e a obra de Afonso Duarte é bem-vindo. «Devemos promover o que é nosso», diz o sobrinho-neto, residente em Verride, que destaca o «orgulho de ser eirense» e a «paixão pela Ereira» que Afonso Duarte sempre demonstrou. «É importante fomentar este orgulho nas raízes, de forma genuína, desinteressada», à semelhança do que fez o poeta. «Era importante que Afonso Duarte continuasse a inspirar as gerações futuras», considera, lamentando algum esquecimento que se adensa sobre o autor e a sua obra, apesar das várias referências, designadamente um monumento na Ereira e de a Biblioteca Municipal ter o seu nome. «Tem havido iniciativas isoladas, mas falta uma entidade que seja o fio condutor, pegue em todas as iniciativas e dê dimensão a tudo o que está disperso», diz Afonso Duarte Costa. A criação de uma fundação poderia, aventa, ser uma possibilidade para pôr travão ao esquecimento e «encontrar novas formas de ler a obra de Afonso Duarte e de a levar às pessoas». A «possibilidade de musicar alguns poemas» pode, no entender do engenheiro florestal, que também toca tuba na Filarmónica de Verride, ser uma «outra forma» de divulgar a poesia de Afonso Duarte e permitir que a sua obra deixe de «estar fechada nos livros». Por isso, vê com bons olhos uma ideia da Junta de Freguesia da Ereira, que pretende criar, na Casa do Torreão - edifício de arquitectura quinhentista onde João de Ruão teve a sua residência e oficina - um espaço vivo e de memória do Poeta da Ereira. 

Objectos que pertenceram ao poeta

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Perfil Joaquim Afonso Fernandes Duarte nasceu na Ereira no dia 1 de Janeiro de 1884. Formou-se em Ciências Físico-Naturais, na extinta Faculdade de Filosofia de Coimbra e exerceu funções docentes até 1932, altura em que foi forçado a aposentar-se. A partir de então dedicou-se quase exclusivamente à obra literária e de investigação na área da pedagogia e da etnografia. Em Coimbra, conviveu com António Sardinha, Alberto Monraraz, Veiga Simões, Hipólito Raposo, Santiago Prezado e outros escritores do grupo denominado “Exotéricos”. Fundou e foi director da revista “Rajada”. Com António de Sousa, Branquinho da Fonseca, João Gaspar Simões e Vitorino Nemésio foi co-fundador da revista coimbrã “Tríptico” (1924). Pertenceu à geração do “Saudosismo” e colaborou com várias publicações, designadamente “A Águia”, “Contemporânea”, “Presença”, “Manifesto”, “Portucale”, “Notícias do Bloqueio”, “Cadernos de Poesia”, “Revista de Portugal”, “Seara Nova” e “Litoral”. Da sua vasta obra, destaca-se “Cancioneiro das Pedras” (1912), “Tragédia do Sol Posto” (1914), “Rapsódia do Sol-Nado e Ritual do Amor” (1916), “Os Sete Poemas Líricos” (1929), “Ossadas” (1947), “Post-Scriptum de um Combatente” (1949), “Sibilia” (1950), “Canto da Babilónia” (1952), “Canto de Morte e de Amor” (1952), “Lápides e Outros Poemas” (1950) e “Obra Poética” (1956). Na área da pedagogia, publicou “O Desenho na Escola” (1925), “Carta Metodológica do Desenho Decorativo” e “Os desenhos Animistas de uma criança de 7 anos” (1933). “O Ciclo de Natal na Literatura Oral Portuguesa” (1936) e “Um Esquema do Cancioneiro Popular Português” foram os trabalhos que publicou na área da etnografia. Afonso Duarte, considerado um dos maiores poetas portugueses, padecia de uma «doença terrível» que lhe tolhia os movimentos e afectava a locomoção. O Poeta da Ereira, faleceu no dia 5 de Março de 1958, com 74 anos. 


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Afonso Duarte 90 anos com Montemor-o-Velho

Homenagem “justíssima” ao génio de Afonso Duarte «Afonso Duarte é o maior poeta vivo do meu país. Os seus versos brotam de pedras, árvores e águas, com a mesma naturalidade com que nasce um rio ou desabrocha uma flor. Fez da sua poesia uma varinha de condão. Basta bater com ela na terra do seu drama para que nasça um poema, tão original e virginal como a própria virgindade da criação do mundo». Palavras de Campos de Figueiredo, publicadas na edição de 24 de Junho de 1956 do Diário de Coimbra. O jornal anunciava o programa de homenagem a Afonso Duarte, a realizar no dia seguinte e publicou este texto de Campos de Figueiredo, proferido três anos antes, na Universidade de Salamanca. João de Barros, na mesma edição escreve: «Estou velho, muito velho e não posso juntar-me aos amigos e admiradores que vão festejá-lo. Continue você a manter essa mocidade, prodigiosa e prestigiosa, sinal e garantia de que será sempre jovem entre os jovens, poeta glorioso entre os poetas gloriosos, homem digno entre os mais dignos, consciência que ilumina dos companheiros de ontem e de hoje com a mesma irradiante e humaníssima generosidade». O jornal anunciava, ainda, o programa da homenagem, que incluía «inauguração da lápide, no castelo de Montemor-o-Velho, com algumas palavras de Vitorino Nemésio». o «descerramento doutra placa, na casa de Ereira», almoço, uma exposição bibliográfica e iconográfica, no Primeiro de Janeiro e um serão poético, no Jardim Botânico. “O poeta Afonso Duarte teve ontem a consagração justíssima do seu génio lírico”, escreve o Diário de Coimbra na edição de

25 de Junho de 1956. Com uma foto e grande destaque na primeira página, o jornal escreve: «Intelectuais, dos nomes mais significativos da nossa literatura viva e de outros ramos da cultura; gente humilde dos campos do Mondego e personalidades marcantes, vindos de longe: professores universitários, poetas, escritores, jornalistas e também funcionários, industriais, agricultores e representantes de outras actividades quiseram ontem render ao poeta Afonso Duarte a justíssima homenagem da sua admiração, manifestar o seu apreço e reconhecimento ao grande poeta, ao cidadão e português exemplar, de coração e de consciência». A homenagem, altamente significativa, constitui uma consagração grandiosa a que tinha jus o Poeta do “Cancioneiro das Pedras”e do “Ritual doAmor”». No castelo de Montemor, depois de descerrada a placa alusiva aos 50 anos de vida

Diário de Coimbra destacou a homenagem a Afonso Duarte

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literária deAfonso Duarte, Vitorino Nemésio fez o elogio da sua poesia, «que canta a pequena epopeia do trabalhador rural» e que classificou como “Os Lusíadas do Povo”. Na Ereira, João Gaspar Simões considerou Afonso Duarte o «derradeiro e o mais alto testemunho de uma época». Coube a João José Duarte Fernandes, sobrinho do poeta, à época aluno da Escola de Regentes Agrícolas, descerrar a placa na casa de Afonso Duarte. Seguiu-se, escreve o jornal, a leitura de várias mensagens e o almoço, no Retiro da Ti Margarida, em Santa Clara. «Obrigado Afonso, pela beleza da tua obra, pelos primores da tua alma, e pelo magnífico e exaltante exemplo da tua vida. Mas, sobretudo, muito obrigado pela pura gratuitidade com que te deste a acalentar amorosamente quantos foram chegando sucessivamente a Coimbra depois de ti, com a alma florida de sonho. Porque é nesta pura gratuitidade que se resume o essencial da tua grandeza como homem e como poeta. (…). Não foste um mestre que quer fazer discípulos – e os que fizestes foi involuntariamente, não foste um ambicioso de glória, que se quisesse perpetuar sobreticiamente através dos novos e por eles na tradição de um escol: foste apenas o camarada que se dá enternecidamente aos mais novos para os acalentar, feliz somente da felicidade deles, água a sumirse para fertilizar melhor. (…). A tua obra de poeta não se contém só nos teus poemas; a tua obra de poeta é também a tua vida. Como poeta criaste uma obra que, pela sua rica autenticidade, não é a obra simples de um artista: é a obra de um Homem; como Homem viveste uma heróica, nobre e dramática mas generosa vida de poeta». Foi a «vibrante saudação», de Mário de Castro, profusamente aplaudida, refere o jornal. 


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90 anos com Montemor-o-Velho Filarmónicas

UM TERRITÓRIO DEVOTADO À MÚSICA 2019 As cinco bandas do concelho, quatro das quais centenárias, juntaram-se, em Setembro de 2019, para um concerto único, que juntou 195 músicos no Castelo de Montemor

É

um dos concelhos com mais bandas filarmónicas do país. Cinco! Quatro nascidas em 1800. Entre elas está aAssociação Filarmónica União Verridense, fundada a 13 de Junho de 1808, considerada por muitos a filarmónica mais antiga de Portugal. A mais nova surge na Carapinheira, 173 anos depois. Uma vocação musical transversal à história do concelho de Montemor-o-Velho, que faz parte do ADN das suas gentes. Pergaminhos não faltam à Associação

Filarmónica União Verridense (AFUV), que gloriosamente e sem interrupções, sempre manteve os seus acordes afinados. Na sua génese está um “punhado” de verridenses, que se juntaram para fundar uma associação que, além da música, tinha como objectivo assegurar alguma protecção a pessoas mais carenciadas, nomeadamente viúvas.Aestreia da AFUV, ou, pelo menos, o que é considerado como o seu primeiro acto oficial, acontece num momento especialmente relevante para a história da nação.Aconteceu na praia do Cabedelo, na Figueira da Foz, com a recepção das tropas inglesas, comandadas pelo general Wellington, que vinham em socorro das tropas portugueses no combate ao exército de Napoleão. Uma estreia gloriosa, que a Filarmónica Verridense se empenhou em prestigiar ao longo dos séculos, merecendo os mais rasgados elogios

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de monarcas, autoridades civis e militares. Entre outros registos discográficos, tem o seu nome gravado no CD da colecção “As melhores Bandas da Região”. Com uns “ligeiros” 73 anos de diferença, nasce a Filarmónica Instrução e Recreio de Abrunheira (FIRA). Fundada em 1881, com 21 elementos, dirigidos por João Maria Batista Pinto, a FIRA desde cedo participou nos grandes acontecimentos da região, designadamente nas Festas da Rainha Santa, em Coimbra (onde se estreou em 1905), ou em espectáculos realizados no Casino da Figueira da Foz, nas primeiras décadas do século XX. Em Maio de 1999, a FIRAescreve mais uma página da sua longa e prestigiada história, com o lançamento do primeiro trabalho discográfico, intitulado “Filarmónica de Abrunheira em Concerto”. Dois anos depois grava “Concerto d’Amore”, em 2020 participa no projecto “As Melhores Bandas da região”, onde, juntamente com outras oito filarmónicas faz nova incursão na produção discográfica e em 2004 grava um novo CD, “Reflexo”. Da Filarmónica Instrução e Recreio de


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Filarmónicas 90 anos com Montemor-o-Velho

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Bandas num só “tom”

Encontro de bandas reuniu as cinco filarmónicas do concelho num espectáculo único

Abrunheira faz, ainda, parte a Banda Juvenil de Abrunheira, que reúne mais de três dezenas e meia de jovens, e funciona como “meio de transição”entre a Escola de Música e a filarmónica. Na sede do concelho encontra-se a Associação Filarmónica 25 de Setembro, fundada em Abril de 1892. Reza a história que, antes, existiu na vila de Montemor outra filarmónica, denominada Real Filarmónica de Montemor, que teria sido regida pelo maestro espanhol D. Agostinho Pena, que residiu na vila e tinha fama de grande músico, tendo elevado a filarmónica a um certo nível artístico. Não se sabe, todavia, a data da sua fundação nem o seu tempo de vida. Certo é que deixou de existir, mas despertou nas gentes de Montemor o apetite de voltar a ter uma banda. Um desígnio concretizado em Abril de 1892, com a deslocação para a vila de Francisco Maria Simões de Carvalho, funcionário das Finanças e um «esplêndido amador de música», que foi convidado a dirigir a filarmónica. Durante muitas décadas, a Associação Filarmónica 25 de Setembro foi um baluarte da cultura. Além da música, apostou no canto, com a criação de um Orfeão, na dança, dinamizando dois ranchos folclóricos, e no teatro, com a criação de um grupo cénico. A Academia Musical Arazedense (AMA), constituída em 1950, herda, contudo, a tradição, o património e a história da Filarmónica Arazedense, fundada em 1894.António Maria da Silva Ferrão foi o seu fundador e primeiro presidente, cargo que exerceu ate à sua morte, em 1920. Da sua história destaca-se,

em 1908, na Figueira da Foz, sob regência de António Pereira, uma actuação de excelência, que lhe valeu a conquista do primeiro prémio. Durante a primeira Guerra Mundial a filarmónica atravessou um período difícil, uma vez que grande parte dos seus músicos foram recrutados para o serviço militar. Mais tarde, em 1936, acabou por ficar inactiva ressurgindo em 1942, mantendo-se, desde então, em actividade. Em 1991, foi uma das filarmónicas fundadoras da Federação de Filarmónica do Distrito de Coimbra. Em 2009 gravou um CD, “Memórias deAngelino Ferrão”, uma homenagem a esta figura ilustre na área da música, do teatro e da poesia.

Filarmónicas primam pela juventude dos músicos, praticamente todos formados nas respectivas escolas Mais jovem, embora a juventude seja um dos traços mais marcantes dos músicos de todas as filarmónicas do concelho, é a Associação Cultural e Recreativa da Carapinheira. Fundada em 1981, tem na Orquestra Ligeira a sua referência de eleição, através de um grupo dinâmico, unido pela música e empenhado em desenvolver um projecto harmónico e diferenciador. A escola de música ajuda a “alimentar” o projecto, garantindo a formação de dezenas de crianças e jovens. 

Reunir as cinco bandas do concelho não se afigura uma tarefa fácil, mas aconteceu em Montemor. Uma experiência pioneira, que se concretizou em Setembro de 2019, em resposta a um desafio lançado pelo município, em parceria com a Fundação INATEL e com as cinco filarmónicas. Uma primeira edição de um encontro sui generis, cuja articulação coube à banda mais velha, a Associação Filarmónica União Verridense (AFUV), com a perspectiva de, no futuro, essa articulação “rodar” pelas restantes filarmónicas. O Castelo de Montemor foi o espaço escolhido para acolher os 195 músicos, mas a instabilidade climatérica que se fazia sentir obrigou a deslocar o espectáculo para um espaço interior, mais protegido. O “Encontro de Bandas Filarmónicas ao Luar” acabou por se realizar na Igreja de Santa Maria de Alcáçova. Um espectáculo memorável, pleno de música e de história. Singular é, igualmente a presença das filarmónicas nas comemorações do Dia do Município, em Setembro. Juntos, os músicos, interpretam o Hino Nacional, numa cerimónia habitualmente realizada na Praça da República, cerimónia que inclui o hastear da Bandeira Nacional e antecede a sessão solene comemorativa da data. Músicos das quatro centenárias filarmónicas participaram, igualmente, em 2019, nas comemorações dos 45 anos do 25 de Abril, tocando, em uníssono, a Marcha de Nossa Senhora da Vitória, uma obra da autoria de Mauro Pombo, executante da AFUV. Do mesmo autor é igualmente o Hino de Nossa Senhora da Vitória, interpretado pela Associação Filarmónica União Verridense no mesmo evento. 




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