90 anos com Góis
Terão sido os romanos os primeiros a descobrir os encantos de Góis.
Sob a forma de ouro, o precioso metal. Hoje, as lascas douradas podem continuar a emergir entre as areias, no leito dos rios ou escondidas entre rochedos, no ventre da terra. Mas não é esse o “ouro” mais valioso que floresce neste recanto da Beira Serra. Uma terra abençoada pela Natureza, onde o verde da floresta se estende a perder de vista, as montanhas crescem à conquista dos céus e os rios e ribeiras correm, tranquilos e límpidos, convidando a refrescantes banhos.
Um território que já fervilhou de atividade, com a exploração de volfrâmio, de estanho e de ouro. Uma terra onde se produziu algum do melhor papel da Europa e que sempre teve na floresta uma âncora
de desenvolvimento, com a exploração de madeira, a recolha de resina ou a produção de mel ou de castanha.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Nas escarpadas serras há muito que os mineiros foram substituídos por aventureiros, desportistas, caminheiros, amantes da natureza em estado puro. E nas mais recônditas aldeias, onde o xisto desafia o tempo e a memória, cresce o número daqueles que ali encontram o seu lugar no mundo.
Verdadeiras pedras preciosas que rivalizam com outras, igualmente talhadas pela mão do homem. José Saramago, o único
Prémio Nobel da Literatura português, chamava a atenção, na sua “Viagem a Portugal”, para a peça de D. Luís da Silveira, uma escultura fúnebre datada de 1531, que
se encontra na Igreja Matriz de Góis e se impõe pela originalidade. «Góis é longe, mas este túmulo exige a viagem», escrevia. Mas há muito mais “argumentos” para uma viagem. Que o digam os amantes das motos, que anualmente, em Agosto, demandam Góis para participar na segunda maior concentração mototurística do país e, seguramente, a mais emblemática. Ou aqueles que, sem raízes serranas, elegeram esta como a sua terra...
É ao concelho de Góis que dedicamos mais uma revista, integrada no projeto editorial que assinala as nove décadas de publicação do Diário de Coimbra. Cientes de que muito fica por dizer, convidamos o leitor a acompanhar-nos nesta breve viagem e a despertar para os muito encantos de Góis.
Diário de Coimbra 90 anos com Góis Introdução 3Comunicar como estratégia de promoção de Góis
Rui Sampaio Presidente da Câmara Municipal de GóisODiário de Coimbra cumpriu nove décadas de uma longa e profícua vida, como importante órgão de comunicação social, sendo uma instituição relevante para a Região Centro, para o Distrito de Coimbra e, naturalmente, para o Concelho de Góis.
A região pode orgulhar-se do percurso notável do Diário de Coimbra no panorama da imprensa portuguesa, em pleno centro do país, desde o seu primeiro ano de existência, nos idos anos 30 do século XX.
Uma longa vida, que ultrapassou períodos conturbados da nossa história, guardou e guarda memórias e testemunhos, nas inúmeras páginas impressas, de acontecimentos significativos e de factos vários, indissociáveis da história e da evolução dos concelhos da região, bem como do significado crescente da primazia da leitura em papel, por oposição à voracidade da leitura digital, que impera no nosso quotidiano.
O Município de Góis congratula-se por acompanhar e celebrar os 90 anos de existência do diário. Na verdade, é com orgulho e satisfação que podemos afirmar que o percurso deste jornal percorreu também os caminhos dos
Goienses, acompanhando a evolução e o crescimento do nosso território, dando realce e destacando, desde 1930, factos de ordem política, económica, social e cultural do nosso concelho, das freguesias que o compõem – Alvares, Cadafaz e Colmeal, Góis e Vila Nova do Ceira – e das suas povoações.
Consideramos que o nosso território, só por si é muito atrativo, com destaque para as suas grandes potencialidades naturais e recursos turísticos sobejamente conhecidos e, muitas vezes, promovidos e tão bem divulgados por este jornal.
Olhar pelas Pessoas que vivem, visitam e escolhem o nosso concelho é a nossa prioridade, sendo o turismo um dos setores estratégicos a desenvolver. Estamos certos de que, no presente e no futuro, continuaremos a ter, no Diário de Coimbra, um parceiro privilegiado que será um contributo valioso para o nosso desenvolvimento.
A comunicação assume um papel fundamental no posicionamento que pretendemos para Góis. Neste sentido, é nosso objetivo melhorar, potenciar e desenvolver positivamente a comunicação com as Pessoas. Este jornal é, sem dúvida, um excelente meio para o fortalecimento da nossa imagem. Pretendemos, com esta estratégia, criar melhores condições para captar novos turistas, novos investidores e novos munícipes.
Efetivamente, num mundo global e competitivo temos que nos mostrar, chegar ao consumidor da forma mais espontânea possível.
Assim, este jornal pode afirmar-se como ponto de encontro entre todos nós: Munícipes, Visitantes, Turistas, Empresários e Amigos do Concelho de Góis. É uma porta aberta para o futuro, que cada vez mais nos liga através das tecnologias da informação e da comunicação, cada vez mais perto das Pessoas.
Ao Diário de Coimbra deixamos as nossas felicitações e os renovados votos de uma vida longa, com Góis e com os Goienses.
Estamos certos de que, no presente e no futuro, continuaremos a ter, no Diário de Coimbra, um parceiro privilegiado que será um contributo valioso para o nosso desenvolvimento
ACELERAR A CAMINHO DE GÓIS
1991 Grupo de amigos, apaixonados pelas motos, decidem criar uma associação. Nasce o Góis Moto Clube. Uma “fábrica” de campeões, que também organiza a mágica concentração mototurística
Éuma das imagens de marca do concelho. Aliás, a grande maioria dos grupos têm em segundo plano o nome da terra de origem. Ao contrário, o Góis Moto Clube põe o concelho na primeira linha. No nome e em tudo o que faz. Promover Góis, seja na pista, seja nas margens do Ceira é o grande objetivo desta associação, nascida em 1991, quando um grupo de amigos, apaixonados pelas motos, decide criar uma coletividade que «os representasse e representasse Góis».
Nuno Bandeira, atual presidente da direção, lembra que a associação «logo no primeiro ano realizou uma prova de todoo-terreno». O facto de João Paixão, um dos fundadores do Góis Moto Clube e seu primeiro presidente, «andar no mundo das
motos», inclusivamente foi vice-presidente da Federação Portuguesa de Motociclismo, ajudou a arrancar com esta experiência, em 1991. «Estamos numa região montanhosa, ideal para o todo-o-terreno», explica, lembrando que Góis é conhecido como «o paraíso do todo-o-terreno».
A primeira concentração veio logo a seguir. «Começámos a ir a concentrações e decidimos fazer uma em Góis». Passaram praticamente 30 anos, uma data redonda, a celebrar para o ano. «Estiveram umas 150 pessoas», recorda. Um número que foi crescendo, ano após ano, até atingir os 15 mil, o “número limite” que a organização impôs há seguramente uma década. «Não temos capacidade para albergar mais pessoas», explica Nuno Bandeira. Aliás, a or-
ganização prima pelo rigor e não facilita, em nome da segurança e da qualidade de um evento de excelência.
A concentração mototurística começou por se efetuar no Parque do Cerejal e «foi crescendo, sempre à beira rio», na zona onde em 2015 foi inaugurada a sede do Góis Moto Clube. «O rio atravessa a concentração e as pessoas gostam de vir cá por isso mesmo. O rio é o “ex libris” da concentração», afirma, muito embora as estradas e os caminhos de montanha e as praias fluviais sejam outra atração.
Faro, no sul, e Góis, na Região Centro são os grandes polos de atração dos motards. «São eventos diferentes, com públicos diferentes», considera Nuno Bandeira. «Faro é mais internacional», faz notar, facto que
se prende com a proximidade do aeroporto e da fronteira com Espanha. Góis cativa sobretudo motociclistas de norte a sul do país, com 80% do público do território nacional. Nos restantes 20%, os espanhóis estão na linha da frente, seguidos pelos franceses, ingleses e holandeses. Uma presença internacional que resulta do «esforço» e dos «muitos contactos» que a organização tem feito.
“Tá-se bem em Góis!” é o slogan da concentração, que mais do que palavras é concretizada em atos. «Tentamos criar as condições para que as pessoas cheguem a Góis e se sintam em casa», afirma Nuno Bandeira. Um objetivo que requer uma logística complexa, onde nada pode falhar. «A maior parte da zona de acompanhamento tem sombra e é relvada», exemplifica. Cuidado especial merecem as instalações sanitárias. «É uma grande aposta, de ano para ano». Significa que na concentração de Góis já se eliminaram os WC portáteis, trocados por contentores, em nome do cuidado com a higiene.
Na “ilha do churrasco” o recinto oferece condições para os participantes «confecionarem as suas refeições – grelhadosem segurança». Junta-se uma oferta «selecionada» em termos de restauração. «Não queremos que as pessoas se sintam defraudadas», diz o presidente, justificando a escolha de restaurantes que oferecem um menu assente na gastronomia da região. A segurança também é o elemento dominante das zonas criadas para as crianças, onde «os pais as podem deixar com-
pletamente à vontade».
A feira é outra das grandes atrações da concentração, com cerca de 150 expositores presentes, todos ligados ao mundo das motos. «Há muita gente que vem propositadamente para visitar a feira», refere Nuno Bandeira, o que significa que este ano a organização garantiu uma resposta para estes visitantes, mantendo a feira aberta ao público em geral até às 18h00, horário a partir do qual o certame apenas é acessível a quem tem bilhete para a concentração.
A animação é outro dos atrativos, na rua, nas praias fluviais e no palco principal, com «concertos interessantes», «fruto de um esforço» da organização, que procura estar na linha da frente em matéria de qualidade, também na vertente musical, levando às margens do Ceira artistas de renome. Todavia, nada de “perder o norte”.
«O nosso esforço é sempre no sentido de termos uma concentração sustentável», alerta Nuno Bandeira. A sede do Góis Moto Clube «é o resultado de 25 concentrações. Conseguimos fazer esta sede, com o apoio do município», adianta. Orgulhoso, o presidente lembra que no território não há grandes empresas que possam ser patrocinadores, razão pela qual conseguir «um evento sustentável é um feito, que é reconhecido. Raramente temos de recorrer ao município», adianta. O orçamento médio das concentrações mototurísticas ronda os 550 mil euros. O recorde está em 660 mil euros, aquando da realização da 25.ª edição.
Diário de CoimbraCrescer em várias frentes
«Levar os nossos sócios cada vez a mais eventos e levar o nosso nome mais longe» é um dos objetivos do Góis Moto Clube para o futuro, que pensa, nomeadamente, em eventos «além fronteiras». Outro desejo é que a concentração mototurística cresça, o que passa necessariamente pela aquisição de terrenos privados, contíguos ao espaço pertencente ao município. Outra das áreas que merece particular atenção é a organização de passeios de mototurismo e todo-o-terreno para grupos provenientes do Norte da Europa e também de Espanha, que procuram “guias” no Góis Moto Clube. Também a Rota da Nacional 2, «um grande produto turístico», no entender de Nuno Bandeira, merece atenção. Depois da loja física, em funcionamento, o clube pretende abrir, a breve trecho, uma loja online. «É uma forma de o Góis Moto Clube chegar mais longe. Somos muito procurados pelos nossos produtos». Manter a sede sempre aberta, recuperando os hábitos anteriores à pandemia e cativar mais sócios para o clube são outros dos desafios que a direção assume.
A destreza de quem conhece os segredos das motos ou das bicicletas é sempre um motivo de animação e atração no certame
Recordações de Góis dispersas pelo mundo
«Sentimos que o nosso trabalho vale a pena», diz Nuno Bandeira, emocionado, ao recordar o facto de, no Dubai, ter encontrado um holandês com uma t-shirt da concentração de 2019. Ou ainda uma experiência semelhante, desta vez na República Dominicana, onde passou a lua de mel.
A t-shirt é um dos acessórios que faz parte do kit que a organização entrega na inscrição dos participantes. Junta-se-lhe o “bordado”, que normalmente os motards gostam de colocar no colete, um brinde surpresa, diferente a cada ano, e eventuais brindes que os patrocinadores entendam oferecer, bem como informação turística sobre a região.
Vila e população são os “grandes parceiros do evento”
Não há a mais pequena dúvida relativamente à sedução que Góis exerce sobre os motociclistas. Mas o inverso também é verdade, com a vila a receber os visitantes de braços abertos. «As pessoas de Góis estão à espera, todos os anos, que a concentração aconteça».
A vila e a população «são os nossos grandes parceiros», sublinha Nuno Bandeira, que faz questão de destacar o «esforço de preparação» que a vila e toda a região têm de fazer, e particularmente «o esforço enorme feito pela restauração para conseguir cumprir e dar resposta». Por seu turno, o «alojamento esgota, com meses de antecedência», adianta.
De acordo com «dados das entidades bancárias», o impacto da concentração mototurística na vila de Góis «ronda os 4 milhões de euros». «Não se trata de um estudo», adverte o responsável, que também é vice-presidente da Câmara Municipal de Góis, mas de registos decorrentes das movimentações bancárias, que indiciam um grande movimento na economia local.
Para a região «o impacto é muito maior», pois todos os concelhos em redor de Góis estão “à pinha” no fim de semana da concentração.
Cortar a meta na linha da frente
Apesar da maior visibilidade do Góis Moto Clube estar associada à organização da concentração mototurística, habitualmente realizada em agosto, este evento é apenas uma pequena fatia das atividades do clube. «Acompetição é a nossa principal aposta», diz Nuno Bandeira, recordando que foi precisamente com a organização de uma prova de todo-o-terreno que o Góis Moto Clube arrancou, em 1991.
Orgulhoso, o presidente refere a “Escola de Pilotos”, criada há 18/20 anos, que «já nos deu alguns campeões nacionais». Um baluarte de referência a nível nacional. O “campeoníssimo” Diogo Ventura é um dos protagonistas desta história de sucesso. «Foi quatro vezes campeão nacional de enduro», destaca Nuno Bandeira. Este ano, o piloto de Góis não conseguiu levar a melhor em Valpaços. Conseguiu ganhar na sua classe, mas o título de campeão fugiu-lhe.
«Nas últimas seleções nacionais de enduro está sempre alguém de Góis», adianta, satisfeito. Efeitos práticos desta “Escola de Pilotos”, que funciona aos fins de semana. «Pegamos nas motos de todoo-terreno e vamos para o terreno
com os pilotos», explica. Este ano foram 12 os pilotos que, com a “bandeira” do Góis Moto Clube, disputaram os campeonatos nacionais de enduro e de todoo-terreno.
Pilotos que «cresceram connosco» e que, apesar do sucesso que alcançam, «estão sempre connosco, sempre disponíveis». Mais do que uma «escola oficial», a “Escola de Pilotos” é «uma escola para a vida, que nos dá esses valores».
O presidente lembra, ainda, no passado, uma aposta forte no BTT, igualmente ao nível competitivo. «Neste momento não temos nenhum piloto a participar», situação que se estende ao ciclismo. «Mas tivemos um campeão no paraciclismo, Bernardo Vieira», sublinha. «O Góis Moto Clube é muito reconhecido», diz e continua a dar que falar e mantém o patrocínio a vários pilotos. Todos os anos há uma fatia do orçamento, de «18 a 20 mil euros», destinada a estes patrocínios.
Diário de Coimbra“Escola de Pilotos” é uma das grandes apostas do clube. Uma escola que tem vindo a formar campeõesVertente lúdica é a face mais visível do clube, mas a competição é a grande aposta Nuno Bandeira presidente da direção do Góis Moto Clube
DIOGO VENTURA ACELERA PARA O PÓDIO
anos com Góis Diogo VenturaQuem sai aos seus não degenera”, reza o ditado e Diogo Ventura é um exemplo. Nasceu entre motos, com os pais a participarem ativamente nas iniciativas do Góis Moto Clube e praticamente começou a andar e a conduzir uma moto. A primeira, uma 50, foi-lhe oferecida pelo pai e pela avó. Tinha 8 anos. Com 10 disputou a primeira prova, em Pegões. «Correu muito bem, fiquei em quarto lugar». Vice-campeão nacional de enduro em 2022, o piloto de Góis soma um palmarés notável
«O meu pai achava que eu era o melhor piloto do mundo», afirma Diogo Ventura que desde os 10 anos nunca mais parou. As motos são diferentes e passou do motocross para o enduro, mas a garra de cortar a meta na linha da frente é a mesma.
«As coisas foram ganhando importância», diz o campeão. Participou em vários campeonatos, em Portugal e na Europa, e integrou a seleção nacional de iniciados. Com 14 anos sagrou-se vice-campeão nacional e aos 16, «já com motos de adulto», sublinha, conquista o primeiro título nacional, na
10 Diogo Ventura 90 anos com Góis
categoria de MX Júnior. Era o início de uma carreira fulgurante, que todos os anos, prova após prova, mostra a tenacidade, a resiliência do piloto de Góis e a sua enorme paixão pelas motos.
Uma paixão que nasceu em família e que a família alimentou e sempre apoiou.
O Moto Clube de Góis foi a grande fonte inspiradora desta paixão pelas duas rodas.
A serra era, igualmente, uma «mais-valia». Todavia, na modalidade que o jovem Diogo começou a praticar não ajudava muito.
«Precisava de estar onde estavam as melhores pistas» e os melhores pilotos. Pista que não existia em Góis. Isso obrigou a «um esforço coletivo de toda a família». Enquanto os amigos, da mesma idade, passavam os fins de semana e as férias no rio, Diogo, acompanhado pelos pais, corria o país à procura das melhores pistas para treinar. «Os meus pais iam sempre comigo», sublinha, agradecido e quando José Ventura emigrou, a saga continuou, com Maria de Lurdes a conduzir e acompanhar o filho.
Depois de se sagrar campeão de motocross, Diogo Ventura muda a rota, estreia-se no enduro e tira a carta de condução. «No enduro há mais pilotos e mais oportunidades», diz. «Comecei em part-time, mas aos 18 anos dediquei-me completamente ao enduro». Em 2014/2015 dá o salto, ingressando numa equipa internacional e, durante três anos faz o campeonato a tempo inteiro.
«O sonho de qualquer piloto é ser campeão do mundo», assume. Um caminho onde não é fácil singrar. Depois de, em 2013, se ter sagrado campeão europeu de enduro, como júnior, entrou no campeonato mundial. «Fiz vários pódios, mas nunca consegui ser campeão» e a passagem para a categoria sénior trouxe mais dificuldades.
«As marcas têm mais interesse em patrocinar um italiano do que um português», conta.
Ponderados os prós e os contras, chegou à conclusão que «não compensava financeiramente» manter-se no “circo”internacional.
«Optei por regressar a Portugal» e dar início
a «projetos pessoais». Assim, e apesar de se assumir como «um profissional das motos», Diogo Ventura não deixou de pensar no futuro. Entrou para a Universidade, em Leiria, mas não concluiu o curso de desporto. Todavia, «para não depender só das motos, comecei a trabalhar, em part-time, no Góis Moto Clube», conta. Um trabalho que manteve até ao ano passado, altura em que decidiu abraçar um projeto familiar, ancorado na agricultura e no turismo, na Quinta Casal de Bordeiro, arredores de Góis. À produção de mirtilo, já instalada, pensa juntar uma componente mais industrial, com o «arranque de uma destilaria para a produção de licores e de gin» e uma estrutura para produzir compotas. O objectivo é crescer, igualmente, em termos de turismo rural, com a «requalificação de alguns edifícios antigos», adianta o empresário, preocupado em conciliar a vertente competitiva com o negócio familiar. «O ideal seria ser 100% profissional, porque o descanso é importante» e é necessário treino intenso, mas tem sido possível «conciliar». A grande preocupação quando entra “em campo”, é chegar à meta na frente, o que significa somar pontos na classificação e «dar o máximo retorno aos patrocinadores».
«Em Portugal qualquer desporto, com exceção o futebol, dá pouco dinheiro», assume o piloto. «Aos poucos fui conseguindo arranjar patrocinadores», diz, destacando o apoio «desde a primeira hora» do Góis Moto Clube e do Grupo Alves Bandeira. Conseguiu, igualmente, uma equipa que «paga prémios e as despesas», o que significa que sobra algum dinheiro. Mas, mesmo assim, e com os ventos a correrem de feição, «é muito difícil um atleta viver só das motos». Sobretudo tendo em conta as muitas despesas. Desde logo a moto, que embora seja assumida pela equipa, custa na casa dos «10 mil euros» e é necessário ter pelo menos
Diário de CoimbraAcompanhar jovens e dar formação
Com 29 anos, Diogo Ventura não pensa, para já, “pendurar as botas”. «A idade é uma coisa muito relativa», diz. «Enquanto for competitivo, não vou deixar», garante, assumindo que quando sentir que começou a perder essa capacidade muda de rota e começa a «correr em part-time». «Para me divertir!», sublinha. A formação é outra das áreas em que aposta, pois considera importante transmitir a sua experiência, além de ser uma área que lhe dá «prazer». «Estou a trabalhar com dois pilotos, com 18 anos», o Gonçalo Figueiredo, de Coimbra, e o Gonçalo Pedrosa, do norte, explica. Extra a área da competição, num domínio mais lúdico, Diogo Ventura quer «organizar estágios de enduro» na Quinta Casal de Bordeiro, «para pessoas que queiram aprender».
duas, «uma para treinar e outra para correr» e proceder à sua substituição. Em média são «três motos por ano». Às máquinas junta-se toda a logística de transporte, combustível, alojamento, alimentação.
A esposa, Mariana, assume um papel importante nas provas. «Dá-me assistência», o que significa a garantia de água e alimento, em corridas que têm uma duração média de sete horas, com várias especiais cronometradas e percursos de ligação . É nestes troços que piloto e máquina recebem a necessária assistência e onde Mariana assume o papel principal. Para já, a filha, de dois anos, apenas dá apoio moral.
Depois de três anos ao volante de uma Honda, que lhe garantiu quatro títulos nacionais, o piloto de Góis assumiu um novo desafio, em 2020, passando a pilotar uma Beta e a integrar a escuderia da Beta Portugal Moto Espinho, sediada em Guimarães.
Diogo Ventura conquistou quatro títulos absolutos (enduro) e seis títulos “à classe”.
A última época não correu da melhor forma e, apesar de correr para ser campeão absoluto, o título escapou-lhe na derradeira prova, em Valpaços.
Diogo Ventura piloto de Góis tem um palmarés notávelZELADORES DA CULTURA E DAS TRADIÇÕESS
2003 Lousitânea – Liga dos Amigos da Serra da Lousã –nasceu em 2003 com uma acentuada vocação ambiental, à qual juntou a preocupação com as tradições, o saber ancestral das gentes das aldeias da serra
Com 10 anos, Cátia Lucas fazia voluntariado, juntamente com a irmã, Raquel, na primeira Maternidade de Árvores, instalada pela Lousitânea – Liga dos Amigos da Serra da Lousã - em Vila Nova do Ceira. Eram os primeiros passos da jovem e também da associação. Duas décadas depois, praticamente tudo mudou. Transversal, intocável, talvez até mesmo mais arreigada e mais consistente, está a paixão pela Serra da Lousã, particularmente pelas suas gentes. «Encontrei aqui o meu lugar», afirma a jovem sem a mais pequena hesitação. Cátia é hoje um dos “pilares”da Lousitânea, uma associação fundada a 3 de dezembro de 2003, por iniciativa de Fátima Curado, Fernando Romão e José Augusto Pais. Hoje o timoneiro é Paulo Silva, um homem que, tal como Cátia, veio de fora, da zona de Lisboa, e se rendeu à magia destas serranias. Começou, bem pequena, a vir com os pais passar os fins de semana a Góis, até que a família se instalou definitivamente. Primeiro Jorge Lucas e a esposa. Depois as gémeas, Cátia e Raquel.
«Era um sonho», confessa Jorge Lucas, ilustrador de arqueologia no Museu da Amadora, que descobriu a Serra da Lousã graças aos escuteiros. Teria 17/18 anos quando começou essas caminhadas, feitas a pé ou de bicicleta. «Fiquei apaixonado por isto», confessa. O livro “As mais belas vilas e aldeias de Portugal”, do Círculo de Leitores, era a fonte de inspiração. As ferramentas de orientação, num tempo em que não havia GPS nem telemóveis, resumiam-se às cartas militares. Também não havia pizzas ou hambúrgueres e as refeições tinham que ser confecionadas com aquilo que fosse possível adquirir aos habitantes das aldeias, desde ovos, a hortaliça. «Um dia, íamos a subir a serra e estava a pensar que tinha de dar dinheiro aos miúdos para comprarem qualquer coisa para fazermos
a comida. Uma senhora vê-nos, ao longe, e quando chegamos tem uma panela de sopa à nossa espera». Uma experiência que terá acontecido na zona de Chãs d’ Égua, freguesia do Piódão (Arganil). «Isto mexeu comigo», recorda, embevecido, mais de 30 anos depois.
Experiências marcantes, que fizeram Jorge Lucas sonhar com uma vida em Góis, instalar-se aqui, criar raízes. Uma possibilidade que surge em 2012, já depois da Lousitânea ter deixado o centro da vila de Góis (a segunda sede, depois de uma primeira, em Castanheira de Pera), para se instalar na Aldeia do Xisto de Aigra Nova.
O projeto Ecomuseu Tradições do Xisto foi o “click” que faltava, depois de anos a fio a fugir da Amadora, aos fins de semana, para respirar e viver a serra com a família.
A esposa, professora, ligada à área da educação especial, teve colocação quase imediata no Agrupamento de Escolas da Lousã e Jorge Lucas virava a página mais emblemática da sua vida, instalando-se em Góis.
As filhas ainda ficaram, mas seguiram-lhe os passos assim que concluíram a respetiva formação académica.
«Sabíamos que estávamos a trabalhar
com os últimos habitantes das aldeias», diz, recordando André Claro, da Aigra Velha, um profundo conhecedor da cultura serrana, que partiu demasiado cedo. Ou o irmão, Manuel Claro, da Aigra Nova, que o destino também já levou. De um e de outro tem memórias ímpares. «Era uma fonte de inspiração», diz, referindo-se a André Claro, um «homem de eleição», especialista como poucos na arte do contrafogo. O irmão, falecido em 2020, foi, igualmente, uma lição de vida para Jorge Lucas.
«Vê-se mesmo que és de Lisboa», dizia-lhe o patriarca da família Claro, quando Jorge Lucas se empenhava em preparar a “Coirela das Agostinhas” para ali plantar a horta. A lição vinha logo de seguida, com Manuel Claro a explicar em que sentido se deveria cavar a terra para impedir que resvalasse. Lições que se repetiram nos mais diversos domínios e que levaram o desenhador, à data já funcionário da Câmara Municipal de Góis, a desdobrar-se, ávido, em aprendizagens quase inimagináveis. Um mundo onde cabe, por exemplo, a cresta do mel - «Manuel Claro fez o seu primeiro cortiço com 10 anos, depois de pedir autorização ao pai, António Claro»,
12 Lousitânea - Aldeias do Xisto 90 anos com Góis Diário de CoimbraSSERRANAS
de enchidos tem castanhas a secar. O calor da lareira e o fumo desidratam o fruto que, depois de seco, é sujeito a um movimento especial - «quase de break dance, feito com os pés», explica – que permite tirar a casca e a pele. Castanha pilada que era, em tempos de antanho, um verdadeiro rebuçado com o qual se entretinham as crianças.
Jorge Lucas ainda conviveu com o Ti Côdeas, «um homem alegre e feliz», e descobriu um mundo de histórias fantásticas com a Ti Júlia. Com a 4.ª classe, era ela quem lia e escrevia todas as cartas da aldeia e guardava na memória momentos mágicos, como aquele em que viu, bem perto, junto aos Penedos de Góis, o último lobo da serra, animal que terá sido morto «pelo seu pai ou pelo avô», refere. Histórias onde cabem bruxas e lobisomens ou outras coisas bem mais terra a terra, como a partilha das águas para a rega, consagrada na denominada “Roda dos 19”, que se reporta aos 19 dias que representarão o limite máximo que as culturas aguentam sem rega.
“Quem sai aos seus...”
de armas e bagagens. Cátia concluiu o curso de Animação Turística, fez um mestrado em Turismo e Ambiente e teve a oportunidade de começar a trabalhar na Lousitânea.
«Quando recebi a proposta, nem sequer pensei duas vezes», conta. Era, também para ela, a concretização de um sonho, mais recente para a irmã. «Já estava ambientada, conhecia as pessoas», diz, recordando o facto de desde pequena ser uma presença frequente nas Aldeias do Xisto de Góis. Viver na Aigra Nova é “a cereja no topo do bolo” e está a um pequeno passo de o conseguir, pois a família vendeu a casa na Amadora e investiu na aldeia. Só falta mesmo proceder à sua recuperação.
«Não há um sítio melhor para viver», garante, entusiasmada. «É um local encantado», adianta. «As pessoas» são o elemento primordial desse «encanto». Depois, claro está, vem a beleza do território. Aldeias talhadas na serra, orgulhosas, que continuam a resistir ao tempo e à solidão, à natureza e ao Homem.
recorda –; a sementeira do milho, a colheita, a moagem do grão, o amassar da broa –que para «levedar bem precisa de ter umas calças de homem, com a braguilha aberta, em cima»; o tender e o cozer no forno de lenha; fazer a aguardente no alambique ou a conservação da castanha. Um fruto que ainda hoje abunda e que outrora representou a base da alimentação das gentes serranas. «Uma das moradoras lembra-se da primeira sementeira de batatas», refere. «A castanha era tanta, que “inventaram” a castanha pilada», uma forma de garantir a sua conservação. Castanha que era seca nos “caniços”, uma espécie de fumeiro, mas que em vez
Jorge Lucas bebeu todas estas lições de vida e transmitiu essa paixão às filhas, que começaram, como voluntárias, a dar uma ajuda na Lousitânea. Uma e outra, assim que tiveram possibilidade, instalaram-se
«Estas pessoas têm tudo o que precisam», garante Cátia Lucas, respondendo a quem questiona a solidão de quem vive nas aldeias da Comareira ou de Aigra Velha, uma vez que a Aigra Nova conquistou uma nova moradora, a Carol, americana, professora universitária, que se rendeu, também ela, aos encantos das Aigras e resolveu instalar-se, repartindo o ano entre a Serra da Lousã e a sua terra natal, nos Estados Unidos da América. «O padeiro passa todos os dias à porta, o merceeiro vem todas as semanas, assim como o peixeiro… e temos terra». Uma terra onde cresce tudo o que é ali é semeado, desde o milho às batatas, passando pela couve serrana, imprescindível à sopa, as couves do Natal, e outros “mimos”. «Temos aqui tudo o que precisamos para viver», garante a jovem.
Diário de Coimbra 90 anos com Góis Lousitânea - Aldeias do Xisto 13 Aldeias do Xisto procuram manter viva a memória das gentes, das tradições e dos valores serranos Jorge LucasDa serra para as suas gentes
um entrecosto no forno ou uma tibornada de bacalhau. A refeição pode ser servida num dos telheiros da aldeia de Aigra Nova, ao ar livre ou na casa de convívio.
Outra proposta é o programa da “Broa e do Queijo”, um atelier no qual os participantes são convidados a “pôr as mãos na massa” e confecionar estes dois produtos. A broa é preparada com o milho e o centeio, cereais cultivados nas aldeias há séculos, e o queijo é produzido com o leite de cabra, dos rebanhos cuja presença faz parte da genuína paisagem da serra. Produtos que são degustados ao almoço ou ao lanche.
A “subida” da Lousitânea para a serra, em 2009, deixando o espaço no centro da vila de Góis, implicou, igualmente, uma nova estratégia por parte da associação. Se a vocação ambiental, de proteção da natureza, estava no seu ADN de origem, juntou-lhe a componente cultural e humana, a vivência peculiar das gentes serranas, os guardiões da serra. O desafio foi lançado pela Câmara Municipal de Góis, à data presidida por José Girão Vitorino (já falecido), no âmbito da adesão do município à Rede das Aldeias do Xisto, gerida pela ADXTUR. Um projeto que ditou a recuperação e a infraestruturação das aldeias de Aigra Velha e Aigra Nova, Pena e Comareira. A necessidade de instalar uma loja, levou a autarquia a pedir a colaboração da Lousitânea, dando início a uma parceria motivadora, que se mantém, com a Liga dos Amigos da Serra da Lousã a assumir-se como a entidade zeladora das quatro Aldeias do Xisto.
A loja foi instalada, funcionando como espaço de informação, café e de promoção do artesanato. Mas a Lousitânea quis ir mais longe e pensou na criação do Ecomuseu das Tradições do Xisto. Um espaço dinâmico que, além da conservação da natureza, apostou na preservação e valorização das tradições e da cultura serrana. Um museu vivo das Aldeias do Xisto, que congrega vários núcleos. Assim, ao núcleo sede, juntam-se os núcleos da Coirela das Agostinhas, a horta onde cresce o milho, a couve serrana, a couve de Natal e outros legumes,
e o Núcleo do Forno e Alambique da Família Claro, recuperados e em funcionamento numa parceria com a família proprietária dos dois equipamentos. Espaços que retratam e permitem vivenciar as tradições e a cultura muito peculiar dos povos serranos.
Há ainda o Núcleo de Interpretação Ambiental e a Maternidade das Árvores, onde crescem espécies autóctones, que se destinam à reflorestação da serra e podem ser apadrinhadas. Os incêndios de 2017, reconhece Cátia Lucas, vieram imprimir uma maior dinâmica à produção, que ronda os 10 mil exemplares/ano. Um facto a que não é alheia a parceria com a Fundação Benfica e o projeto que esta instituição está a dinamizar junto das escolas, promovendo a sementeira de espécies autóctones.
Experiências diferenciadoras
Além da visita guiada aos diferentes núcleos, a Lousitânea empenhou-se em promover um conjunto de iniciativas, que permitem vivenciar a cultura e as tradições serranas. São os programas temáticos que convidam, por exemplo, ao “Manjar na Aldeia”, uma refeição preparada em colaboração com os moradores, com base em produtos locais. O queijo de cabra é obrigatório nas entradas, disputando o apetite com as azeitonas aromatizadas. Segue-se uma sopa serrana, a “tranca da barriga”, como se diz na serra, e uma chanfana feita em forno de lenha, acompanhada com batata e migas de castanha. A alternativa é
O programa do Doce da Urze centra-se no ciclo do mel, outro dos produtos característicos da serra. Agosto é o mês ideal para participar nesta lição ao vivo, que começa com uma explicação teórica sobre as abelhas e a produção deste néctar, bem como dos instrumentos usados e culmina com a”cresta”, a retirada dos “favos” dos cortiços e a posterior prensagem, que permite obter este verdadeiro “ouro da serra”.
O Programa do Milho, realizado entre meados de setembro e outubro, recorda e replica a tradição das antigas descamisadas, com a recolha do milho, o transporte para a eira onde, em ambiente festivo, com a participação do rancho folclórico, se procede ao descasque, sempre na esperança de encontrar uma espiga vermelha, o milho rei que dá direito ao “Xi” ou ao abraço. O milho é, depois, debulhado e estendido na eira.
Os percursos pedestres e o geocaching constituem outras das propostas da Lousitânea, que também gere um espaço de alojamento local na Aldeia da Comareira. Nas restantes aldeias existem igualmente unidades de alojamento. A brama dos veados, o magusto, são outros dos eventos sazonais, promovidos pela associação, que atraem cada vez mais gente às Aldeias do Xisto de Góis.
Cátia Lucas destaca, de resto, o crescendo de visitantes a que se tem vindo a assistir, sobretudo a partir do final do isolamento imposto pela pandemia. «As pessoas descobriram o interior», afirma, não tendo dúvidas que é no interior, nas aldeias perdidas na serra que se encontra «a chave do sucesso» do turismo do país. As propostas são «autênticas, genuínas» e quem vem «fica encantado», garante. À semelhança da professora americana, há outros “inquilinos” novos a instalarem-se e a levar “sangue novo” às aldeias serranas.
14 Lousitânea - Aldeias do Xisto 90 anos com Góis Diário de Coimbra Coirela das Agostinhas continua ser uma horta e também um espaço pedagógicoCorrida do Entrudo atrai foliões
Uma brincadeira de Paulo Silva, presidente da direcção da Lousitânea, há meia dúzia de anos, por alturas do Carnaval, com uma “corrida” pelas aldeias, onde levava uma máscara de cortiça, feita anos antes num acampamento de escuteiros, transformou-se, do pé para a mão, em mais uma proposta de eleição da Lousitânea. É a Corrida do Entrudo das Aldeias do Xisto de Góis, uma proposta que replica as “corridas” efetuadas no passado às aldeias vizinhas e onde, porque “no Carnaval nada parece mal”, tudo era permitido e salvaguardado pelo anonimato.
A Lousitânea tem procurado manter o respeito pelo figurino deste “Correr o Entrudo”, definindo um conjunto de regras a cumprir. As máscaras, feias e diabólicas, têm necessariamente de ser feitas de cortiça, nem que seja através do aproveitamento de um velho cortiço. Os adornos podem incluir chifres de cabra, hastes de veado, dentes de javali, lã de ovelha ou barba de
milho e algumas pinturas discretas. Depois de colocar a máscara, o folião tem de recorrer a lenços, xailes ou trapos para tapar o resto da face.
Quanto às vestes, a tradição diz que deve ser usado vestuário antigo, com alguns peças vestidas do avesso e trocadas na ordem (interior para o exterior e exterior para o interior). Para que ninguém seja reconhecido no seu “mal dizer”, sugere-se que os homens se vistam de mulheres e as mulheres de homem. Todo o corpo, incluindo as pernas, os braços e as mãos devem ser cobertos com peças de roupa.
Chocalhos, guizos, campainhas fazem parte dos adereços. O objetivo é “fazer barulho” com estes adornos, que devem ser acompanhados por uma bengala, cajado ou guarda-chuva. Instrumentos musicais e grandes funis, transformados em megafones, fazem parte da indumentária, ajudando os foliões a cantar as quadras jocosas e a “correr o Entrudo”nas Aldeias do Xisto.
Diário de Coimbra 90 anos com Góis Lousitânea - Aldeias do Xisto 15 Máscaras de cortiça são típicas da regiãoPASSADIÇOS DESCOBREM RECANTOS DO CEIRA
2022 Inaugurados em fevereiro, Passadiços do Cerro da Candosa são a última grande aposta da freguesia de Vila Nova do Ceira. Os visitantes não se fazem rogados
Éefetivamente preciso ver, estar lá, para sentir a magia das fragas e perceber a dimensão do desfiladeiro. É necessário estender o olhar pelo vale para sentir a abrangência deste miradouro de excelência. São 600 metros de percurso e 450 degraus que levam o visitante a descobrir um mundo novo, alguns dos recantos escondidos do rio Ceira. Falamos nos passadiços do Cerro da Candosa, o mais recente investimento concretizado na freguesia de Vila Nova do Ceira. Inaugurado a 26 de fevereiro deste ano, o projeto tem sido um sucesso.
«Está a superar as melhores expectativas», afirma o presidente da Junta de Freguesia. «Quando pensámos o projeto, sabíamos que seria uma mais-valia para a freguesia e para o concelho, mas nunca pensámos que tivesse tantos visitantes», confessa António Machado. A contabilização dos visitantes está vedada, uma vez que o “contador” representava um custo de seis mil euros,
dinheiro que fazia falta para concretizar a obra. «Já estou arrependido», adianta o autarca local, uma vez que está inviabilizada, pelo menos para já, a contagem dos visitantes. Mas têm sido em número «surpreendente», garante.
Surpreendente foi, também, a realização, no início de Junho, do I Festival Internacional de Slacklines, que reuniu, refere com orgulho o autarca, mais de 200 participantes e um total de 35 nacionalidades. Já anteriormente, conta António Machado, os praticantes da modalidade tinham escolhido as margens do Ceira, «mas ficavam lá por baixo».
Todavia, quando viram os passadiços, encetaram contacto com o município de Góis e com a Junta de Freguesia, no sentido de promover este «primeiro evento internacional». O equilíbrio é a pedra-chave deste desporto, que não é aconselhável a quem sofre de vertigens, pois trata-se de andar e fazer acrobacias sobre cordas. As mais pequenas e baixas estão a 30 metros, mas outras sobem a uma altura de 120 metros e apresentam um comprimento de 220 metros. Satisfeito pela escolha, o autarca não tem dúvidas de que a projeção deste evento vai trazer novos praticantes e visitantes aos passadiços.
Trata-se, pois, de um projeto de sucesso,
mas que não começou da melhor forma. O presidente da Junta recorda que, depois dos incêndios de 2017, no âmbito do Programa Valorizar, instituído para a recuperação dos territórios afetados, a Junta resolveu avançar com um projeto e com a respetiva candidatura. Sem sucesso. «A candidatura foi reprovada», diz. Com o projeto pago e sem vontade de o colocar na “gaveta”, a Junta resolveu pedir aos projetistas a sua reformulação. «Era um projeto muito maior, com mais envergadura, muito mais à frente, muito inovador», orçado em 540 mil euros, que foi ajustado a uma realidade mais modesta, que representou um investimento de 170 mil euros.
O município de Góis e a Cooperativa Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira aliaram-se à Junta, que assumiu 50% do valor total, com a Câmara a suportar 60% da restante “metade”e a Cooperativa a garantir os 40% que faltavam. «Um investimento que valeu a pena», diz, orgulhoso, o presidente da Junta, que está atento a um conjunto de sugestões que são feitas, algumas das quais estavam contempladas na ideia original, mas que a redução de custo não comportou. «Não quer dizer que, no futuro, não se faça», afirma, já a pensar num projeto idêntico para a outra margem. «Vamos estar atentos a eventuais programas comunitários de apoio», que possam alimentar a ideia e permitir que os passadiços cheguem mais longe, mostrando «outros recantos escondidos» do rio Ceira e do desfiladeiro que cresce nas respetivas margens.
Eventualmente mais fácil de concretizar será a possibilidade de imprimir mais dinâmica a um empreendimento que existe praticamente junto aos passadiços, o “Candosa Village”. Trata-se, explica António Machado, de um equipamento pertencente à Junta de Freguesia, criado há «35/40 anos», que possui bar e restaurante, piscina e seis bungalows e que «nunca foi bem explorado». Nesta altura, com os passadiços a atraírem verdadeiras multidões, o espaço tem todas as condições para “dar o salto” e funcionar como estrutura de apoio aos visitantes. «É uma grande oportunidade», sublinha o presidente da Junta, que aos Passadiços do Cerro da Candosa, com vista sobre o rio e sobre o vale, junta outra atracção da freguesia, esta definida pela frescura das águas do rio, na praia fluvial das Canaveias. Ambos são, sem dúvida, locais de visita obrigatória.
18 Turismo 90 anos com Góis
PROMOVER A BELEZA DO TERRITÓRIO
2021 Praias fluviais, Aldeias do Xisto e percursos pedestres constituem exemplos de uma oferta singular, que o município quer potenciar com a organização e vários eventos
Overde da floresta, as águas frescas dos rios, as montanhas que se erguem altaneiras, definem um concelho abençoado pela mãe natureza. Uma obra de arte que a mão do homem ajudou a enfeitar, talhando o xisto que deu vida às aldeias que polvilham as serranias. Um território de uma beleza extraordinária, promissor em termos de aproveitamento turístico. Essa é, de resto, uma das estratégias definidas pelo município.
«Temos de fazer o melhor aproveitamento desta beleza natural e dos equipamentos que possuímos», afirma Rui Sampaio, presidente do executivo municipal. As praias fluviais – Canaveias, Pego Escuro, Sinhel e Peneda, as duas últimas com Bandeira Azul – são um cartaz assumido, que escusa apresentações de maior. No verão registam verdadeiras enchentes, com a presença de residentes e forasteiros, encantados com a qualidade da água e os recantos mágicos criados pelos rios e ribeiras.
«Temos procurado criar alguns eventos, de forma continuada, para que a procura do território seja feita de uma forma sustentada», sublinha o autarca, que reconhece que o período de verão constitui, efetivamente, «um pico», em termos de afluência. Às praias fluviais juntam-se os percursos pedestres ou as visitas às Aldeias do Xisto – Aigra Velha, Aigra Nova, Pena e Comareira - com estas últimas a representarem uma alternativa de visitação noutras épocas do ano.
O município está a “afinar” esta «estratégia», de molde a conseguir, durante todo o ano, promover eventos que possam atrair pessoas, dando um contributo para a dinamização da economia local. Rui Sampaio lembra os muitos projetos de turismo local, o setor da restauração e todo o comércio que ganham uma nova vida com estes programas.
O roncar do bólides do Rali de Portugal é um dos momentos clássicos do calendário desportivo, que atrai uma multidão ao concelho. Depois de mais de 20 anos de interregno, as provas regressaram ao cenário da Beira Serra e continuam a merecer um enorme aplauso das gentes de Góis e do município. «O Rali sempre foi uma grande aposta do município», afirma, destacando a «enorme visibilidade» que este evento representa, não só a nível nacional, como internacional. «As imagens passam em todas as cadeias televisivas e isto representa uma oportunidade que não podemos deixar de aproveitar», adianta Rui Sampaio.
O encontro motard, realizado habitualmente em agosto, é outra referência incontornável, que coloca mototuristas de todo o país e de além fronteiras, a caminho de Góis. A Rota da Nacional 2, que atravessa o concelho, tem registado uma procura crescente, «ao longo de todo o ano». Aos grupos de motards, em maior número, juntam-se os carros, os jipes, as bicicletas e mesmo pessoas que fazem o percurso a pé. «É uma rota muito atrativa e muito importante para o nosso concelho», pois, «potencia a visita, a pernoita e a procura da restauração».
Propostas instituídas a que a autarquia procurar somar outras iniciativas, designadamente em termos desportivos, com
provas de ciclismo, torneios de futebol (Góis Cup), as Festas do Concelho ou o evento GoisOroso Arte. São iniciativas que «atraem pessoas ao território», ocupam os alojamentos locais, enchem os restaurantes e têm, ainda, a particularidade singular de criar uma vontade de voltar. «Muitas vezes estas visitas resultam num regresso e mesmo na aquisição de habitação em Góis», refere, satisfeito, o autarca, que está empenhado em promover a beleza do concelho e a sua qualidade de vida como argumentos para atrair «novos residentes». Reconhece, muito embora, que existem alguns dificuldades ao nível do mercado imobiliário, seja para arrendamento, seja para aquisição. A Câmara Municipal está atenta à situação e procura encontrar soluções, que poderão passar por «criar uma urbanização ou um loteamento», que possam representar o início de um projecto de «oferta diversificada» a este nível.
Apesar da ampla e diversificada oferta de alojamento local, no entender do autarca, «faz sentido uma unidade hoteleira com maior capacidade». Elogia, por isso, o projeto que a Cooperativa Social e Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira assumiu, com a construção do Hotel do Mel, e admite que há interessados em avançar com novos projetos, confiantes na força da atratibilidade do concelho.
Diário de Coimbra Executivo está empenhado em atrair visitantes e fixar novos moradores171 ANOS DEDICADOS À PRODUÇÃO DE PAPEL
1991 ”Nascida” em 1821, a Fábrica de Papel de Góis, instalada na Ponte de Sotam, muda o perfil da aldeia, agiganta-se na inovação, guindando-se a um patamar de excelência. Em 1991 sucumbe à última crise
José Joaquim de Paula dá o pontapé de saída para a criação do maior projeto empresarial do concelho de Góis e da região. Vivia-se o ano de 1821. Em plena revolução liberal, no vizinho concelho da Lousã, a centenária Real Fábrica de Papel era colocada à venda em hasta pública. José Joaquim de Paula viu a oportunidade e aproveitou-a. «Instala o engenho nas margens da ribeira do Sotam (na grafia da época), afluente do rio Ceira, junto à povoação de Ponte do Sotam», escreve João Barreto Nogueira Ramos (“Memória do Papel de Góis (1821-1992)”. E são as palavras do investigador que seguimos neste registo histórico e de memória em torno deste empreendimento de referência, que marcou a vida e as gentes de Ponte do Sotão, do concelho de Góis, da região e do país.
O investidor optou pela ribeira, em detrimento do rio, «de maior caudal», tendo em conta as suas «águas vivas», «límpidas» e «de baixa mineralização». Era a qualidade a definir a estratégia, tendo em conta que «o mercado, abastecido até aí pelos bons produtos da fábrica da Lousã, era exigente». A produção arrancou, manual, folha a folha. Em 1859, é dado, segundo o investigador, o «salto para a mecanização», com a instalação de «uma máquina de formação contínua», «uma das quatro que então havia no país».
«Foi a primeira máquina de papel de fabrico contínuo introduzida no distrito de Coimbra, mas o seu “momento de glória” seria efémero», adianta. O fraco caudal da ribeira “fazia das suas”. Agastado, o empresário resolve dar outro destino à máquina e «requer, em 1861, licença para poder construir uma fábrica no sítio do Porto do Boque, em Serpins, na margem do rio Ceira». O projeto é aprovado, não sem contestação, e a nova fábrica começa a laboração em 1868. Todavia, nesse mesmo ano, «perante as dificuldades, trespassa-a, nascendo, então, a firma Viúva Macieira e Filhos». A empresa da Ponte do Sotam acabaria por ser adquirida na década de 70 por Manuel Inácio Dias, que vem imprimir uma nova dinâmica
ao projeto. «Aproveitando as infraestruturas existentes e a mão de obra já conhecedora da arte papeleira, instala uma máquina contínua plana, vinda da Alemanha, de 1,65 m de largura, com oito cilindros secados a vapor», complementada por um conjunto de outros equipamentos. «Começa a laborar em 1878» e, «além de papel de impressão e escrita, branco e de cores, a sua matriz desde o início, produz papel de embrulho, almaço, manteigueiro, para tabaco e até de cores para embrulhar palitos», escreve Nogueira Ramos. Usa trapo e apara de papel como matéria-prima e, em 1881, a empresa regista «80 trabalhadores, dos quais 40 homens, 30 mulheres e 10 menores, trabalhando de sol a sol».
Em 1889, já num período complicado, antevendo a grave crise financeira e o colapso do sistema bancário que se avizinhava, Manuel Inácio decide passar a empresa para os filhos, «criando uma sociedade por quotas, Dias Nogueira & Cia. Começa uma nova era, sob a liderança de Francisco Inácio Dias Nogueira. «Apesar da má conjuntura em que o país permanecia, a empresa é reestruturada, com novos edifícios e equipamentos ajustados às necessidades, aumentando a capacidade de produção para quatro toneladas diárias».
A guerra leva os homens a partir e «as mulheres ocupam os seus lugares», ao mesmo tempo que a empresa necessita de «mais capital intensivo», o que justifica o «alargamento da sua base social», que dita, em 1906, a constituição da sociedade anónima de responsabilidade limitada, «tomando a designação de “Companhia de Papel de Góis, SARL”». «Entram novos sócios, quase todos pertencendo à elite da região e emite obrigações», destaca Nogueira Ramos, que sublinha o facto de nesse mesmo ano de 1906 o comboio ter chegado à Lousã, «facilitando o escoamento dos produtos». «Renascia a esperança do prolongamento da ferrovia para mais terras do interior, de que Francisco Inácio era uma dos entusiásticos porta-vozes da região», adianta.
Diário de CoimbraCentral fornece energia para a fábrica e luz para Góis
(…) imediatamente a jusante, recebendo, como matéria-prima, o papel da Companhia de Papel de Góis, onde a eletrónica já começa a estar presente. O número de postos de trabalho diretos, nas duas empresas, ultrapassa os 300 trabalhadores», sublinha o investigador.
João Nogueira Ramos destaca, ainda, a parceria que a empresa desenvolveu com o setor papeleiro espanhol, através do grupo SARRIÓ, Compañía Papelera de Leiza SA, que deu origem, em 1971, à INTAP – Indústria Transformadora de Papéis de Góis, S.A., uma empresa de capitais portugueses e espanhóis, que incluía a Porto Editora. Sediada em Ponte de Sotam, a nova empresa transformadora começa a laborar em Janeiro de 1973, «após a formação do pessoal operário e outros técnicos em Leiza», «com uma máquina de 2.40m de largura. Satisfez-se o mercado nacional e exportou-se o excedente».
Relevante é, igualmente, faz notar o investigador, a construção de uma central hidroelétrica, aproveitando uma pequena queda de água de 12 m, no rio Ceira, a cerca de 4km da fábrica, inaugurada em 1910, com uma turbina de 175 KVA. «Uma decisão arrojada e precoce para a época», sublinha, tendo em conta que a produção hidroelétrica em Portugal tinha começado poucos anos antes, em Março de 1894. «Além de permitir a fábrica laborar com energia elétrica, passou a fornecê-la também ao concelho de Góis, para iluminação pública, substituindo os antigos lampiões de petróleo, mediante contrato de concessão com a Câmara Municipal. Uma unidade fabril a fornecer energia elétrica ao município e não o inverso, não era uma situação normal, provavelmente inédita na época. Góis seria, aliás, a primeira povoação do distrito de Coimbra a ter luz elétrica, mesmo antes da sua capital», realça Nogueira Ramos.
O filho, Álvaro de Paula Dias Nogueira, prossegue a obra do pai, que o preparou, mandando-o estudar engenharia na Suíça (Universidade de Lausanne) e estagiar em fábricas de papel no estrangeiro, o que lhe «permitiu acompanhar de perto o desenvolvimento industrial do pós-guerra». A antiga máquina é substituída por uma mais moderna, de origem francesa, com capacidade para produzir 11 toneladas diárias. «A central elétrica é aumentada com um novo
grupo gerador, este de 400 KVA, e passa a fornecer energia elétrica para iluminação pública também à vila da Lousã», refere. A década de 40, marcada pela guerra e pelos «problemas económicos e financeiros que lhe estão associados», tem efeitos na empresa, que se vê a braços com «a morte precoce do seu administrador-delegado, ocorrida em 1951». Henrique da Veiga Malta de Paula Nogueira é o senhor que se segue e leva «a fábrica a uma nova fase de desenvolvimento». Em 1952-53, assume as rédeas da empresa, «recapitalizando-a, melhorando-a tecnicamente e reorganizando-a com métodos de trabalho modernos». O seu mundo continua a ser o dos papeís de escrita e impressão, seguido dos papéis de registo e de desenho, cartaz, kraft e cartolinas. «Compete com os demais fabricantes nacionais, por todo o país, apoiado pela sua distribuidora sediada em Lisboa, a Papeleira de Góis, Lda», escreve J. Ramos.
O plano de desenvolvimento traçado para a empresa assenta em dois pilares: «uma segunda linha de produção, com melhoria significativa de produtividade e de nível técnico; e a transformação do papel, visando sobretudo os produtos que o país importava e os mercados externos». A produção triplica. «Em 1980 são registadas 12.488 toneladas, com 285 postos de trabalho». O “segundo pilar” «dá origem a uma nova empresa, de transformados de papel
A década de 80, marcada pela adesão de Portugal (e de Espanha) à então Comunidade Económica Europeia (1986), é sinónimo de crise, com «a queda abrupta da atividade económica», «multiplicação da falência de empresas», «dificuldade de obtenção de crédito bancário», a que segue o «recurso ao FMI, em 1983». Um quadro negativo com redobrados reflexos em Góis. «Para poder dar continuidade ao empreendimento e salvar os postos de trabalho, as duas empresas de Ponte de Sotam são integradas no grupo Porto de Cavaleiros, com sede em Tomar. Mas a falência deste grupo arrastaria consigo a Companhia de Papel de Góis, que vê terminar definitivamente a sua a laboração em 1991», escreve João Nogueira Ramos. A INTAP encerra no ano seguinte. Era o fim, precipitado, de um projecto empresarial de excelência, que resistiu durante 171 anos e transformou uma aldeia rural numa referência industrial. As paredes da fábrica mantêm-de de pé, testemunhas silenciosas desse passado de glória.
20 Fábrica de Papel 90 anos com Góis Diário de Coimbra Foto ilustra um dos muitos eventos sociais promovidos pela fábrica nos tempos áureosINTAP - Indútria Transformadora de Papel de Góis resultou de uma parceira com investidores nacionais e espanhóis
“DO MELHOR QUE HAVIA NA EUROPA”
1984 António das Neves, proprietário do café Paris, acompanhou os tempos áureos da Fábrica de Papel de Góis e testemunhou a sua morte lenta, no início dos anos
uma proposta mais alta, “cobria-a”, porque queria pôr a empresa a funcionar». A diferença «era de 10 mil euros», mas o tribunal optou pelo sucateiro. «O rapaz ainda lhe ofereceu à volta de 10 mil euros e, depois, subiu a proposta, mas ele não quis...». As máquinas foram todas vendidas. «Havia prensas, motores novos...», diz o empresário, que lembra a grande fábrica, que funcionava 24 sobre 24 horas, com quatro turnos. «Trabalhava aqui gente de Serpins, da Lousã, de Góis, de Vila Nova do Ceira». «Se a empresa continuasse a trabalhar, hoje isto era maior do que Góis», adianta. Mas não foi assim. A fábrica de papel fechou e «foi um drama» para toda esta gente.
Era uma fábrica importante, do melhor que havia na Europa». Palavras nostálgicas de António Rosa Agostinho das Neves. «Só visto!», adianta o proprietário do café snack-bar Paris, vizinho da abandonada fábrica de papel de Ponte do Sotam, onde outrora se produziu algum do «melhor papel da Europa». «Eram 300 empregados», recorda o empresário, com 74 anos. Natural de uma povoação próxima, António das Neves emigrou para França em 1972 e foi em terras gaulesas que conheceu Natalie, a esposa. Filha de pai espanhol e de mãe francesa, a jovem viajou, em 1984, para Portugal, com o casal a instalar-se na Ponte do Sotam e a tomar conta do café.
Na altura, era o “Texas” e «parecia mesmo o Texas», diz António das Neves, que se empenhou, juntamente com Natalie, em transformar este pequeno mundo de gangsters num espaço de requinte com um toque de “je ne sais quoi” francês, que o nome “Paris” inspirava. E conseguiram, criando ali os dois filhos, hoje com 34 e 29 anos.
Durante meia dúzia de anos acompanharam a fábrica a funcionar a todo o vapor. «Chegávamos, os dois, a servir 20 almoços», conta, numa altura em que Natalie não dizia uma palavra em português. Eram os engenheiros da fábrica de papel e os motoristas dos camiões que, provenientes da
França, da Bélgica, da Alemanha, vinham carregar papel a Ponte de Sotam. Logo a seguir eram as dezenas e dezenas de trabalhadores que, após o almoço, passavam pelo snack bar do Tony e da Natalie para tomar café.
«Foi uma morte lenta. Parou, abriu outra vez», recorda, lembrando a intervenção do grupo Porto Cavaleiros, que tinha uma fábrica em Tomar. «Vieram ver se conseguiam endireitar isto, mas a dívida era demasiado grande e acabou por falir». O proprietário, à época, o dr. Henrique Nogueira Dias, «fez tudo para salvar a fábrica». «Tinha propriedades no Alentejo, que vendeu, mas não conseguiu… o buraco era demasiado grande», diz. Com saudades dos “bons velhos tempos”, destaca a construção da segunda empresa, a INTAP, destinada a «transformar o papel», que «era única na Europa». «Nem a deixavam ver», sublinha. Na década de 90 a empresa faliu e fechou definitivamente as portas. «Foi vendida pelo tribunal ao sucateiro Abrantina. «Tiraram as máquinas, toneladas e toneladas de máquinas e deram uma bagatela por isto!… Não devia ter sido assim», lamenta. António das Neves conta que «havia um rapaz», António Neves - «que agora está em Angola» - «fez uma proposta ao tribunal», em carta fechada. «A proposta levava uma carta, dirigida à juíza, onde ele dizia que se houvesse
Belarmino Rodrigues Oliveira chega ao café. Natural da vizinha localidade de Albergaria, tem 84 anos e trabalhou mais de 20 na fábrica de papel. «Trabalhava nas máquinas, a cortar papel… fiz um pouco de tudo». «Foi uma pena!», lamenta. «Alugaram isto às silvas e às ervas e roubaram o ferro que havia lá dentro, milhares e milhares de euros. Foi uma desgraça!», Trinta anos depois, as paredes mantêm-se gloriosamente erguidas. «Pode-se fazer aqui muita coisa», considera António das Neves, tendo em conta a localização privilegiada da antiga fábrica e a solidez da sua estrutura. «Podia-se fazer aqui um lar para gente com muito dinheiro, tipo hotel, com piscina», aventa. Outra alternativa é «tirar a prisão do centro de Coimbra» e colocá-la ali. «Isto tem cinco andares!», diz, ainda. Uma vez que a ribeira passa no meio da fábrica e a água «é muito boa, uma água pura», também seria equacionável um projeto de «engarrafamento de água».
«Podia-se fazer aqui muita coisa, mas infelizmente ninguém “puxa” por isto» e o proprietário não ajuda. «Pede um milhão de euros!», conta. O dono do café Paris lamenta que, embora existam muitos fundos, ninguém pense em fazer qualquer coisa para ajudar a renascer a antiga fábrica de Ponte do Sotam. «Era importante fazer alguma coisa que trouxesse pessoas», diz. Saudoso da azáfama de outros tempos faz notar que o concelho «não tem, hoje, uma empresa que se veja».
EXPLORAÇÃO DE VOLFRÂMIO
1940 Nos anos 40 do século passado, em plena II Guerra Mundial, a exploração de volfrâmio atingia o seu auge no Couto Mineiro de Góis
Criança, talvez com uns 12 anos, Artur Neves vendeu o seu primeiro ouro. Cinco gramas. «Era pago a 28 escudos o grama», recorda o empresário, já reformado, que trocou, em adulto, a “exploração mineira” de criança pelo trabalho com rochas ornamentais. Natural da Cabreira, onde regressou depois de 40 anos à frente do negócio, Artur Neves recorda connosco esse passado já longínquo. «O ourives deu-me 140 escudos!». Já lá vão, talvez, 65 anos. Um tempo em que na Cabreira, assim como na aldeia vizinha de Sandinha, tudo rodava à volta do trabalho nas minas. Os homens lá dentro, a esventrar as galerias à procura do precioso volfrâmio e do estanho. As mulheres cá fora, na lavaria, na interminável “dança da bacia”. Um equipamento de lata, afunilado, que com a ajuda da água, permitia escolher o minério. «A areia, mais leve, saía». No fundo ficava o volfrâmio.
A família de Artur Neves nunca esteve ligada ao trabalho nas minas, mas tinha uma relação de grande proximidade com os mineiros, uma vez que os pais - Manuel das Neves e Ilda – tinham uma taberna na Cabreira, que, ao domingo era o ponto de encontro dos mineiros. «Eram muito divertidos», diz, revivendo as memórias de infância. «Uns tocavam acordeão, outros concertina, e juntavam-se aos domingos. O bailarico e beber uns copos eram o único divertimento da altura», uma época em que, sublinha, «não havia cinema nem televisão».
Mas Artur, criança, teve outro tipo de contactos com os mineiros e com as minas, uma vez que era na taberna dos pais que as famílias residentes no couto mineiro se abasteciam. Cabia-lhe a ele e ao irmão subir a serra e levar as encomendas: um garrafão e vinho, uma arroba de batatas, arroz, açúcar... o que fosse necessário!
Os mineiros residentes eram, na maioria, oriundos de Silvares (Fundão) que vieram para Góis trazendo as respetivas famílias. «Trabalhavam, sobretudo para a “Cro”»,
uma das duas empresas que exploravam o couto mineiro, explica Artur Neves, salvaguardando que era esta a forma como a empresa era designada. «Não sei se era o nome correto», enfatiza. A segunda empresa era liderada pelo engenheiro inglês Stanley Mitchell, que se radicou e casou em Góis, «onde ergueu um hospital», recorda. Para a segunda empresa «trabalhavam sobretudo as pessoas da região, da Cabreira, de Piães, Liboreiro, Outeiro, São Martinho, Vale Moreiro… Faziam quilómetros todos os dias de manhã, para ir para a mina». Apesar de serem duas concessões distintas, «as explorações eram praticamente “pegadas” uma à outra», embora uma se desenvolvesse para a esquerda e a outra para a direita.
As visitas frequentes para levar géneros alimentares criaram uma relação próxima com os mineiros, o que permitiu aos irmãos entrarem e conhecerem as minas. «O trabalho era praticamente todo manual», diz Artur Neves. «As brocas eram praticamente as únicas máquinas», mas usadas de forma manual. «Um operador, com uma marreta enorme, batia na broca», que, ponteaguda, ia entrando no solo, sempre rodada por um segundo operário. «Um batia, outro rodava, era tudo manual». Desta forma, esclarece, eram feitas as perfurações para
colocar o dinamite e o necessário rastilho, para provocar, depois, a explosão que permitiria “abrir caminho” à exploração pelas galerias adentro. Recorda-se, aliás, de se falar de uma morte, «provocada por um tiro de dinamite», em meados da década de 40.
«Além das brocas, das marretas, dos picos e das ferramentas para alavancar as pedras», Artur Neves destaca as «vagonas» que, com os respetivos carris, eram colocadas nas galerias mais compridas, de forma a facilitar o transporte do entulho para o exterior. Vagonas que eram, também, um perigo para o qual os mineiros não se cansavam de avisar os dois irmãos. «Nunca entrem na mina sem a vagona estar cá fora», alertavam, pois o risco era de «ficar esmagado».
«As empresas tinham pessoas a trabalhar à jorna, mas havia mineiros que trabalhavam por conta própria e recebiam pelo volfrâmio entregue às concessionárias. Podiam ganhar muito mais, caso tivessem a sorte de encontrar um bom filão, mas podiam andar semanas sem encontrar nada», recorda. Artur Neves também guarda na memória a fiscalização intensa que a GNR fazia, pois a tentação era grande e alguns mineiros tentavam trazer uma pedra de volfrâmio na lancheira, nos bolsos, nas botas ou mesmo escondida nas zonas mais íntimas.
«Havia sempre quem comprasse o minério», garante. Minério retirado do ventre da terra, nas minas, entre os penhascos da serra e também no rio. «As pessoas começaram a procurar minério no rio» e a ter sucesso. Ao apreciado volfrâmio juntava-se o precioso ouro. «Pago a 28 escudos o grama». Homens e mulheres demandavam o rio, o mesmo acontecendo com os rapazes, muitas vezes incentivados pelos familiares, face à rentabilidade do metal amarelo. «Começávamos na brincadeira, mas acabávamos por procurar», refere. E foi assim que juntou as primeiras cinco gramas de ouro que vendeu, talvez com uns 12 anos.
Depois de uma experiência na indústria da madeira, na Cabreira,Artur Neves apostou nas rochas ornamentais, com destaque para o mármore, onde trabalhou 40 anos. Reformado, regressou à Cabreira. Integra a Comissão de Melhoramentos e preside à Comunidade Local de Baldios do Cadafaz, duas plataformas onde procura fazero melhor pela terra e pelas suas gentes.
Diário de CoimbraA FEBRE DO OURO
1939 Explorada pelos romanos, Mina da Escádia Grande regressou à atividade nos finais da década de 30.
Um projeto dos irmãos “Cardosos Pintos” que funcionou com altos e baixos durante década e meia. A 13 de Agosto de 1954 a mina é declarada encerrada
Oimpério conquistou a Península e, instalados na região, os romanos descobriram ouro. Na zona dos Penedos de Góis, perto da aldeia de Roda Cimeira, avançaram com a exploração, retomada nos tempos modernos pela mão do irmãos Cardosos Pintos, como eram conhecidos. «Dois técnicos e empresários mineiros que desenvolveram durante várias décadas notável atividade», refere Adalberto Dias de Carvalho, engenheiro de minas, num estudo efetuado sob a égide do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (1986). Um trabalho que se socorre, amiúde, da análise técnica de Alberto Cerveira, que foi engenheiro na exploração e publicou no Boletim da Sociedade Geológica de Portugal (1947), as “Notas sobre as minas de ouro da Serra da Lousã”.
Os dois irmãos criaram a empresa Minas da Serra da Lousã, Lda, e propuseram-se avançar com a exploração da mina da Escádia Grande. Data de 1939 «o primeiro plano de lavra apresentado pela empresa concessionária», que dois anos antes tinha dado início aos trabalhos de pesquisa. Pes-
quisa que permitiu encontrar «trabalhos romanos de grande envergadura, ao longo de uma faixa de 7km de extensão por 1km de largura». A antiga mina, «em perfeito estado de conservação», sublinha Alberto Cerveira, «teria atingido 110m de profundidade», com várias galerias, «algumas com mais de 200m de extensão». Foram também encontrados objetos que testemunham «a presença e ação dos romanos», alguns dos quais «estão expostos no Museu dos Serviços Geológicos de Portugal», referia.
Dias de Carvalho aponta um «período relativamente curto de exploração» da Mina de Ouro da Escádia Grande, «entre 1940 e 1952». Em 1940, «tem lugar o arranque do tratamento do minério, em regime de ensaio, com minério acumulado, proveniente de trabalhos de pesquisa efetuados em anos anteriores». Das 4.381 toneladas de minério tratado «resultaram 68 toneladas (t) de concentrado de sulfuretos complexos contendo ouro e prata». Em 1941, «completavam-se as infraestruturas que ao tempo era comum serem usadas nas minas», o que compreendia «lavaria, laboratório, ofi-
cina, armazéns e escritório, habitações para pessoal, cantina e escola». Instalações que «mereceram elogios na época», diz.
Na altura trabalhavam na mina «75 homens, com salários diários entre 8$50 e 11$00 e três mulheres, a 4$00. A gerência era dos irmãos Pintos e a direção técnica do eng. Ramiro Sobral». O autor destaca as 5.356 toneladas de minério extraído em 1941, de cujo tratamento «resultaram 68,067t de concentrado de sulfuretos complexos contendo ouro e prata de que se desconhecem os teores». No ano seguinte, os valores atingem as 8.332t de extração e 89,6t de concentrados. Todavia, começam a agravar-se as condições e trabalho. Vivia-se o ano de 1943, «estava-se no apogeu da II Grande Guerra Mundial» e havia «dificuldade na aquisição de produtos essenciais à laboração mineira» e, inclusivamente, de «géneros alimentícios». Daí resultou um «afrouxamento dos trabalhos», com «27 operários na oficina, 15 na lavaria e nas obras e 32 no interior». A extração e o minério tratado revela-se inferior em «41 e 55% relativamente a 1941 e 1942».
O início do fim
Em 1944, o relatório regista «um incêndio de grandes proporções que destruiu o escritório e o armazém» e veio agravar «ainda mais o estado de penúria que já se fazia sentir quanto a materiais e acessórios». «A atividade em todas as áreas da mina foi retomada em 1945, quando a extração atingiu as 2.683t, de cujo tratamento resultaram 40,63t de concentrados, com o forno a produzir 25, 197t de anidrido arsenioso». Em meados de 1946 a direção técnica é assumida por Alberto Morais Cerveira e no ano seguinte começam a detetar-se «acréscimos nas irregularidade morfológicas do filão». Um facto que obriga a «um trabalho mineiro de traço diferente» e que conduziu à «suspensão da lavra, que só dois anos mais tarde viria a recomeçar», escreve.
Em Junho de 1950, «a título experimental, recomeçava uma lavra em novos moldes». Um auto de visita efetuado na altura, indica «um total de 115 empregados, três administradores, 51 mineiros, 61 trabalhadores de superfícies e os eng. Almeida Fernandes e Quintino Rosado na orientação dos trabalhos». «Com novas traçagens, entrou a mina numa nova fase de exploração, sendo então diretor técnico o eng. Fernando César Máximo Pinto. Os números de 1950 apon-
tam uma área de exploração de 1.387m3, que produziu 4.161t de minérios, o que corresponde a uma média de 3t/m3. «Desta produção resultou 48,859t de concentrados com teores médios de 226g/t de ouro e 679g/t de prata.
Em 1951, as «dificuldades de recrutamento de pessoal» agravaram-se, penalizando a exploração. «O relatório deste ano e de anos seguintes testemunha um final de exploração difícil, em que surgiram grandes problemas», refere o autor de “Minas de Ouro da Escádia Grande”, apontando o trabalho de «reconhecimento e procura de novos filões que não se encontraram». Por isso, no ano seguinte, a «atividade mineira limita-se a trabalho de reconhecimento, conservação e tratamento de minério já extraído». Os dados referente à produção deste ano, que será a última, apontam 46,126kg de ouro e 169,714kg de prata. «Em 1953, já não se regista qualquer atividade mineira», com o relatório a referir que apenas se assegura «a conservação da mina». «No ano seguinte, em 1954, a mina da Escádia Grande é desmantelada e declarado o seu abandono em 13 de Agosto de 1954».
Numa síntese final, o relatório refere a exploração de 60.000m2 de área de jazigo, com 500m de extensão e 100 de largura. Lembra que, além da II Guerra, a Convenção de Bretton Woods, ao manter e, inclusive, baixar o preço do ouro, dificultaram particularmente o sucesso da exploração da mina da Escádia Grande, que sofreu um derradeiro revés com as «limitações do jazigo em extensão», que levaram a «exploração a progredir em profundidade». Lembra, ainda, um pedido da empresa concessionária, em 1951, no sentido de avançar com laboração contínua para aumentar a produção e fazer face aos «preços aviltantes do ouro que faziam fechar não só a mina da Escádia Grande, mas também muitas outras minas de ouro em todo o mundo». E fechou mesmo.
Prospeções recentes
A EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro, S.A. deteve os direitos de prospeção e pesquisa da zona mineira da Escádia Grande, entre 2014 e 2019, através de um contrato com a Direcção Geral de Energia e Geologia, abrangendo uma área de 252.75km2, nos concelhos de Góis, Pampilhosa da Serra, Castanheira de Pera, Arganil e Pedrógão Grande, onde «são reconhecidas ocorrências minerais de estanho, tungsténio e ouro», algumas das quais «foram alvo de actividade extrativa», designadamente as Minas de Vale Pião e Senhora da Guia, consideradas «as maiores explorações de estanho e volfrâmio incluídas no Couto Mineiro de Góis».
Os trabalhos de prospeção, sintetiza a empresa, «consistiram essencialmente em reconhecimento de campo, através e cartografia geológica, deteção remota, recolha de pequenas amostras de rocha e de sedimentos e, numa análise mais final e com base nos resultados obtidos através dos trabalhos anteriores, a execução de sondagens de reconhecimento». As sondagens, esclarece, contemplaram «a zona da antiga mina de Escádia Grande», «a mais importante mina de ouro da região», visando «reconhecer a continuidade do filão anteriormente explorado».
«Toda esta área de prospeção apresenta potencial mineiro», mas «serão ainda necessários vários estudos de forma a profundar o conhecimento geológico e reconhecer a sua existência, dimensão e possível viabilidade económica», conclui a EDM.
Exploração entre os anos 40 e 70
De acordo com dados da EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro, o setor do Vale Pião foi alvo de trabalhos de exploração mineira, em profundidade, focando mineralizações de estanho e tungsténio (volfrâmio)». Grande parte dos trabalhos desenvolveu-se entre 1946 e 1969, de forma intermitente, pela concessionária COFENA –Companhia de Ferro Nacional. Os trabalhos mineiros desenvolveram-se em dois sub-setores: Vale Pião, com três níveis de galerias, atingindo os 100 m de profundidade; e em Barroca de Amiães. A mina fechou no final dos anos 80.
O setor da Senhora da Guia, também conhecido por concessão da Sandinha, foi explorado de forma intermitente entre 1949 e 1972 pela concessionária Cofena. A exploração de volfrâmio atingiu os 160 m de profundidade e 600 m de extensão.
O setor de Vale Moreiro – Casal Loureiro, a noroeste da mina da Senhora da Guia, «nunca foi alvo de exploração mineira», mas foi objeto de prospeção pelo Serviço de Fomento Mineiro, à semelhança, de resto, do que aconteceu com o Vale Pião e a Senhora da Guia.
Diário de Coimbra 90 anos com Góis Exploração mineira 25 Prospeções recentes reconhecem potencial mineiro da Escádia Grande, mas são necesários mais estudos para averiguar a viabilidade da exploraçãoSantuário 90 anos com Góis
SANTUÁRIO FORTALECE FÉ
Diário de CoimbraA população, mais uma vez, deu o seu saber-fazer, o seu trabalho e a obra fez-se.
Aliás, a população sempre esteve com os olhos postos em Nossa Senhora do Rosário do Céu e no seu Santuário. Alberto Quintas aponta os canteiros, hoje como ontem impecavelmente cuidados. «Cada rapariga tratava do seu canteiro», diz. Uma dessas raparigas, hoje com 82 anos, é a esposa de Alberto Quintas. «São as zeladoras, que cuidam daquilo como se fosse a sua casa».
Milagre de Fátima “reproduzido
1935 Arrancava, em 1935, a construção do Santuário de Nossa Senhora do Rosário do Céu. Cimentava-se a história das aparições e cumpria-se o pedido da Santa
José Simão fez a primeira obra. O altar onde se colocou a imagem da Santa e os muros em redor. Vivia-se o ano de 1935 e a população de Ponte de Sótão cumpria uma promessa de longa data. Alberto Quintas, hoje com 86 anos, pertenceu durante largos anos à Comissão da Igreja e recorda, através das memórias dos registos da época, esta primeira obra, feita pelo seu sogro. Foram três os empreiteiros que concorreram à obra, um de Serpins, outro da Lousã e o seu sogro, José Simão, de Ponte de Sotão, «que ganhou». Uma obra que foi sendo desenvolvida ao longo dos anos e representava o cumprimento de uma dupla vontade. Por um lado, do povo de Ponte de Sotão, que pretendia honrar as aparições de Nossa Senhora, em 1918. Por outro, cumpria-se o pedido e as indicações da «vidente» relativamente à imagem - «igual à de Góis» - que ali deveria ser colocada. «Acredito em Nossa Senhora», afirma Alberto Quintas, fazendo eco da devoção das gentes que habitam as encostas e vales daquelas serranias, entre Góis e a Lousã, seja na Ponte do Sotão, em Conhais, Caselhos, Portela de Góis, Albergaria, Comareira, Aigra Nova ou Aigra Velha. «Até de Serpins e de Góis vem gente», atesta. População que,
hoje como no século passado, continua a marcar presença nas procissões em honra de Nossa senhora do Rosário do Céu, que se realizam todos os anos, nas noites de 12 para 13 de maio e de outubro. «Não fica ninguém em casa, só mesmo os doentes», afiança. Devoção que vem de longe e que acontecimentos inexplicáveis, aqui e ali,ajudam a cimentar.
O reformado recorda os grandes incêndios que há uns anos assolaram a serra. «Vai Nossa Senhora, vai tudo», diziam, aflitos, os moradores de Ponte de Sotão. «Quando o incêndio ia a chegar ao Santuário, caiu uma carga de água que apagou o fogo», afirma Alberto Quintas
O altar – construído numa «pedra muito negra, que parece favos de mel», proveniente da localidade de Povorais - e os muros de suporte, a meio da íngreme encosta da serra, representaram a primeira fase de uma obra, inaugurada em 1937, que se foi desenvolvendo, com pequenos retoques, aqui e ali, a começar pela cobertura, que «foi feita mais tarde», refere.
A intervenção mais recente, talvez há uns 15/20 anos, foi a construção da escadaria que cresce desde a aldeia de Ponte de Sotão pela encosta acima, facilitando o acesso.
Antes, «passava-se por uns carreiros», necessariamente íngremes. A Comissão da Igreja pensou fazer a escadaria e pediu a ajuda da Câmara Municipal de Góis. «Era presidente do sr. José Girão Vitorino», recorda, elogiando o antigo autarca (já falecido) que depressa fez chegar a Ponte do Sotão um carregamento de areia, tijolo e madeira.
As “Aparições Marianas” de Ponte de Sotão datam de 1918 e foram amplamente noticiadas. A Comarca de Arganil, na edição de 27 de Junho, dava conta do “milagre”. O primeiro aconteceu no dia 20, testemunhado por «uma pequenina, de 13 ou 14 anos de idade, Maria dos Prazeres Felix (…), moradora no Celadinho», que foi à lenha num pequeno pinhal, no lugar da Sela da Malhada, «mesmo em frente e por cima da importante fábrica da Companhia de Papel de Góis». A jovem que trabalha «na escolha das aparas de papel», foi a primeira a ver a imagem da Santa, à semelhança do que aconteceu com os Pastorinhos de Fátima. «Enquanto roçava o mato e enfaixava a lenha, “apareceu” no pinhal a Rainha Santa Isabel», escreve o jornal. Assustada, a criança foge para casa, «gritando aflitivamente pela mãe, a quem conta o que lhe aconteceu. «Acodem outras pessoas e, então a pequenita, rodeada por todos quantos ouviram a estranha história da aparição da Santa, volta ao pinhal e, no meio de uma assistência numerosa, cai de joelhos diante de um pinheirito, ergue as mãos e reproduz, banhada em pranto, a conversa que vai tendo com a Rainha Santa, que ali está e que lhe fala, mas que só ela vê e ouve». (…) «A Santa fala das coisas da guerra e da sua possível duração e a pequena vai repetindo aquilo que ouve». O autor esclarece que a menina «não sabe ler nem escrever», «não tem qualquer cultura», mas usa uma «linguagem culta, apropriada, que deixa no auditório a impressão nítida (...) de que se passa alguma coisa de misterioso e sobrenatural». Uma segunda criança, com 6 anos, de nome Branca, filha do mestre da Fábrica de Papel, «também vê e ouve, dias depois, a Santa». O texto dá conta da multidão que, por esses dias, demandava o pinhal onde a Santa fez a sua aparição e, onde, em 1937, foi inaugurado o Santuário de Nossa Senhora do Rosário do Céu.
ADIBER: UMA ÂNCORA DE APOIO
1994 Associação de Desenvolvimento de Góis procura cativar e gerir os instrumentos financeiros disponíveis em nome do desenvolvimento do território. Um desígnio com 28 anos
José Cabeças foi o mentor do projeto.
Vivia-se o ano de 1994, era presidente da Câmara Municipal de Góis e entendeu que a criação de uma associação de desenvolvimento em Góis, à semelhança do que acontecia noutros pontos do país, era a resposta necessária para assegurar a gestão dos instrumentos financeiros disponibilizados pelo terceiro quadro comunitário de apoio e garantir que a sociedade civil se mobilizasse para esta dinâmica. Miguel Ventura, presidente da direção, recorda essa envolvência, que ditou, em 1994, a criação da Associação de Desenvolvimento de Góis.
A dinâmica que se criou levou, logo em 1997, a uma mudança, com o alargamento da área territorial a toda a Beira Serra, abarcando, além de Góis, os municípios de Oliveira do Hospital, Tábua, Arganil e Pampilhosa da Serra. É também neste ano que a ADIBER – Associação de Desenvolvimento da Beira Serra - “ganha pontos”, com «a credenciação para a gestão do programa Leader II para o território», salienta Miguel Ventura. «A partir daí a associação projeta-se e ganha uma abrangência mais significativa, com outros programas, como entidade credenciada para a área da formação, alargando, ainda, o seu envolvimento também à área social, com o apoio a pessoas em situação de maior vulnerabilidade».
A passagem para o novo programa, Leader +, acontece quase em simultâneo com a saída da Pampilhosa da Serra e a ADIBER «consolida o seu território», com os quatro municípios que se mantêm actualmente, a saber: Góis, Arganil, Tábua e Oliveira do Hospital.
Sucessivamente credenciada como entidade gestora dos programa Leader+, PRODER e PDR2020, a ADIBER tem vindo, ao longo de quase três décadas, a apoiar empresas, projectos empresariais, empreendedores e intervenções sociais. «São números expressivos», considera Miguel Ventura,
que destaca os 495 projetos apoiados, um investimento total de 32,8 milhões de euros, a que correspondem ajudas comunitárias de 23,2 milhões de euros e representam a criação de 575 postos de trabalho.
Números que sustentam um discurso simultaneamente crítico e otimista do presidente da direção relativamente àqueles que dizem que a grande maioria destes projectos «não tem sequência». «Há alguns que morrem, efetivamente, mas há outros que são exemplos de sucesso». Lembra, em 1999, o apoio à Casa da Apicultura de Arganil, através do programa Leader, que «hoje é uma PME Excelência e PME Líder», sublinha. Trata-se de «uma empresa familiar, para cujo início o apoio Leader foi determinante e hoje é uma referência». Exemplos de «sucesso» onde cabem várias apostas na área do turismo, designadamente através do sub programa 3 do PRODER, que determinou o turismo como setor prioritário para o território e resultou na «aprovação de 192 camas na região». «Algumas unidades de turismo em espaço rural são consideradas de excelência», com referências no Guia Boa Cama, Boa Mesa, do Expresso. «Esta foi uma das áreas de intervenção muito forte», explica Miguel Ventura e, além da oferta de alojamento em pequenas aldeias, estes projetos são importantes porque também ajudam a combater a desertificação do território.
Miguel Ventura destaca, ainda, a aposta feita na área social, que levou a ADIBER a ser a entidade gestora do CLDS (contrato local de desenvolvimento social) e a desenvolver «um projeto muito interessante de apoio de proximidade a uma população dispersa e em situação de isolamento».
Lembra, a propósito, a importância de se manter as pessoas nas suas aldeias, nas suas casas, não apenas porque «se atrasa a institucionalização», mas também porque isso representa uma «humanização da paisagem», importante quando se faz uma
aposta forte no turismo, que não se compadece com aldeias desertificadas.
Aposta na área social
«Como exemplo que ficou, no concelho de Góis», está o sistema de teleassistência, um projeto desenvolvido no âmbito do CLDS 3G, em 2012, com o apoio do município e que se mantém. «Mantivemos esta iniciativa exemplar», uma forma de «combater o isolamento», que habitualmente beneficia 16 a 18 pessoas (número de aparelhos disponíveis) em simultâneo e que contabiliza um número significativo de utentes ao longo destes 10 anos. «É um programa muito importante nesta dinâmica de proximidade com as pessoas, que sabem que têm resposta 24 sobre 24 horas». Uma avaliação feita ao projeto permitiu perceber que os casos de emergência de saúde foram residuais, duas ou três situações, mas o sistema foi amplamente utilizado pelas pessoas «para falar, para quebrar a solidão».
Relativamente aos jovens, a ADIBER, em parceria com o município, geriu dois programas Escolhas, em 2002/2003 que deram frutos. «Foi possível voltar a criar dinâmica na área da juventude e ajudar a revitalizar a Associação de Juventude de Góis». Em Oliveira do Hospital, em parceria com o município e o Agrupamento de Escolas foi dinamizado o programa “Ensinar é Voar”,
apoiado pelo programa Portugal Inovação Social, que «trouxe inovação e novas metodologias ao ensino no concelho».
Os apoios da ADIBER também têm contemplado os recursos endógenos, a valorização dos produtos locais e a recuperação do património. Alguns exemplos, no concelho de Góis, encontram-se no Viveiro de Trutas, um projeto do município, instalado em Vila Nova do Ceira. Nesta freguesia, Miguel Ventura refere alguns projetos submetidos pela Cooperativa Social e AgroFlorestal, como a beneficiação do lagar, a criação do Museu do Azeite, a «magnífica» recuperação da Capela da Casa da Costeira e da Casa da Costeira.
Góis e a região da Beira Serra têm correspondido, com a apresentação de projetos nas mais diversas áreas. Inclusivamente, com o sub programa 3 do PRODER «beneficiámos da reserva de eficiência», o que representou uma eficácia de 106%. «Conseguimos investir mais 6%», o que significa um investimento de «cerca de 7 milhões de euros», diz, satisfeito. Resultados a que não é alheia a intervenção da associação, não só no apoio aos projetos e na sua validação, mas sobretudo na «definição da estratégica e das áreas para
ADIBER funciona nas antigas instalações do Colégio de Góis, inaugurado em 1969, obra da Casa do Concelho e do benemérito Augusto Rodrigues
as quais as ajudas são canalizadas». Uma situação que no momento atual já não se verifica.
«No atual PRD e programa de Desenvolvimento Local de Base Comunitária foi retirada a autonomia na definição estratégica e gestão do programa às associações de desenvolvimento», explica Miguel Ventura. Significa que «tivemos que responder àquilo que foi feito por outros e que não se adequa ao território». O exemplo está na aposta feita no setor agrícola, que na Beira Serra esbarra com uma impossibilidade, com exceção para Tábua e Oliveira do Hospital. «Em Góis e em Arganil temos um território iminentemente florestal», afirma, dando uma ideia do impacto da estratégia definida “por cima”, que não tem a preocupação de adaptação ao território. «Mas o programa vai ser cumprido a 100%», garante, anunciando para breve novos avisos de concurso.
A «retirada de autonomia» às associações de desenvolvimento na definição das áreas de intervenção a apoiar constitui uma preocupação. «A nossa estratégia foi validada por uma parceria alargada com municípios, associações», lembra Miguel Ventura, que teme a transformação das equipas de ação local em gabinete técnicos administrativos, «que não têm abertura para orientar o investimento e a estratégia a seguir». A somar a esta «limitação na tipologia dos apoios a dar», junta a «preocupação com a redução das verbas e apoios financeiros para o programa».
«Está-se a afunilar os setores a apoiar e a retirar a capacidade dos territórios apoiarem as suas micro-empresas», com essa responsabilidade a passar para outras entidades, nomeadamente as comissões de coordenação, que vão gerir territórios muito mais vastos, onde «zonas menos competitivas vão concorrer com projetos de grande dimensão». «São campeonatos com equipas completamente diferentes», alerta Os resultados já indiciam que «estes concelhos apresentaram muito menos projetos», refere.
Para o presidente da ADIBER esta nova nomenclatura retira a «proximidade», a «visão local» e Miguel Ventura alerta as entidades que definem os programas para o facto de no território existir uma «experiência de quase 30 anos de trabalho, de conhecimento e de reconhecimento do território, por parte da associação e dos seus técnicos. É uma capacitação que se pode perder e essa perda é lesiva para os territórios e vem contradizer os objetivos da coesão e o esforço de atrair pessoas para o interior e limitar a ação das pessoas que estão no interior», afirma.
Todavia, pese embora estes percalços, garante que a ADIBER não perde a «vontade de fazer sempre mais e melhor» pela Beira Serra, «um território de futuro, que tem todas as condições para vingar». Faz, ainda, questão de elogiar os quatro municípios, que «sempre estiveram do nosso lado e sempre nos apoiaram, sendo parceiros determinantes neste projeto».
Diário de Coimbra 90 anos com Góis ADIBER 29Preocupação não limita vontade de fazer maisMiguel Ventura, presidente da direção da ADIBER
GUARDIÕES DAS TRUTAS
2017 Parque da Monteira é, além de maternidade, um espaço onde crescem as trutas fario, destinadas a alimentar a paixão dos pescadores. Um projeto desenvolvido pelo município, a funcionar desde 2017
Há meio século, a truta abundava no Ceira. A intensa atividade agrícola e a presença de animais, geravam as condições ideais para a proliferação desta espécie, amante de águas puras, batidas e frias. José Nunes, natural da Cabreira, recorda que, nos seus tempos de juventude, em «quatro/cinco horas apanhava três ou quatro quilos de trutas». Hoje nada é como antes. Praticamente não existem trutas no Ceira, no Sotão ou nas ribeiras que neles desaguam. Todavia, cresceu exponencialmente a paixão pela pesca lúdica e desportiva. A solução foi só uma: recolher trutas onde as houvesse e proceder à sua “largada” (lançar ao rio), na altura da realização das provas.
Foi isso que aconteceu durante largo tempo em Góis. «Íamos buscar trutas a Manteigas para fazer as “largadas”», explica José Nunes, funcionário do município. O peixe era transportado em tanques oxigenados e os peixes lançados no Ceira, para gáudio dos participantes nas diferentes
provas. «A certa altura surgiu a ideia de fazemos este espaço e, em vez de comprarmos, criarmos aqui as trutas para as nossas "largadas"». Estava dado o mote para o “nascimento” do Parque da Monteira – Ciclo da Truta, um espaço instalado junto ao rio Sotão, na Monteira, freguesia de Vila Nova do Ceira.
A última aquisição de trutas da espécie fario – uma espécie selvagem, usada pelo Instituto Nacional de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) para o povoamento dos rios e também para as “largadas” - registou algumas “sobras”. Exemplares que, cuidadosamente tratados, deram origem às primeiras reprodutoras.
José Nunes é o verdadeiro guardião deste viveiro, onde nascem e crescem milhares de exemplares desta espécie. Não se pode dizer que conheça cada peixe pelo nome, mas é certo que todos lhe passam pelas mãos. Um processo longo e moroso, que começa precisamente por retirar os ovos às fêmeas e garantir a sua fertilização com
José Nunes, responsável pelo viveiro, apresenta uma das fêmeas reprodutoras, com quatro anos e a rondar os 4kg
o sémen dos machos. Uma operação que acontece entre janeiro e fevereiro, na época mais fria. Fêmeas e machos são separados nos respetivos tanques. As primeiras são “exprimidas”, fazendo alguma pressão sobre a “barriga”, de molde a libertarem os ovos, colocados numa couvete. Os machos são sujeitos a operação idêntica, para largarem o sémen. José Nunes é o obreiro de cada uma das operações e também das que se seguem. O sémen é colocado sobre os ovos, para se proceder à fecundação. Dez minutos, explica, é tempo bastante. Das couvetes, os ovos passam para pequenos tabuleiros e entram na maternidade. Cerca de um mês e meio depois, começa o nascimento dos pequenos peixes. Um processo “fiscalizado”diariamente. «É necessário tirar os ovos que morrem», explica José Nunes.
«Ficam brancos» e ganham uma película em seu redor que contamina os restantes. «Com uma pinça», estes ovos são retirados e deixam espaço aos que ficam para crescerem.
Em ambiente protegido, «se apanharmos 10 mil ovos, nascem 5 mil alevins», explica o encarregado do município. Uma proporção de 50%, muitíssimo superior ao que acontece no ambiente natural, onde de «10 mil ovos poderão nascer 10 peixes».
«A água fria é melhor, mas se for mais quente, nascem mais rápido», esclarece. O
olho de cada peixe é o primeiro sinal que se começa a perceber. Depois, vão crescendo. Chegam «a andar quase 15 dias com o “saco” agarrado, mas já nadam», adianta.
O tanque da maternidade, à semelhança do que acontece com os cinco tanques onde se encontram as trutas reprodutoras e em fase de crescimento, tem ligação direta com a água do rio Sotão, que passa a escassos metros. Dali vem a água, limpa, em circulação constante, que alimenta todo o circuito, regressando novamente ao rio.
A maternidade, localizada no espaço interior, está atualmente cheia de alevins. São alguns milhares. Nasceram em Abril, explica José Nunes e terão uns três centímetros. Pressentem qualquer presença estranha e “recolhem-se”. Também já conhecem o som do doseador de comida e a hora de funcionamento. Quatro vezes ao dia, o equipamento, mais uma criação de José Nunes, funciona, fornecendo, durante 15 minutos, a ração, em forma de “farinha” que alimenta os pequenos peixinhos (os maiores têm ração granulada, com diferentes tamanhos). «Desenvolvem-se mais rapidamente do que no ambiente natural», garante José Nunes, sublinhando a disponibilidade de alimento e o ambiente protegido em que estes peixes crescem. Mas não crescem assim tão depressa, pois com um ano de idade, as trutas fario criadas no Parque da Monteira ainda estão longe de atingir os 20cm, o tamanho de referência, uma vez que não se podem pescar peixes com menos de 19/20 cm.
Se os bebés estão no interior do edifício, nos cinco tanques exteriores encontram-se alguns “gigantes”. São os reprodutores, machos e fêmeas, que atingem os três/quatro quilos. Uns e outras terão uns quatro anos de idade. Os machos rondam a quinzena e as fêmeas são pouco mais de 20.
Distinguem-se pelo formato do “queixo”. São dois os tanques onde se encontram estes reprodutores, um dos quais com peixes que não foram “desovados”. José Nunes retira um destes gigantes. «Quase não posso com ela», confessa, referindo-se à majestosa fêmea que se retorce no camaroeiro, antes de regressar à água. Noutro tanque, igualmente com dois metros de diâmetro, estão trutas com 20-25 cm. «Serão umas 1.500», explica. Um quarto tanque terá mais 1.500 peixes, com dois anos de vida e o quinto tem exemplares nascidos em Abril do ano passado, com 12 a 15 cm de comprimento.
Cinco mil exemplares será, no entender do responsável pelo viveiro, a média anual de produção. «Há anos melhores e anos piores», lembra. E podem acontecer problemas, como a falta de água, que já ditou a morte de grande número de exemplares, ou o aumento da temperatura da água que, se atingir os 17/18º é um prenúncio de morte, pois este peixe gosta de água fria.
O ritmo da produção tem uma relação direta com o número de provas efetuadas e a pandemia veio baralhar todas as contas. «Estivemos dois anos sem fazer eventos», refere, o que significa que o número de exemplares cresceu bastante, sem “saída”. José Nunes lamenta que o ICNF não permita fazer repovoamentos, uma tarefa da sua exclusiva competência, pois esta seria uma
forma de aproveitar a “produção” de trutas. «Só podemos fazer “largadas”», esclarece. Ou seja, lançar trutas ao rio na altura da realização de provas, a maioria das quais são provas “sem morte”, o que significa que o peixe é devolvido ao rio.
Quando há excesso de produção, como acontece atualmente, em reflexo da pandemia e da falta de provas, o município assume a entrega de exemplares de truta fario a restaurantes do concelho, de forma a promover a degustação deste produto endógeno. Usa, ainda, as trutas produzidas na Monteira para eventos próprios, servindo, por exemplo, umas deliciosas trutas de escabeche.
O espaço está preparado para a criação de um Centro de Interpretação, com o objetivo de dar a conhecer o ciclo da truta fario, uma espécie diferente da que se encontra à venda no mercado, a truta arcoíris. Todas as fases do processo têm sido devidamente registadas com imagens, mas o seu ordenamento, organização e apresentação científica ainda não é uma realidade.
José Nunes, há mais de 20 anos encarregado do pessoal da Câmara Municipal de Góis, também gostaria de ver esta estrutura ganhar mais dimensão e fazer uma maior aposta na “engorda” dos alevins. «Mas se não houver “saída”, não adianta», conclui.
Diário de Coimbra 90 anos com Góis Viveiros de trutas 31Ritmo da produção corresponde à procura, ou seja, às provas. Quando há excesso, trutas são entregues aos restaurantesMilhares de alevins, nascidos em Abril
COOPERATIVA É UM BALUARTE DO DESENVOLVIMENTO LOCAL
1968 Fundada a 20 de Abril de 1968, a Cooperativa Social e Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira nasceu com um olhar sobre a floresta, que alargou à agricultura e à área social e hoje faz uma aposta no turismo. Um exemplo nacional e um pilar no desenvolvimento de Vila Nova do Ceira
Apossibilidade de os baldios serem cedidos a terceiros, gente estranha à freguesia, funcionou como fermento impulsionador do surgimento da Cooperativa Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira. «Tempos difíceis», assume o atual presidente do conselho de administração, António Dias. A tenacidade e a persistência venceram as dificuldades e a Junta de Colonização Interna cedeu à cooperativa, criada por escritura pública em 20 de Abril de 1968, a exploração dos baldios. Desenhava-se, em Vila Nova do Ceira, um modelo próprio, diferente das comissões de compartes que surgiram em muitos pontos da região. Um modelo que se revelou pródigo e assumiu a floresta como primeira bandeira.
«Foi a primeira secção da cooperativa», explica o presidente, lembrando o grande desafio de proceder à florestação dos 500 hectares. O eucalipto foi a escolha assumida e a espécie começou a crescer nos viveiros da cooperativa, para ser depois transplantada. Contra qualquer diabolização desta espécie - «desde que sejam cumpridas todas as regras» - António Dias assume que é graças ao eucalipto que a Cooperativa de Vila Nova do Ceira é o que é. Primeiro, com a gestão direta da floresta, assumindo todo o ciclo produtivo. Depois, com a celebração de contratos com a Soporcel, com a Portucel e, mais recentemente, com a Navigator. Um passo que começou a ser dado em 1990, após sucessivos incêndios. Hoje, é esta empresa, ligada ao setor papeleiro, que faz a gestão dos 500 hectares e de outros terrenos que a cooperativa foi adquirindo. «Nós apenas sabemos que a nossa zona é muito boa para a produção de eucalipto, mas eles é que sabem tirar partido disso», afiança. Os contratos são válidos até 2039.
À floresta, âncora primeira da cooperativa, juntaram-se outros desafios, que resultaram na criação de outras tantas secções. «Somos
uma cooperativa multisetorial», sublinha o responsável, que aponta a secção de Compra e Venda (1978), Agrícola (1988), Social (2010) e de Serviços (2013), valências que foram encorpando a estrutura – que em 2010 alterou a sua designação para Cooperativa Social e Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira e em 2011 foi reconhecida como instituição particular de solidariedade social - e conquistando novos associados, que atualmente rondam o milhar.
António Dias destaca a importância do setor agrícola, numa zona onde tradicionalmente se pratica uma agricultura de subsistência. «Temos máquinas que prestam serviços», diz, e exemplifica com tratores para lavrar, fresar ou enfardar a palha. Com o mesmo objetivo está o lagar de azeite, localizado no Lugar da Mata. Um equipamento moderno, dotado com a mais avançada tecnologia, que começou a funcionar em finais de 2012. O antigo lagar, adquirido pela cooperativa, mantém-se, transformado num espaço museológico, onde o visitante fica a conhecer o processo tradicional de produção de azeite.
Azeite que constitui uma das culturas de referência no concelho e que a cooperativa procurou estimular, com a plantação, há seis/sete anos, de um pequeno olival. Aos serviços do lagar recorrem produtores da freguesia e do concelho, mas também da Lousã, Arganil, Serpins, Poiares, etc.
António Dias assume alguma preocupação com esta resposta, que carece de uma decisão por parte da tutela, ou seja, dos ministérios da Agricultura e do Ambiente. Em causa estão os resíduos, o chamado bagaço de azeitona. «Há uns anos vinham buscar o bagaço e a empresa pagava à cooperativa. Agora, somos nós que temos de fazer o transporte para Portalegre ou Mirandela», refere. Significa custos acrescidos à produção, que começam a pôr em causa a viabilidade do lagar, uma vez que «não queremos afetar esses custos ao produtor», tendo em conta que todo o processo de apanha da azeitona já se revela muito dispendioso. «Tem de haver algum apoio, caso contrário torna-se mais barato comprar o azeite», considera o responsável.
Outra das valências importantes, afecta
à secção agrícola, prende-se com a produção de mel. «Há 10 anos fizemos uma candidatura, com vários parceiros, e criámos uma melaria, junto ao lagar», diz António Dias. «Neste momento temos na ordem das 500 colmeias», adianta. O projeto é integrado no Plano Apícola Nacional (PAN), que envolve apicultores de várias zonas do país, «desde Vila de Rei a Tondela», o que confere à Cooperativa de Vila Nova do Ceira um caráter nacional. A grande maioria dos produtores recorre ao apoio da cooperativa em termos técnicos e para a extração e embalamento do mel. Quanto à sua produção própria, a cooperativa aposta na marca “Casa da Costeira». «Só temos mel», diz António Dias, que é vendido na loja da cooperativa e nos supermercados da região e também em Lisboa, para clientes que «só querem o mel de urze». Até ao final do ano a cooperativa vai lançar no mercado dois novos produtos: aguardente de mel e licor de mel Casa da Costeira, recorrendo à destilaria da Lenda da Beira, na Pampilhosa da Serra.
Para o presidente, este é um «projeto de risco», tendo em conta um conjunto de variáveis, desde o «tempo, a vespa asiática, a “barrôa”, doença que “desfaz” uma colmeia, se não for detetada». A isto juntam-se as próprias características deste mel de montanha, feito basicamente de urze, caracterizado pela cor mais escura e por um sabor mais intenso. «A qualidade é de excelência», mas «a quantidade é menor». «Não se compara com o Ribatejo, onde uma colmeia produz 20 kg de mel. Aqui, se der 10 kg já é muito», considera. Significa que, «num ano bom», a produção da cooperativa ronda as «cinco toneladas».
Nas traseiras da sede – antiga residência do cirurgião Francisco Augusto Cortez, que a cooperativa adquiriu em 1985 e recuperou posteriormente – funciona a loja. Um espaço comercial onde se vende «um pouco de tudo», desde as tintas, pregos, cimento e ferramentas diversas, aos produtos fitofarmacêuticos, sementes, rações para animais e artigos para o lar. Ao lado, está instalado o posto de combustíveis, a funcionar desde o ano 2000, com preços mais baixos relativamente ao mercado. «Independentemente do preço, todos os associados têm mais dois cêntimos de desconto por litro», esclarece.
A cooperativa assume-se, também, como parceiro e apoiante de grande parte dos projetos que surgem na freguesia, nomeadamente ao nível cultural e do tecido associativo.
Projeto pioneiro de gestão da floresta
Pôr travão ao crescente abandono da floresta e, ao mesmo tempo, garantir a sua organização e rentabilização, é o objetivo de uma proposta pioneira, resultante de um protocolo entre a Cooperativa Social e Agro-Florestal de Vila Nova do Ceira e a empresa Navigator. Em causa está o projeto “Gestão Florestal Partilhada”, que implica a «cedência, através de contrato, das áreas florestais, por um período de 25 anos», com a empresa a assumir a sua completa gestão. Um projeto que, além do eucalipto, envolve a plantação de espécies autóctones (que melhor se adaptem) e visa, ao mesmo tempo, criar uma zona de proteção às aldeias da freguesia, habitualmente rodeadas de floresta.
«A Navigator paga, à cabeça, um prémio por hectare e uma renda anual», explica António Dias. Entusiasmado com o projeto, o presidente explica que a empresa assegura todo o processo de plantação, desbaste e tratamento das árvores, ficando, depois, com o eucalipto. Quanto às restantes espécies, garante, durante duas décadas e meia, o necessário acompanhamento, devolvendo, no final dos 25 anos, a plantação aos respetivos proprietários. «É só lucro», garante o presidente do conselho de administração, que não tem qualquer dúvida e vai aderir
com as áreas que possui e lamenta «não ter mais». Em seu entender, esta é uma oportunidade de ouro, que garante um rendimento aos proprietários, que atualmente não existe, sem a exigência de qualquer investimento e sem grandes preocupações, a não ser a formalização do contrato. «Se os proprietários não aderirem, não sabem o que estão a perder!», afirma. Para avançar e ter sucesso, o projeto precisa de reunir um conjunto de condições, nomeadamente em termos de área. António Dias aponta alguns contratos já alinhavados, mas teme que a situação se arraste no tempo.
O projeto “Gestão Florestal partilhada” pode envolver cerca de 800 hectares na freguesia de Vila Nova do Ceira, o que representa «mais de 500 proprietários».
António Dias espera que a freguesia adira e se empenhe nesta solução, que não só garante uma gestão organizada da floresta, como assegura um rendimento aos proprietários e a proteção das aldeias. «Nos últimos 20 anos, o património da cooperativa aumentou de 500/600 mil euros para mais de dois milhões de euros, sem incluir o hotel. Não é com a venda de combustível e de rações que conseguimos estes resultados, é com a floresta, com o eucalipto», remata o presidente do conselho de administração.
Diário de Coimbra 90 anos com Góis Cooperativa Social e Agro-Florestal 33 Floresta esteve na génese da Cooperativa e continua a ser a sua principal valênciaHotel do Mel abre no próximo verão
mas pratos de qualidade, que chamem as pessoas» e promovam a gastronomia local, com destaque para as trutas, o cabrito, o mel e a castanha. O Hotel do Mel também vai ter uma loja onde o Mel Casa da Costeira, o Azeite Gorgulhão e doutros produtos endógenos do concelho vão marcar presença. Inclui, ainda, esplanada e piscina (para adultos e para crianças) e uma ampla zona verde.
A «oportunidade» de adquirir a «emblemática» Quinta da Costeira representou um novo desafio para a cooperativa a que não foi alheio o receio de «perder» este espaço de referência para a freguesia a favor de algum dos muitos estrangeiros que demandam o concelho. «O padre Américo organizou aqui colónias de férias», lembra, reforçando a importância deste espaço, que se encontrava completamente abandonado e degradado, onde está a “crescer” a primeira unidade hoteleira do concelho, o Hotel do Mel, que deverá abrir no verão de 2023.
A Capela da Costeira – onde chegou a funcionar uma carpintaria – depois de profundas obras de recuperação e requalificação, foi inaugurada, em 2015, como Espaço Multiusos, onde a cooperativa promove os mais diversos eventos. Quanto à contígua Casa da Costeira, a primeira ideia «foi criar um lar», que funcionasse como resposta para os mais de «mil associados da cooperativa», muitos dos quais já com idade avançada, residentes em Lisboa ou em Coimbra. «Fizemos o projeto, apresentámos a candidatura, mas não tivemos sucesso», refere. A decisão foi reverter o projeto e dar-lhe outro destino: «avançar para o turismo». À casa senhorial juntou-se uma nova construção, de raíz, e as obras do
Hotel do Mel arrancaram nos finais de 2020. As previsões apontavam no sentido de «começar a funcionar este verão», mas vários imponderáveis, alterações ao projeto e falta de material atrasaram a obra. «Vamos ver se é para o próximo Verão», perspetiva.
O piso zero concentra todas as áreas de apoio técnico e os 19 quartos, bem como a suite, localizados no piso superior, têm todos vista para o rio. No rés do chão fica o restaurante, com capacidade para 40 pessoas. «Não precisamos ter muitos pratos,
«É o primeiro hotel do concelho de Góis», faz notar António Dias, satisfeito por, mais uma vez, a Cooperativa de Vila Nova do Ceira estar na “linha da frente”. O investimento inicialmente previsto apontava para um milhão e 380 mil euros, mas neste momento está mais próximo dos dois milhões de euros. A priori, a cooperativa conta com um financiamento a fundo perdido superior a 200 mil euros, patamar que poderá, eventualmente, ser duplicado. Mas além dos 500 mil euros de capital próprio, teve de recorrer à banca para avançar com o Hotel do Mel.
António Dias acredita na viabilidade do hotel, pois o turismo e a floresta são, as «grandes riquezas do concelho» e os pilares do desenvolvimento, hoje e no futuro e entende que este é mais um projeto da cooperativa que atesta o seu empenho em dar um contributo para «o progresso da freguesia, do concelho e da região».
A conclusão do Hotel do Mel e a sua entrada em funcionamento constitui a grande preocupação do presidente do conselho de administração, que dentro de dois anos e meio termina o terceiro mandato e completa 22 anos como presidente. Por isso quer preparar a sua saída com tranquilidade.
«Mais do que propor coisas, é importante viabilizá-las» e garantir «soluções de continuidade, de futuro», que garantam a vitalidade do projeto e o seu crescimento. Importante, é, também, estar «atento às oportunidades que surgem para desenvolver a cooperativa, a freguesia e o concelho».
Cooperativa demonstra, mais uma vez, o seu espírito vanguardista ao assumir a construção da primeira unidade hoteleira do concelhoAntónio Dias, presidente da direção
Góis 32-48 05/08/2022 18:01 Página 35
TIRAR GÓIS DO ISOLAMENTO
2021 Município quer acabar com o estatuto de “ilha” e ganhar novas rotas de acessibilidade. O metrobus é, igualmente, um projecto a considerar
Góis é uma ilha. Não tem um IP (itinerário principal), um IC (itinerário complementar), uma autoestrada. Ficámos para trás». O diagnóstico é feito pelo presidente da Câmara, que assume o combate pela melhoria das acessibilidades como um desígnio do seu primeiro mandato. Uma luta assumida na primeira hora e que tem vindo a “marcar pontos”, reconhece, com reuniões com a Infraestruturas de Portugal (IP) e com a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC). «Temos um interesse estratégico na melhoria da acessibilidade, um projeto que sirva Góis e outros concelhos, como a Lousã, Poiares, Pampilhosa da Serra», diz Rui Sampaio, ciente que se trata de dar os primeiros passos de um processo que, certamente, será longo, mas é fundamental para o futuro.
Em causa está o estudo de viabilidade da Variante à Estrada da Beira (EN 17), entre o nó de Ceira da A13 e a Ponte Velha e ligação ao IC6, um projeto que envolve a CIM-RC e a IP e constitui um «eixo estratégico», que
«pode fazer a diferença» no futuro, uma vez que irá permitir «reduzir o tempo de viagem», «aumentar o interesse» em termos de potencial de investimento e, inclusivamente, «atrair mais pessoas para o concelho de Góis».
«Temos que começar a dar os passos necessários», diz, confiante, o autarca, que refere, igualmente, o facto de a requalificação da Estrada Nacional 342 – que liga LousãGóis-Arganil – não ter sido excluída do Plano Nacional Rodoviário, o que não significa que o projeto avance. «Não temos qualquer informação», adianta.
Igualmente embrionário é o projeto de levar o metrobus a Góis e a Arganil. «O estudo está feito e é um princípio», afirma Rui Sampaio, que não tem ilusões relativamente à sua concretização. «Não depende só da vontade dos presidentes de câmara», faz notar. Todavia, o prolongamento do Metrobus até Góis e Arganil, representaria, mais de nove décadas volvidas, um ato de justiça para com este dois concelhos. Seria a concretização de um sonho, perseguido
por sucessivas gerações, de ver o comboio chegar. Era, de resto, esse o objectivo, consagrado no programa do Governo, no início do século passado, com a construção da Linha da Lousã.
O caminho de ferro chegou a Serpins, com a inauguração deste último troço (Lousã-Serpins), em Agosto de 1930. A promessa era chegar a Góis, a escassos quilómetros, e estender-se a Arganil. Foram feitas expropriações de terrenos e, em Vila Nova do Ceira, ainda hoje há resquícios dos túneis que foi necessário construir para a passagem do comboio, que nunca ultrapassou a estação de Serpins. As sucessivas promessas acabaram em nada, como em nada resultaram as muitas reclamações feitas junto da tutela.
ALinha da Lousã acabou por ser encerrada a 4 de janeiro de 2010, com a esperança de uma substituição célere do sistema ferroviário pelo metro de superfície. Nada aconteceu. Os anos passaram e o metro não avançou um centímetro que fosse. Uma década depois, no dia 11 de Setembro de 2020, o Sistema de Mobilidade do Mondego ganha novos horizontes, com a consignação do troço entre o Alto de S. João e Serpins e uma nova solução tecnológica, o metrobus. As obras estão a decorrer e perspetiva-se que o novo sistema de mobilidade esteja operacional em 2023/20024. A possibilidade de alargar a rota do metrobus aos concelhos circunvizinhos está sobre a mesa e Góis e Arganil foram os primeiros a reivindicar esta solução.
«É uma opção estratégica, em termos de mobilidade, que também pode fazer a diferença», diz Rui Sampaio, que não tem dúvida alguma de que o circuito do metrobus alargado a Góis iria ajudar a «valorizar» o concelho e contribuir para lhe retirar este espectro de “ilha”, além de cumprir uma promessa com quase um século. O autarca reitera o «interesse» no projecto, embora compreenda que, também aqui, a evolução poderá demorar o seu tempo.
Melhoria da acessibilidade é uma apsota estratégica do autarca, que salienta o facto de Góis ser “uma ilha”, sem um IP, um IC, uma autoestrada
MISERICÓRDIA REJUVENESCE
1989 Fundada em 1489, Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Góis teve um longo período de inatividade, regressando com novo ânimo em 1989
ouco se sabe do passado. «Perdeu-se esse património», sintetiza o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Góis, reconhecendo um «grande vazio» entre a fundação da instituição, que data de 1498, e o final dos anos 80 do século passado, altura em que uma “mão cheia” de cidadãos, naturais de Góis ou ali radicados, se empenharam em pôr um ponto final no marasmo e dar uma nova vida à centenária instituição.
«Recebemos um carimbo», recorda o provedor, José Serra, que juntamente com muitos outros amigos – Augusto Nogueira Pereira, José Girão Vitorino, José Cabeças, Carlos Cardoso, monsenhor Leal Pedrosa, José Alberto, Fernando Barata, António Olimpo e Laurinda Bento, a única senhora, entre outros – começaram a fazer as necessárias diligências para um regresso ao activo, que acontece em 1989.
Uma atuação feita em duas frentes, que procurou, por um lado, reabilitar o património e, por outro dar-lhe um destino útil. No primeiro caso, José Serra lembra o seu empenho pessoal e de Girão Vitorino, ambos funcionários da EDP, que colocaram o seu
saber-fazer ao serviço da recuperação da capela, pertencente à Misericórdia, localizada no Largo do Pombal, em Góis. Um pequeno templo que estava em avançado estado de degradação. Ao lado, foi erguida a Casa Mortuária, equipamento que não existia.
Outra frente de trabalho centrou-se no edifício do antigo Hospital Monteiro Bastos, igualmente abandonado e pertença da Santa Casa. Trata-se de um emblemático edifício, mandado construir pelo comendador Monteiro Bastos (1830-1917), que fez fortuna no Brasil, e quis oferecer uma resposta de saúde ao concelho. Hospital que, refere o provedor, foi doado à Misericórdia a 13 de março de 1915 e inaugurado no ano seguinte, a 12 de março «Terá funcionado, o mais tardar, até à década de 70», adianta, destacando a referência que representou na área da saúde, funcionando depois como sanatório para doentes com tuberculose.
«Procurámos criar condições no edifício do antigo hospital para instalar o primeiro Centro de Dia de Vila Nova do Ceira, com 10/15 utentes e duas/três funcionárias», que começou a funcionar em 1989, recorda.
Logo depois, e aproveitando as instalações anexas ao hospital, avançou o Centro de Apoio Noturno. «Era uma situação única no país», criada por influência do médico José Cabeças. «Tinha sete ou oito camas». «Durante o dia, as pessoas estavam no Centro de Dia ou nas suas casas, na sua lavoura, a tratar dos animais e, à noite, iam para o Centro de Apoio Noturno. Jantavam por volta das 19h00 e ali dormiam, para descanso das famílias», esclarece o provedor.
«No dia seguinte, de manhã, quem estava no Centro de Dia percorria os escassos 100 metros de distância e os outros iam para a sua vida, nas diferentes aldeias».
Uma valência sui generis que representou o embrião para o lar, «o emblema da Misericórdia». Uma obra «com muitos constrangimentos», cuja construção demorou cinco anos e representou um investimento de cerca de dois milhões de euros. Inaugurado em Outubro de 2005, o lar tinha uma capacidade para 35 utentes, 20 dos quais protocolados com a Segurança Social.
de Coimbra PA construção do imóvel representou um virar de página no apoio social prestado pela Santa Casa, com as instalações do antigo hospitala deixarem de ser necessárias e o Centro de Dia a “encaixar” no novo imóvel, dinamizando-se, também, o serviço de apoio domiciliário. Uma valência que foi reconhecida em 2020 pela Fundação Calouste Gulbenkian, com o projeto “Existe um lugar onde pode viver de uma forma feliz – a sua própria casa”. Tratou-se de uma resposta, em tempos de pandemia, aos utentes do Centro de Dia e de apoio domiciliário, que beneficiou meia centena de pessoas, através da ação e uma equipa multidisciplinar, apostada em garantir o bem estar físico e emocional dos utentes.
A Santa Casa chegou a ter um Centro de Atividades de Tempos Livres (25 crianças), que fechou, uma vez que o município criou uma resposta similar. Também avançou com um Centro de Dia na Cabreira (1995), em parceria com a Comissão de Melhoramentos, que cedeu o espaço. Uma valência que também assegurava apoio domiciliário, mas ficou “esvaziada” com a construção do lar de Idosos da Cabreira, um projecto da Caritas Diocesana, e encerrar.
Atualmente a estrutura residencial para pessoas idosas, entretanto ampliada, tem 49 camas, com 39 protocoladas com a Segurança Social. O Centro de Dia tem 20 utentes e são 30 os beneficiários do apoio
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domiciliário. José Serra assume que um dos objectivos é criar mais duas/três camas, para minimizar as muitas necessidades em termos de institucionalização. Aponta, ainda, a necessidade de algumas obras de conservação no edifício.
A Santa Casa tem um universo de 60 colaboradores a que se juntam mais seis, em regime de prestação de serviços. «Há muita dificuldade em arranjar pessoas para trabalhar, sobretudo para o turno da meia-noite às 8h00», faz notar Ana Rodrigues, vice-provedora e responsável técnica da Santa Casa. O provedor subscreve a preocupação, tendo em conta que são vários os funcionários perto da idade de reforma.
«Manter a qualidade dos serviços» é o grande objetivo dos timoneiros da instituição, que não escondem a sua preocupação com o aumento crescente do preço dos bens mais essenciais. «O orçamento não estica», diz José Serra, que aponta, ainda, a necessidade de substituir viaturas.
Provedor desde 2011, depois de ter assumido funções de secretário e de vice-provedor, José Serra confessa «algum cansaço», tendo em conta os muitos anos de serviço e a própria situação da Misericórdia, que «tem poucos irmãos» e é encarada como «o parente pobre». Todavia, não quer chegar ao final do mandado sem garantir uma intervenção na Capela do Mártir S. Sebastião,
igualmente pertença da Santa Casa. Uma capela do século XVIII, localizada junto à ponte manuelina, em Góis, onde foi feita uma intervenção, há anos, no telhado, mas cujos altares carecem de recuperação.
A Misericórdia de Góis é parceira do programa alimentar de apoio a pessoas carenciadas, o que significa a distribuição mensal de alimentos a 96 pessoas. Disponibiliza, também, um serviço de lavandaria e engomadaria. «Temos as máquinas e a ideia é rentabilizar os recursos, colando-os ao serviço da população», explica Ana Rodrigues, que destaca a grande capacidade das máquinas, ideais para peças de maior dimensão. Todavia, as solicitações não têm sido muitas, exceção feita para os Bombeiros
Voluntários. A entrega e recolha da roupa pode ser feita no Lar de Vila Nova do Ceira ou nos serviços administrativos da Misericórdia, na Casa do Povo, em Góis. Já na cozinha ganham forma e sabor os doces e os salgados. «À segunda-feira fazemos sempre filhoses», uma especialidade da região, com clientes fiéis, que «estão à espera da segunda-feira para se deliciarem», refere a vice-provedora. Às filhoses somam-se os bolos de aniversário. «Começámos por fazer para os utentes, mas quando alguém precisa, basta encomendar».
Encomendas que se estendem aos salgadinhos, nomeadamente pataniscas e rissóis, sendo ainda possível preparar uma apetitosa panela de caldo verde, adianta.
Hospitais à espera de soluções de futuro
Devoluto há muito, o edifício do antigo Hospital Monteiro Bastos tem, finalmente, um destino traçado. «Tivemos uma préabordagem de uma entidade particular, que quer transformar o antigo hospital numa unidade hoteleira. Os irmãos concordaram com a venda», que representa um montante de 100 mil euros, «acertado com o comprador». Um negócio cuja concretização está dependente do parecer favorável da Comissão Diocesana para os Assuntos Económicos. O provedor confessa que o encerramento deste dossier é muito importante, pois garante um futuro ao velho edifício e representa uma «verba importante» para a Misericórdia.
Relativamente à Casa de Caridade Rosa Maria, a Santa Casa pôs de parte a ideia de uma unidade de cuidados continuados, pois «dificilmente seria viabilizada».
A Casa da Caridade, onde atualmente estão alojados refugiados ucranianos, no quadro de um acordo com a Câmara de Góis, é mais uma herança da Misericórdia. «Foi uma obra financiada por um engenheiro inglês, ligado às minas de volfrâmio», recorda a vice-provedora, referindo-se a Stanley Mitchell (1895-1957), «doada à Irmandade em 1955». O provedor recorda o projecto do Centro Municipal de Saúde e Ação Social que ali funcionou durante duas décadas, impulsionado por José Cabeças. «Era uma coisa única no país», com 5/6 camas acordadas com a Segurança Social e número idêntico reservado para «internamento hospitalar». O facto de a Casa Rosa Maria (nome da filha mais nova de Mitchell) ficar junto ao Centro de Saúde permitia este apoio de médicos e enfermeiros. «Passaram ali inúmeras pessoas»,
diz o provedor, designadamente doentes que saíam dos Hospitais da Universidade de Coimbra e tinham ali um serviço de retaguarda.
«Fechou no dia 1 de Junho de 2015», sublinha, lembrando que nos meses anteriores a Administração Regional de Saúde foi «retirando os utentes», transferindo uns para Arganil, outros para Poiares, até que a Casa da Caridade ficou vazia. «Ficámos com sete funcionários e sem utentes» e «perdemos cinco mil euros da Segurança Social», lamenta. Dois funcionários seguiram a sua vida e os restantes foram integrados no lar.
«Não temos capacidade para dar um futuro à Casa Rosa Maria», diz o provedor, confiante que, quando a Câmara assumir competências em matéria de saúde, poderá querer ficar com o espaço. «Até como alojamento local funcionaria», conclui.
Ana Rodrigues e José Serra, vice-provedora e provedor da Santa Casa da MisericórdiaUMA ÂNCORA NO APOIO SOCIAL
1978 Em 1978 assistia-se à criação do Centro Social Rocha Barros, instituição pioneira nas respostas sociais do concelho. Vocacionado para apoiar os mais velhos e os mais novos, tem no humanismo a sua marca própria
Odespacho ministerial de 9 de agosto de 1978 dá luz verde para a criação do Centro Social Rocha Barros, instituição que hoje continua a ser uma referência na prestação de cuidados às crianças e aos seniores. «Na altura não havia nenhuma entidade que oferecesse qualquer apoio», explica Hélder Barata, vice-presidente da direção. A excepção era a Casa de Saúde Rosa Maria, uma espécie de hospital, que dava apoio aos doentes, adianta Carla Barreto, diretora técnica da instituição. Todavia, havia a “herança” da Sopa dos Pobres, uma instituição que surgiu em 1958, por despacho do Governo, que foi a “semente” de um projeto social mais envolvente. Com o apoio da população, sobretudo de goienses radicados em Lisboa e de outros que se “fizeram à vida” em terras de África, foi adquirida
uma casa, no Largo do Pombal, e a instituição começou a funcionar. Vinte anos depois, no edifício ao lado, também no Largo Francisco Inácio Dias Nogueira (Largo do Pombal), começa a funcionar o Centro Social Rocha Barros, com as valências de centro de dia creche. Uma resposta que, desde a primeira hora, apostou no caráter intergeracional, à época uma ideia inovadora.
José Alberto Antunes Barata foi um dos fundadores e homem do leme do Centro Social, a cuja direção presidiu durante largos anos. «Esteve ligado à instituição desde a sua génese até à morte», explica o filho, Hélder Barata, que recorda a “revolução” que a «vinda de muitos retornados», após o 25 de Abril de 1974, imprimiu ao concelho. Era outro tempo. Um tempo em que «se demoravam seis a oito horas a chegar a Lisboa», em que as mercearias ocuparam o lugar dos supermercados, exemplifica. «Góis ganhou outro ritmo» e o engenheiro José Alberto, regressado de Angola, foi um dos timoneiros deste projeto. Carla Barreto trabalha no Centro Social Rocha Barros há 26 anos e teve oportunidade de o conhecer. «Vinha cá todos os dias», recorda, testemunhando o «grande amor» e a «enorme dedicação» que «tinha por esta casa».
Instalações do Centro Social Rocha Barros inauguradas em 1990 pelo então Presidente da República, Mário Soares
O centro de dia e a creche foram as primeiras valências do Centro Social Rocha Barros, nome que representa uma homenagem ao autarca que liderava o município aquando da criação da Sopa dos Pobres. A necessidade de crescer cedo se fez sentir e começou a surgir a ideia de construir um edifício de raíz, que pudesse oferecer melhores condições e alavancar novas respostas. «Foi um processo muito complicado, que demorou anos», recorda Hélder Barata, que sublinha o facto de o pai e os restantes membros da direção terem sido obrigados a dar os «seus bens pessoais como garantia» para o processo avançar. Edifício novo inaugurado pelo Presidente da República, Mário Soares, a 3 de Julho de 1990.
O novo edifício representa, igualmente, novas respostas. Surge, assim, o lar residencial, que arrancou com pouco mais de 30 utentes e que, entretanto, com a construção de uma nova ala, aumentou a capacidade, mas está longe de responder à procura. «Neste momento, há quatro instituições no concelho – Centro Social Rocha Barros, Santa Casa da Misericórdia, Centro Social de Alvares e Caritas Diocesana – e, mesmo assim há lista de espera», faz notar o advogado.
A estrutura residêncial para pessoas idosas acolhe 47 seniores, o centro de dia tem nove utentes e são 17 os beneficiários do serviço de apoio domiciliário, que também arrancou em 1990, com a mudança para as novas instalações. Inicialmente esta va-
38 Centro Social Rocha Barros 90 anos com Góis Diário de CoimbraGóis
lência cingia-se ao serviço de entrega de refeições, mas foi aperfeiçoando o leque de oferta à higiene pessoal e da habitação, à preparação de medicamentos, entre outros.
O apoio aos mais novos também faz parte do ADN da instituição, com a creche a funcionar em paralelo com o centro de dia, ainda nas primeiras instalações. A mudança permitiu crescer, mas também acompanhar os novos ditames da Segurança Social e do Ministério da Educação, com a divisão entre a creche propriamente dita (berçário e salas de um e dois anos) e a educação pré-escolar, com 23 e 27 crianças, respetivamente, a que se junta o Centro de Actividades de Tempos Livres, com 27 crianças. «Já tivemos três salas de jardim de infância, neste momento temos duas. Já tivemos quatro salas de creche, agora temos duas», refere a diretora técnica, lembrando, mais uma vez, o envelhecimento crescente da população e, também, a existência de outras respostas para as crianças, inclusivamente de carácter público. Todavia, apesar do prejuízo e de se assistir a uma redução cada vez maior do apoio por parte da tutela, o Centro Social faz questão de manter esta valência. «As respostas para a infância sempre foram uma referência do Centro Social Rocha Barros e queremos manter», diz Hélder Barata. Hoje, muitas das crianças são filhos de antigos alunos.
Dificuldades de mão de obra
Com meia centena de funcionários, o Centro Social Rocha Barros vê-se a braços com dificuldade em contratar pessoas. Carla Barreto exemplifica com anúncios para contratar pessoal de enfermagem que ficaram sem resposta. Uma preocupação grande tendo em conta que uma fatia considerável do pessoal está na casa dos 60 anos e em breve vai avançar para a reforma. Se a falta de recursos é, só por si, um problema, as exigências da atividade ainda reduzem mais
a escassa disponibilidade. «É fundamental que as pessoas gostem deste trabalho, que sintam que dão um bocadinho de si, seja às crianças, seja aos idosos», enfatiza a diretora, que reconhece não ser fácil «encontrar pessoas com este perfil».
Em total sintonia, o vice-presidente aponta o «humanismo» como a referência identitária do Centro Social Rocha Barros. Uma escola que se faz sentir em toda a linha, «na forma como se lida com os utentes, com os funcionários, com os idosos ou com as crianças. Pode haver falhas, mas o humanismo sempre foi a marca diferenciadora», sublinha.
Reabilitação do Bairro Cristina Rodrigues
O Centro Social Rocha Barros é também responsável pela gestão do Bairro Social Cristina Rodrigues. Uma parte do legado do comendador Augusto Luís Rodrigues (1895-1969), um grande empresário e um benemérito de referência, que, entre outras benesses, construiu este bairro, que ofereceu ao concelho. São 10 casas, «simples, mas funcionais», que se encontram todas habitadas por famílias, cujas rendas mais altas «rondam, os 120 euros».
O bairro entrou em obras, com a realização, numa primeira fase, dos arranjos exteriores, no âmbito do projeto Bairros Sau-
Bungalows para acolher casais
A expansão do Centro Social Rocha Barros está dependente da boa vontade da Câmara Municipal. Hélder Barata recorda a promessa, feita em 2001, pelo então autarca, José Girão Vitorino, de cedência do espaço dos antigos armazéns municipais. «Uma promessa que ainda não se concretizou, mas está sobre a mesa», lembra. Quanto a projetos, também existem desde há muito. «Já era uma ideia defendida pelo meu pai e continua a ser um objetivo da atual direção», afirma, referindo-se à criação de um polo com bungalows, destinado a pessoas de idade mas com «menor dependência», que «podem beneficiar dos serviços de alimentação e de higiene e dos cuidados médicos
dáveis, que representou um financiamento de 45 mil euros. «O próximo passo são os arranjos interiores», diz Carla Barreto. Obras efetuadas de uma forma faseada, que pretendem «dar mais qualidade de vida às pessoas que ali residem» e valorizar esta urbanização, localizada num «espaço fantástico» da vila.
Igualmente a pensar na comunidade e na necessidade de criar alojamento com rendas acessíveis, a instituição pensa, no futuro, avançar com a reabilitação dos três edifícios que possui no Largo do Pombal. Um projeto em carteira, se bem que sem data.
e de enfermagem que o Centro Social disponibiliza, mas, ao mesmo tempo, «ter o seu espaço, a sua casa, as suas coisas», inclusivamente podendo incluir algum mobiliário próprio.
Hélder Barata fala de uma forma sonhadora deste projecto. «Era uma forma de alargar a nossa oferta a um espectro diferente», diz, sublinhando o facto de Góis ser um local privilegiado. «Góis é tão bonito», adianta Carla Barreto, que, igualmente entusiasmada, acredita que este projeto poderá atrair «pessoas de fora».
O projeto envolve “casinhas”, tipo bungalows, o que representa o alargamento da capacidade residencial a mais 12 utentes. «Era o grande sonho do engenheiro José Alberto», lembra a diretora, feliz porque a direção promete não deixar cair esta ideia.
40 Centro Social Rocha Barros 90 anos com Góis Diário de Coimbra Hélder Barata e Carla BarretoDiário de Coimbra 90 anos com Góis Casa do Concelho 41
CASA DO CONCELHO: BASTIÃO DO REGIONALISMO
1954 No dia 4 de Dezembro de 1954 foi oficialmente constituída a casa do Concelho de Góis em Lisboa, então com 27 coletividades
ACasa do Concelho continua a funcionar, na Rua de Santa Marta, em Lisboa. Mas os tempos são outros e o regionalismo já não tem, hoje, o sabor, a envolvência e o impacto de outros tempos. «Enquanto os velhos cá andarem, o regionalismo continua, mas quando morrerem, acaba». O diagnóstico/prognóstico é feito por José Dias Santos, que há 20 anos preside à Casa do Concelho de Góis e em maio foi reeleito. Com 83 anos, fala com paixão do regionalismo beirão. Um sentimento único, que uniu gerações e fez obra.
«Antigamente, as câmaras municipais não tinham dinheiro para fazer obras nas aldeias», refere. Povoações onde faltava tudo, desde «a captação de água, à luz elétrica, aos caminhos«. Obras que os moradores que rumaram para Lisboa em busca de melhor vida se empenharam em fazer, através das comissões de melhoramentos. «Praticamente cada terra tinha a sua comissão de melhoramentos», que se empenhava em «angariar fundos» para fazer as obras ou benesses que fossem necessárias. «Cada sócio pagava 25 tostões por mês» e a esta quota juntavam-se as receitas de outros eventos, como «a lotaria de Natal, os piqueniques», que permitiam «fazer os melhoramentos necessários». «Foi o regionalismo que permitiu fazer caminhos, captações de água, levar luz às aldeias», adianta.
O presidente da Casa do Concelho dá um exemplo, que talvez represente senão a maior, uma das mais relevantes obras com a marca do regionalismo. Foi na sede do concelho, «salvo erro em 1969», diz José Dias dos Santos, demonstrando a sua prodigiosa memória. Assistia-se à inauguração do chamado Colégio de Góis. «O concelho não tinha escola, além da 4.ª classe e quem quisesse continuar os estudos tinha de ir para Coimbra ou para Arganil»,
conta. Uma situação que levou a Casa do Concelho a empenhar-se na construção do “Colégio”, contando com o apoio de «um grande benemérito», o sr. Augusto Rodrigues, que «tinha uma fábrica de confeções», onde, inclusivamente, eram feitas as «fardas para a polícia». Uma parceria que permitiu avançar com o “Colégio” e com as aulas até ao 5.º ano. «Deu-se à exploração do Estado, que pagava uma renda (baixa, mas pagava) à Casa do Concelho» e funcionou até à construção de uma nova escola. «O edifício ainda existe, é propriedade da Casa do Concelho e está lá a funcionar a ADIBER», esclarece. «Naquele tempo foi a maior obra feita no concelho de Góis.», diz, orgulhoso.
Foi esta vontade de ajudar os conterrâneos que motivou a criação da Casa do Concelho. Raul Baeta Henriques foi «o grande obreiro»
do projeto, que começou a germinar na Casa da Comarca de Arganil. O médico «presidiu à comissão organizadora» que integrava muitos outros ilustres regionalistas do concelho. No dia 4 de Dezembro de 1954, com 27 comissões de melhoramentos – agora serão mais de meia centena – assistia-se à constituição formal da coletividade. Alfredo Simões Travassos, «natural de Vila Nova do Ceira, um grande advogado, com escritório na Praça da Figueira», foi o primeiro presidente da Assembleia Geral. O médico Francisco Augusto Cortez presidiu ao Conselho Regional, o escritor Francisco Barata Dias ficou a presidir ao conselho fiscal e Mário Paredes Nogueira Ramos foi o primeiro presidente da direção.
Sessenta e sete anos depois, o atual presidente assume que hoje a «Casa do Concelho está parada». Longe vão os tempos em que «não havia televisão e os goienses se juntavam na Casa do Concelho», localizada numa zona central, bem perto da Avenida da Liberdade. «Cada comissão de melhoramentos. tinha o seu espaço e juntavam-se, promoviam reuniões, a Casa organizava espetáculos, bailaricos, teatro, de vez em quando». Hoje, «é tudo diferente», as pessoas «vivem mais longe», «já não vêm a Lisboa» e não têm, sobretudo os mais novos, na Casa do Concelho aquela referência que outrora existia. Para o presidente, que foi para Lisboa com 14 anos, a Casa do Concelho sempre foi a segunda ou mesmo nalguns momentos, a sua primeira casa, cujos órgãos sociais integra desde 1982.
Natural de Vila Nova do Ceira, José Dias dos Santos é filho de uma família de moleiros e cedo aprendeu a arte de moer o grão. Com 14 anos, em 1953, no ano anterior à criação da Casa do Concelho, foi para Lisboa, juntamente com o irmão gémeo. Dia 1 de maio foi o seu primeiro dia de trabalho, nos escritórios da Sociedade Agrícola de Alorna, na Rua do Comércio. O irmão ficou a trabalhar para os mesmos patrões, mas numa companhia de seguros. Hoje, com 83 anos, já reformado, continua a trabalhar e a falar com paixão da Casa do Concelho e do regionalismo beirão.
José Dias Santos, presidente da direção da Casa do Concelho42 AERG 90 anos com Góis
AERG: UMA ÂNCORA NO DESPORTO E NA CULTURA
Diário de Coimbrauma verdadeira escola de formação para os jovens do concelho. «São mais de 60 crianças e jovens» que ali praticam desporto.
O Coro Misto, criado em 2010 e dirigido pelo maestro Avelino Rodrigues Correia, representa a mais recente aposta da AERG e é igualmente um projeto de sucesso. Estreou-se no concerto de Natal, realizado na Igreja Matriz de Góis, e tem participado em eventos por todo o país, com um repertório que inclui obras de música popular portuguesa e brasileira, música sacra, cantos de Natal, entre outros géneros. O grupo, que ronda os 30 elementos, é particularmente heterogéneo, com idades entre os 20 e os 80 anos. Ensaia terça-feira à noite, na Casa da Cultura de Góis.
Igualmente muito solicitada é a Banda Filarmónica da AERG, que resulta da fusão de duas bandas que existiram em Góis, uma conotada com a fação progressista e a outra com a ala republicana, denominadas “Chata” e “Cachimbana”, respetivamente.
1939 Associação Educativa e Recreativa de Góis, fundada em 1939, é um baluarte na formação dos jovens e uma referência em termos culturais e desportivos
Sete figuras proeminentes da terra – José de Paula Nogueira, Alberto Baeta da Veiga, Alfredo Élio Nogueira Dias, António Augusto Rodrigues, Augusto Rodrigues, Fernando José Ferreira e Álvaro de Paula Dias Nogueira –empenharam-se na criação da Associação Educativa e Recreativa de Góis, AERG, uma das mais prestigiadas instituições do concelho. Fundada no dia 1 de Setembro de 1939, a AERG instalou-se no edifício do Cine Teatro – cuja construção começou em 1912 e que deu origem à actual Casa da Cultura, inaugurada em 2013 - , onde foram criadas as condições necessárias para os ensaios do rancho e da banda, a Filarmónica de Góis, ressurgida em 1933, e para o funcionamento de uma moderna e acolhedora sala de espectáculos.
Mas, além da vertente cultural e lúdica, a AERG também demonstrou um elevado sentido de cidadania e espírito solidário. Sinal disso, segundo reza a história, foi a
criação de uma comissão, que integrava «distintas senhoras do concelho», que se juntavam um dia por semana para a confeção de «vestuário e agasalhos para os mais necessitados», designadamente seniores e crianças. A distribuição era feita por alturas do Natal, juntamente com brinquedos, alimentos e dinheiro. Foi também com esse mesmo sentido cívico que surgiu a preocupação para a criação de um corpo de bombeiros, que prestasse auxílio, proteção e socorro sempre que fosse necessário. Também é no seio da associação que surge a Casa de Saúde Rosa Maria, um projeto benemérito do eng. inglês Stanley Mitchell (posteriormente transferida para a Santa Casa da Misericórdia), bem como a Sopa dos Pobres (que acabaria por ser o embrião do Centro Social Rocha Barros).
O desporto foi outra das áreas de intervenção, com destaque para o futebol, que funciona como secção autónoma. Um projeto que ganha forma no início dos anos 80, por iniciativa de um grupo de jovens, amantes do desporto, sobretudo do futebol. Uma secção que disputa os campeonatos distritais seniores da Associação de Futebol de Coimbra e, além da equipa sénior, tem juvenis, iniciados, infantis e juniores, e tem-se revelado, ao longo destas quatro décadas,
Fernando José Ferreira e Adelino da Costa Alves Ribeiro, ambos antigos executantes, foram os impulsionadores da nova associação, fundada a 9 de Abril de 1933.
Ismael Silva, professor no Conservatório de Música de Coimbra é o maestro da filarmónica, que atualmente ronda os 25 elementos e nunca ultrapassou os 35. Tem a particularidade de, historicamente, cativar vários núcleos familiares, o que significa que no palco se encontram pais e filhos, tios e sobrinhos e até alguns avós.Aqualidade dos músicos sempre foi uma das referências da banda, com alguns dos músicos a frequentarem o Conservatório. A maior dificuldade prende-se com o “crescimento” dos jovens, que os leva, primeiro para a universidade e depois no mercado de trabalho, o que significa uma vida noutras paragens, longe de Góis. A banda tem dois CD, um gravado com outras filarmónicas e outro a solo.
A escola de música é outra valência, relevante para a formação, mas que «nem sempre tem conseguido reunir os alunos que desejaríamos». Uma situação que leva a direção a defender a necessidade de «criar outro tipo de dinâmicas para atrair os jovens» e «incrementar a escola de música». «Dinâmicas» que pretende estender ao Coro Misto, procurando «cativar mais pessoas» e manter a muito boa “onda” em que se encontra a Secção de Futebol.
FILVAR JOVEM E REJUVENESCIDA
1968 Filarmónica Varzeense, fundada em 1902, cessa a atividade em 1932. 36 anos depois regressa em força e hoje é uma das bandas mais jovens da região
António Alves é o percussionista de serviço já lá vão 54 anos. «Diz sempre que é o último ano», refere o presidente da direção, satisfeito por o músico não levar as palavras à letra e continuar ao serviço. «É uma vida dedicada à filarmónica, um exemplo para os mais novos», sublinha Bruno João Martins.
São 40 elementos, entre os 10 e os 20 e poucos anos e um ou dois com mais de 30. António Alves é o mais velho, mas ainda não chegou aos 70. Entrou para a Associação Desportiva Recreativa e Cultural Filarmónica Varzeense (FILVAR) em 1968, altura em que a banda regressou ao activo, depois de 36 anos de inatividade. O forte surto migratório e o envelhecimento dos elementos da banda terão ditado o fim da Filarmónica Varzeense, fundada a 5 de Abril de 1902, que se manteve ativa até 1932. Depois, foi a travessia do deserto,
até que, em 1968, se desenvolve um movimento forte, apostado no ressurgimento. No dia 1 de janeiro de 1969 assiste-se à primeira apresentação pública, já com um total de 30 executantes.
Era o renascer da centenária filarmónica, que ao longo destes últimos 54 anos teve na figura de Amorim Garcia um dos seus grandes pilares. «Foi durante 35 anos presidente da direção», diz João Bruno Martins, destacando o grande empenho deste timoneiro da banda que foi, de resto, quem, já doente e bastante debilitado, “empurrou” o atual presidente para «esta aventura».
Uma aventura que não tem corrido mal, confessa o responsável, que assumiu o cargo em 2014. Na altura, recorda, a filarmónica «tinha 14/15 elementos», quase fazendo lembrar um passado mais distante, que levou ao encerramento. Todavia, “contra ventos e marés”, a banda começou a afinar o seu rumo.
O maestro, Nuno Beata, também ele muito jovem, atualmente com 33 anos, «ajudou muito», sublinha João Bruno Martins, que destaca o grande trabalho na reorganização da Escola de Música, que «passou a funcionar com um professor para cada naipe de instrumentos», e que
tem promovido a música e incentivado os jovens a prosseguirem os estudos musicais no Conservatório.
Com uma inquestionável aposta na qualidade musical e na renovação do reportório, a FILVAR apresentou, no passado dia 1 de maio, o seu primeiro CD, intitulado “Retratos de uma história”. Um projeto que surge praticamente com dois anos de atraso relativamente ao previsto, devido à pandemia, e que representou uma motivação acrescida para os músicos nestes tempos mais complicados, sem atuações, sem saídas. O presidente considera mesmo que este foi o “segredo”, a «motivação extra» que manteve os músicos empenhados, facto que impediu, como aconteceu noutras filarmónicas, o abandono. Em Vila Nova do Ceira, pelo contrário, a banda cresceu em número, com o dia do lançamento público do CD a ser aproveitado para a apresentação de oito novos elementos da banda. «Esperamos que para o ano entrem mais três ou quatro», vaticina, confiante, o presidente.
João Bruno Martins destaca o apoio da Câmara Municipal de Góis, da Junta de Freguesia de Vila Nova do Ceira e da Cooperativa Social e Agro-Florestal, sem os quais «não seria possível continuarmos», tendo em conta as muitas despesas a que é preciso fazer face.
A começar pelo fardamento. Se a juventude é um sinal muito positivo, em termos de futuro, também é verdade que dá dores de cabeça acrescidas, uma vez que os músicos crescem todos os dias e as calças, camisas e casacos não têm ritmo de crescimento. «Estamos a fazer uma reestruturação total», conta o presidente. «Já gastámos seis mil euros e ainda falta mais de metade da farda», adianta, agradecendo a parceria destes três mecenas. «A população também ajuda bastante», afiança, referindo o resultado dos peditórios feitos ocasionalmente.
Outra despesa, igualmente significativa, está nos instrumentos, em termos de aquisição ou manutenção, pois são sempre custos muito significativos. João Bruno Martins refere, também, o facto de alguns dos músicos já possuírem o seu próprio instrumento. Na maioria dos casos são jovens que frequentam o Conservatório de Música, em Arganil ou em Coimbra. «Temos 15 jovens no Conservatório», remata, com orgulho.
Diário de CoimbraAGARRAR A ARTE À TERRA
que anos mais tarde inspiraram várias exposições e um espólio que a artista ofereceu à Biblioteca Municipal.
Também foi esta paixão pela fotografia que motivou o encontro com Alice Sande, alertada por uma amiga para o trabalho artístico de Madalena Bandeira. A residirem praticamente frente a frente, no Largo do Pombal, Alice e Lénita deram início a uma sólida amizade e a uma cumplicidade única.
1996 Góis Arte aproximou a arte e os artistas do território, criou raízes sólidas e ganhou dinâmica internacional. São 26 anos de história
José Cabeças (1952-2013), presidente da Câmara Municipal de Góis, decide avançar com uma ideia inovadora e transformar Góis num palco vivo de criação artística. Um projeto que teve a sua estreia em 1996 e se transformou numa referência nacional e internacional. Armando Martinez, o escultor galego, é presença obrigatória desde a primeira edição. Lénita de Góis, uma artista da terra, estreou-se e ganhou asas neste espaço de criatividade e de convívio, onde os artistas dialogam entre si e conversam com o público. Um verdadeiro banho de cultura, inspirado pela frescura das águas do Ceira e pelas frondosas árvores do Parque do Cerejal. «Ficava nas nuvens, estava no meu mundo», conta-nos Madalena Bandeira, que adotou o nome artístico de Lénita de Góis. «Era uma autêntica festa. Saía de mim, era outra pessoa», diz ainda Lénita, que deixava, definitivamente, para trás das costas os problemas de saúde e as diferenças e se entregava de corpo e alma à fruição destes momentos únicos.
Alice Sande (1925– 2005), conhecida pintora e miniaturista, foi o “guia” de Lénita na
primeira edição do Góis Arte. «Perguntou-me se eu queria participar» e a resposta foi imediatamente um grande sim. Era mais um passo, dos muitos, em que Alicinha, como é ternamente chamada pela família, teve uma influência grande na vida da artista. «Foi uma grande amiga e ajudou-me muito», recorda.
Especialmente protegida pela família, Lénita começou a demonstrar os seus dotes artísticos na cozinha, incentivada e orientada pela mãe, esmerando-se na confeção de pastéis de massa tenra, rissóis e pasteis folhados, só para dar um exemplo. Seguiu-se a descoberta do mundo dos bordados. «Não há ninguém na família que não tenha um bordado da Leninha», adianta Luci Bandeira, a irmã. Mas sobrava sempre tempo à pequena Lénita, ávida de mais e mais experiências. «Comecei a fazer quadros com grãos de arroz, que colava», recorda. Teria, talvez, uns 12 anos. E também começou a fazer flores com pinhas.
Uma verdadeira revelação e revolução foi a máquina fotográfica que um tio, vindo do Brasil, lhe ofereceu. Nasceu, assim, a sua grande paixão pela fotografia. «Era uma oportunidade para sair de casa», confessa. A máquina estava sempre consigo e, com 12 anos, começou a fotografar portas e janelas antigas, dando origem a uma coleção notável, secundada por outras, de figuras características da terra e de crianças,
«Vi nascer muitas das suas obras», diz, referindo-se às miniaturas que projetaram o nome de Alice Sande. «Incentivou-me a pintar», adianta, assumindo que até então nunca tinha feito a experiência. «Já fazia desenho, sobretudo desenho de moda»ainda hoje uma das suas grande paixões –mas nunca tinha pintado. «A Alicinha deu-me a picada da abelha e comecei a pintar», conta, recordando que a miniaturista lhe ensinou duas técnicas que permitem obter um «efeito muito bonito»: «pintar com esponja e com o dedo». Lénita descobre uma nova vocação e, quando surge o Góis Arte, não tem dúvidas em marcar presença com a sua obra e com a sua pessoa.
Um mundo a descobrir e de descoberta. «Gostava de conhecer outros artistas» e o Góis Arte tornou isso possível. Lénita de Góis – nome dado por José Cid (amigo de Alicinha), que a artista decidiu adotar como nome artístico – lembra a vontade que tinha de conhecer Mário Silva, depois de ver uma reportagem onde o artista queimava quadros por causa do pagamento de impostos. «Tive a felicidade de o conhecer», precisamente no Góis Arte, assim como muitos outros artistas. Fernando Martins, Camarro, Armando Martínez são alguns exemplos. «Não era só uma exposição, era uma convivência» e «aprendi muito, porque via os outros artistas a trabalhar». Logo na primeira edição, Mário Silva definia a sua obra: «naïf puro!», recorda.
«Foram anos muito bons», afirma, assumindo que uma fratura na bacia agravou os seus problemas de saúde levando-a pôr um ponto final na participação no Góis Oroso Arte e nos muitos passeios que, na companhia dos amigos, fez de Norte a Sul do país, Açores e Madeira, França e Espanha.
O braço já “não ajuda” para a fotografia e as tintas e pincéis descansam no atelier. Continua a desenhar modelos, uma paixão desde criança, e assume que gostava que alguém da área do design de moda a “picasse”.
44 Góis Oroso Arte 90 anos com Góis Diário de Coimbra Artista Lénita de Góis, homenageada na última edição do Góis Oroso ArteGóis 32-48 05/08/2022 18:01 Página 45
Homenagem sentida
Lénita de Góis, atualmente com 68 anos, foi surpreendida, no passado mês de Julho, com uma homenagem integrada na 26.ª edição do Góis Oroso Arte. «Não estava a contar», conta, ainda incrédula. A irmã e o cunhado disseram-lhe - para a convencerem a estar presente - que a Alicinha iria ser homenageada. «Vi-me ali na frente e pensei que fosse por causa da minha dificuldade em subir»». Depois vem o filme e, no ecrã, as palavras: “Homenagem a Lénita de Góis”. «Fiquei sem pinga de sangue». Começaram, depois, a passar imagens de alguns dos melhores momentos da sua vida, com familiares e amigos, no Góis Arte. «Não é uma homenagem à Alicinha! Porque é que eu estou ali?», perguntava a si mesma, sem encontrar resposta. Ouviu, ainda a amiga Noémia Lopes, emocionada, ler um poema, e continuando sem palavras, viu uma réplica gigante de uma pintura sua, de autoria de Alice Sande, colocada à entrada da sua casa. «Foi uma festa muito bonita, que me tocou bem no fundo», diz agora, agradecida, mas ainda incrédula com a homenagem que lhe foi feita.
26 anos de serviço empenho e dedicação
nome do artista galego tornou-se indissociável do Góis Arte.
Armando Martínez empenhou-se, ainda, em criar uma proximidade entre os municípios de Góis e de Oroso, porque entendeu que este era um excelente caminho para a internacionalização do certame. Todavia, «quando os dois presidentes se mostraram de acordo», fez questão de «sair de cena».
Os municípios assinaram um acordo de geminação em 2007, ano que consolidou, igualmente, uma nova designação ao certame – Góis Oroso Arte, que passou, além do evento realizado em Góis – que inclui a exposição na Casa do Artista – a realização de uma segunda exposição, em Oroso.
«Depois de 25 anos, decidi sair», confessa o artista, que refere, igualmente, a mudança na presidência da Câmara, com Rui Sampaio (PSD) a suceder a Lurdes Castanheira (PS).
«26 anos são 26 anos», afirma Armando Martínez, o escultor galego que praticamente adotou Portugal e que o país reconhece como um “dos seus”. «Praticamente 60% dos meus trabalhos estão em Portugal», diz. Em 1996, no ano de estreia do Góis Arte, um amigo falou-lhe do evento e desafiou-o a participar, para dar um certo “peso” ao evento, em fase de criação. Foi o mote para uma relação duradoura, já com 26 anos.
Armando Martinez recorda a «conexão» imediatamente estabelecida com o então presidente da Câmara de Góis, que o levou a ficar ligado à organização. Com o objetivo de «motivar os artistas» a participarem no Góis Arte e «dar projeção ao evento», os desafios seguiram-se, ano após ano e o
Todavia, ainda não foi na 26.ª edição que isso aconteceu. «O presidente da Câmara convenceu-me», confessa Armando Martínez, que reconhece que, efetivamente, como diz o presidente da autarquia, é ele quem tem o “know how” da organização do certame, conhece os artistas e tem os contactos.
O objectivo é começar a preparar alguém, que «me possa substituir», adianta, empenhado na continuidade do evento.
Escultor galego está ligado ao certame desde a primeira edição e tem sido um pilar essencial na organização e dinamização do evento
Diário de Coimbra 90 anos com Góis Góis Oroso Arte 45 Armando Martínez é presença obrigatóriaSEMPRE ALERTA PARA SERVIR
1956 Associação Humanitária dos Bombeiros de Góis, criada a 14 de setembro de 1956. Uma resposta pronta ao serviço da população
Não há gente». O desabafo é do presidente da direção dos Bombeiros Voluntários de Góis, que procura profissionais para a criação da terceira equipa de intervenção permanente e não encontra. «Talvez em setembro», adianta, otimista. A falta de pessoas, de «gente», como diz Renato Souza no seu português do Brasil, constitui uma dor de cabeça dentro e fora do quartel. No primeiro caso, porque é importante e necessário reforçar a frente humana da associação, que tem cerca de 60 bombeiros e 26 funcionários, repartidos pelo quartel-sede, em Góis, e pelo quartel de Alvares. «O concelho tem pouca gente», sublinha, lembrando que os jovens saem, depois de concluírem o 9.º ano, para prosseguirem os estudos e o seu «regresso não é fácil». Ou seja, a “matéria-prima”, os recursos humanos, escasseiam. Da mesma forma que escasseia população, num território vasto, com 263 quilómetros quadrados e menos de quatro mil habitantes. Mas os problemas não se ficam por aqui. «Temos uma população muito envelhecida», residente em «zonas muito dispersas» e que «carece de mais cuidados».
O retrato do concelho impõe, ainda, a referência a outra realidade, que se prende com o facto de não existirem «grandes empresas» que possam ajudar os bombeiros, que vêem os apoios limitados às juntas de freguesia e à Câmara Municipal, com o município a assumir uma posição essencial. «Se não fosse a Câmara Municipal, já tínhamos fechado a porta», diz, meio a sério, meio a brincar, Renato Souza, dando uma imagem realista do que se passa na associação. Uma situação agravada, primeiro pela pandemia, depois com os reflexos da guerra na Ucrânia. Uma realidade difícil, partilhada com grande parte das corporações do país, mas que em Góis tem um impacto acrescido.
«Temos dois quartéis», alerta o presidente, o que «praticamente duplica a despesa», faz notar. Exemplifica com os combustíveis,
que representavam, em média, uma despesa mensal de 5 mil euros e agora, com os constantes aumentos, «ultrapassa os nove mil euros». A propósito, agradece a «benevolência» dos fornecedores, particularmente da empresa Alves Bandeira, uma vez que não tem sido possível pagar todas as contas no final do mês. As receitas não crescem, bem pelo contrário e as despesas “não perdoam”, com o pagamento de salários, Segurança Social e a fornecedores, refere, preocupado, o presidente da direcção, que termina o segundo mandato no final deste ano.
«Dificuldades de gestão», que a direção procura resolver e, sobretudo, manter “distantes” da operacionalidade do serviço, garantindo «uma resposta pronta e eficaz na proteção e socorro das populações».
Uma gestão espartana e o apoio das juntas de freguesia e do município permitiu a realização, recente, de pequenas melhorias no quartel de Góis – inaugurado a 13 de agosto de 1981 - e uma intervenção de maior vulto, ainda não con-
cluída, no quartel de Alvares, secção que começou a funcionar a 12 de fevereiro de 1984. Obras orçadas em 12/15 mil euros, que envolvem a ampliação da cozinha e do refeitório e a criação de novos balneários, de “primeiro embate”, com o objectivo de «garantir melhores condições» aos operacionais desta segunda secção.
Quanto a equipamento, «estamos relativamente bem» em termos de combate a incêndios, se bem que a frota inclua «dois carros já bastante antigos». «As ambulâncias são o maior problema», admite Renato Souza. «Temos viaturas já com muitos quilómetros, que já nos causam problemas de oficina», explica, apontando as grandes distâncias que estes veículos percorrem no transporte diário de doentes para consultas em Coimbra, Pombal, Arganil, Poiares, Lousã e Góis. Por isso, entende que a maior prioridade é o investimento em três novas ambulâncias, duas para a sede e uma para Alvares, para substituir as que estão em final de vida.