Diário de Coimbra
90 anos com Penela Introdução
90 anos com Penela
Os romanos andaram por aqui e deixaram um vasto legado. Testemunhos únicos da arte e da vivência do Império, compaginados nas villas romanas do Rabaçal e de São Simão. Mas este povo aguerrido e de vocação guerreira deixou, também, essa herança às gentes de Penela. Um território que teve uma posição de charneira na defesa de Coimbra, no tempo da Reconquista Cristã, e mantém, hoje, esse espírito guerreiro, resiliente, aventureiro, que eleva Penela a um patamar cimeiro na inovação, no empreendedorismo. Os empresários são o testemunho vivo
dessa dinâmica de excelência, com uma mão cheia de empresas de referência a nível nacional e internacional, que justificam que Penela ostente o título de Região Empreendedora 2023.
Podemos encontrar, ainda, a herança do Império nos hábitos e nas tradições peculiares deste território, berço do icónico Queijo Rabaçal, do mel, do azeite do Vinho Terras de Sicó e das nozes. Nozes vendidas, há séculos, na Feira de São Miguel, definindo o preço do mercado em todo o país.
Uma terra com pergaminhos que deu ao país e ao mundo figuras inspiradoras
como o historiador Salvador Dias Arnaut ou o ideólogo e mentor do Serviço Nacional de Saúde, António Arnaut.
É a Penela que o Diário de Coimbra dedica a revista que hoje publica e que encerra o projeto editorial que assinalou as nove décadas de publicação do jornal. Muito fica por dizer sobre esta terra, onde a natureza quis ser pródiga, a história traçou marcos incontornáveis e os homens continuam a dar o melhor de si. Convidamos o leitor a embarcar connosco nesta despretensiosa viagem de memórias e a deixar-se envolver pelo encanto de Penela.
TÉCNICA Setembro de 2022
Director: Adriano Callé Lucas
Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo
Coordenação editorial: Manuela Ventura Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Manuela Ventura
Fotos: Figueiredo, Ferreira Santos, “Soprador do Carvalho”, Arquivo e D.R.
Vendas: Luís Ferrão Design gráfico: Pedro Seiça
Publicidade: Carla Borges e Rui Semedo
Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA
Tiragem: 10 mil exemplares
O Diário de Coimbra na afirmação dos territórios de baixa densidade
Ao longo dos últimos 90 anos, o Diário de Coimbra constitui-se como difusor e defensor da região das Beiras. Como regionalista assumido, continua a desenvolver um relevante serviço de interesse público, nos princípios da liberdade, da isenção e do rigor.
Só assim se consegue também entender a longevidade do Diário de Coimbra, o mais antigo diário português. Manter a população informada, escrutinar a vida pública e acompanhar e divulgar as conquistas e preocupações da região é um importante serviço que o Diário de Coimbra presta à democracia. Mas é, também, um elo fundamental para a coesão territorial da nossa região e para a afirmação dos municípios de baixa densidade populacional, como é o caso de Penela.
Esta revista sobre o passado, o presente e os desafios do futuro deste município, que remonta ao século XII, representa um momento de reflexão, mas, sobretudo, de afirmação do nosso território, das nossas tradições, da nossa cultura, das nossas gentes e do nosso tecido empresarial.
O mel, as nozes, o queijo do Rabaçal DOP, os vinhos Terras de Sicó, o azeite, a gastronomia e todos os produtos endóge-
nos de que nos lembramos, são um excelente exemplo de que as nossas raízes mais profundas são, simultaneamente, uma oportunidade de projeção de Penela na região, no país e no mundo. O mesmo podemos dizer do nosso património histórico e natural, como o Castelo, a Pedra da Ferida, a praia fluvial da Louçainha, as Aldeias do Xisto, as grutas, entre outros, assim como as nossas soberbas paisagens que as serras e vales proporcionam e que tão importantes são para a nossa economia local.
A valorização destas potencialidades do concelho de Penela é um desafio permanente. Como também o é o crescimento do nosso tecido empresarial. Como município de baixa densidade populacional, não podemos aceitar este status quo de braços cruzados. Ao invés, temos de encontrar ferramentas para ultrapassar as nossas dificuldades, passando invariavelmente por uma aposta clara nas pessoas e na qualidade de vida.
A somar aos efeitos da pandemia da Covid-19 e à guerra na Ucrânia, com tudo o que isso representa para a nossa vida coletiva, este é mesmo um dos grandes desafios que temos pela frente. Explorar ao máximo as potencialidades do nosso território, com o objetivo de tornar Penela melhor, mais resiliente, com pessoas e empresas mais capacitadas, conciliando atividades tradicionais com novas atividades económicas e tornando-a mais atrativa para famílias e empresas.
Foi neste sentido que, em junho de 2022, fomos distinguidos com o prémio “Penela - Região Empreendedora da Europa
2023”, a par de Barcelona (Espanha) e da Pomerânia Ocidental (Polónia), uma escolha da Comissão Europeia e do Comité das Regiões, que muito nos honra. Apesar de este ser um prémio importante – e que, naturalmente, muito nos orgulha -, esperamos que ajude a impulsionar a atratividade do nosso território no futuro, atraindo empresas e pessoas, resultando num reforço das nossas políticas públicas e numa motivação extra para o que temos de continuar a fazer em prol dos que aqui lutam diariamente para vencer. E, assim, teremos em Penela mais igualitária, com mais emprego e mais pessoas para usufruir tudo o que de bom o nosso concelho tem para oferecer, entre as quais uma qualidade de vida invejável e de grande centralidade no território nacional.
Em todo este processo, também o Diário de Coimbra, como todos os órgãos de comunicação social locais e regionais, assumem relevante importância. Porque esta é, de certa forma, uma luta por Penela, pela Região de Coimbra e das Beiras, e contra o centralismo. Também por isso, desejo longos anos de vida ao Diário de Coimbra e congratulo todas e todos os que diariamente trabalham para que a edição esteja novamente nas bancas na manhã seguinte.
Eduardo Santos Presidente da Câmara Municipal de Penela
Temos que encontrar ferra mentas para ultrapassar as nossas dificuldades, passando invariavelmente por uma aposta clara nas pessoas e na qualidade de vida
RABAÇAL: VILLA ROMANA DE EXCELÊNCIA
Desengane-se quem pensa que a Villa romana do Rabaçal não era mais do que uma quinta, um espaço de produção destinado a abastecer a civitas, Conimbriga, a 12 km. Desempenhou, seguramente, esse papel. Mas teve, garantidamente, outro desempenho, outro “status”. Uma dimensão e notabilidade muito peculiares. Não se sabe o nome da propriedade nem quem era o seu senhor. Sabe-se, isso sim, que se trata de um sítio único, pleno de singularidades, que lhe conferem uma importância acrescida no registo da presença romana no território. Uma villa, pequena, mas que ostenta largos recursos técnicos e artísticos, sinal claro de opulência económica.
Miguel Pessoa, o arqueólogo que acompanhou passo a passo a “descoberta” do sítio e as escavações, orienta-nos nesta viagem pela Villa romana, que visitou pela primeira vez em 1979, na sequência de uma
batida de campo, destinada a reunir dados para a CartaArqueológica dos sítios romanos da área de Conimbriga.
As escavações começaram em 1984. «Não chegámos ali por obra de nenhuma inspi-
1984 Trabalhos arqueológicos arrancam em 1984 e mostram resultados surpreendentes. Únicos em território nacionalPequena villa é grande na dimensão do património e na sua singularidade
ração», sublinha, lembrando todo um trabalho prévio que envolvia este sítio, localizado no vale do Rabaçal, na base do monte Maria Pares. A existência de vestígios romanos nesta zona já era conhecida, pelo menos desde 1905, através de uma referência de Santos Rocha a um fragmento de baixo-relevo ali encontrado. Papel decisivo assumiu o padre José Bento Vieira, natural de Eira Pedrinha (Condeixa), que «estava familiarizado com os mosaicos de Conimbriga» e que em 1952 assume a paróquia do Rabaçal. Em resposta ao inquérito feito por João Manuel Bairrão Oleiro, do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1956), refere que «em determinado local da aldeia de Ordem há vestígios evidentes de um sítio romano. Quando lavram as terras vêm à tona pedrinhas (tesselas) como as dos mosaicos de Conimbriga», referia
O investigador alerta para o «interesse comercial» que alguns antiquários começaram a demonstrar por estas descobertas, facto que tornava urgente a intervenção.
Foi essa tomada de consciência que levou Miguel Pessoa, apoiado por um grupo de voluntários, a empenhar-se num programa de investigação arqueológica, devidamente aprovado pela tutela, que arranca em 1984. «Chegámos na hora H. A família que agricultava a terra era das mais pobres do lugar. O terreno era arrendado e só possuía um animal e um arado rudimentar», recorda. «Foi uma sorte», diz, admitindo que a entrada de um trator no terreno teria representado um “desastre”.
Logo nas primeiras escavações, feitas com a ajuda de voluntários – um paradigma que se manteve sempre –, é detetada a existência de «mosaico com motivos decorativos sem paralelo em Portugal». No ano seguinte, em 1985, os trabalhos trazem à luz do dia um peristilo octogonal de 24 colunas com plintos também octogonais, corredores decorados com baixos-relevos, mosaicos das estações do ano (Outono e Verão) e materiais cerâmicos e numismáticos datados do século IV d.C.». Praticamente todos os anos se realiza uma campanha, que permite pôr a descoberto toda a área urbana, bem como o balneário e a “pars rustica”. Um programa que se estende até 2017, altura em que as escavações são dadas por concluídas. «Acreditamos ter descoberto o essencial da casa», afirma. Todavia, foi deixada uma zona por escavar junto à “pars
urbana”. Trata-se de uma “reserva arqueológica”, que permite, no futuro, com outros métodos, retomar a investigação.
Momentos marcantes
Miguel Pessoa recorda momentos curiosos, como o facto de, logo no início, quando não havia um espaço onde se pudesse guardar o espólio recolhido nas escavações, este ficar «em casa dos moradores». Um dado «muito positivo», considera, pois criou uma «proximidade» e uma «relação de confiança» ímpares com as gentes do território. Uma situação resolvida quando a Junta de Freguesia do Rabaçal cedeu um espaço e, mais tarde, com o empenho do município na construção do Museu.
Momentos «marcantes» não faltam neste exercício de mais de três décadas. «Quando apareceram as estações do ano ou quando percebemos que não estávamos perante uma construção longitudinal», exemplifica, apontando o epicentro da casa senhorial, com um «centro octogonal, como a rosa dos ventos, orientado segundo os pontos cardeais». «Começámos a perceber que não tínhamos nada semelhante. A casa não era como as outras», sublinha.
Era a grande descoberta, o “segredo” da Villa romana do Rabaçal, «um centro na periferia». Periferia porque afastada do centro da civitas, mas no “centro” pela relevância da arquitetura, «sem paralelo na Lusitânia». Pela «elevada qualidade» dos baixos-relevos, em mármore, proveniente de Vila Viçosa ou de Borba, que não se sabe se teriam chegado ao Rabaçal já
prontos ou em blocos e produzidos aqui, sendo certo que não foram encontrados vestígios da oficina. Isto para já não falar dos mosaicos policromos «com motivos decorativos sem paralelo em Portugal».
O investigador destaca o tempo como um elemento central nesta construção, um “modelo” que tem semelhanças com a Villa de Valdetorres de Jarama, perto de Madrid, ou a Villa de Palazzo Pignano, próxima de Milão. «Os pontos cardeais são a disposição do tempo», diz, o mesmo acontecendo com os icónicos quatro mosaicos, a alegoria que representa as quatro estações, um dos “ex libris” do Rabaçal.
O sentimento de que «esta casa não era como as outras» «incomodava», «levantava questões». «Teria que ter uma área rústica e um balneário», estruturas que, explica, «normalmente são contíguas» à casa senhorial, o que aqui não acontecia. «Estava tudo separado». A Villa rustica, localizada em 1987, encontra-se a 200 metros da residência, para norte. Também distanciado está o balneário, posto completamente a descoberto em 2000. Será um dos «mais ocidentais balneários» do império, com capacidade para comportar 10 a 15 utentes, escreve Miguel Pessoa. Estaremos «face à mais diminuta dimensão de balneário do Império», que «contrasta com as termas públicas de Conimbriga, que poderiam comportar cerca de uma centena de utentes em simultâneo, e com as Termas de Caracale e de Diocleciano, em Roma, que podiam servir cerca de 1.700 pessoas», adianta.
Uma disposição que “exige” justificações.
Villa romana do Rabaçal 90 anos com Penela
Diário de Coimbra
À espera de cobertura
O sítio arqueológico abriu ao público em 1997. Sónia Vicente acompanha-nos na visita. Com uma pá e uma pequena vassoura, afasta cirurgicamente a camada de areia que encobre o corredor. Escolhemos o mosaico do verão e é esse que nos mostra. «As tesselas são muito pequenas», apresentando uma «densidade de 250/50». «Mosaicos que revelam que os artistas eram grandes especialistas», diz. Sob um sol escaldante, o mosaico apresenta-se, quase brilhante, com as cores particularmente vivas. «É da humidade», explica a arqueóloga. O castanho das tesselas ganha tons avermelhados e o cinza quase parece azul. Sónia Vicente chama a atenção para o vidro azul, a imitar as safiras e o amarelo que dá o tom do ouro. Vidro também presente nos brincos, na teara e no colar da figura. A responsável pelo Museu da Villa Romana repõe a areia no lugar. É a forma de manter os mosaicos protegidos até à chegada de novos visitantes. Em média são 10 mil visitantes/ano.
Uma situação que certamente se vai manter enquanto a Villa romana não tiver outra forma de protecção. A cobertura é uma luta com quase 40 anos. «Se queremos deixar alguma coisa para o futuro, temos que proteger o que temos», alerta Sónia Vicente.
Siza Vieira fez um projeto, posto de lado tendo em conta o investimento vultuoso. Posteriormente, o município lançou um concurso de ideias para o Complexo Arqueológico do Rabaçal, cujo vencedor foi conhecido no início do ano 2020. Falta avançar com o segundo concurso, com vista à adjudicação da obra. O objetivo, explica a arqueóloga, é proceder à cobertura do espaço e criar ali o Museu/Centro de Interpretação, deslocalizando-o do centro da vila.
«Estamos no século IV, no fim do Império. As elites estão mais vincadas, os ricos mais ricos e os pobres mais pobres», faz notar, chamando a atenção para o poder económico que, garantidamente, o proprietário da mansão detinha. “Argumentos” que lhe permitiram «construir uma mansão e localizá-la num sítio. Há gosto, meios. A casa já não está na fábrica de produção agrícola. A casa quer ser um sinal na paisagem», adianta. É «uma casa para todos verem e admirarem», diz, reportando-se à observação do arquiteto Siza Vieira que «ficou encantado» quando visitou o local.
Questões sem resposta
«Esta família pode construir onde quer». Tem o poder dos meios e também a exigência estética de fazer novo e fazer diferente. A Villa romana do Rabaçal surge, por isso, como «um centro na periferia», para «valorizar o diálogo campo-cidade» e para veicular «uma produção artística genuína pelo seu ecletismo». O “encomendador” está longe de quaisquer «constrangimentos económicos» e, sobretudo, está «animado pela vontade de afirmação do seu nobilitante status».
Não se sabe quem é o proprietário. «Não sabemos se é cristão, se é pagão», diz Miguel Pessoa, confirmando a localização de um edifício, na “pars urbana”, em 1988, “interpretado” como sendo um «local de culto paleocristão». «Tudo convivia nessa época. As moedas têm símbolos pagãos e cristãos», adianta. «É o tempo da mudança», com o Império a ter o seu fim em 408/410.
Todavia, foi encontrada uma peça, um peso de tear, com uma dedicatória a Lucius Valeria. «Será a família Valeria, muito co-
nhecida em Conimbriga, que tem ali a sua casa de campo? Será a família Valeria a grande proprietária rural» num território com mais de 100 hectares?, pergunta. Uma questão que continua sem resposta, embora a peça esteja a ser estudada. «Não temos uma inscrição num mosaico que esclareça o nome da família». Todavia, é certo que é «alguém do mundo, com visão» e também com ligações ou contactos longínquos, designadamente com o Oriente. «As grandes escolas de mosaico estão no Oriente», sublinha, destacando a «arte de luxo» que se vê no Rabaçal, já com recurso ao vidro de diversas cores, é uma «coisa rara», que «tem a força de nos interrogar, sem conseguirmos responder. Sabemos que estas artes vão surgir em Ravena um século depois», o que permite falar num «prelúdio da arte bizantina», onde os mosaicos passam a usar «pasta dourada». «Aqui não há pasta dourada, mas há vidro e jogos e cores». Vidro que vamos encontrar mais tarde, nos vitrais, na Idade Média, adianta.
Segundo Miguel Pessoa, só metade dos mosaicos da Villa romana do Rabaçal chegou aos nossos dias. Sobretudo, «faltam as figuras mais complexas», designadamente os quatro bustos que estariam no centro do triclínio, cujos escassos fragmentos indiciam que «deveria ser uma sala magnífica». As figuras das quatro estações, encontradas no corredor, já por si são «uma espécie de ícone bizantino», mas as que “desapareceram" «eram de uma finura fantástica, muito elaboradas, com um traço feminino muito realçado», explica. «A qualidade supera a quantidade», sintetiza Miguel Pessoa, convicto que as obras do Rabaçal representam um prelúdio da arte bizantina.
Sónia Vicente é a arqueóloga responsável pelo sítio e pelo Museu do Rabaçal
Museu mostra e reabilita espólio
2001 Inaugurado a 5 de maio de 2001, o Museu/Centro de Interpretação está no centro da vila do Rabaçal. É um espaço de trabalho, onde a equipa procede à catalogação, identificação e tratamento e restauro das peças recolhidas no Rabaçal (e também na Villa romana de São Simão). Um espaço onde a paciência é a palavra-chave, pois é necessário encontrar a peça certa que encaixa naquele local preciso. Quase parece um puzzle, onde as peças são pedaços de cerâmica ou outro material e o objetivo é reconstruir o que o tempo e o homem danificaram.
No primeiro piso, destaque para o marco miliário, que indica a milha oitava e teria sido colocado no tempo do Imperador Décio (249-251dC) e um arado contemporâneo, embora rudimentar. Arado que marcou, durante séculos, frisos na pedra, que só foi descoberta com a intervenção de um trator, que fraturou o marco, roubando-lhe a forma cilíndrica.
Destaque, ainda, para o mosaico pavimentar, que dever ser observado de cima, e «dá a ideia de movimento». Um trabalho de mosaicistas locais, com base num desenho oferecido por Eduardo Nery, bem como a imagem da padroeira do Rabaçal e patrona dos fabricantes de perfumes, Santa Maria Madalena, descoberta em 2006, junto ao adro da Igreja Matriz, aquando da construção da rede pública de abastecimento de água. Num dos cantos, uma grande talha de cerâmica, proveniente da “pars rustica” da villa, onde se presume que tenha existido, anteriormente, outra exploração agrícola.
No piso superior, as atenções vão todas para a exposição permanente “Villa romana do Rabaçal: era uma vez”, que inclui material recolhido entre 1984 e 2001, tendo em conta que a mostra foi concebida para a abertura do Museu, refere Sónia Vicente, fazendo notar que existe muito mais material, todo ele inventariado.
Miguel Pessoa foi o “ideólogo” da exposição. «Foi um trabalho a quatro mãos», diz, destacando a colaboração do antropólogo Lino Rodrigo e o apoio do designer José Luís Madeira. As peças foram selecionadas entre alguns milhares e a sua contagem revelou um número surpreendente: 365. «Exatamente o número dos
dias do ano». Hesitantes relativamente ao rumo a tomar, os investigadores acabam por seguir a metodologia usada pelos chineses, de separação por materiais, sugerida por Lino Rodrigo.
A exposição permanente apresenta-se organizada por núcleos, cada um com os necessários desdobramentos, que contemplam a pedra, o metal, a cerâmica, o vidro, o Homem e Mulher – como «fazedores e refazedores da paisagem» e, um último tema, marcado pela ideia de inacabado, porque «toda a obra é incompleta». «E uma história inacabada porque cada tema terá que construir a sua própria história e também porque, na altura, estávamos muito longe de acabar as escavações», diz Miguel Pessoa.
«A exposição retrata, através dos materiais, a vivência de um palácio muito rico do século IV», adianta Sónia Vicente. A cerâmica ocupa um espaço privilegiado, com material de construção, pesos de teares, mas também artefactos usados à mesa e na cozinha. Nada que se compare ao “peso” da pedra, pois estão ali grande parte dos baixos-relevos da casa senhorial, em mármore, finamente trabalhados. Alguns motivos fazem lembrar tapetes de Arraiolos, refere a arqueóloga. Baixos-relevos onde se notam vestígios de tinta. «Eram pintados com cores vivas», nomeadamente amarelo, vermelho e preto», adianta. Há também capitéis, em calcário, igualmente vestígios imponentes da casa senhorial.
União de esforços viabilizou escavações
Com poucos recursos, a equipa (reduzida, ainda hoje) contou, desde a primeira hora, «com o apoio essencial da Câmara Municipal de Penela», sublinha Miguel Pessoa. Município que adquiriu os terrenos necessários, num registo de grande diálogo e participação ativa dos proprietários e população local (que, inclusivamente, guardava nas suas casas, inicialmente, o espólio recolhido). Os voluntários foram o “prato forte” para garantir os trabalhos. Chegavam por conhecimento, amizade com a equipa ou jovens integrados nos programas de voluntariado do Instituto Português da Juventude. «Mas tivemos a coragem suficiente para recorrer à Fundação Gulbenkian, que nos apoiou durante uma década, ao Instituto Português da Juventude, que garantiu quase uma década de apoio, ao Ministério da Cultura». Apoios «externos» que se juntaram ao «indispensável apoio da autarquia».
A Associação dos Amigos da Villa do Rabaçal, fundada a 9 de junho de 1993, foi uma estrutura essencial para «a captação de subsídios» e angariação de fundos, designadamente junto da Fundação Calouste Gulbenkian ou, mais tardiamente, da World Monuments Fund, com sede em Nova Iorque, que garantiu um apoio de 50 mil euros para o restauro do sítio. Já a consolidação do balneário foi feita com fundos do município, adianta Miguel Pessoa, fundador da associação, da qual foi presidente e que atualmente preside à assembleia geral.
O facto de a Villa romana do Rabaçal ter sido classificada como monumento nacional em 2021 (decreto publicado em Diário da República a 6 de julho), pode representar uma mais valia em termos de mecenato. O local já era considerado “sítio de interesse público” desde 1 de julho de 2013.
O LEGADO DE SÃO SIMÃO
admitindo que estes painéis podem mesmo ter sido criados pelos mesmos artífices que trabalharam em Conimbriga.
Sucede-se uma nova vaga, com o surgimento da cor, nomeadamente na sala do triclínio (sala de refeições), o espaço nobre por excelência da casa. Os motivos e o uso da cor indiciam uma «ocupação» e uma «remodelação mais opulenta» da casa, que remonta ao século III. Dessa mesma época será uma eventual “sala de aquecimento” ou um espaço de termas.
2015 Obras de saneamento mostram “retalhos” de uma antiga villa romana e município assume necessidade de investigar e proteger este sítio arqueológico
Em 30 metros de estrada identificámos três pavimentos de mosaico, um pavimento de argamassa de cerâmica e várias paredes, além de material móvel, como moedas, esqueletos, louças. Tudo isto identificado numa vala de saneamento». Palavras da arqueóloga Sónia Vicente, que recordam a experiência vivida em 2015. A obra, da responsabilidade do município de Penela, arrancou, mas com o necessário acompanhamento de uma equipa científica. Há muito que se sabia que ali havia vestígios importantes. A abertura da vala de saneamento de ligação entre Cerrada da Freixiosa e Carregã, vem demonstrar que assim é. «Isto não se pode destruir nem ser tapado», adianta a responsável. O executivo municipal foi chamado e tomou a decisão: «vamos investigar».
As escavações começaram no ano seguinte e já há muito para ver na Villa Romana de São Simão.
Trata-se de um sítio já referenciado há muito, recorda a arqueóloga, responsável pelo projeto de investigação e também pelo Museu do Rabaçal. O primeiro registo data de 1902 e volta a ser referido em 1904. Na década de 80, Salvador Dias Arnaut e Jorge Alarcão referem, igualmente, São Si-
mão como «um sítio de achados da época romana e a descoberta de mosaicos».
Em 2001, com a construção de um muro, chega a denúncia da população. As obras no largo da Capela da Senhora da Graça tinham «posto a descoberto mosaicos e estavam a tapar tudo». O arqueólogo Miguel Pessoa é chamado ao local e confirma a existência de vestígios. É um momento importante, no entender de Sónia Vicente, uma vez que o sítio é «novamente avivado», redescoberto, uma vez que se tinha perdido a sua localização precisa.
O programa de investigação, com o necessário aval da tutela, avança em 2016, com um projeto de quatro anos mais um, que deverá ser retomado em breve. Os primeiros resultados estão à vista e reforçam a importância de Penela como território de ocupação romana.
«Inventariámos uma casa romana, construída nos finais do século II, princípios do século III», explica a investigadora, apontando o peristilo quadrangular, rodeado de mosaicos, com um jardim em redor de um tanque, igualmente com mosaicos. Um espaço que seria semelhante ao da Casa dos Repuxos, em Conimbriga. «Era uma casa de luxo, que foi remodelada ao longo dos séculos», explica. Os 19 pavimentos identificados ilustram isso mesmo. Uns mais austeros, mais simples, a preto e branco, com motivos geométricos, semelhantes na cor e nos motivos aos que se encontram nas casas da Cruz Suástica e dos Esqueletos, em Conimbriga. «Serão do século II», adianta,
Em 2018, no último dia de escavações, antes da equipa entrar de férias, deu-se uma descoberta extraordinária. «Começaram a aparecer-nos letras», recorda Sónia Vicente. O entusiasmo contagiou todos os investigadores e «ninguém arredou pé enquanto houve terra para retirar». O resultado foi a localização de um mosaico, que será do século IV, construído com tesselas muito pequenas, «semelhante aos do Rabaçal». A inscrição revela um nome, Caturro, «um nome indígena, que seria muito usual na altura», que será «um dos proprietário da habitação. A inscrição, já devidamente estudada, faz referência às sandálias do soldado e inclui uma dedicatória ao deus Marte, o deus da guerra, que «era muito venerado na Lusitânia». Mas não foi só a inscrição que sofreu danos. O mosaico parece que “encarquilhou” em algumas zonas, com as tesselas a sobreporem-se. Uma situação que poderá estar relacionada com eventuais inundações. «É uma suposição», diz, apontando a proximidade do rio Dueça.
Esta sala foi uma das que posteriormente sofreu grandes alterações, com uma parede a ocupar o espaço onde antes existia uma porta. Mas surgem mais paredes, enormes, com mais de meio metro de largura, erguidas sobre o pavimento em mosaico. Um procedimento impossível de conceber para um cidadão romano. A adaptação da casa não se fica pela criação de novas divisões, mais pequenas, a partir das anteriores. Os muros que restam das paredes arrepiam o visitante, garantimos, mas pior é perceber que o espaço ocupado pelo espelho de água, rodeado de jardins, uma zona lúdica e de lazer, foi transformado em lixeira. Foi mesmo assim, garante a arqueóloga. «Não imaginam a quantidade de ossos de veado, de javali e de boi que retirámos do antigo tanque», diz. Resíduos a que se junta louça partida e um infindável rol de “coisas” que deixaram de ter utilidade.
romana de São Simão 90 anos com Penela
Escavações vão continuar com novo projeto
Em 2016, começaram as escavações no sítio arqueológico de São Simão, com a equipa do Museu do Rabaçal a contar com a colaboração de grande número de voluntários, arqueólogos e estudantes. São sete anos de escavações que se pretende continuem, pelo menos mais quatro, cumprindo o segundo projeto apresentado à tutela. Sónia Vicente acompanha o processo desde a primeira hora e assume a sua satisfação por «ver nascer o sítio e conseguir o apoio político camarário para o proteger e investigar».
Em dezembro de 2021, foi colocada a estrutura de proteção, em alumínio e lona, que pode ser adaptada a qualquer outro local. Um investimento feito pelo município de Penela. «Pode não ser a melhor estrutura, mas foi a que conseguimos», diz, pragmática, sublinhando que esta foi a opção tomada, evitando que em São Simão se replicasse o que aconteceu no Rabaçal.
A estrutura possui dois passadiços, que permitem apreciar a área escavada e os pavimentos descobertos sem importunar os trabalhos. Apesar da cobertura, praticamente toda a zona está protegida com uma camada de areia ou com telas. Os animais são visitantes assíduos, a julgar pelos detritos. Nada que perturbe a arqueóloga.
Relativamente ao futuro, Sónia Vicente salvaguarda que a decisão será da Câmara de Penela, mas em sua opinião o sítio poderá ser aberto à visitação, com as escavações em cuso. «Seria uma forma de perceber o interesse do público», considera, admitindo que os técnicos podiam, nesta fase, responder a questões e esclarecer dúvidas. A abertura “oficial” à visitação, caso seja esse o entendimento, requer, necessariamente, todo um outro tipo de estrutura e de resposta logística.
Vestígios diferentes que denunciam a presença de novos proprietários e novos hábitos. A datação dessa presença ainda não é precisa, mas a “responsabilidade” das alterações é “apontada” à ocupação suevo-visigótica. «Também estiveram em Conimbriga», lembra.
As sucessivas “camadas” apuradas pela investigação dão conta de novas vivências no atual sítio de São Simão, com a instalação, no século XIII, de um convento de frades franciscanos, junto ao rio Dueça, no sopé do Monte Vez, que será abandonado no século XV, por volta de 1460. O espaço do Convento da Graça transforma-se, então, em ermitério. «Faziam-se ali os enterramentos porque as pessoas consideravam o local santificado», explica Sónia Vicente. Foi o local onde viveram os frades franciscanos, de todos os mais santos, os mais próximos de Deus. Era, pois, o local ideal para sepultar os mortos.
O cemitério deixa de ser usado quando os franciscanos, no século XVII, vendem os terrenos para ajudar a pagar a construção do novo Convento de Santo António, em Penela. O visconde de Fornos de Algodres, Abreu Castelo Branco e Melo, compra o terreno e transforma-o em morgadio. Ainda hoje restam algumas nogueiras e oliveiras. «Saiu daqui tanta batata e tanta couve», diz Sónia Vicente, repetindo as palavras que ouve da população da aldeia. Para alguns dos habitantes mais velhos, o lugar onde se encontra a capela de Nossa Senhora da Graça continua a ser a “cidade velha” ou o “Convento da Graça”.
“Leitura” dos ossos faz luz sobre a história Flávio Simões é o antropólogo “de serviço” e numa improvisada mesa, no Museu do Rabaçal, procura pôr ordem num conjunto
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de ossos. São pequenos, frágeis, o que indicia que se trata de uma criança. «Exumámos 113 sepulturas, a maior parte de crianças», diz. Um dado que reflete os elevados indicadores de mortalidade da época. «Quatro, em cada 10 crianças, morriam», adianta.
O objetivo é proceder à reconstrução do esqueleto para perceber de quem se trata, ou seja, sexo, idade, estrato social e também conhecer os agentes biológicos que atuaram sobre o corpo, a decomposição. Os dentes são um “livro aberto” para um retrato da população de São Simão. «Através dos dentes consegue perceber-se muita coisa». O traço mais marcante é a «vida dura» daquele povo. «Há atividades que envolvem a boca como terceira mão», diz, exemplificando com a cestaria. Os dentes eram mais uma “ferramenta”usada no processo de produção, o que «provoca um desgaste atípico».
A «alimentação pobre» também é percecionada pela dentição, explica Flávio Simões. O antropólogo, que integra a equipa de investigadores do Museu do Rabaçal, lembra outra “ocorrência”, frequente no século XV.
«Os moleiros acrescentavam areia à farinha», para garantir mais peso, e a própria erosão das mós do moinho transferia alguma “pedra” para a farinha. «A presença de areia ajuda a perceber o desgaste dos dentes e, inclusivamente, pode explicar algumas fraturas».
O registo de um grande número de fraturas é, também, indicador de uma «atividade física muito intensa». «Seria uma população muito ativa, numa terra pobre, pessoas que trabalhavam sobretudo na agricultura», diz. As investigações permitiram detetar o caso de um indivíduo do sexo masculino, que sofreu fratura do fémur e posteriormente uma torsão, «tinha o pé completamente virado para fora». Aponta, igualmente outra curiosidade, com cinco indivíduos, um adulto e quatro crianças, colocados no mesmo espaço. «Pode haver ligações familiares», aventa.
O cemitério terá funcionado entre 1460 e a primeira metade do século XVII. Um dado corroborado pela numismática, tendo em conta que os defuntos levavam consigo o “óbolo”, ou seja, uma moeda destinada a pagar a Caronte, o barqueiro que levava os mortos para o reino de Hades. Uma tradição greco-romana que foi largamente cumprida no ermitério de São Simão. Os mortos levavam um centil, moeda comemorativa da conquista de Ceuta.
Castelo oferece uma vista privilegiada, sinal da sua posição estratégica na zona da Ladeia
GERMANELO: UM POSTO AVANÇADO DE DEFESA
2005 Protocolo entre Câmara Municipal e a família proprietária passa o castelo para a gestão do município
Ocastelo ergue-se altaneiro, no cimo do monte, a 367 metros de altitude, garantindo uma visão privilegiada sobre todo o Vale do Rabaçal. Uma posição estratégica para a defesa de Coimbra, conquistada definitivamente em 1064. Os castelos de Soure, a oeste, de Penela, a este, e da Lousã, a nordeste, mandados erguer por D. Sesnando, garantiam a linha defensiva de Coimbra. Mas havia uma brecha, tendo em conta a grande distância que separava os castelos de Penela e Soure. Urge, pois, aproveitar as condições de excelência do Monte de Germanelo para criar mais um posto avançado. Uma obra que arranca em 1142, a mando de D. Afonso Henriques.
«É um castelo românico típico do tempo de D. Afonso Henriques», que ocupava uma oposição estratégica na «defesa da velha estrada romana», similar, ao tempo, à actual auto-estrada do norte, explica o investigador Mário Duarte, também chefe de Divisão de Cultura da Câmara Municipal de Penela.
É também D. Afonso Henriques que concede Carta de Foral à comunidade de Germanelo, por forma a atrair habitantes a uma região transfronteiriça inóspita e perigosa. Mas não foi um foral qualquer, o também historiador explica que Germanelo «era um couto de homiziados», uma zona de proteção, com um estatuto especial. Significa que os foragidos à justiça encontravam ali um porto de abrigo, sendo considerados homens livres. «Mesmo que de bandidos se tratasse, podiam estabelecer-se, fazer a sua vida», adianta, garantindo que «ladrões famosos» refugiaram-se neste couto, cujas fronteiras para sul não estavam perfeitamente definidas, estendendo-se até ao Zêzere.
«A partir do momento em que se assiste à conquista de Santarém e de Lisboa, em 1147, o Castelo de Germanelo deixa de ter importância, perde o carácter funcional», faz notar. Era a deslocalização da linha de defesa para sul, rumo ao Tejo, que retirava à fortaleza a importância que, escassos cinco anos antes, tinha ditado a sua construção, ao que tudo indica assente sobre
um antigo castro romanizado.
Perdida a sua dimensão estratégica de defesa, o Castelo de Germanelo caiu no esquecimento. No século XX, o historiador Salvador Dias Arnaut (1913-1995), natural do concelho e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, adquire as ruínas do castelo e os terrenos circundantes e, nos anos 60, procede à reconstrução da linha de muralha voltada a norte, coroada por 17 ameias. Uma empreitada que levou a cabo depois de um estudo aprofundado dos testemunhos escritos existentes, a que associou «estudos geológicos e arqueológicos». A construção da muralha terá sido feita, «consoante ia reunindo dinheiro, com o apoio de voluntários, de amigos e do povo», considera Mário Duarte.
Salvador Dias Arnaut sempre terá dito, segundo o investigador, que pretendia doar o castelo à Câmara. Todavia, isso não aconteceu e, após a sua morte, o filho colocou-o à venda por 20 mil euros. O município de Penela encetou, então, negociações com a família, que culminou com a celebração de um contrato de comodato, aprovado pela Câmara e pela Assembleia Municipal em novembro de 2005. Desta forma, o município assumiu a gestão do Castelo de Germanelo, garantindo a melhoria dos acessos, criação de um percurso pedonal e a necessária manutenção, de molde a torná-lo um espaço que possa «ser usufruído pela comunidade».
CASTELO… DE HEROICO A MÁGICO
1940 Na década de 40 do século passado, as ruínas abandonadas voltaram a ganhar vida e o castelo recuperou a dignidade. Um monumento ímpar, com um papel decisivo na reconquista cristã. Um ícone que conquistou os penelenses e um “ex libris” do concelho
Ohorizonte estende-se a perder de vista e não é preciso muita imaginação para, numa viagem pelo tempo, vislumbrar escaramuças ferozes entres mouros e cristãos, sentir a força do golpes das espadas e o trote dos cavalos em debandada. Com algum esforço, pode perceber-se mesmo a aproximação de D. Afonso Henriques, ainda príncipe, a entrar pela “Porta da Traição”, e a confirmar aos seus homens que estavam com um “Pé-nela”. Não é difícil, ainda, pressentir a emboscada montada ao conde de Viana, que Caspirro degolou, com a vila a
erguer a sua voz pelo mestre de Avis e a dar o seu contributo para a restauração da independência de Portugal. Ou, num registo mais palaciano, ver o Infante D. Pedro, duque de Coimbra e senhor de Penela, a erguer o Paço, onde viveu. Entre histórias reais e lendas, o Castelo ergue-se altaneiro. Simultaneamente austero e poderoso. Igualmente pleno de magia e de encanto.
Os domínios de Penela terão sido tomados pelas tropas de Fernando Magno, por alturas da conquista de Coimbra (1064) e o monarca ter-lhe-á concedido carta de povoamento, à data já com um território murado. O conde Sesnando Davies, a quem o soberano entregou a administração do condado conimbricense, afirma ter povoado os domínios de Penela. D. Sesnando terá mandado construir, entre os anos 70 e 80 do século XI, um pequeno castelo no local mais elevado do afloramento rochoso, o chamado castelejo, que representava uma fortaleza perfeitamente autónoma. A ofensiva muçulmana terá ameaçado Penela, que D. Afonso Henriques conquista, atribuindo-lhe carta
de foral. O documento, datado de 1137, refere «o castelo e seu termo», bem como uma casa «dentro do castelo».
Admite-se que o primeiro rei de Portugal terá procedido a uma «reedificação do castelo», convertendo, nomeadamente, o castelejo em torre de menagem e ampliando o recinto fortificado, o que transforma o antigo castelo de D. Sesnando num «verdadeiro reduto defensivo». Tarefa de renovação que continuou nos reinados de D. Sancho I e de D. Dinis, este último responsável pela edificação da cerca da vila, no início do século XIV. Posteriormente, D. Pedro, filho de D. João I, empreendeu uma grande campanha de obras, erguendo o Paço do Infante e transformando o pequeno templo na Igreja de S. Miguel. A seu pedido, o rei, seu irmão, D. Duarte, atribui, em 1433 Carta de Feira a Penela. Nasce, assim, a icónica Feira de São Miguel, que ainda hoje existe. Uma feira franca, com duração de três dias e com grande número de privilégios, que celebra São Miguel (29 de setembro) e ganhou fama pela transação das nozes.
14«Era aqui se defina o preço a que as nozes iriam ser vendidas», lembra Vitor Simões, investigador e amante das “cousas” da história e do património. Além das nozes, na feira eram comercializados os produtos endógenos e, com o dinheiro obtido, «os habitantes compravam os equipamentos necessários para fazer as campanhas da vindima e da azeitona», adianta.
D. Manuel I outorga novo foral a Penela, em Junho de 1514 e promove novas obras de reparo das defesas do castelo, que chega ao século XVIII e sofre o impacto do terramoto de 1755. Reza a história que a torre do relógio e de uma das portas da cerca ficam destruídas e seis anos depois é demolida a terceira porta do castelo, a chamada “Brecha das Desaparecidas”.
O castelo chega ao século XX, como a maioria das fortificações da chamada Linha Defensiva de Coimbra, em estado de total ruína. Novos tempos se anunciam no início da década de 40, quando o poder político desencadeia uma campanha de intervenção, restauro e reconstrução. Uma tarefa assumida pela Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. As muralhas e as ameias são refeitas, desmanteladas as casas entretanto adossadas às muralhas. A torre sineira é “apeada” e o relógio colocado na torre da igreja.
Na década de 90, sob a tutela do Instituto Português do Património Arquitetónico, procede-se à limpeza, recuperação e consolidação das muralhas, pavimentação dos acessos e da circulação interior do castelo e à beneficiação do “caminho de ronda”, com a colocação de passadiços, que permitem o percurso pedonal em quase todo o seu perímetro. Na primeira década do século XXI, o castelo sofre nova intervenção, a nível dos caminhos, limpeza, iluminação e criação de um auditório. Obras que pretendem dar uma nova vida ao monumento e promover a sua visitação, em termos turísticos e culturais. Sinal disso está o concerto de Pedro Barroso, na inauguração das obras, em junho de 2006, que incluíram a inauguração do Museu de Arte Sacra, instalado no rés-do-chão da Casa Paroquial, que resulta da adaptação do antigo Paço do Infante.
Vítor Simões destaca, de resto, a particularidade, que considera «caso único no país: Monumento nacional desde 1910, «todo o interior do castelo pertence à pa-
róquia», pois é ali que se encontra a Igreja de S. Miguel, padroeiro de Penela - uma obra da responsabilidade de D. Pedro, devoto do arcanjo São Miguel, erguida em 1420, que reconstruiu e ampliou o primitivo templo, de estilo românico - , e a residência paroquial. É caso para dizer que o pároco é, hoje em dia, o “rei do castelo”.
Em fase de conclusão está a empreitada de arranjos exteriores, que contempla, nomeadamente, a criação de um percurso circundante ao castelo e arranjo paisagístico da encosta. Um percurso que ainda não está disponível, por questões de segurança, e que permite ter uma perceção muito precisa e sui generis da grandiosidade do monumento, cuja estrutura assenta, em grande parte, sobre rocha, no cimo do monte, com panos de muralha cuja altura varia entre os sete e os 19 metros. Subsistem quatro das 12 torres que integravam o circuito das muralhas. Aqui e ali, erguem-se nogueiras e cedros, testemunhas silenciosas do tempo.
Do alto das muralhas, avistam-se, num ângulo de 360%, as serranias do Rabaçal, da Lousã, o Monte Vez, confirmando a posição estratégica que este posto avançado e vigilância representou no passado. Hoje, é um espaço de visitação por excelência e de fruição cultural, onde se realizam alguns eventos marcantes, como o Penela Presépio ou a Feira Medieval, que dão vida à rudeza da pedra e colorido ao cinzento das muralhas.
Revolução no centro histórico
É uma obra «corajosa e arrojada» e vai revolucionar o centro histórico da vila. Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, retirou a primeira pedra. Porque trata-se de destruir para reconstruir. Retirar um «obstáculo» e ganhar novas dinâmicas de proximidade ao Castelo, aos Paços do Concelho, ao casco histórico da vila. Uma cerimónia realizada dia 6 de setembro, que anuncia uma revolução. Um investimento de 1,5 milhões de euros, com apoio do FEDER, com um prazo de execução de 540 dias.
Eduardo Nogueira Santos não tem dúvidas. Trata-se de uma obra de vulto para o concelho e de transformar um problema numa oportunidade. O presidente da Câmara recorda que, pouco depois de tomar posse, se viu confrontado com um problema grave: «o muro de suporte do edifício dos Paços do Concelho estava em risco de queda». Os estudos de estabilidade confirmaram o diagnóstico: «podia demorar três horas, três dias, três meses ou três anos, mas o muro ia cair».
Um «problema complexo», sem dúvida, mas igualmente, uma oportunidade para resolver vários problemas. «Com esta intervenção conseguimos resolver várias situações», considera. A começar pelo muro em risco de colapso, a criação de uma zona de estacionamento no centro histórico, que ganha nova centralidade e acessibilidade.
Satisfeito, o autarca refere as «conhecidas dificuldades em fazer qualquer intervenção num centro histórico» e destaca os 60 lugares de estacionamento que a obra vai permitir, uma resposta funcional durante 24 horas/dia, para as exigências decorrentes dos serviços instalados nos Paços do Concelho – Câmara, Tribunal, Registo e Notariado e Finanças – aos visitantes do castelo, aos moradores e aos estabelecimentos de hotelaria e restauração.
A GRANDE FESTA MEDIEVAL
1994 A Feira Medieval apresenta-se pela primeira vez em 1994. Um projeto sui generis, que nasce no seio da escola, cresce, afirma-se e conquista toda a comunidade
Anossa feira medieval é a segunda mais antiga do país, a seguir a Coimbra». Orgulhoso destes “pergaminhos”, José Maria Dias lembra que o primeiro certame se realizou em Coimbra, em 1992, e, dois anos depois nascia a de Penela. «São 28 anos, não são 28 dias!», faz notar, sublinhando as 25 edições, as bodas de prata do evento, que só não se realizou no final do século e, mais recentemente, nos dois anos de pandemia.
Funcionário do Agrupamento de Escolas de Penela, José Maria Dias foi um dos obreiros deste projeto peculiar, que nasceu precisamente dentro da então Escola Básica Integrada de Penela e continua, hoje, a ter no Agrupamento de Escolas o seu elo essencial. A “inspiração”, confessa, “bebeu-a” na feira de Coimbra, onde participou como elemento de uma das coletividades envolvidas. «Fiquei sugestionado», assume e, como «amante de História» que é, acabou por, na escola, em conversa com professores e colegas, abordar o assunto. «Porque não fazermos aqui uma feira medieval?» Mais do que uma pergunta, este era o mote para uma verdadeira “revolução” dentro da escola, com toda a comunidade educativa a responder de pronto ao desafio.
Com um sorriso nos lábios e os olhos brilhantes, José Maria Dias recorda esses tempos. Com receio de esquecer alguns, lembra os professores Maria José Barradas, Maria Rui, Paula Barreto, Isabel Cortez, Gabriel Marques e Carlos Daniel, dos grupos de História e Português e de Educação Visual e Educação Tecnológica. «Só restamos dois ou três, a maioria já está reformada… e eu para lá caminho», diz.
O castelo de Penela era, sem dúvida, o cenário ideal para a festa. «Bem mas bonito do que a Sé Velha», atreve-se a afirmar. Faltava tudo o resto. O trabalho dividiu-se, com uns a procederem à necessária pesquisa. «Não havia internet na altura», lembra, alertando para a preocupação do grupo de História em procurar os trajes mais fidedignos. Obtidos os modelos, entrava em cena a professora Isabel Cortez, que talhava os fatos e orientava todo o trabalho de
confeção. «Temos cerca de 300 fatos», afirma a professora, que ao longo de vários anos garantiu todo o inventário das vestimentas. «Sempre foi um gosto muito grande fazer isto», diz, destacando com particular agrado alguns dos últimos fatos que talhou, alusivos à peste negra, «que não são muito habituais». Também ligada à Oficina de Teatro, Isabel Cortez assume a preparação de um conjunto de pantominas e subsequentes cenários que os alunos apresentam na feira.
Nas aulas de Carlos Daniel e Gabriel Marques ganhavam forma as barracas de madeira, bem como a estrutura de suporte, em ferro. Já Maria José Barradas, «uma amante da culinária medieval», empenhava-se em «aprofundar as pesquisas sobre os costumes desta época». Pesquisas que tiveram um considerável suporte na obra “A Arte de Comer em Portugal na Idade Média: Introdução ao Livro de Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal”, da autoria do medievalista Salvador Dias Arnaut. O passo seguinte foi dado na cozinha da cantina, «com as nossas cozinheiras, sob a direção da prof. Maria José Barradas, a confecionarem todas as comidas». Manjares que, no dia da feira – 26 de julho de 1994 -
foram levados para o castelo. «Todos rumámos para o mesmo lado», sublinha José Maria Dias e o resultado não podia ter sido melhor: «um sucesso», naturalmente para continuar. E assim foi.
Um postal de Penela
«Tudo isto acarreta muito trabalho», refere, lembrando que os preparativos começavam com um mês de antecedência, depois já ocupavam dois e mesmo três meses. «Já estávamos a ficar cansados», confessa, justificando um ano de interregno a que se sucedeu um verdadeira lufada de ar fresco com a “entrada em cena” da Associação de Pais, que se tornou parceira do evento e lhe imprimiu uma nova pujança.
«Como era uma novidade no concelho e na região, vinha gente de todo o lado, a vila recebia milhares e milhares de pessoas», faz notar. «Um verdadeiro cartão de visita de Penela» que o município, à data presidido por Paulo Júlio, quis catapultar ainda mais, com a Câmara Municipal a tornar-se parceria do evento e a garantir um suporte financeiro até então bem mais parcimonioso e que permitiu grandes feitos. «Fizemos feiras monumentais, com grupos de teatro, grupos de música medieval», recorda, apontando
a presença de grupos da Galiza, da Irlanda e de Marrocos e Tunísia, na altura em que a cultura árabe passou a integrar o programa. No primeiro ano, o jantar árabe – também uma novidade total, terá reunido duas centenas de convivas. No segundo ano o número cresceu e no terceiro foi necessário mudar a tenda, inicialmente prevista para a Praça da República, para o Pavilhão Multiusos para acolher os mais de meio milhar de comensais inscritos.
Lembra, também, as conferências, particularmente no ano em que o tema da feira foi D. Manuel I, que juntaram vários especialistas, verdadeiras «sumidades» na Igreja de S. Miguel, um templo do século XII, existente no interior do castelo, que ficou «completamente lotado».
Nos primeiros cinco anos, altura em que a Feira Medieval teve uma indiscutível «componente pedagógica», José Maria Dias destaca, ainda, a criação de um Grupo de Arautos. Jovens que, além de alunos da escola, frequentavam a Filarmónica Penelense. Num acordo com a direcção da banda, na altura presidida por Fernando Júlio (pai de Paulo Júlio), foi criado o grupo de jovens músicos, que ensaiavam música medieval para tocar na feira e, antes, vestidos a rigor, percorriam os concelhos das redondezas, acompanhados por José Maria Dias – que sempre leu a Carta da Feira – a anunciar a realização da feira medieval.
A entrada de Paulo Júlio no Governo, por um lado, e, por outro, as medidas restritivas impostas pela Troika, ditaram ventos de mudança, com o certame a sofrer o impacto da
crise e a ser obrigado a “apertar o cinto”. «Atingimos o auge e depois começámos a decair», diz José Maria Dias, embora reconheça que na última edição, nos finais de Maio, depois de dois anos de paragem, a feira voltou a ter brilho, muito graças «ao dinamismo espetacular da Associação de Pais». Uma edição que, seguramente, vai ficar para a história, pois José Maria Dias, um professor e um representante da Associação de Pais, «os três heroicos resistentes», foram homenageados. «Foi uma surpresa», diz, grato pelo gesto do município e da Associação de Pais. Mais uma vez, leu a Carta da Feira, documento baseado nos termos do Foral, atribuído por D. Duarte, em 1433. Envergando um traje de rei - «com coroa e tudo» - el rei D. José deu as boas vindas às gentes de Penela e de todos os concelhos das redondezas que demandavam a feira e fez saber que, nas boticas se iria proceder à venda de “cousas de comer e de beber” e outras, com todos a poderem vender e comprar «sem pagamento de sisa ou de outros impostos».Ao som das trombetas do Grupo de Arautos, começou mais uma feira, a 25.ª
Uma cultura de escola
Paula Dias, subdiretora do Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro, de Penela, não acompanhou o início desta “demanda”, mas conhece bem o processo e entende que a Feira Medieval é algo que «já faz parte da comunidade». «Não é só o envolvimento dos alunos, a sua aprendizagem e participação nas mais diversas atividades, é também o envolvimento dos pais. Há uma dinâmica familiar, que junta pais, alunos, funcionários e todos trabalham para o mesmo fim». A Feira Medieval «já faz parte da cultura da escola e não temos um plano anual de atividades que não inclua o certame, no último fim de semana de Maio», diz.
A participação dos alunos e as atividades que desenvolvem, através dos clubes – Oficina de Teatro, Academia de Cordas e Espaço Dança (ballet clássico e contemporâneo)«encaixam na perfeição no projeto educativo que temos. Isto é formação integral», adianta Paula Dias, que reconhece a exigência deste desafio, que envolve toda a comunidade e que resulta num evento diferenciador, onde pais alunos, professores e funcionários assumem o “papel principal”, seja oferecendo momentos de animação aos visitantes, procedendo à venda nas barraquinhas ou na preparação das refeições para servir aos convivas. Um projeto que, não tem dúvidas, é para continuar, em parceria com a Câmara Municipal e com a Associação de Pais, procurando em cada ano, «apresentar coisas novas e diferentes».
Grupo de Arautos andava de terra em terra, com as suas trombetas, a anunciar aos demais a realização da feira de Penela, dias antes desta acontecerRigor histórico e envolvimento pedagógico sempre foram uma referência no certame
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Presépio 90 anos com Penela
UMA VILA PRESÉPIO
2007 Os bonecos animados de Jaime Roxo trouxeram a primeira dose de magia natalícia ao castelo. Um processo que tem vindo a crescer e atrai à vila milhares de visitantes
Éuma marca», afirma Eduardo Nogueira dos Santos. Um projeto que eleva Penela a patamares cimeiros de notoriedade, espalhando a magia do Natal. O castelo é o epicentro deste evento, que desce às ruas e praças da vila e se estende a outras povoações. «É um projeto impactante, bem sucedido», considera o presidente da Câmara Municipal.
O autarca lembra que a primeira edição do Penela Presépio aconteceu em 2007,
no quadro do Plano Estratégico do Município, delineado pelo então presidente da Câmara, Paulo Júlio, que «identificou a necessidade de eventos de âmbito nacional que pudessem potenciar Penela». Nesta estreia, o evento teve como referência as cerca de 90 figuras, construídas em madeira e com movimento. Jaime Roxo, artesão de Alcobaça, cedia este presépio a Penela. Mas, a par deste presépio animado, somavam-se outros presépios, uns mais tradicionais, outros mais alternativos.
Logo na primeira edição o êxito bateu à porta deste evento, que «foi crescendo sempre». Eduardo Nogueira dos Santos recorda o empenho do município, nos anos seguintes, na busca de soluções alternativas às figuras animadas do criador de Alcobaça, recorrendo, designadamente, a «ferramentas tecnológicas, por via do
Diário de
FabLab – laboratório de produção digital – que permitiu a criação de imagens 3D e renovar os presépios, conferindo-lhe uma componente tecnológica». Desta forma, atesta, «deixámos de depender de terceiros e passámos a ter autonomia». Na última edição, recorda, por curiosidade, reforçando a componente tecnológica das ferramentas utilizadas, «o presépio teve um software de controlo do movimento das figuras desenvolvido por um engenheiro penelense, que trabalha em Inglaterra, na Rolls-Royce e que remotamente fez a gestão do presépio».
O autarca não tem dúvidas que o Penela Presépio constitui um evento de futuro, com continuidade garantida. Todavia, alerta, «vamos ter que recorrer à nossa imaginação». Isto porque o «palco adequado e ideal» para acolher o evento, o castelo, «está altamente condicionado com tudo o que vai acontecer em torno do edifício dos Paços do Concelho», refere.
Confiante, o autarca assume que «a edição de 2024 tem de ser muito especial, porque, finalmente, nessa altura, vamos ter condições para que o Penela Presépio regresse a casa, em grande». Entretanto, as edições deste ano e de 2023 «vão ser forçosamente diferentes, porque temos que nos ajustar às condicionantes que vamos ter», ou seja a Praça do Município transformada num «mega estaleiro». O autarca recorda que já em 2021 houve necessidade de ajustar o evento às limitações decorrentes da pandemia e o município fez um esforço para realizar o Penela Presépio e «manter viva a marca». Se bem que com uma «versão mais reduzida», o feed-back dos visitantes foi, na altura, «muito positivo», sublinha. Elementos que, certamente, vão “inspirar”soluções para este ano, garantindo que continua a haver magia no Natal de Penela.
Rabaçal 90 anos com Penela
UMA VIDA A FAZER QUEIJO
que envolve num paninho para coalhar o leite. Com a coalhada pronta, é tempo de espremer a massa com as mãos e a ajuda de um escorredor. O soro vai-se libertando na justa medida em que a massa vai ganhando consistência. «Já não faço requeijão», esclarece, mas o soro é «aproveitado para dar aos animais». A massa continua a ser espremida. «As mãos sentem o queijo», garante. Mas se dúvidas houver, «quando começa a ganhar água por cima é sinal que está pronta» para ser colocada no azincho. Escassas horas depois está pronto a ser “cintado”, com uma pequena fita de tecido. No queijo fresco, a “cinta” mantém-se. No queijo para secar é retirada dias depois.
«Nunca arrumo o azincho», o que significa que Cecília António faz queijo durante todo o ano, uma vez que as ovelhas e as cabras «parem desencontradas» e enquanto umas estão “secas”, outras estão a produzir leite.
1944 Em casa da família sempre se fez queijo. Cecília António aprendeu a arte e continua, com 78 anos, a fazer Queijo Rabaçal artesanal
Fazia a comida e o queijo. Éramos oito irmãos». Cecília António, hoje com 78 anos, recorda essa meninice de trabalho árduo no campo. Ali bem perto, em Legacão, nos arredores do Rabaçal. Pouco mudou depois de casar, aos 19 anos, com Adail Narciso de Oliveira (falecido em junho de 2021), da Serra de Janeanes. O casal começou por se instalar em Legacão, mas mudou-se para a Ordem. «Era a localidade onde havia mais pastores e queijeiras». Vive e trabalha ali há 48 anos.
Uma vida dura, sem domingos, sem feriados. «Chegámos a ter 40 ovelhas e 16 cabras», recorda. O marido pastava o rebanho e, juntos, de manhã e à noite procediam à ordenha, feita de forma manual. Ainda hoje. «Credo!, não gosto da máquina», sublinha, reconhecendo que chegou a comprar uma, mas pouco uso lhe deu. Depois da ordenha, era tempo de fazer o queijo. De manhã e à noite. «Fazia 18 queijos de cada vez». Que vendia - fresco e seco - e continua a vender.
«Andei 25 anos a vender queijo na Figueira», recorda. Num tabuleiro iam os queijos frescos. No cesto o queijo seco. O calendário era “sagrado”. Às segundas, quintas e sextas o caminho era para a Figueira. As terças estavam reservadas para Coimbra.
«Vendia mais fresco. Ainda hoje se vende melhor o queijo fresco», faz notar. Mas do seco também não havia sobras.
Foram estas deslocações para a Figueira e para Coimbra que a “obrigaram”a investir na queijaria, a primeira instalada no Rabaçal, que ainda funciona. «Os fiscais vinham ver o meu queijo, mas graças a Deus nunca tive problemas», garante Cecília António, enquanto vira o queijo e lhe dá uma palmada seca, para «ver se apanhou vento». «Um mês, um mês e tal» é o tempo que demora a “curar”. Diferente do fresco, consumido de imediato e, como tal, muito «menos trabalhoso». «Não é preciso virar todos os dias, nem lavar dia sim dia não ou, às vezes, no inverno, todos os dias», explica.
Seco ou fresco, o queijo tem a mesma origem. Cecília sublinha o seu modo de trabalhar «artesanal», como «se fazia antigamente». «Quando o leite vem do gado, nem é preciso aquecer. Se vier do frigorífico, sim». «Duas partes de leite de ovelha para uma de cabra» é a “medida certa” para um bom Queijo Rabaçal. O leite é coado com um pano e junta-se o sal e o cardo moído. Esta é uma das formas clássicas de coalhar o leite. A outra é a “mezinha”, que deixa o «queijo mais paladoso».
Pacientemente, a queijeira explica o que é a “mezinha”. «É o bucho do cabrito, cheio de leite de ovelha, cosido e colocado no fumeiro a secar», diz. O resultado é uma espécie de pequeno “paio”, que Cecília guarda na arca congeladora. Quando é necessário, retira e corta uma pequena porção
Hoje continua a fazer queijo da mesma forma, mas a um ritmo diferente. A casa continua a mesma. «Uma casa de agricultores», diz. O rebanho está reduzido a seis ovelhas, quatro cabras e um “macho”. Preciosa, de 67 anos, é, desde há cinco anos, uma ajudante preciosa. É ela quem todos os dias leva, manhã cedo, o rebanho para o monte, onde os animais pastam e comem a erva de Santa Maria. «Cheira muito bem, é muito boa para temperar azeitonas e para o gado comer», explica. «O queijo fica com outro paladar», garante.
Por volta das 9h30, o gado regressa a casa. «Já não comem», afirma. Preciosa e Cecília repartem a tarefa da ordenha, que se repete à noite, cerca de 12 horas depois. Durante o resto do dia o rebanho pasta no quintal da casa ou recolhe ao curral.
Cecília junta o leite de dois dias e faz, por norma, cinco queijos. Em casa há sempre queijo, seco e fresco, pronto a comer. Os filhos levam, mas há queijo de sobra para vender. Queijo de produção artesanal, feito como antigamente. Cecília António, a mais antiga queijeira do Rabaçal, há muito que deixou de correr para a Figueira e para Coimbra para vender o queijo. Mas não falha uma feira do queijo, a começar pelo Mercado do Queijo e dos Romanos, no Rabaçal, ou as feiras de Condeixa, Ansião, Avelar, Soure ou Pombal. «Até ver, vou continuar», promete. «Agora somos só quatro a fazer queijo», lamenta, lembrando que no passado praticamente em todas as casas se fazia queijo.
PRODUZIR QUEIJO: UM MODO DE VIDA ALTERNATIVO
2020 Dez anos depois de uma luta intensa, Marta Pascoal viu a sua queijaria licenciada pela Câmara de Penela. Um novo modo de vida, orientado pelo saber-fazer de “antigamente”
Faço o queijo à moda antiga», esclarece Marta Pascoal. Com 45 anos, moradora em Casal Pinto, aprendeu com a avó e com a mãe a fazer queijo, mas só há 10 anos transformou esse saber-fazer em modo de vida. Mais do que uma opção, foi uma necessidade. «Estava desempregada», conta, depois de uma primeira fábrica de confeções onde trabalhou ter fechado as portas, o mesmo acontecendo com a segunda. Sem grandes perspetivas, a jovem, então com 35 anos, resolveu dar um novo rumo à sua vida e “agarrar-se” ao que sabia fazer. Um “virar de página” incentivado e apoiado por uma vizinha, que via na produção de queijo uma saída para a amiga.
De resto, Marta já sabia a “lição”, aprendida durante anos com a avó e com a mãe. E em casa não faltava o necessário leite, pois o pai, Américo Pascoal, mantinha desde há longa data um significativo número de ovelhas e cabras, cujo leite vendia para as fábricas de queijo e a várias queijeiras. Uma “aliança” perfeita onde apenas faltava dar o necessário "nó”, ou seja, criar a queijaria e obter o imprescindível licenciamento da Câmara Municipal de Penela. Uma verdadeira “cruzada” de que Marta nem se quer lembrar. «Foram 10 anos de uma luta intensa», refere. Uma década depois, obtida a necessária licença, avança para a criação de uma marca própria, com o seu nome, Marta Lúcia da C. Pascoal, que acompanha todo o queijo, fresco e seco, que produz. Um “carimbo” obtido em agosto de 2020. «No meu caso, a pandemia trouxe uma coisa boa», diz, sorridente, enquanto faz o queijo, movimentando o pano e a peneira, onde a massa vai ganhando forma e libertando o soro.
O leite, explica, «é aquecido a uma temperatura de 70º e arrefecido, depois, a 35º». Marta Pascoal usa «coalho químico, em líquido», que adquire na farmácia. «Era assim que a minha avó fazia», adianta. Com o soro escorrido, o queijo é colocado no azincho, onde fica a escorrer. Dentro de
duas horas é tempo de lhe colocar as “fitas”.
Marta trabalha na queijaria três dias por semana, às segundas, quartas e sextas. «Tenho que fazer tudo», o que quer dizer fazer o queijo e proceder à sua comercialização. Nos dias em que não faz queijo, pega na carrinha, carrega-a com queijo fresco e queijo seco e vai vender de porta em porta. Condeixa, Miranda do Corvo e Ceira, particularmente a zona do Cabouco, fazem parte da sua habitual rota, onde já tem um número significativo de clientes fiéis. Uma fidelidade que a leva, por vezes, a não marcar presença nas feiras e mercados do Queijo Rabaçal. «Não posso trocar clientes fiéis por um dia de feira, não lhes posso falhar», diz. Todavia, há exceções e o Mercado do Queijo e dos Romanos, no Rabaçal, conta com a sua presença, onde, de resto, se estreou.
Em média, Marta faz 50 queijos por dia, embora em algumas alturas do ano esse número seja superior. Aliás, a “panela” existente na queijaria tem precisamente essa capacidade: 100 litros.
A maior parte do queijo que vende é fresco, mas praticamente todos os dias
procura «deixar queijo para secar». A câmara, contígua ao compartimento onde se procede à confeção do queijo, é a guardiã deste processo. A temperatura oscila ente os 5,5º e os 8,5. O queijo com uma tonalidade mais esbranquiçada é o mais novo. Praticamente uma semana depois da produção, já tem condições para se lhe retirar a cinta. Todos os dias tem de ser virado e lavado dia sim dia não. «O próprio queijo pede para ser lavado», diz. «Fica com uma espécie de goma, o que quer dizer que o queijo quer banho», adianta. Cinco/seis semanas é o tempo médio que o queijo demora a secar. «No inverno passado o queijo amanteigou muito. Este ano não temos esse problema, com o calor que está», afirma.
Quando lhe pedem, Marta faz requeijão, mas apenas por encomenda. Também faz queijo só com leite de cabra, igualmente em resposta a encomendas que surgem de quando em vez. Por norma, trabalha com mistura, leite de ovelha e de cabra. A certificação do queijo que produz em Casal Pinto e a subsequente conquista do rótulo de produto DOP – Denominação de Origem Protegida, é um passo a pensar. No futuro.
Queijo Rabaçal 90 anos com Penela
Trocar a fábrica por um rebanho
Diário de Coimbra
Dez anos depois da irmã, foi Sérgio Pascoal quem decidiu dar um novo rumo à sua vida. Aqui uma decisão ponderada e assumida, que o levou, em janeiro deste ano, a virar costas à fábrica e a trocar o fabrico de betoneiras pelo rebanho de ovelhas e cabras, dando continuidade ao negócio criado pelo pai.
Américo Pascoal foi o mentor do projeto. Começou por ter vacas leiteiras, cuja produção vendia para as fábricas, uma das quais lhe ficou a dever o leite durante um ano. Uma situação que, conjugada com a questão das quotas leiteiras, o levou a optar pelas ovelhas. Aconteceu em 2004. «Adquiri 120 ovelhas, pequeninas», recorda, lembrando o recurso a açúcar amarelo para alimentar as borregas, «acabadas de criar com leite de vaca». Vacas e ovelhas ainda coexistiram durante algum tempo, com as primeiras a acabarem definitivamente em 2012. A partir de então o rebanho da família Pascoal, em Casal Pinto, centrou-se nas ovelhas e nas cabras, «Sempre vendi leite para as fábricas Serqueijos e A Queijeira», refere. Hoje continua a vender para as fábricas e também para algumas queijarias. Na linha da frente está a da filha, Marta Pascoal.
Atualmente com 67 anos, Américo Pascoal assume a sua satisfação por ver o filho dar continuidade ao negócio, mas não deixa
de manifestar alguma preocupação. «Se dissesse que não estava contente, estava a mentir. Mas estou um bocado triste, porque agora ele não tem dinheiro», refere, lamentando as dificuldades e falta de apoio a que historicamente o setor tem estado sujeito e que parece continuar sem solução.
«Gosto disto, se não gostasse não estava aqui», diz Sérgio Pascoal, de 29 anos. Não é rapaz de grandes conversas, mas percebe-se claramente o cuidado e a paixão pelos animais. Um dos seus objetivos é «reforçar o rebanho», atualmente com 130 ovelhas e 50 cabras. Tem 31 borregas para “ficarem”, animais das raças Lacone e Azafe. O objetivo, explica, «é não ter quebra de produção», mantendo os mesmos níveis ao longo de todo o ano. «Equilíbrio» que está diretamente relacionado com o número de animais em produção, ou seja, a dar leite, o que, por sua vez, está dependente do nascimento das crias.
Significa que Sérgio Pascoal quer “apurar” os diferentes lotes que atualmente já caraterizam o rebanho, com os animais que pariram por altura da Páscoa a apresentarem um pico de produção, enquanto outros estão em decréscimo e outros já “secos”.
“Contas de cabeça” que é necessário fazer também na distribuição do alimento ao rebanho que está sempre no estaleiro. «As ovelhas que estão a dar leite têm de ter
uma alimentação muito cuidada», explica Sérgio. «Não é só dar comida, tem que se saber o que se dá», adianta o pai. «Além da palha, cada uma come praticamente 700g de ração por dia», adianta o jovem agricultor.
A família compra o milho e a ração e Sérgio lamenta o aumento significativo do preço da ração, que está nos 550 euros a tonelada. «É muito», diz, tendo em conta que a manjedoura «tem de estar sempre composta». Só de palha, todos os dias são, pelo menos, «dois fardos» de 250 kg cada.
As preocupações de Sérgio – que conta com a ajuda do pai, embora Américo diga a cada passo que quem manda é o filhonão se limitam a alimentar, duas vezes por dia, de manhã e à noite, o rebanho. É também necessário proceder à ordenha, todos os dias, às 7h00 da manhã e às 20h00. «Não há feriados, domingos ou dias santos», lembra Américo. A ordenha é mecânica e, à hora certa, os animais «já sabem» para onde ir. Basta abrir umas portas e fechar outras e eles encaminham-se para a sala de ordenha, 12 de cada vez, com seis a serem ordenhados em simultâneo. Atualmente a produção ronda os 35 litros em cada ordenha, o que perfaz 70 litros por dia. Mas no auge chega a atingir os 120 litros/dia.
Também é necessário zelar pelo bem estar dos animais a um outro nível, nomeadamente com uma cortina de água a refrescar o estaleiro, em dias quentes de verão, ou “fazer a cama ao gado”, colocando palha no solo, que a certa altura tem ser substituída. É retirada e «posta a curtir» e usada depois para estrumar as terras. Sobretudo os campos de pasto, cerca de 15 hectares, que a família cultiva, garantindo uma parte do alimento para o rebanho. Grande parte dos terrenos – 80% de regadio – foram semeados com luzerna. Trata-se de uma leguminosa com um grande valor nutritivo e muito resistente, que produz durante sete anos, embora o primeiro seja praticamente «para enraizar». Sérgio também semeia sorgo, «mas é muito mais frágil».
As máquinas não param. «Numa semana gastei 400 litros de gasóleo», diz o jovem. É necessário lavrar, semear, regar, ceifar e colher, garantindo que não falta alimento ao rebanho. «Se não lhes dermos, elas também não dão», remata Américo Pascoal.
A CONQUISTAI DO RABAÇALI DOPI
1985 A primeira queijaria de produção em grandes escala surge no Rabaçal em 1985. Atualmente vive um momento de “viragem”, mas novos projetos estão a germinar
Sinto-me feliz a fazer queijo», diz Alice Pereira. Um sentimento profundo, que lhe vem das entranhas da alma e a leva a dizer, com a maior das naturalidades: «não me importava de morrer a fazer queijo». Efetivamente, as suas mãos afagam a massa, numa quase devoção, dando forma ao queijo. Um produto que sente e conhece como ninguém. São 35 anos de dedicação em exclusivo, depois de ter crescido a ver a mãe e a avó a fazerem queijo.
Alice Pereira recorda os seus tempos de juventude, uma altura em que «toda a gente fazia queijo» e fazia-se queijo com leite
de cabra, de ovelha e de vaca. «Tudo era Queijo do Rabaçal», sublinha, lembrando que, à época, ainda não tinha sido definida a zona demarcada e, como tal, «não havia normas, não havia caderno de especificações». Havia, isso sim, um queijo de qualidade e que ganhou fama.
Entusiasmada, lembra que o grande Eça Queirós se referiu a este produto, particularmente em “A Cidade e as Serras”, uma das pérolas da literatura portuguesa, onde o escritor fala com agrado e conhecimento deste “queijinho redondo”. Significa que já no início do século XX o Queijo Rabaçal era conhecido, mais, era apreciado.
Alice Pereira vivia em Alfafar e trabalhava num infantário. O marido, Hermínio Oliveira, era comerciante de queijo. A empresária recorda, no início dos anos 80, um «grande surto de brucelose», que representava, naturalmente, um revés para o negócio, mas também a resposta, de pronto, que veio de
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«um senhor de Degracias», uma localidade próxima, pertencente ao concelho de Soure, que «começou a fazer queijo pasteurizado». O meu marido começou a comprar queijo a este senhor», recorda. Pouco depois, Hermínio Oliveira adquiria a patente desta nova produção. A esposa “troca”as crianças do infantário pelo queijo e, aos 23 anos, começa a dedicar-se de corpo e alma à produção. Primeiro em Degracias, depois no Rabaçal.
«Comprámos um terreno e instalámos a queijaria». Vivia-se o ano de 1985 e assistia-se à fundação de uma verdadeira “catedral” de produção do queijo, a Serqueijos Pimenta, Lda. – Fabrico de Queijos do Rabaçal». Foi a primeira e a maior unidade de grande produção instalada no Rabaçal. «Cheguei a “fazer” 40 mil litros de leite num só dia», recorda.
Cerca de uma década após a entrada em funcionamento da empresa, assiste-se à criação da área de denominação de origem protegida (DOP) do Queijo Rabaçal - diploma publicado no Diário da República no dia 26 de janeiro de 1994 - e entra em vigor um conjunto de regras. É o “ordenamento” da produção do Queijo Rabaçal, que passa, exclusivamente, a ser feito com leite de ovelha e de cabra». «São três partes de leite de ovelha e uma parte de leite de cabra», esclarece a especialista. O leite, necessariamente, tem de vir de animais e rebanhos da região das Terras de Sicó. Uma área com 850 km2, que abarca os concelhos de Penela, Condeixa-a-Nova e Soure (distrito
de Coimbra), Ansião, Pombal e Alvaiázere (distrito de Leiria).
Alice Pereira lembra outras das exigências deste queijo curado, de pasta semidura a dura, de cor branco-mate ou ligeiramente amarelada, cujo peso deve oscilar «entre os 300 e os 500g». De acordo com o caderno de especificações, o diâmetro varia entre os 10 e os 12cm e a altura é definida entre os 3,3 a 4,2cm. Relativamente ao processo de produção, o leite é aquecido a 28.º, correspondente «à temperatura a que sai do úbere do animal», explica Alice Pereira, que sublinha o facto de o leite não ser pasteurizado, procedimento que se aplica ao queijo fresco, mas não ao curado.
À mistura de leite – ovelha e cabra - “crú” - depois de coado, junta-se o coalho químico, de origem animal. «Na nossa zona não temos muito cardo», faz notar, facto que justifica o recurso ao coalho de origem animal, uma solução moderna que substitui a tradicional “mezinha” (bucho do cabrito cheio com leite de ovelha, seco ao fumeiro). 45m/uma hora é o tempo que o leite demora a coalhar. Depois, a massa branca recebe um corte, «para retirar algum soro» e vai sendo manuseada até obter a consistência desejada, libertando o soro. Nas formas, devidamente higienizadas e com pequenos “buracos”para permitir a drenagem do soro, coloca-se a massa e, depois de cheias, são dispostas numa prensa, onde ficam a escorrer.
«O sal tanto pode ser colocado no leite como em cima do queijo», depois de sair
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da prensa. Segue-se o início do percurso de cura, que começa com o “cintar”o queijo (cintas retiradas dois a três dias depois), que é colocado nas câmaras de cura/maturação, onde fica, «pelos menos 25 dias». «O queijo é virado todos os dias e lavado sempre que é preciso, com água morna», adianta a queijeira.
O queijo fresco, outra das referências ancestrais do Rabaçal, «não pode ser DOP, porque o leite é pasteurizado». Um processo que tanto pode ser feito de forma artesanal, ou seja, com o leite a ser fervido até uma temperatura de 76º, ou recorrendo a uma máquina de pasteurização. «O queijo fresco é feito com leite de ovelha e de vaca», esclarece.
Alice Pereira tem a sua assinatura colocada no maior Queijo Rabaçal DOP produzido na região, na altura do Mercado do Queijo e dos Romanos, que se realiza no Rabaçal. Este ano, a opção foi, dada a falta de tempo para a cura do queijo, a confeção de um gigantesco queijo fresco, deliciosamente saboreado pelos comerciantes e visitantes do Mercado do Queijo e dos Romanos. E nunca diz não a novos desafios. É a paixão pelo queijo sempre a falar mais alto. Uma paixão assumida. «Tenho paixão pelo Queijo Rabaçal», diz. «Pertenço ao concelho de Penela e ao Rabaçal, o queijo faz parte da minha vida há quase 40 anos. Gostava que o Queijo Rabaçal nunca morresse», confessa.
O segredo deste queijo DOP está, em seu entender, «nos terrenos calcários» da região, que têm, claramente, um impacto na qualidade dos pastos. Todavia, não deixa de reconhecer que, hoje em dia, a maioria dos rebanhos praticamente não sai do curral e uma boa fatia da alimentação é garantida por rações. Todavia, «sempre vão comendo alguma erva».
«Vir ao Rabaçal e não levar um queijo é como ir a Roma e não ver o Papa», considera a queijeira, orgulhosa deste produto ancestral, que continua a “dar cartas”. «Este ano certifiquei 12 mil queijos», diz a empresária, actualmente com 57 anos, que tem em mente um novo projeto, necessariamente centrado no Queijo Rabaçal DOP. Na antiga fábrica, agora com a produção parada, a loja continua aberta e vende queijo DOP, queijo de mistura (ovelha e vaca), queijo fresco e queijo curado. Um pequeno passo para novos voos, num futuro que se pretende seja breve.
MERCADO JUNTA QUEIJO E ROMANOS
2010 Villa romana do Rabaçal acolhe a primeira edição do certame em 2010. Queijo é o “rei” da festa, com os romanos a assumirem-se como seus fiéis guardiões
Éa identidade de um território a afirmar-se na sua plenitude. De um lado, o sabor único do Queijo Rabaçal. Do outro, a memória viva do legado romano. Juntos fazem o Mercado do Queijo e dos Romanos. Um evento que arrancou em 2010 e tem vindo a crescer e a consolidar uma marca de excelência.
Maria Marmé, presidente da União de Freguesias de São Miguel, Santa Eufémia e Rabaçal, recorda o processo de criação deste evento, em 2010. Como candidata à então Junta de Freguesia do Rabaçal, assumiu como “ponto de honra”a recuperação da Feira do Queijo. Um evento “nascido” na freguesia, mas que cresceu e se repartiu pelos seis municípios da região das Terras de Sicó. «Era importante para a afirmação e desenvolvimento da fileira do queijo», reconhece a autarca local. Todavia, o certo é que as gentes do Rabaçal ficaram «mais do que zangadas, tristes», por perderem esta sua referência de longa data. Foi neste
quadro que a equipa liderada por Maria Marmé assumiu como promessa que, caso ganhasse a Junta, recuperava a feira do queijo. E assim se fez. Em articulação com o então presidente da Câmara de Penela, ficou decidido realizar o Mercado do Queijo na Villa Romana. À sugestão do espaço, dada por Maria Marmé, Paulo Júlio acrescentava a presença de um grupo de romanos e a recriação desta vivência. «Exigiu uma logística enorme», refere, tendo em conta que foi aproveitar a oportunidade para juntar «tudo o que tinha a ver com o queijo e com a aldeia», aliar os dois legados fundamentais da freguesia. Estava dado o mote para o Mercado do Queijo e dos Romanos.
Uma primeira edição marcante. A autarca local recorda os dois rebanhos de cabras e ovelhas presentes no espaço, bem como o burro (a Escurinha), que passeou um número incontável de crianças em redor das tendinhas. «Tivemos mais de 60 expositores», que além do queijo, «o rei da festa», sublinha, levaram os produtos endógenos por excelência da região, a saber: o vinho, o azeite, o mel, as nozes e o artesanato, sem esquecer o programa de animação popular, com ranchos folclóricos, concertinas e filarmónicas.
Uma receita coroada de sucesso que, ano após ano, foi consolidando a sua imagem
de marca. Mas também apostou em novos desafios. Maria Marmé lembra a confeção de um mega queijo, «o maior Queijo Rabaçal DOP do mundo». Uma ideia que arranca em 2014, por proposta do então autarca, Luís Matias, que teve em Alice Pereira uma fiel concretizadora. Um queijo gigante, confecionado com mais de meio milhar de litros de leite, transportado pelos romanos, numa padiola e repartido entre feirantes e visitantes. Era um novo atrativo para o Mercado do Queijo e dos Romanos. «Nesse ano vendeu-se tudo», garante, e houve necessidade de “reforço” de alguns setores, nomeadamente da padaria, que estava, no local, a cozer pão e broa. «Foi um mercado que ficou para a história e no meu coração».
Os ateliers infantis são outros dos atrativos, com as crianças a terem a possibilidade de “meter as mãos na massa” e aprender a fazer queijo e também a produzir mosaicos. «Nesse ano também tivemos uma horta», recorda. Com as pequenas sacholas, as crianças tinham a possibilidade de mexer na terra e plantar e regar cebolinho, couves e alfaces.
Em 2020 e 2021, devido à pandemia, o Mercado do Queijo e dos Romanos não se realizou. Regressou este ano. «Não houve tempo para fazer o mega queijo amanteigado», refere. Em sua substituição foi preparado o «maior queijo fresco do mundo», igualmente partilhado entre todos os presentes, depois de cumprido o tradicional cerimonial. Um evento que, devido à instabilidade do tempo, decorreu no campo de futebol, dentro de uma tenda, como acontece, de resto, quando as condições atmosféricas são menos favoráveis à realização do evento ao ar livre, no espaço da Villa romana.
«É um projeto para continuar», diz a autarca local, satisfeita com este evento, uma organização conjunta da União de Freguesias e do Município. «É uma iniciativa muito acarinhada pelas pessoas do Rabaçal e importante para o concelho e para a região». Um evento que junta «as nossas tradições», «mostra a nossa cultura e a nossa identidade» e que também veio imprimir mais dinâmica à fileira do queijo. A prová-lo está o facto de terem surgido, de então para cá, novas queijarias artesanais, sublinha, ao mesmo tempo que cresceu o número de cabeças e de rebanhos, com algumas pessoas a criarem o seu próprio emprego. Dados que a levam Maria Marmé a afirmar, com confiança que o Queijo Rabaçal «tem futuro».
UMA BANDEIRA PELO QUEIJO
2002 No dia 9 de novembro de 2002 assiste-se à criação da Confraria do Queijo Rabaçal, com o objetivo de defender, valorizar e promover este produto endógeno
Adefesa, valorização e promoção do Queijo Rabaçal DOP (denominação de origem protegida) constituem as traves mestras que ditaram a criação, a 9 de novembro de 2002, da Confraria do Queijo Rabaçal, cuja escritura foi assinada em abril de 2006. Um projeto intermunicipal alargado, que “nasce” no Rabaçal, de onde é originário o queijo, mas “abraça” todo o território das Terras de Sicó e, complementarmente, outros produtos endógenos da região.
Atento à realidade do sector, Rui Oliveira, grão-mestre chanceler da confraria reconhece que o mercado tem vindo, nos últimos anos, a valorizar o Queijo Rabaçal, o que tem representado um incentivo à produção, que tem procurado acompanhar o ritmo da procura. Todavia, atualmente vive-se um momento particularmente difícil, decorrente da pandemia que afetou o mundo nos últimos dois anos, da guerra que ocorre na Europa e da seca que se faz sentir. Esta conjugação de fatores motivou «um aumento assustador dos combustíveis, adubos, sementes de cereais», que deixam os produtores numa «situação muito complicada». «A produção de leite é cada vez menor e a sua qualidade diminui igualmente, interferindo com a produção e qualidade do queijo», alerta. «O Ministério da Agricultura deve olhar para esta situação, promovendo incentivos de ordem económica», defende Rui Oliveira, que considera igualmente «importante» que «os municípios das Terras de Sicó se envolvam na defesa deste produto».
Independentemente destas medidas circunstanciais, o grão-mestre entende que devem ser tomadas medidas de fundo para revitalizar o sector e garantir o seu futuro. «Continua a ser a geração de mais idade que vai mantendo os rebanhos, o pastoreio e o fabrico de queijo», diz, confiante que «com uma política para a agricultura mais atrativa, onde os incentivos de ordem económica e contributos tecnológicos têm que estar presentes, talvez se conseguisse atrair jovens para este sector». Rui Oliveira entende, ainda, que «é necessário um sistema de remuneração ao produtor de leite em função
Os símbolos
O gabão tradicional da Serra de Sicó, de cor castanho-barro, simbolizando as vestes dos pastores, constitui o elemento essencial do traje dos confrades, que também usam chapéu de aba redonda, verde azeitona, com fita amarela. O cajado tradicional do pastoreio é outro elemento obrigatório, assim como o canivete, essencial para «cortar e provar o Queijo Rabaçal».
O escalupário consta de uma medalha metálica, em formato de queijo com corte de uma fatia e as inscrições “Confraria do Queijo Rabaçal” de um lado e, do outro, “Serra de Sicó”.
da qualidade, um preço equilibrado e adequado», bem como «incentivos da indústria à melhoria da qualidade do leite pelo produtor, fomentando práticas de melhoria na reprodução, sanidade e nutrição».
Depois de largos anos sem instalações próprias, recorrendo à Junta de Freguesia ou ao Museu do Rabaçal sempre que necessário, a confraria assinalou a maioridade
com a garantia de uma sede própria. «Em janeiro de 2020 foi celebrado um protocolo de cedência de uma sala nas instalações da Junta de Freguesia», recorda o grão-mestre. A inauguração da sede aconteceu a 25 de julho de 2021.
Desde a fundação, aderiram à confraria cerca de duas centenas de confrades, mas «a maioria apenas envergou o traje no dia da entronização», refere Rui Oliveira que, «com realismo» aponta «cerca de oito dezenas de confrades» que, uns mais outros menos, «cumprem os seus deveres», participando nas atividades promovidas pela confraria, designadamente o capítulo – celebrado em maio, por ocasião da Feira do Queijo ExpoSicó, que em cada ano se realiza num dos seis concelhos das Terras de Sicó; a representação nos capítulos de outras confrarias, a presença na ExpoSicó, nas festas do queijo dos concelhos das Terras de Sicó, em eventos promovidos pela Federação das Confraria e noutros de carácter gastronómico, cultural e social.
Numa altura em que a confraria se prepara para eleger novos órgãos sociais, o grãomestre é comedido nos projetos, mas assume que gostaria de ver os seis concelhos das Terras de Sicó unidos nas comemorações do Dia Nacional da Gastronomia, no último fim de semana de maio.
PÔR A SUB-REGIÃO DE SICÓ NO MAPA
Os brancos são muito aromáticos e frescos». Já os tintos apresentam-se «encorpados, complexos, com bons finais de boca». São assim os néctares das Terras de Sicó. Um legado com séculos de história, que remonta ao tempo dos romanos e ganhou foros de cidadania nos últimos 30 anos. Com efeito, em fevereiro de 1992 é publicado o diploma que institui a Sub-Região Terras de Sicó. Em outubro de 1993, é criada a Vinisicó – Associação dos Vitivinicultores da Região de Sicó.
Um projeto “sui generis”, que «juntou todas as cooperativas agrícolas e as câmaras dos concelhos das Terras de Sicó»: Penela, Pombal, Condeixa, Soure,Ansião eAlvaiázere. O objetivo era criar uma estrutura que funcionasse como motor de apoio aos vitivinicultores, orientando-os no processo de certificação, diz Gonçalo Moura da Costa, presidente da direção da Vinisicó. Volvidos 29 anos, o desafio deu frutos, mas há muito a fazer, sobretudo na afirmação deste néctar, que já é reconhecido e premiado, mas precisa de ser conhecido.
O GAL (Grupo de Ação Local) Terras de Sicó, deu um “empurrão” essencial para a criação da Vinisicó e o então presidente da Câmara de Penela, Fernando Antunes, foi outro “anjo da guarda”, ao ceder o espaço para as primeiras instalações, na sede do concelho. Mais tarde, igualmente com o apoio da Terras de Sicó, avançou a requalificação da antiga escola primária de Alfafar, onde está a atual sede.
Aos seis concelhos da sub-região junta-se a freguesia de Lamas, do município de Miranda do Corvo. Um território onde «convergem influências» de outras regiões, designadamente da Bairrada, Beira Interior e Estremadura e que tem o seu “terroir” gizado pelos «solos argilo-calcários, pelos verões quentes e secos e invernos frios e húmidos». Nos tintos, imperam as castas Baga, Tinta Roriz, Touriga Nacional, Alfrocheiro, Rufete, Bastardo e Trincadeira. Nos brancos, afirmam-se a Fernão Pinto, Arinto e Cerceal.
Atualmente, são 15 os produtores certificados. «Em termos absolutos, não chega a
10% dos produtores», diz, reconhecendo que «é muito pouco», tendo em conta os 400 sócios da Vinisicó. Significa que «há um longo caminho a percorrer». O enólogo elogia o empenho da Câmara de Penela, da Junta de Podentes e da Vinisicó em premiar os vencedores do concurso de produtores efetuado na Vinália, dando-lhes «apoio financeiro e administrativo para a certificação». «Em duas edições, há mais dois vitivinicultores certificados», refere. Satisfeito, regista que, nos últimos tempos, «algumas famílias “pegaram” no negócio», conferindo-lhe novo impulso.
Com um “terroir” com provas dadas, os Vinhos Terras de Sicó deparam-se com «um problema de penetração». «A região tem de se afirmar como produtora de vinho e com todos os agentes a convergirem nesse objetivo», desafia, admitindo que «falta promoção e conhecimento», pois é a informação que “chama” os vinhos aos restaurantes e incentiva o consumo. «Ninguém pede o que não conhece», assegura.
A promoção é, necessariamente, uma prioridade. Alguns passos começaram a ser dados, designadamente com a presença da marca em feiras, num «esforço de pressão» articulado com os municípios e a Associação Terras de Sicó. Foi, também, criado um “outdoor”, presente nos sete municípios, e na ExpoSicó foi promovida uma prova
de vinhos, com sucesso, que pode inspirar outros eventos em cada concelho.
A criação de uma Rota do Vinho e da Vinha, associada a uma aplicação para telemóvel, é uma das ideias que a Vinisicó pretende desenvolver, em parceria e «convergência» com todos os agentes do território. O objetivo é criar um “pacote completo”, com o foco no vinho e na vinha, mas informação complementar sobre alojamento, restauração, património histórico e cultural e locais de visitação. «Esta rota é essencial para alavancar o produto» e, consequentemente, para o sucesso dos produtores, conclui.
Perdas de 20% na produção
«O excesso de calor e o défice hídrico» representam, na colheita deste ano, «uma perda de 20%» prognostica Gonçalo Moura da Costa, que dá conta, ainda, de uma vindima mais precoce. «Ainda é muito cedo para falar em qualidade», alerta, embora destaque o «ano simpático» em termos fitossanitários.
A componente de consultoria e apoio técnico representa o centro da atividade da Vinisicó. «Esta é a base, que levou à constituição da associação», recorda o presidente, que destaca, igualmente, a formação como outra área essencial da Associação de Vitivinicultores da Região de Sicó.
1993 Em outubro de 1993 nasce a Vinisicó – Associação de Vitivinicultores da Região de Sicó, uma entidade que quer levar longe o nome e o sabor deste “terroir”Enólogo Gonçalo Moura da Costa preside à direção da Vinisicó
O DOCE SABOR DO MEL
“Seja obreiro desta colmeia”
Fernando Bacalhau tem atrás de si várias gerações de apicultores. Tinha 18 anos quando o avô lhe deu dinheiro para comprar a primeira colmeia. De madeira, adquirida «numa fábrica em Santo António dos Olivais», Coimbra, onde residia. Foi o início de um hobbie que o levou ao longo dos anos a ter um número variável de colmeias. Todavia, depois de ter perdido o emprego, as abelhas colocaram-se no seu caminho e derem um novo rumo à sua vida. Uma situação nova, que conjugada com a perceção da redução crescente do número de apicultores, ditou a vontade de dar um passo para mudar. Surge, assim, o desafio: “Seja obreiro desta colmeia”.
Almerindo Costa é o rosto da Serramel – Associação de Produtores de Mel, a que preside há mais de uma década. Quando a associação foi criada «tinha mais de 40 associados». Hoje o número não ultrapassa a dezena. «Resistem os mais velhos», diz. É o seu caso. Com 72 anos, natural de Miranda do Corvo, mudou-se em 1974 para o Espinhal e dedica-se às abelhas há 22 anos.Atualmente tem 25 colmeias, mas já chegou a ter 40. A produção também já não é o que era. «Este ano foi um bocadinho melhor do que no ano passado», altura em que a produção se quedou pelos 50%. A «grande seca» e as «temperaturas muito elevadas» foram responsáveis por esta quebra.
Temperaturas elevadas que ditaram, igualmente, uma «antecipação da cresta», a recolha do mel, que «habitualmente é feita a partir de 15 de agosto» e este ano começou «um mês antes», explica.
Além das alterações climáticas, os apicultores vêem-se confrontados com outros problema dramáticos: a vespa asiática, que mata as colmeias, e a “varrôa”.
«Temos que gostar disto», diz Almerindo Costa, que, apesar de já ter visto muitos desistirem, quer continuar a produzir mel. Não que seja muito rentável. «Se fizermos bem as contas, não é rentável», diz, apon-
tando, por exemplo, o aumento de 60% no preço dos frascos, que ditou a venda do mel, na Feira do Espinhal, a 11 euros, «para não castigar muito o cliente»
O mel do Espinhal – que integra a Região Demarcada do Mel Serra da Lousã – é um «mel de qualidade superior», «multifloral», «produzido à base de urze», que abunda na Serra de Santa Maria. Um mel «com um sabor intenso» e de «cor escura», «que dá gosto» e motiva a deslocação de um grande número de pessoas à tradicional Feira do Mel do Espinhal, no início de setembro.
Com a recolha feita, os apicultores têm agora que estar atentos à limpeza dos apiários e, com a chegada do inverno, é necessário garantir a alimentação das abelhas. Alimento que pode ser adquirido já pronto, ou preparado, fazendo «uma pasta à base de açúcar e água». Os alimentadores são colocados sobre as colmeias e reabastecidos de oito em oito dias. Na primavera é altura de se colocarem as “alças” e “meias alças” nas colmeias, para «começar a produção».
A Serramel garante apoio aos apicultores do Espinhal, nomeadamente na extração, uma vez que tem o equipamento instalado numa antiga escola primária. O apoio técnico e fornecimento de material aos apiários é garantido pela Lousãmel.
Para levar avante a ideia, Fernando Bacalhau procura apoio e avança com a fundação de uma cooperativa, a Co.Beehive. O projeto arrancou em 2019, desafiando pessoas singulares, empresas, entidades, a aderirem a esta ideia, tornando-se “apicultores virtuais”. O primeiro objetivo foi o apadrinhamento de 50 colmeias. Demorou tempo, mas está feito. «Há pessoas que têm mais do que uma colmeia», refere, destacando o caso de uma empresa que «tem cinco». Segue-se mais um desafio e mais 50 colmeias.
O processo é simples. Cada pessoa, entidade ou empresa pode comprar uma ou mais colmeias, pelo preço unitário de 145 euros. «É assinado um protocolo de adesão à cooperativa» e, durante cinco anos, o signatário recebe «quatro frascos de mel por ano». «Mesmo que a colmeia não produza ou morra, garanto os quatro frascos de mel/ano», afiança Fernando Bacalhau.
Confessando que precisa de ajuda, «de alguém jovem», destaca o facto de a Câmara de Penela querer entrar no projeto, o mesmo acontecendo com a União de Freguesias do Rabaçal, Santa Eufémia e São Miguel, que se junta à Junta do Espinhal, que já soma duas colmeias. Feliz, o apicultor do Rabaçal refere o interesse manifestado por outros concelhos, nomeadamente Poiares, em replicar o conceito.
«Acredito no projeto», diz Fernando Bacalhau. Além do mel, «as abelhas são importantíssimas para o equilíbrio do ecossistema», faz notar, confiante que o “Seja obreiro desta colmeia” possa representar um impulso na produção de mel na região. E, quem sabe, no futuro criar uma marca própria que promova esta tradição.
Em janeiro de 1992 nasce a Associação de Produtores Serramel, com sede no EspinhalUrze abunda na Serra de Santa Maria e confere a cor escura e o paladar único ao mel
ATENÇÃO OS MAIS VELHOS E AOS MAIS NOVOS
1980 Década de 80 marca uma viragem na longa história da Misericórdia, que avança com novas respostas
Defesa da cultura e das tradições
A Santa Casa é, também, «um parceiro ativo na defesa e no garante das tradições», considera o provedor, referindo-se à Irmandade. «Em Penela, havia cinco ou seis irmandades, desapareceram todas, só resta a da Misericórdia», diz o provedor. Inicialmente, a Irmandade apenas acompanhava os seus defuntos, mas o leque de intervenções foi alargado e hoje é presença obrigatória em todas as procissões. «A Irmandade é um símbolo», que importa manter, «mantendo vivas as tradições e a cultura locais». Papel importante, igualmente, na defesa do património, de que é exemplo a Igreja da Misericórdia, do século XII, um “ex libris” da vila. Nos anos 90, o templo foi submetido a obras profundas, na cobertura, pintura e recuperação de telas e imagens, secundado por outras intervenções, sempre que necessário. «É um património muito valioso, que faz parte do roteiro das igrejas de Penela», destaca Fernando Antunes.
Éuma das Misericórdias mais antigas da região. Criada por D. Sebastião, em 1559, a Confraria da Misericórdia de Penela era a resposta régia ao pedido dos juízes, vereadores, procuradores e homens bons do concelho face ao «elevado número de pessoas pobres e presos que necessitavam de assistência». Apoio social que, ao longo dos séculos, sempre foi o timbre da Santa Casa da Misericórdia de Penela. Uma instituição que também desempenhou um papel na educação, com a criação e gestão do ensino primário (1723 a 1816). Mais tarde foi um olhar atento à saúde, com o hospital. O apoio aos mais fragilizados, sobretudo idosos, crianças e doentes volta a estar na “linha da frente” das preocupações da instituição, que nos finais da década de 80 inicia uma nova “página” da sua história, sempre com o objetivo de garantir a resposta certa às necessidades da comunidade.
Um novo período da instituição que arranca com o projeto de um Centro de Dia,
em instalações provisórias, em 1988. Segue-se a construção do lar residencial, que abre em 1991 e passa a acolher o centro de dia. O lar recebe obras de melhoramento em 2011/12 e de ampliação e remodelação em 2017, passando a designar-se ERPI Monsenhor José dos Santos Palrinhas. O lar é uma das valências mais procuradas. Igualmente muito solicitado é o apoio domiciliário, com 55 utentes, espalhados por todo o concelho, com excepção da Cumeeira, onde a Cáritas oferece esta resposta. «O apoio domiciliário não se reduz à entrega da refeição», refere o provedor, destacando a importância do «convívio», da «relação humana» que se estabelece.
Menos solicitado é o Centro de Dia, com 12 utentes. Fernando Antunes entende que este tipo de resposta tem sucesso onde há grandes concentrações populacionais, o que não acontece em Penela. Também noutros tempos com lotação esgotada estão as duas creches, com capacidade total para 60 crianças. A primeira, a Creche Augusto
Neves, foi inaugurada em outubro de 2007, com capacidade para 30 crianças. Três anos depois a Misericórdia passa a ser responsável pela Casa da Criança, criada por Bissaya Barreto, até então gerida pelo município, e entretanto transferida para a antiga escola primária Adães Bermudes.
A mais recente valência da Santa Casa de Penela é a Unidade de Cuidados Continuados (UCC), que começou a funcionar em fevereiro de 2008 e foi inaugurada em junho pelo então primeiro ministro José Sócrates. Uma resposta que se instala no edifício do antigo Hospital da Misericórdia. Fernando Antunes lembra que a construção do hospital começou em 1963, com comparticipação do Estado, e custou 1.864.469$80. «Em 1971 foi cedido gratuitamente ao Estado, para funcionamento do Centro de Saúde», mas manteve-se fechado, acolhendo, em 1981, o Tribunal da Comarca e a Caixa de Previdência. A 11 de Abril de 1983, abria, finalmente, o Hospital Concelhio dotado com unidade de internamento. O Centro de Saúde fun-
cionou ali, posteriormente, até 2002, altura em que foi construído o novo edifício, com o hospital a ser devolvido à Misericórdia. Uma candidatura ao programa PARES permitiu requalificar e adaptar o imóvel, onde também funciona a Unidade de Fisioterapia e vários espaços administrativos. O “novo hospital” arrancou com 19 camas de longa duração e em 2020 ficaram concluídas as obras de alargamento, que permitiram instalar mais 12, perfazendo um total de 31 camas.
Num concelho com pergaminhos em termos associativos a Misericórdia tem-se afirmado com «um parceiro de excelência», faz notar Fernando Antunes, que exemplifica com o CLDS 4G, programa que arrancou em 2020 e que a Santa Casa coordena. Um projeto «focado no envelhecimento ativo», com o acompanhamento domiciliário de mais de uma centena de pessoas, através de «uma equipa multidisciplinar», que tem feito um «trabalho extremamente positivo». Outro exemplo é o Programa Operacional de Apoio aos Mais Carenciados (POAMC), que procede à entrega de bens alimentares às famílias sinalizadas, num total de 102 pessoas.
Recuperar a Casa da Criança e garantir sustentabilidade
A recuperação da Casa da Criança, onde funcionou a primeira creche, é um dos objectivos da Mesa Administrativa, que avançou com uma candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O «ideal», segundo o provedor, seria instalar ali uma residência para seniores, para responder às crescentes solicitações, uma vez que seriam mais 42 camas. O investimento previsto é de 1,5 milhões de euros para a recuperação da Casa da Criança e construção de um novo edifício.
Determinante é, para o futuro, o «desafio da sustentabilidade da instituição», considera Fernando Antunes. «Temos dois vetores fundamentais – crianças e velhos – e em nenhum deles a mão de obra pode faltar», diz, apontando os 120 funcionários da Santa Casa e os cerca de 225 utentes, que usufruem das diferentes valências, além de mais de 150
pessoas que beneficiam dos programas de apoio.
«As IPSS não têm nenhum saco azul», desabafa, referindo-se ao aumento crescente das despesas, sem contrapartidas do lado da receita. «Com justiça, o Estado aumenta o ordenado mínimo, mas não aumenta o apoio», lamenta, assumindo que a «sustentabilidade» da instituição é uma «preocupação crescente». Para quem trabalha, tudo isto «é desmotivador», adianta, elogiando os funcionários, que respondem a um trabalho «difícil e exigente, que exige vocação». Ao nível diretivo, «somos voluntários» e «cada vez há menos este espírito altruísta», faz notar. «Se as coisas não mudarem, vamos ter tempos difíceis. Espero que haja consciência política para a situação, porque as instituições estão a dar resposta às obrigações do estado», conclui.
ABRAÇAR A DIFERENÇA
1978 Pais, professores e comunidade juntavam-se para encontrar respostas para as crianças e jovens com deficiência. Um movimento que deu origem, em 1978, à Cercipenela
encontram-se os cursos de operador de jardinagem, carpinteiro de limpos, serralheiro civil, assistente familiar e de apoio à comunidade e cozinheiro.
Decorrente do Plano Nacional de Emprego e da criação dos Centros de Recursos Locais, nos finais dos anos 90, a Cercipenela candidatou-se e passou a funcionar como Centro de Recursos Local para os centros de emprego de Figueiró dos Vinhos e da Lousã. Posteriormente, em 2013, foi credenciado como Centro de Recursos para a área do Centro de Emprego e Formação Profissional do Pinhal Interior Norte.
O Centro de Emprego Protegido – Cepsicó – foi criado em 2001, centrado na área das limpezas interiores e exteriores. O quadro de pessoal conta com 10 trabalhadores e não é difícil vê-los em ação, uma vez que, no âmbito de um acordo com o município e com as juntas de freguesia, asseguram a limpeza de ruas e espaços verdes, além de serviço de limpeza a várias empresas e entidades. Há também uma equipa vocacionada para a jardinagem.
Anecessidade de encontrar respostas diferenciadoras para as crianças e jovens com problemas ditou a criação, em 1978, da Cercipenela. Na altura não «havia qualquer modelo de intervenção» para este tipo de instituições. Havia, isso sim, «boa vontade», «entrega», «espírito empreendedor». Um fermento que mobilizou técnicos, professores e pais, que se empenharam em encontrar o norte e criar um referencial técnico-pedagógico para a instituição e respostas assertivas para as diferentes situações. Um caminho trilhado passo a passo, que começou no concelho de Penela e cresceu para Ansião e Alvaiázere. Hoje a Cercipenela dá resposta a um universo de 376 utentes. Mais do que crescer, o presidente da direção entende que os desafios para o futuro, tendo em conta toda a dinâmica instalada e as muitas valências, passa por «consolidar o que existe» e «pugnar pela criação de melhores condições».
No início, a instituição «começou a dar apoio escolar a crianças entre os 8 e os 13 anos de idade». Mas as crianças cresceram e as necessidades também. Daí o emergir de «unidades e serviços, que se foram autonomizando e definindo estratégias, de acordo com as necessidades dos utentes». É assim que surgem o Centro de Atividades
Ocupacional (COA, hoje CACI), o Centro e Formação Profissional, o lar residencial e o Centro de Emprego Protegido.
O CAO, a funcionar desde 1991, constitui uma referência transversal de apoio aos utentes, que recentemente foi alvo de uma remodelação, que representou um investimento de 125 mil euros. Para uns, é uma resposta que garante e promove a sua qualidade de vida. Para outros, um trampolim que, associado a outras valências, designadamente à área da formação profissional, «pode promover a aquisição e melhoria de hábitos comportamentais e de tarefas semiprodutivas ou produtivas», promovendo, sempre que possível a sua «integração sócio-ocupacional».
O Centro de Formação Profissional assegura a orientação, formação e emprego e tem como objetivo «a preparação profissional dos formandos, perspetivando a sua inserção sócio-profissional». «Temos celebrado inúmeros protocolos com empresas dos principais concelhos que apoiamos –Penela – Ansião e Alvaiázere - para estágios e contratação de formandos», explica a direção. A formação oferece um amplo leque de propostas: ajudante de serviços de hotelaria e restauração, trabalhador agrícola e polivalente, ajudante de carpinteiro e ajudante de serralheiro. Com dupla certificação
O lar residencial foi uma necessidade que se impôs, com o crescimento das crianças e jovens e as dificuldades, igualmente crescentes, de suporte familiar. Tem 18 utentes. «É manifestamente pouco», diz Mário Duarte, que gostaria de ter condições para aumentar a capacidade, dependente da abertura de candidaturas.
As residências autónomas são outra alternativa, destinada a pessoas com menor grau de dependência, inclusivamente integradas no mercado laboral, mas que necessitam de apoio de retaguarda. Actualmente são oito os utentes e o presidente não esconde a vontade de crescer.
O Centro de Recursos para a Inclusão surge em 2013, no âmbito do plano nacional de apoio às escolas na inclusão de crianças e jovens com deficiência ao qual a Cercipenela concorreu. Trata-se de aplicar o know how da “casa” no quadro de uma parceria com o Ministério da Educação. As escolas dos três concelhos fazem o diagnóstico de necessidades e a instituição dá a resposta, nas áreas de psicologia, fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional. Assegura, ainda, apoio na transição dos jovens para a vida pós-escolar, com projetos na área da carpintaria, jardinagem e trabalho agrícola, culinária, lavandaria, serralharia, serviço de limpeza, trabalho ocupacional e de tempos livres.
VITASALUS RECUPERA OBRA DO DR. BACALHAU
2008 Reconstrução da propriedade em ruínas, no Espinhal, arranca em 2008. Um projeto centrado na saúde e bem estar que parece cumprir os desígnios do médico, mentor da obra, nunca concluída
Quase quatro décadas depois da morte do cirurgião, investigador e professor catedrático da Universidade de Coimbra, as “Obras do Dr. Bacalhau” ganham nova vida. O luxuoso palacete continua em ruínas, mas uma boa parte das construções do
empreendimento, na Serra de Santa Maria, no Espinhal, está recuperada. Ganhou vida e gente com a instalação do primeiro Centro de Vida Saudável em Portugal. A ideia, talvez utópica para a época, de instalação de uma unidade hoteleira de luxo, quiçá com uma componente terapêutica que o dr. José Bacalhau (1895-1972) terá imaginado e se empenhou em construir, ficou pelo caminho. Uma obra megalómana, iniciada nos anos 60 do século passado. Viriato Ferreira, igualmente médico, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Preventiva (APMP) é o obreiro da restauração, que arrancou em 2008 e vai continuar.
Fundada em 2003, a APMP reúne um
conjunto de profissionais de saúde que entende os hábitos de vida saudável como a receita essencial para o bem estar físico e emocional. Com sede em Lisboa, a associação, liderada pelo médico Viriato Ferreira, começa a procurar um espaço onde esses princípios pudessem ser desenvolvidos. Cristina Gualdino, secretária da direção da APMP, recorda-nos esse percurso, que levou o clínico, natural de Angola, ao Espinhal. A indicação foi dada por uns amigos de Viriato Ferreira, oriundos de Penela, que tal como ele viveram na África do Sul. «Sabiam que ele andava à procura de um espaço», refere. O médico «ficou encantado» com a beleza do local e das construções, dos lagos, da floresta. Mas também percebeu que era grande o desafio que se avizinhava, tendo em conta o estado de ruína.
O palacete ainda hoje ostenta uma aura de magnificência, apesar da destruição. Um edifício onde se concentraram pedras de cantaria, colunas, fontes, brasões, estátuas, mosaicos, madeiras, provenientes de locais emblemáticos como o Hotel Avis, em Lisboa - onde viveu Calouste Gulbenkian - do Hotel Sheraton, de um palacete da linha do Estoril ou o que restava de mosteiros abandonados. José Bacalhau tudo compravao que lhe valeu ser chamado “rei do lixo”e tudo levou para o Espinhal. A obra nunca chegou a ser concluída e o acontecimento mais relevante que ali teve lugar terá sido, em maio de 1968, uma reunião de confrarias, presidida pelo bispo-conde de Coimbra, considerada «um enorme sucesso social».
Depois da morte do dr. Bacalhau, em finais de agosto de 1972, mas particularmente depois da revolução de abril de 74, começou a pilhagem e a destruição da chamada Obra do Dr. Bacalhau. Tudo o que era passível de ser levado, desapareceu. Mais tarde, no final do século passado, a quinta foi ocupada por um projeto de recuperação
90 anos com Penela
de toxicodependentes, liderado pela Associação Le Patriarche , que terá feito algumas obras de recuperação. Todavia, quando deixou o Espinhal, a destruição e o vandalismo voltou a fazer-se sentir. Foi nesse estado de profunda degradação que a APMP assumiu o empreendimento.
«Parecia um filme de terror», conta Cristina Gualdino. «À medida que nos aproximávamos percebíamos a dimensão da ruína». Nada que fizesse recuar Viriato Ferreira. «É um homem de desafios», sublinha.
O contrato de comodato com a Junta de Freguesia, herdeira daquele património, foi celebrado (compra foi posterior, concretizada, segundo a APMP no ano passado) e em agosto de 2009 Viriato Ferreira apresenta publicamente o Centro de Vida Saudável do Espinhal. Cerca de um ano depois começam a chegar os primeiros pacientes, uma vez que foi necessário, primeiro, efetuar profundas obras de recuperação. Um trabalho que ainda não parou «Já restaurámos três edifícios e duas casas de habitação», conta Cristina Gualdino. Falta, sublinha, «o palacete principal» e mais um ou dois edifícios. Num deles, o objetivo é criar um SPA e duas piscinas, uma pequena e outra grande, com 25 metros, esclarece. O objetivo é continuar a recuperar. «Estamos a tentar fazer candidaturas ao 2020», adianta, no sentido de reunir apoios para levar a “carta a Garcia”.
Boa parte da recuperação efetuada contou com a «ajuda de voluntários». «Pessoas de todo o mundo», muitos da Europa, dos Estados Unidos e também de África, que colocaram a seu saber ao serviço desta causa, que contou, também com alguns donativos. Todos eles «querem conhecer a história deste lugar fantástico», com uma vista deslumbrante sobre o Vale do Espinhal. Também os utentes que demandam o Centro de Vida Saudável, VitaSalus gostam de saber a história das “Obras do Dr. Bacalhau”.
Diário de Coimbra
Aprender hábitos de vida saudável
As propostas da VitaSalus consistem basicamente em «programas residenciais, que ajudam as pessoas a terem um estilo de vida e hábitos saudáveis», explica Cristina Gualdino, que entende que esta é a resposta certa para tratar e prevenir problemas de saúde.
Há tratamentos para obesidade, diabetes e hipertensão e uma atenção especial aos casos de ansiedade, stress e depressão. «Este sítio emana paz», diz e há pessoas que procuram o Centro de Vida Saudável como «retiro», para «obter ferramentas, refazer hábitos de vida» ou mesmo para programas de férias.
Programas de 10 dias, que representam «uma porta aberta» para um novo caminho. Com o apoio de uma equipa multidisciplinar - médicos, psicólogos, enfermeiros, personal trainer – são “ativados” os oito princípios que constituem a base do tratamento: alimentação saudável (100% vegetariana), exercício, água, sol, temperança, ar puro, repouso e confiança (Newstart – recomeçar - o acró-
nimo, em inglês, dos oito princípios).
Dez dias é «pouco tempo», mas conseguem-se «perceber mudanças incríveis», garante. O programa inclui um curso de iniciação à nutrição, complementado com boa comida, «cozinha vegetariana, simples e deliciosa». As caminhadas são obrigatórios e o espaço da serra revela-se ideal para este desafio, com visitas à cascata da Pedra da Ferida e à praia da Louçainha, dois espaços paradisíacos. Há programas com massagens e terapias simples, «que toda a gente pode fazer em casa», refere a responsável. Trata-se de promover «um modo de vida simples e saudável», porque «o que é simples e saudável é bom e faz bem», destaca.
A equipa, constituída por de 13 a 15 pessoas, procurar criar «um ambiente familiar», onde as pessoas «se sentem acarinhadas», «especiais», «em família». Os clientes chegam ao Espinhal vindos de todo o país e do estrangeiro, principalmente de Inglaterra e de França.
BOMBEIROS: UM EXEMPLO
1980 Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Penela é criada em 1980. Oito anos depois é inaugurado o quartel e não faltam projetos pioneiros a pensar no futuro
Ocaminho faz-se caminhando”, diz o poeta. É isso que os Bombeiros Voluntários de Penela têm feito. Começaram com quase nada. Duas ambulâncias emprestadas, uma pelos Bombeiros da Lousã (depois devolvida), outra da Santa Casa da Misericórdia, parada há algum tempo. Um cortejo de oferendas permitiu a aquisição de uma viatura de combate a incêndios e o primeiro quartel foram as instalações do Clube Desportivo e Recreativo Penelense, cedidas gratuitamente. Vivia-se o mês de setembro de 1980 e, no dia 19, depois das necessárias demandas burocráticas, assistia-se formalmente à constituição da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Penela. 42 anos volvidos, cumpriu-se um longo caminho. Sobretudo, traçou-se – e cumpriu-se - uma rota de afirmação, uma estratégia ambiciosa de fazer bem e garantir a sustentabilidade.
António Lima é o comandante deste verdadeiro “batalhão” de gente empenhada, resiliente, aberta a novos desafios, que tem procurado criar “janelas de oportunidade” e trabalhar para não viver à míngua de subsídios. O apoio, designadamente da Câmara de Penela e da Autoridade Nacional continua a ser importante, mas representa
«cerca de 50%» do orçamento da associação, que ronda «um milhão de euros». Os restantes 500 mil euros são fruto do trabalho desenvolvido pela equipa, constituída por 96 elementos, 40 dos quais são profissionais. Resultados de uma gestão rigorosa, mais, espartana, mas também ousada, que procura e sabe aproveitar as oportunidades.
Uma delas está no transporte de doentes, com uma equipa de cerca de 20 elementos afeta a este serviço, que opera «regulamente em Coimbra» e «corre o país todo». O combate à vespa asiática, acordado com o município, é outra fonte de receitas, da mesma forma como a manutenção dos parques infantis representa alguma verba. «Temos a equipa e fazemos alguns trabalhos, mas só para a Câmara e para as Juntas de freguesia», explica. «É uma forma de colaborar com o município e rentabilizar o know how instalado», adianta.
Todavia, a grande fonte de receita está centrada num outro projecto, que é, sem dúvida alguma, a “menina dos olhos” do comandante. Em causa está um Centro de Treinos único, adjacente ao quartel, que começou a ser criado em 2013/14, mas só nos últimos quatro/cinco anos começou a “dar nas vistas”. António Lima explica que tudo começou com um projeto de formação
Equipamento em bom estado
As recentes obras no quartel – inaugurado no dia 4 de setembro de 1988 – operacionalizaram algumas respostas, nomeadamente em termos de camaratas (90 camas), garantindo, igualmente, uma nova cozinha e um remodelado refeitório. Com a “casa arrumada” e porque «falta sempre alguma cosia», o comandante refere a necessidade de equipamento de protecção para incêndios estruturais. «Já adquirimos 35, mas ainda faltam bastantes», diz.
Cada equipamento ronda os mil euros. Relativamente à frota de ambulâncias, «é um serviço que se paga a si próprio», garante, e que merece especial atenção, com as viaturas a serem substituídas, por norma, após quatro anos de utilização.
Já na área de emergência, nomeadamente nas viaturas de combate a incêndios, há carros com 30/35 anos.
«São viaturas muito caras», faz notar, assumindo, tendo em conta a muita idade, a necessidade de ponderar a aquisição de um veículo desta natureza e, eventualmente, lançar uma campanha para reunir apoios. Relativamente a veículos de abastecimento, «estamos bem» e apesar de já ter alguns anos, a viatura de combate a incêndios urbanos «está em bom estado».
interna, que levou a corporação a investir na aquisição de «alguns simuladores». Mas esta «necessidade para treino» dos operacionais da casa acabou por «alavancar uma nova oportunidade». «Encontrámos parceiros, nacionais e internacionais, com quem trabalhamos e dinamizamos formação que não existe muito no território nacional», designadamente na área de «salvamento em veículos pesados».
Satisfeito, o comandante conta que já passaram pelo Centro de Treinos dos Bombeiros de Penela equipas de «mais de 40 países», vindas de locais tão improváveis como o Qatar ou o Iraque. «É uma importante fonte de receita», confessa, apontando novos cursos, em agenda para os próximos
anos com Penela
meses, bem como uma formação específica, em parceria com a Brisa, sobre veículos elétricos.
«O investimento é grande», reconhece, mas é a resposta certa «se queremos ter algo diferenciador». O que tem vindo a acontecer. António Lima exemplifica com uma «vala técnica, feita há um ano, ano e meio, considerada «única na Europa». Uma estrutura que serve para treino de simulação, por exemplo, quando há viaturas suspensas numa ponte. Mas há mais respostas, igualmente surpreendentes, como uma parede técnica que permite treinar o escoramento de edificações em ambiente de terramoto ou de resgate em estruturas colapsadas.
«Fomos procurar os melhores e estabelecemos parcerias com eles», refere o comandante, esclarecendo que toda esta componente acresce à formação dita “normal”, de combate ao fogo, uma vez que a Associação de Penela constitui uma unidade local da Escola Nacional de Bombeiros. Parcerias que envolvem, por exemplo, a Renault francesa, que «está muito vocacionada para treino com novas tecnologias» e mandou para Penela «26 viaturas com zero quilómetros».
A formação no Centro de Treino é apenas uma parte do “pacote” que os Bombeiros de Penela garantem. Significa que, em alguns casos, vão buscar os formandos ao aeroporto, garantem o seu transporte e alojamento – nas camaratas do quartel ou num hotel, de acordo com o perfil do “cliente”- fornecem as refeições (pelo menos o almoço) e apresentam o concelho e a região, garantindo visitas ao território.
Pragmático, o comandante. António Lima considera que, na maior parte das vezes, o «problema não é o dinheiro», antes e sim «termos as ferramentas» e, sobretudo, «uma preocupação de criar fontes de receita». Uma «cultura» que, considera, está bem patente no corpo de Bombeiros de Penela. «Quase tudo o que ali está é fruto de trabalho e dedicação», adianta e não tem dúvidas que uma das mais significativas poupanças está na mão de obra. «O nosso pessoal é “puxado” para todas as áreas, desde a serralharia à pintura», exemplifica. «Agora, com esta infraestrutura, mais do que nunca isso faz todo o sentido. Conseguimos, com pouco, fazer muito», conclui.
Reforçar atenção ao voluntariado
«A maior carência continua a ser de recursos humanos», afirma o comandante, que considera tratar-se de um problema transversal. Mais do que a «falta de voluntários, há falta de disponibilidade dos voluntários», diz. Uma situação que António Lima justifica face às crescentes exigências, seja em termos de vida profissional, seja pessoal, que coíbem os bombeiros de cumprirem um compromisso de voluntariado como noutros tempos. «Os voluntários cada vez têm menos disponibilidade, menos condições», adianta, convicto de que «se houvesse outro tipo de apoios seria diferente».
O município de Penela fez «alguma coisa», nomeadamente com o reembolso de 50% do IMI e, a corporação procura, a nível interno, garantir algum apoio, designadamente ao nível de refeições ou no incentivo à natalidade. «Estamos a substituir-nos ao Estado, que deveria garantir outro apoio aos bombeiros voluntários e também às empresas».O comandante refere a realidade de outros países onde as empresas «são incentivadas» a contratar bombeiros voluntários e «recebem contrapartidas», o mesmo acontecendo com os bombeiros. Um caminho que importa considerar se ao país «quiser manter uma estrutura de voluntariado».
Face a estes constrangimentos e apesar de ter uma equipa com 96 elementos, dos quais 40 são profissionais, António Lima
não tem a menor dúvida: «a primeira linha tem que ser assegurada por profissionais. É impensável tocar a sirene para chamar os voluntários», cuja função deverá ser, cada vez mais, a de «reforçar a linha dos profissionais», defende.
Já este mês os Bombeiros de Penela vão passar a dispor da terceira equipa de intervenção permanente, o que representa mais cinco profissionais, pagos pelo município e pela Autoridade Nacional. «É um bom reforço. Ainda não permite cobrir as 24 horas, mas de segunda a sábado já permite um horário bastante alargado», diz.
António Lima chama, ainda, a atenção para o facto de os bombeiros, pese embora possam ter alguma especialidade, «não têm uma carreira, são sempre assistentes operacionais». Uma situação que, entende, deveria merecer um olhar atento da tutela, de forma a «criar um quadro profissional mais atrativo», importante para «motivar e segurar as pessoas».
Comandante chama a atenção para a necessidade definir uma carreira e um quadro profissional para os bombeiros
ETP SICÓ: RESPOSTA PARA OS JOVENS
Uma resposta vocacionada para o ensino profissional de nível secundário surge em Penela, em outubro de 1991. Um marco importante que tem a particularidade de se apresentar como um projeto intermunicipal, que junta três concelhos – Ansião, Alvaiázere e Penela - e nasce de uma mesma vontade, partilhada pelos respetivos presidentes de Câmara. «Juntos, deram início a esta “aventura”, iniciada com a criação da ETP - Escola Tecnológica e Profissional de Sicó», refere Inês Fernandes, diretora do polo de Penela.
A escola completa este ano, no dia 16 de outubro, 31 anos. Um percurso de crescimento e afirmação que neste ano letivo conta com um novo curso de técnico de animação sócio cultural. Uma nova proposta que se vem juntar à oferta já vigente, com os cursos de técnico de análise laboratorial - «o curso mais emblemático da escola»e de auxiliar de saúde.
Um curso novo que representa «uma resposta à necessidade de diversificar a oferta formativa» e que também procura «corresponder aos desafios do mercado», esclarece a responsável.
A escola tem uma média de 45/50 alunos, que, a partir do 2.º ano, inclusive, têm uma formação marcadamente prática, «desenvolvida em contexto de trabalho», seja em território nacional ou “fora de portas”. Inês Fernandes destaca a preponderância crescente dos programas Erasmus na formação dos alunos da ETP Sicó. «Somos a escola com maior volume de projetos apresentados a nível nacional», afirma. Significa que esta
vivência Erasmus, que leva os alunos a experienciar outras realidades e outras culturas, «faz parte da vivência da escola».
Curiosos são, igualmente os dados relativamente ao número de alunos que optam por continuar a sua formação, ingressando no ensino superior. Um fenómeno em crescendo no polo da ETP Sicó de Penela. «Cerca de 50% dos nossos alunos ingressa no ensino superior», diz Inês Fernandes.
No entender da diretora, «cada vez mais as escolas profissionais correspondem às necessidades sentidas pelas jovens. No primeiro ano, alguns já têm, eventualmente, ideia de prosseguir os estudos, mas essa percentagem sobe no 2.º e no 3.º ano», adianta. «Incentivamos os nossos alunos a
não ficarem pelo 12.º ano e a continuarem a estudar», refere a diretora.
A outra metade dos alunos entra, depois de concluir os três anos do curso, no mercado de trabalho, com emprego garantido na área de formação.
«Tornar a escola cada vez mais atrativa», capaz de «promover a capacitação crescente» dos seus alunos e de se afirmar como «uma escola com peso e importância no território» constituem, no entender da diretora, os maiores desafios que se colocam à ETP Sicó de Penela. Como única oferta no concelho ao nível do ensino secundário «queremos ser uma escola atrativa e sustentável para o futuro», remata a di-
No dia 16 de outubro de 1991 começa a funcionar a Escola Tecnológica e Profissional, com três polos. Em Avelar, Alvaiázere e PenelaPolo de Penela abriu este ano um terceiro curso, de técnico de animação sócio cultural
anos com Penela
CONGELADOS DE PENELA PARA TODO O MUNDO
embalamento, levando os mais diversos tipos de peixe ao consumidor.
1988 Criada em fevereiro de 1988, a Frijobel é um exemplo de sucesso. Uma empresa que conquistou o mundo, levando os seus produtos congelados aos cinco continentes
Longe vão os tempos em que os operadores faziam os filetes à mão. Os blocos de pescada eram ligeiramente descongelados, de forma a permitir o processo de filetagem. Hoje, os filetes são uma pequena gota de água no mundo de produtos transformados e comercializadas pela Frijobel. Hoje, são duas as linhas de produção, que podem funcionar em simultâneo ou não. Todo o pescado passa por ali. A única diferença é o uso ou não da serra. A cadência é certa. O peixe passa, depois, por uma zona de “vidragem” e segue rumo ao embalamento. As máquinas fazem praticamente tudo. Por exemplo, conseguem selecionar as postas de peixe necessárias para perfazer um quilo ou qualquer outro peso. Pode ser de dourada, carapau, sardinha, perca do Nilo, salmão, marisco ou lulas. Peixe inteiro ou às postas, tanto faz. A resposta é pronta. O peixe é embalado em couvetes, “skin pack”(última geração das embalagens),
em vácuo ou a granel (sacos grandes, destinados à restauração e instituições). A certificação BRC (British Retail Consortium), patamar mais exigente da segurança alimentar internacional, atesta a qualidade ímpar destes produtos “made in” Penela. Nas enormes câmaras frigoríficas, a uma temperatura “polar” inferior a 20 graus negativos, as caixas e as paletes estão devidamente armazenadas, à espera da “ordem” para expedição. É o mundo Frijobel, uma empresa familiar, gerida por três irmãos. Susana Vasconcelos é a responsável pela parte operacional. Rita Vasconcelos assume a parte financeira. Pedro Vasconcelos responde pela área comercial e apresenta-nos a empresa.
Pedro Vasconcelos recorda a fundação da empresa, pelos pais, Raul Vasconcelos e Isabel Carreiro, em fevereiro de 1988, depois de uma primeira experiência em nome individual. A “escola alemã”, apreendida na Agfa, em Coimbra, onde Raul Vasconcelos trabalhou durante algum tempo, terá tido os seus efeitos nos princípios de gestão que, desde a origem, orientam a empresa, que escolheu como seu “core business” funcionar como “mediador” entre a produção e o consumo, garantindo a compra do pescado, na origem, junto dos armadores, e procedendo à respetiva preparação e
Do pescado mais comum, a pescada e os respetivos filetes, ao red fish, sem esquecer o “fiel amigo”, o bacalhau, o universo de espécies cresceu e multiplicou-se. «Hoje o nosso pescado é adquirido em mais de 40 países do mundo», explica. Uma estratégia que tem subjacente uma aposta na qualidade que leva a empresa a procurar «a origem» e, por exemplo, adquirir grande parte do marisco, designadamente camarão, no Equador e em Madagáscar, ou ainda no Bangladesh, quando se trata de camarão tigre de aquacultura. «São grandes produtores de marisco», atesta. Já no que se refere à pescada, à lula ou tamboril, as opções levam a empresa rumo à África do Sul/Namíbia. Outras espécies são adquiridas na Ásia, na Índia ou na América do Sul, particularmente no Chile e na Argentina. «Desde 2009 que importamos, por via marítima, pescado de vários países», esclarece. Quanto a clientes, a Frijobel fornece o canal Horeca, retalho (pequenos e grandes supermercados, peixarias, talhos, etc.), instituições, grossistas e clientes de exportação/importação estrangeiros. «Vendemos atualmente a mais de seis mil clientes», diz Pedro Vasconcelos. «Somos a empresa do setor industrial de pescado congelado com mais clientes em Portugal», afirma com orgulho.
Todavia, a grandeza dos valores, com o volume de negócios a ultrapassar os 50 milhões de euros, não leva a empresa a descurar preocupações de sustentabilidade ambiental. Pelo contrário. «Este ano aderimos à MSC, uma instituição mundial que zela pela sustentabilidade da pesca», diz o diretor. Significa que a empresa é auditada, no sentido de confirmar as boas-práticas que a regem ao longo de todo o processo, desde a pesca ao “prato”. Uma certificação que tem um peso significativo junto de clientes do mercado internacional, uma aposta crescente da Frijobel.
Com efeito, depois de conquistar o país, a empresa fundada por Raul Vasconcelos e Isabel Carreiro virou-se para o mundo. A primeira experiência exportadora aconteceu no final da década de 90, com o foco centrado no “mercado da saudade”. Suíça e França foram os países escolhidos e de então para cá o mapa tem vindo a crescer. Desde a Bélgica e Luxemburgo a Macau e à Austrália. «Também temos procurado
clientes fora do mercado das comunidades portuguesas», diz, destacando uma «grande aposta» na Alemanha e em Inglaterra ou no mercado dos Estados Unidos, este último com um interesse muito particular. Exemplo curioso desta “conquista” encontra-se na Croácia, em Itália ou em Marrocos, onde a empresa tem vindo a capitalizar clientes. Mercados que representam «clientes com dimensão» e que fazem a diferença… entre algumas paletes ou o carregamento de um camião.
Nas estradas nacionais, circulam mais de uma centena de viaturas com o “logo” da Frijobel, designadamente 40 pesados, estes com uma rota alargada aos países europeus. Uma empresa de transportes do grupo – TJB – que assegura a distribuição e tem como melhor cliente os produtos congelados da Frijobel. «Semanalmente temos dois camiões no estrangeiro», diz o diretor comercial. França e Alemanha são destinos de eleição e a viagem de regresso a Portugal contempla, por exemplo, uma passagem pela Holanda, onde é feito um carregamento de batata ou de legumes.
Frijobel possui o maior complexo de frio do país das empresas de pescado
Do peixe à carne, sobremesas e refeições
Com a estrutura montada para garantir a entrega de pescado congelado aos mais diversos clientes, a empresa começa a alargar a sua oferta. Logo no início, esclarece Pedro Vasconcelos, houve alguma atenção
ao sector dos vegetais, mas no princípio dos anos 90 assiste-se ao “boom” na área dos “pré-cozinhados”. Nada mais nada menos que os tradicionais pastéis de bacalhau, os rissóis ou os filetes de pescada panados. Produtos marca Frijobel, com a chancela de qualidade da empresa de Penela, mas
Frijobel 90 anos com Penela
preparados por outros empresas, parceiros de longa data.
Um negócio em que a empresa apostou fortemente nos últimos anos, entrando, igualmente, no mercado da carne. Um projeto que começou a ganhar forma em 2005 e teve um grande desenvolvimento nos «últimos dois/três anos» com uma aposta em clientes diferenciadores. «Já não é só a perna de frango ou as tiras e entrecosto, evoluímos e reforçámos a família de produtos», adianta, exemplificando com a vazia maturada, a picanha ou a maminha.
Neste momento, a carne – bovino, porco e carnes brancas - é importada essencialmente da Europa. Contrariamente ao que acontece com o peixe, a carne «já vem embalada» e a empresa só procede à sua comercialização.
Diário de Coimbra
A “revolução” dos 25 anos
apuramento tecnológico, mas também de condições para os funcionários, que entre operadores de fábrica, controlo de qualidade, comerciais, motoristas e área administrativa ultrapassam os 250 colaboradores.
O diretor comercial aproveita para destacar a equipa de colaboradores, «muito jovem», muitos dos quais com formação superior, que trabalham atualmente na empresa. «Procuramos estar atentos a jovens valores que estão a sair das faculdades», refere. Todavia, não esconde que se trata de um desafio constante, pois há uma migração muito grande de quadros rumo a Lisboa. Uma situação que agrava a falta de mão e obra, um problema que começa a ser crónico e transversal à região.
Igualmente com produção externa, neste caso “made in Itália”, a Frijobel lançou no mercado, em 2020, uma «família de pizzas», de «qualidade superior». Uma gama de sucesso que rivaliza com o bife de frango panado, que representa «um sucesso de vendas no mercado nacional», diz o diretor comercial. Trata-se de um bife «temperado com ervas aromáticas», que é vendido individualmente, o que permite uma adequação perfeita às necessidades da família.
Um caminho onde também cabem as sobremesas e que continua em crescendo. «Estamos a iniciar uma linha de refeições prontas, marca Frijobel», explica Pedro Vasconcelos. Novidades que elegem as receitas de bacalhau, peixe que, de resto, representa uma das apostas a desenvolver no futuro. «Queremos ser vistos como um bom operador de bacalhau», diz Pedro Vasconcelos. Para já, o desafio mais próximo passa por colocar no mercado, até ao final do ano, um prato de bacalhau com natas pré-cozinhado, que basta levar ao forno ou ao micro-ondas e consumir. Na mesma linha está um segundo prato de bacalhau, à Brás e o terceiro é arroz de pato. São os três primeiros produtos desta gama, direcionada muito particularmente para as comunidades portuguesas radicadas no estrangeiro, mas também para os supermercados nacionais.
Em 2013 a empresa vive uma verdadeira revolução. Em rota de crescimento contínuo e com a fábrica a sofrer as necessárias adaptações e ampliações para dar resposta, a Frijobel chega aos 25 anos e toma uma decisão de fundo: a construção de uma nova fábrica. Tratava-se, recorda Pedro Vasconcelos, de «conceber de raiz uma unidade industrial». As novas instalações fabris, inauguradas em 2016 vieram incrementar significativamente a capacidade produtiva que neste momento ronda as 25 toneladas/dia, mas que «pode duplicar», pois a capacidade instalada permite isso. «É uma mudança muito importante», não apenas em termos de
14 mil paletes é a capacidade total instalada de armazenamento, oito mil nas instalações inauguradas em 2016 e seis mil nas instalações antigas, que foram entretanto remodeladas. Números com uma grande dimensão, que tornam a Frijobel detentora do maior complexo de frio do país de empresas de pescado. Um facto que permite, inclusivamente, o aluguer desse mesmo espaço a outras empresas ligadas ao ramo alimentar.
Para facilitar as rotas de distribuição no mercado nacional, a empresa criou centros logísticos em Ermesinde, Santa Iria de Azóia e Palmela. Há dois anos, a empresa fez um investimento de vulto na criação de um parque fotovoltaico, que já teve reflexos na fatura dos custos energéticos.
Atenção aos produtos endógenos
Com sede em Penela, a Frijobel S.A. é a empresa principal de um grupo, que inclui uma resposta de transportes –TJB - a Frijobel Investimentos e a Frijobel Global. Esta última representa o projecto mais recente do grupo, uma empresa criada em 2017 que tem como objetivo essencial a exportação de produtos alimentares portugueses, com destaque para o vinho e azeite, juntamente com as conservas, as compotas, o mel e o
queijo. Apesar de ter nascido com uma vocação exportadora, a empresa acabou, também, por operar no mercado nacional, usando os canais dos restantes produtos. SUDD, Pe-Nela e Monte Vez são as principais marcas desta rota de produtos endógenos. A criação de um show room, uma montra de todos os produtos Frijobel, é um dos projetos em carteira. Sobre a mesa está, também, a possibilidade de abrir uma loja ao público.
Empresa prepara-se para lançar no mercado um linha de refeições prontas: bacalhau com natas, bacalhau à Brás e arroz de pato
BETONEIRAS QUE CONQUISTAM O MUNDO
1988 Começou numa pequena garagem com 25 m2 e ocupa hoje a fatia de leão da Zona Industrial de Penela, caminhando para a instalação da sexta unidade de produção. Uma área de 35 mil m2 onde se produzem 400 betoneiras/dia. Mas há muito mais para descobrir no mundo SIRL
ASIRL é o porta-aviões de Penela». A afirmação é de Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, e ilustra bem o peso da empresa
de Penela, a sua solidez e sustentabilidade. Um projeto dinâmico, virado para o futuro, gizado por um homem que há mais de três décadas, numa altura em que o vocábulo empreendedorismo estava arredado da linguagem comum, se afirmou pelo seu espírito empreendedor, pela tenacidade e pela resiliência. Mário Simões é hoje, inquestionavelmente, um homem de sucesso. Mas é, também, um homem singular, simples, que não renega as suas origens humildes, o crescimento feito a pulso. Um homem que, talvez por isso, tem uma atenção particular aos outros. Com essa simplicidade, com orgulho, mas sem vaidade, conta-nos, na primeira pessoa, esta história de sucesso.
Uma história com 34 anos, que começa com um jovem irreverente, numa garagem da casa dos pais e caminha para a abertura da sexta unidade de produção, o que representa uma área de 34.000 m2.
Mário Simões tinha acabado de concluir o 9.° ano e decide pôr termo aos estudos. Em casa, rapidamente encontra uma forma de se ocupar: usar a garagem da casa, «com 25m2, onde cabia um carro», para fazer mesas para andaimes. Vivia-se o ano de 1988 e o jovem, com 16 anos, dava início ao fabrico do seu primeiro produto. «Fazia tudo, desde o corte do tubo, a soldadura e pintura», recorda. Foi um ano a «trabalhar sozinho». Depois, o pai, José Lopes Simões, mecânico de motores de rega, fica desempregado e começa a trabalhar com o filho, que entretanto decide regressar aos bancos da escola, à noite, acabando por, como estudante trabalhador, concluir a licenciatura em Geografia, uma das suas grandes paixões.
«Sem saber o que era um produto de valor acrescentado, achei que não ia a lado nenhum a pintar andaimes», assume. «Fazer o que outros fazem não é meu apanágio», adianta. Estava dado o mote para a mudança de rumo e para "encarreirar" na produção de betoneiras. A justificação é simples: «Fabricávamos andaimes e comprávamos as betoneiras e havia uma grande dificuldade na aquisição, havia pouca oferta». Mário Simões encontra aqui a «oportunidade» e aproveita-a. «Ainda tentámos fazer um acordo para distribuir nos distritos de Coimbra, Castelo Branco e Leiria, mas não conseguimos». Um acordo com os líderes de mercado, Lisprene e Mialmáquinas, de Lisboa. «Eram o número um». Empresas que, no dia 6 de Dezembro de 2016 António Simões comprou. «É a lei da vida!», diz.
A primeira betoneira foi produzida em 1989. «Demorou mais de uma semana»,
Preocupações sociais
Para acolher os cidadãos estrangeiros a empresa criou as necessárias condições de alojamento. «Não é preciso irmos a Odemira para encontrarmos estrangeiros a viverem em condições sub-humanas», alerta. A SIRL quis «fazer diferente». Significa que, no complexo industrial, nasceu a SIRL Village, com a construção de 21 equipamentos, completamente equipados e mobilados, com água, luz, internet e renda «100% grátis» para estes trabalhadores.
As preocupações sociais fazem-se sentir noutros registos, como seja o programa de saúde que a empresa implementou em 2021, com uma equipa de quatro médicos, liderada por Alexandre Mendes, que promove sessões de medicina preventiva, garantindo, igualmente, consultas da especialidade, sempre que necessário e encaminha e acompanha casos mais complicados.
As preocupações sociais que ditaram a criação de um ATL para os filhos dos funcionários, de um ginásio para os colaboradores e levaram a empresa a pagar um subsídio mensal «não inferior a 40 euros» para diluir o impacto do preços dos combustíveis. Isto apesar de a empresa ver crescer substancialmente a sua fatura do gás, que passou de 3.000 euros para 15 mil. Tem, também, desde há longa data, uma parceria com a CerCipenela, integrando utentes da instituição nas suas equipas, além de receber formandos.
pois era tudo feito à mão, «de forma artesanal, «à base do martelo». O empresário confessa que anda há muito à procura desta e de outras, as primeiras betoneiras que produziu, pois quer incluir estas relíquias no showroom da empresa. Todavia, tem sido uma busca até agora infrutífera. Nessa fase inicial, de montagem do negócio, em 1989, «fazíamos cerca de 30 betoneiras por dia». Hoje são 400, quase num abrir e fechar de olhos, algumas das quais com um "visual" muito especial. Visivelmente satisfeito, Mário Simões apresenta-nos "La vie en rose", uma
Empresa produz 400 betoneiras por dia e tem 158 modelos diferentes
charmosa betoneira em tom rosa velho vivo, que se revelou um sucesso na Batimat 2018, em Paris, para a qual foi propositadamente concebida. «É uma homenagem às mulheres», diz. Outro sucesso, em termos estéticos, é o de uma betoneira pintada a ouro (sem quilates), destinada ao Dubai. Na versão utilitária, as betoneiras, que constituem o grande "core business" - que não é único - da empresa apresentam 158 modelos diferentes. «Cada país tem a sua especificidade», explica, dando conta que a betoneira usada em França não é a mesma que atrai os espanhóis ou mesmo portugueses e o modelo que se vende em Portugal não é aceite no Dubai. Caso para dizer que "cada terra tem seu uso"... e a sua betoneira.
40% de mulheres e 21% de estrangeiros
Mário e José Simões contrataram o primeiro empregado em 1990. «Rui Bastos, que ainda hoje está connosco, é o director logístico», diz. Hoje são 150 funcionários, 40% dos quais são mulheres. Números curiosos, particularmente tendo em conta que estamos a falar de indústria e do fabrico de produtos para a construção civil. «Somos um país de mitos. Se uma pessoa faz alguma coisa diferente e tem sucesso, teve sorte. Se fizer uma coisa diferente e não correr bem, é um vigarista», diz. Perante o cenário que se vivia no concelho - «não havia soldadores, nem ninguém da área da metalomecânica» - e face à crescente necessidade de mão de obra, António Simões teve de "abrir caminho", apostando na formação. Foi "reconverter" mão de obra, que lhe chegava de
trabalhadores da floresta, agricultura, domésticas ou do setor das confeções.
Estávamos em 1995. «Chamaram-me doido varrido e o meu pai foi o primeiro», diz, com um sorriso. Mas logo a seguir José Lopes Simões estava ao lado do filho e o desafio correu de feição. «Não era normal, mas as pessoas aderiam à formação», recorda, lembrando que o que se fez nessa altura em Penela, há muito era feito noutros países. «O problema é que as pessoas não querem abrir a mente», considera. «As mulheres são uma peça fundamental do nosso sucesso», afirma. «Nos grandes cargos de chefia não sei se não estarão mais mulheres do que homens», diz, sem deixar de fazer um reparo às quotas instituídas pelos partidos políticos. «Cá em casa não precisamos disso».
Curioso é, igualmente, o facto de 21% dos funcionários serem estrangeiros. Mais uma vez é a atitude diferente de Mário Simões a "dar cartas”. «Há 20 anos recebemos os primeiros estrangeiros, dois ucranianos, que ainda cá estão». «Faz-nos bem ter outras culturas, outras mentalidades, para não ficarmos estagnados», defende. Nos últimos três anos, também para fazer face a crescentes necessidade de mão de obra, foram contratados mais 32 estrangeiros, onde pontuam os ucranianos, cabo-verdianos, moçambicanos, cidadãos do Brasil, do Bangladesh, da Roménia e do Uzebequistão. «Temos católicos, muçulmanos, ortodoxos, jeovás», elenca, referindo-se à variedade de créditos, que a empresa respeita, criando, designadamente, condições para cumprir o Ramadão.
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Da garagem à sexta unidade de produção
As primeiras instalações, a garagem de casa dos pais, deixaram de ter espaço e em 1995 a empresa muda-se para Casais do Cabra, a 3km, onde actualmente funciona um armazém. O primeiro edifício das atuais instalações, na Zona Industrial de Penela, surgiu em 1998, com uma área de 3.000m2. Hoje, são cinco unidades em pleno funcionamento, todas com ligação entre si, através das traseiras. Do outro lado da estrada, no espaço anteriormente ocupado por uma empresa de confeções, estão a decorrer as obras para a instalação da sexta unidade de produção da SIRL, que vai perfazer uma área de produção de 35.000m2.
É neste novo espaço, que representa um investimento de 5 milhões de euros
Diversificar a oferta e ser uma empresa global
«Não temos só betoneiras», alerta o empresário, que aponta um vasto universo de equipamento, todo ele relacionado com o universo a construção civil. Os andaimes, a primeira criação de Mário Simões, continuam.
Há 12 anos, segundo o empresário, arrancou a produção de carros de mão, altura em que também surgiu a aposta na construção de placas compactadoras,
e que deverá começar a funcionar «antes de junho de 2023», que vai ser produzido o novo modelo da betoneira-carro de mão, «100% desenvolvido pela SIRL», um projeto que «demorou três anos a conceber» e onde Mário Simões contou com a ajuda do filho, João, engenheiro mecânico de formação. Um projeto que representou um investimento de «mais de 150 mil euros» e requereu a criação de novas máquinas e moldes para a produção», adianta. A Mini SIRL, assim se vai chamar a betoneira "dois em um" vai estar disponível nas vertentes elétrica e a gasolina.
Nesta unidade vai também ser produzido um segundo novo modelo, de uma betoneira hidráulica. Um produto mais evoluído relativamente à atual oferta, baseado num «sistema automático de carregamento e basculamento hidráulico». Um produto que se destina praticamente «só para países de fora da Europa», com 90% destinado para o Médio Oriente, explica o empresário.
helicópteros para alisamento de chão, cortadores de asfalto, máquinas de corte e de dobrar ferro e réguas vibratórias. «Alargámos a gama de produção, cobrindo toda a área profissional de construção».
Em 2016, a empresa dá mais um passo, com a celebração de acordos com parceiros de renome a nível internacional, como a Lincoln, Norton Saint Gobain, Philippe e, mais tarde, com a Dewalt e a Bosch. «Somos distribuidores destas marcas», explica o empresário, o que significa que a SIRL chega, desta forma, às áreas de jardinagem, da indústria de madeiras e da serralharia. «Passamos a ser uma empresa global», diz Mário Simões.
anos com Penela SIRL
O grande salto rumo à internacionalização
1995 representou o salto para a internacionalização. «O mercado nacional começou a decair e tivemos que procurar novos mercados», explica o empresário. Espanha, aqui ao lado, era a solução óbvia. Depois da Expo 98, «Portugal viveu uma grande crise e, com os alicerces que tínhamos catapultámo-nos para a internacionalização efetiva. Chegámos a ter 90% da faturação nas exportações».
Depois de Espanha, a SIRL parte à conquista dos países africanos de língua portuguesa, com Angola, Moçambique e Cabo Verde à cabeça. A crise espanhola de 2008, com a "bolha imobiliária" a estagnar e comprometer todo o mercado do país vizinho, motivou o salto para todo o mundo. «Hoje estamos em 88 países, nos cinco continentes», diz Mário Simões.
Os dois últimos países foram Saint Martin, nas Caraíbas, e a Serra Leoa, na África Ocidental, que, em agosto, passaram a integrar a rota da empresa de Penela.
O volume das exportações representa atualmente 70% da produção. Espanha e França são, sem dúvida, os melhores clientes, «a alavanca». Segue-se a Alemanha, os países do Médio Oriente e de África. No ano passado o volume de negócios atingiu os 28 milhões e 750 mil euros. O empresário Mário Simões e a SIRL prometem que não vão ficar por aqui.
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Dar um banho, com água corrente, a um doente, sem o retirar da cama, é uma possibilidade real.
A solução é simples: um lençol impermeável, devidamente ajustável à cabeceira e peseira da cama, cria o espaço. A ligação ao equipamento permite “carregar” a água. Confortavelmente, o doente toma o seu banho. Pode parecer ficção científica, mas não é. A ciência, sim, está lá. Uma tecnologia apurada que demorou oito anos a tomar forma. Diana Pires, enfermeira, natural de Penela, quis inovar, fazer diferente. E conseguiu.
«Desenvolvemos um lençol que substitui os tradicionais lençóis de algodão», explica. Um lençol com características particulares. «É hidrofóbico, impermeável, antibacteriano e antiviral», destaca. É igualmente confortável, com uma durabilidade de 72 horas, lavável a 60º. O lençol é, só por si, um produto novo, resultado de um projeto de investigação da equipa liderada por Diana Pires. Depois de muito trabalho, os resultados estão à vista.
Com um design devidamente estudado, o lençol ajusta-se na perfeição ao colchão de uma cama hospitalar. Além de garantir «mais conforto ao doente», com um banho real, com água corrente, a IHCare – Innovation Hospital Care, empresa incubada no HIESE – Habitat de Inovação Empresarial
dos Setores Estratégicos, no Vale do Espinhal, desenvolveu uma solução inovadora em termos de higiene e cuidados de saúde, igualmente com benefícios acrescidos para os profissionais. «Reduz o risco de quedas e acidentes», enfatiza.
Já devidamente testada, esta criação da IHCare está a arrancar com o processo de comercialização, com o foco na Alemanha, Brasil e Áustria. Mas há muito mais soluções inovadoras, inteligentes, tecnologicamente avançadas que nascem e crescem no HIESE. Ricardo Amazu é aluno de doutoramento na Universidade de Coimbra e em Penela desenvolve uma forma de armazenar e gerir energia renovável, obtida a partir do sol e do vento. «O mundo quer descarbonizar», refere. O projeto está na fase final de simulação, aguardando financiamento para avançar com o protótipo.
Joaquim Macedo de Sousa, diretor executivo do HIESE, apresenta-nos outras soluções igualmente com a marca da inovação tecnológica. Uma “spin off” do Instituto Superior Técnico, liderada por Afonso Santos, a Viridius Technology desenvolveu um sistema automático de apanha de frutos vermelhos, nomeadamente framboesa. Importante, «tendo em conta a crescente carência de mão de obra», alerta.
Outra “spin off”, a EcoXperience, esta da Universidade de Coimbra, fundada por do-
centes e investigadores do Departamento de Química, desenvolveu uma patente de transformação de óleo alimentar em detergente. «Isto é um clássico», diz Joaquim de Sousa. «Relevante é o facto de terem colocado neste processo uma enzima do fígado humano», que permite acelerar o processo e conferir-lhe maior eficiência. O primeiro projeto foi um kit para crianças. «Através das crianças, chega-se aos pais».
O projeto cresceu, com uma parceria com uma das maiores empresas da área, a Mistolin, e começou a produção para a gama profissional, canal Horeca e clientes domésticos. «É um produto que promove a economia circular, que transforma um resíduo numa matéria prima», adianta. O negócio liderado por César Henriques «já foi contactado pelo grupo Sovena, proprietário da marca Fula», interessado em «investir na empresa». A EcoXperience continua com sede na Quinta do Vale do Espinhal, mas a produção está centrada no Loreto, em Coimbra. «São pequenas sementes», diz Joaquim de Sousa.
Atrair inteligência e criar emprego
Com cerca de 40 empresas em incubação o HIESE tem a sua génese em 2006. Um projeto, recorda Joaquim de Sousa, que teve como grande mentor o então presidente da Câmara de Penela, Paulo Júlio, que «lança um plano de inovação, competitividade e empreendedorismo». «Algo surpreendente», na altura. À época, na Europa, «falava-se muito em smart cities e o eng. Paulo Júlio decidiu que este plano diretor iria ter uma estratégia especial de inteligência virada para o mundo rural», adianta. Uma forma de tentar travar o crescente despovoamento dos territórios do interior. «O objetivo era criar empresas de base tecnológica, “startups” e tentar travar a desertificação».
«Paulo Júlio teve o rasgo de perceber que tinha que chamar um parceiro certo, o IPN – Instituto Pedro Nunes», adianta, uma «entidade destacadíssima, reconhecida a nível nacional e internacional». E assim se fez, com um protocolo entre as duas entidades. À Câmara coube garantir o edifício. À equipa do IPN a responsabilidade da sua gestão. Sobretudo, de «trazer as ferramentas que desenvolve para fazer inovação». «É isso que temos feito desde 2017», frisa.
Neste momento, são quatro dezenas as empresas em incubação, no espaço do
Parceria entre o município e o IPN permite criar o HIESE, que já apoiou mais de meia centena de projetosDiana Pires apresenta as propriedades do inovador lençol concebido pela IHCare
HIESE, no Mini-Habitat e no smARTES. Um conjunto de “startups” que, em 2021, «empregavam cerca de 120 pessoas, maioritariamente qualificadas, engenheiros e cientistas». Empresas que, em 2021, faturaram «cerca de 21 milhões de euros». «São números oficiais, das Finanças», que representam «cerca de 7 milhões de euros em impostos e contribuições para o Estado», destaca. Valores que, garantidamente, «são muito inferiores ao apoio dos fundos estruturais que receberam» e demonstram que «estas empresas, pequenas “startups” de base tecnológica, criam riqueza, criam emprego, não são subsidiodependentes», conclui.
Necessidade de espaço duplicou em cinco anos
Na Quinta do Vale do Espinhal assistia-se, em 2016, à construção do edifício e ao aproveitamento de uma anterior construção, onde está instalado o espaço de “coworking”. São cerca de 1000 m2 deste “IPN Rural”, já demasiado exíguos. «Temos as salas cheias. Já não há nenhum gabinete desocupado e há empresas a partilharem espaço», refere o diretor. «Fazia sentido um novo investimento do município», considera Joaquim de Sousa, que aproveita para destacar a importância do «apoio político» da autarquia. «É o terceiro presidente da Câmara e, inclusivamente de partidos diferentes, e têm sempre demonstrado interesse
em manter este programa de apoio ao empreendedorismo qualificado», enaltece.
O novo edifício, aprovado em 2019, teve apoio do FEDER, está pronto e representa a «duplicação do espaço», podendo acolher mais 12 empresas.
«O edifício vai passar de completamente cheio a “meio cheio” e o objectivo é voltarmos a estar cheios», diz o diretor executivo, que considera este como um dos grandes objetivos para 2023. Significa manter a atratibilidade do HIESE. «Atrair pessoas inteligentes e trabalhadores, que querem estar junto de pessoas inteligentes e trabalhadoras», remata.
Ligação ao IPN faz a diferença
O “segredo” do percurso e da atratibilidade do HIESE reside, no entender de Joaquim de Sousa, na parceria com o IPN. «Destacamo-nos no acompanhamento, na mentoria, na formação», diz, apontando a equipa de quatro pessoas que trabalha para as empresas. «Isto não é muito comum nas incubadoras portuguesas». O acompanhamento passo a passo que o HIESE garante prende-se com uma realidade: «os nossos empreendedores são sobretudo engenheiros e cientistas, muito poucos são gestores de formação». Significa que «precisam desse “know how”, necessário para transformar uma ideia num negócio», explica o diretor, também ele
um empreendedor e com experiência na criação de negócios. «Transformar uma ideia em negócio é uma tarefa difícil e é essencial o apoio que damos ao nível da gestão». Ajuda que envolve desde a aquisição de uma impressora ou a «encontrar um investidor de dois milhões de euros», exemplifica.
Escusando-se a fazer um balanço, até porque o tempo, cinco anos, é muito curto, Joaquim de Sousa tem como “fonte de “inspiração” os dados do IPN que, em 25 anos de incubação, regista 75% das empresas vivas. «É uma taxa impressionante a nível internacional», diz. Um caminho de sucesso que o HIESE também quer trilhar.
2023: o ano de Penela
«2023 não pode ser um ano normal», entende o diretor executivo do HIESE, tendo em conta que Penela se apresenta como Região Empreendedora Europeia. Um galardão instituído pelo Comité das Regiões, em parceria com a Comissão Europeia, entregue no final de junho. «Temos que capitalizar, tirar partido deste galardão para alavancar empresas e promover o território», diz Joaquim de Sousa, que sublinha o facto de Penela ombrear no título Região Empreendedora Europeia 2023 com Barcelona (Espanha) e Pomorze Zachodnie (Polónia), estar num território de baixa densidade e este ser um prémio que só foi conquistado duas vezes por Portugal - Lisboa, em 2015, e Castelo Branco, em 2021-22. «É justo que o país olhe para o território e para outras zonas do interior e pense em criar vantagens para as nossas empresas e para os nossos investidores», considera.
Orgulhoso está também o presidente da Câmara. «Penela, os seus habitantes, os seus empresários, merecem este reconhecimento», diz Eduardo Nogueira Santos, para quem este prémio representa o reconhecimento de que «o caminho da inovação e do empreendedorismo» constitui uma resposta para «o desenvolvimento dos territórios de baixa densidade». Também demonstra que «não temos que ter uma perspetiva pessimista e aceitar o nosso fado», antes «encontrar ferramentas para ultrapassar as dificuldades». As empresas e empresários do concelho «demonstram, de forma inequívoca, a sua capacidade de ultrapassar as adversidades. Estamos conscientes das dificuldades, mas acreditamos nas nossas potencialidades», adianta. «Se não sonharmos, nunca vamos ser capazes de concretizar o sonho», diz, fazendo questão de «partilhar» o prémio com os executivos e autarcas que o precederam.
Empresarial 90 anos com Penela
Diário de Coimbra
EMPREENDEDORISMO E RESILIÊNCIA NO TECIDO EMPRESARIAL
2016 Núcleo Empresarial de Penela, constituído em 2016, é uma voz ativa na defesa e valorização do tecido empresarial que, contra ventos e marés, tem provas dadas
Num concelho pequeno e com pouco mais de 5.500 pessoas, os empresários são, efetivamente, uma prova de resistência. «Temos um tecido empresarial muito dinâmico», afirma Alfredo Simões, presidente do Núcleo Empresarial de Penela (NEP), uma associação criada em meados de 2016, mas que só a partir de 2018/19 começou a trabalhar em pleno. Para quem tem dúvidas, os números falam por si. «Em 2014, tínhamos sete PME Líder no concelho, em 2021 são 19», refere o empresário. Números que colocam Penela como o «5.º concelho» do distrito no ranking das PME Líder, facto que «demonstra a vitalidade dos empresários do concelho».
Um registo que é tanto mais significativo se olharmos para as “contrariedades” que afetam o território. «Estamos na ponta do distrito, no Pinhal Interior Norte», faz notar Alfredo Simões, o que significa uma série de questões, «desde as acessibilidades, à falta de habitação e de mão de obra». Um cenário que, mais uma vez, demonstra a «resiliência das empresas e dos empresário do concelhos».
A falta de mão de obra constitui um «problema estrutural», que se prende com as «questões demográficas». Um problema «já antigo» para o qual continua a «não haver políticas» assertivas, capazes de reverter a situação. Para fazer face à falta de mão de obra, em Penela «muitas empresas estão a recrutar imigrantes», sobretudo nos países africanos de língua portuguesa, países asiáticos e Ucrânia. Há empresas, adianta o presidente do NEP, que, inclusivamente, «constroem habitações para estes trabalhadores», uma vez que também não há casas disponíveis no concelho, o que representa um outro problema grave. Alfredo Simões diz que há empresas com dificuldade em contratar quadros médios e superiores,
precisamente porque não conseguem encontrar casa no concelho. Exemplifica com o caso concreto do HIESE, onde estão incubadas cerca de meia centena de empresas de jovens empreendedores, que num processo posterior, de crescimento e afirmação, «têm dificuldade em se fixar no concelho», precisamente pela falta de mão de obra e de habitação. «Algumas das maiores empresas do concelho já não equacionam abrir mais secções de produção porque não têm mão de obra… nem habitação», adianta.
Mas os problemas não se ficam por aqui. O presidente do NEP refere, ainda, a Carta de Perigosidade de Incêndios que, apesar da nova versão ter sido revogada, continua a ser um documento especialmente penalizador, quer para a «construção de habitação», quer para a «instalação de novas empresas» ou ampliação das existentes. Alfredo Simões destaca a orografia muito particular do concelho, onde os «terrenos são pequenos», tornando quase impossível garantir «um terreno com 50 metros em redor de uma habitação». O empresário lembra que já anteriormente não era fácil a desafetação de áreas das zonas de Reserva Ecológica ou Agrícola, mas os requisitos deste diploma complicam ainda mais a vida das pessoas e das empresas.
Alfredo Simões refere, igualmente, o problema das acessibilidades, designadamente
a redução do valor a pagar na A13, que considera uma «via estruturante para as empresas do concelho». Depois de muitas diligências, no ano passado o Governo aprovou «uma redução de 25% a partir do 8.º dia de passagem», tendo como horizonte temporal um mês. «O ministro prometeu melhorar a situação, mas até agora nada foi feito», sublinha o empresário, que lamenta o facto de as SCUT no Litoral Norte, onde inclusivamente «há outras vias alternativas», terem beneficiado de «uma redução de 50%». “Dois pesos e duas medidas”, que demonstram, mais uma vez, que «temos que ser resilientes». «Só contamos connosco, não podemos estar à espera que alguém venha resolver qualquer situação», considera. «Temos que ser nós a lutar pelas nossas empresas e pelo nosso território», diz.
É isso que o NEP tem procurado fazer. Inclusivamente, faz parte do CERC – Conselho Empresarial da Região de Coimbra, organismo que reúne as diferentes associações empresariais da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra e representa uma «voz mais plural» e «interventiva» em «defesa do tecido empresarial da região».
As pequenas empresas, particularmente no domínio do comércio, merecem especial atenção do NEP, que procura fazer eco dos seus problemas e preocupações. É também nesse sentido que tem feito um caminho de colaboração com o município, tendente à dinamização do comércio local. «Vamos reinventando» e «não podemos desanimar», remata o empresário, que lembra que o país “lembrou-se” do Pinhal Interior em 2017, na sequência dos incêndios, mas «depressa esqueceu» este território do interior.
Redução do valor das “portagens” na A13 continua a ser um “cavalo de batalha”, pois trata-se de uma via estruturante para as empresas da região
UNIDOS PELA ÁGUA
Anecessidade de redobrada atenção ao ambiente, designadamente abastecimento de água, saneamento e tratamento de resíduos, foi o “pontapé de saída” para a criação de uma empresa intermunicipal. Os apoios comunitários traçaram o caminho, pois os financiamentos passaram a contemplar exclusivamente sistemas agregados. Neste contexto nasce a APIN – Empresa Intermunicipal de Ambiente do Pinhal Interior, que representa um universo de 79.474 habitantes, dos municípios de Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Lousã, Pampilhosa da Serra, Pedrogão Grande, Penacova, Penela e Vila Nova de Poiares. Um território com 1.937 km2, que junta 11 concelhos de dois distritos e duas comunidades intermunicipais, Coimbra e Leiria.
A empresa, constituída em julho de 2019, assume a gestão do sistema a 1 de janeiro de 2020, com um “pacote” de incentivos de 25 milhões de euros. O plano de investimentos arranca nesse ano, «mas o grande montante da realização está a acontecer agora e estende-se até junho de 2023», representando um investimento - em execução ou adjudicado - de 30,5 milhões de euros, esclarece Rui Simões, da comissão
executiva da APIN.
Em curso está um projeto transversal, que envolve 60 mil clientes, focado na eficiência hídrica, que procura «reduzir o nível de água desperdiçada». São quatro milhões de euros de investimento. Uma intervenção que «envolve duas componentes, uma mais tecnológica e outra de construção civil», concretizada na «renovação de condutas», bastante antigas, algumas de fibrocimento», explica Rui Simões. «Ainstalação de “datalog” permite perceber onde há desperdícios de água» e monitorizar a rede.
A rede de abastecimento de água cobre 94% do território. Está prevista a construção de novos ramais, que envolvem mais 640 km de condutas e vão aumentar a taxa de cobertura para 95%. Rui Simões lembra que, por lei, «quem tem rede a menos de 20 metros é obrigado a proceder à ligação», que «não tem custos»para o cliente.
O alargamento da rede de saneamento, com uma cobertura de 41%, constitui outro dos projetos estruturantes da APIN, que representa mais cerca de 300 km de rede e cerca de 5.700 novos ramais (clientes) de ligação à rede. Uma empreitada que vai elevar em 9% a taxa de acessibilidade física ao serviço de saneamento, esclarece.
Isso não significa que as fossas séticasindividuais ou coletivas - deixem de existir. «O ideal é que a limpeza seja feita duas vezes por ano», diz Rui Simões, apontando as indicações da entidade reguladora. O pagamento mensal do saneamento, nestes
casos, comporta desde logo a limpeza, bastando proceder à requisição do serviço.
Os resíduos constituem a terceira dimensão do plano de investimentos da APIN, com uma intervenção muito focada nos bioresíduos. Trata-se de promover uma nova cultura de aproveitamento dos desperdícios e a sua valorização, através da compostagem coletiva e doméstica, que irá envolver cerca de 28 mil alojamentos e perto de 37 mil pessoas, ou seja, cerca de 51% da população do território. «Vamos avançar com a entrega de compostores domésticos», explica Rui Simões. São, esclarece, 27 mil compostores domésticos e pouco mais de uma centena de compostores comunitários.
O programa de compostagem abrange todos os concelhos, com excepção de algumas freguesias da Lousã, onde a concentração urbana justifica a recolha de bioresíduos. Os equipamentos serão atribuídos mediante requerimento dos munícipes e o cumprimento dos alguns requisitos e está previsto um plano de formação prévia.
Num futuro breve, a preocupação essencial está em «consolidar os investimentos que estão a ser feitos, nomeadamente na eficiência hídrica», o que implica uma atenção especial à monitorização da rede. A APIN perspetiva, a curto médio prazo, avançar com novos investimentos, estimados em oito milhões de euros.
A empresa tem cerca de 200 colaboradores. Na sede, em Penela, estão concentrados os serviços financeiros, comerciais e a área de engenharia. Existem três polos, cada um dos quais agrega vários centros: Penela (Penela, Ansião, Alvaiázere e Figueiró dos Vinhos), Lousã (Lousã, Poiares e Penacova) e Pampilhosa da Serra (Pampilhosa, Góis, Castanheira de Pera e Pedrogão Grande). Na Lousã, está instalada central de telegestão, o serviço de qualidade e o “call center”, que funciona 24h/dia. Uma linha gratuita que permite obter informações e reportar avarias ou roturas. Em cada centro está um piquete para resposta a situações de emergência. Os casos mais complicados são assumidos pelas equipas reforçadas que se encontram nos três polos.
AAPIN garante o abastecimento de água aos municípios, que compra à Águas Centro Litoral, pois trabalha maioritariamente em “baixa”. Góis é a exceção, pois a empresa garante a produção (captação e tratamento) e a distribuição de água.
2019 Em julho surge a APIN – Empresa Intermunicipal de Ambiente do Pinhal Interior, que junta 11 concelhosEmpresa Intermunicipal de Ambiente do Pinhal Interior tem sede em Penela
QUATRO ESTRELAS DE INSPIRAÇÃO
2012 Penela ganha, em dezembro de 2012, um hotel de 4 estrelas. Um projeto inspirado e inspirador que nasce numa antiga fábrica de papel
Mais do que uma unidade hoteleira, o Duecitânia Design Hotel é um projeto de vida, um sonho do casal Helena e António Maduro. Longe da completa realização, o primeiro passo foi dado em Dezembro de 2012. Com a presença do então primeiro ministro, Passos Coelho, Penela assistia à inauguração do primeiro hotel de 4 estrelas. Um projeto ousado e um investimento de cerca de cinco milhões de euros.
A filha do casal, Filipa Maduro, conta-nos como nasceu a ideia. Nada mais nada menos do que a partir de acampamentos efetuados em Penela. Isto porque os pais, António, natural de Miranda do Corvo, e Helena, com raízes em Penela, criaram no Barreiro, onde se radicaram, o Colégio Minerva, e todos os anos promoviam acampamentos de férias para os alunos. Penela era o destino. «Os meus pais andavam à procura de um espaço para criar um campo de férias», conta. Uma busca que os levou à Quinta da Fábrica, um espaço com 14 hectares, onde resistiam as ruínas de uma antiga fábrica de papel.
Filipa Maduro refere este projecto industrial, que arrancou nos finais do século XIX, «com máquinas importadas de Inglaterra». Inclusivamente, reza a história, das “Terras de Sua Majestade” terá vindo igualmente um engenheiro. As águas do rio Dueça faziam prever um local de eleição para a produção de papel, não fora as inundações. «À terceira inundação, a fábrica deixou de trabalhar», refere a empresária. «Na região há quem ainda guarde uma folha de papel», uma relíquia da produção da fábrica da Ponte do Espinhal, conta. No local ficou alguma da maquinaria, bem com os canais usados para o transporte da água do rio.
O casal gostou do que viu e empenhou-se em preservar esta herança. Mais, quis condimentá-la com a vivência dos romanos, tão pródiga neste território. «O meu pai gostava muito de história e particularmente da mitologia clássica», refere. Reuniam-se os elementos para nascer o Duecitânia, fa-
zendo, à moda dos romanos, a adequação do topónomo ao local escolhido, nas margens do rio Dueça, no sítio da antiga fábrica de papel, cujo traçado arquitetónico foi mantido. Ao invés de um campo de férias, nascia um hotel de quatro estrelas.
A inspiração clássica domina os três pisos do Duecitânia Design Hotel, que dão nota do crescimento de Roma, da afirmação e opulência do Império e também do seu declínio. São 42 quartos, com três suites, uma por piso, e dois quartos para pessoas com mobilidade reduzida. Cada quarto apresenta um provérbio latino e a mitologia clássica ganha espaço em cada um dos quartos de banho. De braço dado com a natureza, na margem da rio Dueça. O hotel possui SPA, piscina interior, jacuzzi, banho turco, sala de massagens e piscina exterior.
Os quartos dão para o bosque ou para o rio. “Cinco estrelas” é a esplanada do bar, “Tabernae”, que oferece uma vista deslumbrante sobre o rio. “Gvstatio” é o nome do restaurante, que não se fica apenas pelo nome romano. «Tentamos fazer uma ligação à cozinha romana», diz Filipa Maduro. Sugestões que resultam na apresentação de um receituário onde a batata quase não existe e ganham destaque produtos como o peixe do rio, as uvas, o mel, as nozes, o queijo, o azeite. «Produtos endógenos, muito característicos da região e que os romanos também já usavam», atesta a empresária.
Filipa Maduro reconhece que se trata de um projeto ousado, sobretudo tendo em
conta a altura em que avançou, sem esquecer que, apesar das muitas potencialidades do concelho, Penela não é propriamente um território na linha da frente em termos de turismo. «Aos poucos temos vindo a construir e a fidelizar o nosso público», diz, destacando a grande aposta na qualidade que define a unidade hoteleira. «Queremos que as pessoas gostem e voltem, o que acontece», afirma. Com especial satisfação, a empresária. refere os rasgados elogios que, de forma recorrente, os clientes fazem ao pessoal do hotel, reconhecendo e valorizando a simpatia, a eficácia e a prestação dos cerca de 25 colaboradores. Quanto aos clientes, são sobretudo portugueses, especialmente do norte do país. Os espanhóis lideram a clientela estrangeira, seguidos pelos ingleses.
O improvável hotel foi construído e inaugurado em Dezembro de 2012, “ultrapassando” no tempo o projeto de criação de um campo de férias que, esse sim, era grande objetivo .«Não está esquecido», garante Filipa Maduro. «Já temos projeto e é para fazer», adianta a empresária, lembrando que a pandemia trouxe algum revés ao processo de afirmação e consolidação da unidade hoteleira, retardando, necessariamente, outros investimentos previstos. Embora sem “timing" definido, o campo de férias vai ser uma realidade e também a Quinta da Fábrica vai trazer, no futuro, novidades. «Ainda não está preparada para visitação, mas queremos fazê-lo», adianta Filipa Maduro.
Centro de Estudos de História Local e Regional Salvador Dias Arnaut reúne a maior biblioteca de monografias existente no país
O LUGAR DA HISTÓRIA
2010 Em novembro de 2010, assiste-se à inauguração do Centro de Estudos de História Local e Regional Salvador Dias Arnaut. Um espaço único de estudo, de memória e de afetos
São milhares de obras. Provas da ânsia de saber, testemunhos de uma vida dedicada à investigação e à descoberta. 16 mil volumes constituíam a biblioteca do professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e hoje integram o espólio do Centro de Estudos de História Local e Regional Salvador Dias Arnaut (CEHLR SDA). Um espaço único a nível nacional. Um legado que a família entendeu partilhar ao colocar à disposição de todos aqueles que, à semelhança do investigador, consideram a história como “a vida dos homens todos e de todos os homens”. História que importa conhecer e investigar para “compreender a razão de ser do que existe”. Inaugurado a 27 de novembro de 2010, o Centro de Estudos é, também, um espaço de afectos, que ocupa a casa onde Salvador Dias Arnaut nasceu, no centro histórico de Penela. Um regresso às origens que dá perenidade a uma relação que o
médico e historiador fez questão de manter com a sua terra natal ao longo de toda a sua vida.
«Entendemos que a melhor homenagem que podíamos fazer ao meu avô era criar uma biblioteca e reunir todo o acervo documental no nosso Centro de Estudos». De uma forma simples, Salvador Manuel Arnaut, neto de Salvador Dias Arnaut (1913-1995), apresenta a decisão tomada pela família que conduziu à criação deste espaço. Um projeto que, sublinha, a Câmara Municipal de Penela, à data presidida por Paulo Júlio, apoiou desde a primeira hora «de uma forma extraordinária». O outro pilar desta parceria é a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que também se empenhou no projeto. Salvador Arnaut destaca, em particular, a professora Margarida Sobral Neto, que «foi aluna do meu avô» e considerada unanimemente a pessoa «mais indicada» para assumir a coordenação científica do CEHLR SDA.
A diversidade da biblioteca, que ilustra um percurso de vida e os diferentes interesses do investigador, apresenta um núcleo muito particular, constituído por 4.658 monografias locais, estudos publicados nos séculos XIX e XX, que dão a conhecer momentos da história de praticamente todos os municípios portugueses. Salvador Arnaut recorda a «paixão» do avô por estas monografias. «Tentava obter todos os estudos sobre qualquer região do país». Uma «obsessão» que o levava a percorrer lojas de antiquários e alfarrabistas, no sentido de encontrar estas preciosidades, sobretudo as primeiras edições «É uma biblioteca muito valiosa na sua dimensão, mas sobretudo na sua especificidade. Será a maior biblioteca de monografias do país, em termos de antiguidade e raridade», considera.
«O meu avô foi um homem sublime, ímpar». Um homem que «deixou a sua marca, escrita, falada, naquilo que fez, no muito que escreveu», afirma, com emoção, o neto, que teve uma vivência de grande proximidade com o avô e - não escondelicenciou-se em História exatamente por causa dessa relação de afeto e de respeito.
É com uma grande ternura que Salvador Manuel Arnaut fala do avô, um homem com um «carácter humano extraordinário»,
um «intelectual na verdadeira aceção do termo» que tinha praticamente uma vida de «ermita». «Não tinha carro», «andava sempre de transportes públicos», sempre foi « muito acarinhado» pelas pessoas mais simples» e viu o seu mérito «reconhecido» pelos mais ilustres.
Salvador Arnaut recorda a vida deste homem genial, que desde cedo revelou uma «sensibilidade» enorme para as letras e uma ambição única de saber. «Com 11/12 anos escrevia artigos para jornais de Avelar, de Penela, de Coimbra», refere. A família, originária da localidade de Pastor, mudou-se mais tarde para Coimbra. Talvez influenciado pela vivência dos pais, Salvador Dias Arnaut formou-se em Medicina, em 1940, e deu início à sua actividade como médico. «Lembro-me de me falar da “brigada de vacinação”, que percorria as aldeias do distrito e, inclusivamente, ia até à Guarda», recorda o neto.
Seguir uma paixão
Mas o interesse de Salvador Dias Arnaut pela vida do Homem não se limitava à área da saúde. «Sempre teve uma paixão pela História, pela Filosofia, pelas Artes, pelas Ciências Humanas». Uma paixão que o leva a enveredar pelos caminhos da História. Primeiro de uma forma autodidata. Depois, matriculando-se na Faculdade de Letras, onde, em 1951, se licenciou em Histórico-Filosóficas. Acabaria por fazer uma opção de vida e abraçar de corpo e alma esta vertente mais humanista da ciência, dando início a uma brilhante carreira académica. Jubilou-se em outubro de 1984.
Além de professor, Salvador Dias Arnaut foi igualmente um investigador de mérito. Uma paixão que o leva a “correr Ceca e Meca” até à descoberta do castelo de Germanelo. «Um ícone da região», sublinha o neto, destacando este «marco simbólico» na vida do avô. «Foi comprando todo o vale
e, com a ajuda do prof. Jorge Alarcão - na altura um jovem e hoje reconhecido como um dos maiores arqueólogos de todos os tempos – as investigações avançaram». Um trabalho que, sublinha, deu «origem a vários estudos sobre o Vale do Rabaçal e a zona da Ladeia, que teve um papel muito importante na Reconquista Cristã e na fundação do reino de Portugal».
Destaca, ainda, a «paixão» pela gastronomia que leva Salvador Dias Arnaut a publicar, em 1967, “A Arte de Comer em Portugal na Idade Média”, ou os estudos que desenvolveu sobre outros ícones, como Pedro e Inês, além de um vasto contributo para o conhecimento da História do seu concelho, Penela. A poesia foi outra das áreas onde o intelecto brilhante de Salvador Dias Arnaut deixou a sua marca. «O avô escrevia poesia com muita qualidade», diz, recordando os muitos elogios dos docentes do Departamento de História a esta faceta menos conhecida da vasta obra do investigador. Por isso, Salvador Manuel Arnaut afirma o seu empenho em «fazer uma coletânea» dessa poesia. Chama, ainda, a atenção para os «muitos documentos, reflexões e ensaios», que «estão identificados, mas não estão tratados» e podem representar um alfobre a explorar pelos estudiosos da Faculdade de Letras.
“Fazer mais e melhor”
Promover o desenvolvimento dos estudos de História Local e Regional, constitui o objetivo central que presidiu à criação do CEHLR SDA. Um centro que disponibiliza os recursos de informação e um ambiente de trabalho de qualidade, quer para a comunidade científica, quer para a comunidade em geral. A organização de encontros, conferências, seminários científicos constitui outro dos objetivos. De resto, a programação inclui o Seminário Permanente de História Local e Regional, com periodicidade mensal, que a pandemia veio travar. «Temos vontade de fazer mais e melhor», assume Salvador Arnaut, que refere, igualmente, a «ambição de dar uma dimensão nacional» ao Centro de Estudos de Penela. Um projeto ainda em fase embrionária e que poderá passar pelo convite a «especialistas de outras universidades, dentro das áreas da História, da Arqueologia e das Ciências Humanas, a juntarem-se aos especialistas da Universidade de Coimbra» no sentido de cumprir esse desígnio.
CASA-MUSEU: PATRIMÓNIO DO ESPINHAL
2019 Solar do século XVIII abre, em agosto de 2019, como casa-museu. Proprietários doam edifício às gentes do Espinhal
Nunca me senti verdadeiramente – e o meu marido muito menos – proprietária da casa… É demasiado grande, tem demasiada história… É demasiado para uma pessoa.. ou para duas. Nada melhor do que partilhá-la com a população do Espinhal». Palavras de Paula Oliveira Guimarães, que rejeita falar em «generosidade», apesar de ter doado o solar da família à freguesia do Espinhal. «Não temos filhos, não temos herdeiros... se não fosse assim tudo se iria perder», adianta. Exemplos existem, em demasia, por esse país fora e aponta, bem perto, a Quinta da Boiça, que pertenceu a antepassados seus e «está abandonada». «A partilha é a única forma de preservar um património destes», defende.
E foi precisamente isso que Paula Oliveira Guimarães e o marido, Renato Barroso, decidiram fazer. «É a devolução de uma propriedade privada aos espinhalenses», afirma. «Para mim, o mais gratificante é perceber como a população sente que a casa é um espaço seu. Isso dá-nos uma sensação de conforto, de segurança, pois temos a certeza que quando cá não estivemos, os espinhalenses vão continuar a manter a casa», refere.
«Generosidade recebemos nós todos os dias!», afirma. «Quando um alarme toca, alguém vai logo ver o que se passa, quando chove, alguém se apressa a limpar a água», exemplifica, não faltando «voluntários amigos que tratam dos animais». «Estamos muito gratos», diz Paula Oliveira Guimarães, que lembra o facto de, durante décadas, a população do Espinhal ter sido a zeladora atenta da casa, onde a família passava praticamente um mês de férias. «É uma justa devolução», considera.
Em agosto de 2019, o casal decidiu abrir a casa ao público, transformando o solar numa casa-museu. «Uma forma de começar a envolver mais a população, que em termos testamentários é a herdeira deste vasto espólio. Mas antes disso acontecer, a herdeira do conselheiro Luís Oliveira Guimarães
Solar do século XVIII recebe visitantes e promove um vasto programa cultural
decidiu fazer as necessárias obras de adaptação. Um investimento superior a 300 mil euros, que contou com financiamento de 148 mil euros do Turismo de Portugal.
Em causa está um solar rural do século XVII, adquirido pela família em 1790, em fase de construção. «Tem estado sempre na família e como não houve partilhas, isso permitiu-nos manter um acervo muito importante», refere. São mobílias originais, louças, objetos decorativos. Atenção especial merece a biblioteca, que reúne mais de 1.600 volumes, entre os quais algumas relíquias do século XVI. Esta é das «particularidades da casa». A outra, é o facto de «a continuarmos a usar como a nossa casa», e cada vez mais, porque o casal passa mais tempo no Espinhal do que em Lisboa.
«Não queremos integrar a rede de casasmuseu», diz, uma vez que isso implica uma série de condicionantes e o objetivo do casal é permitir que a «casa seja vivida» por quem a visita. Daí a não existência de cordões inibidores. O objetivo é que as pessoas possam mexer, tocar, sentir o que está à sua volta. «Recentemente tivemos a visita de um grupo de pessoas invisuais, que puderam tocar nas coisas todas, uma experiência que, por norma, não é possível acontecer. Foi muito gratificante», diz, satisfeita com a felicidade dos visitantes.
Programação cultural
A casa é, só por si, um templo de cultura, mas o casal entendeu conferir-lhe mais
um atrativo, com a dinamização de uma programação cultural, sem qualquer financiamento. «Temos desenvolvido uma parceria muito positiva com a Companhia da Chanca», exemplifica, destacando os concertos, as sessões de cinema ao ar livre, ou a criação de um Cineclube – Renato Barroso é um cinéfilo de excelência - que, uma vez por mês apresenta uma sessão de cinema, com debate. Há também um programa de concertos e a sala de exposições apresenta uma nova mostra de três em três meses. Jovens artistas, artistas locais, têm ali um espaço de eleição. Paula Oliveira Guimarães refere, este ano, duas exposições, uma de uma artista com 96 anos e outra com mais de 70, que apresentaram o seus trabalhos pela primeira vez. De forma recorrente, uma ou duas vezes por mês, assiste-se à apresentação de livros.
Paula Oliveira Guimarães faz questão de referir que «tudo isto só é possível graças a um grupo de 25 voluntários», pessoas de diferentes idades e formação, do Espinhal, que tiveram a necessária formação e estão habilitados a fazer o acompanhamento das visitas e sempre disponíveis para fazer o que é necessário quando há momentos de programação cultural.
Convidados de honra de uma boa parte dos eventos promovidos na Casa-Museu são os utentes do lar do Espinhal e da Associação Quinta das Pontes e há, também, uma grande proximidade com a escola básica do Espinhal.
REQUINTES DE BOM HUMOR
2008 Arranca, em 2008, a Bienal de Humor Luís Oliveira Guimarães. Um evento único que coloca o Espinhal na rota dos grandes eventos culturais do mundo
Promove a irreverência, a criatividade e a cultura e, ao mesmo tempo, alimenta o riso e a boa disposição. A Bienal de Humor Luís Oliveira Guimarães representa um momento ímpar e improvável, que projeta a vila do Espinhal e o concelho de Penela para o mundo. Um projeto que arrancou em 2008, numa iniciativa que juntou a família Luís de Oliveira Guimarães, a Junta de Freguesia do Espinhal e a Câmara Municipal de Penela e que constitui, também, uma forma de homenagear este espinhalense ilustre, que amava a sua terra natal e a cultura.
Luís de Oliveira Guimarães (1900-1998) foi magistrado, escritor, jornalista e humorista. Considerado uma «personalidade rara, diletante e multifacetada», «cruzou-se ao longo da vida e era amigo de muitos desenhadores e foi caricaturizado pela maioria dos humoristas do seu tempo», refere a neta, Paula Oliveira Guimarães, adiantando que esse património levou Osvaldo Macedo de Sousa, «um dos maiores artistas de desenho gráfico e humorista do mundo, a fazer uma biografia» do seu avô. Um trabalho inspirador, a “musa” que levou à criação da Bienal de Humor.
Cada edição tem um tema específico, todos relacionados de alguma forma com Luís Oliveira Guimarães ou com os seus interesses. Justiça (2008) foi o primeiro, seguindo-se o teatro, (2010), jornalismo (2012), a liberdade (2014), O mel e o ferrão (produtos endógenos do Espinhal, 2016), O ciclo da vida (2018) Saúde (2020, porque o avô era hipocondríaco) e o Homem, o Planeta e os Animais (2022).
Um evento e âmbito internacional que envolve artistas de todo o mundo. «Este ano tivemos a maior Bienal de sempre», diz, orgulhosa, Paula Oliveira Guimarães, que dá conta dos 79 países representados, com mais de 1.500 trabalhos, da autoria de 750 artistas. Também pela primeira vez uma mulher, a iraniana Mahbooube Pakdel,
foi a vencedora absoluta. Alguns dos vencedores nas várias categorias – artistas da Bélgica, Colômbia, Canadá, Turquia, Sudão, Albânia, Irão e Alemanha – marcaram este ano presença no Espinhal, «o que nem sempre é possível».
Cumpridas oito edições da Bienal de Humor, Paula Oliveira Guimarães não tem dúvidas: «Neste momento, o Espinhal e Penela são conhecidos em todo o mundo como o maior festival de humoristas do mundo». Mentora deste projeto singular, não deixa de lamentar a «pouca atenção que o país» dá ao evento, contrariamente ao excelente feedback que existe a nível internacional. Uma crítica muito direta à televisão pública, que pura e simplesmente ignora o evento, apesar de ter o alto patrocínio do Presidente da República. «Custa-me», confessa, sobretudo porque «envolve custos significativos para a Junta e para a Câmara».
A neta de Luís Oliveira Guimarães não percebe, também, as razões que levam a região a alhear-se do evento. «Vem gente do Porto, dos Açores, do Algarve e não conseguimos ter aqui as pessoas dos concelhos vizinhos», lamenta. Todavia, ainda é possível apreciar as exposições da Bienal, que tem sempre a concurso a vertente de desenho humorístico e de caricatura, trabalhos que ficam expostos em vários polos. Assim, até finais de outubro, os trabalhos de caricatura podem ser apreciados no
átrio dos Paços do Concelho, em Penela. No Museu do Rabaçal e na Casa da Cultura do Espinhal encontram-se os trabalhos dos vencedores, nas diferentes categorias, bem como a exposição dos jovens, que reúne as obras dos alunos do Agrupamento de Escolas D. Pedro, de Penela.
A última edição incluiu uma homenagem ao artista Zé Oliveira, uma referência na região, e ao colombiano Omar Túrcios, trabalhos que estão patentes na Casa-Museu Oliveira Guimarães, no Espinhal. Todos os espaços podem ser visitados durante o horário normal de expediente e na CasaMuseu é necessário fazer reserva, através do telefone 967 695 791.
Paula Oliveira Guimarães já está a pensar na próxima edição, daqui a dois anos, que coincide com os 50 anos do 25 de Abril. Garantidamente o tema a escolher vai ser inspirado nesta data, perspetiva.
Bienal de Humor Luís Oliveira Guimarães projeta o nome do Espinhal e de Penela em todo o mundo. Este ano estiveram 79 países representados
anos com
FERRARIA DE SÃO JOÃO: DE BRAÇO DADO COM A NATUREZA
2009 A beleza da ruralidade e o contacto com a natureza em estado puro conquistam novos moradores. A aldeia rejuvenesce, mantendo viva a sua identidade e as tradições
Há 13 anos, Maria Rodrigues e António Zuzarte fixaram-se na aldeia. Ela, natural da Freixianda. Ele, mais próximo, da aldeia de Fato, Figueiró dos Vinhos. Conheceram-se em Tomar. «Foi o meu marido que descobriu a aldeia», recorda Maria. AAldeia do Xisto de Ferraria de S. João conquistou António. E tanto assim foi que adquiriu uma casa em ruínas, que se empenhou em reconstruir. Maria foi lá pela primeira vez durante as obras. Depois, o casal fixou-se. Ele, encantado. Ela, um tanto apreensiva. «Parecia-me longe, muito distante», recorda, justificando os seus receios por, como professora do 1.º ciclo, nem sempre ser colocada e ter de procurar alternativas de trabalho, nomeadamente em centros de explicações. Em Tomar, onde vivia, isso era fácil. Como seria na Ferraria de João?
Decidiu ficar, para «experimentar» e acabou por «encontrar uma série de novas oportunidades», inclusivamente de «aprender uma nova profissão, de modista». «Até
fiz vestidos de noiva», conta, além de se ter estreado no ensino para adultos. Regressou, depois, à escola e às crianças. No ano passado em Miranda do Corvo. Este ano na Comunidade de Aprendizagem das Cerejeiras, um projeto educativo alternativo, que funciona no Rabaçal e que, exatamente por ser diferente, cativou a sua atenção. O marido, engenheiro eletrotécnico, trabalha na área das telecomunicações.
O casal tem três filhos, duas meninas e um rapaz, a mais velha com 12 anos e a mais pequenita com 3. Todos nascidos na Ferraria de S. João. Os mais velhos frequentam a escola noAvelar e a mais pequena na Cumeeira. Esta tem transporte assegurado, mas os irmãos têm de ser levados à escola pelos pais ou pelos vizinhos, um outro casal, igualmente jovem que, praticamente na mesma altura, também se instalou na aldeia. «Não é uma logística difícil», garante Maria, pois «nós também saímos, para irmos trabalhar e só regressamos ao final do dia».
«Aqui há paz, há silêncio, há natureza», e também é «uma aldeia viva», com cerca de 40 habitantes, sintetiza Maria Rodrigues, que faz parte da Associação de Moradores da Ferraria de São João. Ao fim de semana a população cresce. Por um lado, é o regresso dos proprietários de algumas habitações. Por outro, a visita dos turistas, que, com frequência acrescida, querem conhecer as particularidades desta Aldeia do Xisto, localizada na Serra da Lousã, no limite do concelho de Penela. A associação de Moradores empenhou-se, por seu turno, em promover os valores e a identidade da Ferraria de S. João e das suas gentes.
Por isso, sobretudo ao fim de semana ou para assinalar momentos especiais, são comuns os programas e workshops, onde se aprende a fazer o tradicional queijo, com o leite acabado de retirar das cabras. Ou a amassar a broa, cozida em forno de lenha. Isilda Mendes e Maria de Fátima são as “mestres de cerimónia” nestes desafios e vêem a chegada dos visitantes com redo-
brado gosto. Muitos chegam, acompanhados pelas respetivas bicicletas, atraídos pelo Centro de BTT que existe junto à aldeia. Outros preferem descobrir a natureza a pé, seguindo um dos vários percursos existentes.
Mas a Ferraria de São João tem outros encantos, uma magia muito própria que deixa feliz quem visita a aldeia. O velho sobreiral é um desses ícones. Um autêntico santuário verde que, nos grandes incêndios de 2017, criou uma muralha de proteção, salvando a aldeia das chamas. «Ainda arderam alguns sobreiros» faz notar Maria. Foi a resiliência das árvores, muitas delas centenárias, a ser posta à prova e a sair vencedora nesta luta de titãs.
Uma boa parte do sobreiral pertencia a José Vaz, um morador local que, já com idade avançada, quis entregar a custódia deste bem maior à Associação de Moradores, de forma a garantir que alguém iria continua a zelar e a valorizar esta herança. A coletividade adquiriu o sobreiral e avançou com um original processo de adoção de árvores, de forma a criar um elo de ligação com outras pessoas, interessadas em fruir do sobreiral. «Correu bem», conta e as árvores sobejantes foram rapidamente adotadas depois dos incêndios e 2017. «Acabámos por ter mais procura do que oferta», diz.
Zona de proteção da aldeia à espera de “plano de gestão”
2017 O fogo ameaçador, que em junho de 2017 começou em Pedrógão Grande, galgou montes e vales e chegou à aldeia, levou a associação e os moradores a empenharem-se num projeto pioneiro, com a criação de uma zona de proteção da aldeia (ZPA). Foram arrancados mais de 50 mil eucaliptos, criando uma clareira em redor da povoação, onde foram plantadas novas árvores, espécies autóctones e resilientes ao fogo. Num primeiro “anel” foram plantados sobreiros, os acarinhados guardiões da aldeia. A dez metros de distância, num segundo anel, plantaram-se carvalhos e, num terceiro anel, mais próximo do núcleo urbano, a opção foi a plantação de árvores de fruto, como castanheiros, nogueiras, cerejeiras e medronheiros. Uma nova floresta, planeada e ordenada, com espécies autóctones, que pretende criar uma outra frente de proteção para a Ferraria de S. João e seus habitantes.
«Foi feito o cadastro dos terrenos – mais de duas centenas de frações, pertencentes a cerca de sete dezenas de proprietários –criámos patamares de suporte de terras e plantámos outras espécies», refere Maria Rodrigues, lembrando que, à semelhança do que aconteceu com o sobreiral, também aqui se avançou com um sistema de apadrinhamento das novas árvores plantadas, de forma a ajudar o projecto com alguma receita. «A zona de protecção foi criada, tem as árvores plantadas, a associação tem feito alguma manutenção, mas falta um plano de gestão», faz notar. «Quem vai gerir esta zona, para que possa continuar a ser segura?», questiona Maria Rodrigues, que destaca o facto de se estar perante um modelo novo, relativamente ao qual ainda não há o
necessário enquadramento legal. «Por mais boa vontade que tenhamos, precisamos de ajuda das entidades públicas, do Governo, das câmaras», diz.
A Associação de Moradores faz o que pode, ou seja, ações de limpeza e controlo dos eucaliptos, mas sente-se de “pés e mãos atados”, tendo em linha de conta que se trata de terrenos privados de muitas dezenas de proprietários. «Nada do que existe se aplica», sublinha. Refere, a propósito, a figura dos “Condomínios de Aldeia”, lançada pelo Governo, que representa um programa de apoio financeiro ao qual se podem candidatar municípios ou agências de desenvolvimento local. Todavia, «são apoios para ações de arranque de eucaliptos». Na Ferraria de São João os eucaliptos há muito que foram arrancados e, em seu lugar, de forma ordenada, foram plantadas muitas centenas de espécies autóctones. Só falta, pois, ser consequente, ou seja, passar à fase seguinte e «criar um modelo de gestão», apela Maria Rodrigues.
Associação de Moradores promoveu a adoção de árvores do sobreiral e, posteriormente, o apadrinhamento de outras espécies igualmente autóctones
A LIBERDADE DE VOAR
questão de sublinhar que a “Escola de Parapente e Asa Delta” da Chanca não é uma “escola física”. Antes um conceito, e, sobretudo, uma aliança de vontades, entre quem quer aprender a voar e quem tem o conhecimento para garantir essa formação, uma tarefa assumida pelo professor Ernesto Ferreira.
Depois de ter participado no voo inaugural, a 21 de abril de 2011, sempre que pode João Vieira desloca-se das Caldas da Rainha para o Rabaçal , e procura «aproveitar o máximo», «ganhar altitude» e sentir «esta sensação imensa, inexplicável, de liberdade».O parapente é a sua “praia” e de muitos outros amantes da modalidade – e também alguns de asa delta – que sobem à Chanca e voam rumo aos céus. «Há muita gente a vir voar para o Rabaçal», diz, exemplificando com um dos últimos fins de semana, em que «estavam uns 12 ou 13 “asas” a voar».
Marta Gonçalves, a esposa, também já lhe “tomou o gosto”. «Devia experimentar», desafia-nos. Fez o batismo de voo, voou com o marido e o próximo passo é mesmo tirar o curso.
Éuma sensação incrível… de liberdade! Uma liberdade imensa!». João Vieira tem dificuldade em encontrar as palavras certas. Certo é que voar é «espetacular» e é para o Rabaçal que caminha, sempre que quer ganhar asas. Natural do Rabaçal, onde tem casa, embora atualmente esteja radicado nas Caldas da Rainha, João Vieira foi um dos primeiros a “saltar” da Chanca. Uns amigos de França e outros da Suíça já praticavam parapente e desafiaram-no e outros colegas da Lousã juntaram-se ao coro de entusiastas. «Nada melhor do que experimentar», diz o antigo motorista de transportes internacionais que hoje é operador de máquinas. 2011 foi o seu ano de estreia. «Fiz um batismo de voo com o professor e gostei». Seguiu-se o curso, igualmente sob a orientação do professor Ernesto Ferreira, e marcou presença no voo inaugural da Escola de Parapente e Asa Delta da Chanca.
Maria Marmé era, à data, presidente da Junta de Freguesia do Rabaçal (ainda não havia União de Freguesias) e recorda o empenho do seu executivo em avançar com este projeto. O castelo de Germanelo era uma possibilidade. Outra era o Monte
Vez. Mas a escolha acabou mesmo por recair sobre a Chanca. «É o ponto mais alto», sublinha, apontando os 350 metros de altitude a que se situa o ponto de descolagem. Um acordo de colaboração com a proprietária dos terrenos permitiu que a junta criasse os acessos e preparasse uma zona para os amantes deste desporto se lançarem em voo, procurando apanhar as correntes singulares que ali se fazem sentir.
«Temos condições excecionais durante todo o ano», faz questão de dizer João Vieira. E para quem tem dúvidas refere o exemplo de alguns colegas que «descolam do Rabaçal, “apanham” três mil metros de altitude e aterram em Mira, na Figueira da Foz ou nos Olhos de Fervença, em Cantanhede». Tudo isto «sem motores», destaca.
Mas para quem não quer voar para tão longe, cá em baixo, no Vale do Rabaçal, a Junta de Freguesia acautelou, igualmente, num acordo de colaboração com o proprietário de um terreno, a instalação de uma “pista” de aterragem. Nem no cimo do monte, nem no vale há estruturas físicas. «Os proprietários não permitem qualquer construção», explica a autarca, que atualmente lidera a União de Freguesias de Santa Eufémia, São Miguel e Rabaçal, e faz
Receios? João garante que nada há a temer. Nem mesmo vertigens. «Em cima de um telhado, tremo todo, mas aqui é diferente», diz, garantindo que as vertigens deixam de ter efeito a “bordo”do parapente. Quando ao resto, «as regras são muito rígidas», o que faz desta modalidade «um dos desportos mais seguros que temos», assegura.
Satisfeita, a autarca local entende que esta é mais uma proposta para atrair turistas e visitantes ao Rabaçal, tendo em conta o crescente número de adeptos que este desporto cativa. Importante, faz notar, é também o reflexo que essa presença tem na economia local, particularmente nos cafés e restaurantes, que ganharam uma nova clientela, fiel aos grandes voos a partir da Chanca.
2011 “Escola” de Parapente e Asa Delta começa a funcionar junto à localidade de Chanca. Uma visão diferente, em pleno voo, sobre o Vale do Rabaçal… e muito maisNo cimo do monte, a 350 metros de altitude, ganham-se asas e aprende-se a voar
Durante todo o ano a localidade da Chanca oferece condições de excelência para a prática de parapente e os amantes da modalidade não param de crescer
AS MARAVILHAS DO MUNDO SUBTERRÂNEO
2014 Centro de Interpretação do Sistema Espeleológico do Dueça avança, em 2014, com um projeto de visitação às grutas. Um mundo novo para descobrir debaixo da terra
com cerca de três mil metros de extensão documentada e 4.500 “estimada”.
A visita mais curta representa uma estadia de duas horas e meia na gruta , com uma hora e meia reservada para vestir, despir e tomar banho. Trata-se de «uma visita muito interpretativa e explicativa», não permitida a crianças com menos de 5 anos. «A maior parte das pessoas vai pela aventura e tentamos explicar o mundo subterrâneo». Por norma, «as pessoas ficam entusiasmadas e, mais importante, aprendem alguma cosia sobre as grutas, a sua formação e importância». Esta visita inclui as galerias de acesso, do rio e a chamada gruta do Caos.
Paulo Rocha é um indefetível amante da espeleologia. Começou com 15 anos, a descobrir os afloramentos calcários na zona de Cantanhede. Era a aventura espeleológica mais próxima de Ílhavo, onde residia. Seguiram-se as grutas de El Rei, em Portunhos e, mais tarde, já com um saber de experiências feito, a Serra de Sicó. Uma aventura com «mais de 30 anos». Uma paixão de vida. Razões que o levaram, em 2014, a apresentar uma proposta à Câmara de Penela, tendente a dar vida ao CISED – Centro de Interpretação do Sistema Espeleológico do Dueça, um espaço inaugurado em setembro de 2005, em Ferrarias, mas que pouco ou quase nenhuma atividade desenvolvia.
O objetivo era, através da empresa PROC 1000, dinamizar o local, com a organização de visitas acompanhadas às grutas, um património ambiental único e praticamente só acessível a especialistas. No final do ano, a equipa de Paulo Rocha apresentava os números e o município tomava a decisão. Assim foi. Foi aberto concurso público, a empresa apresentou uma proposta (única) e o acordo de três anos, automaticamente renovável, mantém-se até hoje. Mantém-se, igualmente intocável, a paixão de Paulo Rocha pela visita às grutas.
«As grutas são um armazém de informação, de conhecimento», que se mantém
protegido. O facto de no mundo subterrâneo as variações de temperatura serem mínimas evita os fenómenos de erosão que se verificam à superfície, faz notar. «A informação está lá, só é precisar ir buscá-la», adianta, embora reconheça que não seja de «fácil leitura». Tanto assim é que há universidades, de Coimbra, da Nova Zelândia e dos EUA que desenvolvem projetos ou têm interesse nisso. À margem das questões científicas, as visitas pretendem explicar um pouco o mundo subterrâneo e a sua relação com a superfície. «Tentamos explicar a formação das grutas e a sua importância», «como se formam as estalactites e as estalagmites», as formas mais conhecidas que se encontram nas grutas. Ao fim de oito anos, Paulo Rocha faz um balanço claramente positivo desta “aventura”. Sobretudo tendo em conta as boas reações de todos quantos efetuam as visitas e descobrem um mundo maravilhoso debaixo da terra.
Paulo Silva e a sua equipa tratam de tudo. «Os visitantes só têm de trazer roupa interior», afirma, bem disposto. «Fornecemos botas, fatos-macaco e capacetes» e o pacote inclui, naturalmente, no final, um banho.
São três visitas diferentes à Gruta do Soprador do Carvalho, considerada a gruta mais significativa do Sistema Espeleológico do Dueça e a mais extensa gruta do maciço de Sicó e uma das maiores de Portugal,
A visita mais alargada inclui mais uma galeria, a Gruta dos Catos, onde é possível perceber que «as estalactites começam por ser ocas», diz Paulo Rocha. Mais uma gruta representa mais uma hora debaixo de terra, ou seja, três horas e meia e a mesma hora e meia para os preparativos.
A terceira visita é «muito mais desportiva». Não significa que seja para especialistas, mas para «pessoas que tenham um compromisso com a atividade bastante grande», uma vez que requer que sejam dados passos diferentes, mais exigentes, como «rastejar ao longo de 150 metros», ou passar por «pontos estreitos». «Vai-se ao outro lado da gruta», explica Paulo Rocha, que aponta os 9km da galeria e as suas particularidades que levam a pensar que se trata de outra gruta quando efetivamente é a mesma, ligada por uma passagem que obriga a rastejar durante 150 metros.
«Há pessoas que se queixam da dureza» desta jornada, mas «ninguém se queixa da falta de beleza», garante o espeleólogo. Pedro Crespo já viveu a experiência. «É um mundo completamente novo», diz, elogiando a forma como a visita é orientada, explicando o como e o porquê dos diferentes “fenómenos”. «São seis horas que passam muito depressa. No final, só queremos que a gruta ganhe mais uns quilómetros. É uma experiência surpreendente». Sílvia Lopes partilha da mesma opinião, mas também destaca o «auto conhecimento» que envolve, e a «superação de obstáculos». «É espetacular», sintetiza.
ANTÓNIO ARNAUT: O EXEMPLO DE UM HOMEM BOM
1936-2018 Defensor da liberdade e da justiça, humanista e escritor, o advogado de Penela fica na história como o pai do Serviço Nacional de Saúde
Se há céu, ele está lá!… apesar de ter perdido a fé!...». De uma forma lapidar Maria Ermelinda Arnaut define, assim, o companheiro de uma vida. António Duarte Arnaut, o pai do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o advogado assertivo, o político combativo e entusiasta, o escritor inspirado, o maçon assumido era, acima de tudo, um homem solidário e humanista, com um grande sentido de justiça. «Era um homem bom! Sempre fez o bem!» «Sempre foi um bom filho, um bom pai e um bom marido. Tivemos uma vida feliz!», diz.
Professora primária, Maria Ermelinda Santos Curcialeiro Arnaut sempre foi uma pessoa discreta. «Sempre gostei do meu recato», assume. A nossa conversa é uma «exceção» de uma regra de vida. Simples, tranquila, com uma lucidez e sabedoria invejáveis, fala-nos do marido, companheiro de uma vida. Com saudade e emoção. Mas também com um sorriso rasgado provocado pelas muitas e boas memórias.
Foram 59 anos de casamento. Oito de namoro. E, antes disso, mais de uma dezena de convivência.
Praticamente da mesma idade, Maria Ermelinda e António Arnaut conheceram-se na escola primária da Cumeeira. Ela residia na sede de freguesia. Ele numa aldeia próxima, Venda das Figueiras. «Éramos crianças», recorda. António prosseguiu os estudos no Colégio do Avelar. Ermelinda continuou na Cumeeira, onde completou o antigo 2.º ano. Seguiu-se a deslocação para o Colégio Rainha Santa, em Coimbra. «Separámo-nos nessa altura». António continua, depois, os estudos em Tomar, onde completa o 7.º ano. Ermelinda mantém-se em Coimbra. Apesar de separados, começaram a namorar. Tinham 16 anos. «Era um namoro de férias. Um namorico», refere. Voltaram a encontrar-se em Coimbra. António entrava para a Faculdade de Direito. Ermelinda para o Magistério Primário. «Namorámos oito anos». Casaram no dia 1 de Abril de 1959. «O António estava no
último ano da faculdade. Formou-se em Julho». Era o início de uma longa caminhada, feita a dois, ao longo de 59 anos. Uma vida de partilha, de compreensão e de cumplicidade.
Atração pela política
«Sempre esteve metido na política», conta. Para Maria Ermelinda era uma «coisa inata». «Desde muito cedo começou a ver as coisas… Eram outros tempos, tempos muito complicados», onde pouco ou nada havia. «Hoje as pessoas queixam-se por tudo e por nada, mas não têm a noção de como era a vida há 80 anos. Hoje ninguém sabe o que é miséria!», critica Maria Ermelinda, que se assume como «uma camponesa», que viveu na Cumeeira até aos 10/11 anos, onde passava as férias e deu aulas durante 20 anos.
«A minha avó emprestou muitas vezes lençóis para as noivas se casarem», recorda, dando um retrato da miséria que se vivia. «As pessoas hoje não sabem o que é a miséria», sublinha. No “tempo” da professora Ermelinda já não se emprestavam lençóis para a noite de núpcias, mas as famílias continuam a viver muito mal. «Tinham muitos filhos, uma casita com dois quartos. Os rapazes dormiam no palheiro, vestidos. Ninguém tomava banho», recorda.
António e Ermelinda conheceram, na Cumeeira, a realidade dura da vida das pessoas, que pouco ou nada tinham. E quando precisavam de ir ao médico as coisas complicavam-se deveras. «Não tinham dinheiro para pagar a consulta». A solução era ou «vender uma terra» ou «vender o porco que estavam a criar», com a família a ficar sem esse sustento. Mas o que mais a revoltava era quando esta pobre gente tinha que vender as «alianças de casamento!...» para pagar ao médico.
Esta vivência terá sido o motor da militância política de António Arnaut, que desde muito jovem se mostrou contra o regime e encontrou, em Coimbra, no ambiente da Academia, alimento ímpar. Bem disposta, Ermelinda recorda o empenho que teve, em 1958, apoiando a candidatura de Humberto Delgado. De forma surpreendente, Delgado venceu na Cumeeira, onde o presidente da Junta era o avô de Ermelinda. Logo no ano seguinte, Arnaut assume-se como um dos signatários da chamada “Carta dos Católicos”, dirigida a Sa-
lazar, que levantava questões sobre a repressão que se vivia no país.
António Arnaut começava a dar nas vistas em termos políticos. Um facto que não passou despercebido a Fernando Valle (1900-2004), o histórico médico de Coja e fundador do PS. «Começou a puxar por ele», conta, referindo a participação do marido nas «comemorações autorizadas à oposição». Abria-se caminho para Arnaut aderir à Acção Socialista (1965). Em Abril de 1973, é um dos 27 presentes em Bad Münstereifel, na Alemanha, na fundação do Partido Socialista. O militante n.º4 do PS, foi deputado da Assembleia Constituinte, assumindo, como jurista, um trabalho de grande fôlego na elaboração e aprovação da Constituição, a trave mestra do funcionamento do sistema democrático. Foi deputado da Assembleia da República, da qual foi vice-presidente. Zangou-se com o partido. «Estava muito desgostoso com as pessoas» e entregou o cartão de militante, em 1983. Em 2016, foi nomeado presidente honorário do PS.
Paixão pela escrita
A assinatura da “Carta dos Católicos a Salazar” terá sido o início de uma longa relação de amizade entre Arnaut e Miguel Torga, que a escrita consolidou. «Era um grande amigo», confirma Maria Ermelinda, que não esconde o feitio «muito especial» do autor de “Bichos”, visita frequente de casa. «Gostava muito do meu cabrito assado», confidencia. António escreveu poesia desde muito cedo - “Versos da Mocidade”, 1954 - e assumiu que queria «morrer como escritor». «Escrevo todos os dias poesia, que aproveito ou não, tudo dependendo das “horas amargas e doces”, do “amor e mágoa” que impulsionam o trabalho criativo, “sempre à procura de um verso que nunca se encontra», dizia. Uma obra que se multiplicou pelo ensaio e pela ficção. «Escrevia sobretudo no escritório», conta a esposa, que reuniu todos os manuscritos da vasta obra publicada pelo marido. António lamentava que a esposa não lesse os seus livros. «Dizia-lhe que lia quando tivesse tempo». Agora, com 87 anos, tem tempo e já leu todos os livros do marido. “Ossos do Ofício” (1990), “Rude Tempo, Rude Gente” (1985), “Era um Rio e Chorava – 80 Poemas para 80 Anos” (2016), merecem-lhe uma referência especial. “Rio de Sombras” (2008) «é quase uma autobiografia» da qual gosta especialmente.
Solidário com os mais pobres
O carácter «profundamente humanista» e o grande sentido de justiça de António Arnaut foram uma marca ao longo de toda a sua vida. A esposa lembra que, no início de carreira, começou a advogar em Ansião. Já com um filho, António, e com o seu trabalho como única fonte de rendimentos da família – ela professora primária e ele advogado – Arnaut punha os outros à frente de si e da família, recusando-se a cobrar honorários a quem tinha dificuldade em pagar.
Um dia, depois de três julgamentos, confessava a Ermelinda que só tinha «levado dinheiro» de um deles. Quando aos outros dois, desculpava-se com «duas irmãs, idosas, muito pobres». «Uns dias depois chega-me a casa com três morcelas». Um presente que as duas irmãs lhe foram levar em pagamento.
Maria Ermelinda recorda o caso de um senhor dos lados do Espinhal, que Arnaut defendeu em tribunal. «Chegou a casa muito satisfeito: Não sei qual era a situação, pois nunca falava disso», mas confessou que, quando disse ao cliente o valor dos honorários, a reação deste não se fez esperar: «senhor doutor isso não é conta que se apresente!» E pagou-lhe o triplo!
«Custava-lhe levar dinheiro, sobretudo a pessoas que não tinham recursos», recorda, com ternura, lembrando, igualmente, a forma como o marido recomeçou, do zero, no escritório de advocacia, após deixar a política. Mário Soares, «um grande amigo, queria arranjar-lhe emprego numa empresa. Recusou». Também recusou «um escritório de advocacia, com nome feito e clientes garantidos. Quis fazer sempre – e fez – o seu caminho. Dizia: “o que tiver há-de ser feito por mim”». E assim foi.
«Não era um homem ambicioso. Nem ele, nem eu. Sempre vivemos com pouco, mas o que tínhamos chegava» e «tivemos uma vida feliz»». Os três filhos «sempre frequentaram a escola pública», sublinha a mãe, que não esconde que houve momentos mais complicados, que ditaram, inclusive, a necessidade de vender algumas propriedades da família. Mas sempre com a maior tranquilidade. «Educámos os filhos e chegou. Para ele e para
mim!». «Vale mais o ser do que o ter», repetia, amiúde, o causídico, recordando uma afirmação muito usada pelos seus avós.
A «retidão», a «seriedade» e a «honestidade» sempre foram uma referência na sua vida. Ermelinda lembra que quando entrou na Faculdade de Direito, António teve apoio da Filantrópica. Assim que teve possibilidade, «devolveu esse dinheiro e, segundo eles, mais algum», conta.
Se Fernando Valle teve um papel importante em “levar”António Arnaut para a ribalta política, também foi o médico de Coja, maçon assumido, que o conduziu para o mundo da Maçonaria. Iniciou-se em 1976 e dois anos depois assumiu que era maçon. Um registo diferente, numa altura em que a Maçonaria tinha um cunho de secretismo. Para Maria Ermelinda, a adesão à Maçonaria foi «tão natural» como o seu envolvimento na política. Eram os «seus valores», a «paixão pela liberdade», a sua sede de «justiça», o elevado sentido de «solidariedade» e «fraternidade», «o grande sentido do bem» e de «perfeição». Ideais que, à época, constituíam o foco da Maçonaria. No escritório da casa, em Santa Clara, devidamente encaixilhadas, estão as “insígnias” de António Arnaut, que entre 2002 e 2005 assumiu as funções de grãomestre do Grande Oriente Lusitano. «Um dia destes tenho de mandar isto para Lisboa», diz a esposa.
António Arnaut 90 anos com Penela
Diário de Coimbra
“O SNS foi o melhor poema que escrevi”
Perfil
António Duarte Arnaut nasceu a 28 de janeiro de 1936 na Cumeeira e desde muito jovem foi um antifascista, que a vivência em Coimbra, como aluno da Faculdade de Direito, alimentou. Militante da Ação Socialista, foi um dos fundadores do Partido Socialista. Deputado e secretário da mesa da Assembleia Constituinte, após o 25 de abril, foi deputado e vice-presidente da Assembleia da República na II e II Legislaturas. Ministro dos Assuntos Sociais no Governo de Mário Soares, criou, o Serviço Nacional de Saúde. Foi grão-mestre do Grande Oriente Lusitano e exerceu cargos na Ordem dos Advogados, Conselho Superior de Magistratura e Liga dos Direitos do Homem. Foi também poeta, ficcionista e ensaísta. A Câmara de Coimbra e os Hospitais da Universidade ergueram-lhe bustos, recebeu a Medalha de Ouro do Ministério da Saúde, Ordem dos Médicos e Câmara de Coimbra. Da Câmara de Penela recebeu a Medalha de Mérito Cultural e Político e o município atribuiu o seu nome à biblioteca. Foi agraciado com a Medalha de Honra da Ordem dos Advogados, com o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra (UC) e a Presidência da República atribuiu-lhe a Grã Cruz da Ordem da Liberdade. Casado com Maria Ermelinda Santos Curcialeiro Arnaut, teve três filhos – António Manuel (advogado 1960-2019), Ana Paula (professora da Faculdade de Letras da UC) e Manuel António (engenheiro civil). António Arnaut morreu no dia 21 de maio de 2018. O Presidente da República decretou luto nacional e em Coimbra, a Bandeira esteve três dias a meia haste.
António Arnaut é considerado o “pai” do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O quarto filho. «Um filho serôdio, adotivo», escreve Fernando Gomes da Silva, colega do Colégio de Tomar. «O SNS foi o melhor poema que escrevi», confessou. «Convidado para assumir as funções de ministro da Justiça no II Governo Constitucional (1978) - coligação PS e CDS - chefiado por Mário Soares, António Arnaut prepara-se para avançar com a criação de um Serviço Nacional de Justiça. O Presidente da República, Ramalho Eanes, terá vetado a nomeação e Mário Soares avança, então, com o nome de Arnaut para titular da pasta dos Assuntos Sociais. Relutante, o advogado de Penela exerceu o cargo durante oito meses, os mesmos de duração do Governo, e para a história fica a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Um serviço de saúde, «universal, geral e gratuito», que Mário Mendes, médico e professor em Coimbra, ajudou a “desenhar”. O projeto foi apresentado em abril e pouco antes da queda do Governo, avança o famoso “despacho Arnaut”. Um projeto-lei estruturado que assegurava a prestação de cuidados gratuitos a toda a população, sem discriminação de base social ou económica, garantindo o direito à
proteção da saúde constitucionalmente assumido. Um projeto debatido e votado na Assembleia da República em Maio de 1979 e publicado em Diário da República no dia 15 de setembro de 1979, data celebrada como o aniversário do SNS.
Com a criação do SNS nunca mais seria necessário «vender as alianças de casamento» para pagar a consulta. Ou morrer «sem assistência médica», depois de uma «vida à míngua», em que se comia «o pão duro sem sol». Mas não foi fácil. «O António sofreu muito», «viu-se e desejou-se com a Ordem dos Médicos, que nunca quis o SNS», refere a esposa, que lhe poupou outras “dores”, as dores das muitas cartas anónimas que chegavam à casa da família. «Eram cartas insultuosas, que o António nunca leu. Rasguei-as», conta. Já depois da morte do marido, soube que um médico do Avelar, de apelido Arnaut, «também recebeu centenas de cartas», na mesma altura, igualmente insultuosas. Em seu entender, umas e outras terão sido escritas por médicos, que «sempre foram contra o SNS». Preocupada porque «o António já cá não está para defender o SNS», Maria Ermelinda aponta a necessidade de «separar o público e o privado» e de o Estado «garantir os meios necessários ao serviço público de saúde». Elogia, ainda, a antiga ministra, Marta Temido. «Foi estagiária do António e tinha uma boa relação com ele. Só não fez mais porque não pôde», tenho a certeza disso», diz, pesarosa. «O SNS é o que resta do 25 de abril», faz notar.
Claramente bem disposta recorda, na altura em que arrancou o SNS (setembro de 1979), um incidente com um aluno na Escola Silva Gaio, onde na altura estudava o filho mais novo. Ermelinda foi, como ia sempre, a uma reunião de pais, onde se debatia, com preocupação, quem iria suportar os custos da assistência ao jovem. Um pai lembrou-se do SNS. «Sabe quem é? É lá dos seus lados», disse, dirigindo-se a Ermelinda. «Sim, às vezes até durmo com ele!», respondeu-lhe. Uma professora lá esclareceu que António Arnaut era o marido. Uma situação caricata, que também ilustra a forma «recatada», simples, como Maria Ermelinda Arnaut viveu toda a sua vida ao lado do marido. Mesmo quando ele foi ministro.