OLIVEIRA DO HOSPITAL
Com o patrocínio de:anos com Oliveira do Hospital Introdução
por Mestre Pero, mantém viva a sua memória distante.
90 anos com Oliveira do Hospital
Ogranito ganha força e molda a paisagem. Nas lajes onde outrora se secavam os cereais. Nas pedreiras onde se continua a laborar. Nas casas de todas as aldeias, nos solares, nos pelourinhos e em muitos outros monumentos. Pedra talhada pelos árabes, trabalhada pelos romanos e, antes disso, pelos povos que escolheram esta zona para viver e aqui deixaram o seu testemunho. Monumentos simples, em comparação com a genialidade do Forum, a grandeza
do Anfiteatro da Bobadela, ou com a beleza despojada da Igreja de Lourosa, erguida antes da existência da nação.
Pedra que também talhou os homens e moldou o seu espírito guerreiro, numa terra que acolheu os Cavaleiros da Ordem de Malta, cujo símbolo ornamenta o brasão do município e se encontra, talhado na pedra, nos mais diversos locais. Testemunhos de uma herança que o cavaleiro Domingos Joanes consagrou e que, também na pedra, artisticamente trabalhada
Granito que inspirou outros mestres, mais recentes, que aprenderam a moldá-lo, levando esta arte e o nome de Oliveira do Hospital a outras terras. E, talvez, também, seja a dureza desta pedra que talha o perfil dos homens e das mulheres deste território. Gente rija, de carácter, resiliente, que enfrenta as adversidades com espírito vencedor. Homens e mulheres que, no campo ou nas fábricas, a cuidar dos rebanhos ou a talhar camisas e fatos, a fazer queijo, a preparar enchidos ou a trabalhar na construção civil ou no sector das madeiras, a cavar a terra ou a moldar o cobre, têm resistido, geração após geração, contribuindo para o desenvolvimento e afirmação do território.
Nas faldas da Serra da Estrela, com o Caramulo no horizonte e a Serra do Açor ali bem perto, Oliveira do Hospital foi berço de gente ilustre que, desde tempos imemoriais, deu o seu contributo à região e ao país, no domínio das artes, das letras, da ciência, no desporto e na política.
É a Oliveira do Hospital que dedicamos esta revista, que assinala as nove décadas de publicação do Diário de Coimbra. Cientes de que muito fica por dizer sobre este território, sobre as suas tradições e os valores identitários das suas gentes, convidamos o leitor a embarcar connosco nesta viagem, ao encontro de pequenos retalhos de 90 anos de história.
90 anos com Oliveira do Hospital
Venha e descubra Oliveira do Hospital
tos nacionais, como a Igreja Moçárabe de Lourosa, com mais de mil e cem anos. É uma das mais antigas de Portugal e a única do período moçárabe.
Em pleno centro da cidade, deparamo-nos com a Capela dos Ferreiros, considerada como um dos mais importantes espaços funerários góticos nacionais.
suã ou o torresmo beirão, por exemplo.
A doçaria, também é muito rica, com especial destaque para a tigelada de Oliveira do Hospital, os bolos doces de Lagares da Beira, as cavacas de Aldeia das Dez e o requeijão com doce de abóbora.
Da boa mesa, fazem ainda parte a famosa maçã de Bravo de Esmolfe e a tradicional Pêra Passa de São Bartolomeu.
Num ano em que o prestigiado “Diário de Coimbra” comemora nove décadas de publicação ininterrupta – e estamos a falar de um jornal umbilicalmente ligado à história de Oliveira do Hospital e suas gentes – é com enorme prazer que aceito o convite para escrever umas breves linhas sobre o Município a que tenho a honra de presidir.
Com vista para a Serra da Estrela, Oliveira do Hospital é um município com uma oferta turística extremamente diversificada e de grande potencial.
A excelência da paisagem serrana com a montanha serpenteada por rios e ribeiros de águas cristalinas, que se juntam em praias fluviais, banhadas pelos rios Alva e Alvoco, constitui um belo cartão de visita para os amantes do turismo de natureza.
Na área do turismo cultural, encontramos um pouco por todo o concelho inúmeros vestígios do período romano, mas o grande ex-líbris de Oliveira do Hospital são, sem dúvida, as Ruínas Romanas de Bobadela – um dos mais importantes e bem preservados conjuntos arquitetónicos de valor histórico-arqueológico do “período romano” em Portugal.
A monumentalidade do concelho está bem patente neste e noutros monumen-
Somos portanto um município com uma oferta turística muito rica e onde predominam a autenticidade e genuinidade de todo um território.
Quase no topo da montanha, perto do Monte do Colcurinho, de onde se avista uma das paisagens mais bonitas de Portugal, surge o turismo religioso em todo o seu esplendor, com o Santuário de Nossa Senhora das Preces, e que coabita em plena harmonia com os desportos de montanha.
Na zona norte do concelho, banhada pelo rio Mondego, a diversidade da paisagem, pulverizada com muitos monumentos megalíticos, açudes e quedas de água, encontramos cenários verdadeiramente bucólicos, tendo sempre como pano de fundo os rebanhos e toda a ancestral atividade pastoril.
Na gastronomia, primamos pela chamada boa mesa e continuamos a preservar uma das sete maravilhas da gastronomia portuguesa e um dos nossos principais embaixadores – o queijo Serra da Estrela DOP.
Fazendo parte da Região Demarcada do Dão, Oliveira do Hospital é um município com vinhos de excelência e onde predominam também iguarias serranas como o borrego Serra da Estrela DOP, o arroz de
Oliveira do Hospital assume-se como um território de desporto e aventura, de turismo de natureza, que integra algumas das mais prestigiadas redes de turismo, como são por exemplo a Rede de Aldeias do Xisto, a Rede de Aldeias de Montanha e os territórios “Inature”. São grandes argumentos para vos deixar um convite: Venha e Descubra Oliveira do Hospital.
A terminar, e porque a imprensa regional detém um papel determinante no desenvolvimento de qualquer região, felicito e dou os parabéns ao Diário de Coimbra por ser um jornal em que a liberdade de imprensa, a informação com verdade e o rigor dos factos, assim como o jornalismo de proximidade, estão diariamente bem patentes nas suas páginas.
José Francisco Rolo Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital
Somos um município com uma oferta turística muito rica e onde predominam a autenticidade e genuinidade de todo um território
reiterando o facto de este ser o monumento edificado mais antigo do concelho e que sempre se manteve aberto ao culto. «É a nossa jóia da coroa», diz. «Por ali passaram moçárabes, mouros e cristãos», faz notar, recordando uma lenda que refere o casamento de um moçárabe com uma cristã em Lourosa. «A igreja resistiu aos diferentes povos, aos diferentes cultos, mas houve sempre gente de bem que soube pegar na pedra e voltar a colocar a igreja de pé», destaca Graça Silva.
O ÚNICO TEMPLOI MOÇÁRABE DO PAÍSI
1930 “Descoberta” pelos estudiosos no início do século passado, foi classificada como monumento nacional em 1916 e alvo de uma profunda intervenção no início dos anos 30
Durante quase meio século, a Tia China foi a guardiã da Igreja de Lourosa. Era ela quem tinha as chaves e quem quisesse visitar o templo tinha que a “chamar”. O código era simples: tocar duas vezes o sino. Maria do Patrocínio Nunes depressa chegava com as chaves e abria a porta aos visitantes. Actualmente com 92 anos, a Ti China, como era carinhosamente tratada, já não consegue orientar os visitantes que demandam a única Igreja Moçárabe existente no país, mas a sua “dedicação, humildade, zelo, fé e amor” estão eternizados na placa de agradecimento, inaugurada em Outubro de 2017, pelo município de Oliveira do Hospital e pela Junta de Freguesia de Lourosa, juntamente com o busto, em granito, que a retrata.
As chaves e o acesso à Igreja de São Pedro continuam disponíveis. Maria Luísa, sobrinha (por afinidade) da Ti China, assegura, desde há três anos, a abertura das portas aos visitantes. «Nascida e criada em Lourosa», como faz questão de sublinhar, Maria Luísa aceitou esta “herança” e
é a nova guardiã do templo. «Gosto muito deste movimento», afirma, não se importando com o facto de ter de “deixar a sua vida” para “atender” os visitantes. O importante, considera, é que as «pessoas conheçam» a Igreja e apreciem esta jóia do património.
As 12 sepulturas, escavadas numa extensa laje de xisto, constituem, elas mesmas, um outro monumento. Uma herança do passado que recebe o visitante. Um cemitério “vivo”, considerado único na região, que se estende por todo o adro da Igreja. As recentes escavações conduziram à descoberta de mais 27 sepulturas, assinaladas com placas de granito, numa terra de transição entre o xisto e o granito. Lápides com formato diferenciado, que identificam as crianças, os jovens e os adultos que ali encontraram, na rocha sobre a qual assenta a igreja, a sua última morada.
«Foi uma descoberta fantástica, que nos surpreendeu e que ficará para sempre na nossa memória», diz Graça Silva, vereadora responsável pelo pelouro da Cultura da Câmara Municipal. «Sabíamos que havia muitas sepulturas», adianta, sublinhando que a igreja «foi edificada sobre as antigas sepulturas antropomórficas». Mas, encontrar este espólio foi uma experiência «verdadeiramente única».
«A Igreja de Lourosa é a mais antiga do país, ainda a nação não existia», considera,
«Atrai pela sua simplicidade e deixanos em paz. É uma igreja diferente, desnudada, simples, que contrasta com a ostentação do poder do homem. Uma simplicidade, em termos de arquitectura, que convida à contemplação, ao encontro com nós próprios», refere a vereadora.
A data de 912, encontrada numa lápide, será a data provável em que a igreja terá sido erguida ou reerguida. Um templo em forma de cruz, da construção anterior ao nascimento do reino de Portugal, dedicada ao Apóstolo S. Pedro, que também possui um altar (ara) dedicado a Júpiter. Um “ex libris” do património da região e do país. Será, por ventura, o mais antigo templo cristão, em funcionamento ininterrupto há mais de 1.100 anos, consideram os especialistas.
O templo apresenta um conjunto de elementos diferenciadores, como os arcos em ferradura, arcos de volta perfeita, ou as janelas em ajumez – consideradas «as únicas da Alta Idade Média em Portugal» - testemunhos da influência árabe que marcou o território, entre os séculos VII e XI. Características do “estilo dito moçárabe”, que «concilia elementos estruturais visigóticos cristãos com elementos da cultura árabe», próprio da denominada “Arte da Reconquista”, «com nítida influência asturiana», único em Portugal, mas que se encontra noutras igrejas de Espanha da mesma época. Estilo moçárabe que despertou, nos inícios do século XX, o interesse dos estudiosos e ditou a publicação, a 14 de Junho de 1916, do diploma que classifica a igreja de Lourosa como Monumento Nacional.
Ao longo dos séculos a Igreja foi sofrendo um conjunto de intervenções, designadamente no século XIV, com a construção, como era comum na época, de um campanário de estilo gótico, adossado junto à entrada. Um elemento arquitectó-
6 Igreja de Lourosa 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
nico que no século XX foi deslocalizado e remetido para as traseiras, de forma a não perturbar a visualização do templo. Esta intervenção aconteceu em 1930-31, em pleno período do Estado Novo. A política de «exaltação dos valores e os vultos nacionais» encontrou terreno fértil em Lourosa e, além da mudança do campanário, no interior da igreja procedeu-se à remoção de «todos os retábulos de talha, do coro e de todas as capelas construídas já na época moderna».
Posteriormente, no início dos anos 40, procedeu-se ao calcetamento da zona envolvente, um espaço onde chegou a funcionar a sacristia e esteve instalada uma escola. Em 1947, a Direcção Geral dos Monumentos procedeu à reparação do telhado e portas. Quase 40 anos depois, foram efectuados novos arranjos no telhado e nas portas secundárias e em 2001 procedeu-se à recuperação da cobertura e vãos, drenagens e instalação eléctrica.
Entre as muitas curiosidades deste templo, está o seu orago, a “Cadeira” de São Pedro de Antioquia. «É a única igreja conhecida em Portugal com este orago», referem os especialistas.
Desde os anos 30 do século passado que a Igreja de Lourosa se tornou «objecto de
peregrinação de estudiosos e de turistas culturais, nacionais e estrangeiros». Inclusivamente recebeu a visita oficial de um chefe de Estado, Américo Tomás, em 1971.
A presença do governante resultou na «delimitação do cemitério visigótico com correntes de ferro para melhor resguardo».
Solução “salomónica” para as sepulturas
A mais recente intervenção efectuada na zona envolvente à Igreja permitiu localizar, grosso modo, três dezenas de sepulturas, das quais foi feito o registo completo, assegura a vereadora. O programa, definido em parceria com a Direcção Regional da Cultura do Centro, previa que «as sepulturas fossem tapadas», de molde a ficarem protegidas das intempéries, da erosão natural e também do vandalismo.
Um paradigma que também seria, de acordo com a vereadora, para aplicar às sepulturas expostas há décadas, que «estavam a ficar muito desfiguradas».
«No decurso da obra a população protestou, não concordando com a proposta. Achou que as sepulturas deviam manter-se expostas», lembra. Uma situação que obrigou, a meio do caminho, a repensar a caminhada e a desencadear um novo pro-
cesso de diálogo, envolvendo o município, a Direcção Regional da Cultura a população e a Junta de Freguesia. Um processo que atrasou a finalização das obras, concluídas em Novembro passado, mas que resultou numa «comunhão de vontades» entre a população e os técnicos. «Entendemos manter as primeiras sepulturas a céu aberto», refere, facto que requereu outra intervenção para assegurar o restauro destas sepulturas, que «exigem sempre cuidados de manutenção», faz notar.
Este protesto da população tem bastante significado. «Os moradores são os primeiros guardiões do templo. São os primeiros a receber os visitantes na sua terra», refere a vereadora, que elogia esta preocupação sentida relativamente ao património. Recorda, ainda, a intervenção feita pelo município na zona circundante, que retirou os fios e cabos aéreos, garantindo o seu enterramento, a substituição de canalizações e criação de passeios de conforto. Tudo para valorizar a aldeia, torná-la mais atractiva para os visitantes e para os moradores. No entender de Graça Silva, é importante que os moradores de Lourosa, à semelhança da Bobadela, percebam que «podem tirar partido deste potencial», inclusivamente a nível económico.
Igreja inspira escultura simbólica Feira Moçárabe pioneira
Os violentos incêndios de 2017 não pouparam Lourosa, à semelhança do que aconteceu com todo o concelho. Um gigantesco pinheiro manso, com mais de 100 anos, localizado junto à escola, foi uma das vítimas. O presidente da Junta de Freguesia entendeu que a emblemática árvore não podia morrer de pé, como tantas outras, e empenhou-se em garantir-lhe uma nova vida.
O escultor Nelson Ramos foi desafiado a pegar no majestoso tronco e a transformá-lo num novo monumento. Uma simbologia de renascimento que retrata, escavada no tronco, a Igreja de S. Pedro de Lourosa. Uma obra inaugurada em Novembro de 2018, que recebe os visitantes na entrada principal do templo.
Entre Janeiro e Setembro de 2012, a Igreja de Lourosa esteve no centro das atenções, com as comemorações jubilares dos seus 1.100 anos, que incluíram um amplo programa de eventos culturais e religiosos.
Um dos momentos particularmente relevantes foi a realização de uma Feira Moçá-
rabe, pioneira no país, que, além da reconstituição da vivência história da época representou uma forma de dinamização do artesanato local e um incentivo à comercialização de produtos endógenos. Uma iniciativa promovida pelo Município de Oliveira do Hospital, em parceria com a Junta de Freguesia de Lourosa e com a ADI – Agência para o Desenvolvimento Integrado de Tábua e Oliveira do Hospital, que se repetiu nos anos seguintes.
«Era bom que este ano pudéssemos retomar o evento. Está em agenda e, se for possível vamos retomar a Feira Moçárabe», garante a vereadora, que além deste certame de Lourosa está empenhada em reactivar outras iniciativas «que promovem as nossas riquezas culturais e que mexem com a comunidade local». «São iniciativas muito importantes para promover o nosso património, trazer as pessoas, mostrar o que é belo!».
Feira Moçárabe estreou-se em 2012Igreja de Lourosa 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
HOMENAGEM À MEMÓRIA DE JOAQUIM DE VASCONCELOS
1953 Município de Oliveira do Hospital presta tributo a um dos principais responsáveis pela “descoberta” e reabilitação da Igreja de Lourosa
Testemunho de fé de cristãos libertos ou de simples moçárabes, obra de cristãos em terra muçulmana ou já resgatada, a Igreja de S. Pedro de Lourosa viu passar sob os seus tectos gerações de crentes, humildes na sua maioria pelas suas posses em bens materiais, mas grandes, sem dúvida, na
sua crença. Foi ali, na margem direita do Alva e tendo como fundo a mole imensa das serranias da Estrela, cujos contrafortes se esbatem sobre esta região de Oliveira do Hospital, que a Igreja de Lourosa, exemplar único no país, do estilo moçárabe, se ergueu há mil e tantos anos, orientada a Poente, com sua janelinha geminada, com os arcos de ferrado e as suas três naves de severa arquitectura e rijo granito, separadas por três arcos de ferradura de cada lado.
Os anos e os caprichos da ignorância humana desfiguraram-na. Os homens, no desleixo que os caracteriza, ajudaram o tempo na sua fúria destruidora.
E quando, estáticos perante os seus efeitos, se dispuseram a acudir-lhe, desfiguraram-na com acrescentos e ornamentos que, na distância das épocas, mais se afastaram dos que as primeiras mãos haviam trabalhado. Um dia, porém, ela foi descoberta».
É desta forma, poética e apaixonada que o Diário de Coimbra escreve, no dia 25 de Outubro de 1953, sobre a Igreja de S. Pedro de Lourosa. A notícia, que ocupa grande parte da primeira página, refere-se a uma homenagem que o concelho de Oliveira do Hospital iria prestar, nesse mesmo dia, à “memória do investigador Joaquim da Vasconcelos».
O jornal enaltece o papel desempenhado por Vergílio Correia, «mestre universitário de Arqueologia», que exerceu as funções de director do Diário de Coimbra; de Joaquim Vasconcelos, «o erudito investigador» e de D. José Pessanha, que define como «o apaixonado estudioso», que dirigiram o seu olhar atento para a Igreja de Lourosa e «unanimemente reconheceram o seu valor como monumento único no campo da arte em Portugal, elo entre as igrejas visigóticas e românicas».
«De todos, porém, foi Joaquim de Vasconcelos – Joaquim António da Fonseca Vasconcelos, de seu nome completo – quem se lhe devotou de alma e coração. Mestre incontestável pelo seu saber e criador dos estudos da Arte em Portugal, notável crítico e erudito investigador, a ele se deve a eliminação de todas as excrescências que afrontavam a dignidade da vetusta relíquia, obra levada a cabo pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais que, tanto quanto lhes era possível, a repuseram no seu traçado primitivo, aquele traçado com que emotivamente a olhamos hoje (…)».
«Sem o estudo persistente e consciencioso de Joaquim de Vasconcelos, ainda por muito tempo a Igreja de Lourosa deixaria de se revelar no carácter artístico, histórico e evocativo em que é única», adianta o Diário de Coimbra, que enaltece, igualmente, Marques de Abreu, «outro entusiasta pelos achados de Lourosa», que «acompanhou» e «incentivou» Joaquim de Vasconcelos nesta demanda.
«Justa, muito justa é, pois, a homenagem que o concelho de Oliveira do Hospital hoje vai prestar, descerrando, junto da Igreja, uma lápide em bronzeconforme deliberação tomada em sessão da Câmara de 25 de Maio - evocativa da obra de Joaquim de Vasconcelos. E será nessa lápide em que, a par do brasão do concelho, ficam gravadas as palavras de Joaquim Vasconcelos: “Mil anos certos fizeste, Igreja de Lourosa, no dia 1 de Janeiro de 1921! Mil anos mais de protejam e coroem a tua eterna juventude”», escrevia o Diário de Coimbra .
Diário de Coimbra deu grande destaque à homenagem feita ao investigador
CAPELA DOSI FERREIROS:I A RELÍQUIAI DO GÓTICOI
Avelha tileira impõe-se. Com mais de 100 anos de vida, agigantou-se rumo aos céus, rivalizando com a torre da Igreja Matriz. “E assim já pode ver/ Além, a Serra da Estrela,/ O seu granito imponente,/ Numa nova perspectiva,/ Mais alargada, mais livre/ Mais de perto, mais de frente”, como escreveu o poeta Adelino da Costa Gonçalves.
Um prenúncio de coisas grandiosas. Não em dimensão, como acontece com a centenária tileira. Mas sim na concentração de uma obra ímpar, onde a exiguidade do espaço contrasta com a riqueza e a grandiosidade do tudo quanto acolhe. Um verdadeiro museu de escultura.
Falamos da Capela dos Ferreiros, uma verdadeira relíquia que inspirou Miguel Torga. Uma concentração de arte e beleza construída na primeira metade do século XIV, classificada como Monumento Nacional em 1936, hoje com acesso condicionado, depois de ter estado encerrado. Uma medida “cautelar” necessária, depois de sucessivos
e recorrentes actos de vandalismo, que foram deixando marcas destruidoras nos túmulos de Domingos Joanes e da sua esposa, Domingas Sabachais. Estão um ao lado do outro. Ela ligeiramente inclinada, como que ainda a zelar, mesmo depois de morta, pelo marido.
São duas arcas tumulares, feitas em granito, com tampas e jacentes em calcário de Portunhos. O jacente de Domingos Joanes apresenta-o com longas barbas, vestes compridas. Na mão direita segura luvas e na esquerda a espada embainhada. A cabeça, ladeada por um anjo e por um escudo heráldico, apoia-se sobre uma almofada. A seus pés, o autor da obra representou um cão de caça (lebéu), típico da nobreza do século XIV. Animal idêntico, mas de porte mais pequeno, acompanha o jacente de Domingas Sabachais, retratada como uma grande dama da sua época, envergando vestes longas, com o manto a cair até aos pés. A cabeça, coberta por um véu, apoia-se igualmente sobre uma espessa
almofada e a fisionomia, delicada e de expressão serena, lembra as imagens da Virgem produzidas na oficina de Mestre Pero.
O retábulo, em calcário policromado, assente em colinas, possivelmente de origem romana, é de uma beleza e delicadeza únicas. Integra cinco imagens em alto relevo, enquadrado lateralmente por dois contrafortes e, em cima, por um arco quebrado. Ao centro destaca-se a imagem da Virgem com o Menino, ladeada pelo sol e pela lua, por imagens dos dadores em prece e por dois anjos incensando.
Na Capela dos Ferreiros encontra-se, ainda, a famosa estátua do Cavaleiro Medieval ou Domingos Joanes como cavaleiro. Existem dois exemplares desta obra equestre (o outro está no Museu Machado de Castro, em Coimbra, mas os oliveirenses acreditam que ali está o original), feita em calcário. A estátua apresenta um cavaleiro com elmo e viseira abaixada, armado com uma maça de armas, uma sólida armadura com cota de malha, esporas, espada na bainha e escudo, montando um cavalo devidamente arreado, simultaneamente para combate ou em parada.
De acordo com o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) a Capela dos Ferreiros é um dos mais importantes espaços funerários góticos nacionais, pela «relevância das obras que encerra» e por ser «uma das poucas capelas sepulcrais baixo-medievais de iniciativa privada que se conservou até aos dias de hoje».
Com o pavimento, paredes e tecto em ogiva, tudo em pedra, a capela destaca-se pelo «notável conjunto escultórico do seu interior», considerado «o mais completo do gótico português» e com uma «importância fulcral na abordagem das produções de Mestre Pero», escultor de provável origem aragonesa que «desempenhou um papel chave na renovação da escultura portuguesa». Os especialistas consideraram que, através de Mestre Pero, a «escultura gótica nacional atingiu a maioridade». Uma inscrição, já desaparecida, na parede exterior da capela, indicava que Mestre Pero estaria a concluir as obras que integram a Capela dos Ferreiros no ano de 1341.
A Capela dos Ferreiros está fechada com uma porta férrea, mas está lá indicado um contacto de telemóvel para onde os interessados na visitação podem ligar. A Câmara Municipal, instalada ao lado, tem a chave e garante a abertura da porta.
1936 Construído no século XIV, anexo à Igreja Matriz, é um dos mais importantes espaços funerários góticos nacionais, classificado como monumento nacional em 1936Túmulos de Domingos Joanes e Domingas Sabachais, uma obra de Mestre Pêro
MEMÓRIAS DO CASTELO DE AVÔ
1963 Mandado erguer por D. Afonso Henriques, castelo entrou em crescente ruína e as suas pedras serviram para erguer a ponte sobre a Ribeira de Pomares. Em 1963, foi classificado como Imóvel de Interesse Público
As ruas estreitas, íngremes e impecavelmente limpas, ladeiam casas de um lado e do outro. Aqui e ali há degraus. Às vezes quase parece que estamos no “corredor” de uma das habitações. Mas não! É mesmo este o caminho para chegar às portas do castelo da “nobre vila” que nasceu “entre rios caudalosos”, como dizia Brás Garcia de Mascarenhas.
O castelo é um dos ícones de Avô, considerada uma das mais belas aldeias do país. A seus pés tem o rio Alva e a Ribeira de Pomares e, no cimo do monte, a desafiar os céus, o que resta do castelo. Ruínas carregadas de história. «Não se sabe como seria o castelo e as ameias que hoje apresenta não passarão de uma construção, uma réplica, relativamente recente», explica o arqueólogo Rui Silva. Encaixado na escarpa, usou, a espaços, a própria laje como suporte da extensa muralha, da qual hoje resta apenas o “arranque”, a estrutura de suporte. A enorme porta de madeira, assente num arco de pedra, parece abrir-se para os céus. Seguramente para um miradouro de onde se avista uma paisagem deslumbrante.
O castelo terá sido construído nos primeiros tempos da monarquia e seria uma base da exploração mineira na região. D. Afonso Henriques doou o couto de Avô à filha bastarda, D. Urraca Afonso, em 1185.
Dois anos depois, D. Sancho I atribuiu-lhe carta de foral. O castelo desempenhou um papel importante na guerra civil entre D. Sancho II e seu irmão, futuro D. Afonso III, sendo destruído. Em 1254, uma bula de Inocêncio IV exortava o monarca português a reconstruir o castelo, o que só deverá ter acontecido no tempo de D. Dinis.
No século XIX, à semelhança do que aconteceu com muitas outras fortalezas de origem medieval existentes no país, o castelo de Avô «começou a ser desmantelado». «Em 1856, a Câmara de Oliveira do Hospital ordenou a destruição da torre de menagem, pois ameaçava ruir a todo o instante». Duas décadas depois, em 1879, «grande parte da secção Sul das muralhas foi demolida para se aplicar a pedra na construção da estrada distrital que rasga
esta parcela do território». Muita desta pedraria terá sido usada, igualmente, para construir a ponte sobre a Ribeira de Pomares e para consolidar as margens do rio. Muitos particulares também terão recorrido à pedra do velho castelo para as suas construções. Certo é que o castelo, resguardado no alto do monte ficou definitivamente delapidado. A intervenção inversa, ou seja, a recuperação do castelo, começou, de acordo com a Direcção Geral do Património Cultural, a partir de 1942, com «a reconstrução de parte das muralhas» e o Castelo de Avô foi classificado como imóvel de Interesse Público por decreto de 25 de Outubro de 1963. Novos trabalhos de recuperação são efectuados entre 1963 e 1966, estes centrados na cerca e na Capela de São Miguel, templo localizado no interior do castelo e cujas
12 Castelo de Avô 90 anos com Oliveira do Hospital
origens remontam ao período medieval. Em 1972, assistiu-se à sondagem do solo primitivo, reconstrução da capela e dos vitrais. Em 1998, foi efectuada uma última intervenção, tutelada pelo Instituto Português do Património Arqueológico (IPPAR), que contemplou os “arranjos exteriores e recuperação da cobertura” do Castelo de Avô e da Ermida de São Miguel.
Um enorme palco natural à espera de intervenção
Situadas no cimo do monte, com uma vista magnífica, as ruínas do Castelo de Avô aguardam por uma intervenção, que permita, por um lado, promover a visitação e, por outro, criar condições para transformar este imenso palco natural num espaço onde se possam realizar eventos. Uma vontade partilhada pela Câmara Municipal e pela Junta de Freguesia, que, naturalmente, terá de ser devidamente acompanhada pela Direcção Regional da Cultura. «Queremos dar vida ao castelo e que os visitantes possam ter acesso a informação e a conteúdos históricos que não existem actualmente», afirma Graça Silva, vereadora responsável pelo pelouro da Cultura. Manuel Pimentel, presidente da Junta de Freguesia, faz notar que o Castelo de Avô, apesar de ser «o único do concelho» é, efectivamente, «pouco conhecido». «A maioria das pessoas nem sabe que temos um castelo. É um monumento que está esquecido», destaca, ansioso por assistir a uma «intervenção como deve ser», que permita valorizar e promover este «”ex libris” da freguesia» Manuel Pimentel vê com bons olhos tudo o que possa ser feito para dar a conhecer Avô e o seu castelo e está em total sintonia com o desejo expresso pela vereadora de promover uma intervenção e «criar condições» para que o recinto muralhado possa «acolher diferentes iniciativas de pendor cultural e turístico». «Seria mais um espaço em Avô para acolher eventos», diz. Manuel Pimentel reconhece que as “escadinhas” de acesso podem representar alguma limitação, mas há muitos eventos que ali podem ser efectuados e exemplifica com uma feira medieval. Mais uma vez em sintonia com Graça Silva, que sugere uma «feira à época» e lembra o «dom especial» e a «mão cheia para a cozinha» que caracteriza as gentes de Avô. Entre as especialidades aponta os matrucos, o arroz doce, os peixinhos ou os “esquecidos” da D. Noémia.
Uma terra com história
O primeiro foral de Avô foi concedido por D. Sancho I, em 1187 e D. Manuel I, em 1514, concede novo foral à povoação, que no século XVI se constitui como concelho. Desses tempos áureos permanecem vários testemunhos, como o pelourinho, erguido na praça onde funcionou a antiga Casa da Câmara, o Tribunal e a Cadeira da Comarca.As reformas juridíco-administrativas que se sucederam à Revolução Liberal de 1820 decretaram a extinção do concelho e Avô, em 24 de Outubro de 1855.
Reza a lenda que, em 1811, durante as Guerras Peninsulares, o exército francês,
Diário de Coimbra
a caminho de Lisboa, pretendeu atravessar a ponte sobre o rio Alva e destruir a localidade. «O povo uniu-se e 50 fuzileiros, chefiados por Francisco da Costa Mesquita, debandaram 3.000 franceses».
Conta-se, ainda, que, um século depois, em 1911 ao «correr o boato de que a República fora derrubada, um grupo de monárquicos convictos de Avô içou a Bandeira azul e branca, nos antigos Paços do Concelho. «A euforia durou apenas dois dias, dado que a força da Infantaria rapidamente destronou a revolta e prendeu os revoltosos».
Praia fluvial de eleição
As águas do Alva e da Ribeira de Pomares confluem em Avô. Um cruzamento de rios que forma a Ilha do Picoto e oferece uma das mais aprazíveis e bonitas praias da região, integrada na rede de praias das Aldeias do Xisto. «Temos um espelho de água fantástico», afirma, com orgulho, o autarca local, que destaca, igualmente, as boas condições de acessibilidade deste espaço de lazer, muito procurado pelas famílias durante a época balnear.
No Inverno, o registo é outro. «Infelizmente temos sempre dissabores com as cheias», diz, dando nota da necessidade de, «todos os anos», a Câmara Municipal ser obrigada a «gastar um bom dinheiro na preparação da zona balnear», tendo em conta que a força das águas arrasta as pedras e a areia, para já não falar nos troncos que árvores que os rios trazem e na destruição de alguns espaços construídos em alvenaria, como acontece com a piscina das crianças.
Tirando isso, a praia é, efectivamente, uma pequena maravilha, «com excelentes condições», onde a boa qualidade da água se junta à segurança do espaço, equipado com uma piscina para crianças, cadeira anfíbia e andarilho, que permitem que pessoas com problemas tenham acesso à praia, zona relvada, parque de merendas, restaurante e bar. Os mais afoitos, sobem a margem e atiram-se, lá do alto, às águas do rio Alva, logo depois da ponte. A mesma ponte onde é possível apreciar, nas margens rochosas do rio, as “pegadas de gigante”, verdadeiras crateras, escavadas na rocha, provocadas pela erosão.
Além dos encantos dos rios, o autarca destaca o património construído de Avô, nomeadamente as capelas do Mosteiro, de S. Pedro, e de S. Miguel, as «casas senhoriais» e as «ruas típicas», mas, sobretudo, «os avoenses». «As pessoas de Avô são o bem mais precioso que esta terra tem», adianta Manuel Pimentel, que, apesar de reconhecer que a povoação já teve mais moradores, ainda mantém, hoje em dia, «muita gente e bastantes crianças». Os que partiram, sublinha, mantêm uma relação de grande proximidade com Avô. «Têm cá as suas casas» e deslocam-se ali com frequência, designadamente durante o Verão ou nas épocas festivas de Natal e de Páscoa. Nessa alturas, «Avô praticamente duplica o número de residentes», diz, satisfeito por esta proximidade à terra natal ou dos antepassados. «Continuam a vir e a investir na sua terra», conclui Manuel Pimentel.
Confluência de dois rios cria praia únicaBOBADELA: O LEGADO DA SPLENDIDISSIMA CIVITAS
1936 Monumento Nacional desde 1936, as Ruínas da Bobadela mereceram especial atenção a partir dos anos 80. Investigações permitiram descobrir e recuperar o anfiteatro romano mais emblemático do país
Omagnífico arco impõe-se. Sólido e elegante diz-nos que estamos em território romano. Na Bobadela, a Splendidissima Civitas cujo nome permanece um mistério. «Não sabemos o nome romano da cidade», sublinha Rui Silva, arqueólogo do município.
Guardião destas relíquias, assume que até ao momento nenhum achado permitiu dar a conhecer o substantivo, o nome romano dado à cidade. «Poderá ser Elbocoris ou Velladis. Ninguém sabe. Sabe-se apenas que os romanos a admiravam, a designavam por splendidissima civitas (esplêndida cidade) e era uma cidade romana com o mais elevado status jurídico e social», adianta, apontando a epígrafe, truncada e incompleta, que figura na sobre-verga da porta principal da igreja matriz, sobranceira ao majestoso arco, onde se encontra essa referência.
Uma cidade que, a mais de 2.000 quiló-
metros de Roma, a sede do Império, representava uma ligação estratégica, dali partindo um conjunto de estradas que garantiam a ligação a outras cidades romanas.
Se o nome permanece um mistério, certa é a importância que a cidade assumiu, primeiro como “civitas”, depois como “municipium”, um novo estatuto administrativo, atribuído nos finais do século I d.C., que vem reforçar a sua relevância e terá, inclusivamente, obrigado a reformular a antiga cidade e a sua estrutura urbana.
Novo estatuto que terá, de acordo com os estudiosos, ditado o alargamento do Forum, a marca principal do poder do Império, o espaço central da “res publica” - que ainda hoje continua a ser o centro da vilaonde se geria a vida religiosa, representada pelo templo, a vida política-administrativa e jurídica, através da basílica, e a comercial, com as “tabernae”. Presume-se que o primeiro Forum, construído na época do imperador Augusto, tenha sido alargado na época flaviana, alargando-se, também, o templo que acolhia. Terá sido nesta nova era de esplendor que foi construído o anfiteatro, anexo à malha urbana, mais uma das emblemáticas construções do império. Falta saber se na splendidissima civitas existiam as termas, outra das “exigências”
desta elitista cultura. «Não se conhecem vestígios inequívocos de termas, mas uma cidade romana não podia deixar de as ter no seu espaço público», referem Pedro C. Carvalho, professor da Universidade de Coimbra e o arqueólogo Rui M. Silva na publicação “Bobadela Romana Spendidissima Civitas”.
O arqueólogo chama a atenção para uma inscrição, talhada em letras monumentais, consagrada a Neptuno, embutida na base da torre sineira da igreja matriz, que poderá «estar relacionada com qualquer templo dedicado a Neptuno ou pertencer a um monumento ligado às águas». Ou seja, é possível que existam termas, ainda por descobrir, como por descobrir estarão outros tesouros da antiga cidade romana. Já em 1881, Francisco Martins Sarmento, numa célebre expedição científica à Serra da Estrela afirmava: «por qualquer quintal, por qualquer alpendre, encontram-se fustes e fustes de colunas, bases de colunas, e o observador, passado algum tempo, começa a sentir impaciência por querer ver alguma coisa mais que destroços de colunatas...». Uma sensação que ainda hoje se tem quando se visita a antiga cidade romana. Um território que foi habitado desde tempo imemoriais e que, mesmo depois da queda do império, continuou a ter a sua vida própria, construída sobre o património romano, ao seu lado, usando ou não alguma da pedra talhada há mais de dois mil anos. Uma convivência estreita, um verdadeiro abraço entre o presente e o passado, a história e a vida real, a Bodabela antiga e a Bodabela de hoje, que não deixa de representar alguma dificuldade para o trabalho de investigação e descoberta. «Só temos 6 a 7% do território identificado», diz o arqueólogo, que admite que muito mais há para descobrir entre e debaixo das casas, nos pátios e nos quintais da vila.
Firme, imponente, manteve-se sempre o arco, um ícone da Bobadela. Construído com grandes blocos de granito, de silharia almofadada – que inspirou outras construções, mais recentes, na praça central –sem qualquer argamassa. Nas enormes pedras do arco são visíveis os orifícios, talhados em lados opostos, onde era fixado o forfex, o gancho metálico que permitia elevar os pesados blocos e ajustá-los no local exacto. O arco de volta perfeito é, na verdade, «o acesso nascente do Fórum», a marca essencial do poder de Roma, explica
14 Ruínas da Bobadela 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra Arco seria a porta de acesso ao Fórum, o centro cívico da antiga cidadeDiário de Coimbra 90 anos com Oliveira do Hospital Ruínas da Bobadela
Rui Silva, confiante que, no lado oposto, se ergueria outro acesso. «Era uma cidade dentro da cidade», diz. À enorme praça, pavimentada com lajes e balizada por enormes colunas, encimadas por capitéis (toscanos e jónicos), certamente não faltariam colossais estátuas, representando os imperadores de Roma. Pelo menos a cabeça de um foi encontrada, em 1884, nas imediações do Fórum. Desconhece-se a sua localização original e o contexto do achado, mas pelas dimensões da cabeça, em mármore branco, perspectiva-se uma estátua com cerca de três metros. A degradação do retrato não permitiu a sua cabal identificação. Pode ser de Tibério ou de Domiciano.
Descoberta do anfiteatro
O designado Arco Monumental da Bobadela foi classificado como Imóvel de Interesse Nacional a 16 de Junho de 1910. Mais tarde, a 15 de Abril de 1936, a classificação de Monumento Nacional foi alargada a todo o complexo, que passou a ser denominado Ruínas Romanas da Bodabela.
Se o Arco sempre foi visível, o mesmo não se pode dizer relativamente ao anfiteatro, que estava completamente subterrado. A partir dos anos 80, recorda o arqueólogo, começaram as investigações e as sondagens permitiram perceber que ali havia qualquer coisa grandiosa, com uma configuração sub-circular. As escavações, dirigidas por Clara Portas e Helena Frade, que se prolongaram durante anos, puseram a descoberto o magnífico anfiteatro. Rui Silva destaca o empenho do então presidente da Câmara, Simões Saraiva, e o desenvolvimento de programas de escavações, que envolveram a comunidade, particularmente estudantes.
Entre 2004 e 2008, o Forum e o Anfiteatro foram objecto de um processo de requalificação, no quadro de um protocolo entre
o Instituto Português do Património Arquitectónico, a Câmara de Oliveira do Hospital, a Junta da Bobadela e a Fábrica da Igreja. «É o único anfiteatro romano escavado e restaurado actualmente existente em Portugal», diz o arqueólogo, que há 13 anos se dedica às Ruínas da Bobadela.
O enorme espaço, cuja recuperação ficou concluída em 2008, impõe respeito. Terá sido construído nos finais do século I d.C., ao tempo dos imperadores Flávios ou Trajano e a sua construção impôs-se, no quadro do programa de obras públicas «decorrentes da promoção municipal da cidade». Constituído por uma arena elíptica, de orientação Norte-Sul, de 40X50 m, com pavimento em areão grosso, delimitado por um muro com 3 metros de altura, o edifício adaptou-se à topografia do terreno, encaixando-se no vale, aproveitando parte da rocha e fazendo igualmente uso da excelente caixa de ressonância natural, que o declive ajudou a criar. O muro do podium que circundava a arena, teria duas entradas no seu eixo maior, constituído com fiadas de blocos de granito, rematados por uma cornija de duas peças. As bancadas seriam em madeira e possivelmente, tendo em conta a sua localização, estaria equipado com uma estrutura amovível de cobertura.
Segundo os estudiosos, o anfiteatro, que
teria uma capacidade para acolher 1.300 a 1.400 pessoas, terá deixado de ser utilizado antes de ser destruído por um incêndio, nos finais do século IV, testemunhado pelas cinzas que as escavações encontraram. Possivelmente e tendo em conta a inexistência de galerias subterrâneas, não terá sido palco das famosas lutas de feras, nem das igualmente afamadas lutas de gladiadores. «Não identificámos, nas escavações, nenhum artefacto ligado à actividade bélica», sublinha Rui Silva. Terá, antes, sido um espaço para a realização de espectáculos, de canto, de dança, de teatro, de ópera, recitais e concertos. «Todos os espectáculos seriam aqui realizados», adianta o arqueólogo, admitindo que esta utilização pode significar que na Bobadela romana não existia um teatro, uma vez que o anfiteatro cumpria essas funções. Mas, garantidamente, há ainda muito para descobrir.
O município pretende dinamizar a utilização deste espaço com eventos culturais. A vereadora Graça Silva recorda o Moda Fashion, que ali decorreu e, em articulação com o Agrupamento de Escolas e com a Faculdade de Letras de Coimbra, um dia dedicado aos jogos romanos. Outro evento importante, em termos científicos, é o colóquio Terras de Ulvária, que arrancou em 2019 e que vai regressar em Abril.
Anfiteatro da Bobadela é o único escavado e recuperado existente em Portugal
16 Ruínas da Bobadela 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
Centro Interpretativo abre portas ao património
O arqueólogo Rui Silva é um acérrimo defensor das escavações abertas à comunidade. «Uma escavação é um museu ao livre», que desperta a atenção. «Tenho dias em que não pego num colherim», diz, pois a necessidade de dar explicações surge a toda a hora. As escavações são um chamariz para os visitantes. «A vinda de visitantes aumentou 150%», sublinha, defendendo que esta é uma prática fundamental num sítio arqueológico.
Inaugurado em Abril de 2018, o Centro Interpretativo da Bobadela é um espaço expositivo e pedagógico, que permite dar um fio condutor à visita às Ruínas Romanas, contextualizando a vivência da época de uma forma simples e atractiva. Filmes, painéis explicativos, peças, ajudam o visitante a efectuar uma viagem pela história, que tem subjacente um árduo trabalho de investigação. Mas os esclarecimentos não se limitam à vivência da “civitas”no tempo dos romanos. Os muitos “cacos”levam-nos para uma viagem ainda mais distante no tempo, para a protohistória. São testemunhos da primeira ocupação daquelas terras de várzea, férteis e ricas em água, que muito antes de viverem sob a tutela de Roma conheceram outros habitantes. Rui Silva lembra que por volta do ano 1.000 a.C. foram habitados dois cabeços sobranceiros à aldeia, o Outeiro de São Sebastião e o Monte do Vale de Loureiro. E outros bem mais antigos, com 6.000 anos, como as antas da Arcainha e da Sobreda (Seixo da beira), da Cavada (Fiais da Beira) e da Coitena (Bobadela), que nos remetem para a Pré-História e confirmam a ocupação humana do território bem anterior no tempo. Um vaso litúrgico hispano-visigótico transporta-
nos para a era pós-romana, para o século V/VI, altura em que a Bobadela terá sido sede de paróquia sueva. A viagem prossegue, com um conjunto de referências que se estendem no tempo e no território.
Se o mundo romano e a Bobadela constituem o enfoque principal deste espaço, o Centro Interpretativo é, igualmente, uma porta aberta para as diferentes marcas do passado, da memória de um povo, de uma vasta herança cultural que identifica o concelho de Oliveira do Hospital.
Um espaço que representou um investimento de cerca de 250 mil euros e constitui uma verdadeira porta de entrada para quem queira conhecer a história, a cultura e o património concelho. «Temos registos de tudo o que foi relevante para a Humanidade, desde o paleolítico à época medieval. São 15 séculos de história com relevo no concelho», atesta a vereadora Graça Silva. Mas é, também, um local de eleição para as escolas visitarem. E são muitas. Mesmo em tempos conturbados pela pandemia. Porque a memória de um povo não pode ser apagada!. No primeiro ano de funcionamento o Centro Interpretativo recebeu 20 mil visitantes.
O município tem vindo a dinamizar este trabalho, aberto à comunidade, particularmente às escolas, contando com o apoio de Pedro Carvalho, da Universidade de Coimbra. Um programa que arrancou em 2010. «Foi uma brincadeira que se tornou uma coisa muito séria», diz Graça Silva, vereadora responsável pelo pelouro da Cultura. Escavações desenvolvidas em parceria com a Direcção Regional da Cultura do Centro. «Há muito para descobrir entre essas pedras romanas», afirma, destacando a colaboração da população e da Junta de Freguesia. «Sem dúvida que as escavações são um ponto forte de atracção», diz, sublinhando que abrandaram por causa da pandemia e vão ser retomadas com um novo figurino.
A vereadora fala da Casa Amarela, que oferece espaço para refeições, loja de produtos locais e de merchandising e alojamento. «O objectivo é oferecermos alojamento a quem nos ajuda nas escavações e a se associa a este espaço de descoberta da história do mundo romano».
«Tudo isto conflui no interesse do município integrar a Rota dos Romanos e promover parcerias com universidades para desenvolver o conhecimento deste período histórico», refere. A vereadora reputa de especial importância a colaboração com o meio universitário, para contar com a participação de arqueólogos e de estudantes, garantir a “supervisão” de «uma equipa científica que nos possa ajudar nas descobertas» e também «promover trabalhos, estudos e investigação para que este registo seja transposto para obras, garantindo que não fica reduzido a um conhecimento local».
Centro Interpretativo orienta a visita às Ruínas da Bobadela e a outos monumentos“Uma escavação é um museu ao ar livre”
MUSEU PRESTA HOMENAGEM A ANTÓNIO SIMÕES SARAIVA
2005 Em Abril de 2005 era inaugurado o Museu Municipal Dr. António Simões Saraiva. Uma homenagem ao homem de cultura, ao autarca e ao obreiro deste projecto
Na chamada “Casa dos Godinhos”, que pertenceu à família Freire de Andrade, onde viveu o general Gomes Freire de Andrade, nos princípios do século XIX, está instalado o Museu Municipal Dr. António Simões Saraiva. Um equipamento inaugurado a 16 de Abril de 2005, que representa uma homenagem pública ao antigo autarca, que durante largos anos reuniu o vasto espólio, garantiu a recuperação de peças e concebeu a sua distribuição pelas diferentes salas.
Um espaço museológico que reúne um vasto espólio de artistas locais e que faz homenagem a várias figuras concelhias, mas que é, sobretudo, um museu etnográfico, que guarda memórias das vivências e costumes locais. Atenção especial merece
a chamada “Sala das Estátuas”, que reúne um vasto acervo de estudos, da autoria de vários artistas nacionais, dos quais o Museu da Bobadela é, desde há longa data, fiel depositário.
No rés-do-chão, o busto do general Gomes Freire de Andrade recebe os visitantes, acompanhado por um conjunto de pedras tumulares de cabeceira, com cruz visigótica. Destaque para uma sala dedicada a Zeferino Monteiro, exímio escultor de Meruge, onde também figuram peças de Ema Brandão. A Sala de Macau lembra a presença dos portugueses no Oriente e o Gabinete de Trabalho de Brás Garcia de Mascarenhas (século XVII) recorda o poeta, natural de Avô, e a sua obra de referência, “Viriato Trágico” e uma imagem de Nossa Senhora do século XVI.
O Museu apresenta, ainda, as diferentes divisões de uma casa dos finais do século XIX, princípios do século XX, outra dedicada a produtos agrícolas e a medidas e um espaço onde as profissões tradicionais ganham destaque, com os respectivos artefactos e ferramentas, designadamente de sapateiro e marceneiro.
No primeiro piso, além da Sala das Estátuas, encontra-se a Sala da Arte Sacra, que reúne um conjunto de elementos ligados à prática religiosa. Destaque para a figura de um santo, datada do século XIV, feita em pedra de Ançã, e para uma réplica da estátua do cavaleiro de Oliveira do Hospital.
A Sala das Embarcações reúne várias réplicas de embarcações de diferentes épocas, inclusivamente do tempo das Descobertas, e a Sala do Tribunal guarda a placa de inauguração do edifício, em Outubro de 1966, por Américo Tomás, que após o 25 de Abril foi retirada do Palácio da Justiça.
A Sala do Traje reúne vestidos de senhora
que remontam aos inícios do século XX. Na Sala de Visitas somos recebidos por um piano, sobre o qual está, encadernada, uma valsa dedicada à princesa D. Amélia, e na belíssima sala de jantar encontra-se um quadro do Mestre Domingos de Rebelo e um móvel que pertenceu à Fragata D. Fernando. Na Sala do Sacrário, o destaque vai, precisamente, para um Sacrário do século XVII e para uma imagem de S. Roque, em pedra, do século XVI.
A vereadora responsável pelo pelouro da Cultura admite que o Museu Municipal precisa de alguma atenção, designadamente no que concerne à melhoria das condições físicas e ao nível da «actualização e musealização». «Não se trata de mudar nada do que foi feito pelo dr. António Simões Saraiva», ressalva Graça Silva, mas simplesmente fazer um “refresh”do Museu e efectuar o necessário enquadramento histórico actualizado. A acessibilização do Museu, com um primeiro momento a disponibilizar informação em braille, vai avançar em breve. Mais moroso, mas já pensado, será o projecto de tornar este espaço acessível a pessoas com problemas de mobilidade.
Simões Saraiva: um homem de cultura
Natural de Lisboa, onde nasceu a 29 de Julho de 1927, mas com raízes familiares em Ervedal da Beira, António Simões Saraiva foi sempre um homem muito ligado à cultura e às artes. Licenciado em Escultura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, estudou canto, Administração e Sociologia. Amante da música e do teatro, criou o primeiro grupo coral e de teatro de Ervedal da Beira e, na sede do concelho, promoveu a criação do Grupo Coral de Sant' Ana, que integrou, como executante, durante largos anos.
Foi o primeiro presidente da Câmara de Oliveira do Hospital eleito após o 25 de Abril, cargo que desempenhou entre 1976 e 1989, tendo, com a sua sensibilidade, conhecimento e diplomacia, tido um contributo fundamental para a promoção da investigação e, posteriormente, das escavações das Ruínas Romanas da Bobadela. Presidiu à Assembleia Municipal entre 1994 e 2009 e ao conselho de administração da Fundação D. Maria Emília Vasconcelos Cabral, cuja Casa-Museu ampliou e abriu ao público.
António Simões Saraiva foi, igualmente, o grande coleccionador das peças que constituem o acervo do Museu Municipal da Bobadela, projecto no qual se empenhou de corpo e alma. Fez parte da Comissão de Defesa do Património Artístico-Cultural e em 1988 foi agraciado pela Câmara de Oliveira do Hospital com a Medalha e Mérito Municipal. Faleceu no dia 31 de Janeiro de 2021, com 93 anos. O município decretou três dias de luto.
18 Museu Municipal 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de CoimbraAntónio Simões Saraiva
A PAIXÃO PELO AZEITE
2018 Museu do Azeite abre em Dezembro de 2018. António Dias concretiza o sonho de uma vida, alimentado ao longo de três décadas, com a recolha de testemunhos desta arte
dentro de um segundo fruto. Um percurso onde as boas-vindas são dadas por uma árvore com 1.500 anos, transformada numa peça escultórica. Uma criação de António Manuel Henrique Dias, o mentor e fundador do Museu do Azeite. Um espaço único, localizado na Bobadela. O edifício é um enorme ramo de oliveira, que se agiganta para nos dar a conhecer a história milenar deste “ouro verde”. Um sonho de António Dias, que viu a luz do dia em Dezembro de 2018. A filha, Alexandra Dias, orienta-nos nesta viagem de descoberta.
As imensas ânforas transportam-nos ao tempo dos romanos. Depois dos fenícios e dos gregos, o povo que mais refinou o processo de produção do azeite. As ânforas eram o sistema mais usual para o transporte e até há algumas que têm um reservatório próprio para acolher as borras, depurando o precioso líquido. De uma produção rudimentar, assente na força física - de homens ou de animais – o processo evoluiu, apuraram-se as técnicas. Primeiro com o recurso à força da água, depois com a energia eléctrica. As enormes mós de granito, movidas por verdadeiros troncos de árvore, foram perdendo terreno e a pedra foi sucessivamente sendo substituída por materiais igualmente sólidos, mas mais leves e funcionais. O sistema clássico da “caldagem”, adição de água a ferver, viveu uma verdadeira revolução com o surgimento das termobatedeiras. Seja no tempo do Império ou nos dias de hoje, o segredo mantém-se: a pasta tem de estar quente. Só assim se consegue um bom azeite. No passado escorria para pias de pedra. Hoje para depósitos de inox.
Uma viagem pela história que começa no caule de um ramo de oliveira, cresce para o interior de uma azeitona, estende-se para uma folha e ganha novo dinamismo
Recordações para levar para casa
Construído ao lado do lagar, edificado nos anos 80 por António Dias, o Museu possui uma ampla zona ajardinada, onde um aqueduto em pedra transporta água para um lagar de tracção animal. O busto de António Dias e da esposa, Maria Manuela, lembra os fundadores do projecto e uma original plataforma, em forma de rampa, conduz os visitantes do estacionamento até à entrada do complexo.Também no exterior está a loja, com produtos típicos da região, desde doces, queijos, mel e, claro, azeite e derivados, designadamente essências para as mãos e corpo e sabonetes artesanais. Atenção especial merece um licor de folha de oliveira e a pasta de azeitona. O azeite, naturalmente, ocupa um lugar especial, através das marcas “Azeite Romano” e “Museu do Azeite”, ambas produzidas no lagar da Sociedade de Azeite e Destilaria Dias, Lda .
«É um espaço único, o museu dedicado ao azeite mais completo que existe em Portugal», afirma, orgulhosa. Um projecto que é a demonstração viva da enorme paixão que António Dias sempre teve pelo azeite. «É um sonho com mais de 30 anos», afirma, recordando que o pai, natural e residente na Bobadela, toda a vida esteve ligado à produção de azeite. «Começou por trabalhar num lagar, depois fez o seu próprio lagar», explica. Mas António Dias não se limitou a apurar a arte milenar de extrair o precioso azeite. Interessou-se, também, pela sua história, pelas técnicas que usou no passado, pela sua evolução e desenvolvimento ao longo dos tempos.
Uma paixão que o levou, ao longo de décadas, a juntar um vasto património. Uma herança enorme, feita de mós, de pias, de talhas, de ânforas, de batedeiras e decanters, que reconstruiu de lagares de outros tempos e que conta a história da produção do azeite. Fundamental foi o momento em que se assistiu «ao encerramento e abandono de muitos lagares». «O meu pai sentiu que esse abandono iria representar a perda de uma boa parte da história do azeite», diz. A solução foi proceder à aquisição de um significativo espólio desses lagares. Peças monumentais, de grandes dimensões, que «usou para decorar o espaço envolvente ao seu lagar». Ainda hoje são muitos os artefactos, feitos em pedra, que rodeiam o edifício do lagar da Sociedade de Azeite e Destilaria Dias, Lda. Todavia, os mais preciosos, que permitem contar a milenar história da produção de azeite, estão elegantemente dispostos no Museu do Azeite.
Museu do Azeite que, além das obras de arte que apresenta, é ele mesmo, enquanto edifício, uma verdadeira obra de arte. Um ramo de oliveira em ponto grande. «Não há nada assim em toda a Europa», faz notar Alexandra Dias que, com alguma relutância
de
confessa a sua “mea culpa” neste processo. «O meu pai tinha o “bichinho” do Museu e alimentei esse sonho», diz. Aconteceu quando teve de preparar a prova de aptidão profissional do curso de Turismo, que concluiu em 2013. Para conceber o edifício pediu ajuda ao arquitecto Vasco Teixeira e o esboço foi «um ramo gigante de oliveira». «Fiz a maqueta e o meu pai ficou verdadeiramente encantado com a forma do edifício», recorda. Foi este o “click” para dar guarida à paixão de uma vida. «Com o espólio que tinha, decidiu avançar com o projecto», adianta.
A candidatura ao Turismo de Portugal foi aprovada, não obviando, todavia, a necessidade de recorrer a um empréstimo bancário para fazer face a um investimento que ultrapassou o milhão e meio de euros. Estava, assim, lançado o projecto de vida de António Dias e da esposa, Maria Manuela da Assunção Pereira Dias. A obra começou e, praticamente dois anos depois, no dia 2 de Dezembro de 2018, o Museu do Azeite abriu as portas. A inauguração oficial aconteceu mais tarde, no dia 16 de Março do ano seguinte, com a presença do Presidente da República. Concluído o curso de Turismo, Alexandra trabalhou na Pousada do INATEL, no Piódão. Regressou a casa cinco anos depois, juntando-se à irmã. Rosário toma conta do lagar e lidera a área da produção. Alexandra assumiu a gestão do Museu do Azeite.
Num espaço com 1.700 metros quadrados de área, as diversas salas transportam os visitantes para a história da produção do azeite, da moagem, à prensagem e à decantação, desde o tempo dos romanos aos dias de hoje. No corredor central, correspondente ao caule do gigantesco ramo de oliveira, o visitante é esclarecido acerca das origens e da expansão da olivicultura no mundo, no país e na região. Destaque, igualmente, para o papel desempenhado pelo azeite na ali-
anos com Oliveira do Hospital Museu
mentação dos diferentes povos, particularmente na Dieta Mediterrânica, classificada pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade em 2013. Mas também a sua utilização como fonte de luz, em termos religiosos, em tratamentos médicos ou de cosmética. São os múltiplos usos do azeite, que também dão a conhecer as diferentes embalagens. «Herculano foi a primeira marca de azeite destinada a exportação», faz notar Alexandra Dias, lembrando o empenho queAlexandre Herculano, o historiador e romancista teve na promoção do azeite nacional, depois de arrendar uma quinta na região de Santarém. «Foi a primeira marca de azeite embalada em Portugal», sublinha, destacando que esta marca conquistou, em 1889, a primeira medalha internacional atribuída a azeite português.
No mesmo corredor é possível saber que a oliveira mais antiga de Portugal tem 3.350 anos e se encontra na freguesia de Mouriscas, em Abrantes. Ou tirar uma “selfie”, tendo como pano de fundo a imagem de um majestoso olival. A tecnologia permite enviar a imagem para o e-mail do visitante e um filme dá a conhecer o processo de produção do azeite. No final, vários candeeiros fúnebres ilustram esta outra utilização. Uma pequena colecção de dádivas enriquecida, recentemente, com uma nova peça. «É uma peça usada para o tráfico de azeite, uma peça muito rica, que nem o meu pai conhecia», explica Alexandra Dias, referindo-se à caixa usada no «contrabando de azeite».
“O cantinho da ciência”
Os mais novos são presenteados com um conjunto de propostas específicas, consoante a idade. Experiências científicas que mostram que, apesar das “voltas” que se possam dar, a água e o azeite nunca se misturam. «É uma espécie de magia», diz Alexandra Dias. Mágica é, igualmente, a “manteiga de azeite”. Nada mais que azeite temperado com oregãos e alho. «É tudo diluído e a mistura vai ao frigorífico, ficando sólida. As crianças levam a “manteiga de azeite” para casa, para barrarem no pão», explica.
Também para as crianças, há, no auditório, um espaço de trabalhos manuais. Rolhas de cortiça foram transformadas em carimbos e o azeite misturado com tinta permite criar composições curiosas. Os adolescentes são desafiados a criar equipas e a procurar as respostas às perguntas. A equipa vencedora é premiada com um “miminho”.
Projectos para o futuro
A grande preocupação é, sem dúvida, «pagar o investimento», afirma Alexandra Dias, que faz um balanço bastante positivo do primeiro ano de funcionamento. «Excedeu as nossas expectativas» em termos de visitantes e de eventos. Todavia, a pandemia veio pôr um travão no que seria o desenvolvimento natural de um projecto único, que é, sem dúvida, um foco de atracção turística e de visitação para a região. Sem querer entrar em aventuras e com «os pés bem assentes no chão», a jovem gestora assume o desejo de desenvolver um projecto ao nível do alojamento. «Uma espécie de bungalows ou um camping ou glamping de grande qualidade». Mas, adverte, é um projecto para desenvolver «à medida das nossas possibilidades», dando «um passo de cada vez».
Para breve e fazendo jus à colaboração com vários chef de renome, está um enfoque na gastronomia, com a promoção de provas gastronómicas. A sala de eventos ou o restaurante serão o espaço indicado para acolher este tipo de iniciativas. A primeira, com acesso directo ao jardim e uma vista deslumbrante para a serra, tem capacidade para acolher 60 pessoas. A segunda tem capacidade para 150 pessoas. Festas de aniversário, comunhões, baptizados, reuniões de empresas, jantares de família são algumas das situações a que o espaço de restauração/eventos do Museu do Azeite dá resposta.
A equipa mínima é de sete pessoas. «Quando temos eventos, temos de contratar “eventuais”, diz Alexandra Dias, que aponta as crescentes dificuldades em encontrar pessoas para trabalhar na área do turismo.
22 Museu do Azeite 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
A arte de assar leitões
«Tivemos que nos reinventar», confessa Alexandra Dias, recordando o impacto negativo da pandemia, que obrigou a fechar as portas e, depois, a um funcionamento muito condicionado. Se o restaurante, com as propostas e gastronomia tradicional, muito assentes no azeite, estava a crescer de “vento em popa”, o vírus veio pôr termo a tudo. Mas deu tempo para repensar estratégias e criar alternativas. «No primeiro estado de emergência, com as postas fechadas, o fundador recuperou um forno de lenha antigo e começámos a assar leitões. Não tínhamos visitantes e não tínhamos trabalho para os colaboradores, mas tínhamos que manter os postos de trabalho». O leitão foi uma das soluções. Ajudou a pagar os salários», sublinha.
A opção do take away, seguida pela maioria dos restaurantes, não foi uma solução para o “Olea”, o restaurante do Museu do Azeite. «Não estamos num local estratégico e as pessoas não vinham de propósito aqui buscar comida», explica. Já com o leitão assado a resposta foi diferente, revelando-se uma «excelente solução».
«Começámos com o antigo forno, remodelado, mas só dava para assar três leitões». Por isso, António Dias mandou construir mais fornos. «Agora são cinco», com a diferença de que, contrariamente ao primeiro, adaptado a estas funções, estes «são próprios para assar leitões».
Além dos leitões para fora – que podem ser encomendados através do telefone 239 603 095 – o Museu do Azeite resolveu apostar nas sandes de leitão, a pensar nas fábricas de confecções. «Um dia para cada fábrica», esclarece, explicando que a equipa se deslocava às diferentes fábricas levando as famosas sandes de leitão. Sandes que também passaram a ser um atractivo para quem, no lagar, esperava pelo seu azeite. «Não é o tipo de serviço que queríamos para a nossa casa, mas foi e está a ser um recurso importante para manter os funcionários, mesmo com a equipa reduzida», afiança Alexandra Dias.
A produção do “ouro verde” no lagar da Bobadela
o seu azeite..
A família Dias tem três lagares de azeite.
O mais antigo é o da Bobadela, localizado junto ao Museu do Azeite, construído em 1986. Os restantes encontram-se em Gouveia e em Trevões (São João da Pesqueira, no Douro). «Este é o mais conhecido e o que está mais tempo aberto», diz Alexandra Dias. À Bobadela chegam produtores de toda a região, desde a Serra da Estrela, Covilhã, Fundão, Vila de Rei, Vide, a Penacova, Miranda do Corvo, Carregal do Sal ou Coimbra. «Temos ajuntadores que, em várias localidades, recolhem a azeitona de vários produtores», conta, explicando uma das soluções para quem não tem forma de levar a azeitona ao lagar e fazer
O lagar tem dois espaços para recepção da azeitona, com o segundo a apresentar silos de maior envergadura, destinados a grandes produtores ou aos “ajuntadores”. A azeitona é descarregada e o tapete e os “sem fins” levam-na para a zona de lavagem, de onde segue para o moinho, onde é triturada, transformando-se em pasta de azeitona. A pasta é canalizada para a batedeira, onde a massa é aquecida em banho-Maria. Alexandra Dias lembra que tradicionalmente, desde o tempo dos romanos até ao século XIX, a água quente era deitada directamente sobre a massa de azeitona, processo que foi substituído pelo banho-Maria. A termobatedeira aquece a massa que, através de mangueiras, é canalizada para o decanter, mecanismo que substitui as antigas prensas. Ali, a pressão sobre a massa permite retirar o azeite para um lado e para o outro a água e os resíduos. A tarefa seguinte cabe aos separadores, que “limpam” o azeite, que segue o seu curso para os depósitos, em inox, onde é recolhido pelo cliente.
Rosário Dias superintende toda a laboração do lagar e também é ela quem atende os clientes que ali vão adquirir azeite. Dos enormes depósitos de inox, onde é guardada a produção própria, enche os recipientes. «Já só temos azeite novo», adianta a irmã, assumindo a grande procura que se faz sentir. O litro é vendido a 4,60 euros.
Cumprir o ciclo do azeite
A visita ao Museu do Azeite pode terminar com uma “aula prática” no lagar existente mesmo ao lado. Esse é, de resto, o objectivo de um projecto que vai arrancar este ano.
«Um programa que inclui todo o ciclo da azeitona, desde a apanha à feitura do azeite». Significa que os visitantes são convidados a “pôr as mãos na massa”.
Uma parceria com o Convento do Desagravo, em Vila Pouca da Beira, onde será feita a apanha da azeitona, incluindo uma merenda tradicional, no olival. Já no Museu, os visitantes são contemplados
com uma tibornada, o prato típico do lagar, que não é mais do que bacalhau assado com batata a murro e couves, temperado com azeite. Após a refeição, o programa prevê a visita ao Museu, para conhecer a história do azeite e, no final, uma deslocação ao lagar, para assistir, “in loco”, à produção. «Já temos uma agência de viagens de Lisboa, que só trabalha com estrangeiros, interessada no programa», diz Alexandra Dias, que refere, igualmente, o interesse demonstrado por outras entidades em promover este circuito.
No lagar também se vende azeiteQUEIJO SERRA DA ESTRELA: ARTE E TRADIÇÃO
1995 Há quatro gerações que a família Lameiras tem ovelhas e produz queijo. A actual queijaria, renovada em 2018, funciona há 27 anos, sob a batuta de Paula e João Lameiras
Pouco passa das 10h00. O leite está coalhado e Paula Lameiras começa a fazer o queijo. A ajudá-la está uma prima, Rosa Lopes, e a funcionária, Lúcia. É assim todos os dias na Queijaria dos Lameiras, em Vila Franca da Beira. Uma rotina que começa bem mais cedo, com a ordenha das ovelhas, pelas 6h00 da manhã. Uma tarefa a cargo do marido, João, e do sogro, António. São 57 litros de leite, provenientes das ordenhas da manhã e da noite. «Já diminuiu bastante. Estávamos com cento e tal litros». O frio e o facto de as ovelhas «estarem a dar leite desde Setembro» justifica esta quebra. «É normal. Há um pico no início, depois começa a descer», adianta.
O leite, proveniente da ordenha do final de tarde, é acondicionado no tanque de refrigeração. Junta-se-lhe, de manhã, o resultante da ordenha do dia. Aquece-se e põe-se a coalhar. 45 minutos, uma hora é o tempo necessário. «Só leva cardo (moído) e sal», explica. São duas as vasilhas. Numa delas Paula Lameiras põe o leite do rebanho da família. Na segunda são mais 38 litros.
Leite de compra, igualmente de ovelha bordaleira, mas adquirido a um produtor de Travancinha.
Paula faz uns cortes na coalhada. «É para ir dessorando», explica. Significa que, de forma natural, a coalhada começa a libertar o soro. Coalhada que transita, depois, para um largo pano branco, colocado na francela. Seis mãos começam, de forma delicada, a espremer a massa. «Tem de se fazer com alguma rapidez, enquanto está quente», entre os 30 e os 32.º, explica.
Quando a coalhada atinge a textura certa, a massa é colocada em formas, envolta num pano, igualmente branco. Os tamanhos variam, consoante o queijo que se pretende obter. Um quilo, 750 gr, 0,5 kg e 1,5 kg. Antes de se dobrar o pano, cada queijo leva a respectiva “marca de caseína”. Trata-se do “número de série”, que acompanha o queijo desde o produtor ao consumidor. Uma das marcas diferenciadoras do Queijo Serra da Estrela certificado que, além do selo DOP, que assegura a Denominação de Origem Protegida, ostenta o holograma do selo de certificação, bem como esta marca de ca-
seína. «Dizem que é feita de queijo», diz Paula, que há cerca de uma década apostou na certificação. Um processo que, reconhece, foi «complexo», mas representou «uma forma de diferenciação». Uma nova rota, um caminho de futuro, que dá garantias ao consumidor sobre o carácter autêntico da produção da Queijaria dos Lameiras.
Concluído o processo, coloca-se a tampa em cada uma das formas e o queijo está pronto a ir para a prensa, onde permanece algumas horas, para acabar de dessorar (escorrer o soro). Daqui passa para uma câmara, onde começa a maturação.
Há 27 anos a funcionar neste espaço, a Queijaria dos Lameiras revolucionou a tecnologia, mas mantém a tradição. «É tudo muito mais higiénico», assegura Paula, lembrando as antigas francelas, feitas em madeira, em comparação com a actual estrutura de inox. O mesmo acontece com as formas, em plástico, que substituíram o tradicional azincho, uma “folha” metálica rectangular, onde se espremia e deixava o queijo, amarrada com um cordão. A prensa veio substituir a enorme pedra que, sobre uma tábua, se colocava em cima do queijo acabado de fazer. «É tudo muito mais higiénico», reitera, exemplificando, ainda, com os assafates, os pequenos “cestos” que dão forma ao requeijão, que eram em verga e hoje são de plástico. «Por mais que se lavassem, por mais cuidado que se tivesse, era complicado em termos de higiene», refere.
São os novos tempos, a evolução que se faz sentir nos aspectos mais simples da vida, como o facto de «hoje toda a gente andar de carro». Evolução à qual o Queijo Serra da Estrela não podia ficar indiferente. Mas, alerta a queijeira, são mudanças apenas na “forma”, pois o”conteúdo”, a “essência” continua igual e assim se mantém desde há séculos!
É a quarta geração de pastores e queijeiras da família Lameiras. «A avó do meu sogro já fazia queijo na Quinta da Baleia, para o dr. António», recorda Paula Lameiras, uma jovem que cresceu entre o pastoreio das ovelhas e o trabalho do queijo. Sim, porque se na família do marido sempre houve um rebanho de ovelhas, pelo menos desde o tempo do bisavô, João Lameiras, na sua aconteceu o mesmo. A avó paterna «tinha ovelhas e fazia queijo» e os pais deram continuidade à tradição de família. «Nasci e cresci a ouvir falar de queijo e de ovelhas», sintetiza.
Um circuito com 45 dias de “cura”
esclarece. Outro queijo apresenta duas cintas, porque «está muito mole». Não é caso único. «Chegamos a ter queijo com cinco cintas», tal é a textura amanteigada. Aqui continua o processo de cura. Mais 30 a 35 dias. «O queijo é que manda», diz Paula Lameiras, referindo-se ao processo de desenvolvimento e às lavagens que requer. Já o virar é uma rotina obrigatória. 45 dias depois da produção, o queijo está “no ponto”, pronto para consumo.
Queijo “velho” certificado
As actuais instalações da queijaria requereram um duplo investimento em 2017. Em fase final de obras, com o equipamento adquirido, a família ficou com a queijaria destruída na sequência dos incêndios de 15 de Outubro. «Tivemos que recomeçar de novo!», recorda. Um «investimento muito significativo», para o qual contou com «algum apoio», muito embora fosse necessário «avançar primeiro com o dinheiro». «Ainda pedimos 80 mil euros ao banco», adianta, lembrando tempos negros, de muita dificuldade, com a casa de habitação a sofrer, igualmente, o impacto do fogo, sem falar no «desastre» dos campos agrícolas. Um verdadeiro milagre salvou o rebanho, pois um campo de nabos, anexo ao ovil, conseguiu travar as chamas. Em redor, os pinheiros e os sobreiros arderam, mas o rebanho salvou-se!
O investimento feito na queijaria, rondou, «por alto», os 150 mil euros, e, além de criar condições de excelência para a produção,
também deixou “margem” de crescimento. É por essa razão que a família adquire leite a um produtor de Travancinha, o que permite aumentar a produção e rentabilizar a estrutura instalada.
Todos os dias, Paula, Rosa e Lúcia se juntam em redor da enorme francela para fazer o queijo. No início da época, a produção ronda os 40 queijos/dia. Agora está mais “curta”. Entre os 18 e os 20. «Depende do tamanho».
Depois de umas horas na prensa, o queijo é cintado e passa para a primeira câmara de cura. A temperatura oscila entre os 5,5º e os 8º e o queijo fica ali entre 15 a 20 dias. «Depende da evolução. O queijo é pior que as crianças, é cheio de manias», diz, bemdisposta, lembrando que é necessário virar e lavar o queijo. Quando atinge o grau de maturação correcta, por norma após a segunda lavagem, passa para a segunda câmara de cura, com uma temperatura dois graus acima. «O mais verde veio ontem»,
É na segunda câmara que o queijo termina o seu ciclo. Mais seco ou mais amanteigado. É também aqui que se guarda o “queijo velho”, embalado em vácuo. Uma produção resultante da quebra das cadeias de mercado provocada pela pandemia. O queijo nunca deixou de se fazer, mas faltaram as feiras e mercados, os restaurantes, os cafés e os muitos clientes habituais.
Paula fez experiências e concluiu que, com seis meses, o queijo, embalado em vácuo fica perfeito. «Está a ter muito sucesso», diz. O mesmo acontece com o queijo mais velho, com dois anos, cuja casca ganha mais cor ao receber uma camada de colorau. Entre o chamado “queijo velho”, Paula distingue o que «se corta bem» e o outro, mais seco ainda.
Apostou, também, na certificação do queijo seco, tendo em conta a grande quantidade que juntou. O mercado de queijo seco é, todavia, complicado. «Não compensa», diz. «Um queijo de um quilo fica com 500/600 gramas». Além disso, agrava os custos de produção, designadamente em matéria de energia eléctrica, tendo em conta que as câmaras têm de estar sempre a funcionar. «No ano passado cheguei a pagar 500 euros de luz por mês», afirma. O próprio embalamento, em vácuo, representa, igualmente, um custo acrescido.
26
Queijaria dos Lameiras 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
Uma rotina de todos os dias
«Não há feriados, não há domingos, não há dias santos! Todos os dias há queijo para fazer!», diz Paula Lameiras. Além de fazer, é preciso virar e lavar, para já não falar nas batas, botas, panos, recipientes e nas instalações que diariamente são minuciosamente lavados ou nos clientes – felizmente muitos – que demandam a queijaria para adquirir queijo ou requeijão.
Apaixonada pelo queijo, a queijeira, de 50 anos, empenha-se em fazer mais e melhor e elevar um saber-fazer ancestral que passou de geração em geração. Ao Queijo Serra da Estrela Certificado junta o queijo velho, mais seco ou de corte mais fácil. Também faz queijo creme e “inventa” novas soluções, que passam por pequenos frascos, com queijo seco, cortado em cubos, envolvido em azeite e temperado com orégãos.
A tradição de família chegou à quarta geração, mas não se sabe como será o dia de amanhã. O filho do casal, João, está a trabalhar na EDP. Já tem a sua casa e a sua vida. A filha, Cristiana, ainda está em casa e dá uma ajuda na gestão da plataforma on-line de venda de queijo. Licenciada em Psicologia, está a fazer estágio na Fundação (FAAD), em Oliveira do Hospital. «Não me parece que tenha interesse nisto!»Mais do que o trabalho, que manifestamente é muito, «isto é uma prisão!», diz Paula Lameiras.
Venda on-line ajudou a descobrir novos clientes
A pandemia permitiu “descobrir” o mundo on-line dos certames. «Não correu mal. Só aceitei encomendas durante dois dias, mas tive muitas», recorda Paula Lameiras, sublinhando que, de forma geral «correu muito bem». «Continuamos com o queijo na plataforma». Uma operação complexa. «Não domino a técnica», diz, sublinhando a ajuda preciosa que a filha, Cristiana, lhe dá nesta matéria, uma vez que está muito mais familiarizada com as “coisas” da informática. Este novo sistema permitiu chegar a novos clientes, sobretudo de zonas mais distantes, para os quais remete o queijo através da transportadora. «Tivemos que nos adaptar», diz.
Queijo da Serra não se come à colher!
Corta-se o queijo e a massa sai, “arredonda”. É este o verdadeiro Queijo Serra da Estrela amanteigado. Mas ninguém pense, numa queijaria tradicional, abrir um buraco a meio do queijo e consumilo à colher. «Não acho bem!», diz Paula Lameiras, adepta do cortar o queijo à
fatia. «Podem dizer-me que há queijo tão mole, tão amanteigado, que não há outra solução, mas há», diz, e explica: «corta-se e aperta-se com a cinta», sugere, como solução. Outra alternativa é cortar o queijo ao meio e virá-lo para cima. À colher, isso nunca!
Requeijão de “comer e chorar por mais”
pero», explica.
A pouco e pouco, a coalhada ganha dimensão, formando uma “crosta” branca no cimo da panela. O fogão já foi desligado. «Há quem deixe ferver mais. O requeijão não baixa tanto», adianta, explicando que todos estes pormenores são uma «opção de cada uma». «Gosto do requeijão mais macio», assume. Daí todo este procedimento.
Depois de feito o queijo, segue-se outra “empreitada”, a do requeijão. O soro, ou seja, o líquido de cor amarelada que o queijo libertou é colocado em duas enorme panelas. Junta-se água e um bocadinho de leite de cabra e vai a ferver. Uma operação que demora, seguramente, mais de meia hora e que exige que alguém esteja a mexer, em regime de permanência. No passado, usava-se uma cana da Índia, depois passou a ser um pau e agora é uma colher de inox.
Paula mexe uma das panelas e Lúcia a outra. A prima Rosa foi para sua casa depois do queijo feito. Paula está atenta ao evoluir da “massa” e, com a ajuda de um coador, vê o ponto certo. É preciso saber, pois quando começam a formar-se minúsculas particular brancas (quem não sabe não as vê, garantimos), é hora de parar de mexer. «Se não o requeijão fica ás-
Com uma escumadeira, Paula Lameiras “abre”a coalhada e, com um coador, Paula e Lúcia retiram a fumegante massa branca para os pequenos cestinhos de plástico, dispostos uns a seguir aos outros num enorme tabuleiro. Alguns precisam de rectificação, ou seja, de mais massa. «Está muito macia, baixa muito», diz, pois o sorelho começa imediatamente a sair.
Pouco passa do meio-dia quando os requeijões começam a ser feitos. Concluída a operação, ficam a escorrer. Depois são embalados e seguem viagem. «Têm de estar prontos às 15h00!», diz a queijeira. É a hora a que chega Daniel, marido de Rosa, que dá uma ajuda preciosa na distribuição e entrega do requeijão.
Em média são feitos 70 a 80 requeijões por dia, número que já começou a reduzir, tendo em conta o decréscimo do leite. Três vezes por semana «vendo requeijão para Oliveira». O padeiro também leva, habitualmente e há um conjunto de clientes fiéis que batem à porta da queijaria, rendidos pelo bom sabor de um requeijão macio, acabado de fazer. Há quem garanta que nunca comeu um requeijão tão bom!
Com coador massa é colocada na forma28 Queijaria dos Lameiras 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
Ovil: a casa das ovelhas
João Lameiras está no ovil a mudar a “cama” das ovelhas. Não se trata do local onde dormem, pois esse, no primeiro piso, tem um estrado, carecendo unicamente de uma “varridela”. De vez em quando é limpo com cal hidráulica. Um reservatório garante água fresca em permanência e permanente é, também, o “posto das vitaminas”. Estão ali 12 cabras, a maioria de raça autóctone, Germela, outras resultantes de cruzamentos. Voltando à “cama”, é a zona onde o rebanho descansa, depois de vir do pasto e onde habitualmente come.
Nas manjedouras é deitada a palha e a lavagem, um “caldo” que tem por base o sorelho (resíduo do queijo e do requeijão), onde se cozem batatas e couves e junta uma boa mão-cheia de farinha. É um suplemento alimentar para os animais, que andam todo o dia no pasto. No total o rebanho tem 130 ovelhas. O Ti António Lameira anda com umas 100, na Valcredoira,
uma zona do ovil. Cerca de três dezenas estão na Ponte d'Arca, onde a família tem outra estrutura de apoio. «Estão lá malatas novas e ovelhas que ainda não pariram», explica João Lameiras.
Com os “ganchos” do tractor, João retira a palha velha da “cama” para cima do atrelado. É estrume para os campos. Depois é necessário colocar palha nova e preparar as manjedouras. Falta-lhe, ainda, limpar a ordenha. O equipamento tem capacidade para acolher 12 animais de cada vez. Uma operação feita duas vezes por dia, às 6h00 da manhã e por volta das 17h00/17h30. Cada ordenha demora praticamente três horas. «São 100 animais e fazemos sempre um “repasse” à mão», explica. Demorado, mas rápido, comparado com o sistema manual. «Era muito mais difícil e moroso», além de exigir «muito mais mão-de-obra».
Além da gestão do ovil, João Lameiras é o responsável pela alimentação dos animais.
Longe vão os tempos em que os pastores, como acontecia com o seu avô, Manuel Lameiras, iam para por esses caminhos fora, a pé, rumo a Semeice e a Travancinha, onde compravam batata, bolota, cascas, palha de ponta e milho para alimentar as ovelhas. Actualmente “faz” campos de beterraba, de couve e de abóbora. Também “faz” nabo, mas «o nabo não é bom para o leite, tem uma enzima que afecta a qualidade do leite», explica.
Relativamente aos pastos, são 20 a 22 hectares, que a família semeia. João destaca um sistema de cultura, ao qual aderiu há algum tempo, de cinco anos. Significa que a terra é lavrada e semeada e o pasto renova-se automaticamente, durante cinco anos, sem necessidade de arar de novo a terra ou de proceder a nova sementeira. Um investimento que compensa, no dizer de João, pois a sementeira também garante uma fertilização natural da terra, além de contribuir para uma redução das emissões de dióxido de carbono. «Protegemos o ambiente», sublinha.
Actualmente, contrariamente ao que aconteceu no passado, a família não semeia campos imensos de milho. «Com os ataques do javali, não se justifica. Compramos o milho», explica. Milho que é «sempre misturado com ração» e representa mais uma refeição para o rebanho.
A venda dos borregos «correu bem» este ano, com o preço a atingir os 4,30 euros. «Já subiu», diz João, com satisfação. O mesmo aconteceu com a lã. «Vendemos para a ANCOSE», que pagou a lã a 1,80 euros. «Se formos todos sérios, todos ganhamos e isto aguenta-se, caso contrário corre mal», diz, lamentando que muitos produtores tenham colocado pedras e garrafas na lã, obrigando a Associação de Criadores a um trabalho acrescido para garantir a qualidade do produto.
João Lameiras trata do ovil, da ordenha e da alimentação do rebanhoUma vida a pastar ovelhas
«esta é a Maria Lisboa», pois nasceu numa visita efectuada à capital, no âmbito da apresentação da Feira do Queijo. «É um bom animal. Este ano criei-lhe uma filha», diz António Lameiras.
Depois da ordenha da manhã, o pastor toma um reforçado pequeno almoço, por volta das 9h00. «Como sopa, batatas ou feijão, o que houver». Desta forma evita que alguém da família tenha que se deslocar para lhe levar o almoço. Anda com as ovelhas, «ao ritmo delas», até ao final da manhã, altura em que «querem ir descansar». «Ficam uma hora, uma hora e pouco no curral e depois regressam ao pasto, até perto das 17h00», altura em que começa a segunda ordenha. No ovil há sempre pão e queijo, pelo menos, e «como qualquer coisita».
“Diz-se que as ovelhas antes querem um bom pastor que um bom pasto”. Nada contraria a sabedoria popular e António Lameiras é um exemplo da arte de orientar e controlar os animais. Bastam uns sinais, um código de ruídos que emite e as ovelhas seguem-no, obedientes. «Não é preciso muito trabalho. É preciso, isso sim, jeito». «Em tudo é preciso saber… e ninguém sabe tudo!», adianta o pastor.
Com 80 anos de idade e um saber de experiências feito, António Lameiras é, assumidamente, um apaixonado pelas ovelhas. «Não me custa nada, porque gosto, embora seja cansativo», reconhece. Desde pequeno que anda com as ovelhas. «A minha mãe obrigava-me a ir à escola, mas eu preferia ir com as ovelhas», recorda, lembrando o enorme rebanho que o pai, Manuel Lameiras, possuía. «Sempre foi esta a nossa vida e não me via a fazer outra coisa. En-
quanto puder vou continuar», garante o pastor.
O dia de António Lameiras começa antes das 6h00 da manhã, altura em que é feita a primeira ordenha e nunca termina «antes das 10 da noite». «Depois da ordenha temos de dar comida às ovelhas. Há sempre trabalho até às 10h00 da noite», diz.
«As ovelhas não precisam de muita comida. É preciso é saber dar-lhes comida», sentencia. Por isso, a meio da manhã, num dia de sol, mas muito frio e com muita orvalhada, escolhe «as terras mais altas». «As terras mais baixas estão muito orvalhadas» e se os animais forem para lá «não comem nada porque está tudo molhado. «Têm de ir na hora certa!», remata o pastor, que conhece todas as ovelhas do rebanho. «Não precisam de marca», garante. E o inverso também acontece. «Elas conhecem-me», diz, orgulhoso. Nem todas têm nome, mas
Natural e residente em Vila Franca da Beira, filho e neto de pastores, António Lameiras recorda que esta sempre foi, por excelência, uma terra de produção de queijo. «Quase toda a gente fazia queijo. Quem não tinha ovelhas comprava o leite, nos Fiais ou na Póvoa. Só em Vila Franca chegámos a ter mais de 30 rebanhos», garante. Hoje a realidade é outra. «Temos seis rebanhos», mas, mesmo assim, «são mais do que em todas as outras terras», afiança, apontando as vizinhas localidades de Ervedal da Beira, Póvoa de S. Come, Fiais da Beira, Aldeia Formosa ou Seixo da Beira onde só existe, em cada uma, «um rebanho».
Hoje, como no passado, a tendência dominante dos rebanhos é para as ovelhas pretas. «Em Oliveira e em Midões sempre houve mais ovelhas brancas, mas nós, aqui, sempre gostámos mais das ovelhas pretas. Em produção de leite são iguais, mas as pretas são mais resistentes». Além disso, «não se sujam tanto», o que representa, no entender do pastor, mais uma vantagem.
O sonho de ser pastor
«Vou a bailes, vou a festas» e até dança no Rancho Folclórico Rosas de Vila Franca. «Sou o noivo», diz, com orgulho. Mas Leandro Filipe é diferente de todos os outros jovens quando se trata de sonhos. Não quer ser um craque da bola nem tem outros desejos impossíveis. Apenas quer ser pastor! Com 19 anos, é este o sonho do jovem, natural e residente em Vila Franca da Beira. Uma terra de pastores que continua a ter rebanhos e que, caso o sonho do jovem se concretize, vai ganhar mais um.
A família, designadamente os tios, «tinham ovelhas» e sempre que podia, sobretudo nas férias, Leandro dava uma ajuda. «Sempre gostei dos animais», confessa. Os amigos, colegas da mesma idade, não entendem esta paixão. «Não percebem como é que gosto tanto das ovelhas», confessa. Mas pouco se importa com isso. «Prefiro estar aqui com as ovelhas do que ver televisão ou estar no computador», afiança, preparando-se, ao princípio da tarde para passar mais um bom par de horas no redil, onde já tinha estado praticamente toda a manhã. «Às vezes até durante a noite cá venho». Sobretudo quando está preocupado com a possibilidade de alguma ovelha parir.
Antes dos grandes incêndios de Outubro de 2017 tinha quatro cabras e duas porcas,
uma das quais a uma semana de parir, e uma cadela prenhe. Todos os animais morreram queimados. Foi o primeiro revés que sofreu. «O marido da Paula Lameiras deu-me um cabrito», recorda. Foi o início do renascer. Depois, «um senhor da Mealhada – que angariou dinheiro e comprou animais para oferecer – deu-me cinco fêmeas e um macho». Foi com estes animais que Leandro recomeçou. Recebeu, ainda, do mesmo filantropo bairradino mais algumas cabras, que pouco depois começou a «trocar por borregas». «Não conseguia segurar as cabras», confessa. Além disso, queria um rebanho de ovelhas. Queria ser pastor.
Leandro Filipe Azevedo Silva inscreveu-se no curso de formação de pastores, promovido no âmbito do Programa de Valorização da Fileira do Queijo Serra da Estela, apoiado pelo Centro 2020, e frequentou a formação, de quatro meses, entre Setembro e Fevereiro, na Escola Agrária de Viseu. Foi o único jovem da região que frequentou esta formação, que contou com a participação de outros jovens e menos jovens de Seia, da Guarda e de Viseu. «Daqui, da zona, só havia uma senhora da Póvoa, com mais de 40 anos», refere. «Foi muito bom», diz, referindo-se à formação e aos conhecimentos que reuniu. Falhou a pro-
messa de apoio. «Inicialmente disseram-nos que todos teríamos apoio, mas, no final, só quatro ou cinco é que receberam o “Vale Pastor”», recorda. «Não tive a sorte que alguns tiveram», adianta.
Apesar de não ter conseguido garantir o almejado apoio, Leandro não desistiu do sonho. As borregas que trocou cresceram entretanto e foi deixando algumas fêmeas que nasceram. Neste momento tem 22 ovelhas – 20 das quais são de raça bordaleira, inscritas no Livro Genealógico, e duas mochas, de raça Lacaune - , que pastam no vasto redil, anexo ao ovil onde dormem e, no curral, estão cinco cabras. A Estrelinha, uma cadela Serra da Estrela anda solta na quinta. Já o filho, mais novo e mais irrequieto, está preso. São os guardiões do rebanho.
«Abro-lhes sempre de manhã e ando com elas duas ou três horas», explica. Depois, ao final da manhã, as ovelhas recorrem ao redil, onde ficam durante algum tempo. À tarde voltam a sair para o pasto, «mais duas/três horas» e regressam, depois, a casa.
«Ando a batalhar nisto há dois anos», explica o jovem, que está cansado de preencher papéis e mais papéis e começa a ficar desesperado com a falta de respostas. «Está a ser muito difícil», diz, referindo o complicado processo para “legalização” dos terrenos que é necessário reunir para garantir a sustentabilidade da exploração. E quase começa a perder a esperança. «Já quase passei “isto” para segundo plano. Se agora me aparecesse um trabalho para fazer umas horas e continuar com as ovelhas, aceitava», confessa, preocupado com as despesas da alimentação dos animais –palha e ração - , que a mãe ajuda a suportar. Quanto às receitas, poucas são, uma vez que apenas pode contar com a venda dos borregos.
Depois de algum esmorecimento, Leandro rapidamente se recompõe e volta a falar com entusiasmo do sonho. O sonho de «ter um rebanho», «vender o leite e os borregos» e dar o seu contributo para «manter a raça bordaleira», a ovelha que faz o Queijo Serra da Estrela. 60 ovelhas seria o ideal. «Mais vale ter pouco, mas bom», diz o jovem Leandro. Os seus olhos voltam a ganhar aquele brilho sonhador, de quem já se está a ver com um belo rebanho de ovelhas, a «darem muito leite» e «muitos borregos».
30 O sonho de ser pastor 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de CoimbraLeandro Azevedo Silva é um apaixonado confesso pelas ovelhas
A TRADIÇÃO DO BOM QUEIJO DE OVELHA
1995 Queijaria tradicional mudou de instalações, renovou o equipamento, mas manteve o saber-fazer herdado dos antepassados. Um projecto familiar que vai na quarta geração
Faltam 5 minutos». A indicação vem do especialista. Amadeu Marques tem mais de 45 anos de experiência a trabalhar com queijo. Começou em criança, a ajudar o pai e a mãe na queijaria tradicional de Vila Franca da Beira. A avó, Ana, já fazia queijo. O pai, Fernando Correia Marques, deu amplitude ao negócio. A queijaria era noutro local, mais acima. Comprava o leite e fazia queijo, que vendia nas feiras e mercados. Amadeu seguiu a tradição de família e Nuno, o filho, dá-lhe continuidade. A queijaria mudou de instalações, em meados da década de 90 e adaptou-se às novas e apertadas exigências legais. Mas mantém, intocável, a arte de bem fazer queijo de ovelha.
Agora sim, a coalhada está pronta. São 500 litros de leite. «Chegamos a fazer 750, 800 litros», explica Helena Gomes, esposa de Amadeu. O leite chegou cedo. Nuno Marques faz a recolha por volta das 7h00. «Temos cerca de uma dúzia de explorações, a maioria da zona de Mangualde», explica. O leite é colocado no refrigerador. «Como temos os mercados, não fazemos logo o
queijo», adianta. Tondela, Santa Comba, Carvalhal, Santar, Nelas e Canas são alguns dos mercados onde a queijaria está presente, praticamente todos os dias da semana. Por isso, o queijo só se faz depois do almoço.
Os cinco minutos passaram e Amadeu está pronto para “cortar” a coalhada, o resultado do leite cru, que foi aquecido e coalhado com uma mistura de cardo moído e sal. «É para começar a dessorar», diz. «Com o mesmo leite pode fazer-se bom ou mau queijo», afirma, dando nota do cuidado que é necessário ter. «Não se pode facilitar em nada», sublinha, apontando, designadamente, as temperaturas e os tempos a cumprir.
Nuno começa, também a “pôr as mãos na massa”, usando uma grelha que vai prensando a coalhada e libertando mais soro. Um sistema de aspiração absorve rapidamente este soro, canalizando-o para o enorme tacho que, em rotação permanente, vai permitir a confecção do requeijão.
É também Amadeu Marques quem começa a mexer na massa, procurando torná-la homogénea. Hoje, apesar dos 500
litros de leite, é apenas um recipiente. «Há alturas em que é preciso mais uma panela». Acontece nos meses de Março e Abril, quando a Queijaria Tradicional de Amadeu António Almeida Marques atinge o pico da produção, com uma média de 120 queijos por dia. Hoje ronda os 90.
Trabalho em equipa
Está tudo preparado para fazer o queijo. Nuno enche um enorme alguidar de coalhada e deita-a na francela. Amadeu e Helena estão prontos para começar, o mesmo acontecendo com a Marta, esposa do Nuno. Próximo, numa prateleira, três enormes alguidares com água contêm as formas. Nuno tem a “medida na mão”. Pega numa forma e num pano e coloca-lhe uma dose de coalhada e repete sucessivamente a operação. Os companheiros de jornada dão continuidade ao trabalho, apertando a massa, pressionando a saída do soro. Quando a massa adquire a textura desejada, o queijo é virado ao contrário, o paninho ajeitado e regressa à forma, com a superfície devidamente alisada e o pano dobrado. Marta é a responsável por terminar a tarefa. Cabe-lhe colocar a tampa na forma. O queijo segue para a prensa, onde acaba de escorrer o soro. Uma tarefa que Amadeu controla, fazendo a gestão dos tamanhos e colocando, aqui e ali, um elemento de suporte. Também está atento à bilha para onde escorre o soro, que coloca no "panelão" do requeijão, depois de coado. Com a atenção repartida, ainda faz queijo. Tem calos nas “costas” das mãos. Um local improvável. «Digo que faço estes calos a jogar às cartas», brinca. A verdade é que as suas mãos grandes sofrem mais com a pressão do contacto com a forma, quando espreme a massa, calejando as articulações...
«Isto não tem ciência nenhuma. É só espremer a massa», afirma o bem-disposto Nuno, que, diz quem sabe, «tem bom olho para o queijo». «Numa hora, hora e meia, temos o queijo feito. Depende da temperatura da massa. Se estiver quente é mais rápido». Atento, não deixa que a coalhada falte na francela e garante a sua distribuição pelas formas. Ainda criança, quase de colo, já Nuno andava atrás do avô Fernando e da avó Maria, nas viagens para os mercados. «Às vezes a professora dizia-lhe: “Nuno, não fizeste os trabalhos de casa”», recorda Helena. «Não tive tempo. Fui para a feira com o meu avô”!», respondia.
Atenção em diferentes frentes
«Não adormecemos a fazer o queijo», diz Amadeu, o líder da equipa. Helena trabalhou desde os 14 anos no sector das confecções. Depois de casar, começou a ajudar a fazer o queijo, aos fins-de-semana. Quando a empresa de camisas fechou dedicou-se à queijaria a tempo inteiro. Marta é a mais recente “aquisição” desta empresa verdadeiramente familiar. Natural de Oliveira do Hospital, trabalhou como esteticista, mas o sabor e o saber do queijo falaram mais alto e hoje assume: «gosto de fazer queijo!».
São cinco os tipos de formas usados na queijaria, o mesmo é dizer cinco tamanhos diferentes de queijo. Os mais solicitados são os de 1,5 kg, 1 kg e 600 gr. Há ainda a versão “mini”, de 250 gr e a “maxi”, de 2kg, que é «muito pedida para restaurantes», explica Helena.
Ao fim de uma hora e meia de trabalho estão praticamente 90 queijos colocados na prensa. Amadeu vai estando atento à evolução da panela do requeijão. O sistema automático não requer que alguém esteja em permanência a mexer o soro, mas a evolução da “cozedura” exige atenção. Com um coador, o especialista vê o “ponto” e volta a fechar a tampa. «É sempre ele que faz o requeijão», sublinha a esposa, dando conta da técnica apurada que o marido aplica na confecção do requeijão.
A massa «ainda demora» a ganhar a
consistência desejada. O especialista tem os seus segredos, mas há dois dados que partilha connosco: na Queijaria Tradicional de Amadeu António Almeida Marques o soro não leva nem pinga de água nem pinga de leite e, garantidamente, o requeijão não fica salgado. Diariamente são feitos, em média, 120 a 130 requeijões.
Nuno dá início às necessárias operações de limpeza. Com uma máquina de pressão, água e sabão, limpa o enorme recipiente onde foi feita a coalhada e continua com a francela e o chão. Para lavar estão todos os restantes equipamentos, sem esquecer as botas e as batas usadas pela equipa.
O processo de cura
«Fazer o queijo é só uma parte do trabalho», afirma Nuno, que nos esclarece as fases seguintes, numa visita guiada à queijaria. A primeira operação passa pela retirada do queijo da prensa, ao fim de seis horas. «Por volta das 21h30, 22h00, o queijo é retirado e vai para uma tina de salmoura, colocada na primeira câmara de cura. «É uma mistura de água e sal, onde o queijo fica 10 a 12 horas, para fazer a casca», explica Nuno Marques. Terminado o tempo na salmoura, o queijo é retirado, é cintado e vai para a prateleira, onde fica 15 dias. «É virado dia sim, dia não», adianta. Também é lavado uma ou
duas vezes. «Quando ganha bolor tem de ser lavado», explica. E também é necessário colocar novas cintas.
A segunda câmara – que, à semelhança da primeira é uma verdadeira divisão – é o local de maturação e conservação do queijo, onde fica até perfazer, pelo menos, 35 dias. «Só é vendido aos 40 dias», afirma Nuno. Antes de chegar ao consumidor o queijo é lavado, seguramente, «três vezes», a última das quais precisamente na véspera de ir para o mercado«para ficar bonitinho» -, e «virado umas 20 vezes», dizem as contas de Nuno Marques.
Todos os dias são dias de trabalho
Trabalha-se todos os dias, 365 dias por ano, na queijaria. Não há domingos, feriados ou dias santos, pois há sempre leite para ir buscar e queijo e requeijão para fazer. Aos domingos, uma vez que, por princípio, não há feiras ou mercados, «começamos às 6h00 da manhã, para ficar tudo pronto até às 12h00, 13h00», explica Helena.
Mas se um cliente aparecer, por princípio é sempre atendido. «É o nosso negócio, não podemos virar costas a ninguém», diz Helena, que recorda a «aflição» que viveu, entre o Natal e a passagem de ano. «Não tínhamos queijo para os clientes», afirma, tendo em conta que a enorme procura esgotou praticamente todo o stock existente.
As feiras e mercados da região são a forma mais directa e eficaz para escoar a produção. «Temos clientes fixos», afirma Nuno. O comércio tradicional, os restaurantes e muitos particulares fazem parte do rol dos clientes fiéis, quer do queijo, quer do requeijão e há mesmo quem adquira queijo para levar para o estrangeiro, nomeadamente para a Suíça. «Temos clientes em todo o país», conclui Nuno Marques.
Na Queijaria de Amadeu António Almeida Marques produz-se queijo de ovelha, que «não se pode confundir», sublinha Nuno Marques, com Queijo Serra da Estrela. Os procedimentos, em termos de fabrico são semelhantes, mas a queijaria não possui a certificação que lhe permitiria ostentar esse título. «Para nós não dá, porque trabalhamos com várias raças de ovelhas», explica, muito embora «60% do leite» seja proveniente de animais de raça autóctone, nomeadamente de bordaleira e de churra mondegueira. A grande “diferença” que se faz sentir prende-se com o facto da queijaria ficar “de fora” quando são organizados eventos on-line de promoção e venda de queijo, como aconteceu durante a pandemia.
Queijo de ovelha de produção artesanal
A GRANDE FESTA DO QUEIJO
pelo impacto mediático, «estimado em 40 milhões de euros».
Certo é que o certame atrai milhares de visitantes, que podem provar e adquirir o genuíno Queijo Serra da Estrela, assistir à sua confecção e à preparação do requeijão, conhecer as ovelhas de raça bordaleira, os pastores e os cães Serra da Estrela, guardiões dos rebanhos. A organização assegura um amplo programa cultural e lúdico, com palestras, showcooking e espectáculos e a presença de um “queijo convidado”.
Certame atrai milhares de visitantes, vindos dos mais diversos pontos do país
1990 Com praticamente três décadas de existência, certame assume-se como a maior Feira do Queijo do país e atrai milhares de visitantes
Começou no velho Mercado Municipal, cresceu e ocupou a cidade. Chegou a instalar-se no remodelado recinto da feira, mas recuperou o seu espaço nobre, bem no centro da cidade. Falamos da Festa do Queijo, que se assume como a maior Feira do Queijo Serra da Estrela do país e um inquestionável cartaz de Oliveira do Hospital.
Um evento que resulta de uma concertação de vontades, entre produtores de Queijo Serra da Estrela DOP (Denominação de Origem Protegida), queijarias artesanais, e um conjunto significativo de outros produtos endógenos, como enchidos, vinho, pão, bolos e biscoitos e artesanato.
O certame começou nos anos 90, foi crescendo, ganhando dimensão e hoje é, indiscutivelmente, um dos maiores atractivos do concelho de Oliveira do Hospital, com visitantes vindos de Norte a Sul do país. De um dia passou para dois e afirma-se como «um grande evento para «a valorização do território» e com um impacto «muito positivo na economia local». A começar pela possibilidade de os produtores escoarem a produção a um preço convidativo, o que significa a valorização do sector e a sua promoção e reconhecimento.
Francisco Rolo, presidente da Câmara Municipal, lembra que o Queijo Serra da Estrela é considerado um dos melhores queijos do mundo, eleito uma das 7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa, e destaca a dinâmica que o certame imprime. Segundo um estudo da Cision, a Festa do Queijo tem «um impacto na economia local de 2,5 milhões de euros» e um retorno, motivado
Mas, além dos dois dias da Festa do Queijo – que regressou este ano, depois do interregno imposto pela pandemia – importa pensar nos restantes 363 dias do ano, alerta. «É necessário proteger os produtores e as unidades de produção artesanal e valorizar o efectivo de ovelhas bordaleiras», considera o autarca, que também defende a aposta na certificação e considera essencial a «atracção de novos investidores» e o apoio às raças autóctones. Recorda uma visita da ministra da Agricultura à ANCOSE, que garantiu um conjunto de medidas, consagradas no Plano Estratégico da Política Agrícola Comum, que pretendem assegurar «novos apoios e incentivos» ao sector, designadamente para a aquisição de efectivos da raça bordaleira ou churra mondegueira. «Medidas que devemos assinalar e que esperemos se concretizem», diz. Trata-se, considera o autarca de «valorizar um sector» que requer «mais produtores», para que daí possa resultar «maior produção de leite» e, por consequência, «mais queijo». Queijo Serra da Estrela que constitui um «produto de elevado valor no mercado» e tem outras funções relevantes, uma vez que os pastores e as ovelhas garantem uma «ocupação produtiva e cuidada do território». «Pastores e rebanhos no território são uma garantia contra as calamidades, nomeadamente os incêndios», sustenta.
CONFRARIA: O DESÍGNIO DE PROTEGER E PROMOVER
paradigma relativamente aos pastores e às queijeiras. «A figura idílica do pastor», que apascentava as ovelhas, que «não tinha domingos nem feriados», está prestes a acabar. «É uma actividade que não capta e não convida a juventude», faz notar. O mesmo acontece com as queijeiras.
Há 30 anos, recorda, «toda a gente que tinha ovelhas produzia queijo», o que significava que mesmo quem tinha pequenos rebanhos, com 30, 40, 50 ovelhas, fazia queijo. Hoje, as «exigências legais» são incompatíveis com esse registo. Significa que esta «ideia romântica» está ultrapassada, até porque as pessoas com idade mais avançada «dificilmente se adaptam às novas exigências». O resultado, aventa, é a crescente empresarialização, ou seja, assistir-se à instalação de unidades empresariais, que substituem o pastor e, por consequência, a queijeira, e o vasto universo de pequenos rebanhos deixará de existir, substituído por meia dúzia de grandes rebanhos.
1989 Fundada a 8 de Fevereiro de 1989, Confraria do Queijo Serra da Estrela assume-se como entidade zeladora de um dos melhores queijos do mundo
Depois das confrarias da Panela ao Lume e do Vinho do Porto, ambas com “pronúncia do Norte”, nasce, em Oliveira do Hospital a Confraria do Queijo Serra da Estrela. Uma instituição fundada no dia 8 de Fevereiro de 1989 que, ontem como hoje, tem o mesmo objectivo: promover, defender, divulgar e valorizar o Queijo Serra da Estrela. Um desafio contínuo assumido ao longo de 33 anos e sem fim à vista.
Um projecto de continuidade, assume o Grande Conselheiro, Pedro Couceiro, concretizado das formas mais diversas, «através da escrita, da imagem, do áudio, do diálogo, do contacto directo». A mensagem, essa é sempre a mesma: alertar para «a qualidade ímpar do Queijo Serra da Estrela, esta pedra preciosa que a região e o país têm e que não se pode perder».
São muito os desafios que se colocam a este queijo, considerado se não o melhor, «um dos melhores queijos do mundo». Pedro Couceiro, médico veterinário, com uma larga experiência no sector, coloca na
linha da frente o «vector ovelha», pois, sublinha, «sem ovelhas não há leite e sem leite não há queijo». E esta é uma primeira frente de batalha, tendo em conta a ameaça crescente das chamadas raças exóticas. A questão fundamental, no entender do Grande Conselheiro, passa pela «valorização do leite» das ovelhas Serra da Estrela, a saber das raças Bordaleira e Churra Mondegueira.
«O Estado devia fazer alguma coisa», considera, alertando para o facto de os produtores não verem o leite pago a um «preço justo». «Agora a situação está melhor», uma vez que o preço «subiu ligeiramente, mas andou «anos a fio a ser pago a 90 cêntimos». «Tudo o que seja abaixo de 1,5 euros é injusto», considera, apontando o aumento do custo dos factores de produção e a necessidade de «acompanhar a inflacção».
Pedro Couceiro admite que o Governo não pode, por decreto, definir o preço do leite, mas entende que pode tomar medidas que incentivem os produtores a apostar nas ovelhas de raça autóctone e não a “agarrarem-se” a outras raças exóticas, que produzem o dobro do leite. «Claro que não é a mesma coisa. O teor de gordura do leite das ovelhas Serra da Estrela é completamente diferente», diz e é essa característica que define a “alma” do queijo.
Mas a estas questões juntam-se outras, que se prendem com uma mudança de
Tempos de mudança que, alerta Pedro Couceiro, também se verificam ao nível do circuito comercial. «É outro dos problemas dos tempos modernos», que exige a intervenção de «uma empresa ou uma associação, com bons técnicos». Hoje, alerta, já «não pode ser o pastor a vender o queijo à porta de casa ou ir a um ou outro mercado».
«O mundo empresarial é antagónico do mundo agrícola», reconhece Pedro Couceiro, assumindo que esta é uma «dicotomia complicada de gerir». «Se o negócio passar a ser gerido por associações empresariais, pode ser positivo, mas a qualidade pode ficar em causa», considera, uma vez que, num registo de grande produção se assiste à mistura de leites, provenientes de diferentes rebanhos. «Todo o Queijo Serra da Estrela é bom», sublinha, mas há especificidades muito próprias que «diferenciam» um queijo produzido em Oliveira do Hospital do de Celorico da Beira ou de Penalva do Castelo, exemplifica.
«Temos que nos ir adaptando às novas realidades», sintetiza, ciente que a produção do Queijo Serra da Estrela vai «ficar nas mãos de poucos produtores». «Vai deixar de ser uma actividade popular para ser uma actividade empresarial», prognostica. Mas o mais importante é, sublinha, manter viva a fileira do Queijo Serra da Estrela, uma das 7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa, e dar continuidade a esta herança ancestral.
ANCOSE: GUARDIÃ DAS OVELHAS E DA ARTE DE FAZER QUEIJO
1981 Associação Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela, constituída em Novembro de 1981, assume-se como um baluarte na defesa da raça bordaleira, no apoio aos pastores e à fileira do Queijo Serra da Estrela
No Centro de Recria encontram-se 30 borregas, com uma média de três a quatro meses de idade. São todas brancas e provenientes de rebanhos seleccionados no âmbito do Programa de Melhoramento Animal e Livro Genético. Com cinco/seis meses, vão para a sua nova casa, juntando-se a um dos muitos rebanhos da região demarcada de produção do Queijo Serra da Estrela. Antes da partida levam o “bolo identificativo”, o chip electrónico que identifica o animal. A cama é feita de palha e nas manjedouras há ração e feno. «Estamos à espera de mais 20 animais. São todos para doar», explica Manuel Marques, presidente da direcção da ANCOSE – Associação Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela, que se empenhou na criação deste Centro de Recria, que pretende manter.
Em causa está um projecto acarinhado pelo responsável da ANCOSE, que via neste centro a possibilidade de manter a apetência por uma raça única, fundamental para a produção do Queijo Serra da Estrela. Os incêndios de Outubro de 2017 «vieram acelerar o processo», recorda, lembrando o grande número de animais que morreram vítimas das chamas. Numa parceria com o município de Oliveira do Hospital foi possível avançar com o projecto. «Doámos 1.500 borregas», sublinha, o que representou «a reposição integral do efectivo animal perdido com os incêndios»
Cumprido esse objectivo, a Centro de Recria mantém-se. Um dos objectivos é «motivar as pessoas a trocar raças exóticas por ovelhas bordaleiras», explica Manuel Marques, destacando o interesse destas borregas que, quando atingem o ano de vida, estão prontas para dar início o ciclo produtivo de borregos e de leite.
As 30 borregas e as 20 que lhe vão suceder, têm um objectivo concreto, igualmente relacionado com a reposição do efectivo. Agora não de trata de vítimas do fogo, antes de «animais errantes», matilhas de cães selvagens que têm vindo a atacar os rebanhos e a provocar baixas. Uma doação que tem subjacente uma parceria com os municípios. «A Câmara de Mangualde comprou estas borregas», diz o responsável, o que significa que os animais são entregues aos pastores sem qualquer custo.
O Centro de Recria é um dos mais recentes projectos da ANCOSE, uma associação instalada na Quinta da Tapada, na Bodabela. Criada em Novembro de 1981 por um grupo de criadores da raça autóctone Serra da Estrela, tem como objectivo o melhoramento genético e a defesa da raça. Um objectivo que se mantém actual e que levou a ANCOSE, ao longo de quatro décadas, a assegurar um conjunto de serviços aos produtores, desde o contraste leiteiro à gestão do Livro Genealógico da Raça Ovina Serra da Estrela, assegurando, igualmente, o programa de melhoramento genético e de sanidade animal. «Para haver bom queijo, tem de haver bom leite, o que significa que tem de existir um bom trabalho com a sanidade animal. Temos essa responsabilidade em toda a região», afirma Manuel Marques, destacando o facto de a ANCOSE ser Agru-
pamento de Produtores Pecuários desde a sua origem. Além da vacinação dos animais, é feita a desparasitação e o rastreio de várias doenças, designadamente da brucelose. Um trabalho feito por um grupo de 10 veterinários da ANCOSE, que conta, em várias situações, com o apoio dos municípios, que «subsidiam o preço das vacinas», o que representa uma redução de custos para o produtor.
Em contraste com a simpatia das borregas do Centro de Recria, os carneiros do Centro de Testagem de Reprodutores não convidam à aproximação. Não quer dizer que tenham um ar feroz, mas impõem respeito. Além disso, adverte Manuel Marques, «o carneiro marra com os olhos abertos – ao contrário do boi – o que significa que acerta no alvo». São 11 animais seleccionados, uns brancos e outros pretos, com idades entre os dois e os quatro anos, esclarece Bruno Costa, um dos trabalhadores da ANCOSE.
O sémen é levado para o banco de Esperma da Escola Agrária de Santarém e a inseminação é feita pela equipa de veterinários e engenheiro zootécnico. O Centro de Testagem, localizado do outro lado da estrada que atravessa a quinta, foi criado em 1990 e é um dos espaços que a direcção pretende requalificar, criando um corredor de acesso directo ao pasto, permitindo que os animais tenham vivência ao ar livre.
38 ANCOSE 90 anos com Oliveira do Hospital
Diário de Coimbra
Novidade, no último ano foi a intervenção da ANCOSE na recolha da lã. «Estava a ser paga a 20 cêntimos, não dava para pagar ao tosquiador», refere Manuel Marques. Por isso, a associação estabeleceu um contacto com os produtores e fez um acordo, válido por cinco anos, com os pastores e, igualmente, com um parceiro, o Grupo Valor do Tempo. «Pagámos a lã a 1,80 euros», diz, satisfeito, apontando a recolha de 30 a 40 toneladas de lã, que estiveram armazenadas na Quinta da Tapada. Aquando da nossa visita já tinham saído do armazém três camiões TIR carregados e ainda havia fardos de lã para encher pelo menos mais dois.
«Tivemos que comprar uma máquina para enfardar a lã», explica o presidente, que “virou” serralheiro e, com a preciosa ajuda de Bruno Costa, adaptou a máquina. Entusiasmado, faz uma demonstração do processo, que permitiu criar os fardos. Lamenta, todavia, que a lã tivesse chegado à ANCOSE com resíduos estranhos, designadamente pedras e garrafas. «Tivemos que limpar toda a lã».
Foram 220 os produtores que aderiram a este projecto e que fazem parte do Programa de Melhoramento Animal. A recolha da lã prolongou-se por um período de cerca de três meses e o resultado final vai ser a criação de chinelos de quarto com a marca Serra da Estrela, que o Grupo Valor do Tempo vai lançar no mercado.
Satisfeito com o acordo feito relativamente à lã, que permitiu que o produtor tivesse uma rentabilidade significativa (1,80 euros, contra 20 cêntimos), Manuel Marques está entusiasmado com os resultados das negociações com o Grupo Angus – Pingo Doce, relativamente ao borrego. Em causa está a possibilidade de «sermos fornecedor exclusivo na região». «Se as negociações correrem bem, pode ser mais um passo para dizer que vale a pena ser pastor», afirma, lembrando que o preço do borrego tem vindo a sofrer uma subida substancial, estando a ser pago a 6 euros/kg. «Conseguimos, com a Estrelacoop, patrocinar o transporte para o matadouro», adianta, referindo outra mais-valia para os produtores. «Os pastores têm de ser compensados», considera.
A Quinta da Tapada também possui uma oficina tecnológica/queijaria, criada em 1997, onde se procede ao fabrico experimental e demonstrativo do Queijo Serra da Estrela. É ali que as queijeiras «vêm “beber” o conhecimento, aprender como se faz o autêntico e genuíno Queijo Serra da Estrela», explica Manuel Marques, que está à frente da ANCOSE desde 2005 e se assume como «jurista especializado em tratar de ovelhas». Cresceu numa família com um rebanho e aprendeu a técnica do queijo com a mãe. Ainda chegou a ter um rebanho, em Mangualde, mas viu-se obrigado a abandonar a actividade. O irmão mantém a tradição de família e Manuel Marques continua, através da ANCOSE, a ter uma proximidade real com o mundo das ovelhas, dos pastores e das queijeiras.
Manuel Marques não consegue contabilizar os cursos de formação de queijeiras que já se fizeram na oficina tecnológica, mas garante que esta arte de bem-fazer, com origens ancestrais, representa um dos segredos do «melhor queijo do mundo». Os ingredientes resumem-se ao leite cru, ao cardo e ao sal, mas antes disso está a ovelha, estão os pastos… a região. «Um rebanho bordaleiro no Algarve não permite fazer Queijo Serra da Estrela», adverte, sublinhando as características próprias da região demarcada. «As ovelhas
têm de ir ao pasto, comer a sorga, a aveia, o azevém...», diz.
Na queijaria/oficina produz-se queijo e requeijão. «Também fazemos iogurte –que é divinal, mas não fazemos em grande quantidade - e queijo creme. Chegámos a fazer manteiga», adianta Manuel Marques. Produtos que a ANCOSE comercializa, através da empresa Sabores e Ambiente, Lda. Uma sociedade constituída pela ANCOSE (que possui 75% do capital) e mais quatro/cinco sócios. Também é através desta empresa que a associação vende sementes, adubos, desinfectantes, sistemas de ordenha, máquinas de tosquia e outro tipo de equipamento necessário ao maneio do rebanho ou ao funcionamento da queijaria.
Uma das propostas que Manuel Marques quer concretizar a breve trecho é a criação de uma loja, onde seja possível adquirir o queijo, o requeijão, mas também outros produtos endógenos da região, como o mel e o vinho. «É um projecto para avançar», garante.
Acordos para valorizar a lã e o borrego
Oficina tecnológica forma queijeirasOficina Tecnológica/Queijaria é um espaço de formação da arte de fazer o queijo
ANCOSE quer avançar com a criação de uma loja, para venda de queijo requeijão e outros produtos endógenos
Diário de Coimbra
anos com Oliveira do Hospital ANCOSE
«Nos últimos 4/6 anos perdemos cerca de 40 mil animais na região», refere Manuel Marques, embora destaque o facto de o Livro Genealógico estar «estabilizado». Na região demarcada – que abrange os concelhos de Carregal do Sal, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Gouveia, Mangualde, Manteigas, Nelas, Oliveira do Hospital, Penalva do Castelo e Seia, bem como algumas freguesias dos concelhos de Aguiar da Beira, Arganil, Covilhã, Guarda, Tábua, Trancoso e Viseu - existem, grosso modo, três mil rebanhos, tantos quantos os sócios da ANCOSE. Oliveira do Hospital e Celorico da Beira são, de acordo com o presidente da associação, «os concelhos mais relevantes em termos de produção.
Em Oliveira do Hospital, contabilizam-se 27 criadores e 29 explorações, que representam um total de 7.600 animais. Em toda a região demarcada existem 30 queijarias certificadas. Um processo que é assumido pela Estrelacoop – Cooperativa de Produtores de Queijo Serra da Estrela, constituída em 1991, com sede em Celorico da Beira – onde foi criada, por D. Dinis, a primeira queijaria do reino - que funciona como agrupamento gestor da Denominação de Origem Protegida (DOP) e que, além da certificação do queijo, certifica o requeijão e o borrego Serra da Estrela.
«As queijarias certificadas são cerca de 10% das existentes», refere Manuel Marques, o que significa que existe uma ampla margem de crescimento relativamente à denominação de origem protegida. Três delas situam-se no concelho de Oliveira do Hospital.
Para ser rentável, um rebanho precisa de ter uma centena de ovelhas. «Já vale a pena», considera, fazendo rapidamente as contas relativamente à produção de leite –48 litros em cada ordenha -, o que representa uma média de 96 litros/dia, que a 1,10 euros, rende 105 euros/dia. «Já vale a pena». Mas, adianta, mais do que vender o leite, «vale a pena fazer o queijo». «Com 5,5 litros de leite faz-se um quilo de queijo, que é vendido, à vontade, a 15 euros». O queijo precisa de 45 dias para «ficar bom», com a cura recomendada, mas os requeijões são imediatos. Manuel Marques volta a fazer as contas. O soro permite fazer cinco requeijões, vendidos a 1,20 euros cada, o
que perfaz 6 euros». «A produção de queijo é muito rentável. Nem que se tire um terço para a mão de obra compensa», reitera o presidente da ANCOSE.
O Estado “tem de tomar posição”
A qualidade ímpar do Queijo Serra da
Oliveira e Celorico: as estrelas da região DOP Projectos para o futuro
Dar continuidade à requalificação das instalações, a criação de uma loja de venda ao público e a criação de um parque para receber as muitas crianças que visitam a associação, são alguns dos projectos prioritários da ANCOSE, que está empenhada em continuar a apoiar os pastores e as queijeiras da região, de uma forma directa, no ovil ou na queijaria, mas também garantindo a elaboração da sua contabilidade ou a elaboração de projectos de candidaturas. A formação profissional é outra das áreas da associação, que desenvolve em parceria com a CAP – Confederação de Agricultores de Portugal , contemplando as mais diversas áreas, desde a condução de tractores à tosquia.
Estrela e o seu reconhecimento e procura crescentes são uma garantia de futuro. Mas o mesmo não se pode dizer da actividade dos pastores e das queijeiras. Um trabalho duro, que não tem férias, domingos ou feriados. «As ovelhas têm de ver o pastor todos os dias», diz Manuel Marques, recordando um dos pensamentos-chave do pai. «As ovelhas têm de ir para o pasto e os jovens não querem trabalhar nisto», lamenta, lembrando, ainda, o aumento do custo dos factores de produção. «É muito lindo falar-se dos pastores, do trabalho ao ar livre, no campo, mas as contas têm de ser pagas», alerta.
Manuel Marques defende que «o Estado tem de tomar uma posição» relativamente ao sector, caso contrário «corremos o risco de perder o melhor produto ancestral que ainda temos». «É fundamental a majoração dos benefícios agro-ambientais, fomentar a criação da raça bordaleira e apoiar significativamente a produção de Queijo Serra da Estela», afirma, lembrando uma velha promessa do ministro Capoulas Santos, de subir o apoio de 15 euros atribuído aos animais inscritos no Livro Genealógico para 22,5 euros», que nunca se concretizou. «Os meus pais vendiam, há 40 anos, o leite a 200 escudos. Hoje é vendido a um euro para a indústria!», diz ainda o presidente da ANCOSE, ciente de que «enquanto isto não levar um trambolhão, não há solução».
40 Estrelacoop 90 anos com Oliveira do Hospital
ALIMENTAR O SONHO DE SER PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE
1991 Estrelacoop – Cooperativa de Produtores de Queijo Serra da Estrela nasce em 1991 e em 1994 é reconhecida como agrupamento gestor da marca DOP Serra da Estrela, que envolve o queijo, o requeijão e o borrego
Oacompanhamento do processo de certificação e o apoio técnico aos produtores constituem os pilares da Estrelacoop – Cooperativa de Produtores de Queijo Serra da Estrela, CRL, com sede em Celorico da Beira, uma entidade que nasceu em 1991 e quatro anos depois, em 1994, foi reconhecida como agrupamento gestor da Denominação de Origem Protegida (DOP) do Queijo Serra da Estrela, Queijo Serra da Estrela Velho, Requeijão Serra da Estrela e Borrego Serra da Estrela. Em causa está um pacote de produtos endógenos de carácter único, que a Cooperativa está empenhada em promover a nível nacional e internacional, garantindo a preservação desde saber ancestral e desta tradição peculiar.
Um caminho longo, reconhece Joaquim
Lé de Matos, presidente da direcção da Estrelacoop, que tem a «grande ambição» de elevar o saber-fazer, a tradição ancestral da produção do Queijo Serra da Estrela ao estatuto de Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO. Um sonho, admite, que não é para concretizar já, tendo em conta que muito há a fazer, com carácter de urgência, na fileira do queijo e este é um trabalho «que não pode ser feito sob pressão». «Queremos trabalhar nesse sentido», diz, e já foram dados alguns passos. Mas falta praticamente tudo para avançar com o processo e formular a candidatura. «Mobilizar recursos, criar equipa, identificar custos, angariar fundos» são alguns dos passos que terão que ser dados. Mas há mais. Como a criação de uma equipa técnico-científica, a definição de parceiros institucionais, autarquias e mesmo comunidades intermunicipais. «É um processo complexo, que tem de ser feito com calma», afirma Joaquim Lé de Matos, que aponta, nomeadamente, a necessidade de se proceder a todo um trabalho de pesquisa e investigação que testemunhe de forma evidente a ancestralidade deste “modus faciendi” que representa uma herança dos
romanos. Por isso, reitera, o reconhecimento da UNESCO é uma «ambição a médio, longo prazo» à qual a Estrelacoop e o seu presidente prometem dedicar-se com empenho, mas com tranquilidade.
Mais urgente e necessário é todo o trabalho que a Cooperativa tem pela frente, na «valorização da fileira do queijo», onde é necessária a colaboração de todos, sublinha, destacando cooperação que se tem vindo a estreitar com a ANCOSE – Associação Nacional de Criadores de Ovelhas Serra da Estrela (responsável pelo Livro Genealógico e pelo melhoramento genético) no acompanhamento do efectivo e na valorização do queijo, do requeijão e do borrego Serra da Estrela.
Agir ao invés de reagir
Joaquim de Matos, professor universitário, filho de uma das fundadoras da cooperativa, assumiu funções no ano passado e quer “virar a página” relativamente ao que tem sido feito e particularmente no que se refere ao registo de «autovitimização» e promover uma nova atitude, mais positiva e construtiva. Problemas e dificuldades existem, claro está. Mas também existem oportunidades, considera. «O queijo é um filão de ouro inesgotável», afirma, mas «temos que ter produtores e dignificar esta arte e toda a fileira do queijo», defende. Sobretudo, atrair “sangue novo”, gente jovem, o que só se consegue se «for uma actividade rentável».
anos com Oliveira do Hospital
Uma das primeiras medidas tomadas pela nova direcção foi fazer o «diagnóstico do “estado de arte”». «Um dos maiores problemas e uma das maiores ameaças tem a ver com a idade dos pastores e produtores de leite, mais do que dos produtores de queijo. É um facto geracional. 80 a 85% das pessoas que estão nesta actividade têm idade superior a 60 anos», diz. Uma situação que «está identificada há muito tempo, mas não se fez grande coisa». Este é um dos trabalhos que tem de ser feito para «dignificar toda a fileira do queijo».
A “radiografia” permite saber que existem actualmente na região DOP entre 210 a 220 explorações de ovinos Serra da Estrela, das quais 124 produzem leite que vendem para a produção de queijo.Amaioria são pequenas explorações, esclarece Joaquim de Matos, que “exclui” duas de maior dimensão, uma com «mais de 800 animais, em Celorico da Beira, e outra com «mais de 900», em Canas de Senhorim. «Temos meia dúzia de explorações com 200, 300, 400 ovelhas, mas a maioria tem entre 50 a 150 animais». Satisfeito, o presidente da Estrelacoop refere dois jovens produtores, um em Tábua, outro em Celorico, que recentemente se instalaram.
«A valorização do preço do leite» constitui, diz, um ponto chave para suster a ameaça de redução do número de produtores e de rebanhos, bem como uma outra “ameaça” associada ao que chama a “indústria do leite de raças exóticas” e à produção de queijo de ovelha. Recentemente, diz, com satisfação, o preço do leite pago ao produtor subiu ligeiramente, depois de anos a ser pago a 1,25 cêntimos. «Neste momento está entre os 1,28 e 1,35 cêntimos».
«Continuamos a trabalhar», diz, reconhecendo «alguma resistência» a mudanças, essenciais para elevar os «parâmetros de qualidade». Um processo que passa por estabelecer patamares que possam premiar a acção do produtor com um pagamento superior. Na valorização do leite, a Estrelacoop conta com a colaboração de «entidades académicas», designadamente o Instituto Politécnico de Viseu, através da Escola Superior Agrária e do Centro de Biotecnológico. «Vamos avançar com um projecto de investigação e desenvolvimento relativamente à qualidade do leite», diz.
As alterações climáticas são outra das “ameaças” que o diagnóstico aponta e, entre os “pontos fracos” está um conjunto de itens, onde se destaca a “desvalorização do
Promover eventos a nível nacional e internacional
«Os portugueses vão ter notícias da Serra da Estrela DOP, com eventos a nível nacional e internacional», garante, optimista Joaquim Lé de Matos, deixando antever um grande número de iniciativas a realizar durante este ano. A participação num certame internacional, em Paris, está na “calha”. A colaboração com o Turismo Centro de Portugal e com a AICEP –Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal são dois pilares essenciais para a afirmação de uma estratégia de promoção e valorização dos produtos DOP Serra da Estrela a nível nacional e internacional, considera. «Quando se fala em turismo tem, necessariamente, que se falar em produtos endógenos», diz e também «não se pode falar de desenvolvimento de uma região sem se falar nos seus produtos endógenos». Ligado há 42 anos à produção de queijo, Joaquim de Matos fala de forma apaixonada de toda a fileira dos produtos DOP Serra da Estrela e entende que a sua valorização é essencial para a região. «Acredito que o caminho é por aqui», conclui.
DOP Serra da Estrela” e o seu “preço baixo”, que tem no queijo de ovelha amanteigado um forte concorrente. «As pessoas têm de estar informadas para saberem escolher», considera. Nesse sentido está prevista a criação de «um novo rótulo, único para o Queijo Serra da Estrela DOP», ao qual cada produtor associa o seu próprio rótulo». Um mecanismo que pode fazer a diferença na escolha do consumidor.
A grande dependência das grandes superfícies em termos de escoamento, o «excesso de burocracia» associado à criação de novas explorações, a morosidade dos processos e os custos da certificação, bem como alguma falta de controlo e de fiscalização higiosanitária, são alguns dos “pontos fracos” elencados neste retrato da fileira do Queijo Serra da Estrela.
Pontos fortes
Como “pontos fortes”, está o facto de «termos quatro produtos DOP (Queijo Serra da Estrela, Queijo Serra da Estrela Velho, requeijão e borrego Serra da Estrela), o efectivo de raça autóctone, o “Branding” Serra da Estrela, o saber ancestral e a história associada, o processo artesanal de fabrico e o facto de se tratar de um «produto único». A existência de um painel de provadores é outro elemento diferenciador que o presidente da Estrelacoop destaca. «Somos o único produto DOP que no seu caderno de especificações inclui um painel de provadores», afirma, sublinhando que esta é uma das etapas essenciais do processo de certificação do queijo, a cargo de pessoas devidamente credenciadas.
Relativamente às queijarias certificadas, actualmente são 30. «Já tivemos 33», refere. Uma das missões assumidas pela nova equipa directiva é precisamente cativar as queijarias para a certificação. «Estamos com muitas acções», diz Joaquim de Matos, orgulhoso com o resultado positivo de muitas destas demarches. Satisfeito aponta a aposta feita nos restaurantes e unidades hoteleiras da região para a promoção do borrego. «Foi um sucesso». Dos 12 restaurantes e hotéis que aderiram, «10 continuam a ter Borrego Serra da Estrela no seu menu». «Vamos continuar com estas acções», diz.
Mais uma vez, o preço está no cerne da questão. «Os pastores estavam a vender o borrego vivo a 4 euros o quilo». Na sequência das reuniões com os diversos operadores, desde matadouros a talhos, «há dois meses, um operador estava a pagar o borrego a 6,5 euros o quilo». Um indicador positivo para a fileira, que leva a presidente da Estrelacoop a defender que, numa parceria com a ANCOSE, as duas entidades «chamem a si a recolha dos borregos, suportando o abate e colocando todo o borrego Serra da Estela num operador que garante a distribuição no mercado».
42 Fumeiro de Meruge 90 anos com Oliveira do Hospital
A TRADIÇÃO DO BOM FUMEIRO
1998 Junta de Freguesia empenhou-se em elevar o saber-fazer da “terra dos porqueiros”, valorizando a cultura dos enchidos e os bons sabores da gastronomia tradicional
Meruge sempre foi conhecida como a “terra dos porqueiros”. Uma designação que, apesar de real, não era propriamente vista com “bons olhos”. João Abreu e a sua equipa empenharam-se em inverter a situação. Conquistada a Junta de Freguesia, em finais de 1997, foi tempo de “meter mãos à obra”e «transformar um preconceito numa mais-valia». Mais de duas décadas depois, o autarca local está de regresso à presidência da freguesia e Meruge assume-se orgulhosamente como um território onde o porco é rei e os enchidos têm fama e glória, apresentando-se como a «imagem de marca da freguesia».
«Valorizar a actividade» foi, recorda João Abreu, o desafio que se colocou. «As pessoas não tinham orgulho nenhum na designação “terra de porqueiros”». Todavia, a criação de porcos, o abate e desmancha, a comercialização da carne e a confecção de enchidos sempre foram, categoricamente, elementos essenciais à vida da comunidade. «Era uma actividade, em termos económicos, altamente benéfica para a freguesia», recorda o autarca, que lembra que os “porqueiros de Meruge “faziam”todas as feiras da região Centro do país, desde a fronteira com Espanha até à Feira das Neves, em Aveiro.
«Transportavam cultura, faziam cultura, assumiam cultura e, essencialmente, traziam muitos escudos», primeiro, euros, depois, refere João Abreu. Um negócio rentável e com reflexos sociais relevantes. «Meruge tinha um grande poder económico, era conhecida como a terra dos capitalistas», diz, ainda.
Para «ultrapassar o preconceito» e «valorizar a actividade», a equipa de João Abreu começou a amadurecer ideias e a procurar caminhos. Providencial foi uma reunião com Cidália Pereira, do Instituto de Emprego e Formação Profissional. «Uma pessoa fantástica» que ouviu os «devaneios» de João Abreu, entendeu que faziam sentido
e traçou o caminho a seguir. A criação de uma escola-oficina do fumeiro e cozinha tradicional foi o passo que se seguiu. «Fomos buscar as mulheres dos porqueiros, como formadoras, que trouxeram a sua arte da fazer chouriças de carne, chouriças de bofe, farinheiras e a salga dos presuntos», conta João Abreu. «A escola-oficina foi um êxito», adianta. Todavia, quando o processo chegou ao fim, nova questão surgiu, no sentido de dar continuidade ao processo. «Voltei a falar com a D. Cidália» e a resposta foi «a criação de uma empresa de inserção», um desígnio assumido pela Associação de Desenvolvimento Social Cultural do Vale do Cobral (ADSCVC). Das 20 formandas da escola-oficina, seis transitaram para a empresa de inserção e «começaram a fabricar enchidos» e a confeccionar salgadinhos.
«A empresa de inserção funcionou enquanto foi possível», ou seja, «até à extinção legal» destas entidades, sendo, depois, integrada como uma valência da ADSCVC, que garante a produção e a comercialização dos enchidos, salgados, mas também doces, compotas e licores.
O bom sabor de produção caseira
A carne de porco constitui a base tradicional dos enchidos e em Meruge há um saber-fazer muito próprio que marca a diferença. A qualidade da carne é, indiscutivelmente, um dado essencial, mas são os temperos que imprimem a identidade deste
fumeiro.
Ana Cristina, directora técnica da Associação de Desenvolvimento Social Cultural do Vale do Cobral, fala-nos da especificidade dos temperos das chouriças de carne, feitas com «carne da pá e da barriga», que levam «alho, vinho branco, pimentão doce e sal». Já as chamadas chouriças de bofe que hoje em dia já não levam o pulmão (bofe) do animal, mas mantêm a designação, levam «vinho tinto, cebola, salsa e várias especiarias».
As farinheiras constituem outra das especialidades, assentes na cozedura dos ossos, cuja carne é desfiada. A farinha, de milho, dá o nome ao enchido, que também leva canela, açúcar, sal e gorduras do porco. Quanto às morcelas, são feitas com o sangue do porco e pão. Os condimentos resumem-se à cebola, à salsa, ao sal e ao azeite, sem esquecer os cominhos, que lhe conferem o traço distintivo.
«Já fizemos paio e salpicão, mas não têm mercado», refere a directora técnica. Contrariamente, as chouriças de carne e de bofe, as farinheiras e as morcelas “não chegam para as encomendas”.
Compotas e licores
Especializada nos enchidos, a equipa é multifacetada. A cozinha continua a ser a principal divisão da casa e também é ali que são confeccionados os salgados, designadamente rissóis de carne, de peixe e
Diário de
de camarão, pastéis de bacalhau, croquetes, empadas de carne (galinha) e de camarão. Qualquer das variedades de salgados pode ser encomendada pronta a comer ou congelada. Referência, ainda, para as tradicionais bôlas, feitas com a massa do pão, que ganham uma renovada vida com os diferentes recheios, de bacalhau, carne ou chouriço.
A equipa, constituída por três senhoras, faz, ainda, compotas de abóbora, melão e ananás, ginja, courgete, geleia de marmelo, marmelada, compota de pêssego e compota de amora. Alguma da fruta, designadamente as ginjas, é adquirida, mas as abóboras ou os pêssegos são oferecidos pela comunidade. Já as amoras são o resultado dos passeios efectuados com as crianças ou os idosos da instituição.
Finalmente, referência aos licores, de melão, morango, ginja, kiwi ou laranja. «Este ano fizemos menos licores», diz Ana Cristina, que justifica esta variedade de produtos com a capacidade instalada e o aproveitamento do tempo disponível, mas também com a necessidade de «equilibrar as contas». «Não podemos estar sempre à espera dos apoios do Estado, temos de ser pró-activos», sublinha. Vontade de fazer, bem e sempre mais, não falta. E os clientes também não, diz Ana Cristina, que assume a necessidade de «expandir mais um bocadinho», de molde a dar uma resposta mais assertiva às crescentes solicitações. AAssociação vende directamente ao público, seja no seu espaço, instalado na sede da Junta de Freguesia, seja nas feiras onde marca presença. As encomendas de enchidos, salgadinhos, compotas, doces, licores ou bôlas podem ser feitas através dos telefones 961 961 654 ou 238 601 430 ou ainda pelo e-mail adscvc@gmail.com.
anos com Oliveira do Hospital Fumeiro de
Feira do Porco projecta Meruge
Feira do Porco e do Enchido é o “ex libris”
«Como projectar este valor, esta singularidade, esta tradição e a própria freguesia?». A resposta não se fez esperar, com a criação, em 2003, da Feira do Porco e do Enchido, que «já é um “ex libris” da freguesia, do concelho, da região e do país», afirma.
«Nunca tivemos a mania das grandezas. Procurámos, isso sim, manter a genuinidade dos nossos produtos e das nossas tradições». A Laje Grande, um verdadeiro “monumento” de granito, localizado no centro da aldeia foi, desde sempre, o pólo central deste certame, que se assume como uma forma de promover as genuínas tradições culturais e gastronómicas da freguesia. «Nunca prescindimos de um espaço dedicado às crianças», faz notar João Abreu, assumindo um projecto transversal a todas as idades, que desde a primeira edição reserva um espaço aos jogos tradicionais, aos passeios de burro e sempre procurou manter a sua autenticidade.
«A genuinidade da feira vem desta preocupação», diz, destacando as barrraquinhas de madeira, onde os expositores apresentam os seus produtos, a qualidade dos grupos e das bandas que ajudam a fazer a festa. A feira tem sempre um tema e há um conjunto de encenações e brincadeiras correspondentes.
Esta «feira única», que tem conquistado uma projecção crescente a nível nacional, tem no Forno Comunitário outra das suas âncoras. «Tem um papel importantíssimo», diz o autarca local, que recorda a recuperação deste forno, em 1999, no âmbito de uma candidatura da Associação de Jovens. É ali que se confecciona o pão, as bôlas de bacalhau, de sardinha, de carne e de chouriça, que deliciam os visitantes. «Chegamos a vender mais de 200 bôlas», garante.
«Há grupos de visitantes que vêm desde
a primeira feira», afirma o presidente da Junta, para quem este é a «nova romaria», sucedânea das festas de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da localidade, que, no Verão, atraía multidões. Enaltece a alegria e o ambiente muito peculiar da feira. «As pessoas podem cozinhar os seus torresmos, nós garantimos as fogueiras, grelhas e caçoilos». Confeccionado pela organização está o afamado arroz de suã. «Um prato tipicamente de Meruge, um prato de porco», preparado com o osso do peito, que integra o menu servido na feira, juntamente com os torresmos à moda de Meruge.
Para aconchegar o estômago está o arroz doce com aniz, também genuinamente merugense. «É uma tradição da terra», explica Vanessa Pinheiro, da Associação do Vale Cobral. A confecção «não é muito diferente», uma vez que se coloca o arroz com água, a ferver e vai-se acrescentando leite. Uma hora depois o arroz está cozido e junta-se o açúcar. A diferença está no gesto seguinte, ou seja, em colocar um «bocadinho de licor de aniz». «O sabor do arroz doce torna-se diferente» e não há habitante de Meruge que não se regale com esta doce tradição.
Todos os anos há sempre alguma novidade na feira. «Procuramos acrescentar valor», diz João Abreu. Na última edição foram os “tuck-tuck”, que garantiram o percurso entre a zona de estacionamento e o local da feira. A adesão foi excelente, pena que só estivessem dois veículos disponíveis. Para este ano, na 19.ª edição, fica a promessa de reforçar esta oferta e, certamente outras, que enriqueçam e valorizem mais a Feira do Porco e do Enchido. «Meruge é hoje “terra de porqueiros”pela positiva, com iniciativas muito bonitas e gostosas, que valorizam o que temos de mais autêntico e genuíno», conclui João Abreu.
44 Confecções 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
firmes e são os filhos, José Maria e Carlos Silva, que dão continuidade ao projecto.
«Foram duas marcas que alavancaram a nossa indústria produtiva, com calças e camisas», recorda. «A exportação trouxe-nos mais-valias», adianta o empresário, que se reporta aos passos que começaram a ser dados em Espanha, onde começou o projecto exportador. «A Espanha sempre foi um mercado muito importante». Seguiu-se o mercado nórdico, designadamente da Alemanha e Inglaterra, com este último país a receber as confecções da marca Enrico Silvanni, mas também as confecções de Oliveira do Hospital comercializadas com marcas inglesas. O mesmo aconteceu, de resto, com o mercado americano, com a IRSIL a produzir roupa, designadamente para a prestigiada Calvin Klein.
CONFECÇÕES PARA O MUNDO
1964 Três irmãos resolveram, em 1964, apostar na confecção de roupa para homem senhora e criança.Fundaram uma empresa e criaram os alicerces de um sector de referência
Fez furor nos anos 70/80 do século passado com a linha Old Bond. Eram, à época, as calças de ganga, os jeans de eleição dos jovens. Uma colecção de sucesso que incluía as camisas Motocross. Actualmente, as calças continuam a ser uma referência. Clássicas ou desportivas, de fazenda, de ganga, tingidas ou pré-lavadas. O mesmo acontece com as camisas, com um “toque”mais desportivo ou um figurino mais tradicional. E juntaram-se-lhe os casacos. Tudo sob a chancela da marca Enrico Silvanni. Um nome com “sotaque” italiano, mas com raízes bem portuguesas, “made in”Oliveira do Hospital. Falamos da IRSIL, uma empresa de confecções que nasceu em 1964 e representa a âncora de um sector que ganhou foros de cidadania no concelho, levando os fatos, as calças e as camisas confeccionadas em Oliveira do Hospital aos quatro cantos do mundo.
«É uma empresa familiar, fundada por três irmãos, Fernando, José e Pedro Silva, que começaram a trabalhar na indústria
de confecções, a fazer roupa de senhora, homem e criança. Começou com meia dúzia de costureiras», recorda José Maria Silva, filho de um dos fundadores que, juntamente com um primo, Carlos Silva, assume actualmente a gestão da IRSIL.
Em 1964, os três irmãos, verdadeiros empreendedores, empenharam-se neste projecto, inspirados no negócio do pai, José Maria Gomes Silva. «O meu avô paterno tinha uma loja de venda a retalho de chapelaria e calçado», recorda José Maria Silva, que tem o mesmo nome que o avô.
«Chegámos a ter 500 trabalhadores. Fomos um dos maiores empregadores da zona Centro», recorda o empresário, que trabalha na empresa há 40 anos, numa altura em que a IRSIL já se tinha mudado para o local onde está instalada, muito embora a dimensão estivesse longe de ser a actual. «Quando a empresa começou, há 57 anos, as confecções eram uma coisa nova, uma inovação. Havia pronto-a-vestir, mas não havia confecções. Daí o grande sucesso. Foi uma novidade muito bem recebida», refere.
O mercado nacional, com as famosas marcas Old Bond e Motocross, representou a primeira conquista da empresa de Oliveira do Hospital, cujos fundadores estão actualmente reformados. Um dos três irmãos abandonou, por vontade própria, a sociedade. Fernando e José mantiveram-se
«Evoluímos e fomos para o Brasil», adianta José Maria Silva. Uma aposta com “cabeça, tronco e membros”, que implicou a abertura de um escritório e showroom em S. Paulo e a criação de uma rede de agentes comerciais nos principais estados, designadamente em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Portalegre e Baía. «Chegámos a mandar, por mês, quatro contentores de 40 pés –os maiores – para o Brasil», recorda. «Vendíamos muitos fatos, calças camisas e até sobretudos», adianta. «Era um mercado muito interessante», considera. Todavia, um problema de «paridade cambial» que se tornou evidente com a presidência de Lula da Silva acabou por levar a empresa a pôr de lado o projecto e a fechar o negócio no Brasil. «Não se perspectivava uma retoma. O Brasil continua a ter um problema cambial», refere, apontando, ainda, as «taxas alfandegárias» como uma barreira ao negócio.
«Neste momento o nosso foco está no mercado europeu e no mercado americano», diz o empresário, apontando a «pujança e a força» do mercado americano. «Foi este mercado que nos manteve durante a pandemia, sobretudo nos meses mais difíceis. Um mercado que nos mostrou sempre uma luz ao fundo do túnel, não com o volume de negócios normal, mas as encomendas vinham pontualmente, ao contrário do que aconteceu com o mercado europeu – francês, espanhol, inglês ou alemão –que parou mesmo. Actualmente já há alguma retoma no mercado europeu. Não a que esperávamos, pois somos ambiciosos, mas há alguma retoma», afirma.
IRSIL revolucionou a moda, ao trazer para o mercado um conjunto de novos produtosAutocarros recolhiam funcionárias na região
Apesar do incontestado apoio que a tecnologia garante à produção, designadamente na concepção dos moldes, no estender e no corte do tecido, a verdade é que cada peça exige a intervenção de várias pessoas, pois trata-se de um sector onde a manufactura ainda é essencial.
Um facto que justifica os cerca de 230 trabalhadores que actualmente a empresa possui. Menos de metade do que detinha há cerca de 40 anos, altura em que a IRSIL instituiu um sistema de transporte próprio, através de autocarros, que diariamente iam buscar aos trabalhadores às aldeias onde residiam, garantindo, ao final do dia, o seu regresso a casa. «Não conseguíamos pessoas suficientes, a nível local, para a linha de produção», refere o empresário. «Chegámos a ir buscar pes-
soas a Azenha (concelho de Carregal do Sal), Vila Franca, Ervedal, Seixo da Beira, Aldeia Formosa, Nogueira do Cravo, Travanca de Lagos, Midões e Póvoa de Midões» (os dois últimos já no concelho de Tábua), recorda o empresário. «Tivemos que acabar com isso. Era um custo enorme. Não era só o problema do autocarro, do motorista e do combustível, eram também os seguros. Tornou-se incomportável», adianta o empresário. Hoje continuam a trabalhar na IRSIL pessoas de todo o concelho, mas usam os seus transportes próprios.
Nos anos 80 do século passado um destes autocarros protagonizou um acidente de má memória. A viatura incendiou-se e uma porta bloqueada impediu a saída dos passageiros. Houve vítimas mortais e feridos graves.
«O grande desafio para o futuro é manter a empresa activa, continuar a produção» e dar resposta «aos desafios do mercado como tem acontecido ao longo de 57 anos», diz José Maria Silva. «A pandemia abalou-nos muito», diz o empresário, que aponta uma redução de cerca de uma centena de pessoas. Muitas porque entenderam reformar-se, ao fim de 30/40 anos de trabalho, outras por despedimento. «2022 vai ser um ano difícil», vaticina. A pandemia implicou uma «quebra enorme» na produtividade. «Temos pessoas que faziam 20 peças num dia, hoje fazem cinco», exemplifica. «O índice de absentismo também aumentou», não por questões de saúde, mas «por desmotivação, por desinteresse». « Sem produção não há facturação», lembra, preocupado com o aumento dos custos de produção, associados ao aumento dos salários e, de forma muito relevante, das matérias-primas. «Todos os dias os fornecedores aparecem com aumentos de 7%, 10%», refere José Maria Silva.
“2022 vai ser um ano difícil”
46 Confecções 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
Linha de produção em cadeia
As marcas Old Bond e Motocross deixaram de ser comercializadas e surgiu, «há 35/40 anos», uma nova marca. A Enrico Silvanni. Uma marca registada, que «hoje é a base de toda a nossa produção», seja a linha mais clássica ou a mais desportiva. Um nome de inspiração italiana, como «era moda na época», que José Maria Silva justifica pelo facto de os sócios terem todos Henriques e Silva no nome. Enrico Silvanni é, pois, uma marca, «um nome italiano, mas com raízes bem portuguesas», que se especializou em duas linhas de produção, uma direccionada para casacos e outra para calças, com uma versão mais clássica e outra mais moderna e desportiva. O mesmo acontece com as camisas.
«O mercado está mais virado para uma linha mais desportiva. As pessoas procuram o bem-estar, o conforto», explica José Maria Silva. Os fatos, adianta, praticamente «deixaram de se vender» na sequência da pandemia.
A produção também evoluiu de forma significativa. Longe vão os tempos em que todo o corte era feito de forma manual, peça a peça. Não quer dizer que hoje não seja feito, em situações específicas, esclarece. Uma funcionária está, de resto, a proceder a um corte manual. O tecido é de xadrez, destinado a uma camisa da linha desportiva, que requer «cuidados especiais», de forma a que o «padrão “bata certo”».
Também os moldes já contam hoje com a preciosa ajuda de um sistema de software que agiliza o processo, noutros tempos feito de forma inteiramente manual. Na sala de design e planeamento são definidos os modelos, tendo em conta as tendências da moda, que a IRSIL procura acompanhar, designadamente com a participação em feiras e certames internacionais. Uma informação que, depois, é tratada na empresa, ajustada pelos designers e modelistas e que dá origem às novas criações.
Os tecidos, provenientes do armazém onde se guardam as matérias-primas, são devidamente estendidos por máquinas próprias e de seguida entram em acção as máquinas de corte. «Há uma ligeira insuflação, o plástico faz um vácuo e o corte é feito com uma lâmina, obedecendo às in-
dicações da modelagem», explica.
A máquina faz a leitura do modelo, seleccionado pelo operador, chama o tecido e em escassos quatro minutos estão cortadas todas as peças necessárias para confeccionar uma camisa. O corte tanto pode ser individual como agrupado. Na linha, pronta para entrar, está uma nova peça para fazer o corte de 63 pares de calças. O molde está desenhado sobre o papel. «É para conferir, certificar o corte», explica o empresário. «Vão ser precisos 25 minutos para cortar todas as calças», pois são «quatro tamanhos», esclarece o operador.
São duas as máquinas de corte. Uma terceira faz um corte “individual”. «É usada para fazer, por exemplo, camisas ou calças por medida», uma resposta que a IRSIL também está habituada a dar aos clientes.
Depois de passar pelas máquinas de estender tecido e pelas de corte, as peças estão prontas para entrar na linha de produção. É o mundo das máquinas de costura, de passar a ferro, de fazer vivos, colocar chumaços, aplicar a entretela ao tecido, pregar botões ou fechos.
Cada operadora – porque se trata de um universo particularmente feminino, com os homens mais alocados aos armazéns de matérias-primas e de produto final e à gestão das máquinas de corte – tem a sua função específica. «É uma cadeia de produção», em que o passo seguinte depende do passo anterior.
Uma das salas é inteiramente dedicada
à produção de camisas. São 120 a 130 por dia. A sala seguinte está dividida. De um lado estão as calças, com uma média de produção diária de 250 a 300 e, do outro, os casacos, estes com uma média de 600 por dia. «Tem um layout diferente, mais complexo», assume o empresário. Garantidamente é isso que acontece, com praticamente cada uma das bancas equipada com uma estrutura para passar a ferro, de forma a dar resposta às muitas “voltas” de que um casaco carece. Uma funcionária acaba de colocar os “vivos” nos bolsos. Concluída a operação, passa à fase seguinte e assim sucessivamente.
Um conjunto de passos que também é cumprido pelas calças, algumas das quais ganharam nova cor na tinturaria, trabalho que a empresa adjudica a terceiros. Camisas, casacos e coletes (que fazem parte dos fatos), terminam na secção de acabamentos, onde as poderosos máquinas de passar voltam a imprimir o seu cunho aos casacos. Terminada a produção, cada peça é submetida ao rastreio do controlo de qualidade, no sentido de averiguar se tudo está em conformidade. Segue-se o necessário embalamento e o caminho para o armazém. A produção semanal é basicamente expedida à sexta-feira.
Os fatos, as calças, os casacos e as camisas produzidas pela IRSIL também se encontram à venda numa loja da fábrica, localizadas no centro de Oliveira do Hospital, na Rua do Colégio.
Produção em cadeia exige mão-de-obra intensa e especializada1968 Criada em 1968, empresa afirmou-se no mercado e cresceu, posicionando-se actualmente como uma referência na Península Ibérica. Sob a tutela do Grupo Sonae Indústria instalou-se uma nova fábrica, que garante o revestimento das placas. A antiga AGLOMA é hoje Sonae Arauco.
Aenorme placa está praticamente pronta. A pedido do director da fábrica, o operador desbloqueia o sistema de segurança e a porta abre-se. Uma operação que nos permite ver de perto e, inclusivamente, tocar, a placa de melamina. É branca e está bastante quente. Segue o seu circuito, rumo ao arrefecedor. Aqui sim, fica completo o processo produtivo. O armazém é o próximo destino. Um passo intermédio que leva este material, versátil, resistente e com múltiplas aplicações, para o mercado. Pode ser um cliente industrial, uma cadeia de mobiliário, decoração e conforto ou um cliente ligado ao negócio da construção. O retalho é o outro dos destinos dos painéis melamínicos, um material com uma utilização crescente em aplicações de interior, fácil de limpar, sem requisitos especiais em termos de manutenção, resistente a manchas e a riscos e que pode incorporar outras qualidades, como uma resistência melhorada ao fogo, à humidade e até antibacterianas.
Estamos na unidade fabril da Sonae Arauco, em S. Paio de Gramaços, uma das maiores unidades de produção de aglomerados de madeira da Península Ibérica. Uma empresa criada em 1968, então comoAGLOMA, S.A, que cresceu e consolidou a sua posição no mercado. Em 1984, depois da aquisição pelo Grupo Sonae Indústria, assiste a um reforço do plano de investimentos e da aposta produtiva. Os 70 m3 de produção diária inicial contrastam com os 1.200 m3 dos dias de hoje e à produção de aglomerado juntou-se, em 1987, um novo negócio, vocacionado para o revestimento e produção de acabamentos, que deu origem a uma
segunda unidade fabril, com capacidade para produzir 178.600 Km3/ano. Em 2001 foi instalada uma nova linha de melamina e em 2014 assiste-se a uma verdadeira revolução, com a instalação de uma nova linha, com uma tecnologia específica (Embossed in Register), que incute relevo nos visuais de madeira. Um produto inovador, «na altura sem precedentes na Península Ibérica», esclarece a empresa. Actualmente a capacidade de produção da unidade de revestimento é de 800 m3/dia.
O complexo fabril, com 25 hectares, acolhe este mundo de máquinas e colaboradores, onde a tecnologia de ponta se impõe. Devidamente programadas, as máquinas trabalham as bobinas de papel, impregnando-o com um conjunto de produtos químicos, designadamente resinas. Depois deste “banho” de impregnação, o papel seca, nas estufas, e fica pronto a aplicar. Prontas estão, igualmente, as placas de aglomerado de madeira.
Dois operadores controlam uma gigantesca ala, onde se assiste ao revestimento. A placa entra na linha de produção e “encontra-se” com o papel. Primeiro a “folha” correspondente à parte inferior. Depois a “folha de cima”«como se de uma sandwiche se tratasse», esclarece PedroAntunes, director de fábrica. Com as duas faces revestidas, a placa segue para a prensa e, «sob pressão,
temperatura e o exacto tempo», fica pronta. O sistema garante um controlo de qualidade apertado, onde cada placa de melamina é analisada individualmente. Aprovada no “teste”, segue rumo ao arrefecedor e está pronta a dar início a um novo ciclo de vida, já “fora de portas” da empresa de Oliveira do Hospital.
Para trás fica um longo caminho, que começa precisamente no parque de madeiras. Depois da floresta, onde crescem as árvores, é ali que a madeira ganha novas formas. Mas mais do que os rolos de pinheiro, eucalipto ou outras espécies é o aproveitamento, a reciclagem de madeira já usada que ganha uma nova vida e que se vem juntar ao serrim, um subproduto proveniente das serrações. «Cada vez usamos mais matéria-prima reciclada», afirma Pedro Antunes, que aponta uma percentagem de 60 a 65% de utilização de madeira reciclada na produção da unidade fabril de S. Paio de Gramaços.
AGLOMERADOS DE MADEIRA E MELAMINAS DE S. PAIO DE GRAMAÇOS PARA O MUNDO
À produção de aglomerados juntou-se, a partir de 1987, um novo negócio, apostado nos revestimentos, que deu origem a uma nova fábrica
48 Aglomerados 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
Usar matéria-prima reciclada
agora o equipamento principal da unidade de Oliveira do Hospital: «uma prensa contínua que data do ano 2000, um verdadeiro tapete de madeira rolante que, através da prensagem progressiva e consequente descompressão, e ao longo dos seus 32m, é capaz de produzir 1200m3 diários».
Um processo complexo, que reúne «diversas variáveis físicas como pressão, velocidade, temperatura, humidade», de modo a dar uma resistência diferente aos vários tipos de aglomerado de madeira. «Produzimos aglomerados para várias aplicações, com propriedades físico-mecânicas bem distintas. Entre outros, produzimos produtos para a construção civil, de propriedades mais exigentes a nível de resistência ou outro de baixa densidade para portas, mobiliários ou ainda outros com propriedades de resistência ao fogo e à humidade», esclarece o director.
Trata-se de uma matéria-prima essencial, que constitui um dos pilares deste modelo e negócio, que ganha uma consistência muito particular quando se fala em economia circular e na preservação dos recursos naturais. «Há muita madeira que vai para aterro», afirma o director de fábrica, que destaca que a reciclagem de madeira ainda não é, em Portugal, contrariamente ao que acontece em vários países europeus, uma prática corrente. «Temos que ir buscar esta matéria-prima à Bélgica, França e países do centro da Europa», esclarece.
A utilização de madeira reciclada teve o seu início na década de 90 (1994-1998), altura em que a Sonae Indústria fez um conjunto de investimentos, no sentido de permitir «a entrada de uma percentagem significativa de produtos reciclados no processo de fabricação», esclarece a empresa. A tendência é aumentar essa percentagem.
Por isso mesmo a Torre de Limpeza do Reciclado assume um papel fundamental no processo. «Trata-se de uma unidade que separa pedras, sílicas, plástico, material ferroso, não ferroso, vidro e entrega a madeira “limpa” à fábrica», diz Pedro Antunes.
O processo produtivo começa no parque de madeiras e torre de limpeza de reciclados, as duas matérias-primas principais desta unidade. No entanto, se de um lado a madeira de pinho ou eucalipto é destroçada para a forma de estilha, no outro lado - do reciclado - a unidade só procede à sua limpeza para remoção de contaminantes que
poderão afectar a qualidade do material ou aumentar o risco do processo industrial a jusante. Após a limpeza e destroçagem do material, a estilha é armazenada, separadamente para, posteriormente, ser doseada progressivamente no processo de corte e calibração, separação e secagem. Neste momento do fluxo é também introduzida outra matéria-prima, um subproduto de outras unidades do grupo, o serrim, «imprescindível para uma boa qualidade da camada externa da placa». Nos processos de corte, calibração e separação ou secagem, a madeira deixa de ser estilha para passar à designação de partícula, com dimensões, forma e características físicas bem determinadas e exactas, segredo último da boa qualidade final do produto.
«Quanto melhor for a qualidade da partícula produzida, melhor e mais económica fica a placa», afirma o director de fábrica que, com orgulho, garante que em S. Paio de Gramaços é possível «fazer uma boa placa através de, e principalmente, uma partícula exemplar». A partícula é, assume, «o segredo» desta actividade».
A encolagem é o passo que se segue, onde se promove a mistura da partícula com os diversos químicos e resina, produtos essenciais à boa característica final da placa de aglomerado. De seguida esta mistura é distribuída na linha de formação, responsável pela formação de um tapete contínuo de madeira, designado por “manta”. Já no interior da nave de aglomerado, encontramos
De realçar um produto desenvolvido recentemente que «não incorpora na sua formulação formaldeído, em linha com as preocupações de desenvolvimento sustentável e com a visão da empresa de oferecer produtos que melhorem qualidade de vida das pessoas». O principal destino deste produto são os mercados do Norte da Europa e Médio Oriente.
O corte é o processo que se segue, tendo em conta as medidas solicitadas pelo cliente. Uma prerrogativa que também se aplica à espessura. Significa que, entre cumprimento, largura, espessura e propriedades técnicas, «temos capacidade para produzir uma ampla variedade de referências», adianta. Depois de cortadas, as placas são encaminhadas para os arrefecedores, onde se assiste ao processo de estabilização. Segue-se a lixagem, o embalamento e o armazenamento. Uma boa parte, cerca de 60% do volume de aglomerado de madeira que diariamente é produzido pela fábrica é encaminhado para a unidade de revestimento, que tanto trabalha com placas de aglomerado de madeira, como de MDF, um material mais denso, produzido na fábrica de Mangualde, igualmente pertencente ao grupo. Os restantes 40% têm destino final em clientes industriais e retalho, tanto nacional como internacional. Espanha, Reino Unido e Marrocos são os grandes mercados internacionais dos aglomerados e da melaminas produzidas em S. Paio de Gramaços, que também têm ganho terreno em países como a Alemanha, Israel ou República Dominicana.
Placa de melamina no final do processo produtivo. Depois do arrefecimento está prontaDiário
Desafios para o futuro
Funcionários, colaboradores directos, empresas, entidades. Dezenas de nomes crescem no enorme painel, colocado na entrada da empresa. Um agradecimento e uma homenagem a todos quantos, em Outubro de 2017, ajudaram a salvar a Sonae Arauco das chamas. A empresa esteve rodeada de fogo, com uma dezena de funcionários a resistirem e a tentarem salvar o parque de madeiras. Depois, o fogo entrou pelo telhado, atingindo a prensa contínua. A empresa foi fortemente afectada pelos incêndios de 15 e 16 de Outubro. Alguns trabalhadores ficaram sem casa, mas continuaram, firmes, a defender a “sua fábrica”.
Às dezenas de nomes, junta-se este agradecimento público da empresa, que, ainda com o fogo dentro de portas começou a trabalhar na reconstrução da fábrica. A prioridade foi a recuperação das linhas de melaminas, que voltaram à actividade em Dezembro. A empresa garantiu os salários de todos os trabalhadores e todos deram o seu contributo para a reconstrução. O Grupo Sonae Arauco acabou por transformar esta recuperação numa renovação, investindo milhares de euros na instalação de uma nova linha de reciclados e na recuperação da área externa da unidade de aglomerados. Este foi o último grande investimento efectuado na unidade de Oliveira do Hospital, uma empresa fundada em 1968, que desde 1984 integra o Grupo Sonae e que em 2016, em resultado da joint-venture entre a Sonae Indústria e a Arauco passou a denominar-se Sonae Arauco. Em causa está um dos principais produtores de painéis derivados de madeira do mundo, que tem o seu nome associado a 20 unidades industriais e comerciais, envolve cerca de 2.600 colaboradores e exporta a sua produção para um universo de 80 países.
Satisfeito com a consistência dos resultados do último ano, o director de fábrica fala em novos desafios, que passam por crescer, modernizar e «agilizar vários processos industriais», tendo em conta alguns «estrangulamentos», designadamente ao nível da capacidade de armazenamento, manuseamento, transporte, secagem e processamento
anos com Oliveira do Hospital
Boa relação com a comunidade
«Há uma relação muito franca e positiva com a vizinhança» bem como com as entidades locais, nomeadamente Junta de Freguesia e Câmara Municipal», afirma Pedro Antunes, que aponta as «reuniões periódicas» com a Associação de Vizinhos de S. Paio de Gramaços, que procuram resolver situações «impactantes» e pertinentes, em termos de ruído, odores, fluxo de transportes, partículas e outros constrangimentos ambientais. «Todas as questões são tratadas de forma muito transparente. Têm o meu telefone e ligam se necessário ao sábado ou domingo…», diz.
de mais matéria prima reciclada.
«Temos que nos preparar para incorporar 80 a 90% de matéria-prima reciclada. O nosso objectivo é crescer de forma sustentada e ambientalmente eficiente», afirma. Nesse sentido, para os próximos anos perspectiva-se «uma carteira de investimento importante».
Outra «preocupação», está centrada na «atracção de talentos». «Captar e reter talentos é um exercício cada vez mais importante dentro do nosso processo de produção e revestimento de placas de madeira», considera o director.
Pedro Antunes entende que a reforma de pessoas que toda a vida trabalharam na fábrica representa um risco de «perda de saber», difícil de contornar e particularmente relevante «quando se trata de pessoas ligadas à manutenção ou condução do processo industrial», algumas das áreas mais exigentes do complexo fabril. «O desenvolvimento local, pelas instituições de formação e académicas, de técnicos e mão-de-obra especializada, é fundamental para evolução sustentada da indústria na região», afirma.
A empresa tem actualmente cerca de 230 colaboradores e ostenta os certificados de gestão florestal, ambiental, da qualidade, de energia e de saúde e segurança no trabalho. Funciona em regime de laboração contínua, 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana. Anualmente a unidade interrompe produção durante 15 dias onde procede à sua grande intervenção, em termos de manutenção.
«Evoluímos muito neste aspecto. Não quer dizer que não haja problemas e que o nosso trabalho esteja todo feito, mas temos uma relação positiva e construtiva com os vizinhos, que tem resultado na diminuição do impacto no meio local…», diz.
Chaminé que dá nas vistas
A caldeira tem um papel essencial na laboração das duas unidades fabris. Ela é o coração da unidade… aquece os gases que secam a madeira e dá temperatura ao termofluido para a transferência de calor nas prensas.
«Funciona 100% a biomassa», explica Pedro Antunes. Todavia, apesar de para ali serem canalizados todos os resíduos, desperdícios e subprodutos, «não somos auto-suficientes».
Significa que parte do fornecimento do combustível (biomassa) é assegurado por uma empresa do Grupo. Múltiplas condutas distribuem os gases quentes da caldeira, designadamente para os secadores e, posteriormente, para a chaminé, um dos ícones da empresa, visível a muitos quilómetros de distância.
A chaminé e o seu «sistema de lavagem de gases consome cerca de 2 litros de água por segundo!», adianta. Gás que tem origem na caldeira, «alimentada 100% a biomassa». «Não existem combustíveis fósseis queimados em Oliveira do Hospital», garante. Pedro Antunes destaca a existência de um «enorme lavador de gases e um pioneiro, único à altura (2000) filtro electroestático - pouco comum ainda hoje na indústria - que revela bem a importância que o grupo sempre deu às questões ambientais».
anos com Oliveira do Hospital
lisa. 0,5mm é a espessura mais fina, mas pode ser substancialmente mais grossa. Os lavatórios exigem uma espessura maior, de 1,2 mm. Mais grossas são as chapas para os alambiques e superiores, ainda, para as banheiras. Um novo mundo de artigos de cobre que a empresa da Catraia de S. Paio exporta para França com sucesso.
A ARTE DE BEM TRABALHAR O COBRE
1973 Tradição de família ganha contornos de negócio com a constituição, em 1973, da empresa Carlos Faria da Cunha & Filhos, Lda. Hoje é a única que mantém viva a tradição de produzir equipamentos em cobre e latão
Sentado num banco, o funcionário martela sincopadamente uma peça na “planca”, uma estrutura de aço, com suporte de madeira. Tem protectores nos ouvidos e praticamente nem dá por nós. Continua, impassível, o seu trabalho. «Está a martelar para dar textura à peça», explica António Cunha. «É isto que nos torna únicos!», faz notar. «Seria mais fácil fazer algum investimento em maquinaria, mas é isto que o cliente quer, é isto que nos diferencia», adianta o gerente da Casa Luzarte – Carlos Faria da Cunha & Filhos, Lda., ciente que esta arte de bem trabalhar o cobre, de forma artesanal, que exige muito trabalho manual constitui «um nicho de mercado».
Igualmente manual, mas particularmente exigente em termos de esforço físico, é a preparação da tubagem de um alambique de tamanho razoável, com cerca de 100
litros. Os tubos estão cheios de chumbo e o funcionário procede à respectiva limpeza, usando uma mistura com ácido sulfúrico. Os tubos brilham, mostrando a reluzente cor do cobre. Mas a operação seguinte já requer a força de quatro braços. Trata-se de dobrar o metal, para fazer a curvatura. Uns calços de madeira garantem que está seguro na argola metálica que pende no corpo cilíndrico. Depois… é só rodar, com a força de dois homens a conseguir obter o ângulo perfeito. Um processo delicado, moroso, exigente. O chumbo, que avoluma o peso e dificuldade da operação é absolutamente necessário, esclarece António Cunha, caso contrário o tubo de cobre não aguenta a pressão. No final, o chumbo é derretido e retirado, deixando o tubo livre para as funções de destilação a que se destina.
Noutra estrutura, outro funcionário alisa a soldadura de uma bacia. O martelo é, também ali, o instrumento fundamental. Um trabalho preciso, com uma pontaria certeira e um resultado de tal forma perfeito que só um olhar clínico, profissional, consegue detectar a “emenda”.
É assim que começa o tratamento da peça, embora nem todas sejam soldadas. Depende do formato. Muitas são prensadas ou repuxadas. Antes disso está uma chapa
Para um tacho, por exemplo, com um compasso marca-se um círculo na chapa, corta-se com uma tesoura eléctrica, junta-se o molde e vai ao torno. A “rodela” vai sendo “moldada”, “repuxada”. Um trabalho «feito por fases», diz António Cunha. O cobre, explica, apesar de ser um metal maleável, «enrijece», o que significa que precisa de calor. «Tem de ser levado ao rubro para ser trabalhado». O maçarico dá uma ajuda. Processo semelhante acontece com os formatos ovais, sujeitos a um processo de estampagem, na prensa. Terminada a operação, é preciso lixar. A martelagem é o processo final dentro da oficina. Segue-se, na zona de acabamento, a limpeza final e, quando se justifica, “dar verniz” à peça.
França, Alemanha e mercado nacional
Sobre uma bancada estão bacias, lavatórios, lava-louças de vários modelos e tamanhos. Uma encomenda que começa a ser preparada com destino a França. A encomenda da semana já está devidamente embalada, à espera da transportadora. Também está já preparada a enorme caixa de madeira que vai acondicionar a imensa banheira, toda em cobre, que está à espera dos últimos retoques.
«Neste momento, isto representa 80% da nossa produção», explica António Cunha. Um nicho de mercado que surgiu há cerca de 10 anos e que constituiu um balão de oxigénio para a empresa numa altura em que as coisas não estavam fáceis, pois a produção tradicional de peças decorativas, ressentiu-se de algum esgotamento. «Muitas destas peças caíram em desuso», explica. Em boa hora surgiu, pois, o contacto da empresa francesa, para a qual a Carlos Faria da Cunha & Filhos, Lda. começou a fazer artigos sanitários e de cozinha, desde lava-louças, a banheiras, passando por lavatórios e bacias. «Fazemos em cobre e em latão», adianta.Artigos com os «mais diversos modelos e de diferentes tamanhos». Alguns com medidas muito precisas, que exigem uma atenção redobrada destes artesãos do
50cobre. Semanalmente, à sexta-feira, da Catraia de S. Paio com destino a terras gaulesas partem 40, 50, 60 destes equipamentos.
Já para a Alemanha são os alambiques, não os de grande dimensão, usados nas destilarias tradicionais. Pequenos, maneirinhos, são utilizados, explica António Cunha, para destilar álcool, mas sobretudo para «destilar perfumes, essências». Curiosa, igualmente por parte do mercado alemão, é a apetência por cataplanas. «Fazemos seis tamanhos», refere. Cataplanas que, garantidamente, não têm qualquer semelhança com um exemplar gigante que se encontra exposto, testemunho de uma grande encomenda, feita há anos, pelo Grupo Pestana para a sua cadeia de hotéis. Menos ainda com a cataplana de três metros de diâmetro que a empresa fez, há três anos, para uma iniciativa em Albufeira. «Resultou! Foram confeccionadas toneladas de comida», diz, satisfeito.
As cataplanas são, de resto, uma das peças mais solicitadas pelo mercado nacional. Independentemente do sabor dos alimentos que ali possam ser confeccionados, vale a pena olhar para o trabalho artístico que esta peça apresenta. A martelada é feita de forma certeira, cumprindo uma espiral perfeita. O que significa que quando de trata de peças de maior dimensão são necessários dois operadores para concretizar a tarefa. Igualmente solicitadas pelo mercado nacional são as frigideiras e os chamados “tachos de pastelaria”
As jarras, os tachos, candeeiros, vasos, chapeleiras, floreiras, chapeleiros, pratos e caldeiras continuam a ser produzidos. Além dos alambiques para aAlemanha, há uma grande solicitação vinda do Algarve. «Para destilar aguardente de medronho», refere, dando conta que cada região tem as suas especificidades no que a alambiques diz respeito, razão pela qual são muitos os modelos que ali são fabricados.
A Casa Luzarte também dá resposta a encomendas específicas e algumas bem curiosas. «Há uns anos, numa parceria com uma empresa de Seia, fizemos todos os elementos decorativos para a Assembleia Nacional de Angola», refere António Cunha. Uma diligência que levou, durante quase um mês, três funcionários da empresa para Luanda, onde procederam à instalação do equipamento.
«Não temos muito tempo para criar coisas novas», confessa António Cunha. «Temos a produção feita!», adianta. Ou melhor a empresa tem a produção orientada para dar resposta às encomendas que, felizmente, sublinha, «não têm faltado» Preocupante, isso sim é a “cavalgada” do preço da matéria-prima.
Herança familiar atravessou gerações
Joaquim Faria da Cunha, natural de Parada de Gonta, Tondela, foi, já lá vão muitas décadas, o percursor da arte de trabalhar o cobre que deu à Catraia de S. Paio o título de “Capital do Cobre”. «Nessa época não havia registos, por isso perdemos a memória», diz o bisneto, António José Cunha, que continua esta tradição de família e hoje lidera a empresa. Uma arte que, diz-se, poderá ter começado com o povo romano ou com os árabes. António Cunha admite um terceiro caminho, que aponta a possibilidade de o bisavó ter apreendido a arte com «uns italianos que andavam por cá». «Cobre, em italiano, diz-se rame», explica, apontando tachos tradicionais que eram denominados “talhos de arame”, embora feitos em cobre. Rreminiscências da designação italiana?
A dúvida permanece.
Certo é que o patriarca da família Faria da Cunha se estabeleceu ali e ensinou a arte ao filho, Carlos Faria da Cunha, que foi o responsável por esta tradição de bem trabalhar o cobre ganhar foros de cidadania. «Estabeleceu--se aqui», recorda o neto, lembrando a genialidade do artista (falecido há duas décadas, vítima de atropelamento) que a família preserva, com uma sala-museu onde reúne um número significativo de obras feitas pelo mestre. Obras que vão desde uma charrete e respectivo cavalo, que representa «milhares de horas de tra-
balho», um pastor em tamanho realque habitualmente recebe os visitantes da Feira do Queijo - com as suas ovelhas, uma mesa e cadeiras, uma viola, uma guitarra, uma enorme ânfora e uma imensidão de objectos decorativos, a que se juntam algumas das ferramentas que usou. «Era um grande artista» e «gostava mesmo do que fazia», lembra.
Das viagens que fazia, Carlos Faria trazia sempre ideias, esboços num bloco, que depois executava. Exemplo disso são os tradicionais socos holandeses, colocados junto a umas chuteiras, igualmente obra sua. A memória de Carlos Faria da Cunha continua, de resto, bem viva logo à entrada da empresa, com um busto que o recorda e homenageia.
O filho mais velho de Carlos Faria, José (falecido em Janeiro, com 86 anos) e o irmão mais novo, Jorge, (falecido há 3 anos, com 72 anos) deram continuidade ao negócio, que António Cunha passou a gerir, agora sozinho. Um processo que passou pela constituição da empresa Carlos Faria da Cunha & Filhos, Lda – Casa Luzarte, em 1973, que sempre se dedicou à produção de peças decorativas e utilitárias em cobre e em latão e teve momentos áureos e menos bons. Actualmente são 13 funcionários, mas já foram 50. É a última fábrica de produção de artigos de cobre em funcionamento no concelho.
DEPOIS DO COBRE… VEIO O FERRO E O AÇO
diz. O resultado foi a declaração de insolvência, em 2012. Um virar de página. Com um único funcionário e um colaborador que pontualmente dá uma ajuda, José Luís Cunha mudou o rumo da produção.
«O cobre e o latão não se enquadram num estilo mais moderno de decoração», defende. Por isso começou a trabalhar o ferro e o aço inoxidável, fazendo peças idênticas às que anteriormente fabricava. As “cestas” para lenha, algumas com pegas em madeira, são a sua “jóia da coroa”. Em ferro ou em inox. Lacadas ou com a cor reluzente do inox. Com linhas direitas ou amolgadas. Estas últimas um produto absolutamente exclusivo, com um toque especial de requinte e distinção. «Só eu é que fabrico isto», afirma, com orgulho, destacando a «inovação» deste design que concebeu. «Tem um efeito bonito e moderno e as pessoas gostam», adianta.
2012 Metalúrgica da Beira encerra em 2012. José Luís Cunha procura novos rumos para a tradição familiar de trabalhar o cobre
José Luís Cunha tem o cobre no ADN. Uma tradição da família Faria da Cunha. «O meu pai e o meu avô eram caldeireiros», diz. O pai, Fernando Faria da Cunha fundou, igualmente na Catraia de São Paio, em 1956, a empresa Metalúrgica da Beira. Todavia, os ventos não correram de feição e a empresa acabou por fechar, em 2012, por insolvência. O empresário não “atirou a toalha ao chão”. Procurou, antes, novas possibilidades para desenvolver o seu saber-fazer. Reconverteu a arte, mas manteve-se no mundo dos metais, substituindo os clássicos cobre e latão pelo
ferro e pelo resistente aço inoxidável.
O empresário, hoje em nome individual, recorda os tempos áureos da Metalúrgica da Beira. «Chegámos a ter 25 empregados», diz. Além da fábrica e da loja, junto à Estrada da Beira, «tinha uma filial em Viseu e outra no Porto». Artesãos do cobre e do latão, que manufacturavam desde os utilitários alambiques, caldeiras e máquinas de sulfatar, a tachos e as mais diversas peças decorativas.
Fernando Faria da Cunha decide, a determinada altura, afastar-se do negócio e entregar a empresa aos três filhos, Pedro, Gabriela e José Luís Cunha, com este último a ficar, a partir de 2003 como único gerente.
«A falta de mercado», conjugada com o «grande número de funcionários» e os «custos elevados» começaram a trazer dificuldades. «Não conseguimos manter-nos»,
O que resta da antiga fábrica – atingida pelo incêndio de Outubro de 2017 - é hoje a sua oficina e o seu atelier. Ali produz os curiosos e elegantes cestos de lenha, utensílios de apoio à lareira, candeeiros, bengaleiros, chapeleiros, mas também artigos mais pequenos, como porta-cartas ou castiçais. Aqui e ali ainda há restos da antiga colecção, artigos em cobre e latão que ficaram, heranças do passado.
Os níveis de produção, tendo em conta que se trata de um trabalho essencialmente manual, feito peça por peça, e com poucos recursos humanos, não são “por aí além”, mas dão resposta ao circuito de vendas, que passa muito pelos contactos de antigos clientes da Metalúrgica da Beira e por novos que vão surgindo. «Tenho um comissionista», refere, e a empresa tem um site, onde promove os seus produtos. «Vendo para lojas de todo país e para Espanha», adianta o empresário, actualmente com 62 anos, que entendeu dar mais vida à sua reforma.
com
COMPOTAS QUE CONQUISTAM O MUNDO
2001 Dois irmãos lançaram-se num projecto de criação de cabazes de Natal, em 2001. O sucesso manteve o negócio, mas conferiu-lhe outro destino
Estamos a fazer marmelada. Demora mais tempo, pois o processo de pasteurização é mais moroso». António Lopes explica-nos como se produzem os doces e compotas Quinta dos Jugais. «É 100% fruta. Pouca polpa usamos», adianta.Afruta chega às instalações da empresa, na Zona Industrial de Oliveira do Hospital. «Vem congelada, a menos 18.º», proveniente de «fornecedores nacionais» ou do «estrangeiro», quando não há em Portugal». Da Polónia vem alguma abóbora. Já o figo é todo nacional, oriundo de Trásos-Montes e Alto Douro, esclarece.
A tecnologia domina e o peso do inox salta à vista. A fruta é triturada e vai para a “marmita”, uma gigantesca “panela”. São três. Ali é adicionado o açúcar ou concentrado de fruta, no caso da linha “Natura” e a compota coze. «O princípio é sempre o mesmo», esclarece o jovem, licenciado em Biotecnologia pela Escola Superior Agrária de Coimbra. «Adicionamos uma "petina", uma espécie de conservante e sumo de limão para baixar o PH. É um produto isento de aditivos», sublinha, explicando que em vez do ácido cítrico é usado sumo de limão. Depois de atingido o nível ideal de cozedura, a compota passa por detectores de metais. «É uma questão de segurança alimentar», adianta a outra engenheira, Alzira Coimbra, responsável pela qualidade. Segue-se o enchimento. Em frascos, no caso dos doces. Em caixas quando se trata de marmelada. O sistema é todo automático. Frascos e caixas seguem o seu percurso, rumo à doseadora. Cumprido o enchimento, os fracos são fechados em vácuo e seguem para pasteurização e vão directos para o sector seguinte, para a rotulagem.
A marmelada é mais exigente. O percurso é idêntico, mas na fase final as caixas são colocadas num tabuleiro e entram num “abatedor”, um sistema de arrefecimento, que “abate” dos 90.º a que a marmelada se encontra, em estado líquido, para atingir os 20.º e ganhar a consistência sólida que a
caracteriza. Segue-se um momento de “retoque”, onde cada caixa é manuseada individualmente, para colocação da tradicional “rodela” de papel vegetal, antes de ser tampada. «Não há máquinas para fazer isto», esclarece António Lopes.
Duas horas e 45 minutos é quanto demora o processo completo de produção de compotas. «A marmelada é mais lenta, demora mais tempo», reitera. Cada “marmita”permite a produção de 280 kg de doce. A capacidade de produção instalada, esclarece António Lopes, é de 19 mil frascos/dia (8 horas de trabalho), o que corresponde a 5.320 kg de doce. Relativamente à marmelada, a capacidade produtiva aponta para 3.160 caixas, o que equivale a 1.500 kg por dia.
Frascos de compotas e caixas de marmelada seguem, depois, para a secção de rotulagem. O “reino”comandado por Marta Domingos. As máquinas também dominam, mas aqui há mais intervenção humana. Sobretudo atenção. «É preciso garantir que o rótulo e o contrarrótulo estão alinhados com a tampa», afirma a jovem engenheira.
Os frascos chegam em paletes e, face às encomendas, inicia-se o processo de rotulagem. Marta Domingos explica que há vários rótulos, tendo em conta o produto e o destino.
São três linhas de produção, que raramente funcionam em simultâneo, sobretudo porque cada “sistema” está afinado para as exigências específicas dos tamanhos dos diferentes produtos, designadamente da li-
nha clássica, Nature e “Perfeito para Queijos”. O processo começa com uma primeira máquina. São atadores, que colocam a tampa, de papel, em cada frasco e atam um fio em seu redor. A primeira atadora chegou em 2019. «Antes, todo o processo era feito à mão», explica Marta, garantindo que não era fácil. Nos finais de 2020 a empresa fez mais um investimento nesta secção e actualmente são três as linhas existentes. A atadora tem capacidade para dar resposta a 1.200 frascos por hora.
Depois da atadora, que “manobra” um fio elástico com grande desenvoltura, segue-se a rotuladora. Aqui sim, está sempre alguém atento, complementando com um olhar clínico a capacidade tecnológica. Marta afina a máquina, para que tudo fique em harmonia. «O rótulo, o contrarótulo e a tampa têm de “bater certo”, ficar perfeitamente enquadrados», sublinha. No final da linha, há mais uma “fiscalização” para aferir se tudo está em conformidade.
«Está a ser rotulado doce de morango, em inglês dos Estados Unidos», adianta Alzira Coimbra. Uma encomenda significativa prestes a ser expedida. «O rótulo é maior», faz notar. No cais de expedição estão prontos vários “pack”. O normal são caixas de seis, que podem ser doces da mesma variedade ou de diferentes sabores. O cliente dita o formato e a forma como as paletes são organizadas. Na prateleiras do armazém perfilam-se os diferentes tipos de doces da marca Quinta de Jugais.
54 Compotas 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
Aposta na qualidade inspirada na tradição
Os pais tinham (e têm) um negócio, a Salsicharia Beira Serra, mas os dois irmãos, António e Pedro Martins, um com 19 e o outro com 21 anos, resolveram inovar e lançar-se num projecto pessoal: produção e venda de cabazes de Natal. Vivia-se o ano de 2001 e o sucesso dos cabazes, essencialmente constituídos por produtos regionais revelou-se um êxito. «Hoje vendemos mais de 200 mil cabazes por ano, essencialmente para o mercado de Natal», esclarece Mariana Campos, responsável pelo marketing.
Todos os anos a Quinta de Jugais prepara um catálogo de cabazes, com uma oferta diversificada, destinada a diferentes públicos, mas o cliente pode fazer uma escolha mais personalizada, seleccionando os produtos e o cesto, o baú, a caixa para o cabaz ideal.
Subjacente ao negócio está um conjunto de parcerias com fornecedores e empresas locais, regionais e nacionais, que garantem uma montra variada de produtos de grande qualidade. «Os cabazes continuam a ser uma área importante para nós, mas não é a que tem mais peso na facturação», adianta. Um enorme armazém, na Lajeosa, é o local onde se preparam os cabazes e respectiva expedição. No centro de Oliveira está a Boutique Jugais «Era um talho da família, que foi reformulado e hoje é uma montra dos nossos produtos, mas também de outros, que adquirimos para os nossos cabazes», conclui.
Em 2009, os dois irmãos, naturais de Oliveira do Hospital, resolveram abrir um novo caminho e «criar a sua própria produção de doces». «A aposta na qualidade e num produto o mais natural possível» constituem o ADN da marca, o que «nos torna diferentes». «Não usamos aditivos, nem corantes nem conservantes», garante, sublinhando a «inspiração nos doces tradicionais» e na forma como «os nossos avós preparavam as compotas», tendo por base a fruta e o açúcar, que enforma toda a gama mais tradicional da produção. «Na gama tradicional, o “best seller” é o doce de abóbora com noz ou com amêndoa», diz, destacando a aposta numa renovação de sabores, designadamente morango com hortelã, pêra rocha com Vinho do Porto, ou o mais recente, lançado no ano passado, ananás com coco, que «tem tido um bom feedback». No total, a gama tradicional tem 18 referências
Mariana Campos destaca a linha “Perfeito para Queijo”, que oferece a versão abóbora com castanha, considerada ideal para Queijo Serra da Estrela; figo, laranja e anis, “perfeito” para queijos da Beira Baixa; de frutos do bosque e baunilha, indicado para queijos de cabra e perfeito de maçã, passas e canela, ideal para acompanhar queijo da Ilha.
Mais recente, «focada num estilo de vida mais saudável» é a gama “Nature”, isenta de açúcar, que foi sofrendo algumas alte-
rações, em termos de formato, imagem e sabores, a última das quais data de 2019. «São produtos inteiramente naturais, onde o açúcar é substituído por concentrado de sumo de fruta (frutose), petina e, nalguns casos especiarias», explica. Entre os vários sabores, destaque para abóbora com noz, doce de figo, de mirtilo, de pêssego, morango e frutos silvestres ou de ananás com hortelã e ananás com gengibre.
Em 2020, foi lançada a gama “bio”, que juntou à gama “Nature” ingredientes de origem biológica. Existem as variedades de mirtilo, morango, figo, pêssego e também marmelada e marmelada com noz. Em 2017, a empresa lançou uma marmelada de maçã reineta, mas «não é uma gama permanente» em termos de produção.
Exportação para 30 países
Os doces Quinta de Jugais estão presentes nas prateleiras da maioria dos supermercados de todo o país. A exportação arrancou em 2011, para Angola. De resto, foi mesmo criada a Quinta de Jugais naquele país, que começou com a produção e distribuição de cabazes, à semelhança do que aconteceu em Portugal, e «evoluiu para uma linha de produção de enchidos», adianta Mariana Campos. A fábrica ficou concluída em Setembro do ano passado e pretende, numa primeira fase, abastecer o mercado angolano e, posteriormente, «evoluir para o mercado africano».
Actualmente a empresa exporta para 30 países, com destaque para os Estados Unidos da América, Brasil, Canadá, Reino Unido, Espanha, Jordânia, Kuwait, Coreia do Sul, Japão, Alemanha, Rússia, Polónia, Luxemburgo e Dinamarca. Os mercados mais relevantes são os dos EUA, Brasil, Canadá e Polónia.
«Exportamos todas as gamas, mas a que tem maior dimensão é a tradicional», diz a responsável pelo Marketing, que considera a «aposta na exportação» como uma das áreas que a empresa pretende desenvolver. «Queremos crescer e espalhar o nosso bom nome para o resto do mundo». Uma aposta feita em simultâneo com «a qualidade» que caracteriza os produtos Quinta de Jugais e que passa, igualmente, pelo «desenvolvimento de novos produtos», tendo em conta as «tendências do mercado» e a «criatividade» da empresa.
A Quinta de Jugais conta com quatro dezenas de colaboradores.
Sistema de rotulagem, apesar de automático, exige uma atenção permanenteTRADIÇÃO E INOVAÇÃO NA AGRICULTURA
2019 Pereiras de S. Bartolomeu ganham novo fôlego e a famosa pêra-passa parece ter futuro garantido. Os espargos são outra cultura que começa a emergir
Àespera de chuva, Gonçalo Barreto dedicou-se a adubar os espargos. «Já estão a começar a brotar», explica. Plantadas em Março do ano passado, em Lagares da Beira, as “garras” começam a dar os primeiros “frutos”. O jovem, licenciado em Agricultura Biológica pela Escola Superior Agrária de Coimbra, espera colher cerca de uma tonelada de espargos. Uma colheita que, perspectiva, seja feita durante 10 dias, sempre “a la mano”, que é como quem diz, de forma manual. Um trabalho difícil, reconhece, que as “facas”, com 80 centímetros, compradas na Alemanha, irão facilitar. «Evitam que as pessoas tenham de se “dobrar”tanto». Cada
espargo é cortado de forma individual, colocado em caixas e processado, ou seja, lavado e cortado, sendo depois calibrado.
Este ano Gonçalo Barreto vai efectuar a primeira colheita. Quando a produção
entrar em velocidade cruzeiro, serão três meses de colheita. No quinto ano a produção poderá chegar às 30 toneladas.
Nos últimos anos, reconhece o jovem empresário, de 29 anos, natural de Oliveira
56
Pêra-passa 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
do Hospital, assistiu-se a um boom de plantação de espargos, sobretudo na região Norte. Alemanha, Espanha e Holanda «são os grandes produtores». Portugal tem a vantagem de «conseguir produzir mais cedo», tendo em conta o clima mais ameno. Mas o mercado nacional ainda não é um grande consumidor. Talvez devido ao preço, pois «é uma cultura muito cara», «uma espécie de produto gourmet».
Mas os espargos não são o foco principal de Gonçalo Barreto e da quinta que explora em Lagares da Beira. Esta cultura, actualmente como 1,2 hectares, surge como um “acréscimo” e uma forma de rentabilizar um projecto que tem como epicentro a
Projecto amigo do ambiente
Gonçalo Barreto pretende avançar com uma terceira cultura. «Framboesa pode ser uma possibilidade. Estamos a analisar», diz, empenhado em «aproveitar ao máximo o terreno», sempre com preocupações de sustentabilidade ambiental. Por isso, nos dois poços foram instaladas bombas solares. «Só trabalhamos com energia solar», afirma, apontando, também, a colocação de painéis solares no armazém. Mais, o projecto apostou na «agricultura de precisão», o que significa que é feita uma análise dos indicadores de humidade, o que, aliado ao sistema de rega gota a gota, permite poupar a água.
produção de pêra-passa, ou melhor, de pêra de S. Bartolomeu. Um projecto pessoal, partilhado com o irmão José Pedro –jogador de hóquei em patins, que já passou pelo Benfica e actualmente joga no Termas Óquei Clube, em S. Pedro do Sul - e apoiado pela família, se bem que Gonçalo também esteja ligado a um outro projecto novo, na área da vitivinicultura, em Oliveira do Conde, liderado por investidores brasileiros, que pretendem fazer um vinho de grande qualidade, com castas tradicionais do Dão.
Gonçalo – que também foi praticante de hóquei em patins, no clube de Oliveira do Hospital - confessa que a agricultura sempre esteve nos seus horizontes e, depois de
concluir o curso, empenhou-se a peito. O pai falou-lhe na pêra-passa, um produto endógeno da região, que tem vindo a conquistar o mercado. A plantação aconteceu em 2019, com cerca de mil árvores, adquiridas a um viveirista da zona de Coimbra, «recomendado pelo engenheiro António Campos», sublinha o jovem, que destaca o «grande apoio» do antigo deputado, também ele empenhado na cultura de pêra-passa.
O pomar, com 1,5 hectares, deu no ano passado a primeira colheita. «Apanhámos cerca de 500 kg», conta. A esta produção juntou o “aluguer” de algumas árvores, «como se fazia tradicionalmente» e a compra de frutos, o que perfez 3,5 toneladas.
Trabalho exigente e difícil
conta as dificuldades do trabalho, agravadas pela carência de mão-de-obra.
Depois de descascadas, as pêras são colocadas nas “passeiras”, de madeira, com uma cobertura de rede e colocadas a secar ao sol, «cinco a sete dias». Depois de secas, adquirem uma cor castanho avermelhada, quase de colorau, são colocadas em «poceiros abafadores», para o fruto “amaciar” e ganhar a humidade necessária para a operação que se segue, o espalmar.
Parece um contrassenso, mas é real. Num território com cada vez mais terrenos ao abandono é «muito difícil» conseguir terra para desenvolver um projecto agrícola. Gonçalo sentiu isso, mas teve sorte, com um amigo do pai a arrendar-lhe uma quinta. «Há proprietários que preferem ter os terrenos ao abandono, cheios de mato, do que alugá-los», diz o jovem agricultor, que quer alargar a produção, o que significa que precisa de mais terrenos, «a um preço aceitável e com água», faz notar, lembrando que a água é essencial.
Depois da apanha, segue-se a não menos complicada operação de descasque, feita de forma manual, com uma faca ou navalha, com o cuidado de deixar o “pé” da pêra. «Compramos uns descascadores», semelhantes aos de cozinha. «Uns dizem que rende mais, é mais rápido», outros preferem as tradicionais facas.
Além de um trabalho delicado e cansativo, «é muito difícil arranjar pessoas», diz Gonçalo Barreto, confessando a sua «sorte«, pois pôde contar com a ajuda de quatro senhoras e de dois homens. «Foram as nossas máquinas de descascar», diz. Uma solução tecnológica está a ser investigada e representa, seguramente, um passo fundamental para a fileira, tendo em
«Mandámos fazer espalmadeiras, em madeira, para cada elemento da família. Depois de jantar, era a nossa saga», refere o jovem, confiante que, no futuro, tudo isto vai ser feito de forma mecanizada. «Já há pessoas a trabalhar com máquinas de espalmagem» e, inclusivamente, também já são usados mecanismos para acelerar a secagem.
«Vendemos toda a pêra», diz Gonçalo Barreto. Vendas a granel ou embalada numa caixa, «uma coisa bonitinha», mas que quer melhorar. Viseu – que sempre foi, através da Feira de São Mateus, o grande mercado da pêra-passa - Porto, a zona de Coja (Arganil) e Oliveira do Hospital foram os locais para onde escoou a primeira produção.
Este ano, garantidamente, a produção vai crescer, em conformidade com o crescimento das próprias árvores. Entretanto, de 10 em 10 ou 12 em 12 dias é necessário dar atenção ao pomar, adubar, tratar…. «Depende do tempo» que se faz sentir, adianta.
Dificuldade em arranjar terrenos para cultivarPêra-passa embalalada
FIXAR EMPRESAS E ATRAIR INVESTIMENTO
2022 Investimento de 7,5 ME vai revigorar Zona Industrial de Oliveira do Hospital.
Cordinha vai ser intervencionada e há outras novidades em perspectiva
Há uma verdadeira revolução anunciada para a Zona Industrial de Oliveira do Hospital. Há obras de ampliação em curso, que pretendem criar mais 27 lotes. Mas mais do que mais área, há uma aposta na «modernização das infraestruturas» e na sua dotação com novos equipamentos de vanguarda.
Francisco Rolo, presidente da Câmara Municipal, fala com entusiasmo deste projecto de «qualificação e amplificação da Zona Industrial», que vai ter o nó do IC6 ao lado e contempla várias nuances. «Vamos criar uma unidade de abastecimento de gás natural», destaca, apontando o impacto desta estrutura na «redução da factura energética dos operadores económicos». Este bem também vai estender-se à cidade, que vai ficar dotada com rede de gás natural. «A cidade vai ficar mais competitiva do ponto de vista energético e mais qualificada», refere.
O projecto, aprovado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), comporta uma «área de acolhimento de nova geração, que implica a colocação de rede 5 G», bem como um «posto de carregamento de hidrogénio» e a «criação de uma comunidade de energias renováveis». Um pacote de soluções que, além de uma aposta em fontes alternativas de energia, permite reduzir a factura. «Um projecto que envolve parceiros de dimensão nacional», como a Altice e a E-Redes», explica o autarca, orgulhoso com a criação de uma «Zona Industrial de última geração». «Oliveira foi um dos 10 municípios, a nível nacional, que viu o seu projecto aprovado» no âmbito do PRR, que representa um investimento de 7,5 milhões de euros, a concluir até 2025. «É o reconhecimento da qualidade de uma candidatura e da importância da dimensão industrial de Oliveira do Hospital e do potencial de crescimento que apresenta», adianta Francisco Rolo.
Interessados não faltam para os novos 27 lotes, o que significa a garantia de novos
investimentos a breve trecho. Um dado que leva o município a pensar num outro desafio para criar as bases para o acolhimento de uma Área de Actividade Empresarial na Freguesia de Nogueira do Cravo.
O edil faz notar que se trata de uma zona onde já «há empresas», o que significa a necessidade de «criar condições e infraestruturas para ordenar as empresas instaladas», designadamente junto à Nacional 17 e, ao mesmo tempo, «criar condições para novas áreas de negócio».
«Há gente nova a querer investir, empresários que querem expandir os seus negócios», diz, lembrando que Oliveira do Hospital está integrada nos chamados territórios de baixa densidade, o que representa a majoração dos incentivos obtidos através do PRR ou do Programa Portugal 20-30, o que constitui um atractivo para os investidores. Ressalva, todavia, que a Área de Actividade Empresarial da Freguesia de Nogueira do Cravo ainda é um projecto incipiente, que carece dos necessários estudos prévios, avaliação do impacte ambiental e plano de pormenor.
Mais imediato será o processo de revitalização do Pólo Industrial da Cordinha. Dos oito lotes, há três candidatados ao PRR e ao Portugal 2020, afirma, e outros já estão atribuídos. Neste momento, o município está a preparar a revisão do Plano Director Municipal e a avaliar as condições para ampliar a Zona Industrial da Cordinha.
Olhar profissional
«É importante ter áreas de acolhimento empresarial para fazer face à procura de micro, pequenas e médias empresas», salienta o autarca, que enfatiza a forte tradição industrial do concelho. «Hoje em Oliveira do Hospital emergem projectos associados à indústria tradicional e outros, com novas abordagens de inovação, aposta na economia verde, na economia circular», refere. Destaca, designadamente, o nascimento de «um pequeno cluster, associado a variedades regionais de frutícolas».
«Temos uma nova geração que olha para a agricultura não como um hobbie, mas como negócio», faz notar, exemplificando com a produção de frutos vermelhos e pêra de S. Bartolomeu. «Estão a surgir novas oportunidades para estas variedades, que começam a ser produzidas numa lógica de economia e não de subsistência», adianta. Projectos que, além da produção, associam outras componentes, como a gestão da água, o embalamento, o marketing, as linhas de distribuição e mercado. «É uma nova visão, uma visão profissional sobre os produtos tradicionais», onde cabe a vinha, numa zona que integra a Região do Dão. «Há produtores a apostarem na plantação de vinha nova, criação de adegas e novas marcas. Temos vinhos de denominação de origem de grande qualidade e valor de mercado», enfatiza. Exemplo de «novas oportunidades», com futuro, nesta área.
90 anos com Oliveira do Hospital
principais nem complementares», regista, fazendo notar os problemas que recentemente foram colocados sobre a mesa, na “cimeira” que juntou as comunidades intermunicipais das regiões de Coimbra e de Leiria. «Enquanto uns discutiam o prolongamento de auto-estradas, a suspensão do pagamento de portagens, nós, em Oliveira do Hospital, não discutimos auto-estradas, nem redução ou suspensão de portagens, nem estações de TGV. Em Oliveira, o que queremos é substituir a velhinha Estrada Real, hoje Estrada da Beira (EN 17) por um itinerário complementar que esta região anseia há 30 anos!», afirma.
À ESPERA DO IC6
2010 Promessas têm sido recorrentes, mas a obra mantém-se parada, no meio do nada, há 12 anos. Espera-se que o concurso seja lançado em breve, mas ninguém lhe tira 30 anos de atraso
Parado no meio do nada desde 2010, o IC6 é, garantidamente, o maior “cavalo de batalha”do concelho de Oliveira do Hospital. Uma promessa repetidamente adiada à espera de ser desencravada para desencravar o acesso ao interior. Francisco Rolo, presidente da Câmara Municipal, acredita que “há luz no fundo do túnel”. Lembra o compromisso assumido pelo anterior Governo e a resolução do Conselho de Ministros no sentido de, finalmente, se concretizar esta obra que, sublinha, «vem atrasada 30 anos».
O autarca recorda o «compromisso» governamental de concretizar o IC6, com verbas «resultantes do leilão do 5G», o que representa a canalização de «150 milhões de euros» (dos 550 milhões) para esta empreitada. Lembra, igualmente, a promessa, feita, no dia 7 de Outubro de 2021, pelo ministro das Infraestruturas, «em homenagem à luta constante do anterior presidente da Câmara, José Carlos Alexandrino, de que viria a Oliveira do Hospital inaugurar o IC6». Refere, também, reuniões recentes, com representantes da Infraestruturas de Portugal, bem como encontros com mem-
bros do Governo e com os autarcas de Seia, Gouveia e Tábua, respectivamente Luciano Ribeiro, Luís Tadeu e Ricardo Cruz.
«Temos uma postura de permanente diálogo, acompanhamento e vigilância activa e reivindicativa deste processo», na expectativa de assistir, em breve, ao «lançamento do concurso público internacional», afiança o autarca, que destaca a pertinência desta obra, estruturante para um território que tem uma manifesta importância no sector produtivo, seja ao nível da indústria, nos serviços e inclusive em novas formas de agricultura. «Hoje, o foco do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) Europeu é a reindustrialização da Europa para evitar a dependência de países terceiros, sobretudo países emergentes, e o foco do PRR português também está no aumento da capacidade produtiva e Oliveira do Hospital tem essa tradição industrial desde os anos 50», faz saber. Vocação industrial que os dados da Pordata confirmam, com índices de emprego na indústria superiores à média nacional, o que demonstra a «resiliência dos nossos empresários».
«Não temos auto-estradas, nem itinerários
Uma obra que Francisco Rolo considera essencial, «a bem da coesão nacional, a bem da dignidade, do equilíbrio e da coesão da região de Coimbra. Temos de construir uma região mais una e mais coesa», defende, apontando as acessibilidades ao Alto do Distrito como «uma prioridade», através da conclusão do IC6, que está há mais de uma década «parado no meio de uma mata», a escassos quilómetros de Oliveira do Hospital. Importante é, também, defende, que esta obra «ligue o IP3, através do IC6, à A25, em Celorico da Beira». Quando isso acontecer, «ficamos com toda a região de Coimbra ligada ao mercado ibérico (Espanha, através da A25), e também ao porto de mar da Figueira da Foz que a CIM-RC assume querer valorizar», diz.
Dois eixos estratégicos para um «território eminentemente exportador» como é Oliveira do Hospital, que se destaca na indústria da moda, dos têxteis e confecções, nos cabazes gourmet ou no sector das madeiras. «É essencial que o Governo da República faça chegar a esta região e a estas empresas uma via de escoamento destes produtos, que sustentam o país e promovem a ocupação viva deste território». «Os empresários de Oliveira do Hospital têm resistido estoicamente nos últimos 30 anos. Continuam a produzir, a criar postos de trabalho, a fixar população e a redistribuir rendimentos. O melhor reconhecimento que se pode fazer a todos os que teimam em resistir e em produzir no interior e em Oliveira do Hospital é criar esta via e resolver um problema que parece de evidente fácil resolução», conclui José Francisco Rolo, reforçando a ideia de «concertação municipal» em prol do «acompanhamento e vigilância atenta» do processo para concretizar esta obra que «é mais do que justa».
2010 Em Maio de 2010 assiste-se à constituição da BLC3 – Campus de Tecnologia e Inovação. Um projecto ganhador que instalou no concelho saber, massa crítica, inovação e tecnologia. O próximo passo é o caminho da industrialização
Osonho comanda a vida”, diz o poeta. O mérito, a capacidade de bem-fazer, está em transformar o sonho em realidade, em concretizar desejos, por mais utópicos que possam parecer. Oliveira do Hospital empenhou-se no desafio, para muitos impossível, e conseguiu provar que no interior se podem fazer coisas novas e diferentes, criar valor, atrair investigadores, fazer ciência, desenvolver tecnologia e promover o conhecimento numa relação estreita com o território, na senda do desenvolvimento. Hoje, Oliveira do Hospital «figura no mapa nacional e internacional da ciência, do conhecimento e da tecnologia». Mais do que isso, «ganhou credibilidade», afirma João Nunes, fundador e presidente da Associação BLC3 – Campus de Tecnologia e Inovação.
Ideólogo e timoneiro do projecto, o investigador, natural de Oliveira do Hospital, apresenta-nos este projecto que marca a diferença e comprova que o interior pode ser, e é, um espaço de oportunidades.
«Começámos abaixo de zero. Foi neces-
sário construir tudo», refere, sublinhando que um projecto estruturante como este não permite ver resultados imediatos. «Esse é o grande erro». Todavia, mais de uma década depois do arranque, a BLC3 cumpriu e está pronta para novos desafios.
Com a simplicidade que o caracteriza, João Nunes recorda o início do processo, em Setembro de 2009, quando respondeu ao desafio de apresentar uma proposta para o desenvolvimento do concelho. Em véspera de eleições autárquicas, o engenheiro mecânico, com um doutoramento em Biociências, que sempre trabalhou na área da investigação ligada ao tecido empresarial, não teve quaisquer dúvidas: o concelho precisava de um centro de investigação e desenvolvimento tecnológico, focado nos recursos do território, com ligação à universidade e às empresas.
Uma proposta apresentada numa reunião, no Hotel São Paulo, que juntou cerca de três dezenas de empresários. José Carlos Alexandrino, candidato à presidência da Câmara gostou do que ouviu e prometeu, «caso ganhasse as eleições, apoio ao projecto». Uma semana depois das eleições, mesmo antes da tomada de posse, o novo autarca reunia com João Nunes. «Acertámos as “coisas”», recorda, o que passava por contar com o apoio do município para «disponibilizar instalações» e assegurar as «obras necessárias para criar condições para a instalação», designadamente de laboratórios e da incubadora. «Foi o que
pedi. Trazer as universidades, a massa crítica, era a minha tarefa», adianta o investigador, que tinha ligações de proximidade com várias universidades e centros de investigação nacionais e internacionais. Assistia-se, assim, ao surgimento da BLC 3. A associação foi fundada em Maio de 2010 e começou a sua actividade em Setembro de 2011, com as primeiras equipas a trabalhar na gestão de projectos e investigação nas áreas de engenharia biológica e biotecnologia. «Em finais de 2013 já não cabíamos no espaço», refere. Impôs-se a mudança para as actuais instalações em Lagares da Beira. «Fomos valorizar um dos principais activos abandonados do país», diz João Nunes, referindo-se ao complexo da ACIBEIRA, um verdadeiro «elefante branco, abandonado há mais de 20 anos». Um «investimento público perdido», que se tinha transformado num problema praticamente sem solução, ao qual a BLC3 veio dar nova vida. «Começaram as obras e em Janeiro de 2016 iniciámos as actividades nas novas instalações».
Todos os edifícios, à excepção do auditório, foram recuperados e adaptados às novas funções, constituindo um verdadeiro Campus vocacionado para a investigação, para a promoção do saber, da ciência e da tecnologia, sempre com uma visão muito prática e orientada para as necessidades das empresas e para a realidade do território, com um enfoque direccionado para a bioeconomia e economia circular.
O Campus estende-se por uma área de cerca de quatro hectares, onde se encontra um centro de investigação, um centro de apoio a projectos e inovação, uma incubadora e um business center de aceleração de empresas. Neste momento está cumprido e ultrapassado o projecto apresentado em Setembro de 2009 aos empresários do concelho.
Para muitos, recorda João Nunes, «era utópico o compromisso de criação de 20 postos de trabalho para investigadores, aqui, em Oliveira do Hospital. Ninguém acreditava! Era impossível!». Mas a realidade confirma o contrário. «Só investigadores temos 85. Se juntarmos a incubadora e as actividades que desenvolvemos com alunos e universidades, estamos a falar de 110/120 jovens, 90% dos quais com formação superior e uma média de 29 anos de idade», atesta o presidente da BLC3.
Uma realidade que demonstra, preto no
UM LUGAR DE ELEIÇÃOI NO MAPA DA CIÊNCIAI
90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
branco, que o interior do país pode ser atractivo e fixar massa crítica, concretizando, de resto, um dos grandes objectivos do projecto. Uma realidade nova e diferente, com um impacto muito significativo na vivência do concelho, designadamente na compra de habitação e, em geral, na economia local. «É o melhor investimento que o município podia ter feito. Cada euro tem um retorno enorme, multiplicado por muitos», atesta o investigador, que, sem falsas modéstias, afirma que «Oliveira do Hospital é, hoje, um dos principais pontos de inovação em Portugal».
Um projecto que continua a crescer. Actualmente, o Campus tem uma taxa de ocupação de 90% e «queremos aumentar», pois «estamos a crescer muito na cooperação empresarial», ou seja, no «desenvolvimento de projectos com empresas».
Mais uma vez, trata-se de cumprir os objectivos de promover investigação, mas sobretudo investigação aplicada, trabalho directo com empresas, o que «acrescenta valor» e cria uma relação de proximidade, uma interacção efectiva e eficaz com o território. «Temos mais de 50 projectos de desenvolvimento tecnológico, muitos dos quais em colaboração com academias, mas a maioria são de colaboração com empresas», esclarece.
Entre estes projectos, João Nunes destaca a valorização de matos incultos e resíduos agro-florestais de biorrefinaria; o tratamento e valorização de efluentes agro-industriais, designadamente do queijo; ou a valorização de rejeitados e desperdícios alimentares, nomeadamente da maçã e da pedra de S. Bartolomeu. Referência, ainda, para a instalação do CECOLAB - Laboratório Colaborativo para a Economia Circular, uma entidade resultante de uma parceria, mais uma, que envolve a BLC3 e mais de 13 entidades, ligadas à economia circular, o que «representa um reconhecimento do valor» instalado em Oliveira do Hospital. Um laboratório que, diz ainda, «já criou 30 postos de trabalho e vai criar mais».
Industrialização começa este ano
um milhão de hectares de floresta em autogestão». Significa que «40% do território está em situação de abandono». A solução, considera, passa pela valorização económica deste recurso. «Os incêndios deixam de ser problema quando tivermos actividade económica», garante, exemplificando com o que acontece no Alentejo. Mas, «também traz mais resiliência aos territórios», fundamental quando o interior tem «cada vez menos gente» ao mesmo tempo que começa a sofrer o impacto crescente das alterações climáticas.
O salto para o desenvolvimento industrial começa este ano e elege as áreas agro-alimentar, biorrefinaria e biomateriais. Este último tem a particularidade de ter sido considerado como “projecto de interesse nacional” pelo Estado português e mereceu o amplo aplauso da Comissão Europeia, que o distinguiu, em 2016, com o Prémio RegioStars. O “Centro Bio” foi o único projecto português entre os 23 finalistas e venceu na categoria “Crescimento Sustentável”. Um projectopiloto inovador, que defende a aplica o conceito de economia circular, hoje na moda. «Na altura ainda ninguém falava em economia circular», lembra João Nunes.
O projecto de valorização de resíduos agroflorestais e de matos incultos tem uma dimensão que vai muito para além da transformação de mato e desperdícios em biocombustíveis, alternativos ao petróleo e à gasolina. Preocupado com o território e com a sua valorização, João Nunes faz notar que o interior do país é um enorme repositório de fumo. No Inverno são as queimadas, fogueiras onde de queimam os resíduos provenientes da actividade agrícola e florestal. Queimadas que são feitas numa altura em as temperaturas são baixas e os índices de humidade dos resíduos elevados, o que representa uma conjugação de factores para a «libertação de compostos nocivos para a saúde» e também em termos ambientais. No Verão o fumo vem dos incêndios florestais e rurais, que representam, «em média, uma perda anual de 800 milhões de euros».
Além do fogo e do fumo, a equação tem outras variáveis, designadamente, destaca, o facto de o território nacional ter 2,9 milhões de hectares de matos incultos» e «cerca de
Para João Nunes, o projecto da biorrefinaria e produção de biocombustíveis é a solução certa para este problema, garantindo uma valorização dos biorecursos e com capacidade de resposta em escala, através da aplicação de tecnologia, numa lógica de circularidade e sempre com a preocupação da sustentabilidade. Significa que a biomassa e os matos incultos ganham valor. Primeiro, através de um processo de refinação, que «permite retirar os químicos verdes de maior valor acrescentado». Em causa estão «compostos e moléculas com interesse para a indústria química, farmacêutica ou para o sector nutracêutico ou alimentar». Dá o exemplo do ácido láctico, que se pode retirar da giesta ou da acácia e é utilizado na produção de biomateriais, como o bioplástico, «sem concorrer com o sector agro-alimentar», destaca.
«Há uma separação de fases de valor económico», diz, esclarecendo que se começa por valorizar e retirar a «parte nobre» desta biomassa, através da refinação, com a parte «menos nobre» a ser encaminhada para a produção de biocombustíveis, «substitutos directos do gasóleo e da gasolina».
O projecto-piloto, premiado em 20016 pela Comissão Europeia, já evoluiu. «Temos um projecto industrial para fazer isso. A tecnologia e o conhecimento estão preparados para avançar para a fase de industrialização», sublinha. As previsões apontam para o arranque da produção de biocombustíveis em meados do próximo ano.
O projecto da BLC 3 está à espera de uma resposta do Governo. «Se a resposta do Governo não for positiva, «não vamos ficar parados», promete. O que pode acontecer, admite, é que «este recurso tecnológico vá para outro território ou, inclusivamente, para fora do país».
anos com
Acrescentar valor ao território
O objectivo de trazer conhecimento, massa crítica, criar postos de trabalho, está cumprido. Mas, “a procissão ainda vai no adro” e há muito a fazer «Queremos dar o salto. Além de produzir ciência e tecnologia, queremos usar isso para o desenvolvimento industrial», assume João Nunes. «Uma coisa é criar ciência e conhecimento, outra é criar ciência e conhecimento para uma abordagem industrial», destaca João Nunes.
O desenvolvimento industrial, reconhece, não estava contemplado na primeira fase do projecto, mas acabou por ser uma consequência natural do processo de desenvolvimento. «Surge sobretudo nos últimos dois anos», depois do reconhecimento internacional do potencial da unidade de investigação da BLC3. «Um passo maior para nós, mas também para todo o interior que, tirando a BLC3 e o Politécnico de Bragança, não tem unidades de investigação». Depois disso, «nos últimos dois anos orientámos muitas equipas da área da investigação
para o desenvolvimento industrial, o que é inovador. Não há mais ninguém em Portugal a fazer isso!», garante.
O investigador entende que esta é a receita certa para promover o desenvolvimento do tecido empresarial e atrair mais investidores. «É muito diferente de baixar impostos. Isso todos podem fazer. Diferente é criar ciência e tecnologia para uma abordagem industrial». O que vai permitir crescer, «criar mais postos de trabalho», fixar pessoas e «acrescentar valor ao território».
Para João Nunes este é um passo fundamental. Trata-se de garantir o futuro do tecido empresarial da região, de dar continuidade a uma geração de empresários prestes a reformar-se. «Essa geração de empresários é uma escola muito resiliente, determinada e com um espírito de sacrifício que a geração mais nova não tem. Se conseguirmos um bom empreendedor/empresários por ano, é muito bom e o território fica mais preparado», defende.
Incubadora de referência
A Incubadora da BLC 3 está cotada entre as 10 melhores incubadoras da Europa e as 25 melhores do mundo. «É um modelo diferente», orientado para acolher dois tipos de projectos. Por um lado, acolhe «jovens com formação académica que se queiram fixar no território. Não interessa se o projecto é muito ou pouco inovador. Interessa, sim, criar massa crítica e atrair empresários para o território». Por outro lado, acolhe «projectos ligados à bioeconomia e à economia circular».
«Já apoiámos 42 projectos de jovens e startup», diz o presidente da BLC3 que destaca exemplos de jovens e projectos empreendedores que se instalaram no concelho, designadamente o “Dent HiTech”, na área dentária, o ABTEC, na área da construção sustentável; a “Enging”, uma startup que conta com uma parceria da EDP Inovação e actua na «manutenção preditiva na área dos modelos eléctricos», que tem um pólo na BLC3 e outro no IPN, em Coimbra.
ESTGOH: FORMAÇÃOI SUPERIOR NA BEIRA SERRAI
gional e Ordenamento do Território (DROT). «Quem faz o curso tem um feedback muito positivo, mas os alunos, quando acabam o 12.º ano não têm essa percepção». Um curso que teve no último ano uma adesão significativa, contrariando a tendência anterior, motivada pela ampla divulgação que a escola fez, junto das entidades ligadas à protecção civil e ao território.
1999 Politécnico de Coimbra vê aprovada a proposta de criação da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital, que começou a funcionar no ano seguinte
Oplano de expansão do ensino politécnico levava, em 1994, o Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) a ponderar a criação de um pólo na Beira Serra. Nesse sentido, encomendou um estudo ao Instituto de Estudos Regionais e Urbanos da Universidade de Coimbra, que apresentava resultados animadores. Com base neste estudo e na «vasta experiência dos seus pólos de tecnologias e gestão, o IPC apresentou à tutela a proposta de criação da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital (ESTGOH), aprovada em 1999. A escola arrancou no ano lectivo de 2001/2002, em instalações provisórias (antigo quartel dos Bombeiros Voluntários), cedidas pelo município, com duas licenciaturas: Administração e Finanças e Engenharia do Território e do Ambiente.
Vera Cunha, presidente da direcção, está nestas funções há um ano, mas tem uma larga experiência, de 19 anos de ligação à escola, primeiro como presidente do Departamento de Gestão e, mais tarde, como vice-presidente. Conhece, por isso, bem este árduo caminho trilhado pela escola. «O crescer do nada», o desafio de «fazer a escola» de a «promover e divulgar». Uma tarefa assumida pelo corpo docente, que «fez de tudo», desde «colar cartazes» a apre-
sentar a escola Um esforço ainda maior quando foi necessário «produzir novas propostas para a manutenção da ESTGOH», que, a meio deste percurso de 20 anos se viu ameaçada de extinção.
Tempos de má memória que Vera Cunha, especialista em Gestão, quer esquecer, focada no futuro deste projecto, que considera «estruturalmente importante para o concelho e para a região». Além de garantir uma formação de qualidade, a escola tem «um importante impacto económico-financeiro na cidade e no concelho», diz, apontando os 650 alunos, 550 dos quais adstritos a Oliveira do Hospital, com os restantes em cursos que funcionam em Coimbra, Cantanhede e Mealhada.
«Crescer» é o grande objectivo e há uma vontade férrea de trilhar esse caminho, que passa, necessariamente, por uma «maior comunicação e divulgação» de alguns dos cursos que, apesar da qualidade do plano de estudos e da formação que garantem, não se têm revelado suficientemente atractivos. «Há um desfasamento entre os cursos que têm 100% de colocação e, depois, não têm mercado de trabalho e aqueles em que o aluno não consegue ter a percepção relativamente ao mercado de trabalho, mas que efectivamente têm», refere. Um exemplo é a licenciatura em Desenvolvimento Re-
Como o resultado foi positivo, esta é uma das linhas-força que a escola quer seguir, promovendo a sua oferta. Outra linha prende-se com algumas mudanças, em termos de «alteração do plano de estudos», com introdução de «novas disciplinas». Um processo que vem no seguimento da avaliação, pela Agência Nacional (feita de 5 em 5 anos) e que a escola quer aproveitar para “reformular” o curso. No mesmo caminho, mas mais atrasada, está a licenciatura em Gestão de Bioindústrias, que padece de um “mal”semelhante, e que poderá, num futuro breve, apresentar-se com nova imagem.
A escola oferece actualmente oito licenciaturas: Contabilidade e Administração, Desenvolvimento Regional e Ordenamento do Território, Gestão, Gestão de Indústrias, Marketing, Engenharia Informática, Informática Industrial e Sistemas e Tecnologias da Informação. Ao nível de mestrados, são três as propostas: Gestão de Negócios, Informática Aplicada e Marketing e Comunicação.
Relativamente aos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP), este ano lectivo a ESTGOH apresentou seis linhas de formação: Gestão da Qualidade, Ambiente e Segurança, Gestão de Pequenas e Médias Empresas, Gestão Comercial e de Marketing, Redes e Sistemas Informáticos, Tecnologias e Programação de Sistemas de Informação e Tecnologias Informáticas. Dois destes CTeSP, nas áreas da Gestão e Informática, funcionam em Cantanhede e na Mealhada, há quatro anos, no âmbito de protocolos de colaboração com as respectivas escolas profissionais.
Em perspectiva para o próximo ano lectivo está um novo CteSP, em Design de Produto. «Estamos a submetê-lo à análise da Agência Nacional e o objectivo é abrir em 2022/23», diz Vera Cunha. Uma formação que dá resposta «às necessidades do território», designadamente ao nível das empresas têxteis e de mobiliário. A escola está a preparar-se para avançar com uma pósgraduação em Cadastro Predial.
Escola com lotação esgotada
Com um intenso “trabalho de casa” na preparação de uma oferta formativa atractiva e abrangente, a escola vê-se confrontada com uma “linha vermelha”, ditada pela exiguidade das instalações. «O número de alunos e a oferta formativa obrigam-nos a uma gestão bastante bem articulada em termos de horários», refere Vera Cunha. «No primeiro semestre temos a escola ocupada a 100%», com alguns cursos a funcionar de manhã e outros à tarde. «Já tivemos que marcar exames em período pós-laboral, às 17/18h00, porque não tínhamos outra disponibilidade para efectuar os exames de avaliação periódica».
Aliás, a escola chegou a ter a biblioteca fora, “recuperada” depois de algumas «remodelações e reorganização do espaço», mas o Laboratório do Ambiente transitou para as instalações da Eptoliva, que também tem formação nesta área, e continua disponível para a escola.
O drama do espaço, que não é novo, chega a ganhar contornos dramáticos. Com uma das últimas intervenções foi possível libertar espaço para criar uma sala destinada aos alunos. Todavia, o arranque de um novo curso técnico superior profissional, na área do Design de Produto, também exige espaço. «Avanço com a sala dos alunos e, depois, volto atrás, e ocupo a sala para o curso de Design?», questiona.
Vera Cunha não tem dúvidas: «Somos uma escola dinâmica, que tem estreitado o seu relacionamento com o tecido empresarial e com as diferentes instituições, designadamente com a BLC3, a Eptoliva e a Escola Secundária. «Queremos trabalhar mais com todos eles», adianta. O mesmo acontece com as empresas, até porque «os cursos foram reestruturados e praticamente
todos incluem um estágio em empresas, o que representa um contributo relevante para a aproximação ao tecido empresarial. Proximidade que Vera Cunha, nascida em Oliveira do Hospital e filha de um empresário, naturalmente tem e que tem vindo a capitalizar em benefício da escola.
«Gostávamos de garantir uma oferta formativa que pudesse ir ao encontro das necessidade da região, mas não podemos fazer tudo», afirma, fazendo notar que a escola de Oliveira está inserida no contexto do Politécnico de Coimbra, que tem a sua oferta formativa em várias áreas e que tem necessariamente de ser articulada.
Para quando as novas instalações?
O município garante que este ano pretende “ancorar”as novas instalações da ESTGOH, reconvertendo e requalificando o espaço da antiga escola primária, que vai ficar devoluto com a construção do novo Campus Educativo. Vera Cunha confessa que gostava de ver outra solução. «A localização não deixa espaço para estacionamento», faz notar, embora reconheça a sua centralidade.
Lembra que as actuais instalações possuem 16 salas de aula e que são necessárias mais salas e salas maiores para responder às necessidades actuais e de futuro.
A presidente levanta, ainda, uma questão de tempo e de custos. «Pessoalmente penso que seria mais rápido criar uma instalação de raiz. Aquele edifício terá que ser todo deitado abaixo. Vamos destruir para voltar a construir e isso é caro», faz notar. Por outro lado, o processo só pode avançar depois da conclusão do Campus Educativo e da transferência efectiva da escola. «É para construir quando? Daqui a quatro anos?», questiona. «A escola não pode esperar tanto tempo», garante, pois todo o esforço para renovar a oferta formativa e cativar novos alunos esbarra com esta “linha vermelha” de falta de instalações.
No entender da presidente, a escola não tem que ficar no centro da cidade. «Há terrenos aqui à volta», diz, apontando, designadamente, a Zona Industrial. «A Câmara podia ceder dois lotes», avança. Esta seria, de resto, uma localização de excelência, pela proximidade com as empresas, e que poderia mesmo acolher todo o ensino profissional, designadamente a Eptoliva. Vera Cunha não enjeita a ideia de um Campus dedicado ao ensino profissional, que, inclusivamente, poderia ter espaços partilhados, designadamente cantina ou campos desportivos.
Urgente é, igualmente, a criação de residências para estudantes. Neste momento não há nenhuma. Significa que os estudantes bolseiros recebem um valor extra para suportar o custo do alojamento. Todavia, começa a agudizar-se o problema da falta de oferta na cidade. «Dizem-me que no ano passado alguns alunos não ficaram na escola porque não conseguiram arranjar alojamento», diz Vera Cunha, reiterando a urgência de se avançar neste caminho.
64 Eptoliva 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
UMA ESCOLA DE REFERÊNCIA
tem com a comunidade, particularmente com o tecido empresarial. «Temos 100 promotores, entidades, instituições, empresas, associações regionais, com maior enquadramento na região, mas de todo o país», afirma o presidente da direcção. Os promotores eram 70, mas os 30 anos trouxeram, precisamente, mais 30 parceiros à escola.
1991 Criada em 1991, escola é a demonstração viva do valor acrescentado que o ensino profissional representa. Com indicadores de empregabilidade de excelência, tem 24% dos alunos a seguirem para o ensino superior
AEptoliva – Escola Profissional de Tábua e Oliveira do Hospital é, sem dúvida, uma referência. Na região e no país. «Nos últimos 10 anos, obtivemos cerca de 100 prémios a nível nacional e internacional e representámos o país em vários prémios internacionais», afirma, com orgulho, Daniel Costa, presidente da direcção da Adeptoliva, entidade gestora da escola, que destaca, igualmente, o facto de a Eptoliva marcar presença numa rede internacional de projectos ligados às ciências, tecnologia, engenharias e matemáticas e outra das escolas abertas à comunidade.
Referências que atestam a qualidade e reconhecem o trabalho que tem sido desenvolvido nesta escola, criada em 1991. Um projecto também ele sui generis, que juntou dois municípios vizinhos, Oliveira do Hospital e Tábua. César de Oliveira e Ivo Portela foram os mentores da Escola Profissional, que teve na professora Maria Antónia, uma das referências da região na área da Educação, a sua primeira directo-
ra.
A acabar de celebrar os seus 30 anos, a escola apresenta os melhores indicadores de sempre. Satisfeito, Daniel Costa aponta o número de alunos, 280, «o maior de sempre». Número que se reflecte no «maior número de turmas e de cursos profissionais de sempre, com 17 turmas e 21 cursos», adianta, explicando que o “desfasamento” dos números se prende com o facto de existirem turmas mistas.
30 anos que levam a escola a focar-se por inteiro nos desafios do futuro, que passam pelo «projecto educativo Eptoliva 3030», projectado para os próximos 10 anos, que já começou a dar frutos, com a inauguração, em Novembro passado, de duas “salas tecnológicas”. Uma ligada às ciências, com laboratório, um espaço modelar com tecnologia de ponta ao nível informático e com todas as condições para o ensino do futuro. A segunda sala, mais digital, dedicada ao design, multimédia e comunicação. Uma sala que, adianta Daniel Costa, tem um espaço de co-working, que «vamos abrir à comunidade». A criação de um Plano Digital Sustentável e replicar estas duas salas inovadoras em toda a escola, bem como a capacitação dos professores para metodologias mais inovadoras, designadamente ao nível de projectos, fazem parte dos desafios do Eptoliva 3030.
Os 30 anos permitiram, ainda, ver reforçada a ligação muito estreita que a escola
Promotores que integram a Assembleia Geral da escola e têm um papel essencial ao «facultarem estágios», sublinha. Participam, igualmente, na «gestão da escola», fazendo um conjunto de sugestões relativamente a novos cursos e dão “feedback” das «suas necessidade em algumas áreas», motivando, em diferentes situações, a realização de protocolos em áreas mais especificas. «Não sei se haverá alguma escola com tantos promotores associados», confessa Daniel Costa, destacando, também, o facto de a escola ter uma associação gestora, a Adeptoliva, que «permite este enquadramento com outras instituições».
A oferta formativa tem variado ao longo dos tempos, mas a maioria dos cursos tem tido «grande relevância». «Chegámos a ter meias turmas, mas agora temos sempre turmas completas», diz Daniel Costa. Apesar disso, o director destaca três áreas de eleição. A começar pela Mecatrónica Automóvel, que «tem sempre muita procura e um elevado nível de empregabilidade». Destaque, igualmente, para o Turismo, «um curso que também é uma marca». Ou ainda para o Design. «Não há muitos cursos de Design na região e tem tido uma grande aceitação». Relativamente ao pólo de Tábua refere o curso de Auxiliar de Saúde, o único que actualmente está a ser ministrado e que «está consolidado».
Primeira escolha dos alunos
«Se calhar temos feito um bom trabalho», diz, meio a sério meio a brincar Daniel Costa, a propósito da diferença de paradigma e de um novo olhar que hoje existe relativamente ao ensino profissional. «Há uma mudança de mentalidades, quebraram-se tabus», o que significa que hoje em dia «mais de 90% dos alunos que entram para o 1.º ano vêm directamente do 9.º ano, sem retenções. Esta é a sua primeira escolha. Querem mesmo estar no ensino profissional», afirma. Uma escolha que, sublinha, é, também, o reflexo «da imagem da Eptoliva», como «uma escola reconhe-
Eptoliva tem conquistado sucessivos prémios, a nível nacional e internacionalDiário de Coimbra
cida pelos seus métodos, pela forma como acolhe os alunos, pela inovação e pela oferta vasta de cursos que vão ao encontro do interesse dos alunos».
Relevante é, também hoje, o facto de muitos dos alunos que concluem o ensino profissional optarem por seguir para o ensino superior. Satisfeito, Daniel Costa diz, mais uma vez, que a Eptoliva é um exemplo, com uma média de 24%, significativamente superior à média nacional, que ronda os 11%. Significa que há uma aposta clara que a «escola tem feito», na «preparação dos alunos para o mercado de trabalho», quando é esse o seu objectivo, mas também «estimulando-os a entrar no ensino superior».
Daniel Costa apresenta outro dado importante: «este ano, 60% dos alunos estão a trabalhar na área para a qual fizeram a sua formação, trabalham exactamente na área em que tiram o curso», diz, satisfeito com esta reacção do mercado de trabalho. Assume, de resto, que «há cursos em que a empregabilidade é quase total». A «grande rede de empresas» que trabalha com a escola dá uma ajuda preciosa, pois faz chegar
anos com Oliveira do Hospital
à Eptoliva as suas necessidades, o que representa a oferta de trabalho.
Sediada nas instalações da antiga e remodelada Escola Primária, em Oliveira do Hospital, a Eptoliva foi adquirindo outros espaços em redor para responder ao crescimento da oferta formativa e às limitações do espaço disponível. «O Plano Educativo Digital tem prevista a ampliação do espaço da escola e a requalificação das instalações», diz Daniel Costa. A Eptoliva pretende, também, apresentar uma candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a criação de um Centro Tecnológico Especializado. Destaca, ainda, que no final do ano lectivo o pólo de Tábua vai mudar para novas instalações, no Edifício Cultura, o que representa uma oportunidade para aumentar a oferta formativa.
«Somos uma escola apostada no futuro», garante Daniel Costa, prometendo manter esta onda de inconformismo e de crescimento. Os alunos têm ajudado, pois contrariamente ao que acontece na generalidade do país, em Oliveira do Hospital «temos conseguido crescer».
Centro Qualifica
Há dois anos, a Eptoliva apresentou uma candidatura e ganhou um Centro Qualifica, que funciona no pólo de Tábua e garantiu, em ano e meio de funcionamento, a certificação e validação de competências de 20 formandos, jovens activos, adultos, empregados e desempregados.
«Neste momento temos cerca de 80 inscritos para uma validação e reconhecimento de competências» e um protocolo com a Fundação Sarah Beirão vai permitir, igualmente, a qualificação profissional de 14 formandos na área da saúde.
Também sob a chancela do Centro Qualifica, está a decorrer o projecto “Português, Língua de Acolhimento”, destinado a migrantes, estrangeiros radicados na região. «Estão cerca de meia centenas de pessoas inscritas, de todo o mundo», diz Daniel Costa, desde paquistaneses a europeus, com os alemães e holandeses em maioria. Um serviço à comunidade, apostado na inclusão destes residentes, oriundos dos concelhos de Oliveira do Hospital, Tábua e Arganil.
com
Hospital
DIGNIFICAR A DIFERENÇA
1980 A 14 de Fevereiro de 1980 assistia-se à constituição da ARCIAL. Uma casa aberta, que hoje sonha com um lar residencial e novas respostas à comunidade
Com 42 anos de vida e de prestação de serviços à comunidade, a ARCIAL – Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados é uma instituição viva, que projecta o futuro e tem a ambição de fazer mais e melhor. Em nome da vida, da dignidade e da inclusão dos utentes.
Artur Abreu, presidente da direcção, fala-nos desses “sonhos” que acredita vão ser realidade em breve. Essencial, considera, é a construção do lar residencial. Uma valência «absolutamente necessária» para dar resposta a um conjunto de utentes, alguns dos quais entraram para a instituição na sua origem, crianças ainda. É a solução para o «dilema» em que vivem as famílias e a ARCIAL. «Os pais dos nossos jovens envelheceram e têm cada vez menos capacidade para dar apoio aos filhos», faz notar. «O lar é uma resposta para a comunidade e para estas famílias», destaca.
A ARCIAL apresentou uma candidatura ao programa PARES e acredita numa avaliação positiva, o que irá representar uma comparticipação de 900 mil euros para
um investimento estimado em 1,5 milhões de euros. O projecto está pronto e o terreno também existe, uma quinta adquirida em 2017, «com uma localização óptima». O lar terá capacidade para 30 utentes.
No quadro dos projectos está, também, a vontade de alargar a oferta das residências autónomas, duplicando a capacidade de acolhimento para 20 utentes. Uma valência criada em 2014, que promove a autonomia dos utentes, que continuam a receber apoio técnico, designadamente na preparação das refeições e higiene, mas «têm a sua vida, o seu trabalho», explica Artur Abreu. São duas residências, uma masculina e outra feminina.
Futuro que pode, também, passar pela criação de uma nova valência, centrada na área da saúde mental, tendo em conta que a Unidade de Saúde Mental encaminha alguns jovens para a ARCIAL. Artur Abreu assume que a criação de uma Unidade Sócio Ocupacional (USO), com monitorização e acompanhamento da Segurança Social e do Ministério da Saúde, na área da saúde mental, está “em cima da mesa”. «É uma área onde são necessárias respostas», sublinha o presidente que destaca a vocação da ARCIAL, de «estar na primeira linha para o que for necessário e possa ser útil à comunidade».
Em fase mais adiantada, perfilando-se para estar concluído no primeiro semestre,
está o Centro de Formação Profissional. Trata-se, igualmente, de uma resposta «necessária». «A nossa formação profissional está dispersa pela cidade», explica, apontando um apartamento arrendado, uma cozinha profissional e um salão. Estruturas repartidas, dispersas, que vão passar a estar centradas num único edifício, um imóvel que «facilmente é adaptado à formação». O investimento ronda os 250 mil euros.
Teresa Serra a “mãe” do projecto
Hoje a ARCIAL tem cerca de 180 utentes, nas diferentes valências e meia centena de colaboradores. Mas nasceu com bastante menos. 44, precisa a professora Teresa Serra, fundadora da instituição e primeira presidente durante 10 anos. Professora primária, natural da Carrapichana (Celorico), conheceu o marido – o comandante Serra, dos Bombeiros Voluntários, já falecido –no Magistério Primário, em Coimbra, casaram e radicaram-se em Oliveira. Teresa não tinha, como acontece na maioria dos casos, ninguém na família com problemas de deficiência, mas a proximidade com as crianças, na qualidade de professora, despertou-a para o problema. Lembra que, na altura, era grande o estigma com a “diferença”, o que ditava que as crianças ficassem fechadas em casa, sem acesso à escola. «Havia crianças que não tinham condições para ir para a escola, nem a escola tinha condições para as receber», diz.
Teresa Serra empenhou-se em resolver o problema. Falou com a assistente social e com o presidente da Câmara e contou com o apoio imediato de Simões Saraiva. Seguiu-se o levantamento, em cada aldeia, com o envolvimento dos professores primários. «Contabilizamos 44 crianças», diz.
A antiga professora recorda o empenho do presidente da Câmara, que chamou a si a apresentação pública do projecto e cedeu as instalações. Lembra, ainda, a criação de uma comissão instaladora e o apoio da ARCIL, da Lousã, «a nossa madrinha» que orientou as demarches, e a colaboração inexcedível do médico António Vaz Pato e do advogado Afonso Amaral.
A 14 de Fevereiro de 1980 era assinada a escritura de constituição da ARCIAL – Associação para a Recuperação de Crianças Inadaptadas de Oliveira do Hospital, designação que, em 2014 é “actualizada”, com a substituição da palavra “crianças” por “cidadãos”. O trabalho com os utentes ar-
Diário de
rancou a 31 de Outubro de 1980, no antigo Colégio Brás Garcia de Mascarenhas.
«Vieram 44 miúdos», recorda Teresa Serra, que lembra os professores, assistente social e psicólogos destacados pelo Ministério da Educação. Alguns dos utentes eram crianças, mas outros «tinham mais de 18 anos» e também era diferente o grau de dependência de cada um. Tudo isso foi analisado para a criação das equipas de trabalho.
Satisfeita, 42 anos depois, a antiga presidente, destaca o facto de alguns dos primeiros utentes «estarem hoje empregados em fábricas». Mas também recorda outros, dois irmãos de Lagares da Beira, que «vieram para a ARCIAL, mas não se adaptaram». Por indicação da psicóloga regressaram a casa, mas passaram a ter acompanhamento da assistente social.
«Logo no início tivemos uma costureira, um tecelão e um cesteiro, as três áreas de formação com que arrancámos», lembra a primeira presidente. Um complemento à formação escolar. «Algumas crianças fizeram a 4.ª classe e saíram». Outros conseguiram emprego. Fundamental, em seu entender, foi o facto de o «estigma de fechar as crianças em casa começar a desaparecer». «Os pais começaram a procurar a ARCIAL»,
anos com Oliveira do Hospital ARCIAL
adianta, feliz por ter estado envolvida neste ultrapassar do preconceito.
Formação profissional
Ainda nos anos 80, no quadro de um acordo com a Segurança Social, avançou a instalação do Centro de Actividades Ocupacionais, hoje Centro de Actividades e Capacitação para a Inclusão (CACI), que garante actividades ocupacionais, lúdicoterapêuticas e de desenvolvimento pessoal e social. Um programa que procura, também, estabelecer uma aliança com algumas artes tradicionais, designadamente na área da cestaria e da confecção de cobertas de fitas. «Procuramos ir buscar as mais-valias do território e catapultá-las para a formação destes jovens», explica Artur Abreu. São 55 os utentes do CACI, com idades entre os 18 e os 60 anos, que todos os dias a ARCIAL vai buscar a casa e passam o dia na instituição. Utentes dos concelhos de Oliveira e de Tábua.
A formação profissional é, desde os inícios da década de 90, uma das apostas da instituição. Começou com um curso de costura, frequentado por cinco formandos.
Hoje «são mais de 50», repartidos pelos cursos de Padaria e Pastelaria, Costu-
reiro/Modista, Operador de Jardinagem e Assistente Familiar e de Apoio à Comunidade. Um projecto que cresceu e permitiu, em 2000, a criação de uma empresa de inserção, hoje a ARCIAL Serviços, que trabalha nas áreas de jardinagem e limpeza. «Empresas, instituições e muitos particulares» são os clientes desta oferta.
Em 2014, a ARCIAL dá um salto, com a inauguração das novas instalações, na Rua António Monteiro. Um virar de página, 30 anos depois do arranque, no Colégio Brás Garcia de Mascarenhas.
Desde Setembro de 2017 que a ARCIAL é a entidade gestora do Centro de Recursos para a Inclusão (CRI). «É uma espécie de regresso à matriz fundadora», diz o presidente, que destaca o apoio escolar e acompanhamento dos alunos dos Agrupamentos de Oliveira e de Tábua. As escolas fazem o diagnóstico de necessidades e a ARCIAL garante as respostas, designadamente nas áreas de terapia da fala e ocupacional, psico-motricidade e psicologia, no quadro de um acordo com o Ministério da Educação. Os técnicos deslocam-se às escolas e também recorrem às instalações da ARCIAL, designadamente às salas de snoezeken e de fisioterapia e ginásio.
Papel essencial do desporto e da música
Artur Abreu fala com entusiasmo em duas respostas, criadas nos últimos anos, que demonstram a importância da cultura e do desporto «como veículos de inclusão social», além de, naturalmente, serem essenciais em termos de convívio e de bemestar. Em causa está o grupo de cantares, “um cantAR espeCIAL” e a Academia de Desporto Adaptado.
O presidente destaca, de resto, o espaço que desde sempre o desporto, designadamente o atletismo, teve na ARCIAL. «Em Novembro de 2021 organizámos o 30.º corta-mato», exemplifica. Todavia, mais recentemente foi-lhe dado um especial incremento, através da Academia de Desporto Adaptado, com a introdução de outras modalidades, designadamente o parahoquei, futsal, remo indoor e polybat (ténis de mesa adaptado).
A Academia de Desporto Adaptado tem marcado presença em vários torneios, mas
a “coroa de glória” está no facto de dois jovens da ARCIAL – Marco Marques e Luís Travassos - terem integrado a selecção nacional de parahoquei que venceu o Campeonato Europeu em 2017 e foi vice-campeã em 2019. «Em Dezembro, estivemos nos I Jogos de Inverno da ANDDI (As-
sociação Nacional de Desporto para a Deficiência), realizados na Guarda.
O grupo de cantares, criado há cerca de três anos, tem 15 elementos e «foi muito afectado pela pandemia, porque deixou de haver eventos», diz o presidente, que lembra a actuação de “um cantAR espeCIAL” no palco principal da Festa do Queijo, em 2019, o que «encheu as medidas destes jovens». O grupo, orientado pela professora e maestrina Carina Reis, nasceu como actividade de apoio aos utentes do CACI, mas evoluiu, cresceu e assumiu-se como grupo de cantares.
Outro dos desafios que enche de satisfação os utentes da ARCIAL são as Marchas Populares que tradicionalmente se realizam na cidade. «AARCIAL participa sempre nas marchas», diz o responsável, assumindo que será a iniciativa que «mexe mais, mais entusiasma e mais faz pulsar o coração dos utentes».
68 FAAD 90 anos com Oliveira do Hospital
de Coimbra
HOSPITAL SERVE O CONCELHO E A REGIÃO
1955 No dia 31 de Julho de 1955, Oliveira do Hospital engalanou-se para assistir à abertura do Hospital. Cumpria-se o desejo de Aurélio Amaro Dinis
Com a presença do sr. ministro do Interior, de várias entidades de destaque no distrito, concelho e freguesias, inaugurou-se na tarde de ontem, festivamente, o Hospital Sub-Regional de Oliveira do Hospital», escreve o Diário de Coimbra na edição de 1 de Agosto de 1955. Na primeira página, o jornal esclarece que «esta obra notável deve-se fundamentalmente ao benemérito que foi Aurélio Amaro Dinis, que deixou a Câmara Municipal encarregada de transformar o legado que lhe foi feito numa bela obra de que o edifício que agora se inaugurou é testemunho. A Câmara Municipal, com o apoio do Estado (…) concretizou a vontade do testador», adianta o Diário de Coimbra, que destaca o ambiente festivo que rodeou o momento».
Depois da sessão solene, presidida peloministro do Interior, Tiago de Negreiros, seguiu-se o «cortejo automóvel até ao hospital», onde as «entidades foram recebidas pela Madre Maria Gertrudes de Gouveia e as religiosas que vão prestar ali serviço». O bispo auxiliar. D. Manuel de Jesus Pereira, procedeu à bênção do edifício.
Álvaro Herdade, presidente do conselho de administração da Fundação Aurélio Amaro Dinis (FAAD), lembra que o patrono da instituição foi um investidor, um empresário de Lagos da Beira e Lajeosoa, que fez a sua vida em Lisboa e, sem descendentes, deixou «grande parte da sua fortuna para a criação de uma instituição de apoio aos mais desfavorecidos». Em testamento deixou «alguns prédios, terrenos, contas bancárias, acções dos Caminhos de Ferro Portugueses, que permitiram criar a Fundação Aurélio Amaro Diniz». Os estatutos foram aprovados em 1945, altura em que começou a construção do Hospital, inaugurado em Julho de 1955.
Na altura o edifício tinha um único piso e apresentava as valências de Medicina, Pediatria, Obstetrícia e Cirurgia. O segundo piso foi construído mais tarde, em 1969,
«com o apoio de outros beneméritos da terra, entre os quais se destaca a Família Lagos, que deu um grande apoio ao Hospital», refere. Uma obra que permitiu «o reforço e alargamento do serviço de Cirurgia, que desde logo contou com a permanência de um cirurgião contratado».
Nacionalizado e devolvido à Fundação
Depois da revolução de Abril de 1974, à semelhança do que aconteceu com a maioria das unidades hospitalares, o Hospital de Oliveira do Hospital foi nacionalizado, a 9 de Janeiro de 1979, ficando sob a dependência do Centro de Saúde de Coimbra. Posteriormente, entre Abril de 1981 e Julho de 1983 esteve integrado na Direcção Geral dos Hospitais, passando depois a depender da Administração Regional de Saúde de Coimbra. A 1 de Janeiro de 1990 o Hospital foi devolvido à Fundação Aurélio Amaro Dinis, mediante um protocolo com a Administração Regional de Saúde.
«Foi o primeiro hospital a ser devolvido a uma gestão privada», afirma Álvaro Herdade, que recorda o facto de se ter chegado a pensar, em parceria com Seia, «criar um grande bloco assistencial em Seia e Oliveira do Hospital. Seia não quis avançar e nós demos o passo para o hospital ser devolvido». Lembra que neste regresso à Fundação, a unidade tem como referência as valências de Cirurgia e Medicina e por ali passaram alguns dos mais icónicos médicos da região, como o dr. Virgílio, o dr. Francisco Antunes,
o dr. Gil Costa e o dr. Vaz Pato.
O presidente do conselho de administração reconhece que a gestão do Hospital nem sempre foi fácil. «Atravessámos algumas fases críticas», que se prologaram praticamente até depois do “dobrar do século”. «Em 2005 o Hospital ainda não era autosuficiente. A Câmara tinha sempre que injectar algum dinheiro». Todavia, de então para cá e fruto de «uma aposta na profissionalização da gestão, o hospital tem vindo a afirmar-se como um pólo de referência no concelho e em toda a região».
«Somos um hospital privado com convenção com o Serviço Nacional de Saúde (SNS)», diz Álvaro Herdade. Mas o Hospital não vive hoje na dependência dos protocolos com o SNS. «Hoje o SNS representa 50%» do trabalho prestado pela unidade hospitalar, que efectua consultas, exames de diagnóstico, análises e está envolvida no programa de combate às listas de espera, mas que actualmente trabalha com outros subsistemas de saúde.
Hospital assegura Serviço de Urgência
O mais recente acordo com o SNS data de 31 de Outubro de 2017 e assegura o Serviço de Urgência em Oliveira do Hospital, durante a semana, entre as 20h00 e as 8h00, e aos fins-de-semana e feriados durante todo o dia. Álvaro Herdade recorda que foi esta a solução encontrada depois dos incêndios de Outubro de 2017. «O Centro de Saúde fechou e éramos a única
Diário
entidade a funcionar. Tínhamos o gerador de emergência e conseguimos continuar a trabalhar toda a noite, mesmo sem energia, garantindo que as pessoas não ficassem sem assistência. Foi bastante difícil, pois não tínhamos Urgência», esclarece.
Uma resposta que deu o mote para a solução que foi necessário encontrar pouco depois, uma vez que «os médicos do Centro de Saúde deixaram de fazer urgência». «A Fundação foi chamada para uma reunião com o presidente da Câmara Municipal e com o ministro da Saúde, Adalberto Campos, e foi assinado um protocolo para a Fundação assegurar o Serviço de Urgência, durante a noite e aos fins-de-semana e feriados».
«Numa semana montámos toda a Urgência», refere, lembrando que, nos termos do protocolo, e como «não havia tempo para submeter a situação ao Tribunal de Contas» e uma vez que se estava a dois meses do final do ano, os custos deste serviço foram imputados ao protocolo já existente com o SNS. Uma situação que «nunca foi revista», o que significa que, «apesar de ter sido criada uma nova resposta, a urgência, não houve reforço da verba consagrada no protocolo». «O dinheiro que gastamos com a Urgência está a fazernos falta nas outras valências, designadamente nas cirurgias programadas. Tivemos que parar cirurgias e consultas programadas porque não havia verbas», reitera Álvaro Herdade, recordando que a situação se arrasta desde 2017 e mesmo no acordo renovado, assinado a quatro dias do final do ano, a situação não foi revista. Em 2021 «gastámos o dinheiro em seis meses, o que quer dizer que precisávamos quase do dobro para prestar uma assistência digna às populações», afirma o médico. O protocolo com o SNS é de 1,9 milhões de euros e só o custo do funcionamento da Urgência cifra-se em 421 mil euros, esclarece.
anos com Oliveira do Hospital
Investimento de milhões vai revolucionar hospital
forçando a necessidade, isso sim, de «dar melhores condições aos utentes»
Aposta assumida é, igualmente, a área da Medicina Física e de Reabilitação, que dá resposta aos doentes de Ortopedia e a uma vasta franja populacional, que cada vez mais carece deste tipo de apoio. A Fundação está à espera de um programa possa garantir apoio a este investimento, que Álvaro Herdade considera «urgente» e «necessário» para melhor servir a população da região.
Resposta alargada
«Andamos sempre em obras» e em perspectiva está mais uma. Com efeito, a Fundação tem um «grande projecto» em cima da mesa, que «representa um investimento de 6 ou 7 milhões de euros». Trata-se da remodelação/renovação do Hospital ao nível do internamento e a construção de raiz do Serviço de Urgência e da Unidade de Fisioterapia e Medicina Física e de Reabilitação e farmácia.
«O objectivo não é aumentar o número de camas, mas melhorar as condições», afirma Álvaro Herdade, sublinhando a necessidade de avançar com urgência com a obra, que pretende dotar todos os quartos com WC privado. O Hospital possui 31 camas, 26 de Medicina e 5 de Serviço de Urgência e é este o número que pretende manter. «Não precisamos de aumentar o número de camas. Cada vez mais, nas cirurgias, o doente está menos tempo internado. Hoje os doentes passam 4/5 dias no Hospital quando antigamente ficavam um mês», explica, re-
A Ortopedia é, desde há muito, uma referência. «Temos três belíssimas equipas e cirurgiões de ortopedia, é uma das nossas principais áreas», diz Álvaro Herdade. O médico destaca, igualmente a Ginecologia e a Cirurgia Geral. «Tentamos trabalhar com todas as áreas, Cardiologia, Neurologia, Urologia, Fisioterapia e Medicina Física e de Reabilitação.
Relativamente ao meios de diagnóstico, a unidade está bem equipada. «Só não temos o que não se justifica», diz, exemplificando com a ressonância magnética.
«Recentemente trocámos o TAC por um mais moderno e adquirimos novo equipamento de cardiologia», diz, referindo a «digitalização de todo o Raio X».
Em termos de recursos humanos, refere dificuldade em algumas especialidades e a «menor disponibilidade da classe médica para trabalhar». Relativamente aos enfermeiros, a decisão de «pagarmos o mesmo que paga o SNS», estabilizou o serviço, mas com os auxiliares de acção médica, as dificuldades continuam.
70 FAAD 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
Apoio aos mais e aos “menos” novos
1985 As respostas da Fundação não se ficaram pelo sector da saúde. Assim, em 1985, sob a orientação de António Mendes Monteiro, então presidente do conselho de administração, assistiu-se à inauguração da Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI). Foi o primeiro Lar de Idosos criado no concelho, que também possui a valência de centro de dia e garante apoio domiciliário.
Uma valência que já sofreu obras de ampliação e remodelação, com a mais recente intervenção a centrar-se na construção de uma nova cozinha. Com lotação esgotada, o lar tem capacidade para 55 utentes. Em regime de apoio domiciliário estão 25 utentes.
Há dois anos, a Fundação assumiu um projecto desenvolvido pela Liga dos Amigos da Lajeosa, numa quinta que lhe pertence, e que acabou por não se revelar viável, envolvendo creche, jardim-de-infância e centro de dia. «Assumimos o centro de dia, a creche e o jardim-de-infância». Com a pandemia, e com o objectivo de garantir uma maior segurança, os utentes do centro de dia da sede da instituição foram transferidos para este espaço.
Relativamente aos mais novos, o trabalho da Fundação começou em 1996, altura em que foi instalado o infantário, sediado no mesmo edifício onde funciona o lar. Respostas que começaram com uma sala de creche, uma sala de jardim-de-infância/préescolar e um Centro de Actividades de Tempos Livres (CATL), que no espaço de quatro ano foi necessário reforçar. Com efeito, em 2000, o CATL muda para uma instalação independente, junto ao Hospital e começam a funcionar duas salas de creche e uma de pré-escolar mista, dos 3 aos 5
anos.
Em 2007, surge um novo infantário, com duas salas para o pré-escolar, duas salas de creche, incluindo berçário e uma sala de CATL. Cinco anos depois, funcionam seis salas de creche, incluindo duas de berçário, três salas de pré-escolar e outras três de CATL. «Damos apoio a cerca de 250 crianças nas diferentes valências», diz o presidente do conselho de administração, que lembra, também, o facto de a instituição ser pioneira no trabalho de crianças com idosos, designadamente através do projecto “Amigos sem idade”, com os mais velhos a adoptarem as crianças, quais netos, e estas a relacionarem-se com os seniores como avós.
Aposta em respostas para a saúde mental estudantes e acolhimento
O projecto está feito e o presidente do conselho de administração acredita que pode abrir em Junho deste ano. Em causa está uma nova valência e um serviço que não existe no concelho e que «faz falta»: uma Unidade de Cuidados Continuados de Saúde Mental. «Já nos foi atribuída pelo
Governo e publicada em Diário da República, explica Álvaro Herdade que, com notória satisfação, apresenta o projecto desta unidade piloto, que representa um investimento que «ultrapassa um milhão de euros», a instalar na Lajeosa. «Não existe nenhuma resposta na região e a saúde mental é uma área muito importante», afirma.
O edifício, a construir de raiz, tem um único piso e um amplo jardim interior, tem capacidade para 24 utentes em regime de internamento. Poderá, ainda, na zona envolvente, ficar dotado com uma área de consulta e outra dedicada à integração social dos utentes.
Outro projecto, este na zona histórica de Oliveira do Hospital, é a criação de uma Residência Universitária. Trata-se de transformar um prédio da Fundação, numa resposta que faz muita falta, tendo em conta o crescente fluxo de estudantes que demanda a cidade, devido à Escola Superior de Tecnologia e Gestão. «Estamos a trabalhar no projecto e vai avançar rapidamente», garante Álvaro Herdade, que aponta um investimento de cerca de meio milhão de euros nesta adaptação. Uma resposta que se vai juntar a uma outra, já em funcionamento. «Conseguimos vagar um prédio, com três apartamentos, que foram remodelados e já lá estão alunos instalados», esclarece.
A criação de Casas de Acolhimento é outro dos desafios. Um projecto a desenvolver em Lagos da Beira, onde a Fundação possui um bairro social. «À medida que as casas forem vagando, optamos por não arrendar, com o objectivo de as transformar em Casas de Acolhimento. O objectivo é criar uma resposta pronta para «acolher pessoas que não têm para onde ir, sobretudo estrangeiros», refere.
FAAD tem diversificado as respostasRESPOSTAS À DEFICIÊNCIA
E PARA A COMUNIDADE
1999 Misericórdia de Galizes encontra, quase na viragem do século, uma nova vocação, centrada no apoio à doença mental e à deficiência. Novas respostas surgiram entretanto
Fundada em 1668, a obra e a história da Santa Casa da Misericórdia de Galizes perde-se na nebulosidade do tempo. Presume-se que o apoio aos peregrinos que percorriam a Estrada Real fosse uma das suas tarefas, a que se juntavam as 14 “Obras de Misericórdia”. Um novo passo terá sido dado, no início do século XX, com a criação de uma farmácia, que ainda hoje funciona. «Durante dezenas de anos foi esta a face mais visível do trabalho assistencial da Misericórdia», refere o provedor. Bruno Miranda aponta o «estudo» que está a ser feito, procurando “fazer
luz” sobre esta história centenária onde muitas páginas estão por esclarecer.
«Na década de 50 surge um impulso novo, com a criação do Hospital Concelhio», um projecto liderado pelo médico António Vaz Pato, que em diferentes momentos foi provedor da instituição. O Hospital, inaugurado a 24 de Junho de 1951, funcionou com o apoio de ordens religiosas, mas fechou escassos anos depois. Posteriormente, em 1976, o Hospital de S. João de Deus de Galizes ganha uma nova vocação, na área da saúde mental. O diploma legal, de Maio de 1976, refere a «carência de instalações
para prestação de assistência e promoção da saúde mental dos adolescentes», o que levou a «incluir no III Plano de Fomento as verbas necessárias para permitir o aproveitamento do Hospital de S. João de Deus de Galizes». Todavia, sete anos volvidos, em Abril de 1983, o Conselho de Ministros aprova a extinção do Hospital Psiquiátrico de Galizes, pois a «dificuldade em obter a colaboração do pessoal técnico (...) agravada pela distância a que o Hospital se encontra dos grandes centros urbanos, impediu que o estabelecimento viesse a funcionar nos termos em que havia sido concebido».
Devolutas, as instalações serviram, pouco depois, para acolher o CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato, até à transferência para Coimbra. Depois disso, «durante praticamente uma década as instalações ficaram ao abandono», diz o provedor. A Santa Casa decide, então, reassumir as rédeas da situação e avança com a criação do Lar Residencial Casa S. João de Deus, inaugurado em 1999, vocacionado para acolher pessoas com deficiência e doença mental. Uma estrutura com capacidade para 42 utentes, reforçada com Centro de Actividades Ocupacionais (CAO).
«À volta desta casa residencial começaram a surgir outras valências», explica Bruno Miranda, exemplificando com a Creche S. João de Deus, inaugurada em 2003, e que representa uma resposta que fazia falta à comunidade, com capacidade para 33 crianças. Creche que nos últimos dois anos foi galardoada com a Bandeira Verde Eco-Escolas e ostenta o “Selo Protector”, atribuído pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e dos Jovens. «Foi a primeira creche de uma Misericórdia, em todo o país, a ter este selo», sublinha. É a única na região com esta qualificação, renovada em 2021.
Em 2008, ergue-se um novo edifício,
Misericórdia 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
onde se instala o Centro de Medicina Física e de Reabilitação. Uma valência que dá resposta à instituição e à comunidade dos concelhos de Oliveira, Tábua e Arganil. A equipa integra dois médicos fisiatras, quatro fisioterapeutas e auxiliares e assistentes e «não conseguimos dar resposta imediata para consultas e tratamentos », diz o provedor
Novo investimento surge em 2015, com a inauguração do Lar Residencial Nossa Senhora da Visitação. Inicialmente, o objectivo era substituir o primeiro lar, mas a instituição percebeu que não era esse o caminho, pois ficaria com «falta de camas». O novo lar acolhe 36 utentes com deficiência, a que junta cinco em regime de residência autónoma, destinada a pessoas que têm capacidade para viver sozinhas, embora com apoio técnico de retaguarda. Simultaneamente é ampliada a capacidade do CAO para mais 20 utentes.
No total, a Misericórdia tem capacidade para acolher 83 pessoas com deficiência e garante apoio domiciliário a 40 idosos.Assume, igualmente, a resposta de Rendimento Social de Inserção, garantindo apoio a 120 famílias e é a entidade coordenadora do Programa Operacional de Apoio às Pessoas mais Carenciadas dos concelhos de Oliveira do Hospital e de Tábua, o que representa a entrega de alimentos a cerca de 500 famílias, directamente, ou através de outras entidades.
A Farmácia Nuno Álvares continua a funcionar sob a tutela da Santa Casa, que também é responsável pelo Posto dos Correios. «É um serviço que prestamos à população», refere o provedor. O chamado Calvário, um ponto alto da povoação, com três cruzes, também é pertença da Misericórdia, que é, ainda, proprietária do cemitério.
O provedor estima que, em média, a Santa Casa dê apoio a cerca de um milhar de pessoas. Quanto aos colaboradores, cerca de uma centena estão a 100% e há um grupo alargado em prestação de serviços.
CAT inovador, centro de dia creche e museu “na calha”
A criação de um Centro de Acolhimento Temporário (CAT) para a Deficiência constitui um dos projectos que os responsáveis da Misericórdia mais acarinham. «É uma resposta inovadora a nível nacional, um projecto apoiado pelo Fundo Rainha D. Leonor com 300 mil euros», diz o provedor, que lamenta que a Santa Casa esteja «há cinco anos à espera da aprovação da segurança Social.
O CAT destina-se a acolher temporariamente crianças e jovens, encaminhados pelos tribunais ou pela Segurança Social, mas tem a preocupação de dar resposta a necessidades especiais. «Não existem CAT preparados para acolher crianças e jovens com deficiência», diz Bruno Miranda, sublinhando que é esta aposta diferenciadora que a Santa Casa de Galizes assume, tendo em conta o vasto know how que possui na área.
Uma valência a instalar na chamada “Casa do Brasileiro”, uma residência doada à Misericórdia em 2015. As obras de requalificação, orçadas em 800 mil
Casa Nossa Senhora da Visitação inaugurada em 2015 e criadas residências autónomaseuros, já começaram e o CAT vai ter capacidade para acolher 20 crianças e jovens. O provedor espera que para o ano esteja em funcionamento.
A Santa Casa pretende avançar com a construção de uma nova creche, pois a actual creche está lotada e há lista de espera. O projecto está pronto. «Só estamos à espera que haja apoio», diz. Na “calha” está também a construção de um centro de dia, a primeira valência desta natureza tutelada pela Misericórdia de Galizes. O projecto já foi entregue na Segurança Social e o objectivo é requalificar a antiga Escola Primária, com apoio do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e criar um Centro de Dia para 20 pessoas.
Também para a comunidade é o Núcleo Museológico que a Santa Casa pretende criar no centro de Galizes, junto à Igreja da Misericórdia. O objectivo é mostrar algum do acervo, reunido ao longo dos anos, que testemunhe os momentos mais relevantes da história da instituição.
BOMBEIROS NA LINHA DA FRENTE
construção do primeiro quartel, que demorou alguns anos a concretizar.
Moroso foi, igualmente, o processo para aquisição da primeira viatura, pois durante largos anos o rodado de uma carroça, onde se adaptaram duas escadas de lances, uma motobomba, mangueiras, agulhetas e algumas enxadas, foi a viatura oficial de serviço. O veículo, da marca Opel, entrou ao serviço em Junho de 1961 e foi durante 15 anos a única viatura automóvel do corpo de Bombeiros para extinção de incêndios.
Fanfarra e Carnaval
1946 Fundada em 1946, a Corporação Humanitária de Lagares da Beira teve durante largos anos a única ambulância existente no concelho
A24 de Julho de 1966 assistia-se à bênção da primeira ambulância ao serviço do concelho de Oliveira do Hospital. Um presente deveras especial, oferecido pela Fundação Gulbenkian aos Bombeiros Voluntários de Lagares da Beira, amplamente festejado por toda a população. Durante largo tempo foi a única viatura desta natureza existente no território. Meio século depois, são as ambulâncias, agora no plural, que motivam uma particular preocupação do comandante. António Pinto, há 16 anos no cargo, recorda um recente acidente, à entrada de Coimbra, com uma ambulância de socorro, que implicou uma reparação de 10 mil euros. Em causa está uma viatura com 20 anos que, reconhece, merecia e precisava de reforma, mas não há condições para isso acontecer. «Uma ambulância nova custa 60 mil euros», faz notar. Há uma outra viatura, em «muito bom estado» e outra a “meio termo”.
Relativamente às ambulâncias de transporte de doentes não urgentes, a «preocupação» é maior. São 10 as viaturas no activo, mas «as solicitações são muitas» e os meios “não esticam”. «É necessário estar sempre a renovar a frota», que tem uma carga de viagens especialmente significativa, mas as condições financeiras «não facilitam».
No combate a incêndios, a situação é satisfatória. «Estamos bem servidos», considera, garantindo que as 12 viaturas – incluindo três carros de comando – dão resposta às necessidades. O mesmo acontece com as instalações, um quartel moderno, inaugurado em 1998, com «boas condições, que procuramos manter».
No que se refere aos meios humanos, a situação «ainda é satisfatória», mas, alerta, «no interior há cada vez menos gente nova e é mais difícil renovar a “frota” humana».
António Pinto faz um apelo ao voluntariado, pedindo às pessoas, em especial aos mais novos, que «adiram à causa dos bombeiros».
O corpo activo tem actualmente 45 elementos e duas equipas de intervenção permanente, que representam 10 profissionais. «Candidatámo-nos uma terceira equipa», diz. A corporação tem mais 13 profissionais.
O incêndio numa casa, em 1944, na Rua da Salgueira, deu o mote para a criação de um corpo de bombeiros em Lagares da Beira. O povo lutou contra as chamas e os Bombeiros de Oliveira do Hospital ajudaram, mas a casa não se salvou. Salvou-se, isso sim, a ideia de fundar uma corporação. Surge, assim, dentro daAssociação Progresso Lagarense, uma comissão que, a 1 de Junho de 1946, cria legalmente a Corporação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lagares da Beira. O prof. Francisco Marques Gomes foi o primeiro presidente da direcção e Antenor Marques Tavares o primeiro comandante. O advogado Francisco Dantas Mendes Cruz ofereceu o terreno para a
«Uma brincadeira de Carnaval», ao toque de bombos, acabou por ditar a criação de um projecto muito sério, a Fanfarra dos Bombeiros de Lagares da Beira. Vivia-se o ano de 1977 e, de então para cá, a Fanfarra cresceu e afirmou-se, juntando cerca de 50 elementos. «É um “cartão-de-visita” dos Bombeiros», diz o comandante.
Curioso é o facto de serem os Bombeiros os responsáveis pela organização do cortejo carnavalesco. Valendo-se da memória e das histórias que se contam, o comandante diz que a organização do corso tem as suas raízes nos anos 60/70, num cortejo de oferendas a favor dos Bombeiros, que nos anos seguintes foi sendo adaptado ao perfil de corso carnavalesco. «Não havia nada no concelho, devidamente organizado», lembra, e isso deu o mote para o sucesso do evento e para os Bombeiros continuarem a assegurar a organização, hoje num registo «quase profissional», com um orçamento de 30/25 mil euros.
Prevenir é fundamental
Ao comando da Associação de Lagares da Beira desde Novembro de 2005, António Pinto Tavares viveu momentos muito bons e muito maus. «As coisas boas passam, mas as más não nos saem da memória», diz. O pior dos males viveu-o em Outubro de 2017. «Foi marcante, muito marcante. Uma coisa inimaginável, mas aconteceu», diz, referindo-se à destruição dantesca provocada pelos incêndios. «Aconteceu e pode voltar a acontecer», alerta, apontando o «crescimento brutal da carga combustível» que se está a acumular em todo o território. «A prevenção é fundamental», diz. «Quando andamos atrás do fogo, não se pode fazer praticamente nada. Foi o que aconteceu em 2017 e pode voltar a acontecer. Mais depressa do que pensamos!», vaticina.
1994 Fundada a 21 de Março de 1922, Associação Humanitária dos Bombeiros de Oliveira do Hospital celebra este ano 100 anos de vida
Apandemia impede que a festa seja grande ou, pelo menos, à dimensão dos 100 anos que a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Oliveira do Hospital cumpre este ano. As comemorações vão ser as possíveis. Pelo menos as condecorações e promoções prometem não falhar. Viva e acesa, mantém-se, como sempre, a chama do voluntariado.
«É preciso trabalhar para isso», afirma o comandante. Emídio Camacho tem 57 anos e uma vida ligada aos Bombeiros, para onde entrou com 18 anos. Começou como aspirante, cresceu naquela casa, apostou na formação, seguiu o exemplo dos melhores e assumiu, há 16 anos, o comando. «Temos de ter uma mentalidade aberta para levar os jovens a aderirem ao associativismo e à protecção civil», considera. E isso tem sido feito em Oliveira do Hospital de forma exemplar.
Com notório orgulho, o comandante fala da Escolinha de Infantes e Cadetes, fundada em 2012, como um dos pilares desta dinâmica destinada a cativar os mais jovens, sensibilizando-os para o voluntariado, para o sentido de servir, abraçar esta causa, para
a vontade de ser bombeiro. Trata-se, sintetiza, «de semear para depois colher». «Semelhante é o que acontece com a Fanfarra», adianta, destacando o «trabalho voluntário, por amor à causa», que mobiliza os jovens. Alguns têm uma passagem temporária. «Saem daqui para estudar», mas outros continuam… e ficam. No ano passado, diz, satisfeito, foram «promovidos 18 estagiários».
A Escolinha, depois de uma paragem de praticamente dois anos, foi retomando as actividades, com 45 crianças e jovens. O mesmo número de elementos integra a Fanfarra, que também sofreu um revés com a pandemia, pois «já chegou a ter 75 elementos». Por isso, considera, é fundamental o «regresso à normalidade», as «saídas à rua», para «motivar os jovens» e fomentar a captação de novos elementos para a Escolinha e para a Fanfarra.
Orgulhoso, Emídio Camacho destaca a singularidade deste projecto, que «promove o aproveitamento de sinergias» e faz do corpo de Bombeiros de Oliveira um caso de sucesso. «Não vejo isto acontecer na Guarda, em Viseu ou no Alto Distrito», diz.
Fruto desta dinâmica, os Bombeiros de Oliveira têm um corpo activo “encorpado”, com 93 elementos, que garantem uma resposta pronta, apoiados por uma equipa de 28 profissionais, dos quais 10 estão alocados às equipas de intervenção permanente (EIP). «Candidatámo-nos a uma terceira EIP, para reforçar a estrutura», diz.
A corporação também tem aceita estágios profissionais. «Já tivemos 10 estagiários», refere o comandante.
Relativamente a instalações, o actual quartel, inaugurado em 1994, «tendo em conta as exigências ao nível da protecção civil e socorro, serve, embora precise de algumas obras», diz o comandante, que destaca a «atenção» da direcção a essa realidade. Trata-se, explica, de criar mais espaços, designadamente para lazer e promoção da actividade física, garantir uma melhor gestão dos equipamentos de protecção e de fardamento e garagens para as viaturas. A direcção está mesmo a equacionar, segundo o comandante, novas instalações destinadas à formação, aproveitando o know how e a capacidade instalada dos Bombeiros de Oliveira, que estão creditados para dar formação interna e externa.
No que concerne ao parque de viaturas, apesar de algumas com idade avançada, «estão todas operacionais», «inspeccionadas» e «validadas» pelas entidades competentes. «Temos viaturas de combate a incêndios florestais com 25/30 anos», diz o comandante, «mas estão todos operacionais», garante, embora reconheça que, tendo em conta as novas tecnologias, «começam a perder terreno». O mais recente é de 2007. Mais nova é a viatura de combate a incêndios urbanos e industriais, adquirida em 2013. No total são 13 viaturas de combate a incêndios e quatro de comando. A frota inclui auto-escada, material de apoio a abastecimento e um reboque. Em perspectiva, para assinalar o centenário, está uma viatura de combate a incêndios, oferta da Câmara Municipal.
Relativamente à frota de ambulâncias, são, no total 18, seis de socorro, seis de transporte de doentes não urgentes, quatro de transporte de doentes urgentes e duas de transporte múltiplo. Uma frota «mais actualizada», onde, inclusivamente, há uma viatura adquirida no ano passado. Todavia, «são viaturas para transporte de pessoas e tem de haver uma actualização constante», considera o comandante. «Precisamos de mais uma ou duas para transporte de doentes urgentes», conclui.
Em termos globais, apesar do peso dos anos, o comandante, destaca a qualidade do equipamento, «material muito bom», que coloca o corpo de Bombeiros de Oliveira do Hospital na vanguarda, em termos de operacionalidade.
BOMBEIROS CENTENÁRIOS, MAS REJUVENESCIDOS
anos com Oliveira do Hospital
Resposta ao “pavor das chamas”
Fundada a 21 de março de 1922, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Oliveira do Hospital nasceu «sob o pavor das chamas» Um violento incêndio, em pleno centro da vila, destrói uma “casa de Hóspedes”, mas a mobilização da população impede que alastre aos edifícios vizinhos. Um dia de má memória que levou os responsáveis do concelho a equacionarem a criação de um corpo de bombeiros. Fausto Soares, então presidente da Câmara Municipal, e Aguilar Teixeira da Costa, lideraram esse movimento. O primeiro viria a ser o primeiro presidente da direcção e o segundo o primeiro comandante. No dia 10 de Outubro de 1922, estavam alistados os primeiros 12 bombeiros. Em Novembro de 1927, fica concluído o primeiro quartel-sede, graças a um “Bazar de Prendas” que rendeu mais de sete mil e seiscentos escudos.
O primeiro pronto-socorro, um Lancia, é adquirido em 1930, com o apoio financeiro
de Aguilar Teixeira da Costa. Poucos anos depois, Fausto Soares oferece um autoligeiro e em 1940 é adquirido um pronto-socorro que substitui o velho Lancia e obriga a construir uma garagem para aparcar “o cadeirinhas”, hoje uma peça de museu.
Apesar das grandes dificuldades financeiras, a Associação sempre teve uma vocação solidária. Sinal disso está a distribuição, pelo Natal, em 1930, de 200 escudos pelos «pobres mais necessitados das freguesias».
Em 1962, os bombeiros mudam de casa, instalando-se na Rua dos Bombeiros Voluntários. A autarquia cedeu o terreno e Manuel Rodrigues Lagos, presidente da Assembleia Geral, deu um significativo contributo para a obra, que importou em 424.935 escudos. A comparticipação do Estado (30%) e o apoio da população ajudou a pagar a obra. No final dos anos 80, começa a preparar-se nova mudança e em Janeiro de 1994 é inaugurado o actual quartel.
Outubro de má memória
Com quase 40 anos de ligação aos bombeiros, Emídio Camacho elege como momento mais marcante o incêndio de Outubro de 2017. Recorda que os bombeiros começaram, logo de manhã, a combater um incêndio em Torroselo, provocado por um descuido numa queimada, que avançou sobre a povoação. Seguiu-se uma projecção deste incêndio em Gavinhos de Cima e, a certa altura, «chega o alerta do CDOS, a dizer que o incêndio que deflagrou em Arganil iria “engolir” Oliveira do Hospital. E foi isso mesmo que aconteceu», com o fogo, a «atingir 88 localidades!».
«O fogo entrou com uma agressividade terrível e em duas/três horas devastou tudo». Os bombeiros «tudo fizeram para minimizar o desespero das pessoas» e o comandante “ergue as mãos a Deus” pois não sofreu baixas. «Tentamos fazer o que foi possível. Houve locais onde não conseguimos chegar. Era impossível! Aquilo foi pior do que a guerra!», diz. Desde 2017 «pouco ou nada foi feito. Dentro de alguns anos vai acontecer o mesmo!», avisa.
90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
MEMÓRIAS DO FOGO
2017 Incêndio de 15 de Outubro de 2017 transformou um concelho verde numa terra calcinada. Morreram pessoas, arderam casas, empresas, campos agrícolas e floresta… Em escassas horas a destruição foi gigantesca
Foi a noite mais longa de todas as noites. A mais violenta. A mais trágica. Vivida a ferro e fogo. Uma noite que marcou para sempre as gentes do concelho. O fogo veio de longe, cresceu, agigantou-se e tomou conta de tudo. O verde morreu para dar lugar ao negro e à cinza. 15 de Outubro de 2017. Um dia de má memória. “Uns correram… outros morreram”… Mas todos têm uma história para contar...
Tiago Cerveira, fotógrafo e realizador, faz connosco esta viagem ao passado. Dolorosa, admite, pois trata-se de regressar a um tempo e a um lugar onde não queria estar.
Ao final da tarde, em Travanca de Lagos, por volta das 18h00, viam-se, ao longe, «duas gigantescas colunas de fumo», para os lados da Lousã e de Viseu. «Mas estavam longe». Por volta das 20h30, com a família à mesa, a jantar, de repente, «a luz começou a falhar». «Parecia uma cena de filme», diz. A subida ao andar superior deu a justificação: «o fogo estava a 100 metros» de casa. Mais
uma vez, Tiago, um homem da imagem, destaca a irrealidade do momento. «Parecia uma situação de filme. Um mar de chamas», como se das «gigantescas ondas da Nazaré» se tratasse, mas em forma de fogo. «Um céu laranja, que cuspia bolas de fogo. Quando chegámos cá fora, percebemos que estávamos completamente rodeados de fogo», adianta.
Tiago ainda foi ao centro da aldeia, mas a situação era complicada em todo o lado. «A aldeia estava cercada, com toda a gente em alvoroço. Era o salve-se quem puder». A mãe, a irmã, a namorada e o sobrinho, com três/quatro meses, ficaram dentro de casa. Cá fora, os homens meteram mãos à obra, apagando os focos de incêndio. «O fogo chegou até ao tapete da casa». Jardim, árvores, vinha... ardeu tudo. Mas a casa estava salva. Chegava a hora de «ajudar os vizinhos» e fazer o que pudesse ser feito. «A aldeia estava completamente virada do avesso. Viam-se pessoas mais velhas em pijama, perdidas, desorientadas, que não sabiam se as suas casas tinham ardido».
«Não havia comunicações», o que impedia saber quaisquer notícias da mãe da namorada, residente em Oliveira do Hospital. O fogo passou, mas ficou o fumo, que «não deixava ver nada». Só por volta da uma da madrugada Tiago conseguiu pôr-se a caminho de Oliveira. Cinco escassos quilómetros que pareciam não ter fim. «A cada
100 metros víamos um cenário trágico», diz, recordando o grande número de casas ardidas. «A cada 200 metros víamos um carro carbonizado. Não sabíamos se tinha pessoas lá dentro ou não». «Parecia irreal!», desabafa.
Foi uma noite em claro e tentar fazer o que se podia… ajudar pessoas. «Há coisas de que não me lembro», confessa. De outras perdeu o fio condutor, como da mulher que, no regresso a Travanca de Lagos, encontraram a correr no meio da estrada, depois do carro em que seguia com o marido se ter despistado. «Entrou no carro, acho que desmaiou!...». «Sabíamos que estávamos a correr algum risco, mas unimo-nos todos… era uma questão de sobrevivência», recorda, salientando factos positivos como o de «vizinhos que não se falavam», mas esqueceram desavenças e «ajudaram-se uns aos outros». «Houve solidariedade! Voltámos a ser humanos. Os egos desapareceram e ajudámo-nos todos uns aos outros», salienta.
A manhã trouxe o dia, mas aumentou a dor. O que outrora era verde estava preto e cinzento. Parecia que até as pedras arderam. «Ardeu tudo! A nossa terra, todas as nossas terras nunca mais voltam a ser as mesmas», desabafa Tiago Cerveira.
Registar testemunhos para fazer história
Esta experiência, vivida na primeira pessoa, levou Tiago e Rodrigo Oliveira, semanas depois, a desenvolveram um conjunto de documentários sobre o dia 15 de Outubro. Os dois jovens, um de Oliveira do Hospital e outro de Arganil, conheciam-se através das redes sociais. «Era uma relação meramente digital», diz. «Foi o fogo que nos juntou». Isto porque Rodrigo foi um dos promotores do movimento SOS Arganil, que procurou ajudar, no concelho de Arganil, as vítimas do dantesco incêndio. Um trabalho que uma televisão holandesa quis destacar.
«O Rodrigo aconselhou-me para fazer a reportagem». E fez-se. «Três semanas depois, o Rodrigo apresenta-me a ideia: irmos para o terreno fazer um documentário sobre o que tinha acontecido».
E assim foi. De forma simbólica, seleccionaram 15 histórias. «Poderiam ter sido 15 mil!». Testemunhos em directo, vividos na primeira pessoa, que procuraram retratar os diferentes quadrantes da sociedade, desde os bombeiros, aos empresários, as
queijeiras, passando pelos estrangeiros, pelos mais velhos e pelos mais novos. «Procurámos contar a história quando as pessoas estavam com as feridas todas abertas», adianta, sublinhando, todavia, o desejo expresso de não entrar numa linha sensacionalista. «Não quisemos lágrimas nem chamas», muito embora soubessem de «muitos filhos que perderam os pais e muitos pais que choravam os filhos perdidos».
Longe do registo sensacionalista, do “coitadinho”, Tiago e Rodrigo, empenharam-se em projectar o seu know how profissional para o terreno, com o objectivo de recolher testemunhos e criar memória, para que esta noite trágica, este fogo dantesco, fique «registada na história». Para que, quem não viveu o drama possa ter uma ideia da dimensão da tragédia. Para que, no futuro, haja uma memória deste passado.
anos com Oliveira do Hospital
Os números da tragédia
Em pouco mais de quatro horas, o fogo varreu todo o território concelhio. Entrou dentro da cidade, invadiu as 88 localidades e deixou um rasto de destruição e morte. Uma terra onde reinava o verde, ficou pintada de negro e de cinza. Oliveira vestiu-se de luto. Com 12 vítimas mortais, às quais se somou, meses depois, mais uma. Em toda a região foi o concelho com mais perdas humanas. 13 no total. Uma memória dramática, que permanece bem viva e que ninguém vai esquecer tão depressa. Todos os anos, o município promove uma homenagem singela aos que “caíram”, vítimas do fogo: Pedro Neves, António Costa e Maria da Graça Costa, de Nogueira do Cravo; Paulo Costa e Maria Celeste Alves, de Vila Pouca da Beira; João André Costa e Cristiana Brito, de Oliveira do Hospital; Maria Fernanda Augusto, de Lourosa; Ramiro Faria, de Penalva de Alva; Maria Rosa Marques e Isilda Garcia, de S. Gião; Andrew Smiler, de Avô; e Bernarda Matias, de Ervedal da Beira, que ficou gravemente ferida e sucumbiu oito meses depois.
De acordo com os dados oficiais, ardeu 97% do concelho e cerca de 95% da área florestal. O levantamento, efectuado nos dias que se seguiram, aponta, segundo dados do município, para 286 residências de primeira habitação total ou parcialmente destruídas. 165 foram candidatadas aos apoios para a reconstrução e 129 foram contempladas.Alguns proprietários, ressalva o município, recorreram aos seguros ou avançaram com a reconstrução pelos seus próprios meios. Foram identificadas 94 casas de segunda habitação atingidas, total ou parcialmente e apresentadas 41 candidaturas para os apoios à recuperação. 20 tinham condições elegíveis e 21 foram excluídas.
O levantamento identificou 164 empresas atingidas, umas totalmente destruídas, outras afectadas parcialmente. Os dados oficiais dizem que 74 beneficiaram das linhas de apoio criadas para o efeito. Todavia, muitas empresas avançaram de “motu próprio” para a recuperação, com investimento próprio e/ou algum apoio obtido junto das seguradoras.
78 Incêndios 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
nheiros mansos e centenas de milhar de pinheiros bravos», adianta o empresário, que destaca a solidariedade dos vizinhos, «dezenas de pessoas», de 80 e tal anos a crianças, que, com baldes, o ajudaram, durante cinco horas a combater as chamas até à chegada dos bombeiros.
«Nem um prego tenho. Só há pedras e cinzas». Um lamento de Tó Figueiredo, da Quinta da Coitena, que perdeu a casa e a quinta, mas conseguiu salvar os pais, as ovelhas, a burra e os cães. «Em quatro horas, o fogo derreteu o concelho!», diz.
Testemunhos na primeira pessoa
«Foi um filme de terror», recorda Paula Lameiras. Estava em casa sozinha, com um bebé de meses. O marido e os filhos deslocaram-se para o ovil, nos arredores da aldeia, onde pensaram que o fogo poderia atacar. De 5 em 5 minutos vinha à rua e continuava a ver, ao longe, um clarão. De repente, «a casa deu um estremeção» e as «labaredas já passavam por cima das duas casas». «O fogo andava mais depressa do que eu», conta a queijeira de Vila Franca da Beira, que pegou no bebé e arrancou com o carro para dentro da povoação. «Estava a arder o céu», diz, incrédula. «Tive a certeza que ia morrer e que os meus já estavam todos mortos. Perdi tudo. Não temos casa, de agricultura pouca coisa temos, temos que vender o leite… Não tenho um rótulo, uma forma para fazer queijo… Perdi tudo na queijaria, as máquinas, as câmaras, as vitrines...» e também a história de quatro gerações de pastores e queijeiras.
«Trinta anos de trabalho, uma vida inteira que, em três/ quatro horas ficou reduzida a zero». «Não estamos sem nada, temos menos que nada!», desabafavam os empresários Jorge e Luís Gouveia, que viram as empresas de carpintaria e construção civil reduzidas a cinzas. «Quando se perde tudo, perde-se tudo… perdem-se os documentos, os papéis», adiantavam, desesperados, prometendo «fazer das tripas coração»
para recomeçar tudo de novo. «Somos guerreiros!», diziam.
«Nunca me passou pela cabeça que pudesse ver um incêndio com aquelas dimensões», diz Hélder Chichorro, de Avô, que perdeu a casa e a quinta. Era dia de festa em Avô. Com a «banda a tocar, no coreto» surgem uns 10 carros, em fuga, vindos do lado da Benfeita, com pessoas «apavoradas», que fugiam ao fogo.
«Em 12 minutos, o fogo percorreu quatro quilómetros», recorda Paulo Rogério, proprietário de uma queijaria em Oliveira do Hospital. «Salvei a casa e a queijaria» e 150 dos 300 animais do rebanho, que colocou debaixo de um canhão de rega. 150 morreram queimados. «Não havia água nem luz, o único líquido que tinha à mão eram 300 litros de leite na queijaria. Foi com isso que apaguei o fogo». Paulo Rogério conta, ainda, que atravessou o fogo quatro vezes. «Não tinha o destino de ficar lá!», refere. Esteve 26 dias parado. Depois recomeçou a fazer queijo. “Queijo renascer das cinzas”. O mesmo Queijo Serra da Estrela, com uma imagem diferente, de esperança.
«Vi 20 carros ardidos desde o cruzamento de Negrelos ao cruzamento de Gavinhos. Carros completamente calcinados. Não se via ninguém», recorda Luís Miguel, de Travanca de Lagos. «Perdi muitos milhares de oliveiras, de carvalhos, de freixos, de pi-
«É impossível esquecer. Éramos um concelho modelo ao nível da prevenção. Em 35 anos de bombeiro nunca vi nada assim. Foi um monstro a entrar pela cidade e pelas 88 localidades do concelho.… Dizimou o concelho, pessoas, animais, empresas, a floresta...». Um testemunho doloroso dos Bombeiros de Oliveira do Hospital. «Pensei que tivéssemos mais mortes, mais vítimas… houve aldeias que não tiveram qualquer protecção». «Faltou a luz, não havia comunicações. Não conseguíamos abastecer as viaturas porque as bombas arderam», atira outro. «Ninguém tem a noção do que passámos… o medo, a aflição!… levantar corpos com 700 gramas, outros identificados por próteses...», desabafa outro. «O fogo parecia brotar da terra!». Um sentimento de dor, de impotência. Uma família unida pela vontade de ajudar o próximo que se sentiu de pés e mãos atadas e também sofreu o impacto do fogo. «A minha casa ardeu», confessa uma jovem que, na fuga, só levou consigo «a farda dos bombeiros». «Não há, no concelho, ninguém que não tenha uma história para contar naquela noite», resume o comandante.
Oportunidade perdida
A natureza «está a fazer o seu trabalho de regeneração», mas a paisagem do concelho, as suas aldeia, todas as 88 localidades do concelho nunca mais voltarão a ser as mesmas». Pior do que isso, no entender do realizador de Travanca de Lagos, «deixámos passar a grande oportunidade para fazer um ordenamento florestal decente. Se não foi agora, com esta facada gigante, isso nunca vai acontecer», considera. «Perdemos uma oportunidade para nos definirmos como um país pioneiro de um ordenamento florestal que protegesse a floresta e as comunidades. Perdemos essa oportunidade!», conclui Tiago Cerveira.
Tiago Cerveira e Rodrigo Oliveira usaram o seu saber e arte para pôr de pé o projectoÉ CADA VEZ MAIS URGENTEI
INTERVIR NA FLORESTAI
2001 Nasce a CAULE – Associação Florestal da Beira Serra. Uma resposta associativa ao problema da gestão da floresta. Depois da criação das ZIF, está agora envolvida nas AIGP
Prestar um serviço profissional e com capacidade técnica». Foi este o desígnio que presidiu, em Fevereiro de 2001, à constituição da CAULE – Associação Florestal da Beira Serra. Um projecto liderado por José Vasco de Campos, que reuniu um conjunto de proprietários com um problema comum: a gestão da floresta. Um problema que está longe de ser resolvido.
Conhecedor profundo do sector, José Vasco de Campos aponta os termos da equação: «somos, em todo o mundo, o país com maior área de propriedade florestal privada: 98%». Um facto a que junta outro: uma propriedade «extremamente pulverizada», com pequenas áreas. Uma terceira questão prende-se com a «falta de capacidade de gestão dos proprietários. Significa que «o associativismo é fundamental», a “pedra de toque” para encontrar caminho.
Foi isso mesmo que se fez em Oliveira do Hospital, com a união de algumas dezenas de proprietários, aos quais se foram juntando mais e mais. Um caminho que, em Dezembro de 2006 abriu uma “clareira”, com possibilidade de criação das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF). Uma “janela” que a CAULE agarrou. «Representava a possibilidade de, de uma forma mais organizada, mais profissional, gerir a floresta como um todo», particularmente no que
diz respeito à protecção contra incêndios e contra pragas e doenças.
José Vasco de Campos recorda, em finais de 2008, a acção concertada, «talvez a mais mediática» da associação, decorrente da doença do Nemátodo, que atingiu a população de pinheiro bravo. «Foi um problema gravíssimo, com a doença a alastrar e nada a ser feito. Denunciámos a situação e, a partir daí, foram feitas algumas coisas interessantes para atenuar o problema».
Em Dezembro de 2006, sob a chancela da CAULE, surgia a primeira ZIF do país, no Sul do concelho, ZIF Alva-Alvoco. Outras se seguiram, com a associação a tutelar 12 ZIF em seis concelhos dos distritos de Coimbra, Viseu e Guarda (Oliveira do Hospital, Tábua, Arganil, Penacova, Santa Comba Dão e Seia), envolvendo cerca de 70 mil hectares e10 mil proprietários. «Foi um trabalho hercúleo, mas fantástico», refere.
Um trabalho que, lamenta, «não deu os frutos que gostaríamos», porque as políticas governamentais estão sempre a mudar e isso traz instabilidade ao sector». Em 2017, com os incêndios, «foi o descalabro total». «Tínhamos um investimento muito grande, muitos projectos e em meia dúzia de horas ardeu tudo». O desafio é recomeçar de novo. As Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) são o novo paradigma, proposto pelo Governo, no quadro do
Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que o presidente da CAULE está empenhado em levar a bom porto. «Há uma figura legal mais forte, que dá mais poder à entidade gestora para intervir», diz, tendo como termo de comparação as ZIF.
A CAULE é responsável por quatro AGIP, nos concelhos de Oliveira do Hospital, Arganil e Seia. «Estamos agora a arrancar», diz. Em causa estão contratos-programa, celebrados com o Estado, que envolvem um conjunto de serviços, que são avaliados e a entidade ressarcida.
O objectivo é garantir a gestão de paisagem com espécies autóctones, designadamente carvalhos, sobreiros e medronheiros, mas com a redução da área florestal, com «o objectivo de criar zonas sem floresta, mas com dimensão, para funcionarem como zonas “tampão”» que permitam descontinuar a floresta. Segundo Vasco de Campos, há duas formas de o fazer. Uma passa por manter os espaços agrícolas, abandonados ao longo das últimas décadas e que voltam a ter uma função agrícola, designadamente para pastagens. Numa segunda linha, os espaços florestais que não estão a ser geridos passam para silvopastorícia. «A nossa aposta forte vai ser na silvopastorícia», diz. Lembra, todavia, que há pinheiros e eucaliptos e que, apesar de ser necessário impor “alguma ordem”, nada pode ser feito contra os proprietários, o que significa que estas espécies não serão liminarmente abolidas. Positivo, no entender do presidente da CUALE é o facto «estar previsto o arrendamento compulsivo». Isto porque «não pode haver espaços mortos, vazios», o que representa «alguma esperança» relativamente à solução de problemas. O projecto das AIGP é para concluir até 2025.
Respostas técnicas para a floresta
Independentemente da gestão destas quatro AIGP, a CAULE, com sede em Santa Ovaia, tem um vasto leque de serviços, maquinaria e capacidade técnica ao serviço da floresta, designadamente em termos de limpeza, plantação, ordenamento e abate. Também compra e vende madeira e assegura, junto dos associados, a componente burocrática que envolve qualquer processo de plantação ou abate de árvores, bem como candidaturas a projectos. «Temos capacidade técnica para todo o trabalho relacionado com a floresta», sintetiza José Vasco de Campos.
CENTRO TV CHEGOU PARA FICAR
2012 Com uma vasta experiência em jornais, rádio e televisão, Paulo Leitão arrancou, em 2012, com um projecto multimédia inovador
Atingido por uma vaga de despedimentos, Paulo Lencastre Leitão encarou de frente a situação e empenhou-se num novo projecto profissional e de vida. «Para mim até foi bom», reconhece hoje. Para trás ficava parte de uma vida, sempre ligada ao jornalismo. Uma experiência que começou na Rádio Boa Nova, passou pela 90 FM, em Coimbra, e regressou à emissora de Oliveira do Hospital. Em meados dos anos 90 funda o jornal Folha do Centro (que vendeu depois, dirigido por Margarida Prata) e colabora com vários jornais, designadamente o Diário de Coimbra, As Beiras, Jornal de Notícias, Agência Lusa. Recorda, ainda, uma passagem pela Rádio Centro FM, de Carregal do Sal, a colaboração com a TVI e a Rádio Renascença.
Em 2012, confrontado com o despedimento, Paulo Leitão decidiu avançar com um novo projecto. Nascia a Centro TV. «Vamos fazer 10 anos», diz, recordando o universo de amigos e colaboradores que embarcaram nesta aventura, como Tiago Cerveira (e mais tarde Sandro Garcia), Margarida Prata, Ângela Cunha e Cecília Madeira, que asseguravam as diferentes frentes de intervenção, desde a imagem, jornalismo, publicidade, contabilidade e administração.
Vontade de fazer e «alguma loucura» alimentaram esta ideia. Paulo Leitão, um apaixonado pelas novas tecnologias, a primeira pessoa a ter internet em Oliveira e entender que o futuro passava por aqui, decidiu avançar. «Era uma área que tinha algum potencial, porque não havia nada», recorda. E também recorda as “regras”que balizaram o projecto: «Não tinha intenção de fazer uma televisão como a que existia. Isto é uma espécie de “Net-Flix” de notícias. Estamos no You Tube e partilhamos no nosso site. Não é um registo contínuo. Não havia mercado para isso», faz notar. A aposta foi num projecto «mais amplo», que comporta «reportagem vídeo, no site, com notícias escritas, com fotos… uma “coisa” multimédia», que «é caminho do futuro».
Como em qualquer projecto novo, no início houve dificuldades «mas fomos caminhando». «Sempre tentámos estar presentes e fazer a cobertura dos acontecimentos mais importantes», refere e destaca, igualmente, a preocupação com «a qualidade da imagem e a apresentação das reportagens». E também o pioneirismo. «Fomos os percursores, no distrito e na região Centro, dos directos no Facebook», refere.
Um trabalho reconhecido com a atribuição de vários prémios. Entre os muitos troféus figuram os da Câmara e Jornal do Fundão, Associação Nacional de Municípios, Cine Eco, festival de cinema da Sérvia. Entre as “coroas de glória”, Paulo Leitão refere o facto de as imagens da Centro TV do fogo de Pedrógão Grande integrarem um documentário da Nacional Geographic, «que passou em mais de 140 países». Imagens deste mesmo fogo fazem parte de outro documentário, produzido por Leonardo Di Caprio e Trevor Noah, apresentador de um dos programas mais vistos nos EUA, estreado na conferência das Nações Unidas sobre as Alteração Climáticas, em Glasgow.
O projecto nasceu na Incubadora da BLC3, mas já passou para instalações próprias em Oliveira do Hospital. A este sinal de maioridade juntam-se outros. Paulo Leitão destaca a parceria com a CNN Portugal, iniciada no ano passado e uma parceria com a CP, que leva os vídeos da Centro TV ao circuito interno da rede de alfa pendulares.
Importante, é, igualmente, a parceria com a Sapo e a presença neste portal.
Novidade é o facto de Paulo Leitão ter a filha, Beatriz Lencastre, a trabalhar no projecto. A Cecília continua, o mesmo acontecendo com Margarida e Ângela, que asseguram a “voz off”. Um sobrinho dá «algum apoio, quando é necessário» e Adriana Ventura, em part-time, faz a edição de vídeos publicitários. Um acordo com uma produtora de Lisboa garante “vozes”, sempre que necessário, num regime de outsourcing.
«Estou a fazer aquilo que gosto e sou eu que decido o que faço». Uma forma lapidar do director da Centro TV mostrar a sua satisfação. Um projecto «verdadeiramente multimédia», que procura «estar sempre no centro dos acontecimentos, garantir a cobertura dos eventos mais importantes da região». «Quem chega primeiro tem mais audiências», faz notar. E a Centro TV não tem razões de queixa. «Temos, no You Tube a maior audiência nos seis distritos da região Centro, com mais de três milhões e 500 visualizações». A Centro TV tem ainda um canal no Meo Kanal, o que significa que as reportagens podem ser vistas no canal 899300 de todas as televisões com box Meo Altice. Está também presente noutras redes sociais, como o Facebook, Twitter, Instagram e Tik Tok.
«É um projecto para continuar, para consolidar e crescer», remata o director da Centro TV.
RÁDIO ANUNCIA “BOA NOVA”
cimento da rádio. Já equipada com dois estúdios, um de emissão e outro de gravação, a estação emissora ainda funcionou nas instalações da antiga escola (reconvertidas na Casa da Cultura), mudando depois para a Zona Industrial, onde ainda funciona.
Assistente técnico no Centro de Saúde de Oliveira do Hospital, Albino José tem o “bichinho” e a rádio no coração e assume a «grande preocupação» que a pandemia trouxe à emissora. «A Rádio vive da publicidade e num contexto de pandemia deixámos de ter um funcionamento normal», tendo em conta que a esmagadora maioria dos acontecimentos deixou de se realizar. Todavia, os custos mantêm-se, embora cingidos a «duas jornalistas profissionais – Liliana Lopes e Beatriz Cruz – que têm feito um esforço notável para manter a informação no topo». «Não tem sido fácil, mas estamos cá para a luta!», diz.
1986 Arciprestado tem a ideia de criar uma estação emissora e o projecto avança, com a constituição de uma cooperativa. Rádio está “no ar” desde Março de 1986
Oobjectivo nunca foi «fazer catequese», mas sim dar um contributo para «o desenvolvimento», ajudar a «melhorar as condições de vida» e «exaltar os valores do Evangelho». As palavras são do padre António Borges de Carvalho que, juntamente com dois outros sacerdotes, o padre Sertório e o padre Manuel Maduro, lançaram a ideia e deram os primeiros passos para a criação de uma rádio em Oliveira do Hospital. Aconteceu há 36 anos. No dia 19 de Março de 1986, Dia do Pai, a rádio Boa Nova estava “no ar”. «Nasceu, como ideia, no Arciprestado de Oliveira do Hospital», adianta o padre.
Com uma história de 56 anos de serviço paroquial e também muito ligado ao ensino, o padre Borges confessa que nenhum dos três sacerdotes tinha qualquer experiência na área. Mas nada os assustou. Pelo contrário, a boa adesão das pessoas alimentou e deu força à ideia. «Encontrámos um veterinário que era rádio-amador, o dr. António Tavares», conta, destacando a «pronta adesão da comunidade», muito especialmente dos «mais jovens». «Apoio da comunidade» que se compaginou na constituição de uma cooperativa, que ainda hoje é o suporte formal
e legal da Rádio Boa Nova. Uma estação emissora que, no entender do padre Borges, tem prestado um serviço público ao concelho, tem sido uma escola de bons profissionais e constitui «um bem para o concelho que devia ter melhor acolhimento».
Albino José, director de programas e presidente do conselho de administração da cooperativa, “afina pelo mesmo diapasão”. «Queríamos que as pessoas olhassem para uma rádio que tem 36 anos e tem colaborado para o desenvolvimento da região», afirma, apontando o facto de a rádio ter duas centenas de cooperantes que há 36 anos se associaram para a sua criação, mas que «depois disso, nunca mais participaram». «A Rádio tem muitos cooperantes, mas poucos participantes», faz notar. Por outro lado, num tempo incerto como o que se vive actualmente, o «apoio da indústria e do comércio de Oliveira» revela-se absolutamente fundamental para a rádio «continuar a ser voz do concelho».
Albino José é um dos colaboradores da “primeira hora” da estação emissora, que começou a transmitir a partir do 5.º andar do Prédio Areias, de segunda a sexta-feira, das 19h00 à 1 da madrugada e aos sábados e domingos entre as 9h00 e as 24h00, fazendo, já essa altura, a cobertura dos jogos de futebol disputados em Oliveira do Hospital e a transmissão da missa, a partir da Igreja Matriz. Emissão que foi suspensa, durante o processo de licenciamento e constituição da Cooperativa, sendo retomada a 19 de Março de 1989, data oficial do nas-
Descobrir vocações
A Rádio Boa Nova funciona 24 sobre 24 horas, com “voz presente” entre as 8h00 e as 20h00. Apresenta quatro blocos informativos próprios, às 8h30, às 12h00, 15h00 e 16h00 e os restantes cinco são transmitidos em simultâneo com a Rádio Renascença.
«Contamos com mais de 30 colaboradores» e um conjunto de parcerias. Albino José destaca com especial satisfação a parceria com o Agrupamento de Escolas, que faz um programa na Rádio, que foi um pontapé de saída para «a formação de seis ou sete jornalistas» que hoje são figuras de renome a nível nacional. Luís Baila, jornalista da RTP, é a “coroa de glória” deste projecto que tem ajudado a despertar vocações. «O mais recente é Pedro Coelho, desde Janeiro ao serviço do Expresso», adianta o director. Paulo Leitão, da Centro TV, «também aqui nasceu», o mesmo acontecendo com Florbela Alves, jornalista da Visão-Norte.
Igualmente importantes são as parcerias com a BLC3, a Eptoliva – Escola Profissional, e a ESTGOH – Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital.
A emitir em 100.2 FM, a Rádio Boa Nova é ouvida em todo o mundo em radioboanova.sapo.pt. «Temos uma comunidade de ouvintes muito grande que nos acompanha on-line» e também em directo, nos concelhos limítrofes e muitos emigrantes, particularmente do Luxemburgo, França, Alemanha Suíça e Liechtenstein, «sobretudo os noticiários», diz o director de programas.
SAMPAENSE: UM CESTO CERTEIRO
1993 Sociedade Recreativa Lealdade Sampaense avança, nos inícios da década de 90, com os primeiros passos no basquetebol. Uma aposta ganha, que enriqueceu o espectro cultural da colectividade, com pergaminhos na área do teatro e do folclore
Começou do zero, mas driblou bem a bola e marcou um cesto certeiro. Falamos do Sampaense, uma das equipas de referência do basquetebol da região e a única do interior. Em São Paio de Gramaços, num concelho onde o futebol é rei, o basquetebol veio para ficar. Carlos Portugal e Vítor Duarte – dois nomes grandes do basquetebol nacional - foram os obreiros do projecto. Mas, definitivamente, foi o comendador Serafim Marques quem reuniu as condições materiais para o seu sucesso. Uma aliança de vontades que deixou marcas para o futuro, com a equipa a conquistar, em três anos consecutivos, o Campeonato Nacional da Proliga. Actualmente, os pupilos de Cláudio Figueiredo disputam a Proliga e, apesar da época complicada, com muitas lesões, aspiram a disputar os “play off”.
Isso mesmo assegura Sónia Veloso, presidente do Sampaense Basket, uma secção da Sociedade Recreativa Lealdade Sampaense (SRLS), criada em 2005. Em funções há menos de um ano, é a primeira presidente da secção, desde sempre dominada por homens. «Não era previsível que me metesse nestas andanças», confessa. Mas a ameaça de um vazio directivo e a enorme paixão pela sua terra e pela colectividade levaram a melhor. «Todos devemos trabalhar em prol da instituição», afirma a presidente, que integrou a equipa feminina de basquetebol, nos anos 90, mas é “catedrática” da Sampaense, onde soma «19 anos de rancho» e mais uns quantos no teatro.
Sónia Veloso e o presidente da direcção da SRL, José Francisco Veloso, com a ajuda de Manuel Madeira, responsável pelo rancho folclórico e vice-presidente da direcção, explicam-nos o surgimento improvável da equipa de basquetebol em S. Paio de Gramaços e a sua resiliência, hoje mais difícil do que no passado.
«O grande impulsionador do basquetebol foi Serafim Marques. Pôs o dinheiro à frente. Mas não se pode esquecer o papel do eng. Carlos Portugal, que foi presidente da Câmara e presidiu à Federação de Basquetebol», afirma José Veloso. «Serafim Marques suportava todas as despesas, distribuía prémios de jogo… mas a carteira só não chega», lembra Manuel Madeira. «Vítor Duarte recebeu um pavilhão vazio, começou do zero, e deixou um pavilhão cheio», adianta, recordando uma homenagem ao treinador feita pela Associação de Basquetebol de Coimbra. «Serafim Marques dava-se ao luxo de ir aos Estados Unidos ver os jogadores e convidá-los a virem para o Sampaense», adianta Sónia Veloso.
«O comendador Serafim Marques foi a pessoa mais influente, o grande impulsionador do basquetebol em S. Paio de Gramaços e o grande benemérito da nossa terra», sintetiza o presidente. E se dúvidas houver, o pavilhão esclarece-as. Inaugurado a 10 de Outubro de 1992, ostenta o nome do benemérito e é a casa do Sampaense Basket e a sede da Sociedade Recreativa Lealdade Sampaense. «Comprou o terreno, fez o pavilhão e ofereceu-o ao clube», destaca, apontando um investimento superior a 150 mil contos.
A “certidão de nascimento”do basquetebol da Sampaense aponta para o ano de 1993, altura em que a colectividade faz as primeiras inscrições na Associação de Basquetebol
de Coimbra. Era o nascimento de um projecto, com escalões de minis, infantis e cadetes. A equipa sénior, explica Sónia Veloso, surge na época de 95/96, a disputar o campeonato da 2.ª divisão. Estava dado o mote para a notoriedade. Na época de 98/99 classifica-se no 2.º lugar, o que permitiu que na época seguinte disputasse o primeiro campeonato da 2.ª divisão A. Em 2000/2001, a equipa ascende à 1.ª divisão nacional, ao bater o Galitos (Aveiro) na finalíssima da zona Norte, no dia 12 de Maio. Um mês glorioso, uma vez que, uma semana depois, o Sampaense faz história, ao tornar-se Campeão Nacional da 2.ª Divisão, vencendo a Universidade dos Açores por um escasso ponto. Era o início do um ciclo de ouro. Na época 2003/2004 vence o Campeonato da Proliga, em Sangalhos, conseguindo um recorde de 19 vitórias consecutivas. Um título que revalidou nas épocas de 2004/2005 e 2005/2006, reafirmando-se como campeão nacional da Proliga.
A equipa de S. Paio Gramaços garantiu, na época de 2008/2009 a subida à Liga Portuguesa de Basquetebol, onde se manteve até à época de 2014- 2015. Seguiu-se uma passagem pela Proliga e uma descida de divisão. Na época de 2016-17 regressou à Liga, mas voltou à Proliga, onde se mantém. «O nosso objectivo é mantermo-nos na Proliga» e, em todas as épocas, «a ambição é ir aos “play off”», o que representa a possibilidade de subida. Neste momento, devido
84 Sampaense 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
às «muitas lesões», motivadas pelo muito tempo de paragem dos atletas, «os “play off” estão praticamente fora de questão», confessa Sónia Veloso.
Atletas trabalhadores
Além da equipa sénior o Sampaense Basket aposta nos “Minis” e na formação, com os sub 12, sub 14, sub 16 e sub 18. «Apesar da pandemia, estamos com mais atletas, fruto de um trabalho de captação», diz a presidente. No total rondam a centena. «O sonho de todos é chegar à equipa sénior». Alguns conseguem, mas «não é fácil». «Chegam aos sub 16 e sub 18, depois vão para a universidade e deixam-nos». É o que acontece com a maioria, embora haja excepções. «A captação de atletas para o interior é difícil. Vivemos num meio pequeno, que não oferece muito a quem vem de fora. Os ordenados também não são aliciantes», diz presidente, para quem o «Sampaense é uma “montra”, onde os atletas têm oportunidade de se mostrarem e “saltarem” para outros clubes. Isso tem acontecido», diz.
Longe vão os tempos em que Serafim Marques (falecido em 2016) suportava todas as despesas. «A viúva continua a ajudar-nos, mas não é a mesma coisa», adianta. «A maioria dos jogadores são atletas trabalhadores, alguns estão a estudar, outros trabalham ou têm um part-time, porque o ordenado que recebem – entre 250 a 350 euros – não dá», explica Sónia. Profissionais, no plantel de 11 jogadores são mesmo os dois americanos, que já jogavam em Portugal. «O clube garante alimentação e alojamento a quem vem de fora», adianta.
«Esta é uma terra onde o futebol é rei. Temos o Touriz, o Nogueira, o Oliveira, clubes fortes no futebol. Basquetebol é só um: a Sampaense», diz a presidente , sublinhando a necessidade de dar continuidade a um trabalho meritório». Levar a bola ao cesto é o grande objectivo. O que não é fácil, reconhece. «As vezes não é falta de empenho, é falta de sorte», considera, firme no propósito de «manter em alta e elevar o nome do Sampaense, uma equipa de um concelho do interior, o mais longe possível».
Sónia Veloso agradece ao município: «é o nosso principal patrocinador, sem esse apoio não conseguíamos», à Junta de Freguesia e aos patrocinadores, cujo apoio representa «um balão de oxigénio» e destaca o nome de Jorge Mogo, dos Tecidos de Coimbra, «patrocinador desde o primeiro dia».
Tradição no teatro e criação do rancho
A secção de basquetebol é o rosto mais visível e com maior projecção da Sociedade Recreativa Lealdade Sampaense, fundada em 1909, que terá sofrido um interregno, sendo reactivada em 1931.
Reza a história que teve sempre um grupo de teatro. Ivone Figueiredo é, desde 1985, a responsável pelo actual grupo “A Semente”. «Temos feito muitas coisas, mas cada vez é mais difícil cativar as pessoas», diz. O grupo pertence ao INATEL e tem um historial de sucesso, designadamente com as peças “Jubileu e Romieta”, «que esteve três anos em palco».
A mais recente, “Quem casa quer casa”, viu a estreia, prevista para Março de 2020, adiada devido à pandemia. O grupo de teatro, que organiza o Enterro do Entrudo, tem 12 a 14 elementos e os ensaios decorrem no palco do Pavilhão Serafim Marques, às segundas-feiras, pelas 21h30.
As danças e cantares tradicionais são o palco de eleição do Rancho Folclórico Sampaense. Manuel Madeira, vice-presidente da associação e responsável pelo rancho, lembra que o grupo começou como “contradança”, com danças e cantares de âmbito nacional, apresentando-se no dia 14 de Agosto de 1976, no arraial de Nossa Senhora dos Milagres. Todavia, bastou um ano para reverter essa tendência e se virar para a etnografia local e para a recolha das músicas e das danças locais, dos trajes e tradições da região.
Na altura, recorda, a Federação Portuguesa de Folclore estava a dar os seus primeiros passos e a ligação criada resultou em pleno, na orientação do trabalho
Ivone Figueiredo, José Francisco Veloso, Sónia Veloso e Manuel Madeirade recolha, patente no verdadeiro museu etnográfico do rancho, que inclui, entre outras relíquias, três trajes de noiva - um recolhido em S. Gião e dois em S. Paio de Gramaços, dos finais do século XIX.
O rancho tem 11 pares de dançarinos, com idades entre os 11 e os 65 anos. «Os pais trazem os filhos», diz, satisfeito.
Creche dá apoio às famílias
Com a inauguração do Pavilhão Serafim Marques e a passagem da sede da SRLS para este espaço, inaugurado a 10 de Outubro de 1992, a antiga sede ficou devoluta. «Surgiu a ideia de criarmos ali uma creche», explica José Veloso, lembrando que, na altura, não havia, em S. Paio de Gramaços «uma resposta desta natureza».
O projecto foi feito e Serafim Marques suportou o investimento que os fundos de apoio não contemplaram. A Creche Nossa Senhora dos Milagres, com capacidade para 30 crianças, dos zero aos 3 anos, foi inaugurada em Outubro de 2003. A possibilidade de ampliar as instalações está a ser analisada.
O presidente destaca, nesta e nas outras valências, o «apoio social e de serviço público» prestado pela Sociedade Sampaense e agradece «a todos os que contribuem para que esta casa continue com actividade e de porta aberta, designadamente os sócios, voluntários, adeptos e simpatizantes». Um agradecimento especial ao «empenho e trabalho» dos responsáveis pelas secções, que «se dedicam de corpo e alma a esta casa».
90 anos com Oliveira do Hospital
A TRANQUILIDADE DA QUINTA DO CHÃO DA BISPA
forma personalizada», a pensar em cada um dos visitantes que demanda a Quinta do Chão da Bispa. Por isso, muitas das pinturas e dos arranjos da decoração das casas são feitos por si, da mesma forma que prepara as compotas que integram o pequeno-almoço, feitas com fruta da quinta, com o pão a ser deixado à porta pelo padeiro. Irrecusável é, certamente, o convite para um cafezinho que o casal faz questão de fazer.
O balanço dos primeiros tempos de funcionamento é francamente positivo. «Excedeu as nossas expectativas», afirma José Godinho, que critica a “falta de vida” e de iniciativas na cidade, que sejam um factor de «atracção de visitantes», bem como a não existência de «um bom restaurante» para onde possam encaminhar os clientes.
2021 Empreendimento de casas de campo começou a funcionar em Julho do ano passado. Um projecto turístico que veio renovar uma quinta tradicional
Otronco do enorme cedro, vitimado pelo temporal, foi transformado em mesas e colocado no pátio das quatro casas de campo. Mas as “bolachas” de madeira também servem de suporte a arranjos decorativos que enfeitam as paredes interiores. Outros troncos de árvore deram lugar a bancos de jardim, ganharam nova vida sob a forma de estantes ou inspiraram um romântico baloiço que convida ao relaxe. Estamos na Quinta do Chão da Bispa, em Oliveira do Hospital. O incêndio de Outubro de 2017 deixou marcas profundas, matou árvores centenárias, mas este miradouro privilegiado, de onde se avista uma paisagem soberba sobre a Serra, renasceu. As oliveiras mostraram a sua resiliência e os novos cedros crescem, soberbos, à semelhança dos muitos medronheiros e de outras espécies. Árvores e arbustos que garantem o verde, num estreito abraço à natureza, que estende pelo enorme relvado.
Em cima estão as casas, um T2 e quatro T1, erguidas no local onde, no passado, existiu um aviário. «Lembro-me, em pequena, de ver os pintainhos, pequeninos», recorda Isabel Ruas, que, juntamente com José Godinho, resolveu transformar uma parte da velha quinta da família num espaço
de acolhimento. Parte da estrutura do aviário mantém-se, mas o espaço foi todo ele remodelado e requalificado, dando origem a um conjunto de casas de campo.
Simples, mas acolhedoras, cada uma das casas aposta no conforto e na resposta pronta às necessidades dos visitantes, que têm à sua disposição uma cozinha, caso o objectivo seja confeccionar uma refeição. À sala e ao quarto junta-se um pátio exterior, com uma mesa, bancos, duas espreguiçadeiras. Um espaço discreto, onde as plantas e as pedras ganham vida e que permite respirar o ar puro da montanha. Um pequeno portão dá acesso a um espaço maior, cheio de árvores, algumas sobreviventes do incêndio, relva, mesas e bancos.
O projecto de Casas de Campo da Quinta do Chão da Bispa, inaugurado em Julho do ano passado, pretende «dar a conhecer a tranquilidade da quinta» e funcionar como âncora para «dar a conhecer a região e o seu vasto património». Isabel Ruas destaca a «beleza, a riqueza e a versatilidade» deste património, designadamente o Museu do Azeite, a Igreja de Lourosa, as Ruínas Romanas da Bobadela. As muitas praias fluviais e os belíssimos recantos naturais do Vale do Alva ou do Vale do Mondego, as Aldeias Históricas e do Xisto, as serras da Estrela e do Caramulo, ali, a dois passos.
Com formação em Gestão Hoteleira e Recepção Hoteleira, Isabel Ruas trabalhou durante 20 anos numa agência de viagens, em Coimbra e, mantendo a ligação ao turismo, entendeu que era tempo de desenvolver o seu próprio projecto, de «uma
«O facto de sermos “pet friendly” ajuda», adianta Isabel Ruas e o seu velho gato branco, o Julião, não se incomoda de receber novos amigos, sejam cães ou felinos. «Quase todas as reservas têm cães ou gatos», afirma. A «segurança», em tempos de pandemia, uma vez que cada casa é autónoma e não existem espaços comuns interiores, tem sido outro dos atractivos deste projecto. «Não temos necessidade de contacto pessoal», explica Isabel, uma vez que é possível fornecer aos clientes, via telefone, o código de acesso às casas.
Casais jovens e casais mais velhos, oriundos da zona de Lisboa e do Norte do país têm procurado a Quinta do Chão da Bispa. «Descobrir a região» é o objectivo da maioria dos visitantes. Por isso, Isabel e José estão a desenvolver um conjunto de parcerias, que vão permitir alargar e orientar esta oferta, nomeadamente com a realização e passeios à Serra da Estrela. «Temos muita procura nesta área», sublinha Isabel. A possibilidade de participar em actividades lúdicas e desportivas também está em aberto. Parcerias que incluem, igualmente, restaurantes, no sentido de garantir o fornecimento de refeições “take away”.
O empreendimento possui uma loja de artesanato, onde além das criações de Isabel Ruas se encontra um conjunto de peças de artesãos locais, em madeira e em cobre.
A possibilidade de instalar uma piscina está sobre a mesa. «É um atractivo para “puxar” mais gente», diz José Godinho. «Há muita gente que nos pergunta se temos piscina», adianta Isabel Ruas. Um investimento a pensar, para o futuro...
SENTIR-SE EM CASA NUM HOTEL DE 4 ESTRELAS
bretudo com a pandemia, muitos portugueses «descobriram o interior» e também começam a sentir-se em casa e a regressar à Quinta da Geia.
O ambiente familiar, de requinte e conforto, criado por uma «decoração muito bonita», onde não falta a biblioteca, o calor da lareira, juntam-se outros atractivos. A começar pelos bonitos jardins, pela «vista fantástica sobre a serra», a piscina, o SPA, que oferece sauna, jacuzzi e banho turco, mas também o bar e o restaurante João Brandão. Aqui encontra-se um “santuário” dedicado à cozinha tradicional, onde não falta o cabrito, o borrego e o javali. Fiel às origens, o restaurante continua a servir dois pratos de eleição, criações do chef Frenkel: bacalhau à conde e rolinhos de novilho.
1998 Hotel Rural Quinta da Geia foi inaugurado em Maio de 1998. Um projecto de dois holandeses, que recuperaram a velha casa e criaram uma oferta de excelência
Dois holandeses, Fir Tiebout e Frenkel de Greeuw, começaram por visitar a região, em tempo de férias. Gostaram do que viram e quiseram criar raízes. A velha Quinta da Geia, na Aldeia das Dez, votada ao abandono, conquistou-os. Acabaram por a adquirir, em 1994, e dar início a um amplo projecto de recuperação da quinta e do edifício do século XVII. A 19 de Maio de 1998, assistia-se à inauguração do Hotel Rural Quinta da Geia. Um hotel de 4 estrelas que representa um verdadeiro cartão-de-visita do concelho de Oliveira do Hospital.
Célia Madeira, natural de Aldeia das Dez, começou por trabalhar na área da restauração, mas em 2000 instalou-se na Quinta da Geia. Até hoje. E ali vai continuar e dar continuidade ao projecto desenhado pelos dois holandeses. Frenkel, falecido em Janeiro de 2018, deixou a sua marca na cozinha. Fir sempre foi o especialista da decoração e imprimiu um toque especial, que conjuga
requinte e conforto. No início do ano passado, depois de muito ponderar, o holandês tomou uma decisão: «vender as quotas, a mim e à minha colega», Emília Lourenço, conta Célia Madeira.
Feliz, a chefe de recepção e também, agora, gerente, fala com entusiasmo do hotel e da verdadeira «família» constituída pela equipa de seis funcionários, que asseguram todo o trabalho do hotel, desde a cozinha ao jardim, passando pelos quartos, pela piscina, bar e biblioteca. Uma «família pequena» onde faz questão de incluir, com especial carinho, Fir Tiebout. «Esta é a casa dele e vai continuar a ser. Ele é o fundador da Quinta da Geia e, para nós, continua a ser o “patrão”. Um “patrão” muito especial, que «nos considera família», afirma Célia Madeira, que não se cansa de elogiar os dois holandeses, que depois da Quinta da Geia se envolveram num outro projecto turístico, no Gana, em África. «Passavam connosco a época alta e na época baixa iam para o Gana», adianta.
«O hotel veio dar vida a Aldeia das Dez», afirma. «É um hotel rural, acolhedor, onde as pessoas se sentem em casa». E tanto assim é que uma grande parte dos clientes é “repetente”. Na maioria são estrangeiros. Holandeses, belgas, alemães, ingleses e espanhóis. Mas também há portugueses. So-
Atractivos para os clientes são, também, os cinco percursos, devidamente assinalados, que se encontram na Aldeia das Dez, que faz parte da Rede das Aldeias do Xisto. «Estamos perto do Piódão», faz notar Célia Madeira, que aponta, igualmente as localidades de Foz d’ Égua, a Fraga da Pena, as ruínas do Castelo de Avô ou as praias fluviais de Avô, Alvôco das Várzeas e S. Sebastião da Feira, a escassos «5 minutos» da Quinta da Geia.
Reformados, casais de meia idade e também jovens procuram o aconchego familiar desta unidade hoteleira. Uns ficam uma ou duas noites. Outros três, quatro ou cinco. Satisfeita, a gerente aponta uma reserva entre 22 de Dezembro e 2 de Janeiro. De resto, o Natal e a passagem de ano, assim como a Páscoa são momentos de grande afluência. A época alta vive-se, todavia, entre Junho e Setembro.
O Hotel Rural Quinta da Geia tem 18 quartos e um apartamento para seis pessoas. «Temos mais um, mas é a casa do Fir», explica Célia Madeira. Outros dois apartamentos, que ficam fora do edifício principal, foram entretanto vendidos pelo holandês.
Célia Madeira e Emília Lourenço assumem, juntas, o desafio de «dar continuidade» a um projecto que fez escola e constitui uma referência turística da região. «Podemos alterar uma ou outra coisita, para melhorar, mas pretendemos manter a mesma linha». Uma das hipóteses é, na época baixa, «fazer mais promoções, para atrair mais clientes». «A quinta e o hotel têm um nome e as pessoas conhecem, sabem como é», adianta, convicta que esse é o «melhor cartão-devisita» do Hotel Rural Quinta da Geia.
“Gotas” penduradas no choupal são uma das “experiências únicas” que a unidade oferece
EXPERIÊNCIAS “5 ESTRELAS”
2016 Em Setembro de 2016 era inaugurado o Aqua Village Health Resort & Spa, nas Caldas de S. Paulo. Na margem do Alva, uma aposta no conforto, na saúde e bem-estar
Uma conjugação de afectos e de oportunidades levou a família a pensar na ideia e a transformar o convite para gerir a praia fluvial num complexo de 5 estrelas dedicado à saúde e bem-estar. Falamos do Aqua Village Health Resort & Spa, um projecto que abraça o verde do arvoredo, saboreia o calor das águas termais e estende o olhar sobre as águas límpidas do Alva. Mais do que uma unidade hoteleira, é um espaço que oferece experiências.
A família, com raízes em Santo António do Alva, tinha uma unidade de turismo rural, a Quinta do Forninho. Um facto que, aliado à ligação ao movimento associativo local, levou o presidente da Liga Recreativa das Caldas de S. Paulo a avançar com a proposta para a gestão da praia fluvial. «Não era de todo nosso core business», refere Francisco Cruz. Mas o convite motivou uma reflexão, no sentido de alargar o espaço ao choupal, para permitir outras respostas que garantissem o investimento. «Não nos passava pela cabeça que os proprietários do terreno quisessem vender», confessa. Uma surpresa que veio revolucionar tudo. Quatro hectares junto ao rio, com árvores de grande porte e uma nascente de água termal. A ideia de construir um hotel, «en-
quadrado na paisagem e na aldeia» ganhava forma. À experiência e ao reconhecimento do «grande potencial da região», juntava-se, agora, a oportunidade de ouro. O investimento ultrapassou os sete milhões de euros, esclarece Francisco Cruz, responsável pela gestão e o rosto do projecto.
«Inaugurado em Setembro de 2016, o Aqua Village Health Resort & Spa é «o espaço ideal para quem está habituado ao stress das grandes cidades e precisa de uma escapadinha para descansar», afirma. À excelência das condições de alojamento, junta-se a boa gastronomia e uma ampla oferta de serviços na área da saúde e bem-estar. Francisco Cruz faz questão de dizer que, «mais do que um hotel», o Aqua Village é um espaço que «oferece experiências» únicas.
O Spa é uma das referências da unidade, onde todos os apartamentos têm banheira de hidromassagem. Juntam-se duas piscinas, uma interior, termal, e outra semi-coberta, ambas com água quente, uma a 34º e outra a 36º. «São as piscinas mais quentes de Portugal», diz. Água termal, sublinhe-se. «A água termal nasce à superfície a 28º, mas captamos a 80 metros de profundidade, a 31/32º, que depois sofre um processo de aquecimento e é usada nas piscinas e nos
equipamentos termais», explica, esclarecendo que estes são de lazer e bem-estar e não de tratamento.
A aposta na saúde e bem-estar estendese ao exterior, com a célebres “gotas” penduradas no choupal. «É a cereja no topo do bolo», reconhece. «É a nossa imagem de marca. Não são para dormir, nem para lazer, são gotas de massagem», sublinha.
Em 2020, no quadro da pandemia, o Aqua Village reforçou a aposta no espaço exterior, precisamente com o objectivo de «oferecer mais experiências». Experiências que passam por «camas de rede em cima do rio», às quais se juntam outras estruturas, igualmente sobre o rio, que permitem «ler um livro ou simplesmente relaxar». Um bar dá apoio a esta valência, que pretende aproveitar ao máximo o parque natural.
Reconhecido a nível nacional e internacional e agraciado com vários prémios, o Aqua Village também tem conquistado o público. Imediatamente após a abertura, em 2016, «tivemos uma adesão muito boa», diz Francisco Cruz. 2017 começou de forma «muito interessante», mas sofreu um revés com o incêndio de Pedrógão Grande, primeiro - «as pessoas começaram a ter medo de vir para o interior» - e de Outubro, depois - «a região ficou toda destruída e o complexo esteve 45 dias encerrado. Em 2018 começou «a recuperação», que continuou no ano seguinte e, em 2020, «tivemos um início de ano fantástico». Sobreveio a pandemia e três meses de encerramento, em 2020 e 2021, mas a reabertura revelou sempre uma «recuperação fantástica» e o início do ano mostrou-se «acima das expectativas». 80% dos clientes reportam-se ao mercado nacional. O mercado estrangeiro é liderados pelos brasileiros, três vezes superior ao dos espanhóis, com os ingleses logo a seguir.
Novos projectos em perspectiva
São 50 os colaboradores que trabalham a tempo inteiro no Aqua Village, a grande maioria recrutada na região. O investimento contínuo, centrado na «manutenção», mas sobretudo na «criação de novos serviços» vai, dentro em breve, ter novos desenvolvimentos. O responsável aponta o interesse na criação de «mais uma unidade de gama alta». Significa que, a curto, médio prazo um novo hotel, «um hotel diferente» vai ganhar forma nas Caldas de S. Paulo.
com Oliveira do Hospital
OS VERBOS DOS ARGUINAS
das referências culturais do concelho, onde os alunos também têm a possibilidade de aprender os Verbos dos Arguinas.
O padre Borges de Carvalho recorda o trabalho exemplar desenvolvido por Francisco Correia das Neves, advogado natural da região, radicado em Beja, que se dedicou à investigação e ao estudo dos Verbos dos Arguinas e publicou uma obra com esse título, “Os Verbos dos Arguinas”. «Fez um grande trabalho de recolha e criou o grande dicionário do Verbo dos Arguinas”», refere.
«O dr. Vasco de Campos, médico, também se interessou muito por este tema», adianta. «Ainda troquei alguma correspondência com ele. Por altura dos aniversários e nas festas escrevíamo-nos usando o dialecto dos arguinas», recorda.
1960 Destacado para a paróquia, em meados dos anos 60, o padre Borges de Carvalho interessou-se por esta gíria peculiar usados pelos pedreiros. Na década anterior, Correia das Neves fez um estudo e um glossário desta linguagem
Interessei-me e fui-me familiarizando com este dialecto». Uma aprendizagem, despertada pelo interesse, que o padre Borges de Carvalho iniciou há mais de 50 anos. Natural de Coja, foi nomeado pároco de Nogueira do Cravo, uma terra que, juntamente com Santa Ovaia e Aldeia das Dez constitui uma referência para os Verbos dos Arguinas. Uma linguagem própria, cifrada, usada pelos arguinas, os especialistas em trabalhar o granito. Uma arte ancestral, com pergaminhos nesta zona do concelho, que ganhou fama em toda a região. Os arguinas iam para fora, “às temporadas”. Esta terá sido a razão principal para o desenvolvimento de um vocabulário próprio, usado pelos profissionais da arte de trabalhar a pedra.
«Hoje praticamente não se usa, mas há 50 anos todos os homens falavam com os Verbos dos Arguinas e algumas mulheres também», recorda o padre, actualmente com 82 anos e já reformado dos afazeres paroquiais.
«Era uma linguagem que usavam entre eles, para onde quer que fossem e ninguém
os entendia», afirma o padre Borges de Carvalho. Esse seria, de resto, o objectivo fundamental deste “dicionário” muito próprio, que nenhum estranho à comunidade de pedreiros de Santa Ovaia, Nogueira do Cravo e Aldeia das Dez conseguia “furar”. «Era uma forma de conversarem entre eles, de brincarem» e, inclusivamente, de «se meterem com as raparigas».
«Recolhi umas coisitas», diz o padre com simplicidade. “Coisitas” que lhe permitem articular frases inteiras, desenvolver um raciocínio. «Já estou um bocado esquecido», diz, apontando os seus 82 anos e o facto de, ultimamente, praticar pouco esta língua. Mas chegou, em tempos, a ensinar as crianças de Santa Ovaia. Era lá pároco e fez a proposta ao professor, que deu o seu aval à ideia, criando a possibilidade de as crianças aprenderem esta forma ancestral de comunicar. E, para tornar mais atractivo o projecto, o pároco chegou a criar folhetos em banda desenhada. «Era uma forma mais atractiva, usando o desenho, para despertar o interesse das crianças», diz.
Ideia semelhante foi desenvolvida, mais tarde, em 2015, por iniciativa do município, que inaugurou, no Centro Escolar de Nogueira do Cravo, a Biblioteca do Arguina e procurou incentivar esta aprendizagem, através das actividades de enriquecimento curricular (AEC) destinadas aos alunos do primeiro ciclo do ensino básico. De resto, desde 2017-18 que as AEC incluem o projecto “Oficina do Território”, um espaço de descoberta das tradições, dos monumentos e
Apesar de alguma falta de prática e de «algum esquecimento», o padre deixa-nos alguns exemplos desta gíria: “Ao meio luseiro quando o bandarra arria as quiloas os arguinas vão rustir o gandiço. Podem ser torréfias, trambúzios , articeiro, baio e chara”. O que quer dizer: “Ao meio dia, quando o relógio der as horas, os arguinas vão comer. Podem ser batatas, feijões, pão, vinho e carne”.
Elenca ainda diferentes variedades de carne (chara), que pode ser de gruncho (porco), de matosinho (cabrito) ou de arião (vaca). Comida (gandiço) que era “sangumido ao rufo” (feita ao lume).
“À choina fusca os arguinas vão jurnir pra pildra” – à noite os arguinas vão dormir para a cama.
“A lhega que se pista no trilho é gidaça –A rapariga que ali vai é boa cá para o rapaz.
O baio lhaste vai p'ra muquideira e da muquideira vai p'ra boldrona e da boldrona lhaste p'ra metoita” – O vinho vai para a boca, da boca vai para a barriga e da barriga sobe à cabeça!
Candidatura às 7 Maravilhas
Os Verbos dos Arguinas foram finalistas regionais do concurso 7 Maravilhas da Cultura Popular, realizado em 2020, na categoria “Rituais e Costumes”. Uma candidatura com a chancela do município que, desta forma, pretendeu dar a conhecer ao país este dialecto típico dos pedreiros de Santa Ovaia, Nogueira do Cravo e Aldeia das Dez.
Uma participação que foi, igualmente, uma forma de homenagear esta arte ancestral de trabalhar o granito.
UMA VOZ VIVA NO INTERIOR
1938 Fundador do PS. António Campos passou por vários Governos, foi deputado, esteve no Parlamento Europeu e continua a ser uma voz viva na defesa do interior
Desassombrado, crítico, António Campos mantém-se ligado à terra, no pequeno-grande mundo onde nasceu e cresceu. Prestes a chegar aos 84 anos, continua com uma energia notável, um sagaz espírito crítico e uma vontade de fazer. Afável, partilha connosco alguns dos momentos da sua longa vida política e da sua vivência pessoal.
«Sou filho da solidariedade», diz. Por um lado porque perdeu o pai muito cedo e foi criado pelo tio. Mas, a solidariedade começa antes, quando o avô se empenha em dar uma formação superior ao filho Carlos. «Sozinho não tinha possibilidade e o meu pai, que estava para casar, adiou o casamento cinco anos». O tempo para o irmão concluir o curso e começar a dar aulas de Matemática e Físico-Química. Primeiro no Liceu de Viseu. Depois, no Colégio Brás Garcia de Mascarenhas», que criou em Oliveira do Hospital, com Alexandre Gomes. No ano em que tio terminou o curso, os pais casaram. Nasceram os dois filhos e o pai morreu. «Perdi o meu pai, mas ganhei outro», diz, referindo-se ao tio.
Nascido a 24 de Julho de 1938, António Campos praticamente viveu e cresceu na enorme casa amarela, nas traseiras do Par-
que do Mandanelho. Uma casa, uma cultura, uma convivência que moldaram o seu carácter e definiram o trilho da sua vida.
«Nasci numa família de republicanos, muito ligada a Afonso Costa», diz. Bem disposto confessa que só aos 10 anos descobriu que a fotografia que pensava ser do bisavô, era de Afonso Costa. Fernando Valle, o carismático médico de Coja, fundador do PS, era visita habitual. «Desde miúdo que adorava o dr. Fernando Valle». A esta figura grada, junta outra, Miguel Torga. «Um grande amigo», visita frequente da casa . «Cheguei a caçar com ele», diz, lembrando que Torga era «um homem de uma gentileza e de uma dimensão inacreditável».
Quando entrou para a Escola Agrícola, em Coimbra, essa convivência cresceu, com as inesquecíveis tertúlias passadas com os dois mestres. «Eu era um jovem e tive o privilégio de conviver com o Fernando Valle e com o Miguel Torga praticamente durante 20 anos». Encontros na Livraria Moura Marques, na Brasileira, no Arcada... «Por vezes aparecia o Arnaut... A malta percorria o mundo todo à volta de uma mesa. Discutíamos o país inteiro numa tarde de sábado!», recorda.
Ainda estudante, lembra uma «tentativa
de raptar o árbitro», num jogo entre a Académica e o Sporting. «Quando deitei a mão ao árbitro, a PIDE já lá estava». A perseguição da PIDE fez outras mossas na sua vida. Foi expulso da Escola Agrícola, quando ia assumir o lugar de professor e, depois,”exilado” para as ilhas, quando o lugar do concurso era para a região Centro. «Rasguei o contrato na cara do engenheiro», conta. Uma cena presenciada por um desconhecido, que «falava mal português e me disse: “Amanhã, vá ter comigo à Vítor Cordon”. Era Marc Jacobs, dono da SAPEC e das Minas de Aljustrel. Fiquei a trabalhar com ele». Uma experiência enriquecedora, pois a empresa belga tinha muitos contactos com técnicos israelitas, especialistas em agricultura. «Fiquei com uma preparação de excelência. Pagava-me principescamente, mas ao fim de três anos, entendi que não podia continuar a depender dele». O caminho foi regressar a Oliveira do Hospital e criar a sua empresa.
O regresso às origens
Um regresso às origens que se repete em 2005, depois de 40 anos a viver em S. João do Estoril. Nos terrenos junto à casa da família e na Lajeosa crescem pomares de maçã bravo de esmolfe e de pêra de S. Bartolomeu. «Sou o maior produtor nacional de bravo de esmolfe», diz, com orgulho, apontando os cerca de 30 hectares e «alguns milhares» de pereiras que, dentro de quatro anos, deverão atingir as 1.500 toneladas. Um projecto onde conta com a colaboração do filho, Pedro Campos, engenheiro zootécnico. Esta maçã «é uma das maiores riquezas nacionais», afirma, advogando a necessidade de reforçar a investigação, para responder a algumas questões, nomeadamente «torná-la mais dura, porque é muito delicada». Riqueza é, também, o Queijo Serra da Estrela. Lembra que François Mitterrand quando vinha a Portugal «pedia sempre Queijo Serra da Estrela». «É uma pena não aproveitarmos este potencial», diz, lembrando um projecto que ajudou a criar, em Itália, de comercialização e distribuição de Queijo de Parma, que lhe deu valor e reconhecimento internacional. Para Campos é fundamental juntar os produtores, desenvolver uma boa rede de frio e ter uma estrutura financeira para pagar e reunir o queijo, para vender durante todo o ano. Céptico lembra que, há uns anos, «tínhamos 300 e tal mil ovelhas bordaleiras. Hoje temos 100 mil!», alerta.
Diário de Coimbra
anos com Oliveira do Hospital António Campos
O “irmão” Mário Soares
Grande amigo de Mário Soares, que considerava «um irmão», António Campos conheceu o histórico líder socialista numa reunião em Lisboa, em 1963, onde acompanhava Fernando Valle. «Fez uma argumentação brutal», recorda, e entre os dois nasceu uma empatia e ligação profunda. Com Soares no exílio, em França, a ligação era feita «através de Alfarelos, via Sud Express». «Recebia informação diária» e um dia surge «um apelo dramático» para resolver a passagem da Acção Socialista a partido. «Maria Barroso e Salgado Zenha votaram contra, numa reunião em Lisboa». Campos convocou uma reunião e juntou 50 personalidades. «O PS nasceu como partido aqui, em Oliveira», diz. Seguiu-se a legalização, na Alemanha, onde não esteve devido a um acidente com o filho Pedro. Após a constituição do PS, «passei 12 anos a organizar o partido a nível nacional. Criei muitas amizades. Perdi um irmão (na guerra do Ultramar) mas ganhei outro», diz, referindo-se a Mário Soares, ao lado de quem conheceu «grandes personalidades, como Olof Palme ou François Mitterrand, uma grande geração de políticos que hoje não existe na Europa, e conseguimos montar um grande partido», diz destacando a «capacidade monumental» de Mário Soares, «um líder nato, de craveira internacional».
Histórias não faltam, nomeadamente com François Mitterrand, «o primeiro estadista a visitar Portugal», que «dizia a Mário Soares: “tens de dar cabo do partido comunista, obriga-os a ir para o Governo e eles acabam”». Mas Soares tinha outra ideia. «Precisava, dizia, da oposição dos comunistas», por um lado e, por outro, «tinha de pôr a extrema direita no Governo». Uma estratégia que foi responsável pela «primeira aliança com o CDS», um Governo formado em 1977, que «criou o Serviço Nacional de Saúde», lembra.
«Mário Soares era um líder, que atraía as pessoas». Em Madrid, conta a deslocação a uma sapataria, para comprar umas sapatilhas para o filho Paulo, que os obrigou «a refugiarem-se no cinema» para fugir «à multidão que se juntou» em seu redor. Em Bruxelas, «entrámos num restaurante e o dono veio, pedindo desculpa, dizer-nos que estava cheio. Quando viram que era Mário Soares, todas as pessoas se levantaram!»
Recorda, ainda, o projecto do novo Hospital da Universidade de Coimbra. Fernando Valle (1900-2004) era governador civil e “requereu” a presença de Soares, sem dizer para quê. «Chegámos e levou-nos para o velho hospital». Soares, ressalva, «nunca visitava hospitais ou lares». «Obrigou-o a fazer a visita e no final diz-lhe: ou resolves o problema do hospital ou vou ter que me demitir!» No regresso a Lisboa, Soares e Campos combinam pedir ajuda a Helmut Schmidt. O chanceler alemão tinha garantido apoio ao plano de rega do Vale do Mondego, explica. «Parte do dinheiro foi retirada deste projecto, por isso é que a zona do Pranto e do Arunca não fez parte do plano inicial do regadio», justifica.
Batalhas no Parlamento Europeu António Campos foi deputado, secretário de Estado adjunto, secretário de Estado da Agricultura e secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e cumpriu dois mandatos no Parlamento Europeu, onde deu que falar. «Pus o comissário europeu Fischer no Tribunal Europeu», recorda, numa guerra para «saber para onde iam os dinheiros da agricultura, que eram confidenciais. Dias antes do julgamento, o comissário tornou públicas essas verbas. Foi uma grande vitória», assume. A segunda, foi a “guerra” contra a BSE, a doença das vacas loucas (encefalopatia espongiforme bovina). «Cheguei a andar com a polícia atrás de mim para me proteger», face às ameaças vindas de talhantes e matadouros. «Conseguimos que fosse criada legislação para proteger a saúde pública, recuperar a
confiança dos consumidores e erradicar a BSE», diz. Mas foi uma luta sem tréguas. «Era um negócio de biliões», que envolveu, noutra frente, a chefe do governo britânico.
«A senhora Thatcher tinha proibido a divulgação dos resultados da investigação», mas Campos teve acesso aos dados. «Fiz campanha, aqui e no Reino Unido, para desmontar a estratégia da senhora Thatcher e revelar o que se estava a passar», recorda.
Medidas para “salvar” o interior
Hoje com os olhos postos nos três netos, todos longe - dois no Reino Unido, um médico e o mais novo a estudar Gestão e Inovação e outra, designer, na AustráliaAntónio Campos questiona-se: «como consigo que voltem para cá?». Reconhece que será difícil, tendo em conta os baixos salários e a falta de oportunidades. Um problema que se agudiza e impõe medidas urgente para o interior, capazes de estancar este crescente abandono.
«Na altura do 25 de Abril tínhamos cerca de 100 mil jovens na universidade. Hoje temos 500 mil. Desses, 15%, os melhores emigram, não os seguramos», constata. Uma realidade que demonstra que «as instituições evoluíram mais do que a nossa capacidade de aproveitar os recursos». A criação de bolsas, aproveitando fundos comunitários, para a investigação e desenvolvimento de projectos de interesse nacional ligados à inovação é uma ideia que defende e já apresentou ao Governo.
Outra, passa por um empréstimo de 200/300 milhões de euros ao Banco Europeu de Investimento para permitir que os jovens possam comprar terra, «pagando a 20/30 anos, como fazem com a compra de casa». O objectivo é «financiar a aquisição de 6 a 15 hectares para permitir a instalação de jovens e garantir o investimento em máquinas. Fazia-se o emparcelamento e, em vez de as terras estarem abandonadas, estavam a produzir», garante.
Critico, o antigo governante lembra que «Portugal é o país europeu com maior percentagem de terrenos abandonados» e lembra que o Estado gastou 6 milhões de euros para fazer o cadastro e em Oliveira, um dos municípios do projecto-piloto, «não foi possível identificar 40% dos proprietários. Isto só existe em Portugal!». «O 25 de Abril permitiu fazer duas grandes reformas, da Saúde e da Educação. Ficou por fazer a aposta nos recursos naturais», conclui.
AGOSTINHO ALMEIDA SANTOS: UM EXEMPLO
1940- 2018 Ajudou a nascer cerca de 17 mil bebés e deu um contributo notável para a felicidade das famílias. Agostinho Almeida Santos foi pioneiro da procriação medicamente assistida, investigador, professor e pai de família exemplar
Meticuloso, exigente, rigoroso, mas simultaneamente simpático, afável e bem humorado, marcou gerações como homem e como médico. Profundo crente e defensor do valor da vida e da família, ajudou milhares de casais a terem a sua família. Trabalhador incansável e defensor da sua cidade, empenhou-se nos mais diversos projectos, almejando tornar grande o nome de Coimbra. Na área da saúde e em tantas outras. Falamos de Agostinho Almeida Santos (1940-2018) o percursor, em Portugal, da técnica de procriação medicamente assistida designada por GIFT (transferência de gâmetas para as trompas). Em 1985, o médico, ginecologista e obstetra, catedrático da Faculdade de Medicina, cria o programa de Procriação Medicamente Assistida e três anos depois, em Junho de 1988, no dia de São João, nasce a primeira criança. «É uma menina e pesa três quilos», noticiava o Diário de Coimbra. A Joana, o primeiro de muitos milhares de bebés.
«Foi, efectivamente, o primeiro a falar e a praticar uma das técnicas de procriação medicamente assistida, mas não é conhecido por ter proporcionado o nascimento da primeira criança», esclarece Teresa Almeida Santos, a filha mais velha, que seguiu o caminho do pai, assumindo o combate à infertilidade como uma causa. «O pai teve uma atitude diferente da do grupo de Lisboa – liderado pelo professor Pereira Coelho –e quis começar a técnica com mulheres mais velhas, que não tinham mais oportunidade de engravidar», adianta. Em Fevereiro
de 1986 nascia, em Lisboa, no Hospital de Santa Maria, Carlos Saleiro, o primeiro bebé concebido através da fertilização in vitro (FIV). Em Junho de 1988, no dia 24, nascia, nos Hospitais da Universidade de Coimbra, a Joana. Uma técnica diferente, GIFT, uma sigla de que Agostinho Almeida Santos gostava particularmente. O bebé, ansiado há muito, era isso mesmo, um “gift”, um “presente” para as famílias.
Joana, de Verride, hoje enfermeira e mãe, foi o primeiro de muitos bebés. O médico apontava cerca de 17 mil. De muitos, mesmo muitos, ficou com recordações. «Tinha álbuns e álbuns de fotos», refere a filha mais velha, esclarecendo que, depois de resolver o problema de infertilidade, o pai continuava a acompanhar as mães e as crianças. A Joana sempre foi especial. «Era uma paixão». «O pai chegou a vir mais cedo de congressos para estar no aniversário da Joana», adianta. «Mas há outras Joanas, muitas Joanas!». Inúmeros afilhados e, em muitos casos, uma grande proximidade com toda família. «Íamos aos aniversários, às matanças do porco», adianta Clara, a filha mais nova.
Agostinho Almeida Santos dedicou-se muito cedo a esta área de investigação. O professor Ibérico Nogueira poderá «ter influenciado», diz Teresa, que recorda o facto de o pai ter sido um excelente aluno e «convidado muito cedo para assistente da Faculdade». Além do grande sentido de família, Teresa entende, advertindo que é uma interpretação sua, que esta área teria mais a ver com a personalidade do pai. «O
Médico ajudou cerca de 17 mil bebés a nascer
que o atraia não era a patologia grave, mas afinar as coisas que não funcionavam e resolver os problemas».
Paris era, na altura, a «capital do conhecimento» e foi para França que Agostinho Almeida Santos foi e desenvolveu uma relação de excelência com o professor Albert Netter. Não foram tempos fáceis. Foi sozinho. Em Coimbra ficou a esposa, Olga, e três filhas. «Ao fim de um ano, disse para a mãe: se não vieres, vou embora», diz Clara. As filhas, com 1, 3 e 5 anos foram entregues aos avós e Olga pôs-se a caminho. «Quando não aguentavam com as saudades, sobretudo a mãe, vinham. A viagem do Sud Express demorava 24 horas», recordam.
O casal vivia «na Casa de Portugal, na cidade universitária. Privaram com Nadir Afonso, o dr. Ruas, Agostinho Moreira», conta Teresa. «Não havia frigorífico e as cervejas eram colocadas no exterior a refrescar. O luxo deles era jantar, à sextafeira, no restaurante chinês. Levaram o vinho, que compravam no supermercado», recordam. O ritual manteve-se, pois em todos os congressos, em Paris «não falhava a ida ao restaurante chinês».
Pioneiro na Telemedicina
Agostinho Almeida Santos foi um dos percursores da Telemedicina e com o seu refinado sentido de humor recordava a experiência em Moçambique, quando, já assistente na Faculdade, foi incorporado nos Fuzileiros. «Fui ginecologista dos Fuzileiros. Não deve haver muita gente no planeta que o tenha sido», dizia, divertido. Foi nesta
Diário de Coimbra 90 anos com Oliveira do Hospital Agostinho Almeida Santos
missão que nasceu a segunda filha. «Soube dois dias depois, através de um padre, radio-amador», conta Teresa. Este sistema de comunicações foi usado pelo médico para «tirar dúvidas», consultando o pai, também médico.
Este registo de “Telemedicina” - que ganhou foros de cidadania mais tarde, com o médico a ser um dos fundadores da Associação Portuguesa de Telemedicina - teve uma ampla evolução na relação com Cabo Verde, depois de um congresso, onde o director do Hospital da Praia lhe pediu ajuda nas áreas de Ginecologia e Obstetrícia. «Começou a desenhar um programa de internato médico, ensinou a fazer laqueação das trompas e levou equipamento», que permitia fazer os exames, posteriormente analisados em Coimbra.
A relação não se ficou pela saúde. Fez amigos e criou uma proximidade grande com o país, que culminou na obtenção da nacionalidade cabo-verdiana, «que exibia com imenso orgulho» e na nomeação como Cônsul Honorário de Cabo Verde para a
Região Centro, que «levava muito a sério». Cabo Verde esteve, igualmente, presente, em 1988, na «primeira transmissão de telemedicina», que juntou os presidentes dos dois países, Jorge Sampaio e Pedro Pires. «Conversaram usando a estrutura montada para a telemedicina. Há 24 anos foi uma coisa espantosa», diz Teresa.
Museu em Meruge para manter a memória
Agostinho Diogo Almeida Santos conheceu a esposa, Olga Maria Rebelo Lopes Moreira de Almeida Santos, na Nazaré, onde as respectivas famílias passavam férias. Teriam 15/16 anos. Voltaram a encontrar-se anos depois, em Coimbra. Ela aluna da Faculdade de Letras. Ele de Medicina. Casaram a 4 de Outubro de 1964. Coimbra foi o porto de abrigo do casal. Meruge, a terra dos avós paternos, a segunda casa. O médico recuperou a casa e ali promovia as reuniões das muitas entidades a que esteve ligado e os encontros de família, no Natal. «Praticamente todos os fins-de-
Homem de rituais que adorava cozinhar
Agostinho Almeida Santos não se limitou a “reparar”o organismo humano. «Nos poucos tempos livres o que mais gostava de fazer era reparar coisas. «Arranjava tudo, desde o relógio ao autoclismo», diz Clara. Uma cultura que o levou a criar os instrumentos necessários para a técnica GIFT, mas também a desenhar as grelhas para os grelhados que tanto gostava de preparar para a família e amigos. Grelhados que rivalizavam com a cataplana, onde juntava o “pobre”berbigão” com um “nobre” cherne ou garoupa. «Adorava cozinhar. Nas férias fazia sempre o almoço», contam. Chegou a receber prémios da Escola de Hotelaria e a tomar conta da cozinha do Reis e preparar petiscos para os amigos. Às iguarias juntava uma «excelente sangria». Já agora, a reunião da família, ao almoço e ao jantar «era sagrada». «Ai de quem se baldasse», diz Clara.
As irmãs contam-nos outras das particularidades da personalidade do pai. Como o cuidado meticuloso na revisão de uma tese, um artigo para um jornal ou confe-
rência; o facto de desenhar ele próprio os slides (centenas de milhar) que usava nas conferências; escrever sempre com caneta de tinta permanente verde ou vestir «por ordem» os muitos fatos que possuía..
A carteira, que o acompanhava sempre, pois sem ela «sentia-se despido» – assim como o incontornável molho de chavesera um verdadeiro repositório de tudo quanto pudesse ser necessário em qualquer circunstância, desde um corta-unhas, a um
semana ia para Meruge», diz Teresa.
Uma casa que reúne um vasto espólio que o médico juntou durante toda a vida. «Queríamos fazer um museu», diz a filha. Todavia, a pandemia não ajudou e o equipamento «continua encaixotado», repartido entre Meruge e Coimbra. Seria uma forma de manter viva a memória do médico, que não tem merecido grande atenção.
Na verdade, Agostinho Almeida Santos foi agraciado pela Presidência da República francesa, com o título de “Chevalier de l´Orde Nationale du Mérite” e recebeu a Medalha de Ouro do município de Oliveira do Hospital. O Algarve quer dar o seu nome a uma rua da Praia da Luz. Em Coimbra, depois da homenagem da Associação de Telemedicina, nada foi feito. «Coimbra é uma cidade pouco grata», desabafa Teresa, lembrando a proposta de atribuição do seu nome ao auditório do iParque que ainda não se concretizou. Ou um pedido da Associação Portuguesa de Telemedicina para dar o seu nome a uma rua da cidade, que continua à espera de decisão.
busca-pólos ou uma bolha de nível. A famosa carteira pesava uns módicos… 23kg!
Homem de rituais, todos os anos comprava, em Paris, uma agenda e no dia 31 de Dezembro ou 1 de Janeiro anotava as datas de aniversário das filhos, dos netos e dos amigos. A agenda tinha outras referências, mas «os aniversários eram sagrados». Ou as suas deslocações à Baixa para comprar a jóia que sempre ofereceu às filhas no Natal e nos aniversários. Emocionada, Teresa recorda que faz anos no dia 1 de Agosto e o pai morreu no dia 14 de Julho.«Já tinha em casa o meu presente!».
Como presidente do conselho de Administração dos HUC fez questão de conhecer «todos os sítios do Hospital e todas as pessoas. Tinha uma excelente relação com os motoristas e com os jardineiros». Nestas funções, Clara lembra que «colocou uma garrafa de 1,5l dentro de cada autoclismo e poupou muita água e dinheiro...».
Na véspera de Natal, passava a tarde a entregar bolos-rei e garrafas de vinho do Porto. A filha mais velha acompanhava-o. «Tinha uma lista, com mais de 30 pessoas». Depois do Natal era o delicado trabalho de responder, um a um, à mão, a todos os cartões de boas-festas que recebia. «Eram pilhas de cartões», lembram.
94 Agostinho Almeida Santos 90 anos com Oliveira do Hospital Diário de Coimbra
Perfil
Paixão por magia e pelo mar
Teresa Almeida Santos recebeu, claramente, a influência do pai, seguindo uma carreira similar, como médica, professora, responsável pelo Serviço de Medicina Reprodutiva. «Muitas vezes dou comigo a pensar: como é que o meu pai reagiria nesta situação», confessa, reconhecendo a grande influência do pai como patrono de uma boa geração de médicos. «Foi um exemplo em tudo. Um exemplo que procuro seguir», diz. «Era um homem de família, uma pessoa exigente a todos os níveis, com ele e com os outros… de uma grande exigência moral e intelectual», adianta Clara. Mas também «um homem de causas», com «uma intensa actividade cívica», que se envolveu nas mais variadas questões, desde as campanhas anti-aborto, apoio a casais estéreis, “Questão Coimbrã”, Clube de Empresários, iParque, OdaBarca e Rotários. «Não sei como é que tinha tempo para tudo!», adianta.
«Era de uma generosidade difícil de igualar», diz Teresa, lembrando as muitas iniciativas em que o pai se envolveu e que financiou. «Onde se metia, fazia acontecer e financiava. Nunca deve ter apresentado despesas de representação», conclui Clara.
Recordam, ainda, a enorme paixão por magia. «Ficava fascinado com o Luís de Matos. O que não percebia, fascinava-o!», diz Teresa. «Nas conferências de apresentação dos Encontros Mágicos, estavam os jornalistas e o pai», adianta Clara, divertida, lembrando que o médico não perdia, por nada, um programa de magia na televisão!
«Gostava de fazer nascer coisas» e, por isso, transformou o pequeno jardim de casa, na Solum, num pomar, com kiwis, laranjeiras, uvas morangueiras e duas nespereiras. Mais tarde fez uma horta no telhado e produzia alface, tomate... «Até agriões», aponta Teresa. Quanto aos frutos, a «primeira laranja era dividida por toda a família. Todos provavam!».
Leitor assíduo de jornais, logo ao pequeno-almoço, fazia recortes de tudo o que lhe dizia respeito, à família e ao Hospital. «Recortava e tirava uma ou duas cópias e organizava». «Obsessiva», no dizer das filhas, foi a forma como acompanhou o rapto de Maddie, que aconteceu precisamente depois de ter abandonado a presidência do conselho de administração do CHUC. A casa da família fica ao lado da igreja da Praia da Luz e a situação «marcou-o muito». «Tinha um grande dossier sobre a Maddie».
«A necessidade do mar começa quando vem do Ultramar», diz Teresa, que associa isso à experiência de guerra vivida em Moçambique. «Comprou um barco insuflável e ia para o mar. A mãe ia sempre com ele. Nós – as três filhas mais velhas – passávamos horas na praia, todas com um chapéu igual», recorda. O barco foi melhorando a performance e dando mais consistência a estas viagens, também associadas à pesca e à presença na Praia da Luz, no Algarve.
Agosto era o mês de eleição. «A partir do dia 27 de Julho, o pai não aguentava, ficava a sofrer de Julhite, como dizia a mãe».
Agostinho Diogo Jorge de Almeida Santos nasceu a 7 de Setembro de 1940. Licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra, onde também se doutorou, foi pioneiro da procriação medicamente assistida em Portugal. Deixou a Universidade antes de concluir os 70 anos e foi em França que proferiu a “última aula”, com a conferência “O big band da Vida Humana”. Entre 2005 e 2007 foi presidente do Conselho e Administração dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Publicou 185 trabalhos científicos e proferiu mais de quatro centenas de conferências. Esteve ligado a 18 organizações científicas nacionais e internacionais e desempenhou funções de perito da Comunidade Europeia na área da investigação em Bioética. Autor do livro “Razões de Ser”, presidiu à Sociedade Europeia de Ginecologia (1997 e 2001). Cidadão de causas, empenhou-se na valorização de Coimbra, integrou os órgãos sociais do Clube de Empresários, foi um dos impulsionadores do iParque e da afirmação de Coimbra como “Capital da Saúde”. Casado com Olga Maria Rebelo Lopes Moreira de Almeida Santos, teve quatro filhas: Teresa, Susana, Margarida e Clara Almeida Santos. A doença surpreendeu-o. Com 77 anos, a 14 de Julho de 2018, despedia-se da vida.
Quando começaram estas estadias, a Praia da Luz era «uma aldeia de pescadores». O médico «andava sempre na rua, com um boné branco» e começou a ser conhecido.
Um dia, a mulher de um pescador estava muito mal, à espera da ambulância que a levaria a Lisboa. Foi vê-la, diagnosticou uma crise renal e medicou-a. A partir de então, depois do almoço, a casa era transformada em consultório.
Ponto de honra era a Festa do 15 de Agosto. Um jantar na Praia da Luz, que reunia mais de uma centena de pessoas, vindas de todo o país. Ramalho Eanes, Fausto Correia, Almeida Santos, os pais da Joana, o sr. Reis (do restaurante O Reis), entre muitos outros.
O casal, Agostinho Almeida Santos e Olga Maria Almeida Santos