90 Anos com Pampilhosa da Serra

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PAMPILHOSA DA SERRA

Com o patrocínio de: Com o patrocínio de:

Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente

90 ANOS COM



90 anos com Pampilhosa da Serra Introdução

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90 anos com a Pampilhosa da Serra

O

s montes sucedem-se uns após outros. Parecem talhados a cinzel por um artista deslumbrado pela grandeza. Crescem. Abruptos uns. Menos sinuosos outros. Um cenário que deslumbra, com a Natureza a mostrar toda a sua força, o seu esplendor. De forma crua, intensa. Por vezes mesmo hostil. Um castelo de montanhas que a mão do homem adornou, com os rios suaves a crescerem na forma de albufeiras intensas e grandiosas e o casario a surgir, aconchegado pelas encostas e vales, sem a dispersão que define outros territórios. Mais uma diferença, um sinal de união numa terra onde a distância não se mede em quilómetros, mas em tempo. Onde a escassez de recursos ditou a diáspora, mas sempre com uma ligação fiel ao torrão natal. É a paixão por esta terra, feita de montanhas, de verde, de rochedos e de água que leva os filhos a voltarem, sempre. Sobretudo no Verão, para viver o 15 de Agosto e as Festas de Nossa Senhora do Pranto. Mas também para consolidar essas raízes que, durante décadas, assumiram a forma de fontes e fontanários, de luz eléctrica, de abertura de estradas e caminhos, para dar melhores condições de vida a quem ficou. É o tão peculiar Regiona-

lismo Beirão, este sentimento de pertença que criou uma verdadeira corrente solidária entre Lisboa e a Pampilhosa da Serra. Uma herança que passou de pais para filhos e que se mantém viva e é expressa no orgulho de dizer: “Sou da Pampilhosa da Serra”. Um sentimento solidário que faz parte da identidade das gentes serranas. Firmes e frontais, mas também inconformadas, que com a força da diplomacia ou com a firmeza da persistência têm conseguido chamar a atenção para estes quase 400 quilómetros quadrados de território do interior do país, bem no Centro do Centro. É à Pampilhosa da Serra que hoje o Diário de Coimbra dedica esta revista, que assinala as nove décadas de publicação do jornal. De forma despretensiosa, convidamos os leitores a fazerem connosco esta viagem, que nos leva ao encontro de gente grande, com um coração enorme, de projectos pioneiros, de uma vontade férrea em promover um concelho com uma identidade muito própria, características únicas, que se afirma pela diferença. Muito fica por dizer neste “aperitivo” que requer, necessariamente, uma deslocação “real” à Pampilhosa da Serra. 

FICHA TÉCNICA Agosto de 2021 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo Coordenação editorial: Manuela Ventura

Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Manuela Ventura Fotos: Ferreira Santos, Figueiredo, Santa Casa da Misericórdia, Casa do Concelho de Pampilhosa da Serra, Associação de Solidariedade

Social de Dornelas do Zêzere, Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra, D.R. e Arquivo Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: Carla Borges e Rui Semedo

Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA Tiragem: 10 mil exemplares Agradecimentos: Ao executivo municipal e equipa técnica da Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra


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Opinião 90 anos com Pampilhosa da Serra

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Pampilhosa da Serra, o Centro da Natureza José Brito Dias Presidente da Câmara Municipal da Pampilhosa da Serra

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ampilhosa da Serra está no centro do interior da Região de Coimbra, no centro da natureza. Os seus preciosos recursos naturais fazem dela um território turístico de excelência e um grande centro de produção de energia hídrica e eólica, tendo como maior ativo a qualidade da sua água e da sua floresta. Consciente da importância destes recursos, Pampilhosa da Serra avança para novos desafios, como é exemplo a recém-criada Área Integrada de Gestão da Paisagem (AIGP), que contribuirá para o desenho de um mosaico florestal sustentável, através da plantação de culturas resilientes ao fogo que funcionem como aceiros naturais de proteção dos ecossistemas. No concelho, a produção de medronho tem vindo a crescer, perfilando-se como um setor da economia local em desenvolvimento. Estudos recentes da Universidade de Coimbra revelam condições de excelência para a plantação da vinha, colocando Pampilhosa da Serra numa espécie de “Douro ao Centro” para a produção de vinho de qualidade, pelo que estamos a desenvolver, em

conjunto com a CIM RC e a Escola Superior Agrária de Coimbra, estudos e projetos para a sua concretização. Pampilhosa da Serra é conhecida como o Centro (comercial) da Natureza, “onde se encontra tudo o que na cidade não se pode comprar”. Este “tudo” engloba um conjunto de particularidades turísticas e de lazer, que tornam o território especialmente atrativo, nomeadamente no que diz respeito às experiências em pleno contacto com a natureza, o verdadeiro “luxo do século XXI”: o ar puro, as águas cristalinas, o céu límpido e estrelado ou o sentimento de liberdade e tranquilidade, cada vez mais difícil de encontrar nos centros urbanos. Ao longo dos 397 Km2 do concelho, podem-se explorar experiências únicas a pé, de bicicleta ou em modo todo-oterreno. O território conta com uma rede de 9 percursos pedestres – uma das maiores do país – que se estende por mais de 100 Km e um Centro de BTT de excelência, com uma rede de trilhos cicláveis, devidamente sinalizados, com cerca de 122 Km e 4 níveis de dificuldade. Com a natureza convivem em harmonia as praias fluviais de excelência, como Pessegueiro, Janeiro de Baixo e Santa Luzia, de duplo galardão Ouro e Bandeira Azul, e as Aldeias do Xisto de Fajão e Janeiro de Baixo. E depois temos o Céu. A Pampilhosa da Serra é hoje palco de visitas assíduas de cientistas, investigadores, empresas

tecnológicas e do que de mais importante se faz a nível nacional, no que à tecnologia do espaço diz respeito. Destaco o projeto Dark Sky Aldeias do Xisto, para o qual o Município contribuiu de forma preponderante desde a sua génese, e que é um “Destino Turístico Starlight” - certificação internacional que atesta a qualidade do destino Aldeias do Xisto como território de excelência para a observação do céu noturno. Toda esta riqueza e diversidade pode ser explorada à distância de um clique, através da aplicação “Pampilhosa da Serra”, disponível gratuitamente para IOS e Andróide. Um verdadeiro mapa digital, que permite explorar as múltiplas experiências que este território único tem para oferecer. 

Os seus preciosos recursos naturais fazem da Pampilhosa da Serra um território turístico de excelência



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Barragem de Santa Luzia 90 anos com Pampilhosa da Serra

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UM MAR DE ÁGUAI A PERDER DE VISTAI

Albufeira de Santa Luzia estende-se por uma área de 50 quilómetros

1939 A Companhia Eléctrica das Beiras arranca, em 1939, com a construção da Barragem de Santa Luzia. Um complexo que inclui uma segunda barragem, do Alto Ceira, e garante uma produtividade média anual de 54 GWh

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guerra assolava a Europa. «Aviões da R.A.F voaram sobre Roma, onde se registaram dois alarmes», escrevia o Diário de Coimbra na edição de 25 de Julho de 1940. «Um submarino torpedeou e afundou dois navios mercantes inimigos, que faziam parte de um comboio sob forte escolta». «No mar do Norte, um dos nossos aviões de combate conseguiu meter a pique um submarino inimigo», adiantava o jornal. Um cenário bélico assustador. Próximo, mas simultaneamente distante. Longe dessa guerra, começava a construção da Barragem de Santa Luzia. Na mesma edição, de 25 de Julho de 1940, o Diário de Coimbra dava conta dos progressos da obra, que provava que «as grandes iniciativas são protegidas

por espíritos de forte envergadura». «A grande Barragem de Santa Luzia vai tomando proporções, construindo-se com a desenvoltura normal e com o maior entusiasmo por parte de todos os que nela trabalham com afinco e coragem ilimitados». Entusiasmado, o autor da peça, Jaime Mateus Ferreira, lamentava que «estes trabalhos não sejam filmados em toda a sua amplitude, dada a forma surpreendente como se conjugam todos os mecanismos, na dosagem, fabricação, distribuição do betão, etc. nas diferentes secções». Destacando a presença “in loco”do director técnico da Companhia Eléctrica das Beiras, promotora da obra, eng.Agostinho Tavares, e também, por vezes, do director geral, Manuel Gil, o repórter dava conta da primeira fase dos trabalhos de betonagem, iniciados no dia 17, «na margem direita do rio Pampilhosa». «O êxito dos trabalhos foi tão grande» que o «pessoal das obras, depois de dar conhecimento ao sr. eng. chefe Pinto Magalhães, redigiu uma mensagem de felicitações à direcção», entregue «pelo chefe de escritório e encarregado da caixa, sr. Afonso Henriques Ventura. Houve vivas à

Companhia Eléctrica das Beiras, aos senhores directores, aos senhores engenheiros chefes e, finalmente, a Portugal». Depois de um “Porto de honra” oferecido a todo o pessoal, o director técnico «levantou três “hurras”em honra de todos os trabalhadores da Companhia Eléctrica das Beiras», concluía Jaime Mateus Ferreira. Era o pontapé de saída de um empreendimento que, de acordo com Joaquim Laginha Serafim, engenheiro investigador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, teve um primeiro projecto assinado pelo engenheiro A. Stucky, que concebeu uma «barragem de abóbadas múltiplas», solução que foi abandonada, apesar de «terem sido ainda realizadas algumas escavações», escreve em “As Grandes Barragens dos Aproveitamentos Hidráulicos Portugueses”. Segundo o investigador, o mesmo engenheiro apresentou «novas soluções de barragens em abóbada única», que a empresa concessionária, a Companhia Eléctrica das Beiras, pôs de lado, uma vez que «abandonavam grande parte das escavações já realizadas e não se adaptavam perfeitamente a um acidente geológico da margem esquerda».



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Barragem de Santa Luzia 90 anos com Pampilhosa da Serra

Abarragem, adianta Laginha Serafim, acabou por ser construída segundo «o projecto do eng. A. Coyne», que, desta forma, «inicia a sua fecunda colaboração no nosso país». «Trata-se, fundamentalmente, de uma barragem abóbada, assimétrica, sem qualquer curvatura na vertical, com um raio do paramento de montante constante e igual a 60 metros, 115 metros de desenvolvimento no coroamento e 12 metros de espessura na base. Na margem esquerda, a barragem dispõe de um encontro em asa, para evitar o acidente geológico existente nessa margem», adianta o investigador. Laginha Serafim faz notar o empenho particular da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos neste projecto, prestando «toda a sua aten-

ção e ajuda à observação da Barragem de Santa Luzia, por meio dos aparelhos que nela foram colocados pela Companhia». Foi também aqui que a Direcção-Geral deu início à «observação dos deslocamentos» da barragem, através do «método geodésico», refere. O aproveitamento hidroeléctrico de Santa Luzia foi construído entre 1939 e 1949 pela Companhia Eléctrica das Beiras (CEB), empresa que em 1976 foi integrada na EDP. Compreende duas barragens – Santa Luzia e Alto Ceira - bem como diversos açudes, túneis e derivações, «que permitem encaminhar a água para estas duas barragens», esclarece a EDP. A Barragem de Santa Luzia, de autoria

Entre duas formações quartzíticas imponentes, ergue-se o “muro” da barragem

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do célebre projectista André Coyne, «foi a primeira barragem abóbada construída em Portugal», uma obra que começou em 1939 e ficou concluída em 1942. Localizada no rio Unhais, a barragem tem 76 metros de altura e 115 de comprimentos de coroamento. Acentral hidroeléctrica, situada na localidade de Esteiro, começou a funcionar em 1943. A água da albufeira é transportada para a central «através de um túnel em cargacom 175 metros - e de uma conduta forçada», com 3.487 metros de comprimento. Possui «quatro grupos de geradores», cada um com uma potência unitária de 6,1 MW (megawatt), o que perfaz uma «potência instalada total de 24,4 MW. «A produtibilidade média anual é de 54 Gwh (gigawatt-hora)», esclarece fonte da EDP. A central hidroeléctrica tem a particularidade de descarregar a água turbinada directamente no rio Zêzere. Afantástica albufeira criada pela barragem estende-se ao longo de uma área de 50 quilómetros. O primeiro enchimento, de acordo com a EDP, verificou-se em Outubro de 1942. A capacidade global da albufeira é de 58,5 milhões de m3.

Barragem do Alto do Ceira A complexo hidroeléctrico de Santa Luzia inclui uma segunda infraestrutura, a Barragem do Alto Ceira. Localizada no rio Ceira, apresenta uma abóbada de dupla curvatura, com 41 metros de altura, foi projectada em 1940 e entrou em funcionamento em 1949. Trata-se de uma estrutura com «funções de derivação», o que significa que garante o desvio das águas do rio Ceira para a albufeira de Santa Luzia, localizada a cerca de 7 km de distância. Uma operação possível graça a um túnel de derivação, que liga as duas albufeiras, com 6.945 metros. O aproveitamento hidroeléctrico contempla, ainda, as derivações das ribeiras da Castanheira e do Tojo para a albufeira do Alto Ceira», que também recebe «as afluências captadas por um conjunto de pequenos açudes e túneis e por uma rede de canais de encosta», que têm como objectivo «captar as escorrências superficiais e conduzi-las para a albufeira de Santa Luzia». A barragem do Alto do Ceira funciona exclusivamente como sistema de captação de água, que “deriva” para Santa Luzia, o que significa que não tem qualquer central hidroeléctrica associada. Esta barragem teve, desde o seu primeiro


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enchimento, «um comportamento anómalo» em termos de estrutura, caracterizado por «deslocamentos progressivos horizontais para montante e verticais ascendentes», aos quais se juntou o «estado de fissuração». Após vários estudos, os técnicos da EDP concluíram que a barragem apresentava «condições deficitárias de segurança estrutural e hidráulica-operacional», como se pode ler no Estudo de Impacte Ambiental para a nova barragem, apresentado em 2008. Analisadas diversas possibilidades para resolver o problema, a solução foi «a construção de uma nova barragem, a jusante da existente», de molde a permitir «o funcionamento do aproveitamento hidroeléctrico de Santa Luzia sem condicionamentos». A actual barragem, projectada pela equipa técnica de engenharia da EDP Produção, foi construída a cerca de 200 metros abaixo da barragem existente e a empreitada ficou concluída em 2014. As funções são exactamente as mesmas da anterior, que ficou submersa pela nova albufeira, não sendo considerado necessário proceder à sua demolição total. É uma barragem de arcos parabólicos, com 41 metros de altura, acima da fundação e um comprimento de coroamento de 137,5 m, com 8 m de largura. O volume total de betão atinge os 16 mil m3. A nova bacia de água cresceu cerca de 1,7 hectares relativamente à anterior (33,5 hectares), apresentando uma capacidade total de 1,3 milhões de m3, ao nível de pleno armazenamento. O primeiro enchimento, segundo a EDP, foi iniciado em Junho de 2013, tendo atingido o «ultimo patamar de enchimento, correspondente ao nível de pleno armazenamento, em Fevereiro de 2014». 

Túnel de derivação com 6.945 metros garante o transvase da água da albufeira do Alto Ceira para a Barragem de Santa Luzia

90 anos com Pampilhosa da Serra Barragem de Santa Luzia

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Garantias de segurança

Barragem do Alto do Ceira capta água do rio Ceira, que é canalizada para Santa Luzia

As barragens de Santa Luzia e Alto Ceira «são permanentemente observadas, de acordo com um plano de observação estrutural existente, que inclui um conjunto vasto e diversificado de aparelhos e sistemas, tais como fios de prumo, extensómetro de resistência eléctrica, medidores de movimentos de juntas, termómetros, extensómetros de fundação, entre outros», esclarece a EDP. A empresa também refere a existência de «observações geodésicas periódicas» e de «um sistema de observação das acções sísmicas, instalado na nova barragem do Alto Ceira». São, ainda, efectuadas inspecções visuais de rotina e, periodicamente, visitas de inspecção de especialidade, que contam com a participação de técnicos da EDP Produção, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e de consultores do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). «O sistema é operado de acordo com um conjunto de normas de exploração – Regulamento de Segurança de Barragens – e é periodicamente verificada a operacionalidade dos órgãos de segurança, que é garantida por uma manutenção adequada», refere ainda. Em cada uma das barragens já foram, após aprovação da APA, operacionalizados os respectivos planos de emergência internos, que incluem «a construção de postos de observação e controlo e de sistemas de aviso às populações». Relativamente a obras mais recentes, a EDP destaca a construção da nova barragem do Alto Ceira, entre 2012 e 2014, que incluiu a

demolição parcial da estrutura existente, edificada nos anos 40, bem como a reabilitação do túnel de derivação, que liga o Alto Ceira a Santa Luzia, efectuada em 2015-2016, depois de uma ruptura no transvase, em Janeiro de 2015. Um acidente que lançou uma massa de água significativa no rio Ceira, que engrossou o caudal e provocou inundações na zona de Coimbra. Antes, em 2010, foi efectuada a reabilitação da conduta forçada de Santa Luzia, incluindo a substituição e um troço. Relativamente à central de Santa Luzia, em 1998 assistiu-se, segundo a EDP, a uma remodelação geral e no ano passado começou o processo de reabilitação e manutenção dos quatro geradores, uma empreitada que se prevê esteja concluída no próximo ano. A EDP produção tem dois colaboradores em regime de permanência no aproveitamento hidroeléctrico de Santa Luzia, que contam com o apoio, sempre que necessário, das equipas da empresa sediadas em Seia, em Castelo de Bode e no Porto. 

Problemas estruturais ditaram a demolição parcial da barragem original do Alto Ceira e a construção de nova barragem em 2012-2014


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Barragem de Santa Luzia 90 anos com Pampilhosa da Serra

Santa Luzia “engoliu” aldeia de Vidual de Baixo O presidente da Câmara Municipal, José Lourenço Gil, dava nota do «dó e compaixão pela desgraça dos seus munícipes, que embora indemnizados, vêem alteradas, com desgosto, as suas condições de vida e submergidas as suas propriedades», escrevia o Diário de Coimbra, na edição de 5 de Dezembro de 1942, assinalando a entrada em funcionamento da Barragem de Santa Luzia. «Que o holocausto do desditoso povo de Vidual de Baixo reverta sim, não só a bem do interesse nacional, mas também de alguma utilidade para o nosso concelho», continuava o autarca, dirigindo-se à direcção da Companhia Eléctrica das Beiras (CEB). «Nos vossos corações deveis sentir o carinho, a simpatia e o bom desejo de poderdes ser úteis ao concelho da Pampilhosa da Serra, tão pobre pela sua natureza topográfica, tão desprezado e desconhecido por estar longe dos grandes centros e das vistas, portanto, dos altos poderes do Estado Novo», dizia ainda José Lourenço Gil, citado pelo jornal, que deu conta do Plano de Actividades do município para 1943, destacando o propósito de avançar com «a electrificação

da sede do concelho e das povoações mais próximas da conduta de energia». O edil fazia notar aos responsáveis da CEB «o estudo urgente de tão importante assunto, para que o concelho de Pampilhosa da Serra seja um dos primeiros, como é de justiça, a ser electrificado, da maneira mais vantajosa e de harmonia com os seus recursos financeiros». Antes, o jornal dava conta da cerimónia, realizada na casa das máquinas, a jusante da Barragem de Santa Luzia. Era «o acto Diário de Coimbra noticia início do funcionamento da barragem

Um santuário de beleza e de actividades lúdicas O miradouro de Santa Luzia é um ponto de paragem obrigatório e a extraordinária vista, onde o azul da água contrasta com o verde da floresta, é de cortar a respiração. Mas é apenas uma amostra do espectáculo verdadeiramente esmagador que se avista no vale, junto ao sopé da barragem. Uma garganta funda, criada por dois enormes maciços rochosos, de natureza quartzítica, verdadeiros contrafortes naturais, que ajudam a suportar a barragem. Os mais aventureiros têm ali um desafio: escalar a falésia. É a Via Ferrata, uma outra experiência proporcionada pela Barragem de Santa Luzia. Para os menos afoitos ou aqueles que apenas querem relaxar, a enorme baía de águas límpidas representa um irrecusável convite para um banho refrescante na pis-

Praia fluvial de Santa Luzia

cina flutuante. Um projecto dinamizado pelo município de Pampilhosa da Serra, na

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da vedação das águas da Ribeira de Vinhais, cuja travessia é feita agora em barcos de remos para peões e barcaças para volumes pesados. Começa, assim, a avolumar-se a gigantesca albufeira, que comportará 45 milhões de metros cúbicos de água e que nos fornece a impressão de um pequeno braço de mar», adiantava o Jornal, na primeira página. Um «dia solene», recordado com a «gratificação a todo o pessoal», por parte da direcção da CEB, que entregou uma senha que dava direito a «meio quilo de castanhas e meio litro de vinho». O jornalista refere a presença do pároco de Cabril, Luciano Pereira de Carvalho, que procedeu à bênção do local. E não termina sem uma referência «à ausência estranha, para todo o pessoal, do sr. eng. Agostinho Tavares», um dos grandes obreiros da barragem. A povoação de Vidual de Baixo foi engolida pelas águas, há 79 anos. A maioria dos habitantes «foi-se embora». Outros fixaram-se no Casal da Lapa. As indemnizações «foram uma miséria. Era assim, naquele tempo», garantem-nos. O escritor Miguel Torga refere, no seu Diário, o «aparecimento insólito e demoníaco de um lago, num sítio que desde o quaternário foi sempre de courelas, soitos e penedia».

localidade de Casal da Lapa, que se transformou num verdadeiro cartão-de-visita do concelho. Distinguida com todos os galardões, a praia fluvial tem, este ano, em contexto de pandemia, capacidade para acolher 110 banhistas ao mesmo tempo. O parque de merendas, que antecede o areal, é um convite à confraternização, a encontros de família e de amigos ou até mesmo a um momento de pausa e de relaxe, entre as múltiplas “ocupações” disponíveis, que vão desde os desportos náuticos, à pesca, aos passeios pedestres, circuito de manutenção, ciclovia ou um halfpipe de skate. Também ali está localizado o Centro de BTT, de onde se pode partir à descoberta dos mais de 120 km de trilhos sinalizados, com quatro níveis de dificuldade. Santa Luzia é, sem dúvida, o mais emblemático postal da Pampilhosa da Serra. Uma obra prima de beleza, onde a natureza e o homem uniram esforços e cada um deu o melhor de si. 



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Meandros do Zêzere 90 anos com Pampilhosa da Serra

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VINHEDOS NOS MEANDROS DO ZÊZERE 2021 Governo aprovou criação da AIGP – Área Integrada de Gestão de Paisagem dos Meandros do Zêzere. Nos socalcos do Vale do Zêzere perspectiva-se uma nova cultura centrada na vinha

Barrafem do Cabril, a Sul, criou uma albufeira e um ecossistema muito particular

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e repente, parece que o Douro deu um salto gigantesco e se instalou no Centro. A mesma massa de água intensa. A mesma encosta que cresce, soalheira e verde. O GPS – Sistema de Posicionamento Global – não engana. Não estamos no Norte, mas sim na Pampilhosa da Serra. A albufeira da Barragem de Cabril (inaugurada em 1954, em Pedrógão Pequeno, que representa uma das maiores reservas de água doce do país) criou este espaço de eleição, onde a montanha e o rio se juntam num abraço. Faltam as videiras, com os seus cachos suculentos. Em seu lugar, nos meandros do Zêzere, crescem eucaliptos, direitos aos céus. Mas será por pouco tempo. A vinha está mesmo aí a chegar. Em causa está um projecto que está prestes a arrancar, depois de, durante largos anos, não passar de uma ideia. «A semelhança dos meandros do Zêzere com o Douro é notória», um dado que levou, desde há muito, a pensar no cultivo da vinha como hipótese. Todavia, só nos últimos anos começaram a ser dados passos nesse sentido. O Governo deu, agora, um impulso decisivo, com a aprovação da AIGP – Área

Integrada de Gestão de Paisagem dos Meandros do Zêzere. Jorge Custódio, vice-presidente da Câmara de Pampilhosa da Serra, recorda que desde sempre, embora a cultura da vinha não merecesse uma preocupação especial, era sabido que «quem tinha vinhas naquela encosta do Zêzere tinha uma produção de maior qualidade». Uma conjugação de factores que levou o executivo municipal a lançar mãos à obra. «Uma coisa é ter a ideia, outra é ter um estudo técnico e um projecto de viabilidade económica», refere, fazendo notar que, após muitos anos em fermentação, o projecto começa, agora, a ganhar raízes. Um projecto ancorado em duas frentes de apoio. Por um lado, a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIMRC), e, por outro, a Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC). De um lado o “forcing” político, que, no âmbito do Plano Intermunicipal de Combate àsAlterações Climáticas, «conseguiu a aprovação, junto do Governo, desta áreaAIGP, com cerca de 500 hectares». Do outro, os docentes da ESAC, que concluíram que, efectivamente, fruto das alterações climáticas, os meandros do Zêzere

oferecem condições de excelência para a cultura da vinha e se têm empenhado no estudo dos solos, do sistema de irrigação, na selecção das castas mais adequadas e no respectivo tratamento. «É um estudo com cabeça, tronco e membros», garante Jorge Custódio, que corresponde à primeira fase do projecto.Asegunda, igualmente a cargo dos especialistas da ESAC, prende-se com a viabilidade económico-financeira, com a necessária análise da rentabilidade do projecto. Uma das questões, igualmente pertinentes, centra-se na importância de perceber «se faz sentido ou não ter uma adega própria», agregada à vinha, explica Jorge Custódio. «Agora sim, temos um estudo – que nunca tivemos, até à data – para ver, efectivamente, o que se pode fazer neste território», adianta. Mais uma vez, é uma «oportunidade de fazer diferente», que a Pampilhosa quer agarrar.

Projecto-piloto protege a floresta Aexploração vitivinícola do Vale do Zêzere faz parte do Plano Intermunicipal de Combate àsAlterações Climáticas da CIM-Região de Coimbra. Em causa está uma dupla ordem de razões, que se prende, por um lado, com a dinamização do território, através de culturas alternativas e, por outro, numa aliança estratégica, a defesa e segurança desse mesmo território relativamente ao flagelo dos incêndios florestais, que tanto têm assolado o concelho de Pampilhosa da Serra. Trata-se de criar descontinuidade na floresta, evitando que proliferem, como tem acontecido, grandes manchas de monocultura, seja de eucalipto ou de pinheiro. «Esta AIGP, aprovada pelo Governo, visa fazer uma reestruturação clara da floresta», com a criação de «descontinuidade», neste caso através da cultura da vinha, o que representa uma barreira natural às chamas, ao mesmo tempo que permite diversificar a produção e a rentabilidade dos solos. Um projecto-piloto de reestruturação completa de uma área que se prevê venha a ser replicado noutras regiões. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Centro Comercial da Natureza

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O CENTROI COMERCIALI DA NATUREZAI Os caminhos pedestres constituem uma referência, seja entre montanhas, junto ao rio ou ao lado da barragem

2018 A natureza em estado puro representa a marca diferenciadora do concelho e a grande aposta em termos de atracção turística

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o Centro do Centro, a duas horas de Lisboa e a duas horas no Porto, a Pampilhosa da Serra entendeu agarrar esta marca e imprimir-se o seu cunho próximo, como Centro da Natureza. «Não temos castelos, mosteiros, um património edificado de excelência», reconhece Jorge Custódio, vice-presidente da autarquia. Mas, em contrapartida, a Pampilhosa da Serra «tem a natureza no seu estado puro e bruto», um facto que, considera, «nos pode diferenciar». “Pampilhosa Inspira natureza” foi, durante largos anos, o mote da promoção do território, centrado na qualidade da água, na leveza do ar que se respira, na tranquilidade das montanhas que emolduram o concelho, na frescura das praias ou na magia do seu céu estrelado. Um conceito que, depois dos incêndios de 2017, o município entendeu reforçar, renovando a mensagem, sobretudo dando-lhe um toque mais citadino, mas sempre

com o enfoque colocado no Centro e na Natureza. Um trocadilho que resultou em pleno: Centro Comercial da Natureza – Onde se encontra tudo o que na cidade não se compra”. A apresentadora Filomena Cautela foi o rosto de um filme promocional, da autoria da produtora Ideias com Pernas, galardoado a nível nacional e internacional, que apresentou ao mundo este novo conceito. «Na cidade não se compram estes rios de águas límpidas, este verde que voltou a renascer, estes ares magníficos, estas vistas deslumbrantes, a magia destes céus. Na cidade pode ter-se tudo, mas não se tem este centro comercial da natureza», afirma Jorge Custódio. «Este é um centro comercial aberto todos os dias, 365 dias por ano», adianta. Um centro comercial a céu aberto que convida a explorar um território com 397 km 2. Nas suas múltiplas galerias, encontram-se os artigos de luxo do século XXI: ar puro, águas cristalinas dos rios e albufeiras

e um céu límpido que convida a trocar a noite pelo dia. Talhados pelo Criador, os penedos de xisto moldam o horizonte e convidam a subir à cúpula, que atinge mais de mil metros de altitude. Consoante as épocas do ano, as encostas dos montes vestem-se de urze e de carqueja e estendem as suas cores e aromas únicos. As Aldeias do Xisto convidam a uma visita, que representa uma viagem no tempo, que requer uma necessária paragem para apreciar os bons sabores da gastronomia serrana, onde se destacam os pratos de javali, a chanfana, o maranho, mas também a tigelada ou a filhó espichada. Um Centro Comercial da Natureza «onde encontra tudo o que realmente precisa». É isto que nos diferencia, sublinha o autarca.

Percursos e praias Este abraço à natureza também pode ser feito através de um conjunto alargado de percursos: Subida dos Penedos e Voltinhas do Ceira (Fajão), Caminho do Xisto


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Centro Comercial da Natureza 90 anos com Pampilhosa da Serra

Praia da Pampilhosa, na sede do concelho, convida a um banho refrescante

Praia de Pessegueiro é um pequeno paraíso que os visitantes elegeram

da Barragem de Santa Luzia (Casal da Lapa), Caminhos do Xisto de Janeiro de Baixo, Caminho do Xisto de Pessegueiro e Caminho do Xisto de Porto de Vacas (junto ao Zêzere). Há ainda o percurso Villa Pampilhosa (sede do concelho), Rota do Rio Unhais (Barragem de Santa Luzia), Rota do Velho de Unhais (Vidual-Unhais-oVelho). Na confluência desta rede de percursos pedestres que liga as aldeias de Fajão a Ja-

A Pampilhosa da Serra pode não ter castelos, mosteiros ou palácios, mas é um território abençoado pela mãe Natureza

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neiro de Baixo está instalado um Centro BTT, que possui balneários, instalações sanitárias, estação de serviço para bicicletas e uma rede de trilhos sinalizados com cerca de 122 km, com quatro níveis de dificuldade. Num território banhado pelos rios Unhais, Ceira e Zêzere e onde existem três albufeiras - Santa Luzia, Alto Ceira e Cabril - não faltam alternativas para a prática de desportos náuticos, para os desafios da pesca ao achigã e, claro, para um refrescante mergulho, atestado com galardões de qualidade reconhecida. Comecemos pela sede do concelho, onde se encontra a mais recente praia fluvial. No centro da vila, o rio Unhais convida a um mergulho e a uma tarde repousada na relva. Este ano a praia não apresenta qualquer bandeira, por decisão da autarquia, que, tendo em conta a realização de obras, decidiu não avançar com o processo. Todavia, a praia está em perfeito funcionamento e com vigilância assegurada. A capacidade definida, tendo em conta os limites de segurança impostos pela autoridade de saúde, apontam para um universo de 330 pessoas em simultâneo. No limite do concelho, nas margens do rio Zêzere, encontra-se a Aldeia do Xisto de Janeiro de Baixo e a respectiva praia, galardoada, mais uma vez, com a Bandeira Azul e de Qualidade de Ouro, além do título de Praia Acessível. 310 é a lotação definida para esta praia. Santa Luzia permite observar, nas formações rochosas, junto ao dique, um dos espectáculos geológicos mais interessantes do interior do país. A albufeira oferece num lago imenso, a perder de vista e uma piscina onde se pode tomar banho com toda a segurança. A praia fluvial de Santa Luzia volta a hastear as bandeiras Azul e de Ouro e tem uma lotação estabelecida de 110 pessoas. Pessegueiro é a outra praia fluvial classificada do concelho, também ela galardoada com as bandeiras Azul, de Ouro e de Praia Acessível. As águas cristalinas da ribeira de Pessegueiro contrastam com as paredes de xisto que emolduram a aldeia. Um antigo lagar, instalado na margem, foi transformado em bar e os bungalows dão um toque de requinte diferenciador a esta praia de eleição. A lotação definida pela Associação Portuguesa do Ambiente é de 140 pessoas..


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90 anos com Pampilhosa da Serra Centro Comercial da Natureza

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HÁ UM CÉU DIFERENTE À SUA ESPERA 2019 Projecto Dark Sky Aldeias do Xisto recebeu, em Julho de 2019, o certificado

internacional “Starlight”. Um “passaporte” para novos desafios e novas propostas turísticas

O

lhem para o céu, hoje à noite. Depois dirijam-se à Pampilhosa da Serra e olhem para cima». O convite é de Rui Simão, director executivo da ADXTUR – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto. Atenção, nada de fazer uma viajam a correr!, adverte. Tem de ser com calma, porque se trata de sentir a força da grandiosidade do universo. Olhe hoje para o céu. Certamente vê Vénus e uma lua mais ou menos cheia. Quando se deslocar à Pampilhosa vai descobrir um “outro” céu. «Uma imensidão de estrelas». Uma experiência única que este território está empenhado em promover como destino Dark Sky. A ciência descobriu o carácter único dos céus da Pampilhosa da Serra «há mais de 20 nos», lembra Rui Simão. Jorge Custódio refere que foram as características muito especiais destes céus que levaram a Universidade de Aveiro a instalar, em Porto da Balsa (Fajão), uma antena radiotelescópica única no hemisfério Norte, em 2011. A medição dos campos electromagnéticos apontou este local como um centro de excelência. «Foi a “cereja no topo do bolo”. Conseguiram encontrar aqui condições que não existiam noutro local», adianta o vice-presidente da Câmara. «O que para nós era terrível, designadamente não termos boa rede de cobertura móvel, de TDT», a juntar à parca luminosidade pública, decorrente da dispersão geográfica das povoações, agravada com a crescente desertificação, revelou-se, afinal, uma «vantagem para a ciência». Rui Simão faz questão de sublinhar, também, o papel que a orografia do território desempenha neste processo, «garantindo uma protecção natural» à luminosidade que possa vir das cidades e vilas do litoral e do interior, assegurada pelos maciços das serras da Estrela, do Açor, da Lousã e da Gardunha. Daí resultam as tais condições excepcionais, com «pouca luz, pouca carga urbana e pouca carga populacional», que conferem um estatuto deveras especial aos céus da Pampilhosa da Serra. A ciência despertou para esta nova realidade. Mas, «se temos condições de obser-

Dark Sky apresenta uma nova proposta, orientada para a noite e para os ceús

vação dos céus diferentes, únicas, temos que potenciar isso»,refere Jorge Custódio, que vê naquilo que era um problema ou, pelo menos, uma “debilidade” do território, «uma nova oportunidade». E foi isso que aconteceu. «Uma conjugação de vontades» que envolveu a Câmara de Pampilhosa da Serra, âncora do projecto, a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra e a ADXTUR. “Meteu-se mãos à obra”. O resultado foi a certificação internacional, como Destino Turístico Starlight do projecto Dark Sky Aldeias do Xisto. Um estatuto atribuído em Julho de 2019 pela Associação Dark Sky, que juntou este território ao Dark Sky Alqueva, o primeiro no mundo a conquistar esta certificação. O projecto Dark Sky Aldeias do Xisto, com sede na Pampilhosa da Serra, envolve mais 19 municípios e consiste numa abordagem que «conjuga a protecção dos céus - garantia de manutenção destas condições – com o desenvolvimento turístico», refere Rui Simão. Uma nova âncora para «criar postos de trabalho, dinamizar a economia local», acrescenta Jorge Custódio. Um objectivo que passa, necessariamente, alerta Rui Simão, «por desenvolver este destino», criando condições, designadamente junto dos operadores turísticos, para potenciar esta nova oferta. São várias as fer-

ramentas essenciais para acarinhar e potenciar esta nova realidade. A começar por garantir a formação de «guias». «Não têm necessariamente que ser astrónomos», adverte Rui Simão, mas «pessoas que conheçam o céu e conheçam o território» e possam dar as indicações mais precisas e rigorosas aos amantes deste novo conceito de astroturismo. É preciso, adianta, perceber se estamos «perante conhecedores» ou pessoas que se estão a iniciar, pois as respostas a dar são naturalmente diferentes. A essa bolsa de guias, junta-se «uma nova forma» de funcionar por parte dos alojamentos. «Quem se deita às 4 da manhã porque esteve a observar as estrelas, não pode ter o pequeno-almoço até às 9h00», lembra Jorge Custódio. Rui Simões sugere uma ceia aconchegante, à chegada a “casa”, além, claro está, do pequeno-almoço mais tardio. O autarca aponta a necessidade de alguma ousadia. «É importante inovar, criar uma nova roupagem ao nível da gastronomia», considera, apelando à imaginação e, sobretudo, à magia do céu estrelado para condimentar este novo destino turístico diferenciador. Uma proposta para olhar o céu, para ver as estrelas e sentir a grandiosidade do Universo. Um convite para trocar o dia pela noite. Ou melhor... para juntar à noite o dia...


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Seaside Sunset 90 anos com Pampilhosa da Serra

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SEASIDE SUNSET: UM FESTIVAL ÚNICO 2014 Praia fluvial transforma-se num imenso palco de música electrónica. Em 2014, o município avançou com um projecto “fora da caixa”, que agrada a “gregos e a troianos”

É

um festival de Verão com características únicas e que faz vibrar o interior do país. A praia fluvial da Pampilhosa da Serra transfigura-se, cresce, ganha dimensão. As águas do rio Unhais continuam as mesmas, mas diferentes são os protagonistas desta festa que embala e emoldura a praia, noite dentro e durante o dia. Um programa de animação “non stop”, feito de estrelas da música electrónica, de mergulhos refrescantes e de um conjunto de propostas alternativas, a pensar nos mais novos, nos mais velhos e na gente de meia-idade. É o Seaside Sunset Sessions um projecto que arrancou em 2014. Nos últimos dois anos, a pandemia impediu a sua realização, mas o regresso está garantido. «É um projecto que veio para ficar», assegura Jorge Custódio, vice-presidente da autarquia e o grande mentor da ideia. Uma ideia “fora da caixa”, reconhece, que surgiu com um objectivo muito claro: «tentar captar o público das faixas etárias mais baixas». «A geração dos 40, 50, 60 anos é facilmente cativada pela Pampilhosa da Serra, porque procura a natureza, a tranquilidade. Mas o público mais jovem prefere as praias do Algarve, as festas, as discotecas, a animação nocturna. Não tínhamos esse público», reconhece. Estava feito o diagnóstico da situação. «O que fazer para trazer o público jovem ao interior?» Foi esta a questão que se colocou a seguir, balizada por uma preocupação grande de «colocar o foco na natureza», a marca diferenciadora do território. A resposta foi «juntar o melhor de dois mundos, a natureza e a música electrónica, o género musical mais apreciado pelos jovens de 15, 20, 30 anos». Conseguimos juntar estes dois mundos e, para o resultado ser mais apelativo, recorremos à imaginação», confessa Jorge Custódio. Uma “receita” que passou por «agarrar a magia» associada à serra, às montanhas e trazê-la para o festival. «O resultado foi o Seaside Sunset Sessions». Um festival que encantou desde a primeira hora, pelo seu carácter diferenciador, cujo palco é uma enorme plataforma colocada sobre o rio, que tem, ano após ano, atraído um número crescente de público.

Durante o dia multiplicam-se as actividades e propostas na praia fluvial

«É um festival diferente», reconhece Jorge Custódio, que, mais uma vez, alerta para uma máxima que defende há muito: «a Pampilhosa da Serra não tem que imitar ninguém. Somos diferentes e queremos diferenciar-nos nessa diferença». Se o objectivo foi “piscar o olho” às gerações mais jovens, o certo é que a organização «não descurou os pais», uma geração mais velha que pode não ser grande apreciadora de música electrónica, mas se rendeu às muitas propostas, apresentadas durante o dia, com ênfase para as actividades náuticas, dança, fitness, xadrez e outros momentos de lazer e relaxamento. «Os espectáculos decorrem à noite e durante o dia há outro tipo de actividades», refere o autarca, que reconhece o cuidado colocado na diversidade e na renovação das propostas e desafios lançados aos festivaleiros, sempre com um “toque” ligado à natureza. Um exemplo, que se revelou um sucesso, foi, em 2018, depois dos violentos incêndios que assolaram o território, em 2017, todos os bilhetes terem como “anexo” uma caixa com sementes, num convite aos festivaleiros para «ajudarem a replantar e a renascer a floresta». Um repto que resultou em pleno. É um evento que já constitui uma imagem de marca da Pampilhosa da Serra e o futuro já começou a desenhar-se. Mantém o mesmo figurino diferenciador, com um abraço

terno à água do rio e à mãe natureza. Mas a crescer, a ganhar dimensão, prolongandose pela curva do rio Unhais. Moldada por essa visão de futuro, a autarquia adquiriu a Quinta da Ravessa e o projecto está aprovado. «Tem de ser, com o festival a crescer, chega uma altura em que não dá para mais», considera o autarca, fazendo notar a inviabilidade de «tapar o rio com a plataforma». Por isso, a alternativa é crescer ao longo das margens, alargando o espaço. O projecto contempla zonas de restauração, de animação, de palco, de tendas. «Se conseguirmos executar este projecto, podemos fazer ainda mais a diferença», afirma. A Seaside é, desde a primeira hora, o grande patrocinador do festival. «Uma negociação pelo coração, como muitas outras», confessa Jorge Custódio, que lembra os muito pampilhosenses que a diáspora levou para fora do concelho, mas que mantêm essa ligação umbilical à terra natal. O empresário Acácio Teixeira é um deles e foi à sua porta que o município foi bater. «Para a Câmara Municipal era muito difícil fazer face a tantos custos, era necessário uma ajuda para alavancar as despesas», diz. Apesar de não se encontrar na Pampilhosa, o empresário tem a sua terra no coração e desde a primeira hora «ficou maravilhado com a ideia, acreditou no projecto» e assumiu ser o grande patrocinador do evento. 



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Seaside Sunset 90 anos com Pampilhosa da Serra

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“Colaborar e fazer acontecer”

Durante a noite a praia transforma-se num enorme palco de música electrónica

«Foi um desafio lançado pelo presidente José Brito Dias. Um dia, no escritório, em Lisboa, falou-me de um evento de Verão na Pampilhosa da Serra. Disse logo que sim». O empresário Acácio Teixeira recorda, desta forma, o passo que a Seaside e a Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra davam, em 2014, no sentido de, em parceria, em colaboração estreita, pôr de pé um evento diferenciador. «Gosto muito da Pampilhosa da Serra, gosto muito de lá ir, e admiro muito o José Brito, como presidente da Câmara e como amigo. É ele o grande mentor da iniciativa. Não podia recusar um pedido seu», confessa o empresário, natural do concelho. Avesso a falar de si, o dono da Seaside e da cadeia de hotéis My Story afirma que a empresa apenas «colabora», ajuda a «fazer acontecer», mas é a Câmara Municipal, e, sobretudo, o presidente, José Brito Dias, que têm «o mérito» da iniciativa. Um projecto que, sublinha, «é um marco importante para o concelho», pois «consegue agregar muita gente» e «imprime dinâmica». «Uma festa de Verão que atrai, sobretudo, muitos jovens à Pampilhosa da Serra», afirma, satisfeito com o sucesso deste projecto diferenciador, que tem, indiscutivelmente, vindo a crescer e a afirmar-se como um festival que marca a agenda de eventos

de toda a região. Nos últimos dois anos, fruto da pandemia, não foi possível realizar o Seaside Sunset Sessions. Mas Acácio Teixeira, à semelhança do município, não tem dúvidas: «é um projecto para continuar!», afirma. Um projecto em que o empresário se envolveu «de coração», pelo amor à terra natal, onde os pais ainda vivem e onde se desloca com frequência. Uma relação de proximidade que manteve desde sempre, mas que este evento e esta parceria com o município permitiram, também, de alguma forma, consolidar. Acácio Teixeira, à semelhança de muitos jovens da sua idade, deixou a Pampilhosa da Serra rumo a Lisboa. Frequentou a licenciatura em Engenharia Civil, que abandonou no último ano, para se dedicar de alma e coração ao mundo dos sapatos. «Já vendia sapatos, à comissão, com um tio», recorda. Uma experiência que foi a base de um percurso de vida ligado à moda, com enfoque nos sapatos e nos adereços. Um império que a equipa liderada por Acácio Teixeira – que faz questão de falar sempre no plural, em “nós”- construiu. Em Portugal são, neste momento, 100 lojas. Em Angola 32, seis em Moçambique, duas no Luxemburgo e o mesmo número em França. Para este ano, de acordo com

o empresário, está prevista a abertura de uma nova loja no continente africano, mais precisamente na República Democrática do Congo. Actualmente a cadeia de lojas Seaside tem 800 trabalhadores.«Já tivemos 1.150», refere o empresário, que aponta os efeitos da pandemia como justificação para este decréscimo. Mas o universo de Acácio Teixeira não se resume ao mundo da moda. «Sempre tivemos uma empresa de construção civil», refere. Uma empresa vocacionada para a construção de edifícios, que depois vendia, e também para a reabilitação/recuperação de imóveis. A crise que atingiu o sector, em 2012, acabou por se revelar uma “oportunidade” e desencadear o início e uma outra “história”, esta centrada no sector da hotelaria. «Tínhamos vários prédios adquiridos na Baixa de Lisboa», recorda Acácio Teixeira que, face à paragem do sector e «para ultrapassar a crise», decidiu enveredar por outra via. Se bem o pensou, melhor o fez. Os edifícios foram recuperados e transformados em hotéis. O primeiro foi o Lisboa Tejo, refere, na Rua da Madalena, na Baixa de Lisboa. Outros se seguiram. Era o arranque de um novo projecto e o início de uma cadeia de hotéis com história, My Story Hotels. Actualmente, de acordo com o empresário, a cadeia conta com cinco hotéis na Baixa de Lisboa e há mais dois para abrir. O primeiro «em Março do próximo ano e outro em 2023». Para 2022. a cadeia My Story Hotels está a preparar a abertura de mais uma unidade hoteleira, desta feita no Aeroporto de Lisboa. A cadeia inclui, ainda, um hotel nos Açores e um aparthotel no Porto. Na Praça da Batalha vai começar a obra para mais uma unidade hoteleira na cidade invicta. Um novo caminho de negócio em franco crescimento.

Município já tem um projecto aprovado, para a Quinta da Ravessa, que garante o futuro e o crescimento do festival


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90 anos com Pampilhosa da Serra Inspira Natal

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O Natal é, por excelência, a festa das crianças e o espaço que lhes é dedicado no Natal Serrano tem vindo a crescer e a concentrar novas e atractivas propostas

PAMPILHOSA INSPIRA NATAL 2014 O carácter genuíno do Natal Serrano, com a fogueira acesa, a confecção das filhós, as pequenas lembranças do Menino Jesus deu força a um evento inspirador, que resultou num sucesso

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fogueira aquece o ambiente e da panela de ferro sai o cheiro bom de uma sopa pronta a ser servida. Por perto, estendem-se mesas e bancos, onde se comem algumas iguarias e petiscos. Mas esta é apenas a ante-câmara da grande festa. O chão atapetado de verdura, traz para a vila o cheiro do campo e da serra e, vindos das serranias próximas ou de localidades mais distantes estão os muitos artesãos. Trazem caçoilos de barro, colheres de pau feitas na Benfeita (Arganil) e outros produtos que usam a madeira, a cortiça, o barro ou a pedra, designadamente o xisto como matéria-prima. Uns são decorativos, outros utilitários. Mas ainda não chegámos aos imprescindíveis doces, licores, compotas e aguardentes, sem esquecer os enchidos, os queijos, o mel. Tudo para abrir o apetite para apreciar a genuína filhó espichada, acabada

de fazer. Cada freguesia apresenta a sua especialidade, com variações ligeiras, que conferem a identidade a cada uma das produções. Um cheiro a fritos que, conjugado com o cheiro da fogueira, transporta a essência do Natal. Natal Serrano, claro está! Um evento diferenciador, único, que a Pampilhosa da Serra se empenhou em promover e que se transformou num invejável sucesso. Por muito que se possa contar, a experiência, ao vivo e com sabores é o melhor cartão-de-visita do evento. Uma verdadeira festa, que mobiliza as colectividades, as associações, as juntas de freguesia, numa acção concertada e ver-

Festival da Filhó Espichada

dadeiramente inspiradora do que é a vivência do Natal Serrano. Alexandra Tomé, vereadora responsável pela área da Cultura da Câmara Municipal, conta-nos alguns dos segredos desde evento, que teve a sua primeira edição em 2014. O município estava, recorda, a «tentar organizar um evento de Inverno». Uma tarefa que, sublinha, não é de todo fácil, tendo em conta que, se as estradas já não são as mais convidativas, nessa altura do ano tornam-se ainda mais constrangedoras, com um conjunto de “visitantes” indesejáveis, que vão desde o nevoeiro à chuva, passando pelo gelo e pela neve. «O “input” acabou por vir da TVI», conta, uma vez que a estação televisiva estava empenhada em promover um dos clássicos programas de domingo, durante todo o dia, a partir de Pampilhosa da Serra. Significa que «tínhamos de apresentar um coisa mais elaborada», que necessariamente incluía um destaque grande ao artesanato e aos produtos locais. A preocupação em promover os produtos locais «fez-nos lembrar da filhó espichada», sublinha a autarca, recordando que, no âmbito do CLDS 3G, em parceria com a Associação de Solidariedade Social de


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Inspira Natal 90 anos com Pampilhosa da Serra

A fogueira acesa com a sopa pronta a comer, é um convite à partilha própria do Natal

Dornelas do Zêzere, estava finalizado o processo de “certificação”IGP (Identificação Geográfica Protegida). Mas a filhó espichada trazia consigo um problema. Para as sensibilidades mais citadinas, o termo espichada soava mal e em vez de lembrar bons sabores, projectava a mente para coisas menos simpáticas. «O termo espichada criou-nos problemas», confessa Alexandra Tomé. A solução depressa foi encontrada, mantendo as filhós e o respectivo festival no centro das atenções, mas puxando pela inspiração do Natal e pelo Natal Serrano. Com a garantia da presença de todas as freguesias, a confeccionarem, ao vivo e na hora, as suas receitas de filhós espichada, a organização foi recheando o evento com umas coisas e retirando outras. «Retirámos o que não fazia sentido», afirma a vereadora, exemplificando com o Pai Natal, uma figura que «não tem nada a ver com o Natal Serrano». «O cheiro que marca, que inspira, o cheiro a Natal, é seguramente o cheiro da filhó, feita na hora», refere, lembrando a grande variedade de doces fritos, existentes em qualquer região, característicos desta época do ano.. As atenções centraram-se, depois, no «ambiente», procurando «recriar o que se fazia antigamente». É essa preocupação que justifica o «chão coberto de mato»,

Partilhar eventos na vivência de Natal Sem dúvida alguma relativamente à continuidade do projecto Pampilhosa da Serra Inspira Natal, assim que as condições de saúde pública o permitam, Alexandra Tomé recorda a «força inspiradora do Natal» e uma candidatura que a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC) está empenhada em apoiar, envolvendo os três municípios com eventos de Natal, designadamente Pampilhosa da Serra, Penela e Montemor. «São projectos diferentes, mas é possível elaborar um programa conjunto e unir os três no Natal», defende a vereadora, que além dos preços articulados, em termos de bilheteira, entende que há outras iniciativas, nomeadamente espectáculos de rua, que faz todo o sentido partilhar com o Natal Serrano de Pampilhosa da Serra, o Natal centrado no Presépio de Penela e um evento mais aberto às vivências do Pai Natal, como o que acontece em Montemor-o-Velho. 

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que caracteriza o Pampilhosa Inspira Natal e que também ditou a «fogueira sempre acesa», com as panelas de três pernas, onde se «encontra a sopa» e também o “café das velhas”. «A isto juntámos os nossos parceiros», adianta Alexandra Tomé, apontando os artesãos locais e de outras regiões, as diferentes instituições do concelho, desde os Bombeiros – que vêem a sua “casa” ocupada” com o evento – à Confraria do Maranho, a Misericórdia, a Associação de Dornelas, entre outras. «Mesmo na parte mais lúdica do evento procurámos sempre ter em linha de conta o que era o Natal Serrano, como viviam esta quadra os nossos antepassados». E foi isso que, explica, destacou um programa onde ganham dimensão, por exemplo, as cantigas à desgarrada ou a actuação da filarmónica. O espaço dedicado às crianças «foi sempre crescendo» e diversificando as brincadeiras, igualmente sempre com uma atenção muito centrada nos afectos, nas tradições, nas brincadeiras que marcaram outras gerações e num convite à sua descoberta. É toda esta envolvência muito própria que “Inspira Natal”, um evento do qual «as pessoas se apropriaram, que sentem como seu», diz Alexandra Tomé. É certo que subjacente ao evento está um trabalho imenso e, durante os dias da festa “não há mãos a medir”, sobretudo para quem amassa e garante as filhós espichadas, acabadas de fritar. A vereadora confessa que a autarquia tentou facilitar o trabalho e, num dos últimos anos, arranjou uma máquina de amassar, com o objectivo de agilizar este trabalho, exigente e cansativo, que ali é feito em regime “non stop”. «Recusaram usar a máquina, preferem amassar a massa à mão», confidencia Alexandra Tomé, também ela cheia de saudades dos sabores do Natal Serrano e de uma boa “filhó com pito”, ou seja, ainda com um pedaço de massa crua. «São as melhores», garante.

Inspira Natal criou uma dinâmica muito especial, que envolve toda a comunidade no espírito de partilha


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90 anos com Pampilhosa da Serra Filhó espichada

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UMA “SALA DE VISITAS” COM SABOR A FILHÓ ESPICHADA 2021 Antiga escola de Cabril está a ser transformada num espaço de formação, para

preservar este saber-fazer e convidar moradores e visitantes a partilharem estes sabores

A

nossa filhó espichada reflecte a simplicidade das nossas gentes e não deixa de ser um doce acolhedor, que conforta. Um reflexo das nossas gentes, simples e acolhedoras». É assim que Anabela Martins define a filhó espichada. Um doce típico da Pampilhosa da Serra e que, na freguesia de Cabril tem, definitivamente, uma âncora essencial. «A nossa filhó é a melhor», garante a presidente da Junta de Freguesia, entre sorrisos. «Tenho que defender a “minha dama”», adianta. Mas, mais do que isso, é em Cabril que está a nascer um espaço de referência dedicado à filhó espichada. Trata-se de um centro de formação/interpretação. Ou seja, um espaço de memória, que pretende preservar um saber-fazer ancestral e dar-lhe futuro. Localizado na antiga escola primária, desactivada desde 2003, este espaço concentra em si, igualmente, a recordação das vivências de infância dos moradores de Cabril e também dos muito filhos da terra que demandaram outras paragens. É aqui, no espaço onde sucessivas gerações aprenderam a ler e a escrever, que a Junta de Freguesia está a erguer uma outra escola, esta virada para o futuro, onde se partilhem saberes e os mais novos e os visitantes e turistas possam aprender os segredos da filhó espichada e também a apreciar o seu reconfortante sabor. As obras estão em curso. Paulo Custódio e Filipe Costa são dois colaboradores da Junta e os obreiros desta obra prima de requalificação. Mestria e paciência foram os ingredientes necessários para recuperar as paredes e transformá-las numa verdadeira obra de arte. O reboco, explicam, teve de ser todo retirado. Ficaram as pedras de origem, de maiores dimensões. Xisto e pedra da região. Mas ficaram, também, os muitos buracos que, num exercício de paciência, os dois trabalhadores preencheram, com pequenas pedras, algumas quase lamelas de xisto. Orgulhosos, os dois homens sorriem, perante o nosso olhar incrédulo e os rasgados elogios de Anabela Martins e de

Filhó espichada é comum a todas as freguesias, mas cada uma tem o seu segredo

Carlos Antunes, que também integra o executivo da Junta de Freguesia, como secretário, e acompanha de perto a obra. Cheia de entusiasmo e de energia,Anabela Martins explica detalhadamente o que se pretende fazer. No centro da enorme sala – a escola tem duas – o objectivo é colocar um fogão, em cima de um pipo, com uma laje e uma lava-louça em pedra. Trata-se de criar, bem no centro, o centro da filhó, para que toda a preparação possa ser acompanhada de perto, sem dificuldade. Num dos cantos está, já pronta, uma imponente lareira, onde não falta o respectivo “caniço”, «para secar o enchido», explica. Numa das paredes, pretende-se instalar mesas de recolher (características do concelho) que permitam dar a necessária resposta, sem perturbar a dinâmica do espaço. O tecto, em madeira, está pronto. As janelas, as originais, também estão concluídas, faltando apenas colocar-lhes as cortinas. Na sala ao lado, igualmente grande, falta a pintura das paredes e finalizar o piso. Já lá se encontram alguns armários e as antigas carteiras da escola primária aguardam, numa arrecadação, a oportunidade de regressarem à sala de aula. «Queremos manter a identidade do edi-

fício», sublinhaAnabela Martins, corroborada por Carlos Antunes. E também as suas funções iniciais, como centro de saber e de cultura. A aprendizagem será diferente. Outros vão ser os manuais, os alunos e os professores. Ao invés de cadernos e lápis, das lousas e da tabuada, vão ali fazer-se outras contas, outros cálculos, um exercício de memória e tradição para manter intacta a receita da filhó espichada. Mas, vai ser, igualmente, um espaço de encontro, de prazer e de amizade, reconfortados com o bom sabor de uma filhó espichada, acompanhada por um bom “café das velhas”. «Quem vier, pode aprender a amassar e a confeccionar a filhó espichada e, enquanto a massa finta, pode ir visitar a Barragem de Santa Luzia – a dois quilómetros – e conhecer a aldeia», dizAnabela Martins, apontando para um tempo médio de espera a rondar as três horas. Orgulhosa da sua terra, a autarca destaca os dois museus existentes em Cabril, os “balcões”das casas antigas ou os muitos monumentos que retratam as profissões tradicionais e que enfeitam a localidade, as quatro capelas e uma igreja. No regresso, a massa está pronta para fazer as pequenas bolas que são sabiamente


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Filhó espichada 90 anos com Pampilhosa da Serra

Móveis antigos podem ser aproveitados A presidente da Junta de Freguesia pede a quem tenha móveis velhos, ou antigos alguidares de barro, entre outro equipamento e pretenda desfazer-se deles, que os entregue à autarquia local. «Aproveitamos tudo», diz, apontando a necessidade de mobilar o espaço, tornando-o aconchegante, atractivo e simpático para receber os da terra e todos os que queiram visitar Cabril. À sua espera, vão estar, sempre, as filhós espichadas e a arte de as saber fazer. A equipa da Junta garante que vai “pôr as mãos na massa”, mas também convidar os moradores para ali virem mostrar a sua ciência.  Anabela Martins apresenta as obras

espichadas e fritas em óleo bem quente. Depois, é só comer, acompanhando com um “café das velhas” ou das “borras”, um chá ou um dos licores tradicionais que sempre se produziram na aldeia. Sem dúvida que esta antiga escola vai ser a futura sala de visitas de Cabril. Um espaço aconchegante, com o sabor da tradição e os olhos postos no futuro. «Queremos criar um espaço o mais acolhedor possível, seja para o Inverno, com a lareira, seja para o Verão», diz Anabela Martins. A obra deverá estar pronta em Agosto, pelo menos no interior. A zona envolvente será mais morosa. Atrasos decorrentes do mau tempo que se fez sentir e que obrigaram a equipa da Junta a uma aturada intervenção. «Não fizemos outra coisa senão limpezas», devido às fortes chuvadas, refere a autarca. No exterior, ou melhor, na entrada da “Sala de Visitas”, Anabela Martins quer erguer um forno. Isto porque a massa da filhó também permite fazer uns deliciosos bolos de azeite. «Em vez de se espichar e fritar, fazem-se os bolinhos, que cozem no forno», explica. Uma alternativa mais saudável, sobretudo para quem se retrai perante os fritos. «Com queijo mole (queijo fresco, de cabra) é uma delícia», atesta Carlos Antunes.

Ao lado do forno, vai ficar um alambique. Uma oferta de um morador local, que vai, igualmente, manter presentes e vivas as memórias da destilação e a arte de obter a afamada aguardente de medronho, de mel ou do cadraço das uvas.

Como se fazem as filhós A pergunta sacramental não pode faltar: como se fazem as filhós?. Anabela Martins confessa que aprendeu com a mãe e com a avó. Mas reconhece que deu “luta”começar a fazê-las. «Só me deixavam fritá-las», o que também tem a sua ciência. «Só se podem virar uma vez», sublinha. Os ovos são fundamentais. Frescos e caseiros, se possível. «Nota-se logo a diferença, na cor e no sabor da filhó», assegura. E lembra que, no passado, quando não havia fartura de ovos, eram religiosamente guardados na arca do milho. Aos ovos junta-se o açúcar, aguardente, fermento, uma pitada de sal e azeite. «Há quem ponha canela, laranja, erva doce. É ao gosto de cada um, mas em Cabril a filhó é tradicional, clássica, sem qualquer outro adereço extra. Juntam-se todos os ingredientes, com o cuidado de desfazer o fermento num bocado de água morna. Mistura-se tudo muito bem e, no

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final, começa a pôr-se a farinha. Sempre tudo amassado à mão e até a massa ficar rija.«Conseguimos perceber, com a experiência, quando é que a massa está boa», afirma. Todavia, o verdadeiro segredo está no suor: «Dizem que está bem amassada quando o suor escorre pelas costas abaixo», conta, dando nota da força e do esforço que este exercício requer. Depois, são três horas para fintar. O tempo para um passeio pela freguesia. Terminado este tempo, fazem-se pequenas bolinhas com a massa e esticam-se com as mãos. Melhor, espichase. «Quanto mais fina ficar, melhor», diz. Fritam-se em óleo bem quente. E só se viram uma vez!, recorda. Noutros tempos, as filhós espichadas apenas eram confeccionadas em tempos de festa. Pelo Natal, Páscoa, nas Festas de Verão. Agora fazem-se filhós todo o ano. Mas, independentemente da ocasião, há um conjunto de crenças que se mantêm e que quem amassa as filhós faz questão de seguir. Eis algumas: Quando o alguidar da massa é colocado a fintar, num local protegido e quente, junto à lareira, sobre o pano lavado devem ser colocada as calças de um homem ainda viril, em idade fértil. «É uma crença, mas fazemos isso», afirma Anabela Martins. E também cumprem outros “quesitos”, como o facto de nunca deitar fora as cascas dos ovos antes de as filhós serem fritas. Porquê?, perguntamos. «Não sei, mas respeitamos esta tradição!».

“Filhó com pito” Há quem coloque mel ou açúcar na filhó depois de frita, «Antigamente não se fazia nada disso. Era só a filhós», atesta Anabela Martins, que “torce o nariz” à mistura de açúcar e canela. «Isso não é filhó! Vira fartura», afirma. Mas já não vira a cara à “filhó com pito”. Aquela que, mesmo depois de frita, tem um bocadinho de massa crua.«Adoro filhó com pito», sublinha, confessando as «enormes saudades» do Natal Serrano e da presença de todas as juntas de freguesias a confeccionarem a filhó espichada. «Dá muito trabalho, mas é uma alegria», garante, desejosa que a pandemia “acalme”e permita recuperar este evento, genuíno e agregador, que tem projectado a tradição da filhó espichada e o concelho de Pampilhosa da Serra.


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90 anos com Pampilhosa da Serra Aldeia das Cabras

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Rui Baptista apresenta o rebanho das simpáticas e minadas cabras de Moradias

ALDEIA DAS CABRAS: EXEMPLO PIONEIRO 2019 Em Agosto de 2019 assistia-se à inauguração do projecto, apoiado pela Gulbenkian.

Um investimento superior a 100 mil euros, que recupera memórias e acautela o futuro

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untam-se umas às outras, numa espécie de parada, pronta para nos receber. São castanhas, mais claras, mais escuras, quase a rondar o preto. Em cada orelha, um “brinco” amarelo de identificação. São 58 exemplares.Amaioria do sexo feminino, mas também alguns machos. Um carneiro, branco, sobressai entre os tons terra das cabras serrana germelista e serrana alpina. «Foi uma oferta», explica Rui Baptista, presidente da Conhecer Caminhos – Associação de Amizade e Progresso da Aldeia de Moradias. O que se passou foi uma coisa simples. Numa rifa de Natal, um sócio ganhou um borrego. Como não soubesse que destino lhe dar, entendeu que o melhor era entregá-lo aos cuidados da colectividade. Foi mais um

habitante para a Aldeia das Cabras. «Temos de lhe arranjar uma companheira», refere. Rui Baptista apresenta-nos o projecto, entre as amigáveis investidas dos animais. «Só querem mimo», esclarece, entre as “marradinhas” de umas e de outras, que ciosamente procuram uma mão que lhes faça festas. «São muito meigas», afirma. Meigas, simpáticas, sociáveis e bem-educadas, acrescentamos nós. E trabalhadoras. Mas lá iremos. “A Aldeia das Cabras” é um projecto pioneiro, desenvolvido na aldeia de Moradias, que consegue reunir e recuperar a memória e os valores do passado e, simultaneamente, garantir a protecção e valorização da comunidade. «São as nossas sapadoras», diz Rui Baptista,

apontando os 17 hectares de mato, devidamente vedados, que constituem a zona de pastoreio do rebanho. Comem a erva, o mato, a carqueja. Deixam os tenros pinheiros que despontaram depois dos violentos incêndios que, em Outubro de 2017 flagelaram a região. Foi precisamente depois dos incêndios que o projecto nasceu. A Fundação Calouste Gulbenkian contactou o município de Pampilhosa da Serra, com o propósito de dar apoio a um projecto comunitário que pudesse contribuir para ajudar a renascer, a recuperar a região, depois da devastação provocada pelos fogos, que na aldeia de Moradias destruíram duas casas e uma grande mancha florestal. «Chegámos à conclusão que tínhamos o espaço», refere Rui Baptista. Mais, havia


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Aldeia das Cabras 90 anos com Pampilhosa da Serra

uma herança, uma memória que podia ser recuperada e, de forma renovada, dar alma a um novo projecto. Em causa estava um conjunto de currais, pertencentes a várias famílias, onde eram acolhidas as cabras. Não se pode falar propriamente de um rebanho comunitário. «Umas pessoas tinham cinco, outras 10, outras mais e cada uma tinha o respectivo curral». Comunitário era, digamos, o pastoreio. Ou seja, as cabras saíam juntas, todos os dias, para o pasto, “comandadas” rotativamente pelos respectivos donos. Ao final do dia regressavam a “casa” e cada pequeno rebanho recolhia aos respectivos currais, todos juntos, erguidos num extrema da aldeia. «O espaço estava em ruínas», diz o responsável, esclarecendo que esta tradição ancestral dos moradores das Moradias terminou nos finais dos anos 80. A partir de então, sem cabras, os currais estavam completamente degradados. Mas existiam, é certo. E foi essa existência, aliada à memória que encerravam, que conduziu ao projecto “Aldeia das Cabras”. Teresa do Vale, da Fundação Gulbenkian, foi convidada a conhecer o espaço e a ideia. Gostou do que viu e ouviu. Estava dado o mote para arrancar com o projecto. «Foi uma maratona», recorda Rui Baptista, que já está habituado a correr, pois todos os dias faz o percurso entre Moradias e Arganil, onde trabalha. A ideia foi, precisa, lançada em Setembro de 2018 e, em Agosto do ano seguinte assistia-se à inauguração da Aldeia das Cabras. Rui Baptista destaca o empenho que todos os elementos da direcção, muito em especial de João Alves, que acompanhou mais de perto. «Foi o timoneiro», diz. «Pedimos aos proprietários que nos cedessem o espaço em ruínas», conta, explicando o teor de uma placa de agradecimento que se encontra no recinto, onde estão os nomes de todos os beneméritos. Depois foi lançar “mãos à obra” e transformar os vários currais num edifício novo, adaptado às exigências actuais. Um novo curral para as cabras, que, sendo uma única construção, apresenta telhados desnivelados, de forma a manter a ideia dos vários currais que antes existiam. Ao lado está a Casa do Pastor, uma estrutura de apoio. Estes são os elementos essenciais da Aldeia das Cabras, que inclui 17 hectares de mato, devidamente vedados, onde os animais pastam, garantindo a limpeza do

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Acesso ao curral da Aldeia das Cabras

terreno. O investimento ultrapassou os 100 mil euros, com financiamento da Gulbenkian, contando, ainda, com o apoio da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia de Pampilhosa da Serra, que cederam máquinas e mão-de-obra para a recuperação do espaço e erguer a cerca. Durante o dia, as cabras pastoreiam nos campos vedados em redor da aldeia. «Fazem o trabalho de sapadores», garantindo a limpeza dos terrenos. Ao final do dia, de regresso ao curral – onde se encontram os pequenos cabritos e as cabras prestes a parir – recebem um suplemento alimentar. Se a ala Norte e Nascente da aldeia está a cargo, em termos de limpeza, do rebanho, já a restante área circundante é da responsabilidade dos dois funcionários da colectividade, que diariamente também têm a tarefa de levar as cabras para o pasto e de as trazer, ao final do dia, de regresso ao curral. «Limpam toda a área em redor», explica Rui Baptista. Trata-se de cortar a erva que cresce, de forma espontânea, transformando-a em forragem que, sobretudo no Inverno, serve para a alimentação dos animais. No futuro, não está fora de hipótese a recolha de leite para, eventualmente, fazer queijo. Todavia, de momento, «não há meios humanos, nem logística para isso», garante Rui Baptista, que destaca, também, a importância do leite para a alimentação dos filhotes. Os cabritos destinam-se a venda, mas nesta fase, «só vendemos os machos«,

uma vez que o objectivo é aumentar o rebanho», esclarece Rui Baptista.

Projecto adiado… até breve AAldeia das Cabras também é um espaço de visitação, que gosta de acolher quem gosta de interagir com os animais que, por sua vez, estão sempre prontos a receber mimos. Todavia, a pandemia veio pôr cobro a este projecto, que certamente vai regressar à agenda daAssociação Conhecer Caminhos assim que as condições sanitárias o permitirem. O mesmo acontece com outro tipo de projectos, desenvolvidos pela agremiação de Moradias, criada em 2007, designadamente os almoços-convívio, que visam chamar à terra natal muitos dos que partiram, para manter viva esta ligação, ou os jantares da aldeia. Aqui, cabe aos elementos que integram a direcção, de forma rotativa, garantir a preparação da refeição, para a qual são convidados todos os habitantes da aldeia, que não ultrapassam em muito as duas dezenas. Projecto “na gaveta”desde Março de 2020, a que prometem regressar assim que for possível.

Junto à estrada, existe um santuário com uma imagem da N. Senhora da Boa Viagem, oferta de um anónimo à população de Moradias



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Filarmónica 90 anos com Pampilhosa da Serra

Filarmónica reúne um grupo muito significativo de músicos bastante jovens

UM HINO À MÚSICA 1990 Esmeralda Alexandre é, desde os anos 90 a timoneira de uma das mais antigas bandas do país que, com três séculos de existência, prima, hoje em dia, pela juventude dos seus músicos

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deAbril de 1700. Uma data bordada a ouro no estandarte, que atesta a longevidade do Grupo Musical Fraternidade Pampilhosense. Uma das bandas mais antigas do país, senão mesmo a mais antiga, com mais de três séculos de existência. Desse passado pouco se sabe, pois os registos escasseiam. Muitos não são mais do que notas breves, escritas nas partituras. Envelhecidas pelo tempo e pelo uso, são, também elas, uma verdadeira relíquia que faz parte do património da banda. Entre elas encontra-se a partitura original de “Lágrima”, escrita em 1923 por Jaime Cunha, “para o funeral da filha” e “tocada no dia 29 de Abril de 1923”, de acordo com as notas escritas. Certa, nesta origem envolta em mistério, é a figura do padre Truta. «Foi pároco na freguesia de Cabril e o primeiro regente da banda», atesta Esmeralda Alexandre, presidente da direcção. Os primeiros estatutos datam de 1907 e os segundos surgiram 20 anos depois. Um incêndio no Governo Civil também ajudou a delapidar estas memórias do passado. Igualmente certo foi o facto de, em diversas circunstâncias, o Grupo Musical ter inter-

rompido a sua actividade. Esmeralda Alexandre lembra um período complicado, que se seguiu à partida para Angola do maestro José Nunes Afonso, em 1952 e, mais recentemente, na década de 90 do século passado. «Abanda andou um bocado à deriva», refere. E foi essa falta de Norte que levou três músicos a baterem à porta de Esmeralda Alexandre, uma mulher “desempoeirada”, com um dinamismo que “dá para vender”. «Tens que nos ajudar!», desafiavam. Esmeralda não virou costas à luta. «Tinha de arranjar um grupo com quem me entendesse», recorda. Ajuda que encontrou na Susete e no Zé Forças. «Pegámos na banda e, com a graça do Senhor, correu bem». «Batia a todas as portas», recorda a actual presidente, que passou por todos os cargos na direcção do Grupo Musical. «Com o não já vamos, podemos tentar», dizia aos restantes elementos da equipa, nesta ciranda de contactos para garantir apoios e reunir o necessário dinheiro. Esmeralda Alexandre assume que passou por alguns momentos complicados, em que teve de ter mão firme e coração duro. Mas também recorda momentos singulares,

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de grande emoção, como aconteceu em 2009, quando a Fraternidade Pampilhosense foi convidada pela governadora civil de Lisboa para a inauguração da Feira Internacional de Artesanato. Depois de alguns “qui pro quo” com o maestro titular, o espectáculo, dirigido pelo novo regente, foi um sucesso. «Toda a gente que se encontrava nos stands se deslocou para ali», para ouvir a filarmónica e «a governadora civil ficou abismada», com o facto de ver um grupo alargado de crianças a tocar como gente grande. «Só tínhamos quatro ou cinco adultos, de resto, eram crianças e jovens dos 10 aos 19 anos», recorda a presidente. Um sucesso que levou o Grupo Musical Fraternidade Pampilhosense a regressar ao mesmo palco, nos anos que se seguiram. Manteve-se, igualmente, o traço de juventude, que define a banda nos tempos que correm. São cerca de 40 elementos e «só temos três “moços” - o Hermano, o Felisberto e o António Gaspar - com mais de 50 anos. Os restantes são crianças e jovens», sublinha. Orgulhosa dos seus “meninos”, os filhos que não tem e que carinhosamente a tratam por tia, a presidente faz saber que uma grande parte dos executantes frequenta a universidade, em Lisboa, no Porto, Coimbra, Castelo Branco ou na Covilhã. «São crianças humildes, educadas, concentradas no que estão a fazer, que tocam com sentimento», sintetiza. Aliderar este grupo está um jovem maestro e trompetista, Filipe Vicente, que desde os 7 anos está ligado à banda. Começou na escola de música, criada na altura, então sob a direcção do maestro Paulo Paredes e há dois anos que é o timoneiro da banda. Actualmente são mais de duas dezenas as crianças e jovens que frequentam a escola de música, onde aprendem os primeiros acordes. Uma porta aberta também para os menos jovens e até há um exemplo pioneiro empenhado nesta aprendizagem musical. Uma garantia de futuro.

Fardas e instrumentos sempre em deficit A juventude da banda, se bem que seja um manifesto «orgulho» e uma nota de frescura num território do interior, também dá algumas “dores de cabeça” a Esmeralda Alexandre. Sim, porque as crianças e jovens crescem a cada dia e as calças, casacos e camisas não acompanham o ritmo. «Temos


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uma farda nova, estreada um ano antes da pandemia, que já não serve à maioria dos músicos», conta. Mais, é difícil fazer “trocas”, passar de uns músicos para outros, porque «o corpo não tem as mesmas formas e não assenta bem», refere a presidente. Um fardamento novo custa à volta de 20 mil euros, faz notar. Acrescidos são os custos com os instrumentos. «Estamos a precisar, sobretudo, de um saxofone barítono e de uma tuba», refere a responsável, que estima entre 10 a 12 mil euros para o primeiro e mais de 20 mil euros para o segundo. Independentemente do inquestionável apoio da Câmara Municipal, que leva Esmeralda Alexandre a afirmar que «esta instituição não podia viver sem a Câmara», é necessário reunir fundos, tendo em conta as despesas correntes, a começar pelo pagamento mensal ao maestro. Mais uma vez, como sempre fez, a presidente vai «bater a todas as portas». «Se a banda puder sair à rua é mais fácil. Uns dão 10, outros 20 e, ao final do dia, temos alguns “tostões”», refere. 

90 anos com Pampilhosa da Serra Filarmónica

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Gravação de novo CD em agenda

Face à pandemia, na sala de ensaios da sede, instalada na antiga escola primária – após obras de requalificação feitas pela autarquia - , apenas se podem fazer ensaios de um único naipe, o que levou a banda a optar por ensaiar no novo edifício do Mercado, onde é possível cumprir as regras de distanciamento social. Tem também sido recorrente o recurso às plataformas online. Significa que o Grupo Musical continua a trabalhar, embora «um tanto esmorecido, porque o tempo não

permite mostrar o que temos feito», afirma a responsável, sublinhando que os músicos gostam de se fazer ouvir, de andar na rua, fazer concertos, receber o aplauso do público. Tudo o que nestes últimos tempos não tem acontecido, face às limitações impostas pela pandemia. Todavia, o trabalho continua e nos objectivos da direcção está a possibilidade de gravar mais um CD, depois de, há cerca de 10 anos, ter feito uma primeira gravação. O objectivo é «apresentar um novo repertório», mas Esmeralda Alexandre assume a “obrigação”de incluir alguns “clássicos”da banda. Entre estes ganha especial destaque a “Recordação da Pampilhosa”, uma obra com a assinatura de José Nunes Afonso, que representa uma verdadeiro hino ao concelho, às festas de 15 deAgosto e à padroeira, Nossa Senhora do Pranto. Uma peça de apresentação obrigatória em qualquer actuação do Grupo Musical Fraternidade Pampilhosense. 


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Bombos e Rancho de Dornelas 90 anos com Pampilhosa da Serra

Grupo de Bombos inclui senhoras, homens, jovens e crianças

BOMBOS E RANCHO FAZEM A FESTA 2000 Dornelas do Zêzere possui, desde 2000,

um Grupo de Bombos e um Rancho Folclórico. Um duplo cartão-de-visita da freguesia

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vai acima! Vai mais acima!” o “mandador” ordena e o bombo sobe, mais e mais alto, para gáudio de quem vê. O maço, certeiro, bate forte. Nota-se a falta do tocador de pífaro, que impõe o ritmo aos bombos. «Não está muito bem de saúde», esclarece Alexandrino Monsanto, o ensaiador do Grupo de Bombos de Dornelas do Zêzere. «Quando não há pífaro, há acordeão», esclarece. O grupo foi criado no ano 2000. «Começamos com quatro ou cinco bombos e com uma ou duas caixas», recorda o responsável. E cresceu. Mas tanto pode tocar com nove ou 10 bombos e uma ou duas caixas, «como com menos». «Depende dos elementos que tivermos disponíveis», adianta. Certo é que o grupo tem vindo a crescer e a atrair jovens e crianças, «com 6/7 anos» e também senhoras. Grupo de Bombos e Rancho Folclórico de Dornelas do Zêzere surgiram em simultâneo, mas as directrizes são diferentes.

«Praticamente não precisamos de ensaiar», diz Alexandrino Monsanto, uma vez que «as músicas que tocamos estão todas na nossa cabeça». Diferente e mais exigente é o trabalho do rancho, que também ensaia e onde dança. Aliás, são vários os elementos do Grupo de Bombos que integram o Rancho Folclórico, sublinha.«Tem de ser», diz Alexandrino Monsanto. «Senão fosse assim, como é que arranjávamos gente para tudo?» questiona. E lembra que há 15/20 anos, o rancho chegou a ter «mais de 50 elementos», entre dançarinos e tocata. «Hoje é mais difícil» reunir as pessoas. «O pessoal trabalha e não pode deixar o trabalho», refere, apontando as três dezenas de elementos que actualmente integram este núcleo. «Os Bombos acompanham sempre o Rancho. Desfilamos pelas ruas e o Rancho vai atrás», esclarece o responsável, fazendo notar que quando o Rancho é convidado para uma actuação, «leva sempre os Bombos». O inverso já não acontece, pois o

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Grupo de Bombos de Dornelas do Zêzere é solicitado para algumas situações de forma isolada. Rancho Folclórico e Grupo de Bombos estão parados há quase dois anos, devido à pandemia e o ensaiador teme os efeitos que esta paragem forçada possam ter no recomeço das actividades, «quando "isto" aliviar», ressalva. O também presidente do Rancho Folclórico adivinha já dificuldades acrescidas ao nível do rancho, sobretudo tendo em conta que exige mais gente. «Nos bombos arranja-se sempre, se não somos mais, somos menos». Já no rancho não pode ser assim, pois há sempre um mínimo de dançarinos e de músicos que é necessário para as actuações. «Se não tiver músicos e dançarinos, como é que me vou arranjar?», questiona. Para já uma das preocupações de Alexandrino Monsanto é o tocador de pífaro, residente numa terra vizinha. «Está mal», afirma. Também era este músico que arranjava os bombos. Para quem não sabe, é «preciso ir apertando os bombos» que, «no Inverno amolecem». Uma tarefa que o presidente já começou a fazer. «Mais complicado é fazer os bombos», faz notar. Ou mesmo arranjá-los, porque, às vezes, lá acontece «rebentar uma pele», mesmo com todos os cuidados. Fundamental, refere, é que as peles – de cabra - não apanhem água», o que significa que os bombos não podem andar à chuva, sob pena de haver percalços, que exigem a sua substituição. Com actuações de Norte a Sul do país, o Grupo de Bombos e o Rancho Folclórico de Dornelas do Zêzere contam com o apoio do município de Pampilhosa da Serra. «Se não fosse assim, como é que podíamos funcionar», perguntaAlexandrino Monsanto, que actualmente está reformado, e se dedica ao trabalho no campo, depois de ter estado emigrado e trabalhado mais de 20 anos nas Minas da Panasqueira. 

Grupo de Bombos abre sempre o desfile. Atrás segue o Rancho Folclórico. São dois ícones da freguesia de Dornelas do Zêzere


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90 anos com Pampilhosa da Serra Concertins e Machio

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AO TOQUE DA CONCERTINA 1940 Mestre António João é um expert na arte das concertinas. Descobriu os segredos

do instrumento e não têm conta os que construiu e, sobretudo, os que afinou

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xímio tocador, mestre António é, sobretudo, um autodidacta. Um curioso que, de experiência em experiência, a estudar por si, conseguiu dominar na perfeição o mundo das palhetas, das teclas e dos foles. Particularmente das concertinas e acordeões. Uma paixão que vem desde tenra idade. «Ainda na barriga da minha mãe», sublinha. «Ouvia as harmónicas, as concertinas e entusiasmei-me com o som», conta o mestre, actualmente com 81 anos, numa breve paragem entre o arranjo de uma concertina. As primeiras experiências começou a fazê-las com as gaitas de beiços velhas, instrumento que o pai tocava. «Tirava as “palhetas” de um lado e punha no outro» e crescia, feliz, em Machio de Baixo. Tão distraído andava com as “coisas” da música que «praticamente não sabia escrever o meu nome». O ultimato depressa chegou: ou ia para a escola aprender ou começava a guardar o rebanho. Acabou, conta, por se dedicar de forma afincada ao estudo e, num ano, completou a segunda e a terceira classe. No ano seguinte concluiu a quarta. «Comecei a tentar construir uma harmónica», recorda. Todavia, não “havia jeito”. Faltava-lhe o material. «Se me apanhasse em Lisboa conseguia!», pensava. E foi isso que aconteceu. António João Lopes Sabugueiro chegava, os 18 anos, a Lisboa. Começou a trabalhar no porto, mas a sua paixão continuavam a ser as concertinas e os acordeões. «Comprava acordeões velhos, na Feira da Ladra», recorda. Instrumentos que montava e desmontava, com uma enorme sede de aprender, de perceber como funcionavam, como criavam o som. Autodidacta assumido, mestre de um saber de experiências feito, em casa, entendeu que «devia ir à escola» para consolidar essa aprendizagem. «Paguei seis contos», recorda, lamentando que pouco mais aprendeu. «Só os acordes», sublinha. Tudo o resto «já tinha aprendido à minha custa», adianta. MestreAntónio João teria 19 anos quando construiu a primeira concertina. «Apareceu-me aqui há uns tempos, para arranjar»,

Mestre António João continua a consertar, a afinar e a tocar concertina

refere. «Não tinha o meu nome, mas soube logo que fui eu que a fiz». O instrumento, ao longo de seis décadas, «passou por várias mãos» e o mestre nem conhecia o mais recente proprietário. Na oficina montada lá em casa, em Lisboa, mestre António João preenchia os tempos livres à volta dos seus instrumentos musicais. «Fui sempre aprendendo. Ainda hoje, com 81 anos, aprendo», refere. E, nessa aprendizagem contínua, foi dando resposta às muitas e muitas encomendas de concertinas e acordeões. Nada de confundirmos instrumentos. «A concertina é diatónica, cada botão tem dois tons. O acordeão é cromático», esclarece. «O acordeão é mais difícil, tem mais trabalho. A concertina é mais simples», adianta. A par do trabalho de construção, reparação e afinação, efectuado na oficina, mestre António João também mostrava os seus dotes como músico, ligado à Casa do Concelho de Pampilhosa da Serra em Lisboa e ao seu rancho, bem como a outras colectividades. A reforma, conjugada com a viuvez, trouxeram-no de regresso à Pampilhosa da Serra. Fixou-se em Machio de Cima e, agora, sem um horário a cumprir no porto

de Lisboa, o mestre António João ficou nas suas “sete quintas”, entre a sua oficina e os seus instrumentos musicais. Encomendas não lhe faltavam. Fosse para fazer instrumentos novos, fosse para os afinar. E foi entre o afinar de uma concertina que o mestre falou connosco. «Levaram-me uma nova e deixaram-me esta, velha», explica. Outros chegam apenas com um pedido de afinação, pois o ouvido exemplar e a mestria de António João fez escola. Dos mais diversos pontos do país vinha gente à Pampilhosa da Serra com esse propósito. Alguns do Algarve. «Vinham até Lisboa, passavam lá a noite e depois deslocavam-se à Pampilhosa. Arranjava-lhes os instrumentos e voltavam, para Lisboa e, depois, para o Algarve», conta. Já depois de reformado, António João esteve na origem da formação do Rancho Folclórico da Pampilhosa da Serra, «talvez há 15/16 anos e, depois disso, há cerca de uma década, avançou para a criação do Grupo de Concertinas de Machio – Pampilhosa da Serra. «Chegámos a ter 13 concertinas», refere, lamentando que os mais jovens, a quem ensinou a tocar, tenham desistido. O grupo ficou com 10 tocadores, agora praticamente reduzido a metade. 


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Confraria do Maranho 90 anos com Pampilhosa da Serra

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CONFRARIA PROMOVE MARANHO 2003 Criada em 2003, Real Confraria do Maranho jurou defender e promover este produto endógeno de características peculiares. Um objectivo cumprido na perfeição

Maranho é um dos manjares de eleição da gastronomia serrana

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maranho estava a ficar muito esquecido» e a deixar um lugar vazio nos hábitos ancestrais das mesas e das gentes da Pampilhosa da Serra. Esta foi a principal razão que levou à criação, em 2003, da Real Confraria do Maranho. Volvidos 18 anos, com a colectividade a atingir a maioridade, o caminho percorrido representa um saldo francamente positivo. «Conseguimos recuperar esta tradição e, hoje em dia, praticamente todos os restaurantes servem maranho, especialmente ao fim-de-semana, embora alguns tenham durante toda a semana». Palavras de Armindo Vicente Tavares, confrade-mor da Real Confraria do Maranho. O responsável, um indefectível apreciador desta iguaria típica do concelho, sublinha o epíteto “Real”, que distingue a Confraria de Pampilhosa da Serra e que, inclusive, criou um “qui pro quo” com a vizinha agremiação da Sertã, que tentou, em vão, reivindicar esse título para o seu maranho. «São produtos diferentes», atesta, defendendo, claro está, a excelência do maranho de Pampilhosa da Serra.

Um produto feito com o bucho da cabra, explica, que é recheado com carne de cabra e arroz. Azeite e vinho branco fazem parte dos temperos e a diferença, o que lhe dá o “toque” especial, vem do serpão. Trata-se de «uma erva aromática da família do tomilho, que tem um cheiro e um aroma muito agradável e corta a gordura da carne de cabra, tornando o maranho mais saboroso», adianta. O serpão é um dos elementos diferenciadores do maranho da Pampilhosa. Noutros locais, designadamente na Sertã, «usa-se hortelã», esclarece o confrade-mor e o maranho é recheado com «chouriço e carne de porco». Ao invés, na Pampilhosa da Serra o recheio é feito com carne de cabra e presunto. Aqui está, diríamos, o traço “Real”. Armindo Vicente Tavares sublinha a «delicadeza» deste prato, que é servido acompanhado com legumes ou salada, pois «a carne e o arroz já lá estão», e representa um investimento acrescido em termos de mão-de-obra. Isto porque, adianta, a “bandoba”, nome tradicionalmente dado ao bucho, tem de ser devidamente lavada, a carne para o recheio devidamente cortada,

bem miudinha, e, depois de feito, o recheio - com o arroz, carne, presunto serpão, e outros condimentos - tem de ser cuidadosamente colocado no bucho, que é cosido (com agulha e linha) e posteriormente cozido em água. «Exige muito trabalho», faz notar, facto que implica que «não seja um prato barato». Antigamente, de acordo com o confrade-mor, que foi um os fundadores da Real Confraria do Maranho e ocupa estas funções há dois anos, o maranho era sobretudo consumido em alturas de festa e pelos casamentos. «Hoje come-se em qualquer altura», adianta. E isso é possível porque, sublinha, o trabalho de promoção da Confraria deu frutos, designadamente junto dos restaurantes do concelho, que recuperaram esta iguaria para as respectivas ementas. De resto, a Confraria faz questão de dar a conhecer este prato particularmente nas comemorações do seu capítulo, celebrado em Março, reunindo um número alargado de confrarias de todo o país. Mas também participa em iniciativas, onde dá a conhecer os segredos desta especialidade. Armindo Vicente Tavares recorda que já deu várias “lições”, a convite da Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, mas também no Porto, em Vila Nova de Gaia e no Algarve, onde ensinou como se confecciona o maranho. Os segredos deste prato aprendeu-os com a mãe. «Como sempre gostei, aprendi a fazer», conta Armindo Vicente Tavares, que passou a sua vida profissional ligado à área alimentar, como dispenseiro da Marinha de Guerra. Reformado há 20 anos, virou costas a Lisboa e a outras “costas”do mundo e regressou a Cabril, onde reside. Desde há dois anos que este antigo militar é um dos guardiões da Confraria do Maranho de Pampilhosa da Serra, que tem estado, devido à pandemia, «bastante parada». «Não temos hipótese e não devemos», adverte, enfatizando a necessidade de «levar muito a sério» a situação que se vive. «Talvez para o ano haja condições para realizarmos o nosso capítulo», vaticina, optimista.


90 anos com Pampilhosa da Serra Biblioteca

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BIBLIOTECA EM TEMPO DE VIRAGEM 1999 Legado de José Fernando Nunes Barata dita a criação da Biblioteca Municipal,

inaugurada a 20 de Agosto de 1999

autores escolhidos para a tertúlia. Alexandra Tomé esclarece que a Biblioteca Municipal está numa fase de mudança. «Queremos criar um espaço mais apelativo, mas “clean”» e aceder à Rede de Bibliotecas Nacionais. Um “refresh” que passa, igualmente, pelo acervo existente. A vereadora recorda o espólio de «mais de oito mil títulos», pertencente a José Fernando Nunes Barata, «documentos muito específicos que, possivelmente no futuro serão muito procurados», uma vez que incluem muitas obras ligadas ao Direito e «documentos referentes às ex-colónias». Um acervo que está todo catalogado, mas que, reconhece, pela «sua especificidade» «é pouco apelativo para o público em geral». O objectivo é, pois, manter este centro documental erudito, mas também dinamizar uma componente mais “generalista” da biblioteca. Biblioteca dinamiza eventos curiosos, como Poetas à Solta ou Vem dormir à Biblioteca

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vontade expressa de José Fernando Nunes Barata de doar ao município a sua biblioteca particular, colocando-a ao serviço da população, dita a criação da Biblioteca Municipal de Pampilhosa da Serra. O rés-do-chão do edifício dos Paços do Concelho foi a sua primeira “casa”. Alexandra Tomé, vereadora responsável pelo pelouro da Cultura da Câmara Municipal, lembra que não existia, até então, uma biblioteca no concelho. Era a Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian que alimentava a leitura no concelho. Mais tarde, a Ludoteca Pampilho deu início a um circuito pelas aldeias, levando o livro e a leitura às crianças do pré-escolar. Em 2006, com a inauguração do Edifício Multiusos Monsenhor Nunes Pereira, a Biblioteca Municipal deixa os Paços do Concelho e instala-se neste espaço, onde se encontra actualmente. Com uma equipa particularmente dinâmica, a Biblioteca, em parceria com o Espaço Internet, tem vindo a promover um conjunto de eventos pautados pela originalidade. Exemplo disso são os programas “Vem Dormir à Biblio-

teca” ou “Vem Cear à Biblioteca”, dirigidos às crianças em idade escolar, que se têm revelado um verdadeiro sucesso. Propostas integradas no programa da Feira do Livro, onde também ganha destaque a iniciativa “Poetas à Solta”, com a equipa a vestir a pele dos diferentes autores, desde Fernando Pessoa a Luís de Camões, passando por Gil Vicente, Natália Correia ou Florbela Espanca e a ir para a rua interagir com a população, em espaços tão improváveis como cafés, mercearias, barbearias, ou mesmo em plena rua. Uns tocam, outros recitam poemas ou excertos de textos, provocando uma reacção extremamente positiva do público. Este ano, devido à pandemia, não foi possível dar continuidade ao projecto. Todavia, a equipa continuou activa e repetiu o desempenho, mas em resposta a pedidos específicos e direccionados, feitos pelo público. Já relativamente aos mais velhos, além de acções pontuais nas freguesias, destaca-se o “Chá com Livros”. Mais uma vez o livro e a leitura no centro do acontecimento, com uma roupagem lúdica e atractiva, numa verdadeira tertúlia de convívio, alimentada pelas propostas dos diferentes

O patrono da Biblioteca José Fernando Nunes Barata nasceu a 1 de Setembro de 1927 na Pampilhosa da Serra. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi responsável, juntamente com Joaquim de Oliveira Liria, pela Revista de Direito Administrativo, publicação de carácter trimestral, da qual foi director e proprietário (1957–1971). Colaborou activamente com a revista “Brotéria” e a Enciclopédia Pólis” e foi deputado da Assembleia Nacional entre 1958 e 1974. Nomeado director do Centro de Estudos do Grémio Nacional das Agências de Viagens e Turismo, em 1966, três anos depois inicia funções como procurador da Câmara Corporativa, onde exerce um papel relevante na legislação sobre Turismo em Portugal. Foi, ainda, Agente-Geral do Ultramar (19791974) e, no regresso a Lisboa, assume as funções de coordenador do gabinete jurídico-económico da União de Associações da Indústria Hoteleira e Similares de Portugal. Exerceu advocacia em Lisboa e foi professor convidado nas universidade de Belém do Pará (Brasil). José Fernando Nunes Barata morreu no dia 3 de Maio de 1998, em Lisboa. 


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Museu Municipal 90 anos com Pampilhosa da Serra

UMA PORTA ABERTA PARA REDESCOBRIR A HISTÓRIA 1996 Antiga Casa da Câmara, que também foi utilizada como Tribunal e como Cadeia, abre o leque de memórias do passado ao apresentar-se, em 1996, como Museu Municipal

Réplica de uma antiga escola primária é um dos grande atractivos do Museu Municipal

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mudança da Câmara Municipal para as novas instalações dos Paços do Concelho, em 1982, deixou o edifício da Praça Barão de Louredo devoluto. «O edifício é, só por si, um elemento histórico e patrimonial que importa preservar», considera Alexandra Tomé, vereadora responsável pela área da Cultura. As razões são muitas. A antiga Casa da Câmara foi Tribunal, foi Cadeia, «foi o centro da administração» concelhia, além de representar, em termos de arquitectura pública civil, alguns dos conceitos que definiram os finais do século XVIII. O edifício devoluto, depois de algum tempo esquecido, sofreu obras de remodelação, transformando-se em Museu. A inauguração aconteceu no dia 28 de Novembro de 1996, com uma vasta colecção «eminentemente etnográfica, basicamente constituída por objectos doados pela comunidade».APampilhosa da Serra ganhava um Museu Municipal que, em 2010, é alvo de uma profunda intervenção, no âmbito do Programa de Regeneração Urbana da vila, apoiada pelo Mais Centro. Uma medida que se impunha, tendo em conta um con-

junto de questões, designadamente em matéria de acessibilidade, explica a vereadora, que recorda, ainda, a utilização significativa daquele espaço em 2008, nas comemorações dos 700 anos do concelho, com a realização de múltiplos eventos, envolvendo todas as freguesias. A intervenção visou a «reabilitação do edifício, entendido ele próprio como objecto museológico, e a reorganização do espaço», assente num novo discurso museológico, com recurso às novas tecnologias, a novas formas expositivas, procurando captar diferentes públicos, «assim como promover a interpretação dos objectos e a divulgação da identidade das comunidades locais». Alexandra Tomé recorda que a equipa da Câmara se deslocou a Penafiel, para visitar o Museu local, galardoado com o título de “Museu doAno”. «Gostámos muito da disposição dos objectos, dos móveis e começámos a construir a nossa identidade, através de um novo discurso museológico». A vereadora faz notar as limitações existentes, em termos de espaço, razão pela qual o Museu Municipal elegeu um conjunto de temáticas, abordadas ao longo dos dife-

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rentes pisos, mas que, longe de ficar encerrado entre quatro paredes, pretende funcionar como «ponto de partida ou uma porta aberta para descobrir o território, para outras visitas, para outras viagens». A “Sala da Identidade” é a primeira. Ali está parte do pelourinho, encontrado por Monsenhor Nunes Pereira, uma enorme fotografia dos anos 60/70 que lembra o centro cívico que outrora era a Praça Barão de Louredo. Um espaço que remete para as origens, a atribuição do estatuto de vila, por D. Dinis, as Cartas de Foral, a etimologia e a heráldica do concelho. No 1.º piso, referência aos achados arqueológicos.Alexandra Tomé refere as gravuras rupestres existentes na zona de Unhais e Malhada do Rei, com referências muito espirituais, mas que ainda não são visitáveis. Na “Sala de Artes e Ofícios” dá-se destaque aos ofícios característicos do concelho e a “SalaAlma Serrana” apresenta o ciclo do pão e do azeite, dois elementos fundamentais na vivência das comunidades locais, a que se juntam objectos da típica cozinha serrana. No 2.º piso encontra-se a “Reserva Visitável”, ou seja, uma selecção dos muitos objectos que o museu possui, onde se encontram equipamentos associados a alguns ofícios, como o aferidor municipal, o mineiro, o tropa – além da mala, existe um capacete da I Guerra Mundial, que pertenceu a um soldado do Trinhão. Destaque, ainda, para a primeira televisão que existiu no concelho, que data de 1958, pertencente ao padre Carlos Borges das Neves, que a colocava na sacristia, de forma a ficar acessível aos moradores. Também neste piso está uma verdadeira relíquia: uma antiga sala de aula do tempo do Estado Novo, onde não falta a imagem de Salazar. As carteiras não são as originais, mas representam uma réplica perfeita da sala de aulas da Escola de Fajão. O quadro, os mapas, o globo, são os originais. Ali funciona o “Espaço Educativo”, onde o Museu efectua muitas das suas actividades com o público. «As pessoas adoram este espaço», afirma a vereadora. Uma sala de aulas que projecta os visitantes para o tempo da sua juventude e desencadeia um turbilhão de boas recordações. «Nos anos 40/50, tínhamos 42 escolas activas. Neste momento são duas (Pampilhosa e Dornelas», lembra Alexandra Tomé. As visitas virtuais ao Museu já são uma realidade. Uma resposta aos tempos de pandemia. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Cristo Redentor

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CRISTO REDENTOR ABENÇOA A VILA 1984 Erguido lá no alto, imagem abraça a vila. Monumento foi inaugurado em Junho de 1984

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padre Carlos Borges das Neves foi o grande impulsionador da obra, um momento de Cristo Redentor. Do alto do monte, a imagem abençoa e abraça a vila, num gesto protector. A cerimónia de inauguração verificou-se no dia 1 de Julho de 1984, um domingo, tendo contado com a presença do então bispo de Coimbra, D. João Alves, acompanhado pelo cónegoAntónioAugusto Afonso e pelo padre André Gaspar de Almeida Freire. Considerado um homem “muito à frente”, Carlos Borges das Neves nasceu na Pampilhosa da Serra em 1918. Depois de concluir a escola primária, entrou para o Seminário Maior de Coimbra, sendo ordenado sacerdote em Junho de 1942. Depois de quatro anos a dar aulas no Seminário de Coimbra, foi nomeado pároco de Alvares, no vizinho concelho de Góis, onde esteve durante 10

anos. Em 1956, regressa à sua terra natal para tomar conta da paróquia da Pampilhosa da Serra e, mais tarde, assume igualmente as paróquias de Portela do Fojo, Machio e Fajão. Nomeado arcipreste do concelho, pouco depois de ter assumido a paróquia de Pampilhosa da Serra, foi sempre um homem muito dinâmico, que fundou e dirigiu o Jornal Correio da Serra, deu aulas na Escola

Preparatória e foi o primeiro proprietário de uma televisão na sede do concelho. Um equipamento que está actualmente no Museu Municipal e que o Padre Carlos Borges das Neves colocava na sacristia, de molde a permitir que a população assistisse às transmissões televisivas. Há quem diga que cobrava “bilhete” aos interessados, informação que não conseguimos confirmar. Em Novembro de 1998, por motivos de saúde, o padre Carlos Borges das Neves desvinculou-se das funções de pároco, mantendo, todavia, o cargo de arcipreste. Faleceu no dia 6 de Abril de 2000. No “patamar”onde se encontra instalado o monumento de Cristo Redentor, que muito denominam como Cristo Rei, foi criado um miradouro de onde se desfruta uma vista panorâmica de excelência sobre a vila e todo o vale e montanhas que a rodeiam. 


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Casa do Concelho 90 anos com Pampilhosa da Serra

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transformou em obra, levando estradas, fontanários, electricidade e outras benesses às aldeias. Uma mão solidária, disponível, que combateu a falta de respostas e se substituiu ao Estado na criação de melhores condições de vida no interior do país. Arganil foi o concelho pioneiro, com a instalação da Casa da Comarca. A Pampilhosa da Serra seguiu-lhe o exemplo. Aconteceu há 80 anos, feitos no dia 1 de Junho. Vivia-se o ano de 1941 e nascia a Casa do Concelho de Pampilhosa da Serra em Lisboa. As instalações da Casa da Comarca acolherem o projecto, mas, volvidos alguns anos, com a mudança de instalações, deu-se, igualmente, a “separação”, com a Casa do Concelho de Pampilhosa da Serra a encontrar a sua nova sede, em Alfama, onde hoje se mantém.

Desde sempre a Casa do Concelho acolheu um conjunto de Ligas e Comissões de Melhoramento das várias aldeias. Ainda hoje são mais de 60

Casa foi adquirida nos anos 90 e recentemente sujeita a grandes obras de requalificação

CASA DO CONCELHO: UM PONTO DE ENCONTRO E UMA ÂNCORA DE APOIO 1941 Inicialmente instalada na Casa da Comarca de Arganil, a

Casa do Concelho autonomizou-se e instalou-se em Alfama, onde continua. Os tempos mudaram e também mudaram os objectivos. Mantém-se vivo o amor à Pampilhosa da Serra

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oje os bailes já não marcam a agenda do fim-de-semana, mas a Casa do Concelho de Pampilhosa da Serra continua a ser um ponto de encontro, a reunir a grande família de pampilhosenses radicados em Lisboa.

Uma experiência, um sentimento único, que muitos definem como Regionalismo Beirão. Uma paixão imensa pela terra natal, um orgulho de ser da Pampilhosa da Serra, de Góis ou de Arganil, os concelhos do triângulo da Beira Serra. Um amor que se

«Era ali, emAlfama, na Graça, na Mouraria, no Castelo, que residia a maioria das pessoas vindas da Pampilhosa», conta José Ferreira, presidente da direcção da Casa do Concelho. A explicação prende-se com o facto de uma grande parte desses pampilhosenses trabalharem na actividade portuária, ali mesmo ao lado. A Casa do Concelho só podia ficar por perto. «Todos os fins-de-semana havia actividades», recorda este pampilhosense, natural da aldeia de Praçais, freguesia de Cabril, que foi para Lisboa em 1964, com 13 anos, e, além de frequentar a escola, trabalhava numa empresa ligada à Marinha Mercante. «Havia sempre iniciativas», sublinha, lembrando que a Casa do Concelho era a sede de dezenas de associações, ou melhor, de acordo com a terminologia da época, de ligas ou comissões de melhoramento de cada uma das aldeias do concelho. Cada uma promovia as suas actividades, nomeadamente, recorda, bailes, que culminavam com um leilão, destinado à angariação de fundos. Foi com estas receitas, angariadas com os eventos realizadas na Casa do Concelho, que muitas ligas e comissões de melhoramento fizeram obras nas respectivas aldeias.


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«Estradas, fontanários, instalação de água canalizada, abertura de estradas, colocação de telefone ou de electricidade», exemplifica, lembrando que, numa fase posterior, se procedeu ao alcatroamento das estradas. Obras feitas praticamente a 100% com as receitas angariadas nestes eventos. Era a vontade de melhorar as condições de vida dos conterrâneos que se mantinham nas aldeias. Um sentido solidário que constitui um dos valores mais autênticos do regionalismo. Mas, além desta obra beneficente, José Ferreira faz notar uma outra vertente, que se prende com o encontro da família pampilhosense radicada em Lisboa e da sua própria integração no meio citadino. «A Casa tinha essa componente muito positiva», sublinha, recordando que, a partir dos 15/16 anos e até ir para a tropa, a Casa do Concelho era, por sistema, o local de encontro dos “rapazes” da sua idade, que se juntavam depois do jantar, tomavam café e iam até ao baile. Basicamente até à revolução de Abril de 1974, foi este o registo de funcionamento da Casa do Concelho, conta José Ferreira, que, com a ida para a tropa também se afastou mais da colectividade. Regressou em 2002, envolvendo-se na preparação de um congresso. E ficou. Preside à direcção há seis anos, mas antes, durante oito anos, fez parte dos órgãos sociais.

Aposta na vertente cultural Com o advento do regime democrático, «as autarquias começaram a chamar a si a realização de melhoramentos», refere o responsável. Uma mudança de paradigma político que ditou uma alteração no funcionamento da Casa do Concelho. «Sentiu-se necessidade de criar algo mais», diz José Ferreira. Designadamente «trazer à cidade os hábitos e costumes da vivência da aldeia», acrescenta. E foi com esse propósito que, em 1984, surgiu o Rancho Folclórico da Casa do Concelho de Pampilhosa da Serra. Uma proposta cultural que se tem revelado um êxito. Orgulhoso, José Ferreira aponta a meia centena de elementos que integram o rancho, entre tocata e dançarinos, com uma grande componente de jovens. «É a terceira geração do concelho. Andaram cá os pais e agora são os filhos e alguns netos», diz, com satisfação. «Uns puxam pelos outros», adianta. Rancho que tem muitas actuações, ao longo de todo o ano,

90 anos com Pampilhosa da Serra Casa do Concelho

Intervenção de fundo para o futuro As instalações da Casa do Concelho foram adquiridas no início da década de 90 e, no ano passado, a direcção entendeu que, depois das várias obras, feitas aqui e ali, era necessário proceder a uma intervenção de fundo, tendo em conta que se trata de um edifício antigo. Uma obra que representou um investimento vultuoso, superior a 100 mil euros, que contou com «uma ajuda significativa da Câmara Municipal da Pampilhosa da Serra» e está em fase final de acabamentos. O remodelado espaço e a cozinha de excelência que apresenta, afigura-se como uma garantia para manter viva a chama do regionalismo. Pelo menos por mais 80 anos. 

na zona de Lisboa e também no concelho de Pampilhosa da Serra. Uma das iniciativas, promovidas anualmente, é um festival de ranchos folclóricos, em finais de Setembro, princípios de Outubro, junto ao Museu do Fado, para o qual a Casa do Concelho convida mais quatro ou cinco grupos de várias regiões do país. Na área da música surgiu um outro grupo, este de concertinas. Trata-se do

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grupo “Os Serranitos”, que também integra alguns elementos do rancho, mas é mais vasto. No total são duas dezenas de músicos, o que permite uma grande flexibilidade em termos de actuações e ensaios, contrariamente ao que acontece com o rancho, significativamente mais exigente a este nível. O grupo de concertinas, que completou 15 anos, multiplica-se em actuações, com grande êxito. Em Junho de 1999, a Casa do Concelho avançou com um outro projecto. Trata-se do jornal “Serras da Pampilhosa”, com periodicidade mensal. Um projecto que tem dois objectivos distintos. Por um lado, explica José Ferreira, informar sobre a vida da Casa do Concelho, uma vez que as «mais de 60 associações» que ali estão sediadas continuam a promover eventos. Por outro lado, este veículo é uma forma de manter a ligação à terra natal, às histórias e aos acontecimentos que ali se viveram, às experiências e curiosidades que fazem parte do passado. Mas também para dar testemunho de alguma investigação. O presidente exemplifica com um levantamento, efectuado recentemente, de todos os pampilhosenses que estiveram envolvidos na I Guerra Mundial. Um trabalho editado em livro e que mereceu, durante meses, uma atenção especial do jornal. Além das suas próprias iniciativas, a Casa do Concelho participa em eventos promovidos pela Associação das Casas Regionais, que reúne 26 casas concelhias, desde o Minho ao Alentejo, e também colabora com a Associação das Colectividades do Distrito de Lisboa.. 

Rancho da Casa do Concelho surge em 1984, em resposta aos novos desafios. Começava uma nova era, em que a vertente cultural ganha uma dimensão acrescida


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Bombeiros 90 anos com Pampilhosa da Serra

BOMBEIROS: UMA FAMÍLIA AO SERVIÇO DO PRÓXIMO 1969 No dia 29 de Novembro de 1969 assistia-se à constituição oficial da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários. Um verdadeiro farol no apoio à população

Carácter acidentado do território exige equipamento em conformidade

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onge vão os tempos em que a carrinha de uma antiga resineira era o meio de transporte dos bombeiros que, com meia dúzia de extintores, se punham a caminho para combater os fogos. Chegou, mais tarde, uma ambulância, destinada à Santa Casa da Misericórdia, mas que acabaria por ser entregue aos bombeiros, para as necessárias missões de socorro. Hoje, fruto do empenho da Associação Humanitária, mas, sobretudo, do espírito solidário da população e de alguns mecenas, a realidade é bem diferente. Carências «há sempre», sublinha o comandante. Todavia, não há assim tantas razões de queixa. Em contrapartida, cresceu significativamente a necessidade de garantir um apoio célere e eficaz na defesa de pessoas e bens. Um propósito que, há pouco mais de meio século, ditou a criação da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Pampilhosa da Serra. Em causa está um concelho com uma vasta extensão, caracterizado por uma orografia bastante acidentada, com muitas povoações dispersas e «longe de tudo», enfatiza o comandante Marco Alegre. Factores que

ditaram a necessidade de uma resposta de proximidade, em termos de socorro, que hoje se torna mais urgente e necessária face à crescente desertificação do concelho e à população cada vez mais envelhecida que se mantém nas aldeias. As garagens do edifício dos Paços do Concelho foram a sua primeira casa, com o actual quartel, localizado nas imediações, a ser ocupado há pouco mais de duas décadas. Todavia, desde a sua criação os Bombeiros da Pampilhosa da Serra apostaram na descentralização de serviços, com a criação de uma secção em Unhais-o-Velho. Impunha-se proximidade na resposta, a toda a zona do Alto Concelho, que dista mais de meia hora do quartel-sede. «É um mini-quartel», explica o comandante, que destaca as recentes obras de requalificação que ali foram efectuadas, um investimento que rondou os 200 mil euros, com o apoio do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência de Recursos (POSEUR) e da Câmara Municipal. A secção de Unhais conta com seis funcionários e 26 voluntários e desde o início de Agosto viu a sua capacidade de inter-

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venção reforçada com a chegada de mais cinco elementos. Nada mais nada menos que a segunda equipa de intervenção permanente (EIP) que a Pampilhosa da Serra reivindicava há seguramente cinco anos. Em termos de equipamento, e porque se trata de um “mini-quartel”, estão ali sete ambulâncias, duas de socorro e cinco de transporte de doentes. O equipamento de combate a incêndios é especialmente reforçado no Verão, tendo em conta a «vasta zona florestal, que não ardeu em 2017», sublinha o comandante, e que os bombeiros têm conseguido proteger, apesar das recorrentes ameaças. Um dos sonhos de Marco Alegre é ter no Destacamento de Unhais-o-Velho equipamento de salvamento em grande ângulo, o que ainda não conseguiu concretizar. Também na linha das respostas descentralizadas, surge, mais recentemente, «há quatro/cinco anos», o Destacamento de Fajão-Vidual, onde se encontram dois elementos em regime de permanência e uma ambulância de socorro. À noite, esclarece Marco Alegre, o serviço é assegurado pelo quartel-sede. No Verão, a equipa é reforçada com mais três bombeiros e outros tantos estagiários. No quartel, na sede do concelho, está concentrada toda a “artilharia pesada”. São 78 voluntários e 31 profissionais e um total de 57 viaturas, esclarece Marco Alegre, que entrou para os Bombeiros com 14 anos e soma 27 anos ao serviço, 10 dos quais como comandante. Fundamentais, em termos de socorro, são as viaturas de desencarceramento e salvamento em grande ângulo, explica o responsável, salientando as características particulares do território, com grandes ravinas e zonas escarpadas, que exigem uma resposta capaz, em termos de recursos, para garantir o socorro. Único no distrito é o limpa-neves (Coja tem um, mas ligeiro), equipamento que se revela fundamental, no Inverno, em toda a zona doAlto Concelho, garantindo a limpeza das estradas, tarefa que, conjugada com a acção dos espalhadores de sal da autarquia, assegura que as estradas ficam transitáveis. Tendo em conta os vários cursos de água e particularmente as albufeiras das barragens de Santa Luzia, Alto Ceira e Cabril, o quartel e a secção estão equipados com duas embarcações, o que significa, igualmente, uma capacidade de intervenção em meio aquático. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Bombeiros

Frota de ambulâncias sempre numa roda viva

Apesar de o concelho ser frequentemente flagelado pelos incêndios florestais, durante o período de Verão, a verdade é que o grande trabalho e o maior foco dos Bombeiros é, efectivamente, o transporte de doentes. «Temos 25 a 30 emergências pré-hospitalares no mês», refere o comandante, que sublinha, mais uma vez, as dificuldades em termos de acessibilidades, com viagens de quatro horas para qualquer um dos hospitais, seja de Coimbra, Covilhã ou Castelo Branco. Já no que concerne ao transporte de doentes, o número cresce para «40/50 pessoas por dia, em média». Trata-se de responder a consultas marcadas, seja no Centro de Saúde da Pampilhosa , nas extensões de Unhais e Dornelas ou nos hospitais de Coimbra, Castelo Branco ou Covilhã.Acresce os transportes para a realização de fisioterapia, especialmente na sede do concelho, ou ainda o transporte de doentes de e para o Instituto de Oncologia de Lisboa e hospitais de Santa Maria, Francisco Xavier ou Fernando da Fonseca (Amadora). A frota de ambulâncias só podia, perante este cenário, ter um reforço significativo. São nove ambulâncias de socorro e 23/24 de transporte de doentes, esclarece o comandante, que enfatiza os muitos milhares de quilómetros percorridos e o grande desgaste que isso representa. «Vamos renovando, sempre que possível, as ambulâncias de transporte de doentes não urgentes», diz Marco Alegre. Recentemente, destaca, o município ofereceu uma ambulância destas à corporação. Ofertas secundadas por outros mecenas, designadamente os proprietários da Seaside e da Macorlux,

empresários oriundos da Pampilhosa da Serra, que ofereceram, respectivamente, duas ambulâncias de transporte e uma de socorro. Desta forma, «vamos conseguindo renovar a frota», afirma, sublinhando o grande espírito de ajuda existente, seja da parte do município, seja das empresas, seja da população em geral. «É uma grande família», diz, com satisfação. Relativamente a carências, Marco Alegre aponta a falta de equipamento de protecção individual, fardamento e de uma ambulância de transporte de doentes. Se a população, as empresas e a autarquia estão sempre disponíveis para ajudar os bombeiros, a verdade é que eles também “fazem por isso”. Não se trata apenas de prestar um bom serviço, mas sim de ter uma atitude pró-activa e, dessa forma, angariar fundos que permitem resolver algumas carências. EmAgosto, tradicionalmente é feito um peditório e «toda a gente contribui», afirma, agradecido, Marco Alegre. É também em Agosto que os bombeiros trocam a farda pelo avental, arregaçam as mangas e mudam de actividade. Durante 15 dias, nas Festas do Concelho, uns tomam conta da cozinha e outros transformam-se em “garçons”, garantindo o serviço à mesa. Certo é que a “tasquinha” dos Bombeiros é a mais concorrida de todas. As receitas são investidas na compra de viaturas, fardamento, no que faz falta. Igualmente importante são as receitas decorrentes do Festival da Filhó Espichada, que decorre durante o evento “Pampilhosa Inspira Natal”. «Todos juntos somos mais fortes», sublinha o comandante, recordando a máxima da associação e também que a pandemia veio bloquear este tipo de iniciativas. 

Bombeiros são solicitados, em média, por dia, para efectuar entre 40 a 50 transportes de doentes não urgentes, o que representa um uso intensivo das ambulâncias

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Escolinha cativa os mais jovens

Actualmente parada, devido à pandemia, a Escolinha dos Bombeiros já funciona há alguns anos e tem-se revelado um sucesso. Trata-se de uma forma de cativar as crianças e jovens, levando-os desde muito cedo para esta grande família, na expectativa que, quando atingirem os 14 anos, possam prosseguir a sua formação, como estagiários, e reforçar, no futuro, a corporação. Mas mesmo que isso não aconteça, indiscutivelmente há uma escola de valores e de formação ao nível do socorro que estas crianças e jovens nunca vão esquecer. Antes da “paragem” a Escolinha” estava a funcionar com cerca de 45 crianças e jovens, entre os 6 e os 14 anos. Em curso está uma “escola de estagiários”, com 16 inscritos, que o comandante espera venham a concluir a formação e integrar o corpo activo. Um reforço sempre bem-vindo, tendo em conta que também são frequentes as “desistências”, motivadas muito particularmente pela falta de respostas, em termos de emprego, no concelho, facto que obriga os jovens a deixarem a Pampilhosa da Serra. Essa é uma das razões que leva Marco Alegre a elogiar os incentivos ao voluntariado, recentemente aprovados pelo município. «Ninguém vai para bombeiro por causa disso, mas quem está sente-se reconhecido», considera. 


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Misericórdia 90 anos com Pampilhosa da Serra

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MISERICÓRDIA: RESPOSTAS SOCIAIS E ALAVANCA PARA O TERRITÓRIO 1968 Depois de alguns avanços e recuos ao longo de uma existência centenária, a Santa

Casa regressou ao activo no final dos anos 60, consolidou a sua presença e reforçou o seu projecto de desenvolvimento do concelho e combate à desertificação

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ão mais de meio milhar os utentes que, todos os dias, beneficiam dos serviços prestados pela Santa Casa da Misericórdia. Uma resposta transversal, pensada para servir a comunidade, que envolve crianças e seniores e que da sede do concelho se estende por diferentes freguesias. Um projecto consolidado, que tem vindo a crescer e a diversificar as suas áreas de actuação, pautado pela vontade férrea de prestar um serviço diferenciador e de qualidade, mas também de contribuir para o desenvolvimento do território, fazer frente à interioridade e combater a desertificação. Ideias para o futuro não faltam, sempre de “braço dado” com a comunidade. Com vários períodos de inactividade, a Santa Casa da Misericórdia de Pampilhosa da Serra terá sido constituída há mais de três séculos. «Ainda não conseguimos apurar a data efectiva de constituição», confessa o provedor, reconhecendo que esta é uma questão que se pretende esclarecer. Todavia, «há uma evidência no concelho» que faz jus à existência da instituição. Em causa está uma capela que, pese embora seja gerida pela paróquia, é designada como “Capela de Misericórdia”. À parte esta curiosidade, o certo é que a Misericórdia regressou ao activo há pouco mais de meio século e, de então para cá, nunca mais parou, num crescendo de valências e de respostas para fazer face às necessidades locais. Algumas das quais podem mesmo ser consideradas “arrojadas” e um tanto “fora da caixa”. António Sérgio Martins, provedor da instituição, recorda que na década de 60 do século passado a Misericórdia regressou ao activo, liderando um projecto na área da medicina. Foi, diga-se, o primeiro centro de saúde do concelho, uma valência que, antes mesmo de Abril de 1974, foi “nacionalizada”, passando a ser gerida pelo Estado. O responsável lembra, a título de curiosidade, que só em 2005 a Santa Casa conse-

Instalações da antiga resineira foram requalificadas e acolheram novas respostas

guiu receber uma renda pela utilização do espaço que lhe pertencia, situação que se manteve até à construção do novo edifício onde actualmente funciona o Centro de Saúde. Com a aposta na área da saúde “cerceada” logo à partida, a Misericórdia orienta, então, a sua acção para o sector social. Surge, assim, o primeiro lar, «instalado num edifício cedido pela Câmara Municipal», conhecida como “Casa Dr. Afonso”. Seriam «duas dezenas de utentes», adianta. Lar que funcionou naquele espaço até 1984, altura em que se assistiu à construção, num terreno cedido pela autarquia, de um edifício onde foi instalada a nova estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI). Espaço que tem sido alvo de sucessivas alterações, mas que continua a acolher uma ERPI e a funcionar como sede da instituição, onde estão instalados os serviços administrativos e a direcção da Santa Casa. Nos anos 90, a Misericórdia estende a sua área de actuação e, à resposta aos mais velhos, junta as valências de creche e jardim-de-infância, que continuam em

funcionamento, com uma capacidade total de 60 crianças, desde o berçário aos 6 anos. Todavia, mantém um olhar atento e, sobretudo, descentralizado, aos seniores do concelho. Significa que, entre 1990 e 2000 se assiste a um período muito activo, com a criação das valências de centro de dia e apoio domiciliário em Cabril, Fajão, Pessegueiro, Machio, Porto de Vacas, Janeiro de Baixo e na sede do concelho. «O objectivo era garantir uma ampla cobertura do território» em termos de apoio social, sublinha António Sérgio. Uma preocupação que se mantém, embora não seja fácil. O provedor reconhece essas dificuldades, próprias de um concelho que está no «interior do interior» e que obrigam, por exemplo, a percorrer 20 ou 30 quilómetros para levar uma refeição a casa de um utente, no âmbito do serviço de apoio domiciliário. «Esta é a nossa realidade», faz notar.

“Visão arrojada” criou Unidade de Cuidados Continuados Com particular orgulho, António Sérgio Martins fala da criação da Unidade de Cui-


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dados Continuados. «Não estava na direcção», sublinha, apontando a «visão arrojada» da então Mesa Administrativa, que «decidiu adquirir a antiga resineira» e, depois das necessárias obras de requalificação e adaptação, ali instalou uma Unidade de Cuidados Continuados. Uma valência inaugurada em 2013, que representou um investimento de 5 milhões de euros e com capacidade para acolher 35 utentes. Neste mesmo edifício, está instalado o Centro Social Comunitário, funciona a resposta de cozinha para todas as valências, bem como um espaço de eventos, «com muita dignidade», onde a Misericórdia realiza as suas iniciativas, mas que também disponibiliza ao serviço de outras entidades e da comunidade. Neste requalificado edifício funciona, igualmente, uma segunda ERPI e a unidade de Fisioterapia.

Misericórdia tem ao seu serviço duas centenas de colaboradores, o que representa um contributo significativo para a fixação da população Mais de meio milhar de utentes – sem contar com os da Fisioterapia – são diariamente servidos pela Santa Casa de Pampilhosa da Serra, que tem duas centenas de funcionários ao seu serviço. «Além de sermos uma instituição particular de solidariedade social, promovemos a dinâmica do território», afirma o provedor. António Sérgio Martins, que é também o presidente do Secretariado Regional de Coimbra da União das Misericórdias Portuguesas, não tem dúvidas relativamente ao papel fundamental da Santa Casa no desenvolvimento do concelho. «Estamos a contribuir para fixar pessoas» e para «combater a desertificação do interior», considera. O provedor, que ocupa o cargo desde 2001, depois de três anos como vice-provedor, elogia o empenho e a qualidade da equipa de colaboradores. «Sem eles não era possível», afirma, agradecido. Equipa com que conta para manter viva esta «vontade férrea que a Misericórdia tem de continuar a intervir e a contribuir para dinamizar actividades que deem mais vida à comunidade e ao território». 

90 anos com Pampilhosa da Serra Misericórdia

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Clínica de fisioterapia dá resposta à comunidade A Unidade de Fisioterapia é uma resposta considerada de excelência que a Misericórdia oferece aos seus utentes e à comunidade do concelho e das redondezas. Tem protocolo com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e com algumas seguradoras. «Muitos dos nossos utentes vêm de Góis, refere o provedor, que sublinha a «qualidade» desta resposta, que garante benefícios em várias frentes. «O Estado poupa», sublinha, uma vez que, a alternativa, em termos de tratamento, seria na Lousã ou em Pedrógão, o que implicava uma deslocação maior. Por outro lado, os utentes, beneficiam de um serviço de proximidade e a «comunidade tem esta resposta à sua disposição». ASanta Casa, reconhece o provedor, «precisava de mais escala», tendo em conta o investimento que a unidade de Fisioterapia exige – um médico fisiatra, três fisioterapeutas, dois auxiliares e um administrativo – de forma a conseguir alguma rentabili-

zação. Todavia, isso não é fácil, uma vez que não há propriamente muitos acidentes de trabalho no concelho e, como tal, os utentes da Fisioterapia são, sobretudo, pessoas em recuperação de AVC ou com problemas de locomoção. «Os benefícios para a comunidade e para os utentes são superiores ao benefícios para a Misericórdia», confessa António Sérgio, que manifesta o seu empenho pessoal nesta resposta. 

Novas valências em perspectiva O antigo edifício do Centro de Saúde, a primeira valência no ressurgimento da Misericórdia, que regressou à posse da Santa Casa depois da construção das novas instalações, volta a merecer atenção. O objectivo, explica o provedor, é «criarmos uma nova resposta, de cuidados continuados, ou ERPI para pessoas com problemas de deficiência». Acandidatura foi apresentada ao Programa PARES e representa um investimento de um milhão e meio de euros. O provedor confessa alguma «ansiedade» relativamente ao resultado desta candidatura, que gostaria fosse direccionada para pessoas com deficiência. A questão prende-se, esclarece, com o crescente número de utentes das respostas sociais que padecem de problemas do foro demencial e que necessitam de «um tratamento adequado», diferente daquele que é assegurado por uma estrutura residencial dita normal. A entrada em funcionamento desta nova valência, com capacidade para 45 utentes, irá implicar, perspectiva o provedor, a con-

tratação de mais 30 a 35 funcionários, alguns dos quais quadros superiores. Já em fase de recuperação está um edifício, em Fajão, onde em tempos funcionou uma resposta de ERPI, mas que deixou de corresponder às novas exigências legais. «Em articulação com a Junta de Freguesia, estamos a requalificar um edifício para instalar uma nova ERPI». Uma resposta em Fajão, que se junta às duas valências na sede do concelho, com capacidade para acolher 165 utentes. 


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Misericórdia 90 anos com Pampilhosa da Serra

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Bonecas que encurtam distâncias

“Pampi” é o nome das simpáticas bonecas de trapos, “nascidas” do projecto “Encurtar Distâncias”, que em breve vão estar à vendas nas lojas Seaside

Quem é que não brincou, em criança, com uma boneca da trapos? É essa cultura tradicional, esse saber-fazer, mas também essas memórias que o projecto “Encurtar Distâncias” pretende fazer. Trata-se de um programa promovido pela Santa Casa da Misericórdia, coordenado por Albertina Brito, que tem como objectivo principal combater o isolamento e solidão da população sénior. Mas visa, ainda, promover o saber-fazer e a auto-estima dos mais velhos. «Ficam ocupados e sentem-se úteis», sublinha o provedor, que se por um lado aponta o facto de a pandemia ter atrasado o desenvolvimento do projecto, por outro veio confirmar a ideia que os seniores podem manter-se em casa, ocupados, com metas a cumprir e empenhados em responder a este desafio. Trata-se, nada mais nada menos, que confeccionar bonecas de trapos. Bonecas que, além de reportarem os seus criadores para uma já longínqua infância, também representam a memória de um conjunto de ofícios e de costumes de outros tempos, trazendo para o presente essa carga histórica e essas tradições. «Já temos muitas bonecas prontas, estamos a catalogá-las», explica o provedor.

A breve trecho estas bonecas de trapos, as “Pampi”, vão estar à venda, em todo o país, no quadro de uma parceria com as lojas Seaside, pertencentes ao empresário Acácio Teixeira, natural da Pampilhosa da Serra, que se aliou ao projecto. António Sérgio sublinha a importância das “Pampi” serem colocadas à venda, facto que representa um valor acrescido para o trabalho efectuado pelos seniores e, igualmente, alguma rentabilidade para a instituição. São vários modelos, mas como traço identitário têm «os lábios com uma cor viva, forte». Um vermelho, que «transporta alegria, leveza, vontade de comunicar». Confiante na boa aceitação que estas bonecas irão ter no mercado, o provedor recorda que o projecto arrancou há cerca de meio ano e que, devido à pandemia e dificuldades de contacto, sofreu algum atraso, tendo em conta que, numa primeira fase, é necessário receber formação. Só depois é que os seniores começam, nas suas casas, a confeccionar as bonecas de trapos. O objectivo do “Encurtar Distâncias” é envolver mais de uma centena de participantes e, se tudo correr de feição, a Misericórdia equaciona, no futuro, a criação e uma linha de produção.

Rádio Sénior emite em Outubro Também original é outro projecto da Misericórdia da Pampilhosa da Serra na área comunicacional. Trata-se da Radio Sénior, «uma rádio feita pelos idosos, para os idosos e para toda a comunidade», explica o provedor, que destaca o apoio de uma equipa técnica para levar a “carta a Garcia”. O programa arranca no dia 1 de Outubro, oferecendo uma emissão onde os seniores têm oportunidade de contar as suas histórias e memórias e partilhar experiências. Numa primeira fase, o projecto tem uma dimensão regional, mas se tudo correr bem, poderá crescer e «abranger todo o território nacional», adianta. Um projecto que, mais uma vez, tem como objectivo fundamental o «combate ao isolamento e à solidão» entre os seniores, promovendo uma «partilha de saberes, de experiências, de vivências e histórias». António Sérgio refere a vantagem de se proceder a este registo áudio e «ficar com esta memória colectiva para o futuro». No arranque, o projecto vai ser emitido online, mas se se revelar sustentável pode, no futuro, passar a ser emitido em FM, o que representa alargar as possibilidade de ouvir o programa. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Associação de Dornelas

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SOLIDARIEDADE SOCIAL GANHA FORÇA EM DORNELAS DO ZÊZERE 1982 Associação de Solidariedade Social de Dornelas do Zêzere constitui uma voz activa,

que, desde há décadas assegura respostas a quem mais precisa, abraçando desde as crianças aos seniores

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riada oficialmente em 1982, a Associação de Solidariedade Social de Dornelas do Zêzere vem assumir um conjunto de projectos que desde 1970 “mexiam” com a freguesia. Maria Virgínia Martins Antunes sobressai nesse registo. «Era uma mulher de grande visão», afirma Elisabete Teodósio, directora de serviços da instituição, onde começou a trabalhar há 20 anos. Precisamente com Virgínia Antunes. «Aprendi muito com ela», garante a assistente social, que enaltece o espírito “muito à frente” desta professora primária, que na década de 80 do século passado já defendia o potencial das instituições particulares de solidariedade social como «um motor de desenvolvimento do interior» e um contributo importante para «a fixação de pessoas». Era também uma «grande defensora da humanização dos serviços», adianta, destacando o empenho que Virgínia Antunes colocou neste projecto. «Era a alma da instituição», considera. O dinamismo de Virgínia Antunes, que também chegou a ser presidente da Junta de Freguesia, levou-a liderar uma comissão, nos anos 70, tendente à criação da Telescola e de um Posto Médico. Seguiram-se o Jardim Infantil e o Centro de Actividades de Tempos Livres (ATL), valências que estavam sob a tutela da Junta de Freguesia. Questões do foro legal impediam que a autarquia local auferisse de qualquer comparticipação da Segurança Social, situação que leva, em 1982, à criação oficial da Associação de Solidariedade Social de Dornelas do Zêzere. Nesse mesmo ano a agremiação diversifica a actividade, até então centrada nas crianças, e avança com a criação de um centro de dia. Estava dado o mote para o futuro, com respostas diversificadas para estas duas faixas etárias, tendo sempre como grande objectivo «melhorar a qualidade de vida da população», sublinha Elisabete Teodósio Três anos depois, em 1985, arranca a

Instituição tem duas ERPI em funcionamento, em Dornelas do Zêzere e Carregal

construção de um edifico de raíz – até então as valências funcionavam em espaços cedidos – orçado em 25 mil contos, contando com o apoio estatal, através da Segurança Social. Para ali transitaram o jardim de infância, ATL e centro de dia e arrancou o projecto de apoio domiciliário. Em 1996, assiste-se à construção de um novo edifício, também com apoio do Estado, em frente ao primeiro, onde foi instalada a creche e o jardim infantil, permitindo que o outro edifício onde «já se encontravam alguns idosos em regime interno», fosse adaptado, aumentando a capacidade instalada do lar para um total de 41 utentes. Ali continuou a funcionar o centro de dia e o serviço de apoio domiciliário. Com um invejável dinamismo, a Associação de Solidariedade Social avançou, também em 1996, com a inauguração de um novo espaço, na localidade de Portas de Souto, com as valências de centro de

dia e apoio domiciliário. Um espaço que, de acordo com Elisabete Teodósio, acabaria por encerrar em 2015. «Não se justificava», afirma, apontando o escasso número de utentes, que foram transferidos para Dornelas do Zêzere. Mais recentemente, em 2015, em resposta às necessidades que se faziam sentir, a Associação de Solidariedade empenhou-se na ampliação da resposta de lar, criando um novo equipamento, na localidade de Carregal, a cerca de 1,5 km de Dornelas do Zêzere. Uma resposta para 58 utentes, que se vem juntar ao lar-sede, com capacidade para 41 utentes. Actualmente, a creche tem capacidade para 20 crianças, as mesmas do ATL, com o pré-escolar a atingir as 25. O centro de dia tem sete utentes e é garantido apoio domiciliário a 35 moradores, a maioria dos quais na freguesia de Dornelas, mas extensivo às freguesias limítrofes, designadamente Barroca, já pertencente ao Fundão. 


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Associação de Dornelas 90 anos com Pampilhosa da Serra

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Respostas diferenciadoras

As crianças e os jovens sempre foram, desde a origem, um dos focos de atenção

AAssociação termina a década de 90 com mais um projecto pioneiro. Tratou-se de um Centro de Actividades Lúdicas e Juvenis (1999), uma proposta, esclarece Elisabete Teodósio, apoiada pelo programa “Ser Criança”, que pretendia «criar respostas lúdicas e educativas para as crianças e jovens da freguesia». Uma espécie de «complemento ao ATL» que se revelou «um sucesso». «Era um equipamento muito inovador», com recurso às novas tecnologias, sublinha, numa altura em que a internet ainda não era uma “ferramenta” de uso comum. «Fomos pioneiros», atesta. Igualmente focado nas crianças e jovens, mas de risco, surge, em 2003, o Centro de Acolhimento Temporário. Trata-se de uma valência que recebe crianças encaminhadas pelo Tribunal e Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, que ali ganham uma nova família, «até haver possibilidade de reintegração na família verdadeira». Todavia, também podem continuar, até atingirem a maioridade e, sobretudo, garantirem a sua autonomia. Uma valência com capacidade para acolher uma dezena de crianças e jovens, normalmente com lotação esgotada. No ano seguinte, em 2004, ainda na presidência de Virgínia Antunes (que faleceu

a 30 de Abril de 2006), a instituição faz igualmente uma aposta “fora da caixa”, remodelando a “Casa da Praça” e transformando-a num espaço de turismo rural, com capacidade para receber «até 10 ocupantes, num ambiente calmo, tranquilo e acolhedor». Um projecto que a pandemia veio colocar em “stand by”, de forma a evitar contactos “externos” e assegurar a protecção dos utentes, explica a directora.

Combater o isolamento a pobreza e a exclusão Com um total de 80 funcionários, a Associação e Solidariedade Social está envolvida num conjunto alargado de programas, igualmente com um forte pendor social. Elisabete Teodósio exemplifica com o projecto “100 Idade”, de combate ao isolamento dos seniores, que envolve uma parceria com a Misericórdia da Pampilhosa e a Cáritas de Coimbra. O programa inclui dois eixos, um centrado no bem-estar físico e na mobilidade e outro no bemestar emocional e é dinamizado por uma equipa multidisciplinar, constituída por gerontólogos, fisioterapeutas, podologista, enfermeiros, assistentes sociais e técnicos das três instituições parcerias. «A equipa percorre todo o concelho –

109 povoações, de oito freguesias - , acompanhando as pessoas sinalizadas» (335 seniores), com a dinamização de actividades ligadas à motricidade e ocupação de tempos livres. Um “pacote” onde cabem encenações teatrais, cultivo de ervas aromáticas, a saúde do pé, mas também o “avó mudei a casa”, que não é mais do que uma «reorganização da habitação», designadamente no que se refere a tapetes e outras barreiras perigosas para os mais velhos. «O projecto fez todo o sentido em tempo de pandemia», considera a directora, sublinhando que a equipa o manteve em funcionamento, com os devidos cuidados, representando uma lufada de ar fresco face às contingências. O programa arrancou em Dezembro e 2019 e tem uma duração de três anos. Também com um horizonte temporal de três anos, o CLDS (Contrato Local de Desenvolvimento Social) arrancou em 2020 e tem como objectivo o combate à pobreza e exclusão social, designadamente através da aposta na qualificação/formação de pessoas desempregadas e na promoção do empreendedorismo entre os mais jovens. Um projecto que, adianta a directora, também comporta «acções sócio-culturais para a população mais idosa», bem como «acções na comunidade» e a «reabilitação de associações». A equipa integra psicólogo, gerontólogo, animador e assistente social. A instituição está, igualmente, envolvida nos programas de apoio alimentar, garantindo algum serviço de refeições, bem como a distribuição de géneros alimentares a famílias carenciadas. 

Além das valências dedicadas às crianças e aos seniores, a Associação dinamiza programas específicos dirigidos a várias franjas da comunidade


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90 anos com Pampilhosa da Serra Villa Pampilhosa Hotel

HOTEL DE 4 ESTRELAS ABRE NA PAMPILHOSA DA SERRA 2012 A 11 de Junho de 2012, abria-se uma nova página na

história, com a inauguração do Villa Pampilhosa Hotel

Hotel representou um investimento de 4,5 milhões de euros

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Villa Pampilhosa Hotel abriu ontem ao público, perspectivando uma nova era no fluxo de turistas que demandam o concelho da Pampilhosa da Serra e de toda a região. “É um projecto ancora”, sublinha o presidente da Câmara, um dos paladinos do projecto, que viu no empresário Rui Olivença um parceiro disponível e interessado». É desta forma que o Diário de Coimbra retrata, na edição de 12 de Julho de 2012, a abertura do primeiro e único hotel de 4 estrelas do concelho. «Este hotel vem colmatar uma lacuna que existia na oferta de alojamento de qualidade», fazia notar o presidente da autar-

quia, destacando o investimento de 4,5 milhões de euros. «É o maior investimento jamais realizado no concelho da Pampilhosa da Serra, afirmava José Brito Dias, que enaltecia a importância acrescida deste projecto, tendo em conta «a grande aposta que tem vindo a ser feita ao nível da promoção turística do concelho e de toda a região, que passa a ter uma resposta de qualidade». José Brito Dias, citado pelo jornal, agradecia a «coragem» de Rui Olivença, um empresário nascido no concelho, que se empenhou em «investir neste excelente hotel de quatro estrelas, equipado com o que há de melhor». Rui Olivença fez questão de agradecer «a

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todos os colaboradores que ajudaram a “por de pé” o projecto e deu conta de «um conjunto de razões» que o levaram a empenhar-se nesta aposta. «Sou empresário e um empresário vive de investimento e empreendimentos, disse, considerando que o Villa Pampilhosa Hotel representou «uma oportunidade para diversificar os investimentos que temos feito». A opção pelo turismo, esclarecia, prende-se «com o facto de este ser um sector onde o país se pode diferenciar». Rui Olivença apontava «o clima, as praias, a natureza, o muito que temos para oferecer» aos turistas. Como «terceira razão» para dizer “sim” a este desafio, o empresário confessava «uma razão de coração». «Sou pampilhosense, esta é a minha terra. Nesta zona não havia nada com qualidade que pudesse oferecer uma resposta», escrevia o Diário de Coimbra. Razões que levaram o empresário a fazer esta aposta, que representou «um investimento de 4,5 milhões de euros, que contou com um financiamento significativo (3,4 milhões de euros) no âmbito do PROVERE – Programa de Valorização Económica de Recursos Endógenos». O Pampilhosa Villa Hotel adiantava o jornal, «foi considerado um “projecto âncora” no âmbito do QREN – Quadro de Referência Estratégico Nacional». Com uma localização privilegiada, numa “varanda” sobre a vila, o hotel possui 52 quartos, dos quais 12 são comunicantes e dois adaptados para clientes com mobilidade reduzida. Está equipado com SPA, piscina interior climatizada, jacuzzi, sauna, banho turno e ginásio. O Villa Pampilhosa Hotel oferece espaços para eventos e reuniões, com capacidade para 300 pessoas. O restaurante “O Buke”, outra das atracções da unidade, apresenta uma aposta na cozinha tradicional portuguesa, com destaque especial para a região. 


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Alojamento Local 90 anos com Pampilhosa da Serra

Diário de Coimbra

Junto à praia surgiram os dois bungalows, um projecto pioneiro de alojamento local, com a assinatura da Liga de Melhoramentos

PESSEGUEIRO NA “LINHA DA FRENTE” 1990 Depois da praia fluvial, na década de 80, a Liga de Melhoramentos empenhou-se num projecto de alojamento local. Um exemplo que frutificou

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oje são muitos os projectos de alojamento local existentes em todo o concelho. Uma realidade recente, que tem na Liga de Melhoramentos de Pessegueiro um exemplo pioneiro e impulsionador. Jorge Moreira, presidente da direcção, recorda, com notório orgulho, esse pioneirismo no concelho, mas, sobretudo, regista com agrado o facto de esta experiência ter sido replicada por um conjunto de entidades privadas, em todas as freguesias. Mantém-se, todavia, o estatuto único e ser uma Liga de Melhoramentos a promotora do projecto, indissociável de um outro, onde deu igualmente “cartas”: a praia fluvial. «A nossa praia fluvial vem dos anos 80», recorda Jorge Moreira, apontando as águas frescas e límpidas da ribeira de Pessegueiro, emolduradas pelo verde da relva e pelo azul forte das hortenses. Uma praia que depressa se tornou uma atracção, cativando os visitantes e ostentando as bandeiras, Azul, de Ouro e de PraiaAcessível. «Algumas

pessoas que se deslocavam para a nossa praia, lamentavam que não existisse um local onde pudessem ficar». Nada que não tivesse remédio. A Liga de Melhoramentos pôs mão à obra e, na década de 90 do século passado, surgiam dois bungalows, instalados junto à praia, que não só vieram resolver um hiato, em termos de alojamento, como criaram este apetite generalizado, por todo o concelho, relativamente ao desenvolvimento de projectos de alojamento local.«Na altura, quando começámos, ninguém acreditava que tivesse sucesso», recorda. Mais, no entender de Jorge Moreira «ninguém iria investir numa situação destas». A Liga perfilou-se para o

Casa do Centro tem quatro apartamentos

fazer, como instituição de utilidade pública sem fins lucrativos. Mas com uma finalidade: «promover a nossa freguesia e promover o concelho», sublinha. Um segundo objectivo, não menos importante, é dar um contributo para a «criação de postos de trabalho», e, desta forma, manter as pessoas na freguesia. Mas o projecto de alojamento local da Liga não se ficou por aqui e, há quatro anos acabou por receber um novo “input”, com a transformação do edifício do Centro de Dia na Casa do Centro, onde foram criados quatro apartamentos. «Infelizmente, umas pessoas morreram e outras, mais envelhecidas, foram para o lar da Santa Casa da Misericórdia». Significou que o Centro de Dia deixou de ser necessário. A alternativa foi, em resposta à «crescente procura», fazer uma segunda aposta no alojamento local. Apesar dos condicionalismos todos, ditados pela pandemia, o projecto está a correr bem e, satisfeito, Jorge Moreira aponta os 12 postos de trabalho que a Liga criou ou ajudou a criar, no apoio à praia e alojamento local e na limpeza da freguesia (parceria com a Junta), além dos funcionários administrativos. Pequenos “nadas” que fazem a diferença e tornam mais doce o sabor de Pessegueiro. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Visita de Marcelo Caeteno

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TERRAS BEIROAS RECEBERAM PRESIDENTE DO CONSELHO 1968 10 de Novembro de 1968. O Diário de Coimbra destacava a presença de Marcelo Caetano. Não se tratou de uma visita oficial, mas sim de uma “romagem de saudade”

A

inda que a visita do sr. Presidente do Conselho a terras da Beira não tivesse carácter oficial, pois tratava-se apenas de uma romagem de saudade, a população das freguesias visitadas teve para com o Sr. Presidente do Conselho expressivas provas de carinho, traduzidas em atitudes espontâneas de sinceridade e simpatia. O objectivo desta viagem era homenagear a memória do pai do sr. Prof. Marcelo Caetano, sr. José Maria Alves Caetano, que foi uma figura de relevo nas Beiras, distinguindo-se pelos seus pre-

dicados de bondade e pelo impulso dado a diferentes realizações de ordem bairrista». Assim escrevia o Diário de Coimbra, na primeira página da edição de 10 de Novembro de 1968. Arganil, esclarece o jornal, foi a primeira localidade visitada pela comitiva, que além de Marcelo Caetano, integrava o ministro das Obras Públicas, Dias Sanches, e o secretário do Presidente do Conselho, Manuel

Baptista Neves. Seguiu-se Coja, onde se repetiu a «apoteótica recepção». Pampilhosa da Serra foi o destino seguinte, com um cortejo automóvel «constituído por muitas dezenas de veículos, a que se foram juntando outros durante o percurso, pelo que formavam uma fila interminável», descrevia o jornal. Depois da morosa «travessia» da Serra da Aveleira, com «cerca de 40 quilómetros»,

Diário de Coimbra acompanhou a visita de Marcelo Caetano


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Visita de Marcelo Caetano 90 anos com Pampilhosa da Serra

«devido ao perigo da estrada, ladeada por grandes desfiladeiros», onde, em todos os lugares, o Chefe do Governo foi saudado «com entusiasmo», a comitiva chegou a Casal Novo, nos limites entre os concelhos de Arganil e Pampilhosa da Serra. Ali, «no centro da ponte que atravessa o rio, o sr. Prof. Dr. Marcelo Caetano era aguardado por uma grande representação do concelho de Pampilhosa da Serra, tendo à frente o presidente da Câmara Municipal, sr. Joaquim Gavinho, que lhe entregou a chave da vila». O cortejo continuou, em direcção à Barragem de Santa Luzia e «em todos os lugares onde passava se repetiam as manifestações, sempre com o maior entusiasmo de todos». «O sr. Presidente do Conselho agradecia sorridente, beijando as crianças e aceitando-lhes os ramos de flores que lhe ofereciam, desde os mais bonitos aos mais pobres», adiantava o jornal. «À entrada da vila de Pampilhosa da Serra, que se encontrava decorada, o sr. Presidente do Conselho era aguardado por imenso povo e ranchos folclóricos e as manifestações repetiram-se». Marcelo Caetano fez questão de sair da viatura e atravessar a vila a pé, «por entre as maiores aclamações e verdadeira chuva de papelinhos e flores». No «extremo da vila» formou-se um novo cortejo automóvel, desta vez com destino a Pessegueiro de Cima. «Nesta localidade também reinava o maior entusiasmo pela visita do Chefe do Governo. Todo o lugar se encontrava ornamentado e muito povo acorreu ao vasto largo em frente da capelinha. Logo que o cortejo ali chegou foram lançadas muitas girandolas de foguetes e já então ali se encontravam todos os presidentes das câmaras municipais do distrito de Coimbra. As aclamações repetiam-se, agora talvez com maior entusiasmo», refere o Diário de Coimbra. À porta da capela, Marcelo Caetano era aguardado pelo bispo de Coimbra, D. Frei Francisco Rendeiro, que celebrou a missa, assistido pelo rev. padre Sertório Baptista Martins, pároco de Pessegueiro de Cima. «Depois da missa, todos se dirigiram para o lugar, onde, na casa onde nasceu o pai do sr. Presidente do Conselho, foi descerrada a seguinte lápide: “Nesta casa nasceu em 11-10-1863 José MariaAlves Caetano, grande regionalista e amigo desta terra”», refere o repórter. Depois da cerimónia e do almoço, a comitiva continuou viagem, rumo ao

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Casa onde nasceu o pai de Marcelo Caetano, em Pessegueiro

Colmeal, Góis, onde visitou «a casa onde nasceu sua mãe», remata o jornal.

Visita decorre mês e meio após tomada de posse A deslocação de Marcelo Caetano à terra natal dos pais acontece no dia 9 de Novembro de 1968, escasso mês e meio depois de ter tomado posse como Presidente do Conselho (28 de Setembro), a mando do então Presidente da República, Américo Tomás, que, em virtude da debilidade do estado de saúde de António de Oliveira Salazar, o afastou do Governo a 27 de Setembro de 1968. Marcelo José das Neves Caetano fazia, como escreve o Diário de Coimbra, uma “romagem de saudade”. Uma homenagem ao pai, José Maria Alves Caetano, natural de Pessegueiro, e à mãe, Josefa das Neves Alves Caetano, nascida no Colmeal, concelho de Góis. Raízes familiares em Pessegueiro José Maria Alves Caetano nasceu em Pessegueiro, em 1863 e cedo rumou para Lisboa, onde faleceu, em 1946. Considerado um dos pioneiros do regionalismo serrano e «um dos seus mais lídimos e abnegados representantes», tem o seu nome ligado à criação de várias agremiações regionalistas, na década de 30. Destaque especial merece a fundação, a 31 de Janeiro de 1931, da

“Gazeta das Serras”, jornal que dirigiu e «através do qual exerceu uma acção incansável em favor do seu concelho». Marcelo José das Neves Caetano, um dos filhos do seu primeiro casamento, nasceu em Lisboa em 1906 e é considerado «um dos maiores mestres portugueses de Direito», um «grande investigador, historiador e doutrinador». Foi reitor da Universidade de Lisboa e «legou uma obra vasta e profunda de índole jurídica, sendo considerado um dos maiores publicistas do seu tempo, a nível nacional e internacional». Marcelo Caetano começou a sua carreia política nos anos 40, na liderança da Mocidade Portuguesa e foi um dos grandes mentores e obreios da política do Estado Novo, imprimida por António de Oliveira Salazar, a quem sucedeu como Presidente do Conselho, em 1968. Uma nomeação que criou algumas expectativas entre as correntes mais progressistas da União Nacional, que depressa foram goradas, com Marcelo Caetano a ficar isolado, «abandonado tanto pela chamada linha dura, como pelos progressistas do regime». Em 1974, resiste à tentativa de golpe de 16 de Março. Claudica pouco mais de um mês depois. No dia 25 de Abril, cercado no Quartel do Carmo, Marcelo Caetano «rende-se e entrega o poder ao general António Spínola». Exila-se no Brasil, onde morre em 1980. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Lenda da Beira

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“LENDA DA BEIRA”: PRODUTOS GENUÍNOS “MADE IN” PAMPILHOSA DA SERRA 2011 Pomares de medronheiro motivam a criação de uma empresa, em 2011. Um projecto dinamizado por José Martins, que tem o seu enfoque centrado no medronho

N Alambique onde se procede à destilação da polpa fermentada da fruta

ascido em Signo Samo, José Martins rumou cedo, como muitos pampilhosenses, para Lisboa com a família. Vivia-se o êxodo dos anos 80. Mas, à semelhança de muitos milhares de filhos da terra radicados na capital, a família sempre manteve uma ligação forte à terra natal. A casa mantinha-se e os campos também. «Gosto muito da Pampilhosa da Serra e sempre pensei, um dia, fazer alguma coisa aqui», confessa o empresário, ligado ao ramo imobiliário. E foi isso que aconteceu.


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Lenda da Beira 90 anos com Pampilhosa da Serra

Os violentos incêndios de 1998 e de 2005 vieram “dar uma ajuda”, ao deixarem os campos vazios. «O que fazer? Porque não plantação de medronheiro?», recorda o empresário, lembrando que o medronheiro é uma planta autóctone, que sempre cresceu de forma espontânea, cujo fruto sempre foi usado, tradicionalmente, para produzir aguardente. A ideia ganhou forma e, em 2005, arrancaram as primeiras plantações de medronheiro. «Começámos com dois/três hectares». «Agora são 50», terrenos que se estendem entre a localidade de Signo Samo, de onde é originária a família, e a Pampilhosa da Serra, a cerca de oito quilómetros de distância. «É um projecto de coração», assume José Martins, que, pelo facto de trabalhar por conta própria tem alguma disponibilidade e se empenhou em desenvolver e alimentar este sonho. É assim que, em 2011, surge no âmbito de um projecto de apoio aos jovens agricultores, a plantação de mais 25 hectares de medronheiro e a criação da empresa Lenda da Beira. Um nome com um toque de magia, que, explica o empresário, se deve às muitas memórias existente na região sobre a produção de aguardente de medronho. «Toda a gente tem alguém na família que fazia aguardente», conta, o que inspirou o nome “Lenda”. Juntou-lhe a Beira, porque é na Beira que se localiza a Pampilhosa da Serra e resultou o nome “Lenda da Beira – Produtos com História”. Porque também é de história, de um saber ancestral, que se trata. Aprodução e a comercialização de aguardente de medronho arrancou em 2015. À época, a empresa teve de recorrer a terceiros, de molde a garantir o trabalho de destilaria. Um passo definitivamente ultrapassado em 2020, altura em que foi instalada, na Zona Industrial de Pampilhosa da Serra, uma destilaria própria. Um investimento que ultrapassou os 300 mil euros, contou com o apoio do programa Portugal 2020, e se revelou essencial para os objectivos da Lenda da Beira e do empresário. «Temos um produto 100% feito na Pampilhosa da Serra», destaca, apontando as plantações que crescem no concelho, a destilaria em funcionamento, bem como o processo de embalamento, igualmente feito nas instalações da empresa. No ano passado, a Lenda Beira vendeu «parte da produção» de medronho para a indústria, designadamente para a produção

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de pão de medronho». Embora «residual», também vendeu algum produto fresco, para consumo e para compotas ou marmeladas. «Rondou 1% da produção, talvez menos», refere José Martins. O empresário perspectiva que a colheita

desde ano seja «a melhor de sempre». Tudo depende ainda das condições climatéricas, mas estima uma produção na casa das 20 toneladas. «Começamos a produzir com mais alguma escala», reconhece José Martins, que recorda o impacto negativo provocado pelos incêndios de 2017, que «devastaram cerca de 30 hectares de pomar». Uma boa parte, uma vez que se tratava de medronheiros mais velhos, com «mais de 10 anos», conseguiu regenerar e, volvidos três ou quadro anos, retomam a produção. Quanto às árvores mais novas, designadamente as que foram plantadas em 2014 e 2015 e que arderam, não há outra solução que não seja plantar de novo. A ameaça dos fogos, constitui, de resto, um dos problemas com que a empresa tem de «aprender a conviver», considera. A colheita processa-se ao longo de dois meses, entre Outubro e Dezembro. «Os frutos não amadurecem todos ao mesmo tempo», explica José Martins. Um facto que obriga a repetir «entre oito a 10 vezes» a operação de colheita em cada árvore. Um desafio em termos de mão-de-obra, reconhece. Das 20 toneladas, José Martins pensa vender algum medronho fresco e para a indústria e estima produzir «5 mil litros de aguardente de medronho». Para aproveitar o know how instalado na destilaria, a empresa vai juntar à produção de aguardente de medronho e de mel – uma tradição do concelho, que a Lenda da Beira também produz desde 2015 - outro tipo de aguardentes de frutos, designadamente de cereja e de pera, processo que começou este ano. Apesar disso, o empresário, põe a tónica no medronho. «É o nosso forte», afirma. «Um produto 100% produzido na Pampilhosa da Serra», repete, com orgulho.

Pomares de medronheiro

Novos produtos sempre com medronho O medronho representa o “core business” da Lenda da Beira e, além da aguardente, está em fase de preparação um licor de medronho, que deverá começar a ser comercializado em Setembro/Outubro, conta José Martins. Um portfólio que vai ser enriquecido com uma aguardente de medronho envelhecida. Em estudo está a criação de um gin e no horizonte equacionase uma produção vodka, sempre com o medronho como ingrediente. 

Melhorar cultura e processo produtivo A criação de mais pomares não constitui, de momento, a maior preocupação de José Martins. Pretende, isso sim, proceder à selecção das castas e a sua melhoria. Melhorias que pretende, igualmente, implementar ao nível da produção, aperfeiçoando processo de colheita e destilação. «Fazer o melhor do melhor, melhorar os procedimentos», sintetiza. Um desafio para o qual conta com a colaboração de vários parceiros, designadamente da Escola Superior Agrária de Coimbra, do Instituto Politécnico se Beja, da Universidade de Aveiro e do Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro. Os produtos “Lenda da Beira” já chegaram à Alemanha, Bélgica e Espanha, se bem que de uma forma muito residual, «por enquanto», atesta o empresário, confiante que, dentro em breve será possível “dar o salto” e apostar nestes mercados. Uma aposta que, reconhece, tem de começar “cá dentro”, com uma aposta no marketing e promoção da imagem da empresa. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Lenda da Beira

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A produção da aguardente de medronho

José Cortez aponta as cubas de inox, onde é guardada a aguardente de medronho ou o licor. Dali segue para a linha de engarrafamento, quando necessário

A massa de medronho fermenta em dezenas de barricas. Ao lado, em processo semelhante estão as barricas de cereja. «Um processo de fermentação anaeróbica, sem oxigénio», que se prolonga durante três a quatro meses, explica José Cortez, um dos funcionários da empresa Lenda da Beira, que nos guia na visita à empresa. Nas proximidades, Vítor Barata escolhe um novo carregamento, vindo do Fundão. Com cuidado e paciência retira os frutos podres e os píncaros de cada uma das cerejas. É esta massa de medronho, depois de fermentada, que permite fazer a aguardente. Fundamental neste processo é a caldeira, onde se produz «vapor, completamente limpo de odores», que funciona a lenha ou pelets. O vapor, transportado por canos de inox, alimenta as quatro caldeiras do alambique. A fermentação, potenciada pelo calor, liberta o álcool, que sobe para a coluna purificadora, onde se «apuram os aromas». O arrefecimento, provocado por uma serpentina de água fria, permite transformar este vapor em líquido e a aguardente começa a brotar. Há cuidados que é necessário ter nesta operação. «Tira-se a “cabeça”, que não interessa, tem metanol», explica José Cortez,

referindo-se ao primeiro líquido que brota no alambique. «O coração é que interessa», pois a “calda”, a parte final da destilação, também já «tem cheiro a cobre» e, como tal «não interessa». Cada barrica com 80/90 kg de massa, permite produzir «20 a 22 litros de aguardente». «Algumas dão mais», tudo depende do “brix”, ou seja, do teor de açúcar do fruto. Se for mais doce, produz mais, explica. Com cântaros, o líquido é transportado para cubas de inox, onde é posteriormente "acertada” a percentagem de álcool. Na Lenda da Beira, para a aguardente de me-

Rótulo acabado de colocar

dronho, a referência é 45 de volume de álcool. «Há clientes que pedem mais», refere, embora sublinhe que quando mais alcoólica, mais a bebida “queima” e menos se sente o seu sabor. Nas cubas e inox da Lenda da Beira, na Zona Industrial de Pampilhosa da Serra, também se guardam e se produzem licores de medronho e de cereja. Um processo que exige um cuidado acrescido com os frutos frescos. «Têm de estar em perfeitas condições, sem folhas, sem píncaros, sem podres». Junta-se a aguardente e a maceração ideal aponta para um período de seis meses. De vez em quando tem de se misturar, adianta. O fruto é, depois retirado e usado na produção de aguardente. Garante quem sabe que o índice de produção é, aqui, incomparável. Consoante as encomendas, a Lenda da Beira procede ao engarrafamento. Uma máquina própria “puxa”a aguardente para a garrafa, depois de lavada. Com a garrafa cheia, coloca-se a rolha e o rótulo, bem como o respectivo selo fiscal, com a referência ao lote e outros dados. Antes de ser colocada na elegante embalagem de cartão, cada garrafa é minuciosamente vistoriada, no sentido de averiguar se tudo está em conformidade.


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Estação Radioastronómica 90 anos com Pampilhosa da Serra

UMA OBSERVAÇÃO ATENTA DO UNIVERSO

Domingos Barbosa e Miguel Santos junto à primeira antena, instalada em 2011

2008 Desde 2008 que o Observatório Espacial de Porto da Balsa está ao serviço da ciência. Um local estratégico, protegido por muralhas naturais

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em 840 metros. Em redor todos os montes são mais elevados. Um local estratégico, escolhido em 2008, tendo em conta precisamente as muralhas naturais que rodeiam este cume, onde está instalado o Observatório Espacial de Pampilhosa da Serra, no Porto da Balsa. Domingos Barbosa, investigador do Instituto de Telecomunicações de Aveiro, sublinha essa localização verdadeiramente especial, apontando os montes que o rodeiam com altitudes entre os 1000 e os 1.400 metros, no Pico do Cebolo, o ponto mais alto da Serra do Açor. Montes que «protegem dos ventos mais fortes». Uma cordilheira que, ao mesmo tempo, funciona «como “blackout" natural”de protecção à luz», garantindo um céu «muito escuro». Na altura, «não havia eólicas», com as suas torres que, à noite, ficam assinaladas

com uma luz vermelha, adianta. «Não há povoações à volta, excepto a aldeia da Fórnea», uma pequena povoação, que se avista, ao fundo de uma encosta próxima. Um espaço de eleição pois «não há muitas interferências radioeléctricas, o que é muito importante para os telescópios». Longe da “civilização”, a também chamada Estação Radioastronómica fica livre de «interferências eléctricas», que se revelam fundamentais para o funcionamento dos dois radiotelescópios que ali estão instalados. Aprimeira “antena”, de maiores dimensões, foi instalada em 2011 e funciona como radiotelescópio, «que só recebia sinais cósmicos. Recebia radiações de sinais cósmicos, nuvens de gás que pulverizam radiações em micro-ondas», explica Domingos Barbosa. Uma antena com nove metros de diâmetro, que pesa quatro toneladas e que, adianta o investigador, «a partir deste ano vai funcionar como radar, com o objectivo de detectar lixo espacial e satélites até mil quilómetros de altitude». Para tornar isso possível, tendo em conta que «grande parte destes objectos se movem muito rapidamente, a antena teve de ser dotada com

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uma nova monitorização muito rápida, um controlo dessa monitorização muito preciso e o desenvolvimento de um radar que acompanha esse ritmo», explica. A “antena” mais pequena foi instalada em 2019. Tem cinco metros de diâmetro e funciona numa frequência diferente «para captar emissões radio provocadas pelo hidrogénio neutro na via láctea e captar pulsores e planetas como Júpiter, que é muito activo em rádio». Uma antena que, esclarece ainda o investigador do Instituto de Telecomunicações, se pretende seja utilizada num «ambiente mais formativo, por cientistas amadores e em contexto de formação por universidades da rede europeia, nas área da Física e das Ciências Espaciais». O mais recente equipamento do Observatório Espacial de Porto da Balsa é um telescópio do Ministério da Defesa Nacional, instalado no mês passado, que tem como objectivo «mapear satélites e lixo espacial à volta da Terra que, eventualmente, podem colocar em perigo a frota internacional de satélites de comunicação e observação da terra». Uma equipa da empresa Deimos Engenharia, de origem espanhola, especialista no uso de telescópios de sensores ópticos para fazer o rastreamento de objectos no espaço, esteve em Porto da Balsas a montar o equipamento. Miguel Santos, um jovem engenheiro físico do vizinho concelho de Oliveira do Hospital, que acompanhou os trabalhos, dá conta da importância de monitorizar e disciplinar este tráfego espacial, que vai ter de obedecer a uma gestão mais controlada, tendo em conta que cada vez se assiste ao lançamento de um número crescente de satélites, designadamente para garantir uma cobertura global no acesso à internet. Miguel Santos explica que, no âmbito do «rastreamento e vigilância espacial» há duas disciplinas, uma centrada no rastreamento dos objectos, para conhecer melhor a sua órbita e uma segunda – o objectivo do telescópio - que é a descoberta de novos objectos, satélites, lixo não identificado, visando, igualmente, melhorar o conhecimento dos objectos já conhecidos e garantir a sua vigilância. Significa que se trata de monitorizar o que se conhece e descobrir novos objectos. Segundo o jovem engenheiro, nas «órbitas mais elevadas há o perigo de lixo que pode colidir com os satélites operacionais», facto que dita a necessidade de «conhecer melhor esse lixo».


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90 anos com Pampilhosa da Serra Estação Radioastronómica

Telescópio instalado pelo Ministério da Defesa é o equipamento mais recente

O telescópio instalado na Pampilhosa da Serra vai ser controlado à distância a partir do Centro de Operações Espaciais na Terceira (Açores). Há outros dois equipamentos na Madeira e em Santa Maria (Açores). «Dois são para vigilância e dois para rastreamento», explica Miguel Santos. O telescópio instalado em Porto da Balsa é de «vigilância». Quase parece que estamos num filme de ficção científica, mas para Miguel Santos isto é perfeitamente comum. Exemplifica com o facto de, recentemente, no Centro de Operações Espaciais da Terceira ter acompanhado o percurso de um foguetão chinês, descontrolado, no regresso à Terra. Um “objecto”com 18 toneladas, que acabou por cair perto das Maldivas. Mas não vale a pena ninguém ficar assustado, pois a maioria dos objectos pequenos, ao entrarem na órbita da Terra, desintegram-se. Por outro lado, adianta, a possibilidade de qualquer queda acontecer numa zona habitada é muito reduzida, tendo em conta que uma parte muito significativa do planeta é coberta com água. 

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Avançar com a observação do Sol Domingos Barbosa, do Instituto de Telecomunicações, avança, por seu turno, com mais uma novidade: A Estação de Porto da Balsa vai receber mais equipamento. Trata-se, explica, de um projecto da Universidade do Porto, dedicado à observação do Sol. «O objectivo é conseguir ter capacidade de monitorização do espaço próximo da Terra», esclarece sublinhando tratar-se de «um projecto de meteorologia espacial, que vai avançar para o ano». O investigador faz questão de destacar a colaboração sempre pronta da Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra com o Observatório Espacial, e agradece a «gentileza» da família Valle, de Arganil, que cedeu o usufruto desta terra para fins científicos». 


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Minas da Panasqueira 90 anos com Pampilhosa da Serra

José Batista Marcelino reconhece que a vida de mineiro tem algum risco, mas a regra número um é “nunca facilitar”

UMA VIDA A TRABALHAR DEBAIXO DA TERRA 1975 José Batista Marcelino tinha 25 anos e entrava ao serviço das Minas da Panasqueira. Um entre muitas centenas de jovens da freguesia de Unhaiso-Velho e de todo o concelho de Pampilhosa da Serra. Foram 33 anos como mineiro

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uma profissão como outra qualquer, mas nem todas as pessoas se habituam a trabalhar a 200/300 metros de profundidade. Conheci homens que, no primeiro dia, desataram a chorar e foram-se embora». Palavras de José Batista Marcelino, antigo trabalhador das Minas da Panasqueira.

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Começou aos 25 anos e durante 33 anos teve na mina o seu ganha-pão. «É uma profissão de risco», reconhece, mas logo adianta: «há outras igualmente arriscadas». O também presidente da Junta de Freguesia de Unhais-o-Velho reconhece, todavia, que nem toda a gente tem perfil para este trabalho. «É um trabalho duro, que não é para toda a gente», sobretudo se existirem problemas de claustrofobia. Fundamental é «não facilitar», «haver cuidado» e «cumprir as regras». «Todos nós temos tendência para facilitar e isso não pode acontecer, seja dentro da mina, seja fora. Se se cumprirem todos os requisitos, as minas são seguras», garante, elogiando a preocupação que desde sempre as diferentes empresas responsáveis pela exploração tiveram neste domínio. «Hoje, na construção civil morre mais gente do que nas Minas da Panasqueira», adianta. Acidentes? Claro que houve! «Até mortes». Lembra-se, enquanto capataz geral da mina, de «uma pedra que desabou do tecto e esmagou uma pessoa». Aconteceu precisamente um dia depois de José Marcelino ter sido operado a uma hérnia em Oliveira do Hospital. Recorda outro acidente, com um trabalhador que «calculou mal as medidas» e «foi esmagado por um vagão de seis toneladas». Em termos pessoais, recorda um único acidente. O piso onde se encontrava abateu e foi parar ao piso imediatamente baixo, mantendo-se de pé, à semelhança de mais duas ou três pessoas que estavam consigo. Os acidentes acontecem, apesar de «os encarregados da segurança irem todos os dias à mina», de molde a garantir que tudo estava em conformidade. No início da sua actividade, «os equipamentos não eram por aí além, mas depois, todos os trabalhadores tinham equipamento de protecção, fatos-macaco, botas de protecção, viseiras, e máscaras. Estas últimas essenciais para evitar a silicose, a chamada doença dos mineiros, que afecta os pulmões. «Há muitas viúvas nesta zona, por causa da silicose», refere. José Marcelino nunca padeceu da doença e acredita que uma boa alimentação é fundamental para criar defesas. Foi isso que sempre fez. Levava a refeição e, antes de entrar na mina, «comia metade». A outra metade era consumida à hora de almoço, dentro da mina. «Sempre me alimentarei bem», afirma, lembrando os feijões com couve e carne


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que comeu muitas vezes. «Vi muitas pessoas que apenas levavam pão e queijo e a sua vida foi curta. Alimentavam-se mal», faz notar. À semelhança de muitos jovens do concelho de Pampilhosa da Serra, José Marcelino viu na mina uma oportunidade de trabalho e também de ficar na terra, evitando uma migração mais do que certa para outras paragens, no país ou além fronteiras. Durante 33 anos, fez «um pouco de tudo» e passou por várias profissões. Uma delas foi “marteleiro”. Trata-se de trabalhar com o martelo pneumático e fazer os furos, necessários para «carregar os explosivos e fazer os rebentamentos». «Ultimamente já não havia martelos pneumáticos a ar comprimido», equipamento que foi substituído por uma maquinaria altamente eficaz, os chamados “Jumbos”, que «custavam 40, 50, 60 mil euros». Trabalhou, também, como “guincheiro”, com um guincho, com cabo de aço e uma “arrastadeira” no extremo, que «arrastava para uma “chaminé”» todo o material resultante da explosão, provocada pelo re-

bentamento. «Chaminés, algumas com 90 metros», recorda, através das quais toda essa mistura bruta, de minério e escombros, era levada para o exterior, através de uma correia transportadora, e canalizada para a “lavaria”, a zona onde o volfrâmio era depurado, bem como a cacitrite e o cobre. «Este é um dos melhores volfrâmios do mundo», diz, com notório orgulho, o antigo mineiro. As Minas da Panasqueira, sublinha, «são exploradas há 127 anos e continuam, por tempo indeterminado». José Marcelino também trabalhou como “saneador”. «Uma profissão de algum risco», assume, explicando em que consistia esse trabalho. Nada mais nada menos que “sanear” o tecto. Ou seja, «deitar abaixo as pedras do tecto», evitando qualquer queda posterior e garantindo a segurança de quem ficava a trabalhar na mina. Durante quase uma década, José Marcelino foi capataz geral das Minas da Panasqueira e assistiu a uma mudança radical no seu funcionamento, com uma grande aposta na tecnologia. Ainda se lembra de ali trabalharem mil e tal, dois mil colabo-

“Garimpeiros” por conta própria O fenómeno é comum nas explorações mineiras e a Panasqueira não é excepção. São os “garimpeiros”por conta própria., o “salta e pilha”. Um trabalho feito sobretudo por mulheres, esclarece José Marcelino, para obterem um rendimento extra. «Cavavam a terra à procura de volfrâmio». Com a ajuda de bacias de alumínio lavavam o material recolhido num riacho e conseguiam obter alguns pedras, que vendiam no “mercado negro”. «Havia muita gente a comprar, sobretudo estrangeiros», esclarece. 150, 200, 300 escudos faziam a diferença no orçamento familiar. O “salta e pilha” era praticado sobretudo no Vale das Ermidas e no Vale das Freiras, na zona da Covilhã. «Se encontrassem um bom filão, não era preciso andar ali o dia todo. Uma ou

duas horas bastavam para ganhar o dia», explica o antigo capataz. Uma operação que a chuva facilitava. «Quando chovia, o volfrâmio tornava-se mais visível, ficava a brilhar», apesar de estes exploradores serem exímios conhecedores. «É uma pedra preta, com uma cor diferente e muito pesada, com o dobro ou o triplo do peso de uma pedra normal», explica. Claro está que a mina tinha guardas, que garantiam a vigilância destas zonas para evitar o “salta e pilha”. Mas estavam particularmente atentos a quem saía da mina. «Todo o pessoal era revistado», não fosse alguém “esquecer-se”e colocar uma pedra no saco da merenda, nos bolsos, no capacete ou dentro das botas. «Aconteceu e alguns forma despedidos», garante o antigo capataz geral. 

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radores. «A empresa foi-se modernizando» e as máquinas substituíram o homem. Refere operações em que eram necessários 25 a 30 trabalhadores e que, com a nova maquinaria, «bastavam cinco homens» para «fazer o mesmo serviço». Quando se reformou, em 2004/5, o número de trabalhadores pouco ultrapassava os 250, praticamente o mesmo dos dias de hoje. «Mas continuava com o mesmo nível de exploração, talvez até mais», afirma. Exploração que, esclarece, também «depende dos filões. Há filões mais ricos e filões menos ricos». A mina é quem manda. 

José Marcelino assistiu à modernização crescente da exploração mineira, onde chegaram a trabalhar cerca de dois mil homens e hoje são pouco mais de centena e meia


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Minas da Panasqueira 90 anos com Pampilhosa da Serra

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José Marcelino recorda que as minas foram, durante muitos anos, a alternativa praticamente única para quem não emigrava

O ganha-pão de muitas famílias durante décadas Particularmente as freguesias de Unhais-o-Velho e Dornelas do Zêzere, mas também Janeiro de Baixo e Vidual, foram tradicionalmente grandes fornecedores de mão-de-obra para as Minas da Panasqueira. «Sempre houve muita gente desta zona a trabalhar nas Minas», esclarece o autarca local. A proximidade era a razão principal, conjugada, claro está, com a inexistência de outras alternativas. José Marcelino lembra os seus primeiros tempos como mineiro. «Ia a pé. Saía às 4h00 para chegar às 6h00. Muitas vezes com neve até aos joelhos». Eram 12 quilómetros, feitos de madrugada, todos os dias, por muitas dezenas de homens. Cada um levava o seu saquito com a merenda. «Tínhamos 30 minutos para a refeição, dentro da mina». Às 15h00 terminava o turno e era o regresso a casa. «Muitos ainda cultivavam as suas terras, batatas, cebolas, couves, para ajudar no sustento da família», adianta.«Só começámos a ir de carro para a mina a partir de 1981. Juntavam-se cinco, seis ou sete e iam todos numa carrinha». Mais tarde, já com melhores condições de vida, muitos compraram carro e passaram a ir em viatura própria.

Diferente era a vida dos mineiros que vinham de longe. José Marcelino recorda a multidão proveniente da «Beira Alta», designadamente de Oliveira do Hospital, Carvalhal da Loiça, Nelas, entre outras localidades. «Um autocarro ia buscá-los e ficavam toda a semana, às vezes durante 15 dias sem irem a casa». Uma população não residente que deu origem à comunidade mineira e que levou a empresa a construir dormitórios, balneários e cantina. «Tínhamos condições que, ao tempo, nenhuma outra empresa tinha», garante o antigo mineiro, que fez ali grandes amigos e mantém excelências memórias desses tempos. As minas funcionavam 24 sobre 24 horas, por turnos, entre as 7h00 e as 15h00, das 15h00 às 23h00 e das 23h00 às 7h00. «Cada turno tinha o seu serviço destinado», esclarece, e exemplifica com o facto de a perfuração, com os “Jumbos”, ser a primeira tarefa, à qual se seguia, por outra equipa, o rebentamento com explosivos, o que era feito no terceiro turno, «quando pouca gente estava na mina». Depois era necessário deixar “assentar a poeira” e tudo era regado, com água, para evitar o mais pos-

sível a silicose «Nos anos 60, muito gente saiu da mina e foi para o estrangeiro», sobretudo para França e para a Suíça. Mas durante décadas as Minas da Panasqueira «foram o ganha-pão de muitas famílias» da Pampilhosa da Serra, «particularmente nos anos 70, 80 e princípios dos anos 90». Em 1994, as minas chegaram encerrar. «O volfrâmio caiu a pique e ficámos apenas com 27 trabalhadores. Tivermos que ir trabalhar para Neves Corvo», recorda José Marcelino. Todavia, um ano depois, em 1995, as Minas da Panasqueira reabriam e «têm-se aguentado». «O mercado é que dita tudo», afirma o antigo capataz geral, recordando os tempos difíceis que muito mineiros e respectivas famílias passaram devido à quebra do mercado, registada em grande parte devido à “inundação” provocada por volfrâmio vindo da China, onde a exploração é muito mais simples, feita a céu aberto. Hoje em dia são substancialmente menos os trabalhadores das Minas da Panasqueira, cuja “boca” sempre foi do lado da Covilhã, mas que tem um conjunto de galerias em território do concelho, na Serra do Chiqueiro. 


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Parte das galerias estão no subsolo da Pampilhosa da Serra, mas a “boca da mina” sempre foi “do outro lado”, na Covilhã

PANASQUEIRA: UM MINA COM HISTÓRIA E COM FUTURO 2021 Por dia são retiradas, actualmente, da mina, 2.500 toneladas de minério bruto. O volfrâmio continua a ser o “ouro negro”, com mais de 80% da produção destinada aos EUA

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laborar há mais de um século, as Minas da Panasqueira continuam hoje a ser uma referência nacional e internacional. «Se não é a maior da Europa, é a segunda maior, em termos de produção de concentrado de volfrâmio», afirma António Corrêa de Sá, administrador executivo da empresa. Orgulhoso, destaca a qualidade superior da produção das Minas da Panasqueira, facto que lhe garante um «prémio especial», em termos de pagamento do metal. Hoje, as minas são diferentes.Atecnologia impera, garantindo uma margem elevada de segurança, sobretudo dentro da mina. Um dado que também tem reflexos directos no números de trabalhadores. Longe vão os tempos em que eram milhares de

trabalhadores da mina. Agora são cerca de 250. Um número que, de acordo com o administrador executivo, envolve quer os trabalhadores da mina propriamente dia, quer os funcionários da “lavaria” e também do sector administrativo. Um número que contrasta com os elevados níveis de produção e que atesta do peso que a tecnologia assume na exploração mineira da actualidade. De acordo com António Corrêa de Sá, a produção média é de 80 toneladas/mês de concentrado de volfrâmio, o metal que historicamente deu valor às Minas da Panasqueira e as transformou numa referência nacional e internacional. Há ainda, destaca o administrador, os «sub-produtos», mais residuais, que, basicamente, resultam da “limpeza” do volfrâmio, mas que atingem valores que não são de descurar. «10 toneladas de estanho por mês e 8 toneladas de concentrado de cobre». “Sub-produtos” que, reconhece o administrador executivo, dão um contributo com algum relevo para a sustentabilidade da exploração.

Por dia, esclarece o administrador executivo, são retiradas da mina, em média «2.500 toneladas de minério bruto», que é transportado para a “lavaria”, onde se procede à limpeza do minério e à sua divisão O “grosso” dos trabalhadores, ou seja, 70%, continua a trabalhar debaixo do solo, na mina. A “lavaria” - designação dada ao processo de lavagem/limpeza do minério - é, actualmente, «muito sofisticada» e está «muito modernizada». Significa que só ali trabalham «oito pessoas», que garantem o funcionamento de três turnos, em regime de laboração continua. António Corrêa de Sá destaca o investimento que a empresa fez nesta unidade de tratamento do minério, «que só utiliza a gravidade». Significa que não há recurso a reagentes» e, como tal, «não há produção de químicos», o que atesta uma preocupação crescente em termos ambientais. Independentemente disso, todos os resíduos são colocados numa «barragem», um «depósito», devidamente impermeabilizado que, quando cheio, «é tapado». Relativamente à água, seja a que é


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Minas da Panasqueira 90 anos com Pampilhosa da Serra

utilizada na mina, seja na “lavaria”, é toda canalizada para uma estação de tratamento e só depois é descarregada no rio. «Há 10 anos que não temos qualquer contaminação do rio», assegura. O investimento na segurança tem sido outra das preocupações da administração da empresa, pertencente à multinacional canadiana Beralt Tin and Wolfram Portugal, e com resultados positivos. «A mina, hoje em dia, é muito segura», garante o administrador executivo. No ano passado as Minas da Panasqueira atingiram o recorde de dias sem acidentes: 305 dias, refere, com satisfação. Este ano, quando falámos com o administrador, já se contavam 100 dias consecutivos sem acidentes. De notar que, acidentes não significam tragédias, antes e sim, incidentes que, por diversas ordens de razões, ditam «incapacidade para trabalhar», ou seja, impedem que o trabalhador esteja ao serviço. A produção de volfrâmio destina-se em grande parte para os Estado Unidos da América. «80 a 85% da produção», refere António Corrêa de Sá, apontando uma empresa americana com a quem a Beralt tem um contrato. Os restantes 15% «destinam-se à Europa». No ano passado, recorda o responsável, esses 15% tinham o Japão como destino, mas uma proposta melhor, em termos de negócio, direccionou a venda para a Europa. Quanto ao estanho, 100% da produção destina-se à Tailândia e o cobre extraído na Panasqueira é remetido para as Minas de Aljustrel. De acordo com o administrador executivo, actualmente a exploração mineira centra-se numa área com cerca de 15 mil metros quadrados, dividida por três níveis. E o futuro está garantido. «Temos reserva, no mínimo, para 10 anos», afirma, e aponta para uma reserva de «14 milhões de toneladas». António Corrêa de Sá sublinha, de resto, a preocupação que tem existido em, a par da exploração propriamente dita, garantir todo um trabalho de «pesquisa e investigação», de molde a assegurar o futuro da mina, cuja exploração começou há 127 anos. Matéria-prima existe, mas quem dita as “regras do jogo” é, como sempre foi, o mercado. Apesar das flutuações de preço, que neste momento não está na “melhor forma”, refere, há um dado que representa uma mais-valia para as Minas da Panasqueira, sobretudo para volfrâmio, com a sua elevada pureza, desde sempre reco-

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Tecnologia tem representado uma das grandes apostas, sobretudo nos últimos anos

Média de produção das Minas é de 80 toneladas de concentrado de volfrâmio por mês. Ao “ouro negro” juntam-se o estanho e o cobre Minas tiveram o seu apogeu durante a II Guerra, face às muitas solicitações da indústria de armamento

nhecida e valorizada no mercado. António Corrêa de Sá é manifestamente um apaixonado pelas Minas da Panasqueira, onde começou a trabalhar nos anos 80 do século passado. Esteve fora, no Brasil e emAngola, e regressou em 2006. «Sempre gostei muito da Panasqueira», assume. E recorda o eng. Cláudio Reis, que foi director das minas e dizia que “quem bebia a água do Bodelhão (a ribeira que ali passa) ficava conquistado pelas minas”. «É uma mina que marca as pessoas», considera. «Havia uma comunidade mineira, que vivia ali» e que deu origem a uma vivência especial, criou um sentimento de pertença. «Hoje não se criam comunidade mineiras», adianta. A Panasqueira mantém viva essa memória e continua a ser um dos baluartes de referência da exploração de volfrâmio. Um concentrado com grande pureza e qualidade reconhecida. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Acessibilidades

A DOENÇA CRÓNICA DAS ACESSIBILIDADES

Em 2018 Câmara e Infraestruturas de Portugal acordam requalificação do acesso ao IC8

2021 Espera-se que em breve possa ser lançado o concurso para beneficiação da EN 334, que irá permitir um acesso mais fácil, rápido e directo ao IC8

U

m concelho há, no Alto Distrito, que viveu isolado do país durante muito anos e até há pouco ainda não tinha uma única estrada». Era esta a realidade que o Diário de Coimbra constatava, na edição de 10 de Janeiro de 1933. Antes, a 8 de Dezembro de 1932, dava conta das reclamações dos «povos» de Cabril, Fajão, Vidual, Janeiro de Baixo, Dornelas e Unhais-o-Velho, «muito afastados da sede» do concelho, onde existia o único médico. «As povoações são bastante distanciadas, os caminhos são escabrosos e alguns quasi intransitáveis na quadra invernosa que atravessamos», adiantava. 89 anos depois, muita coisa mudou, mas acessibilidades continuam a ser um problema. Isso mesmo sublinha o presidente da Câmara Municipal, que tem feito desta questão um verdadeiro “cavalo de batalha”. «Não tem havido um planeamento para que o país se desenvolva harmonicamente» e, decorrente disso, «amontoaram-se estruturas rodoviárias e viárias no litoral e deixou-se o interior ao abandono», considera José Brito Dias. O resultado é «uma dificuldade muito grande em atrair investimento, em criar postos de trabalho que possam travar a desertificação», constata.

Para José Brito Dias, esta centralidade e esta falta de planeamento são responsáveis por duas ordens de problemas. Por um lado, «desertifica-se um território com excelente qualidade de vida e, ao mesmo tempo, promove-se um amontoar de pessoas em algumas cidades, o que torna muito difícil viver aí». No entender do autarca, que há 14 anos lidera os destinos do concelho, não será fácil conseguir reverter a situação, tanto mais que a «União Europeia considera que Portugal tem estradas a mais, quando, na realidade, essas estradas não estão bem distribuídas». Não existiu o «necessário planeamento», atesta, assumindo que este é um problema que sempre preocupou os autarcas, que se têm desdobrado, ao longo de décadas, para «tentar minimizar os efeitos deste abandono». «As pessoas que aqui vivem e investem fazem o triplo do esforço de outros, com melhores acessibilidades», sublinha. Optimista, Brito Dias considera que, apesar de «ser certo que não conseguimos apanhar a “linha da frente”, podemos minimizar estes problemas». E aponta «dois instrumentos financeiros que, até 2030, se houver vontade política» podem representar uma “alavanca”. Por um lado, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o quadro 2030». Por outro, o Plano de Revitalização do Pinhal Interior. O PRR vai «permitir acudir a algumas situações mais prementes», afirma e a Pampilhosa da Serra está con-

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templada com «a melhoria de uma parte da estrada que liga ao IC8 e a Pedrógão Grande». São nove quilómetros da EN 334, que «estão em piores condições». «O concurso vai ser lançado em breve», vaticina. O projecto foi assumido pela Câmara e «está praticamente concluído». Cumprida esta fase, o município «está empenhado em avançar» e «disponível para ajudar» a Infraestruturas de Portugal na segunda fase. Brito Dias acredita que a intervenção vai avançar. «Ficaremos com a ligação ao IC8 bastante melhorada», sublinha.Aprecisar de intervenção está, ainda, a EN 112, de ligação a Castelo Branco. Especialmente no troço da Pampilhosa da Serra «está em péssimas condições», alerta.

Programa pioneiro para o Pinhal Interior Quanto ao Programa de Recuperação do Pinhal Interior (PRPI), Brito Dias recorda que «há muito lutamos por um plano de intervenção para as zonas de baixa densidade», tendo em conta que, «quando as medidas são lançadas não têm efeitos para a coesão, porque o nosso peso é pouco e os “grandes”continuam a ir buscar a maior parte do “bolo”». A dotação orçamental «ainda não está definida, mas será, com certeza, suficiente para desenvolver projectos transversais ao território», « potencialidades que estão sub-aproveitadas», «melhorar a qualidade de vida e contribuir para a criação de postos de trabalho, sobretudo para os jovens», diz. Este programa surge, esclarece, no quadro dos incêndios de 2017 e a intervenção na floresta é essencial. «Toda área que ardeu está praticamente pronta a arder novamente. Não foi feito nada, nomeadamente a criação de um “mosaico” florestal». O turismo é outro sector prioritário , tendo com conta as excelentes condições que o território oferece. A pandemia, sublinha, permitiu que «as pessoas percebessem que temos excelentes condições para estar bem e em segurança e muita coisa pode ser feita nesta área», refere. O confinamento motivou uma «mudança de atitude» por parte de algumas pessoas que, beneficiando do facto de «termos fibra óptica em praticamente todas as povoações, perceberam que podem trabalhar aqui, praticamente como se estivessem em Lisboa. Alguns já o fazem e será uma aposta cada vez maior e que valoriza o território», conclui. 


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Associação Empresarial 90 anos com Pampilhosa da Serra

Diário de Coimbra

URGE UM “PACOTE” DE MEDIDAS DESTINADAS A ESTE TERRITÓRIO 2010 Em Dezembro de 2010 assistia-se à constituição da Associação Empresarial de Pampilhosa da Serra. Um voz activa na defesa do território

Zona Industrial da Pampilhoa da Serra

J

oão dos Santos Alves, presidente daAssociação Empresarial de Pampilhosa da Serra, entende que é necessário implementar medidas, de forma a atrair mais investimento para a Pampilhosa da Serra, criar emprego e riqueza e, desta forma, combater o êxodo populacional e a crescente desertificação do território. Todavia, adverte, «não podem ser medidas isoladas», antes «um conjunto de medidas pensadas para este território». A Pampilhosa da Serra, sublinha, «tem características completamente ímpares, não é comparável». E para quem tenha dúvidas, lembra que o concelho tem um dos territórios mais extensos, com 396 km2 e um universo populacional na casa dos quatro mil habitantes. «Não chegamos a ter 10 pessoas por km2», faz notar, reiterando que «não há uma medida única que possa resolver este problema». Consciente que não há milagres, João Alves deixa algumas sugestões, que em seu entender, devem balizar o futuro. «Tudo tem de ser pensado em redor da floresta. Era a grande riqueza no passado», lembra, lamentando que os violentos incêndios tenham devastado uma grande parte deste património. «Associado à floresta, tem de estar o turismo de natureza», adianta, en-

fatizando o grande potencial do território a este nível. Para o presidente da Associação Empresarial da Pampilhosa da Serra, falta o “click”. «Os nossos governantes têm que, um dia, parar, olhar para o território e dizer: “é hoje!”», diz ainda. «Pensámos que isso poderia ter acontecido em 2017, depois dos grandes incêndios, mas infelizmente não aconteceu», lamenta João Alves. AAssociação Empresarial de Pampilhosa

João Alves, presidente da direcção

da Serra aderiu em Maio passado ao Conselho Empresarial da Região Centro (CERC), organismo que congrega um conjunto de associações concelhias e que tem vindo a ganhar uma crescente notoriedade. «Aunião faz a força! Só temos a ganhar», afirma o empresário, ligado ao sector da contabilidade, que lembra que desde os tempos da Associação Comercial e Industrial, Coimbra não tem tido uma representação, uma voz, que se erga em nome dos empresários. Um hiato que o CERC veio preencher, ao mesmo tempo que promove a união entre os empresários dos diferentes concelhos. «O que queremos é o bem dos empresários da região Centro», atesta, dando conta que os problemas que afectam o tecido empresarial não são diferentes na Lousã, na Pampilhosa da Serra ou em Coimbra. AAssociação Empresarial de Pampilhosa da Serra foi criada em Dezembro de 2010, tendo como objectivo «defender, promover e incentivar os empresários desta região a uma melhor organização e maior sucesso das suas empresas». Um projecto associativo que pretende «contribuir para a dignificação do tecido empresarial do concelho», designadamente através da promoção de «parcerias», com outras associações e entidades. Adinamização do comércio local, «atraindo o consumidor» e «aproximando os comerciantes» constitui uma das áreas que merece especial atenção. Dar apoio jurídico e ao tratamento de documentação designadamente na elaboração de candidaturas a medidas de financiamento, por um lado, e, por outro, proporcionar formação profissional nas mais diversas áreas, apostando numa cada vez mais na qualificação dos recursos humanos são as respostas que a Associação Empresarial disponibiliza aos empresários do concelho. O objectivo é, cada vez mais, assumir-se como um «instrumento fundamental no apoio e afirmação dos empresários», contribuindo para a sua «dinâmica e sustentabilidade» e para «o progresso da região», remata o presidente da direcção. 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Janeiro de Baixo

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Praia fluvial, com o seu imenso areal, constitui uma das grandes atracções de Janeiro de Baixo

O FASCÍNIO DO ZÊZERE 2005 Assistia-se à criação da Rede das Aldeias do Xisto. Janeiro de Baixo integrou o primeiro “round” desta marca… o que fez toda a diferença

A

ninhada no sopé da encosta, entre o verde da floresta e o cinza pesado dos penhascos, a aldeia espreguiça-se para o rio. Ponto de paragem e porto de passagem. Hoje, uma praia que se estende, imensa, pela margem do Zêzere. «É a melhor praia da região Centro», afirma, sem falsas modéstias, o presidente da Junta de Freguesia. «Parece o mar, só que a água não é salgada», adianta, entusiasmado, José de Jesus Martins. E no Verão, com o grande movimento, «até me dizem que parece a Praia de Carcavelos», brinca. Profundo conhecedor da freguesia, onde nasceu e a cuja gestão está ligado desde Abril de 1974, José Martins não tem dúvidas que a integração de Janeiro de Baixo na Rede das Aldeias do Xisto representou um salto importante para a afirmação da localidade e de toda a freguesia. Um passo essencial que foi dado em 2005, com Janeiro de Baixo – juntamente com Fajão - a integrarem a primeira fase desta rede. «Foi colocar Janeiro de Baixo no mapa nacional e

internacional», afirma o autarca, para quem este “prémio” trouxe consigo um «desenvolvimento turístico muito grande». «As pessoas gostam de visitar a aldeia» e de ver um conjunto de casas, que crescem no centro da aldeia, construídas em xisto, algumas datadas de 1908, que justificam esta integração. Um processo que foi moroso, recorda. «Andaram aí uns fotógrafos, a avaliar as casas», diz, sublinhando que «60 a 70% das casas da aldeia são construídas em xisto». Muitas têm vindo a ser recuperadas, mas ainda há muito trabalho a fazer nesse sentido, reconhece o autarca, que destaca, também, um conjunto de novas construções, feitas em xisto, que têm surgido na povoação. Se 2005 foi uma data histórica para Janeiro de Baixo, com a integração na Rede das Aldeias do Xisto, também representou uma virar de página em vários domínios. Isto porque data dessa época a criação da praia fluvial, muito embora desde sempre a população mantivesse uma relação de

grande proximidade com o rio e transformasse aquele espaço numa verdadeira zona balnear. Todavia, é depois de 2005 que a praia começa a merecer uma atenção especial, designadamente com a atribuição de bandeiras que atestam a sua qualidade. Orgulhoso, José Martins assegura que esta é a única praia do Zêzere que tem areia, facto que, além de lhe conferir uma beleza acrescida, a torna «muito mais confortável». Inicialmente, era uma areia mais “grosseira”, mas «começámos a aperfeiçoar-nos» e, «todos os anos gastamos muito dinheiro a arranjar esta praia». O resultado compensa. Não só porque é imensa a massa de água fresca e límpida do Zêzere, como o areal se estende, criando uma zona balnear de excelência, galardoada com as bandeirasAzul, de Praia Acessível e de Ouro. Esta última é «muito especial», reconhece, atribuída consecutivamente nos últimos três anos. Mas a praia não “nasceu sozinha. O município empenhou-se na criação, ali, paredes-meias, de um parque de campismo, que tem como jóia da coroa quatro bun-


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Janeiro de Baixo 90 anos com Pampilhosa da Serra

Diário de Coimbra

Uma ponte nos penedos da Garganta do Zêzere

1  Centro da po-

voação apresenta um conjunto significativo de construções em xisto

José Martins,

presidente da Junta de Freguesia de Janeiro de Baixo

2 galows, que «estão praticamente sempre ocupados». E porque «já são poucos», há um projecto para construir mais, que inclui também uma piscina. Infraestruturas que o autarca considera muito importantes para o turismo, tendo em conta as «muitas centenas de pessoas que visitam a aldeia» e demandam a sua praia. «Se Deus Nosso Senhor quiser, tudo vai avançar», afirma, confiante, José Martins. O bar de apoio ao parque de campismo e à praia fluvial, construído em madeira, representa outra âncora de excelência. No lado oposto, o parque de merendas e o campo de jogos, sobranceiros ao rio, são mais um convite ao lazer, um abraço forte à natureza, que mostra também o seu esplendor em coloridos canteiros floridos. Um abraço que tem mais desafios, com os

Praia fluvial merece uma atenção especial da Junta de Freguesia, que todos os anos faz um investimento de vulto para manter o extenso areal Parque de Campismo vai sofrer obras, com a construção de mais bungalows e instalação de uma piscina

Entusiasmado, José de Jesus Martins fala de um projecto que já nasceu há uns anos, mas que espera possa, em breve, avançar definitivamente, e que iria alavancar, definitivamente, o turismo na região. Em causa está a construção de uma ponte pedonal nos penedos da Garganta do Zêzere. «Não é um passadiço», faz notar, mas uma ponte, «com mais de 150 metros de altura». Um projecto para o futuro, com a assinatura do arquitecto Siza Vieira, que representa um investimento superior a 300 mil euros e uma parceria com os vizinhos concelhos de Oleiros e do Fundão. Também no rio, mas com um horizonte mais imediato, está a recuperação de um velho açude, localizado a cerca de um quilómetro da praia, o que permitiria aumentar significativamente todo o espelho de água. Além de estender a praia, esta intervenção poderá criar um outro espaço para desportos aquáticos, designadamente passeios de canoa. «Dá mais potencial à praia», atesta o autarca local. 

caminhos pedestres. Um liga os dois “Janeiros”, de Baixo e de Cima, este do outro lado do rio, no vizinho concelho do Fundão. O outro, serpenteia ao longo do rio. É o Caminho de Xisto de Janeiro de Baixo, com nove quilómetros, que, habitualmente, é palco de um cada vez mais concorrido encontro de amantes das caminhadas, realizado por alturas da Páscoa, com o apelativo convite: Páscoa é em Janeiro. Se a sede de freguesia, com as suas casas de xisto, a igreja de estilo barroco, o tronco de ferrar é o ponto central de uma visita, «todas as aldeias da freguesia - Porto de Vacas, Esteiro, Machalinho, Casal da Lapa, Souto de Brejo, Brejo de Cima, Brejo de Baixo e Safra - são muito bonitas e ainda muito bem povoadas», merecendo igualmente uma vista.



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Fajão 90 anos com Pampilhosa da Serra

Casario estende-se pelo vale e pela encosta, protegido pelos montes e penhascos

FAJÃO TERRA DE CONTOS E LENDAS 1977 Assiste-se à inauguração do Museu Monsenhor Nunes Pereira. Mais uma âncora para alavancar a aldeia como pólo de atracção turística, que a Rede de Aldeias do Xisto consolidou

É

o coração vibrante de um aglomerado de montanhas e penedos. Um terra lendária, de origens remotas, perto da nascente do Ceira, que sempre se cruzou nos caminhos de viajantes e almocreves. Uma aldeia de contos e lendas, com uma identidade própria, singular, que foi sede de concelho e berço de gente notável. Com uma longínqua tradição de bem receber, Fajão representa a essência do xisto, que se apresenta pujante na construção de grande parte das suas habitações, no lajedo que emoldura os caminhos, na obra de Monsenhor Nunes Pereira. Fajão integra a Rede das Aldeias do Xisto desde a sua origem, em 2005. Um registo que terá ajudado a promover o turismo, com toda a certeza. Mas certo é que, já antes, muito antes, Fajão era uma terra amplamente visitada e conhecida. «Fajão sempre teve turismo, espaços de comércio abertos, uma certa actividade que outras

terras não tinham ou foram perdendo», afirma Carlos Simão, presidente da Junta de Freguesia, que justifica essa diferença com «o espírito empreendedor que sempre caracterizou as gentes de Fajão». Gente que «nunca deixou a aldeia “ir-se abaixo” e manteve este espírito aguerrido, de trabalho e de saber receber». A freguesia, sublinha, «sempre soube receber muito bem, à maneira de Fajão». Isso significa que os moradores são «acolhedores», «falam com os visitantes», criam uma relação com quem chega que deixa uma vontade de voltar. Para o autarca local, a rede das Aldeias do Xisto deu «uma ajuda muito grande»,

Carlos Simão, presidente da Junta

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mas a verdade é que, «já antes, Fajão “tinha nome”. Tinha mais turistas que a Pampilhosa da Serra», afirma. As razões desse “nome”, dessa notabilidade longínqua da aldeia – que recebeu carta de Foral em 1233 – perdem-se na memória dos tempos, mas prendem-se, necessariamente, com a existência de uma vida própria, muito sua. «Fajão foi sede de concelho até 1855», recorda Carlos Simão, lembrando a reforma administrativa feita à época, que lhe retirou esse estatuto e incorporou as suas freguesias nos concelhos de Pampilhosa da Serra e de Arganil. O xisto domina as paredes das casas e os caminhos, mas ainda há muitas habitações para recuperar, faz notar Carlos Simão, que recorda o «medo» que, aquando da criação da Rede das Aldeias do Xisto, levou muitas pessoas a retraírem-se e a não recorrerem aos apoios que então existiam. «Tinham, medo, porque nunca ninguém lhes tinha dado nada», refere. Acima de tudo, era o receio de ficarem sem o que era seu. Ao programa acabaram por se candidatar 24 ou 26 habitações e «só foram contempladas 17 ou 18», pois «alguns desistiram». Mais tarde, ao verem que os apoios tinham funcionado, alguns proprietários «já queriam, mas não havia verba», lamenta. «Falta sempre alguma coisa», afirma Carlos Simões, embora esteja globalmente satisfeito com o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na sua freguesia, que considera «minimamente apetrechada», designadamente para receber os visitantes. «Fajão precisava de um empurrão», considera. E uma das razões prende-se com o facto de ser «uma das poucas freguesias do interior com uma média de idade a rondar os 40 anos». Uma média etária muito jovem, que contrasta com a realidade da maioria das aldeias e que deve merecer uma atenção especial, com o objectivo de manter esta juventude na freguesia. Carlos Simão recorda que, em 2004, quando a escola de Fajão encerrou era frequentada por três ou quatro alunos. «Actualmente, um autocarro vai daqui com 18/20 crianças para a escola», diz. «É necessário criar infraestruturas para estas crianças. Quando acabarem a escola vão fazer o quê?», questiona. Se nada foi feito não tem dúvidas sobre o que vai acontecer: «têm de ir à procura de trabalho». E se em Fajão não tiverem uma resposta, terão de a procurar noutro local, o que significa deixar a freguesia. 


90 anos com Pampilhosa da Serra Fajão

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OJuiz de Fajão e O Pascoal: dois ícones da aldeia

O Juiz de Fajão tem obras feitas no local por Monsenhor

Figuras lendárias do imaginário colectivo das gentes da aldeia, o Juiz de Fajão e o Pascoal, seu braço direito, são as figuras de proa de “Os Contos de Fajão”, uma obra com a assinatura de Monsenhor Nunes Pereira, mas também os nomes de dois espaços de referência da aldeia. Em 1991/92, assiste-se à criação do restaurante O Juiz de Fajão. Um processo que, recorda Carlos Simão, é simultâneo à entrada em funcionamento da residencial A Cadeia, erguida no espaço da antiga Casa da Câmara, que também foi, no passado, Tribunal. A mãe de Carlos Simão, Maria de Fátima da Silva Antunes, actualmente com 81 anos, será uma das principais responsáveis pelo sucesso deste espaço, tradicionalmente conhecido pelo seu bacalhau e pelo cabrito assado. Carlos Simão recorda que é um bacalhau à minhota, feito com azeite e cebolada, no forno, que a mãe começou a confeccionar no “Juiz”, acabando por lhe chamar “Bacalhau à Juiz”. Ainda hoje uma referência. É servido com batata frita às rodelas, generosamente grossas, sem deixarem de ser estaladiças, e acompanhado com hortaliça, sob a forma de umas saborosas migas. Já o cabrito, é assado no forno e servido com batata corada, migas e castanha. «A minha mãe servia o cabrito assado com batata frita aos cubos», recorda, lembrando

Obra de Guilherme Filipe emoldura uma sala de O Pascoal

que a mãe assou e vendeu «muito cabrito». Com a participação em concursos de gastronomia, onde a inovação era um condimento necessário, Carlos Simão – já à frente do restaurante – decidiu fazer algumas alterações no prato, designadamente a batata corada, em vez da frita, e conferindo-lhe um toque muito especial com as castanhas, que continuam, apesar dos incêndios, a ser um produto de referência na freguesia. Quanto às sobremesas, não há que saber. Tigelada e arroz doce são os doces de eleição. Mas as pêras bêbadas, garantimos, são de comer e chorar por mais. Vinho tinto, vinho do Porto, canela e açúcar fazem parte do segredo para estas pêras bêbadas, que exigem pêra rocha para a sua preparação. «Saem muito bem», reconhece o empresário. Carlos Simão “pegou” n’ O Juiz de Fajão em 2001 e esteve à frente do restaurante durante nove anos. Entretanto, comprou um prédio, praticamente ao lado, a pensar em proceder à sua reparação para habitação. Todavia, «com a nova legislação, de 2004, “O Juiz” tinha de levar obras profundas e a casa, com 40 lugares sentados, era pequena», recorda. Uma situação particular que levou o empresário a pensar em transformar o novo edifício não em casa de habitação, mas em restaurante,

aproveitando o espaço significativamente maior. «Tem duas salas», refere. É assim que surge O Pascoal. Um nome que, à semelhança do Juiz, representa uma herança de “Os Contos de Fajão”. «Era o braço direito do Juiz de Fajão», sublinha Carlos Simão. O Juiz de Fajão continua aberto, funcionamento como café e espaço de petiscos, garantindo apoio à Residencial A Cadeira, relativamente aos pequenos-almoços. Continua na família, gerido por Duarte, um sobrinho de Carlos Simão, que também está à frente da residencial. O Pascoal é o restaurante de serviço, onde se continua a confeccionar o célebre bacalhau à juiz e o cabrito assado. Carlos Simões é o criador e timoneiro do projecto. Duas indiscutíveis marcas de Fajão e dos artistas da terra. Nas paredes do Juiz mantêm-se as gravuras, feitas no local, por Monsenhor Nunes Pereira. Na sala do 1.º andar de “O Pascoal está uma emblemática obra de um outro artista, Guilherme Filipe, igualmente originário da freguesia. «Comprei um quadro à família, a uma irmã», recorda, satisfeito com esta “ceia” que, suspeita, terá dados alguns problemas ao seu autor, pois ao mesmo tempo que apresenta um casal a banquetear-se, mostra um grupo de mendigos à janela, a olhar, famintos, para o restaurante. 


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Fajão/Monsenhor Nunes Pereira 90 anos com Pampilhosa da Serra Diário de Coimbra

LEVAR LONGE O NOME DE FAJÃO 1906-2001 Monsenhor Nunes Pereira, mestre da xilogravura, empenhou-se em promover

o nome da sua terra e das suas gentes, os seus valores e as suas tradições

M

onsenhor Nunes Pereira ajudou a levar longe o nome de Fajão, a sua terra natal. «Sem dúvida alguma. Foi um grande homem. Divulgou Fajão nos quatro cantos do mundo, com a sua obra, com o seu feitio, a sua maneira de ser. Era um homem pequeno, mas um homem com “H” muito grande, que sempre manteve uma grande ligação a Fajão», sublinha o presidente da Junta de Freguesia, que se lembra perfeitamente da presença do padre-artista na aldeia. «Vinha todos os anos passar 15 dias, em Agosto. Ficava na residencial e todos os dias almoçava e jantava n’O Juiz de Fajão», o histórico restaurante da aldeia, onde se encontram um conjunto de gravuras de sua autoria, feitas no local. E recorda o hábito, tão característico de Monsenhor Nunes Pereira, de se sentar no seu banco de madeira, com o bloco em punho. Desenhava o que via, sobretudo as pessoas. «Muitas vezes nem nos apercebíamos e só dávamos conta quando ele vinha com a folha e nos entregava a nossa caricatura», recorda. Uma das obras em que se empenhou foi na recuperação dos chamados Contos de Fajão. «Eram lendas que se contavam, antigamente, à lareira», refere Carlos Simão, enaltecendo o trabalho de recolha etnográfica feita por Monsenhor, ao longo de cerca de 20 anos, que deu forma de letra a estes contos, que corriam o risco de se perder. Um espólio editado em livro, “Os Contos de Fajão”, devidamente ilustrados. Um património que o padre legou à Junta de Freguesia. Desconhece-se a origem destes contos, que se presume remontem aos séculos XVII/XVIII, esclarece Cidália Santos, investigadora que está a proceder à inventariação e estudo da obra de Monsenhor Nunes Pereira. O autor dá conta, numa nota prévia à 2.ª edição, da semelhança dos Contos de Fajão com os “Contos de Beckum”, uma cidade alemã que visitou, seja em termos de conteúdo, seja nas ilustrações. São 25 histórias, algumas contendo uma verdadeira lição de moral, apresentada pela voz sábia do juiz de Fajão, de que são exem-

No centro da povoação, ergue-se a Igreja

plo “Ovos cozidos também dão pintos”, “O cheiro do chouriço”, “O juiz de Fajão na Relação do Porto” ou “A égua que pariu um vitelo”. Outros há que destacam a ingenuidade, o desconhecimento, como o conto que nos conta “Como os de Fajão iam à serra todos os dias buscar a manhã”, ou “A sementeira do sal e a caça aos gafanhotos”. Uma quase anedota, verdadeiro prodígio de imaginação, conjugado com um apurado sentido crítico é o conto “O sino e a ponte”. Um dos mais curtos. Escassa meia página de texto. Os de Fajão queriam construir uma ponte, que lhes permitisse atravessar o rio Ceira para a outra margem. Não sabendo «como a haviam de fazer», decidiram «consultar o sino grande da torre da igreja». «Foram dobrar o sino e ele dizia: “Ao longo… ao longo… ao longo”». E assim se fez. «Quando já tinham feito umas poucas de braças, foi o Pascoal pela ponte fora para ver se já se passava. Chegou ao cabo e viu que, afinal, estava na mesma banda do rio». Uma observação “in loco” que levou o “braço direito” do juiz de Fajão a concluir: «isto não está bem. O sino grande enganou-se. Vamos consultar a sineta». E assim se fez, com a sineta a sugerir: «D’ àquém pr’ àlém… d’ àquém pr’ àlém… d’ àquém pr’ àlém». Mãos à obra, a ponte mudou de

rumo e fez-se d’àquém pr’àlém e «já todos puderam passar para a outra banda». Para Cidália Santos, “Os Contos de Fajão” são um exemplo claro da preocupação pela defesa dos costumes e da etnografia da sua terra natal e de todos os locais por onde passou. Mas o seu génio criador não se ficou por aqui. «Transportou para a madeira, para as tábuas, esses contos», adianta. Gravuras que permitem perceber como vivia a comunidade. «Representava de uma forma muito expressiva o tipicismo de Fajão. Era a favor do conforto, mas defendia a traça das casas, com o xisto característico», explica. As tábuas, no total de 24, fazem parte do espólio do artista existente no Seminário de Coimbra. O único conto que não está acompanhado do correspondente desenho é o do “Pascoal de Fajão”, uma figura mítica e cómica dos contos, que “contracena” com o Juiz. As imagens dos Contos de Fajão foram apresentadas em Maio de 1989 e, 30 anos depois, em 2019, foi realizada uma exposição, no Seminário, e a população da Fajão convidada a visitar a mostra, refere a investigadora, que enaltece o rigor do traço do artista, visível no facto de, três décadas depois, os visitantes «conseguirem identificar as casas». 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Fajão/Monsenhor Nunes Pereira

Museu etnográfico dedicado a Monsenhor Nunes Pereira A Junta de Freguesia de Fajão adquiriu uma antiga residência, que recuperou e adaptou, transformando-a no Museu Monsenhor Nunes Pereira. Uma obra inaugurada em Setembro de 1977, que recebia visitas assíduas do patrono, que elegeu este espaço como um local de referência em termos de trabalho. «Fez aqui centenas de obras», refere o presidente da Junta de Freguesia. Muitas dessas obras, desde xilogravuras a aguareles estão expostas no Museu, onde também se encontram as suas primeiras ferramentas, uma herança que recebeu do pai, ainda criança, e que marcaram o seu destino como artista. Além da presença tocante da obra de Monsenhor Nunes Pereira, o Museu é um espaço marcadamente etnográfico, que reúne um conjunto de equipamentos e artigos que testemunham a vivência das po-

pulações locais, grande parte dos quais oferecidos. Atenção especial merece a zona da cozinha, cuja traça foi mantida, que apresenta um curioso fogão a lenha, onde não falta o respectivo “caniço”. Em cima secava-se a castanha e, em baixo, o enchido, esclarece o autarca local No compartimento contíguo, encontra-se o forno, sem condições para funcionar, mas man-

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tendo viva a memória de outros tempos. «Temos muitas ofertas», explica Carlos Simão, que aponta um estranho equipamento, vindo da Holanda e apresentado como uma pioneira máquina de lavar roupa. Todavia, o autarca local está mais convencido de que se trata de uma máquina usada para bater a manteiga, tendo em conta as parecenças com uma que viu num documentário televisivo. Em Setembro de 1998, Museu Monsenhor Nunes Pereira recebeu a visita do então Presidente da República, Jorge Sampaio, que está devidamente documentada no local. Uma figura ilustre entre muitas que demandam aquele espaço de cultura que, antes da pandemia, «recebia muitos visitantes». Recentemente, o espólio museológico recebeu “um jeito”, dado pela equipa de estudiosos da obra de Monsenhor Nunes Pereira associada ao Seminário de Coimbra, entidade com a qual o Museu mantém uma grande proximidade, dando continuidade a uma parceria de vida criada por Monsenhor. 


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Monsenhor Nunes Pereira 90 anos com Pampilhosa da Serra

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A ARTE QUEI ENOBRECE A FÉI

Monsenhor Nunes Pereira imprimiu a sua marca como artista, sendo uma referência ao nível da xilogravura

1906 – 2001 Natural da freguesia de Fajão, monsenhor Nunes Pereira representa a união

perfeita do sacerdote e do artista. Colocou a sua arte ao serviço da fé, mas sem descurar a componente profana

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m Montemor-o-Velho, em Coja, em S. Bartolomeu, nas paróquias para onde foi enviado, mas também na sua casa, na Portela (Coimbra), Monsenhor Nunes Pereira instalava-se e instalava a sua oficina. Consigo, a Igreja e a arte andavam de mãos dadas. A última foi no Seminário de Coimbra. Criada em 1995/6, foi o seu espaço de eleição até à morte, em Junho de 2001. A oficina está lá, assim como algumas das máquinas que usou. Hoje é o Museu Monsenhor Nunes Pereira. Especial atenção merece uma prensa, que adquiriu a José Contente, o mestre que o orientou. «Numa tarde, aprendeu a fazer gravura em metal», afirma Cidália Santos, a investigadora que desde 2017 procede ao estudo e inventariação da obra de Monsenhor Nunes Pereira. «Sempre foi um autodidacta», muito embora mantivesse «contacto com muitos artistas». Um convívio que, aliado à grande capacidade de apreender e ao desejo de experimentar, levou o mestre da xilogravura a testar novos desafios e a deixar uma herança incomensurável, que importa valorizar.

É precisamente esse o objectivo de Cidália Santos. Uma resposta ao desafio lançado pelo reitor do Seminário de Coimbra, padre Nuno Santos, instituição onde Monsenhor Nunes Pereira passou os seus últimos anos de vida e onde se encontra grande parte do acervo do padre-artista. «15 a 20 mil peças», atesta a investigadora. Cidália Santos, licenciada em História de Arte, não conheceu Monsenhor Nunes Pereira e confessa que até receber o desafio do reitor não sabia nada sobre a sua obra, designadamente na área da xilogravura, a vertente artística onde Monsenhor imprimiu a sua marca mais incisiva. Literalmente, começou do zero e o desafio parece não ter fim. «Comecei a pesquisar e a ser constantemente surpreendida com dados novos, com a forma como ele pensava», afirma, exemplificando com a possibilidade de «uma peça ser gravada nas duas faces». A investigadora enaltece a «variedade plástica» da obra do artista, natural da localidade da Mata, freguesia de Fajão, que herdou do pai, António Nunes Pereira, santeiro de profissão, o jeito natural para a

criação artística e as ferramentas que lhe permitiram começar a dar largas a esse génio criador. Além do suporte madeira, base da xilogravura, Monsenhor Nunes Pereira trabalhou em ferro forjado, mosaico (tesselas), vidro colorido e fez gravura em metal. Exímio na arte do desenho, desenhou com pena e a caneta de feltro, fez aguarela, gravações em xisto, trabalhou calhaus rolados e marfim, em medalhística e cerâmica. Cidália Santos destaca o desenho como «ponto de partida» e um registo que «sempre acompanhou» Monsenhor Nunes Pereira. «Tem um traço firme e rápido», «lindíssimo, que encanta», confessa. Um traço simultaneamente delicado e firme, com resultados «extraordinários» em três dos aspectos que, no entender da investigadora, são os «mais difíceis» para qualquer artista: o olhar, que «consegue direccionar», as «feições», que enaltece, e as «mãos», que faz com «uma beleza extraordinária». Tendo por base o inventário já realizado, desde 2017, «é mais ou menos possível delinear o seu percurso artístico», que começou «com o desenho à pena, ainda enquanto



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Monsenhor Nunes Pereira 90 anos com Pampilhosa da Serra

seminarista». Em 1924/25, encontram-se «os seus primeiros desenhos no jornal do Seminário, “Mundo Novo”». Após a ordenação, em 1929, vai para Montemor e «faz muitos desenhos, com pena e a lápis». Começa, posteriormente, a fazer pequenas peças, com calhaus rolados e em madeira. «Quando aparecem as canetas de feltro, os marcadores, cria um espólio imenso e muito interessante», adianta. Na década de 60, começam as viagens pela Europa, designadamente a França, Alemanha, Itália e Holanda. «Já trabalha a gravura a metal e na década de 70 entra em força na xilografia e gravura em madeira», registo que «mantém até ao final da vida». Todavia, também explora outras técnicas, designadamente a monotipia. Antes, na década de 60, estreou-se na arte do vitral. O último que fez data de 2001. «Não viveu para a sua inauguração», refere Cidália Santos. Em causa está o vitral da Igreja de S. José, em Coimbra, «inaugurado no dia 15 de Junho de 2001». Monsenhor Nunes Pereira morreu escassas duas semanas antes, no dia 1 de Junho. «Projectou, viu as provas, mas não assistiu à finalização».

Mestre na arte da xilogravura Guilherme Filipe, «um grande artista», igualmente de Fajão, terá sido uma das figuras que inspirou, juntamente com o pai, Monsenhor Nunes Pereira. Em causa está um «grande pintor», que «não está estudado», refere Cidália Santos, que está convencida que os dois artistas «partilharam saberes e ideias». Guilherme Filipe, mais velho que Nunes Pereira, fez o seu retrato, que se encontra no Museu de Fajão. Relativamente à “descoberta” da xilogravura, Cidália Santos refere que, ao tempo, havia um grande mestre, Manuel Cabanas, de Tavira, que terá dado aulas em Lisboa e com quem Monsenhor «terá tentado ou chegado mesmo a contactar». A investigadora aponta, igualmente, um artista do Norte. Certo é que «em termos de envergadura de obra, o maior acervo é, sem dúvida, o de Monsenhor Nunes Pereira». Bastante complexa, esta técnica exige um artista completo, com tanto à vontade na arte de desenhar como de esculpir. O trabalho começa precisamente pelo desenho do esboço, a lápis, na tábua. Depois, com o apoio da goiva e do formão, o artista “escava” a madeira, retirando o ex-

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Cidália Santos está convencida que Nunes Pereira começou a testar a técnica em peças muito pequenas, uma espécie de carimbos, que posteriormente foi desenvolvendo para peças de maior dimensão.

Artista em plena tarefa criadora

Equipamento que fazia parte da oficina

cesso. Fica o relevo, a zona que recebe tinta. «Através desse relevo faz-se a impressão», esclarece a historiadora. A xilogravura fica em positivo e a impressão em negativo. Nas gravuras, acontece o contrário: a gravação é feita em negativo e a obra fica em positivo. O Adamastor, patente no Museu do Seminário, é um exemplo desse trabalho hercúleo, “feito ao contrário”.

Inventariar a obra para perceber a sua dimensão Só no Seminário de Coimbra «temos 15 a 20 mil peças», afirma Cidália Santos. Peças que englobam desenhos - pena, lápis, feltro, alguns claramente feitos à mesa de um restaurante - gravuras, xilogravuras, estampas, gravuras em madeira, em xisto, trabalhos em calhau rolado, em cerâmica, mosaico, vitral, ferro forjado. «Mas há muito mais». «Há muitas obras em posse de particulares», refere Cidália Santos, sublinhando o facto de muitas pessoas não saberem que se trata de peças feitas por Nunes Pereira. Por isso, em cada exposição temática, a responsável pelo Museu pede a colaboração desses proprietários. O objectivo, esclarece, «é unicamente incluir essas obras no inventário», para «perceber a dimensão da obra» de Monsenhor Nunes Pereira. Uma «obra única, que merece todo o destaque», pela «dimensão», pela «temática», pelos «materiais», refere. «É um grande mestre que continua a surpreender», garante. Além dos diferentes suportes, «a sua obra tem uma dimensão temática imensa», que além a matriz religiosa, «extrapola para o quotidiano, para o profano», onde o exemplo mais icónico são os “Contos de Fajão”. Cidália Santos começou o inventário em finais de Dezembro de 2017 e tem, actualmente, cerca de 2.900 peças inventariadas, «tanto da “casa” (leia-se Seminário de Coimbra), como de instituições e pessoas particulares». Mais de 300 pertencem a pessoas e instituições. «As obras mais interessantes, acredito que estejam em casa de particulares e em igrejas», considera. A investigadora exemplifica com a Jerusalém Celeste, que “descobriu” na Igreja de S. Caetano, em Febres (Cantanhede), quando procurava outras duas peças. Refere, ainda, uma peça «fabulosa», que retrata Florence Nightingale, fundadora da enfermagem moderna, que se encontrava em poder de uma enfermeira reformada, que surgiu no quadro da exposição “Cuidar do outro”, e que a proprietária «acabou por doar ao Seminário». 


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90 anos com Pampilhosa da Serra Monsenhor Nunes Pereira

Exposições temporárias dinamizam museu A oficina instalada no Seminário foi, em 2006, reorganizada, no âmbito da comemoração do centenário do seu nascimento. Ali se encontram as prensas, imagens que ilustram o trabalho artístico de Monsenhor e um conjunto de peças de sua autoria, em cerâmica, madeira, calhau rolado, bem como algumas feitas pelo pai. “O regresso do filho pródigo” é uma das obras mais emblemáticas. Uma obra «inacabada», que data de 2001. «É um pré-anúncio da sua despedida», afirma. «Aqui está plasmada a terra do seu coração, os montes de Fajão, a pastorícia, a casa paterna ou alguma casa que lhe ficou no coração». A obra, que o artista estava a ultimar, ainda tem traços a marcador. «Estava a trabalhar nela quando morreu». «O espaço museológico precisava de ser dinamizado», considera Cidália Santos. Nesse sentido começaram a efectuar-se exposições temporárias dedicadas a diferentes temáticas abordadas pelo artista, visando «dar a conhecer a sua vasta obra». “Natividade” foi o tema da primeira. Seguiram-se-lhe “Caminhos da Cruz”, “Beleza da Mulher”, “Eterno desceu e foi acolhido”, “Regresso às origens” (Contos de Fajão), “Cuidar do Outro!” e “Últimas Ceias”. A responsável pelo Museu reconhece que estas mostras, realizadas nos últimos quatros anos, têm dado um enfoque grande à área da xilogravura, mas existem obras noutros suportes igualmente interessantes e que merecem ser conhecidas. Aexposição “As últimas Ceias”, inaugurada a 31 de Maio que assinala os 20 anos da sua morte, vai ficar patente até Janeiro de 2022. São 12 ceias. «Não foi propositado, aconteceu», diz Cidália Santos, que admite que Monsenhor terá criado cerca de uma centena de últimas ceias. «Tenho 35 inventariadas, mais 30 notas de encomenda, que falta perceber onde estão. Deduzo que sejam 100, ou mais, em vários materiais». Além da madeira, a investigadora aponta uma em ferro forjado, que está na Escola Avelar Brotero, que data da época em que ali deu aulas de Desenho. Há uma em vitral, que se encontra na Igreja de Carnide, Pombal, e uma em cabedal, que Cidália Santos ainda não conhece, mas sabe que

existe pelas notas de encomenda. As 12 ceias são todas diferentes. «É isso que torna esta exposição e estas obras muito interessantes». Em comum está o facto de Cristo estar no centro e com uma auréola cruciforme. Os apóstolos podem ter ou não auréola. Judas Escariotes nunca tem e é apresentado com um saco de moedas na mão. A investigadora chama a atenção para o «traço tenso de Judas», quer em termos fisionómicos, quer de traje. João, o «discípulo amado», está sempre mais próximo de Jesus. Em cada uma das obras a mesa tem um formato diferente: redondo, rectangular (fixado por Leonardo da Vinci) e duas em forma de mundo. Os 12 apóstolos e Cristo são apresentados com trajes diferentes. Comum é a «representação da eucaristia», com Jesus a abençoar o pão e o vinho, mas «sempre de forma diferente». O cálice e o pão são igualmente diferentes em cada uma das 12 obras. Comum é a presença da toalha, «uma espécie de véu que separa a terra do que queremos elevar a Deus». A exposição inclui uma cenografia, com uma mesa posta, onde se encontra um cálice feito por Monsenhor Nunes Pereira, o cesto do pão e a representação da luz. Uma “construção” que constitui um apelo à reflexão sobre o «significado da mesa» como «lugar de reunião, de fraternidade, de comunhão», mas também «lugar de conversão e perdão», um «local privilegiado de encontro, comigo, com os outros, com Deus». «Um lugar de bênção» que leva a pensar «nos que nada têm para comer» e, igualmente, a questionarmos-nos sobre os eventuais «traidores» que se sentam connosco à mesa. 

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Perfil Augusto Nunes Pereira nasceu a 3 de Dezembro de 1906 na localidade de Matas, freguesia de Fajão. Do pai, santeiro de profissão, herdou o jeito para as artes e, aos 9 anos, com a sua morte, «um razoável conjunto de ferramentas» com as quais iniciou a sua aprendizagem. Em 1919, entrou para o Seminário de Coimbra e foi ordenado sacerdote em 1929. Foi pároco em Montemor-oVelho, Coja e em S. Bartolomeu (Coimbra) até se aposentar. Homem de uma grande cultura e grande talento para as artes, dirigiu o Museu de Arte Sacra do Seminário Maior de Coimbra, colaborou no inventário cultural de arte sacra da diocese e no estudo de vários monumentos e foi chefe de redacção do “Correio de Coimbra”. Sócio da Sociedade Nacional de Belas Artes, foi fundador do Movimento Artístico de Coimbra e da Sociedade Cooperativa de Gravadores de Portugal. Expressou o seu génio criativo nos mais diversos suportes e materiais, mas foi na xilogravura que se destacou, sendo considerado o «melhor artista português da época», imprimindo um cunho muito especial aos seus trabalhos. Um artista predestinado, que descreveu um mundo onde «a beleza é irmã gémea da simplicidade». Grande apaixonado pela sua terra natal e pela Serra do Açor, que inspirou grande parte da sua obra, viu o seu trabalho reconhecido com a inauguração, a 13 de Setembro de 1977, do Museu de Fajão, que lhe é dedicado. Em 1986, foi agraciado com a Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra. Em 2006, o município de Pampilhosa da Serra atribuiu o seu nome ao Edifício Multiusos, onde se encontra instalada a biblioteca municipal e outras valências culturais. Em 2019, nas comemorações do feriado municipal, foi agraciado, a título, póstumo, com a Medalha de Mérito Municipal. Monsenhor Nunes Pereira faleceu no dia 1 de Junho de 2001, com 94 anos. 


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Tony Carreira 90 anos com Pampilhosa da Serra

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AS “CANTIGAS DE AMOR” QUE ARRASTAM

Tony Carreira cumpriu o seu “sonho de menino” e canta e encanta com as suas “cantigas de amor”

1963 Na localidade de Armadouro nasce, a 30 de Dezembro de 1963, o maior ícone da música romântica portuguesa: Tony Carreira. Um cantor que conquistou 60 discos de platina, vendeu mais de 4 milhões de discos e continua a fazer sonhar muitos milhares de fãs

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m Março de 1988 realizava-se no Casino Peninsular da Figueira da Foz, o Prémio Nacional da Música. Uma verdadeira festa, transmitida em directo pela televisão, que contou com a participação de oito concorrentes. António Manuel Antunes cantou “Uma noite a teu lado”, uma canção de sua autoria. Foi a sua estreia na televisão nacional. Não venceu. A vitória, “num festival de estreantes”, como referia o Diário de Coimbra, foi para a “conhecida Dora”. Mas este foi um ponto de-

cisivo, de viragem na carreira do cantor da Pampilhosa da Serra, que, nesse mesmo ano, dava início a um projecto profissional ligado à música, com a gravação do seu primeiro single. Para trás, ficava a história de um menino que “sonhava um dia ser cantor”. Para a frente, um caminho para o sucesso que Tony Carreira soube trilhar como ninguém. António Manuel Mateus Antunes nasceu na localidade de Armadouro, no concelho de Pampilhosa da Serra, no dia 30 de Dezembro de 1963. À semelhança do que aconteceu com muitos dos jovens da sua idade, o pai emigrou para França, para trabalhar na construção civil. A mãe seguiu-o. António Manuel ficava, com 6 anos, entregue aos avós. Quatro anos depois, junta-se aos pais. Para trás ficava a “aldeia, perdida na Beira” que o viu na nascer. Pela frente, surgia Paris e a indomável vontade de ser cantor. Um “sonho de menino”, que sonhava

“cantar cantigas de amor”. A banda “Irmãos 5”, que integrava alguns primos e amigos, animava os bailes organizados pela comunidade portuguesa e alimentava este sonho, repartido com o trabalho, numa fábrica de enchidos. Em 1988, depois da sua estreia na televisão nacional, no Casino a Figueira da Foz, António Manuel Antunes adapta o nome artístico de Tony Carreira, por sugestão do seu produtor musical. Um nome que tanto funcionava bem em francês como em português. E começa uma carreira a solo, obstinada, com um cunho muito pessoal, que, a partir dos anos 90 conquistou definitivamente o público. Começava a consagração do cantor romântico, das baladas que tocam o coração, das “cantigas de amor” com que sonhava, em menino. Com mais de duas dezenas de álbuns originais, 60 discos de platina e mais de 4 milhões de discos vendidos, Tony Carreira


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90 anos com Pampilhosa da Serra Tony Carreira

Altruísta e benemérito

MULTIDÕES esgotou repetidamente alguns dos mais carismáticos recintos de espectáculos de todo o mundo, como o Olympia e o Zenith, em Paris, o imponente Emperors Palace na África do Sul, o marcante Queen Elizabeth nos Estados Unidos, a mítica Briston Academy em Londres. Em Portugal ascende ao “top”e afirma-se como o primeiro artista nacional a encher todas as grandes salas do país, como o Pavilhão Atlântico/Altice Arena, o Colisão dos Recreios ou o Campo Pequeno, em Lisboa, o Pavilhão Rosa Mota ou o Coliseu do Porto. Um verdadeiro fenómeno mediático, que tem o seu “segredo” numa relação muito pessoal, única, que Tony Carreira desenvolve com o seu incomensurável clube de fãs. Seguem-no para toda a parte e esperam, no final do espectáculo, horas e horas pelo momento em que têm Tony para si. Um verdadeiro espírito de família, que o cantor alimenta de uma forma extraordinária, chamando cada um dos fãs pelo seu nome e conhecendo de perto a vida pessoal de cada um. Um verdadeiro fenómeno de popularidade, mas também de entrega, de carinho, de partilha e de amizade. Com uma crescente internacionalização, Tony Carreira diversifica e lança, em 2014, nos países francófonos, o seu primeiro álbum em francês, “Nos Fiançailles France/Portugal”, que se saldou num sucesso, galardoado com um disco de platina. Em 2016, lança “Mon Fado”, CD que reflecte o seu orgulho como português. No ano seguinte, o cantor lança dois discos “Sempre Mais”, em português, e “Le Coeur des Femmes”, em francês. Uma produção que contou com a colaboração de estrelas internacionais, como o cubano Rudy Pérez (ligado ao sucesso de cantores como Julio Iglesias, Marc Anthony, Beyoncé, ou Christina Aguilera), o francês David Gategno (colaborador de Celine Dion e Lara Fabien), ou Nellson Klasszik. Ricky Martin, Lara Fabian, Chico & The Gypsies e o seu filho David Carreira, acompanharam-no em alguns dos momentos destes dois trabalhos. Depois de dois estrondosos concertos na Altice Arena, em Lisboa, em finais de 2018, com mais de 100 músicos em palco e mais de 300 profissionais envolvidos nas montagens e produção, Tony Carreira anuncia uma pausa na sua carreira de 30 anos de

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Perfil Filho de Albino Antunes e de Maria Pereira Mateus, António Manuel Mateus Antunes nasceu a 30 de Dezembro de 1963 em Armadouro, concelho de Pampilhosa da Serra. Com 10 anos foi para França. Casou em 1985 com Fernanda Antunes e teve três filhos Mickael (1986), David (1991) e Sara (1999-2020). Em 2008 é distinguido com a Medalha de Mérito Cultural pela Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra, que o considera um “verdadeiro embaixador” do concelho. Em 2016, Tony Carreira é condecorado com o título “Chevalier de l’ Orde des Arts e des Lettres” - Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras – insígnia entregue pelo Ministério da Cultura e da Comunicação Franceses. Em Março de 2019 integra a família da Real Confraria do Maranho de Pampilhosa da Serra, como confrade de honra da Real. Uma cerimónia plena de emoção, onde o cantor foi presenteado com um mini-concerto pela Filarmónica Fraternidade Pampilhosa, que acompanhou trauteando o icónico “Sonhos de Menino”.

canções. Regressa ao palco em Março de 2020, com o Altice Arena a esgotar em escassos seis dias. Apesar das nuvens negras que atormentam o cantor nos últimos tempos, o “destino” de Tony Carreira continua a ser só um: subir ao palco, cantar e encantar e continuar a fazer a sonhar… Afinal, foi esta a vida que escolheu! 

Família criou Associação Sara Carreira, que pretende ajudar crianças e jovens com talento e poucos recursos a concretizarem os seus sonhos

Cantor participa de forma activa em campanhas solidárias

O sucesso não transformou a alma serrana de Tony Carreira. Pelo contrário, deu-lhe as condições para estender a mão e ajudar quem mais precisa, revelando o espírito benemérito, altruísta filantropo deste filho da Pampilhosa da Serra. Por isso, o seu nome está ligado a um conjunto de causas, sendo embaixador da Luta Contra o Cancro da Mama, padrinho da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla e tem uma longa colaboração com as acções solidárias da marca Continente. Faz ainda questão de levar o seu abraço amigo a hospitais, lares de idosos, clínicas e orfanatos. Definido como “um homem bom”, Tony Carreira nunca esqueceu a sua terra natal e tem estado ao lado da Pampilhosa da Serra em momentos cruciais. Lembramos a sua presença na BTL, em Lisboa, juntando a sua voz à do município para promover o concelho como destino turístico. Mais amargo, foi o concerto de Dezembro de 2017, para angariar fundos destinados a ajudar quem tudo perdeu nos incêndios dantescos que assolaram a região Centro. E não esqueceu, nessa altura, os Bombeiros de Pampilhosa da Serra, que presenteou com uma viatura, repetindo um gesto que já tinha feito noutra ocasião. 


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Tony Carreira 90 anos com Pampilhosa da Serra

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FILME MOSTRA O LADO HUMANO DO CANTOR

Pampilhosa da Serra juntou-se para assistir à estreia do documentário sobre a vida de Tony Carreira

2019 Em Junho de 2019 estreia “Tony” o documentário biográfico de Tony Carreira,

com assinatura de Jorge Pelicano. O realizador conta-nos como foi o desafio de embarcar nesta aventura

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orque é que toca tanto as pessoas?». Esta foi uma das perguntas que Jorge Pelicano, realizador do filme sobre Tony Carreira, colocou e para a qual procurou resposta. «Eu próprio tinha curiosidade em conhecer o seu universo, saber como era como pessoa», assume. Com uma larga experiência profissional, o realizador viu-se confrontado com este desafio «Não foi uma ideia minha», esclarece. E explica que a proposta foi lançada para a mesa por uma colega da produtora “Até ao fim do mundo” que, na altura, estava a preparar um conjunto de reportagens para assinalar os 30 anos de carreira do cantor. «Porque não fazer um documentário?». A ideia ganhou força e o realizador da Figueira da Foz foi convidado a dar-lhe forma. «O lado humano» foi, desde a primeira hora, o ângulo de abordagem que Jorge Pelicano elegeu. Perante um verdadeiro fe-

nómeno de popularidade, de um cantor que arrastava multidões, o realizador quis perceber «porque é que ele tocava as pessoas» e desencadeava esse fenómeno, único em Portugal. «Rapidamente percebi que ele era autêntico». Mais, «essa é uma das razões porque as pessoas se conectam com ele», sublinha. «Se a proximidade for autêntica, as pessoas percebem é isso que acontece com Tony Carreira», conclui e faz uma analogia com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também ele uma pessoa de afectos, de contacto, de proximidade. Jorge Pelicano recorda as palavras do cantor, «com a fama, as pessoas mudam», mas Tony Carreira, «não mudou muito». «Apesar de muitos anos de estrada, de centenas e centenas de concertos, de muitas solicitações, apesar de toda essa rodagem, de toda essa experiência, manteve o lado humano, o que me surpreendeu». «Conse-

guiu preservar os valores dos pais» e «não esqueceu as dificuldades que passou», destaca. Mas também, «como pessoa inteligente que é, percebeu que essa era a sua marca e o caminho que devia trilhar». Isso significa, exemplifica, ficar, depois dos concertos, para falar com os fãs. «Não há muitos artistas com essa proximidade e ele percebeu que era um caminho que podia trilhar», adianta. Jorge Pelicano destaca, igualmente, o universo musical, seja através das melodias, seja das letras, como um outro registo de aproximação entre cantor e público. «As pessoas identificam-se com ele», diz, salvaguardando que, não sendo um estudioso da matéria, foi esta a percepção que teve num convívio de largos meses e de grande proximidade. As canções de Tony Carreira falam de amor, de felicidade, do «sonho que pode ser alcançado». Mas também apresentam o retrato de dor, de sofrimento,


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com o qual qualquer pessoa se identifica. «As pessoas sentem-se bem e a cultura também serve para isso». Significa, sintetiza, que «as pessoas conectam-se com as letras» que Tony canta e com o próprio cantor, como «a prova que os sonhos são atingíveis». Um dado que conduz ao universo de fãs, fundamentalmente feminino, mas também com elementos masculinos, faz notar. Um mundo que o filme também aborda, entrando no ambiente «muito interessante» das excursões, atrás do cantor. Um ambiente onde Jorge Pelicano destaca «alguma emancipação feminina», com as mulheres a irem aos concertos e deixarem os maridos em casa, - embora alguns também já as acompanhem - e «uma certa portugalidade», num clima de festas de Verão, de aldeias, do regresso dos imigrantes.

Revolucionou o conceito de espectáculo Para Jorge Pelicano, «o lado humano» de Tony Carreira e o «universo musical» das canções de amor são, interligados, factores fundamentais para «as pessoas se conectarem com ele». Mas, «isso só não chega». É preciso que «as músicas sejam boas e, efectivamente, são». Uma das coisas que, confessa, o surpreendeu, «além do lado humano», foi «a inovação, do ponto de vista musical», a «preocupação de apresentar um espectáculo de qualidade». Recorda, que Herman José afirmou que Tony Carreira tinha «acabado com o

90 anos com Pampilhosa da Serra Tony Carreira

playback» e introduzido um novo conceito de espectáculo. Há três décadas, os espectáculos «eram feitos com músico e duas bailarinas e «ele revolucionou esse conceito», com uma aposta na «qualidade musical», com uma banda em palco e a «preocupação de garantir qualidade». Uma verdadeira revolução que “fez caminho” e obrigou os outros artistas a seguirem o exemplo. O realizador refere, ainda, a preocupação com a verdade» que norteou este trabalho. «O objectivo era a verdade, perceber como acontecem as coisas e porque é que acontecem». Um desafio pautado pela vontade de trazer «novidades», apresentar «algo que as pessoas não conhecessem». Por isso, a pesquisa centrou-se mais no passado, o que resultou num «trabalho enorme», «muito complicado», porque, à época, não abundavam os filmes de espectáculos. «Conseguimos alguns registos de rádios de Paris e algumas imagens junto da comunidade emigrante»», que considera importantes para mostrar que o artista que hoje Tony Carreira é começou a ser construído há muito anos e foi consolidado no tempo. Um trabalho que permitiu, também, recuperar algumas películas de adolescente, que «ainda não tinham sido visionadas, mas não havia muito espólio. Estreado no dia 25 de Junho de 2019 nas sala de cinema de todo o país, “Tony” tornou-se rapidamente no documentário português mais visto de sempre. 

Jorge Pelicano destaca a autenticidade do cantor, uma das razões que, em seu entender, ditou o êxito de Tony Carreira

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Figuras importantes na carreira do cantor

Este trabalho, que exigiu um ano de grande proximidade com Tony Carreira e toda a sua equipa, permitiu, igualmente, perceber a importância de algumas pessoas que circulam no universo do cantor. Entre elas destaca Ricardo Landum, «É provavelmente o maior compositor português de música ligeira» e uma pessoa «fundamental na carreira do Tony Carreira. Muitos dos seus sucessos foram escritos por Ricardo Landum», refere. Relevante, igualmente, foi o desempenho de Francisco Carvalho, conhecido como “Xico das Cassetes”, dono da Vidisco, que foi muito importante para a carreira de Tony Carreira, como uma espécie de empresário». José Antunes, o irmão de Tony, «não gosta de aparecer», mas que é, no entender do realizador, uma figura de proa em todo o percurso do cantor. «Sem ele teria sido difícil o Tony ter tido esta carreira», garante. Os dois irmãos estiveram unidos na vontade de «arriscar» e em ultrapassar «preconceitos». Isso aconteceu, refere, com os espectáculos no Pavilhão Atlântico, no Olympia de Paris ou noutros espaços igualmente emblemáticos. «Arriscaram e provaram que era possível», sublinha, destacando a «grande dose de risco» subjacente a este desafio, ao «preconceito» e, depois, o «grande respeito» que estas salas passaram a ter por Tony Carreira. 


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Tony Carreira 90 anos com Pampilhosa da Serra

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MILHARES DE FÃS, FIÉIS E ATENTAS 1998 Irene assistia, em Ribeira de Frades, Coimbra, ao primeiro concerto de Tony Carreira. De então para cá, sempre que pode, marca presença. Um caso, entre muitos milhares

Depois de cada concerto fãs esperam horas, para ter o “seu momento” com o cantor

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ão muitos milhares. Mais do que fãs, são fiéis seguidores, sobretudo seguidoras. Conhecem todas as músicas e, envergando a t-shirt e o cachecol devidamente autografadas, estão à espera do próximo concerto. Irene Medina é uma, entre milhares. Residente em S. Martinho do Bispo, Coimbra, sempre que pode põe-se a caminho para assistir a um concerto de Tony Carreira. Sobretudo se for na região. Mas também já se deslocou ao Porto e a Lisboa para assistir a um espectáculo. Com alguma ansiedade, espera o regresso do cantor aos palcos e o reencontro. O momento sempre tão especial do «autógrafo e do beijinho», com que Tony Carreira encerra cada um dos seus concertos. «Ninguém se vai embora e ele faz questão de ficar até ao último fã», conta Irene Medina. Uma marca pessoal, única, que faz a diferença. Desde sempre Tony Carreira criou esta proximidade grande com os fãs e mantém, firme, esta vivências, estes momentos de intimidade com todos e com cada um dos seus admiradores. Uma experiência que começa no palco e se prolonga, depois, nos bastidores. Depois das canções, cantadas

ou trauteadas por todos, há partilha, entrega, cumplicidade. «Sabe os nossos nomes todos», faz notar Irene. A verdade é que por mias eficaz que possa ser – e é efectivamente – a logística e a equipa se desdobre, é a Tony Carreira que cabe sempre a última palavra. E não falha. Nunca. Para felicidade dos fãs, maioritariamente mulheres, que se referem sempre ao artista de uma forma familiar, afectuosa, com ternura. Para todas e para cada uma delas, Tony Carreira é “o meu Tony”. «É muito boa pessoa, muito humano», afirma esta fã, de 49 anos, que habitualmente vai com uma amiga ver os concertos de Tony Carreira. O filho já começa a fazer-lhe companhia. Um registo que começou «há muitos anos». «Talvez em 1998/89». Teria sido em Ribeira de Frades. O primeiro de muitos concertos. «Não tantos como gostaria», confessa Irene Medina, que não consegue apontar uma canção como a sua preferida. «Gosto de todas». «Todas» lhe «ficam no ouvido». Sobretudo, «todas» lhe «tocam o coração». Também Tony Carreira lhe «toca no coração». Pela «humanidade», pela «ternura», pela «paciência» que revela com «todos os

fãs», que «conhece» e «trata pelo nome». «Tem sempre um minuto para todos», sublinha. Depois do espectáculo, por vezes são horas e horas, mas nem fãs nem cantor viram costas sem este momento a dois, entre artista e fã, com o tradicional beijinho e autógrafo. Irene conta que, há uns anos, uma colega escreveu ao cantor, dando conta da data do seu aniversário. «Mandou-me os parabéns e um convite para um espectáculo em Guimarães», recorda. Não conseguiu deslocar-se à “cidade berço” para assistir ao espectáculo, mas não falhou a oportunidade seguinte, nas Festas de Montemor. Foi, também, em Montemor, há largos anos, que Tony lhe assinou a t-shirt, que, juntamente com o cachecol, usa em todos os espectáculos. Irene confessa que, à semelhança de todos os fãs, ficou inquieta quanto o cantor decidiu fazer uma pausa na carreira. «Ainda bem que decidiu voltar», diz. E junta a sua voz e a sua mensagem, como fã e como mãe, às de muitos admiradores, num registo de apoio ao cantor, «para que tenha força» e seja capaz de ultrapassar este «sofrimento grande» que «ninguém consegue imaginar», referindo-se ao falecimento da sua filha, Sara Carreira, aos 21 anos, num trágico acidente automóvel, em Dezembro de 2020. Em seu entender, foi «esta dor enorme» que «se foi agravando» e motivou o problema de saúde que recentemente afectou o cantor. «O importante é que está a melhorar», adianta, na expectativa de ver Tony de regresso aos palcos, como novas canções e com novos êxitos. Cada concerto é «uma experiência única», «uma emoção». «Quando se gosta, gosta», afirma, ansiosa por assistir a um próximo espectáculo de Tony Carreira. 

Todas as canções lhe “ficam no ouvido” e “tocam o coração”. Irene Medina é uma das milhares de fãs que esperam o regresso pleno do cantor


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90 anos com Pampilhosa da Serra Tony Carreira

Criar um espaço âncora na aldeia de Armadouro A Escola Primária da aldeia de Armadouro é o espaço de eleição para manter viva a memória dos antigos alunos, sobretudo de um deles. Foi a primeira escola de Tony Carreira, o local onde teve a primeira namorada e um espaço onde o cantor e muitas gerações guardam memórias e recordações. É este o local onde o município de Pampilhosa da Serra prende erguer um espaço de referência. «Não é um museu», sublinha a vereadora Alexandra Tomé, esclarecendo que o projecto de arquitectura está finalizado e tem o aval deste ilustre filho da terra. «Trabalhámos sempre em parceria com Tony Carreira» e o cantor tem «ideias muito objectivas» relativamente ao que pretende. Por um lado, sublinha a vereadora, quer que se mantenha a «memória colectiva da escola», onde sucessivas gerações aprenderam as primeiras letras. Por

outro, já definiu, em termos pessoais, um conjunto de «objectos carismáticos», designadamente fatos e discos que «traçam o percurso da sua vida artística» e que permitam recriar a experiência de «estar com o artista e com a sua música». O projecto contempla, ainda, um mini-estúdio e igualmente um pequeno palco, criando condi-

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ções para a realização de alguns espectáculos, que também possam contribuir para dar mais vida ao local. Alexandra Tomé destaca a importância deste espaço de visitação, tendo em conta o «grande número de pessoas» que se desloca habitualmente a Armadouro, terra natal de Tony Carreira, exclusivamente para ver a aldeia onde nasceu o cantor. Por isso acredita que a criação de um espaço onde seja possível conhecer o percurso do músico, através de diferentes objectos pessoais, represente um “prémio” para esses visitantes e, com toda a certeza, será, igualmente, um local de visitação para os muitos milhares de fãs de Tony Carreira. «Seria uma forma de, com dignidade, recebermos esses visitantes», afirma a autarca. O projecto está à espera de «uma via de financiamento» explica a responsável, confiante que o próximo quadro comunitário possa, ao contrário do que aconteceu com o que está a terminar, contemplar a área da cultura e criar uma janela de oportunidade para este projecto ver a luz do dia. 


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Centro de Meios Aéreos 90 anos com Pampilhosa da Serra

Heliporto tem, em regime de permanência, uma equipa de intervenção GIPS

RAPIDEZ DE INTERVENÇÃO NO COMBATE AOS FOGOS 2021 Heliporto obteve, este ano, o necessário licenciamento. Um desafio para voos mais altos, garantindo uma resposta mais eficaz e aproveitando as estruturas existentes

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onstruído há cerca de 30 anos, o Aeródromo e Centro de Meios Aéreos possui hoje um Heliporto devidamente certificado pelaAutoridade Nacional de Aviação Civil. Um passo dado já este ano, que representa um balanço para voos mais altos. Jorge Custódio, vice-presidente da autarquia, recorda que, aquando da sua criação, apesar do esforço feito para a terraplanagem e construção da pista, a verdade é que a infraestrutura, localizada no cimo do monte, junto à sede do concelho, pouca utilização permitia, tendo em conta os “ventos cruzados” que atingem a zona. Todavia, a estrutura começou, mais tarde, a ser utilizada como base de apoio ao combate aos fogos florestais. MarcoAlegre, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pampilhosa da Serra, recorda

que terá sido em 2000 que arrancou esta base operacional de apoio no combate aos fogos florestais. Uma funcionalidade com uma importância acrescida num território particularmente afectado pelos incêndios, que levou o município a desenvolver um conjuntos de diligências, no sentido de dotar o espaço com as devidas condições para funcionar como base de apoio à instalação de um helicóptero durante o período crítico de combate a incêndios. Marco Alegre lembra, inclusivamente, que alguns dos contentores inicialmente instalados, foram substituídos por construções sólidas. O grande salto qualitativo aconteceu em 2005, na sequência de mais um conjunto de violentos incêndios que assolaram a região, particularmente o concelho, e que ditaram a criação dos GIPS – Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro da Guarda Nacional Republicana (GNR). «Começou a ser o quartel dos GIPS», refere Jorge Custódio. «Em boa hora foi criada esta brigada», adianta, satisfeito por ter no concelho uma equipa altamente especializada e pronta para actuar.

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«São 21 militares, que estão permanentemente na Pampilhosa da Serra», adianta. No Verão os GIPS têm uma responsabilidade acrescida, uma vez que são a força de primeira intervenção em caso de alerta. As equipas, constituídas por cinco operacionais - aos quais se junta o piloto do helicóptero - , são transportadas por via aérea para a zona onde a intervenção é necessária, num raio que ultrapassa largamente os limites territoriais do concelho e do distrito. Após as últimas intervenções, em termos de infraestruturas, e cumpridas as necessárias diligências, que culminaram com a realização de um simulacro, a pista do Heliporto foi devidamente licenciada, em finais de Junho. O licenciamento veio, também, exigir a presença no Centro de Meios Aéreos de uma equipa dos bombeiros, com três operacionais, apoiados por uma viatura de combate a incêndios, com os necessários meios técnicos, e uma ambulância de socorro, que garante a segurança às operações de descolagem e aterragem do helicóptero.

Município quer potenciar, no futuro, a utilização do Aeródromo, sobretudo da pista, com 1.100 m, que pode reforçar a estratégia de combate aos incêndios florestais Cumprida esta fase, o vice-presidente acredita que será possível «crescer» e, sobretudo, aproveitar a infraestrutura existente da melhor forma. Por isso, e suportado nos necessários «estudos técnicos» entende que é possível, no futuro, avançar para novos desafios, designadamente «legalizar a pista como aeródromo». Jorge Custódio chama a atenção para a dimensão da pista, com 1.100 metros – certamente não existem muitas nas redondezas - e para a importância que, depois do heliporto, o aeródromo poderá ter, «em termos de posicionamento, numa região montanhosa como esta, como estrutura de combate a incêndios». O objectivo será, além de helicópteros, criar condições para a aterragem de aviões e avionetas de combate a incêndios. «É uma estrutura diferenciadora e poderíamos, desta forma, dar-lhe uma utilidade efectiva», considera o autarca. 



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Eólicas 90 anos com Pampilhosa da Serra

A FORÇA DO VENTO

Parque eólicos são uma força para a energia do país

2001 Primeiras torres eólicas são instaladas, em 2001. Hoje

são muitas dezenas e representem uma fatia significativa na produção nacional de energia

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oi a descoberta deste século. Depois do “ouro negro” das Minas, no século passado. A força dos ventos dava, no início do ano 2000, uma nova energia à Pampilhosa da Serra. E também criava espaço para novos “residentes”, com a resistência do aço a tomar conta dos cumes das montanhas e a debitar megawatt para a rede de abastecimento. Os dados de produção são confidenciais, mas de acordo com a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), a potência instalada no concelho (que não inclui o parque de Toutiço) re-

presenta «72,4% da potência instalada na Região Centro e 11,4% a nível nacional». O primeiro parque eólico da Pampilhosa entra em funcionamento em 2001. Tratase do centro electroprodutor de Malhadas-Góis – localizado em território pertencente ao concelho de Góis e também ao de Pampilhosa da Serra, com um total de 15 aerogeradores, que representam uma potência instalada de 9,9 megawatt (MW). Em 2005, avança o segundo centro electroprodutor, desta feita na zona de Soeirinho e Alto das Meãs. É o chamado Parque Eólico de Pampilhosa da Serra,

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que apresenta 38 aerogeradores, com uma potência instalada total de 114 MW. Um parque que é considerado uma referência e dos maiores do país. A produção começou em Dezembro de 2006, de acordo com a Base de Dados de Fontes Renováveis de Energia, um “centro documental” criado pela APREN – Associação de Energia Renováveis e pelo INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial. As “torres” continuam a crescer no território, desta feita na localidade de Vidual, freguesia de Unhais-o-Velho. Um único aerogerador, com uma potência instalada de 1 MW, que entra em funcionamento em Março de 2006. Um quarto centro electoprodutor começa a operar em Outubro de 2007, na zona de Monte Chiqueiro, com duas torres e uma potência de 4 MW. A estes parques junta-se, em 2008, segundo dados que apurámos junto do município, o chamado Parque Eólico do Toutiço, equipado com um total de 34 aerogeradores, distribuídos pelas zonas de Arouca Silva (17), Toita (10), e Vale Grande (7), com uma potência instalada total de 102 MW, que vem elevar significativamente a capacidade de produção concelhia. Estes verdadeiros gigantes, moinhos de vento dos tempos modernos, produzem uma quota significativa da energia que consumimos, consagrando uma aposta crescente nas energias renováveis e nos recursos endógenos, e reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis. Há, todavia, vozes críticas relativamente ao impacto visual e ambiental destas torres gigantescas, que atingem os 110 metros de altura e representam o módico peso de 300 toneladas. Mas o certo é que estas imensas hélices, com cerca de 40 metros de comprimento e sete toneladas de peso, associadas ao gerador, são uma fonte de energia. Cada torre produz, em média, dois megawatt, o que representa o consumo médio de cerca de 400 famílias. O distrito de Coimbra ocupa uma posição de destaque na capacidade instalada e na produção de energia eólica e a Pampilhosa da Serra dá um contributo significativo para essa boa performance, tendo em conta que nos parques de Pampilhosa, Chiqueiro, Vidual, Malhadas - Góis (partilhada) e Toutiço a potência instalada atinge os 230,9 MW. 




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