Diário de Coimbra Memórias 90 anos

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02 | 26 JAN 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Bissaya Barreto na “Entrevista do Dia” Com apenas quatro páginas por edição, o formato largo do jornal permitia no entanto inserir diversidade de temas, colunas e notícias, ao encontro dos interesses variados do leitor. Nos primeiros números vemos o Diário de Coimbra a apostar, em primeira página, nas entrevistas a destacadas figuras da cidade. Coube a Bissaya Barreto, presidente da Junta Geral do Distrito, abrir o espaço “Entrevista do Dia”, na edição experimental de 24 de Abril, «dissertando sobre o problema da assistência pública». «A assistência aos inválidos, aos menores em perigo moral e aos tuberculosos é já hoje uma realidade positiva e eloquente. Preocupa-nos ainda, é certo, outro problema, não menos importante, o da instrução», declarava o médico e professor universitário que viria a legar a Coimbra e à região uma valiosa obra assistencial.

Reparos “Ao correr da pena” «Diariamente trataremos, nesta secção do nosso jornal - de leve, embora - de todos os assuntos que nos mereçam reparo, crítica, apoio ou protesto», prometia a coluna “Ao correr da pena”, chamando a atenção do poder autárquico para a necessidade da «remoção do entulho que se amontoa em vários pontos da cidade». «Não está certo. Basta de lixo!», exclamava o autor.

Atraso urbanístico O jornal verberava o atraso urbanístico de Coimbra. «Acidade de Coimbra, que podia ser hoje uma linda cidade moderna e civilizada, não tem, infelizmente, apanhado o movimento de urbanismo levado a efeito noutras terras de inferior categoria. E assim, desde as ridículas construções, sem nexo arquitectural, à teimosa insensatez de erguer prédios onde deviam passar avenidas, tudo é feito impunemente», lamentava Luís Costa, autor da crónica que intitulou “Coimbra cidade moderna?”.

No ano em que o Diário de Coimbra assinala 90 anos de existência, convidamos os leitores para uma viagem na história, recordando momentos que marcaram e consolidaram a relação do jornal com Coimbra e a Região das Beiras

UMA VIAGEM NA HISTÓRIA ATRAVÉS DAS PÁGINAS DO DIÁRIO DE COIMBRA

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Diário de Coimbra inicia hoje a publicação de um espaço semanal, aos domingos, com o propósito de recuperar e trazer para a actualidade histórias, episódios e eventos que ao longo de nove décadas foram notícia nas páginas deste jornal. A 24 de Maio de 1930, Coimbra viu nascer o jornal diário que, volvidos quase 90 anos, continua, tal como no primeiro número, a estar ao serviço dos leitores – sua principal razão de ser – e a pautar a sua acção pela valorização de Coimbra, da Região das Beiras e das suas gentes. Propomo-nos, neste espaço de memórias, revisitar e (re)contar a história e histórias do jornal, recordar as causas

das populações. Esta proximidade e o desígnio de estar ao serviço do bem comum explicam em boa parte que o Diário de Coimbra, neste já longo caminho, Ao longo da sua não só tenha história o Diário conseguido rede Coimbra sistir e superar funcionou em várias dificulsete diferentes espaços da cidade dades, que poderiam ter levado ao seu desaparecimento (por exemplo a suspensão por um ano, em 1945, durante a ditadura salazarista, que iremos recordar mais à frente), como é hoje líder de audiências na região Diári0 de Coimbra teve a primeira sede no Quebra Costas que serve, merecendo a prede que foi promotor e dina- a evolução desta cidade e da ferência de leitores e anunmizador, registar o modo região, como deu voz às preo- ciantes. É uma longevidade que lhe como noticiou e acompanhou cupações, interesses e anseios

Faltava a Coimbra um jornal diário

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estreia do Diário de Coimbra, a 24 de Maio de 1930, foi precedida um mês antes, precisamente a 24 de Abril, do lançamento de uma edição experimental (número espécime), onde se explanavam as razões da criação do jornal. É sobre este exemplar que hoje nos deteremos, remetendo para o próximo espaço de memórias um olhar mais atento sobre o primeiro número do jornal. Em destaque, na primeira das quatro páginas do jornal, sob o título “O que nos propomos”, era explicado o propósito de preencher uma lacuna no que ao panorama editorial de Coimbra dizia respeito. «Não é esta a primeira tentativa posta em prática, nos últimos tempos, no sentido de dotar as

Edição experimental foi publicada a 24 de Abril de 1930

Beiras e principalmente a cidade de Coimbra - centro intelectual de primeira grandeza e verdadeiro coração do país – com um jornal destinado a pugnar pelos interesses desta ubérrima mas malfadada região, em cuja extraordinária importância os poderes públicos nunca atentaram como deviam», escrevia o autor.

«Infelizmente, porém, e por motivos alheios, decerto, à vontade dos fundadores, todas essas tentativas falharam a breve trecho, e o certo é que Coimbra, justamente considerada a terceira cidade do País, não tinha ainda ontem um jornal diário, se bem que outras terras - de bastante menor importância, algumas delas – já sustentassem mais de um», prosseguia, comentando que só «poderiam ficar apáticos ante o aparecimento do Diário de Coimbra» os absolutos desconhecedores do «papel modernamente desempenhado pela imprensa» e quem «não quiser atender ao factor importantíssimo que para o progresso e desenvolvimento de uma região pode representar um jornal próprio, defensor dos seus mais justos e legítimos interesses».

«É de carácter regionalista e apenas regionalista o nosso jornal. E porque assim é, não nos movem, ao iniciar a sua publicação, outros intuitos que não sejam a propaganda das riquezas naturais, económicas e artísticas, da região, e a defesa dos seus direitos ou das suas nobres pretensões», lia-se ainda no texto. No cabeçalho do jornal, logo debaixo do título, a indicação “Órgão regionalista, defensor dos interesses das Beiras” esclarecia a matriz editorial a que o jornal permaneceria fiel. Era então propriedade da empresa do “Diário de Coimbra”, em formação. O nome de José de Sousa Varela surgia como redactor principal e editor (viria a assumir o cargo de director do jornal, de 24 de Agosto do ano de funda-

justifica o estatuto de diário mais antigo do país com a mesma linha editorial de origem e na posse da família do fundador – Adriano Viégas da Cunha Lucas (1883-1950), que orientou o jornal até ao seu falecimento em 1950, sucedendo-lhe o seu filho, Adriano Mário da Cunha Lucas (1925-2011), que ao longo de seis décadas liderou e desenvolveu este projecto editorial. A iniciativa e liderança de ambos seria decisiva para a existência, sobrevivência e o desenvolvimento do Diário de Coimbra, assegurando que, na sua missão de informar, mantivesse os valores que desde sempre orientaram a sua acção, enquanto jornal republicano, liberal e regionalista: a procura da verdade, transparência e credibilidade no que publica; a defesa da Liberdade da Imprensa e a sua total independência de quaisquer poderes políticos ou económicos; a defesa do cidadão e das minorias, da valorização de Coimbra, da Região das Beiras e das suas gentes, da plena integração europeia, da regionalização do país, da livre iniciativa privada, da economia de mercado e da sã concorrência – como constam do Estatuto Editorial.

ção até Fevereiro de 1933). Aquando do número experimental, a Redacção e Administração ocuparam espaço provisório na Tipografia Minerva Central, na Rua Olímpio Nicolau. No mês seguinte, na data de fundação, já o jornal tinha a Redacção, Administração e Oficinas na Rua do Quebra Costas, no prédio com números de porta de 27 a 33. Hoje instalado na Rua Adriano Lucas, em Eiras, o Diário de Coimbra teve ainda a sede e os seus serviços a funcionar noutros espaços da cidade – na Avenida Sá da Bandeira, n.º 80 (para onde mudou a 9 deAbril de 1933), naAvenida Navarro, n.º 43 (1 de Setembro de 1933), na Rua Ferreira Borges, nº 155, 2.º (13 de Dezembro de 1933), no Pátio dos Castilhos, n.º 2 (20 de Janeiro de 1936) e na Rua da Sofia, n.º 179 (1 de Maio de 1941), onde se manteria durante quase cinco décadas, até 1989.


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Diário de Coimbra Memórias Colaboração de ilustres O Diário de Coimbra anunciava para os números seguintes a «colaboração de alguns dos mais ilustres e conhecidos nomes de escritores e publicistas , tais como os srs. drs. Abel Urbano, Ângelo da Fonseca, António José Pereira, António Leitão, Beleza dos Santos, Bissaya Barreto, Brito Camacho, Capitão Albuquerque, Carlos Olavo, Conde Felgueiras, Dias Pereira, Domingos Pereira, Eugénio de Castro, Felismino Araújo, Fernandes Martins Fézas Vital, João Bacelar, Júlio Dantas, Luís Carriço, Luís Costa, Manuel Braga, Nuno Beja, Ramada Curto, Rangel de Lima, Santos Jacob, Silva Gaio, Sílvio Pélico, Sousa Costa, Tomaz da Fonseca, Velhinho Correia, Victorino Nemésio, etc., etc.». «Lista brilhante de colaboradores, manterá sempre viva e interessante a leitura do nosso jornal», preconizava.

Um “desprezado baldio” na Praça do Comércio “Ao correr da pena”, o Diário de Coimbra secundava reparos ao estado de abandono da Praça Velha. «Temos visto no nosso colega local “O Minerva” várias reclamações dirigidas à Câmara Municipal de Coimbra no sentido de se proceder, com a máxima urgência, à necessária transformação da Praça do Comércio. Efectivamente, este local, num ponto tão central e concorrido da cidade, apresenta-se em tal estado que mais parece um desprezado baldio, em ignorada aldeia», escrevia o nosso jornal em 1930. Noutro ponto da sua crónica, o articulista lamentava e pedia, «a quem competir, «providências para as instalações, pouco mais que miseráveis», dos Correios e Telégrafos, em Coimbra, que «nem para uma aldeia serviam». Já em matéria de «higiene pública», chamava a atenção da Administração dos Hospitais Civis de Coimbra para «os dejectos que do hospital vêm para a rua de Entre-Muros». «É que nem se pode passar por ali, tal o cheiro nauseabundo que aquela artéria exala», observava o autor.

Após termos destacado, na semana passada, a edição experimental do Diário de Coimbra, dedicamos hoje este espaço de memórias ao primeiro número do jornal, no longínquo 24 de Maio de 1930

FOI UM GRANDE ÊXITO O NASCIMENTO DO DIÁRIO DE COIMBRA

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ausou sensação e agrado na cidade o início da publicação do Diário de Coimbra. O lançamento de um novo jornal, comprometido com a missão diária de levar aos leitores o que de mais importante se passava na cidade, na região, no país e no mundo, agitou o panorama da imprensa coimbrã, à época limitada a publicações periódicas semanais, em que se contavam os jornais Gazeta de Coimbra, O Minerva e os ainda hoje vivos O Despertar (fundado em 1917, já centenário) e Correio de Coimbra, este, ligado à diocese, também quase centenário (nasceu em 1922). Escasseando outros testemunhos, é às próprias páginas do Diário de Coimbra que vamos buscar as reacções da cidade e da região ao aparecimento da nova publicação. A edição que marca o nascimento do jornal, com data de 24 de Maio de 1930, um sábado, foi precedida, um mês antes, de um número experimental, onde se enunciavam os propósitos de dotar a cidade e as Beiras de uma publicação

– aos esforços e aos sacrifícios que representava a publicação de um diário tal como o nosso, absolutamente independente e sem estar enfeudado a quem quer que seja», congratulava-se o jornal. Mais adiante relatava que «constituiu não só um grande êxito, mas um verdadeiro acontecimento jornalísO público reagiu tico local, o com curiosidade ao aparecimento aparecide um diário em mento do Coimbra e as número “spéprimeiras edições cimen”do Diáesgotaram rio de Coimbra». «Posto a circular, em breve os nossos vendedores, que com os seus pregões estrídulos emprestavam à manhã, ao longo da rua, muita vivacidade e movimento, voltavam, para levarem novas remessas, cujos núPrimeira página da edição n.º 1 do Diário de Coimbra meros lhes eram disputados diária que pugnasse pelos in- Coimbra, de 24 de Maio, fazia com a avidez dos primeiros. teresses de uma região em eco do «cativante e carinhoso Duas horas depois, de todos «cuja extraordinária importân- acolhimento que em todo o os postos de venda, dos mais cia os poderes públicos nunca país teve o número spécimen afastados pontos da cidade, vinham novos pedidos. E nas arno nosso jornal». atentaram como deviam». «Correspondeu Coimbra, térias, nos cafés, em todos os Em destaque na primeira página, sob o título “Continuan- correspondeu a região das Bei- pontos de reunião, enfim, o púdo…”, a edição n.º 1 do Diário de ras – altivamente, nobremente blico lia e comentava o Diário

de Coimbra, tecendo-lhe elogiosíssimas referências, tanto pelo seu programa como pelo seu aspecto e, principalmente, pela arrojada iniciativa que representava a publicação do nosso jornal. Depois, começaram a chegar até nós, vindas de longe, de conimbricenses ausentes ou de beirões apaixonados da sua terra, as primeiras saudações, em cartas que, pela sua sinceridade e pela sua enternecedora afectuosidade, nos comoveram e sensibilizaram, penhorando-nos extremamente», prosseguia o texto, entusiástico, agradecendo também as palavras que a imprensa do país, «desde os grandes diários aos mais pequenos jornais da província», dedicou ao nascimento da nova publicação. «Foi assim o êxito do aparecimento do nosso jornal. Não exageramos. Antes pelo contrário. Podíamos com verdade dizer mais, mas propositadamente não o fazemos», rematava a descrição. Sensibilizado, o Diário de Coimbra prometia retribuir esta manifestação de apreço dos leitores. «Cá estaremos também, de futuro, como prometemos – novos ainda na liça mas por isso mesmo mais folgados para a luta que a nós mesmos nos impusemos, em prol dos interesses desta linda e riquíssima zona do país, sempre, até hoje, tão mal apreciada pelos poderes públicos. Que Coimbra e toda a região continuem a ajudar-nos, contando doravante absolutamente connosco, em tudo o que respeite ao seu progresso e desenvolvimento», concluía a nota editorial.

Quatro páginas ao preço de 30 centavos

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s tecnologias presentemente disponíveis na indústria gráfica, dotada de rotativas que permitem imprimir velozmente milhares de exemplares de um jornal, tornam difícil imaginar as limitações com que se deparavam proprietários e editores na altura em que o Diário de Coimbra foi fundado. Em 1930, no edifício da Rua do Quebra Costas (27 a 33), que foi a primeira sede do jornal, par-

tilhavam espaço jornalistas, funcionários administrativos e tipógrafos.As oficinas do jornal só em 1948 (já então nas instalações da Rua da Sofia) seriam equipadas com máquinas de composição Linotype de fundição a chumbo, e apenas em 1967 se iniciaria a impressão rotativa por estereotipia. Os processos clássicos da composição tipográfica, acentuadamente manual, e a impressão folha a folha em máquina plana con-

D.R.

Até meados do século passado era vulgar a composição tipográfica manual

dicionavam a feitura do jornal, que raramente – nos aniversários, por exemplo – se permitia ultrapassar as quatro páginas de formato longo (“standard” ou “broadsheet”, assim se designava) com que diariamente, ao longo dos primeiros anos, acostumou os leitores. E também, nos tempos iniciais, desprovidas de imagens, dado que os processos de transformar fotografias e gravuras em materiais de impressão eram então

tecnicamente complexos, morosos e implicavam recurso a trabalho externo. Avulso, nos primórdios, o jornal custava 30 centavos. Mas, tal como hoje, o Diário de Coimbra procurava já uma relação mais estreita com os leitores, propondo-lhes assinaturas, com diferentes preços e opções: um mês a 9 escudos, 26 o trimestre, 47,50 o semestre e 90 escudos para poder beneficiar da leitura do jornal durante um ano.


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Diário de Coimbra Memórias O jornal anunciava distribuição própria 25/5/1930«O Diário de Coimbra, que, numa hora feliz, foi posto a correr mundo, já marcou a sua posição», escrevia o jornal, regozijando-se com o acolhimento do primeiro número e prometendo, numa «afirmação soleníssima», envidar esforços para «melhorar o aspecto e respectivo noticiário». Apostando também em melhorar o serviço prestado aos assinantes e leitores, o jornal anunciava que a cidade passaria a receber o Diário de Coimbra com distribuição matinal – hoje uma das nossas imagens de marca. «Logo que tenhamos a lista dos assinantes organizada, recebê-lo-á, por distribuição própria, às 8h30», esclarecia. Entretanto, informava-se o leitor que o diário se encontrava «todos os dias à venda nas seguintes casas: Papelaria Marques, Tabacaria Silva, Tabacaria Pátria, Papelaria Académica, Kiosque Central, Kiosque do Liceu, Livraria Gonçalves, Taboleta Feliz, Brazileira, Augusto Paes, Celas e Engraxadoria “Sofia”».

Quem olha pelo Choupal? 25/5/1930De uma assentada, num mesmo excerto de “Ao correr da pena”, o jornal apresentava um conjunto de reparos a problemas da cidade. «Quando é que se faz o novo edifício dos correios? Quando é que se acabam as obras no muro do Parque de Santa Cruz? Quando é que as obras da Avenida Sá da Bandeira têm o seu fim? Quem olha pelo Choupal? Quem manda calcetar as ruas da cidade baixa? Quem nos livra do pó?», questionava.

“Notas de Sociedade” 24/5/1930O jornal publicava breves “Notas de Sociedade”, onde, por exemplo, se ficava a saber que a colectividade Tiro e Sport «acolheu dois chás dançantes, festas de beneficência a favor da assistência local, a que compareceu toda a “elite” conimbricense».

Continuando a folhear as primeiras edições do Diário de Coimbra, damos hoje destaque neste espaço de memórias à questão do combate à tuberculose

APELO À CIDADE PARA APOIAR A CRIAÇÃO DE UM SANATÓRIO EM CELAS

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m destaque na primeira página de 30 de Maio de 1930, o Diário de Coimbra assinalava a importância de se mobilizar a cidade no apoio à criação do Hospital-Sanatório de Celas, num tempo em que a tuberculose, também chamada de “peste branca” ou “peste cinzenta”, permanecia como um dos problemas mais preocupantes de saúde pública, causadora de elevado número de mortes em Portugal. Era promotora da obra a Junta Geral Distrital de Coimbra, sob a liderança do médico e professor universitário Bissaya Barreto, determinado a tornar esta cidade exemplar no combate à epidemia da tuberculose. Parte importante da estratégia de tratamento e profilaxia era a construção de sanatórios para acolher os infectados, um deles destinado a pacientes tuberculosos do sexo feminino, em Celas, e outro para homens, no edifício daAssistência da Colónia Portuguesa do Brasil na

FOTO: CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO BISSAYA BARRETO

muitas das grandes cidades estrangeiras». «Ficará sendo Coimbra a única cidade do nosso país dotada com um sanatório privativo e com suficiente lotação para todos os seus doentes tuberculosos. Ficará asInaugurado em sim em condi1932, o Sanatório ções idênticas de Celas tinha à daquelas capacidade para receber uma cengrandes cidatena de doentes des», vaticinava. Enaltecendo a obra, o jornal considerava que «sendo Coimbra um grande centro, um dos A fachada nascente do sanatório feminino instalado em Celas maiores centros escolares do Quinta dos Vales, onde hoje se albergou mais tarde (1977) o nosso país, necessário é que localiza o Hospital dos Covões. Hospital Pediátrico, antes de nele se ponham em prática toO Hospital Sanatório de Ce- este transitar (em 2011) para dos os modernos processos de profilaxia social – e nenhum las, que viria ser inaugurado as suas actuais instalações. Ainda na fase de construção, tão importante como o da prodois anos depois, a 1 de Junho de 1932, foi implantado, após sublinhava o Diário de Coim- filaxia tuberculosa». «Necessáas necessárias obras de adap- bra, em 1930, que concluído rio é juntar à acção que os distação, no edifício, original- que fosse o Sanatório de Celas, pensários vêm realizando, os mente novo dormitório femi- a cidade ficaria «desde então benefícios que o Hospital-Sanino do mosteiro cisterciense dotada com um “Sanatório de natório há-de trazer. E, conde Celas, que acolhia nos planície” idêntico aos que se cluído, ele ajudará a baixar a princípios do século XX o encontram nos subúrbios de taxa de mortalidade de tuberAsilo de Cegos e Aleijados e Berlim, Paris, Milão e outras culosos que em algumas fre-

Estudantes em pitoresco cortejo para a garraiada em Santa Clara 26/5/1930 A ligação do Diário de Coimbra à comunidade académica afirmou-se desde os primeiros tempos de publicação. O nascimento do jornal coincidiu com a Queima das Fitas de 1930 e a edição de 26 de Maio relatava o início das «brilhantes» festas estudantis, «a grande nota desta quadra do ano». Pela notícia fica a saber-se que na véspera, de manhã, a filarmónica do Grupo Musical Artístico tinha percorrido as

ruas da cidade, «executando algumas das melhores peças do seu reportório». Excluída presentemente do programa tradicional da Queima, por decisão do Conselho de Veteranos (em 2018), a garraiada tinha sido introduzida na festa académica no ano de 1929/1930. O espectáculo taurino, conjugado com folia estudantil, tinha então como palco o Coliseu de Coimbra, praça de touros em Santa Clara que fora inaugurada em 1925 e era

das maiores do país, com lotação para 10 mil pessoas. Este espaço, onde se realizavam também grandes festas desportivas e sessões cinematográficas na época estival, viria a ser totalmente destruído por um incêndio em 4 de Abril de 1935. Mas voltemos ao relato da festa, nas palavras do repórter do Diário de Coimbra: «Pelas 17 horas teve lugar no Coliseu de Coimbra a grandiosa garraiada, que decorreu no meio da maior animação.

guesias da cidade se observa, sobressaindo entre estas as de Santa Cruz e Santa Clara», acrescentava. A rematar o artigo, o apelo para que «as forças vivas da cidade» auxiliassem a acção da Junta Geral do Distrito, «quer directamente, quer actuando junto do Governo no sentido de, no novo ano económico, ser dada a dotação necessária para a conclusão das obras do nosso novo hospital». «Tem a cidade inteira, temos nós todos – tanto os que em Coimbra nasceram como os que aqui simplesmente vivem – o dever de seguir com o maior interesse, com o mais carinhoso desvelo, as obras do Hospital-Sanatório de Celas, considerando a sua conclusão como uma das mais urgentes necessidades citadinas», rematava o jornal. Mais tarde, a 2 de Junho de 1932, o Diário de Coimbra relatava a inauguração, dando conta de que no dia anterior tinham entrado no novo sanatório de Celas «as primeiras doentes que ali vão procurar remédio para o seu mal: pobres mulheres de Coimbra, da Lousã e da Figueira da Foz. E todos os dias continuarão as entradas até que a lotação – 100 – esteja completa». Para director clínico da nova unidade de saúde tinha sido nomeado o catedrático Morais Sarmento e o jornal terminava associando esta «obra meritória» à «tenacidade e inteligência» de Bissaya Barreto.

ruas Visconde da Luz, Ferreira Borges, Largo dr. Miguel Bombarda e bairro de Santa Clara, que esteve concorridíssimo.Ao longo das ruas e às janelas e varandas, uma enorme massa A praça apresentava uma en- de gente assistiu ao desfile do chente enorme, destacando-se pitoresco cortejo. A garraiada o elemento feminino, que os- terminou cerca das 20 horas. À noite, no Parque da Cidade, tentava vistosas “toilettes”. O cortejo dos académicos realizou-se o festival, que foi que participavam na corrida muito concorrido, executando formou-se no Páteo da Univer- a banda de caçadores 10 lindos sidade, incorporando-se nele e apreciados trechos de múmuitos carros, bizarramente sica, que agradaram muito. engalanados, tendo percorrido Dispersas pelo encantador jaro seguinte itinerário: rua Cân- dim, viam-se tômbolas e bardido dos Reis, Arcos do Jardim, racas de chá». «A cidade conrua Alexandre Herculano, servou durante todo dia exPraça da Republica, Avenida Sá traordinária animação», remada Bandeira, Praça 8 de Maio, tava a notícia.


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Diário de Coimbra Memórias A primeiras ilustrações do nosso jornal

28/5/1930 Hoje um dos motores da economia portuguesa, o turismo era, Colhida por há 90 anos, um sector a precisar de forte dinamização. Disso falava Manuel um boi na Braga, grande impulsionador dos espaços verdes em Coimbra, numa entre- Rua da Moeda vista ao nosso jornal que vale a pena recordar neste espaço de memórias 29/5/1930 Em notas breves

DAR A COIMBRA AS CONDIÇÕES PARA BEM RECEBER OS TURISTAS

27/5/1930 Títulos, linhas tipográficas e “filetes”a delimitar artigos e anúncios. Eram assim, geralmente, compostas as páginas dos jornais num tempo em que os meios gráficos e de impressão tornavam difícil e rara a inserção de ilustrações. Foram de Manuel Braga e do cardeal Gonçalves Cerejeira as primeiras fotografias que o Diário de Coimbra imprimiu, a par de reproduções de algumas caricaturas, retiradas dos livros de curso dos estudantes finalistas, que adornavam as notícias da Queima das Fitas de 1930. Escrevia o jornal, a enquadrar estas ilustrações: «A mocidade académica de Coimbra, rainha, talvez, da mocidade de Portugal, impôs-se, mais uma vez, pelos seus destrambelhos artísticos. Passaram pelo cortejo as mais fantásticas ironias, que a imaginação pode criar. E veio uma chuva de versos, a atestar, pelo sentimento, pela “blague”e pela originalidade, o divertidíssimo temperamento daqueles que formam o “ensemble” da Academia de Coimbra. Aqui tendes algumas amostras; e dizei-me agora, vós que me ledes, se a razão não está da minha parte, se vos disser que na Academia de Coimbra impera ainda o velho espírito do lendário Pad-Zé». Ao lado, a caricatura do finalista de Medicina Jaime Crespo Pignatelli, e os versos satíricos da praxe, de que neste espaço apenas cabe a primeira quadra: “Estatura meã, branco, rosado / Boa figura, máscula beleza / Costela nobre, “aplomb”, sangue azulado / – Mas não “liga”a brasões, nem a nobreza!».

Preparar Coimbra para bem receber”. Manuel Braga sintetizava deste modo a missão da Comissão de Turismo de Coimbra, de que era administrador-delegado, na interessante entrevista que concedeu ao Diário de Coimbra e foi publicada cinco dias após o nascimento do jornal, ocupando boa parte da primeira página da edição de 28 de Maio de 1930. Criado em 1924 para «fomentar e desenvolver as condições de turismo de Coimbra», este organismo vinha protagonizando um trabalho meritório no embelezamento da cidade, destacando-se a transformação dos «chavascais e monturos» que eram a Ínsua dos Bentos, na margem direita do Mondego, no amplo jardim que é hoje o Parque da Cidade, e o ajardinamento da Avenida Sá da Bandeira e do Penedo da Saudade. «Por nossa iniciativa, Jacinto de Matos [paisagista floricultor] debuxou os planos destes jardins e transformou aqueles recintos abandonados», lembrava Manuel Braga. O responsável pelo turismo considerava que não bastavam a Coimbra os «monumentos notáveis» para ter condições de receber turistas. «Havia um problema de educação, de morigeração de costumes, de conduta de cada um para com os estrangeiros – problema que pertence à polícia –, e o problema da preparação material da cidade, que é a nossa razão de ser», explicava. Identificava depois «outros motivos de interesse artístico» que justificavam as atenções da Comissão de Turismo. «O Jardim da Manga é uma curiosidade artística e monumental

nhora da Piedade, Senhora das Preces, Senhora do Mont'Alto». E, realizados esses melhoramentos, havia que dar a devida atenção à Serra da Estrela. «A Estrela é o grande motivo turístico de Portugal, pelos muitos recursos que oferece, quer como estância de recreio, quer Manuel Braga como esidealizava para Vale tância de de Canas “uma escura e retância de repouso pouso, e turismo”, a dois passos da cidade quer como estância termal, pelas nascentes de águas minerais que se encontram nas suas faldas. Como centro desportivo e de alpinismo, é notável. E, mesmo até, para o estudioso, a Serra oferece altos recursos pelos curiosos costuMonumento a Manuel Braga no jardim que tem o seu nome mes da vida dos serranos. que a esta Comissão merece zando uma vida livre a dois Aproveitá-la, explorá-la conveinteresse. Por isso, encarregá- passos da civilização citadina», nientemente, torná-la atraente e cómoda, eis os nossos intenmos o arquitecto sr. Silva Pinto preconizava. Uma estratégia, resumia Ma- tos, de colaboração com as code elaborar o projecto do seu aproveitamento, tarefa de que nuel Braga, para tornar Coim- missões serranas», esclarecia. Estas e outras intenções mose desempenhou com todo o bra «apta a receber, e, concomérito. Os Olivais, recinto his- mitantemente, transformá-la bilizavam a Comissão de Tutórico e notável, também me- num centro de convergência e rismo, organizada – nas palareceram a nossa atenção e, por de irradiação de turistas». «Se- vras do seu administrador – isso, lhe reconstruímos o afa- guidamente, atrair os turistas «não como uma empresa rica, mado Presépio, tencionando mercê duma propaganda in- montando uma instalação dedicar-lhe, ainda, maior aten- tensa e racional, como, de resto, principesca e criando um exérção. E a seguir voltar-nos- a iniciámos já», acrescentava. cito de pessoal, mas como uma entidade que veio trabalhar». -emos para o Parque de Santa «Por isso, limitámo-nos à moAproveitar bem Cruz», anunciava. desta instalação que vê, e reLogo a seguir, destacava a im- a Serra da Estrela Mas o responsável assumia duzimos ao mínimo o pessoal», portância de valorizar Vale de Canas. «É uma estância de re- uma visão mais ampla de fo- elucidava Manuel Braga. Na entrevista, o jornal não pouso e turismo que estamos mento turístico e defendia, a criando, a dois passos da ci- par de investimentos nas vias deixou de elogiar «os ditames dade, mas com feição rupestre, de comunicação, rodoviárias e ouvidos» e este programa, «do aproveitando a magnífica ma- ferroviárias, a criação de «co- maior interesse e proveito tuta, com largas e formosas pai- missões de iniciativa entre rístico para a região», recomensagens. Vale de Canas será uma Coimbra e a Serra da Estrela, dando-os como «exemplo de estação de altitude média, onde nessa zona formidável de be- trabalho» e de «incentivo e moturistas poderão estacionar leza que é a zona dos grandes delo de organização a entidanum à-vontade agradável, go- santuários: Senhor da Serra, Se- des similares».

mas ricas de pormenor, os “fait-divers” de Coimbra eram relatados na secção “Da cidade”, dando a saber que «ontem, quando na Conraria, o ciclista Eduardo Bernardo Ferreira procedia a treinos, encontrou junto ao rio Ceira um carro de bois que havia resvalado da estrada, estando os animais prestes a afogar-se. O destemido ciclista atirou-se à água e conseguiu salvá-los». Logo a seguir, publicava-se que «pelas 13,30 horas de ontem foi colhida na Rua da Moeda, por um boi, Maria Celeste da Conceição Rodrigues, de 80 anos de idade, casada, doméstica, natural de Coimbra e moradora na dita rua, do que resultou ficar ferida na vista esquerda, tendo recebido tratamento no posto dos Hospitais da Universidade. O condutor do veículo, Adelino Luís, foi preso pelo guarda n.º 112».

Apedrejaram o pároco 27/5/1930Do correspondente de Oliveira do Bairro chegava ao jornal notícia insólita, curta e sem mais explicações, inserida na secção “Por outras terras”: «Há pouco foi colocado na paróquia do Troviscal um novo padre, que não caiu no agrado do povo e por se intrometer numa questão particular, foi apedrejado».

À espera de Bissaya Barreto 24/5/1930 Noticiava o jornal: «Regressou há dias a Coimbra, vindo de Paris e Berlim, onde fora em viagem de estudo, o nosso prezado amigo sr. dr. Bissaya Barreto, distinto médico e lente da Faculdade de Medicina da nossa Universidade. Apesar de só umas horas antes ter corrido a notícia da chegada daquele ilustre clínico, compareceram na gare, a apresentar-lhe cumprimentos de boas-vindas, muitos dos seus amigos e admiradores, entre os quais se contam todas as pessoas de maior destaque no meio coimbrão».


02 | 23 FEV 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias 31/5/1930 Neste espaço de memórias do jornal recordamos hoje a polémica em torno da construção da Estação Nova e as razões de queixa de Coimbra em matéria de ferrovias desactivação se equaciona agora para a instalação do “metrobus”– estava em construção na altura em que o Diário de Coimbra publicou o referido artigo, da autoria de Abel Dias Urbano, antigo presidente da Câmara de Coimbra (1928) e engenheiro militar, com conhecimentos e opinião sólida em assuntos ferroviários. Funcionário do município e FIGUEIREDO responsável por um projecto de reforma de arruamentos da Baixa, que previa uma grande rua da Projectada por Praça 8 de Maio ao Cottinelli Telmo rio, a desembocar e Luís Cunha, a no largo das Estação Nova foi Ameias (numa esconstruída entre 1925 e 1931 pécie de antevisão da “Via Central”, retomada uma década depois nas propostas do arquitecto francês Étienne de Gröer para a zona central cidade), Dias Urbano lamentava que a Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses não tivesse acedido à exigência camarária de recuar alguns metros na localização da Foi polémica em Coimbra a construção da Estação Nova, cuja desactivação hoje se equaciona futura estação, quer para não transporte ferroviário no país. fazendo “orelhas moucas” das ferroviária do centro de Coim- desalinhar com a nova artéria bra, para substituir a estação quer para não estrangular a conAcabado de nascer, há 90 pretensões e opiniões locais. A Câmara e a Associação Co- “provisória”que durante quatro tinuidade da Avenida Navarro anos, o Diário de Coimbra publicava numa das suas primei- mercial e Industrial eram rostos décadas recebeu os passageiros para o Choupal, por uma averas edições, a 31 de Maio de principais desse descontenta- junto ao cais dasAmeias, ao lado nida marginal do Mondego. 1930, com honras de primeira mento. Desde logo por consi- do Mondego - «uma estaçãozipágina e em forma de editorial, derarem um erro não ter en- nha, pobre, acanhada, de mes- Uma cadeia de erros «Com a construção da nova um extenso artigo com «as- troncado em Coimbra a linha quinha arquitectura, imprópria sunto palpitante» que reflectia férrea da BeiraAlta, discordando de qualquer vilória sertaneja de estação no Cais das Ameias a um certo mal-estar na cidade, depois do traçado do ramal da alguma importância», como en- C.P. vai soldar mais um elo na desagradada com a forma au- Lousã no atravessamento da ci- tão se descreveu neste jornal). cadeia de erros que se vão suProjectado pelos arquitectos cedendo, contra o engrandecitoritária como o Estado, através dade (defendiam uma solução da Companhia de Caminhos de pelo vale de Coselhas) e tam- Cottinelli Telmo e Luís Cunha, o mento de Coimbra, desde há Ferro, decidia rede e estações, bém da localização da nova gare edifício da Estação Nova – cuja perto de 50 anos. De nada va-

QUANDO A ESTAÇÃO NOVA ERA VISTA COMO UM “MONSTRUOSO ALEIJÃO”

A

questão ferroviária foi desde sempre, em Coimbra, foco de tensão entre os poderes públicos da cidade e o poder central. Esta semana, no lançamento do concurso para o que falta fazer da nova Via Central, a ligar a Avenida Fernão de Magalhães à Rua da Sofia e permitir a passagem da Linha do Hospital do projectado “metrobus”, o secretário de Estado das Infraestruturas reconheceu que diferentes governos devem «um pedido de desculpas às populações da região», esbulhadas há uma década do centenário transporte por comboio de Coimbra para a Lousã com a promessa de um metropolitano de superfície, trocado agora por um serviço de autocarros eléctricos. A polémica implementação do designado Sistema de Mobilidade do Mondego, pelos atrasos, indefinições e lamentável percurso trilhado por diferentes protagonistas, é o mais recente episódio de um longo historial de desentendimentos entre representantes das populações locais e os decisores, a nível central, das opções de

70 centavos para assistir à inauguração 15/3/1931 Iniciada a construção em 1925, a Estação Nova viria a ser inaugurada a 15 de Março de 1931. Sem pompa e sem o entusiasmo da cidade, a avaliar pelas escassas linhas com que o Diário de Coimbra noticiou o assunto no dia seguinte: «Inaugurou-se ontem a Estação Nova. Muita gente, a querer confirmar-se dos reparos feitos à volta daquela obra. É de facto alguma coisa, afirmava-se. Mas podia ser de facto melhor, diziam também. Quanto a nós,

a afirmação que nos não agrada e deveria ser incomparavelmente melhor. Comentava-se desfavoravelmente o facto estranho de se exportular a cada um $70 centavos para assistir à inauguração. Comentário: “E único”!» Só a 31 de Maio de 1931 o jornal voltaria ao assunto da Estação Nova, para reconhecer que embora sendo «um edifício sem a imponência que devia ter em relação à cidade de Coimbra, é, porém, um pouco melhor do que o pardieiro e o

Uma “Via Central” era já prevista em 1940 (esboço de Étienne de Gröer)

barracão que desempenharam, durante alguns tempos, aquelas funções». O editorial secundava as críticas de Abel Dias Urbano, opinando que a Estação Nova «constitui um monstruoso aleijão na urbanização da cidade baixa», e, antevendo dificuldades futuras, lamentava ainda a opção de fazer os comboios para a Lousã atravessar a Baixa da cidade (incómodo que Coimbra teve de suportar até 1984). «Tudo condena actualmente a desastrada directriz. A linha férrea embaraça e

desfeia o acesso ao formosíssimo parque da Ínsua dos Bentos; dificulta a circulação no Largo Miguel Bombarda [hoje Portagem] e na Avenida Navarro, locais em que aumentou consideravelmente o trânsito de veículos de toda a espécie; entra defeituosamente em reversão na nova gare, agravando o estrangulamento da passagem entre a Estação Nova e a rampa do cais; finalmente, com a circulação de comboios mistos e de mercadorias, a linha férrea põe uma estridente nota anti-estética num dos mais belos rincões da cidade», rematava o artigo.

leram as reclamações, os pedidos, as propostas e as sugestões da Câmara Municipal numa porfiada campanha que vem desde 1918. No alto do seu poderio, a Companhia conservou-se inflexível, e persistiu em localizar a nova estação de maneira a estrangular a passagem junto ao cais a impedir a ligação, por uma formosíssima avenida, do Parque da Cidade com o Choupal, e a aleijar os projectados melhoramentos da Baixa», criticava o autor. Face ao que existia a nova estação era um melhoramento, mas a Dias Urbano não interessava a crítica do valor arquitectónico do novo edifício, exaltado por alguns como «um primor de arquitectura». «O efeito estético de um edifício não depende só da harmonia e beleza das suas linhas, é sempre subordinado à sua adaptação às condições do local. Ora o novo edifício apresenta-se de esguelha em relação àAvenida, quase encostado ao Cais do Mondego (…), numa localização total que ficará sempre como monstruoso aleijão a obstruir e a desfeiar o que poderia e deveria ser um dos mais lindos ornamentos da cidade», comentava. «É mais um grande erro a acrescentar aos que tem desabado sobre Coimbra, numa série ininterrupta, a título de grandes melhoramentos. É preciso que termine, na construção da nova estação, essa cadeia que tanto tem retardado o engrandecimento da cidade e o fomento da região, e que se remedeiem, quanto possível for, os erros acumulados», concluía o autor.

Perigo no Quebra Costas 4/6/1930 A funcionar na Rua do Quebra Costas, o jornal deixava o seguinte alerta: «Representa um autêntico perigo o estado em que se encontram as escadas do Quebra Costas. Gastas de todo, escorregadias, como estão, são ali constantes as quedas e os trambolhões.Ainda ontem se deram casos destes. As quedas não tiveram consequências graves, é verdade, mas podem tê-las amanhã. Porque não manda a Câmara, à falta de melhor remédio, picar, ao menos, os degraus?»


02 | 1 MAR 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Ficou sem as roupas e o relógio de ouro 1/6/1930 Na secção “Da Cidade”noticiavam-se os casos de polícia, alguns insólitos e pitorescos. Veja-se este: «Ontem, quando o académico sr. Montalvão tomava banho, próximo do Choupal, uns meliantes roubaram-lhe todo o fato e roupa branca, carteira e um relógio de ouro, deixando-lhe apenas as meias e os sapatos. Ao que nos consta, o estudante apresentou a respectiva queixa na polícia».

As malas da companhia não chegaram

29/5/1930 Em digressão pelo país, a companhia da actriz e empresária teatral Hortense Luz trouxe a Coimbra três dos seus espectáculos, um deles o grande êxito “ARambóia”. Previstas três récitas no Teatro Avenida, a primeira, de 28 de Maio, não se realizou, por motivo que o jornal explicou deste modo: «Teatro Avenida - 21,45 da noite de ontem. À boca do proscénio aparece a conhecido actor cómico Alberto Ghira. Pede vénia. Cumprimenta a plateia. Pede desculpa às Ex.mas senhoras e aos cavalheiros. As malas da companhia não chegaram de Braga. Para não darem um espectáculo inferior, adiam o espectáculo para hoje. E assim os bilhetes valerão. O público correctamente não protestou».

Jogos entre cidades na Arregaça 24/5/1930A secção “Na Vida Desportiva” comunicava a «grande expectativa» para os encontros inter-cidades, em foot-ball e também em basketball (assim escreviam na época), entre as equipas III Lisboa e Coimbra, ambos a disputar no campo da Arregaça.

2/6/1930 O Diário de Coimbra batalhou contra a “promiscuidade miserável” em que os reclusos se viam forçados a viver na cadeia comarcã de Santa Cruz

O DEGRADANTE E TRISTE ESPECTÁCULO DOS PRESOS NO CORAÇÃO DA CIDADE

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em no centro da cidade, as degradantes condições da cadeia de Santa Cruz mereceram olhar reprovador e reparos nas primeiras edições do Diário de Coimbra. Em nota “Ao correr da pena”, a 2 de Junho de 1930, começou por alertar para a «promiscuidade miserável» a que os encarcerados estavam sujeitos no edifício, antigo celeiro dos crúzios, que desde 1856 funcionava como prisão preventiva e correccional da comarca e que o município se responsabilizava por manter. Pedindo às autoridades competentes que olhassem, «misericordiosamente, para esta desgraça lamentável», o jornal prometia voltar ao assunto, o que cumpriu detalhadamente quatro dias depois, em destacado artigo de primeira página. O texto, assinado por João Bacelar, advogado, antigo deputado e colaborador do jornal para os temas de justiça (era autor da secção semanal “Crónica dos tribunais - Processos célebres”), descrevia uma visita à cadeia de Santa Cruz, em que acompanhara o professor de Direito Penal, Beleza dos Santos, mais tarde responsável pela reforma do sistema prisional de 1936. O que viu impressionou-o. «O quadro era na realidade desolador: os presos, com aspecto de homens que caem para não mais se levantar, estavam em casamatas imundas, com a lotação excedida, meios despidos e com os corpos infestados de parasitas que lhes punham na pele manchas suspeitas.Alguns não tinham onde dormir, e lia-se-lhes no rosto que todos os bons sentimentos, tudo quanto eleva e sustenta, tudo quanto impulsiona e ilumina, havia desaparecido dessas almas já só acessíveis ao sofrimento», relatava o autor. João Bacelar comparava o

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de Santa Cruz para instalações que estavam então a ser construídas na Cerca da Prisão-Oficina. Presos a dormir no chão e a acenar pelas grades Ainda por esses dias, em notícia intitulada “Cadeia Civil”, dava-se conta da vinda a Coimbra do inspector geral das Prisões, para verificar o estado em que se encontrava a cadeia de Santa Cruz. «E ao visitá-la, horroriA cadeia civil encerrou em 1936, zado, exclaum ano após a mou: “Coimdemolição da bra não pode vizinha Torre considerar-se de Santa Cruz uma terra civilizada enquanto tiver uma cadeia assim». Em resultado da inspecção, «forneceu já enxergas e vestuário a todos os presos e conferenciou com o Presidente da Câmara para que esta forOnde hoje está a PSP funcionou durante oito décadas a cadeia neça imediatamente a água inda comarca, oferecendo mau espectáculo no centro da cidade dispensável à boa higiene da cadeia e dos reclusos», congratratamento dado aos presos Uma visita do jornal tulava-se o jornal. noutros países civilizados para à Prisão-Oficina Apesar das boas intenções, o Na mesma edição, igualconsiderar que «no estado actual da política criminal, em que mente em primeira página, problema continuaria por reuma pena é injusta sempre que noticiava-se a visita de um re- solver-se e o Diário de Coimbra faça sofrer sem utilidade, não é pórter do jornal à Prisão-Ofi- voltava à carga, a 15 de Junho de tolerar a pena de prisão nas cina de Coimbra. A funcionar de 1930, em novo editorial socircunstâncias em que a exer- desde 1901 no espaço que ou- bre o estado deplorável da cacemos em Coimbra». «Entre trora fora o Convento de To- deia de Santa Cruz. «É necessário acabar com nós, a prisão é degradante e mar (onde hoje se mantém a prejudicial. Conservamos os Penitenciária), acolhia reclu- essa miséria que nos envergopresos na maior ociosidade. sos de vários pontos da região nha. Não conheço nada mais Permitimos o espectáculo triste a cumprir penas mais longas, degradante do que o aspecto e degradante daquelas cabeças mas em condições nada com- desse velho casarão, onde as détraqués espreitando às gra- paráveis às da cadeia da ci- emanações produzem uma atdes de Santa Cruz, entre cínicos dade. Aos presos era dada mosfera insuportável, infecta, e abatidos, como feras em jau- ocupação nos diferentes es- que nos chega ao nariz como las, expondo o seu impudor à paços oficinais e o jornal cons- um sopro de morte. E se juncuriosidade pública. E como tatava a dignidade dos aloja- tarmos a este quadro a promisnão têm ocupação, no pequeno mentos. No final, em forma de cuidade insensata duma turba espaço em que a custo se me- entrevista, o director, José Mi- numerosa, constituída por vaxem, bulham, blasfemam, ba- randa, explicava os «princípios gabundos e malfeitores, loucos tem-se, maldizem e revoltam- da disciplina e higiene» que e estigmatizados de toda a es-se, corrompendo aqueles que orientavam esta penitenciária pécie, temos o meio onde amaainda conservam algumas qua- e defendia para breve a trans- nhã pode vir cair qualquer pesferência dos presos da cadeia soa de bem. Ali, de resto, falta lidades», observava.

tudo: as camas, quando as há, servem a muitos ao mesmo tempo. Os presos não têm onde encostar a cabeça, a não ser nalgum bocado de palha cheio de vermes. A maior parte dorme no chão, como cães, em enxergas por tal formas imundas e desconfortantes que lhes ferem o próprio corpo.Angustia ouvi-los. Nesse antro, estão muitos, que ali vivem, ali dormem, ali comem, ali defecam, numa abjecta, trágica promiscuidade. E esta tem um aspecto moral e penal que não pode ser indiferente a ninguém. E a justiça penal de hoje não é nem pode ser a justiça penal do século XVII», lia-se no artigo, de novo com assinatura do jurista e colaborador João Bacelar. “Quando se removem os reclusos do velho presídio?” O Diário de Coimbra continuaria a olhar para este problema e a questionar os responsáveis. Veja-se, por exemplo, esta nota de Agosto de 1931. «Quando se removem os reclusos do velho presídio de Santa Cruz e nele se instala a Caixa Geral de Depósitos? Não acharão as autoridades o aparato daquele degradado edifício, com os presos a acenar pelas grades, detestável para o coração da cidade?», perguntava o jornal. Antiga dependência do Mosteiro de Santa Cruz, a “Casa Vermelha”, ou antigo celeiro e casa de fruta dos frades crúzios, era cobiçada pela GNR, pela Polícia de Segurança Pública (que ali colocou a 2.ª esquadra) e chegou até a prever-se retirar a cadeia para construir a filial de Coimbra da Caixa Geral de Depósitos. Na monografia “Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade”, o historiador João Pinho aborda a ocupação deste espaço recordando que em 1935, na sequência da demolição da Torre de Santa Cruz, situada “paredes meias” com a cadeia, «levantou-se a necessidade de transferir os presos» para a Penitenciária, junto aos Arcos do Jardim. A 1 de Junho de 1936, finalmente, 136 reclusos eram recolocados e encerravam-se as portas de um cárcere miserável e desumano, na zona central de Coimbra, que tanta indignação gerou e muita tinta fez correr.


02 | 8 MAR 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Um alerta para o elevado preço dos “carros de praça” 06/06/1930 O jornal chamava a atenção, há 90 anos, para o elevado preço cobrado pelos prestadores de serviço de táxi em Coimbra. Com o título “O preço do serviço de automóveis em Coimbra”, publicava-se o seguinte: «Segundo as nossas informações, a Comissão de Turismo tem recebido muitas reclamações do público a propósito do exagerado preço do serviço de automóveis de praça, e devido a essas reclamações está aquela entidade no propósito de estimular a organização de uma empresa que venha influir na redução do preço desses serviços que passam por ser os mais elevados do país. Para tratar deste assunto, sabemos que a Comissão de Turismo já tem trocado impressões com algumas empresas do Porto e de Lisboa, a fim de conseguir o que pretende em benefício do público e do desenvolvimento do turismo na cidade e região. Se a actual tabela de preços dos automóveis de praça não for espontaneamente modificada de harmonia com as gerais reclamações do público, somos levados a crer que, dentro de breve prazo, uma empresa se organizará em Coimbra que influirá na baixa rápida dessa tabela exagerada de preços».

Universidade homenageou poeta 24/5/1930 As notícias “Da cidade” destacavam, com o título “Honra ao génio!”, uma «grande homenagem» que a Universidade de Coimbra prestou ao poeta neogarrettista António Correia de Oliveira. No final da cerimónia, na Sala dos Capelos, a «numerosa assistência abriu alas e a academia estendeu as suas capas à passagem do poeta». Houve também um sarau de homenagem no Teatro Avenida e António Correia de Oliveira foi ainda convidado pela Comissão Central da Queima das Fitas a demorar-se nesta cidade até ao dia 27, tendo sido aceite o convite.

Neste espaço de memórias do jornal recordamos hoje um surto epidémico que há quase 90 anos transtornou a vida de Coimbra, da região e do país

tabelecimento de ensino, tanto mais que a sua localização [antiga hospedaria de Santa Cruz e actual Escola Jaime Cortesão], num sítio de si húmido e mais húmido com o tempo que faz, é propícia à propagação de doenças contagiosas». A mesmo procedimento se recomendava à «ilustre reitora» da escola Infanta D. Maria, onde se encontravam «doentes, com a gripe, muitas alunas». Neste liceu, segundo notícia de 5 de D.R. Fevereiro, o fecho de portas manter-se-ia até dia 19, por proposta da médica escolar. Por esses dias registava o jornal Em Coimbra «numerosos caficaram doentes sos de doença» muitos alunos dos devido à epideliceus José Falcão, Júlio Henriques e mia da gripe, Infanta D. Maria transmitidos por correspondentes em Miranda do Corvo, Ançã, Brenha, Espinhal, Mortágua, Tondela, S. João da Madeira e Moimenta da Beira. Mais tranquilo, o correspondente de Folgosa da Madalena, concelho de Seia, informava o seguinte: «Lemos no Diário de Coimbra que em muitas terras do país está grassando a gripe com paLiceus José Falcão e Júlio Henriques funcionaram até 1936 no edifício do Colégio de S. Bento, na Alta de Coimbra vorosa intensidade.Aqui, à parte um ou dois casos, não se tem oram cerca de duas se- por alguns dias, pois de contrá- sias, como por exemplo em Pe- pelo Liceu Júlio Henriques, que registado, e ainda bem!» De outros pontos do país nomanas que afligiram rio alastrará a epidemia e to- ravelha e noutras, tem havido partilhava com a escola José Coimbra, a região e o mará conta do resto que falta», casos de febre tifóide e têm Falcão instalações no Colégio ticiava-se o encerramento dos de S. Bento, junto à Universi- liceus da Guarda, Guimarães e morrido algumas pessoas». país. Recuando a Janeiro e Fe- recomendava o jornal. No dia seguinte, noticiava-se dade – até à fusão dos dois, em Angra do Heroísmo, e do esO tempo «extremamente frio vereiro de 1931, o Diário de Coimbra dá-nos a saber que e doentio» acelerava os efeitos que o Liceu Central Dr. José Fal- 1936, e consequente transfe- trangeiro vinham informações um surto de gripe perturbou da gripe e publicava-se no mes- cão encerrava as portas «pelo rência para o novo edifício na de que em Madrid 40% da população tinha sido atacada de fortemente a vida dos cidadãos, mo dia que a norte, em Viana espaço de seis dias». «Esta me- Avenida Afonso Henriques. No dia 29, em nota “Ao correr gripe mas a «epidemia tem sido levando inclusive a encerrar es- do Castelo, «vários estabeleci- dida, inteligentemente tomada, mentos públicos funcionavam foi motivada pela epidemia de da pena”, escrevia-se que na Es- benévola e tende a diminuir, tabelecimentos escolares. Sem pretender comparações sem grande parte do pessoal», gripe, que grassa intensamente cola Industrial e Comercial Bro- não sendo a mortalidade alarcom a gravidade da actual pan- enquanto em Moimenta da nesta cidade, tendo presos no tero se encontrava «engripado mante»; em Atenas a epidemia demia do Covid-19, há que dizer Beira, segundo o correspon- leito algumas dezenas de alu- grande número de alunos, o da gripe aumentara de intensique deve ser causa bastante dade, tendo sido necessário enque 90 anos atrás as ciências dente do jornal, a situação agra- nos», esclarecia o jornal. Medida idêntica era tomada para que se encerre aquele es- cerrar a Câmara de deputados médicas e os meios profilácti- vava-se e «nalgumas freguee o Senado; e em Berlim «a cos tinham ainda muito que gripe tomou incremento nestes evoluir. A tuberculose causava últimos dias, registando-se 500 enorme temor, mas até o que a 600 casos diários. «Aqui já há hoje desconsideramos como Curar a gripe com a “receita do inglês” uns 15.000 doentes. Têm-se “simples”gripe poderia motivar preocupação e alarme social. 24/1/1931 O carácter be- pessoas se encontram já ata- microbianos externos; e es- dado óbitos», indicava o jornal. Asituação tenderia a normaVamos às notícias da época, nigno da gripe levava a en- cadas dessa pandemia; urge tes só se afastam quando folheando as páginas do nosso carar com relativa despreo- evitá-la e, para tal, os médi- não encontram ambiente lizar nos dias seguintes.Aúltima jornal. A 27 de Janeiro de 1931, cupação este surto de doen- cos, na sua missão, não têm propício. Ora, esse ambiente notícia que o Diário de Coimbra escrevia o Diário de Coimbra ça, prevendo-se que seria mãos a medir. Mas os doen- não propício aos micróbios dedicou a este surto, a 11 de Feque «embora de carácter be- uma questão de tempo (e al- tes de gripe podem medica- pode ser criado pelas quali- vereiro, foi, curiosamente, para nigno, e ainda bem que assim guns cuidados) até estar de- mentar-se porque, para isso, dades terapêuticas do vinho comunicar que se encontrava é, sabemos que estão a ser ata- belado. No jornal de 24 de basta que arranjem, em si, do Porto, ou outras bebidas «doente de cama, com um viocados de gripe dezenas e deze- Janeiro, lia-se na secção um conjunto de forças que generosas. É a receita do in- lento ataque de gripe», o ménas de alunos do Liceu José “Pela Cidade” uma nota em resista à doença. Evidente- glês: chapéu ao fundo da dico Santos Jacob, na altura Falcão e também alguns se- tom que procurava tranqui- mente que se trata duma cama; Port wine à cabeceira: presidente da Câmara Municinhores professores». «Parecia- lizar os leitores: «Chegou a reacção de forças vitais das ao ver dois chapéus está-se pal de Coimbra, a quem o jornal desejava as melhoras. M.S. -nos bem que o Liceu fechasse gripe a Coimbra: muitas células contra os agentes curado. E está.»

GRIPE ATACOU EM FORÇA E OBRIGOU A ENCERRAR ESCOLAS EM COIMBRA

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02 | 15 MAR 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Queda de neve encantou em Coimbra 14/2/1932 Fenómeno meteorológico raro em Coimbra, a queda de neve inspirou o repórter, que a relatou deste modo na edição de 14 de Fevereiro de 1930. «Nevou ontem em Coimbra. Foi um espectáculo inédito para muita gente que nunca tinha visto aquelas farripitas brancas, muito leves a bailarem no espaço como se fossem poeira de farinha, joeirada por uma invisível e colossal peneira. E toda a gente acorreu a assistir ao curioso fenómeno; e toda a gente esfregou os olhos, não fosse, acaso, ser vítima dalgum pesadelo. Mas era verdade. A neve caía, muito lenta e muito branca, atapetando as ruas, ornamentando as árvores, caiando os telhados. Foi curta, a agradável sensação. Prontamente o sol desfez aquela toalha alvíssima, sem sequer dela deixar vestígios».

Um museu de arte contemporânea em Coimbra 27/5/1930 O município e o Governo querem criar em Coimbra um centro de arte contemporânea para acolher a colecção do BPN. Curiosamente, em Maio de 1930 publicava o nosso jornal a seguinte apontamento na rubrica “Ao correr da pena”: «Pensou-se, já aqui há anos, na organização de um grupo denominado “Pro-Arte”, com o fim de promover e patrocinar exposições de arte moderna, aventando-se mesmo a ideia da criação de um museu. Possivelmente por não ter encontrado à sua volta aquele apoio e aquele auxílio de que iniciativas desta natureza necessitam, a organização do grupo “Pro-Arte” não foi por diante. Lamentamo-lo. Coimbra tem necessidade da criação de um museu de arte contemporânea. Ninguém o pode contestar. Por isso mesmo, o Diário de Coimbra coloca-se incondicionalmente à disposição dos organizadores daquele grupo, para defesa das suas aspirações».

31/5/1930 Há 90 anos a concentração alfandegária em Lisboa e Porto era vista como entrave ao desenvolvimento comercial e industrial de Coimbra e das Beiras

Junho, que no cais de mercadorias da estação ferroviária havia uma média diária, entre carga e descarga, de 50 a 60 vagões, lembrando, por outro lado, a insistência da Associação Comercial e Industrial e de outros organismos citadinos, junto dos poderes públicos, para a criação de um posto aduaneiro destinado à recepção e expedição de encomendas postais estrangeiras, encomendas essas que se acumulavam em FOTOGRAFIA ANÓNIMA, 1941 (EM “AMÍLCAR PINTO: UM ARQUITECTO PORTUGUÊS DO SÉCULO XX”, DE JOSÉ RAIMUNDO NORAS) Lisboa, na respectiva secção postal, «aos milhares, sendo morosíssimo o seu despacho, com manifesto preJornal alertava há juízo dos destinatários». 90 anos para a de«Por que razão as mora na chegada a mercadorias vindas do Coimbra de grande estrangeiro e consignúmero de enconadas a Coimbra e sua mendas postais região, não hão-de seguir directamente, em trânsito, até aqui? Não representaria isto uma descentralização de serviços, hoje mais do que nunca aconselhada como factor de progresso?», questionava assertivamente o nosso jornal. Terá havido avanços e lia-se algum tempo depois que as entidades oficiais «reconheceram a justiça que assiste à nossa ciEquacionou-se um posto aduaneiro para o novo edifício dos Correios, inaugurado em 1939 dade», tendo «uma comissão hoje estabelecimentos que po- dade no recebimento das mer- fazer as necessidades e exigên- representativa das actividades dem bem rivalizar com muitos cadorias importadas, o que re- cias do desenvolvimento eco- da nossa região», que se deslodos similares de Lisboa e Porto, presenta, inegavelmente, enor- nómico da cidade», e sugerindo cou a Lisboa, recebido a protenha de esperar que as mer- mes prejuízos, há ainda, a agra- que o descongestionamento messa de que seria destinada a cadorias importadas sejam ve- var os preços destas, as despe- das alfândegas de Lisboa e posto aduaneiro uma sala no rificadas e despachadas nas al- sas com as viagens a Lisboa ou Porto permitiria dispensar des- novo edifício dos Correios, Tefândegas de Lisboa ou Porto, ao Porto, a que constantemente tes postos o pessoal necessário légrafos e Telefones. O edifício dos Correios na para só depois, passados bas- se vêem forçados o comércio e para guarnecer o de Coimbra. Baixa da cidade tinha sido desos particulares, a fim de assistitantes dias, as receber!». truído por um incêndio em JaNo dia seguinte, voltando ao rem à verificação e despacho Encomendas postais neiro de 1926 e Coimbra teve assunto, notava os «incalculá- das mesmas mercadorias», re- acumuladas aos milhares Constatando que «Coimbra de esperar mais de uma década veis contratempos que, da falta forçava, defendendo que «a de um posto aduaneiro em criação de um posto aduaneiro é hoje, incontestavelmente, um para ver condignamente alojaCoimbra, resultam não só para é, portanto, um empreendi- grande centro comercial e in- dos estes serviços, a funcionar a cidade como para toda a re- mento que urge levar a cabo, dustrial», o jornal exemplificava, entretanto, de forma provisória gião». «É que, além da morosi- pois só assim se podem satis- em editorial publicado a 4 de e inadequada, em espaços camarários. Iniciada a construção em meados da década de 30, no espaço entre o mercado Grande importação de mercadorias do estrangeiro municipal e o Jardim da Manga, o edifício dos Correios, Te4/6/1930 Coimbra revelava mazéns e estabelecimentos desconhece as morosidades, légrafos e Telefones seria inauno início da década de 30 do de todos os géneros, que despesas e incómodos de gurado a 29 de Outubro de século passado um interes- ainda há pouco eram tribu- toda a ordem, que resultam 1939. A ausência de qualquer sante dinamismo comercial tários do comércio de Lisboa dos despachos feitos a gran- referência, nas notícias do e industrial, como se pode e Porto e que hoje se forne- des distâncias, para onde se evento, ao posto aduaneiro – avaliar por este aponta- cem directamente dos cen- tem de remeter toda a do- tão desejado uma década antes, mento do jornal, a propósito tros produtores nacionais e cumentação, com a inter- numa conjuntura económica do pretendido posto adua- estrangeiros, sortindo todo venção de terceira pessoa, talvez mais favorável – leva-nos neiro: «Há em Coimbra os o centro do país. É, pois, sempre defendendo com os a admitir que terá ficado exserviços municipalizados, as grande a importação de devidos cuidados os interes- cluído do projecto e que o Esfábricas de lanifícios e ma- mercadorias que a praça de ses dos seus clientes, ou ob- tado deixou assim por cumprir lhas, de sabão, “stands” de Coimbra faz directamente rigando estes a deslocações a promessa de descentralização deste serviço alfandegário. M.S. automóveis, importantes ar- do estrangeiro, e ninguém e despesas evitáveis».

JORNAL DEU VOZ AO COMÉRCIO QUE PEDIA PARA COIMBRA UM POSTO ADUANEIRO

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criação de um posto aduaneiro em Coimbra, para despacho de mercadorias importadas através de correios e caminho-de-ferro, foi uma das primeiras causas que o nosso jornal abraçou, cumprindo o propósito, desde a primeira hora assumido, de defender os interesses da cidade e da região, de dar voz às preocupações e anseios das populações. Tinha o Diário de Coimbra acabado de nascer e recebeu, do comércio e indústria local, um apelo para que apoiasse a luta pela instalação nesta cidade de um posto aduaneiro. Intitulada precisamente “Um abaixo-assinado do comércio importador de Coimbra solicitando o apoio do nosso jornal”, a notícia publicada a 31 de Maio de 1930 informava que os subscritores (apontavam-se 35 nomes mas eram bastantes mais), comerciantes, importadores e industriais desta cidade, alertavam para a «necessidade absoluta e urgente da criação de um posto aduaneiro, em Coimbra, falta esta que há muito se faz sentir pela demora na recepção, principalmente do grande número de encomendas postais, e pelos prejuízos de toda a ordem que essa falta lhes acarreta». Reconhecendo a justeza do pedido, o jornal comprometeu-se a lançar uma campanha que, mobilizando a opinião pública, ajudasse os comerciantes a obter das entidades competentes o deferimento dessa pretensão.Assim, em primeira página e em forma de editorial, publicou, ao longo do seu primeiro ano de existência, vários artigos em defesa do posto aduaneiro. No primeiro, logo a 2 de Junho de 1930, escrevia o jornal não se compreender que «o comércio de Coimbra, a terceira cidade do país, que tem já


02 | 22 MAR 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias O furto na igreja e a escola que desabou

22/6/1930 Há 90 anos, o Diário de Coimbra chamava a atenção para um problema de saúde pública na rede de abastecimento de água à cidade

JORNAL ALERTOU PARA FALTA DE QUALIDADE DA ÁGUA EM COIMBRA Igreja de Figueiró dos Vinhos

31/5/1930 Criar uma boa rede de correspondentes locais era importante para o jornal, que há 90 anos anunciava o desejo de dar às suas secções “De outras terras” e “Pelas Beiras”, especialmente a esta, «o maior desenvolvimento», pelo que aceitava «correspondentes em todas as localidades onde ainda os não tenha». Esta colaboração era colocada diariamente na segunda página do jornal, onde lemos por exemplo, na edição de 31 de Maio de 1930, que «os gatunos entraram por meio de arrombamento na Igreja Matriz de Figueiró dos Vinhos tendo roubado o dinheiro das caixas de esmolas. Apesar de na Igreja existirem objectos de muito valor foram roubadas apenas aquelas importâncias que não vão além de 400$00. Suspeita-se duns meliantes que vêm fazendo iguais proezas nos concelhos de Tomar e Alvaiázere, de muito mau aspecto, que viajam um a cavalo e dois de bicicleta e que seguiram para Castanheira de Pera, Lousã ou Penela. Foi pedida a sua captura». Pelo mesmo correspondente de Figueiró dos Vinhos ficava a saber-se que no lugar do Bairrão, daquele concelho, tinha desabado uma escola: «A professora comunicou à Câmara que não pode ali continuar a ministrar ensino e que só a um verdadeiro milagre se deve o facto de não ter havido graves desastres pessoais, com aquele desabamento. É lamentável de verificar que neste concelho, infelizmente, quase todos os edifícios escolares, quer os do Estado, quer os particulares, estão neste estado de abandono».

O

Dia Mundial da Água, que hoje se celebra, é oportunidade para sensibilizar e levar os cidadãos a reflectir sobre a importância de preservar e utilizar adequadamente este valioso recurso natural, indispensável à sobrevivência da humanidade. Das torneiras de Coimbra sai uma das melhores águas do país. Elogiada por quem a consome, a qualidade tem merecido também o reconhecimento de entidades oficiais, que repetidamente distinguem o meritório trabalho da empresa municipal (Águas de Coimbra) responsável por assegurar o abastecimento à população. Mas nem sempre foi assim. Há 90 anos, um mês após ter sido criado o Diário de Coimbra, eram notícia de destaque neste jornal preocupações com a saúde pública motivadas, precisamente, por um défice de qualidade na água da rede. O abastecimento de água aos lares na cidade de Coimbra tinha começado em 1889, por iniciativa do município. Captada no Mondego, seguia da estação elevatória da Rua da Alegria para os reservatórios do Jardim Botânico e da Cumeada. A rede foi-se expandindo e em 1922 seria construída a Estação Elevatória do Parque Dr. Manuel Braga, que abasteceu a cidade até meados da década de 50 do século passado, passando então a captação para a zona da Boavista. Foi uma longa evolução, até alcançar a eficiência e qualidade hoje reconhecida aos serviços prestados pela empresa municipal, e muitos investimentos necessários para fazer chegar a água do Mondego, nas melhores condições, aos domicílios dos conimbricenses. Como em todos os percursos, surgiram problemas e ultrapassaram-se desafios e obstáculos.

D.R.

aluvião do Mondego, está sujeita a um erro misto de geografia e de biologia, devido à infiltração das águas das Abastecimento chuvas e do rio domiciliário de pelo terreno água em Coimbra poroso em começou em 1889, que assenta a por iniciativa Baixa, diluindo da autarquia os detritos nele acumulados constantemente, pelas torrentes daAlta e pelos habitantes do Bairro Baixo. De facto, a cada cheia do Mondego corresponde uma cheia microbiana na água dos Captação de água, até meados do século passado, era feita no poços da cidade e corresParque da Cidade, onde hoje está o Museu da Água ponde, também, um estado Não é indiferente a uma na- agudo da tuberculose, devido Voz dos interesses e preocupações dos cidadãos, o Diário ção o estado de saúde dos seus à humidade concomitante de Coimbra também terá con- componentes; e, consoante ele àquela inundação. Assim, Coimbra apresenta tribuído para esse caminho de é bom ou mau, assim o país se sucesso ao alertar (e de certo deve considerar em situação um elevado coeficiente de tumodo pressionar) os respon- florescente ou decadente. Por berculosos e um elevado ínsáveis para as deficiências no outro lado, àqueles a quem foi dice de defunções, não só por serviço prestado às populações. confiada a missão de zelarem aquela doença, como, tampela direcção das coisas públi- bém, por doenças endémicas. Combater esses erros geocas, incumbe, por uma questão Coimbra bebeu de humanidade e de solidarie- gráfico e biológico, e conseáguas impuras Foi há nove décadas mas dade social, o procurarem con- quentemente, o estado patopelo valor histórico merece a servar a saúde pública no me- lógico concomitante, cremos nós ser a missão fundamental pena, neste Dia da Água, recu- lhor estado. Aos governos e autarquias daqueles que exercem o poder. perar e transcrever o texto que o nosso jornal publicou na pri- locais compete fomentar a Evitar que a cidade contribua meira página da edição de 22 saúde pública, quer pela cria- com elevados índices obituáde Junho de 1930, em editorial ção de balneários, hospícios, rios devidos àquelas causas, é com o título “O problema das dispensários, etc; quer pela missão de todos os homens manutenção dum estado de que dedicam a sua vida ao águas de Coimbra”. Escreveu assim o Diário de pureza nos centros urbanos e bem-estar e ao interesse dos Coimbra: «Há em todas as so- nos serviços desses centros, outros. Por estas razões, não podemos perceber muito bem ciedades bem organizadas limpeza pública, água, etc. Ora, isto vem a propósito do qual a causa porque a água problemas vários, mais ou menos complexos, cuja solução facto de estarem impuras as dos Serviços Municipalizados, se impõe em absoluto, sob águas de Coimbra. Não sabe- filtrada em filtros que devem pena de as mesmas se arris- mos o estado dos filtros de merecer confiança, se aprecarem a perder a categoria de Coimbra; mas sabemos que sente impura, imprópria para países civilizados. E dentre es- tempos houve em que era boa, consumo, barrenta e quiçá, ses problemas, um ainda res- em que era mesmo afamada, cheia de micróbios, prejudisalta como de primacial im- e se citava por esse país fora, ciais à saúde do consumidor. Há que olhar mais a sério portância e que por isso mes- como modelar. Mas sabemos também – to- este problema, que sobremamo deve merecer a consideração de todos os que dirigem dos os que se dedicam a as- neira interessa não já só ao a máquina social e adminis- suntos de higiene o sabem – bom nome de Coimbra, mas à que a cidade baixa, assente no própria vida citadina». M.S. trativa pública.

Os barcos que levavam portugueses para o Brasil 26/5/1930 Sinal dos tempos. As dificuldades do país motivaram na primeira metade do século XX um forte fluxo migratório, sobretudo para o Brasil, onde em 1929 viviam 655 mil portugueses. A aviação comercial surgiria mais tarde e os emigrantes recorriam a navios para atravessar o oceano. O jornal procurava ser útil também através desta informação, como podemos ler na edição de 26 de Maio de 1930: «Barcos a sair no próximo mês de Junho – Para os portos do Brasil: em 2 de Junho, “Lipari”e “Flandia”, franceses. Em 3, “La Coruña”, francês. Em 7, “Sierra Ventana”, alemão. Em 9, “Bayern”, alemão, e “Asturias”, inglês. Em 10, “Antonio Delfino”, alemão. Em 12, “Ceylan”, francês, e “Demerara”, inglês. Em 16, “Zeelandia”, holandês. Em 17, “General Osório”, alemão. Em 23, “Almanzora”, inglês. Em 24, “Vigo”, alemão, e “Cap Polonio», alemão. Em 28, “Groix”, francez e “Sierra Morena”, alemão. Para os portos de África: em 1 de Junho, “Pedro Gomes”, português. Em 10, “Cubango”. Para aAmérica do Norte: em 11, “Providence”.

As gralhas desceram ao povoado 26/5/1930 Na rubrica “Ao correr da pena”, com certa graça, o Diário de Coimbra pedia desculpa pelos erros tipográficos que perturbavam a leitura do jornal. «As gralhas desceram ontem, com o maior atrevimento, ao povoado do nosso jornal, debicando aqui, beliscando acolá, roubando frases além. As gralhas são aves de arribação. Dessa maneira, estamos inteiramente certos de que levantarão arraiais das nossas páginas, para os irem assentar lá longe, onde não haja pão nem vinho, nem flor de rosmaninho. Afirmam-nos solenemente que assim será, os nossos revisores». «Que o público que nos lê, em presença de tão peremptória declaração, nos perdoe as gralhas que tem encontrado», penitenciava-se o autor da prosa.


02 | 29 MAR 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Violência futebolística no Campo de Santa Cruz 23/6/1930 Na secção “Vida Desportiva” era noticiada a 23 de Junho de 1930 mais uma jornada do campeonato da Associação de Foot-ball de Coimbra disputada no Campo de Santa Cruz. «De manhã, realizou-se, com muita concorrência, o encontro de 2.as categorias Sport-Académica, tendo esta saído vencedora por 4-0. No decorrer do jogo registaram-se algumas violências, que na segunda parte levaram os jogadores a envolver-se em desordem, o que levou o árbitro, António Mizarela, a dar o jogo por terminado antes do tempo regulamentar».

Os bancos de jardim e os vestidos das senhoras 6/6/1930 Na coluna “Ao correr da pena” lemos o seguinte reparo, com o título “É inacreditável”: «Chegou ao nosso conhecimento que no Parque da Cidade existem alguns bancos pintados de fresco, sem terem o respectivo resguardo. É quase inacreditável que semelhante coisa se faça! Ontem umas senhoras, desprevenidas, ficaram com os vestidos completamente manchados de tinta. Para este e outros casos semelhantes, pedimos providências».

Empresas não podiam empregar estrangeiros 4/6/1930 Lia-se na edição de 4 de Junho de 1930 que no dia anterior tinha sido publicado um decreto do Governo a proibir, até 31 de Dezembro de 1933, que «as empresas industriais ou comerciais que exerçam a sua actividade no continente admitam ao serviço empregados que não sejam portugueses». «Este diploma não abrange os indivíduos de nacionalidade brasileira, que em tudo serão tratados como se nacionais fossem», referia a breve notícia, com o título “Empregados estrangeiros”, sem esclarecer no entanto as razões para tal medida.

25/6/1930 Tivoli foi primeiro a anunciar mas na inauguração, com casa cheia, problemas eléctricos prejudicaram a experiência. Logo depois, também o Avenida começou a exibir o cinema sonoro

CAUSOU SENSAÇÃO EM COIMBRA A ESTREIA DOS FILMES SONOROS FOTOS: ARQUIVO

co”. Asessão foi magistral, vendo a empresa coroada do melhor êxito a sua iniciativa. A casa estava repleta».

“Diabo Branco” e “O Cantor Louco” foram os filmes que estrearam o sonoro no Tivoli e no Avenida

Coimbra assistiu ao longo de várias décadas às novidades cinematográficas nas emblemáticas salas do Avenida e do Tivoli

O

aparecimento do nosso jornal quase coincidiu com a inauguração do cinema sonoro nas duas salas que, há 90 anos, maravilhavam o público de Coimbra com as últimas novidades da sétima arte. Mais antigo, o Teatro Avenida, na Avenida Sá da Bandeira, não apenas acolhia récitas, saraus teatrais e musicais, eventos académicos e de solidariedade, mas procurava também acompanhar os tempos e corresponder ao entusiasmo que os filmes (mudos ainda, nessa época) despertavam nos conimbricenses. Noutro ponto da cidade, o Tivoli – mandado construir pelos empresários José Cabral e António Mendes deAbreu no local da antiga cocheira Camões na Avenida Emídio Navarro, junto à Estação Nova – acabara de abrir e ousava já, quatro meses após as suas primeiras exibições cinematográficas, trazer para Coimbra a última grande evolução, que permitia sincronizar efeitos sonoros com a acção e as falas dos actores. O Diário de Coimbra informava os leitores, na edição de 12 de Junho de 1930, que a Empresa do Tivoli comunicara a intenção de inaugurar o cinema sonoro no dia 15 desse mês,

num domingo, sofrendo os preços dos bilhetes, em virtude desse investimento, «o pequeno aumento de 20%». Enaltecendo a «audácia arrojada do Tivoli», que vinha conquistando «grande simpatia em todos os apreciadores de espectáculos cinematográficos», o jornal desejava que o público de Coimbra correspondesse «à inovação agora introduzida e que fica por contos de réis», e lembrava que em Portugal apenas havia três salas com cinema sonoro em Lisboa e uma no Porto. «Coimbra vai, pois, na vanguarda do progresso e isso só nos honra», congratulava-se. Iniciados nesse mesmo dia os trabalhos de adaptação da sala e de instalação das máquinas para a nova tecnologia cinematográfica, o calendário previsto sofreria no entanto alguns contratempos. Logo no dia 14, a Empresa do Tivoli informava que, por «não ter chegado a tempo o material necessário, já não se efectua amanhã, como estava anunciado, a estreia dos filmes sonoros, o que terá lugar num dos dias da próxima semana». No dia 15 garantia que «a inauguração definitiva do cinema sonoro no Tivoli» seria na quarta-feira se-

guinte, estando em Coimbra para dirigir a montagem das máquinas de projecção «o grande industrial de cinegrafia sr. Raul Lopes Freire». Corrente eléctrica prejudicou experiência Para a inauguração do sonoro no Tivoli anunciava-se “Diabo Branco”, filme estreado nesse mesmo ano, da produtora cinematográfica alemã UFA e concorrente de Hollywood, com direcção deAlexandre Volkoff e interpretado por Ivan Mozzhukhin, Lil Dagover e BettyAmann. «Afita de estreia é óptima, vindo precedida de Lisboa de grande fama», aplaudia o jornal. Se o drama, baseado numa novela de Leo Tolstoy, não desapontou o numeroso público que no dia marcado (18) acorreu à estreia, a experiência do sonoro deixou no entanto a desejar, e não por culpa de máquinas ou projectistas. Dando conta de «casa literalmente cheia» na inauguração, a notícia do jornal de dia 19 esclarecia que «devido à irregularidade da corrente eléctrica, verificaram-se algumas imperfeições na sonoridade» e que a empresa já tinha providenciado «no sentido de evitar essas imperfei-

ções, adicionando ao aparelho gerador dos ruídos várias peças que regularizam a corrente, garantindo-se assim o bom funcionamento do filme». Na mesma edição, a Empresa do Tivoli avisava que «tendo-se ontem verificado, durante a sessão da noite, que a corrente eléctrica desta cidade tinha alterações constantes de voltagem, resolveu suspender o sonoro por alguns dias, até chegarem novos aparelhos rectificadores, que foram pedidos telegraficamente». Só no dia 25 de Junho, «depois de convenientemente montada a instalação do cinema sonoro e reguladas as alterações da corrente que prejudicaram a primeira sessão, incidente imprevisto que muito contrariou a Empresa do Tivoli», estaria a sala de espectáculos em condições de retomar a projecção de “Diabo Branco” e outras fitas sonoras. Desta vez, «a máquina sonora, do modelo mais aperfeiçoado até hoje construído», cumpriu bem a sua função, como ficou devidamente registado no jornal do dia seguinte: «Causou extraordinário sucesso a sessão de cinema sonoro, levada ontem a efeito no Teatro Tivoli, com o esplêndido filme “Diabo Bran-

Sucesso também no Teatro Avenida O problema técnico com que os proprietários do Tivoli se depararam permitiu à concorrência ganhar tempo e o Teatro Avenida acabaria por estrear o seu sonoro igualmente a 25 de Junho. Dias antes, no Diário de Coimbra iam-se repetindo anúncios com a enigmática frase “O cantor louco – brevemente”. Mistério desfeito, “O Cantor Louco”era um dos primeiros grandes êxitos de bilheteira do cinema sonoro, produzido em 1928 nos estúdios norte-americanos da Warner Bros e catapultando como estrela principal o cantor e actor Al Jolson. Foi nesta “obra-prima”, falada e cantada, que o Avenida apostou para inaugurar o seu sistema sonoro, com que «alcançou o mais estrondoso sucesso». O Diário de Coimbra assistiu e reportou a sessão experimental: «Acabamos de chegar do Avenida, de assistir à sessão experimental do cinema sonoro, com a superprodução “O Cantor Louco”, e sem exageros afirmaremos que viemos encantados. Não esperávamos tal perfeição. A sincronização é maravilhosa. Jolson, no principal papel, foi muito bem. Mais longe do que se podia esperar.As suas canções foram encantadoras. Os gestos, os trejeitos, as danças, esplendidamente interpretados. Na cena com o pequenito, os beijos trocados, as palavras, deixaram-nos assombrados. Não podemos dizer mais. Está o jornal para entrar na máquina. E ao terminarmos esta pequena crónica, só temos que lamentar que a interpretação não fosse em português». M.S.


02 | 05 ABR 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Inaugurado Grémio Regional de Arganil 27/6/1930 O Diário de Coimbra noticiou a inauguração do Grémio Regional de Arganil, na sede do Grémio Beirão, em Lisboa. «Todos os naturais daquela comarca, residentes na capital, reuniram-se no restaurante Roma, onde comemoraram o acto, com um almoço presidido pelo sr. dr. Veiga Simões, secretariado pelos srs. drs. Mário Ramos e José Dias Ferrão. Fez-se representar o sr. Governador Civil de Coimbra e foram recebidas muitas cartas e telegramas de saudação. (...) Pelas 16 horas, teve lugar na sede uma animada “matinée”, na qual tomaram parte alguns dos nomes mais brilhantes do nosso teatro ligeiro. À festa assistiram muitas senhoras», escreveu o jornal.

Homem de maus fígados 24/6/1930 Nos “fait divers”, na secção “Da cidade”, o Diário de Coimbra relatava uma tentativa de agressão a um polícia sinaleiro no centro de Coimbra. Com o título “Homem tenta agredir um guarda apontando-lhe um revólver”, dizia a notícia que «ontem, pelas 10h30, acercou-se do guarda sinaleiro n.º 137 que se achava a fazer serviço na Praça 8 de Maio, já um pouco embriagado, o trabalhador Francisco dos Santos, casado, de 27 anos, natural do lugar de Vilela, distrito de Viseu, sem morada certa nesta cidade, o qual convidou o guarda para beber um copo de vinho. Este admoestou-o, respondendo-lhe o Santos que o que este precisava era de um ensaio de pancada. O guarda imediatamente o capturou, ao que este resistiu, tentando agredi-lo com um revólver carregado com duas balas. Em auxílio do n.º 137 foram os guardas n.º 112 e 107 e sub-chefe n.º 5, os quais tiveram de resistir contra o endiabrado Santos, o qual teve de ser conduzido para a 1.ª esquadra em um automóvel de praça, onde fez distúrbios, partindo a porta do carro. Este, por não ter a devida licença de uso e porte de arma, deve por estes dias ser entregue no Tribunal Militar, onde terá de responder por tal motivo».

25/6/1930 Um choque entre um carro de bois e uma camioneta, em dia de feira de Poiares, terminou em tragédia. Vejamos como o Diário de Coimbra acompanhou, no Tribunal da Lousã, todo o julgamento do homicídio de um jovem, de que eram acusados sete rapazes

JULGAMENTO DO “CRIME DE POIARES” EMOCIONOU A OPINIÃO PÚBLICA

Não se apagou de todo, ainda, e a nossa sensibilidade recorda-o o sente-o a cada momento, aquele ‘frisson’ tão impressionante com que deixámos ontem, ao cair da tarde, o tribunal da Lousã. (...) Durante 6 horas foi reconstituída toda a tragédia que há um ano ocorreu em Poiares, atirando para os confins da morte a mocidade daquele pobre rapaz de Friúmes e escancarando seguidamente as portas dum cárcere a 7 rapazes de pouco mais de 20 anos. Candeias, Martins e Arsénio. Eis as personagens. O pano vai subir mais uma vez. Há a ansiedade e a inquietação dos momentos solenes”. Foi neste tom de drama que o “enviado especial” do Diário de Coimbra começou a reportagem da nona audiência de um célebre julgamento que, há 90 anos, entre 11 e 25 de Junho de 1930, despertou a opinião pública e emocionou as gentes do concelho de Poiares. Ficou precisamente conhecida por “Crime de Poiares” a tragédia ocorrida um ano antes, a 19 de Junho de 1929, de que resultou a morte de um jovem trabalhador, Jerónimo Rodrigues Ferreira, «rapaz valente e destemido, gozando de boa reputação», natural de Friúmes (na altura ainda freguesia do concelho de Poiares). Ao anunciar o julgamento, o primeiro que o Diário de Coimbra (criado pouco antes, a 24 de Maio de 1930) acompanhou exaustivamente, o jornal recordava que o crime tinha sido perpetrado em Poiares em dia de feira, sendo detidos sete jovens poiarenses, com idades entre 20 e 29 anos (João Candeias, Eduardo Candeias, Albino Martins, Arsénio Soares, José Martins, José Henriques Candeias e Jerónimo Can-

D.R.

Necessidades, a poucos metros do local da altercação», descrevia o jornal, relatando a versão dada por Afonso O Diário de CoimRodrigues. bra publicou 13 O repórter notícias sobre o destacado deu “Crime de Poiaconta em sures”, entre 5 e 26 de Junho de 1930 cessivas edições da evolução do processo judicial, que teve uma dezena de audições e mereceu nove manchetes do Diário de Coimbra. Presidido pelo juiz Antero Cardoso, da Lousã, tendo como adjuntos os juízes das comarcas Julgamento do “Crime de Poiares” teve uma dezena de sessões deArganil e de Oliveira do Hospital, o julgamento culminou a deias), que se encontravam pre- tragédia teve início numa dis- 25 de Junho com a leitura da sos na cadeia da Lousã, pro- cussão motivada por «um li- sentença que condenou a pegeiro abalroamento do carro de nas de prisão cinco dos sete nunciados por homicídio. O julgamento, descrito como bois que era conduzido pelo Je- acusados. De nada valeram, a «verdadeiramente sensacional» rónimo Ferreira, com uma ca- alguns dos arguidos, os testepelo número de arguidos, de mioneta, que se encontrava di- munhos que visavam afastátestemunhas (96 da defesa e 26 ficultando a passagem, junto ao -los do local do crime.Aum deda acusação) e sobretudo pela portão donde aquele saiu». «O les, os depoimentos contradiplêiade de juristas de Coimbra pai da vítima e este prontifica- tórios de seis testemunhas abochamados a defender os réus, ram-se, ao que parece, a pagar natórias colocavam-no em seis decorreu no Tribunal da Lousã os ligeiros estragos produzidos sítios diferentes. e atraiu muitos curiosos, obri- pelo abalroamento. O João gados no entanto a esperar lá Candeias, porém, não lhes deu “Assalto” ao hospital Digno de registo foi, na sétima fora, já que a poucos foi conce- ouvidos e após tê-los ameadida autorização de entrar, «em çado,vibrou uma violenta pan- audiência, o depoimento do virtude de uma medida de pre- cada no Afonso, pai da vítima, subdelegado de saúde de Poiacaução pelo estado velho da que caiu inanimado. Decorri- res, José de Albuquerque Sandos momentos e por entre ches da Gama, um dos médicos sala, escorada». Numa das primeiras sessões, grande confusão, o filho era que fundamentou em relatório Afonso Rodrigues, pai da ví- perseguido por um grupo para a morte do malogrado Jerótima, contou ao tribunal que a vir a ser prostrado na Ponte das nimo Ferreira. O clínico descre-

Entre o choro de uns e a alegria de outros Terminado o julgamento, «à despedida, Albino Martins chorava muito». Os outros, relatava o jornal, «procuravam esconder as lágrimas, denunciadas por sufocados soluços. Muitas pessoas de família, principalmente mulheres, choravam sentidamente». Lia-

-se também que «os arguidos Jerónimo Candeias e José Martins, ilibados pelo acórdão, foram alvo de carinhosas e comovedoras manifestações, abraços estreitados com veemência, a matar saudades dos longos meses da prisão. E havia nos rostos expressões de

indizível alegria. Em Vila Nova de Poiares eram aguardados por muita gente, que descendo à rua, fazia parar constantemente os autos que os conduziam, ou saudava-os à sua passagem, mostrando-se intensamente satisfeita com o seu regresso».

veu os socorros que prestou à vítima no Hospital das Necessidades, que viu entrar quando tratava Eduardo Candeias, um dos jovens envolvidos nos desacatos.Apercebeu-se que o Jerónimo tinha uma fractura no crânio e perguntou-lhe quem lhe tinha batido, respondendo a vítima que «foram os Candeias e uns outros, os Louros». Meia hora depois, o jovem expirava, na enfermaria do hospital de Poiares. O médico relatou seguidamente em tribunal um ajuntamento popular, na sequência do incidente, descrito como «tentativa de assalto ao hospital». «Senti vozear, vim à porta e vi uma multidão agitada. Pedi uma pistola ao enfermeiro, para manter a ordem, e passados cinco minutos tudo havia debandado», recordou Sanches da Gama. Marcada a leitura da sentença para 25 de Junho, compareceu no Tribunal da Lousã muita gente vinda de Poiares, de Friúmes, de Risca Silva, aguardando «com ansiedade», no Largo Cândido Reis, que se fizesse justiça. Com a sala literalmente cheia, «há aquele ruído grave, pesado, do público que se preparou para ouvir a sentença. Depois o ruído esmorece, de repente. E o sr. dr. Antero Cardoso lê, por entre o silencio do tribunal inteiro, o acórdão», que condena João Candeias «a cinco anos de prisão maior celular ou na alternativa oito anos de prisão maior temporária, ou igual tempo de degredo em possessão africana de 1. classe, além de 2.000$00 de imposto e acréscimos legais». Foram também aplicadas penas de prisão a José Candeias (quatro anos ou África), Eduardo Candeias (dois anos ou degredo), Albino Martins (dois anos ou África) e Arsénio Soares (nove meses de prisão correccional, mas contando o tempo da prisão já cumprido, foi posto em liberdade). «Os quatro réus condenados foram pouco depois conduzidos em camioneta, acompanhados por oito praças da GNR, para a Cadeia de Santa Cruz, de Coimbra», rematava o jornal. M.S.


02 | 12 ABR 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Agarra que é ladrão! 20/6/1930 O Diário de Coimbra noticiou, a 20 de Junho de 1930, um assalto com contornos curiosos e que vale a pena recordar pela riqueza da descrição. Referia o jornal que de madrugada, cerca das 2h30, «um gatuno assaltou na Rua Antero de Quental, com o auxílio de uma escada que se encontrava junto às obras de um prédio que ali se acha em construção, a residência do gerente da Casa Tota, sr. Santos Silva», e «penetrando no 1.º andar dirigiu-se ao quarto daquele senhor, quando foi surpreendido». «Requisitado o auxílio da Polícia, compareceram imediatamente vários guardas que o conduziram à 2.ª esquadra, apurando-se tratar de Francisco Gaspar Coelho, natural do Porto, que em Agosto último havia saído da Penitenciária, onde cumpriu a pena de 32 meses de prisão correccional». No dia seguinte, o jornal voltava ao assunto, com mais detalhes do sucedido: «Somente à circunstância de uns rapazes andarem fazendo uma serenata na Rua Antero de Quental se deve a prisão do malfeitor, que já tinha preparado para meter num saco todas as jóias que havia encontrado ao seu alcance. O nosso amigo sr. Santos Silva, acordando sobressaltado por um ruído estranho que ouvia no seu quarto, soerguendo-se na cama, viu pelo reflexo das luzes do exterior um vulto negro. Correu sobre ele e este ligeiramente saltou da janela do 1.º andar para a rua, para se escapar. O sr. Santos Silva chegou à janela, gritou que prendessem que era ladrão e aquele grupo da serenata fazendo cerco prendeu o larápio. A este grupo pertencia um nosso colega na imprensa e nosso amigo que nos deu logo, do telefone do sr. Santos Silva, a notícia. Procurou-se depois a polícia, a qual só veio passado uma boa meia hora». «Os senhores comandantes da polícia são pessoas que procuram bem cumprir a sua missão. Mas seja-nos permitido reclamar que, numa artéria da cidade tão movimentada, às 2 e meia não haja polícia. Parece impossível e custa a crer», rematava a notícia.

No ano do nascimento do jornal, em 1930, havia na cidade pouco mais de 900 assinantes da rede telefónica urbana. O nosso número era o 899

“ESTÁ LÁ? É DO DIÁRIO DE COIMBRA?”

A

evolução tecnológica e os avançados meios de comunicação hoje ao dispor dos cidadãos tornam difícil, sobretudo às gerações mais novas, imaginar como eram complicadas as ligações telefónicas na altura em que o Diário de Coimbra nasceu, há 90 anos. Instalados num espaço da Câmara de Coimbra após o incêndio nos Correios da Baixa em 1926, em cedência provisória que viria a durar quase uma década (até à transferência para o novo edifício do Mercado), os serviços de telégrafos e telefones tinham, em 1930, 13 mulheres telefonistas a atender a rede telefónica urbana e outras oito a fazer as ligações nas redes interurbanas.Aprimeira central automática em Portugal seria inaugurada nesse mesmo ano (a Coimbra chegaria bem mais tarde), mas até lá, o acto de telefonar a alguém requeria a intervenção de uma funcionária, encarregada de marcar e fazer a ligação ao número solicitado. Alves Ribeiro, engenheiro-director dos Serviços de Correios, Telégrafos e Telefones recebeu o Diário de Coimbra numa visita guiada às instalações, no primeiro andar do edifício das Obras Públicas. «Entramos na sala dos telefones. Quem poderá imaginar a quantidade de fios duma estação telefónica?

FOTO: FUNDAÇÃO PORTUGUESA DAS COMUNICAÇÕES

comportava 1.080, explicouAlves Ribeiro, adiantando ao jornalista que as linhas telefónicas aéreas, que prejudicavam a paisagem da cidade, iriam ser brevemente enterradas. O agravamento das taxas das anuidades telefónicas locais A automatização e das chamadas do grupo de redes inter-urbanas, telefónicas de contestado pela Coimbra só viria Associação Coa ocorrer a 11 de mercial e IndusOutubro de 1942 trial de Coimbra, e alguma ineficácia na resposta dos serviços, devido a demoras nas ligações ou congestionamentos na rede, mereceram reparos diversos nas páginas deste jornal. «O telefone não deve demorar as ligações. Utiliza-se o telefone para poupar, e não para perder Aparelho da Siemens & Brothers usado a 30 de Novembro de tempo. Apesar da boa vontade 1930 na inauguração da primeira central automática portuguesa que todos nós sentimos semSó quem a tenha visitado. É as- chamar; não responde...”. E se- pre no pessoal dos telefones sim como que uma grande, gi- gue aquela labuta de apertar desta cidade em atender rapigantesca aranha, estendendo distância, corações que se que- damente, nem sempre isso suseus braços em todas as direc- rem, bocas que se desejam», cede com a prontidão que teções, mas direcções cataloga- discorria o repórter, em notícia mos o direito de exigir. Várias têm sido as reclamações que das, braços que abraçam a ci- de 20 de Setembro de 1930. Datada de 1904 (foi a terceira neste sentido nos tem dirigido dade, o país, Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Suécia, do país, depois de Lisboa e o comércio de Coimbra (…) e Noruega, o mundo todo, enfim! Porto), esta estação assegurava sabemos que o serviço se não E as pobres senhoras, numa a exploração de 910 telefones faz como nós o desejaríamos azáfama incessante e exaustiva, na rede de Coimbra (o nosso por deficiências numéricas do lá seguem no seu trabalho, tan- jornal, dos mais recentes assi- pessoal dos telefones. É isto que tas vezes mal apreciado pelo nantes, tinha o número 899) e urge remediar», recomendava público “Está?... Está lá?... Nú- mais duas dezenas nas linhas o Diário de Coimbra na edição mero?... Está a falar... Estou a interurbanas, mas a instalação de 21 de Julho de 1930. M.S.

“Como se fala ao telefone?”

N

os dias de hoje telefonar é um acto perfeitamente banal. Não era assim há 90 anos e o jornal queria ajudar o leitor ao publicar na edição de 22 de Agosto de 1931, em coluna de primeira página, uma espécie de tutorial com o título “Como se fala ao telefone?”. Dizia assim: «Obtém-se uma chamada dando

duas ou três rotações seguidas à manivela do aparelho telefónico, e levando-se em seguida o auscultador ao ouvido, aguarda-se que a telefonista responda perguntando “número”. Indica-se com clareza o número com que se deseja falar, dizendo seguida e separadamente os algarismos de que se compõe esse número. Por

exemplo: se o número pedido for 645 deverá ser repetido assim: “seis”, “quatro”, “cinco”. A telefonista repete, a seguir, o número e o assinante aguarda, de “auscultador ao ouvido”, que o número chamado responda, ou que a telefonista o avise da impossibilidade de dar a comunicação. Finda a comunicação põe-se o auscultador no

descanso e toca-se a desligar dando duas ou três voltas interrompidas à manivela. Quando terminada uma comunicação se pretende imediatamente uma outra coloca-se o auscultador no descanso, dão-se várias rotações separadas e levando-se a seguir o auscultador ao ouvido aguarda-se a resposta da telefonista».

Mais de duas horas para conseguir falar com Coimbra 27/7/1930 Ao folhear as primeiras edições do Diário de Coimbra, no seu primeiro ano de existência, são muitas as notícias de diferentes localidades da região das Beiras a reivindicar ou a festejar, com pompa e circunstância, a entrada em funcionamento de serviços telefónicos. Veja-se, como exemplo, a inauguração da cabine telefónica de Castanheira de Pera, instalada no edifício dos Correios, a que assistiram numerosas personalidades, entre elas o governador civil de Leiria, o comandante militar, membros da Junta Geral do Distrito e das câmaras de Pombal, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera. Lemos, na notícia publicada a 27 de Julho de 1930, que o governador e o comandante militar testaram o novo serviço numa comunicação com o ministro do Interior e em seguida «todos se dirigiram para o Grémio Castanheirense, onde foi servido um almoço que terminou cerca das 18 horas». Os actos foram abrilhantados pela Filarmónica de Figueiró dos Vinhos e o telefone esteve durante todo o dia à disposição do público. «Era tal a quantidade de pessoas que o desejavam utilizar, que a nós não nos foi possível fazê-lo», relatava o repórter. A notícia deixava no entanto um reparo: «Está, no primeiro dia útil de telefone, provado que temos razão em afirmar que não é esta a ligação que mais interessa a esta vila e isto porque para falarmos hoje com Coimbra, tivemos de estar 2 horas e 15 minutos à espera. Para uma vila da importância industrial de Castanheira de Pera, isto não pode ser. É preciso que haja primeiro de mais nada uma rede urbana para utilidade de todos os industriais e em seguida que as entidades competentes e que por esta vila tenham um pouco de interesse peçam a ligação desta vila com a Lousã, pois é a única forma de sermos atendidos rapidamente nas chamadas para a rede geral do país e com a vantagem de ficar assim existindo uma linha auxiliar que poderia ligar Coimbra com Lisboa», opinava o redactor.


02 | 19 ABR 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Um alerta para as “velocidades tremendas” nas ruas de Coimbra 20/8/1930 A convivência do emergente tráfego automóvel com a vida citadina dos anos 30 nem sempre se mostrava pacífica e isenta de perigos. Na edição do Diário de Coimbra de 20 deAgosto de 1930 encontramos a seguinte nota de alerta, com o título “Velocidades tremendas”: «Há entre nós um “Código da Estrada”. Há em várias terras disposições do “Código de Posturas” que obriga a certa quilometragem. Em Coimbra, se não estamos em erro, a velocidade máxima é de 30 quilómetros nas ruas que podem dar duas passagens e 20 quilómetros nas ruas onde há só uma passagem. Isto, se não estamos em erro e a memória não nos atraiçoa. Pois ali, na Avenida Sá da Bandeira, os carros de várias marcas que por aí pululam, passam quase e sempre com uma velocidade superior a 60 e mais quilómetros. Não pode ser!Aquela linda artéria da cidade é frequentadíssima. À tarde, juntam-se imensas crianças, brincando. Uma tal velocidade já acarretou, uma vez, duas vezes, três vezes, desastres pessoais, e alguns bem graves. O sr. Comandante da Polícia, o sr. Engenheiro Director das Obras Públicas, dois funcionários distintíssimos, não poderão pôr cobro a tal loucura? O público reclama-o». Pouco depois, a 30 de Agosto, era notícia uma situação de perigo e excesso de velocidade bem no centro da cidade: «Ontem pelas 21 horas, o automóvel n.° 22:160-S, guiado pelo seu proprietário Manuel Câmara, residente em Lisboa, num imperdoável excesso de velocidade, na Praça 8 de Maio, junto do Café Santa Cruz, ia atropelando os srs. José Campeão,Armando Santarino, Miguel Teixeira e outros que, como de costume, ali se encontravam a conversar. O proprietário do carro foi autuado, pelo guarda n.º 48, tendo pago a multa de Esc. 65$00. O que não está certo é que, segundo as declarações feitas na polícia e às pessoas que ia atropelando, este declarasse que já tinha feito parte do Conselho Superior de Viação, dando assim a conhecer que não tem respeito pelo Código da Estrada».

10/8/1930 A festiva inauguração do troço de caminho de ferro entre Lousã e Serpins foi ensombrada, 14 dias depois, pelo trágico descarrilamento de um comboio, de que resultaram mais de três dezenas de feridos e um morto

DA LINHA FERROVIÁRIA DA LOUSÃ CHEGAVAM BOAS E MÁS NOTÍCIAS

V

ista como melhoramento essencial ao progresso da região e mais um passo para o sonho (afinal nunca concretizado) de levar o caminho de ferro a Góis e Arganil, prolongando-o depois até à Covilhã, a inauguração do troço ferroviário entre Lousã e Serpins foi motivo de grande festa a 10 de Agosto de 1930, devidamente noticiada pelo Diário de Coimbra. Mais de mil pessoas assistiram a um acontecimento que, como sublinhou o jornal, rasgava «horizontes novos» permitindo à freguesia de Serpins, «tão isolada até agora e por vezes tão abandonada», encetar «vida nova próspera e feliz». Formado por sete carruagens de passageiros e uma carruagem-salão onde viajavam os representantes da CP e de outras entidades da região, o comboio inaugural chegou a Serpins pouco antes das três da tarde. Vinha quase repleto. «Muita gente de Coimbra, de Ceira, das Carvalhosas, de Miranda, do Padrão, parecem até embaixadas de todas essas es-

ARQUIVO

«O diabo fez das suas ali para as bandas de Serpins», começava a notícia que o Diário de Coimbra destacou na edição de dia 25 de Agosto. Na véspera, pouco depois das oito da manhã, o comA freguesia de boio que saíra Serpins ganhou, a de Serpins a partir de Agosto de 1930, três ligações caminho de diárias a Coimbra Coimbra, por comboio composto de sete carruagens e um furgão, «descarrilou ali por alturas de Rogela, distante ainda 2.300 meA linha ferroviária da Lousã foi encerrada em Janeiro de 2010 tros da Estação da Lousã». O repórter enviado pelo jorÀ chegada a Serpins, mal o tações que, alegremente, vêm assistir ao baptismo da sua fumo do comboio a vapor foi nal foi à Estação da Lousã, ao irmã mais nova - a Estação de avistado, o barulho de foguetes hospital da vila e ao local do Serpins», descreveu o “redactor e morteiros misturou-se aos acidente. «Despojos, tudo desregionalista” que o Diário de acordes festivos da Filarmónica feito. Carruagens escavacadas, Coimbra enviou para o evento. da Várzea de Góis e ao ruído gente que chorava, cheia de Proveniente de Coimbra, a de uma multidão que ali espe- sangue, gritos e lamentos, tudo composição ferroviária dirigida rava de pé firme. «Trocam-se desolação e terror. Apenas a pelos maquinistas Félix e Soa- abraços, há alegria e contenta- carruagem da cauda descarrilou um rodado, tudo o resto são res foi calorosamente recebida mento», assinalou o repórter. Um ambiente festivo que vi- despojos. Há três carruagens na Estação da Lousã por uma multidão entusiasmada, e a ca- ria a contrastar, poucos dias perfeitamente destruídas e todo minho de Serpins o «povo dos depois, com um triste aconte- o restante material se apresenta lugarejos» vinha saudá-la, jun- cimento no recém-inaugurado avariado. Alarido, confusão. É que havia 34 feridos», relatou. troço de via férrea. to da nova linha.

Informações eram actualizadas nos “placards” do Diário de Coimbra

O

desastre na linha ferroviária da Lousã causou em Coimbra «a mais profunda emoção», escreveu o nosso jornal, que muito contribuiu para que este acontecimento tivesse sido «assunto de todas as conversas». Se hoje se recorre ao Facebook para actualizar e chamar a atenção do leitor para as notícias mais urgentes, há 90 anos já o Diário de Coimbra utilizava um método para fazer chegar aos

cidadãos as informações que não podiam esperar pelo ciclo de 24 horas que separava cada edição impressa. Na reportagem do acidente ferroviário, a 25 de Agosto de 1930, lemos a seguinte nota, com o título “Os nossos serviços de informação”: «O Diário de Coimbra na sua constante preocupação de bem informar o público, sem outro pretexto que não seja o de servir com solicitude e interesse a sua missão na Im-

prensa, logo que teve conhecimento, por intermédio dos seus correspondentes, do triste acontecimento pôs imediatamente em actividade os seus serviços de informação tendo, por intermédio dos seus “placards”, posto o público ao corrente da enorme tragédia, mandando afixar um “pladard”às 11 horas da manhã, outro às 13 e ainda outro às 21 horas, que foram lidos, com natural avidez, pela enorme multidão que an-

siosamente aguardava notícias. Foi pois, por intermédio dos nossos “placards”que o público de Coimbra tomou conhecimento do trágico desastre». Um mês depois, a 23 de Setembro, o jornal voltava a mencionar o êxito desta estratégia de comunicação. Desta vez, com o título “Os nossos placards”, escreveu: «Têm causado o mais vivo interesse as notícias ultimamente espalhadas na cidade pelo Diário de Coimbra,

Os primeiros socorros chegaram vinte minutos depois, com o auxílio da ambulância da Estação da Lousã. A CP mobilizou um comboio especial de socorro e outro com seis dezenas de trabalhadores para a desobstrução e reparação da via. Os feridos, seis deles em estado grave, receberam tratamento no hospital da Lousã. O comboio de socorro, que transportou para Coimbra os feridos de maior gravidade, era aguardado na Estação Nova «por uma grande multidão». Trazia três feridos, e num comboio posterior chegaram mais duas mulheres. Foram todos conduzidos para os Hospitais da Universidade, onde seis dias depois viria a falecer uma das vítimas, Francisco Ferreira, de 75 anos, ferroviário reformado da CP. O repórter questionou Humberto Santos, o maquinista do comboio, sobre as causas do acidente. «Não sei. Excesso de velocidade não foi, com certeza. Trazíamos a velocidade normal. Não pude evitar o descarrilamento. Comecei a ouvir um ruído pela linha fora. Eram as carruagens da cauda que iam descarrilando a pouco e pouco», respondeu. Excesso de velocidade ou defeito na construção da linha, que teria cedido sob o peso dos comboios, havia que averiguar as razões do descarrilamento. «Estaria solidamente construída a linha de Serpins, no sítio do desastre? Que responda quem souber e quiser», concluía o nosso jornal. M.S.

por meio dos seus “placards” À volta deles junta-se sempre grande magote de pessoas ávidas de conhecer os casos do dia. Assim, ainda ontem pudemos novamente presenciar essa cena em frente das notícias por nós afixadas em alguns dos locais mais centrais de Coimbra, como sejam o Café Santa Cruz e a Tabacaria Pátria [na Rua da Sofia] – com ela nos envaidecendo justamente, pela certeza, que nos dá, da confiança em nós depositada já pelo público citadino. E a essa confiança continuaremos a corresponder também, no cumprimento da missão que a nós mesmos impusemos».


02 | 26 ABR 2020 | DOMINGO

DiáriodeCoimbra

Diário de Coimbra Memórias Feriu um preso e um guarda à navalhada nos calabouços

25/8/1930 Causou entusiasmo nos meios desportivos locais, há 90 anos, a realização de um inédito espectáculo de pugilismo na cidade, que trouxe ao improvisado “ringue” do Campo do Arnado grandes nomes da modalidade

COMO O JORNAL RELATOU OS PRIMEIROS COMBATES DE BOXE EM COIMBRA

combate inicia-se, notando-se logo de princípio uma igualdade de forças. Os quatro “rounds” passam quase sem se dar por isso. Resultado: “match”, nulo», descreveu o jornal, que registou depois a «ansiedade manifesta pelo segundo combate» e a falta de interesse do terceiro. «No 4.º encontro, há a notar a vitória do meio-pesado Francisco Mexe sobre o pesado Videira. Houve, neste combate, por vezes, lances vistosos, agradáveis de seguir, notando-se, no entanto, logo de entrada uma superioridade manifesta do meio-pesado Mexe. Ambos os adversários sangram, vendo-se nitidamente o esgotamento de Videira. Em conclusão: Mexe venceu e venceu bem», destacou a notícia. Sendo o primeiro do género em Coimbra, o espectáculo revelou algum amadorismo e falta de experiência por parte dos organizadores. «O “ring”, se fosse em provas oficiais, era imediatamente rejeitado, não só por causa do “piso”, como pelas “cordas”, que, assim frouxas, constituem um autêntico perigo para os combatentes», notou o repórter do jornal. O balanço do evento foi, no entanto, positivo. «À parte umas deficiências na organização, pode considerar-se esta jornada como uma das de mais brilho para o desporto coimbrão», avaliou o Diário de Coimbra. M.S.

14/6/1930 “Estará louco?”. A pergunta, em forma de título, chamava a atenção para uma curiosa notícia que o Diário de Coimbra inseria na secção “Da Cidade”: «Ainda há poucos dias registámos no nosso jornal que um preso que se encontrava nos calabouços do Governo Civil,Abílio Nazaré Flores, solteiro, alfaiate, natural desta cidade, sem residência, tinha gravemente ferido à navalhada um preso que se encontrava naquele calabouço. Hoje, mais uma vez temos de registar nova proeza do Abílio. Quando ontem pelas 16,40 horas, o guarda n.º 62, Fernando Nascimento, casado, de 30 anos, natural de Castelo Viegas, se dirigia ao calabouço a fim de conduzir oAbílio à Polícia de Investigação Criminal, para depor do crime que tinha praticado no mesmo calabouço, na pessoa do tipógrafo José Correia Lemos, que se encontra em tratamento na enfermaria do Hospital da Universidade, este recusou-se terminantemente a acompanhar o guarda. Instado pelo mesmo, imediatamente se agarrou a ele, sem que este contasse, vibrando-lhe uma enorme navalhada na face esquerda. Em auxílio do seu colega foi o guarda n.º 99, Samuel da Silva, que pelo mesmoAbílio foi ferido no dedo polegar da mão esquerda. Os guardas foram receber tratamento ao posto dos Hospitais, bem como o Abílio de uma ferida contusa no coiro cabeludo».

Uma animada confraternização de “Joaquins”

“Escape aberto” na Rua dos Combatentes

A

24/6/1930 Na secção “Diário do público” o jornal chamava a atenção dos responsáveis da Polícia para o alerta de «um nosso prezado assinante da Rua dos Combatentes da Grande Guerra, a protestar e com razão porque, às primeiras horas da manhã, certo chauffeur por ali passa em carreira desordenada e de escape aberto, fazendo um barulho ensurdecedor, não deixando descansar ninguém, sujeitando quem sai de suas casas a um atropelamento fatal».

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ias antes, o Diário de Coimbra tinha anunciado para 24 deAgosto de 1930, domingo, uma «importante sessão» de “box” (escreviam assim, na altura), com «quatro duríssimos combates», que estava «despertando o mais vivo interesse na cidade». «Estamos certos que o Campo do Arnado vai ser pequeno para conter a multidão ávida de presenciar este emocionante espectáculo», antevia o jornal, alimentando a expectativa perante um evento que colocaria frente a frente alguns dos melhores “boxeurs”da sua categoria: «Carlos Martinó, finalista do Campeonato do Sul e Walter Pressler, pugilista alemão de real valor; Francisco Mexe, campeão de Portugal dos meios-pesados e Manuel Videira, campeão regional do Sul; Francisco Brito, campeão de Lisboa dos meios-leves e Artur Cabrita, ex-campeão; João Quintino, “challenger” ao título de campeão e Eugénio

tento à vida social da cidade, o Diário de Coimbra noticiava a 25 deAgosto de 1930 uma confraternização onomástica, com meia centena de convivas que em comum respondiam pelo nome de Joaquim. Teve direito a fotografia, publicada numa das edições seguintes. Vejamos o relato: «Realizou-se ontem o jantar de confraternização dos “Joaquins de Coimbra”, promovido pelo sr. Joaquim Luiz Olaio, que, devido à sua feliz iniciativa, conseguiu reunir amigavelmente uns 50 indivíduos chamados Joaquins. Ao jantar, que foi abrilhantado pelo

FOTO: LIVRO DO CENTENÁRIO DO SPORT CLUB CONIMBRICENSE

de um sol ardente, queimante, brutal». «O Campo do Arnado regurgitou de uma assistência ávida de saborear pela primeira vez a sensação de dois homens que se Equipa de futebol batem, que do Sport Club se diglaConimbricense jodiam, que se gava no Campo do esmurram», Arnado, que existiu entre 1928 e 1942 relatou o Diário de Coimbra na edição do dia 25 deAgosto, referindo-se aos pugilistas como «autênCampo do Arnado acolheu grandes eventos no século passado ticos e reais valores, como bem Pereira, ex-campeão de Por- tualmente a equipa de futebol o demonstraram durante os da centenária e eclética colec- combates que arrancaram à tugal em 1929». O local dos combates seria o tividade da Baixa de Coimbra compacta assistência fartos e Campo doArnado, hoje inexis- (desporto que dinamizou e em prolongados aplausos». Dos combates, arbitrados por tente. Localizado junto ao rio, que se destacou entre os anos num terreno entre a antiga fá- de 1910 e 1950), existia também Borges de Castro, resultaram brica têxtil Ideal e o actual Hotel no vasto recinto um campo, ao três vitórias e um empate. O Vila Galé, o estádio do Sport ar livre, destinado a outras mo- primeiro colocou frente a Club Conimbricense tinha sido dalidades. Foi esse espaço o frente Carlos Martinó e Walter inaugurado em 1928 e foi até palco dos primeiros combates Pressler, «dois pugilistas de 1942 palco de grande aconte- em Coimbra «oficialmente au- mérito». «Entram no “ring” os cimentos desportivos.Além do torizados pela Federação Por- dois adversários que são alvo rectângulo onde jogava habi- tuguesa de Box», numa «tarde de uma prolongada ovação. O

A foto do convívio, por dificuldades técnicas e gráficas da época, não acompanhou a notícia, vindo a ser publicada a 1 de Setembro

Grupo Musical “Os Pacatos»”, que executou brilhantemente vários trechos musicais, presidiu o sr. Joaquim Margalho, tipógrafo da Companhia Portuguesa, na estação de SantaApolónia, que veio propositadamente a Coimbra, e que leu uns versos da sua autoria dedicados à interessante festa, que despertaram gargalhada geral. Durante o jantar, que decorreu como era de esperar animado, trocaram-se brindes afectuosos, ao organizador da festa, ao Grupo Musical “Os Pacatos”, aos Joaquins que não eram de Coimbra e à Imprensa, sendo vivamente saudado o Diário de

Coimbra, que se encontrava representado por um Joaquim cá da casa. No final do jantar o fotógrafo Joaquim Saraiva fotografou os “Joaquins” reunidos. Nada faltou ao jantar dos “Joaquins”. Géneros fornecidos por “Joaquins e Joaquinas”, cozinheiras e criadas chamadas Joaquinas, vinhos e frutas fornecidas e até o vinho do Porto dos “Joaquins de Coimbra”que uma casa do Porto lhes dedicou. Por proposta do sr. Joaquim Olaio os “Joaquins de Coimbra”vão realizar várias excursões, sendo a primeira a Lisboa, terra onde reside o sr. Joaquim Margalho».


02 | 3 MAI 2020 | DOMINGO

DiáriodeCoimbra

Diário de Coimbra Memórias “Perdidos e achados” no Diário de Coimbra 8/6/1930 Localizado nos primeiros tempos nas Escadas do Quebra Costas, o Diário de Coimbra era também solicitado, por alguns leitores, a exercer uma espécie de serviço público de “perdidos e achados”, função hoje mais habitualmente assumida pela Polícia de Segurança Pública. Na edição do dia 8 de Junho de 1930 encontrámos esta breve, com o título “Um lindo gatinho”: «Ontem o moço Joaquim Maria, que também é nosso vendedor, encontrou um lindo gatinho angorá, no Largo de Sansão [actual Praça 8 de Maio], de dois ou três meses, deixando-o na nossa redacção. Entregar-se-á a quem provar pertencer-lhe». Dias depois, a 12 de Junho, lemos que alguém encontrou em Santo António dos Olivais «um fio de ouro com umas medalhinhas, que se entregará a quem provar pertencer-lhe», sendo dadas informações sobre o achado na redacção do jornal. E no mesmo dia, outra notícia de idêntico teor: «A quem pertence? Encontra-se depositada na nossa redacção, para ser entregue a quem provar pertencer-lhe, uma corneta pequena, de latão, que foi achada no Choupal».

Atitude “pouco cristã” de um pároco 7/6/1930 Arede de correspondentes nas Beiras dava provas de eficácia e ao Diário de Coimbra chegavam notícias de pontos diversos da região, umas mais importantes, outras simplesmente curiosas. O colaborador em Seia informava que era «assunto obrigatório de todas as conversas a atitude pouco simpática e muito pouco cristã do pároco de S. Romão para com um artista que ali se foi exibir. Ao ter conhecimento que nesse dia à noite o conhecido e popular artista Columbino iria realizar naquele lugar um espectáculo de ilusionismo, o pároco à hora da missa exortou os fiéis a que não comparecessem ao espectáculo. Deu em resultado aquele artista não tirar para as despesas efectuadas».

O jornal assumiu uma campanha contra o charlatanismo, exigindo a actuação das autoridades para travar a exploração da ingenuidade e crendice popular

é fatalmente “curado”. Aparece um “doente”, sofra do que sofrer, o curandeiro tem remédio infalível. Duma vez observou-lhe uma pessoa: Você sabe do que sofre esta pessoa? Resposta: Não sei, mas se o remédio lhe não fizer bem, mal também não faz. É este o espírito do mixordeiro: “se não fizer bem mal também não faz”. A questão é do dinheiro. Engana-se o público, envenena-se o povo, unicamente D.R. para lhe extorquir a “massa”. Só, mais nada», opinava. O autor, que se mostrou particuEm 1931 o jornal larmente activo dizia haver “bruna denúncia desxas” na Alta, no tescasos, em váPátio de S. Berrias intervenções nardo, Santa Clara, Calhabé e Olivais no jornal, congratulava-se com o «grande movimento que vai pelo país, em favor da saúde pública, contra todos aqueles que, criminosamente, exercem a profissão de curandeiros». «Alguns têm já dado entrada na cadeia. Bom seria que nem um escapasse, pois a saúde do povo não pode A actividade dos curandeiros era duramente criticada pelo jornal em nome da saúde pública continuar à mercê desses banmou, para, dizia ele, a “livrar Policia de Investigação, cus- A rematar a notícia, infor- dalhetes», considerava. A polícia ia fazendo algum de qualquer mal”, usando para tando este novo “trabalho” a mava-se que a polícia espeisso alfazema, incenso e coca». bonita soma de 70 escudos». rava «efectuar mais algumas trabalho para travar esta onda O indivíduo admitiu tam- prisões, continuando as inves- de charlatanismo e o jornal Da notícia, intitulada “Bruxos e espíritos maus... Uns e bém às autoridades ter tratado tigações a cargo do chefe noticiou no dia 24 de Agosto outros a contas com a polícia”, de «uma mulher do Senhor da Américo Mota e agentes Reis desse ano a prisão em Coimbra de duas mulheres, Maria ficamos a saber que o curan- Serra que andava a ser injec- e Pinto». Dias antes, a 27 de Junho, na da Piedade e sua mãe Maria deiro «confessou ainda ter tra- tada por um médico, pastado um indivíduo chamado sando o curandeiro a tratá-la secção “Das Beiras”, tinha pu- Cândida, ambas de Oliveira do Simplício, do mesmo lugar, com um xarope da sua auto- blicado o jornal um texto do Hospital mas a residir na Rua que estava muito doente e a ria, composto de sumo de li- correspondente em Tábua a da Moeda, «por, ao que parece, quem dava massagens, no fim mão, azeite, raiz de tojo avisar para a actividade de um se dedicarem a bruxedos». Alguns meses depois ainda o do que lhe fazia uma reza, a branco, flor de carqueja e tília. desses “mixordeiros” no conque assistiam os filhos do pa- Afirmava então que a mulher, celho. «Poucos ingénuos ha- jornal verberava contra este fedecente». A reza, esclarece, usando o seu xarope, se cu- verá aqui a quem ele não te- nómeno, proclamando «guerra «era feita por um compa- raria rapidamente, cobrando nha sugado umas ricas mas- aos curandeiros, guerra às brunheiro do Paiva, chamado pelo “trabalho” 20 escudos e sas.Tem remédio para tudo, e xas, e um combate sem tréguas Cândido Neves, ex-agente da mais 10 por cada “consulta”». cidadão que lhe caia na tasca contra tão nefastos obreiros da desgraça e da tristeza». «Temos a certeza de que o nosso grito de indignação Uma carta do director da Polícia de Investigação contra tão perniciosas criaturinhas ecoará por toda a parte, 4/9/1930 O director da Po- vel que aquela polícia «só cantes; mas o meio é pe- conseguindo ser ouvido até lícia de Investigação Crimi- tem competência para julgar queno, os interessados não pelas pessoas que têm obrinal, Gilberto de Beça Aragão, os exploradores do público ignoram os limites da minha gação de vigiar tais “negócios”. enviou ao Diário de Coimbra inculto e crédulo, praticantes competência legal e as víti- Se assim for, o que esperamos uma carta de resposta a uma de cartomancia, bruxaria, mas são as primeiras a difi- muito em breve, as regiões local, publicada no dia 3 de sonambulismo e equivalen- cultar por todos os meios a como o Luso, Chão do Couce, Setembro de 1930, em que o tes, quando presos em fla- acção da polícia. Isto significa Mangualde, Santa Comba jornal mais uma vez exor- grante delito, “dentro da área ainda que esta Directoria, Dão, Montemor-o-Velho, Tátava as autoridades a meter da respectiva cidade”, e só apesar de assoberbada por bua, etc., ver-se-ão finalmente na ordem «os curandeiros aí». «Em tais condições po- excesso de serviço e número livres desses intrujões, desses que por aí pululam». No derá avaliar-se o empenho reduzido de agentes, não tem miseráveis exploradores», liatexto, publicado no dia ime- que tenho tido em limpar a esquecido tais delitos», afian- -se na edição de 28 de Maio de 1931. M.S. diato, esclarecia o responsá- cidade de tão temíveis trafi- çava Beça Aragão.

“TRATAVA” O CANCRO COM COMPRESSAS DE ÁGUA QUENTE E TINTURA DE IODO

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oram algumas dezenas as notícias que o Diário de Coimbra publicou, ao longo do seu primeiro ano de existência, a alertar a opinião pública e a pedir a intervenção das autoridades contra «bruxas e feiticeiras, alveitares e curandeiros» que no início dos anos 30 do século passado, em vários locais da região das Beiras, se dedicavam a explorar a crendice popular, prometendo cura para «os males de alma e de corpo». No dia 4 de Julho de 1930 noticiava o jornal a detenção, pela Polícia de Investigação, de um homem que «há um ano se dedicava à rendosa profissão de curandeiro, falando com os espíritos, simulando ataques e fazendo crer aos ingénuos que o consultavam que trazia no corpo um espírito». Identificado como Manuel de Paiva, viúvo, cozinheiro, natural de Rio de Vide e morador na Rua da Moeda, em Coimbra, «dedicava-se também ao “tratamento” de doenças, tendo “tratado” de um cancro um indivíduo de nome José dos Santos, do lugar de Canas, e usando então, como panaceia para o mal, compressas de água quente em elevada temperatura, o que fazia passar verdadeiros tormentos ao padecente, a quem, em seguida, aplicava ainda bastas camadas de tintura de iodo». Descreve seguidamente que o homem, «para justificar este radical “medicamento” afirmava que, com o processo por ele usado, fazia com que desaparecesse em 15 dias a carne esponjosa formada pelo cancro», e «para efectuar o tratamento ao José dos Santos, hospedou-se em casa dele, por um período de quatro dias, casa que depois defu-


02 | 10 MAI 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Há 90 anos, a Comissão de Turismo de Coimbra planeava valorizar a mata com a construção de campos de jogos, piscinas e parques de diversões

dotá-la de vários equipamentos, como campos de jogos, piscinas, parques de diversões e «outros atractivos», a construir nas grandes clareiras, que a valorizassem turisticamente. Aprovada superiormente pelo Conselho Nacional de Turismo em 5 de Março de 1931, a execução do projecto turístico do Choupal deveria «custar enFERREIRA SANTOS tre 400 a 500 contos», ficando também definido que a importante componente de correcção hidráulica, destinada a preservar o Projecto de valoriChoupal da «impezação turística do tuosidade destruiChoupal incluía a construção de uma dora» das inundações grande estrada cirdo Mondego, seria a culatória na mata primeira a arrancar. A “luz verde” para o aproveitamento turístico da mata «causou em Coimbra a melhor e a mais viva impressão de agrado, sendo gerais os louvores à Comissão de Turismo por mais esse grande triunfo em prol do progresso da cidade», assinalou o jornal. No entanto, decorreram quaMata do Choupal conjuga a biodiversidade florestal com actividades desportivas e de lazer se dois anos de estudos e só em nida conhecida pela estrada ve- Choupal, com vista a «transfor- as obras de melhoramento que 28 de Novembro de 1932 o milha. E nada mais! Não se abriam mar a lendária mata numa ver- podem ser introduzidas na nistro das Obras Públicas viria mata por forma a que não a autorizar as obras hidráulicas, para a sua curiosidade as bele- dadeira estância turística». A13 de Junho, numa local in- perca as suas características, iniciadas a 28 de Abril do ano zas ocultas do interior da mata, com sua flora rica em quanti- titulada “A transformação do tais como renovação das pon- seguinte, não sem alguma contestação dos proprietários dos dade e em qualidade de árvores Choupal”, informava-se que «o tes e alargamento das ruas». O sonho do administrador- campos marginais do Monseculares», observava o Diário Conselho Nacional de Turismo, de Coimbra numa das suas pri- conhecendo a impossibilidade -delegado da Comissão de Ini- dego, por recearem o agravade promover imediatamente a ciativa e Turismo de Coimbra mento do impacto das cheias meiras edições. Havia, no entanto, esperança correcção hidrográfica do rio era ambicioso e, como viria o em consequência das modifie a 1 de Junho desse ano noti- Mondego, providenciou no próprio Manuel Braga a confi- cações planeadas para o Chouciava-se que o Conselho Na- sentido de se estabelecer uma denciar mais tarde ao nosso jor- pal, em que se incluía a abertura cional de Turismo comunicara defesa contra as cheias e asso- nal, passava não só por prote- de um canal de derivação do à Comissão de Iniciativa e Tu- reamentos que todos os anos ger a mata das cheias do Mon- leito do rio. Seguir-se-iam, alguns meses rismo de Coimbra disponibili- sacrificam o Choupal», tendo dego e torná-la mais acessível dade para financiar obras no igualmente deliberado «auxiliar aos visitantes, como também depois, as obras de valorização turística, já então admitindo Manuel Braga a prioridade de proteger o Choupal do rio e Um milagre pôr em concordância “tanta cabeça junta” «transformá-lo num local acessível». Os projectos iniciais, no25/12/1932 Se actualmente de Coimbra tecia algumas comentava o jornal, acres- meadamente a construção de são 16 as entidades da admi- “considerações oportunas” centando que «quem sabe o campos de jogos, tinham sido nistração pública com tutela sobre as dificuldades com que são e o que representam «postos de parte» e não se faria sobre o Choupal – como lem- que se deparava a Comissão as peias, as demoras e os em- mais do que «uma obra de brou não há muito tempo o de Turismo. «Para bem se po- baraços burocráticos no acentuado cunho tradicionaautarca Manuel Machado, ao der avaliar do grande es- nosso país, para se conseguir lista», afirmou ao Diário de propor ao Governo a entrega forço, tenacidade e inteligên- muitas vezes uma pequena Coimbra. Os arruamentos da da gestão da mata nacional cia que foi preciso despender coisa dependente de uma só mata seriam mantidos, emà Câmara de Coimbra – há para se conseguir pôr em repartição pública, apreciará, bora arranjados, e dos melho90 anos a situação não era marcha a execução do pro- por certo, devidamente quão ramentos destacar-se-iam o muito diferente, o que ajuda jecto da grandiosa obra do hercúleo foi esse esforço e canal do rio, a renovação das a explicar que a concretiza- Choupal, bastará que se quão foi a vontade de quem pontes e a «abertura de uma ção do projecto de aprovei- saiba que foi preciso pri- operou o verdadeiro milagre larga e pitoresca estrada cirtamento turístico se tenha meiro que tudo estabelecer de pôr em plena e amiga culatória que conduza o turista arrastado e desvirtuado da a plena concordância, isto é, concordância tanta cabeça ou o visitante a todos os ponideia original. No dia 25 de estabelecer o prévio acordo junta, tantas entidades dis- tos mais recônditos e mais formosos do Choupal». M. S. Dezembro de 1932, o Diário entre oito entidades oficiais», tintas e diferentes!».

UMA “ESTÂNCIA TURÍSTICA” PARA DAR VIDA AO CHOUPAL

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Mata do Choupal é hoje um dos espaços de Coimbra mais aprazíveis e concorridos para momentos de lazer e prática de desportos e manutenção física. E tão procurado é que houve necessidade de lhe interditar o acesso para que, nesta altura de crise sanitária gerada pela pandemia de Covid-19, pudessem cumprir-se as medidas de distanciamento social impostas no estado de emergência. Mas tempos houve em que a frondosa mata se encontrava desaproveitada e em estado de abandono. Em 1930, ano em que o Diário de Coimbra foi fundado, a Comissão de Turismo, dirigida por Manuel Braga, esboçava um plano de reabilitação deste espaço verde e procurava mobilizar apoios governamentais para um empreendimento que a cidade, sozinha, não tinha financeiramente condições de suportar. Uma situação que o jornal repetidamente registou, fazendo notar que «esse Choupal tão cantado por Soares de Passos eAntónio Nobre, jaz num abandono que aflige». «O Choupal estava morto.Até os habitantes de Coimbra, ao falarem do Choupal, avivavam apenas na memória a lembrança doutras eras, dos tempos passados em que o Choupal era o ponto predilecto de distracção. De Inverno, ninguém lá ia. As comunicações estavam interrompidas. De Verão, quando muito, alongavam seus passos até lá alguns grupos, com ou sem cestos de merendolas à cabeça. Aí assentavam arraiais e passavam algumas horas, esquivando-se à canícula. E nada mais! Para Coimbra, centro de turismo, o Choupal não existia. Um ou outro curioso embrenhava-se, por vezes, na mata. Mas fazia-o de automóvel, comodamente instalado, pois que, de outra forma, não era possível visitar a mata. Por isso, percorria apenas a curta ave-

Do Estádio no Choupal aos campos de jogos no Parque da Cidade 13/12/1933 Um discurso do chefe do Governo, Oliveira Salazar, a enaltecer os valores da prática desportiva e a anunciar um estádio nacional em Lisboa, inspirou em Coimbra a defesa de um parque de jogos semelhante, para acolher diferentes modalidades. A comissão constituída para levar a cabo essa ideia reuniu-se em Dezembro de 1932 com a Comissão de Turismo e, como noticiou o nosso jornal, verificou com «agradabilíssima surpresa que quase todos os melhoramentos desportivos que deveriam fazer parte do Estádio» estavam «compreendidos no grandioso projecto de valorização do Choupal». «Só não estão o campo de “foot-ball” e o de “basket-ball”, mas que podem facilmente ser integrados no mesmo projecto, substituindo, por exemplo, o hipódromo, que ocupa uma grande área de terreno», referia a notícia, sugerindo que fosse bem estudada a viabilidade da inclusão de campos de jogos para essas duas modalidades no Choupal, dada a «natureza inundável do terreno em certa época do ano». Em defesa da proposta, os entusiastas da ideia alegavam que «só o rendimento brutal do “foot-ball”nos grandes desafios nacionais e internacionais bastaria para fazer face aos dispêndios que trará a execução do grandioso plano de obras da Comissão de Turismo». Um ano depois, o responsável pela Comissão de Turismo viria a colocar um ponto final nesta questão, ao revelar em entrevista ao Diário de Coimbra, publicada a 13 de Dezembro de 1933, a desistência da construção dos parques desportivos previstos no projecto de valorização turística do Choupal. «Onde tenciona então construi-los?», perguntou o jornalista. «É cedo ainda para poder pronunciar-me definitivamente. Tenho, porém, um projecto acerca da localização desses parques. O de ampliar o Parque da Cidade e construi-los então nos terrenos que compreendam a ampliação», adiantou Manuel Braga.


02 | 17 MAI 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Julgado por ter agredido a mãe à pedrada 19/10/1930 O Diário de Coimbra informava a 19 de Outubro de 1930, na secção “Pelas Beiras”, que ia realizar-se em Arganil o julgamento de um homem acusado de agredir a mãe à pedrada. Dizia o seguinte a notícia, com o sugestivo título “Que grande patife”: «No dia 28 do corrente tem lugar nesta comarca o julgamento, em tribunal colectivo, do trabalhador Francisco dos Santos, casado, do lugar de Aldeia Velha, freguesia do Colmeal, do concelho de Arganil, que é acusado de no dia 7 de Julho do ano passado ter agredido a mãe à pedrada, uma pobre viúva de 67 anos, por esta o censurar de ele ter, sem seu consentimento, cortado umas couves na sua propriedade, facto que foi presenciado por diversas criaturas e pelos irmãos do criminoso, que aconselharam a velhinha a queixar-se em juízo. O patife, que merece da justiça o mais severo castigo, continua ainda ameaçando a mãe, declarando até, que se for condenado, lhe há-de dar cabo da vida».

Roubado pelo filho e pelo neto 16/6/1930 Do correspondente em Viseu chegava ao jornal um apontamento que ilustrava também, tal como vemos noutras notícias desta página, o mau relacionamento entre pessoas da mesma família. Publicada a 16 de Junho de 1930 na secção “Pelas Beiras”, com o título “Roubado pelo filho e pelo neto”, informava que «apresentou queixa na polícia Henrique Gonçalves, viúvo, proprietário, de Lourosa de Cima, contra seu filho Raul Gonçalves de Oliveira, o qual acompanhado de seu neto Henrique Gonçalves de Oliveira, lhe arrombou a porta da casa da sua residência no dia 5 do corrente, pelas 8 horas da tarde e lhe furtou de um guarda-roupa dois relógios, um de ouro, outro de prata; um alfinete de gravata, com brilhantes; uns brincos com brilhantes e esmeraldados; uma pulseira de ouro e cem escudos em dinheiro e por fim o ameaçaram de morte e apedrejaram».

20/11/1930 O Diário de Coimbra acompanhou de perto as investigações de um crime que há 90 anos chocou a vila de Mira

Moda desfilava nos Armazéns do Chiado

TENTOU MATAR O FILHO COM ESTRICNINA NO LEITE ses no Instituto de Medicina Legal, em Coimbra, que confirmou a presença do veneno. Detido no dia 18 de Novembro, Augusto Morais seria interrogado no dia seguinte no Posto da Guarda Nacional Republicana de Cantanhede O Diário de Coimpor Alexandre bra assistiu, na Rodrigues da GNR de CantanheSilva, agente da de, aos interrogatórios e à confissão Polícia de Indo autor do crime vestigação Criminal, que «depois de um aturado trabalho obteve a confissão do crime». Perante várias testemunhas, entre as quais um outro filho do suspeito e um jornalista do Diário de Coimbra («o único O agente Alexandre da Silva, da Polícia de Investigação Criminal, com o autor do crime de Mira jornal que assistiu aos interrocaso, que só por sor- agravaram as relações com o Morais, que não perdera ainda gatórios e que primeiro conhete não terminou em pai. Em causa estava o facto de a ideia preconcebida do crime, ceu a confissão», como a notítragédia, aconteceu o progenitor, que gozara «de começou por vigiar a cozinha, cia evidenciou), o autor do entre Outubro e Novembro de larga reputação naquela labo- procurando a ocasião de o lan- crime assumiu que tentara ma1930 e deixou a povoação de riosa vila, chegando a exercer çar na comida ou no leite que tar o filho «porque este o imMira em estado de choque. O as funções de administrador devia ser dado ao doente. E as- portunava». Lamentou «não ter Diário de Coimbra, ainda com do concelho e de presidente da sim fez. Em Outubro, em dia conseguido os seus fins» e apenas meio ano de existência, Câmara Municipal», ter caído que se não recorda fez a pri- mostrou-se apenas «arrepenacompanhou detalhadamente há algum tempo no «vício das meira tentativa, lançando no dido por ter de abandonar a sua a história e as investigações po- bebidas», reagindo mal às re- leite determinada dose. A es- filha Maria Augusta, de 17 anos, liciais em torno de uma tenta- preensões feitas pelo filho ao posa ao provar o leite notou- por quem é extremosíssimo». O agente Alexandre da Silva, tiva de homicídio, com contor- estado de embriaguez e «pro- -lhe um sabor desagradável, nos dramáticos, que ocorreu cedimento pouco edificante». expondo o facto ao filho. Este, cuja trabalho de investigação «Daí as desavenças constan- que no Sanatório da Guarda ti- mereceu rasgados elogios do no seio de uma família conceites entre ele, o filho e mais fa- nha tomado estricnina em jornal, deslocou-se a Mira e tuada daquela vila. “Uma grande infâmia! Pai mília, desavenças que eram dose diminuta, reconheceu o apreendeu 23 gramas de esdesnaturado procura matar o notadas por toda a vizinhança, sabor. Não acreditando, porém, tricnina que o suspeito tinha seu filho, envenenando-o”. Foi que verberava o proceder do deu o leite a um cãozito que ti- escondida no quarto, debaixo nha, vendo com espanto o ani- de uma arca. com este título que o jornal Morais», registava o jornal. O Diário de Coimbra regisA mente enlouquecida de mal morrer momentos depois, chamou a atenção para a desenvolvida notícia publicada Augusto levou-o a conceber acontecendo o mesmo a al- tou ainda, na edição do dia sena primeira página da edição um plano para eliminar de vez guns pintainhos que beberam guinte, que Manuel Francisco de 20 de Novembro de 1930. o problema através de um po- o resto que o cão havia dei- de Morais se deslocou à Polícia Nela se dava a saber que Au- deroso veneno, um pesticida xado. O Morais, que não viu de Investigação Criminal, pegusto Francisco de Morais, de muito usado para matar ratos. satisfeitos os seus desejos, jul- dindo que as investigações não 60 anos, era acusado de tentar «Com esse fim escreveu para gou ter sido a dose diminuta e prosseguissem, pois, alegou, o envenenar o próprio filho, Ma- a Drogaria Cerqueira da Mota, fez nova tentativa com dose seu pai «é infelizmente um nuel Francisco de Morais, de no Porto, pedindo várias dro- dobrada, que o filho não to- ébrio e só poderá ter procedido 30 anos, com quem vinha gas, entre as quais 25 gramas mou, tendo tido o cuidado de daquela forma sob a influência tendo constantes desavenças. de estricnina que dizia ser para desviar da cozinha uma neti- do álcool». «Foi-lhe respondido Padecente de doença pul- lançar numa vinha, tendo o nha que tem, não fosse ela pelo sr. chefe Costa que a sua declaração, embora lhe mosmonar, Manuel Francisco, an- cuidado de recomendar que a também uma das vítimas». As suspeitas levaram os fa- trasse o seu bom coração, a tigo empregado comercial, re- não mencionasse na respecgressara a casa em Mira após tiva factura», lê-se na notícia. miliares a alertar as autoridades não podia aceitar, pois se trata O relato é bem explícito e e uma amostra do leite com es- de um crime público», concluía um período de tratamentos no Sanatório da Guarda e logo se chocante: «Veio o veneno, e o tricnina foi enviada para análi- a notícia.

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15/6/1930 Asucursal de Coimbra dos Grandes Armazéns do Chiado era na primeira metade do século passado um dos principais pontos de encontro de quem se interessava pelas tendências da moda. Hoje Museu Municipal, o histórico edifício da Rua Ferreira Borges apresentava nos anos 30 os «últimos modelos da moda parisiense», como registou o nosso jornal numa notícia publicada a 15 de Junho de 1930: «Continuam, amanhã e dias seguintes, em exposição, nas montras e no salão de exposições da Agência dos Grandes Armazéns do Chiado, desta cidade, os últimos e mais artísticos modelos, vindos de Paris, e que tanto sucesso têm causado». No mesmo ano, a 6 de Novembro, a secção “Pela Cidade” registava, em notícia intitulada “Os manequins vivos do Chiado”, que «os Grandes Armazéns do Chiado registaram uma enchente extraordinária nos seus vastos salões. É que passavam de novo, ante os olhos da enorme e selecta assistência, que se compunha de dezenas de senhoras da nossa mais alta sociedade, os mais variados e originais modelos de vestidos para a época de Inverno. Os manequins exibiam numa elegância requintada, numa estilização vibrante de linhas, vestidos, casacos, chapéus, peliças, num desenrolar contínuo, imprevisto, policromo. E a assistência, seguindo atentamente as evoluções do manequim, verificando detalhes, analisando contornos, quedava-se muda, absorta na contemplação daqueles adornos lindos que o manequim transportava, na sua missão mecânica e automática, de fazer o reclame dos produtos da casa».


02 | 24 MAI 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Das obras no porto e barra da Figueira ao furto de limões e nêsperas 24/5/1931 Não só de textos e anúncios alusivos à efeméride se fez a edição comemorativa do 1.º aniversário do Diário de Coimbra. Além de uma página inteira dedicada à “Literatura e Arte”, o jornal registava, como habitualmente, os principais acontecimentos de Coimbra e da região das Beiras. Da leitura da última página ficamos a saber que tinha sido solicitada ao ministro do Comércio a inclusão da verba de 6.000 contos no orçamento do próximo ano económico destinada às obras em curso no porto e barra da Figueira da Foz. «Com aquela importância, tenciona a Junta Autónoma proceder à intensificação do serviço de dragagens e melhoramentos de fundeadouros e canais de acesso, de forma que as embarcações que demandem a nosso porto possam chegar ao cais acostável em construção, defronte da estação do caminho de ferro», informava o correspondente naquela cidade. Noutro local da mesma página reportava-se a “festa brilhante”, de carácter solidário, realizada no «amplo salão nobre da Associação Académica de Coimbra», pequeno «para a numerosa e selecta assistência que literalmente o encheu» e, dessa forma, contribuiu para ajudar a «benemérita e altruística obra da Junta Geral do Distrito – o Ninho dos Pequenitos». Noticiava-se também, na secção “Da Cidade”, a criação em Coimbra de uma comissão de vigilância de maus tratos aos animais, por um grupo de sócios da Sociedade Protectora dosAnimais, e de cuja acção resultara já a apreensão, no mês anterior, de «sete animais que andavam ao serviço com os arreios sobre chagas vivas, pelo que aos seus donos foram impostas as respectivas multas». A encerrar a mesma secção, uma curiosa breve, da actividade criminal em Coimbra, relatando que o sub-chefe n.º 42 da PSP tinha detido Lúcio Lopes, residente em Santa Clara, por «ter sido encontrado a furtar nêsperas e limões numa quinta à Guarda Inglesa».

24/5/1931 Na entrar no segundo ano de publicação o Diário de Coimbra mantinha a determinação em prosseguir o caminho iniciado um ano antes

NO 1.º ANIVERSÁRIO O JORNAL REAFIRMAVA-SE DEFENSOR DE COIMBRA E DAS BEIRAS

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oi com uma edição especial de 16 páginas que o Diário de Coimbra assinalou, no dia 24 de Maio de 1931, o seu 1.º aniversário e a entrada no segundo ano de publicação. O jornal, com edições diárias de quatro páginas, avolumava-se neste número comemorativo não só para acolher a presença publicitária dos vários agentes económicos interessados em associar-se à efeméride mas também para dar testemunho das imensas manifestações de apreço pelo trabalho persistente que há um ano vinha desenvolvendo em prol da cidade e da região das Beiras. A abrir a primeira página, o título “No 2.º ano do Diário de Coimbra”deixava antever a determinação em prosseguir o caminho iniciado um ano antes, singrando apesar das vicissitudes e contrariando os que lhe profetizavam curta existência. Numa breve nota com o título “Sinceramente”, o jornal confessava-se «orgulhoso do caminho andado, onde não há um desvio, por mais insignifi-

Logo abaixo, encontramos o depoimento de uma notável colaboradora do jornal, a escritora Sarah Beirão, de que recuperamos este excerto: «O Diário de Coimbra foi acolhido com a maior simpatia, tendo seguido a sua rota com notável equilíbrio. Para mim bastar-lhe-ia o subtítulo de defensor dos interesses das Beiras, para lhe querer bem. Traz-me os rumores longínquos da minha província, notícias frescas das aldeias distantes aonde vive um parente, um amigo ou um simples conhecido». «O Diário de Reconhecido e Coimbra soube elogiado o trabalho compreender que o jornal vinha essa necessidesenvolvendo em prol de Coimbra e dade de interregião das Beiras mediário, cumprindo-a com desvelo, tratando com amor todas as questões humanitárias, com um desejo maEdição do 1.º aniversário do jornal, no dia 24 de Maio de 1931 nifesto de contribuir para o cante, da tarefa que se impôs, nortear-se sempre pelos mes- bem geral, aplaudindo a verna defesa de Coimbra e das Bei- mos princípios. «Nesta hora, dade e a justiça e fazendo incidir ras, da verdade e da honra», como na primeira: Por Coim- sobre a fraude um foco rútilo comprometendo-se, ao iniciar bra e pelas Beiras», rematava o que a desnuda e esmaga», elogiava a também publicista e aco segundo ano de existência, a texto, em forma de editorial.

tivista dos direitos das mulheres, natural de Tábua. Dos textos de leitores, amigos e correspondentes alusivos ao aniversário, publicados nas primeiras páginas do número comemorativo, destacamos ainda outros dois, por ilustrarem a abrangência regional alcançada pelo jornal desde o primeiro ano de publicação. De mais perto, assinando A.B., o correspondente na Lousã observava que o Diário de Coimbra, «acérrimo defensor dos interesses das Beiras, tem-se salientado, ocupando um já merecido lugar de destaque no jornalismo português». «Campanhas justas, honestas, desinteressadas, têm sido as suas. Um ano de existência, um ano de incansável trabalho, sem desfalecimentos, servindo sempre denodadamente os altos interesses da nossa região, que bastante já lhe deve», enaltecia. Bem mais longe, da Guarda, José Saraiva escrevia que «o Diário de Coimbra, que bem poderia chamar-se “Diário das Beiras”, faz um ano de nascença. Um ano de luta em prol de Coimbra; um ano de trabalho em favor das Beiras; um ano de canseiras e de fadigas que, quero crer, tem resultado em algum proveito para uma e outras». «Que faça muitos anos, que o seu esforço se multiplique para propagandas das belezas e necessidades das Beiras; que bem cedo as condições em que a imprensa vive se modifiquem para facilidade desta grande missão que deve ser a sua», desejava o autor.

Uma reflexão sobre a vida económica da região

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Diário de Coimbra dedicou, na edição do 1.º aniversário, um interessante espaço de reflexão à situação económica da região das Beiras no início dos anos 30, sublinhando a importância do jornalismo regional para «a defesa dos interesses do povo, a defesa dos interesses da respectiva região». «Iremos publicar alguns artigos focando o estado em que se encontra a Agricultura, a Indústria e o Comércio desta região e preconizando medidas que solucionem da melhor

A equipa do Diário de Coimbra, em fotografia que foi publicada na edição comemorativa do 1.º aniversário do jornal

forma possível o problema económico beirão», anunciava o jornal, numa página em que apresentava já três textos sobre esta temática. Hoje dedicada sobretudo aos serviços e comércio, Coimbra era na primeira metade do século passado também um importante centro industrial. «Quem numa manhã tépida deste mês de flores subir à montanha de luz que é a nossa Universidade, à hora em que as sereias anunciam a entrada para os templos do trabalho, observar as colunas de fumo

que o arfar das máquinas lança no espaço, aperceber-se-á do valor industrial de Coimbra. Há fábricas de seda, de lanifícios, cujos produtos rivalizam com as melhores manufacturas estrangeiras, de louças que enfrentam bem as do Sacavém e Sévres, de porcelanas, de cerâmica, de meias, malhas, sabão, serração e carpintaria mecânica. As fábricas de massas são as mais consideradas do país, e as de bolacha nem confronto admitem», exemplificava um dos artigos, ao caracterizar a vida económica desta cidade.


02 | 31 MAI 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Vendedores de jornais destacaram-se no atletismo 18/9/1930 O Diário de Coimbra divulgou no dia 18 de setembro de 1930 a constituição nesta cidade do Club Atlético Vendedores de Jornais. «É composto de vendedores de jornais, rapazes novos que certamente se vão dedicar à educação física e aos seus desportos. Oxalá os moços consigam os seus bons propósitos», incentivava. Um mês depois, este clube desportivo destacava-se nas corridas organizadas pelo Ginásio de Coimbra.Anotícia de 29 de Outubro relatava que o percurso pedestre de 5,300 metros foi vencido em 15m 10s, pelo corredor representante do Club Atlético Vendedores de Jornais, Justino Marques, que teve um avanço de 4 minutos sobre o 2.° corredor, representante do Ginásio». «Justino Marques, classificando-se em 1.° lugar conquistoupara o seu clube um troféu de glória - a valiosa taça “Manteigaria Flor de Coimbra” e manteve com brio os louros conquistados noutras provas», aplaudia o jornal.

Furtaram quatro galinhas e um carneiro 14/10/1930 Noticiou o Diário de Coimbra na edição de 14 de Outubro de 1930, na secção “Da Cidade”, que a Polícia de Investigação Criminal andava «há já tempos na pista da descoberta de uma quadrilha de gatunos que vinham praticando vários roubos em várias povoações, e entre elas na Adémia». «Ontem o hábil agente Santos Júnior pôde deitar a mão a três dos gatunos, que dias antes tinham praticado um roubo de um carneiro a Alberto Barbeiro Júnior e a Manuel Gomes quatro galinhas, ambos residentes na Adémia, os quais foi encontrar já a cozinhar em casa dos Beldroegos, audaciosos gatunos, já conhecidos da polícia, tendo prendido Luciano Francisco, de 26 anos, solteiro, natural de Trouxemil, Raimundo Francisco, do mesmo lugar, e Joaquim Dias, de 24 anos natural e residente na Adémia», relatou o jornal.

3/8/1930 O Diário de Coimbra apontou um conjunto de melhoramentos, “de realização imediata”, necessários para o engrandecimento da cidade

Marcha “Diário de Coimbra” encantou

OS INTERESSES DE COIMBRA QUE O JORNAL ELENCAVA E DEFENDIA HÁ 90 ANOS D.R.

Portugal no género». «Também esta cidade, se houver possibilidade de se chegar a um acordo, muito se engrandeceria com a instalação nos Covões, em S. Martinho O Colégio de São do Bispo, de um Tomás, na Rua da Sanatório de Sofia, deu lugar ao planície, que, no Palácio da Justiça, que foi inaugurado dizer das técniem Maio de 1934 cas, poderia vir a tornar-se um dos primeiros da Europa», preconizava o jornal. Entre outros melhoramentos focava-se ainda a questão do Palácio da Justiça foi construído entre 1928 e 1934, num antigo colégio da Rua da Sofia ensino. «A instalação condigna m editorial, intitulado Foz, a primeira praia de Por- havia «obras a fazer, e outras a da Escola do Magistério Pri“Interesses de Coim- tugal, e do Bussaco, do Cara- completar». «Impõe-se o esta- mário impõe-se absolutabelecimento de um moderno mente, tanto mais que, todas bra”, o nosso jornal mulo e de Penacova». «Coimbra tem instalações regime prisional, que acabe as outras escolas, já têm umas apontava na primeira página de dia 3 de Agosto de 1930 um grandiosas, a sua Universidade, com a cadeia de Santa Cruz; instalações condignas; outras conjunto de questões relevan- a primeira da Península, pela impõe-se que se faça e se com- garantidas já as suas instalates, na altura, para o progresso grandeza material, com os seus plete o edifício dos Correios e ções futuras», recordava, deinstitutos e laboratórios anexos; Telégrafos, tão útil e tão neces- fendendo depois a «organizae crescimento desta cidade. Visto à distância de nove dé- os seus museus de Arte, como sário. Impõe-se devidamente ção do ensino técnico oficial cadas, é um documento de in- o Museu Machado de Castro, e o aproveitamento do Jardim de grau médio superior, um teresse histórico que recorda o Museu das pratas, no género, da Manga. É necessário que o Instituto Industrial e Comercial algumas das causas mobiliza- um dos primeiros do mundo; Estado dote convenientemente e a organização do ensino técdoras da sociedade conimbri- pelos seus monumentos artís- a Escola Brotero, para as ofici- nico feminino». «Todos esses melhoramencense no ano em que surgiu o ticos, como a Sé Velha, o Claus- nas de serralharia serem devitro de Celas, Coimbra é hoje, a damente montadas e organi- tos apontados, além de outros, Diário de Coimbra. são de realização imediata, e Começava o texto por evi- todos os títulos, uma grande ci- zadas», indicava o jornal. Lembrava, por outro lado, as sem dispêndios de maior, podenciar o desenvolvimento dade», prosseguia, sublinhando que Coimbra vinha protago- que «tudo isto, e muito mais, obras em curso desde 1928 dem e devem ser uns iniciados nizando desde a década ante- precisa de ser conhecido, e para «dotar esta cidade com já, outros completados em rior. «De todas as terras do País, bem, de todo o País, e do es- um verdadeiro Palácio de Jus- breve, e que vão contribuir tiça», ficando Coimbra, logo muito para o engrandecimené a cidade de Coimbra aquela trangeiro». No entanto, o valor patrimo- que concluídas, com «um edi- to da cidade», concluía o Diáque nos últimos tempos mais se tem desenvolvido. O seu nial da cidade não bastava e fício que será o primeiro de rio de Coimbra. grau de progresso nos últimos dez anos tem sido assombroso. Coimbra é hoje, indiscutivelmente, a terceira idade do País; Coimbra precisava de um estádio os seus progressos materiais são extraordinários; e é a pri- 2/9/1930 O jornal publicou guns das grandes cidades da uma grande e preciosa fonte meira cidade do País pela be- no dia 2 de Setembro de 1930 Europa; “stadium” onde toda de receita; e tornaria esta cileza do seu panorama, pela ri- um novo editorial com o a juventude, onde todo o in- dade bem conhecida em todo queza exuberante do sua ve- mesmo título, “Interesses de divíduo fosse encontrar a edu- o mundo, com provas de edugetação, pelos seus horizontes Coimbra”, mas evidenciando cação física de que necessi- cação física a que poderiam tão belos, pela doçura do seu a necessidade de investir em tasse. De resto um “stadium” concorrer indivíduos de todas clima e da sua paisagem, e pela condições para a prática des- bem montado, bem organi- as partes do mundo, pelos josua situação a dois passos de portiva e a educação física. zado, estaria bem em harmo- gos mundiais que, uma vez ou panoramas admiráveis, do «Coimbra muito necessita de nia com a tradição académica outra, aqui se realizem», declima marítimo, da Figueira da um “stadium”semelhante a al- desta cidade e seria também fendia o Diário de Coimbra.

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30/8/1930 O jornal deu nome a uma composição musical que lhe foi dedicada e oferecida por um leitor, no seu primeiro ano de existência. Uma local publicada no dia 30 de Agosto de 1930 dava a saber que a marcha “Diário de Coimbra”iria ser executada no dia seguinte pela banda militar, abrindo os «costumados concertos do Parque da Cidade». «É seu autor o nosso prezadíssimo amigo Manuel Gonçalves Mouro, 2.º sargento músico, que numa hora de feliz inspiração compôs a linda marcha que dedicou ao nosso jornal», agradeceu o Diário de Coimbra, sensibilizado com «esta prova de simpatia e de amizade». No dia 1 de Setembro noticiava-se o concerto em que a música foi interpretada. «No Parque da Cidade, como tínhamos anunciado, executou a banda regimental a marcha “Diário de Coimbra”. Marcha vibrante, marcial e melodiosa também, habilmente ensaiada tem a bela produção musical, que honra o seu autor, o distinto 2.º sargento músico Manuel Gonçalves Mouro e que, sem lisonja não ficará mal, em qualquer estante de amadores, ou profissionais. Uma grande mole de gente rodeando o coreto. Foi repetida, em virtude das palmas que recebeu. No final dos últimos acordes, à segunda vez, as palmas foram mais vibrantes. Era como que uma consagração dos amigos do Diário de Coimbra ao autor gentil da “Marcha Diário de Coimbra”», registava. Dias depois, o jornal informava que recebeu um oficio, «do simpático Club Operário Conimbricense, em que nos pedem essa partitura, para ser tocada numa matinée dedicada ao Diário de Coimbra».


02 | 07JUN 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Santa da Moita” 15 anos em jejum 16/10/1930 Foi notícia, no dia 16 de Outubro de 1930, a morte em Tábua de uma mulher conhecida por “Santa da Moita”. Escreveu o correspondente do jornal que na Moita da Serra «faleceu, com 55 anos, Maria José Pinto, que há 17 anos se encontrava de cama, devido a ter sido atacada por uma doença que a medicina não conseguiu debelar. O povo chamava-lhe a “Santa da Moita”, porque a família afirmava que, de 1913 a 1915, só bebia água com vinho e, nos últimos 15 anos, não comeu nem bebeu, limitando-se nas raras ocasiões em que tinha sede a molhar a boca. Muitas pessoas não acreditam no facto, suspeitando de que se tratava de uma mistificação para enganar os ingénuos, pois a “Santa”, ao que se diz, vendia conselhos e encarregava-se de rezar missas a troco de dinheiro. Certo dia, apareceu-lhe um doente, e quem ela declarou que só o curava se casasse com sua irmã, tendo-se realizado o consórcio. Diz-se que a “Santa”, que se encontrava magríssima, morreu com lucidez de espírito».

Polícia multou industrial “generoso” 22/10/1930 Com o irónico título “Um industrial generoso!...” publicou o Diário de Coimbra, no dia a 22 de Outubro de 1930, uma local informando que «pelo subchefe n.° 5 da Polícia de Segurança Publica, foi entregue no Comando Geral daquela corporação a importância de 100$00 que foram entregues a sua esposa, dentro de um envelope, pelo industrial de padaria Gregório da Silva, natural de Sabouga, concelho de Poiares, estabelecido na rua dos Esteireiros n.° 50, que há dias foi autuado por aquele agente, na importância de 1.500$00. Supõe o subchefe n.° 5 que a “generosidade”daquele industrial fosse com o sentido de o ludibriar, o que não conseguiu. Com o facto porém, lucrou a assistência, em cujo cofre aquela importância deu entrada, por determinação do sr. comandante da Polícia».

29/1/1931 O jornal enaltecia as vantagens do novo veículo eléctrico muitos anos antes de ter entrado ao serviço dos transportes colectivos de Coimbra

reparação ou transformação causa logo inúmeros transtornos ao trânsito de veículos como todos nós já tivemos ocasião de verificar. Além disso os carros eléctricos são barulhentos, pesados e demasiado rígidos. Nas camionetas a gasolina temos logo de entrada o primeiro obstáculo - a gasolina. Esse líquido precioso, propriedade de empresas estrangeiras é sujeito a variações de preço conforme a vontade dos produtores de gasolina. Os motores de explosão são delicados. A combustão de gasolina e do óleo sendo mal feita a Amigos do amatmosfera depressa fica biente, os troleicarviciada. Os camiões a ros começaram a óleos pesados poscircular em Coimsuem sensivelmente bra em 16 de os mesmos inconveAgosto de 1947 nientes. As camionetas têm em compensação uma grande vantagem - a extrema maleabilidade do trajecto. Se hoje um determinado percurso não dá resultados mudamos para mais além até que se descubra o bom caminho», enumerava o artigo. Sobre os “trolleybus”, que dependem de cabos eléctricos aéreos mas dispensam os carris, Câmara anunciou há dois anos o regresso dos troleicarros ao serviço dos transportes de Coimbra destacava «as mesmas vantaguinte, como um extenso artigo que o desenvolvimento de o jornal apontava depois as gens que as camionetas menos que abria a primeira página da uma cidade, uma região ou um vantagens e desvantagens dos a maleabilidade do trajecto». edição de 29 de Janeiro de 1931. país acompanha sempre de diferentes sistemas - «a tracção «São carros extremamente cóIntitulado “Coimbra e os seus perto o progresso dos meios eléctrica tal como ela é feita em modos, espaçosos, não empestransportes”, o texto começava de penetração e de transporte, Coimbra, as camionetas utili- tando a atmosfera. Sensivelpor sublinhar a importância afigura-se--nos pois que se zando gasolina ou óleos pesa- mente tão rápidos como as camionetas e muito mais rápidos de ligar a cidade, que na época amanhã houver um sistema dos e os “trolleybus”». «Os carros eléctricos, hoje que os carros eléctricos. São registava acelerado cresci- de transporte rápido, barato e mento, com as povoações su- frequente que ligue Coimbra bastante confortáveis, têm vá- muito silenciosos. Não posburbanas «por meio de um sis- às diferentes povoações da pe- rias vantagens mas têm tam- suindo carris as estradas pelas tema de transportes rápido e riferia da cidade essas povoa- bém inúmeros inconvenientes. quais eles passam não são eseconómico». «Tem-se a cidade ções poderão entrar em breve O estabelecimento da via fica tragadas. Movidos a electricidesenvolvido um pouco ao num franco caminho de pros- caríssimo, a conservação da via dade a força motriz é assim punão fica menos caro. A existên- ramente nacional, liberta dos acaso e seria talvez interes- peridade», afirmava. Defendendo o «estudo de cia dos carros na via pública câmbios e com tendência para sante procurar orientar esse desenvolvimento. Sabido é uma nova rede de transportes», impede a circulação e a menor a baixa de preços. Motores robustos e simples», elogiava. Existente desde 1922, o “trolleybus”alcançara sucesso e esPedidas facilidades no pagamento dos passes palhara-se por Inglaterra e Estados Unidos, «onde substituiu 7/1/1931 O jornal publicou classes operárias. Infeliz- lembramos à Comissão Ad- completamente os carros elécno dia 7 de Janeiro de 1931 mente, nunca encontrou, ministrativa da Câmara que tricos em várias povoações». «Nós sabemos que os Serviuma local apelando à Câ- por parte das respectivas ve- poderia facilitar aos menos mara de Coimbra para faci- reações, o auxílio que seria abastados o pagamento dos ços Municipalizados andam a litar o pagamento dos passes para desejar. E assim é pre- seus passes em prestações estudar o assunto e esperemos de transportes nos carros judicada uma numerosa mensais. Assim ser-lhe-ia fá- que as dificuldades financeiras eléctricos. «Já por diversas parte dos munícipes e tam- cil a aquisição dos passes, não sejam de molde a impedir vezes a Imprensa fez eco bém os cofres municipais, pois que com mais facilidade a realização de um projecto, para que a Câmara conce- que deixam de vender uma poderiam retirar aos seus perfeitamente viável, que seja desse passes por linhas, pois grande quantidade destes ordenados esta importância, capaz de contribuir imenso viriam beneficiar assim os passes. Em virtude desta re- do que os 350$00 de uma para o progresso da nossa linda menos abastados, ao mesmo clamação, a todos os pontos só vez. E a Câmara nada per- cidade e dos seus arredores», desejava o jornal. tempo que beneficiariam as justa, não ter sido atendida, deria», lia-se no reparo.

DIÁRIO DE COIMBRA FOI PRECURSOR NA DEFESA DOS TROLEICARROS

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Linha n.º 6, numa extensão de 2,5 quilómetros que ligava a Estação Nova a Santa Clara (Almas de Freire), foi escolhida para o arranque, no dia 16 de Agosto de 1947, de um novo tipo de veículos ao serviço dos transportes colectivos de Coimbra. Dezassete anos depois, em 1964, os troleicarros destronavam os carros eléctricos em número de passageiros, sendo já uma aposta crescente dos Serviços Municipalizados como meio de transporte colectivo citadino, a par dos autocarros nos circuitos das zonas rurais – basta ver que em 1969 a frota era constituída por 20 carros eléctricos, 27 troleicarros e 31 autocarros A mobilidade eléctrica está hoje na ordem do dia, imperando preocupações ambientais e económicas, mas já há 90 anos o Diário de Coimbra advogava a opção pelo troleicarro (trolleybus), movido a electricidade, como solução preferencial para o transporte na cidade. Dezassete anos antes da inauguração do serviço de troleicarros em Coimbra, o nosso jornal publicou, na primeira página da edição de 31 de Dezembro de 1930, uma nota em defesa deste novo tipo de veículo, de tracção eléctrica mas dotado de pneus, mais confortável, mais seguro e menos ruidoso. Na notícia, ilustrada com a gravura de um troleicarro, apontavam-se vantagens sobretudo em comparação com os carros eléctricos, movidos sobre carris, que em Coimbra começaram a funcionar a 1 de Janeiro de 1911 em substituição do carro americano, impondo-se nos anos 20 e 30 do século passado como solução de transporte ao serviço das zonas mais populosas da cidade. Aposição do Diário de Coimbra seria reforçada, no mês se-


02 | 14 JUN 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Basta de tanto sofrer!”

16/5/1931 Fomentar uma união de esforços para lutar pelos interesses comuns da região era um dos propósitos principais do encontro da Imprensa das Beiras que o nosso jornal levou a efeito nos dias 16 e 17 de Maio de 1931

CONGRESSO ORGANIZADO PELO DIÁRIO DE COIMBRA PEDIU O FIM DA CENSURA 10/9/1930 Encontramos, na edição de 10 de Setembro de 1930, um apontamento em que o Diário de Coimbra recupera uma engraçada história associada ao Aqueduto de São Sebastião. «Uma das coisas mais características da velha Coimbra, desta Coimbra cuja história se perde na noite dos tempos, é sem dúvida aquele precioso monumento, conhecido porArcos do Jardim. Simples na sua arquitectura, sem arabescos nem preciosismos, estendem-se como uma grande cobra, desde os Hospitais até para lá da Penitenciária, desafiando os séculos. Sobre um dos arcos, um pequeno santuário, vendo-se de um lado S. Jorge e do outro o Mártir S. Sebastião. Quem vem a Coimbra, na ânsia de ver o que de belo nela existe, raras vezes ali se detém, porque infelizmente não o apontamos à admiração dos forasteiros que nos visitam. Foi ali, segundo reza a história da Academia de Coimbra, que João de Deus, o maior poeta de amor de todos os tempos, num dos muitos dias de penúria que a “malta”atravessa, se lembrou de arrancar as setas de prata, cravadas no peito do mártir S. Sebastião, deixando-lhe este dístico a substituir: “Basta de tanto sofrer!”».

Varrer a Baixa a meio da tarde 14/6/1930 Numa nota “Ao correr da pena”, o nosso jornal publicava um reparo dirigido ao vereador responsável pelo sector da limpeza: «Os comerciantes da Rua Ferreira Borges pedem-nos que solicitemos providências para o facto, nada de louvar, de se varrer a Calçada às 15 horas, enchendo de pó os estabelecimentos e estragando as mercadorias».

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poucos dias de completar um ano de existência, o Diário de Coimbra organizou nesta cidade, nos dias 16 e 17 de Maio de 1931, o I Congresso da Imprensa das Beiras. O evento, que mobilizou centena e meia de congressistas, em representação de publicações periódicas de vários pontos da região, foi promovido pelo nosso jornal com a finalidade de unir esforços e vontades para lutar pelos interesses comuns das Beiras e também deste importante sector de actividade. «A Beira, extensa área que, não obstante as suas diferenciações locais e sub-regionais, é uma região íntegra - diga-se o que se disser– com necessidades comuns, deve ter, também, um programa comum de reivindicações, programa que a sua Imprensa se deve esforçar por ver realizado», defendia o Diário de Coimbra, numa notícia publicada a 10 de Janeiro de 1931 em que anunciava o propósito de levar a efeito o I Congresso da Imprensa das Beiras. «Só pela união se consegue a força. Só pela união pode a

houve ainda uma visita ao Hospital Sanatório dos Covões e um jantar de confraternização no Hotel Avenida. No dia 17 , os trabalhos do congresso decorreram ao longo da manhã e o período da tarde foi reservado a visitas à UniverO I Congresso sidade e à obra da Imprensa das de valorizaBeiras reuniu ção turística em Coimbra 153 em curso em participantes duVale de Canas, rante dois dias, em Maio de 1931 incluindo ainda o programa um desafio de “foot-ball” entre jornalistas desportivos de Coimbra e Porto, com a receita a reverter a favor da Associação dos Jornalistas de Coimbra. Pelas 21h00, em sessão solene, davam-se por findos os trabalhos. O evento foi devidamente Diário de Coimbra destacou o congresso em várias edições noticiado na Imprensa nacioImprensa das Beiras realizar balho com um extenso pro- nal e regional da época e o Diáuma obra em prol do engran- grama social. No primeiro dia, rio de Coimbra, como não podecimento da Beira e do seu 16 de Maio, os participantes deria deixar de ser, dedicou próprio engrandecimento», foram recebidos na Câmara nesses dias extensos e pormeMunicipal, seguindo-se, ao iní- norizados relatos aos diversos reforçaria depois o jornal. A ideia ganhou força e fo- cio da tarde, a sessão inaugural momentos do congresso. Das reflexões e propostas leram-se somando aplausos e do congresso no salão da Asadesões à iniciativa, que com- sociação Comercial e Industrial vantadas pelos participantes plementaria as sessões de tra- de Coimbra. No mesmo dia destacou-se um pedido ao

Governo para abolir a censura. Uma proposta sobre a qual falaram «vários congressistas, sendo todos unânimes em que se deve pedir a supressão pura e simples da censura», reportou o Diário de Coimbra, acrescentando a notícia que «o sr. Mário do Amaral é de opinião que o Congresso deve pedir para que toda a responsabilidade proveniente das deficiências ou erro de critério da censura pertença ao censor e não às redacções, como acontece», e que «o nosso camarada de redacção dr. José Caldinhas declara-se contra tudo que seja tendente a limitar a acção do pensamento, que já tem leis bastantes que regularizem a sua função». Aprovada a proposta, foi deliberado enviar ao ministro do Interior um telegrama com o seguinte teor: «O Congresso da Imprensa Regional das Beiras reunido em Coimbra aprovou por aclamação se solicitasse a V.ª Ex.ª a abolição da censura». Recorde-se que a censura prévia às notícias dos jornais foi instituída depois do golpe militar de 28 de Maio de 1926, vindo a ser reforçada, em termos legais, após a ascensão de Oliveira Salazar, ministro das Finanças, à Presidência do Conselho e a aprovação da Constituição de 1933 que lhe conferiu poderes ditatoriais. Em vigor até a revolução de Abril de 1974, a censura reprimiu e restringiu a liberdade de Imprensa, tendo o Diário de Coimbra sido fortemente penalizado com um ano de suspensão, entre 7 de Julho de 1945 e 11 de Julho de 1946.. M.S.

Envolver os jornais na luta contra a tuberculose

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restes a entrar em funcionamento (teve pré-inauguração no dia 22 de Junho de 1931, durante “Os Dias da Tuberculose” em Coimbra), o Hospital Sanatório da Colónia Portuguesa do Brasil, na Quinta dos Vales (Covões), foi visitado pelos participantes do Congresso da Imprensa das Beiras. A recebê-los estava Bissaya Barreto, presidente da Junta Geral do Distrito de Coimbra, que por essa

altura mobilizava esforços e numerosos meios para implementar na região uma estrutura de saúde abrangente e eficaz (com dispensários, preventórios e sanatórios) no combate à tuberculose. No discurso que dirigiu aos congressistas, o médico aproveitou para pedir o apoio e envolvimento dos jornais na luta contra um dos principais flagelos da época, causador da morte de um português «em

cada quarto de hora». «De que valerão os dispensários, os sanatórios e tantos outros meios de defesa contra a tuberculose, que a Junta Geral abrirá em breve, para bem da nossa Beira, se acaso o público desconhecer a sua existência, ignorar os benefícios que deles lhes podem advir?», declarou Bissaya Barreto, ao apontar a necessidade de «uma vasta educação antituberculose, um combate tenaz

contra a ignorância e a indiferença do público, em assuntos do higiene e de profilaxia». O paladino da medicina social insistiu no apelo destacando a importância de levar e efeito «uma campanha activa, violenta, sem tréguas, contra este Minotauro que é a tuberculose, que mata 30.000 portugueses em cada ano», não havendo «nenhuma arma mais certeira, nenhuma força mais potente do que aquela de

que dispõe a Imprensa». «Os jornais, que toda a gente lê hoje, são o melhor meio de difusão dos conceitos e preceitos de higiene. É preciso que cada diário dedique a assuntos de tuberculose uma página por semana e os outros jornais uma secção, em cada número, sessões dirigidas por um médico versando a gravidade da tuberculose, o perigo de contágio, os meios da profilaxia», propôs Bissaya Barreto.


02 | 21 JUN 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Um novo “mercado do peixe” nas ruas da Baixa? 5/2/1931 Na edição de 5 de Fevereiro de 1931 encontramos o seguinte reparo: «Continuamos a pedir providências à Câmara de Coimbra e ao sr. Comandante da Polícia, que são, ao que nos parece, as entidades que tratam do caso. “Certas”vendedeiras de sardinha resolveram “criar” um novo mercado de peixe, ali nas ruas da Baixa, mesmo no centro da cidade. O espectáculo que se nos oferece e que se oferece a quem vê, os cabazes às portas de tendas e dos vários estabelecimentos, é quase que primitivo. Um Mercado - o de D. Pedro V - existe em Coimbra. Então não é lá que deve ter lugar a venda do peixe, desde a sardinha ao berbigão e até ao mais esquisito? Aquilo não está certo! Dá uma ideia de nós pouco lisonjeira».

Pôr na ordem uns certos “malandrões” 5/2/1931 Na mesma edição de 5 de Fevereiro, o Diário de Coimbra deixava um outro alerta, pedindo às autoridades medidas para pôr na ordem “uns malandrões”: «Todas as tardes, aí por volta das 6 horas, uns malandrões quaisquer costumam ir sentar-se ali para a Avenida Sá da Bandeira, no Jardim, ao primeiro talhão, logo acima do Teatro Avenida. Esses malandros dirigem chufas a umas, metem-se com outras, sem respeito por si e sem decoro algum pelos moradores. Ontem, agarraram um pobre diabo que para aí há e, sem pudor algum nem consideração pelas senhoras que passam ou moram próximo, obrigaram-no a tirar as calças. Calcule-se a indecorosa situação em que o desgraçado ficou. Os malandrões riam-se da sua proeza e ainda olhavam, “anchos”da sua linda figura, as pessoas que passavam. Não há polícia em Coimbra? Ou vivemos em terra de Cafres? Ao sr. Comandante da Polícia, apontamos esta canalhice. E anda um pobre pai a educar malandrões destes... Que vergonha e que tristeza», lamentava o autor da prosa.

14/1/1931 O Diário de Coimbra deu a conhecer no início de 1931 os números apurados no VII Recenseamento Geral da População, realizado no ano anterior

em Montemor-o-Velho 25.474, em Oliveira do Hospital 27.388, na Pampilhosa da Serra 14.218; em Penacova 17.920, em Penela 11.369, em Poiares 7.819, em Soure 23.436 e em Tábua 17.254. Faltavam ainda dados do concelho de Miranda do Corvo, «por este ainda se não encontrar na repartição do Governo Civil», explicava. Na edição de 10 de Fevereiro o jornal noticiou que tinha ficado concluído no dia anterior D.R. «o apuro total do censo de população do distrito, o qual deu um total de 385.480 habitantes, sendo 175.536 varões e 209.944 fêmeas». Facilitando o trabalho a quem aprecia análises e comparações, refira-se que o distrito de Coimbra apresenta actualPopulação do conmente uma popucelho de Coimbra lação residente de continuava a cres411.429 pessoas. cer, contando há 90 anos com 40.652 São dados de 2016, habitantes disponibilizados pela Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, que indicam 11.375 habitantes no município deArganil, 35.742 em Cantanhede, Coimbra registou no século XX acentuado crescimento populacional, verificando-se agora um recuo 134.463 em Coimbra (este conem 1864, o concelho passou Nova, 3.588 em Santa Clara, bra assinalavam ainda a exis- celho tinha 148.260 residentes para 25 mil em 1900 e regis- os já referidos 8.948 em Santo tência de 116 pessoas invisuais, em 2001), 17.441 em Condeixa, tava agora, no recenseamento António dos Olivais, 2.268 em 63 surdos-mudos; «53 aliena- 60.186 na Figueira da Foz, 3.961 em Góis (menos 8.322 que há de 1930, 40.652 habitantes, Eiras, 1.771 na Lamarosa, 996 dos e 24 idiotas». Os resultados do recensea- 90 anos), 17.216 na Lousã, distribuídos da seguinte forma em Ribeira de Frades, 1.383 em pelas diferentes freguesias: S. João do Campo, 6.131 em S. mento da população no que 12.064 em Mira, 12.853 em Mi2.777 em Almalaguês, 1.189 em Martinho do Bispo, 536 em S. respeita ao distrito de Coimbra randa do Corvo, 25.624 em Ameal, 983 em Antanhol, 1.114 Martinho de Árvore, 1.664 em foram revelados na edição de Montemor-o-Velho, 19.876 em em Antuzede, 600 em Arzila, São Paulo de Frades, 1.515 em 3 de Fevereiro de 1931, mos- Oliveira do Hospital, 4.128 na 1.230 em Assafarge, 1.347 no S. Silvestre, 2.946 em Cerna- trando que havia em 1930 no Pampilhosa da Serra (perdeu Botão, 1.069 em Brasfemes, che, 1.604 em Taveiro, 1.421 em concelho de Cantanhede 32.785 10 mil moradores nas últimas 603 em Castelo Viegas, 2.824 Souselas, 445 em Torre de Vi- habitantes, em Condeixa-a- nove décadas), 14.300 em Peem Ceira, 4.211 em Almedina, lela, 1.425 em Trouxemil e 670 -Nova 12.529, na Figueira da Foz nacova, 5.584 em Penela, 7.033 3.842 em S. Bartolomeu, 8.582 em Vil de Matos. Os números 49.105; em Góis 12.283, na em Poiares, 17.913 em Soure e em Santa Cruz, 11.481 na Sé globais do concelho de Coim- Lousã 13.350, em Mira 10.146, 11.675 em Tábua. M.S.

DISTRITO DE COIMBRA TINHA 385.480 HABITANTES NO ANO EM QUE NASCEU O JORNAL

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o ano do nascimento do nosso jornal, em 1930, contavam-se no distrito de Coimbra 385.480 habitantes, dos quais 175.536 homens e 209.944 mulheres. O sétimo Recenseamento Geral da População começou a ser divulgado pelo Diário de Coimbra na edição de 14 de Janeiro de 1931, adiantando-se desde logo os primeiros números disponíveis, referentes à freguesia de Santo António dos Olivais, que indicavam um total de 8.948 moradores (4.332 homens e 4.616 mulheres). Pela notícia ficamos também a saber que nesta freguesia, na altura considerada ainda dos arrabaldes ou periferia de Coimbra, havia 2.011 fogos. «Dos homens existem 8 cegos; 8 surdos-mudos, 6 alienados e 4 idiotas. Das mulheres são 8 cegas, 8 surdas-mudas, 5 alienadas e 2 idiotas», detalhava a mesma informação. Dias depois, a 29 de Janeiro, publicava o jornal o apuramento do censo da população do concelho de Coimbra, que confirmava a tendência de crescimento demográfico das décadas anteriores. Dos cerca de 15 mil habitantes contados

95 nascimentos e 81 óbitos na Figueira da Foz

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esde sempre o Diário de Coimbra olhou com especial atenção e carinho para Figueira da Foz, sendo quase diária a presença de notícias desta cidade e do concelho ao longo dos 90 anos de publicação do nosso jornal, asseguradas inicialmente por correspondentes e desde 1976 por uma delegação. E porque destacamos nesta página de memórias a evolução demográfica da região em que o jor-

FOTO DE ARQUIVO DO MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ

Época balnear atraía à Figueira muitos portugueses e espanhóis

nal está inserido, interessante é também recuperar uma notícia de 23 de Março de 1931, na secção “Da Figueira”. «Foi o seguinte o movimento da população do concelho da Figueira durante o mês de Fevereiro último, nas suas relações com igual mês do ano anterior: Nascimentos, 95, sendo 48 do sexo masculino e 47 do sexo feminino - menos 19 do que em Fevereiro de 1930. Casamentos, 57. Óbitos, 81, sendo 40 do sexo

masculino e 41 do sexo feminino - mais 14 do que em Fevereiro de 1930. Dos indivíduos falecidos, 42 tinham mais de 60 anos e 6 eram menores de 3 anos. A hemorragia, apoplexia e congestão cerebral causaram a morte a 11 indivíduos; a pneumonia e broncopneumonia a 9; a tuberculose pulmonar a 7 e as doenças do coração a 4. O número de nado-mortos, incluídos no total de óbitos, foi de 13», escreveu o jornal.


02 | 28 JUN 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Não é assim que se atrai estrangeiros aos museus

21/4/1931 Na edição de 21 de Abril de 1931 relatou o Diário de Coimbra uma situação que teria ocorrido durante uma visita ao Museu Machado de Castro. «Na quinta-feira última, uma família brasileira (marido e mulher) que, acidentalmente, está nesta cidade, foi visitar o Museu Machado de Castro, não lhe tendo sido feita qualquer observação à entrada. Quando se preparava para retirar, um empregado apresentou-se-lhe exigindo a importância de 5$00, entregando-lhe dois recibos referentes às suas entradas. Estranhando o facto, o marido, fez-lhe ver que tinha lido um aviso em que dizia que as pessoas que ali entravam nesses dias (ou aos domingos), nada tinham a pagar. Como, porém, esse empregado continuasse a insistir pelo pagamento daquela quantia e para evitar um conflito, sempre desagradável, esse casal teve de esportular os 5$00 em referência», escreveu o jornal, reprovando a atitude de tal funcionário: «Ora isso não está certo, porque, de facto, ao transpor-se o portão está na parede o seguinte aviso: “Museu Machado de Castro - Encerrado às 2.as feiras Aos domingos e 5.as feiras a entrada é pública e gratuita, desde as 11 às 15 horas. Nos outros dias, desde as 10 às 17 horas, mediante a retribuição individual de 2$50. Decreto 19.414 de 5-3931”. Como se vê, às 5.as feiras e domingos não se pode cobrar qualquer importância a quem visite esse Museu. Isto é estabelecido por um decreto. Como é que então se cobrou a esse estrangeiro esse dinheiro? É o que gostaríamos de saber, mas desde já dizemos que não é assim procedendo que se atrai pessoas (e principalmente estrangeiros) a verem o que nesta terra temos de bom».

29 /10/1930 Melhorar a apresentação e retirar carga tributária à exportação para chegar a novos mercados e bater o concorrente pela excelência do produto

JORNAL SUGERIU MEDIDAS PARA REVITALIZAR INDÚSTRIA DOS PALITOS DE LORVÃO

A

produção artesanal e industrial de palitos de Lorvão foi noutros tempos uma actividade pujante, que ajudou a equilibrar o orçamento de muitas famílias e contribuiu para levar longe o nome desta freguesia de Penacova. Os efeitos económicos da globalização também aqui se fizeram sentir. A fabricação quase paralisou e os sobreviventes desta indústria especializaram-se no embalamento dos palitos de madeira que são importados da China, onde a produção sai mais barata, seguindo após este processo de transformação para o mercado nacional. Mas já em 1930, ano em que o Diário de Coimbra foi fundado, a concorrência internacional ameaçava uma actividade que teve origem no Mosteiro de Lorvão, onde as freiras produziam os palitos para decorar bolos e doces. «Passariam, posteriormente, a ser produzidos pelas populações locais e vizinhas, levando, ao longo de muitos anos, o nome da freguesia a todo o mundo. Lorvão seria mesmo intitulada, por Leite de Vasconcelos, a “capital do palito”», lemos no site da Junta de Freguesia.

dego, a sua expansão mundial torna-os conhecidos, em especial na Inglaterra e no Brasil, onde o seu esmero era apreciado, e a fantasia da sua apresentação estimada», prossegue. Descreve depois que o palito de Lorvão, «cortado, recortado em tiras caprichoActividade teve sas, com floorigem no mosreados a orteiro, onde as freinamentaras produziam os rem-no ea palitos para decodarem-lhe rar bolos e doces um aspecto agradável à vista, era uma indústria serrana e florestal, e as paliteiras, a presilha de couro no joelho, céleres, trabalhavam, alindavam o tosco fragmento de madeira, que, amanhã, iria ser o principal ajudante dos dentistas, iria ser Palito do Lorvão destacado na edição de 29/10/1930. um veículo de higiene». No entanto, avisa, há ameaÉ curioso um artigo que, há que do Bussaco se estende para 90 anos, o nosso jornal dedicou além de Penacova, é notável, ças que ensombram o futuro aos palitos de Lorvão, desta- não só pelo vetusto convento, desta actividade. «O americano cando-lhes os méritos e aler- onde um artístico cadeiral é ra- solerte começa fabricando o tando para a importância de zão suficiente duma peregrina- palito de empreitada, em série, ção turística, mas também pela por meio de maquinismos esencontrar novos mercados. peciais, alastrando o produto Publicado na primeira página sua actividade industrial». «No Lorvão exerce-se uma por todo o mundo, enchendo da edição de 29 de Outubro de 1930, com o título “Uma velha indústria genuinamente portu- os mercados a preços conviindústria regional - O palito do guesa, típica e característica: a dativos, batendo o palito porLorvão”, o texto começa por dos palitos. Os palitos do Lor- tuguês. E, no Lorvão, onde a considerar que esta povoação, vão são famosos: fabricados da tradição paliteira ainda se man« perdida nos alcantis da Serra, madeira de salgueiro do Mon- tém, na continuação duma pe-

quena indústria doméstica, outrora lucrativa, as mãos finas e aristocráticas das moças da terra, algumas descendentes da velha nobreza portuguesa, embora em ramificação abastardada, essas mãos onde corre ainda sangue azul, deixaram de tratar o palito com aquele carinho e aquele interesse que noutros tempos lhe merecia, quando o solicitavam mesas solenes da hierárquica Inglaterra, mesas francas do liberal e democrático Brasil». Perante isto, questiona o articulista: «Pode a indústria reviver? Pode a vida paliteira do Lorvão vir a ter uma culminância como outrora teve?». E responde: «É de crer que sim, mesmo sem necessidade de balões de oxigénio com que muitas indústrias vivem. Ali, a indústria é nacional, é regional: mão-de-obra, matéria prima, tradição industrial e artística...» O artigo identifica riscos mas também aponta caminhos. «O que fazer? Conseguir uma melhor apresentação do palito do Lorvão, com uma embalagem mais artística e mais higiénica, que o imponha ao comprador. Isto pertence à iniciativa particular, é do esforço do industrial. Depois, conseguir a desoneração tributária que impende sobre o palito exportado, dando facilidades à sua expansão, procurando reconquistar-lhe os mercados perdidos, criar-lhe novos mercados e batendo o concorrente pela sua excelência», sugere. A concluir a prosa, reforça-se a ideia de que «em todo o mundo o palito do Lorvão pode ser utilizado», é «questão de se lhe procurar mercado, é questão de querermos impô-lo ao mundo». M.S.

Uma nova bandeira para Coimbra

O

nosso jornal noticiou, na edição de 23 de Outubro de 1930, a aprovação de uma bandeira para representar simbolicamente a cidade de Coimbra. Amadeu Ferraz de Carvalho, José Pinto Loureiro e António Gomes da Rocha Madahil constituíam a comissão que a Câmara tinha nomeado para elaborar o projecto da nova

bandeira. Aprovada em sessão camarária e enviada ao Ministério do Interior para ser publicada no Diário do Governo, a proposta definia que fosse a seguinte a constituição das armas e bandeira de Coimbra: «De vermelho com uma taça de ouro realçada de púrpura, acompanhada de uma serpa alada e um leão batalhante, ambos de ouro; Em chefe, um busto de

mulher, coroada de ouro, vestido de púrpura e com manto de prata, acompanhado por dois escudos antigos de quinas; Coroa mural de prata, com cinco torres; Bandeira com um metro quadrado, quarteada de amarelo e de púrpura; listel branco com letras pretas, dizendo Cidade de Coimbra; cordões e borlas de ouro e púrpura; lança e haste de ouro».


02 | 05JUL 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias A inauguração do Monumento aos Mortos da Grande Guerra

Em ano de procissões da padroeira, o programa das festas de Coimbra de 1932 era ambicioso e a cidade preparava-se para receber multidões

COMO O JORNAL RELATOU PELA PRIMEIRA VEZ AS FESTAS DA RAINHA SANTA

O 11/7/1932 O programa das Festas da Rainha Santa incluiu, no dia 10 de Julho de 1932, a inauguração do Monumento aos Mortos da Grande Guerra na Avenida Sá da Bandeira. No dia seguinte o nosso jornal noticiou que «a solenidade da inauguração foi presenciada, apesar do calor, por um considerável número de pessoas, bem como pelas mais altas individualidades civis e militares desta cidade». «Pelas 12 horas, começaram formando na Avenida Sá da Bandeira, junto ao monumento, forças da guarnição militar de Coimbra, com as suas respectivas bandeiras, bem como os estandartes das delegações das Agências das Liga dos Combatentes da Grande Guerra do Coimbra, Lisboa, Porto, Oeiras, Oliveira de Azeméis, Aveiro, Lourinhã, Figueira da Foz, Torres Vedras, etc., delegação da Union A. C. Français, Câmara Municipal, OrfeonAcadémico, Escola Comercial e Industrial Brotero, Grémio Operário, Associação dos Artistas, etc., etc. Compareceram, também, as bandas José Estevan, de Aveiro, Bombeiros de Penacova, Filarmónica de Taveiro e várias viaturas dos Bombeiros Municipais e Voluntários desta cidade. Pouco depois das 13 horas, compareceu o sr. general Daniel de Sousa, ministro da Guerra, tendo sido imediatamente iniciada a cerimónia», relatou o Diário de Coimbra. A inauguração do monumento mandado construir pela cidade de Coimbra em homenagem aos seus mortos na primeira grande guerra foi precedida, de manhã, por uma missa na Igreja de Santa Cruz, celebrada pelo Bispo Conde, por alma dos militares falecidos.

Diário de Coimbra acompanhou atenta e detalhadamente as primeiras Festas da Rainha Santa realizadas após o nascimento do jornal. Nesse ano de 1930, tal como no ano seguinte, não tiveram lugar as procissões da padroeira, que voltariam a organizar-se em 1932, com grande brilho e devoção. AComissão de Turismo, presidida por Manuel Braga, assumira a realização dos festejos da cidade e preparara um ambicioso programa, entre 7 e 12 de Julho, prometendo as «festas mais brilhantes de todas as que se têm realizado em Coimbra». A par da componente religiosa, destacavam-se do programa concertos de bandas, espectáculos de fogo de artifício no Mondego, folclore, cinema, uma gincana automóvel e a mostra de actividades económicas, esperando-se enchentes no Parque da Cidade, devidamente engalanado e iluminado por 18 mil lâmpadas eléctricas. Coimbra preparava-se então para receber uma multidão devota da Rainha Santa Isabel – como aconteceria por estes dias se a pandemia de Covid-19 não tivesse obrigado a cancelar as tradicionais procissões. «Sabemos que em algumas

grande público», anteviu o Diário de Coimbra, na edição de 19 de Junho. No dia 9 de Julho, o jornal dava conta do «brilhantismo» e «grande entusiasmo» com que decorriam já os festejos. «Coimbra está em festa. Ostentam as ruas caprichosas e lindas ornamentações.Andam no ar acordes de filarmónicas. E o povo vem para a rua - a ajuntar-se ao Milhares de pesoutro povo, soas compareceaquele povo ram no Parque da Cidade, palco prinque trouxecipal dos festejos ram até nós de Coimbra os comboios, as camionetas, os mais diversos meios de transporte. As festas em honra da Rainha Santa Isabel, em honra da excelsa Padroeira de Coimbra, atingiram um brilhantismo a Diário de Coimbra destacou as festas na edição de 7 de Julho que a cidade não estava acosdas principais cidades e vilas Rainha Santa, vai ser grande tumada. A iluminação profusa do centro do país já estão to- como nunca. A cidade, princi- das ruas, as ornamentações madas todas as camionetas palmente a parte baixa, vai ser modernas, a grande Feira de para transportarem as pessoas pequeníssima para receber ta- Amostras, tudo concorre para que vêm assistir às festas. De manha multidão, e mais que que acorram a Coimbra, nestes Lisboa e Porto, alguns com- nunca também ficaria de- dias, milhares e milhares de boios especiais se formarão monstrado que se torna cada pessoas», relatava. Nesse ano, por acordo entre para transportarem romeiros vez mais urgente rasgarem-se, e forasteiros. Tudo nos indica através dos velhos bairros, no- a Confraria da Rainha Santa e pois que a concorrência de fo- vas e largas artérias, por onde a Venerável Ordem Terceira de rasteiros, durante as Festas da possa transitar à vontade um S. Francisco, a imagem da vir-

“Há de tudo” na Feira de Amostras do Parque da Cidade 7/7/1932 «Grande número de “stands”. Alguns, de linhas modernas, elegantes. Em exposição, os mais variados produtos. A Indústria, o Comércio e a Lavoira estão altamente representados», anotava o Diário de Coimbra ao noticiar a inauguração da «grande Feira de Amostras» instalada no Parque da Cidade - um dos eventos principais das Festas da Rainha

O jornal publicou um suplemento sobre o certame

Santa no ano de 1932, «destinado a demonstrar as possibilidades industriais, comerciais e agrícolas da nossa linda terra». «Há de tudo. Há mobílias e adornos, do mais aperfeiçoado e moderno fabrico. Há projectos e fotografias de lindas vivendas. Há bebidas das mais diversas qualidades. Há óleos, gasolinas, perfumes caros que rivalizam com os es-

trangeiros. No pavilhão da cidade, ao lado de vários industriais, expõem artistas de todo o país», exemplificava o jornal, que no dia da abertura (7 de Julho) dedicou um suplemento de oito páginas ao certame organizado pela Comissão Central das Festas da Cidade, que foi presidida por Menezes e Castro, gerente da Companhia Industrial de Portugal e Colónias.

tuosa padroeira recolheria à Igreja do Carmo, na Rua da Sofia, após a procissão de quinta-feira à noite entre Santa Clara e a Baixa da cidade. «Aprocissão pôs-se em marcha, vagarosamente, incorporando-se nela milhares de pessoas. À frente, com os seus pendões, as várias confrarias. Depois centenas de anjos, penitentes, devotos, promessas que se cumprem. Aqui uma senhora nova ainda, descalça, agradecendo a Santa Isabel o ter-lhe salvo o pai duma morte considerada certa. Além, uma outra, da melhor sociedade de Coimbra, vestida quase de burel, dando louvores à Rainha Santa por lhe restituir o seu filho estremecido, às portas da morte com uma doença considerada incurável. Depois, mais casos, muitos mais casos. Agora, o andor da Rainha Santa, à passagem do qual milhares de pessoas se descobrem num grande devotamento. A passagem na ponte, às 23 horas, é duma imponência majestosa. O efeito das lâmpadas eléctricas casa-se com a majestade da procissão e parece torná-la mais imponente ainda. À sua chegada ao Largo Miguel Bombarda [Portagem], subiram ao ar muitos milhares de foguetes, um bouquet de surpreendente efeito. Estava mais gente do que há três anos, afirma-se. As ruas dos Sapateiros, da Louça, Sansão e Sofia, vistosamente engalanadas e feericamente iluminadas. Das janelas, apinhadas, pendem ricas colgaduras de damasco. O povo aglomera-se dum e doutro lado das ruas, um muro humano fortíssimo. No Largo de Sansão, comprimem-se centenas, talvez milhares de pessoas.Até que entra na Igreja do Carmo, ao repique festivo dos sinos, e do estralejar dos foguetes, a imagem querida de Coimbra, a sua padroeira, a Rainha Santa Isabel. A procissão, que terminou quase à uma da madrugada, foi melhor do que a última, assevera-se! Nós constatamos uma devoção enorme das gentes, um efeito surpreendente, qualquer coisa de religioso, a tocar os corações», descreveu o nosso jornal, que voltou a colocar o mesmo tom emotivo na reportagem sobre a procissão que domingo levou a padroeira de regresso a Santa Clara. M.S.


02 | 12 JUL 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Faltava polícia e iluminação no bairro do Calhabé 17/1/1931 Coimbra registava assinalável crescimento nas primeiras décadas do século passado, mas nem sempre os serviços públicos davam resposta adequada às necessidades das novas áreas de expansão citadina. Na edição de 17 de Janeiro de 1931, o nosso jornal alertava para serviços que «não correspondem já à sua importância, que não têm acompanhado o alargamento da periferia citadina». «Há pontos que estão por assim dizer quase abandonados. Os bairros mais distantes do centro da cidade merecem ser olhados com tanta ou mais atenção; precisamente porque estão mais irradiados da vigilância que se exerce nos pontos centrais deviam inspirar mais cuidados a quem incumbe exercer essa vigilância», criticava, indicando como «um dos pontos que merece especial atenção» a Rua dos Combatentes e «parte do populoso bairro do Calhabé». Esclarecia a notícia que nesta zona «não só a polícia, há muito, não faz serviço como a iluminação pública é deficientíssima, em virtude de lâmpadas que se avariam e não são substituídas». «A falta de polícia, a que mais duma vez temos feito referência, agravada pela falta de iluminação, põe em sérios riscos os habitantes e os seus haveres.Ainda no domingo último uma criada do sr. dr. Estevão de Oliveira foi assaltada por um meliante que a arranhou toda no propósito de a violentar. Ela supõe saber quem é. Se não se providenciar, como é urgente, não é de estranhar que se tenham de registar casos idênticos», avisava. Mas também os serviços dos correios deixavam a desejar, «pois além de outras deficiências deveras lamentáveis existe a de aos domingos não se fazer ali a distribuição de correspondência aos domicílios, o que coloca este bairro numa condição de desigualdade deveras lamentável e injustificável». «É necessário que nos convençamos de que a cidade se estende dia a dia e que os serviços públicos devem acompanhar esse progresso, esse constante alargamento da periferia citadina», rematava o jornal.

O Diário de Coimbra enalteceu a obra social da Cozinha Económica, inaugurada no dia 4 de Julho de 1933 no antigo Recolhimento do Paço do Conde

revestido de grande solenidade, presidiu o sr. D. António Antunes, Bispo Auxiliar desta diocese, vendo-se representados o Comando da Região Militar, a Relação de Coimbra, Sociedade de Defesa e Propaganda Coimbra, Inspecção de Saúde e outras entidades, encontrando-se na sala, além das senhoras que fazem parte da comissão fundadora daquela benemérita obra, muitas das mais distintas senhoras de Coimbra, e os srs. dr. Ângelo da Fonseca, uma das obras sociais dr. Novais e Sousa, dr. Pacheco mais meritórias de de Amorim, dr. Vicente Rocha, Coimbra e o Presidr. Pedro Bravo, antigo minisdente da República, Marcelo tro da Agricultura, Conde do Rebelo de Sousa, quis vir proAmeal, etc.» positadamente a esta cidade, «No Porto de Honra, que foi anteontem, reconhecer o traoferecido aos convidados, fabalho desenvolvido pela Aslaram os srs. D. António sociação das Cozinhas EconóAntunes, dr. Borges de micas Rainha Santa Isabel em Oliveira, José Erprol dos mais desfavorecidos, Em 1933, cidadãos nesto Donato e o sobretudo nos meses mais ree empresas responsr. Padre Gaito, centes, em que a pandemia de deram com generosidade ao apelo paque solicitou o auCovid-19 agravou as precárias ra ajudar a criar a xílio de todos para condições económicas de Cozinha Económica a manutenção damuitos conimbricenses. quela humanitária Desde sempre o Diário de obra, que pode ir até à exCoimbra olhou com carinho e tinção da mendicidade, se for apoiou a instituição que há 87 acarinhada como as suas oranos se instalou no Terreiro do ganizadoras esperam», acresMendonça, na Baixa da cidade, centava o jornal. por iniciativa de uma comissão A primeira refeição da Cozide «beneméritas senhoras da Cozinha Económica serve centenas de refeições, agora em “take-away” devido à pandemia nha Económica, servida com alta sociedade coimbrã». e uma dispensa, que se encon- abundância aos comensais A inauguração da Cozinha que em reunião da comissão $95, pão $45 e vinho $25». A doação de produtos ali- tra recheada de géneros de pri- previamente inscritos no janEconómica, no dia 4 de Julho das fundadoras, de que era de 1933, teve o devido destaque presidente de honra a con- mentares, mobiliário e equipa- meira necessidade, oferecidos tar que se seguiu à inaugurano nosso jornal. Dias antes, a dessa do Ameal, ficara definido mento de cozinha, em resul- gratuitamente por diversos be- ção, constava de «sopa de 29 de Junho, antecipava-se este que a Cozinha Económica for- tado do apelo à generosidade neméritos», relatou o nosso jor- carne, carne guisada com bamomento, expressando o Diá- neceria, «pelo preço ínfimo de de cidadãos e empresas, aju- nal ao noticiar a inauguração tatas, pão e vinho, sendo o seu rio de Coimbra a convicção de 2$10, cada uma das suas refei- dou a erguer a instituição no de uma obra «destinada a mi- preço 2$10». «As louças, que são magnícom esta benemérita iniciativa ções regulamentares, que espaço do antigo Recolhi- norar a situação aflitiva em que se iria «prestar os mais relevan- constarão de sopa, um prato, mento do Paço do Conde, com se encontram as classes traba- ficas, foram oferecidas pela Fátes serviços e os maiores bene- pão e vinho; fornecendo tam- entrada pelo Terreiro do Men- lhadoras, e muito em especial brica da Vista Alegre, que não se recusou a satisfazer o pefícios às classes necessitadas do bém cada uma dessas coisas donça, dispondo, «entre outras os desempregados». Na primeira página da edição dido que lhe foi feito pela conosso meio social, onde a sua separadamente, a quem o de- dependências, de uma sala sejar, pelos insignificantes pre- para refeitório, gabinetes par- de 5 de Julho de 1933 lemos missão», anotou o repórter do falta tanto se fazia sentir». A mesma notícia adiantava ços seguintes: sopa $45, prato ticulares, uma ampla cozinha que ao acto inaugural, «que foi Diário de Coimbra. Dias depois, a 14 de Julho, o jornal dava conta de que nos primeiros dias de funcionaDiário de Coimbra solidário com fins altruísticos da Cozinha Económica mento (até dia 8) a instituição tinha servido 321 sopas, 271 prarata de Tovar, D. Alzira Rocha, em Lisboa foi iniciado e man- tos, 54 quilos de pão e 49 litros 5/7/1933 O Diário de CoimD. Elisa Núncio Bravo e D. Eu- tido durante muito tempo de vinho. bra, na edição de 5 de Julho «Como se vê, é deveras anigénia de Castro e Almeida] pela Duquesa de Palmela. No de 1933, expressou total apoio que tomou a iniciativa dessa campo do altruísmo, de luta mador este seu movimento à «obra generosa da Cozinha obra altruísta e humana, e contra a miséria, contra a po- inicial; e estamos certos de que Económica». «Felicita com sem o mínimo desprimor breza e contra a infelicidade, ele aumentará consideravelentusiasmo a comissão de Separa nenhuma das Senhoras este jornal não faz distinções mente de dia para dia. Oxalá o nhoras [D. Maria Angelina que formam essa comissão, políticas, nem até pessoais, vasto alcance da simpática insVila Moura da Fonseca, D. acentua o papel ilustre da sr.ª antes, pelo contrário, lhes dá, tituição seja compreendido Margarida Novais e Sousa, D. Condessa do Ameal, fazendo nesse campo, a solidariedade por todos, e todos contribuam Berta dos Santos e Silva, D. votos sinceros para que o seu necessária, a solidariedade no para ele ser atingido, como é Laura de Azevedo Arcanjo Marta, D. Dionísia Camões de Jornal noticiou inauguração da trabalho, que é humano e ge- combate pela dignificação do de esperar e tudo leva a crer», concluía o jornal. M.S. neroso, seja igual àquele que ser humano», declarou.. Mendonça, D. Júlia Maria Ba- Cozinha Económica em 1933

REFEIÇÕES PARA POBRES SERVIDAS EM “MAGNÍFICAS” LOUÇAS DA VISTA ALEGRE

É


02 | 19 JUL 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Quem acode à Sé Velha?”

19/11/1930 O Diário de Coimbra congratulou-se com a publicação do decreto que autorizou a criação de Banco Comercial das Beiras

UM BANCO REGIONAL PARA APOIAR A VIDA ECONÓMICA DE COIMBRA E DAS BEIRAS 17/2/1931 O Diário de Coimbra alertou, na edição de 17 de Fevereiro de 1931, para o estado de desleixo em que se encontrava um dos mais importantes monumentos da cidade: «A Sé Velha, vetusto monumento que assistiu à formação da nacionalidade; a Sé Velha, veneranda relíquia de Arte que nos legou a posteridade, como sendo o mais completo e belo monumento da Arte Românica em Portugal; a Sé Velha, templo ligado a alguns dos mais importantes e notáveis factos da nossa História, está abandonada, miseravelmente abandonada. Entra lá, à vontade, a água das chuvas, inundando, estragando, estropiando o belo e altivo monumento. E isto porque lhe faltam caixilhos com vidro nas frestas e janelas, obra de pouco custo, mas de difícil obtenção, porque peias burocráticas se antepõem como obstáculos insuperáveis à sua conservação. Dizem-nos que foram encomendados, na Penitenciária, há anos, esses caixilhos, mas que nunca mais os foram buscar. Sabemos que, no tempo em que era presidente da Junta de Freguesia o sr. Joaquim Rasteiro Fontes, que dedica uma afeição sem limites aos monumentos de Coimbra, tanto fez que conseguiu que a Comissão dos Monumentos Nacionais mandasse pôr vidros e caixilhos nas janelas. Mas, de tal qualidade era esse material que, com a intempérie, tudo aquilo apodreceu e veio abaixo, sem que, até hoje, tenham sido substituídos. É duma incúria criminosa conservar, assim, o vetusto monumento da Sé Velha que, só por si, era bastante para honrar a cidade de Coimbra e a tornar num local de piedosa romagem turística e patriótica. Quem nos ouve? Quem acode à Sé Velha?».

C

hamava-se Banco Comercial das Beiras e a sua criação esteve a um passo de se concretizar. A ideia ganhou forma há 90 anos, dinamizada por um grupo de notáveis, maioritariamente empresários da região, conscientes da necessidade de uma instituição bancária mais próxima e capaz de dar a resposta adequada a uma indústria e um comércio que careciam de financiamento para fazer crescer os seus negócios. O nosso jornal registou a simpatia e interesse com que nesta região foi acolhida a iniciativa, impulsionada a 19 de Novembro de 1930 pelo decreto em que o ministro das Finanças, na altura Oliveira Salazar, autorizava a constituição de um banco regional com sede em Coimbra e capital social de cinco mil contos. «Apublicação do decreto autorizando a criação do Banco Comercial das Beiras causou, como era natural, a melhor das impressões. De facto, há muito se fazia notar a falta de um banco que fosse propriamente da região e, assim, preenchida esta lacuna, o comércio e indústria muito têm a lucrar», considerava o Diário de Coimbra no dia 23 de Novembro, numa das notícias que dedicou ao novo projecto bancário. Dias antes, a 20 de Novembro, o jornal revelava os nomes dos promotores da instituição de crédito, nos quais se contavam Bissaya Barreto, professor universitário e presidente da Junta Geral do Distrito;Adriano Viegas da Cunha Lucas, empresário e fundador do Diário de Coimbra; Mário Pais, sócio gerente da Fábrica Triunfo;António de Assis Teixeira de Magalhães e Menezes (conde de Felgueiras, presidente de Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra); além de

cultura, a Indústria e o Comércio das Beiras o seu organismo de finança, o seu coração económico neste banco regional que, é, incontestavelmente, um empreendimento do maior interesse para o fomento efectivo e real da nossa Beira, fomento que, até aqui, tem sido, pode dizer-se, quase virtual», afirmava o jornal. Na primeira semana do ano de 1931 decorreu em várias localidades da região a Por trespasse, a subscrição púfilial da casa Totta em Coimbra esteve blica do capital destinada a acolher do novo banco, o novo banco, que dividido em 10 não se concretizou mil acções de 500 escudos cada. Apesar de, como noticiou o jornal na edição de 7 de Janeiro, terem excedido «todas as expectativas as previsões feitas a propósito da cobertura do capital», o «satisfatório acolhiSubscrição pública do capital do banco foi anunciada no jornal mento dispensado pela região Alexandre Tavares, Augusto nova instituição bancária re- a tão importante e utilíssimo Luís Marta, Sucessores, Alberto gional. «O banco aparece como empreendimento» seria no enBebiano Ceppas, António de sendo, de facto, o depósito dos tanto insuficiente para asseguSousa Ferreira, António Maia, capitais da região, que, até rar a viabilidade do projecto. O Banco de Portugal, em cujo Augusto de Oliveira Martins, agora, por falta de instituição Albano Abel Fernandes Abreu, financeira regional, iam amon- arquivo se guarda uma caixa Manuel Golegã de Sousa San- toar-se nos bancos da capital, com a documentação referente tos, Cesário Neves, Messias ou em bancos similares dou- a este processo, registou para a Baptista, José Fernandes Mar- tras regiões do país. E, com esse história que o Banco Comercial tins, Firmino Alves de Seabra, aspecto tomado pelo banco re- das Beiras «não chegou a orJosé Simões Coelho e José Lu- gional, aparece concomitante ganizar-se» devido «às inúmee consequente, o aspecto de fi- ras dificuldades na concretizaciano Correia do Amaral. Algumas entidades locais, en- nanciador dos empreendi- ção do capital estabelecido, ortre elas aAssociação Comercial mentos económicos que se ganização e prossecução dos e Industrial e a Comissão Ad- realizam ou virão a realizar nas objectivos iniciais». «Em 4 de ministrativa da Câmara Muni- Beiras, enquanto que, se não Abril de 1931, o grupo consticipal de Coimbra, enviaram ao existisse, esse financiamento tuinte do banco requer autoriministro telegramas de agra- provincial e regional seria mais zação para o levantamento do decimento pela aprovação de exíguo e limitado, em virtude depósito de 2.500 contos (50% um banco que «representa de terem as casas bancárias, do capital estabelecido), tendo mais um auxílio ao progressivo bancos e outros estabeleci- tido despacho favorável em 17 desenvolvimento do comércio mentos de crédito, de dispersar de Abril de 1931. O precatórioe indústrias desta cidade e à a sua acção financeira por todo -cheque foi passado a favor de economia do centro do país». o país. É, pois, o banco regional Augusto dos Santos Silva, reApoiante da iniciativa, o Diá- ora criado, um organismo eco- presentante dos constituintes, a rio de Coimbra apontava na nómico destinado a empregar 20 de Abril de 1931», refere a inedição de 25 de Novembro as na Beira o dinheiro da Beira. formação disponível no site do «incontestáveis vantagens» da Terão os beirões, terão a Agri- supervisor bancário. M.S.

“Brasileiros” avoaram com 60 contos 9/3/1931 Do correspondente de Santo Amaro chegou ao jornal notícia de um incauto vítima de dois “espertalhões”. Publicado na secção “Pelas Beiras”, com o título “Vigaristas encartados...”, o relato dava conta de que «há uns quinze dias, aproximadamente, apareceram nesta terra dois cavalheiros respeitáveis, viajando de automóvel e espalhando dinheiro, às mãos cheias. A breve trecho tinham criado relações com as pessoas mais gradas da terra, sucedendo saírem frequentes vezes no automóvel dos “brasileiros”, como aqui passaram a ser conhecidos. Anteontem, voltaram como de costume e como o sr.Alípio Novais lhes tivesse pedido a fineza de o conduzirem à cidade, onde queria depositar um “dinheirito”, logo acederam prontamente. No caminho, a pretexto de matar a sede, um dos “brasileiros” desrolhou uma garrafa, dando de beber ao sr. Novais que imediatamente ficou imóvel, pelo efeito do narcótico que sem dúvida, o líquido continha. Rebuscaram e rebuscaram até que, num bolso das ceroulas, onde o sr. Morais conduzia a carteira, encontraram os almejados escudos. Feita a proeza, puseram-se em fuga, deixando o pobre sr. Novais abandonado e entregue à sua própria sorte. Resumindo: o sr. Novais ficou sem o melhor de 60 contos e os “riquíssimos brasileiros”... avoaram. Conseguir-se-á metê-los na gaiola? É o que se verá no próximo episódio, intitulado: A Polícia Investiga».

Livrou-se por pouco de ser enterrado vivo 23/1/1931 Do estrangeiro publicava o jornal esta insólita notícia: «Berlim, 22 - Precisamente quando ia ser fechado o caixão no qual se encontrava, despertou do coma um homem de 23 anos. Ouviu os presentes falarem dos preparativos do seu funeral.Aprincípio não pôde mover-se ou gritar sequer, mas, finalmente, fazendo um supremo esforço, empurrou a tampa do caixão, livrando-se por um pouco de ser enterrado vivo».


02 | 26 JUL 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Achados arqueológicos no Rabaçal 28/4/1931Da Vila do Rabaçal chegava a notícia de que numa propriedade desta freguesia de Penela, «quando o seu proprietário procedia a umas pequenas escavações, foram encontrados vestígios de antigas edificações, provavelmente do tempo dos romanos, que, segundo reza a História, habitaram esta região». «Há dias, quando se procedia à cultura do milho, a charrua pôs a descoberto um lindo azulejo de variegadas cores embutidas na massa de cal e que foi destruído, por o respectivo lavrador desconhecer o seu merecimento histórico. O caso já foi comunicado ao ilustre investigador sr. Dr Virgílio Correia, professor da Faculdade de Letras, e juntamente enviada uma amostra do azulejo aparecido», noticiava o jornal na edição de 28 de Abril de 1931.

Caixa de correio na portaria dos Hospitais 13/1/1931 Numa época em que as cartas ainda cumpriam um papel fundamental na comunicação entre as pessoas, o Diário de Coimbra chamou a atenção para a necessidade de uma caixa para colocar a correspondência nos Hospitais da Universidade, onde «existem internados centenas e centenas de doentes». «Ora, estes doentes têm necessidade de comunicar com as famílias e servem-se, para isso, do correio. Até aqui está tudo muito bem. O que não está bem é que os mesmos doentes tenham de andar a pedir, por favor, a alguém que lhes leve as cartas a qualquer caixa postal. Tudo se remediaria se, na Portaria do Hospital, fosse colocada uma daquelas caixas. Para este caso chamamos a atenção do sr. Director daquele estabelecimento, certos de que dará os necessários passos nesse sentido, concorrendo assim para uma autêntica obra de misericórdia», apelou o jornal, registando com satisfação no dia 27 do mesmo mês que a sugestão fora bem acolhida e a caixa do correio tinha sido instalada no dia anterior.

1931 Travar a saída do nosso dinheiro para o estrangeiro e contrariar a falta de consumo de produtos nacionais motivou apelo nas páginas do Diário de Coimbra

JORNAL FEZ CAMPANHA PARA SE DAR PREFERÊNCIA AOS PRODUTOS NACIONAIS

C

omprar “P.P.P.” em vez de produtos do estrangeiro. O apelo, em tom de mobilização patriótica, teve eco insistente nas páginas do Diário de Coimbra em Abril de 1931, condenando-se a «monomania do estrangeirismo» que acarretava «grave prejuízo para a economia nacional». Num artigo com o título “Indústria Nacional”, na primeira página da edição de 12 de Abril, sentenciava-se logo de entrada que «preferir produtos da indústria nacional é dever patriótico imposto a todos os portugueses», considerando o jornal que «só por desconhecimento da nossa indústria ou por snobismo tão ridículo como criminoso é que se dá preferência aos produtos estrangeiros que não são superiores àqueles da indústria nacional, e que, além de mais caros, provocam com a sua compra saída de oiro, que só serve para agravar a vida económica da nação». «Não temos necessidade de

D.R.

que em nada deixam a desejar às de Barmem; as amêndoas tão boas e elegantes como as de Conty, fabricadas na casa Ramiro & C.ª; a cerveja de Coimbra, que iguala a de Pilsener e MuDiário de Coimbra apelou também nich. E sainaos industriais do para fora portugueses para de Coimbra, aperfeiçoarem temos os lao seu trabalho nifícios da Covilhã, de Gouveia, de Loriga, os xailes e fantasias para vestidos de senhora em Castanheira de Fábrica de Lanifícios de Santa Clara (Planas & Companhia) foi Pera; o calçado e os chapéus uma das grandes unidades industriais de Coimbra. em S. João da Madeira; as ferimportar produtos similares les de fabricação inglesa; as bo- ragens em Águeda; os espuàqueles que fabricamos», rei- las, os biscoitos, as massas da mantes deAnadia, os licores da terava, observando que Portu- Triunfo, apetitosas e elegantes Lousã; a cerâmica em Aveiro. gal «já não é apenas um país que fazem inveja às de Peach- E percorrendo o país de norte agrícola mas é, já também, um -Frin, Lefevre, Utile e Boston; as a sul, maior e mais bela enconlouças da porcelana elegantes tramos a indústria nacional, grande país industrial». Apontavam-se bons exem- como as de Saxe; as malhas das tudo isso num conjunto patrióplos, a começar pela própria in- nossas fábricas tão boas e fortes tico que dia a dia engrandece dústria de Coimbra. «Temos os como aquelas fabricadas em Portugal e nos causa orgulho lanifícios de Santa Clara, tão Troyes, Apolda e Cheminitz; as de sermos portugueses», desbons ou melhores do que aque- passemanarias da casa Planas crevia o articulista.

Assumindo nos vários artigos publicados a «atitude patriótica» de «combate ao consumo dos produtos estrangeiros», o Diário de Coimbra vincava «o dever de procurar e de preferir os produtos da indústria portuguesa», de «auxiliar a nossa indústria por todos os meios ao nosso alcance». «As senhoras portuguesas, numa atitude anti-patriótica, repudiam os tecidos nacionais e optam pelos tecidos manufacturados em fábricas francesas, num desprezo pela indústria portuguesa que confrange. As farmácias enchem-se de uma legião de especialidades com os mais bizarros nomes e com a mais diversa apresentação todas originárias de países estranhos», exemplificava, alertando que «a importação de artigos de modas e de especialidades farmacêuticas vem causar um transtorno enorme na balança financeira da nação, vem agravar a situação dos pobres, aumentar a miséria dos operários que lutam com a mediocridade dos salários» e «vêem sair pelas fronteiras todo o seu esforço, todo o seu sacrifício». «Devemos procurar que a expansão da indústria portuguesa seja cada vez maior, que atravesse as fronteiras e que leve a todos os países os produtos etiquetados P. P. P. – Preferi os Produtos Portugueses – porque assim corresponderemos ao dever que nos é imposto pelo nosso patriotismo», rematava o jornal.

Quando se proibiu fumar nas salas de cinema 15/4/1931 Hoje é um acto perfeitamente impensável, mas décadas atrás o consumo de tabaco em espaços fechados não só era socialmente admissível como o gesto de expelir fumaça parecia até conferir um certo estatuto. De cigarro na mão, em pose glamorosa, as estrelas de cinema ajudaram a projectar essa imagem, mas também a indústria do tabaco usou a fama dos artistas para estimular o consumo. Um pequeno anúncio, que encontrámos na edição do Diário de Coimbra de 30 de Maio de 1930, ajuda a ilustrar esta ideia, ao publicitar que cada maço de White-Horse, «o melhor ci-

garro inglês!», continha «o retrato dum artista de cinema». No início da década de 30 do século passado, a expansão e evolução da actividade cinematográfica faziam encher salas e o público espantava-se com as últimas novidades da sétima arte. Para muitos, ignorantes dos malefícios e longe de preocupações de saúde pública, assistir a um bom filme era um prazer quase indissociável da satisfação de aspirar e expirar o fumo de um cigarro. Mas para os cinéfilos fumadores as coisas estavam na iminência de mudar. No dia 7 de Abril de 1931, no Diário de Coimbra, uma breve nota “ao

Anúncio aos cigarros White-Horse publicado no jornal

correr da pena” deixava antever que iria ser «proibido fumar nos cinemas, a exemplo do que já se faz nos teatros». «E esta? Pobres fumadores! Pobres companhias de tabacos que

ides para a ruína! Proibir de fumar nos cinemas! Essa não lembrava ao diabo!!», exclamava o articulista. Dias depois, a 12 de Abril, vinha a confirmação, esclarecendo que as empresas do Teatro Avenida e Cinema Tivoli, proprietárias das duas salas onde se exibiam filmes em Coimbra, receberam da Polícia de Segurança Pública um ofício a avisar que, a partir do dia 15 desse mesmo mês, iria vigiar nos “cinematógrafos”do país o cumprimento do «art. 156.º do Decreto n. 13.564, de 6 de Maio de 1927, que proíbe o fumar dentro das casas e recintos de espectáculos», sendo aos trans-

gressores aplicada multa no valor de 130 escudos. Na véspera de entrar em vigor a restrição, lembrava o jornal que «é amanhã que os cineastas vão sofrer o dissabor de passar uma sessão sem saborear as delícias dum cigarro». «Vai tentar-se a experiência. Conseguirão os aficionados suportar a prova e divorciar-se daquele prazer a que há tanto estavam habituados?», questionava-se. A ausência de relatos de incidentes, nas edições seguintes do Diário de Coimbra, permite concluir que a medida terá sido pacificamente acatada pelos fumadores.


02 | 02 AGO 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Tourada de ratos” na Baixa de Coimbra 18/3/1931 Com certo humor e alguma carga satírica, o Diário de Coimbra relatava na edição de 18 de Março de 1931 um rocambolesco episódio registado bem no centro da cidade. Com o sugestivo título “Cano rebentado - Uma tourada de ratos, polícias armados em moços de forcado”, aludia-se às consequências da «bátega de água formidável que ontem, pelas dez e meia da manhã, caiu sobre Coimbra». «Parecia o fim do mundo, tal a impetuosidade com que a mesma água caía. Era, na linguagem do povo, água a potes e a rodo. Como de costume, o cano de esgoto, que vem ter a Sanção, à moderna Praça 8 de Maio, rebentou. E com o seu rebentar, veio o cortejo de sempre: enxurradas, areias, casas assaltadas pela água, em grande turbilhão, prejuízos duns e doutros e depois... uma brigada enorme de ratos, de ratinhos e de ratões... Os animais, espavoridos, procuravam terra, onde encontrar... pé. E vai daí, dirigiam-se, com o maior do seu esforço, para o lado da cadeia numa coluna cerrada, formada a quatro de linha. Já as ratazanas subiam, impávidas e serenas a rua Olímpio Nicolau Fernandes em frente da cadeia, quando surgem, formados e prontos para o ataque, de vassoura em punho, como se fossem baionetas dos tempos medievais, meia dúzia de polícias. E oh! “pá”, aqui foi “pazanada” de criar bicho... Finda a refrega, o campo de batalha, ratazal, apresentava meia dúzia de corpos de ratos», prosseguia o relato. O jornal garantia a veracidade dos factos e sugeria a necessidade de medidas para evitar situações futuras: «Blague?! Não. A verdadinha nua e crua, para gáudio dos que presenciaram a tourada. No mesmo local ficou retido, com água até aos gorgomilos, um Ford 47, tendo o seu proprietário de o abandonar ao “pasto” das ondas inclementes. E quando voltar a chover a potes, há-de dar-se o mesmo caso. Porque não há quem olhe de frente o problema, que já vem de longe e para longe vai...»

Fundado em Dezembro de 1922, o espaço cultural gerido pelo município viu reforçada a sua importância ao obter em 1931 o benefício do Depósito Legal

“Abaixo os chapéus!”

BIBLIOTECA MUNICIPAL DE COIMBRA ERA TERCEIRA DO PAÍS EM LEITORES EM 1930 ARQUIVO

Coimbra, numa local inserida na edição de 6 Maio de 1931. Em publicação subsequente, dava-se conta de um ofício enviado a várias entidades por A BMC conta noJosé Pinto Loumeadamente com reiro, que dirigia mais de 520 mil a Biblioteca Mumonografias e 30 mil títulos de publinicipal desde a cações periódicas sua fundação em Dezembro de 1922. «Cumpre-me comunicar que, por virtude do Decreto n.º 19.678, de 1 de Maio corrente, a Biblioteca Municipal de Coimbra passou a beBiblioteca Municipal recebe actualmente os leitores na Casa da Cultura, na Rua Pedro Monteiro neficiar do Depósito Legal», cossalas de leitura da Bi- oito anos de funcionamento, a de 1929 os mais frequentados meçava por informar, esclareblioteca Municipal de Biblioteca Municipal acusa, re- estabelecimentos bibliotecá- cendo que, mediante esta disCoimbra (BMC) eram lativamente ao primeiro ano, rios do país, como são a Biblio- posição legal, de todas as pufrequentadas diariamente por um aumento de 12.310 leitores teca Municipal de Lisboa e a blicações periódicas e não peuma centena de pessoas em quanto à frequência anual e Biblioteca Municipal do Porto, riódicas (exceptuando listas 1930, ano em que o nosso jor- um aumento de 47 na média tiveram uma frequência res- eleitorais, bilhetes, convites, diária. E verifica-se mais ainda pectivamente de 31.155 e de cartas, circulares e avisos) se nal foi fundado. O movimento de leitores, que até da comparação com o 30.730 leitores, melhor se ajui- faria obrigatoriamente - e sob que colocava este espaço cul- ano antecedente, ressalta um zará do lugar honroso que a pena de multa de 20$00 em tural logo atrás das bibliotecas aumento de 2.370 leitores, nossa Biblioteca Municipal já caso de incumprimento - enpúblicas de Lisboa e Porto, foi quanto à frequência anual, e ocupa, e do que dela será lícito trega de um exemplar a esta registado numa nota que o de 10 na média diária. Pode as- esperar, se não lhe faltarem de instituição, à semelhança do Diário de Coimbra publicou no sim dizer-se que a frequência futuro, como até agora não que se fazia já com «cada um de 1930, em comparação com têm faltado, o amparo oficial, dos Ministérios do Interior e dia 3 de Janeiro de 1931. O balanço de actividade di- a de 1923, acusa um acréscimo a simpatia pública e o auxílio da Justiça e dos Cultos e a cada vulgado pelo jornal permite sa- de 75% e comparada mesmo da imprensa periódica local», uma das bibliotecas Nacional de Lisboa, Municipal do Porto, ber que a biblioteca, então ins- a de 1929, dá um aumento de acrescentava o jornal. da Universidade de Coimbra, talada na Baixa da cidade, num 9%», assinalava o jornal. Pública de Braga e de Évora». A notícia destacava ainda BMC passou a beneficiar piso sobre o Caustro do Silên«Sendo de notar que nos cio do antigo Mosteiro de San- que nos primeiros oito anos de do Depósito Legal em 1931 Cinco meses após esta pu- nove anos de existência desta ta Cruz, recebeu ao longo de existência a BMC atendera 1930 um total de 28.706 leito- «179.300 pessoas de todas as blicação, o Diário de Coimbra Biblioteca se receberam alguns res, sendo de 101 a média diária camadas sociais», demons- informava que a Biblioteca milhares de volumes oferecide pessoas que a procuravam trando a «alta utilidade desta Municipal acabara de ser con- dos, e que nela se estavam presiderada «depósito legal de to- sentemente recebendo por para consultas ou leitura re- civilizadora instituição». «Se a cifra agora apurada se das as publicações que se fize- oferta cerca de 150 publicações creativa de livros e jornais. A notícia recordava que no não assemelha à exibida pelas rem em Portugal». «Justa, a to- periódicas, facilmente se vê que primeiro ano em que a BMC bibliotecas dos países adianta- dos os títulos, esta medida, por- a obrigação criada não repreabriu para a leitura pública, em dos (Estados Unidos da Amé- quanto a B.M.C. é, de todas de senta uma imposição, e que o 1923, o número de leitores as- rica do Norte, Inglaterra, Ale- Portugal, a 3.ª em movimento decreto que a estabeleceu veio cendera a 16.396, numa média manha, Holanda, Suíça, etc.), de leitores. Graças ao sr. dr. sancionar a prática tão espondiária de 54, e aos sete anos de ela não envergonha a cidade, Pinto Loureiro que com inex- tânea e generosamente seguida funcionamento (em 1929) os designadamente quando co- cedível energia e inteligência, por grande número de tipogranúmeros tinham subido para mo neste caso possa com ver- tem feito daquela pequena sala fias e de empresas jornalísticas os 26.336 utilizadores por ano, dade dizer-se que ela vem su- de leitura uma Biblioteca que, e editoras», observava também com uma média diária de 91. bindo de ano para ano, de dentro em pouco, não temerá o responsável, num ofício que «Do confronto destes núme- forma lenta mas segura. Se se o confronto com as suas con- o jornal divulgou na edição de ros se verifica que, ao cabo de disser mais que ainda no ano géneres», elogiava o Diário de 13 de Maio desse ano. M.S.

A

16/4/1931 «Vão acabar os chapéus dos homens. Assim o demonstra a tendência abolicionista da Humanidade», proclamava o Diário de Coimbra num curioso apontamento publicado na edição de 16 de Abril de 1931. Na nota, o autor constatava que «é frequentíssimo assistir-se actualmente, e, isto, segundo informações fidedignas, em todos os Estados, ao facto de uma grande maioria de indivíduos não usar chapéu na cabeça quer faça chuva, quer sol de rachar». Acrescentava que «realmente usar chapéu é um processo anti-higiénico. Muitas calvícies têm como causa precisamente o uso do chapéu que não permite arejar o casco e o cabelo. Se se reconhece ao sol óptimas qualidades terapêuticas, desinfectantes, é anomalia impedirmos que este nos robusteça a cabeleira e inutilize a acção de certos micróbios que escolhem a nossa cabeça como sede. É por isso que as mulheres fornecem um contingente menor de carecas de que os homens... Estas, regra geral, em casa, em cabelo enquanto os homens até dentro de casa usam barretinho! Abaixo os chapéus!»

Conduzia carro dos bombeiros e fugiu à polícia 11/2/1931 Na secção “Da Cidade”, o Diário de Coimbra noticiava mais um caso de polícia: «Pelo guarda n.° 31 foi participado ter presenciado que José da Silva Marques, ajudante de chauffeur, natural e residente nesta cidade, na Rua do Ivo, guiava o pronto-socorro dos Bombeiros Voluntários, sem haver incêndio, não tendo carta de chauffeur. Intimado pelo guarda a acompanhá-lo à 2.ª esquadra, ao chegar ao Largo da Maracha pôs-se em fuga, não conseguindo o guarda prendê-lo».


02 | 09 Ago 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Olivais só tinha água quatro horas por dia 23/1/1931 Dando voz às preocupações dos cidadãos, o Diário de Coimbra alertava que «em toda a zona do Bairro dos Olivais só existe água para consumo da população desde as 9 horas até às 13». «Seria ridículo, se não fosse absurdo, conceber tal coisa numa cidade civilizada. Infelizmente, temos de reconhecê-lo - o Bairro dos Olivais só tem água durante quatro horas diárias. Porque não se remedeia um tal estado de coisas? Porque é que este assunto, da maior gravidade, não é estudado, tanto mais que, em caso de incêndio, pode haver desastres irremediáveis?», questionava o jornal, exortando os «srs. engenheiros dos Serviços Municipalizados de Coimbra» a colocarem «mãos à obra».

Homem atacado de raiva mordeu várias pessoas 4/10/1930 Um caso insólito nas páginas do Diário de Coimbra, edição de 4 de Outubro de 1930: «Anteontem, perto da Estação dos Caminhos de Ferro de Mangualde, deu-se uma cena horrorosa, não havendo memória doutra igual. Foi o caso que, há aproximadamente três meses, o despachante da Companhia dos Caminhos de Ferro da BeiraAlta, Mário de Paula Campos, foi mordido por um cão, Suspeito de estar atacado de raiva e, apesar de aconselhado pelos médicos a fazer tratamento anti-rábico, não ligou importância ao caso, mal pensando nas consequências que disso resultariam. Chegou o momento fatal, anteontem, pelas 16 horas. O pobre homem, depois de ter sido acometido dum violentíssimo ataque, desatou, desvairadamente, a morder quantas pessoas apanhou ao seu alcance, vomitando sangue às golfadas, num desespero fácil de supor. Socorrido por alguns populares e pelo médico dr. Francisco Pereira, foi prontamente subjugado e metido num automóvel, com o fim de ser conduzido a Coimbra, falecendo instantes depois, perto de Santa Comba Dão, em meio de convulsões horrorosas».

1931 Os jovens pilotos Humberto da Cruz e Carlos Bleck bateram o recorde mundial de distância em avião ligeiro e a gloriosa viagem que ligou Lisboa a Luanda abriu caminho às carreiras aéreas regulares para as colónias

COIMBRA RECEBEU EM APOTEOSE E HOMENAGEOU DOIS HERÓIS DA AVIAÇÃO

F

oi um feito notável, tornado possível graças à ousadia, bravura e tenacidade de dois jovens pilotos portugueses, o então tenente da aeronáutica militar Humberto da Cruz, natural de Coimbra, e Carlos Bleck, o primeiro aviador civil português. A primeira viagem aérea entre Lisboa e Luanda, com passagem pela Guiné e incluindo o regresso, emocionou o país. Aexpensas próprias, os dois corajosos aviadores aventuraram-se a sobrevoar uma enorme distância num minúsculo avião de turismo, em várias etapas e paragens, enfrentando condições climatéricas adversas, escapando de conflitos tribais e resolvendo os sucessivos problemas mecânicos a que o esforço tremendo sujeitou o motor “Gipsy”, de 120 cavalos, do aparelho “Havilland Moth” que descolou do campo de aviação da Amadora a 30 de Dezembro de 1930 e aterrou no mesmo local 54 dias depois, a 21 de Fevereiro, após uma rota intercontinental de quase 20 mil quilómetros, cumprida em cerca de 167 horas de voo. Baptizada com o nome de “Jorge de Castilho”, um dos pioneiros da aviação, a pequena aeronave de dois lugares, que custou aos aviadores à volta de 100 contos (incluindo modificações e depósitos suplementares para garantir uma autonomia de 850 quilómetros), alcançou a proeza de bater o recorde mundial de distância em avião ligeiro e os seus tripulantes foram, no regresso, acolhidos como heróis da pátria e enaltecidos como percursores e inspiradores da abertura de carreiras aéreas regulares entre a metrópole e os territórios portugueses em África. Depois das homenagens na

de 1931 tinham à sua espera, na chegada à Estação Velha, «um mar imenso de gente». Provenientes da Figueira da Foz, onde dois dias antes tinham sido também calorosamente acolhidos pela população, os aviadores chegaram de comboio e desde logo foram «vitoriados com uma estrondosa salva de palmas, com viViagem aérea vas frenéticos e Lisboa-Luanda, sentidos». com regresso e Em direcpassagem na Guiné, ção à Câmara percorreu 19.554 Municipal de quilómetros em 167 horas de voo Coimbra, onde a sessão de homenagem teria lugar, seguiam no cortejo largas dezenas de automóveis, acompanhados por milhares de pessoas a pé. «À frente, os carros dos aviadores, rodeados de esDiário de Coimbra destacou a gloriosa viagem dos aviadores tudantes, de estandartes, de D.R. povo, avançam a custo. Com dificuldade o cortejo segue, entre massas compactas de povo, que não se cansa de vitoriar Humberto da Cruz e Carlos Bleck», descreveu o repórter. Depois, prossegue o relato, à porta da Câmara os heróis aviadores «são arrancados do automóvel pelos estudantes e conduzidos aos seus ombros, num delírio difícil de descrever, que choca e enternece. O povo atropela-se. Todos querem cheVoo para Luanda foi realizado num pequeno “Havilland Moth” gar primeiro, ocupar os melhocapital, também Coimbra, aventura aeronáutica, aplau- res lugares». terra-natal de Humberto da dindo a audácia dos aviadores Cruz, e a Figueira da Foz, ci- e partilhando com os leitores a Guiné deu especial dade que viu crescer o jovem evolução e os detalhes da via- significado à viagem Na Sala Nobre do município, aviador militar, se organizaram gem que por telegrama iam repleta das «mais altas indivipara prestar as devidas honras chegando a Portugal. dualidades da cidade», de miliaos bravos pilotos, comparatares, jornalistas, Academia e dos, pelo seu destemor, ao ar- Um “mar de gente” povo de Coimbra, há uma rojo dos pioneiros que nas ca- na Estação Velha Do mesmo modo noticiou o «ovação verdadeiramente aporavelas portuguesas sulcaram os mares e deram a conhecer jornal exaustivamente a recep- teótica» quando entram os ção apoteótica de Humberto da aviadores, levados pelos estunovos mundos. O Diário de Coimbra foi, des- Cruz e Carlos Bleck, que ao final dantes aos ombros em triunfo, de o início, um entusiasta desta da manhã do dia 10 de Março «cobertos pelas bandeiras mul-

ticores do Orfeon Académico, Tuna Académica, Liceu José Falcão, Liceu Júlio Henriques e outras agremiações». Os oradores enalteceram a façanha dos jovens pilotos e Humberto da Cruz agradeceu a homenagem, em seu nome e de Carlos Bleck. Esclareceu que não se tratou de um voo com intuitos comerciais ou de lazer – ajudas não tiveram e «as comodidades eram poucas» – e confidenciou que só na Guiné se aperceberam da dimensão e especial simbolismo da viagem, quando «o povo, esperando-nos com ansiedade, nos tocou com o dedo o avião, parecendo-lhe que tocava a própria pátria». Envolvida na organização da homenagem, também a AssociaçãoAcadémica levou a efeito no mesmo dia uma recepção aos aviadores, enchendo-se o salão nobre e a Rua Larga de uma ensurdecedora multidão de estudantes, com «vivas ininterruptos, gritos vibrantes de entusiasmo, um delírio». Na sessão, o presidente da AAC, João Gaspar Simões, destacou «o alto significado patriótico da viagem Lisboa-Luanda e volta». «Viagem essa que pôs bem à evidência a possibilidade de carreiras aéreas regulares entre Portugal e a nossa província de Angola, contribuindo assim para o desenvolvimento daquela colónia», considerou o dirigente estudantil. Um banquete no Hotel Avenida deu por findo o primeiro dia do programa, que prosseguiu no dia 11 com almoço no Coimbra-Hotel, festa no Teatro Avenida com exibição de uma película cinematográfica alusiva aos heróis aviadores, baile naAssociaçãoAcadémica e sarau de homenagem no selecto clube “Tiro e Sport”. Humberto da Cruz e Carlos Bleck partiram no dia seguinte para Lisboa. Muita gente acorreu à Estação Velha para a despedida. «O comboio põe-se em marcha e todos os corações, como acompanhando o ritmo da locomotiva, palpitam de emoção, e quase tristeza, por verem partir quem tanta honra e ufania deu ao nosso belo povo, durante os curtos momentos da sua agradável estadia na sempre linda cidade do Mondego», relatou o jornal. M.S.


02 | 16 AGO 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Futebol ajudava causas sociais 23/12/1930 O jornal noticiou o gesto benemérito da Associação de Foot-Ball de Coimbra (A.F.C.), que decidiu distribuir por várias instituições da cidade a «quantia de 4.392$50 obtida com a receita de $50 cobrada em cada bilhete vendido em desafios de Foot-ball realizados até 14 do corrente, ficando ainda um saldo de 95$45 para serem distribuídos no próximo trimestre». Foram contemplados a Associação dos Bombeiros Voluntários, o Dispensário Anti-Tuberculoso, o Asilo da Infância Desvalida, o Asilo da Ordem Terceira de S. Francisco, o Patronato da Infância Sopa dos Pobres, a Assistência aos Diabéticos Pobres, o Jardim Escola João de Deus, a Associação das Creches de Coimbra e a Conferência de S. Vicente de Paula de S. Bartolomeu. «Muito se honra a direcção da A. F. C. praticando tão alta benemerência. Cumprimentamo-la com muito afecto, pela sua atitude, a todos os títulos merecedora de registo», aplaudiu o jornal.

Condutor merecia um apertãozinho! 14/12/1930 Aimportância do civismo na convivência de veículos e peões justificava o apontamento publicado na edição de 14 de Dezembro de 1930: «Segundo o código das estradas, todos os condutores têm de seguir pela direita. Entretanto, em plena cidade, o condutor da camioneta das carnes entende não dever proceder assim e procede, parece que de propósito, exactamente ao contrário, supondo-se intangível. Ontem, na Rua da Sofia, vinha fora de mão, para melhor trazer a camioneta pelas lamas e salpicar quem passava. Acompanhando as crianças das escolas vinham as suas ilustres professoras, sr.as D. Carminda Teixeira d’Azevedo e D. Maria José Pimenta. Umas e outras ficaram com os vestidos em estado miserável. O delicado motorista ainda se ria depois da sua proeza». «Lembremo-lo ao sr. Comandante da Polícia. Um apertãozinho... viria a propósito», sugeria o jornal.

19/3/1931 Aos interesses dos emigrantes com ligações às Beiras juntavam-se outras razões para contestar a extinção do serviço consular nesta cidade

para expressar solidariedade ao cônsul Carlos Dias. A continuidade de funções do médico e “diplomata” era requerida na mensagem enviada ao Governo brasileiro, em que Coimbra sublinhava «o seu valor, a sua situação e as razões que lhe assistem para esperar que o Brasil lhe faça justiça, mantendo o consulado, que tão bons serviços tem prestado e que tão necessário se torna às pessoas que resiD.R. dindo na região central do país, têm as suas propriedades ou os seus negócios no Brasil». A par dos interesses da emigração, outras razões justificavam a existência de um consulado nesta cidade. «Ainda hoje, aqui, há muito larga coImportante deslónia de estudantino de emigração, no Brasil viviam tes brasileiros; 655 mil portugueaqui, é necessáses no início da rio que se faça década de 30 um largo intercâmbio cultural com o Brasil, pelas razões de ordem histórica e civilizadora comuns; aqui, o consulado brasileiro desempenha, “grosso modo”, pelo esforço estrénuo, Milhares de portugueses emigraram para o Brasil sobretudo na primeira metade do século XX constante e dedicado do dr. cebida na cidade. «Médico celente companheiro», elogiou e consideração deixando os Carlos Dias, a função de vínculo muito distinto, pessoa muito o Diário de Coimbra, frisando seus cartões na sede do con- de ligação entre os dois países, ilustre e muito culta, baixito, que o consulado estava entre- sulado, mostrando assim o entre as mentalidades brasileiseu pesar por tal medida do ras e lusitanas, e ainda, entre as gordito, o sotaque abrasilei- gue em «boas mãos». brasileiras e europeias que aqui Defendia o jornal que além Governo brasileiro». rado dominando, o sr. dr. CarE foi o que aconteceu. A meio vêm, porque o dr. Carlos Dias los Dias é estimado e ben- das diligências a efectuar pelas quisto por todos, graças ao seu forças vivas da cidade junto da tarde do dia 17 de Março, não descuida uma ocasião de grande e bom coração, graças da Embaixada brasileira e do largas dezenas de pessoas, se afirmar brasileiro e de enà sua amabilidade e delicadeza, Ministério dos Negócios Es- «desde o proletário plebeu ao grandecer a sua Pátria», argugraças à sua modéstia, ao seu trangeiros, a favor da manu- funcionalismo superior, ao mentou o jornal, concluindo fino trato e até, graças à sua tenção do consulado, deve- exército e à aristocracia», diri- que o consulado deveria congraça, ao seu espírito gentil e riam «os amigos do ilustre giram-se ao Consulado do tinuar também «pela sua funmoço, sempre faceto, sempre cônsul do Brasil em Coimbra Brasil, na Rua Pedro Cardoso ção intelectual e cultural junto ameno, que o tornam um ex- ir manifestar-lhe a sua estima (actual Rua Corpo de Deus), da Universidade». M.S.

COIMBRA PROTESTOU CONTRA O FECHO DO CONSULADO BRASILEIRO

O

encerramento do Consulado do Brasil em Coimbra, a 19 de Março de 1931, desencadeou uma reacção de protesto na cidade, que se mobilizou para tentar reverter a situação. O Diário de Coimbra não só noticiou como foi uma das principais vozes contra a extinção deste serviço, a que acorriam para tratar dos seus assuntos muitos cidadãos das Beiras emigrados no Brasil. «Ignoramos as razões que levaram o Governo brasileiro a tomar tal medida, quanto é certo que, mesmo sob o ponto de vista económico, o consulado em Coimbra era um dos mais rendosos consulados brasileiros, por vezes equiparado, nos rendimentos obtidos e enviados para o Rio de Janeiro, aos consulados gerais da nação irmã», observou o jornal no dia 16 de Março, num dos vários artigos que dedicou ao assunto. Figura principal do consulado, Carlos Balbino Dias gozava de estima geral em Coimbra e o seu trabalho era reconhecido como exemplar, o que acentuou o pesar com que a notícia do encerramento foi re-

Não se poderá mondar a erva dos templos? D.R.

16/1/1931 O Diário de Coimbra insurgia-se, na edição de 16 de Janeiro de 1931, contra o estado de abandono em que se encontrava a fachada da Igreja de Santa Cruz. «A frontaria do vetusto monumento, onde repousam os restos mortais do fundador da nossa nacionalidade, encontra-se num tal estado de abandono que mais parece um pardieiro em ruínas do que um monumento nacional. Crescem ali tantas e tão variegadas plantazinhas, tantos e tão variados

arbustos, que chegam a afligir. Chamamos, para o caso, a atenção dos Monumentos Nacionais», escreveu o jornal, em nota “Ao correr da pena”. Mas não era caso único. Dias depois, na edição de 19 de Janeiro, lia-se o seguinte reparo, com o título “Ervas nos monumentos”: «Não sabemos quem, no presente, é a entidade local que tem a seu cargo zelar pela conservação e limpeza dos nossos monumentos, mas, a essa entidade rogamos que se digne

Pedia-se a limpeza da frontaria da Igreja de Santa Cruz

ir ver as frontarias dos nossos venerandos templos, como Santa Cruz e outros monumentos de que se orgulha Coimbra, como cidade de turismo, frontarias que se apresentam cobertas de ervas, como se fossem florestas, bosques e matagais. Fizemos cair uma árvore que se erguia na frontaria da igreja do Salvador. Não se poderá conseguir mondar a erva dos nossos templos? Era grande serviço prestado à cidade em nome da estética, do turismo

e da limpeza». Para o assunto não cair no esquecimento, publicava o jornal um novo apelo na edição de 4 de Fevereiro: «Continuam as ervas a enfeitar os nossos monumentos! Continua o grande espectáculo a deslumbrar os olhos da multidão... sob uma indiferença que gela! Que diabo! Orgulhamo-nos de pertencer à 3.ª cidade do país. Temos responsabilidades! Dêem um pouco de atenção a isto, senhores! Que diabo!».


02 | 23 AGO 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Regar ruas da cidade duas vezes ao dia por causa do pó

1/5/1931 Pinheirinho resolveu, somente com o seu esforço, ligar-se às “vias de comunicação do país”. O Diário de Coimbra relatou a festa da inauguração

POPULAÇÃO QUIS A ESTRADA E METEU MÃOS À OBRA

D 11/4/1931 Nove décadas atrás era bem diferente a pavimentação das ruas de Coimbra e com frequência o movimento automóvel levantava incomodativas nuvens de poeira. Na edição de 11 de Abril de 1931 o jornal apontava este problema e reclamava medidas das autoridades. «Há certas ruas em Coimbra que necessitam de ser regadas todos os dias para impedir que nuvens de poeira vão encher os pulmões, de quem passa, de germes infecciosos. Não são só as ruas da Baixa que o requerem, mas também as ruas daAlta, cujos habitantes assistem continuamente a esse facto lastimável e deveras nocivo para a sua saúde. Evitar que imensidades de miasmas se levantem no ar em rodopios traiçoeiros e se venham localizar nos pulmões dos habitantes da cidade é dever imperioso das autoridades respectivas», exortava. Dias depois, na edição de 23 de Abril, o Diário de Coimbra insistia: «Mais de uma vez temos afirmado a necessidade que há em se regarem as ruas da cidade para evitar as poeiras inúmeras que levanta o movimento contínuo dos carros. Muito temos combatido para que se solucione este problema que muito interessa à população citadina mas que nós vemos ser desatendidos. Certas ruas da cidade necessitam de ser regadas duas vezes por dia como se faz em qualquer meio desenvolvido como o nosso. A saúde do povo periga com semelhante facto, visto que tem forçosamente que ingerir imensidades de micróbios que rodopiam na atmosfera poeirenta e maléfica. Pedimos mais uma vez providências urgentes».

o activo correspondente do Diário de Coimbra em Tábua chegava o relato de uma festa singela mas de forte significado, levada a efeito no vizinho concelho de Santa Comba Dão. A notícia, que o jornal publicou na secção “Pelas Beiras”da edição de 1 de Maio de 1931, registava a inauguração de uma obra rodoviária que a população de Pinheirinho assumira a expensas próprias para se poder ligar à sede da freguesia, Pinheiro de Ázere. Começava o repórter local por informar que tinha assistido no domingo a «uma festa simples, mas onde não faltou a nota emocionante da sinceridade do povo». «Foi em Pinheirinho, freguesia de Pinheiro de Ázere. Tratava-se da inauguração da terraplanagem da estrada que liga aquelas duas povoações. O povo de Pinheirinho resolveu, somente com o seu esforço, satisfazer uma das suas mais antigas as-

D.R.

mava-se o povo de Pinheirinho, trazendo à festa um rancho de raparigas que cantavam uns versos adequados ao acto. O cortejo fora a alguns metros da filarmónica e uma criança, adiantando-se da Impulsionador da multidão, lê obra, professor de uma menPinheiro de Ázere sagem do sentia que a sua povo de Pimissão ia além das paredes da escola nheiro, manifestando o seu regozijo, pondo em foco a acção do professor sr. António de OliA Filarmónica Lealdade Pinheirense, que animou a festa, foi veira e Costa, dirigindo-lhe as fundada em Pinheiro de Ázere em 1903 e mantém-se activa suas homenagens e garanConcretizado o objectivo, «o tindo-lhe a sua eterna gratidão», pirações: ligar a sua terra com as vias de comunicação do povo juntou-se em festa, tendo descrevia a notícia. O correspondente do jornal país. Juntou-se, pôs de parte a associar-se-lhe algumas centodos os obstáculos, todos os tenas de pessoas», numa «afir- constatava que, «como se conembaraços e não esteve com mação quase comovente de cluiu das manifestações populares, a alma da empresa foi o meias medidas: lançou-se na verdadeira solidariedade». «Às 5 horas da tarde encon- professor de Pinheiro de Ázere, empresa. Se a sua vontade era grande, o seu esforço imedia- trava-se à entrada da estrada sr. António de Oliveira e Costa, tamente lhe correspondeu. A terraplanada a filarmónica sempre incansável em tudo o primeira parte do seu sonho Lealdade Pinheirense e muito que diga respeito ao progresso povo. Do lado oposto, aproxi- do povo da sua freguesia, e que foi realizada», assinalou.

há perto de 40 anos ali vem exercendo a sua profissão com grande relevo» «O homenageado agradeceu o gesto do povo, garantindo-lhe que podiam contar sempre com a sua boa vontade, pois sentia que a sua missão de professor ia um pouco além das paredes da sua escola e que se sentia sempre feliz quando conseguia tornar-se útil», lia-se na notícia. Prosseguindo a festa, «ao som da música dirigiu-se o cortejo à povoação de Pinheirinho. Juntamente seguia um automóvel em que iam os três velhinhos mais idosos daquela povoação». «Uma vez chegado ali e depois de se terem feito mais alguns discursos, foi servido, a todos, um copo de vinho, continuando a filarmónica a executar alguns trechos. Foi uma festa simples, mas em que não faltou a satisfação do povo e a sua alegria que é, afinal de contas, o principal, nestas coisas», considerava o repórter. Registava ainda a notícia que a filarmónica, «dirigida pelos srs. professor Lotário Casimiro e João Lopes da Silva, encontra-se em verdadeiro estado progressivo, e muito honra os seus dirigentes e a sua terra». «Quem necessitar de música para festejos, pode, pois, convidá-la, para esse fim, sem receio de ser mal servido», recomendava. M.S.

À espera dos Reis... que nunca chegaram

A

população de Coimbra foi vítima, no ano de 1908, de uma brincadeira de alguns jovens folgazões, episódio lembrado e recontado pelo Diário de Coimbra na edição de 6 de Janeiro de 1931: «Fez ontem, precisamente, 23 anos que, nessa noite luarenta e fria, pelas oito da noite, se encontrava uma grande multidão no Largo da Portagem, Ponte de Santa Clara e Volta das Calçadas, à espera do cortejo dos Reis Magos que, segundo correra, chegaria então a Coimbra - sendo os Reis alguns dos rapazes mais conhecidos como folgazões. Em certo momento, viu-se ao longe, no alto de Santa

Agora sem partidas, o Cortejo dos Reis tem vindo a realizar-se em Coimbra nos últimos anos por iniciativa da AFERM

Clara, uns clarões e foguetes de lágrimas: era o cortejo; e um murmúrio correu pela multidão. Mas, o cortejo não havia maneira de chegar: tinha-se perdido pelo caminho, ficando aquela gente de cara

ao lado e muito indignada pela partida feita. Esses rapazes haviam concebido a ideia duma partida. Com um mês de antecedência deram, para os jornais de Coimbra, Lisboa e Porto, notí-

cia desenvolvida acerca do cortejo, fazendo-lhe um largo reclame: indicavam o número das figuras do cortejo, que vestiriam pelo guarda-roupa do Teatro D. Amélia, etc. No dia da festa, na véspera dos Reis, a Comissão faz percorrer a cidade por um arauto com a respectiva charamela, como chamariz à função, que, afinal, era partida. A multidão, furiosa, por ter sido ludibriada, talvez fizesse passar um mau quarto de hora aos engraçados; e estes, para acautelarem tranquilamente os “lombos”, foram esconder-se numa taberna do Paço do Conde, a Adega do “Venta Azeda”, onde, com uma bela ceia, festejaram a graciosa partida.

O povo de Coimbra, que conhecia todos os autores da partida, confiou neles, porquanto, já dois anos antes, em 1906, haviam feito um cortejo semelhante, que deu brado e de que a gentinha gostava por ser um curioso espectáculo de borla. Nesse cortejo de 1906, entravam, como Reis, Manuel Mesquita, Augusto Peça e Carlos Lobo, já falecido, como pajens Armando Neves, Bento César, Alberto Baptista, João Vale de Freitas, Rodolfo Costa, Domingos de Freitas, Gabriel Tinoco e António Marta - um rancho de bons vivants que, há 23 anos, deixou em Coimbra um rasto pelas suas graças e partidas. Há 23 anos! Como o tempo passa! E como tudo muda!»


02 | 30 AGO 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Uma “estátua” para agressores de turistas 9/3/1931 Com indignação, o Diário de Coimbra lamentava a agressão de um casal alemão que, a pé, percorria o país em viagem turística. «Há tempos, noticiámos a estada aqui de um “globe-trotter” alemão, o sr. Rudolfo Levin que viaja a pé, acompanhado de sua esposa. De Coimbra foram a Penacova e de Penacova seguiam para o Luso quando, no Casal, povoação daqueles sítios, tomados por ladrões, sem razão alguma, foram bárbara e rudemente espancados por dois matulões que, arbitrariamente, sem indagarem da veracidade da acusação, os sovaram com requintes de crueldade. Anda-se a apregoar que somos um país de turismo. Andam homens cultos e dedicados a fazer obra de turismo, de chamariz de estrangeiros. E logo, a uns indefesos e pobres “globe-trotters” que viajam em condições penosas, vá de os agredirem brutalmente uns brutamontes selvagens… País de turismo? Requere-se uma estátua para os agressores do pobre Levin e esposa», escreveu o jornal na edição de 9 de Abril de 1931, numa nota intitulada “Brutamontes”.

O gado não ia ao castigo 20/8/1930 Na coluna dedicada ao noticiário da Figueira da Foz apreciava-se negativamente uma corrida de touros que teve lugar no Coliseu Figueirense: «Atourada de ontem foi tudo quanto temos visto de pior. O gado, de uma maneira geral, era corpulento, bem tratado, boas estampas mesmo. Mas não ia ao castigo. Tinha poder – um poder que afinal ficou inédito. Insensível à capa e aos cavaleiros, os irmãos Mascarenhas que, diga-se de passagem, na parte que lhes coube, procuraram baldadamente salvar a tarde do tremendo desconchavo que tudo aquilo foi. O público, bem avisado, esquivou-se à contribuição: estava menos de um quarto de casa e esse mesmo, deu largas ruidosas aos seus protestos, em chufas e dichotes, que encontraram eco no descontentamento de todos».

1/5/1931 Repórter do Diário de Coimbra visitou a prisão que funcionava em degradantes condições no centro da cidade

DESFILE DE MISÉRIAS NUMA REPORTAGEM SOBRE A CADEIA DE SANTA CRUZ

N

este espaço de memórias já no passado dia 1 de Março recordamos a campanha que o Diário de Coimbra levou a efeito, 90 anos atrás, para acabar com o “degradante e triste espectáculo” que a Cadeia de Santa Cruz proporcionava, bem no centro da cidade. No dia 22 de Abril de 1931 o jornal comunicava ter sido encontrada solução e estarem adiantadas as obras, na cerca da Penitenciária, do edifício destinado a acolher a cadeia comarcã, no entanto pedia que se acelerassem os trabalhos, a fim de que «a remoção dos presos se faça o mais breve possível, para satisfação de uma aspiração que o povo de Coimbra há muito já vem acalentando». A urgência justificava-se, como poucos dias depois confirmava a reportagem que o Diário de Coimbra publicou, na primeira página da edição de 1 de Maio, com o título “Duas horas de cadeia”. Um desfile de misérias humanas, meio escondidas por detrás das velhas paredes do antigo celeiro de Santa Cruz, que o repórter, Pedro Santos, trouxe ao conhecimento dos leitores, num relato pungente que - pelo valor histórico - merece ser recuperado e parcialmente transcrito. Começava por contextualizar que «ali para as bandas da velha e majestosa torre de Santa Cruz, está a cadeia, edifício outrora celeiro do convento do mesmo nome, mais tarde adaptado a armazém de desventuras, túmulo da mocidade para uns, vale de lágrimas para outros, pelourinho de amargura para todos, que hoje é conhecido pela cadeia de Santa Cruz». «De dois pavimentos, cada um com duas alas, com frente para a rua, uma ala onde estão os quartos particulares e uma

FERREIRA SANTOS

volta e bem parecida, ofensas à moral pública, multa que não pagou. E surge, lá do canto, uma linda rapariga, vinte e poucos anos, sorriso da mocidade, alegria das restantes, Celeste de Jesus, o seu nome, ofensas à moral, multa que não pagou. Marta de Jesus, 4 anos de prisão, por ter abandonado no Choupal um filhito de poucos meses, que o acaso não deixou que morresse, entregando-o à creche pela mão de um guarda de segurança pública, que o destino colocou entre aquele monstro e o inocente pequenito».

Um “preso” realmente inocente «Descemos a escada, que nos leva à prisão mais segura, onde contamos sete irresponsáveis mentais em promiscuidade com os restantes, a quem já foi feito exame médico, julgados interditos... e Cadeia funcionou que não têm lugar nos até 1936 no antigo manicómios!... Restaceleiro do mosteiro -nos a prisão da torre de Santa Cruz, mudando para o pátio que alberga um preso da Penitenciária apenas; doido varrido, furioso; parte tudo, esborracha latas, insulta tudo e todos. Grita, barafusta, não sabe que existe... E para ali está, sem a mais pequena e elemen2.ª Esquadra da PSP de Coimbra ocupa o edifício que foi outrora Cadeia de Santa Cruz tar assistência, cofiando a sua prisão junto à torre. No pavi- José Joaquim Esteves, 35 anos, morto um irmão. Um outro, barba espessa enquadrando mento inferior, as prisões mais 20 de prisão; João Henrique cerca de 30 anos, crime de um rosto que mais parece de seguras. No superior, ala es- Candeias, 24 anos, 8 anos de ofensas corporais, sapateiro, ca- cera. Não conhece amigos nem querda, as mulheres; ala direita prisão. Ao primeiro destes, se- sado, com dois filhos, um de 2 inimigos, diz mal do céu e da os homens. Escadarias velhas, riam precisos 92 anos de vida anos e meio, outro de oito me- terra, ri em gargalhadas arrecorredores infectos, prisões co- para voltar à sociedade donde ses de idade. Trabalha afano- piantes, num chocalhar desmuns exalando cheiros pesti- foi arredado numa hora de tra- samente em seu ofício. Sus- concertado de quem vive além lentos, onde passam horas sem gédia, por um minuto de lou- pende o trabalho à nossa en- túmulo. Sempre o mesmo “mot fim, dias e noites, tantos ho- cura. Contou-nos a sua des- trada; falo-lhe perguntando a d'ordre”! Não tem lugar nos mens válidos, a quem a ociosi- graça à qual já pretendeu pôr causa do seu crime. Fala com manicómios!! A Suas Ex.as o sr. dade inutiliza para sempre termo, cortando a vida que a desembaraço, tranquilamente, Ministro da Justiça, Director como cidadãos úteis à socie- sociedade lhe exige para expia- sem arrependimento, tão con- Geral das Prisões, a quem, envencido está de que procedeu fim, competir, pedimos comção do seu crime». dade», descrevia o jornalista. «E mais... e mais, num cortejo bem, embora concorde com a paixão para estes desgraçados, sem fim, dos 17 anos aos 60, ir- pena que lhe aplicaram: multa fazendo-os internar em lugares Cento e dez manados na desgraça, ombro que não pagou. – Então como próprios», apelava-se. proscritos na cadeia Prestes a terminar a visita, o E o relato prosseguia: «A a ombro calcorreando a estrada foi isso? perguntámos. – Um maioria dos presos condena- miserável da expiação. Um ra- maroto que ofendeu com gros- repórter consultava o relógio. dos a prisão correccional, al- pazito que roubou uns chouri- sas obscenidades meu pai e mi- «Quase duas horas passadas... guns outros a penas pesadas ços, outro que jogou o soco fora nha mãe; meu pai, já morreu Voltamos a um corredor, uma que não cumprirão, por impo- dos “rings”autorizados, um ve- há anos; minha mãe que vive escada, outra prisão. – Porque sição das leis da natureza, que lhote por ofensas à moral, outro felizmente, não a deixo ultrajar estás aqui? Que mal fizeste tu? tanto tempo os não deixarão por embriaguez, com pequenas sem que disso haja de arrepen- interrogamos um rapaz de viver. Deslizamos confrangidos condenações para amortização der-se quem tal fizer. Barulho, olhar vivo e simpático. – Eu? ante tanto drama, tanta tragé- de multas impostas, que não gritos, intervenção da autori- Nada. – Pode lá ser? A justiça dia. Começa a grande parada pagaram por falta de recursos. dade... que seja tudo em des- não te condenaria inocente! – dos proscritos. Cento e dez!... Outro rapaz novo, 22 anos, ar conto dos meus pecados, pelo Nada, volveu novamente. – Manuel Espírito Santo, mais co- acanalhado, que nos conta o muito que quero a minha Que estás aqui a fazer? insistimos. – Estou aqui ao pé da minhecido por Manuel do Cavalo, seu crime com a desenvoltura mãe», anotava. Continuava o texto: «Passa- nha mãe». «Este preso está realde 67 anos de idade, condenado de quem conta uma anedota. em 25 anos; Manuel Leandro Além um louro, aparvalhado, mos à prisão das mulheres. mente inocente. Tem três anos Correia, 51 anos, 20 de prisão; que tranquilamente nos diz ter Uma velhota, 60 anos, desen- de idade», rematava. M.S.


02 | 06 SET 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Caixas de correio de volta aos eléctricos 6/2/1931 Na edição de 6 de Fevereiro de 1931 encontramos um curioso reparo: «Para comodidade e utilidade das pessoas que habitam longe do Correio Geral, criou-se em tempos uma caixa postal que era transportada pelos carros eléctricos de todas as linhas. Esse serviço acabou não sabemos porquê. Sim! A caixa já não circula nos carros, mas as necessidades dos moradores dos bairros afastados continuam a ser as mesmas». «Francamente, não atinamos com o motivo que deu azo a que as caixas fossem retiradas. Sr. Director dos Correios e Telégrafos, sede justo, e ordenai a volta das caixas para os carros eléctricos», apelou o jornal.

Tovim pedia abastecimento de água 20/2/1931 Na secção “O Diário nos Arrabaldes”, transmitia o jornal na edição de 20 de Fevereiro de 1931 a aspiração dos moradores de três lugares dos Tovins ao abastecimento de água: «Quando da nossa última estada nesta povoação, verificamos o estado de completo abandono em que este povo se encontra, com respeito a água potável e com abundância. Enquanto algumas povoações do concelho estão já a usufruir este melhoramento, os 1.000 habitantes de que se compõem esses três lugares (Tovim de Baixo, do Meio e de Cima), a pouco mais um quilómetro de distância onde existe água encanada, estão privados desse precioso líquido em condições higiénicas, pois pela falta de água existente nas duas fontes, vai aquele povo alimentar-se a alguns poços e a uma fonte de chafurdo que existe a uma grande distância. Para se remediar este mal, bastava um pequeno esforço de quem de direito, a fim daquele povo humilde e trabalhador ver satisfeita uma das suas aspirações, canalização de água desde Santo António dos Olivais, ou a captação em abundância para a duas referidas fontes e bem assim a reparação da canalização já existente».

2/2/1931 Aos leitores apenas se pedia algum tempo para recortar e coleccionar as 40 gravuras que o jornal publicou, além de inteligência para as decifrar

escrever sob a gravura o provérbio a que a imagem correspondia, socorrendo-se na decifração do enigma, se necessário, de pistas meio escondidas em anúncios dos patrocinadores. Depois, era recortar o desenho e guardá-lo nas cadernetas do concurso, disponíveis para venda, ao preço de três escudos, em vários estabelecimentos comerciais de Coimbra e nos agentes do jornal na região das Beiras. A publicação do concurso divinhar provérbios, a teve início a 2 de Fevereiro e partir de gravuras escompletou-se no dia 24 do mês tampadas no jornal. O seguinte. Algumas edições do desafio foi acolhido com entuDiário de Coimbra esgotaram, siasmo pelos leitores e o conlevando a que fossem republicurso organizado pelo Diário cadas várias das gravuras. de Coimbra, no seu primeiro Os concorrentes que ano de existência, alcançou ascompletaram o desinalável êxito. O sorteio dos présafio entregaram O jornal começou a alimenmios fez-se pelos as cadernetas ao tar a expectativa do público números da lotaria jornal e recebeainda antes de terminar o ano da Santa Casa da ram em troca a de 1930, enquanto via crescer Misericórdia de 9 senha que os haa lista de prémios e patrocide Maio de 1931 bilitava aos prémios, nadores. a sortear de acordo No dia 21 de Janeiro de 1931 com os números da extraco Diário de Coimbra informou ção da lotaria da Santa Casa da que estavam «lançadas as baMisericórdia, do dia 9 de Maio. ses do interessante concurso, Na edição de 11 de Maio o jorfaltando poucos dias para que nal publicou a lista dos premiaas tornemos públicas, satisfados e expressou satisfação pelo zendo assim a justificada ansucesso da iniciativa. siedade dos nossos leitores». «A «O nosso Concurso, que lista dos prémios, que cresce de Uma das 40 gravuras publicadas. “O sol quando nasce é para todos”, devia adivinhar o leitor marcou pela originalidade, teve dia para dia, é constituída por O mistério foi desvendado tar e coleccionar as gravuras, a animá-lo o entusiasmo e o inNo dia seguinte, reparava o objectos da maior utilidade, alguns dos quais de subido valor. jornal que «anda muita gente no dia 31 de Janeiro, expli- todas diferentes, que publica- teresse dos nossos leitores. O Algumas das casas comerciais intrigada com o nosso con- cando-se aos leitores que o remos dia a dia; inteligência, nosso Concurso, o primeiro mais importantes da nossa curso». «Discute-se, inventa-se, concurso, propositadamente para decifrar os provérbios que organizamos, trouxe-nos a praça, no desejo de coopera- afirma-se, fazem-se cálculos fácil e simples para que toda a que as gravuras representam. certeza de quanto a nossa obra rem na nossa iniciativa, de- arrojados sobre o que será o gente pudesse participar, con- Acertando em, pelo menos, 25 é apreciada pelo numeroso púmonstrando ao mesmo tempo concurso do Diário de Coim- sistia em recortar e coleccionar dos provérbios que elas repre- blico ledor, porque dificilmente, a simpatia que lhes merece o bra. Calma, senhores! Lá ire- 40 gravuras que seriam publi- sentam, é quanto basta para se na província, se conseguiria obDiário de Coimbra, têm-nos mos. O que vos podemos afir- cadas a partir de 2 de Fevereiro. habilitarem aos muitos e va- ter um êxito tão retumbante se «Para tomar parte no grande liosos prémios que serão sor- não fosse a imensa simpatia oferecido valiosíssimos pré- mar, por hoje, é que o número mios que iremos enumerando de prémios cresce a olhos vis- concurso do Diário de Coim- teados entre todos os concor- que o público desde a primeira hora nos vem dispensando. O e descrevendo o seu valor e a tos. Um bocadinho de paciên- bra gastam apenas tempo e in- rentes», esclarecia. Competia aos participantes nosso Concurso obteve imeteligência. Tempo, para recorcia, caros leitores!» sua utilidade», comunicou. diatamente o acolhimento das mais importantes casas comerciais de Coimbra, que num Mais de uma centena de prémios sorteados pelos leitores do jornal gesto de sincera amizade pelo nosso jornal se prontificaram a Graças à generosidade do co- «uma esplêndida bicicleta» raposa, oferta de Santos & dutos e tratamentos de be- concorrer para o brilho do mércio local, os prémios do oferecida pelo Diário de Dias, e José da Costa Pinto leza, vinhos e licores, café, cai- nosso Concurso, oferecendo concurso de provérbios do Coimbra e avaliada em 800 Reis, dos Olivais, ficou com o xas de chocolates e bolachas, muitos e valiosos prémios. O Diário de Coimbra ultrapas- escudos, foi para Alice Rosa quinto, «um magnífico ves- uma cigarreira em prata, um nosso Concurso obteve igualsaram a centena. O mais va- Pinho da Silva, de S. Sebastião tido em crepe georgete, for- estojo de viagem com ferro mente, por parte do numeroso lioso, uma mobília de escri- dos Olivais, que ganhou rado a seda», oferta da casa eléctrico, ferro de frisar e público das Beiras, a mais entório, oferta da casa de mó- igualmente «um rico espelho Último Figurino, no valor de aquecedor de água, um fogão tusiástica adesão, traduzida no veis de Joaquim Crisóstomo em cristal e prata», no valor 400$00. Entre os muitos ou- de petróleo, um cinzeiro com mais espontâneo acolhimento, da Silva Santos, no valor de 400$00, oferta da Ouri- tros prémios contavam-se, acendedor automático, um de que resultou o número de 1.500$00, contemplou a se- vesaria Patrão. Francisco da por exemplo, máquinas foto- estojo de pintura e «três ca- concorrentes ter atingido em nha da concorrente Cacilda Silva, morador no Alto da Es- gráficas, peças de vestuário e marotes, de frente, para ci- pouco tempo o número eleLoureiro Mizarela, do Ca- tação Velha, teve direito ao adornos, utilidades para a nema sonoro, oferta da Em- vado que atingiu», congratulou-se o Diário de Coimbra. M.S. lhabé. O segundo prémio, quarto prémio, uma pele de casa, colecções de livros, pro- presa do Teatro Avenida».

CONCURSO DE PROVÉRBIOS DO DIÁRIO DE COIMBRA FOI UM ENORME SUCESSO

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02 | 13 SET 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Queriam roubar-lhe a rica pinga... 3/6/1931 Na coluna dedicada às notícias da Figueira da Foz encontramos esta “pérola”, na edição de 3 Junho de 1931. Com o título “Para que lhe havia de dar!”, relatava-se que «ao hospital da Misericórdia foi conduzido de charola, ontem de madrugada, o mineiro do Cabo Mondego Adriano Pinto, da freguesia de Buarcos». «O seu estado era “gravíssimo”: para atestar uma formidável bebedeira ingeriu uma poção venenosa de formicida. Depois da lavagem ao estômago, durante a qual o emérito piteireiro, a cada golfada, escabreava como um possesso lamuriando-se que estavam a roubá-lo espipando-lhe a rica pinga que tão bem lhe assentava, recolheu a casa, por seu pé, graças às fortes inalações de amoníaco que lhe amansaram as brutezas da carraspana hiper delirante», rematava o autor.

Banhistas em pelota no Mondego 7/6/1931 O comportamento de atrevidos banhistas no Mondego mereceu um reparo do jornal, na edição de 7 de Junho de 1931. Sob o título “Banhos”, dava-se conta na secção “Da Cidade” que “uma turba-multa de granjolões costuma tomar banho no rio, perto da cidade de Coimbra». «Achamos isso muito louvável, pois é um factor de higiene; e, até, na Grécia, a natação era obrigatória para todo o cidadão a educar», ironizava o autor da prosa, prosseguindo: «Mas... o mas é que aqueles marmanjos, que nas salsas e fluidas águas do Mondego banham o corpo, o fazem “en-nature”, completamente nus, o que é indecoroso, no que pese aos partidários do nudismo». «Um pouco de vergonha por parte dos banhistas, um pouco de vigilância da parte das autoridades e evitar-se-á aquele espectáculo pouco agradável para uma cidade civilizada», concluía o breve apontamento jornalístico.

8/3/1931 Grande romagem popular ao túmulo do poeta no cemitério da Conchada e sarau literário e teatral marcaram iniciativa, que o jornal acompanhou

tempo de Adelino Veiga, frisando os valores mentais de então», e expressou consideração pelo poeta operário. Antecedendo a homenagem, o jornal observou, na edição de 7 de Março de 1931, queAdelino Veiga, poeta operário e “poeta dos humildes”, «marcou uma atitude intelectual entre o proletariado da cidade de Coimbra, não só pelo espírito lúcido e esclarecido de que foi possuído, como também pelo seu valor como poeta de coração, esponeve destaque no Diário tâneo, e não fazedor de rimas». de Coimbra a home«Assim, não sendo um poeta nagem popular que no popular, no sentido rigoroso e dia 8 de Março de 1931 foi presetnográfico do termo, mas tada a Adelino Veiga, poeta sendo um homem que, operário e homem do teatro, pelo seu esforço esfalecido prematuramente em trénuo, de autodi8 de Março de 1887, com apeOs livros “A Guidacta se educou, nas 38 anos de idade. tarra de Almaviva” e fez vibrar a lira Ainiciativa partiu de uma coe “A Lira do Trabalho” destacam-se da sua alma, polectividade teatral que acabara na obra poética pularizando as de estrear em Coimbra, o Grude Adelino Veiga suas produções lipo Dramático Adelino Veiga, e terárias, teve uma o ponto alto foi a «grande rolarga voga exactamagem de saudade ao túmulo mente pelos seus relevantes do muito querido e apreciado méritos e pela sua grande hapoeta-operário Adelino Veiga», bilidade», comentou, lemno cemitério da Conchada. brando que o funeral do maloPela reportagem do Diário de grado poeta fora «concorridísCoimbra, publicada na edição simo» precisamente porque de 9 de Março de 1931, ficamos «era muito estimado por gente a saber que na véspera, pelas de todas as categorias». 10h00, «já a Praça do Comércio Adelino Veiga evocado nas páginas do Diário de Coimbra, por ocasião do aniversário da sua morte Adelino Veiga, que nasceu na se encontrava apinhada de povo». «Próximo das 11 horas e sical Artístico, e os Bombeiros incitando as gerações novas a mausoléu do saudoso poeta- Rua das Solas, a 18 de Novemdepois de organizado pôs-se o Voluntários e Municipais com que sigam o caminho trilhado -operário ficou coberto de flo- bro de 1848, e faleceu no Largo cortejo em marcha, seguindo à os respectivos estandartes fe- por Adelino Veiga». Depois, em res, que mãos amigas ali foram do Romal, a 8 de Março de 1887, frente a bandeira do Montepio chavam o cortejo. Pelo trajecto, nome da comissão organiza- deixar numa triste e compun- está perpetuado na toponímia Martins de Carvalho, e depois ruasAdelino Veiga,Avenida Na- dora, Cipriano Pio agradeceu a gente manifestação de sau- de Coimbra, dando nome a as da Associação dos Artistas, varro, Largo de Miguel Bom- presença de todos e leu «uma dade», e que «durante o dia vá- uma das principais ruas da UniãoArtística, Manipuladores barda, Calçada, Visconde da carta do vereador do pelouro rias pessoas ali foram depor Baixa. Como legado literário, deixou os livros de poesia “A de Calçado, Moços de Fretes, Luz, Praça 8 de Maio, Manu- do cemitério, sr. dr. José da Silva ramos de flores». À noite, na sede do Grupo Guitarra de Almaviva” (1876) e Enfermeiros,Ateneu Comercial, tenção Militar, Oriental de Mon- Neves, em que comunicava aos Barbeiros, Funileiros, Manipu- tarroio até ao cemitério da Con- promotores da homenagem Musical Artístico, no Pátio da “A Lira do Trabalho” (1885). Contemporâneo de Antero ladores de Pão, Escola Livre, chada, via-se muito povo», des- que a Câmara Municipal, em Inquisição, prosseguiu a hosua sessão, tinha resolvido con- menagem com um sarau lite- de Quental, que o terá iniciado Latoeiros, Grémio Operário, creveu o repórter. Já no cemitério, começou por fiar a conservação do mauso- rário e teatral, em que discur- na poesia, bem cedo começou Recreativo 1.° de Janeiro, Coimbra-Club, etc, o carro alegórico usar da palavra João Carvalho, léu de Adelino Veiga ao Grupo sou Falcão Machado, jornalista Adelino Veiga a ser «um apósdo Diário de Coimbra, que tolo fervoroso do socialismo» do Grupo Dramático Adelino que «enalteceu as qualidades Dramático Adelino Veiga». A notícia registou que «o analisou «a vida coimbrã no e «tornou-se um orador popuVeiga, a Banda do Grupo Mu- de trabalho do poeta-operário, lar, um paladino audaz dos humildes, que o estimavam cada vez mais», anotou o jornal. E Um grupo teatral com nome de Adelino Veiga e propósitos filantrópicos acrescentou: «O seu verbo brilhante erguia-se altivo em deA primeira notícia surgiu em sim é, fazemos votos para que conhecido mérito», entre eles dicos”. «O desempenho da co- fesa da Justiça, da Verdade, da 5 de Novembro de 1930. «Está os componentes do novo Cipriano Pio, Joaquim Pera, média, se bem que não fosse Causa. Foi nesta época que os formado em Coimbra um grupo saibam levantar bem Augusto Machado, Florindo impecável, agradou, colhen- seus versos se tornaram mais novo Grupo Dramático, ao alto o nome de Adelino Veiga, Miranda e Júlia Ribeiro Osó- do fartos e merecidos aplau- conhecidos. Os operários dequal foi dado o nome do hon- honrando a sua memória», rio, dirigidos pelo encenador sos», registou o Diário de coravam-nos e as mulheres, rado operário que se chamou exortou o nosso jornal, que António de Almeida Ma- Coimbra, que desejou suces- junto dos berços dos seus filhos Adelino Veiga. Adelino Veiga no dia 3 de Janeiro de 1931 chado (Tentúgal). No «ele- sos ao grupo, tanto mais que, erguiam a voz e cantavam: Ai! foi um grande poeta, um bom anunciou estar marcada para gante teatro do Grupo Musi- com os seus espectáculos, se não faleis... caladinhos. / Está operário, e na arte dramática o domingo seguinte a estreia cal Artístico», no Pátio da In- propunha angariar receitas dormindo o filho meu, / Em marcou como um dos me- do grupo, composto por quisição, subiu assim à cena «em favor das casas de cari- doce paz, que parece / Um meigo anjinho do céu…» M. S. lhores artistas. E porque as- «amadores dramáticos de re- a peça em três actos “Os Mé- dade desta cidade».

UMA HOMENAGEM DE COIMBRA AO POETA OPERÁRIO ADELINO VEIGA

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02 | 20 SET 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Castigo severo por maus-tratos a animais 6/6/1931 Os maus-tratos a animais causavam indignação e o jornal apontou duas situações em dias quase imediatos, pedindo a intervenção das autoridades. «É um crime sobrecarregar os pobres animais com pesos demasiados para as suas forças. Ainda há pouco constatamos na Avenida Sá da Bandeira tão lastimável facto. E, como não bastasse a carga formidável que o animal quase arrastado, a contorcer-se todo, conduzia, ainda por cima o cocheiro o espancava numa atitude verdadeiramente selvagem. Para este procedimento que é um crime pedimos a sanção mais severa», escreveu o autor da breve nota publicada no dia 6 de Junho de 1931. Quatro dias depois, outro caso: «É já costume ver transportar-se através do rio, de uma para a outra margem, areia em carros de bois. Seguindo a velha praxe atravessava o Mondego um carro carregado cujo peso enorme era demasiado para as forças dos pobres bois. No entanto o selvagem do boieiro espicaçava de aguilhão em punho os pobres animais quase cobertos de água e estafados de todo. Esta cena compungiu-nos e por isso pedimos que a alarves desses se aplique o correctivo necessário sem dó nem piedade».

21 anos e ser chefe de família para poder votar 11/6/1931 O Diário de Coimbra chamava a atenção para o recenseamento nas eleições das juntas de freguesia, esclarecendo não ser necessário «que o cidadão saiba ler e escrever ou pague contribuições». Para ser inscrito, referia a nota publicada no dia 11 de Junho de 1931, «basta ser chefe de família, maior de 21 anos ou ter lar próprio. Quando duas famílias vivem em comum, isto é, haja dois chefes, recensear-se o mais velho». «Para o cidadão se inscrever no recenseamento eleitoral, deve dirigir-se até 15 do corrente à junta ou regedor da sua freguesia, e requerer verbalmente a inscrição do seu nome no caderno eleitoral», acrescentava.

7/6/1930 Comissão liderada por Manuel Braga levou a efeito na década de 30 um plano para a valorização e aproveitamento turístico da mata nacional

objecto de estudo muito reflectido na Comissão do Turismo, que, segundo as nossas informações, se mostra muito esperançada de os ver resolvidos oportunamente em harmonia com a procura e as necessidades de ano para ano cada vez maiores», referia, completando que «o número de automóveis que ali vão diariamente, com famílias em passeio, principalmente aos domingos e dias feriados, é também digno de nota D.R. muito animadora». Ainda por resolver, a necessidade de um hotel voltaria a evidenciar-se num artigo sobre o futuro de Vale de Canas, que o Diário de Coimbra publicou a 20 de Agosto de 1933. «Para Vale de Canas ser amanhã uma obra definitiva, completa e única no No século XVI a nosso país, falta-lhe um Mata de Vale de hotel. Criou-se ali uma Canas designava-se pensão-restaurante, “Mata do Rei”, dado pertencer à Coroa num edifício adaptado Real Portuguesa e de diminutas proporções, que não corresponde em nada à beleza e à imponência da mata e do local. Mas esse hotel há-de um dia construir-se, mais depressa talvez do que possa presentemente imaginar-se, visto que Mata Nacional de Vale de Canas é um dos espaços verdes mais amplos e atractivos de Coimbra Vale de Canas se está desenvolanotava o Diário de Coimbra pados, tantas são as pessoas, e que estão sempre cheios de vendo o progredindo extraordinariamente», referia o texto, que «em Vale de Canas cada vez principalmente do sul do país, hóspedes», comentava. O jornal reportava ainda ou- rematando com o seguinte: se reconhece mais a falta de um que os têm procurado com hotel espaçoso de montanha, empenho nesta época, não se tra questão: «O problema dos «Ampliada a sua flora exubeinstalado sem luxo, mas com tratando, é claro, de pessoas transportes para ali, mesmo em rante, abrangendo em muito decência e certas condições de que sofrem de doenças infec- camionetas, também tende a mais do dobro os seus setenta conforto, onde se possa hos- ciosas, mas sim de pessoas que ser cada vez mais facilitado pela mil metros quadrados primitipedar as pessoas que nesta procuram simples descanso e concorrência do público, que é vos, cortada de arruamentos e época procuram repouso de al- recreio de altitude, longe do ba- cada vez maior aos domingos alamedas que deixam antever titude, e já não são poucas as rulho das cidades, onde em ge- e dias de feriado. Hoje, custa o daqui a alguns anos a sua imque aqui procuram essa hos- ral vivem todo o ano. Este facto passeio para ali, em camioneta, ponência e a sua majestade, pedagem». «A pensão que ali leva-nos a acreditar que dentro ida e volta, 4$00; mas no dia com uma esplanada que marca existe, dispondo de cinco quar- de breve prazo, teremos em em que o preço baixe para tanto pela sua vastidão como tos, já os tem tomados para os Vale de Canas um desses hotéis, 2$50, essa concorrência subirá pela sua situação, Vale de Canas meses de Agosto e Setembro, de hospedagem módica que, consideravelmente». «Estes tem ainda como atractivo o seu mas se tivesse vinte ou trinta, no estrangeiro, em toda a parte dois problemas – o do hotel e parque zoológico, em crescente também estariam todos ocu- se encontram, nas montanhas, o dos transportes – estão sendo desenvolvimento, e onde hoje já se contam algumas e várias espécies de animais e aves». Divulgou ainda o jornal, na Um elogio à obra da Comissão de Iniciativa e Turismo mesma altura, a intenção da Comissão de Turismo de consO Diário de Coimbra enalte- quando mais não fosse, citar a que alguém chamou já, e truir em Vale de Canas, a 300 ceu a Comissão de Turismo o número de carros que, dia acertadamente, o paraíso de metros de altitude, um «amplo e em particular o seu presi- a dia, nesta época, percorrem Coimbra, sente-se, melhor e majestoso» miradouro, a “Vadente, Manuel Braga, pelos a estrada que liga a cidade que em qualquer outro pon- randa sobre o Mondego”. «Em esforços para engrandecer a àquele aprazível arrabalde to, quanto é grande, bela e útil baixo, vê-se o rio, o vale e a pomata de Vale de Canas. «Bon- transportando centenas de a obra da Comissão de Ini- voação da Mizarela, situada sodava citar apenas números, pessoas que aí vão procurar ciativa e Turismo de Coimbra. branceira à estrada de Penapara se provar à evidencia o repouso e o ar puro que E há que louvar, mais que cova, que é um dos lados do faque está reservado à estância lhes falta cá em baixo, na vida nunca, a acção desenvolvida moso Triângulo de Turismo de Vale de Canas o mais prós- tumultuosa e apressada. Lon- pelo sr. dr. Manuel Braga», es- “Coimbra-Penacova-Bussaco”», concluía a notícia. M.S. pero futuro. Sim, bondava, ge do mundo, neste ambiente creveu o jornal.

TURISMO APOSTAVA EM VALE DE CANAS COMO ESTÂNCIA DE MONTANHA

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ornar Vale de Canas uma importante estância de montanha era, nove décadas atrás, apontada como «a obra de maior vulto» da Comissão de Iniciativa de Turismo de Coimbra, liderada por Manuel Braga. Numa das suas primeiras edições, a 7 de Junho de 1930, o Diário de Coimbra noticiou os trabalhos em curso para transformar a mata de Vale de Canas num dos principais pontos de turismo e lazer da região, espaço privilegiado para passeios familiares ou momentos de repouso e de confraternização. «A Estância de Vale de Canas, em formação, apresenta de ano para ano novos e interessantes melhoramentos e aspectos, que cada vez mais a estão impondo à consideração e especial apreço do público, que a conhece e com agrado a visita», observava o jornal, qualificando esta, «incontestavelmente», como «a obra de maior vulto da Comissão de Turismo e a de maior relevo e alcance para Coimbra». Um hotel, uma pensão-restaurante, novos arruamentos e alamedas, um parque biológico e uma área de jogos e divertimentos eram projectos que os responsáveis delineavam para o «grande Parque de Montanha» de Vale de Canas, aproveitando a morfologia do terreno e a «flora exuberante» da mata nacional, que a Comissão de Turismo vinha valorizando com a anexação de novos espaços onde plantou mais de cinco mil árvores, «sendo muitas ornamentais, além de bastantes arbustos e fruteiras, espalhadas estas por vários pequenos pomares». Os melhoramentos iam-se sucedendo e a aposta em Vale de Canas traduzia-se em ganho crescente de visitantes, como o nosso jornal foi registando. No dia 15 de Julho de 1931


DOMINGO | 27 SET 2020 | 03

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Diário de Coimbra Memórias 1931 O jornal apontou falhas e falta de eficácia da Polícia de Segurança Pública, reclamando os meios necessários para dar tranquilidade à população

PEDIA-SE O DOBRO DOS POLÍCIAS E MAIS DUAS ESQUADRAS EM COIMBRA

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ma zaragata no Largo Miguel Bombarda (actual Portagem) levantou a questão e o Diário de Coimbra deu voz a preocupações da cidade, inquieta com a insegurança pública e a ineficácia da protecção policial. O caso foi notícia a 13 de Julho de 1931, relatando que no dia anterior, «registava o relógio do Banco de Portugal 7 horas e 85 minutos, deu-se uma cena de pugilato entre dois rapazes. Pouco depois, juntam-se um terceiro e um quarto e um quinto e um décimo e um vigésimo e umas quantas mulheres. Isto foi na embocadura da Ponte de Santa Clara. E não apareceu nem um polícia...» O jornal voltou ao assunto no dia seguinte, procurando razões para esta falha no restabelecimento da ordem pública. «APolícia de Segurança Pública em Coimbra, manda a verdade que se afirme que é daquelas que mais procura bem cumprir o seu dever, para o que se não poupa a canseiras e a trabalhos de toda a ordem. A Polícia está duma maneira geral bem apetrechada e bem instruída. Duma maneira geral é bem edu-

D.R.

rança Pública como o merece a terceira cidade do país», defendeu o Diário de Coimbra, apelando ao Intendente Geral da Polícia para «praticar um acto de justiça, que bem o torEm 1931 a Polícia nará merecedor de Segurança Púdo agradeciblica contava com mento dos co100 guardas para nimbricenses». o serviço de vigiNovas achelância de Coimbra gas reforçariam dias depois a urgência de resolver a falta de meios policiais. Na edição de 26 Julho de 1931, publicou o jornal um recado ao comandante da Polícia: «Um nosso amigo que A falta de meios policiais foi uma constante ao longo dos tempos vive na Cruz de Celas pede-nos cada e sabe conduzir-se como que é Coimbra, a polícia tem que chamemos a atenção da é mister. Branda e contempo- para o seu serviço de vigilância entidade competente para a nerizada, quando o deve ser, enér- somente 100 guardas, porque cessidade absoluta de se estagica e decidida, quando o dever os outros 86 estão impedidos belecer em Celas um posto de o impõe. Mas a Polícia de Se- em vários serviços públicos, ou polícia, a fim de evitar que os gurança de Coimbra é pouca, destacados fora, nos conce- gatunos assaltem de noite as para a grande área e movimen- lhos». «Para que o seu serviço capoeiras e os quintais, routo da cidade. E daí o caso suce- seja suficiente, é mister au- bando frutas, etc.». «Nada mais dido anteontem, em que à po- mentá-la. As duas esquadras justo», e prosseguiu: «Um bairro lícia foi materialmente impos- não bastam. São pois necessá- tão populoso não pode estar sível chegar a tempo de evitar rios mais 100 guardas e que as assim completamente abandoaquele burburinho no Largo esquadras sejam aumentadas nado. Não se vê por ali um poMiguel Bombarda, com uns ro- para quatro, uma para os Oli- lícia. Consta-nos que os morameiros de Fátima», observou. vais, outra para Santa Clara. Isto dores do bairro vão entregar O problema, anotou depois, pelo menos. Assim, já ficaría- uma representação no sentido é que «para a grande cidade mos com um corpo de Segu- de ser criado o posto de polícia

tão necessário, e estamos certos que serão atendidos, atenta a justiça que lhes assiste. Sabemos que o sr. Comandante da Polícia luta com falta de guardas e expôs ou vai expor o caso ao sr. Comandante Geral. Ocasião oportuníssima, pois, de resolver tão magno assunto». Também do Calhabé vinham razões de queixa. Na edição de 2 de Agosto, sob o título “É precisa mais polícia”, transmitiu-se o protesto de moradores desta zona, «que nos têm escrito a pedir a nossa interferência para que se ponha cobro ao facto revoltante e impróprio duma cidade policiada como a nossa, de alguns “amigos do alheio”, aproveitando a calada da noite e, certamente, a ausência da polícia, pretenderem apoderar-se, como o têm feito, da criação, galinhas, galos, patos, coelhos, que os moradores têm nos seus quintais, e forçando-os por isso a perderem noites e noites de vigília e em sobressalto para evitar que as proezas de tais meliantes se efectuem». «Não haverá forma de evitar que a população daquele bairro tenha de fazer de polícia? Nós sabemos que os srs. Comandantes da Polícia, no mais louvável dos intuitos e com o mais desinteressado carinho, têm tratado este magno problema junto das instâncias superiores. Sabemos muito bem que o número de guardas não chega, nem ao de leve, para tão grande área da cidade. Sabemos que, por vezes, o serviço desses dedicados servidores do Estado é exaustivo. Pois por tudo isso, nós continuamos reclamando, em bons termos, junto de quem de direito», escreveu o jornal. M.S.

O restauro dos torreões do Jardim da Sereia 31/7/1931

O Diário de Coimbra aplaudia, na edição de 31 de Julho de 1931, o entendimento entre a Câmara e a Comissão de Iniciativa e Turismo para levar a efeito trabalhos de restauro nos dois torreões laterais da entrada do Parque de Santa Cruz. «Na mais estreita e leal colaboração, a Câmara e a Comissão de Turismo estão resolvidas a custear as despesas a fazer

com a restauração interior dos torreões da entrada do Parque de Santa Cruz, cujas paredes e tectos estão, como se sabe, lindamente decorados com artísticos frescos, do tempo dos frades crúzios. Como já informamos, é nestes torreões que a Comissão de Turismo vai organizar uma exposição permanente de fotografias de propaganda de Coimbra, sendo cada uma destas acompa-

Torreões restaurados para a promoção turística de Coimbra

nhada de um pequeno descritivo, e ficando ao centro de cada torreão uma mesa com vários e modernos estereoscópios», noticiou o jornal, adiantando que a realização de tais melhoramentos tinha sido confiada a António Eliseu. «Registamos com prazer o estreitamento leal de relações entre a Câmara e a Comissão de Turismo, facto que, no tempo do sr. dr. Jacob [João dos Santos

Jacob, presidente do município entre 1929 e 1931, substituído por Afonso José Maldonado], nunca se deu por culpa exclusiva deste que, longe de fomentar esse estreitamento, constantemente o prejudicava com actos de manifesta hostilidade contra a Comissão de Turismo, como poderemos prová-lo, citando vários factos irritantes e afrontosos, comprovativos do que afirmamos», rematava

Multidão queria linchar carteirista 22/5/1931 A coluna das notícias da Figueira da Foz dava conta, na edição de 22 de Maio de 1931, da detenção do «gatuno Messias Paulo, solteiro, de 26 anos, natural de Vilar Maior, concelho do Sabugal e residente em Viseu, no Campo de Viriato, que na última feira de Maiorca, deste concelho, foi surpreendido a empalmar uma carteira». «O guarda captor n.º 169, José de Carvalho, viu-se em sérios embaraços para poupá-lo às iras da multidão, entre a qual havia já algumas vítimas, e que pretendiam a todo o custo linchá-lo. Revistado na cadeia, foi-lhe apreendida a importância de 831$50 em notas de várias fracções que tinha ocultas no forro das calças, tentando ao mesmo tempo subornar o guarda para que ele do caso não desse conhecimento. Já antes, no posto de polícia, havia praticado vários distúrbios lançando-se a um cívico no propósito de agredi-lo. Além do dinheiro, foi-lhe encontrado um alicate e uma navalha de várias aplicações, uma carteira, uma agenda, um guia do caminho de ferro, parte de uma corrente de ouro e um relógio de aço, objectos cuja proveniência não explicou e que se presume tenham sido furtados», relatava, acrescentando que o preso iria ser entregue ao poder judicial.

Desassorear o Mondego 31/7/1931Ojornal alertava, na edição de 31 de Julho de 1931, para a necessidade de desassoreamento do Mondego: «Há coisa de 4 ou 5 dias, choveu. Foi uma chuva tão miudinha e tão discreta que muito pouca gente deu por ela. Apesar de tudo, o Mondego encheu, quase transbordando na margem esquerda. Ora, toda a gente sabe a que são devidas as repetidas cheias do Mondego: é à formidável abundância de areia que, numa extensão de algumas centenas de metros, cobre o leito do rio. Há uns aparelhos, chamados “dragas”, feitos expressamente para aquele fim. Porque se não utilizarão eles em Coimbra?»


02 | 04 OUT 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Espectáculo indecoroso” dos mancebos nas inspecções 2/7/1931 As inspecções militares traziam outrora a Coimbra muitos jovens das Beiras, que nem sempre se comportavam adequadamente ao deambularem pela cidade. Na edição do Diário de Coimbra de 2 de Julho de 1931, com o título “Que miséria!”, lia-se o seguinte desabafo: «Francamente: o povo português é pitoresco! E há quem pretenda endireitar isto... Contesto que alguém seja capaz, a não ser que aja com pulso de ferro de forma a fazer entrar o juízo na cabeça desta gente, um bocadinho de senso nas suas combalidas mioleiras. Todos sabem que agora é a época das inspecções militares. É o momento em que os mancebos se apresentam nos quartéis para serem inspeccionados, e, assim, darem ingresso ou não no exército para prestação do serviço militar obrigatório. Até aqui está tudo muito bem. O que se não compreende, e até se torna miserável, é que esses mancebos depois de inspeccionados saiam para a rua, se embriaguem na primeira taberna da esquina e, aos magotes, façam um espectáculo indecoroso pelas principais artérias da cidade. Um estrangeiro que assistisse a tais espectáculos o que diria, lá fora, de nós? Tínhamos o direito de o increparmos se ele dissesse a verdade? Pobre gente! Que miséria!».

Criança de oito anos dava serventia a pedreiros 29/7/1931Na coluna “Ao correr da pena”, da edição de 29 de Julho de 1931, expressava o autor indignação por um caso de trabalho infantil: «Passámos ontem na estrada de S. José. Ali anda-se construindo uma igreja que mãos piedosas vão erguer a Cristo, expoente máximo da bondade, da igualdade e da fraternidade. Muito bem! Sabeis a que assistimos? A isto: uma criancinha de 8 anos, a dar serventia de pedreiro, conduzindo à cabeça pesadíssimos carregos. É bárbaro e desumano! Cristo não se revolta?!».

1931 Estabelecimento da Baixa não só servia “em óptimas condições” como proporcionava à “numerosíssima clientela primorosos concertos de música selecta”

CAFÉ SANTA CRUZ AJUDOU A “MODERNIZAR A VIDA CITADINA” EM COIMBRA

I

naugurado no dia 8 de Maio de 1923, o Café Santa Cruz cedo se tornou um dos principais pontos de encontro, de convivência e de cultura da Baixa de Coimbra, preservando até aos dias de hoje características que lhe mereceram destaque entre os mais antigos estabelecimentos de bebidas e restauração do país. O Diário de Coimbra, na edição de 19 de Fevereiro de 1931, enaltecia o emblemático café-restaurante da Praça 8 de Maio, instalado «no artístico e monumental recinto onde, outrora, era a Igreja de S. João das Donas», e adaptado a café-restaurante por iniciativa dos empresários Adriano Ferreira da Cunha, Adriano Viegas da Cunha Lucas (fundador do Diário de Coimbra) e Mário Pais. «O Café de Santa Cruz, essa esplêndida iniciativa dum grupo de conimbricenses amigos da sua terra e zelosos do seu progresso, tendo à frente como gerente competentíssimo e hábil o nosso estimado amigo sr.

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reunião, com todos os requisitos modernos, proporcionava aos turistas uma casa com todas as condições higiénicas que rivalizava com as primeiras de Lisboa e Porto», obO Café Santa Cruz servava o jorfoi fundado por nal, num esAdriano Ferreira paço dedicada Cunha, Adriano do ao “CoViegas da Cunha mércio Local”. Lucas e Mário Pais Começava a notícia por constatar que «vai longe a data em que a nossa cidade vivia num marasmo como a mais insignificante aldeia», veCafé Santa Cruz ocupa um dos mais belos espaços da cidade rificando-se que «hoje Coimbra acompanha, como poucas cidades, o progresso e a civilização», e isso graças aos «filhos desta terra, que tão bem compreenderam, sentiram e acarinharam o seu progresso, servindo a sua bela iniciativa de Anúncio do Café Santa Cruz no Diário de Coimbra, em 1930 incentivo a outras de igual Adriano Ferreira da Cunha, que ção, dar um movimento mais vulto, de igual intenção: conconhece como poucos o seu próprio da importância da correr para a modernização “métier”, veio modernizar a nossa cidade, pois ao mesmo constante desta linda cidade». Tal como hoje, o histórico esvida citadina, dar-lhe maior ac- tempo que criava um ponto de

tabelecimento comercial da Baixa de Coimbra era já nessa altura um importante espaço de promoção da cultura. «O Café de Santa Cruz, como toda a gente é obrigada a reconhecer, desempenha hoje, na vida citadina, uma função de utilidade social, pois além de servir em óptimas condições, tendo a preocupação de só fornecer artigos de escolhida qualidade, proporciona à sua numerosíssima clientela primorosos concertos de música selecta, concorrendo deste modo para uma maior divulgação artística, para uma mais perfeita educação social do nosso povo», considerava o jornal. Um mês antes, na edição de 9 de Janeiro, já o Diário de Coimbra comentava que o Café Santa Cruz se «impôs sempre pelas suas arrojadas iniciativas». «Em tempos, uma “jazz-band” deliciava os fregueses; agora, ontem mesmo, tivemos o agradável ensejo de ouvir, no elegante café, um formidável aparelho de rádio e grafonia dos melhores e mais recentes modelos, um R.C.A. (Radio Corporation ofAmerica), n.° 86, cuja ressonância e nitidez foi um autêntico chamariz de clientela atenta e satisfeita com o melhoramento. Incontestavelmente, aquele aparelho é o melhor, no género, em Coimbra, e bem fez o Santa Cruz em o adquirir para valorizar o seu movimento, deleitando e atraindo os fregueses, que agora, com muito mais prazer o frequentarão», aplaudia o jornal. M.S.

Os “concertos” no fonógrafo da Central 27/3/1931

«A Central, ponto de reunião obrigatório da melhor sociedade conimbricense, proporcionou, ontem, aos apreciadores da arte dos sons e aos “habitués” devoradores do seu esplêndido e aromático café, um novo e magnífico concerto musical em que o aparelho reprodutor e amplificador R.C.A. confirmou mais uma vez as suas superiores qualidades e o seu justificado renome. Foi, na verdade, um magnífico concerto». Assim relatou o Diário de Coimbra, na edição de 27 de Março de 1931, mais um dos

serões musicais que no início da década de 30 animavam a elegante Pastelaria Central, um dos cafés históricos da cidade, que fechou portas em 2007, na Rua Ferreira Borges, para reabrir como loja de meias. Pastelaria afamada, café, restaurante e até mercearia, a Central tornou-se «estabelecimento modelar» e uma «afirmação do modernismo da vida coimbrã». O seu salão de chá era frequentado pelas “elites” da cidade e as noites musicais atraíam «numeroso público», a ponto de muitos clientes assistirem de pé «por não

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A Central usava um aparelho RCA no início dos anos 30

conseguirem obter lugares». Agente da editora discográfica “His Master's Voice”, o comerciante J. Abreu Couceiro, com estabelecimento na Rua da Sofia, assumia a selecção musical destes “concertos”, reproduzindo os seus discos num rádio-gramofone R.C.A (Radio Corporation ofAmerica) que ganhava lugar de destaque nestes serões da Central. «Como se não bastasse o óptimo café que esta casa prima em fornecer à sua numerosa clientela, surgiram agora os concertos com esplêndidos números de música, que todas

as noites levam ali uma multidão de público apreciador do bom café e da boa música», elogiou o jornal, registando que «o programa, composto de belos trechos de ópera e de números de música ligeira, agradou à numerosa assistência», «Mais uma vez se verificou que a Central, que no género é das casas maiores da nossa cidade, em noites de concerto é pequeníssima para conter a numerosa clientela que ali vai com o propósito de saborear o aprovadíssimo café e gozar as delícias da divina arte de Mozart», concluía a notícia. M.S.


02 | 11 OUT 2020 | DOMINGO

DiáriodeCoimbra

Diário de Coimbra Memórias Obscenidades de fazer arrepiar um “carroceiro” 6/2/1931 «Há certas ruas ali para a Sofia onde a prostituição, de livro nas unhas, assentou arraiais», registava o Diário de Coimbra, qualificando de «uma miséria e uma tristeza» a situação observada naquela zona da Baixa da cidade. E prosseguia: «Como se isso não fosse bastante - um lupanar com a competente cortina de chita à mistura – quase que na via pública (e aquele local é concorrido) proferem-se obscenidades de fazer arrepiar um “carroceiro” e convidam-se à “valsa” menores». «Apontamos o facto insólito e pedíamos para ele o competente freio. Porque basta de impudor», comentava o jornal.

Charco de lama no Terreiro da Erva 20/2/1931 O Diário de Coimbra chamava a atenção para o «estado vergonhoso» em que se encontrava «o Adro de Santa Justa, mais conhecido por Terreiro da Erva». «É um charco de lama de vários metros de comprimento, largura e altura. Nós já aqui o dissemos: meia dúzia de carros de areia remediavam, por pouco tempo embora, pondo transitável aquele ponto de passagem. Será muito dispendioso?», questionava-se.

Todos querem ser doutores... 7/6/1931 Com o título “Praga de bacharéis...” era publicada a seguinte croniqueta: «Depois de um inquérito feito em Washington verificou-se que dos cinco milhões de desempregados um milhão é constituído por indivíduos que cursaram universidades e colégios. Em Portugal, se se procedesse nesse sentido, também se verificaria o mesmo facto. Infelizmente todos querem ser doutores sem atender à escassez de recursos intelectuais e activos que quase sempre lhes assiste porque, note-se, é ela, as mais das vezes, a causa do desemprego, nas classes. No entanto muitos papás continuam desejando que à força se faça dos meninos bacharéis».

29/4/1931 “Bom será que realmente se acabe de vez com essa vergonha de se lançarem os lixos na via pública”, escreveu o Diário de Coimbra

RECLAMADO “PROCESSO MENOS PRIMITIVO” PARA RECOLHA DE LIXO NA CIDADE

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inha o Diário de Coimbra quatro dias de existência quando publicou o primeiro reparo sobre a falta de limpeza e mau funcionamento da recolha de lixo na cidade, questão das mais importantes e para a qual o jornal voltaria recorrentemente a alertar os poderes públicos. «O gosto pelo antigo, o amor pelo tradicional e pelo arcaico, não deve ir, a nosso ver, até ao ponto de não se pretender modernizar certos serviços que pela forma como são executados, longe de atraírem a atenção dos visitantes, nos amesquinhem aos seus olhos. Entre eles está, por exemplo, o da limpeza citadina, feito com carroças, para as quais alguns garotos todas as tardes vão arrastando, dentro de cestos, o lixo encontrado a cada porta!», observava, em artigo publicado no dia 28 de Maio de 1930, perguntando logo de seguida se não seria possível «adoptar em Coimbra outro processo menos primitivo». A higiene pública justificava preocupações e dias depois, na edição de 6 de Junho, lia-se que «as ruas da cidade, algumas

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garem a despejar os caixotes». Na mesma altura se dava conta de que a Comissão Administrativa da Câmara de Coimbra deliberara que a recolha de lixo em toda a Em 1930, a Câmara cidade passade Coimbra impôs ria a fazer-se aos cidadãos a aquina parte da sição de um recimanhã, às 8 piente próprio para horas nos medespejo do lixo ses deAbril a Setembro e às 9 horas de Outubro a Março. Uma resolução não isenta de polémicas, relatando o jornal o seguinte, na edição de 23 de Outubro de 1930: «São 10 horas da manhã. À porta da nossa reNos últimos 90 anos evoluiu muito a recolha de lixo na cidade dacção [o Diário de Coimbra A 12 Junho do mesmo ano, o funcionava na Rua do Quebra bastantes concorridas, são focos tremendos onde se amon- Diário de Coimbra aplaudia a Costas] passam dois rapazes, toam carradas de lixo, ali de- decisão camarária de impor empregados da limpeza, que positadas todas as noites pelos aos munícipes um recipiente conduzem um cabaz cheio de empregados da limpeza». «Não próprio para despejo do lixo, esterco, que vão espalhando compreendemos que numa ci- salvaguardando no entanto a pelas escadas. Um faz alarme dade como a nossa, onde se necessidade de atender «as re- com uma campainha, chatem pugnado pela higiene, se clamações que até nós che- mando a atenção dos moradoconsinta tal enormidade. Cha- gam, de gente pobríssima, que res que se apressam a pôr à mamos a atenção dos encar- por não terem os escudos ne- porta os recipientes que adquiregados deste serviço para o cessários para adquirir o tal re- riram nos Serviços Municipaperigo que representa para os cipiente, se vêem na necessi- lizados. Que contraste se nota habitantes de Coimbra esta in- dade de ficar com o lixo em entre estes e o cabaz que eles casa por os empregados se ne- conduzem!...» cúria», verberava o jornal.

Cocheiras e estábulos eram um perigo para a saúde pública em Coimbra O Diário de Coimbra criticava na edição de 5 de Maio de 1931 a existência de cocheiras e estábulos em zonas centrais da cidade: «Publicamos há dias, na secção das “Efemérides de Coimbra”, uma determinação da Câmara de 1646, mandando que os “sombreireiros” [fabricantes de chapéus] saíssem da rua da Calçada [actual Ferreira Borges], pela sua falta de asseio e por conspurcarem aquela rua com as águas sujas provenientes do seu oficio. Isto foi

em 1646! Actualmente existem dentro da cidade inúmeras cocheiras e vários estábulos de animais que além de não corresponderem às exigências de boa higienização da cidade constituem um iminente perigo para a saúde pública. Que isso existisse há 20 ou 25 anos era admissível, mas que actualmente se permita a permanência de tais anomalias é que não é tolerável». «Numa época em que se exige a maior e a mais justificável limpeza em deter-

minados estabelecimentos, padarias, mercearias, casas de vinhos, etc., não faz sentido que nas imediações dessas casas e algumas até bem perto, estejam esses focos de imundície exalando um pestilencial mau cheiro e servindo de ninho a milhões de micróbios e a verdadeiros enxames de mosquitos. Não seria razoável que se fizessem deslocar para sítio mais próprio fora da cidade ou pelo menos dos centros mais populosos, esses estábulos

ou cocheiras? Se em 1646 se tomavam medidas daquela natureza por que razão agora, o século da ciência, não se há-de adoptar medida idêntica para libertar a cidade das montureiras, desses focos de infecção?», perguntava o jornal, pedindo à Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Coimbra para não descurar o assunto e tomar medidas de forma a acabar com «essas anomalias, que infelizmente vêm de há anos».

A mudança de horário de recolha de lixo motivava críticas, como a que foi publicada na edição de 27 de Janeiro de 1931: «Antigamente, quando Coimbra era uma terra na retaguarda do progresso, fazia-se o serviço de limpeza à noite, apresentando a cidade no dia seguinte um aspecto de saúde e de alegria que consolava. Hoje, que Coimbra é, sem favor, a 3.ª cidade de Portugal, consequentemente uma terra progressiva e civilizada, faz-se o serviço de limpeza às 9 horas da manhã, dando aos transeuntes um espectáculo digno de toda a admiração». Apontando a necessidade de «acabar de vez com essa vergonha de se lançarem os lixos na via pública», o jornal transcreveu a 29 de Abril de 1931 uma carta do vereador do pelouro da higiene da Câmara de Coimbra, em resposta a algumas das questões que inquietavam os munícipes e de que ia fazendo eco. Esclarecia Silva Neves que, conforme edital camarário publicado no mês anterior, eram obrigatórios os recipientes para lixo - a popular designação de “jacós” teria derivado do nome do então presidente do município, Santos Jacob - mas os cidadãos podiam adquiri-los onde bem entendessem, desde que respeitando o modelo adoptado. «Às famílias reconhecidamente pobres pode a Câmara distribuir gratuitamente recipientes», acrescentava, lamentando que a medida tomada, apesar de «sensata e higiénica», continuasse a «encontrar nos munícipes uma relutância manifesta, com prejuízo grave da higiene da cidade e dos seus pergaminhos de civilizada». O vereador recorria a alguns números para fundamentar as decisões camarárias: «O último recenseamento da população diz-nos que dentro propriamente da cidade (excluindo Olivais e Santa Clara ), as famílias são 6.104 e no entanto os recipientes em uso são apenas 1.500. Pelo mesmo recenseamento verifica-se que o número de pessoas que constituem cada família é, em média, de 4,5. Basta atribuir a cada família um «irrisório”quilo de lixo por dia para constatar que perto de 5 toneladas por dia não entram nos recipientes».M.S.


02 | 18 OUT 2020 | DOMINGO

DiáriodeCoimbra

Diário de Coimbra Memórias Estórias de pilha-galinhas nas notícias de “faits divers” 7/1/1931 As capoeiras, que ajudavam a prover o sustento de muitas famílias de Coimbra, eram alvo de cobiça e incursões alheias, sendo frequentes no início dos anos 30 as queixas de proprietários às autoridades policiais, que o Diário de Coimbra ia relatando em notícias de “faits divers”. Na edição de dia 7 de Janeiro de 1931, por exemplo, a coluna “Da Cidade” informava que «o sr. Miguel Baptista, proprietário e empregado na repartição das Obras Públicas, residente na Rua da Matemática, queixou-se na polícia de que no dia 2 do corrente lhe assaltaram uma capoeira, roubando-lhe seis galinhas, um galo, dois patos e seis coelhos no valor aproximado de 250$00». «A polícia vai procurar descobrir o autor ou autores da proeza», avançava o jornal. No dia seguinte, noticiava-se que «foram presos, dando entrada na esquadra do Governo Civil, Fernando de Moura Stoffel, Joaquim de Sousa Lemos, Crisóstomo de Matos e Mário Fernandes da Fonseca, por terem assaltado por diversas vezes as capoeiras dos srs. Miguel Baptista, António Carvalho e outros, de onde roubaram galinhas, patos e coelhos na importância aproximada de 250$00». Na edição 10 de Junho 1931, informava-se que «o agente auxiliar José Nunes Cordeiro prendeu ontem, numa taberna denominada “Casino Amélia”, o gatuno Diamantino das Neves, de 23 anos, natural e residente no Tovim, acusado de ter furtado algumas galinhas a Maria do Nascimento, residente em Taveiro». Esclarecia também que «o Neves ainda há dias saiu da cadeia, onde cumpriu a pena de três anos pelo mesmo motivo». Dias depois, a 18 de Junho, o Diário de Coimbra noticiava que «Joaquim de Matos, residente na Travessa das Fonsecas, Arregaça, queixou-se na Polícia de Investigação Criminal de que de uma sua capoeira lhe furtaram 15 coelhos, ignorando o autor do furto».

23/7/1931 A estância termal queixava-se de não encontrar na Câmara Municipal da Mealhada o apoio de que precisava para poder progredir

POVOAÇÃO DO LUSO ESTAVA DESCONTENTE E QUERIA SER ANEXADA A COIMBRA

O

Diário de Coimbra dedicou ao Luso um trabalho especial no dia 23 de Julho de 1931, que complementou com a publicação, na última página da mesma edição, de uma assertiva crónica em defesa dos interesses desta estância termal do concelho da Mealhada. Intitulado “Uma aspiração”, o texto começava por qualificar a povoação do Luso, «a dois passos de Coimbra» e «reclinada no sopé da Serra do Bussaco», como «uma excelente e magnífica estância termal», onde acorrem «anualmente, se não milhares, pelo menos centenas de doentes» que ali encontram «remédio para os seus padecimentos». «Ao lado da sua salutar influência como centro termal, o Luso é, também, um notável centro de turismo, no conjunto binário Luso-Bussaco, do qual se pode irradiar em passeios e excursões destinadas a admirar as relíquias artísticas e arqueológicas da região, ou a pujante e exuberante vegetação que, recobrindo a arquitectura telú-

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e, se alguma coisa de útil e progressivo ali se tem feito, deve-se isso, exclusivamente, à obra inteligente e estrénua da Comissão de Turismo, que, criteriosaEmídio Navarro mente, tem sabido (1844-1905) deu cumprir, e brilhanimportante impulso ao desenvolvimento temente, o seu dee afirmação das ver», observava. termas do Luso Mas, advogava o texto, «de modo nenhum» poderia continuar «esse estado de coisas». «Luso precisa de progredir, e não pode ser prejudicado pelo facto de se encontrar no alfoz concelhio dum município que com tão Luso é uma das mais importantes estâncias termais da região notável terra se não preocupa. rica, dá origem a deslumbrantes cuja zona pertence: Mealhada». Sabemos que as forças reprepanoramas, dos melhores do «Ao Luso não chega o bafo dos sentativas do Luso estão desnosso país», apontava, desta- melhoramentos da vereação contentes, e que já se alvitrou o cando igualmente a importân- mealhadense, melhoramentos desmembramento do Luso, da cia desta localidade como «cen- materiais e progressivos que Mealhada para Coimbra. Não tro comercial, distributivo de viessem dar incremento àquela podemos deixar de apoiar tal produtos para muita e muita notável estância, de que Emídio medida, porquanto, anexada e povoação da sua área perifé- Navarro, o inteligente estadista englobada no município de rica, com um movimento assaz de larga visão, tencionava fazer Coimbra, a ridente estância ternotável, que lhe granjeia fórum algo de notável e importante, mal e turística tem mais procomo centro urbano. Não. O babilidades de progredir consde maior relevo social». No entanto, lamentava o jor- Luso desconhece o que é o au- tantemente, beneficiada por nal, a povoação do Luso «está xílio da vereação que jurisdi- melhor sorte do que aquela que abandonada pela edilidade a ciona sobre as ridentes termas, usufrui na Mealhada», opinava-

-se na crónica, não assinada. Dois dias depois, o jornal publicou uma carta de Lúcio Pais de Abranches, médico das Termas do Luso e figura influente da localidade, a testemunhar a evolução positiva das relações entre a Comissão de Iniciativa de Luso e Buçaco e a Câmara Municipal da Mealhada. «Tempos houve, de triste recordação, em que as lutas políticas, algumas vezes estéreis e outras vezes prejudiciais para ambos os povos, provocavam e entretinham uma certa tensão de relações entre eles, que uma vez levou os habitantes de Luso à pretensão da sua independência, por meio da criação do concelho de Luso. Luso era, nessas épocas, votado pela Mealhada ao ostracismo, e, consequentemente, a antipatia recíproca aumentava; era um círculo vicioso ruinoso para ambos. Hoje, felizmente, o critério que orienta os destinos do concelho é outro. A Mealhada considerando, justamente, o Luso a mais importante fonte de riqueza do concelho, olha-o com carinho, embora não seja muito pródiga em benefícios a bem da prosperidade da estância, o que é evidentemente um erro», afirmava, concluindo no entanto que «presentemente todos os povos deste concelho vivem em boa harmonia, não pensando ninguém no seu desmembramento, mas desejando todos ardentemente a sua transferência para o distrito de Coimbra, somente por conveniência e comodidade e não por motivo de queixa contra o distrito de Aveiro». M.S.

Animado torneio da malha na Baixa de Coimbra 12/4/1931 O popular jogo da malha gerava entusiasmo e foi notícia no Diário de Coimbra, na edição de 12 de Abril de 1931, um torneio marcado para esse dia, pelas 15h00, «num magnífico recinto da acreditada casa do sr. João Rodrigues, à Rua João Cabreira». «Um desafio-desforra de jogo de malha, que tem despertado o maior interesse entre os amadores deste tradicional jogo coimbrão, dado o valor e a perícia das duas “equipas” que no domingo passado se defrontaram, e no

qual se disputam uma artística taça para a equipa vencedora e três medalhas para os concorrentes mais classificados», informou o jornal, adiantando que «o júri deste torneio, que promete ser renhido e importante, será constituído pelos srs. Arnaldo Pereira (presidente), Macário Pinto Magalhães, José Alberto Jorge, Waldemiro Sacramento Monteiro e Ismael Jorge Firmo, a cargo de quem está a inspecção e vigilância do “ground”e do jogo». No dia seguinte dava o jornal os resultados do impor-

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Torneio da malha era disputado na Rua João Cabreira

tante desafio: «Ficou triunfante a equipa do “captain” António de Almeida, que venceu por oito “matchs”, num total de catorze, ganhando, assim, por este resultado a taça “Arnaldo Pereira” e duas medalhas, sendo também condecorado um jogador da equipa vencida, por ter feito grande número de pontos». «O torneio que, como dissemos, foi de 14 “matchs”, durou hora e meia, sendo renhidamente disputado. O júri foi imparcial, tendo sido a sua homologação bem recebida pela numerosa assistência que

assistiu à prova», acrescentava. Ainda nesse mês, a edição de dia 25 relatava novo desafio de malha, realizado igualmente no “ground” da casa de João Rodrigues, na Baixa de Coimbra, «entre os grupos “Os Desejados”e “Os Modestos”, que é detentor da taça “Arnaldo Pereira”, tendo este, que durante a partida mostrou mais competência e saber, vencido por diferença de 41 pontos». «Os vencidos lutaram com galhardia, recebendo a derrota como verdadeiros desportistas», rematava a notícia.


02 | 25 OUT 2020 | DOMINGO

DiáriodeCoimbra

Diário de Coimbra Memórias Jornal pedia cancelas em passagem de nível no Calhabé 14/6/1931 O Diário de Coimbra relatou um acidente no ramal ferroviário da Lousã, ocorrido na zona do Calhabé, nesta cidade. «Ontem à tarde, o comboio da Lousã, que parte de Coimbra às 12h20, ao passar à Fonte do Bispo, colheu, numa passagem de nível que ali existe, uma carreta de bois, do que resultou a carreta ficar completamente danificada e os dois bois bastante feridos, um dos quais gravissimamente, pois pouco tempo viveu. O carreteiro, ao pressentir os efeitos da sua imprudência ou descuido, pôs-se em fuga, abandonando o veículo e os animais. A autoridade tomou conta da ocorrência, indo iniciar as indispensáveis investigações. Lembramos à C.P. a conveniência de ali mandar pôr umas cancelas para evitar semelhantes desastres», rematava a notícia publicada no dia 14 de Junho de 1931.

Uma “infernal barulheira” prejudicava filme sonoro 9/6/1931 As salas de exibição de filmes em Coimbra tinham sido recentemente equipadas com sistemas sonoros mas a transição do cinema mudo para o falado nem sempre era acompanhada pela desejável mudança nos hábitos ruidosos dos espectadores, o que se lamentava no reparo que o jornal publicou no dia 9 de Junho de 1931. «Depois de algumas tentativas desastradas, para a execução de filmes falados, em português, aparece-nos uma película, francamente boa, onde entram alguns dos nossos melhores artistas: “A minha noite de núpcias”. Até aqui está tudo bem. O que não está bem é que, quem vai ver e ouvir o filme, esbarre com a infernal barulheira que do princípio ao fim se faz ouvir dentro da sala do espectáculo. É triste mas é assim mesmo: o público de Coimbra não sabe rir», criticava o autor.

2/6/1931 Hábitos tabágicos acrescentavam perigos para a saúde pública, numa altura em que a tuberculose grassava no país

HÁ NOVE DÉCADAS JÁ SE ALERTAVA PARA O RISCO DE FUMAR EM PÚBLICO

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o dia 2 de Junho de 1931 o Diário de Coimbra publicou, na primeira página, um interessante texto a alertar para os malefícios do tabaco e sensibilizar os fumadores para os riscos de saúde a que expunham os seus concidadãos. Assinada pelo médico Marques dos Santos, a crónica começava por aplaudir a medida, tomada pela Direcção Geral de Saúde de então, de proibir o acto de fumar dentro das salas de cinema. «Medida boa porque quando chega a hora do primeiro intervalo já os fatos dos presentes e as vias respiratórias dos espectadores começam de estar impregnados dos tóxicos voláteis e sofrendo as consequências», observava, lamentando no entanto que «não deixam os fumadores de insistir na prática do vício, fumando

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bação máxima de susceptibilidade – e de produzir lesões crónicas nas células que revestem as vias respiratórias, lesões que Em Abril de 1931 uma vez instaladas passou a ser proisão o ponto de parbido fumar nos cinemas, a exemplo tida ou a porta de do que já acontecia entrada de lesões nos teatros mais graves». «Todos conhecem a bronquite dos fumadores ou o empastamento peribrônquico e ganglionar que se observa tão frequentemente nos adolesO consumo de tabaco justificava preocupações de saúde centes e adultos em começo de nos corredores ou salas em co- nais de embrutecimento e es- viciação tabágica», acrescenmunicação com a sala de es- clerose dos fumadores cróni- tava, para depois acusar este pectáculos, de modo que, ainda cos, em geral associados à be- mau hábito de agravar os riscos que com menor percentagem, bida - beber e fumar andam de de saúde pública a que a cidade pelas correntes daí frequentes braço dado - constata-se no ta- de Coimbra já se encontrava nessas casas, dentro de algum baco fabricado depois da sujeita pelas deficientes conditempo a atmosfera do salão guerra a existência de substân- ções de higiene e salubridade cias hipertóxicas, capazes de que se verificavam na altura. está impregnada do fumo». Portanto, avisava o autor, Prosseguia o autor, obser- determinar estados semelhanvando que «afora os sabidos si- tes aos da anafilaxia - exacer- «não se deve fumar, por inte-

resse próprio, agora que atravessamos um período de quase epidemia [a tuberculose grassava no país]; mas quem não se importe com estas pequenas coisas e com estas pequenas esquisitices não deve, não tem direito de prejudicar a saúde das outras pessoas, forçadas, pelas voltas da vida diária, a estar encerradas, ainda que momentaneamente, dentro dos mesmos recintos». «Além do prejuízo que se causa é um sinal de inferioridade. Ponhamos os olhos nos países mais civilizados, mais educados em higiene, em respeito pela personalidade alheia; e em vez de entrar num eléctrico, de ventilação deficiente ou boa e começar com a fumaça a empestar o ar e os outros, em vez de causar prejuízos e de concorrer para aumentar a doença, façamos como o inveterado fumador suíço que ao entrar no eléctrico, onde todos pagam e são iguais, atira fora o charuto ou o cigarro forte... Se não formos capazes de respeitar o nosso semelhante, por nós mesmos, então que o dr. Santos Jacob [presidente da Câmara de Coimbra de 1929 a 1931] escreva uma proibição que nós cumpriremos, com sacrifício, mas como bons cidadãos. Não fumar nos eléctricos, nem dentro, nem na plataforma», recomendava o autor. M.S.

Deambulavam pelo país à procura de trabalho 26/5/1931

A crise económica e social que alastrou na Europa, também por efeito da Grande Depressão americana do final dos anos 20, reflectiu-se particularmente no drama do desemprego. No dia 26 Maio de 1931, lia-se no Diário de Coimbra que «mais operários se encontram sem trabalho na triste situação de não saberem como hão-de matar a fome a seus filhos». «Portugal, porque é relativamente um país pequeno, um país de pouca indústria, não tem sido teatro do horroroso fenómeno social – a “chômage”. Encontram-se aqui e ali operários sem trabalho. Porém, o aspecto está, recentemente, a modificar-se para pior. Num desses dias voltaram de Espanha alguns milha-

res de operários que costumam ir trabalhar para lá e que tinham sido contratados como acontece já há anos. Fosse porque as classes trabalhadoras espanholas se opusessem, como consta, ou fosse por outra razão, o que é certo é que a situação em que milhares de famílias vão ficar é cruciante, dolorosa», antevia o jornal. Pouco antes, o correspondente do Diário de Coimbra em Mortágua comentava que «a crise de trabalho acentua-se de uma maneira assustadora», para relatar que era raro o dia em que não se via atravessar a vila, «estendendo a mão à caridade pública, “tristes operários sem trabalho”, muitas vezes homens válidos, mas em cujos rostos se divisam os mais aterradores laivos de mi-

D.R.

Muitos desempregados estendiam à mão à caridade

séria». «De longas terras, lutando contra a fome e contra o frio, sem encontrarem, muitas vezes, o bálsamo com que possam mitigar tanta desdita, eles passam... Esmolam, por vezes, envergonhadamente, como há pouco ainda constatamos», observava na crónica que foi publicada a 1 de Maio.

E reportava o caso de «um rapaz novo, encharcado até à medula, trazendo debaixo do braço vários apetrechos de ofício». «Dirigia-se de Porto de Mós à terra da sua naturalidade. Foi educado na Casa Pia, de Lisboa, e serviu, durante algum tempo, em alguns estabelecimentos da capital. Fazia-se acompanhar de uma pobre mulher e de uma pequenita, dos seus 8 ou 9 anos. Confrangeu-nos o coração, ao presenciarmos aquele quadro doloroso. O vento soprava rijamente e a chuva caía em catadupas. E os pobres viandantes, sem nada que os abrigasse das intempéries, continuaram o seu caminho cheio de escolhos. Ontem, foi uma pobre mulher, de indumentária triste, rosto macerado pela miséria. Dizia-

-se viúva e fazia-se acompanhar de cinco inocentes crianças. Operários sem trabalho!», consternava-se o autor. Também o correspondente do jornal nos Casais comunicava que nessa localidade da freguesia de S. Martinho do Bispo tinham passado, em direcção a Coimbra, «dois indivíduos que, interrogados por alguém, declararam que há três meses se encontram sem trabalho». «São de Ílhavo, sendo um estucador e outro pintor, e têm andado à procura de trabalho, sem que até agora o tenham conseguido, andando assim reduzidos à miséria. Traziam consigo as respectivas ferramentas de sua arte, o que denota bem o desejo que têm de trabalhar», informava na notícia publicada a 3 de Abril.


02 | 1 NOV 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias O guarda 131 bem merecia um correctivo 28/6/1931 O comportamento policial nem sempre era adequado e na edição de 28 de Junho de 1931 o Diário de Coimbra, reconhecendo no comandante da PSP «um oficial disciplinador», pedia um correctivo para um seu subordinado, o guarda 131. «Ontem vieram à cidade umas pobres mulheres ali dos lados de Ançã, tendo como meio de locomoção os costumados jericos da aldeia. Chegadas à Praça 8 de Maio, e não conhecendo, coitadas, os modernismos do trânsito, tentaram seguir pela Rua Visconde da Luz, sendo disso impedidas pelo guarda 131. Como o referido guarda não soubesse ou não quisesse indicar-lhes o caminho que deveriam trilhar, prestou-se generosamente a fazê-lo o sr. Luís Gonzaga, pessoa que goza em Coimbra do melhor crédito de homem de bem. Tal facto foi considerado de “casus belli”pelo célebre 131, que, como um possesso, sem qualquer razão a justificá-lo, passou imediatamente a insultar com a maior grosseria aquele nosso amigo, ameaçando-o de prisão e de tudo o mais que entendeu», relatou o jornal, avisando que «os agentes da ordem não podem preparar a desordem!».

Era “cada esguicho” do carro das regas! 18/7/1931 Apavimentação deficiente, ou falta dela, obrigava a regar as ruas da cidade na época mais quente do ano. A 18 de Julho de 1931, o jornal apontava as «boas qualidades» do «carro das regas, mais conhecido por auto-tanque, que serve para apagar o pó das ruas e refrescar as mesmas, para comodidade dos transeuntes», mas deixava um reparo «à maneira como, certas vezes, aquele serviço é feito, sem atenção nem respeito pelos cidadãos». «É cada esguicho!! Ontem, por exemplo, na Avenida Navarro, perto do Hotel Astória, duas criancinhas que ali brincavam ficaram pouco menos que encharcadas. Não haverá maneira de regular a pressão da água, de forma a evitar casos idênticos?», questionava.

22/7/1931 O Diário de Coimbra relatou e apoiou movimento para evitar que as populações fossem privadas do direito a usufruir da floresta costeira

CANICEIRA REVOLTOU-SE E LUTOU EM DEFESA DO “PINHAL DO POVO” blica, comunicando que os «povos, Caniceira e Tocha, concelho Cantanhede, reunidos Coimbra em número superior mil pessoas a fim solicitar Ex.mo Sr. GovernaA luta da populador Civil sua ção é lembrada interferênno monumento cia junto “Aos Caniceiros, Governo Defensores do Pinhal do Povo” para que lhes seja entregue Pinhal da Caniceira ou lhes dê trabalho ou de comer, pedem V. Ex.a revogação decreto que submeteu ao Regime Florestal os Pinhais da Caniceira, plantados pelos referidos povos e por eles desfrutados, que constituem Monumento aos defensores do “Pinhal do Povo” foi vandalizado em Outubro do ano passado único meio de vida de centenas ram mais de mil os ha- entregaram ao governador ci- pretendia «fazer emigrar as fa- pessoas para as quais a perda dos pinhais equivaleria morbitantes de Caniceira e vil, Mário Pais de Sousa, «uma mílias vizinhas do pinhal». «Mas para onde, senhor mi- rerem de fome». da Tocha que no dia 21 extensa reclamação, pedindo Reconhecendo a situação de Julho de 1931 se juntaram a interferência» junto do mi- nistro, se a grande maioria é frente ao Governo Civil de nistro da Agricultura para a paupérrima? O Brasil, para dramática em que a decisão Coimbra, na Rua Larga, em «anulação do decreto que en- onde todos os anos saíam das governamental colocava estas protesto contra um decreto que trega o Pinhal da Caniceira aos nossas terras dezenas de bra- populações da Gândara, o Diáços, fechou-nos as portas. rio de Coimbra desejava que entregava aos Serviços Flores- Serviços Florestais». «O povo acreditava o pinhal Nesta região de pobres é difi- «este bom povo» fosse «atentais a propriedade e gestão do como pertença sua e assim cílima a vida de cada um. Es- dido por quem de direito nos chamado “Pinhal do Povo”. Da floresta costeira, plantada desde longos anos que o qui- preita-nos de perto a miséria seus justos clamores». «Oxalá para travar o avanço das areias nhoava para as suas semen- e a fome bate-nos à porta. Se o Governo acarinhe a pretendunares, retiravam as popula- teiras das eiras contíguas, le- vai por diante a medida go- são justíssima desta pobre ções empobrecidas muitos nhas, estrumes, apascentação vernativa de V.ª Ex.ª, a nossa gente», expressava. Mas esta seria uma longa dos seus meios de subsistên- de gados, etc.. Era, por assim miséria será ainda maior», luta, hoje perpetuada num mocia. Ao ameaçar o livre usu- dizer, o “Brasil” daquela pobre protestavam. Da reunião saíram os mani- numento à entrada da aldeia fruto destes baldios, a intenção gente. Este povo na sua maiodo Estado criou revolta e foi ria paupérrimo não tem, ago- festantes «extraordinariamente da Caniceira, junto à EN 109. em especial o povo de Cani- ra, sequer, onde vá buscar le- bem impressionados», rela- Intitulado “Aos Caniceiros, Deceira, na freguesia da Tocha, nhas para se aquecer, quando tando a notícia que o governa- fensores do Pinhal do Povo”, o que num extenso período da o inverno neva e o trabalho dor civil Mário Pais de Sousa conjunto escultórico da autoria década de 30 se insurgiu e en- escasseia», escrevia o jornal. «prometeu à comissão que ia de José Plácido, inaugurado Uma representação dos ma- imediatamente telefonar ao em 2001, representa homens e frentou as autoridades. O Diário de Coimbra regis- nifestantes, formada por Ma- Governo, expondo-lhe a situa- mulheres do campo e pescatou, na edição de 22 de Julho nuel Rodrigues, Joaquim Car- ção angustiosa que tal decreto dores que, munidos das suas de 1931, um dos primeiros actos doso Gestino, José Maria Silva criou aos referidos povos, a ferramentas de trabalho, endesta contestação popular, não Júlio, José da Silva Julião, Ma- quem manifestou o seu apoio, frentaram as autoridades pelo se coibindo de apoiar a causa. nuel Jorge Veríssimo e José porque bem conhece de perto direito de continuar a usufruir A notícia começava por des- Maria Cardoso Felício, foi re- o assunto e sabe os benefícios desta riqueza natural. Uma luta crever que os populares que ti- cebida pelo governador civil, que o povo tem tirado com a bem sucedida, pois o Estado acabaria por ceder, dividindo a nham vindo de Caniceira e To- a quem entregou uma men- exploração do dito pinhal». No mesmo dia, seria enviado floresta em glebas que districha, «em número aproxima- sagem, dirigida ao ministro, damente de mil pessoas» que questionando se este, com «a pelos contestatários um tele- buiu pela população da fregue«quase enchiam a Rua Larga», execução do citado decreto», grama ao Presidente da Repú- sia da Tocha. M.S.

E

Dançar “por essas ruas fora” até de madrugada

23/6/1931 «É hoje véspera de S. João, noite em que a mocidade alegre, até dia claro, dança e canta, dando assim expansão às suas alegrias. Coimbra, que tem marcado sempre nas fogueiras de S. João e S. Pedro, por certo este ano brilhará mais uma vez, pois que segundo nos consta, da parte dos folgazões do santo casamenteiro há o maior empenho em fazer reviver as tradicionais fogueiras», antevia o jornal, em notícia publicada a 23 de Junho de 1931. Indicava que «no Largo do Castelo há uma fogueira a capricho, encontrando-se à frente dela os srs.António Monteiro eAntónio Paulino, bem conhecidos como dos melhores marcadores do estalado, vira, malhão, etc., e que pelo seu espírito folgazão, decerto saberão dar-lhe o brilho tão tradicional das fogueiras de Coimbra», acrescentando que «também no Largo João Cabreira, Arregaça, Calhabé e outros pontos da cidade, se exibem em fogueiras as mais lindas tricanas de Coimbra, devendo salientar-se, com tradicionais canções, a afamada fogueira do “Chapéu Velho”, à entrada dos Olivais, cujo produto reverterá em favor do Dispensário AntiTuberculoso, do Pátio da Inquisição». O jornal retomava o assunto na edição de 29 de Junho para dar conta de que tinham decorrido «animadíssimas as tradicionais fogueiras em honra de S. João e S. Pedro, tendo-se dançado por essas ruas fora, com extraordinária animação, até de madrugada». «De todas, salientaram-se as do Grupo Recreativo 1.° de Janeiro, Montarroio, Calhabé, Santa Clara, Olivais e Largo do Castelo. Esta última, onde pontificava António Monteiro, mais conhecido por “Calmeirão”, foi duma animação fora do vulgar, ali chamando pessoas de todas as partes da cidade», constatava.


02 | 08 NOV 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Primeira faquir portuguesa “enterrada viva” em Coimbra 13/11/1931 Lilianita viera a Coimbra mostrar o seu número artístico e o jornal publicitou-a não apenas como «a primeira faquir portuguesa», mas também «a mais jovem do mundo, com apenas 21 anos» «Esta faquir que tem feito o assombro dos diversos pontos onde se tem apresentado, conta já 49 enterramentos e faz-se acompanhar do seu professor e massagista, que conta 98 enterramentos», anunciou o Diário de Coimbra a 13 de Novembro de 1931, informando que Lilianita iria ser “enterrada viva”, para «demonstração da sua resistência, no sábado, pelas 21 horas, numa das salas do Ateneu Comercial, perante a presença das pessoas que desejem assistir».

Uma “horta” no Claustro do Silêncio 8/12/1931O Claustro do Silêncio, no Mosteiro de Santa Cruz, requeria «limpeza urgente». «Parece uma horta, onde um hortelão descuidado semeasse a esmo favas e grão-de-bico, roseiras e couves, nabiças e papoilas. Está o que se chama uma autêntica vergonha. Que diabo! É preciso que tenhamos mais respeito por nós próprios. Ao menos, por uma questão de bom gosto...», protestava o Diário de Coimbra.

Havia jogo clandestino na Baixa 5/6/1931 O jogo estava proibido mas, reparava o jornal, «em Coimbra continua-se jogando, nas bochechas de todos nós e das próprias autoridades», e «ainda há bem pouco tempo foi fechada uma casa nesta cidade, por abuso de jogo». «É ali na Rua Visconde da Luz, perto da Praça 8 de Maio, no coração da cidade, que num casarão se dá largas ao jogo do “barac”, que arranca aos que por ele se deixam apaixonar, todas as noites, elevadas quantias, centenas de escudos mesmo», alertava, pedindo a intervenção das autoridades.

8/12/1931 Diário de Coimbra discordava que “preciosidades” do antigo templo renascentista da Alta fossem levadas para o santuário de Fátima

IGREJA DE S. BENTO FOI DEMOLIDA E QUESTIONOU-SE O DESTINO DO PATRIMÓNIO

A

demolição da Igreja de S. Bento, um dos mais representativos monumentos da arquitectura renascentista em Portugal, foi destacada em finais de 1931 pelo Diário de Coimbra, por discordar que peças daquele património fossem destinadas à ornamentação do templo erigido a Nossa Senhora de Fátima na Cova da Iria. Projectada por Baltazar Álvares e integrada no antigo colégio beneditino na Alta de Coimbra, a igreja viria a ser dessacralizada após a extinção das ordens religiosas em 1834. O templo - tal como o edifício de S. Bento, localizado junto ao Aqueduto de S. Sebastião (Arcos do Jardim) - ficou na posse do Estado e o fim do culto acelerou o declínio e degradação de um valioso conjunto patrimonial, que acabou praticamente por se extraviar. Na edição de 8 de Dezembro de 1931, dava-se conta de que tinha começado e seguia «com

D.R.

Península Ibérica». «Acreditamos piamente nessa afirmação, porque é feita por quem tem obrigação de a poder fazer. E porque assim é, porque se deixou sair sem protesto o Após o fim do culto, tecto, os altaa Igreja de S. Bento res e outras foi sala de exames e preciosidaaté ginásio do Liceu des que a acJosé Falcão, que ção do tempo funcionava na Alta não conseguiu destruir? Porque é preciso ornamentar a Igreja da Cova de Santa Iria? Mas nós também aqui temos Peças da antiga igreja estiveram guardadas na Escola José Falcão um templo que precisa de ora maior actividade a demolição preendia é que fosse levado namentação e que envergonha da Igreja de S. Bento». «O facto para o santuário de Fátima o pela sua pobreza e pelo estilo é naturalíssimo e compreende- que de valioso havia na Igreja em que foi construído. Quere-se, atendendo a que aquele de S. Bento, e que ninguém se mos referir-nos à Igreja do Camonumento, há anos abando- insurgisse «contra a saída para lhabé, que ainda não está connado e num estado deveras um bispado e distrito diverso cluída. Porque se não adapta a vergonhoso, estava servindo de das ricas preciosidades que o essa igreja o que existe na de S. Bento?», questionava o jornal. estorvo ao Liceu Dr. José Fal- templo ainda encerra». Dias depois, na edição de 12 Sublinhava depois o recocão, afrontando as importantíssimas obras que ali se estão nhecimento daquele templo de Dezembro, o Diário de realizando», observava o jornal. como «o mais precioso monu- Coimbra congratulava-se por O que, porém, não com- mento de estilo renascença da ter sido «suspensa por ordem

superior a demolição da Igreja de S. Bento, cujo recheio estava destinado ao embelezamento da capela que vai ser construída na Cova da Iria, para a Senhora da Fátima». « A nossa atitude, o nosso sinal de alarme, produziu os necessários efeitos, como se vê pela ordem de suspensão das obras, determinada pelas instâncias superiores. Ainda bem. Pois podia lá ser, podia porventura admitir-se que se deixasse levar do nosso património artístico uma das suas mais ricas preciosidades?», argumentava, concluindo que «levar para a Cova da Iria o que a outros pertence, é que não está certo». Usada por um quartel militar, depois como local de ensaios do Orfeon Académico de Coimbra, sala de exames e até ginásio do Liceu José Falcão, a antiga igreja acabaria por ser demolida no início de 1932, o que possibilitou o alargamento da Rua do Arco da Traição. A Escola José Falcão partilhou com o Liceu Júlio Henriques instalações no Colégio de S. Bento até à fusão dos dois, em 1936, e consequente transferência para o novo edifício na Avenida Afonso Henriques. Ali foram alojadas algumas esculturas em pedra que pertenceram à antiga igreja e cujo regresso ao seu sítio original, na cerca de São Bento (actualmente integrada no espaço do Jardim Botânico), foi anunciado no ano passado pela Universidade de Coimbra. M.S.

Serviço de limpa-chaminés para evitar os fogos 22/12/1931 Não são só de agora os recorrentes incêndios urbanos motivados por falta de limpeza das chaminés. Na edição de 22 de Dezembro de 1931, o nosso jornal noticiou que a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Coimbra, constatando que «a maioria dos incêndios que se manifestam na área da cidade são motivados pela falta de limpeza das chaminés dos prédios», e face à «dificuldade de encontrar criaturas que estejam habilitadas a fazer esse serviço», decidiu criar na corporação dos Bombeiros Municipais «uma

secção especial exclusivamente destinada a esse fim». O regulamento para utilização deste serviço estipulava que os munícipes que desejassem «encarregar permanentemente da limpeza das chaminés dos seus prédios a Secção de Limpeza de Chaminés», deveriam inscrever-se, para esse efeito, na Inspecção de Serviço de Incêndios, pagando «a taxa anual que lhe for fixada segundo a natureza da chaminé». «Neste caso, a responsabilidade da limpeza ficará exclusivamente a cargo da Secção e o proprietário não pagará qualquer multa à Câmara Munici-

D.R.

Incêndios em chaminés devem-se à falta de limpeza

pal se porventura se vier a manifestar qualquer incêndio da chaminé do seu prédio, durante o prazo da subscrição», escla-

recia a deliberação camarária, acrescentando que «os munícipes inscritos terão direito a um máximo de três limpezas anuais, devendo as excedentes, que se reconheçam ser necessárias, ser pagas em separado». Por outro lado, o regulamento indicava que «qualquer outro munícipe pode, embora não inscrito, requisitar também à Secção os seus serviços, mas não ficará isento da multa que vier a caber-lhe em caso de incêndio». Os pagamentos seriam feitos adiantadamente, estabelecendo-se a seguinte tabela de preços: chaminés para uma

cozinha - taxa anual 20$00 e limpeza simples 10$00; chaminés para duas cozinhas taxa anual 35$00 e limpeza simples 17$50; chaminés para três cozinhas - taxa anual 50$00 e limpeza simples 25$00; chaminés para quatro cozinhas - taxa anual 60$00 e limpeza simples 30$00. O último ponto do regulamento assegurava que «a receita produzida por este novo serviço» se destinaria ao «pagamento de todos os encargos do mesmo serviço, devendo o excedente ser aplicado em melhoramentos do serviço de incêndios.


02 | 15 NOV 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Ir ao cinema era mais barato para os leitores do nosso jornal 10/12/1931 Os leitores do Diário de Coimbra passaram a beneficiar de descontos nos bilhetes para sessões no Cinema Tivoli, espaço cultural que durante largas décadas atraiu gerações de conimbricenses à Avenida Emídio Navarro, onde se exibiram grandes produções cinematográficas mundiais. Na edição de 10 de Dezembro de 1931 dava-se conta de que «a empresa do Diário de Coimbra, desejando contribuir quanto possa para beneficiar os seus leitores, conseguiu que a empresa do Cinema Tivoli acedesse ao seu pedido, consentindo o importante desconto de 30% em qualquer bilhete para os espectáculos de sábado e matinée aos domingos». Para obter o desconto, esclarecia, «basta apenas que os nossos leitores apresentem nas bilheteiras daquele elegante cinema o coupon que em cada um daqueles dias o nosso jornal publicará com o respectivo programa». «Este benefício em favor do público, que muito representa de sacrifício para a empresa do Tivoli, é importantíssimo. Cumprimentando os beneficiados por esta nossa iniciativa agradecemos à empresa do Tivoli a sua aquiescência ao nosso pedido», lia-se na nota do jornal.

Cidade invadida por “quantidade enorme” de cães 12/12/1931 «Chamam a nossa atenção para o facto da cidade ser todos os dias invadida por uma quantidade enorme de cães, que habitualmente enxameiam os locais mais concorridos, servindo de gáudio à rapaziada que por vezes lhes inflige maus tratos». O Diário de Coimbra, na edição de 12 de Dezembro de 1931, alertava para este «espectáculo, que é indecoroso e necessita de ser reprimido». «O que se não torna demasiado difícil se porventura se cumprir a lei. É preciso retirar à cidade o aspecto de uma aldeia sertaneja que ela por tal motivo apresenta», apelava, pedindo a intervenção da Câmara e PSP.

4/12/1931 Sarau de Gala no Teatro Avenida complementou distinções atribuídas pelo Governo e pela Câmara no cinquentenário do grupo coral da Academia

DIÁRIO DE COIMBRA PROMOVEU HOMENAGEM AO ORFEON ACADÉMICO

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ma «festa apoteótica». Foi assim que o nosso jornal adjectivou o “Grande Sarau de Gala” que teve lugar no Teatro Avenida a 4 de Dezembro de 1931, em homenagem ao Orfeon Académico de Coimbra. Promovida pelo Diário de Coimbra, a iniciativa justificava-se não só pelo mérito artístico e social do organismo cultural da Associação Académica, que completara 50 anos de existência, como pela vontade de assinalar publicamente e com as devidas honras a comenda da Ordem da Instrução que o Governo lhe outorgara a 5 de Outubro. Já na edição de 13 de Maio desse ano o Diário de Coimbra confessava a maior simpatia pela colectividade coral que o estudante de Direito João Arroio fundara em 29 de Outubro de 1880 para participar nas comemorações do tricentenário da morte de Luís de Camões. «O Orfeon tem perdurado na Academia de Coimbra como um dos organismos de maior acção e importância para a formação e estreitamento da solidariedade académica. Mas além do seu aspecto de obra meramente escolar, o Orfeon Académico de Coimbra, como elemento de cultura artística tem marcado uma atitude nobilitante e elevada nos meios intelectuais portugueses, pelo relevo que dá às obras musicais

grau de comendador da Instrução, adquiridas mediante subscrição pública. O sarau, que o TeatroAvenida acolheu no dia 4 de Dezembro, foi «qualquer coisa de imponente», noticiou o Diário de Coimbra no dia seguinte. «Cumpriu-se integralmenReceitas do sarau te o programa reverteram para da festa em doentes oncológicos pobres e um honra do Orjornalista que pasfeon Académisava dificuldades co, que em sucessivos números publicamos. Foi o que se chama uma festa apoteótica, uma homenagem sinceríssima, aquela que a cidade de Coimbra ontem prestou ao mais alto expoente artístico da nossa terra. Coimbra pagou assim uma dívida que há muito tinha em aberto», começava a reportagem, confessando depois o orgulho do jornal em ter sido organizador e agradecendo Iniciativa do jornal teve grande acolhimento na cidade a todos os que contribuíram de compositores estrangeiros pelo Governo com a comenda para o sucesso do evento. «Senhoras com vistosíssimas e nacionais, interpretando clás- da Instrução, também a Câsicos e modernistas, execu- mara Municipal, em 26 de No- “toilettes”, cavalheiros em traje tando trechos de música po- vembro de 1931, brindou o de gala, punham uma nota arispular regional, contribuindo, as- grupo académico com o título tocrática naquela festa em honra de uma mocidade arsim, para uma formação mais de “Benemérito da Cidade”. O Diário de Coimbra enten- dente que tanto tem prestigiado culta das nossas camadas sodeu que era chegada a hora de Coimbra e tão alto tem sabido ciais», enaltecia o artigo. Aplaudido no país e em di- a cidade testemunhar apreço elevar o nome da colectividade gressões ao estrangeiro, o valor ao grupo académico e assumiu a que pertence. Cerca das artístico do cinquentenário Or- a organização de uma sessão 21h30, deu-se início à festa, feon projectava o nome de cultural para a simbólica im- tendo o “Almeidita Jazz”, que Coimbra e havia que fazer-lhe posição, no «estandarte do glo- graciosamente nos trouxe a sua justiça. Depois de distinguido rioso Orfeon», das insígnias do colaboração, executado o Hino

O Orfeon Académico foi fundado em 1880 por João Arroio para actuar nas comemorações do tricentenário da morte de Camões

Académico, que foi escutado em religioso silêncio. Seguidamente, e em meio de uma estrondosa salva de palmas, procede-se à aposição das insígnias na gloriosa Bandeira do Orfeon, pelos srs. Governador Civil e Reitor da Universidade. Foi um momento solene e empolgante. Uma nova salva de palmas ecoou pelo vasto “hall” do Teatro. O país e em especial Coimbra tinha saldado a dívida de gratidão contraída para com o Orfeon», prosseguia o relato. Ponto alto do sarau, este momento simbólico teve em palco, a rodear o estandarte, o governador civil, Albino dos Reis, o reitor da Universidade, João Duarte de Oliveira, além de figuras como Bissaya Barreto, Sanches da Gama, Fézas Vital, José de Sousa Varela (primeiro director do Diário de Coimbra) e os regentes do Orfeon António Joyce e Elias de Aguiar. A finalizar a primeira parte, o Orfeon maravilhou a assistência com obras musicais da “prata da casa”: Raposo Marques, Elias de Aguiar e António Joyce. «Impecáveis de disciplina, de ritmo, de musicalidade, aquelas dezenas de gargantas. Mais uma vez o OrfeonAcadémico se afirmou a maior e a mais equilibrada organização artística do nosso país. A multidão rompe em aplausos, que distinguem especialmente o sr. dr. Elias de Aguiar, obrigando o Orfeon a bisar alguns números e a cantar outros, extra-programa», descreveu o jornal. O sarau, que «terminou a uma hora bastante adiantada», incluiu ainda na segunda parte um momento teatral com «magnifica interpretação dos artistas consagrados» Ilda Stichini e Alexandre de Azevedo - «aplaudidíssimos» - e na terceira parte fados e guitarradas, em que Jorge de Morais (Xabregas), Fausto Xavier, Serrano Baptista, Monteiro Lopes e Alexandre de Azevedo «brindaram a assistência com alguns números primorosos do seu programa». E a reportagem terminava deste modo, em nota de rodapé: «À hora do nosso jornal entrar na máquina um numeroso grupo de académicos subiu à nossa redacção e cumprimentou-nos efusivamente pelo triunfo do Sarau de Gala em honra do Orfeon». M.S.


02 | 22 NOV 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Praga de grafonolas que não deixavam trabalhar... 25/8/1930 O redactor da coluna “Ao correr da pena”, na primeira página da edição de 25 de Agosto de 1930, mostrava-se incomodado com as sonoridades provenientes de aparelhos de discos e radiofonia, cada vez mais comuns nas casas particulares, que invadiam os espaços públicos e perturbavam quem necessitava de alguma concentração para trabalhar. «A praga das grafonolas tem invadido de tal maneira todas as ruas da cidade que não há forma de fugir a esta espécie de música de conserva, espalhada, de manhã à noite, num torturante enervamento. Mesmo aqui, perto da nossa redacção [o Diário de Coimbra funcionava então na Rua do Quebra Costas], há uma grafonola que teima em não nos deixar escrever tranquilamente. É um suplício de Tântalo o nosso, presos à nossa obrigação profissional e castigados pela impertinente voz roufenha dos muitos cantores de fados e dos variadíssimos “fox-trots” barulhentos e selvagens», lamentava-se o autor, que terminava o apontamento questionando se «não haveria maneira de condicionar esta música incómoda e importuna», se «não haveria maneira de libertar a humanidade, pelo menos, por algumas horas, desta tremenda estopada?».

Carruagens em estado vergonhoso 12/4/1931 O jornal chamava a atenção para o «estado muito vergonhoso» de algumas carruagens dos comboios que ligavam Coimbra e «a vizinha e amiga cidade da Figueira da Foz». «A continuar assim, avulta o descrédito da Companhia e é natural que avulte igualmente a concorrência que lhe é feita por automóveis e camionetes. Além do que é anti-turístico e anti-higiénico aquele estado. Esperamos que a C.P. atenda as nossas reclamações e que o público que se serve do comboio encontre nele instalações que o não aborreçam», lia-se na edição de 12 de Abril de 1931.

1930/31 O jornal procurou mobilizar as “forças vivas” para uma aspiração que interessava aos interesses económicos da cidade e da região

COIMBRA QUERIA CAIXA FILIAL EM VEZ DE AGÊNCIA DO BANCO DE PORTUGAL

Um vento de loucura fustiga as nações... D.R.

FERREIRA SANTOS

do Banco de Portugal à categoria de Caixa Filial, a vantagem é dinheiro barato por muitas mãos», concluía o artigo. O repto lançado teve efeitos e constituiu-se uma comissão, representativas das “forças vivas”da cidade, que foi à capital «tratar de vários assuntos de interesse Em 1930, o movipara Coimbra e em mento da Agência especial da criação de Coimbra destada Caixa Filial do cava-a entre as delegações do Banco de Portugal». Banco de Portugal Chefiada pelo governador civil, a comissão regressou de Lisboa com a confiança de que o assunto estaria bem encaminhado e o jornal informou, na edição de 13 de Dezembro de 1930, que a Agência do Banco de Portugal funciona no Largo da Portagem desde 1 de Novembro de 1912 direcção do Banco de Portugal nstalada desde 1912 no edi- cessão de empréstimos, câm- dotação para descontos, o que «teria dito “que achava interesfício do Largo da Porta- bios e depósitos, em concor- é uma injecção de sangue eco- sante a pretensão e absolutagem, a Agência de Coim- rência com os demais bancos nómico que virá rejuvenescer mente viável”, e “logo que fosse bra do Banco de Portugal não comerciais, tendo chegado a a vida produtiva citadina, que oportuno se satisfaria esse deservia adequadamente os in- possuir uma rede de 31 corres- virá regenerar os seus organis- sejo de Coimbra”». «Não sabemos quando será teresses económicos da ci- pondentes bancários espalha- mos económicos, permitindo-lhes uma mais extensa acção o momento julgado oportuno dade e da região, levando o dos pelo distrito. No dia 21 Agosto de 1930 no- e uma mais intensa actividade pelos srs. directores do Banco jornal, logo no primeiro ano de Portugal. Mas entendemos da sua existência, a envolver- ticiou o nosso jornal as diligên- nos seus negócios». «As taxas de empréstimos que a comissão que esteve em -se numa campanha para ele- cias da Associação Comercial var aquele serviço bancário à e Industrial de Coimbra para se que o Banco faz passam a ser Lisboa não deve descurar o astransformar em Caixa Filial a as de Lisboa, e consequente- sunto», avisava o Diário de categoria de Caixa Filial. A instituição bancária, em Agência do Banco de Portugal, mente, taxas mais baratas, o Coimbra. E com razão, porque, contrapartida ao monopólio da «uma velha aspiração do co- que é também uma das mais observava mais tarde, a 14 de emissão de notas e moedas que mércio e indústria de Coimbra, altas vantagens que a mudança Março de 1931, «as autoridades contratara com o Governo em que hoje, pelo seu desenvolvi- de categoria da Agência con- que têm competência para re1887, estava obrigada a criar mento nos últimos anos, mais sigo traria. E, numa época de solver este assunto permanecrise monetária e financeira, cem num mudismo prejudicial, caixas filiais e agências em to- do que nunca se justifica». Em numerosos artigos, ba- como a que atravessam as for- numa inépcia inqualificável». das as capitais de distrito, tendo Da parte do Banco de Pora agência de Coimbra come- teu-se o jornal por um melho- ças económicas, esta vantagem çado a funcionar a 3 de Feve- ramento que interessava «a to- não é para desprezar», subli- tugal percebeu-se depois a reiro de 1891, inicialmente em dos, grandes e pequenos, co- nhava, adiantando que, «como falta de interesse ou de voninstalações do Governo Civil, mércio, indústria, agricultura e Caixa Filial, a delegação do tade em atender a pretensão, na Alta da cidade, e depois em particulares», desafiando a As- Banco de Portugal em Coimbra mas a crítica principal aponedifício próprio, construído no sociação Comercial e Industrial passaria a ter uma grande au- tava à falta de insistência e má Largo da Portagem e inaugu- a liderar um movimento de tonomia administrativa, toma- orientação das diligências rearado a 1 de Novembro de 1912. «forças vivas da cidade» para ria resoluções de “motu-pró- lizadas. «Uma comissão que reSe hoje ao Banco de Portugal levar «a bom termo tamanha prio”, sem consultar a sede de presentasse na verdade o quecompete fundamentalmente o aspiração». «Há incontestáveis Lisboa, como agora tem de rer da região e que tivesse ponpapel de banco central, de re- vantagens, para a cidade, para consultar, simplificando os ser- derado os seus passos já teria gulação e supervisão do sector a sua vitalidade económica», viços em expediente e tempo, visto atendidos os seus desejos, financeiro, antes da nacionali- justificava, a 19 Novembro de com vantagens para a clien- que são os de todos nós», lazação da banca (em 1975) pres- 1930, indicando entre as prin- tela». «Em resumo: para Coim- mentava o jornal na edição de tava serviços de desconto, con- cipais «o facto de aumentar a bra, com a elevação daAgência 29 de Junho de 1931. M.S.

I

23/1/1931 O Diário de Coimbra publicou na edição de 23 de Janeiro de 1931, em primeira página, uma interessante reflexão sobre os efeitos nos comportamentos sociais que permaneciam ainda uma década depois de terminar a Grande Guerra de 1914-1918. «Após a guerra, como consequência da tensão nervosa com que vibraram os espíritos que assistiram ao desenrolar desse grande drama, e lhe sofreram os duros efeitos, como que uma nevrose ou uma loucura se apoderou de todos, não lhe resistindo as mais fortes mentalidades, e o mundo encaminha-se, em desvario, numa senda incerta e imprevista, sem uma estrela - seja ela a Moral, seja ela a Religião - a guiar os passos da caravana desnorteada», observava o autor. E prosseguia o texto: «O que vemos é o crime a imperar; o que notamos, são as consequências dessa nevrose, quebrando laços e direitos, e mostrando a vida como uma luta fratricida, a pior das lutas, onde, num egoísmo desenfreado, se chocam as mais vis paixões, os mais sórdidos desejos. É o crime - exposto muitas vezes em pormenorização excessiva e prejudicial pela grande imprensa, seja o roubo, seja o assassinato, seja o lenocínio, seja o suicídio. Qualquer destes aspectos é frequente, quotidiano, na vida das nações, como se as almas ainda andassem atormentadas por crise de sossego». «A moral desapareceu do mundo; um vento de loucura fustiga todas as nações, todos os indivíduos, em sinal de desequilíbrio social. É preciso restaurar a moral, reintegrar no mundo o equilíbrio estável que garante a prosperidade e a felicidade das sociedades que essa é a sua finalidade, na calma natural da existência, quando amainar o vento de loucura que ora sopra», concluía.


02 | 29 NOV 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Montes de lixo e dejectos na Rua das Padeiras 21/7/1931 Ainsalubridade era, nove décadas atrás, um problema que afectava algumas zonas centrais da cidade de Coimbra, onde muitas habitações careciam de saneamento básico. No dia 21 de Julho de 1931 o jornal publicou, na coluna “Ao correr da pena”, a seguinte nota, com o título “Dejectos e mais dejectos”: «O nosso prezado assinante sr. Ferrer Leite pede-nos que chamemos a atenção das autoridades - Câmara e sr. Comandante da Polícia - para o estado miserável em que se encontra a Rua das Padeiras». «Os montes de lixo sucedem-se! As moscas, atraídas pela imundície, constituem verdadeiras nuvens! Os moradores que não têm, na generalidade, esgotos, pelas dez horas da noite deitam à rua, embrulhadas em jornais, as mais autênticas porcarias! Quem passa, sujeita-se por vezes a uma regadela, mal cheirosa. Ao sr. Comandante da Polícia, para que aplique as multas do estilo. À Câmara, embora o nosso pesar pela herança terrível que recebeu, a sua atenção imediata, até onde for possível! Em nome da higiene citadina», apelava o Diário de Coimbra.

Aplausos para transparência municipal 25/7/1931 Afonso José Maldonado substituiu, em 1931, o médico João dos Santos Jacob na presidência da Câmara de Coimbra, mostrando vontade de tornar mais transparente aos cidadãos a gestão municipal. O jornal aplaudiu, informando na edição de 25 de Julho de 1931 que a autarquia decidira «tornar público tudo quanto resolva nas suas sessões, para o que fornecerá aos jornalistas, ou a quem lho solicite, as respectivas notas». «Muito e muito bem! Esta coisa de se viver num regime do “nada se diz”não estava certo e bem andou a Comissão Administrativa do sr. dr. Maldonado em revogar o que sobre o assunto a câmara transacta, ou por outra, o seu presidente, havia estabelecido», elogiou.

10/7/1931 Uma crónica publicada há quase 90 anos no Diário de Coimbra previa que apenas em 2030 toda a população portuguesa saberia ler e escrever

concluindo, com ironia, que «se teórica e retoricamente o povo precisava de instrução e mais instrução e muita instrução, praticamente precisava mais de... Guarda Republicana». No ano de 1925, prosseguia o texto, a percentagem dos analfabetos «baixara ainda assim para 56%, de 70 que era em 1910 e de 65 em 1920». «Nesta proporção, no ano 2000 chegaremos aos 21,5% de analfabetos e só no decénio D.R. 2030 e 2040 o analfabetismo crónica, publicada no viria a desaparecer em PortuDiário de Coimbra a gal. Urge portanto intensificar 10 de Julho de 1931, a guerra-santa, combater o começava por relatar o caso analfabetismo que nos avilta de dois mancebos que chegacomo nação e individualmente ram a um quartel alemão padiminui e restringe o potencial ra o recrutamento militar, onde trabalho», frisava o autor. de confessaram não saber ler Havia no entanto ranem escrever. zões para ter espe«O facto, por insólito e inesrança, pois a «conperado, produziu escândalo. Portugal permasoladora» evoluAbriram-se inquéritos e foram nece no topo da ção da frequênordenadas sindicâncias, a fim tabela dos países cia escolar perde se averiguar quem fora o europeus com mitia «tirar a conculpado daquele caso anómalo maior taxa de analfabetismo clusão, lógica e nae escandaloso, como se pudera tural, de que a perdar acontecimento tão estracentagem dos analfanho e bizarro», descreveu o jorbetos diminui em progresnal no texto que destacou na são crescente de ano para ano». primeira página, com o título «Eis o número de escolas pri“Aspectos do Analfabetismo”. márias existentes nos diferentes O exemplo servia para ilusanos: em 1925-26, 7126; em trar a diferença abismal, na A educação escolar é fundamental para a melhoria das condições de vida dos cidadãos 1926-27, 7174; em 1927-28, 7489 taxa de literacia, que nos distanciava de países do norte e dos portugueses sem qualquer mormente as chamadas “elites” clamada e rufada aos quatro e em 1928-29, 7491.Apopulação intelectuais, têm o indeclinável ventos. Mas uma estatística que escolar primária era, respecticentro da Europa, como a Ale- educação escolar. Um “cancro moral” que le- dever de contribuir para a ex- tenho presente diz que se em vamente em cada um desses manha, Suíça, Dinamarca, Suécia e Noruega, onde as per- sava a cidadania, atrasava o tirpação desse cancro que rói a 1911-1912 gastávamos com a anos, de 316.888; 318.437; centagens de analfabetismo país e dava má imagem de Por- alma da Nação: o analfabe- instrução primária 1.758 contos 321.234 e 340.622», justificava, e com a Guarda Republicana acrescentando que «assim, tenrondavam 0,05% no primeiro tugal no exterior. Era urgente tismo», preconizava o autor. No entanto, observava, «bem 718 contos, no ano económico do o número de escolas primáresolver «um dos maiores proquartel do século XX. «Quem nos dera que em blemas sociais», e «se ao go- pouco se tem feito nesse sen- 1924-1925 gastaram-se, respec- rias aumentado em 365, num cada incorporação de recrutas verno da Nação incumbe in- tido e com esse fim». «As esta- tivamente, 13.782 e 28.123 con- período de quatro anos, e a freaparecessem só dois analfa- discutivelmente tal dever, a to- tísticas são tristemente expres- tos. Quer dizer, as despesas com quência escolar em 23.734 alubetos», desabafava José Bran- dos os portugueses cabe tam- sivas a tal respeito. Herdámos a instrução primária aumenta- nos, durante o mesmo período, dão, o autor do artigo, lem- bém o de auxiliarem o governo da monarquia uma percenta- ram apenas 8 vezes, ao passo não será despropositado supor brando que as estatísticas, re- nessa cruzada, nessa guerra gem de 70% de analfabetos, eis que as da Guarda Republicana que o número de analfabetos ferentes a 1925, indicavam 56% santa». «Todos os portugueses, uma verdade dita e redita, pro- subiram 40 vezes!», lamentava, tenha decrescido consideravelmente desde 1925». «Tudo leva a crer que assim seja e que, seguindo as progresEscolas primárias abriram à noite em 1930 para ensinar analfabetos sões apontadas que são um facto estatístico desde 1925, anEm 1930, o número preocu- les que não podem fre- meu, Santa Clara, Sé Nova e feminino de S. Bartolomeu e tes do ano 2030 se extinga em pante de analfabetos levou o quentá-las de dia ou que têm, Celas, e para o sexo feminino masculino de Santa Clara», e Portugal esse analfabetismo Ministério da Instrução Pú- ou gosto, ou necessidade de apenas as escolas de Eiras, «os restantes ainda não, por que é uma autêntica vergonha blica a disponibilizar escolas aprenderem a ler, aqueles que Santa Cruz e Santa Clara. As falta de instalação eléctrica nacional», calculava o autor. Dados do Instituto Nacional primárias para a frequência de desejam instruir-se», escreveu aulas, para maiores de 15 anos, um, por insuficiente frequêncursos nocturnos. O Diário de na edição de 26 de Novembro. funcionariam das 20 às 22h00, cia os outros, devido, talvez, de Estatística, baseados no CenCoimbra, saudando o decreto O ensino era separado e, no desde que com 20 alunos ins- ao desconhecimento de tão sos de 2011, indicam que há de 5 de Agosto, incentivou os concelho de Coimbra, tinham critos. No dia 3 de Dezembro, útil benefício». «Digam a todos ainda cerca de meio milhão de que não sabiam ler e escrever sido destinadas a acolher en- o jornal informava que dos os analfabetos que devem ir analfabetos em Portugal (5%). a inscreverem-se nas aulas à sino nocturno para o sexo cursos nocturnos criados na para as escolas nocturnas Conseguiremos, no decénio noite. «As escolas primárias masculino as escolas de Eiras, cidade de Coimbra estavam a aprender, para que possam que falta, cumprir a previsão passam a funcionar de noite, Marmeleira, Cernache, Casais, funcionar «com boa frequên- melhorar as suas condições de que o Diário de Coimbra publicou há quase 90 anos? M.S. com cursos destinados àque- Ceira, Santa Cruz, S. Bartolo- cia o masculino da Sé Nova, vida», exortou o jornal.

ERA URGENTE RESOLVER O ANALFABETISMO, “CANCRO” QUE ROÍA A ALMA DA NAÇÃO

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02 | 6 DEZ 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Roubou ao anfitrião uns sapatos de senhora 16/6/1930 O correspondente do Diário de Coimbra no Rabaçal informou que «um grande grupo da vizinha freguesia do Zambujal foi à N.ª Sr.ª do Pranto em Dornes com a bandeira da sua igreja, seguindo assim o uso e costume de há muitos anos». «Fez-se acompanhar duma excelente tuna, carros alegóricos, etc., o que despertava a atenção dos povos por onde passavam. No regresso pernoitaram no lugar dos Cabaços [Alvaiázere], numa casa gentilmente cedida para tal fim. Mas, uma mulher do grupo chamada Joana Mendes Longo, do lugar do Zambujal e abastada proprietária, roubou ao dono da casa uns sapatos novos de senhora, metendo-os na saca do farnel. Quando o roubado deu por tal, meteu-se num automóvel e foi sair à frente do grupo, passando uma busca em todas as sacas. Os sapatos foram encontrados na posse da mulher acima referida. É este o assunto do dia, tanto mais que parece ser useira e vezeira em tais proezas», rematava a notícia publicada na edição de 16 de Junho de 1930.

Foi “um belo banho” e podia ser bem pior... 17/7/1931 Na coluna “O Diário nos arrabaldes” de 17 de Julho de 1931 o correspondente em Taveiro relatou que «no sábado passado, cerca das 17 horas, um grupo de raparigas composto por Mariana Veiga, Emília Sousa, Maria Leite, Joaquina Saramago, Maria Ramalho e Mariana Correia, ao dirigirem-se para o campo e tendo de atravessar o rio, para não molharem os pés convidaram o sr. António Folhas, de Reveles, desta freguesia, a passá-las de barco, ao que o rapaz se prontificou. Quando chegaram ao meio do rio, começaram a brincar com o barco a pontos do rapaz deixar a vara cair à água. Mesmo assim continuaram com as mesmas brincadeiras, o que deu origem ao barco voltar-se, apanhando elas um grande susto e um belo banho... Felizmente, não houve outros desastres».

8/7/1931 “Rumores estranhos” e “gemidos misteriosos” atraíam multidão de curiosos. Alguns, mais afoitos, aventuraram-se “a esclarecer o enigma”

rece... fábrica de espíritos!» Alguns – «uma dúzia de matulões, mais afoitos» – aventuraram-se numa dessas noites «a esclarecer o enigma». «Na hora própria, já com um razoável elenco à volta deles a estimulá-los, forçaram as portas, que facilmente cederam, e entraram no edifício, ultimamente utilizado como depósito de cal hidráulica, cimento e outros materiais de construção. Valentes como os BELA COUTINHO. que são, os denodados camcorrespondente do peões, à cautela, foram-se muDiário de Coimbra na nindo de um verdadeiro arseFigueira da Foz não nal de pedras e calhaus, estapoupou na adjectivação para dulhos, escopetas, bacamarzombar dos “valentes” que há tes, lanternas e lampiões, e não 89 anos, numa demanda pelos sei mesmo se metralhadoras! “espíritos”, invadiram uma anIndagaram. Coscuvilharam. tiga fábrica de moagem em Rastejaram. Pé aqui, olho zona central da cidade. acolá, ouvido alerta, coO picaresco episódio, relaração alvoraçado. tado na edição de 8 de Julho Câmara decidiu Percorreram todos de 1931, teve como palco o em 5 de Abril de os escaninhos, esedifício fabril abandonado 1939 comprar edifíquadrinharam que existiu junto ao Jardim cio à Companhia de como podengos Municipal da Figueira da Foz Moagem do Centro na cola de caça e, a crer na imaginação popude Portugal grossa. E nada!». lar, povoado de almas do ou«Dos “espíritos”, nem tro mundo. raça! Não tugiram nem mu«Há dias, entre o povinho, cogiram! Só o bater de asas de começou circulando que daquele rujas, que ali estabeleceram vienorme casarão desabitado da veiro e que ao pressentirem fracassada fábrica de moagem, Edifício dos Correios foi construído sobre parte de antiga fábrica de moagem na Figueira da Foz ruído e luzes ruflaram amotipróximo do Jardim Infante D. O caso, continuava o relato, nadas, e o grunhir de ratazanas, Henrique, partiam rumores es- rem «na ordem do dia». «São Estendal, a multidão de curiotranhos, gemidos misteriosos chamados para tudo. Em re- sos cresce, engrossando a cada «repete-se há duas ou três nos baixos do edifício, fugindo durante a noite. E houve logo sumo: conquistaram o mer- momento. E é de vê-los, aten- noites, sem variantes, com o espavoridas, do tamanho de futos e solenes, com cara de caso, gáudio do rapazio que do rões. Mobilizou-se um arsenal quem, sem mais inculcas, atri- cado», ironizava. E prosseguia, no mesmo espiando o mais leve rumor: caso tira um partidão por mó- para combater um exército... de buísse o caso a obra de espíritos», começava o texto, não as- tom zombeteiro: «Ora os es- não vão os espíritos fazer-se dico preço e de alguns ratões corujas e ratazanas!», escarnesinado, publicado na coluna píritos gemebundos da fábrica ouvir - sem que lhe recolham que não perdem o seu tempo cia o texto. Cá fora, a multidão, «vagadas notícias da Figueira da Foz. de moagem têm revolucio- misericordiosamente os sus- galhofando dos vários aspecO autor – supomos que Má- nado meio mundo circuns- piros. Alguns afirmam e pro- tos anedóticos da farsolice - mente inquieta por trágicos rio Azenha (o primeiro corres- crito àquele bairro e adjacen- testam que os ouvem. Que até porque duma autêntica far- pressentimentos, aguardava, pondente do jornal naquela ci- tes. Há algumas noites, de- parece que ressonam de asso- solice se trata. E eis como, impaciente, o desfecho da dade) – explicava os aconteci- fronte do edifício em referên- bio! Outros negam. E ainda ou- quando mal nos precatamos, aventura». «Nesta altura entra mentos por os espíritos esta- cia, e nas traseiras, na Rua do tros não afirmam nem negam». a fábrica de moagem nos apa- a polícia. E lá dentro, nos altos e nos baixos do enorme casarão, houve correrias, jogos de escondidas, torneios de cabra Dezenas de “espadachins” saíram do edifício de mãos a abanar cega, entre os aguerridos esquadrinhadores de “espíritos” Nos dias seguintes o corres- animosos e aguerridos, fa- disparatada celeuma não rência: uma como que inspi- e os agentes da ordem, que pondente do jornal na Fi- zendo a todo o prédio uma provém de outra coisa que ração prolongada e sibilante, prevenidos pelo arrendatário gueira da Foz voltou a dedicar batida em forma, sem quais- não sejam as pequenas aves que ecoando no silêncio pro- do prédio, se dirigiram ao lomais dois textos ao assunto. A quer resultados. Mais uma rapineiras nocturnas, que às fundo, tem qualquer coisa de cal, para engazupar os assal12 de Julho, informava que «o vez ludibriadas todas as ex- ruínas do enorme casarão majestoso e de impressio- tantes - o que não sem grande caso dos espíritos da Fábrica pectativas! E algumas havia, abandonado foram buscar nante», avançava o autor co- trabalho conseguiram. E asde Moagem» continuava «a que beatificamente ungidas guarida; as corujas ou, mais mo a explicação que lhe pa- sim acabou a picaresca avenandar na berra». «A noite pas- de superstição, vislumbra- propriamente, os corujões, recia mais lógica para «os fa- tura que teve, pelo menos, o sada, o sr. administrador do vam coisas pávidas e estra- espécie menos rara de outra mosos espíritos malignos, al- condão de sacudir, por moconcelho, dirigindo-se ao lo- nhas, de almas do outro envergadura, mais conheci- mas penadas ou lá o que é, mentos, a molangueira sonocal, franqueou as portas ao mundo penando em concí- dos por “bufos”, cujo resfole- que todas as noites dão re- lência do nosso meio, e que público - segundo o costume lios tenebrosos. Não faziam gar se assemelha àquele de cepção aos pategos e basba- aos seus heróis ingratamente apinhado defronte do edifício. aquilo por menos! A nosso que se apercebe toda a pes- ques ali, ao Jardim - no enor- concedeu, como prémio, as táLogo dezenas de “espada- ver, o ruído em torno do qual soa que se aproxime, ouvido me casarão inacabado da fá- buas negras duma enxovia», concluía o relato. M. S. chins” entraram de roldão, se tem levantado toda esta à escuta, do prédio em refe- brica de moagem».

CAÇA AOS “ESPÍRITOS” NA ANTIGA FÁBRICA DE MOAGEM DA FIGUEIRA

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02 | 13 DEZ 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Navegador solitário aportou na Figueira 1/8/1931 Na coluna das notícias da Figueira da Foz relatava-se, no primeiro dia de Agosto de 1931, a entrada no porto desta cidade de um pequeno barco - «7,5 de comprimento por 2,40 de boca» - em que o «desportista finlandês Jalo Salmela, de 29 anos, se propõe bater, sozinho, o recorde à volta do mundo, em quatro anos». «O temerário navegador solitário, que tem um aspecto rude e hirsuto de lobo do mar, saiu em 4 de Outubro da Finlândia. De Vigo, último porto em que tocou, entrou em águas portuguesas, demandando a Figueira. Daqui tenciona fazer-se ao mar, para fazer a travessia do estreito de Gibraltar, com destino às costas do Japão, e com escala pelos portos de Lisboa, Olhão e Faro. O aspecto do pequeno barco, que chegou aqui em péssimas condições de navegabilidade, é de extrema penúria. Semelha uma inverosímel casca de nós, com um palito por mastro e uma mortalha de cigarro por vela. A bordo não traz mantimentos. Quando estes lhe faltam, aproa para a linha de navegação, aguardando a passagem de algum barco que compassivamente lhos forneça.Autêntica mendicidade transoceânica. Em compensação à falta de comestíveis, não lhe faltam música e outras diversões do mundo civilizado: um posto de T.S.F. e um gramofone com grande número de discos. Navega de noite e dorme de dia. Espírito de precaução: de noite alega que pode ser cortado por algum barco, de dia todos o vêem», escreveu o correspondente do Diário de Coimbra.

Agredido à dentada 13/7/1931 Noticiou o jornal que nos Hospitais da Universidade de Coimbra recebeu tratamento «o despachante Germano Rodrigues, de 45 anos, residente na Marinha Grande, de ferida contusa na parte do dorso do nariz, motivada de uma enorme mordedura humana», e que «depois de pensado recolheu a casa».

13/5/1931 De automóvel ou autocarro, à vinda do santuário muitos romeiros do Norte e das Beiras aproveitavam para visitar a cidade

MILHARES DE PEREGRINOS INVADIAM COIMBRA NO REGRESSO DE FÁTIMA

Bairro de Montes Claros em “estado de abandono”

ARQUIVO

Diário de Coimbra relatava o «movimento desusado e extraordinário» dos romeiros na Baixa, na noite anterior, que atraiu «muitos conterrâneos nossos propositadamente à importante artéria citadina» para «gozar esse interessante espectáculo». «Alguém que foi a Reconhecimento Fátima, afirmou-nos oficial das aparique deveriam estar ções pela Igreja, em 1930, incremenlá para cima de cem tou as peregrinamil pessoas e que os ções a Fátima diversos meios de locomoção se contavam por milhares, ocupando uma área enorme de estrada», continuou o jornalista, terminando o texto com uma curiosidade: «Um grupo de coMuitos peregrinos escolhem ir a pé a Fátima para cumprirem promessas merciantes da Portagem cone hoje a imagem dos para evocar com enternecida situação», sentia «como ne- seguiu da autoridade permisperegrinos está espe- emoção o milagre anunciado nhuma outra cidade a influên- são para o comércio estar oncialmente associada pelos pastorinhos, na tarde ma- cia da romaria de Fátima», con- tem aberto até às 23 horas. aos caminhantes, movidos por ravilhosa e resplandecente de cluindo que se os resultados Tendo-se esquecido, porém, fé inabalável que ajuda a su- sol em que a Senhora de Fá- económicos desta intensa ani- de comunicar o facto aos seus perar o esforço de longos qui- tima se fez conhecer para a mação «são apreciáveis, os efei- colegas, resultou que quase só lómetros a pé, nos primeiros adoração dos crentes e fiéis. To- tos espirituais são perduráveis eles gozaram a regalia». No dia 15, novo apontaanos do culto mariano de Fá- dos os anos, neste dia, uma le- e consoladores». Noutro local da mesma edi- mento, desta feita com nota tima eram mais os que recor- gião interminável de automóriam aos automóveis e auto- veis, camionetas, etc., se deslo- ção constatava que devido ao crítica e um alerta às autoricarros para se deslocarem ao cam dos confins mais distantes movimento de «muitos milha- dades: «De regresso de Fátima, santuário no cumprimento de do país para transportarem mi- res de romeiros, de regresso visitaram, ontem e anteontem, promessas ou da sua devoção lhares e milhares de romeiros, de Fátima, os hotéis, as pen- os monumentos e os pontos que embora com sacrifícios de sões e as casas de hóspedes, mais afamados da cidade, alà Virgem Maria. As aparições de Nossa Se- vária ordem não querem dei- durante os três últimos dias, guns milhares de pessoas. Por nhora aos pastorinhos Lúcia, xar de prestar votivamente o estiveram cheios até à porta esse motivo, as ruas apresenFrancisco e Jacinta foram re- seu culto à doce imagem de da rua», e «os restaurantes, ca- tavam um aspecto invulgar, gistadas em 1917 mas só 13 anos Nossa Senhora do Rosário de fés e pastelarias também não com uma animação própria de datas festivas. O que não depois, a 13 de Outubro de Fátima. E Coimbra recebe en- tiveram mãos a medir». O cenário repetiu-se no ano está certo e dá motivo a justos 1930, a Igreja Católica assumiu tusiasmada toda essa enorme como dignas de crédito as vi- multidão de almas, que entre seguinte, dando o jornal conta, reparos por parte de quem nos sões das três crianças e autori- cânticos religiosos e salmos de na edição de 13 de Maio, que visita, é o aspecto apresentado zou oficialmente o culto de dor, se arrasta numa manifes- «Coimbra continuou regis- por aquele estendal de barratação de comovente prece im- tando um enorme movimento cas cobertas por lençóis, que Nossa Senhora de Fátima. Nascido a 24 de Maio de plorando maiores venturas e de carros e camionetas que se nesta época, como em outras 1930, o Diário de Coimbra re- dias mais felizes. Coimbra re- dirigiam a Fátima com pere- do ano, é costume montar-se latou no ano seguinte pela pri- gurgita de forasteiros, que ávi- grinos», e «a “calçada”[Rua Fer- junto à ponte de Santa Clara, meira vez, sobre a peregrinação dos de conhecerem as suas be- reira Borges] e as ruas das ime- as quais são impróprias duma de Maio, a invasão de Coimbra lezas e os seus monumentos se diações da Universidade esti- cidade com aspirações turíspor romeiros que na ida, mas espalham por toda a cidade», veram, durante todo o dia, pe- ticas como é Coimbra. Com sobretudo no regresso do San- descreveu na edição de 15 de jadas de gente, que procurava vista a quem de direito, aqui uns momentos de descanso na fica o nosso protesto contra tuário de Fátima, aproveitavam Maio de 1931. aquele estendal vergonhoso», O jornal observou que Coim- nossa linda terra». para visitar esta cidade. «Um Já no dia 14, o repórter do concluía o jornal. M.S. país desloca-se em romagem bra, «mercê da sua privilegiada

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3/7/1931 Na edição de 3 Julho de 1931 o jornal deixava um reparo ao «estado de abandono» do Bairro de Montes Claros, em Coimbra. «As calçadas da rua que lhe serve de título, e bem assim as suas travessas, são tudo quanto há de pior. Aqui e ali se encontram buracos que parecem mais ravinas do que umas ruas em pleno século XX. Quem tenha de transitar a pé por ali, verificará que defronte duma célebre pedreira, que nunca mais fizeram caso de entulhar o seu profundo poço, e entre as casas dos srs. Dr. Flamínio e João Bizarro, existe um buraco na valeta que deita cheiro pestilento, principalmente quando faz calor, e que segundo parece é proveniente de qualquer cano de alguma casa que liga com o cano geral. E quanto à iluminação, é rara a semana que não esteja um a dois dias às escuras entre a casa do sr. Moura e Sá e o Matadouro Municipal. Também seria conveniente reprimir-se um pouco o foot-ball jogado em plena rua, por alguns moços que por sinal a sua maioria usa capa e batina», exemplificava. Dias depois, comunicava que o apelo surtira efeito e fora tapado o buraco do cano que deitava «cheiro pestilento», insistindo porém em medidas para obrigar o dono da pedreira a entulhar o «enorme poço», «pois além de parecer mal numa rua já tão movimentada, também serve para ali despejarem toda a casta de imundice». Por deliberação camarária de 16 de Julho de 1931 a principal rua do Bairro de Montes Claros passaria a ter o nome de António José deAlmeida e o jornal pediu que fossem «numeradas as casas ali existentes, pois tal como estão, apenas com letreiros, dá motivo a muitas vezes se não encontrarem as pessoas que se procuram».


02 | 20 DEZ 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Actividade leiloeira crescia em Coimbra 27/12/1930 A actividade leiloeira teve forte incremento em Coimbra há nove décadas e frequentemente se anunciava nas páginas deste jornal a realização de leilões, de espólios particulares ou de empresas. Na edição de 27 de Dezembro de 1930 lia-se no Diário de Coimbra que estava «tomando um grande desenvolvimento nesta cidade a indústria de leilões, que ainda há pouco não era aqui conhecida». «Essa iniciativa deve-se ao sr. Manuel de Sousa Freitas, com estabelecimento no Adro de Baixo n.° 6 e 8, que, com esforço pouco vulgar tem conseguido a venda de centenas de artigos por aquele sistema, evitando assim que de Lisboa e Porto venham leiloeiros a Coimbra. Ainda há dias promoveu a venda dos artigos existentes na Fábrica da Sociedade das Malhas, desta cidade, e tão bem se soube haver com aquele sorriso que não só satisfez a casa liquidatária como o público que ali acorreu em grande massa Ao darmos notícia do facto, fazemo-lo com satisfação, por vermos coroados do melhor êxito os esforços do sr. Sousa Freitas», completava a notícia.

Horários de trabalho eram para cumprir 30/8/1931 Publicou o Diário de Coimbra, na edição de 30 de Agosto de 1931, que o Comando da Polícia tinha dado «as necessárias ordens para que o decreto n.º 20.207 de 13 do corrente, sobre horário de trabalho, seja rigorosamente cumprido neste concelho». Esclarecia que, «pelo referido decreto, todo o patrão que obrigue a trabalhar ou consinta no trabalho dos seus operários ou empregados por mais tempo que o estabelecido nos diplomas legais sobre horário de trabalho, ou que despeça directamente pelo seu representante qualquer trabalhador ou empregado, em virtude dele exigir o cumprimento das disposições legais sobre o horário de trabalho, incorre na multa de 200$00 a 1.000$00 e respectivos adicionais».

8/6/1930 Santo António dos Olivais recebia milhares de pessoas, atraídas pela animação da afamada romaria do Espírito Santo

MEMÓRIAS DE UMA DAS MAIS POPULARES ROMARIAS DA REGIÃO DE COIMBRA

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reconversão urbanística nas imediações da Igreja de Santo António dos Olivais, com novas vias e construções, esmoreceu o fulgor que, durante décadas, atraiu os povos de Coimbra e da região à tradicional romaria do Espírito Santo. Das preocupações com o local de realização do popular arraial já há 90 anos se fazia eco nas páginas do Diário de Coimbra. Na coluna “O Diário nos arrabaldes”, o correspondente do jornal em SantoAntónio dos Olivais escrevia, na edição de 6 de Junho de 1930, que a Junta de Freguesia, «no mais louvável desejo de embelezar o local destinado à romaria, não só não permitiu a construção de barracas no largo e proximidades da escadaria, como também obrigou a retirar da rua principal os vendedores de louça, o que fez afastar muitos feirantes, que usavam frequentá-la». «Verifica-se, assim, o acanhado espaço em que se realiza, para poder não só receber os feirantes, como também os romeiros que aos milhares ali afluem diariamente, pelo que se torna urgentemente necessário que a Comissão Admi-

IMAGOTECA - MUNICÍPIO DE COIMBRA

cisco António, de 30 anos de idade, procedia à limpeza de uma espingarda de pressão, esta disparou-se-lhe, Receitas das sesindo a carga sões de cinema na atingir na reromaria destinagião frontal vam-se aos pobres uma criança e à nova sede dos Bombeiros do sexo masculino que perto se encontrava. Levado o ferido para o Hospital da Universidade, ali lhe foi extraído o chumbo, recoFamílias levavam o farnel para petiscar na romaria do Espírito lhendo depois a casa». Santo (foto de 1934, de autor desconhecido) No ano seguinte, o jornal volnistrativa da Câmara Munici- agora de ano para ano nos vai tou a lembrar a necessidade de pal adquira os terrenos que fi- abandonando, para dar lugar à «aquisição de terreno para a cam fronteiros ao largo», re- de barro fino que de Barcelos e grandiosa romaria do Espírito Caldas da Rainha nos enviam Santo», especificando o intecomendava. Nesse ano, a festa de sete dias, diariamente em camiões. Tí- resse numa parcela entre «o sícom início a 8 de Junho, um nhamos também o afamado tio denominado Pinheiro Mandomingo, prometia ser «ex- manjar branco de Celas, então so e a estrada da Calçada do traordinariamente concorrida com asseio e esmero fabricado, Gato, para ali se fazer qualquer e animada», evocando o cor- que pelo pinhal fronteiro ao ar- coisa de útil». Sugeria, com vista respondente do jornal, com raial era vendido em tabuleiros a esse melhoramento, que a saudade, outros tempos da «ro- cobertos de alvas toalhas, aos Junta de Freguesia se entenmaria de maior duração, po- componentes das pitorescas desse com a Câmara e a Copularidade e concorrência que merendas», recordava. Havia missão de Turismo, dado que se realiza no distrito». «Então, também barracas de diversões, teria havido desistência do tercomo hoje, constava ela apenas onde por vezes ocorriam inci- reno «em virtude da elevada de muitas carradas de louça dentes, como o que relatou na importância pedida». Já em 1932, o Diário de Coimgrossa de barro, que do conce- edição de 15 Junho desse ano: lho de Miranda do Corvo nos «Ontem, pelas 14 horas, numa bra registou o sucesso da rovisitava anualmente e que barraca de tiro, quando Fran- maria desse ano, noticiando na

edição de 16 de Maio que, apesar das fracas condições climatéricas da véspera, o primeiro dia da romaria do Espírito Santo «chamou, ao aprazível lugar de SantoAntónio dos Olivais, alguns milhares de pessoas». «Durante a tarde, alguns ranchos estenderam-se pelos pinhais, petiscando os seus farnéis. À boca da noite, aumentou o movimento. Nos carros eléctricos, com dificuldade se conseguia um lugar. As barracas de vinhos e petiscos, de quinquilharias e louça de barro, fizeram um negócio razoável», assinalou. E à noite, no terraço da igreja, foi exibido «o apreciado filme “Capas negras”», revertendo o produto desta, e de outras sessões cinematográficas incluídas no programa, «a favor dos pobres daquela freguesia e da nova sede dos Bombeiros Voluntários». No segundo dia, o tempo «amainou um pouco» e o «sol acariciador» proporcionou «extraordinária animação». «Veio gente de todas as aldeias e lugares dos arredores de Coimbra. De manhã, espalhou-se pela cidade. Aí por volta do meio-dia, aos ranchos, abalou até Santo António dos Olivais, à procura duma sombra para petiscar os farnéis. À tarde, as redondezas da Igreja de SantoAntónio dos Olivais ofereciam um aspecto bizarro, pitoresco: havia danças e descantes, ranchos com suas rusgatas e derriços mais ternos que os das romarias da aldeia... O povo da cidade, mais para as bandas da noite, foi também até aos Olivais. Encheu por completo as ruas do lugar, onde se realizaram os costumados desfiles de elegâncias», relatou o jornal. M. S.

Capelas da Paixão precisavam de restauro 21/8/1931 As capelas da Paixão, que juntamente com a escadaria, o adro e a igreja constituem o valioso conjunto patrimonial do santuário de Santo António dos Olivais, estavam a necessitar de restauro no início da década de 30 do século passado, facto que mereceu uma chamada de atenção do Diário de Coimbra. Na edição de 31 de Agosto de 1931, o jornal noticiou que a Comissão de Turismo de Coimbra,

dirigida por Manuel Braga, esperava ainda nesse ano «mandar restaurar as capelinhas do Santuário dos Olivais, como já fez ao presépio existente no adro». «Esta obra, que há muito teria sido feita se o rendimento da Junta fosse avultado, é de urgente necessidade, porque, sendo o local visitado por milhares de pessoas durante o ano, vergonha era que as capelinhas se conservassem num estado de desprezo

Capelas da Paixão da Igreja de Santo António dos Olivais

deveras lamentável. Felizmente essa vergonha vai acabar. A Comissão de Turismo tomou à sua conta aquele serviço, que deve ficar coisa de jeito», adiantava. Mas, já agora, pedia-se um pouco mais. «E se após a restauração referida se melhorasse o estado do adro? Dali desfrutam-se a Serra da Boa Viagem, o Bussaco, a Mata de Vale de Canas, o Senhor da Serra, a Serra da Lousã e ou-

tras que servem de moldura à nossa cidade. E não será uma vergonha que os turistas as observem dum local cheio de pobreza e que com pouca despesa se podia alindar?», questionava o Diário de Coimbra, preconizando que «o bairro dos Olivais é por excelência o que maiores belezas encerra» e «cuidar dele é cuidar de uma joia de estimado valor que é admirada por nacionais e estrangeiros».


02 | 27 DEZ 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Soldados da paz à boleia do Diário de Coimbra 27/9/1931 Há 90 anos eram escassos os meios de que os bombeiros dispunham para fazer o seu trabalho, a avaliar por um texto que encontramos na edição de 27 de Setembro de 1931 do Diário de Coimbra. Sob o título “Um reparo justificado”, dava-se conta de que «ontem, cerca das 2 horas da madrugada, as badaladas insólitas e inesperadas dum sino preveniram os heroicos soldados da paz – os bombeiros – de que havia incêndio fora da cidade. Soubemos depois que era em Cernache.Aconfundir-se com a última badalada surgiram velozes, carregados dos homens das bombas, os pronto-socorros, auto-bombas, auto-seja o que for... E assim que o último carro se sumiu na última dobra da estrada de Santa Clara, soube-se na cidade que um outro incêndio lavrava numa povoação denominada Ponte da Ribas [Semide]». O relato prosseguia dizendo que no Largo Miguel Bombarda – hoje Portagem – «agitava-se uma quantidade de bombeiros que, por não terem conseguido lugar nas autobombas, se quedavam ali na expectativa, esperando que a passagem providencial de algum automóvel os transportasse aos locais dos sinistros. Um auto que ia em serviço do nosso jornal transportou dois. Perguntamos porque é que não tinham ido com os outros. Responderam-nos que não foram porque já não cabiam». «Agora perguntamos nós, porque é que se não adquire uma viatura para transporte exclusivo de pessoal?», questionava o jornal.

Vendedores de jornais nos eléctricos 5/9/1931 O Diário de Coimbra apelou, na edição de 4 de Setembro de 1931, à boa vontade dos Serviços Municipalizados para ser «concedida a entrada nos veículos eléctricos aos modestos e prestimosos vendedores de jornais», uma «justa pretensão que em nada poderá prejudicar» os interesses da empresa camarária.

15/8/1931 Jornal defendia embelezamento de local que era uma “vergonha” no centro da cidade, transformando-o em praça de estacionamentos

com esta cidade», considerava, para anotar, na edição do dia seguinte, que «nunca pensamos que esta ideia, ventilada por nós ainda há pouco, suscitasse tantos adeptos e caísse tão bem no espírito da maioria dos conimbricenses», sendo «realmente a construção e destinação de uma rotunda para estacionamento de veículos uma necessidade que ninguém pode contestar». O jornal exortava depois a ARQUIVO Câmara de Coimbra a mandar estudar este problema, da categoria dos «inadiáveis». «É certo que a ComissãoAdministrativa não pode atender mil e um assuntos ao mesmo tempo. Mas Terreiro da Erva este é um dos assunbeneficiou de retos mais palpitantes cente requalificação, do momento e, sem para privilegiar o lazer em detrimento dúvida, um dos que dos automóveis precisa de urgente resolução», sublinhava. «Já, repararam, os ilustres edis, na aglomeração extraordinária de viaturas de toda a espécie, que pejam de Nas últimas décadas o estacionamento automóvel predominou no Terreiro da Erva lés a lés a Rua da Sofia, dificulde pardieiros, casas térreas e in- forma de «acabar de vez com movimento de camionetas de tando o trânsito duma masalubres que “não estão ali a fa- aquele horrível e indecente passageiros e de carga é cres- neira extraordinária e, por vezer nada”», observava, suge- foco de infecção, que ali esta- cente dia-a-dia». «É vê-las es- zes, assaz perigosa? Já reparindo à Câmara Municipal a ex- deia, com a cumplicidade da palhadas, pelo dia adiante, na raram na vantagem que existe propriação por utilidade pú- lei», e de «concorrer para o Rua da Sofia, na Praça 8 de em demolir, com toda a urgênblica de «dezenas dos tais par- aformoseamento e conse- Maio, na Avenida Navarro, na cia, aquela série de pardieiros dieiros», de modo a ampliar o quente progresso de Coimbra Portagem. Como seria interes- infectos que se aglomera no terreiro e fazer dele «uma larga que ali tem um dos muitos es- sante, proveitoso e estético, a Terreiro da Erva? Vamos a isto, praça que, de futuro, seria o sítio carros que é preciso limpar e construção dessa grande ro- senhores da Câmara Municitunda que reunisse num só pal. É Coimbra que o exige!», ideal para estacionamento dos com urgência». Cinco dias depois voltava ao ponto todos esses meios de lo- reclamava o jornal, na edição vários meios de transporte». Seria também, prosseguia, a assunto, para lembrar que «o comoção que fazem contacto de 2 de Outubro. M.S.

UMA MODERNA “ROTUNDA” PARA ESTACIONAR CARROS NO TERREIRO DA ERVA

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Diário de Coimbra publicou em 1931, entre 15 de Agosto e 2 de Outubro, uma sucessão de artigos em que advogou a construção de um amplo e moderno recinto – ou uma “grande rotunda”, no dizer de então – para dar resposta ao avolumar de trânsito e consequente problema do estacionamento de veículos automóveis no centro da cidade. Num primeiro texto, o jornal apontava a «fantástica aglomeração de automóveis e camionetas que se nota ali na Rua da Sofia, a certas horas do dia», evidência de «um crescente desenvolvimento não só comercial como industrial», tornando «logicamente necessário arranjar um local apropriado para o estacionamento de veículos». «Ora, em Coimbra, existe esse local e não muito longe da referida rua. É ali naquele largo que dá pelo nome de Terreiro da Erva. Ninguém ignora que no sítio existe uma quantidade

Um “antro de miséria” na Estalagem da Donata

A

s degradantes condições de alojamento na antiga Estalagem da Donata, na Baixa de Coimbra, motivaram a chamada de atenção que o nosso jornal publicou na edição de 31 de Agosto de 1931, com o título “Os antros da miséria”. «Ali em baixo, na Rua da Louça, em pleno coração da cidade, existe a Estalagem da Donata, onde se construíram umas cocheiras para dar guarida ao gado que conduz as enormes carroças que fazem serviços de recovagem entre as Beiras e Coimbra. Por cima dessas cocheiras, resvés com os escombros de uma casa demolida, existem umas pocilgas imun-

das, sem ar, sem uma fresta sequer por onde entre um ténue raio de luz. E nas pocilgas, cuja frente é tapada com míseras serapilheiras ou esteiras, como uma caravana ambulante de mendigos, são alugadas a 45 escudos mensais pelo seu proprietário, sr. Castela, de Cernache, que se limita a receber semanalmente uns tantos escudos, correspondentes à referida renda. É tudo o que há de menos humano, de mais impróprio, viver-se ali naquele tugúrio de miséria e dor, e para essa casa chamamos a atenção do sr. Governador Civil, sobretudo do sr. Inspector Geral de Saúde», escreveu o Diário de Coimbra. Pela leitura do texto ficamos

depois a saber que habitava «uma dessas mansardas, antihigiénicas e insalubres, um pobre operário, há muito sem trabalho, António Fernandes Calhordas, com mulher e quatro filhos. Todos eles na mais extrema miséria, tendo de se desalojar dos poucos tarecos que tinham, vendendo uns, levando ao penhor outros, incluindo as próprias camas. A mulher, Júlia da Piedade, esteve há pouco bastante doente, devido a parto recente». «Entramos ali e francamente não compreendemos como em pleno coração da cidade se consente que se habitem espeluncas, como aquela, onde, para cúmulo de tanta vergonha,

a casa é tapada de frente com esteiras, à falta de madeiramento. À generosidade dos leitores do Diário de Coimbra, recomendamos este quadro de miséria, ao mesmo tempo que pedimos providências ao sr. Inspector de Saúde para que ordene uma visita sanitária à Estalagem da Donata, onde há muita miséria a vigorar e factos graves de sanidade a corrigir. Ao sr. Governador Civil, pedimos também que do cofre da assistência se auxilie esta infeliz família», alertou o jornal. Hoje inexistente, a Estalagem da Donata, na Rua da Louça (outrora Rua de Tinge-Rodilhas), funcionou durante séculos como casa de hospedagem,

inicialmente com a designação de Estalagem do Pintor, a que Armando Carneiro da Silva se referiu no artigo “As Estalagens Coimbrãs e do seu termo”, publicado em separata da revista “Munda”em 1988 - e que o blog A’ Cerca de Coimbra, de Rodrigues Costa, ajuda a relembrar. Nesse texto, o investigador da história de Coimbra, falecido em 1992, recordou que «quando era muito jovem, as camponesas que vinham vender à praça – ao Mercado D. Pedro V – guardavam neste edifício [da Estalagem da Donata] os burros onde transportavam os legumes, as galinhas, os ovos e a fruta destinados a serem ali comercializados». M.S.


02 | 3 JAN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Um “pano de ferro” para o Teatro Avenida 1/1/1931 Inaugurado em 1893, o Teatro Avenida foi, ao longo de décadas, a principal sala de espectáculos de Coimbra, acolhendo recitais, concertos e trazendo a esta cidade o melhor da arte cinematográfica. Porém, as condições deste espaço para apresentações teatrais não eram as ideais, o que, deu conta o Diário de Coimbra na edição de 1 de Novembro de 1931, estaria para mudar. «Uma notícia simpática, leitores: está-se construindo o “pano de ferro”no Teatro Avenida. Nós, que há tempo sem conta, não temos o prazer de assistir a um espectáculo da arte de Talma; que não temos tido ensejo de assistir à evolução do nosso teatro; que não sabemos o grau de valor dos nossos autores coevos, a não ser por intermédio das críticas dos jornais, vamos enfim ver realizada uma das aspirações da nossa terra: vamos ter um “pano de ferro” no Teatro Avenida, o que vem rasgar os horizontes da arte que tão estreitos têm andado. Feito o “pano de ferro”, depressa veremos entre nós alguns dos nomes mais consagrados que até agora têm sido só exclusivo dos teatros de Lisboa o Porto. Oxalá que breve possamos entremear os espectáculos cinematográficos com os espectáculos de declamação», observava o jornal.

“Fartura de sardinha” na Figueira 18/11/1931 O correspondente do jornal na Figueira da Foz assinalava, em pleno Novembro, “fartura” na pesca de sardinha e cavala. «À descarga das traineiras, que entram a toda a hora excedendo quase sempre a lotação das cargas, o cabaz da sardinha (8 a 9 centos) foi vendido por 4 e 5 escudos, conforme o tamanho. Por tal motivo a cidade apresenta um aspecto de animação invulgar, com trânsito de veículos de toda a ordem, carregando peixe, e o mulherio de fora, de algumas léguas em derredor, que atraída pela baixa de preços, vêm aprovisionar a sua modesta ucharia do saboroso pescado», relatava.

2/11/1931 Diário de Coimbra sensibilizou os leitores e a cidade para o mérito da obra médico-social de assistência e tratamento de doentes oncológicos

APELO À GENEROSIDADE NO PRIMEIRO PEDITÓRIO PARA A LUTA CONTRA O CANCRO

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o Dia de Finados de 1931, 2 de Novembro, teve lugar às portas das igrejas e cemitérios o primeiro peditório nacional para angariação de donativos destinados ao combate contra o cancro. A par da tuberculose, as doenças oncológicas justificavam a crescente preocupação que em 1923, por iniciativa do médico Francisco Gentil, levou ao nascimento do Instituto Português para o Estudo do Cancro, com a missão de dar assistência aos doentes, investigar e tratar o cancro, bem como à abertura, quatro anos depois, do primeiro pavilhão do Instituto Português de Oncologia, em Lisboa. O envolvimento financeiro do Estado estava longe de ser suficiente e um grupo de senhoras, das elites sociais, mobilizou esforços e vontades em torno desta obra médico-social. Baseada no voluntariado e solidariedade, surgiu assim em Lisboa, em 1931, a Comissão de Iniciativa Particular da Luta contra o Cancro, antecessora da Liga Portuguesa Contra o Cancro (formalizada 10 anos depois). Parte importante desta mis-

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Assunção de Barros e Cunha», a «trabalhar afanosamente» na organização dos peditórios. A mesma notícia adiantava que «a gerência dos GranPrimeiro peditório des Armazéns para a luta contra o do Chiado, nescancro, em 1931, ta cidade, resolrealizou-se em 15 veu, secundanlocais em Coimbra do a iniciativa de e rendeu 3.127$00 conseguir auxílios, receber donativos na sua agência na Rua Ferreira Borges». No dia 2, o jornal publicava um apelo para que «ninguém deixe de prestar a sua coopePeditório envolve agora milhares de voluntários, em cinco dias ração financeira, dando a sua são, a organização dos peditó- -se também encontrado com ajuda para a Santa Cruzada do rios teve início nesse mesmo o bispo-conde, que não só au- combate contra o cancro», e ano, representando hoje o torizou, como aplaudiu «com indicava os 15 locais e nomes apoio da população e um con- palavras de fé e encorajamento das senhoras que nesse dia se tributo de significativa impor- a tarefa difícil e honrosa» de encontravam às portas de tância na prevenção, investiga- «secundar a magnífica inicia- templos e cemitérios a recoção, tratamento e na assistência tiva de socorrer os cancerosos lher os donativos. «É hoje que o nosso povo, num rasgo de aos que padecem de proble- e combater a cancro». Na véspera do Dia de Fina- generosidade, vai mais uma vez mas oncológicos. O Diário de Coimbra acari- dos, o jornal registava que «a concorrer com o seu óbolo nhou empenhadamente a ideia patriótica e humanitária inicia- para socorrer os infelizes e dese, na edição de 29 de Outubro tiva de organizar um combate protegidos», exortava. No total, informou depois de 1931, deu conhecimento de contra o cancro teve em Coimque o governador civil interino, bra o mais animador acolhi- o jornal, os peditórios nesta Joaquim de Moura Relvas, es- mento», estando «a comissão cidade renderam 3.127$00, tava a organizar nesta cidade de senhoras, das mais distintas verba entregue ao governador uma comissão para dinamizar da nossa cidade, sob a presi- civil para este a fazer chegar à localmente o peditório, tendo- dência da senhora D. Maria da comissão em Lisboa. M.S.

Falta de verbas e de pessoal prejudicava estudo das radiações na UC No dia 4 de Novembro de 1931 o jornal publicou uma carta de Mário Silva, professor catedrático de Física na Universidade de Coimbra, a lembrar que há alguns anos tinha sido criado nesta cidade, pelo Governo, «o Instituto do Rádio com fins não só terapêuticos mas também de investigação cientificamente pura no domínio das radiações que interessam ao problema do cancro». «Nestas condições, foi

“Desconjuntada traquitana” transportava malas do correio

desde logo previsto que o Instituto teria as duas secções médica e física. Ambas se instalaram e em particular, a segunda destas secções - a que foi dado o nome de secção de radioactividade - foi instalada no Laboratório de Física, a que ficou anexa. Em virtude desta anexação, tem sido possível gastar na secção de radioactividade algumas verbas do Laboratório de Física, o que tem permitido melhorar as primi-

tivas instalações e fazer alguns trabalhos de investigação e de análise. Estes trabalhos, porém, não têm tido aquela extensão que seria para desejar em virtude de não ter ainda sido consignada ao Instituto verba própria no Orçamento Geral do Estado. A secção de radioactividade do Instituto existe portanto mas não tem tido facilidades de expansão», lamentava, considerando «do maior interesse conseguir

que desde já lhe fossem dadas as necessárias possibilidades de desenvolvimento». O cientista fazia ainda notar que «não seria muito difícil conseguir-se o indispensável para que desde já se pudesse entrar no caminho da inteira utilização de todo o material existente no Instituto, que até agora, em virtude da falta de verba e de pessoal, tem estado, infelizmente, abandonado em grande parte».

5/9/1931 O Diário de Coimbra criticou, em 1931, a forma como era feito, à noite, o transporte das malas do correio entre a Baixa da cidade, onde se localizavam os serviços dos CTT, e a estação ferroviária. Num primeiro apontamento, em 5 de Setembro, considerava degradante a utilização para esse efeito de uma carroça e «uma desconjuntada traquitana», quando em Lisboa e Porto esse transporte já era feito em «camiões luxuosos, que exprimem consideração e recato por tão preciosa carga, exposta em Coimbra a emergências danosas, sem receio nem respeito». «Não pode nem deve continuar tão desleixada prática que uma sovina economia não explica nem justifica, pois bem caro custam ao público os serviços do correio», verberava. No dia 1 de Dezembro voltava ao tema, para lamentar o «pouco edificante espectáculo que nos oferece o transporte das malas do correio, da Rua da Madalena [na zona do Largo das Ameias] para a estação do caminho de ferro de Coimbra B». «Aí por volta da 1 e 16 minutos, um ruído insólito, desperta-nos a atenção: é a “diligência” com as respectivas alimárias, que cumprem a sua quotidiana obrigação de transportar o correio. Cerca das 3 da madrugada, repete-se o ruído e as pilecas surgem, carreando a mala-posta, Rua da Sofia fora, até que o barulho se perde... Isto, repete-se, matematicamente, todas as noites, na terceira cidade do país, no ano da graça de 1931», registava o jornal, questionando se não seria «tempo de pôr um ponto final neste estado de coisas que só nos envergonha, dando um aspecto de aldeia sertaneja à nossa terra».


02 | 10 JAN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Revolta d0 grelo” agitou Coimbra 13/3/1932 O Diário de Coimbra recordou, na edição de 13 de Março de 1932, um curioso episódio ocorrido em inícios do século nesta cidade. «A história popular de Coimbra tem destas páginas - pitorescas, curiosas, deveras interessantes. Esta da “revolta do grelo”, por exemplo, ocorrida há 29 anos, feitos ontem... Mas vamos a contar: lembraram-se os governantes de aumentar as licenças fiscais. Vai daí as vendedeiras do mercado amotinaram-se, vociferaram e, sem mais delongas, resolveram assaltar a repartição do selo, que funcionava no Pátio da Inquisição. Deram-se os primeiros tumultos. O povo juntou-se às vendedeiras do mercado. E todos armados de varapaus e chuços empreenderam a marcha heroica até à repartição do selo, a fim de a assaltar». Depois, continuava, «surgiu a força armada» e «do encontro, em que foram disparados alguns tiros, resultou a morte de dois populares», levando os manifestantes a dispersar. «E a “revolta do grelo”- designação que lhe vem do facto de ter sido preparada pelas vendedeiras do mercado, numa época do ano em que os grelos predominam sobre as outras hortaliças - passou para a história popular de Coimbra como uma das suas páginas mais pitorescas e mais curiosas», rematava o texto.

Detido por insultar e tentar agredir o padre 28/3/1932 Na coluna das notícias da Figueira da Foz dava-se a saber, na edição de 28 de Março de 1932, que tinha sido preso e entregue à autoridade militar o sargento reformado de infantaria Francisco Ribeiro, por «tentativa de agressão e insultos na pessoa do reverendo arcipreste José Lourenço Palrinhas». «O caso teve lugar anteontem, na Igreja de S. Julião, depois da habitual solenidade nocturna da quaresma, quando o sacerdote, dirigindo-se ao Ribeiro, o convidou a abandonar o templo onde, em estado de embriaguês, estava dando escândalo», relatou o jornal.

6/9/1931 Mais do que “excursão de recreio”, foi um caloroso encontro de gente de duas cidades de “índole e costumes diferentes”

jornalista do Diário de Coimbra destacou ainda palavras dos presidentes das câmaras da Figueira e de Viseu, José da Silva Fonseca e major Luís Albuquerque, respectivamente. A notícia que o jornal publicou na edição de segunda-feira registou ainda, do programa da visita, o almoço para entidades oficiais oferecido pela Direcção do Tennis Club, uma visita às FOTO: MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ obras em curso do porto e barra, tourada no Coliseu Figueirense, um passeio pela Serra da Boa Viagem, «onde a Associação Comercial e a CoComboio especial missão de Tutransportou cerca rismo oferecede 500 viseenses que em 1931 particiram um Porto de param na excursão Honra aos visià Figueira da Foz tantes», às 21h00, no Grande Hotel Portugal, «um banquete de 60 talheres em honra das personalidades oficiais que acompanhavam a excursão» e, a completar o programa «delineado pela comissão de recepção», um «festival nocturno no Casino Peninsular em que Sessão de boas-vindas aos excursionistas decorreu no Salão Nobre da Câmara da Figueira da Foz exibiu o melhor do seu repor«Trocados os cumprimentos comentou que «a visita do bom tório o afamado Orfeão de ViTurismo) e o Orfeão de Viseu, promotor desta aproximação da praxe, os mais afectuosos, povo de Viseu à linda cidade seu». Em paralelo, aAssociação de cidades, que actuaria no Sa- dirigiu-se pela beira mar um da Figueira da Foz» ia para de Classe dos Empregados no lão de Inverno do Casino Pe- extensíssimo cortejo, a abrir além de uma «vulgar excursão Comércio e Indústria Figueininsular, «em benefício das ins- com três filarmónicas, duas da de recreio». «Além do signifi- rense ofereceu uma «impolinda praia, e uma das Alhadas cado de cortesia que natural- nente e franca recepção» aos tituições de caridade locais». No domingo, por volta do em direcção à Câmara Muni- mente comporta, tem este ou- seus colegas de Viseu. A maior parte dos visitantes meio-dia, uma «multidão com- cipal», onde teria lugar a recep- tro significado - o da união perfeita e completa da gente de regressou no mesmo comboio, pacta», donde se destacavam, ção oficial aos convidados. Na «sala das sessões nobres» duas cidades, de índole e cos- que partiu às 3 da madrugada, tremulando ao vento, os estandartes das várias colectividades dos Paços do Concelho, coube tumes diferentes, tão diferentes mas alguns aproveitaram o figueirenses, recebeu na esta- ao governador civil de Coim- como são a terra e o mar, mas facto do prazo do bilhete só finção de caminho de ferro, «com bra presidir à cerimónia de bem iguais pela cultura, pelo dar na quarta-feira para gozar estrepitosas palmas e com inin- boas-vindas. Mário Pais de coração e pelo sentimento, mais um pouco do «cativante terruptos vivas», os cerca de Sousa, que pouco tempo de- porque ambas são genuina- acolhimento que lhes foi dis500 visitantes transportados de pois Salazar chamaria para o mente portuguesas», declarou. pensado» e dos encantos da Dos «discursos da praxe» o Praia da Claridade. M.S. Viseu num comboio especial. cargo de ministro do Interior,

VISEU RETRIBUIU VISITA E LEVOU ABRAÇO À FIGUEIRA

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oi com «um silvo prolongado e estrepitante» que o comboio especial anunciou a chegada da «grande excursão» que no dia 6 de Setembro de 1931, um domingo, levou meio milhar de viseenses à Figueira da Foz, numa visita memorável para todos os que nela participaram. Dias antes, o Diário de Coimbra registou o entusiasmo com que a «imponente recepção» –«assunto predominante de todas as conversas» – estava a ser preparada na cidade anfitriã, em retribuição de uma outra viagem que os figueirenses tinham feito a Viseu no ano anterior. Um acontecimento que «certamente ficará memorável, pois vai dar ensejo a que os dois povos, que tanto se querem e apreciam, melhor se fiquem conhecendo e compreendendo num princípio de fraternidade», antevia-se. Também na “cidade de Viriato”, noticiou o jornal, reinava enorme expectativa pela excursão, «fechando por esse motivo o comércio durante todo o dia 6 e meio dia de 7». Acompanhariam os excursionistas, fez-se saber, várias entidades oficiais (Câmara, Governo Civil, Junta Geral do Distrito, Comissão de Iniciativa e

Muitos recusavam a “picada salvadora” 2/2/1932 Se hoje as novas vacinas contra a Covid-19, criadas em tempo recorde, suscitam receios em alguns cidadãos, também nove décadas atrás a vacinação era encarada com desconfiança ou negligência por muitos, como podemos constatar ao ler um texto que o Diário de Coimbra publicou na edição de 2 de Fevereiro de 1932. Começava o apontamento

por observar que «em Lisboa continua a aplicar-se com melhores resultados a vacinação ambulante» e «toda a gente acorre a imunizar-se de possíveis doenças infecciosas que no decorrer do tempo porventura apareçam. Desde as criancinhas de colo, até às gentes rudes, de faces tisnadas pela labuta do ganha pão, tudo recebe a picada salvadora». Porém, lamentava depois o

Vacinação é hoje consensual, mas nem sempre foi assim

jornal, «em Coimbra faz-se todos os anos uma vacinação obrigatória e no entanto centenas de pessoas há que num lamentável desconhecimento do perigo ou por uma questão de comodidade que nada justifica, se recusam estupidamente a receber a benéfica vacina». «E se os altos poderes ordenassem a vacinação obrigatória, com castigos relativamente pesados, para aqueles que não

cumprissem aquela disposição?», questionava, considerando que «seria uma maneira prática de evitar quaisquer casos de doenças infecciosas, que na maior das vezes são originárias de dezenas de factos lamentáveis». «É deplorável que o nosso povo manifeste uma tão grande ignorância, negando-se a evitar uma grande série de perigos a que está sujeito», opinava o autor do artigo.


02 | 17 JAN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Um assalto que se impediu no café A Brasileira 24/2/1932 O Diário de Coimbra noticiou na edição de 24 de Fevereiro de 1932 um assalto nocturno ao emblemático café A Brasileira, na Rua Ferreira Borges, descrevendo que um dos empregados, que ali dormia «como guarda da noite, pressentiu que dentro do estabelecimento se encontravam pessoas estranhas». «Alarmado, levantou-se para verificar do que se tratava, tendo suposto imediatamente que eram ladrões. Os estranhos visitantes, que se supõe tivessem arrombado a porta que dá para a Travessa dos Gatos, nas traseiras daquele estabelecimento, ao observarem que tinham sido pressentidos puseram-se em fuga, pelo que o empregado, ao vir em sua perseguição, apenas conseguiu apurar que eram dois indivíduos. Comparecendo a polícia e o guarda nocturno, procederam a uma busca em todas as dependências do estabelecimento, tendo encontrado as portas fechadas, à excepção da que dá para a Travessa dos Gatos. Os fugitivos, certamente para amedrontarem o empregado e cobrirem a fuga, quando iam na escada, dispararam um tiro, cuja bala se foi alojar na madeira dum dos degraus. Os visitantes inesperados, por excesso de gentileza ou por amabilidade, deixaram ali, abandonada, uma chave e uma capa de estudante», relatou o jornal.

Pedia-se a colocação de caleiras 7/3/1932 Os proprietários de prédios estavam obrigados a instalar caleiras nos beirais dos telhados mas a maioria, aproveitando-se da «falta de energia de quem tinha o dever de se impor», fugia ao cumprimento da postura municipal, observou o Diário de Coimbra a 7 de Março de 1932. Na véspera chovera intensamente, relembrando o jornal o incómodo que a água proveniente dos beirais causava a «quem tem necessidade de andar pela rua». «Pedimos a quem o caso compete para determinar, mas de vez, a colocação das caleiras», reclamava-se.

1931 Nove décadas atrás, debatiam-se em Coimbra soluções para ligar “o bairro baixo de Santa Clara com o Alto da Senhora da Esperança”

ciara no sentido de «conseguir autorização superior para aplicar na referida estrada, ou elevador, uma importante verba que tem depositada na Caixa Geral dos Depósitos, autorização que depende do Governo, mas muito principalmente do sr. ministro das Finanças», e que o governador civil estava «dispensando o seu melhor e mais dedicado patrocínio à pretensão da Comissão de Turismo, confiando em que FERREIRA SANTOS aquela seja satisfeita, para que, assim, Coimbra veja atendida uma sua antiga, justa e importante aspiração». «Sobre se se deve Obras que estão preferir o elevador a decorrer na Calà estrada, assunto çada de Santa Isabel muito discutido na representam um investimento de cidade, a seu tem1.289.438,33 euros po se tratará. Antes de mais nada, o que convém, o que é necessário, é conseguir a autorização a que acima nos referimos, porque, depois, se tratará do resto», prosseguia. Ainda que ideia interessante, o elevador não passou do paRequalificação da Calçada de Santa Isabel condiciona trânsito pedonal e rodoviário até Abril pel, preterido por alternativas posição o túmulo em prata da Coimbra assinalava o interesse bem posto e estamos conven- viárias que viriam a garantir o Rainha Santa Isabel», dando co- gerado na opinião pública pela cidos que o sr. Governador Ci- desejado acesso ao mosteiro. Actualmente, as obras que a nhecimento de uma reunião «ideia da construção da estrada vil se empenharia junto do Goem que o presidente da Comis- ou de um ascensor mecânico, verno pela sua rápida solução, Câmara de Coimbra tem em são de Turismo, Manuel Braga, que dê fácil acesso ao largo como é desejo de toda a po- curso na Calçada de Santa Isaadiantara à Mesa da Confraria fronteiro ao Mosteiro Novo de pulação de Coimbra», comen- bel vão reforçar a ligação enuma «proposta que foi muito Santa Clara-a-Nova, melhora- tou, aplaudindo a iniciativa da tre as zonas alta e baixa de Santa Clara e beneficiar um bem recebida por todos os pre- mento este que é uma antiga Comissão de Turismo. No dia 4 de Outubro, dando percurso pedestre muito prosentes», ficando o assunto «ape- aspiração da cidade, e que nas dependente» da concor- muito bem andaria o Governo seguimento ao assunto, noti- curado, nomeadamente por ciou-se que a comissão lide- turistas e devotos da Rainha ajudando-o a realizar». dância do Governo. «O problema está muito rada por Manuel Braga diligen- Santa. M.S. No dia seguinte, o Diário de

UMA ESTRADA OU ASCENSOR PARA FACILITAR VISITAS AO TÚMULO DA RAINHA SANTA

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strada ou elevador? O tema, que despertou a opinião pública e foi objecto de «vivas e acaloradas discussões», como o Diário de Coimbra registou em várias edições de 1931, dizia respeito ao acesso ao Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, procurado cada vez mais pelos devotos da Rainha Santa Isabel. Actualmente em obras, a Calçada de Santa Isabel não era, há 90 anos, solução adequada para ligar «o bairro baixo de Santa Clara com o Alto da Senhora da Esperança, onde se encontra o mosteiro». Não reunindo então as condições necessárias para a circulação automóvel, debatia-se uma alternativa que facilitasse a «ininterrupta corrente de fiéis» que demandavam o túmulo da padroeira de Coimbra. No dia 4 de Agosto de 1931, o jornal informou que parecia estar «a caminho de boa solução» o problema de um «acesso fácil ao Mosteiro Novo de Santa Clara, onde se encontra em ex-

Pedrulha num abandono que causava dó e revolta 12/3/1932 Hoje reconhecida como uma das principais zonas de expansão da periferia norte da cidade de Coimbra, a Pedrulha era, nove décadas atrás, desconsiderada pelo poderes administrativos. Disso dava conta o nosso jornal, num texto que publicou na edição de 12 de Março de 1932. Começava o artigo por observar que a Pedrulha, «a três quilómetros de Coimbra», era «uma das suas mais progressivas aldeias, das que muito e bem contribuem para o erário municipal». «Mas, a Pedrulha, por variadíssimas razões, tem estado esquecida dos poderes

Pedrulha registou assinalável crescimento nas últimas décadas

administrativos e quem a visite tem a impressão de que ela está encravada nalguma serra distante, longe do mundo civili-

zado, aldeia sertaneja e primitiva. Não tem fontes, não tem calçadas, não tem luz eléctrica. Está num abandono que causa

pesar e revolta ao mesmo tempo. Se quer beber, tem de ir à Estação Velha, a dois quilómetros, pois, dentro de si, só água de chafurdo, imprópria e porca. Era necessário fazer-se certo depósito nos Serviços Municipalizados para que as obras para a instalação da luz eléctrica começassem. Fez-se o depósito. Mas as obras, nicles...», lamentava o Diário de Coimbra. E continuava: «Eiras, Brasfemes, Cernache, possuem as mais modernas condições de vida. São bem filhas de Coimbra, o que só honra Coimbra. Mas, a Pedrulha, vive como uma bastarda, uma enteada

maldita, aqui a dois passos. Parece uma valdevinas, comparada com as suas congéneres, que não merecem, por nenhuma razão, mais carinho que ela». «Isto não pode nem deve continuar, para honra da digna Comissão Administrativa Municipal que preside aos destinos concelhios. À Câmara Municipal de Coimbra, composta dum grupo de homens bem dispostos a servir a justiça, deixamos a solução rápida destes reparos, certos de que não apelaremos em vão. Tanto mais que é justíssimo!», recomendava o jornal.


02 | 24 JAN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Cinquenta centavos para os músicos do cinema 21/1/1932 O advento dos filmes sonoros - que chegaram a Coimbra em 1930 - tornou obsoletas as glamorosas sessões cinematográficas em que se compensava a ausência de som nas películas com actuações de um ou mais instrumentistas, contratados pelas gerências dos cinemasAvenida e Tivoli. Na edição de 21 de Janeiro de 1932, o Diário de Coimbra alertou para a «necessidade de dar protecção aos músicos que o cinema sonoro expulsou das casas deste género de espectáculos, roubando-lhes o pão a que têm incontestável direito». «É desumano que assim se proceda, com trabalhadores honestos e dignos, que, a maior parte das vezes, não têm mais onde ganhar o seu sustento. As empresas podiam concorrer para a solução do problema, aumentando o preço dos bilhetes de entrada, numa pequena quantia que reverteria, integralmente, em beneficio dos músicos. Cinquenta centavos não é coisa que aflija e estamos certos que o público não se negaria a tão generoso auxílio», sugeriu o jornal.

A qualidade dos artigos, o preço e a “má língua” dos colegas

20/11/1931 Uma das mais conceituadas casas comerciais de Coimbra publicou neste jornal, a 20 de Novembro de 1931, um curioso anúncio, algo provocatório: “A má língua dos meus colegas confirma a boa qualidade dos meus artigos”. Na mesma edição, Jorge Mendes comunicava saldos nas “Margaridas de flanela” - que eram “a 5$00; são a 2$50” - e “cobertores aos melhores preços” na sua loja da Praça Velha. “O melhor reclame, para a minha escolhida clientela, é o meu limitado preço”, anunciava ainda o conhecido comerciante.

21/2/1932 Diário de Coimbra pedia solução para dignificar um dos sítios mais concorridos da cidade, onde os mendigos se juntavam “aos magotes”

de Coimbra dava conta do apoio expresso por leitores à posição tomada sobre o «espectáculo vergonhoso que o Arco de Almedina oferece a toda a gente que por ali forçosamente tem de transitar». «Frisamos a hediondez de semelhante “coisa” e o que representa em relação à categoria da terra. É que, francamente, “aquilo” está na razão inversa do progresso de Coimbra, e grita, bem alto, quanto há de reFIGUEIREDO trógrado na nossa civilização e quanto nós estamos atrasados em matéria de assistência e turismo», reiterava. Preconizava depois a criação de um albergue «onde esses miseráveis encontrassem uma cama Jornal sugeriu lavada». Ideia não criação de uma impossível, «nem “Sopa dos Pobres” e de um albergue sequer difícil», conpara acolher os siderava, recordanindigentes do uma entrevista, publicada dias antes, em que João Simões da Fonseca Barata, da direcção do Asilo de Mendicidade de Coimbra, na Rua da Sofia, mostrava a disponibilidade da instituição, caso o Governo apoiasse com Arco de Almedina é dos principais pontos de passagem entre a Alta e a Baixa da cidade uma verba de 80 contos, para podiam trabalhar a legitimi- o Estado não concede a verba dustriais, e com uma verba que construir não só «uma clínica dade de estender a mão à cari- necessária para que o serviço poderia, por exemplo, ser rea- médica» como também «um dade pública, e «na impossibi- de Assistência tenha aquela lizada com a cobrança duma albergue para abrigo de todos lidade de recolherem a qual- amplitude que seria para dese- taxa, por pequena que fosse, esses miseráveis que por aí dorquer casa de beneficência», su- jar? Resposta difícil até certo em todos os bilhetes de casas mem nas cavalariças e noutros blinhava-se, no entanto, não ser ponto e fácil desse ponto por de espectáculo, de foot-ball, de locais indecentes». «Isto é, Coimbra pode criar «legítimo, nem lógico, nem ra- diante. Difícil porque o pro- basket-ball, etc., e ainda com o cional que se consinta aquele blema é extremamente melin- dinheiro resultante de alguns e manter, com o auxílio do Goespectáculo vergonhoso e avil- droso e carece de profundos espectáculos que fossem dados verno, uma Grande Obra de tante que se estadeia aos olhos estudos para a sua resolução. com aquele fim.Aí fica o alvitre, Assistência. Um pequenino sade toda a gente, com manifesto Fácil, porque se nos afigura viá- na certeza de ser tomado em crifício de todos redundaria vel a criação duma “Sopa dos conta por quem de direito», numa grandiosíssima obra. prejuízo para o turismo». Aguardemos pois», concluía o «Qual a maneira de remediar Pobres”, com o concurso de to- adiantava o jornal. Na edição seguinte, o Diário jornal.». M.S. este estado de coisas, visto que das as casas comerciais e in-

“EXPOSIÇÃO DE MISÉRIA” NO ARCO DE ALMEDINA ENVERGONHAVA A CIDADE

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onto privilegiado de passagem entre a Alta e a Baixa de Coimbra, o Arco de Almedina tornava-se também local estratégico para pedir esmola e estava, nove décadas atrás, «transformado numa autêntica exposição de miséria». Na edição de 21 de Fevereiro de 1932, o Diário de Coimbra pedia que fosse encontrada solução para dignificar aquele espaço central da cidade, resolvendo em simultâneo o problema dos pobres que «ali se juntam aos magotes, exibindo as mais repugnantes chagas e os mais horrorosos aleijões». «Toda a gente sabe que o Arco de Almedina é um dos pontos mais concorridos de Coimbra por ser ponto forçado de passagem entre a cidade alta e a baixa, e, consequentemente, o local indicado para a exploração dos transeuntes que por ali transitam às dezenas», observava o jornal, ao lamentar o «espectáculo degradante» da mendicidade, «impróprio de qualquer aldeia, quanto mais de uma terra que tem foros de terceira cidade do país». Reconhecendo aos que não

A “pavorosa descida” da Rua do Quebra Costas 30/1/1932 O Diário de Coimbra apelou à Comissão Administrativa da Câmara Municipal para que atendesse um abaixo-assinado em que se reclamava a transformação da ladeira do Arco de Almedina em escadaria. Considerando «justíssima a pretensão», o jornal, na edição de 30 de Janeiro de 1932, lembrava o perigo da concorrida Rua do Quebra Costas para os peões, sendo «raríssimo o dia» em que se não registavam quedas – e «se a maior parte das

vezes não há desastres de vulto, certo é que noutras se registam entorses, equimoses, traumatismos, etc.», anotava. «Ninguém ignora que o trânsito ali é dificílimo, mormente em dias de chuva, vendo-se os transeuntes obrigados a fazer verdadeiros prodígios de equilíbrio», reparava, sublinhando a urgência de resolver o caso. Pouco depois, a 18 de Fevereiro, o jornal voltava a pedir «a atenção de quem de direito» para o problema das quedas na «descida do Quebra Costas».

Jornal apontava quedas na descida do Quebra Costas

«Temos apontado os inconvenientes tremendos que sur-

gem daquela pavorosa descida que vai do fundo das Escadas do Quebra Costas até à Rua Ferreira Borges, pelo Arco de Almedina. Indicamos a maneira de evitar esse péssimo piso, para que deixassem de ser registadas, todos os dias, quedas deste, trambolhão daquele, entorse daqueloutro! Publicamos na íntegra a representação feita pelos moradores do bairro, dirigida à Câmara Municipal, onde lhe faziam sentir a razão que lhes assistia na petição apresentada», recordava.

Porém, acrescentava o texto, «já lá vão uns dois ou três meses sobre ela» [a petição]. «É verdade que a Câmara não descansa, que a Câmara não pára, que a Câmara trabalha bem em benefício da cidade e dos seus munícipes. Mas, sem que precisemos ser impertinentes, solicitamos à Câmara, da digna presidência do sr. Dr. Afonso Maldonado, que deite os seus olhos misericordiosos para a descida do Quebra Costas, onde se amontoam quedas sobre quedas», rematava.


02 | 31 JAN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Um estendal de roupa nas “grades do rio” 15/11/1931 O Diário de Coimbra apontava, na edição de 15 de Novembro de 1931, o “espectáculo” de roupa posta a secar pelas lavadeiras nas grades da marginal do Mondego, em Coimbra. «Alguém nos chama a atenção para o estendal de roupa quase permanente nas grades do nosso rio, que nada se coaduna com a categoria da nossa cidade, principalmente numa época em que se conjugam esforços para o seu aformoseamento. Não queremos por forma alguma criar dificuldades às pobres lavadeiras, porque dificuldades de mais têm elas, coitadas, a vencer nesta quadra tormentosa da vida. Em frente, na margem esquerda do rio, por exemplo, poderão elas estender a roupa sem prejudicar a estética da cidade. Ali, ou em qualquer outra parte, desde que seja além do Parque e aquém do Cais de despacho da Estação Nova. É o que se pretende para bom nome da nossa civilização», sugeria.

Faltava em Coimbra um salão para exposições 21/11/1931 «Em Coimbra, onde há muitos artistas de valor, que de vez em vez expõem os seus trabalhos, falta uma coisa que é indispensável», reparava o jornal na edição de 21 de Novembro de 1931, notando a «grande conveniência, indispensável mesmo, da criação dum salão para exposições», à semelhança dos que existiam em Lisboa e Porto. «É ver o que sucede quando qualquer dos nossos artistas deseja dar uma amostra do seu talento e do seu labor: tem de andar de chapéu na mão a pedir, a implorar, a mendigar uma sala, um quarto ou uma loja para o efeito e raro encontra qualquer coisa em condições. Ou são pequenos, ou são distantes, ou não têm luz, ou...», reforçava, comentando que «Lisboa e Porto possuem magníficos salões com todos os requisitos necessários e afinal, pensando bem, Coimbra tem tão bons artistas como aquelas duas cidades».

1931 O Diário de Coimbra alertou repetidamente para os perigos da contínua acumulação de areia no leito do Mondego, reclamando uma solução

ERA URGENTE DESASSOREAR O RIO, QUE INVADIA A CIDADE E DESTRUÍA AS CULTURAS

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oi em pleno Verão, mas mesmo assim «uma chuva tão miudinha e tão discreta que muito pouca gente deu por ela» quase fez transbordar o Mondego na margem esquerda, em Coimbra. A notícia, publicada por este jornal na edição de 31 de Julho de 1931, vinha acompanhada de uma explicação, atribuindo-se as «repetidas cheias» do Mondego à «formidável abundância de areia que, numa extensão de algumas centenas de metros, cobre o leito do rio». O assoreamento do rio, aos pés da cidade, era já um grande problema quando o Diário de Coimbra nasceu, há 90 anos. A acumulação da areia levava, em dias de maior pluviosidade e caudal, as águas do Mondego a invadir as margens, inundando as zonas mais baixas da cidade e danificando as culturas agrícolas a jusante. No dia 7 de Outubro de 1931, o jornal chamava a atenção para a urgência de resolver o desassoreamento do Mondego, pedindo-se uma comissão de especialistas para «estudar e tratar o assunto». «O problema deve ser posto com simplicidade e clareza: impõe-se ou não desassorear

ARQUIVO

tivos ponderosos, portanto, justificam essa operação», sublinhava o jornal. No dia 27 de Janeiro de 1932, o Diário de Coimbra informou que o Governo nomeara «uma comissão de engenheiros para proceder aos estudos Os trabalhos de desassoreamento das obras a fazer no rio Mondego na bacia hidroiniciados em 2017 gráfica do Moncustaram quatro dego, a fim de evimilhões de euros tar a continuação do seu assoreamento, que dia a dia se vai manifestando assustadoramente». «Esta obra, em que há muito Município levou a efeito um recente desassoreamento do rio se devia ter pensado e que deo leito do Mondego? Julgamos águas que vão prejudicar as morará alguns anos, repreque sim. O leito do nosso rio culturas pelo alagamento e in- senta um elevadíssimo melhotem subido extraordinaria- vasão inesperados e que outras ramento para os campos da mente. A erosão na terra tem vezes chegam mesmo a tomar região, alguns dos quais se endesagregado, como é notório, certas ruas da cidade baixa, im- contram já em estado tal que grande quantidade de detritos pedindo o trânsito e originando para nada quase já servem, devido às cheias que os têm asque são arrastados até nós e prejuízos aos moradores». «Só por estas fortes razões se soreado, tornando-os por isso acumulados nestas paragens pela simples razão do escasso impõe o desassoreamento do improdutivos», observava. Três meses depois, a 22 Mardeclive do leito nestas redon- Mondego. Mas há mais. Coimbra abastece-se da água do rio. ço, anunciou este jornal que o dezas», apontava. Resultado do tempo e das É necessário purificá-la impe- Governo tinha deliberado «há acumulações constantes, o ní- dindo o seu contacto com de- pouco mandar proceder às vel do leito do rio subira peri- tritos infecciosos. Para isso im- obras necessárias para evitar, gosamente, porque, esclarecia, põe-se do mesmo modo o de- na medida do possível, o asso«como as margens permane- sassoreamento do rio como reamento do rio Mondego». cem na mesma altura essa ele- medida higiénica a obstar à «Oxalá que essas obras se não vação gera o transbordo das contaminação das águas. Mo- façam demorar», exortava. M.S.

Em Coimbra recomendava-se ferver a água antes de a consumir Com o título “Fervam a água!”, foi divulgada neste jornal, a 19 de Agosto de 1931, uma nota em que os Serviços Municipalizados davam a conhecer os esforços «no sentido de se repararem ou substituírem as actuais câmaras de captação que têm um trabalho ininterrupto de 40 anos», sendo de «toda a vantagem, enquanto os trabalhos não estiverem concluídos, esclarecer o público de que a água de bebida

Animais bravos para atrair visitantes a Vale de Canas

deve continuar a ser fervida». O jornal, que por esses dias publicou vários apelos aos cidadãos de Coimbra para não consumirem a água sem previamente a ferverem, aproveitou para recordar o alerta que fizera tempos antes «dizendo

que as águas que bebíamos estavam inquinadas». «Fazíamos a afirmação baseados em dados oficiais. Em nota oficiosa, fomos desmentidos depois, pelo presidente cessante da Câmara [Santos Jacob], sem nos ser permitido contraditá-lo. Perguntamos agora: quem tinha razão? Quem mentia? Quem sacrificava a saúde pública?», questionou. No dia 31 de Outubro desse ano, foi noticiado que estava

concluído «o assentamento de um dos filtros de captação das águas, procedendo-se actualmente à conclusão do outro». «Acalcular pela actividade que se está empregando naquele serviço, que é de urgente necessidade, de crer é que ele esteja concluído no mais curto prazo de tempo, ficando assim a população livre da água inquinada que já há algum tempo lhe era fornecida», escreveu o Diário de Coimbra.

6/8/1931 Na edição de 6 de Agosto de 1931 noticiou o jornal a ideia de organizar, na Mata de Vale de Canas, «uma secção zoológica de animais bravos» originários da região das Beiras. «Já são muitos os beirões que secundam esta interessantíssima ideia, oferecendo para a secção zoológica regional vários animais bravos, como sejam javalis, lobos, raposas, gatos, cabras, etc., etc. Ainda há dois dias o sr. António Cabral Leitão, de Loriga, insistiu amavelmente na realização dessa ideia, pondo à disposição da Comissão de Turismo um lindo lobo, e anteriormente o sr. Álvaro Sanches da Gama Rego, de Figueiró dos Vinhos, oferecia um gato raro», exemplificava o jornal, considerando que a iniciativa, «viável desde que bem estudada», não deixaria de ser «muito interessante e curiosa para Coimbra, para as Beiras e para todos os visitantes da cidade». Meses depois, a 17 de Janeiro de 1932, o Diário de Coimbra informou que para a secção zoológica de Vale de Canas esperava a Comissão de Turismo receber, em Abril, «um veado e uma corça, caçados nas montanhas do Gerês». Indicava também que «o sr. Dr. Elísio de Moura ofereceu um lindíssimo casal de galinhas da Índia, e vai também oferecer um interessantíssimo sagui, que por certo viria a ser o encanto das crianças», enquanto que «o sr. EugénioAntunes Ramos ofereceu um magnífico pavão, de plumagem deslumbrante». «A secção zoológica de Vale de Canas será, no futuro, um dos mais interessantes entretenimentos das pessoas que visitarem aquele grande parque de altitude, contribuindo muito para atracção de turistas e simples curiosos», preconizava o jornal.


02 | 7 FEV 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Estranho caso das agulhas na Couraça dos Apóstolos 29/8/1931 Na edição de 29 de Agosto de 1931 foi relatado um caso intrigante passado com uma moradora da Couraça dos Apóstolos, em Coimbra. Ao regressar à noite da casa de uma vizinha e amiga, onde estivera das 20 às 22 horas, Maria Tavares «encontrou todo o quarto e móveis juncados de agulhas de coser, ferrugentas». «Nada menos de 98 agulhas, algumas das quais se encontravam espetadas nas almofadas e sobre o leito. Por felicidade, acendeu a tempo a luz, tendo-lhe dado na vista dois papéis azuis que encontrou no meio do quarto que ainda tinham algumas agulhas. Procurando, encontrou as restantes espalhadas por todo o quarto. Se não repara nos papéis podia ter sido vítima de alguma espetadela das que estavam no leito e nas almofadas das cadeiras», lia-se na notícia, intitulada “Bruxedo? Ou malvadez?”. Sugerindo às autoridades que averiguassem o sucedido, o jornal contava ainda que «parte da família que ficou em casa não deu por tal» e que «as agulhas devem ter sido atiradas de fora para dentro, com grande força, pois a janela do seu quarto achava-se aberta e fica a três metros do nível da rua». «Antes de regressar a casa notou da janela da sala onde passou a noite, dois vultos de mulher que estiveram paradas, pouco tempo, em frente à janela do seu quarto tendo desaparecido precipitadamente. Presume que não devem ser estranhas a isto pessoas conhecidas e muito relacionadas com a bruxa “Graúda” que ali perto costuma vir dar consultas», concluía.

Quem perdeu a boina espanhola? 6/5/1931 Num pequeno espaço, inserido na edição de 6 de Maio de 1931, o Diário de Coimbra informava o público que Amadeu Cordeiro, «nosso amigo e assinante» residente nos Olivais, tinha encontrado uma boina espanhola, que «entregará a quem provar pertencer-lhe, pagando este anúncio».

18/8/1931 Ermelinda Fernandes colocou-se à frente do autocarro e obrigou o motorista a parar, evitando o choque com um comboio do ramal da Lousã

carro, cuja gravura reproduzimos, mostra a violência do choque.ACompanhia alega que foi autorizada a ter a passagem de nível livre», recordava o jornal. Insistia também que o representante do Governo no distrito providenciasse, junto da CP, para se acabar «com aquela ratoeira armada à vida de cada um». «E as providências devem ser tomadas, imediatamente, para não terem de constatar-se horríveis desastres, a breve trecho. E de quem será a culpa, então?», questionava. No dia 25 de Setembro lia-se novo reparo, alertando o jornal que «muita desgraça tem estado em iminência» e «só por um cúmulo de feDiário de Coimbra licidade» não havia a pediu a intervenção lamentar vítimas nas do governador civil variadas situações junto da CP para rede risco, reportadas solver a questão da passagem de nível umas mas outras remetidas «ao olvido por desconhecimento». No entanto, lamentava, quem devia resolver - «os senhores da CP» - fazia «ouvidos de mercador». A 17 de Abril de 1932 o assunto ainda justificava alertas. O jornal publicou no dia 19 de Agosto de 1931 foto de viatura acidentada na passagem de nível «Continua sem cancelas a paspassagem de nível sem vigi- Coimbra repetia o protesto prezado amigo sr. Joaquim da sagem de nível, apesar das lante ou cancelas e «atraves- contra «uma passagem de nível Silva Porto, tendo sido um mi- nossas reclamações e das resada diariamente por centenas que poderá ser classificada de lagre o terem saído salvos da clamações do público. Os dede automóveis», reclamando- fatídica». «Não há ninguém de colhida o filho e filha daquele sastres, ali, têm estado iminen-se por isso do governador civil Coimbra que não conheça, ali nosso amigo e um casal mais, tes por mais duma vez. Pe«providências urgentes», por- em Ceira, certa passagem de que seguia no carro. Ainda an- dem-se providências e ninque «a vida dos indivíduos que nível que arrepia. Está livre a teontem se ia repetindo o de- guém ouve. Quando um sinistêm necessidade de por ali pas- passagem; nem cancelas, nem sastre, com uma camioneta tro se der, o que oxalá não susar não pode estar sujeita aos guardas. E o resultado, para carregada de passageiros, se ceda, então, talvez se providencaprichos e ao desleixo de quem segue de Coimbra, é tre- não fosse a intervenção provi- cie porque os clamores e a remendo.Ainda há dias ali foi co- dencial duma pobre mulher. O volta serão gerais e retumbanquem quer que seja». No dia seguinte o Diário de lhido o automóvel do nosso estado em que se encontra o tes», avisava o jornal. M.S.

PASSAGEM DE NÍVEL DE CEIRA ERA UMA “RATOEIRA” PARA AUTOMOBILISTAS

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esguarnecida de cancelas e de guarda, a passagem de nível do ramal ferroviário da Lousã na localidade de Ceira representava há 90 anos um perigo constante para a circulação automóvel, como o Diário de Coimbra foi insistentemente alertando, em várias edições. No dia 18 de Agosto de 1931 noticiou este jornal que, na véspera, o «sangue frio» de uma mulher de Ceira, Ermelinda Fernandes, tinha evitado que naquele local houvesse a lamentar «um enorme desastre». «A corajosa mulher, vendo que se aproximava o comboio e notando que se dirigia para a referida passagem uma camioneta, que trazia vinte passageiros do Senhor da Serra, colocou-se à frente dela, obrigando o chauffeur a parar a trinta metros da via férrea. Dois segundos depois passava o comboio, que, segundo nos afirmam, não deu o alarme devido, conforme determina o regulamento da Companhia», relatou. O perigo era evidente, numa

Uma estória de paixão e enganos que acabou mal 2/3/1932Com o título “Rapto acidentado”, o correspondente do Diário de Coimbra em Cantanhede enviou para a Redacção uma estória em que paixão e enganos se entrelaçavam, criando um episódio com desfecho algo dramático. Reproduzimos esse relato, tal como foi publicado na primeira página da edição de 2 de Março de 1932 deste jornal: «Há muito que se encontra nesta vila de Cantanhede uma companhia de circo sob a direcção do conhecido empresário Cardinali. Das muitas distracções deste circo faz parte uma barraca de

tiro ao alvo, estando sempre a atender o respeitável público uma galante morena, de olhos pretos como breu, que, pela sua beleza, maneiras gentis e delicadas, conseguiu ferir o coração dum pseudo-conquistador (sic), bastante conhecido cá no burgo. A ferida do coração daquele D. Juan era tão perigosa que o milagre da cura só poderia operar com um rapto, e foi o que aconteceu numa destas noites romanescas e de verdadeiro amor. O afecto, a dedicação, a amizade que nutriam um pelo outro era tanta que os impeliu a ausentarem-se, furtivamente,

desta vila para a vizinha povoação de Lemede, onde, em paz e sossego, desfrutaram, durante três dias, vivendo as delícias de um amor que lhes pareceu curto... com certeza. Porém, como toda a medalha tem reverso, para os dois pombinhos da vida, em face dos parcos recursos monetários de que dispunham, veio em breve a desarmonia, a desordem e possivelmente a fome. Ela, coitadinha, já com um filho de tenra idade, ignorando talvez... quem seja o pai, sente frio e chora desolada por ter acreditado nas falsas promessas do amante, que lhe havia dito ser

filho dum importante industrial de calçado, quando afinal não passa dum humilde sapateiro. Este, pretendendo passar aos olhos da sua amante como homem de “grandes massas”, não hesita em assaltar o quintal do sr. Aurélio Rebocho Vaz, chefe da Repartição de Finanças deste concelho, e o do nosso particular amigo sr. Paulo Gaspar de Freitas, donde subtraiu vários objectos de uso comum, trazendo ultimamente vestida uma camisa pertencente a este último. A infeliz raptada, cheia de desgostos e privações, ignorando a procedência daqueles objectos, apresentou queixa na

Administração deste concelho, dando as suas declarações origem à captura do seu audacioso amante. Já depois de preso e quando se dirigia à presença das autoridades respectivas a fim de prestar declarações, tentou evadir-se, não conseguindo o intento, tendo sido, já, entregue ao poder judicial. A raptada soubemos chamar-se Consuela Rodrigues dos Santos, de 25 anos de idade, solteira, e o “irrequieto” conquistador, Alberto Simões, vulgarmente conhecido por Alfredo Pataco, solteiro, residente nesta vila».


02 | 14 FEV 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Jornal antevia “pesadelo” com crescimento do apoio a Hitler

28/4/1932 Num texto publicado a 28 de Abril de 1932, fazia-se neste jornal uma reflexão sobre a ameaça que representava para a Europa a ascensão do partido nazi e da figura do seu líder, Adolf Hitler, que nas eleições presidenciais da Alemanha, realizadas nesse mês, ainda que derrotado pelo recandidato Paul von Hindenburg, vira crescer fortemente a sua base de apoio eleitoral - reforçada quatro meses depois nas eleições antecipadas para o parlamento, que viria a ganhar. Lia-se no texto que as eleições «vieram modificar o xadrez político do mundo» e que «as dificuldades que se estão já apresentando à RepúblicaAlemã poderão deambular em pesadelo forte para a Europa». «Tínhamos previsto a vitória de Hindemburg. Depois dela, não era fácil prever uma “vitória” dos nazis, como fácil não será prever as consequências dessas eleições, que deram “vitória” aos que fazem do militarismo um culto e pretendem por todas as formas fazer com que a Alemanha volte ao antigo poderio de 1914. Hindemburg, que através do seu governo na presidência tem manifestado um extraordinário bom senso, encontra-se a braços com uma situação delicada, extraordinariamente difícil até. O que se passará amanhã? Somos dos que bem desejam que a paz do mundo não seja alterada. E receamos bem que a experiência governativa de Hitler, que certos alemães vêm impondo de maneira violenta, venha lançar a velha Europa, e atrás dela o mundo inteiro, numa tremenda fogueira.Anão ser que o demagogismo dos “nazis” se convertesse em patriotismo equilibrado, virtude de que os não julgamos capazes», rematava o articulista.

20/9/1931 Camioneta de mercadorias tombou em Figueiró dos Vinhos, ferindo mais de duas dezenas de pessoas que transportava

PASSAGEIROS ERAM “CARGA” CONDUZIDA POR MOTORISTA SEM CARTA E EMBRIAGADO

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desastre, que ocorreu no domingo de 20 de Setembro de 1931 a três quilómetros da vila de Figueiró dos Vinhos, causando mais de duas dezenas de feridos, despertou para as condições de insegurança com que há 90 anos se faziam transportar muitos portugueses, sobretudo em regiões mais pobres e rurais, mas evidenciou também a falta de meios para o devido socorro das vítimas. O Diário de Coimbra noticiou no dia seguinte que uma camioneta de mercadorias, «carregada de passageiros e excedendo a lotação», tinha sofrido o acidente quando seguia para a povoação de Bairradas, no concelho de Figueiró dos Vinhos, tombando 50 metros após o despiste. «Ficaram feridas mais de 20 pessoas, com pernas e braços partidos» e «os três clínicos locais trabalharam afanosamente durante duas horas nos primeiros curativos», descrevia, revelando depois que «o motorista não tem carta e disse que ia embriagado». A «desoladora catástrofe», pelas circunstâncias, causou justificada indignação, patente no texto que o Diário de Coimbra publicou três dias depois, com o título “Fatídicas

FOTO: BIBLIOTECA MUNICIPAL DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS

bado a camioneta quando carregada de sardinha. Todos os domingos, depois de fazer o seu negócio, regressava Alguns dos feridos à terra – as Bairrecolheram ao “pseudo-hospital”, radas – com outros a casas paruma carrada de ticulares e três focarne humana, ram para Coimbra homens, mulheres e crianças que, sem consciência do perigo, se entregavam à mercê do acaso, transportados como mercadoria, de pé, sentados, como podia ser, enfim; o que se tornava preciso era caminhar para a morte voluntária e Antigo convento acolheu hospital de Figueiró dos Vinhos inconscientemente. Não pode ser!Anossa vida não deve concrítica com as iniciais F. A.. consequências da incúria”. Seguidamente, considerava tinuar ao dispor dos incompe«Confrangia a alma, entenebrecia o coração, o triste espec- que «se houve braços e pernas tentes e da estupidez de qualtáculo, o montão de vítimas partidas, cabeças fendidas, di- quer “larvado”», verberava. Mas, lamentava, «como não que automóveis e uma camio- ferentes contusões e escorianeta transportavam acelerada- ções», foi porque «a brandura há-de ser assim se até há pasmente para as farmácias da vila, dos nossos costumes o permi- sageiros “generosos” que cononde os clínicos locais exer- tiu». «O proprietário e moto- tinuamente oferecem vinho ciam carinhosa e cuidadosa- rista da camioneta sinistrada, aos motoristas e os distraem a mente a sua augusta e huma- além de não possuir carta que conversar?». «Tudo estupidez, nitária missão. Alguns sinistra- o habilite a conduzir o veículo, ignorância e inconsciência! Por dos recolheram ao pseudo- abusa amiudadamente do ál- isso os desastres se sucedem, -hospital de Figueiró, outros a cool. Ninguém o ignora em Fi- as vidas vão desaparecendo casas particulares e três ainda gueiró dos Vinhos. Porque se com todas as consequências vieram para o Hospital da Uni- consentia, então, um tal abuso? desagradáveis, e... juízo não há versidade, além de outros que O desastre tinha de dar-se, se quem tenha. Portanto, todo o não vieram, mas cujo estado é não fosse agora, seria mais rigor é pouco para punir. Urge também melindroso», dava tarde. Até nos informam que que se tomem providências conta o autor, assinando a nota por mais de uma vez tem tom- imediatas», concluía. M.S.

“Desolador espectáculo” no hospital de Figueiró dos Vinhos O desastre com a camioneta serviu ao autor do texto para lembrar que Figueiró dos Vinhos não tinha um hospital onde se pudesse «acolher sequer um doente, quanto mais prestar assistência imediata num caso de fatalidade como o de domingo último». «Tem poucas camas e não possui um único instrumento cirúrgico. Não tem enfermeiro e nem ao menos luz, apesar

da vila possuir iluminação eléctrica. Na noite fatídica do dia 20 foram os particulares que dispuseram candeeiros. O edifício é um casarão sem conforto de espécie alguma que em tempos idos pertenceu a uma ordem fradesca. E, todavia, com um pouco de boa vontade e persistência, já hoje se teria adaptado aquele casarão triste e sombrio a um razoável hospital»,

criticava, referindo-se à unidade de assistência hospitalar que entre 1861 e 1956 ocupou, juntamente com a sede da Misericórdia local, a ala sul do antigo Convento de Nossa Senhora do Carmo dos Carmelitas Descalços. «Entristece e compunge o desolador espectáculo daquela pobre mansarda a que só por irrisão se chama hospital», observava, ao conside-

rar que se os responsáveis figueiroenses conseguissem do Estado «uma dotação anual, o que não seria difícil, pois seja dito em abono da verdade os governos da Ditadura não tem sido escassos com a assistência pública, em dois ou três anos preparavam-se duas enfermarias, uma sala de operações, um gabinete para o médico assistente e algum material cirúrgico».

Álcool chegava aos reclusos através de uma corda 22/9/1931 A velha cadeia de Santa Cruz, instalada em condições degradantes no edifício onde hoje funciona a esquadra policial na Baixa de Coimbra, justificava mais uma notícia neste jornal, na edição de 22 de Setembro de 1931. Nela se informava que «o sub-chefe n.° 32, da Polícia de Segurança Pública, participou ao Comando Geral de que pela Rua de Montarroio são fornecidas bebidas alcoólicas e coisas diversas, aos presos ali internados, que são guindadas com uma corda, enganando por esta forma o zeloso carcereiro daquele presídio, que não pode ao mesmo tempo estar em toda a parte».

Uns “matulões” perturbavam moradores nos Olivais 28/9/1931 O Diário de Coimbra chamou a atenção das autoridades, na edição de 28 de Setembro de 1931, para o que se passava «todas as noites no largo fronteiro no escadório da Igreja dos Olivais», onde se reuniam «uns matulões, com alguma garotada, os quais, sem respeito por ninguém, não só ali fazem um barulho ensurdecedor, como proferem obscenidades e outras frases ofensivas da moral pública». «Ontem, o grupo, não satisfeito com o que ali faz, foi de abalada até S. Sebastião, um lugarzinho que fica próximo e tal barulho ali fez, e pela estrada fora no regresso para os Olivais, que pôs em alarme todos os habitantes, alguns dos quais, a essa hora, onze e meia da noite, já se encontravam na cama. Este abuso precisa de ser reprimido e tanto mais que, por tal motivo, muitas das famílias que vivem no bairro não saem a recrear-se para aquele local, não só por ele estar ocupado pelos matulões mas, muito em especial, pelos palavrões por eles proferidos, que não podem nem devem ser ouvidos pelas senhoras que ali residem», alertou o jornal, pedindo ao comandante da PSP para ali colocar um guarda das 21 à meia noite, para «acabar com o abuso».


02 | 21 FEV 2020 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Uma artéria para ligar a Praça Velha à Praça 8 de Maio 27/10/1931 O Diário de Coimbra referiu-se na edição de 27 de Outubro de 1931 a obras projectadas para embelezar a Praça do Comércio, que a Câmara Municipal teria intenções de começar no início do ano seguinte, sugerindo alterações na estrutura viária desta zona da Baixa da cidade. «Pena é que as circunstâncias não permitam a abertura de uma artéria que ligue aquele local com a Praça 8 de Maio e bem assim o alargamento da Rua Adelino Veiga, há anos idealizado pelo sr. dr. Manuel Braga [presidente da Comissão de Turismo], começando por essa forma a descongestionar-se o movimento enorme das ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges. Isso seria o ideal, e daria início a obras importantes que modificariam a Baixa num prazo pequeno, transformando-se as acanhadas ruas que a assoberbam em largas e vistosas avenidas», preconizava o autor do texto.

Voltavam a adejar no Choupal certas “borboletas” 11/10/1931 Com alguma ironia, o jornal dava conta do reaparecimento da actividade de prostituição no Choupal, perturbando cidadãos que procuravam a mata para momentos de lazer. «Chegam-nos rumores de que no Choupal voltam a adejar certas borboletas de diferente espécie das vulgares. Estas fogem da luz. Houve tempo em que a frondosa mata foi abrigo de rameiras, tornando intransitável o local para gente honesta. Um policiamento cuidado pôs um ponto final naquele desbragamento e, durante anos, o Choupal foi um dos locais mais atraentes e mais desinfectados de Coimbra. Volta hoje a haver rumores de que ali se juntam mulheres da vida duvidosa. Para o caso chamamos a atenção de quem de direito, na certeza de que prontas providências serão dadas», lia-se no texto publicado na edição de 11 de Outubro de 1931.

19/10/1931 Público acolheu com entusiasmo a exibição, no Teatro Avenida, do primeiro filme sonoro produzido em Portugal, realizado por Leitão de Barros

“ÉPOCA DE INVERNO” NOS CINEMAS ABRIU EM GRANDE COM O FILME “A SEVERA”

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om os veraneantes regressados a Coimbra começava também a designada “época de Inverno” nas duas salas de exibição cinematográfica da cidade. Na edição de 1 de Outubro de 1931, o nosso jornal anunciava o arranque, para esse mesmo dia, da nova temporada de filmes no Avenida, enquanto o Tivoli marcara a “reabertura” para a sexta-feira seguinte.Ambas as empresas, antevia o articulista, «vão dar-nos o agradável prazer de algumas horas de bom cinema, que é, afinal, uma necessidade para o espírito, depois de um dia de trabalho árduo». J. Piedade Ferrão, na “cine-crónica” que assinou neste jornal no dia 9 desse mês, explicava que em Coimbra, tal como em Lisboa e no Porto, «a verdadeira época de cinema é compreendida nos meses que vão de Outubro a Junho do ano seguinte». «Nestes nove meses é que se exibe o suco das produções a estrear; para esta época é que se guardam os mais consagrados e reclamados monumentos filmicos. Coimbra, verdadeiramente, só inicia essa temporada em princípios de Novembro, depois de Lisboa estrear os filmes que hão-de, de seguida, passar pelo seus écrans. Até lá, com a época oficialmente inaugurada, limita-se a exibir algumas “sobras” da época anterior e a reprisar alguma produção de nomeada que haja merecido a aceitação do público», anotava. Acrescentava o autor que «entre nós, o público interessa-se pelo começo da época e discute, fazendo prognósticos apreciativos, os próximos filmes falados de Greta Garbo, a “volta” da Clarinha ao cinema sonoro e os triunfos de Marlene Dietrich, recreando-se com a ideia dumas noites bem passa-

gundo um processo absolutamente novo e perfeito, inventado pelos engenheiros técnicos da Paramount», adiantava. Mas o público de Coimbra seria brindado, ainda em Outubro, com um filme português estreado quatro meses antes no Teatro São Luiz, em Lisboa, que se revelara um fenómeno de popularidade. Realizado por Leitão de Barros com base Filme “A Severa” esteve mais de na obra homómeio ano em cartaz nima do draem salas do país e maturgo Júlio terá sido visto por Dantas, “A Secerca de 200 mil vera” foi o priespectadores meiro filme sonoro produzido em Portugal e obteve tal sucesso que permaneceu mais de meio ano em cartaz e terá sido visto por cerca de 200 mil espectadores. Na edição de dia 15, o Diário de Coimbra revelava que «com Outubro, com o regresso dos veraneantes emigrados, com o movimento crescente da cidade, os nossos cinemas aniFilme chegou a Coimbra quatro meses após a estreia em Lisboa mam e “A Severa” vem abrir a série dos grandes filmes a estrear durante a temporada». Aestreia em Coimbra do “primeiro fonofilme todo feito por portugueses” ficou marcada para dia 19, segunda-feira, no TeatroAvenida, onde seria projectada uma cópia nova «chegada directamente de Paris». «Vai já em quatro meses que o S. Luiz começou exibindo o Anúncio publicado pelo Teatro Avenida no Diário de Coimbra apregoado filme de Leitão de das vendo e ouvindo os seus “stock”. Atendendo às ordens Barros, que depois disso já inidadas pelos produtores ameri- ciou a sua passagem por alguartistas favoritos». Acrónica apresentava depois, canos aos directores de produ- mas cidades da província, «em traços largos», o que se ção, também devem diminuir como Porto, Figueira da Foz, previa para a nova temporada, os filmes falados, pelo menos Santarém, Viseu e outras.Ainda apontando as tendências da in- os 100% falados. Os diálogos não vimos esta produção onde dústria cinematográfica. «Na foram encurtados, foram redu- se gastaram cerca de dois mil e próxima época devem termi- zidos à expressão indispensa- quinhentos contos e onde Leinar os filmes sonorizados, isto velmente mais simples. Como tão de Barros ocupou um ano é, as produções mudas apenas novidade de vulto, teremos, se de labor intenso. Cremos, não musicadas, como os america- não existirem os costumados e só em face da verba despendida nos entenderam por bem fazer lamentáveis atrasos, actualida- como dos elementos de que aos filmes que tinham em des inteiramente coloridas, se- Leitão de Barros se soube ro-

dear, que “A Severa”constitua um filme de categoria, à altura das possibilidades de que Leitão de Barros dispôs, já que o seu talento, como realizador, está inteiramente demonstrado com os seus filmes anteriores», escreveu o jornal. Publicada no dia 21, a reportagem da estreia dava conta de uma «casa absolutamente à cunha, sem um único lugar vago». «Havia natural ansiedade de se apreciar este filme bem português, acarinhado pelo povo até à idolatria. E sem reclames falsos; à ansiedade, à expectativa nervosa, correspondeu uma grande realidade. Quanto a nós agradou-nos plenamente. Leitão de Barros marcou efectivamente um grande lugar nos realizadores portugueses e dele é de esperar muito mais ainda. Merecia palmas o filme. Merecia uma chamada o realizador», elogiava, destacando ainda o «desempenho muito bom» sobretudo de Dina Teresa, como a fadista cigana Severa, de António Luís Lopes no papel de conde de Marialva, Costinha (marquês de Seide), Silvestre Alegrim (Timpanas) e António Fagim (Romão Alquilador).

Satisfeita com casa cheia, a empresa do Avenida proporcionou um atractivo extra na sessão de dia 24, sábado, e sem aumentar o preço dos bilhetes. «Dina Teresa, a gentilíssima protagonista do fonofilme “A Severa”, a maior revelação da cinematografia nacional, vem deliciar o público de Coimbra com a apresentação da sua esbelta figura e com os seus fados que canta com uma linda voz repassada de sentimento», noticiou o Diário de Coimbra. No intervalo da sessão, a actriz do Teatro Variedades subiu ao palco e interpretou «com todo o sentimento» duas das músicas do filme, o “Fado da Severa”e o “Fado da Espera do Touros”, «acompanhada à guitarra por um exímio guitarrista de Lisboa e à viola pelo nosso camarada de redacção sr. Abílio de Madeira». No final, «recebeu fartos a quentes aplausos, numa grande apoteose», registou o jornal. M.S.


02 | 28 FEV 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Acautelem-se, desprevenidos veraneantes! 16/9/1931 Com o título “Furtos na praia”, lia-se na coluna “Da Figueira”deste jornal, na edição de 16 de Setembro de 1931, que «os amigos do alheio, pelos modos, dão-se ao luxo caro de veranear» e, «vai daí, ei-los de exercer na praia a sua lucrativa indústria». «Aproveitando a ausência de banhistas, na salsas ondas embalados, toca de assaltarem as barracas e de limparem do vestuário tudo que nos bolsos faz lastro. Aquilo é uma busca policial, em forma. Acautelem-se, pois, os desprevenidos...», avisava o colaborador do Diário de Coimbra na Praia da Claridade. Acrescentava no texto que «a rapioca é exercida, em geral, por garotos, milicianos no ofício» e que «os banheiros, de sobreaviso, andam-lhes na peugada, dispostos a impedir-lhes a aprendizagem». «E fazem muito bem, pois então! A praia é para recreio ou descanso, e no Verão os trabalhos escolares estão suspensos! Alguns, menos afortunados, caem-lhe nas unhas e são enviados para a Capitania do Porto onde, segundo parece, se amontoam os objectos apreendidos - carteiras, canetas de tinta permanente, cigarreiras, etc. aguardando que as “vítimas” apareçam a reclamá-los. Um dos “heróis”, há dias encontrado com a boca na botija, foi preso e entregue ao poder judicial. Chama-se José Pedro Paulo de Melo Pais Tudela, tem 17 anos, é estudante e natural de Viseu. Aí está um que dava boa conta de si nas férias, e que para honra nossa não é da Figueira...», concluía o autor da crónica.

Falta de limpeza em talhos do mercado 4/9/1931 O Diário de Coimbra alertava na edição de 4 de Setembro de 1931 para a falta de higiene em alguns talhos do Mercado D. Pedro V. «Os ganchos que seguram muito em especial a carne de carneiro têm agregada tanta porcaria, que alguns até dão a impressão de que se encontram pintados», ironizava, pedindo à Câmara a devida fiscalização.

17/1/1932 “De duas, uma: ou se destrói a capela ou se restaura”, exortava o Diário de Coimbra, ao lamentar o estado de degradação do edifício de culto

capela histórica, que data da fundação da nossa nacionalidade, esteja assim votada ao abandono?», questionava, lamentando não haver quem olhasse por «uma capela considerada monumento nacional, que nem ao menos lhe mande consertar o telhado». Também do ponto de vista histórico o templo merecia «um pouco de carinho». «Compete ao Governo a sua conservação? Sem dúvida! Mas, mais ARQUIVO do que ao Governo, pertence à cidade de Coimbra, visto que a ela andam ligaO cruzeiro antigo do Arnado, de dos factos histómeados do século ricos, sobremaXVI, pode ser visto neira importannos claustros da tes e consequenSé Velha temente algumas das suas gloriosas tradições», sublinhava. Apontando ainda o interesse artístico, pois «existem ali, ou existiram, quadros e lápides de subido valor, que é crime votar ao desprezo», o jornal lembrava Capela existiu onde hoje se evoca a Princesa Cindazunda que havia em Coimbra um Em 1932, o estado de degra- nal? Se é, abstemo-nos de co- Conselho deArte eArqueologia dação do edifício religioso mo- mentários; se não é, deite-se a a quem competia «velar pelos tivou indignação e reparos no capela abaixo, que assim de- seus monumentos e pelas suas Diário de Coimbra. Na edição safrontará aquele concorridís- preciosidades» «A arte, para muita gente, é de 17 de Janeiro, o jornal afir- simo local, poupando-nos ainmava que a Capela do Arnado, da ao dissabor de contemplar um luxo. Ora, é preciso que se por decreto classificada como o triste espectáculo que actual- diga a toda a gente que a Arte é monumento nacional, jazia mente se nos oferece», protes- mais alguma coisa do que isso; é necessário que toda a gente «num abandono criminoso», tava o articulista. Na edição seguinte o jornal saiba que os nossos monuobservando que «o recheio da capela é de raro valor», «ali retomava o assunto, registando mentos são o atestado da nossa existem quadros, lápides e ou- as reacções de «aplauso e de civilização e da nossa cultura; tros objectos de grande valia, incitamento» de leitores, pelo que são o orgulho da nossa histórica e artística», e «o te- apontamento do dia anterior. raça», proclamava, defendendo «Realmente, “aquilo” assim a urgência de restaurar a o molhado é como se não existisse, contam-se as telhas inteiras não está bem. Ou se restaura, numento. «E, de duas, uma: ou que possui». «Uma pergunta ou se faz desaparecer; tal como se destrói a capela ou se resinocente: é ou não é a Capela está é que não pode continuar. taura. E, isto, enquanto é temdo Arnado monumento nacio- Então faz lá sentido que uma po!», rematava. M.S.

CAPELA DO ARNADO ERA MONUMENTO NACIONAL VOTADO AO ABANDONO D.R

Capela do Arnado foi demolida em meados da década de 30

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onfluência de algumas das principais artérias da Baixa de Coimbra, o Largo do Arnado teve em séculos passados uma importância na religiosidade popular que hoje praticamente se desconhece. Naquele local, sensivelmente onde agora se evoca a lendária Princesa Cindazunda, a capela que albergava a imagem de Santo Cristo do Arnado, tida por prodigiosa, atraiu outrora grande número de devotos. ACapela doArnado começou por ser cruzeiro, assinalando o sítio de onde, segundo as crónicas, terá partido D. Afonso

Henriques com os seus soldados para a conquista de Santarém. Ao longo dos tempos a construção foi melhorada e ampliada, vindo a resultar de obras efectuadas entre 1723 e 1729 um templo de uma nave com capela-mor, sacristia e arrecadação. Mas a importância do culto foi decrescendo e a expansão da cidade para norte, com a necessidade de novos arruamentos, acabaria por ditar a sua demolição no século passado, em meados dos anos 30, não restando hoje vestígios da construção nem tampouco uma placa a lembrar que ali existiu aquele património da cidade.

Espancado por “tentar seduzir” rapariga 18/8/1931O correspondente do Diário de Coimbra em Mortágua noticiou na edição de 18 de Agosto de 1931 o severo castigo aplicado por familiares de uma jovem a um homem desempregado que vagueava na região. O relato, intitulado “Homem barbaramente espancado depois de tentar seduzir uma rapariga”, começava por identificar Diamantino Gaspar de Matos, solteiro, de 27 anos, da Figueira da Foz, com família nas

Alhadas, como «um destes operários sem trabalho que todos os dias vagueiam por essas estradas e que, de terra em terra, vão estendendo a mão à caridade pública a ver se assim conseguem com que sustentar-se». «Encontrando ontem, na estrada que do Bussaco conduz a Mortágua, entre o Barracão da Castanheira e a Moura, uma rapariga do Vale de Vide deste concelho, filha de José da Silva, que sozinha se dirigia para o Bussaco, atentou contra o seu

pudor. A rapariga, que é nova e nada feia, pretendeu resistir, não evitando que o transeunte a arrastasse para fora da estrada, onde a amarrou de pés e mãos. Como ainda assim a rapariga resistisse, o meliante abandonou-a naquele estado e seguiu o seu destino, em direcção a esta vila», lia-se na crónica. De acordo com a descrição, a jovem, «conseguindo facilmente desamarrar-se, corre a casa contar o facto à família, vindo em seguida o pai e ir-

mãos em perseguição do meliante, indo encontrá-lo a cerca de três quilómetros desta vila, a caminho de Santa Comba Dão. Uma vez preso e algemado, conduziram-no ao Barracão da Castanheira, que daqui dista sete quilómetros, tendo o cuidado de fugir à acção das autoridades, passando por caminhos afastados da vila. Reconhecido pela rapariga e confirmada por esta a sua façanha, o meliante foi barbaramente espancado pelos irmãos

da rapariga e por outras pessoas, deixando-o em estado quase comatoso, até ontem de manhã, que foi quando o apresentaram à autoridade». «O rapaz deu entrada na cadeia. Fomos visitá-lo. Mete dó. Confessou-nos a sua leviandade, mas dela pediu perdão para que não espancassem assim tão selvaticamente o espancaram», concluía o correspondente do jornal, recomendando este caso à «atenção do sr. Delegado da Comarca».


02 | 07 MAR 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Coimbra “imersa em densas trevas” 12/10/1931 O Diário de Coimbra protestava na edição de 12 de Outubro de 1931 por se deixar a cidade sem iluminação pública durante a noite, com os consequentes riscos de segurança. «Achamos inconveniente que ainda cedo se apaguem as luzes que iluminam a cidade. Nós, jornalistas, que não nos podemos deitar cedo, mas, pelo contrário, os deveres de ofício obrigam a deitarmo-nos tardíssimo, temos constatado que Coimbra às 4 da madrugada fica imersa em densas trevas, não se distinguindo sequer os edifícios. É uma escuridão terrível que impede o andamento ou nos obriga a caminhar à sorte. Note-se: encontramos sempre a essas horas indivíduos que certamente chegam dos comboios, lutando como nós para se libertarem de tal odisseia noctívaga. Não se poderá retardar mais um pouco o encerramento da iluminação que a tais horas pode originar crimes ou favorecer mistérios?», questionava o jornal, interpelando a Câmara de Coimbra.

O primeiro “semáforo” na Praça 8 de Maio 27/9/1931 Na edição de 27 de Setembro de 1931 o Diário de Coimbra anunciava a instalação, prevista para breve, de um “quadro de sinalização eléctrico” (semáforo) na Praça 8 de Maio, no entroncamento das ruas da Sofia e Olímpio Nicolau Rui Fernandes. «Esta obra, da iniciativa do Comando Geral da Polícia, é de urgente necessidade atendendo ao trânsito enorme daquelas artérias. Pena é que outros locais não sejam dotados com igual melhoramento, por exemplo a entrada da Rua Ferreira Borges, junto ao Largo Miguel Bombarda e o Largo das Ameias, no cruzamento da Rua Adelino Veiga com aAvenida da Madalena. De crer é que isso esteja no ânimo do sr. Comandante Geral da Polícia e que Coimbra, dentro em pouco, veja estabelecido o serviço de sinalagem nas condições necessárias para evitar possíveis desastres», recomendava.

25/10/1931 Houve “pugilato” num dos jogos da primeira jornada da Taça da Cidade. “É punir, carregar sem dó nem piedade”, recomendava o jornal

cio de época, a maneira como toda a equipa se comportou, fornecendo um conjunto agradável, deixa antever uma época mais brilhante à equipa escolar do que a transacta». Ao contrário da outra partida, aqui louvava-se a «correcção e desportivismo» dos jogadores, sendo apenas «digna de censura a atitude do guarda-redes» do Santa Clara (Jesus), «ao pretender abandonar o campo, zangado com os FOTO: LIVRO “ACADÉMICA - HISTÓRIA DO FUTEBOL” companheiros». No dia 1 de Novembro, o jornal aplaudia a Associação de Foot-Ball de Coimbra (AFC) pelos castigos, ainda que lhe parecessem “leves”, aplicados aos infractores do Sport - União, penalizados com Na final da Taça da um jogo de Cidade, disputada suspensão. no dia 15 de Novem«Foram mais bro de 1931, a Académica ganhou ao longe os deNacional por 6-1 sordeiros com a sua falta de brio e educação desportiva do que os julgadores com a sua sentença», lia-se no Equipa da Académica na época 1931-1932: Portugal, Cesário Bonito, Veiga Pinto, Cristóvão, Altexto, comentando que os dibano Paulo, Waldemar Amaral, José Barata, Filipe dos Santos, Cabeçadas, Isabelinha e Rui Cunha rigentes da AFC «acabam de Depois da expulsão já acima de pugilato, são expulsos Soler barrela, não olhar para trás e demonstrar exuberantemente veremos se as vergonhas de que estão dispostos a limpar o apontada, as vergonhas repar- e Dias», acrescentava. «Começou assim o “foot” em ontem se repetem», verberava “foot-ball” das impurezas que tiram-se em maior número, o emporcalham, empregando quase que se deixava, a certa Coimbra: “association”agradá- o indignado repórter. Do outro jogo do dia, regis- para isso a maior energia, sem altura, de fazer “foot-ball” para vel para princípio e falta de eduse realizar “box” a que ele, o ár- cação desportiva demasiada tava-se como «notável o ele- fugir à lealdade. Que nunca as bitro, assistia impávido e se- para começo... O que lhes possa vado score» e a «exibição agra- mãos lhes doam». Para a final da Taça da Cidade reno, quase limitando-se a ter faltado de bom “foot-ball” dável da equipa da Associação “apartar”... faltando--lhe so- possuíram-no, infelizmente, em Académica», que se apresen- foram apurados a Académica matéria de baixo desporti- tara a jogo com Barata, Curado, e o (já desaparecido) Nacional. mente dizer: “break”». De acordo com o relato, «gi- vismo. Que vergonha! Que mi- Vítor, JúlioAlbano, Guerra, Por- O jogo derradeiro, «aguardado rava a bola junto das redes do séria! Estamos no princípio, é tugal, Isabelinha, Rui, Mário Cu- com grande interesse pelos afiUnião quando se registou a pri- punir, carregar sem dó nem nha e Celestino. «Foi um mar- cionados», foi disputado no dia meira cena de pugilato: Nardo, piedade, porque o merecem. telar constante dos “negros”. 15 de Novembro. «O Nacional useiro e vezeiro, e Dias envol- Uma limpeza profunda, que Pouco, muito pouco, foot-ball, resistiu valorosamente» mas a vem-se em desordem esbo- tire do “foot-ball”todas as por- por parte dos d’além rio e um vantagem pertenceu aos estuçando alguns murros. O árbitro carias que o infectam; uma la- razoável entendimento por dantes, que conquistaram o aplaca os ânimos e o jogo con- vagem enérgica é o que o parte dos académicos que fi- troféu após um expressivo retinua». «Ainda no primeiro nosso “shoot” precisa. Sabão zeram 14 pontos a 0», prosse- sultado de 6-1. «Os “verde-amatempo, registam-se mais cenas “macaco” e piaçá, uma grande guia, observando que «para iní- relos”, embora vencidos, souberam conduzir-se com correcção, dando uma boa lição de lhaneza a outras equipas de Um lamaçal no caminho para o campo da Arregaça maior nomeada, que em casos idênticos não sabem manter O campo da Arregaça, do cial do vereador do pelouro gos, para regularizar o trân- até final o mesmo aprumo desUnião de Coimbra, era um das obras, Moura Marques, sito, e assim obriga os auto- portivo», elogiou o jornal. Reforçada entretanto com dos palcos principais de para a urgência de mandar móveis a ficaram longe do eventos desportivos na ci- reparar o caminho de acesso campo, cá em cima, na Es- Filipe dos Santos e Cesário Bodade, mas há 90 anos as con- («não calcetado» e «feito de trada da Beira», observou, nito, que tinham vindo para dições de acesso deixavam terra mole») ao campo de fu- avisando que se impunha a Coimbra estudar Medicina, a muito a desejar. No dia 21 de tebol, que aos domingos era obra «para antes do Inverno, Académica iniciou poucos dias Agosto de 1930 o nosso jor- frequentado por milhares de o qual transforma sempre depois (29 de Novembro) a nal chamou a atenção da Co- pessoas. «A polícia vê-se em aqueles sítios num tremendo participação no campeonato missão Administrativa da Câ- certos embaraços, nas tardes lamaçal, impossível mesmo distrital de 1931-32, empatando (2-2) com o Sport. M. S. mara de Coimbra, e em espe- em que ali se realizam os jo- para o trânsito a pé».

“CENAS VERGONHOSAS” NO ARRANQUE DA ÉPOCA FUTEBOLÍSTICA EM COIMBRA

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oi com a Taça da Cidade que, no dia 25 de Outubro de 1931, abriu a nova temporada de futebol em Coimbra. O jornal, no dia seguinte, foi cáustico na avaliação da tarde desportiva de domingo, não tanto pelo desempenho futebolístico mas por incidentes que demonstraram a «falta de educação desportiva» de alguns jogadores. Defrontaram-se, nessa primeira jornada da taça local, a Académica e Santa Clara, em que os estudantes derrotaram a equipa da margem esquerda por um esmagador 14-0, e também o Sport e o União, com vitória do clube da Baixa sobre o da Arregaça por 3-1. Foi este último jogo que motivou o apontamento crítico do Diário de Coimbra. Deixamos o leitor com um excerto do relato: «Começou ontem o football em Coimbra. Para início da época, os jogos realizados, principalmente o União - Sport, seriam de molde a agradar se não tivéssemos que registar cenas que deitam por terra tudo o que pudessem ter feito de bom. No jogo entre “azuis”e “vermelhos”, que começou por nos entusiasmar, tal a fogosidade com que começou por ser disputado, deram-se cenas degradantes, vergonhosas, que dão uma bem triste ideia do juízo que os nossos, nem todos, bem entendido, footebulistas, fazem do desporto. As já velhas “ovelhas ranhosas”, chamemos-lhe assim, deram logo de princípio a nota do seu desportivismo. Culpa do árbitro? Sim, e principalmente desde que expulsou Soler e Dias, por se terem envolvido em desordem. Com este seu gesto, que nós apoiamos, deunos a impressão que ia ser um árbitro à altura: enérgico, decidido, capaz de reprimir toda e qualquer manifestação menos correcta. Não aconteceu assim.


02 | 14 MAR 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Pôr os pontos nos ii” no acordo ortográfico 8/1/1932Vêm de longe as polémicas com acordos de alteração ortográfica. Na edição do Diário de Coimbra de 8 de Janeiro de 1932 considerava-se «vergonhoso» o que se passava com o acordo ortográfico firmado em 1931 entre aAcademia Brasileira de Letras e a Academia de Ciências de Lisboa para reunificar a ortografia da língua portuguesa. «Não há maneira de a gente se entender em matéria de ortografia. Se já havia complicações antes do acordo, agora, então não se fala... Não entendemos para que se teria pensado nisto, nem para que servem as assinaturas dos representantes do pensamento brasileiro. Fez-se o acordo para se cumprir, ou para quê? Este jogo das escondidas não bate certo. É preciso que ponhamos os pontos nos ii e nos convençamos de que com coisas sérias não se brinca», criticava o jornal. O texto, intitulado “O acordo luso-brasileiro”, observava que «o próprio governo brasileiro alimenta a dissidência, não legislando no sentido do acordo ser respeitado, nem ordenando a nova grafia nos estabelecimentos de ensino». «O que se está passando é simplesmente vergonhoso, para nós. E necessário que nos saibamos impor!», rematava.

Recluso com saudades da cadeia 17/2/1932 Foi noticiado na edição de 17 de Fevereiro de 1932 que tinha saído da Penitenciária de Coimbra, após cumprir pena de oito anos, «o gatuno José Maria António». «Uma vez em liberdade, tratou de se dedicar, de novo, ao seu oficio. E vai daí dirigiu-se à aldeia de Almagreira, concelho de Pombal, onde operou com tal êxito que conseguiu juntar, dentro de poucas horas, nada mais, nada menos de dois cordões de oiro, uma corrente e um relógio de prata. Indubitavelmente tinha saudades da casa. E não é caso para menos. Na Penitenciária a vida corre bem - à sombra e com farta comida», ironizava o jornal.

28/2/1932 Transportados em comboio especial, mais de mil estudantes foram calorosamente recebidos e divertiram-se no Parque Cine

o espectáculo está no auge, fazendo-se ouvir, por variadíssimas vezes, vivas entusiásticos dos estudantes aos quais se associam as lindas damas figueirenses que, em camarotes artisticamente engalanados, assistem a este espectáculo, ao qual dão uma nota duma alacridade impressionante», transmitiu o repórter. Pela notícia ficamos a saber que «o programa foi cumprido à risca» e que o sarau ARQUIVO FOTOGRÁFICO MUNICIPAL DA FIGUEIRA DA FOZ cultural no (já desaparecido) Parque Cine constou de cinema sonoro, um acto de variedades Com capacidade a cargo dos estupara 1.500 pessoas, dantes, fados e o Parque Cine foi guitarradas. palco de numerosos «As meninas da espectáculos ao Figueira exultalongo do século XX ram de alegria por esta visita inesperada. Fora de todos os preconceitos, sorriram ternamente aos novos doutores, com toda a sua gentil garridice», anotava-se, acrescentando o texto que «vários grupos de académicos percorreram as ruas da cidade dando largas à sua alegria, cantando e dançando, Situado no Bairro Novo, junto ao Casino, o edifício do Parque Cine foi demolido em 1987 pondo assim desusado moviDepois, prosseguia, realizou- mento na cidade que se mossociação Académica, em cor- da Foz, Mário Azenha, fez o setejo de muitas centenas. A sua guinte relato do evento: «A Aca- -se pelas 21h00 a sessão de ci- trou muito reconhecida para algazarra alegre atraía as pes- demia de Coimbra chegou à es- nema e variedades, com «o Par- com a alegre rapaziada que soas e levava muitas atrás de tação da Figueira da Foz pelas que Cine à cunha», revertendo todo o povo soube acarinhar». Terminada a festa, «pela 1 si, engrossando a multidão. Um 20,18 horas, sendo esperada por parte do produto da espectáexcursionista, ao passar por muitíssimos figueirenses que culo a favor da Misericórdia - hora e 20 minutos regressou nós, afirmou-nos “Tudo isto por lhe fizeram uma recepção im- Obra da Figueira, Jardim Escola a Coimbra a estudantada», oito escudos e meio. Cinco para ponente, sendo queimadas João de Deus e Filantrópica acompanhada à estação «por uma enorme massa de figueio comboio, três para cinema e centenas e centenas de fogue- Académica de Coimbra. «AFigueira recebeu com ale- renses que se mostraram grano resto para uma ‘champa- tes. Nesta recepção fizeram-se nhada’ alegórica…” E lá seguiu, representar todas as associa- gria a “rapaziada brava”, não lhe demente sensibilizados com alegre e descuidado», descre- ções de classe da cidade e uma regateando palmas em todos esta visita». «O comboio traveu o repórter que os acompa- banda de música, tendo a os seus números; palmas vi- zendo a nossaAcademia entrou enorme multidão e aAcademia brantes e entusiastas. Alguns nas agulhas da Estação Nova nhou em Coimbra. Por telefone, o jornalista do constituído um imponente e causaram verdadeira hilari- pelas duas horas da madrudade. À hora a que telefonamos gada», concluía a notícia. M.S. Diário de Coimbra na Figueira majestoso cortejo».

EXCURSÃO NOCTURNA LEVOU ACADEMIA DE COIMBRA A SARAU NA FIGUEIRA DA FOZ

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ão memória recente as idas dos estudantes à Figueira da Foz para a tradicional garraiada, festejada durante longo tempo como um dos momentos altos da Queima das Fitas de Coimbra. Mas encontramos também registo nas páginas deste jornal, nove décadas atrás, de uma excursão nocturna que levou «mais de mil capas negras» à Praia da Claridade, de comboio, para uma sessão de cinema e variedades no salão do Parque Cine, no Bairro Novo. Na edição de 28 de Fevereiro de 1932 o Diário de Coimbra destacava, na primeira página, o sucesso da iniciativa académica, acolhida entusiasticamente pela cidade anfitriã. No dia anterior os estudantes distribuíram «de motocicleta, pela cidade, imensos prospectos do espectáculo no Parque Cine» e ao final da tarde, pelas 18h55, partia rumo à Figueira da Foz o comboio especial com os excursionistas da Academia de Coimbra. «Quase duas dezenas de carruagens, absolutamente apinhadas. Mais de mil capas negras, numa alegria sadia, a manifestar-se com ditos picarescos. Tinham saído antes, daAs-

Estudantes ameaçaram fazer “greve” ao cinema 23/2/1932 O preço dos bilhetes de cinema motivou um protesto académico, que o Diário de Coimbra noticiou na edição de 23 de Fevereiro de 1932. Na véspera, por ter constado que o Teatro Avenida pretenderia «elevar os preços para alguns dos filmes mais dispendiosos», os estudantes reuniram-se na Associação Académica para debater esta preocupação e tomar medidas. Da reunião saiu a decisão de

transmitir à empresa de espectáculos que «a Academia não só manifestava a sua reprovação contra o falado aumento, como declarava não concordar com os preços existentes, resolvendo não voltar mais ao cinema enquanto não lhes fornecesse bilhetes de plateia a 4$00». Acompanhada por «algumas centenas de estudantes», a comissão nomeada deslocou-se ao TeatroAvenida mas o encontro com os represen-

tantes da empresa não surtiu o efeito desejado. Para esclarecer o assunto, o jornal ouviu o responsável da Empresa do Avenida, Mendes deAbreu, que desmentiu os rumores de aumento dos preços e também declarou ser impossível satisfazer o desejo dos estudantes de terem bilhetes a 4$00. «Por muito desejo e boa vontade que tivéssemos em atender aquela pretensão não o podemos fazer em virtude

dos pesados encargos que oneram a empresa e ainda por motivo do elevado custo dos filmes, que como Coimbra sabe são sempre os melhores que se exibem lá fora. Não podemos, contra nosso desejo, conceder mais vantagens ou reduções, além do desconto de 30% que damos já aos sócios da Associação Académica, nas matinées de domingo e nos espectáculos de segunda-feira», argumentou o empresário.

Com intervenção de um mediador, «pessoa amiga dos estudantes e da empresa», o assunto viria a resolver-se dias depois, noticiando o jornal, a 4 de Março, que «ficou ontem completamente solucionada a greve dos cinemas feita pela Academia de Coimbra». Uma «solução onde todos ficaram bem colocados», com o valor da desejada redução nos bilhetes de plateia a reverter para as «casas de caridade da cidade».


02 | 21 MAR 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Transporte de correio “de cavalo para burro” 29/2/1932 Com o título “De cavalo para burro...”, o Diário de Coimbra publicou, na edição de 29 de Fevereiro de 1932, um apontamento do correspondente em Espinhal a informar que estava afixado um anúncio «à porta da Estação-Postal para a arrematação das malas do correio que diz que o concorrente aceite pode servir-se de carros de 4 rodas e de 2 (tracção animal ), cavalo ou de motocicleta» e também que «os arrematantes podem escolher o trajecto de Miranda do Corvo a Penela ou de Condeixa a esta vila». «Até aqui tem sido feito por um automóvel, embora com bastante sacrifício para o seu proprietário devido ao escasso ordenado, e tínhamos o correio a horas. Agora, se aparecer alguém que queira fazer o transporte de burro e que escolha o trajecto de Condeixa a esta vila, teremos com toda a certeza o correio ao cerrar da noite. Parece impossível que a Direcção dos Correios tomasse tal deliberação e andasse sempre a falar que caminhamos para o progresso. Também não leva em conta os interesses de cada um, quando é certo que os devia ter em consideração. Por isso, vimos protestar por esta infeliz deliberação e chamamos a atenção de quem de direito para o caso», criticava o autor.

Reclusos a pé nas principais ruas da cidade 25/11/1931 Protestava-se na edição de 25 de Novembro de 1931 contra o «facto vergonhoso da condução de presos [a pé] pelas ruas principais da cidade de Coimbra nas horas de movimento, na maioria das vezes escoltados por forças militares, de baioneta calada», a caminho da cadeia de Santa Cruz. Um «assunto deprimente e que representa um espectáculo comovedor», sublinhava o jornal, sugerindo ao ministro da Justiça que, tal como fizera recentemente no Porto, determinasse a «vinda para Coimbra de um carro celular para ser utilizado naquele serviço».

18/11/1931 Mudar a sede paroquial para o requalificado templo românico permitiria prolongar a Praça do Comércio “por meio de uma artéria ampla”

DEFENDEU-SE DEMOLIÇÃO DA IGREJA DE SÃO BARTOLOMEU APÓS RESTAURAR SÃO TIAGO

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evadas a efeito entre 1908 e 1935, as obras de restauro da Igreja de São Tiago estavam em fase de conclusão quando o Diário de Coimbra levantou a questão do uso a dar ao requalificado templo românico da Praça do Comércio, classificado como monumento nacional. Na edição de 18 de Novembro de 1931, o jornal publicou um texto a partilhar «o pensar de muitas pessoas» que alvitravam a mudança da sede paroquial de São Bartolomeu para a Igreja de São Tiago, sugerindo a demolição do edifício religioso no topo da Praça Velha, que consideravam desprovido de «estética, arquitectura e arte». Demolir a Igreja de São Bartolomeu, argumentava-se, significaria «desafrontar o local, cujas artérias são apertadíssimas», beneficiando «principalmente o comércio e todos quantos por ali vivem, porque receberão mais livremente o sol e o ar». «Não temos intenção de melindrar por forma alguma os sentimentos católicos de seja quem for, demais que até ficarão melhor servidos. O que apenas pretendemos é desafrontar o local, para bem da estética citadina e para bem dos moradores das imediações. Já que se não pode fazer uma transformação imediata, como tanto se impõe, de toda a Baixa da cidade, bem será aproveitar oportunidades que se ofereçam para a descongestionar», justificava o autor do texto, concluindo que com essa opção «todos lucrariam sem afectar os interesses de ninguém». Dias depois, a 13 de Dezembro, o Diário de Coimbra insistia na ideia, comunicando que «os habitantes da freguesia de São Bartolomeu, e especialmente os que vivem nas ime-

Povo de Escumalha queria mudar nome da terra

D.R.

que nele se passassem a realizar todos os exercícios religiosos da freguesia de São Bartolomeu. Tal, porém, não aconteceu. E assim, há mais de um mês que foi reaberta a Igreja de São Tiago, apenas se tendo celebrado nela, no entanto, até hoje, uma missa», lamentou. No texto, embora reconhecendo a falta dos «mais elementares requisitos de conforto indispensáveis num Igreja de S. Tiago templo», desofreu ao longo fendia-se que dos séculos várias não seria difícil modificações que lhe foram retirando «adaptar defia “pureza original” nitivamente a Igreja de São Tiago a igreja paroquial», observando que «as próprias autoridades eclesiásticas, longe de contrariar a ideia, antes a aplaudem e defendem», faltando no entanto dar-lhe «completa efectivação». «O interesse imediato da transferência da sede da paróquia para o templo de São Tiago é este: demolir o edifício inestético e sem qualquer valor da Igreja de São BartoloIgreja de São Tiago antes e após o restauro de 1908 - 1935 meu. Erguendo-se no ponto diações da actual sede paro- rias modificações que lhe fo- em que se ergue, constitui ele quial, desejam que ela passe ram alterando o aspecto – aco- um importante estorvo para para a Igreja de São Tiago, lheu em 1546 a Santa Casa da o desenvolvimento citadino. sendo demolida aquela». «Na- Misericórdia, que construiu as Procedendo-se à sua demolida possui de arte ou de arqui- suas instalações sobre a nave ção, seria possível valorizar a tectura que a recomende e im- direita e se expandiu depois a Praça do Comércio, a histórica ponha. É um autêntico casarão outras áreas; e em 1861 foi am- Praça Velha, de tantas e tamasem estética, cuja permanência putada parte da cabeceira do nhas tradições na vida citasó serve para obstruir o local, templo, para alargamento da dina. O que está naturalmente dificultando trânsito e impe- antiga Rua de Coruche (hoje indicado, para o imediato arranjo urbanístico da zona, é dindo que o ar e o sol possam Rua Visconde da Luz). Valorizada pela requalifica- prolongar a Praça do Comérbafejar livremente nas casas limítrofes. É justíssima a preten- ção, à Igreja de São Tiago não cio, por meio duma artéria são dos habitantes da freguesia estava, todavia, reservado o pa- ampla. Mas a realização de tal de São Bartolomeu», reforçava. pel que muitos preconizavam, projecto só é possível após a Orientados por António Au- como o Diário de Coimbra demolição da Igreja de São gusto Gonçalves, os trabalhos constatou na edição de 31 de Bartolomeu», lembrava o jornal, concluindo que a Câmara de restauro procuraram de- Janeiro de 1936. «Reaberto para o culto, de- Municipal, «no caso de meter volver à Igreja de São Tiago a “pureza original” da constru- pois de importantes obras de ombros à execução dessa ção românica de finais do sé- restauração, o templo româ- obra, como deve, terá o apoio culo XII, desvirtuada por vá- nico de São Tiago, esperava-se moral de toda a cidade». M.S.

24/1/1932 O Diário de Coimbra secundou, na edição de 24 de Janeiro de 1932, uma tomada de posição da “Gazeta de Cantanhede” em defesa da mudança de nome de uma das «mais ricas e prósperas» povoações do concelho de Cantanhede, terra de ourives e agricultores que até à década de 40 do século passado foi conhecida pelo topónimo de Escumalha. Um decreto-lei de 6 de Julho de 1940 viria a atribuir o nome de Vilamar à aldeia de Escumalha, então integrada na freguesia de Febres. A designação, considerada depreciativa, terá derivado da segregação sofrida por judeus e cristãos novos que se fixaram nestas terras da Gândara. «Temos na “Escumalha”amigos certos e bons. De facto, aquele nome não está a carácter daquela boa gente», afirmava o nosso jornal, reforçando a proposta de alteração toponímica publicada na “Gazeta de Cantanhede”, cujo texto se transcrevia. «Os habitantes que constituem a sua população são pessoas de bem e ordeiras, de carácter e de sentimentos, de alma lavada e coração lavado; homens honrados por um trabalho constante e honesto; mulheres tisnadas pelo sol, que, ao levantar-se, as encontra arrancando à terra, a bagas de suor, o sustento próprio e o dos seus. Não. Não está bem. É uma designação deprimente para aquele povo, que dela se quer libertar, fugindo à troça daqueles que o procuram ridicularizar e deprimir, dando ao termo o significado de reles, de escória, de desprezível, de ordinário», referia, dando razão ao «povo da Escumalha» por pretender mudar o «nome esquisito» da «terra em que vive, por se prestar ao achincalhamento e por contrastar, absolutamente, com a índole da sua população».


02 | 28 MAR 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Agredido à dentada por recusar vender copo de vinho 11/9/1931Noticiou o Diário de Coimbra, a 11 de Setembro de 1931, que o motorista Carlos Castro Martins, com residência no lugar de Fala, foi condenado em processo sumário, pelo Tribunal de Pequenos Delitos, a 25 dias de cadeia remíveis a 10$00 por dia, por ter «provocado uma desordem à porta do estabelecimento do sr. João Porfírio Correia, ao cimo da Rua da Trindade», na Alta da cidade. O comerciante recusou «vender-lhe um copo de vinho, devido ao adiantado da hora, tendo-o por isso agredido com uma dentada na cara, causando-lhe um ferimento de que foi pensado no Hospital da Universidade.

Elogio a Afonso Rasteiro, “mago da objectiva” 21/9/1931 O mérito artístico de um fotógrafo de Coimbra motivou o elogio público que encontrámos na edição de 21 de Setembro de 1931. «Anossa terra afirma-se, cada vez mais, uma terra de artistas, de artistas com A grande, em todas as modalidades do que se convencionou chamar arte. Há quem admita só quatro ramos de arte: poesia, pintura, escultura e música, Mas perguntamos nós: a fotografia não é uma manifestação de cor e de luz que nos impressiona os sentidos? Se é, porque não haveremos de chamar-lhe arte? Vem isto a propósito de um admirável retrato ampliação que há pouco vimos e que, francamente, nos deixou de boca aberta. É um conjunto tão perfeito de linhas e de contornos, tem tanto relevo e tanto ritmo de cor que ficamos a pensar que não se pode exigir mais», avaliava o cronista, questionando porém se só à arte do fotógrafo se deveria atribuir tal “maravilha”. «Em nosso entender, não é. É que a “garçonette”, que é o motivo da fotografia, é dona de uns olhos tão lindos que foi um precioso auxiliar do fotógrafo», explicava, reconhecendo no autor do retrato,Afonso Rasteiro, «um mago da objectiva, um bruxo da cor, um fakir de luminosidades».

18/2/1932 Cinco câmaras da região e sindicatos agrícolas reuniram-se para tomar posição sobre a “tremenda crise” que afectava o sector vinícola

dindo este em pequenos Estados, com alfândegas próprias, como se Portugal fosse um Estado federativo, povoado por raças diferentes, sem unidade nacional», lamentava. Prosseguindo, alertava que «desta orientação na política vinícola resultou que a Bairrada se encontra cercada, ao Norte pela região dos vinhos verdes, a Leste pela região do Dão, e ao Sul, pelas regiões de maior produção vinícola, o Ribatejo e TorD.R. res Vedras. Os três centros regionais de consumo, que são as cidades de Coimbra, Figueira da Foz e Vinhos da Bairrada Aveiro, são assim estavam impedidos inundados por tode circular livredos os lados com mente no país, ao vinhos de fora, e os contrário de outras nossos não podem regiões vinícolas sair para o Norte e nascente porque lho proíbe a legislação vigente, e para o Sul, porque é o centro de mais intensa produção». Em nome dos produtores desta região sugeria-se ao ministro que «melhor seria para todos dar por finda a política vinícola das demarcações regionais, instituindo a liberdade de trânsito para todos os vinhos Na Bairrada produzem-se vinhos da melhor qualidade, que nem sempre foram protegidos de consumo, com excepção ções,Afonso Maldonado, assu- tinuam perfeitamente desam- iria entregar no dia seguinte em apenas das áreas demarcadas mido conhecedor do sector vi- parados de qualquer protec- Lisboa, em audiência marcada dos vinhos generosos do Doutivinícola, atribuiu esta «tre- ção», criticou o representante com o ministro da Agricultura. ro e do Entreposto de Gaia, ex«É com profundo pesar que cepção bem justificada pelo menda crise» à «grande falta de de Coimbra, defendendo, na imconsumo nacional, por virtude possibilidade de se «acabar com constatamos a desigualdade de ponto de vista já aceite por toda situação difícil das classes as barreiras, então que se crie a tratamento que tem sido con- dos de que, à maior expansão consumidoras, e a uma consi- dos vinhos da Bairrada, ao norte cedida aos produtores de vi- do vinho do Porto corresponde derável redução na exportação do Mondego, composta dos nho», começava o texto, apon- a máxima prosperidade de dos vinhos regionais, por mo- concelhos que presentemente tando o erro de não se permitir toda a viticultura nacional». tivos de ordem internacional», se encontram prejudicados «o livre trânsito e consumo» «Mas, se tem de persistir a mas observou também que «a com a falta de protecção». «O dos diferentes vinhos produzi- orientação traçada, então, que região central do país tem es- que devemos pedir», sintetizou, dos no país, «brancos, tintos ou os benefícios da demarcação tado ao abandono, pois en- é «a liberdade de comércio e claretes, verdes no Norte, ma- se tornem extensivos também quanto o resto do país se tem trânsito para os nossos vinhos». duros no Centro e Sul». «Não à região da Bairrada, dificulNa edição de 23 de Fevereiro, está certo que, por haver mui- tando a passagem dos vinhos organizado e defendido, aqui está tudo por fazer». «Em toda o Diário de Coimbra transcre- tos tipos, se não permita o livre do Sul para o Norte do rio Mona parte existem regiões delimi- veu a moção aprovada na reu- trânsito e consumo de qual- dego, na mesma proporção em tadas para valorização e defesa nião da Mealhada, documento quer deles em todos os conce- que nos é dificultada a saída dos seus vinhos; os nossos con- que uma comissão nomeada lhos e freguesias do país, divi- dos nossos», reclamavam. «Isto, e o aumento de consumo pela obrigatoriedade da incorporação do vinho na raRegião demarcada da Bairrada só chegou em 1979 ção alimentar de soldados e marinheiros, uma tributação A publicação em Diário da gião que abrange os conce- mas legais de 1907-1908 essa mais elevada no consumo da República da portaria 709- lhos de Anadia, Mealhada e região fosse considerada en- cerveja, a diminuição ou aboliA/79, de 28 de Dezembro, foi Oliveira do Bairro, e parte tre as que deveriam ser ob- ção dos direitos de entrada nas o culminar de uma luta de dos municípios de Canta- jecto de demarcação e regu- nossas colónias, a proibição do décadas pelo reconhecimen- nhede, Coimbra, Águeda, lamentação, constando igual fabrico de outro álcool que não to como denominação viní- Aveiro e Vagos. «A região da orientação de diversos diplo- seja o vínico, e ainda a mistura cola de origem da designa- Bairrada é de longa data co- mas posteriores, mas tal obrigatória deste com a gasoção Bairrada, reservada para nhecida como produtora de nunca chegou a efectivar-se», lina, poderiam atenuar a situaos vinhos típicos, brancos e vinhos de qualidade. Assim lê-se no diploma legal publi- ção crítica em que estamos», concluía o documento. M.S. tintos, produzidos numa re- se explica que já em diplo- cado em 1979.

PRODUTORES RECLAMARAM LIBERDADE DE COMÉRCIO PARA VINHOS DA BAIRRADA

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crise que a vinicultura da Bairrada enfrentava, com graves dificuldades no escoamento da produção, levou câmaras municipais e sindicatos agrícolas a assumirem uma posição conjunta em defesa do sector, reclamando do Governo medidas de protecção como as que vigoravam para outras regiões. A reunião, que o Diário de Coimbra acompanhou com um enviado especial e noticiou detalhadamente no dia seguinte, realizou-se nos Paços do Concelho da Mealhada a 18 de Fevereiro de 1932, juntando representantes das câmaras de Coimbra, Mealhada, Cantanhede, Anadia e Oliveira do Bairro, e dos sindicatos agrícolas (antecessores dos grémios da lavoura) destes concelhos. Dirigida por Afonso Maldonado, presidente da Câmara de Coimbra, a sessão reuniu ideias e propostas que resultariam num documento destinado ao ministro da Agricultura. O anfitrião, António Breda, presidente da Câmara da Mealhada, deu as boas-vindas aos «representantes dos concelhos vizinhos e amigos» que ali foram «para resolver tão magno problema», contextualizando as razões da «crise que avassala a vinicultura regional». Depois, Raul Leite Braga, presidente da Câmara de Cantanhede, sugeriu que «para defesa dos vinhos regionais da Bairrada, tão bons como os do resto do país, se crie uma nova barreira ou então que desapareçam as que existem, tornando assim livre o comércio dos vinhos da Bairrada». Defendeu também que «para promover o maior consumo e, consequentemente, uma natural valorização dos vinhos nacionais, se passe a dar aos soldados meio litro de vinho a cada refeição, como se faz em França». A fechar as várias interven-


02 | 4 ABR 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Pedir “meio tostãozinho para o Senhor dos Passos”

26/2/1932 «Por todas as ruas da cidade, nesta época, somos constantemente perseguidos por uma aluvião de miúdos e miúdas que nos ensurdecem em grita teimosa: meio tostãozinho para o Senhor dos Passos!... E é que não nos largam! Com a bandeijinha na mão e apontando para o improvisado altarzinho, encostado à parede, onde pontifica uma efígie do seu orago. No final do peditório fazem a divisão da colheitazinha, e lá vão comprar os rebuçados». Na edição de 26 de Fevereiro de 1932 o Diário de Coimbra descrevia um costume dos mais novos, aprovando por um lado que proporcionasse «à petizada um alegrãozito», mas alertando para o risco de permitir que «as crianças se habituem tão novas ao vício da “pedincha”». «E, assim, as encontramos pelas ruas, pelos caminhos e estradas, por vezes em posições ridículas que nos deprimem e envergonham, de joelhos e mãos erguidas!... De maneira que, em vez de prepararmos uma mocidade sadia, íntegra e consciente, apta a agir por si, emancipada de “teias de aranha”e preconceitos, criamos espíritos acanhados, servis e tutelados, sem aquela independência que dignifica e honra. A subserviência abastarda o carácter e deforma o espírito de quem a pratica. Por isso deve-se evitar a propaganda da “pedincha” para que se não vá inoculando lentamente e se transforme em qualidade quase nata, se avolume e tome corpo. Pedintes em demasia já nós temos. Pede-se por carência de meios, por vício, por servilismo e por educação. Acabe-se com o tal peditório nas ruas para o Senhor dos Passos, cuja origem desconhecemos, mas que, em qualquer dos casos, significa simplesmente atraso e... quiçá, atavismo», lia-se no jornal.

1/4/1932 Um “caso sensacional” que o Diário de Coimbra destacou há 89 anos na primeira página da edição do... “dia das mentiras”

TRÊS BANDIDOS AMERICANOS COM CRIANÇA RAPTADA NUM PRÉDIO DA RUA DO CORVO

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rancelina da Conceição, moradora há 55 anos na Rua do Corvo, dona de «uma pensão de estudantes» e «viúva do sargento Peta, uma vítima dos terríveis gases asfixiantes da Grande Guerra», veio ao Diário de Coimbra relatar uma estória mirabolante. O jornal, na edição do dia 1 deAbril de 1932, descreveu com detalhe, em generoso espaço de primeira página, o “caso sensacional”da descoberta na Baixa de Coimbra dos criminosos autores do rapto de uma criança, filha do piloto norte-americano Charles Lindbergh. “O filho do major Lindbergh está há quinze dias nesta cidade, numa casa da Rua do Corvo, sob a vigilância de três bandidos americanos”, assim intitulou a prosa o redactor a quem coube a recolha do depoimento da mulher, que se «mostrava visivelmente incomodada e com desejos de desvendar um segredo que a apoquentava de sobremaneira». «Mulher seríssima e de poucas falas», Francelina da Conceição contou que o terceiro andar de um prédio a meio da Rua do Corvo, n.º 36, fora arrendado a um «indivíduo finamente vestido, de origem americana e que falava menos mal o português», destinando-se a um casal «recentemente vindo do México e que trazia consigo uma criança pequena». De um táxi, que por volta das 21h35 «estacou à porta daquele prédio», saíram «três pessoas com destino ao 3.º andar», e que a proprietária ouviu toda a noite «a falar da viagem, de dinheiros depositados nos bancos e de parentes... afastados pelo Oceano Atlântico». «Aí por volta das 9 horas uma senhora, tipo franzino, optimamente composta e perfumada, procurou saber onde ficava o Mercado da cidade. Foi a sr.ª

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deste tenebroso e complicado drama». «Com efeito, uma hora depois, tudo se descobria... Os raptores eram presos e a criança entregue à Maternidade Júlio Henriques. À hora que escrevemos, foi o acontecimento comunicado às instâncias superiores e avisada a polícia americana da captura dos bandidos e do petiz», acrescentava. Francelina devePublicação de ria beneficiar do mentiras no dia 1 de Abril era uma «prémio de 2.000 longa tradição nos dólares» promejornais, que foi tido pelo major caindo em desuso Lindbergh a quem «descortinasse o paradeiro de Charles Lindbergh» e a “notícia” terminava relatando que «à Rua do Corvo tem ido imensa gente ver o prédio aonde esteve o pequenino Diário de Coimbra de 1 de Abril de 1932 (“dia das mentiras”) Lindbergh e os seus algozes», Francelina da Conceição quem fazer uns recados, «foi à Paste- sendo a «multidão contida à a elucidou do caminho a seguir laria Central buscar uma dúzia distância por praças da GNR e de pastéis, em seguida dirigiu- pela Polícia da 1.ª esquadra». e onde ficava a praça». Repare-se agora na data de Com «um faro policial apu- -se à Farmácia Viegas na Rua radíssimo para certos e deter- da Sofia, aviar uma receita», e à publicação do texto: 1 de Abril, minados mistérios», Francelina «carvoaria mais próxima». “dia das mentiras”. Mais ou estranhou aquela “Miss”, que «Quis o destino, porém, que o menos elaboradas, as petas «havia entrado no prédio de dono do estabelecimento em- eram nesse dia uma tradição noite» e «tinha por companhei- brulhasse o carvão pedido com que se procurava surros dois homens». Vai daí, «de- num “Diário de Coimbra”, on- preender, intrigar e divertir os liberou por vontade própria in- de, na primeira página, vinha leitores. Foi no entanto caindo vestigar, saber do viver daque- discriminado pormenorizada- em desuso e muitos jornais les três estrangeiros tão sisudos, mente o desaparecimento do entre eles o Diário de Coimbra tão pouco dados à convivência filho do major americano Lind- - deixaram de as publicar. Algo rebuscada, a estória que dos vizinhos», e conseguiu in- bergh. E à sr.ª Francelina quisfiltrar-se na casa, aceite como -lhe parecer que a fotografia do hoje recuperamos é fruto da mulher a dias. «Ora uma bela petiz se parece bastante com o imaginação do autor, que deixa pistas ao leitor para perceber a tarde, seriam talvez umas qua- filho da Miss». Com o mistério adensado pe- inverossimilhança. Mas o raptro horas, a mulher de recados foi dar com a Miss a dar o “bi- las iniciais no biberão, a in- to, nos EUA, do menino de 20 beron”ao petizito. A criança re- quieta mulher «procurou des- meses, filho do herói da aviação chonchuda e rosadinha sugava vendar toda aquela meada» e Charles Lindbergh (o primeiro a chupeta com sofreguidão. A «sem mais delongas pôs-se a a atravessar oAtlântico sem esmulher, numa curiosidade mui- caminho» do Diário de Coim- calas, em voo solitário), aconto natural, chegou-se ao pé da bra, na Rua do Quebra Costas. teceu mesmo, a 1 de Março de Comunicado o caso às auto- 1932, e viria a ter trágico desfesenhora, para ver o filhito.Asr.ª Francelina, a quem nada es- ridades policiais, «foi imediata- cho com a descoberta, dois mecapa, reparou que o “biberon” mente destacado um agente da ses depois, a 12 de Maio, do tinha no gargalo uma argola Polícia de Investigação Crimi- corpo de Charles Lindbergh Júmetálica com as iniciais “C. L.”». nal, que iniciou as necessárias nior, assassinado apesar do paNo dia seguinte, chamada a diligências para a descoberta gamento de resgate. M.S.

“Espectáculo deprimente” do transporte de cadáveres 6/2/1932 Com o título “Carocho”, o Diário de Coimbra publicou na edição de 6 de Fevereiro de 1932 uma nota a pedir a «profícua intervenção» dos directores dos Hospitais da Universidade e da Faculdade de Medicina para que diligenciassem no sentido de ser substituído o «velho e relho veículo, conhecido por Carocho, de transporte dos cadáveres do Teatro Anatómico», por «outro mais adequado». «Desconjuntada, de ferragens barulhentas, a sinistra tumba, todas as noites, à hora da ida para o Teatro, aí vem cidade fora até ao Pio, lúgubre, aos solavancos, arrastada por uma miserável parelha. Espectáculo deprimente, sugerindo má disposição a quem o ouve ou vê, é necessário que termine, mudando-se para alta manhã esse serviço, feito em condições de maior decoro, rapidez e por outras ruas menos concorridas», sugeria o jornal.

Resguardar as narinas em certas vielas 18/12/1931 Alertava o jornal, na edição de 18 de Dezembro de 1931, para os perigos decorrentes da falta de higiene em algumas zonas da cidade. «Há em Coimbra uma infinidade de becos e vielas imundos. Ali perto do Largo do Romal, cruzam-se ruelas nauseabundas, onde dificilmente se passa sem se correr o perigo duma conspurcação. É necessário resguardar cuidadosamente as narinas, porque o fedor é intolerável», observava, acrescentando que «nessas ruas, nessas vielas, habitam dezenas de pessoas que, por forma alguma, podem lograr saúde». «O sol envergonha-se de por ali passar e as paredes escorrem um misto de humidade e porcaria que torna ainda mais tétricos e mais repugnantes aqueles sujíssimos locais», apontava, lembrando à Câmara Municipal a «conveniência de mandar proceder à limpeza daqueles locais que, tal como estão, não só nos envergonham como constituem um perigoso foco de infecção».


02 | 11 ABR 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias 9/4/1932 Depois da “Festa do Combatente”, o jornal apontou um “quadro de miséria horrível” em Oliveira do Hospital e o drama de um herói de guerra a estender a mão à caridade pública

VÍTIMAS DA GRANDE GUERRA VOTADAS A “ABANDONO CRUEL”

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madrugada de 9 de Abril de 1918 foi trágica para as tropas portuguesas que, na região da Flandres, se aliaram a franceses e britânicos para travar o poderio militar alemão. O desastre da Batalha de La Lys resultou, para o Corpo Expedicionário Português, na perda de 1.300 vidas, além de 4.600 feridos, 2.000 desaparecidos e milhares de prisioneiros. Mais de uma década depois, as sequelas físicas e psicológicas da Primeira Grande Guerra estavam ainda bem presentes, incapacitando muitos dos que lhe sobreviveram para proverem o seu sustento e de familiares. No dia 9 de Abril de 1932, a Agência de Coimbra da Liga dos Combatentes evocou a memória dos que pereceram no conflito mundial e promoveu nesta cidade a “Festa do Combatente”, visando, na troca por uma lembrança (“medalha”), angariar donativos para os desprotegidos da guerra. Nesse dia, no Diário de Coimbra, o capitão Santos Conceição, responsável local da Liga dos Combatentes, assinou

FOTO DE ARNALDO GARCEZ

faces macilentas; gazeados a quem a bronquite asmática nunca desampara, viúvas a quem os maridos morreram em virtude de trabalhos passados na guerra e a quem o Estado nada dá para minorar as tristezas do seu luto e da sua miséria. Eis o triste quadro de que são vítimas os combatentes e suas famílias no nosso Rendeu 14.450 país, onde o Esescudos a venda tado tem sido de “medalhas” que a Liga realizou em duma ingratiCoimbra no dia 9 dão pavorosa, de Abril de 1932 neste país que é o único onde ainda se não cumpriu o dever de reconhecer aos combatentes os seus serviços prestados, a esses homens leais Soldados portugueses nas trincheiras da Flandres, durante a Grande Guerra de 1914-1918 e valorosos que tendo sido na um texto a sensibilizar e apelar verem o abandono cruel a que organismo oficial que somente guerra vencedores gloriosos, à generosidade da população. foram votados. Há no país mui- os socorre quando os infelizes ocupam hoje na paz uma igno«Enaltece-se hoje o Esforço tos desses heroicos combaten- estão prestes a serem enterra- miniosa situação de vencidos da Raça, mas esquecem-se tes a quem a Grande Guerra dos, nos sete palmos de terra da vida», lamentava. Um desabafo a que davam aqueles que vestiram uma inutilizou e que gemem no seu que os há-de comer. Há loucos farda, a qual honraram cum- abandono, paralíticos que so- que amaldiçoam, na sua incons- ainda mais força dois casos reprindo nobremente o seu dever frem eternamente, tuberculosos ciência, os conscientes que os latados neste jornal em dias senos campos da batalha e que abandonados que morrem aos deixam abandonados à mercê guintes. Na edição de 11 de Abril, andam hoje com a alma enlu- poucos, deixando a família con- da sua sorte infeliz, biliosos, cujo pedia-se a atenção da Liga dos tada e o coração magoado ao taminada, apesar de haver um fígado arruinado lhe escava as Combatente para «um quadro

Um professor “carrasco” em Montemor-o-Velho 13/7/1931 «Há dias, os alunos do sexo masculino saíram da escola e andavam a pescar na vala que fica em frente do edifício escolar, quando por detrás deles lhes saiu o professor com uma régua na mão, batendo neles todos e ferindo com um golpe o aluno Hilário Maranha Bicho. Feito o devido exame ao ferimento foi participada queixa em juízo, onde as testemunhas já foram depor». O relato, publicado a 13 de Julho de 1931, fora enviado pelo correspondente do Diário de Coimbra em Montemor-o-Velho, que lamentava ter o dito professor, em represália por

um artigo do jornal “A Voz da Justiça”, que o chamara de “carrasco” pela maneira como tratava as crianças, proibido os alunos, «sob pena de os castigar», de irem comprar os artigos escolares ao estabelecimento que o representante deste jornal tinha na vila, julgando ser da sua proveniência a referida «censura, aliás muito justa». «Veio este senhor levantar moscas que estavam a dormir», criticou, referindo que várias queixas sobre o docente tinham sido encaminhadas para a «Região Escolar deste distrito», sem terem sido tomadas as «devidas providências».

de miséria horrível» na Chamusca, Oliveira do Hospital, no lar do «pobre gaseado da Grande Guerra Francisco de Brito, de 37 anos». «A pobre mulher e os seus desgraçados filhos - seis têm dias que quase não têm uma côdea de pão para comer. No seu tempo de rapaz, aos 21 anos, era um alentado mocetão, forte, trabalhador incansável, apto para a vida, como poucos. Depois, veio a França, os gases, o definhamento do seu organismo, tornando-o, coitado, incapaz de angariar os meios de subsistência para si e para os seus. Na sua casa reina um desconforto confrangedor. O que amigos e vizinhos lhe dão não chega a mais do que a uma insignificância. Têm fome os seus filhos; não têm que vestir, ela e todos os seus», descrevia o jornal, que no dia imediato transcreveu uma carta de um leitor, chocado com o drama de um antigo combatente, apoiado a uma bengala e com o peito coberto de medalhas, a estender a mão à caridade pública. «Trata-se do nosso infeliz consócio António de Carvalho, de 36 anos de idade, mas pelo aspecto parece um velho, tuberculoso na última fase. Herói da Grande Guerra, Cruz de Guerra e Valor Militar, as mais belas condecorações que um militar pode ambicionar, e que hoje, para vergonha dos portugueses, pede esmola como muitos outros por esse país fora», esclareceu prontamente o capitão Santos Conceição. M. S.

Sociedade Protectora dos Animais alertava para “barbaridade” no Matadouro Municipal ARQUIVO

17/12/1931 O Matadouro Municipal de Coimbra, na altura a funcionar em Montes Claros, motivou em 1931 protestos da Sociedade Protectora dos Animais. O Diário de Coimbra, na edição de 17 de Dezembro, divulgou um ofício enviado ao comandante da Polícia por aquela entidade, que pedia providências para deixar de ser praticada a «barbaridade» de «serem marcados com um ferro em brasa, no focinho e junto à boca, os pobres animais que são dados como incapazes para a matação». Um mês depois, a 18 de Ja-

Matadouro ocupou terrenos onde veio a instalar-se a igreja

neiro de 1932, o jornal alertava para a necessidade de se proceder ao alargamento e modernização do matadouro, «exíguo para o grande movi-

mento que tem», além de «pobre e inestético». «Os processos modernos de matança ainda não se praticam ali, em consequência de nele se não poderem montar os modernos maquinismos. Em suma, um matadouro que não satisfaz e que é preciso, pois, ampliar, dotando-o com apetrechos e utensílios novos», observava. Na semana seguinte, a 26 de Fevereiro, voltavam a apontar-se as deficiências e falta de condições do matadouro para «satisfazer as necessidades actuais do mercado de Coimbra». «Construído já há umas boas

dúzias de anos, ele obedecia, nessa altura, às condições desejadas. Hoje não. É pequeno para o movimento da matança e está antiquado, tornando-se por isso necessário introduzir-lhe as modificações necessárias. Coimbra tinha ao tempo da sua construção uma população de uns 20.000 habitantes, e o último censo acusa 50.000. Nesse tempo a matança era reduzidíssima, o que hoje não acontece. Por tudo isto necessário se torna fazer a sua ampliação e introduzir-lhe os novos processos de matança», insistia o Diário de Coimbra.


02 | 18 ABR 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Poço nas dunas para abastecer a Figueira 13/3/1932 O Diário de Coimbra anunciava, na edição de 13 de Março de 1932, a solução para o abastecimento de água à Figueira da Foz. «O magno problema do abastecimento de águas à cidade, tudo leva a crer, vai entrar agora no campo das realizações práticas.Aágua, que já foi submetida a análise com resultados satisfatórios, é transportada para a Figueira através de canos que lhe não alteram as propriedades, do sítio das Costeiras, perto dos Armazéns de Lavos, a 5 quilómetros desta cidade, abrindo-se para isso um poço nas dunas ali existentes», esclarecia o nosso jornalista naquela cidade, acrescentando a notícia que «a produção, segundo os estudos de engenheiros especializados, está calculada em quantidade nunca inferior a 4 mil metros cúbicos por 24 horas, número este que, somado com as disponibilidades actuais, garante mais que suficiente o regular consumo da cidade - ainda mesmo no Verão e em períodos de escassez». «Este importante melhoramento, de absoluta necessidade local e para cuja realização estão sendo feitos os indispensáveis estudos preliminares, deve ficar concluído no Verão de 1933, segundo os desejos» da Câmara Municipal», adiantava.

Se quereis prémios comprai ao carvoeiro 1/3/1932 Na edição de 1 de Março de 1932 comunicava-se aos «compradores de carvão» os premiados do sorteio realizado em Fevereiro «entre os fregueses do carvoeiro Luís Lopes da Silva», sendo contemplados com o 2.º prémio Manuel Miranda Cardoso e José Vieira, ambos de Celas, com o 3.° prémio José Augusto dos Santos, da Telegrafia Sem Fios, e com o 1.º prémio José Domingos, morador na Avenida dos Oleiros. «Quereis também obter um prémio? Comprai o carvão ao carvoeiro Luís Lopes da Silva, Rua da Matemática, 4, ou na carroça com que ele percorre todas as áreas da cidade», sugeria a nota publicada no jornal.

9/12/1931 O jornal apontou a necessidade de um “posto médico” na Baixa da cidade, donde era mais difícil acorrer ao Hospital da Universidade

se lembrou de tentar mais uma vez... Desta vez, acertou, porque o médico, o sr. Dr. Luís Raposo, se prontificou imediatamente a acompanhá-lo». «O comentário de hoje é o mesmo de outras vezes: Em Coimbra, depois de uma determinada hora, é proibido estar doente, ou então, morre-se com tal elegância e com tanto conforto que até apetece ser cadáver toda a vida... Eles têm razão: Uma terra onde há tanto méD.R. dico!», ironizava o autor. Já na edição de 2 de Março de 1932, deparamo-nos com uma crítica ao desempenho do clínico contratado pela Câmara de Coimbra para dar assistência médica nos Olivais. Só com a criação do SNS, em 1979, o Es«Dizem-nos que tado passou a garanfoi nomeado um tir o direito e o acesso facultativo para o de todos à protecção bairro dos Olivais, e cuidados de saúde a quem a Câmara paga para prestar os serviços da sua especialidade aos residentes da freguesia, que é composta por bastantes lugares. Esse facultativo, ao que nos dizem, não tem ali A evolução dos cuidados de saúde representou um grande avanço civilizacional residência e ninguém até o codebaixo de chuva, a procurar recemos de um “posto médico” contrário, poder-se-á dizer que nhece, e daí, quando se tornam um médico para uma pessoa na parte baixa da cidade, visto vivemos na... cafraria», criticava. necessários os socorros clínicos Dias antes, na edição de 3 de para qualquer enfermo têm de de família, cujo estado de saúde que naAlta com mais facilidade era grave, e só decorridas duas se pode acorrer ao Hospital. E Dezembro, numa nota intitu- ser chamados médicos a quem horas foi possível encontrar um para o serviço hospitalar da lada “A doença e a medicina na a Câmara não paga. Temos a que se prestasse ao sacrifício». noite não devia haver só um 3.ª cidade do país”, relatava-se informação de que esses serImpunha-se por isso, defen- médico, mas sim dois; pois que outra situação: «Ontem, um viços são em geral gratuitos, dia, um “posto médico”perma- em certas ocasiões um pode empregado do nosso jornal, atendendo à grande generosinente. «Temos um médico de não chegar para as necessida- porque tivesse a esposa grave- dade dos srs. drs. Mário Mendes serviço no Hospital, argu- des. Já tem acontecido acorrer mente doente, buscou o auxílio e Correia Soares, os dois médimenta-se. Mas é só um e não ao Hospital de noite e não se da medicina. Eram 2 horas da cos que são sempre chamados. pode ser imenso, e, quando o poder ser atendido. Tais ano- madrugada. Percorreu suces- Mas isso é que nada importa. serviço aperta, deve extenuar- malias não podem nem devem sivamente a residência de 10 O médico municipal tem obri-se; e quem sofre? O público, continuar, em homenagem à clínicos e... não encontrou ne- gação de ali residir, porque foi que em emergências difíceis Humanidade, em homenagem nhum. Suas Excelências dor- para isso que foi nomeado», denão tem quem o socorra. Ca- ao bom nome da cidade. Ao miam! Já desesperava quando nunciava o jornal. M.S.

EM COIMBRA ERA PROIBIDO ADOECER DEPOIS DE UMA “DETERMINADA HORA”

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uma cidade com uma escola médica e um hospital universitário, que reclamava o estatuto de terceira cidade do país, causam algum espanto relatos que encontramos nas páginas do Diário de Coimbra de nove décadas atrás. A prestação de cuidados de saúde à população estava muito longe da organização de serviços com que hoje (melhor ou pior) podemos contar, o Estado limitava-se a assegurar a assistência aos mais pobres e ao cidadão comum pouco mais restava do que o recurso ao hospital, em casos que o justificassem, ou a clínicos no exercício da medicina privada, nem sempre disponíveis em horas de maior necessidade. Vejamos o que se escreveu neste jornal na edição de 9 Dezembro de 1931, com o título “Posto médico”: «É inacreditável que numa cidade como a nossa, onde temos tantos médicos, nós tenhamos, por vezes, necessidade dos seus serviços clínicos, durante a noite, e não encontremos nenhum», começava o texto, contando o autor ter-lhe já acontecido «calcorrear à noite as ruas da cidade

Médicos no interior para acabar com charlatães 1/4/1932 A concentração de médicos e enfermeiros nos principais centros urbanos, com a consequente falta de profissionais de saúde em zonas rurais, não é problema só de agora. Já em 1932, na edição de 1 de Abril, o Diário de Coimbra alertava para os efeitos desta situação, avisando que a ausência de clínicos no interior do país deixava as populações à mercê de curandeiros e charlatães. «Ninguém desconhece que

há uma má distribuição de médicos pelo país fora. Parece-nos até que esse facto se dá não porque haja poucos facultativos, mas, antes porque há bastantes e mal distribuídos. Realmente, enquanto em certas localidades se regista um contingente desproporcionado de médicos, noutras, escasseiam de tal modo que, muitas vezes, se percorrem dezenas de quilómetros sem se ter um diplomado a quem se recorrer, num caso de gravidade ou de afli-

ção», observava o jornal. O texto prosseguia reconhecendo as «várias razões» que «justificam tal distribuição, como sejam, por exemplo, o desejo que os diplomados têm de se fixarem nos grandes centros, ou, pelo menos, nas suas imediações». «Assim, quem vive ou permanece, durante algum tempo, nos meios pequenos, tem ouvido, frequentes vezes, o povo lastimar-se pela falta de um cirurgião, que lhe acuda na sua

doença. E quem lhes acode? Aproveitando a ausência de diplomados, certos indivíduos, explorando a ignorância popular, arvoram-se em poderosos mentais, e tratam de impingir o lenitivo requerido. E o que acontece? Apenas o que tem sido relatado pelos jornais, tudo o que diz respeito a curandeiros, charlatães, toda essa corte de sanguessugas que continuarão sendo, pelos vistos, os parasitas da gente aldeã», constatava.

«Como resolver isto?», questionava-se. «Primeiro que tudo impõe-se ordenar uma melhor distribuição dos facultativos diplomados; mas, enquanto isso não for possível, porque se não criam postos rurais de enfermagem, demais quando há tantos enfermeiros diplomados, que não têm onde exercer o seu mister?», sugeria o jornal, acreditando que essa medida «iria pôr termo a esse escândalo das curandices, das mezinhas dos charlatães».


02 | 25 ABR 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Jogador detido por agressão ao árbitro 18/4/1932 O Diário de Coimbra noticiou, na edição de 18 de Abril de 1932, que na véspera, num jogo de futebol disputado no campo de Santa Cruz, «um jogador agrediu violentamente o árbitro». «Fê-lo desleal e covardemente, pelas costas, num salto traiçoeiro. A polícia cumpriu o seu dever, prendendo o agressor. Resta agora que a A. F. C. [Associação de Futebol de Coimbra] cumpra o seu, expulsando do seio desportista quem não possui qualidades para lidar com gente», escreveu o articulista, recomendando medidas para evitar que «os campos de jogos passem a ser arenas, onde se digladiam apenas animais ferozes». «Ou se faz desporto leal e correcto ou a autoridade tem de intervir», rematava.

Novos preços para transporte no rio Mondego 24/1/1932 Num tempo em que ainda era usual a navegação e transporte fluvial no Mondego, a Câmara de Coimbra aprovou uma nova tabela de preços para passagem nos barcos dos portos pertencentes ao município. De acordo com o edital, que o jornal publicou na edição de 24 de Janeiro de 1932, custava 10 centavos a viagem por pessoa e cinco centavos o transporte de uma bicicleta. A tabela indicava $10 por «cada animal de cómodo pessoal», outros $10 por «cada animal de carga (leve)», $20 por «cada animal de carga (carregado)», $10 por «cada boi ou vaca», $20 por «dois bois ou vacas e carro», $05 por «gado suíno, cada cabeça», $05 por «gado lanígero e caprino, cada duas cabeças», $05 por «cada saco ou feixe de erva, além de um», $10 por «cada feixe de canas ou paus» e 2$50 por «cada carrada de milho». Os lavradores «obrigados à passagem frequente com obreiros e gados para cultura das terras adjacentes ao rio, poderão avençar-se com os arrematantes das barcas a frutos ou a dinheiro», especificava o edital camarário, estipulando ainda que a passagem de noite seria «paga pelo dobro».

29/3/1932 As “correrias de automóveis” motivavam alarme e pedia-se a efectiva responsabilização de condutores por danos causados em acidentes

o autor, considerando necessário, «além duma fiscalização rigorosa, que se tomem medidas tendentes a garantir aquelas indemnizações que a lei concede», visto que «os lesados, se quiserem exigir as indemnizações, só têm o caminho dos tribunais». Assim se garantiria também «mais cuidado, mais respeito» e a redução do número de acidentes. Por isso, rematava o artigo, «nenhum carro deve poder circular sem FOTO: SITE DO AUTOMÓVEL CLUB DE PORTUGAL que o seu proprietário, por cauelevada sinistralidade ção ou outra forma, prove que nas estradas da reestá habilitado a responder por gião levou o Diário de todos os prejuízos que cause». Coimbra, nos seus primeiros Na edição de 15 deAbril, anos de existência, a publicar voltava o jornal a revários alertas para os excessos comendar «mais de velocidade e reclamar o Código da Estrada senso» e prudêncumprimento das normas do consagrou em 1930 cia aos condutoCódigo da Estrada. Carros o aumento da velores, perante «a pouco seguros, estradas de má cidade máxima série de desastres qualidade, regras de trânsito dentro das localidae fatalidades que incipientes e inconsciência dos des para 50 km/h ocorrem dia-a-dia», riscos, tanto da parte de cone lembrava «os transdutores como de peões, potornos da vida, os prejuízos tenciavam ao máximo o pee as dores causadas pela falta rigo rodoviário. dos que vão desaparecendo da A convivência de veículos e vida abruptamente, deixando transeuntes na via pública era as famílias mergulhadas em lápouco pacífica e os acidentes Só a partir de 1 de Junho de 1928, com as novas regras de circulação, foi imposta aos automobilisgrimas, quantas vezes na mirepetiam-se, com maior ou me- tas portugueses a obrigação de conduzir à direita, sendo espalhados no país dísticos “Pela Direita” séria mais atroz». nor gravidade. A 29 de Março Asegurança nas estradas dede 1932, constatava o jornal que diam-se «urgentes e enérgicas nossas estradas, verifica que a sabilizar os causadores dos de«de há quatro dias para cá to- providências» face aos «desas- maior parte dos automobilistas sastres pelos prejuízos que cau- pendia também da competêndos os dias registamos nas nos- tres de automóveis que todos e dos motoristas marcham sam». «É certo que o Código cia dos motoristas e do bom essas colunas um desastre de via- os dias se sucedem com uma com uma velocidade eston- das Estradas, no seu artigo 138.° tado das viaturas. «O motorista teante, sem respeito pela pró- e seguintes, dá a todo o lesado habilitado não é aquele que ção, de que sempre tem resul- frequência aterradora». «Não só se torna necessário pria vida, sem consideração o direito de exigir uma indem- sabe manobrar o volante simtado pelo menos um morto por cada um deles e uma ou duas o maior cuidado na concessão pela vida alheia. Ainda há dias, nização pelos prejuízos causa- plesmente. Precisa ser bom pepessoas gravemente feridas», de cartas de motoristas como vimos camionetas carregadas dos, mas tudo isso tem sido até rito nas manobras e conhecer todos eles «atribuídos a veloci- também indispensável é fazer de peixe, vindas da Figueira, hoje letra morta, pois ninguém bem os travões para que rápida dades excessivas, a erro de ma- cumprir com o maior rigor as numa velocidade desordenada, se preocupa com as determi- e conscientemente as possa nobra e imperícia ou ainda a disposições do Código das Es- inconsciente, perigosa e crimi- nações da lei, e todos zombam executar sem que corra o pedela, por não haver a indispen- rigo de se enganar. Carece de tradas. Quem se dê ao trabalho nosa», observava o jornal. falta de serenidade». Havia também que «respon- sável fiscalização», lamentava ser cuidadoso na limpeza e luDias depois, a 2 de Abril, pe- de atentar o que se passa nas brificação do motor e mais engrenagens, e para isso deve existir uma entidade composta Contemplar as paisagens ou apreciar as paredes da cadeia... de peritos que sejam técnicos experimentados, onde todos os No dia 20 de Dezembro de dos...”, o correspondente do lhido», adiantava a notícia, ob- nossa, aos nossos olhos e aos carros vão, pelo menos, uma 1931, o Diário de Coimbra no- jornal em Tábua informava servando depois que, «se- olhos dos estrangeiros que vez por semana à inspecção», ticiou que tinha sido atrope- que «um automóvel, correndo gundo o Código das Estradas, constantemente nos visitam. sugeria o Diário de Coimbra. No dia 21 de Abril do mesmo lada por um automóvel, na vertiginosamente, colheu en- não devem os chauffeurs an- Há dias referíamo-nos a posRua Sargento-Mor, «uma vi- tre Candosa e a Venda da Es- dar a mais do que uns tantos tes, que aparecem ao longo ano, em novo artigo dedicado tela pertencente ao sr. José dos perança um pobre homem de quilómetros à hora e têm que das estradas do Japão, com aos perigos das “correrias de Reis, com talho no Mercado Bobadela, que ficou bastante seguir pela direita dando a es- certos dizeres e máximas. Hoje automóveis”, insistia-se na moD. Pedro V». «O chauffeur, ao maltratado». «Não se conse- querda. «Essa disposição do pomos na frente daqueles que deração das velocidades mas que se diz, seguia com veloci- guiu saber quem guiava o Código referido é letra morta têm o dever de regular estes também na afinação cuidadosa dade excessiva e recusou-se a carro, nem o número deste. O para os condutores de viatu- assuntos, o seguinte princípio dos carros. «Para isso deve exispagar o animal», sendo o facto chauffeur, reconhecendo em- ras, duma maneira geral. E estabelecido na América: «Se tir uma entidade técnica comparticipado à polícia, referiu o bora a sua proeza, continuou aparecem-nos, os cavalheiros, andares, o máximo a 40 qui- petentíssima para inspeccionar jornal, acrescentando que o largado, sem olhar para trás, como senhores de tudo isto, lómetros à hora, tens o prazer constantemente os veículos. A dono da vitela só não foi atro- sem ter ao menos um rebate sem o mais leve respeito pela de contemplar os lindos pa- afinação e lubrificação dos veípelado porque fugiu a tempo. de consciência que o levasse a vida do seu semelhante. Ora noramas da nossa terra. Se an- culos impõem-se imperativaJá no dia 22 de Fevereiro de conduzir, a uma farmácia per- isto não pode continuar, nem dares a mais, apreciarás as pa- mente, porque a vida do cidadão é preciosa», advertia. M.S. 1932, com o título “Estão doi- to, o desgraçado que tinha co- deve continuar, para honra redes da cadeia», concluía.

JORNAL APONTOU MEDIDAS PARA TRAVAR “FREQUÊNCIA ATERRADORA” DE DESASTRES

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02 | 02 MAI 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Brigadas de bombeiros para acautelar fogos em Coimbra 28/9/1931 O serviço de bombeiros em Coimbra revelava carências e deficiências de organização que o jornal evidenciou na edição de 28 de Setembro de 1931. «Consta que vão ser estabelecidas brigadas de bombeiros e do material respectivo para saídas em caso de incêndio, de forma a não ficarem as estações completamente desertas de material. A medida é justificada nas saídas para fora da cidade, para onde muitas vezes segue o material todo, ou pelo menos o melhor, ficando Coimbra sem material em condições para debelar um incêndio que por fatalidade nessa ocasião se manifeste», noticiou, acrescentando que seria também «determinado que os incêndios que se manifestem na cidade sejam combatidos com o material da estação que lhe fique mais próxima, fazendo-se a chamada de mais se porventura isso for necessário».

“Que grande marau nos saiu o tal Anselmo” 6/9/1931 Nos “casos de polícia”, a 6 de Setembro de 1931, relatava o Diário de Coimbra a detenção, na Estação Velha, de Anselmo Casimiro Carvalho, apanhado, na companhia de outro indivíduo, a viajar clandestinamente num comboio de mercadorias. Na esquadra, identificou-se como tecelão e residente na Rua da Cedofeita, no Porto, para onde se dirigia, justificando ter «tomado aquele expediente por não poder aguentar a viagem a pé e não ter dinheiro para o bilhete, por andar há tempo sem trabalho». «O homem inspirou dó às autoridades, que o mandaram embora. Pois ontem, quando todos julgavam que aquele estaria no Porto, apareceu à Casa do Sal, onde foi surpreendido a roubar um relógio e uma corrente de ouro ao vigia municipal Manuel das Neves Machado. Que grande marau nos saiu o tal Anselmo, que desta vez sai da esquadra para a Cadeia de Santa Cruz, onde aguardará o dia em que deve ser julgado por aquela proeza», informou o jornal.

1931 O Diário de Coimbra alertou insistentemente para a falta de qualidade e deficientes condições de higiene de muitas padarias da cidade e da região

darias insistiam em produzir e vender ao cliente pão de deplorável qualidade. Reconhecendo as deficientes condições em que muitos destes estabelecimentos funcionavam, o Governo estipulou, em Dezembro de 1930, um prazo de 18 meses para as padarias efectuarem «as obras e modificações necessárias para obedecerem às determinações do regulamento para o fabrico de pão», obrigando-as a ter, pelo D.R. menos, «os seguintes comparom determinação e timentos: amassadoria, casa de persistência, o Diário forno, casa de venda e depósito de Coimbra pugnou de farinhas e de combustível». há 90 anos pela dignificação Uma imposição porém sem das condições de fabrico e efeitos imediatos, na grande venda do pão, despertando na maioria dos casos. Os probleopinião pública preocupações mas continuavam, levando o com a falta de higiene e de Diário de Coimbra a puqualidade num alimento que blicar, a partir de era essencial, sobretudo para Agosto de 1931 e ao as classes mais desfavorecidas. A padaria Estrela longo de vários No dia 14 de Julho de 1931, o do Mondego, na Rua Adelino Veiga, meses, uma série jornal contou que o assinante era apontada em de artigos a alerAlfredo da Costa Pinto, resi1931 como um bom tar para a «situadente no Bordalo, tinha vindo exemplo a seguir ção vergonhosa», à redacção mostrar «três pães para o «perigo social» de trigo, horríveis, cheirando a e a ameaça à saúde púazedo e a podre que tresandam, blica de muitas «casas imundas com uma cor mais de carvão que aí existem e a que se conque alva», vendidos por uma O pão é produzido actualmente em condições de higiene nada comparáveis às de há 90 anos vencionou chamar padarias». padaria da cidade. «O pão é im«Um dos problemas que está próprio. Nem para porcos ser- pão de trigo – «ou melhor, qual- leitor Francisco de Freitas, em- amassadeira, ser amassado, via. Pede-se para o fabricante quer coisa a que se dá esse pregado no campo de jogos da tendido, pesado e levado ao por solucionar é o da higieniuma medalha... de multa que o nome» – de qualidade «a mais Associação Académica, apre- forno para depois ser... servido, zação das indústrias e em esobrigue a tomar tento na bola horrível possível, amargando sentou-se na redacção com um devidamente embrulhado, ao pecial a da indústria de panifie a não envenenar quem lhe faz na boca, devido à má fermen- pão «de aspecto horrível e primeiro consumidor a quem cação. É este, sem dúvida, pela engordar a burra. É indecoroso! tação e cozedura», e de cheiro cheiro nauseabundo»; e o «dr. por sorte coubesse… a prenda». sua gravidade e importância, Exemplos chocantes, que se um dos problemas mais insQue grande porcaria!», indig- «quase que pestilento». Tam- Fernandes Martins, amigo nosbém em SantoAntónio dos Oli- so muito querido e pessoa que hoje justificariam a intervenção tantes a resolver», considerava, nou-se o autor da notícia. Outros relatos publicados vais foi vendido pão «que sabia toda a gente considera e estima, da ASAE, também outrora se- estimando que metade das deno jornal demonstravam falta a petróleo»; um consumidor tendo ido almoçar a um res- riam merecedores da atenção zenas de padarias existentes de cuidado ou de escrúpulos encontrou «um percevejo... as- taurante, ao partir um pãozinho de outras autoridades, como re- em Coimbra estavam «monde muitas padarias, tanto em sado, porque a acção do forno de “luxo” surgiu-lhe à vista um clamou o Diário de Coimbra, tadas sem higiene alguma, sem Coimbra como na região. Uma o não deixou com vida», num infeliz parasita da cabeça que constatando que, se na cidade quaisquer condições de salumoradora da Avenida Sá da pão adquirido «numa padaria por desleixo do manipulador havia bons e louváveis indus- bridade», não possuindo a Bandeira queixou-se de um (?) ali para os lados de Celas»; o teve a infelicidade de cair na triais de panificação, muitas pa- maioria «uma só das condições indispensáveis para o fim que se propuseram». «Não nos move má vontade Polícia multava padeiros por venderem pão sem o pesar contra ninguém. O que nos interessa, e que nos move, é o peSe a qualidade do pão mere- dora, Ana da Conceição Co- encontrado a vender pão a 27 de Novembro), comentan- rigo em que vivemos, mancia reparos, era à questão do laço», e em 16 de Abril de 1931 um freguês sem que o tivesse do que se os vendedores de tendo-se tal estado de imundipeso que as autoridades po- que «foram autuados, na mul- pesado» (1 de Novembro de pão foram «punidos por não ce. Em Coimbra, para vergonha liciais dedicavam especial ta de 6.500$00, por falta de 1931), o mesmo sucedendo ao se fazerem acompanhar da nossa, dignas do nome de paatenção. Na edição de 20 de peso no pão, os industriais de padeiro Manuel Dias Júnior, respectiva balança, os culpa- darias há pouquíssimas, infeDezembro de 1930 o Diário padaria Augusto Soares Mar- do Largo da Freiria, que teve dos foram só eles, porque não lizmente», observava o jornal, de Coimbra noticiou que tins, de Brasfemes, José de de pagar 600$00 (23 de No- cumpriram o que está deter- concluindo que «não há nada «pela brigada volante da Po- Castro, de Eiras, e José Mar- vembro). «Também foram au- minado». «Acreditamos que mais sagrado do que a saúde lícia de Segurança Pública foi ques Pimentel, de S. João do tuados em 250$00 cada, por o pão tem o peso legal, mas, pública, porque ela representa multado em 600 escudos o Campo, os quais, em harmo- não serem portadores das como não trazem a balança, a riqueza principal da Nação», padeiro José Rodrigues de nia com a lei, recorreram da respectivas balanças, os ven- o consumidor está no direito e «brincar com ela ou menosOliveira, desta cidade, por ser sentença». Foi igualmente au- dedores de pão José Lopes de de duvidar. Por isso, aconse- prezá-la equivale a querer conencontrado a vender pão sem tuado, pagando a multa de Araújo, da Rua da Moeda, e lhamos os senhores indus- correr para o seu enfraquecio pesar, sendo também mul- 650$00, o padeiro António Glória Henriques, da Estrada triais das padarias a que cum- mento, equivale a cometer um crime de lesa-Pátria». M.S. tada em 26$00 a compra- Nunes, de Coimbra, «por ser da Beira», publicou o jornal (a pram a lei», rematava.

UMA CAMPANHA CONTRA A “SITUAÇÃO VERGONHOSA” DO FABRICO DO PÃO

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02 | 9 MAI 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Triunfo era um exemplo a seguir 18/5/1932 Uma das principais empresas de Coimbra, a Triunfo, dedicada à moagem e fabrico de massas e bolachas, era apontada como exemplo na valorização das condições sociais dos trabalhadores. Na edição de 18 de Maio de 1932, o jornal noticiou que por iniciativa de Mário Pais, «espírito empreendedor e um dos maiores industriais portugueses, foi criada uma secção de Assistência nas grandes Fábricas Triunfo, de que é gerente, secção essa que começará a funcionar no próximo mês». «A iniciativa, a todos os títulos louvável, visa fornecer, aos preços do custo, vários géneros alimentícios aos operários da fábrica, e dar-lhes assistência médica e às suas famílias, no caso de doença. Aquele nosso prezado amigo tenciona ainda levar por diante outras iniciativas de grande alcance social, entre as quais se destaca um seguro ou reforma, aquando da invalidez de qualquer operário. Fazemos votos para que os outros grandes industriais de Coimbra sigam estas honradas pisadas», escreveu o Diário de Coimbra, cujo fundador, Adriano Viegas da Cunha Lucas, foi também, a par de Mário Pais, um dos principais promotores da criação das Fábricas Triunfo, em 1923.

“Zorro” não havia de morrer na prisão 24/5/1932 O jornal dava conta do «desfecho trágico da última fuga» do soldado Luís Martins, conhecido por “Zorro”, que fora atingido a tiro na Estação Velha ao fugir à escolta que o conduzia para Lisboa sob detenção, «por ser refractário», vindo a falecer no Hospital Militar de Coimbra. «Tinha um largo cadastro, pois praticou um número considerável de roubos no país e no Brasil, pelo que foi preso muitas vezes, mas sempre conseguindo fugir. Tendo nascido na cadeia quando sua mãe cumpria pena por furto, e casado também na prisão, afirmava que nela não havia de morrer. E assim foi. Acabou, afinal, numa cama do hospital», lia-se a 24 de Maio de 1932 .

3/5/1932 Em vez de encerrar condenados em prisões que eram “uma miséria” e “escolas de crime”, defendia-se a regeneração através do trabalho ou degredo

JORNAL CONDENOU REGIME PRISIONAL QUE ERA UMA “FÁBRICA DE CRIMINOSOS”

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m extenso e contundente artigo, destacado na primeira página da edição de 3 de Maio de 1932, o Diário de Coimbra insurgiu-se contra um regime prisional que considerava «atentatório da civilização» e causador do aumento da criminalidade. Sendo as degradantes condições da cadeia de Santa Cruz, no centro da cidade, objecto de frequentes reparos deste jornal, as críticas eram no entanto extensivas a todo um sistema penitenciário que – lia-se no texto – «não sendo compatível com o século em que vivemos é, única e simplesmente, um meio de tortura física e moral que, em vez da regeneração dos criminosos, fomenta revoltados e... faz reincidentes». «Portugal, que foi o primeiro país a abolir a escravatura e a pena de morte, deve também ser o primeiro a abolir um sistema prisional que, sendo incompatível com a dignidade humana, é uma fábrica de criminosos. Os homens condenados por qualquer crime não se regeneram encerrados nas quatro paredes duma prisão, enjaulados, como feras, na bru-

D.R.

prisões modelares a que chamam penitenciárias e que vemos? Um montão de homens encerrados numas jaulas a que Jornal elogiou a Junta Geral do Dischamam celas, obtrito de Coimbra rigados a um repor ter pedido ao gime horrível sem Governo a criação nome, só com núde colónia penal mero, caminhando para a tuberculose, para a loucura, sem que ninguém se preocupe com eles, odiados e odiando, contando minuto a minuto as horas do seu martírio, à mistura com desejos de vingança e sonhos de liberdade. É isto castigar criminosos? É isto regenerar criminosos? Não! Ora, na hora que passa e que tanto se prega naFuncionamento das prisões mereceu duras críticas cionalismo, ponhamos de partalidade duma cela», comen- sas do crime, nem a psicologia te o já há muito condenado sistava o artigo, não assinado e do réu que, passando a conde- tema filadelfiano e procuremos portando assumido como opi- nado, vai para as penitenciárias uma forma bem nacional de engrossar o número de desgra- castigar e regenerar criminonião do jornal. Observava depois que tinha çados». «Não pode ser, não deve sos», defendia. Perante cadeias que eram o Código Penal «as penalidades ser assim. O rigor estúpido da por conta, peso e medida, po- pena não consegue arrependi- «uma miséria», «fábricas de turém, essas penalidades tanto se mentos mas converte o con- berculosos e de loucos» e «esaplicam ao autor dum primeiro denado num criminoso de pro- colas de crime», entendia que crime como aquele que é cri- fissão. Entremos nas nossas pri- o sistema penitenciário tal minoso consumado», e «na sões e o que vemos? A ociosi- como funcionava deveria «ser aplicação dessas penas não se dade e a depravação. Vamos abolido», aproveitando «esses distingue ninguém, nem as cau- mais além e entremos nessas enormes casarões onde hoje se

encerram os condenados» para unicamente «encerrar aqueles que aguardem julgamento», mas evitando «misturar os autores dum primeiro crime com criminosos reincidentes, com os criminosos de profissão». Na opinião do articulista, deveriam ser abolidas no Código Penal «as penas de prisão correccional, substituindo-as por trabalhos obrigatórios ao ar livre, em que o condenado possa como homem que é, receber os raios benéficos do sol e o ar das serranias». Devia também ser abolida «a pena de prisão maior, substituindo-a pelo degredo nas nossas possessões ultramarinas, ou por trabalho nas colónias penais» e a pena de degredo «deveria ser graduada em harmonia com o crime, com o grau de ilustração do criminoso, de modo que, lá fora, nas nossas colónias, os condenados pudessem ser úteis a si, à família, à sociedade e à Pátria». «Convencidos estamos que a pena de trabalhos obrigatórios, como a pena de degredo, fariam diminuir muito e muito a criminalidade», afirmava. «Na prisão também se come, afirma-se. Pois necessário é acabar com este dizer, obrigando todos os condenados a sustentarem-se com o suor do seu rosto, obrigando-os ao trabalho que, apesar de forçado, não só lhes daria saúde, como também seria um óptimo meio de regeneração. Depois o Estado com este sistema faria uma formidável economia com a sustentação dos presos, acabando esses túmulos de vivos e escolas de depravação», concluía. M.S

Reclusos iam a pé cumprir pena na Penitenciária 20/4/1932 Pedindo a intervenção das «autoridades superiores da Relação de Coimbra», o jornal voltava a lamentar, na edição de 20 de Abril de 1932, o “triste espectáculo” da passagem apeada dos reclusos por algumas das principais ruas da cidade. «Ontem, pelo meio-dia, marchavam entre uma escolta de dez soldados da Guarda Republicana,Avenida Sá da Bandeira acima, três desgraçados; cabeça baixa, tristes, arrastando-se, um

deles, velho trôpego de 70 anos. Iam a caminho da Penitenciária, a cumprir pena maior, em que os tribunais de primeira instância os condenaram. Às portas e às janelas apareciam pessoas a contemplar aquele triste espectáculo! Os que passavam na rua, paravam! E todos, afinando pela mesma voz, afirmavam que era um acto desumano aquele. Passeados pelas ruas da cidade, à hora de mais movimento, é uma barbaridade. No século XX, em

Coimbra, a terra que se orgulha dos seus pergaminhos, a terra erudita e culta por excelência, é um crime», protestava. O autor do texto comparava este “passeio”com «aquele macabro cortejo d’outrora, nos autos de Fé», só lhe faltando «os balandraus, os capuzes e os archotes». «Que lúgubre coisa! Se assim se acabasse a criminalidade entre nós ainda se admitia, compreendia-se! Mas assim... O espectáculo que presenciamos e nos chocou, chocando

connosco todas as almas boas, não deve repetir-se para honra nossa», exortava, pedindo que a situação fosse resolvida, tal como se tinha acabado com o “Carocho” a «passear pela cidade em pleno dia» (a desconjuntada e barulhenta carroça de madeira que transportava, da morgue para o cemitério, os corpos dos indigentes falecidos no hospital e os cadáveres usados nos estudos de anatomia). «Não compreendemos o espectáculo de ontem. Há que re-

solvê-lo! Não há carro celular? Então, faça-se aquele passeio a desoras, para que não vexe quem nele tem a desdita de ir, nem quem tenha a tristeza de o ver. Bem basta a pena a que esses farrapos humanos foram condenados, quanto mais apresentá-los em público, como que a mostrar-lhes as suas chagas! De quem é a culpa? De quem foi? É-nos indiferente. O que é mister é que se providencie no sentido de acabar com essa barbaridade», insistia.


02 | 16 MAI 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Agente da PSP atirou-se ao Mondego para salvar criança

3/1/1932 População de Coimbra foi convidada a visitar os importantes “aperfeiçoamentos e remodelações” no estabelecimento hospitalar

HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE ABRIRAM AS PORTAS PARA MOSTRAR MELHORAMENTOS

H

12/5/1932 O Diário de Coimbra destacou na edição de 12 de Maio de 1932 o acto de heroísmo de um polícia que salvou de «morte certa» no Mondego uma criança de 11 anos. «Ontem, pelas 20 horas, aproximadamente, em frente da Estação Nova, por inadvertência, caiu ao rio a pequenita de 11 anos Maria do Carmo Alves, filha de Adelaide Alves, residente no Terreiro do Mendonça, n.º 3. A pequenita teria morrido afogada se não tem sido o gesto de humanitarismo rapidamente praticado pelo guarda n.º 43, Albano de Matos, da Polícia de Segurança Pública de Coimbra. Estando na Estação, à espera do comboio, onde vinham umas pessoas de sua família, viu o corpo da infeliz criança boiando, à tona d´água. Imediatamente se despojou do casaco, pistola e cinturão e atirou-se à água. Nadou com alma, uns 30 metros, e apanhou e salvou a criança», relatou o jornal, observando que o polícia «quando saiu do rio foi muito abraçado por grande quantidade de gente que se juntou». Um «acto de abnegação» que, sugeriu o Diário de Coimbra, deveria merecer reconhecimento e recompensa, por parte dos superiores hierárquicos do guarda de 1.ª classe Albano de Matos. E assim foi, noticiando o jornal dois dias depois que o comandante da PSP de Coimbra, tenente Sérgio Vieira, aprovando uma proposta do 2.º comandante, tenente Nascimento Vieira, concedeu 10 dias de gratificação especial para o heroico polícia, que seria ainda proposto para «a medalha de mérito e filantropia».

á 90 anos tinham os Hospitais da Universidade de Coimbra em curso importantes investimentos para a expansão e melhoramento das instalações, na Alta da cidade. No dia 3 de Janeiro de 1932, domingo, das 13h00 às 17h00, a direcção abriu as portas do hospital e, através do nosso jornal, convidou «entidades oficiais, associações e o público em geral a visitar não só as enfermarias mas as várias dependências hospitalares a fim de se inteirarem dos aperfeiçoamentos e remodelações com que vem sendo beneficiado este estabelecimento de assistência e ensino». Dias antes, a 27 de Dezembro, o Diário de Coimbra noticiou que o professor Ângelo da Fonseca, director substituto dos Hospitais da Universidade, tinha acabado de enviar à Direcção Geral deAssistência e à Faculdade de Medicina um relatório «sobre as obras realizadas, em realização e a realizar» na unidade hospitalar. «O relatório, depois de justificar, com fundamentadas razões, as vantagens que resultariam para Coimbra e para a região central do país, uma vez realizadas todas as obras em esboço, que tornariam aquele estabelecimento apto a cum-

D.R.

banco, como está, envergonha os Hospitais». Não deixava a notícia de sublinhar igualmente as «importantes obras» no Colégio das Artes, no hospital do Castelo, na Maternidade Daniel HUC ocuparam os de Matos, no colégios de S. Jerófuturo hospital nimo e das Artes, na de pediatria, Alta, até mudarem em 1987 para as acno manicómio tuais instalações Sena e no hospital de doenças infecto-contagiosas. «Este importante trabalho, inteligentemente dirigido, visa dotar os Hospitais da UniPortaria Geral dos Hospitais da Universidade, na Alta da cidade versidade com os elementos prir a alta missão científica e turcos, etc.; raio X, laboratórios indispensáveis a poder corressocial que lhe está confiada, de- da Faculdade de Medicina: de ponder à sua importância comonstra que os estabelecimen- análises, de fisico-química e mo um dos primeiros estabetos compreendidos na organi- química biológica e de cirurgia lecimentos científicos do país zação dos serviços dos Hospi- experimental», anotou o jornal. e à sua missão social de assisDestacava depois, entre as tência, e isso bastará para que tais da Universidade ficariam compreendidos pela forma se- «obras de capital importância, as entidades a quem o relatório guinte: hospital do Colégio das das quais algumas já concluí- é dirigido ponderem nas razões Artes, hospital de S. Jerónimo, das», a construção do novo apresentadas e na justiça que hospital do Castelo, Materni- “banco”, investimento de «ex- assiste a Coimbra, satisfazendo dade Daniel de Matos, hospital traordinária importância, visto plenamente as pretensões da de doenças de crianças (a cons- que as actuais instalações estão nossa cidade e atendendo imetruir), manicómio Sena, hospi- muito longe de satisfazer as diatamente os desejos manital de doenças infecto-conta- exigências dos serviços» – o festados pelo sr. Dr. Ângelo da giosas (a construir), Instituto de próprio Ângelo da Fonseca, em Fonseca, que não pára na sua Fisioterapia, compreendendo entrevista ao jornal publicada faina de querer engrandecer electricidade médica, fototera- a 18 de Agosto de 1930, apon- cada vez mais a obra que lhe pia, ergoterapia, massoterapia, tara como «indispensável ini- foi confiada e para que tem traginástica médica, hidroterapia, ciar quanto antes» a «insta- balhado incansável e desintebalneário, piscina, banhos de lação das Consultas Exter- ressadamente», concluía o Diáimersão, “douches”, banhos nas», reconhecendo que «o rio de Coimbra. M.S.

Hospitais da Universidade com média diária de 537 doentes há 90 anos No dia 9 de Fevereiro de 1932 o Diário de Coimbra divulgou o movimento de doentes, do ano anterior, nos Hospitais da Universidade. De acordo com a notícia, estavam internados no primeiro dia do ano 505 doentes e 537 a 31 de Dezembro. Ao longo de 1931 entraram no hospital 2.927 pacientes,

tendo saído 2.990 «com alta ou falecidos». A média diária de doentes foi de 537, tendo-se atingido um número máximo de 598 e um mínimo de 485. Foram 3.990 os doentes inscritos em consultas externas e banco e atendidos 56.535 para curativos e outros tratamentos. O movimento hospitalar de 1931

contabilizou 1.446 socorros urgentes no banco e uma média diária de 154 consultas e tratamentos. No ano anterior, segundo notícia publicada por este jornal a 6 de Janeiro de 1931, os Hospitais da Universidade de Coimbra tinham registado uma média diária de 516 doentes (estavam internados

506 no dia 31 de Dezembro), tendo entrado ao longo de 1930 um total de 4.273 utentes e saído 3.870. Nas consultas externas foram inscritos 3.765 doentes e o número de tratamentos e consultas totalizou 45.355. Quanto a intervenções cirúrgicas realizaram-se ali 1.728 no primeiro ano da década.

Uma fuga da enfermaria-prisão dos Hospitais 28/4/1932 Existia nos Hospitais da Universidade de Coimbra uma enfermaria-prisão de onde, segundo publicou o jornal na edição de 28 de Abril de 1932, fugiram dois reclusos que ali se encontravam por motivo de doença. Foram eles Álvaro Rodrigues da Silva, conhecido por “Manaia”, de 48 anos, sentenciado a pena maior por desfalque na fazenda pública da Marinha Grande, onde era tesoureiro, e ainda por crime de fogo posto na Quinta da Faia, em Condeixa, e Crisóstomo de Matos, «galinheiro, da Estação Velha, que havia sido entregue ao governo por diversos furtos». «A pretexto de necessitar duns banhos, alegando dores nos intestinos, o Rodrigues da Silva encerrou-se com o Crisóstomo, e com o consentimento do guarda de serviço, num quarto contíguo à enfermaria, tendo levado consigo um fogão de petróleo para aquecerem a água, mas no propósito de, com o ruído por ele produzido, abafarem qualquer barulho que tivessem de fazer, na efectivação da fuga. Minutos depois, à meia-noite, quando um novo guarda veio substituir aquele, ao proceder à contagem dos presos, deu pela falta do Rodrigues da Silva e do Crisóstomo, que haviam saltado pela janela para a cerca do Hospital do Castelo, de uma altura de pouco mais de um metro, presumindo-se que em seguida o “Manaia”e o seu companheiro tivessem atravessado para a cerca da outra parte do Hospital, saindo, possivelmente, pelas traseiras dos edifícios que dão para a RuaAbílio Roque»[actual Rua Padre António Vieira], descreveu o Diário de Coimbra. O guarda suspeito de ter facilitado a fuga viria a ser detido e o “Manaia” foi recapturado em Santo António dos Olivais um dia depois, conseguindo escapar o outro evadido. Na notícia, o jornal questionou as condições de segurança da enfermaria-prisão dos Hospitais da Universidade. «Da mesma maneira que estes presos se evadiram, outros o têm feito e provavelmente outros o continuarão a fazer, se não forem tomadas as providências devidas», advertiu.


02 | 23 MAI 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias 27/5/1931 Com Maio de novo sem a tradicional festa académica, devido à pandemia, temos memórias e uma reportagem de há 90 anos para partilhar

barda ao longo da Calçada». «As janelas de todos os prédios, donde pendem vistosas colgaduras, estão literalmente pejadas de gente. Entre a numerosa assistência, destacam-se muitas meninas alegres e gentis, que correspondem com vivacidade ao bombardeamento de serpentinas com que os rapazes as festejam. É uma autêntica batalha de flores. Os estudantes, nos carros, mal têm ocasião de responder aos proFOTOS: SITE DA AAC jécteis com que os alvejam dum lado e do outro da rua. Estudantes exibiO entusiasmo ram à cidade boné é grande e ruiroubado a um tedoso, numa nente da GNR, fiapoteose forcando o 27 de Maio como dia do cortejo midável de alegria esfuziante e de mocidade estuante. O trânsito faz-se com dificuldade, pois a cada momento a onda humana que assiste nos passeios, alastra pela rua, e os carros andam Um dos primeiros cortejos da Queima das Fitas, a passar na Rua Larga da antiga Alta de Coimbra mesmo devagar», relata. (foto da esquerda) e um carro alegórico de quartanistas na festa académica de 1930 (à direita) A chegada ao Largo Miguel drinhos, quintanistas que dei- intenso, à assistência, que aplau- car, o que prejudica, um pouco, Bombarda (Portagem) coloca xam de as usar, entregam-nas, de e ri, frenética, ébria de pra- o esplendor da festa. O cortejo um ponto final no cortejo e na com um rito tradicional, aos fu- zer, os olhos na avidez de ve- desce do Largo da Feira à Praça prosa do jornalista. «Atrás do turos quintanistas de Outubro, rem e guardarem, a um tempo, da República, no meio da maior cortejo seguem dezenas de recebendo, em troca, um cha- todas as piadas - e muitas são - animação; trocam-se serpenti- carros particulares. O cortejo ruto. Trocam-se estreitos abra- dos cartazes dos vários carros», nas com as meninas que estão desfaz-se enfim. Alguns carros às janelas.AosArcos do Jardim recolhem a suas casas os noços. Reina a alegria», observa. aponta o repórter. Depois, «os novéis quintanis- e na RuaAlexandre Herculano, véis quintanistas; outros, deTermina a tradicional cerimónia da queima. «O céu toldou- tas ocupam os seus lugares nos a batalha de flores e de serpen- safiando o mau tempo e ar-se.As nuvens pejam a abóbada carros respectivos», «as filar- tinas intensifica-se, com entu- rostando com a chuva, ainda passeiam na Baixa, durante celeste e obumbram o recinto mónicas, em marchas aguerri- siasmo», prossegue o texto. Ao chegar à Baixa o cortejo longo tempo, enquanto dura da festa. Arrefeceu um pouco, das e marciais, acompanhadas mas nem por isso arrefece a pelo troar dos “zés-pereiras” depara-se com uma enorme o ruído da festa, que a pouco alegria que, em labaredas, bri- abrem a marcha a caminho da multidão. «A custo rompem os e pouco se extingue, lentalha no coração dos rapazes, e Baixa», e «o cortejo segue, carros pela estreita vereda que mente, pesaroso do dia que que se transmite, numa vibra- acompanhado por grande a assistência abre, da Praça 8 fez, saudoso da alacridade que ção de entusiasmo crescente e multidão». «Começa a chuvis- de Maio ao Largo Miguel Bom- teve», conclui. M.S.

SÁTIRAS FAZIAM DO CORTEJO DA QUEIMA A “REVISTA DO ANO” DE COIMBRA

O

repórter do Diário de Coimbra não poupou nos adjectivos para adornar o vibrante e extenso relato que o jornal publicou há 90 anos, na edição de 28 de Maio de 1931. Na véspera, quarta-feira, a cidade agitara-se para viver mais um dia festivo da Queima das Fitas, e o mais importante, que levou os estudantes da Alta à Baixa em animado cortejo. No Largo da Feira, para assistir à «cremação dos “grelos”», a multidão «comprime-se, aperta-se, esmaga-se». «Ouve-se o barulho dos carros. Ao longe, na Rua Larga, ecoam, triunfantes, os sons das fanfarras e filarmónicas que figuram no cortejo, entrecortados pelo contra-canto das músicas dos “zés-pereiras”, que atroam os ares com a sua melodia característica e inarmónica. Aproxima-se o cortejo. Ei-lo que vem, descendo pelas ruas, alinhar-se ao longo dos passeios do Largo da Feira, carros engalanados, cobertos de flores, recobertos de cartazes que são, cada um deles, uma “charge” alegre, cheia de humor e de espírito, à vida social da Nação e de Coimbra em especial. Os assuntos académicos não são esquecidos, e as piadas sucedem-se, esfuziantes, cheias de graça, para gáudio de quem as vê e aprecia. Caricaturas de pessoas conhecidas figuram nesses cartazes, em alusões satíricas, porque a Queima das Fitas é a revista do ano da cidade de Coimbra», anota o jornalista. No Largo da Feira, «o estrado crematório vai-se enchendo de “incendiários”, a pouco e pouco. Todos dão o rebento do seu “grelo”ao afilhado terceiranista, e lançam o resto para um “vaso de cama” que se ostenta num poste, no meio do catafalco, onde o álcool está em fogo». «Trocam-se as pastas, os pa-

Champanhe e facas de prata para os dois melhores carros do cortejo Um júri constituído pelo reitor da Universidade de Coimbra, pelo presidente da Associação Académica e outras personalidades, convidadas pela comissão das festas, classificou os carros que participaram no cortejo da Queima das Fitas de 1931, atribuindo o 1.º lugar ao dos alunos de Medicina alusivo à «simpática instituição Ninho dos Pequenitos», e o 2.º ao carro que «era ladeado por dois “cowboys” vestidos a rigor», da Faculdade de Direito. Correspondiam aos

Notícia de 3 de Junho de 1931

prémios «duas cestas com garrafas de champagne, oferta dos Grandes Arma-

zéns do Chiado, e duas facas de prata, para cortar papel, oferta das senhoras que fizeram parte do júri». O Diário de Coimbra penitenciou-se de uma omissão na reportagem do cortejo destacando na edição de 3 Junho de 1931, com foto na primeira página e sob o título “Um lindo carro”, a participação de dois estudantes de Medicina. «Aquando da festa da Queima das Fitas, foram vários os carros que se apresentaram em público e mereceram os mais intensos

aplausos, pela sua originalidade e bom gosto. O que hoje deixamos arquivado nas nossas colunas, dos quartanistas de Medicina drs. José Pereira Monteiro e José Gomes, foi premiado com o prémio da Faculdade, o que diga-se de passagem não constituiu favor algum, dado o seu alto valor artístico. Gostosamente fazemos esta referência e pedimos desculpa de, no nosso noticiário de então, lhe não darmos o merecido e bem justificado realce», escreveu o jornal.

Milhares em Santa Clara para ver a garraiada A festa académica de 1931 abriu no domingo, dia 24, com a garraiada, promovida pela Real República Ribatejana, que atraiu ao Coliseu de Coimbra, em Santa Clara, «milhares e milhares de pessoas». «Como sempre organizou-se um cortejo de grande luzimento e bizarria no Páteo da Universidade, constituído por carros ornamentados de flores e outros esquisitos atavios, que por entre uma multidão compacta desfilou com um aspecto de imponência e majestade. Os carros conduziam os “toreros” - moços de forcados e capinhas - sendo escoltados pelos cavaleiros montados em cavalos imponentes ricamente arreados», relatou o Diário de Coimbra na edição de 26 de Maio.Areportagem descrevia o povo de Coimbra apinhado nas ruas, «ansioso de ver passar o famoso e tradicional festejo», que surgiu na Baixa pelas 17h50, anunciado por foguetes, e «pouco depois dava entrada triunfal no Coliseu». «A garraiada que prometia ser esfuziante de alegria e bom humor correspondeu realmente ao que a cidade desejava, tendo feito passar uns esplêndidos momentos aos numerosos espectadores. A escassa arte de tourear de uns, a inexperiência de outros deram origem a episódios hilariantes que mantiveram a assistência numa contínua atitude de riso, em constantes e espontâneas gargalhadas. No meio de toda esta alegria houve, infelizmente, uma nota triste - o facto de um dos toureiros ficar ferido e ter de ser retirado da arena em braços», rematava a notícia.

A comissão organizadora da Queima de 1931 Para organizar os “quatro dias de festa rija e esplendorosa” da Queima das Fitas de 1931, entre 24 e 27 de Maio (de domingo a quarta-feira), foi constituída uma comissão de que fizeram parte Albino Gonçalves (presidente), estudante de Medicina, José Gomes Cabral, de Direito, Manuel Óscar de Bettencourt Galvão, de Letras, e Artur Freire Andrade Pimentel, de Ciências.


02 | 30 MAI 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Coimbra deu nome a marca de fósforos

4/6/1932 O jornal informou na edição de 4 de Junho de 1932 que a Companhia Lusitana de Fósforos, com sede no Porto, acabara de lançar uma «nova marca de fósforos amorfos, homenageando a cidade de Coimbra». «Nas tampas das pequenas caixas vem colado um lindo cromo, com o brasão da cidade desenhado a rigor. E assim presta homenagem à nossa terra a Companhia Lusitana de Fósforos, constituída exclusivamente com capitais portugueses, sendo também todo o seu pessoal português. Agradecemos a amostra dos novos fósforos que nos foi enviada por intermédio da firmaAires Mendes Freire & C.ª, que tomou a seu cargo a venda dos fósforos desta marca que deve ser, doravante, preferida por todos os conimbricenses», lia-se na breve nota. Dias depois, um anúncio (na imagem) promovia a qualidade dos novos “Fósforos Coimbra”, prometendo brindes aos consumidores .

Caixa postal para doentes dos HUC 13/1/1931 O Diário de Coimbra chamou a atenção, na edição de 13 de Janeiro de 1931, para um problema que afectava os doentes internados nos Hospitais da Universidade. «Têm necessidade de comunicar com as famílias e servem-se para isso do correio. Mas não está bem que tenham de andar a pedir, por favor, a alguém que lhes leve as cartas a qualquer caixa postal. Tudo se remediaria se, na Portaria do Hospital, fosse colocada uma daquelas caixas», sugeriu o jornal, que se congratulou, no dia 27 de Janeiro, por na véspera ter sido ali colocada a caixa postal, «para honra nossa e do digno director dos Hospitais, que prestou, com aquela obra, um alto serviço aos doentes».

2/6/1932 Diário de Coimbra publicou um conjunto de intervenções em defesa da dignificação das condições de vida dos funcionários públicos

JORNAL ALERTOU PARA “SITUAÇÃO AFLITIVA” DOS SERVIDORES DO ESTADO

C

om o título “Funcionalismo público” divulgou o Diário de Coimbra, no dia 2 de Junho de 1932, o primeiro de vários artigos para mostrar «aos nossos governantes a situação aflitiva em que se encontram quase todos os servidores do Estado, de forma a que sejam atendidas, e depressa, as suas reclamações». Começava o articulista por recordar que o ministro das Finanças ordenara à Direcção Geral de Estatística que «procedesse a um inquérito a fim de conhecer as condições gerais da vida do funcionalismo, vencimentos, encargos de família, rendas de casas e acumulações, etc.» A avaliação feita levou o jornal a constatar que «a situação do funcionalismo público é assustadora» e «75% pelo menos de funcionários portugueses

seus cargos», observou o articulista, apontando sobretudo as dificuldades dos funcionários públicos, quer civis ou miliPelo menos 75% tares, de níveis dos funcionários remuneratórios públicos viviam, intermédios, em 1932, “uma vida «não só porque pouco mais do que miserável” os seus vencimentos não correspondem ao custo real da vida, mas ainda porque pela sua posição e educação têm despesas a que não poRemunerações eram insuficientes face aos gastos familiares e dem fugir». «O que é que reo jornal expôs exemplos de diferentes situações profissionais presenta para um funcionário, vivem uma vida pouco mais tenha um valor muito superior no momento actual, um vendo que miserável», sendo «ne- àquele que tinha em 1926, não cimento mensal de mil ou mil cessário olhar para eles e re- é menos certo que, ao contrário e duzentos escudos? Só a renda solver de pronto a horrível do que se esperava, a vida con- da casa, que nunca pode ser invida que passam as suas infe- tinue num crescente apavo- ferior a 300 ou 400 escudos, rante, numa fase verdadeira- lhes leva a maior parte dos seus lizes famílias». «Muito embora a moeda por- mente inquietante para aqueles réditos, acarretando-lhe uma tuguesa se tenha valorizado ex- que não têm outros rendimen- situação torturante o sustento traordinariamente, que ela hoje tos além do vencimento dos e a educação dos filhos. Um

funcionário público, casado, com dois ou três filhos a educar, com 300 ou 400 escudos de renda pode sustentar-se, vestir-se, calçar-se, a ele e à família, com 700 ou 800 escudos que lhe ficam livres, depois de pagar a renda da casa?», questionava. Se entre os altos funcionários «há quem acumule cargos e faça vencimentos principescos, há servidores do Estado que estão vivendo na mais cruciante miséria. São os funcionários adidos», registava ainda. «Dum funcionário adido sabemos nós que está percebendo mensalmente 250 escudos. É casado, tem três filhos, caminhando todos a passos agigantados para a tuberculose. E não se julgue que esse funcionário é um vulgar manga d’alpaca. Adentro da sua especialidade é considerado o primeiro, e, afastado do serviço, todos os dias as suas obras são consultadas nas repartições do Estado! Apesar disso vive na mais cruciante miséria, vendo os filhos sem pão e ele sem meios para acorrer à sua educação e à indispensável assistência médica e farmacêutica», «Urge, pois, pôr cobro a anomalias que são verdadeiramente vergonhosas e atentatórias do prestígio que a actual Situação deseja manter», preconizava o articulista. M.S.

“Interessantes achados arqueológicos” na Alta D.R.

11/5/1932 Noticiou o Diário de Coimbra, a 11 de Maio de 1932, que «nas escavações feitas no leito da Couraça dos Apóstolos, para assentamento da nova linha de eléctricos, no troço que vai do Museu de Ciências ao Arco do Bispo, têm aparecido a pouca fundura numerosos fragmentos de tégulas [telhas] romanas», bem como se encontraram igualmente ossadas junto da capela mór da Igreja de S. Salvador, na Alta da cidade. «O ilustre director do Museu Machado de Castro, sr. Dr. Virgílio Correia, que fez recolher alguns exemplares das telhas aparecidas, diz-nos que o achado não surpreende, dada a vizinhança do enorme edifício romano que existe sob o Museu, em cujas galerias abundam telhas como estas

Museu Machado de Castro recolheu achados arqueológicos

recolhidas; mas que alarga o conhecimento da área habitada de Aeminium, a cidade romana que existia no local que hoje ocupa Coimbra», escreveu o jornal. Dois dias depois, sob o título “Interessantes achados arqueológicos”, divulgou-se que a bri-

gada de trabalhadores da Câmara, prosseguindo os trabalhos de assentamento da nova linha de eléctricos, «passou além do Arco do Bispo, escavando o leito da rua junto à parede do edifício do Instituto e do Museu de Ourivesaria e Tecidos, anexo ao Museu Ma-

chado de Castro, e pôs a descoberto, ontem, cerca das 15 horas, à fundura de 0,50, o fuste de uma coluna romana construída de tijolos triangulares, semelhantes a outros encontrados em Condeixa-a-Velha e que estão reconstituídos no Museu, troços de parede e fragmentos de uma grande estátua de mármore», tendo todos estes objectos recolhido ao Museu por indicação de Virgílio Correia. «Já de manhã, em frente da porta do Instituto, o rev.º António Nogueira Gonçalves, que tem seguido com muito interesse as escavações, assistira à descoberta de uma sepultura, certamente medieval, tapada com uma laje, e que não pôde ser explorada por ficar fora do corte feito no terreno», complementou o jornal. A “Coimbra romana” voltava

às páginas deste diário no mês seguinte, publicando-se a 10 de Junho que «os trabalhos de calcetamento da Rua de S. João, no troço compreendido entre o Arco do Bispo e o Largo do Dr. José Rodrigues, deram ocasião a que pudessem continuar as pesquisas arqueológicas, iniciadas há semanas no mesmo local, por ocasião do assentamento das linhas». «Novos fragmentos de estátua de mármore foram recolhidos, assim como tijolos de coluna, pedaços de tégulas, e pedras lavradas pertencentes a elementos arquitectónicos. As pesquisas são superiormente dirigidas pelo erudito professor sr. Dr. Virgílio Correia. O sr. Moura Marques, digníssimo vereador do Pelouro das Obras, facilitou amavelmente a escavação», anotou o jornal.


02 | 06 JUN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Oito ovelhas trucidadas por comboio na Arregaça 12/6/1932 O Diário de Coimbra alertou mais uma vez, na edição de 12 de Junho de 1932, para a necessidade de garantir a passagem em segurança dos comboios da Linha da Lousã na zona da Arregaça, nesta cidade. Na véspera, por volta das 8h30, o comboio vindo da Lousã tinha colhido «na passagem de nível da Arregaça, junto ao campo de foot-ball, oito ovelhas dum rebanho que nesse momento atravessava a linha». «Urge que sejam tomadas as devidas providências, para que naquele ponto sejam colocadas umas indispensáveis cancelas, pois, segundo nos informam, não é esta a primeira ocorrência deste género que ali se tem registado», preconizou o jornal.

Reconstituição de assaltos a capoeiras

11/3/1932 Não podendo ser feito o desejável restauro, que ao menos se limpasse e arranjasse a entrada para permitir ao público visitar o monumento

plo por cuja conservação tantas reclamações a Imprensa tem feito, continua no mesmo estado de abandono, na mesma situação vergonhosa e com o mesmo repelente aspecto que todos sempre lhe notámos», lamentou o articulista, frisando a urgência de «acabar com esta vergonha, para o bom nome da nossa cidade». Não exigindo «desde já uma restauração rigorosa [do monumento], embora isso estiARQUIVO vesse no ânimo de todos», havia ao menos que fazer «a limpeza ao que lá se encontra, que é alguma coisa de elevada importância, enquanto outra Igreja do Mosteiro obra se lhe não de Santa Clara-apuder fazer». -Velha chegou a ser «Arranje-se usada como estáconvenientebulo e arrecadação de alfaias agrícolas mente a entrada que dá acesso ao velho coro, desafrontando-a de algumas coisas que por lá existem que há muito deviam ter desaparecido e depois exponha-se ao público que tem o direito de a visitar. Trabalhos recentes permitiram restaurar e redescobrir o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha Assim é que está bem e assim é quem de direito e a velha igreja nal”, sendo entregue, por isso, à feito essa entidade na igreja de que deve ser para honra do tía que está ligado o nome da guarda de quem tem por dever Santa Clara-a-Velha? À parte o tulo de “Monumento Nacional” Rainha Santa Isabel passou cuidar da conservação de tudo despejo do que ali se encon- que há poucos anos lhe foi desde esse momento a deno- que pertence ao nosso patri- trava, não nos recorda que fi- conferido», defendeu o Diário minar-se “Monumento Nacio- mónio artístico. E o que tem zesse mais nada, e o velho tem- de Coimbra. M. S.

UM ALERTA PARA O ESTADO DE ABANDONO DO MOSTEIRO DE SANTA CLARA-A-VELHA

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“lamentável estado” de abandono em que se encontrava o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, classificado em 1910 como monumento nacional, motivou um reparo do Diário de Coimbra na edição de 11 de Março de 1932. Trata-se, sublinhou então o jornal, de «uma relíquia de arte de subido valor, que as cheias do Mondego subterraram ao ponto de só deixarem à vista e em condições de ser visitada a parte destinada ao coro das religiosas que o habitaram, que ainda não há muito estava transformada em estábulo e arrecadação de alfaias agrícolas, e num estado que causava vergonha». «Contra o facto levantou-se um protesto, que foi ouvido por

Penitenciária distribuía “sopa” aos pobres 19/3/1932 Os pilha-galinhas davam que fazer às autoridades policiais, noticiando o Diário de Coimbra, a 19 de Março de 1932, que continuavam as investigações sobre «os roubos de galinhas praticados nesta cidade, em que estão implicados e pelo que foram presos Danilo Emanuel do Amaral Osório, da Cumeada, também conhecido por “Lampeão”, Alberto de Almeida Lemos e Manuel Jorge Balsas, que ontem, acompanhados pelo agente sr. Pereira Pinto, foram fazer a reconstituição do crime às várias capoeiras que assaltaram, e onde fizeram larguíssima colheita». «A tripeça, ao que parece, tem mais companheiros, cujos nomes já indicaram, que também serão chamados à responsabilidade e entregues com aqueles no poder judicial», completava a notícia.

10/3/1932 A Cadeia Penitenciária de Coimbra, construída em 1889 junto ao Convento de Santa Ana, mereceu o aplauso do jornal, na edição de 10 de Março de 1932, por uma meritória iniciativa de apoio aos mais pobres da cidade. No dia anterior, um repórter do Diário de Coimbra testemunhou a «obra de assistência notável» que o estabelecimento prisional vinha desenvolvendo desde o início desse ano. «O seu ilustre director, sr. dr. José Miranda, a quem a nossa cidade de há largos anos deve inestimáveis serviços, coração bondosíssimo, tendo como timbre e lema da sua vida a lealdade, facultou-nos o assistirmos a uma obra notável de assistência. São 16 horas. Sessenta pobres, alguns pertencendo àquela infeliz classe dos pobres envergonhados, vão buscar a

Fotografia da distribuição da “sopa” na Penitenciária, que o jornal publicou a 11 de Março de 1932

sua sopa, aquela sopa que o nosso amigo instituiu no dia I de Janeiro. São pouco mais do que 60 farrapos humanos, aqueles pobres desgraçados, que ali vão buscar uma esmola bendita, que o sr. dr. José Miranda distribui sem alardes,

numa grande abnegação», observou o autor da reportagem. Compunha-se a refeição de «uma marmita de sopa, um prato de bacalhau cozido e uma boroa de trigo-milho». «Uma sopa que dá para uma família inteira, optimamente cozinha-

da e temperada, que rescende. E todos os dias diferente. Isto todos dias, às 16 horas, excepto aos domingos que se distribui às 13, numa grande devoção.As marmitas reluzem. São 120. Trazem uma vazia. Levam outra cheia. Os seus portadores

capricham em as trazer areadas. Parecem prata. E os pobrezinhos saem, lágrimas nos olhos, bendizendo o seu benfeitor, aquele que lhes mata a fome e os socorre, com uma discrição que toca a raia do sublime», anotou o jornalista. Acrescentava a notícia que a “esmola”era distribuída «numa alpendurada, muito branca, como capelinha de aldeia, que o dr. José Miranda propositadamente mandou construir para esta obra de bondade, onde está expressa a sua grande alma de homem bom». Na edição seguinte, igualmente na primeira página, o jornal publicou uma gravura a ilustrar a distribuição da “sopa” na Penitenciária. «Amaior parte das pobres mulheres que aqui se vêem têm família numerosa, uma mão cheia de filhinhos estremecidos», registou.


02 | 13 JUN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Caçadores de pombas” nas ruínas da igreja 18/4/1932 O Diário de Coimbra condenou, na edição de 18 de Abril de 1932, uma “caça às pombas” nas obras de demolição da Igreja de S. Bento, naAlta da cidade. «Certos indivíduos que se empregam nos trabalhos de demolição da Igreja de S. Bento entretêm-se, nas horas vagas, a dar caça às pombas que tinham naquele edifício o seu abrigo e que ainda hoje visitam, amiúde, as suas ruínas. Merece a maior repulsa tal acto de vandalismo. Não se compreende que quem quer que seja gaste o seu tempo a preparar negaças e armadilhas com que as pombas são apanhadas, levando-as, após o trabalho, para casa, já mortas, muitas vezes escondidas nas mangas dos casacos. Em certas cidades, acarinham-se as pombas e há mesmo quem as sustente, espalhando diariamente, em certos pontos, grandes quantidades de milho e outros cereais. Em Coimbra, pelo contrário, dá-se caça às pombas, há quem se entretenha a matá-las para depois as comer», lamentou o jornal, pedindo a intervenção da Sociedade Protectora dos Animais.

Faltava aos HUC aparelho para tratar a “tinha” 19/4/1932 Numa nota dirigida à atenção do director dos Hospitais da Universidade de Coimbra, o jornal sugeriu uma medida para atenuar o sofrimento dos que padeciam de “tinha», doença de pele «muito espalhada por aí, e que pela sua natureza, aspecto e contágio, incomoda e leva trabalho a tratar». «Por este facto os doentes pobres passam o tempo a correr para o hospital, onde são tratados por velhos e morosos processos de mezinhas. Ora, segundo a opinião de médicos ilustres, essa doença trata-se hoje por um processo rápido, de aplicações eléctricas, cujo aparelho custa cinco mil escudos, aproximadamente, e não há em Coimbra. Não será bem aplicada uma verba que se destine a aliviar o mal a tanto desgraçado?», questionou, no texto publicado a 19 deAbril de 1932.

14/3/1932 “Logo que ouçam qualquer ruído, fujam!”, recomendou aos alunos a professora de Souselas. A degradação de muitos edifícios justificava preocupação

ERA URGENTE CUIDAR DE ESCOLAS EM MAU ESTADO, SEM AR, LUZ E ALIMENTAÇÃO

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Diário de Coimbra alertou, na edição de 14 de Março de 1932, para as «péssimas condições» em que se encontrava «a maior parte dos edifícios escolares», havendo alguns que nem podiam«ser utilizados para o fim a que são destinados, especialmente no Inverno, por a chuva entrar pelo telhado e cair quase como na rua dentro da sala da aula». Os problemas verificavam-se não apenas em zonas rurais mas também na própria cidade de Coimbra, apontando-se o caso da escola de Celas, «instalada num autêntico pardieiro que para tudo servirá, menos para o fim a que o destinaram». «Sabe-se bem que as crianças para se robustecerem carecem de ar, luz e alimentação. Na alimentação não falamos por sabermos que, infelizmente, a maioria das crianças a não recebem nas condições desejadas, algumas havendo até que marcham a caminho da escola tendo tido como alimento um pequeno bocado de pão e uma chávena de café e assim se conservam quase todo o dia. Mas na escola que

FOTO: MUSEU ESCOLAR DE MARRAZES

crianças as cantinas escolares? Isso seria uma obra ideal que mereceria gerais aplausos. Dava-se então à criança as condições exigidas para poder amanhã singrar na luta pela vida, a Muitas crianças que naturalmente passavam fome e o é destinada», preDiário de Coimbra apontou a necessiconizou ainda o dade de criar cantiarticulista. nas nas escolas Noutro texto, que o Diário de Coimbra publicou um mês depois, a 14 deAbril, procuravam-se razões para o facto de Portugal continuar a «acusar um vergonhoso défice em assuntos de instrução popular» e muitas escolas correrem o risco de encerrar por falta de alunos. Condições escolares evoluíram muito nas últimas décadas «A escola primária é mal frePor isso, defendeu, era ne- quentada porque ela não é lhe dêem ao menos o conforto a que têm direito e que se torna cessário e urgente «cuidar a sé- atraente, como tão necessário necessário para o seu bem-es- rio dos edifícios escolares, mo- se torna. Os edifícios escolares tar. Encarcerar as crianças nu- dificando os que existem que, e mais condições pedagógicas ma casa onde a luz e o ar não por antiquados, não oferecem falham quase completamente têm entrada é um facto que se já as condições desejadas e às exigências hodiernas. E uma não admite. Metê-las num ca- construir outros onde o ar e a das faltas que mais se faz sentir sebre onde a luz e o ar entra luz sejam os companheiros é sem dúvida a da Assistência em demasia, como acontece permanentes das tenras crian- Escolar. Muitas crianças não frequentam a escola porque na de Celas, provocando-lhes, ças que os frequentam». «E se junto dos novos edifí- não tem que vestir e nem que por isso, diversas doenças, constitui outro facto que é cen- cios ou dos que venham a mo- comer. E, por isso, os pais as dificar-se se criassem para as aproveitam para os serviços surável», observou o jornal

domésticos e para o angareio de alguns centavos que auxiliem a tormentosa vida que, hoje, mais do que nunca, nos aflige», constatou. Impunha-se, por esse motivo, a existência de «cantinas escolares para fornecer, ao menos, uma refeição diária aos alunos pobres», uma «tremenda lacuna, há tanto tempo reconhecida», que poderia «desaparecer com um subsídio do Estado e com o auxílio dos particulares, que sempre o dispensam, desde que se lhe saiba solicitar». «Enquanto assim não for, enquanto se não procurar a solução por este processo, o ensino não se pode tornar obrigatório, e nós continuamos a patentear a vergonha do nosso analfabetismo que as estatísticas acusam e que tanto nos deprime», concluía o autor. Dias depois, a 22 de Abril, o Diário de Coimbra voltou a falar do mau estado de conservação de escolas «por esse país fora» algumas «em tal estado, desmoronando-se aos poucos, que mais valia fechá-las». «A continuar-se permitindo o funcionamento dessas escolas, comete-se um verdadeiro atentado contra a vida das crianças que as frequentam, tal o perigo que elas correm», avisou. Era o caso da «ridente povoação de Souselas, aqui a dois passos de Coimbra». «É tão deplorável o estado do edifício onde funciona a escola do sexo masculino, que a professora que se encontra à sua frente, a sr.ª D. Maria da Conceição Freitas Morna, fez já esta recomendação aos seus alunos: – Logo que ouçam qualquer ruído, fujam!», relatou o jornal. M.S.

Colecção de Camilo Pessanha encaixotada há meses 16/4/1932 O valioso acervo de objectos artísticos orientais coleccionados pelo poeta Camilo Pessanha (1867–1926), e doados pelo autor de “Clepsidra” ao Estado português uma década antes de falecer, encontrava-se nesta cidade à guarda do Museu Machado de Castro, mas, como o Diário de Coimbra criticou na edição de 16 de Abril de 1932, estava encaixotado «há longos meses». “É necessário expor ao público a colecção Camilo Pes-

sanha”, exortava o próprio título da notícia, lamentando que o museu privasse os seus visitantes de admirarem tão importante espólio. O jornal advertiu que «a continuar este estado de coisas poderá vir a acontecer que a colecção Camilo Pessanha seja retirada de Coimbra», salvaguardando no entanto que não se podia «atribuir a responsabilidade dessa falta tão grave» ao director do Museu Machado de Castro e professor da

Sino chinês, das Colecções Orientais do MNMC

Faculdade de Letras Virgílio Correia. «Se a colecção Camilo Pessanha não foi exposta até hoje, sabemos bem, é apenas pelo simples motivo de não se ter conseguido ainda a verba necessária para a aquisição das estantes onde ela possa ser acomodada. Ora em virtude dos poderes públicos não atenderem as reclamações que lhes têm sido endereçadas, quer-nos parecer que um só caminho há a seguir: construírem-se essas estantes por ini-

ciativa particular», sugeriu o Diário de Coimbra. «Cremos bem que Coimbra pode ainda contar com meia dúzia de filhos seus que se interessam, e a valer, pelo nosso património artístico e por tudo aquilo que diz respeito aos interesses da cidade. A esses apresentamos este momentoso e importante problema, certos que o saberão resolver com a prontidão necessária e da forma mais aconselhável», desafiou o jornal.


02 | 20 JUN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Serralharia artística dava bom nome a Coimbra 7/8/1931 O jornal enalteceu a arte de serralharia coimbrã, que corria «Portugal inteiro, pelo seu acabamento, pela sua perfeição, pelo seu cunho artístico, profundíssimo, sem receio de comparações», graças ao mérito de «meia dúzia» de artesãos e empresas. «Em quatro palavras embora, não queremos deixar esquecidos por mais tempo esses obreiros honestos, dos que mais contribuem, no seu ramo, para o bom nome de Coimbra. Destacaremos, sem que isso represente ferir de susceptibilidades, os nomes da serralharia Almeida, de Daniel Rodrigues, da serralharia Albertino. Este honrou-se com perfeitíssimos trabalhos no Palácio da Justiça; aquele na Faculdade de Letras; aqueloutro no candelabro célebre da Batalha. Na pessoa dos três, o Diário de Coimbra felicita essa honrada classe e presta-lhe as suas homenagens de muito apreço, com os melhores votos de que contribuam cada vez mais para que se imponham os seus trabalhos, que o mesmo é dizer, para o engrandecimento da nossa Terra querida», lia-se no texto publicado na edição de 7 de Agosto de 1931.

Uma orquestra sinfónica em Coimbra 4/7/1932 «Uma das mais legítimas aspirações» de Coimbra estava «a caminho da realidade», noticiando-se, a 4 de Junho de 1932, que tinham começado os «ensaios parciais» da Orquestra Sinfónica, sob a direcção do professor Teófilo Russell, na Academia de Música de Coimbra. «Santarém e Leiria já têm as suas orquestras sinfónicas, subsidiadas pelos respectivos municípios, que por esse motivo têm sido alvo dos melhores elogios. A música sinfónica faz hoje parte obrigatória de todos os povos civilizados. É porém indispensável que o público de Coimbra auxilie tais iniciativas, estimulando-as, quer pela assistência aos concertos, quer criando-lhes ambiente», considerou o jornal.

29/4/1932 Em Fevereiro de 1932 morreram em Portugal 1.792 crianças, das quais 121 no distrito de Coimbra. Pedia-se uma “enérgica intervenção” do Estado

COIMBRA EM TERCEIRO NA “MACABRA” ESTATÍSTICA DA MORTALIDADE INFANTIL

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om o título “Uma estatística macabra”, o Diário de Coimbra publicou na edição de 29 de Abril de 1932 um artigo sobre as preocupantes taxas de mortalidade infantil que afligiam Portugal nas primeiras décadas do século passado. O texto, da autoria de Álvaro Santos Madeira, um jovem recém-licenciado em Medicina que viria a ser director do Diário de Coimbra entre 1947 e 1976, reclamava «uma enérgica e imediata intervenção» face às proporções que a mortalidade infantil tomava no país e particularmente no distrito de Coimbra, baseando-se em dados do boletim de Fevereiro da Direcção Geral de Estatística. «Não querendo já referir-me ao que a mortalidade representa nos distritos de Lisboa e Porto, respectivamente com 542 e 155 óbitos de crianças de 0 a 5 anos, a cifra que nos diz respeito - nada mais, nada menos, do que 121 mortos, no mesmo período de idade - é uma cifra que tem razões de

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81, Viseu com 79, Leiria com 73, Guarda com 70, Santarém com 69, Vila Real com 61, Aveiro com 53, Bragança e Évora com 48, Faro com 37, Portalegre com 36 e Beja com 31. «Se não poGastroenterites eram, há 90 anos, demos dizer responsáveis por que em Por40% das mortes tugal morre de crianças no uma criança, nosso país de menos de cinco anos, de dez em dez minutos, o que poderemos verificar é que ultrapassou o número de mil e Evolução da assistência à saúde em Portugal nas últimas décaquinhentas as que a morte nos das permitiu reduzir radicalmente as taxas de mortalidade infantil levou num só mês», lamentava, sobejo para nos alarmar. Fica- parte das mortes destas crian- apontando as especiais responmos entre o Porto e Setúbal ças se devia a gastroenterites sabilidades do Estado nesta sicom os seus 115 falecimentos, e (40%), a debilidade congénita tuação, «porque tendo absoluta ficamos em terceiro lugar, nesta (20%) e a afecções dos brôn- obrigação de intervir, não o tem feito, até hoje, com aquela efiestatística que bem se pode quios e pulmões (12%). O artigo destacava a «des- cácia que todos quereríamos». classificar como macabra. Cento e vinte e uma crianças de 0 a proporção» de Coimbra face «Torna-se absolutamente ne5 anos de idade, num só mês e às populações distritais de cessário encarar o problema a só no nosso distrito, não é po- Porto e Setúbal e apresentava sério e com vontade de o resitivamente, por a morte as ter os indicadores de mortalidade solver. Uma mortalidade assim levado, coisa que nos possa dei- infantil de outras zonas do país: envergonha-nos, fere a nossa xar indiferentes», sublinhava o Braga com 91, Viana do Castelo sensibilidade de povo civiliautor, adiantando que a maior com 82, Castelo Branco com zado», frisou o articulista. M.S.

“Espíritos” desceram à pacata vila de Ançã 27/4/1932 O correspondente do Diário de Coimbra em Ançã deu conta, na edição de 27 de Abril de 1932, de um caso de superstição que agitou esta povoação do concelho de Cantanhede. «Os espíritos, pelos vistos, desceram até esta pacata e encantadora vila. É verdade. E vai daí, em que corpo se haviam de introduzir? Nem mais nem menos que no corpo dum pobre rapaz de catorze anos! O povo não fala noutra coisa. A nova anda por aí de boca em boca, percorreu já as povoações vizinhas», começava o texto, que intitulou “Ora o povo,

Circo Hagenbeck fez furor na passagem por Coimbra

para o que lhe havia de dar!”. Explicava depois que tinha morrido um homem em Ançã, «durante a pneumónica, que deixou um filho pequeno». «O rapaz cresceu. E agora, contando já catorze anos, entrou de ser atormentado com ataques frequentes, perdendo os sentidos e ficando sujeito, após eles, a grandes crises nervosas. Mas o povo é que não se conforma com esta explicação. Para o povo - mas o povo ignorante, o povo supersticioso -, aquilo não passa da “alma” do pai que se veio meter no corpo do filho. Por isso, quando o pobre rapaz cai e esper-

neia, durante minutos, corre a vila, de lés a lés, a notícia e é logo uma romaria de gente vinda de todos os cantos, para saber novas do outro mundo...», relatou. O correspondente do jornal lamentou não haver maneira de fazer ver aos crédulos, aos que «têm arreigada a crença em almas do outro mundo, e quejandas toleimas», que «aquilo no rapaz é, nem mais nem menos, que a continuação das longas crises nervosas que de há tempo o vêm perseguindo», e contou que «aqui há dias uma vizinha entendeu que era superior a todas as

pessoas que rodeavam o rapaz, não esteve com mais delongas, palavra puxa palavra, lá lhe foi perguntando o que queria, e acabou por anunciar que comunicara com o outro mundo, que aquilo era mesmo a alma do pai do rapaz metida no seu corpo». «Estão a ver o resultado: ninguém deixa o desgraçado. Todos lhe fazem pedidos. Se calhar não tarda muito a apregoarem que ele é “santo” - e lá temos nós em Ançã um rico filão a explorar, como acontece em Lamego. Ao menos, valha-nos isso!», ironizou, a concluir o texto.

7/4/1932 Foi «um verdadeiro acontecimento», em 1932, a passagem em Coimbra do Circo W. Hagenbeck, à época uma das mais reputadas atracções internacionais do mundo circense, em digressão por Portugal com os seus artistas e números de animais (elefantes amestrados, camelos, lamas, bisontes, búfalos e cavalos). «O Circo Hagenbeck vem precedido de grande fama e fez um extraordinário e invulgar sucesso no Palácio Cristal do Porto, primeira cidade do país onde se exibiu», anunciou o Diário de Coimbra na edição de 6 de Abril. Com tenda montada quase duas semanas na Ínsua dos Bentos, junto ao Parque da Cidade, a companhia de Hamburgo deu na dia 7 o primeiro de uma série de espectáculos nesta cidade que registaram sucessivas lotações esgotadas. «Tem excedido toda a expectativa o êxito alcançado pela grande Companhia do Circo Hagenbeck. À qualidade e quantidade dos números que compõem o programa, a afluência do público tem sido tão extraordinária que tem esgotado, por completo, a lotação do vasto circo que comporta, sem exagero, cerca de 3.000 pessoas. Atendendo à falta de bilhetes para esses espectáculos que têm constituído um verdadeiro acontecimento no nosso meio, a empresa resolveu permanecer em Coimbra mais dois dias, correspondendo, desta forma, à gentileza como têm sido apreciados os seus trabalhos», assinalou o nosso jornal, a 12 de Abril. Antes de seguir para a Figueira da Foz, a companhia circense deu ainda, no dia 18, um espectáculo de beneficência em Coimbra. «Adirecção acedeu ao pedido do sr. governador civil e os artistas prontificaram-se a realizar este espectáculo sem remuneração alguma», aplaudiu o Diário de Coimbra.


02 | 27 JUN 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias E porque não formar uma liga anti-tabagista? 29/4/1932 Inquietos face à perspectiva de aumento no preço do tabaco, os fumadores eram desafiados a mobilizar-se para “dar troco” às tabaqueiras. «Corre por aí entre os fumadores, já apavorados, que as companhias tabaqueiras se fundiram ou se vão fundir, apertando-se num “abraço mui fraternal» só para “benefícios do consumidor”, claro... É certo que o fumador de vício inveterado pelo longo hábito quase não pode dispensar o prazer de saborear o aromático tabaco; porém, temos a certeza de que se o seu médico assistente lhe proibir o injustificável uso, que só tem de proveitoso avolumar os cofres das tabaqueiras felizes, deixará de fumar, embora a princípio lhe custe um pouco. Pois bem, façamos de conta que sofremos todos de doença do estômago e que o nosso médico nos proibiu o uso do tabaco. E, como o inveterado hábito não é objecto de primeira necessidade, e já hoje pesa um pouco no nosso orçamento, se as nossas amigas tabaqueiras nos quiserem mimosear com mais um aumento no preço do tabaco, nós, fumadores, temos o dever de reagir pela abstenção absoluta», sugeria a nota que o Diário de Coimbra publicou a 29 de Abril de 1932. E questionava: «Porque se não há-de, desde já, pensar na formação duma liga anti-tabagista? Temos a certeza que não faltarão adeptos, pois que os escudos hoje estão muito valorizados e são necessários para muita coisa útil e indispensável. E o tabaco não o é». «Vamos para a liga anti-tabagista? Têm a palavra os senhores fumadores», rematava.

Polícia evitou morte de menor na Rua da Sofia 1/6/1932 O jornal registou e aplaudiu a «intervenção rápida» do guarda n.° 152 da PSP, que «sacrificando embora a vida», correu e fez recuar a menor Maria de Lourdes, 12 anos, do Tovim do Meio, que atravessava a Rua da Sofia, salvando-a de ser «esborrachada» por um eléctrico que ali cruzava com um carro.

20/4/1932 O Diário de Coimbra visitou a Quinta das Varandas, onde se começava a instalar a obra de assistência do Refúgio da Rainha Santa

UMA OBRA PARA AJUDAR RAPARIGAS EM RISCO SOB PROTECÇÃO DA PADROEIRA

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riada a 30 de Novembro de 1930 pelo bispo de Coimbra, por proposta do presidente da Confraria da Rainha Santa Isabel, António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, a Associação Refúgio da Rainha Santa preparava-se dois anos depois para acolher as primeiras raparigas na Quinta das Varandas, junto ao rio Mondego, que o Diário de Coimbra teve ocasião de visitar. Na edição de 20 de Abril de 1932, com o título “Refúgio da Rainha Santa Isabel para raparigas em perigo moral, na Quinta das Varandas”, enaltecia-se a “grande Obra de Assistência” que acabara de nascer para «atrair, regenerar e reeducar» jovens que tinham caído «em degradação moral e social» e também para «preservar e amparar» as que se encontrassem em risco. António de Vasconcelos explicou ao repórter do Diário de Coimbra o desejo da confraria de erguer «uma obra que perdurasse, que tivesse continuidade e produzisse efeitos salutares, sociais e humanitários». «E surgiu-lhes, então, a genial ideia da fundação do Refúgio para raparigas infeli-

D.R.

Presidida por Maria Eugénia de Castro e Almeida, a Associação Refúgio da Rainha Santa adquiriu parte da Quinta das Varandas, situada Com a alteração de nos subúrbios estatutos, em 1971, de Coimbra, o Refúgio passou na margem dia chamar-se Casa de Formação Cristã reita do Monda Rainha Santa dego, para instalar a nova instituição, vocacionada para dar apoio a raparigas «em perigo moral e para a reeducação das que já tombaram no caminho da desgraça». «Foi uma magnífica aquisição, é simultaneamente isolada e em contacto com a ciCasa de Formação Cristã situa-se na Quinta das Varandas dade. Ampla casa, com instazes, que vai funcionar sob a à veneração dos fiéis a mão lações higiénicas exuberantes égide e protecção da padroeira caritativa com que a bondosa de ar e luz e com todos os rede Coimbra, a quem a lenda e excelsa Rainha tanto bem ex- quisitos necessários. Para a sua atribui desvelado carinho pe- pandiu, tanta lágrima enxugou aquisição concorreu a Direclas noivas, suas coevas, de e tanta caridade prodigalizou. ção Geral de Assistência com quem foi madrinha», comple- E a mão bendita que tanto em 150.000$00. E para se obter o vida se comprazeu com o bem restante que faltava para a tou o autor da notícia. Mas eram precisos meios fi- que difundiu, mais uma vez compra, reparações e adaptananceiros para assegurar o ar- quis ser generosa, despejando ções, fez-se a hipoteca da ranque deste ambicioso pro- a cornucópia das suas imensas quinta. Já tem alguma mobília jecto social. «E o dinheiro apa- graças sobre a benéfica obra oferecida pelas almas boas e receu. Não se operou o “mila- nascente: no final da exposição caritativas, devendo funcionar gre das rosas”, é certo; porém possuíam os inspiradores da o Refúgio em Junho com 20 outro se evidenciou, não me- significativa Cruzada, vinte e internadas, para cujo fim já nos providencial. Foi exposta um contos!», anotou o jornal. existem alguns pedidos, e es-

peram-se três senhoras especializadas para iniciar o funcionamento», adiantou o Diário de Coimbra. Questionado pelo jornalista sobre as receitas para garantir o funcionamento desta obra social, o presidente da Confraria da Rainha Santa Isabel explicou que estavam a contar «com as quotas dos sócios efectivos e sócios honorários e bem assim com o produto da quinta, do trabalho das internadas, cultivo e venda de flores, criação de indústrias apropriadas, etc., etc..». «Desta maneira, juntamos o útil ao agradável.Ao mesmo tempo que fazemos a sua reeducação pelo trabalho, colheremos o produto respectivo, para a manutenção do Refúgio», respondeu António de Vasconcelos. Concluídas as obras de restauro e adaptação dos velhos edifícios que existiam na Quinta das Varandas, a casa foi benzida no dia 4 de Julho de 1932 pelo bispo-conde, D. Manuel Luís Coelho da Silva, mas só a 11 de Outubro desse ano ficaram prontas a funcionar todas as instalações. No dia 7 de Novembro entrou a primeira jovem e em poucas semanas os pedidos de ajuda deixavam já a lotação esgotada. Em anos seguintes criou-se um rentável pomar e procedeu-se à ampliação do espaço, tornando possível acolher 95 jovens dos 8 aos 18 anos e 30 religiosas da Congregação do Bom Pastor que lhes davam apoio e orientação. Em 1971, com a alteração dos estatutos da associação, o Refúgio passou a designar-se Casa de Formação Cristã da Rainha Santa. M.S.

Ondulação permanente garantida por seis meses 11/3/1932 Em espaço noticioso de carácter empresarial, o jornal indicou na edição de 11 de Março de 1932 o Salão Central, na Rua Ferreira Borges, n.º 164, como «a única casa em Coimbra» a executar os modernos penteados distinguidos com as mais altas classificações no Grande Concurso Internacional de Cabeleireiros, em Paris, e consequentemente «adoptados como moda actual». As “Ondulações Permanentes Gallia”, que alcançaram «o Grand

Anúncio do Salão Central, publicado no dia 17 de Março de 1932

Prix d’Honneur 1.er, 3. e 4. Prix, confirmando assim a sua superioridade», eram executadas no estabelecimento da Baixa de Coimbra, «devido a moderna aparelhagem e muita prática destes trabalhos», em duas horas e meia, «sem incomodar a clientela, ao preço de 100$00», e garantidas por seis meses. E graças também à experiência e competência profissional do cabeleireiro Fernando Forte, «com longa prática das melhores casas de Lisboa, cuja profi-

ciência é sobejamente conhecida pela numerosíssima clientela que tem passado pelos seus salões desta cidade e da Figueira da Foz», acrescentava. 947 era o contacto telefónico para marcações no Salão Central, que se orgulhava de disponibilizar às clientes outros serviços, como «aplicação de tinturas para o cabelo, garantidas e inofensivas», cortes de cabelo, “Ondulações Marcel”, “Mise-en-plis”e lavagens de cabeça com secagem eléctrica.


02 | 04 JUL 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Que a Lindoso fique lá com o conto de réis! 30/4/1932 O Diário de Coimbra lamentou, na edição de 30 deAbril de 1932, o donativo com que a companhia de distribuição da energia eléctrica produzida no Lindoso se disponibilizara a contribuir para as Festas da Rainha Santa. Com o título “200 contos por mês, ou seja 2.400 contos por ano, arranca a Lindoso à cidade de Coimbra”, o jornal informava que «o potentado da União Eléctrica Portuguesa, só para nos apoucar, terá oferecido um conto de réis para as festas da nossa padroeira». «Isto é ultrajante! Coimbra, ao tomar conhecimento do aleive, vibrou de indignação e vituperou com a maior acrimónia quem procurou feri-la nos seus brios. Honra lhe seja! Nós, em nome da cidade, repelindo a afronta, exortamos a Comissão Central das Festas a que não tome conhecimento da miserável oferta! Nós, em nome de Coimbra, afirmamos à Lindoso que lhe recusamos a sua dádiva, aconselhando-a a distribuí-la, à conta de gratificação, pelos seus directores. Coimbra e as suas gentes, terra de pergaminhos de brio e de honra, afirma à Lindoso e aos seus administradores, que tem como ninguém o perfeito conhecimento da sua dignidade e assim, rejeita altiva a sua tão grande gentileza. Que monstruosidade!», rematou.

As melhores toilettes para assistir às festas 10/5/1932 Com as Festas da Rainha Santa a aproximar-se, publicava-se no Diário de Coimbra, a 10 de Maio de 1932, que «as senhoras que queiram assistir e marcar pela elegância, aos deslumbrantes festejos que se realizam de 7 a 10 de Julho, devem vestir-se com toilettes de seda da Roménia (de 15 a 18 escudos), com Sultanas e Crepes Nacionais, que rivalizam com as melhores sedas do mundo, aos preços desde 25 escudos». «Para roupas interiores há tecidos fulgurantes com preços de 3 a 30 escudos o metro», anunciava a loja Porfírio Delgado, telefone 533, que enviava «amostras para a província».

18/1/1932 Diário de Coimbra apelou à contribuição de todos na campanha de angariação de fundos para construir o necessário quartel dos Voluntários

LANÇADA SUBSCRIÇÃO PARA DAR INSTALAÇÕES CONDIGNAS AOS BOMBEIROS

Há 90 anos era feriado em Coimbra no dia 8 de Maio ???

FERREIRA SANTOS

seu trabalho, com a sua competência. Vários municípios e colectividades dos concelhos limítrofes, numa demonstração de aplauso, têm subscrito avultadas quantias. Finalmente, de todos Corporação dividiaos lados surgem -se, há 90 anos, pela auxílios; de todas as sede na Praça Velha e duas estações nas pessoas, ainda as ruas Adelino Veiga mais modestas, têm e António Granjo sido recebidos oferecimentos de dinheiro e de trabalho. Todos se associam a esta grandiosa afirmação de solidariedade!», congratulou-se o jornal. A contribuição foi generosa mas só quase 20 anos depois o sonho se tornaria realidade. Da autoria do falecido historiador Quartel dos Bombeiros Voluntários de Coimbra foi inaugurado a 15 de Novembro de 1953 Mário Nunes, o livro do centeundada em 1889, a As- trução duma casa-esqueleto campanha de angariação de nário da Associação Humanifundos que se levaria a efeito tária dos Bombeiros Voluntásociação Humanitária para exercícios». Com sede na Praça do Co- através de listas de subscrições, rios de Coimbra, cuja leitura se dos Bombeiros Voluntários de Coimbra não possuía mércio, a funcionar em espaço distribuídas por várias institui- recomenda, explica os atrasos ainda, quatro décadas depois, exíguo e insuficiente, a institui- ções da cidade. «A nossa fica na localização do quartel e aluinstalações adequadas ao im- ção via-se obrigada a distribuir desde já à disposição dos leito- de a «graves irregularidades» portante serviço de socorro o pessoal e material de socorro res que sendo amigos da sua de gerência, no período de 1933 por outros pontos da Baixa - terra desejem na medida das a 1936, que levaram ao desaque prestava à comunidade. Na edição de 18 de Janeiro em instalações na Rua Adelino suas posses concorrer para este parecimento de 13.308$61 do de 1932 o Diário de Coimbra Veiga e num barracão na Rua importante melhoramento, que fundo de construção da sede. ACâmara de Coimbra comeevidenciou as carências e de- António Granjo, junto à estação amanhã será mais um padrão safiou a nova direcção, que aca- ferroviária, onde se guardavam a atestar o progresso de Coim- çou por ceder gratuitamente, bara de tomar posse, a ponde- viaturas e os piquetes pernoi- bra e a demonstrar o quanto em 2 de Junho de 1933, o terrar «convenientemente sobre tavam sem o mínimo de con- podem o labor e a persistência reno do antigo Quintal do Prior, junto ao Terreiro da Erva, mas o magno assunto de dotar a dições. Para os exercícios de do nosso povo», comunicou. Algum tempo depois, a 30 acabaria por protelar e depois corporação com sede própria». socorro os bombeiros tinham «Metam ombros à tarefa de de deslocar-se à Alta da cidade. Março, enaltecia-se a adesão cancelar o prometido, face a realizar essa aspiração gran- A 28 de Novembro de 1931 er- de Coimbra a esta campanha. novos planos de urbanização diosa, pois a cidade, disso te- gueram uma “casa-esqueleto” «É cada vez mais animadora a para esta zona. A abertura da mos a certeza, saberá corres- na antiga Igreja de S. Bento, aos corrente de simpatia desenvol- Avenida Fernão de Magalhães ponder aos apelos que lhe fo- Arcos do Jardim, e na década vida em volta da interessante deu finalmente a ocasião para rem dirigidos», sugeriu o jornal, seguinte, em 1943, construíram iniciativa de dotar a corporação o município se comprometer, que começara a notícia por uma casa-escola em madeira dos Bombeiros Voluntários da em reunião camarária de 20 de considerar «uma tremendís- no recinto da Feira dos 23, em nossa cidade com uma sede Setembro de 1945, com a oferta própria e condigna. Todos os de um lote destinado à conssima vergonha o estado des- Santa Clara. A necessidade de um amplo dias se registam novas e valio- trução do quartel. De novo se prezível» em que funcionava a corporação dos Bombeiros Vo- e moderno quartel, onde a as- sas dádivas.As mais importan- mobilizou a cidade para ajudar luntários da cidade, sem um sociação pudesse reunir todos tes firmas comerciais e indus- os bombeiros, rendendo uma quartel-sede para acomodar o os seus serviços e meios ope- triais, da nossa terra, têm con- subscrição pública a quantia de material, «os seus serviços de racionais, era um sonho dos corrido com avultadas impor- 268.073$90. Lançada a 15 de saúde, dormitórios para os pi- bombeiros e uma causa que o tâncias. Alguns dos mais dedi- Maio de 1949 a primeira pedra, quetes, secretaria, montagem Diário de Coimbra se prontifi- cados filhos de Coimbra têm o quartel seria finalmente inaudum ginásio para preparação cou a ajudar, apelando à gene- oferecido o seu concurso, dis- gurado no domingo de 15 de física do pessoal activo e cons- rosidade dos cidadãos numa pondo-se a colaborar com o Novembro de 1953. M. S.

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8/5/1931 «Foi neste dia, há noventa e sete anos, que as tropas liberais comandadas pelo Duque de Terceira entraram triunfalmente em Coimbra derrubando no nosso município o regime absolutista e implantando o liberal», evocou o jornal na edição de 8 de Maio de 1931, aludindo ao feriado com que a cidade celebrava nesse dia tão importante efeméride. Com o país mergulhado na guerra civil, uns por D. Pedro e outros por D. Miguel na disputa da coroa, o triunfo dos liberais a nortedaria início ao derrube final do absolutismo em Portugal. «Foi esse movimento do Porto que se repercutiu em Coimbra e que marcou na história do nosso município uma data gloriosa. Por isso, hoje é dia de feriado. Um grande dia, de saudosa memória, visto que sintetiza o triunfo das ideias liberais sobre as ideias absolutistas, autocráticas», resumia o Diário de Coimbra. No ano seguinte, ao assinalar na mesma data estes acontecimentos, o jornal sugeriu que Coimbra fosse «pensando na comemoração do primeiro centenário do 8 de Maio, que passa em 1934, para assim prestarmos a nossa homenagem àqueles que tão denodadamente souberam bater-se pelo seu ideal». «Na história de Coimbra, o dia de hoje marca uma página brilhante. Durante seis longos anos, sofreram os conimbricenses os maiores vexames, dominando o terror e o fanatismo. Centenas de indivíduos foram presos e conduzidos às cadeias de Almeida. Com o dia 8 de Maio de 1834, porém, veio a redenção. Raiou a liberdade nos cárceres mais escuros. Voltou a felicidade aos lares daqueles que souberam bater-se, contra tudo e contra todos, por um ideal bem nobre», escreveu o jornal.


02 | 11 JUL 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Uma nota em defesa da ponte manuelina de Góis 29/4/1932 O Diário de Coimbra mostrava apreensão, a 29 de Abril de 1932, com rumores de uma eventual intervenção na ponte quinhentista sobre o rio Ceira em Góis. «Diz-se, mas não deve ser verdade, que a linda ponte manuelina da vila de Góis, passagem actual de uma estrada de macadame, está ameaçada de lhe serem cortadas as amuradas e substituídas por varandins exteriores, à conta do alargamento para o trânsito! Velho monumento nacional, ostentando o brasão do Rei D. Manuel I, elegante de linhas, sólida de construção nos seus três arcos, dá vazão suficiente a quem queira utilizá-la. O verdadeiro atentado à Arte e à Beleza que seria o transformá-la, não deve ser mais do que um maldoso boato. No entanto, esteja vigilante o Conselho de Arte e Arqueologia e os portentos locais que, por certo, em tal crime não consentiriam. Aos monumentos nacionais é devido respeito, como documentos da nossa História e Civilização e mais do que nunca essa veneração se impõe, amparando-os na sua velhice, que não conspurcando-os ou demolindo-os», considerou o jornal.

Proibir o uso de buzinas irritantes 4/4/1932Reconhecendo a necessidade das buzinas nos automóveis, até porque são «parte integrante de veículos, de tal modo que a lei condena os motoristas que, casualmente, as não usem», o jornal chamava a atenção das autoridades, na edição de 4 de Abril de 1932, para «certas buzinas que se estão para aí usando, cujos toques são autênticos gemidos lúgubres, que afligem e dispõem mal os que têm a infelicidade de perpassar pelas ruas e ouvi-los». «Foram proibidas as sirenes de gritos agudos aflitivos nas autobombas porque, efectivamente, elas eram aterrorizadoras; impõe-se, pela mesma razão, proibir o uso dessas buzinas irritantes que incomodam valentemente», defendia-se.

1931 Apesar de ter falhado a “colónia espanhola”, os receios não se confirmaram e os banhistas nacionais asseguraram a tradicional animação da Figueira da Foz

portava Mário Azenha, opinando que «a modicidade dos preços no aluguer das casas, vulgarizada pelos primeiros inquilinos banhistas, decidiu muitos que, por circunstâncias económicas, estavam na iminência de renunciar ao seu habitual veraneio». Dava ainda conta de que, a par da Praia da Claridade, também Palheiros e Barcos registavam «apreciável animação, notando-se uma vez mais o exFOTO: MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ celente serviço que veio prestar ão eram animadoras a “auto-car” dos Serviços Muas previsões da época nicipalizados, estabelebalnear na Praia da cendo comunicação Claridade no ano de 1931.As difácil e económica ficuldades económicas do país Desde o século XIX entre a Figueira e e a instabilidade política em Esa praia da Figueira aquelas praias». panha, onde a monarquia acada Foz atraiu todos «Posto camibara de ser destituída, deixaos anos milhares de banhistas portunhemos para o fim vam apreensivos os que na Figueses e espanhóis do mês, dos comgueira da Foz contavam com a boios continuam a presença massiva de turistas, transbordar famílias, enportugueses e espanhóis, para trando e saindo a cada hora equilibrar os orçamentos. camionetas, algumas de grande O jornalista do Diário de luxo, conduzindo grupos de exCoimbra na Figueira da Foz, cursionistas de vários pontos Mário Azenha, comunicava na do país, nomeadamente do edição de 23 de Junho de 1931, norte», apontava também. num apontamento intitulado Praia da Claridade, então com o mar mais próximo da cidade, fervilhava de animação Igualmente nota positiva pa“Época de banhos”, que a cidade estava pronta a acolher qual, mas à desvalorização da saída de banhistas. E isso é que de Agosto desse ano, na coluna ra o fornecimento de água, que os veraneantes e ia-se «regis- peseta, única e simplesmente. é de temer. A política financeira “Da Figueira”, constatava-se apesar do aumento sazonal da tando no Bairro Novo o aluguer Conseguida a sua valorização, do governo espanhol, todos o com agrado que «desde o dia população era, «se não abunde uma ou outra casa para ba- no que, por interesse nacional sabem, é abertamente proibi- 15 a população e movimento dante», suficiente para «o regunhistas», mas em número que espanhol, estão particularmen- cionista à saída da peseta...», de banhistas aumentou consi- lar abastecimento da cidade». «Água e luz, que nos conste, não deravelmente». estava «longe de ser franca- te interessados os homens po- observava. «O caso nota-se no Bairro têm dado origem aos clamo«Cálculos e previsões acerca líticos da nascente República, mente animador». Avançava, por outro lado, não seria de estranhar que ti- da época que se avizinha, que Novo, praia, teatros, cinemas, rosos protestos, aliás merecique «a colónia espanhola deve véssemos uma distinguida fre- bate de mansinho à porta - tão rua dos Casinos que é o baró- dos, que em anos anteriores acusar falhas». «O caso, porém, quência de gente do país vizi- mansinho que mal se ouve... metro infalível, e cuja travessia não pouco foram em desabono não deve atribuir-se às circuns- nho, que à nossa praia traz um Não! Nada de previsões agoi- se não faz sem dificuldade, por da nossa terra», anotava. «Insistimos em afirmar: se a tâncias de ordem política do carácter de vibração peninsu- rentas. Aguardemos», dizia, entre uma ofensiva persistente país vizinho, como querem al- lar que a distingue de todas as mais optimista. E com razão, de cotoveladas e encontrões, do colónia espanhola não tivesse guns, uma vez que a ordem está demais. No caso de, bem en- porque a meio da temporada corso marulhante das gentes falhado, por circunstâncias que restabelecida e assegurada a se- tendido, não serem postos já o movimento balnear justifi- de ambos os sexos que fazem são do conhecimento de todos, gurança dos haveres de cada embargos, além-fronteiras, à cava sorrisos. Na edição de 23 as honras do “picadeiro”», re- a nossa praia teria na época presente um «casão”, um ano em cheio, como sói dizer-se, jamais igualado, em frequência e Mais um motivo para a mocidade de Coimbra visitar o Casino Peninsular animação de banhistas. O que é fora de dúvida é que, tal como Godinho, estimado proprie- está, excede as melhores pre19/7/1931 Na edição de 19 de interesse na nossa cidade, esse tário da Leitaria Conimbri- visões. E é quanto basta. RegoJulho de 1931 dava-se conta facto, este ano, redobra de incense, e pessoa a todos os tí- zijemo-nos com isso», concluía da reabertura do Casino Pe- teresse, porque à frente do restulos competente e indicada o autor da notícia. ninsular, equivalendo «a dizer pectivo restaurante, como geNo dia 30 de Setembro, o para gerir os negócios do Resque a Figueira da Foz vai en- rente, encontra-se uma pestaurante do Casino Peninsu- mesmo jornalista registava o trar na sua actividade de ve- soa competentíssima e muito lar», informou o jornal, apon- declínio da época balnear. «Coraneio». «Aabertura do Casino considerada na nossa terra, o tando esta como «uma notícia meçou a saída dos banhistas. Peninsular é uma notícia que que constituindo motivo de que vai alegrar muita gente e Durante o dia, na estação do agrada a muita gente e em es- regozijo para os seus amigos, em especial a mocidade da caminho de ferro, registou-se a pecial às pessoas de Coimbra, que são todas as pessoas que nossa terra, que ao visitar a azáfama de todos os fins de que ali, na Figueira, encontram o conhecem, constitui tamFigueira não deixará de visitar mês, com o transporte e desa válvula de explosão para o bém uma forte garantia para o Casino Peninsular com a pacho de bagagens e embarque tédio que o calor e os lazeres as restantes pessoas que desta certeza antecipada de que de passageiros.Acabaram-se as da época causam no espírito cidade vão à Figueira da Foz. não poderá ser melhor ser- férias. Cada qual segue seu rude toda a gente. E se a abertura Queremos referir-nos ao nos- Anúncio do Casino publicado mo», rematava. M.S. do Casino Peninsular desperta so amigo sr. Antero de Sousa no jornal a 18 de Julho de 1931 vida noutra parte».

DAS PREVISÕES PESSIMISTAS AO ÊXITO DA ÉPOCA BALNEAR NA PRAIA DA CLARIDADE

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02 | 18 JUL 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Crianças dos Olivais tinham de ir à escola a Celas 13/5/1932 Afalta de escola primária nos Olivais mereceu um reparo do Diário de Coimbra na edição de 13 de Maio de 1932. «Não faz sentido que Santo António dos Olivais, um burgo citadino de relativa importância com numerosas crianças em idade escolar, não possua, ao menos, uma escola mista, para benefício das crianças e dos pais que estão inibidos de exercer vigilância sobre seus filhos, tanto na ida como no regresso para as aulas, pois que têm de frequentar as escolas de Celas. Já as entidades escolares ou a Junta de Freguesia repararam nesta inacreditável lacuna cujos perniciosos efeitos não precisamos evidenciar, por demasiadamente conhecidos?», questionou o jornal. Comentava ainda o artigo que «a criação de duas escolas, ou pelo menos, uma escola mista, não significa um “luxo” indispensável; pelo contrário, impõe-se como melhoramento inadiável, porque nem só de pão vive o homem» e «o negar-se-lhe o pão espiritual é a negação de tudo o que traduz progresso e regalias populares».

Um bairro de “infectos casebres” na Conchada 1/5/1932 O jornal chamava de novo a atenção, a 1 de Maio de 1932, para o «miserável bairro instalado em infectos casebres na Quinta da Misericórdia, à Conchada, couto de infelizes de várias especialidades, originando nas vizinhanças constantes conflitos com soldados e paisanos». «Decerto a Misericórdia dali aufere um certo rendimento, mas quer-nos parecer que uma instituição de carácter oficial como aquela não tem o direito de continuar a manter a exploração de tais pardieiros, nem de deixar de ser meticulosa na escolha dos seus inquilinos», criticava, pedindo ao comandante da Polícia de Segurança Pública de Coimbra para que sujeitasse «aquele populoso e concorrido bairro a uma eficaz vigilância policial».

29/5/1932 Um “Hurtu” de 1896 e um “Darracq” de 1903 (que ao arrancar “atirava fora as lanternas”) destacaram-se no I Rallye de Automóveis Antigos

UM AVENTURA EM QUATRO RODAS A 25 KM/HORA DE COIMBRA AO ESTORIL

Que voltem as “barracas de banhos” ao Mondego D.R.

D.R.

suidor. Este carro será conduzido pelo proprietário da Comercial Coimbra, Lda., e nosso amigo sr. Mário Novais, que será acompanhado pelo mecâO velho “Hurtu” nico da mesma de 1896 tinha tal firma, sr. Manuel trepidação que o Ferreira (Manuel condutor não se das Obras Públiouvia “senão com cas). É um carro a voz a tremer” de dois cilindros, tendo as mudanças de velocidade junto ao guiador. Não tem magneto e a ignição é feita por uma bateria de acumuladores tendo à frente um duplo “trembleur”», espeDiário de Coimbra noticiou a participação de duas relíquias no I Rallye de Automóveis Antigos cificava a notícia, acrescenentenas de entusiastas Granja do Tedo o seu primeiro transmissão por correia e cor- tando um pormenor delicioso: aplaudiram, a 26 de possuidor e que passou depois rentes sem carter de motor, «em virtude da sua grande treMaio de 1932, a passa- para os seus herdeiros, os srs. nem diferencial, tambores, pidação, este carro era conhegem por Coimbra das duas de- Condes de Fornos, sendo ac- firme e falso, servindo de em- cido em Coimbra pelo “Arranca zenas de concorrentes da Gran- tualmente seu proprietário o sr. braiagem e de caixa de veloci- Fressuras”, e ainda porque de Prova de Resistência e Tu- Manuel Fornos, que por genti- dades. Tem uma velocidade quando principiava a trabalhar, rismoque a revista de automo- leza o cedeu ao sr. Fernando para a frente e outra para trás, atirava fora as lanternas». «O nosso amigo Mário Nobilismo “O Volante” promoveu Mancellos para este concurso», “carrosserie” 4/5 lugares Dovais tenciona sair de Coimbra gear», descrevia. durante seis dias, numa distân- esclarecia a notícia. O veículo, esclarecia-se ainda, no dia 28, do largo de Sansão Tratava-se de um automóvel cia de 2.165 quilómetros, entre da marca “Hurtu”, fabricado «permite velocidades que, em [Praça 8 de Maio], contando Porto e Estoril. Organizado pela mesma pu- pela “Automobiles & Cyeles óptimas circunstâncias, po- chegar ao Estoril no dia seblicação, o I Rallye de Automó- Hurtu”, de Paris, que se calcu- dem aproximar-se de 25 a 30 guinte, pelas 17 horas, cobrindo veis Antigos teria lugar a 29 do lava ter chegado ao nosso país kilómetros por hora». «Pode- assim os 250 quilómetros enmesmo mês, no Estoril, no dia em 1896 mas sem documen- mos também informar os cu- tre Coimbra e aquela localida chegada da prova de resis- tação que o comprovasse e riosos deste desporto que este dade. Serão os carros de Coimtência, e onde haveria «uma também «sem numeração, carro estava arrumado desde bra, este e o guiado pelo dr. interessante festa», com des- pois que ao tempo em que veio 1900 e que tem uma trepida- Mancellos, que ganharão os file e «provas complementa- para Portugal ainda não era ção que o condutor não se primeiros prémios?», interrores» para classificação dos obrigatória essa formalidade, ouve senão com a voz a tre- gava-se o jornal. Uma expectativa que, como nem tampouco havia chauf- mer», anotava o jornal, adianparticipantes. tando que Fernando Mancel- o Diário de Coimbra noticiou Duas verdadeiras relíquias feur com carta». «Este carro foi um dos pri- los tencionava sair para a na edição de 30 de Maio, seria automóveis seguiram de Coimbra para este último even- meiros automóveis a que fo- prova «com a antecedência ne- devidamente correspondida to. No dia 13 de Maio, o nosso ram aplicadas as borrachas cessária para fazer os 100 ki- pelo comportamento dos carros e a perícia dos condutores, jornal destacou na primeira pá- pneumáticas da recente des- lómetros obrigatórios». No dia 15 de Maio dava-se perante o «muito povo» que gina, com ilustração, a partici- coberta do engenheiro Michepação de um (quase) pioneiro lin, sendo de notar que neste conta de outra participação de assistiu no Estoril ao «desfecho veículo as rodas têm o número Coimbra no I Rallye de Auto- das grandes provas automoda indústria automóvel. «O nosso estimado despor- um da série. Quanto às carac- móveis Antigos. «O carro de bilistas organizadas pela retista Fernando Mancellos, pro- terísticas mais interessantes, ve- que apresentamos a gravura é vista “O Volante”». Na classifiprietário do Stand Mondego, rificamos que tem rodas me- um “Darracq” de 1902 e regis- cação do Rallye de Automódesta cidade, conduzirá o au- tálicas desiguais, motor a qua- tado em 1903, em nome do fa- veis Antigos o primeiro lugar tomóvel, cuja gravura inseri- tro tempos, horizontal, com lecido sr. FranciscoAugusto Pe- coube a Fernando Mancellos mos e terá como passageiro o válvula automática para a ad- reira Gonçalves, pai do distinto (“Hurtu”), tendo Mário Novais sr. Diogo Barata de Tovar. Sa- missão; força de 3/4 cavalos clínico dr. Armando Leal Gon- (“Darracq”) trazido para Coimbemos que foi o sr. Visconde da com inflamação por bobine; çalves e que é hoje o seu pos- bra o 3.º prémio. M.S.

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15/5/1932 O Diário de Coimbra observava, na edição de 15 de Maio de 1932, que «as tradicionais e lendárias barracas de banhos do nosso rio desapareceram, há uns anos, sem que mais ninguém se quisesse, até hoje, aventurar à montagem de tão populares, pitorescos, baratos e higiénicos banhos, onde a população citadina pouco endinheirada se ia lavar e divertir». «Dizem-nos que a causa primordial que obsta à instalação dos populares banhos é a carestia das madeiras e os pesados impostos. Mas as barracas do rio impõem-se, sobremaneira, pois que as classes pobres não têm onde fazer a higiene do corpo, limpando-o do suor e mais imundícies produzidas pelo trabalho cotidiano», referia o artigo, lembrando que «o balneário da Misericórdia, que era o mais acessível, fechou; e hoje só existe o do Hospital, inacessivel às magras bolsas, cujo dinheiro faz falta para o pão da família». «Às entidades respeitantes solicitamos que facilitem a instalação dos populares banhos do nosso rio, para que os pobres possam, ao menos no Verão, lavar-se e respirar a pureza dos ares, durante o tempo que permanecerem no areal do rio. E, depois, o local presta-se para a instalação de restaurantes, trapézios, escolas de tiro, e outras diversões que o tornariam atraente, útil e salutar. Ali, noutros tempos, se exibiam guitarradas, descantes, danças, faziam-se pic-nics, pescas, etc.. Que saudades! Vamos. Facilite--se o ressurgimento das “barracas do rio”, porque alguém aparecerá que se lance na empresa para cujo início não será necessário grosso capital. É higiénico, útil e humanitário», defendia o jornal, adiantando-se na ideia da praia fluvial que viria a funcionar em frente ao Parque da Cidade entre 1935 e 1946 (foto).


02 | 25 JUL 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Escola no Paião era “residência de bicharada” 19/5/1932Asdeficientes condições de ensino em muitas localidades do país justificavam preocupação, apontando o Diário de Coimbra, na edição de 19 de Maio de 1932, o caso alarmante da escola masculina do Paião, no concelho da Figueira da Foz, «constantemente invadida por cobras que furam por todos os buracos, assustam as crianças e as afastam da escola, para a qual elas devem ser atraídas e não repelidas». «Isto em pleno século XX é inacreditável! Uma escola que deve ser um templo de luz e carinho, convertido em valhacouto de enormes reptis! A escola que carece de ser um recinto atraente, todo beleza, carinho e bem-estar, para que, tanto mestre, como alunos, se sintam satisfeitos para proveito da função, apresenta-se-nos no Paião como residência de bicharada! Que por esse país além, existem casas que servem de escolas, mas que são autênticos pardieiros, onde entra a chuva e o vento livremente e escasseia a luz, o ar e o conforto, já toda a gente o sabia, embora tal incúria nacional se não possa desculpar. Mas o que se passa no Paião é caso único na história da nossa Instrução Popular», lia-se no artigo, intitulado “O abandono das nossas escolas”.

Multas por falta e limpeza e caiação das fachadas 8/5/1932 A Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Coimbra publicou neste jornal, a 8 de Maio de 1932, um edital a informar os munícipes de que decidira prorrogar até final do mês de Junho o prazo para «limpeza e caiação das fachadas dos prédios confinantes com as ruas ou que possam ver-se de qualquer lugar público». «Findo o prazo marcado no presente edital, ficam os transgressores sujeitos à multa de 50$00 a 100$00, nos termos do art. 60 do Código de Posturas Municipais»,advertia o aviso, assinado pelo presidente da Câmara, Afonso José Maldonado.

3/5/1931 Uma nova empresa apostava no porto da Figueira da Foz para se iniciar na indústria da pesca e secagem de bacalhau

de 100.000 quintais de peixe por ano», adiantava jornal. Também na coluna “Da Figueira”, lemos na edição de 18 de Abril de 1932 deste jornal que «da outrora bastante numerosa flotilha bacalhoeira figueirense, seguem este ano para a Gronelândia, com escala pela Terra Nova, apenas duas unidades: os lugres “Lusitânia” e “Trombeta”. O primeiro a sair a barra, já na semana próxima, é o “Trombeta” ; segue-se-lhe o D.R. “Lusitânia”, que a empresa do mesmo título, rompendo com a estagnação de processos da maioria das congéneres, fez prover este ano de um motor auxiliar de modo a garantir-lhe a naveNas campanhas de gabilidade mesmo pesca do bacalhau em condições de de 1913/14 saíram calmaria». «Antes do porto da Fida partida, e cregueira 15 navios mos que pela pripara a Terra Nova meira vez na Figueira, ambos os barcos serão solenemente benzidos a exemplo do hábito francês», acrescentava a notícia. Dias depois, a 21 de Abril, informava o jornalista do Diário O navio figueirense “Bissaya Barreto” veio reforçar em 1943 a frota bacalhoeira portuguesa de Coimbra na Figueira da Foz Previa-se a chegada das em- que «sob o comando do capiiguais, têm a tonelagem bruta bustível durante 10 meses de 1.150 toneladas com um consecutivos. Todo o barco é barcações a Portugal em finais tão João de Deus despachou comprimento superior a 70 iluminado a luz eléctrica, de Maio, «partindo em seguida hoje, com destino à pesca do metros, estando pelas suas dí- sendo notáveis as condições para os Bancos da Gronelândia, bacalhau na Terra Nova, o vemensões e apetrechamento de higiene e conforto das aco- para a sua primeira campanha leiro “Júlia IV”, propriedade da classificados como os maiores modações de oficiais e tripu- de pesca», com tripulação na Companhia Portuguesa de Pesca Atlântica». e mais modernos barcos de lantes», descrevia a notícia, maioria da Figueira da Foz. «A saída do “Júlia IV”, que se«Para a instalação da seca pesca do mundo, podendo fa- destacando outras caracteríszer as suas campanhas de ticas, como telegrafia sem fios natural e artificial, resolveu gue com escala por Lisboa, foi pesca não só na Terra Nova, que permitia «comunicar di- esta sociedade optar pelo presenciada por avultado númas ainda nos Bancos da Gro- rectamente com os armado- porto da Figueira da Foz, de- mero de pessoas que se aglonelândia, Islândia, Spitzberg, res e receber todas as instru- vendo brevemente iniciar-se meravam na Avenida Saraiva etc. As suas bunkers têm ca- ções convenientes» e uma ins- os trabalhos de adaptação da de Carvalho, na muralha do pacidade suficiente para se talação completa para «ex- propriedade que adquiriu no quebra-mar, à entrada da barra, poderem manter sem novo tracção de óleos do maior e Cabedelo, que será desde já e no Forte de Santa Catarina», apetrechada para tratamento registou o repórter. M.S. abastecimento de óleo com- melhor rendimento».

FIGUEIRA ESPERAVA OS MAIS MODERNOS BARCOS PARA A PESCA DO BACALHAU

A

Figueira da Foz teve outrora contribuição de relevo, com os seus armadores e navios, na aventura portuguesa da pesca do bacalhau nos longínquos mares da Terra Nova. Há 90 anos, na edição de 3 de Maio de 1931, o Diário de Coimbra noticiou na coluna dedicada à Figueira a aquisição dos «vastos edifícios da fábrica de adubos “Tinoca”, do Cabedelo», pela sociedade “Bacalhau de Portugal”, constituída em Lisboa seis meses antes. «O fim desta sociedade é essencialmente explorar a indústria da pesca e secagem de bacalhau, pelos processos mais modernos, com barcos traineiras-motor, achando-se em construção em Inglaterra, nos estaleiros de Robert Thompson & Sons, Limt., de Sunderland, os dois primeiros da flotilha», esclarecia a artigo, com o título “A pesca do bacalhau Um empreendimento notável”. Um dos barcos, o “Corte Real”, tinha já sido lançado à água em Abril, esperando-se que o segundo, “Descobridor”, pudesse «descer a carreira por todo o mês corrente». «Estes barcos, precisamente

Sagração do recuperado altar-mor da Sé Velha 30/5/1932

O primitivo altar-mor românico da Sé Velha, reconstruído após terem sido encontradas várias partes no cemitério de Santo António dos Olivais, foi sagrado numa «imponente cerimónia religiosa» no dia 30 de Maio de 1932. Dias antes, a 24 de Maio, o Diário de Coimbra explicou a razão de ser do evento religioso, destacando a importância da «inesperada descoberta» do altar-mor da velha catedral, «cuja data, nele esculpida, cor-

responde ao ano de 1184 da nossa era, o penúltimo do reinado de D. Afonso Henriques». «Fora erigido na capela-mor da Sé, e lá esteve durante quatro séculos, no fim dos quais teve a infeliz sorte de ser demolido e removido do seu lugar, quando expirava o século XVI, ou logo no princípio do XVII. Ainda se conseguiu agora reunir nada menos de sete, de entre os nove colunelos, que sustentavam a pedra ou mesa do altar. A sua restauração per-

Sé Velha de Coimbra, um tesouro do nosso património

feita foi, pois, não só possível mas até fácil e segura», observou o jornal, ao anunciar que iria ser sagrado pelo bispo-conde no dia 30, data do sétimo centenário da canonização de Santo António. Anotícia adiantava que, previamente, o bispo-conde colocaria numa caixa metálica, selando-a «com o seu sinete, as relíquias de alguns santos, que hão-de ser no acto da Sagração encerradas no sepulcro do altar». «Essa caixa é colocada

num pequeno esquife honorífico, que fica depositado na capela de S. Pedro da Sé Velha, ao lado do Evangelho da capela-mor. Na segunda-feira 30, pela manhã, realiza-se a Sagração, cerimónia longa, aparatosíssima, cheia de solenidade e de simbolismo, sendo celebrante o prelado diocesano», informava, comunicando que «a todas as pessoas que assistirem a estes actos, devidamente preparadas, é concedida a Indulgência dum ano».


02 | 01 AGO 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Cascas de tangerina eram um perigo para os transeuntes

4/9/1931 Defendeu-se a construção de um bairro económico para dar ocupação a desempregados e alojar condignamente “numerosas famílias”

UMA REUNIÃO NA FIGUEIRA PARA DEBATER A GRAVE CRISE DO DESEMPREGO

O 4/2/1932 O Diário de Coimbra chamava a atenção, numa local publicada na edição de 4 de Fevereiro de 1932, para a falta de limpeza numa das mais movimentadas artérias do centro da cidade, entre a Praça 8 de Maio e a Avenida Sá da Bandeira, passando por detrás do Mercado Municipal. «ARua das Figueirinhas, também conhecida por Rua Martins de Carvalho, encontra-se há pouco tempo transformada numa autêntica rua comercial, com muitas lojas onde se exibem os mais variados artigos. É uma das ruas mais concorridas de Coimbra porque é ponto forçado de passagem de muitas centenas de pessoas e porque é uma rua de ligação entre a cidade alta e baixa», explicava o jornal, para depois observar que isso estava «tudo muito bem», o que não estava nada bem era «o facto daquela movimentadíssima rua se encontrar, a qualquer hora do dia, pejada de detritos onde sobressaem, numa tremenda profusão, cascas de tangerina, o que além de inestético é perigoso para a integridade física de toda a gente que ali passa». «Nós já por mais do que uma vez noticiámos aqui vários desastres motivados por quedas, sucedidos naquela rua. Passámos ontem por lá e verificámos “de visu”a realidade do perigo. Por isso, tomamos a liberdade de chamar para este caso a atenção de quem de direito, tanto mais que há gente que parece apostada em fazer esterqueira naquela rua. A Câmara Municipal manda limpar! Logo a seguir, uns “porcos», sujam! Umas multas, a propósito, eram decisivas», verberava o autor do apontamento.

Silva Fonseca que apresentou, para a solução do magno problema, a necessidade da construção de um bairro económico, em cujas obras encontrariam ocupações muitos dos actuais desempregados, ao mesmo tempo que se promoveria o alojamento condigno para as numerosas famílias instaladas em casebres infectos, construídos sem quaisquer preocupações de ordem higiénica». D.R. A notícia adiantou ainda que «foi nomeada uma comissão para estudar os meios práticos de levar a efeito a proposta em questão, que obteve unanimidade de pontos de vista». «Alguns proprietários a quem foram endereçados convites bri“Construção civil lharam pela auestá a braços com sência. Ficaram a uma crise como remoer o almoço não há memória”, e a palitar os mocomentou-se na reunião lares no ripanço da cadeira de verga. Registe-se. Perigoso comodismo o desta burguesia endinheirada e inútil, que defende com as suas atitudes o que condena com as suas Câmara da Figueira da Foz convocou “forças vivas” da cidade para discutir o desemprego doutrinas. É bom não esquecer zinha. A Câmara tem as suas ços com uma crise como não drs. José Calado, Alberto Bas- que a fome não tem lei, e que tos, Nogueira de Carvalho e pe- na revolta, por ela gerada, só receitas cerceadas - afirmou- há memória», registou. Pelo relato fica a saber-se que los srs. capitão Manuel Nunes perdem... os que têm de per-se -, a Comissão de Iniciativa esgotou todas as suas reservas foram «apresentados e discu- de Oliveira, Carlos Lino e Mário der», criticou o redactor da coe a construção civil está a bra- tidos alguns alvitres pelos srs. Barraca e ainda pelo sr. José da luna “Da Figueira”. M.S.

repórter do Diário de Coimbra na Figueira da Foz noticiou, na edição de 4 de Setembro de 1931, uma reunião efectuada na sala das sessões da Câmara Municipal para «serem trocadas impressões acerca da crise do desemprego, que aflige particularmente as classes trabalhadoras deste concelho». Convocados pelo presidente da Câmara da Figueira da Foz, compareceram ao encontro «comerciantes, representantes de colectividades, autoridades, pessoas de representação, imprensa, etc.» «Pelo sr. José da Silva Fonseca foi exposta a situação precária dos desempregados e a necessidade de ser-lhes dada ocupação, obstando a que o mal alastre para o que oferece tendências acentuadas, com a entrada do Inverno que se avi-

Pagar contribuição braçal com dinheiro ou trabalho? 16/12/1931 Ocorrespondente do Diário de Coimbra em Formoselha relatava a difícil situação que afectava muitos trabalhadores desta localidade da freguesia de Santo Varão, em Montemor-o-Velho. «Começaram há dias a ser distribuídos, por esta localidade e Santo Varão, os avisos para o pagamento da contribuição braçal, para o que foram colectados a maioria dos seus habitantes. Não nos compete fazer apreciações e muito menos censurar a forma como agora se pretende fazer tal serviço, pois que desde alguns anos que ele assim é feito. O que desejamos é esclarecer e elucidar convenientemente quem superintende em tal assunto, para as muitas dificuldades que vão encontrar na sua cobrança, e a

prova está nas dezenas de avisos relaxados que todos os anos para aí aparecem, em virtude do contingente enorme de trabalhadores rurais, que compõem esta povoação, não poder dispor das importâncias exigidas, por não ganharem o suficiente para seu sustento e dos seus», considerava o autor, na crónica que o jornal publicou a 16 de Dezembro de 1931. Recordava ainda ser do conhecimento geral que muitos desses trabalhadores «emigram durante o Inverno, para o Alentejo e outros pontos do país, onde lhes dão trabalho». «Pois, estes homens, este ano, tiveram de regressar logo quinze dias a um mês depois, resultando vê-los, na maioria dos dias, em que lhes não dão que fazer, quase estendendo a

mão à caridade. Como pode esta gente pagar esta contribuição, embora pequena, se não possuem cinco tostões para comprar um pão?», questionava-se. A situação, em seu entender, requeria a melhor compreensão das autoridades. «Porque não se procede, como noutros tempos, facilitando o pagamento em dinheiro àqueles que assim o prefiram e exigir trabalho daqueles que infelizmente não têm dinheiro para satisfazer o que a Comissão Administrativa da Câmara de Montemor-o-Velho exige? Este reparo que fazemos àquela entidade, e que esperamos ser atendido, fica igualmente feito à Junta de Freguesia de Santo Varão, que por estes dias deve também fazer idêntica cobran-

ça. Aqui fica pois um pedido a todos os títulos justo e humanitário», defendia. Também a 5 de Janeiro de 1932 o correspondente do jornal em Arazede dava conta de que a Junta de Freguesia tinha cedido «todo o seu serviço de braçal (que é importantíssimo) à Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, para com ele serem reparadas as estradas camarárias». «Tal resolução merecia o elogio de todos, porquanto quase todos os lugares estão servidos por péssimas estradas. Resolveu agora o vereador desta freguesia que o serviço de braçal do lugar do Meco seja aplicado numa estrada pertencente à freguesia de Tentúgal e que esta junta não manda reparar porque

colectou o povo e aplica tal rendimento no que melhor lhe parece. Tal resolução não agradou à Junta de Freguesia que, como nós, não concorda em que o povo da nossa freguesia vá prestar os seus serviços em freguesia diferente», justificava. Dizia ainda o autor da nota que «para se fazer a reparação de tal estrada, alega-se que ela e bastante útil ao povo daquele já referido lugar, porque por ela fazem o trânsito para o campo». «Tal razão não satisfaz, porque muitas outras estradas se encontram em circunstâncias idênticas e nós não vamos lá fazer as suas reparações e ainda porque muito há que fazer em tais serviços dentro da área da nossa freguesia», argumentava.


02 | 08 AGO 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Ordens para o clero guardar os bens das igrejas 5/4/1932 Com o título “Bens das igrejas”, publicou o Diário de Coimbra, a 5 de Abril de 1932, a notícia de que «com requintada delicadeza, circulou o Governo aos senhores bispos, chamando a sua atenção e dos párocos seus subordinados para a fiel guarda dos bens das igrejas, que lhes estão confiados». «Acertadamente andou. Por carência dos necessários conhecimentos e tantas vezes supondo alcançar benefício para as suas freguesias, tem-se cometido o grave atentado de arrancar preciosidades às igrejas, a troco de pagamentos mesquinhos ou trocos inferiores, deslocando para fora do seu lugar e para destinos desconhecidos, muitas vezes estrangeiros, objectos de arte que, a saírem de onde devem estar, só deveriam seguir para os museus regionais. Parece-nos que, nos actuais estudos do Seminário Diocesano, estão incluídos os elementares para habilitarem os futuros sacerdotes a não serem em absoluto desconhecedores dos assuntos estatísticos e muito é de admirar que tal providência escapasse à solicitude e alta competência do falecido Bispo-Conde, cuja memória é credora do reconhecimento da Arte Nacional. No entanto, as sugestões do Governo que, na realidade, são ordens para serem cumpridas, merecem o nosso aplauso», considerou o jornal.

“Canzoada” invadia a Praça 8 de Maio 16/12/1931 Na edição de 16 de Dezembro de 1931, o Diário de Coimbra observava que «bandos de cães sem açaimo» continuavam «a infestar as ruas da cidade», reclamando a actuação das autoridades camarárias. «Ali, à Praça 8 de Maio, por exemplo, dá a impressão dum autêntico quartel general canino. Se não estamos em erro, as posturas municipais prevêem este caso da canzoada, aplicando multas aos proprietários infractores. Porque não se põem em prática tais medidas?», questionava.

17/4/1932 Diário de Coimbra chamou a atenção das autoridades para o funcionamento ilícito de jogos de fortuna ou azar em estabelecimentos da cidade

UMA CAMPANHA CONTRA MÁQUINAS DE JOGO QUE EXPLORAVAM INCAUTOS

N

um artigo publicado a 17 de Abril de 1932, o Diário de Coimbra insurgiu-se contra o funcionamento de «máquinas suspeitas» de jogo que exploravam os incautos, instaladas ilicitamente nalgumas casas comerciais da cidade. Lembrando que não era permitida em Coimbra a existência desse tipo de máquinas de jogo, o jornal alertou as autoridades para «a última, a mais aperfeiçoada e completa maneira de arrancar uns escudos dos bolsos daqueles que pouco ou nada têm». Eram apontadas responsabilidades por essa actividade a um cidadão espanhol «que assentou arraiais em Coimbra». «Querem saber qual a forma como manobra esse estrangeiro, enganando o povo que moireja o pão de cada dia nas oficinas, esse povo facilmente

D.R.

casas, explicando-lhes: - Podeis ganhar centenas de escudos! Basta introduzir uma ficha dum escudo neste buraco, e ia acompanhando a explicação das necessárias experiênGovernador civil de Coimbra mancias, feitas na mádou retirar as máquina e, depois, quinas de jogo após puxar esta mania campanha de vela. Aquele círalerta do jornal culo anda em roda. Se tiverdes sorte, ganhareis centenas de escudos», descreveu o jornal. Referia o texto que «os operários, a princípio, acreditaram Autoridades têm vindo ao longo dos tempos a apreender mánas palavras desse espanhol. quinas de jogo de fortuna ou azar, que hoje estão mais evoluídas Julgavam tratar-se duma másugestionável, graças à ambi- tratou de montar, em três casas quina aperfeiçoada, que emção de vir a possuir mais di- da cidade onde os operários se bora proibida oferecia uma nheiro, de lhe sair a sorte gran- reúnem amiúde, outras tantas maneira fácil de arriscar um de? Veio esse espanhol até máquinas de complicada e es- escudo ao jogo. E foram joCoimbra, certamente depois de quisita construção mas de fácil gando até que descobriram o haver assentado arraiais nou- manejo, a julgar pelas aparên- logro. Afinal, raras vezes saía tras terras, onde descobriram cias. Vai daí, entrou de suges- qualquer importância aos joseus intentos e mal chegou aqui tionar os frequentadores dessas gadores. E quando saía qual-

quer quantia, já estavam gastas algumas dezenas de escudos». «Que dizem a isto as autoridades? Há leis que regulamentam o jogo, apenas permitindo o jogo em certas zonas. Em Coimbra não é permitido jogar, segundo as leis vigentes. Nem tão pouco se deve admitir que quem quer que seja aqui assente arraiais com o fim de sugestionar o operário, enganando-o, depois arrancando-lhe uns magros escudos que ele ganhou, durante a semana, para seu sustento e para sustento de seus», alertou. Com este artigo deu o jornal início a uma breve e eficaz “campanha”, concluída alguns dias depois, a 27 de Abril, após o governador civil, Albino dos Reis, ter mandado retirar as máquinas de jogo e assim terminar «essa ignóbil exploração dos papalvos». Divulgou também o Diário de Coimbra uma tentativa do dono das máquinas de «comprar o silêncio» do jornal em torno deste caso. Os «25$00 entregues pelo espanhol ao nosso camarada de redacção António Cruz, para este não mais atacar o funcionamento daquelas máquinas», deram entrada «no cofre da Junta Geral do Distrito e com destino à simpática instituição de caridade Ninho dos Pequenitos», concluía a notícia. M. S.

Festa de despedida dos finalistas de Medicina terminou com um salvamento no Mondego 6/6/1932 Com o ano lectivo a chegar ao fim, os estudantes finalistas da Universidade de Coimbra comemoravam com entusiasmo a conquista de uma das mais importantes etapas das suas vidas. No dia 6 de Junho de 1932 registava-se nas páginas deste jornal que «os novos doutores em medicina, que dentro de breve, findos os actos do 5.º ano, deixam a vida académica», tinham-se reunido no dia anterior «a fazer a Coimbra a sua despedida, decorrendo as suas festas no meio da mais esfuziante alegria». «Pelas 14 horas, reuniram-se no Pátio Universitário, onde tiraram uma fotografia. Depois,

FOTO: SITE DA TUNA ACADÉMICA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

O curso médico de 1932 iniciou a tradição dos chapéus de coco

em número superior a 50, vieram para a Baixa, pela Avenida Sá da Bandeira, à frente duma música infernal de gaiteiros, ostentando quase todos “cocos”e “penantes» [chapéu alto] e dan-

do largas à sua alegria. Uma vez na Baixa dirigiram-se ao consultório do dr. Matos Beja, onde lhes foi oferecida uma taça de champanhe pelo representante dos produtos “Bial”dr. Bandeira.

Trocaram-se brindes amistosíssimos, tendo falado os srs. drs. Rocha Brito e Matos Beja e agradecendo pelos quintanistas os drs. Hugo Eloy, Justiniano d’Oliveira e Albino Gonçalves Dias», anotou o jornalista. Os estudantes seguiram depois para o Choupal, «onde numa árvore afixaram uma lápide de cartolina com duas quadras do quintanista e mimoso poeta dr. Vasco Campos». «Quando procediam à cerimónia, ouviram gritos do lado do Mondego. Correram em massa. E assistiram ao salvamento duma rapariga moradora no Terreiro da Erva, por dois populares, ministrando-lhe imediatamente vida artifi-

cial e injectando-a. Começaram a sua festa alegres, descuidados, cheios de alma! Findaram-na praticando um acto bom!», elogiou o jornal. A notícia terminava adiantando que «a lápide de cartolina» seria «substituída brevemente por uma outra de mármore», de acordo com informação que foi prestada ao jornalista por Hugo Eloy, um dos mais influentes alunos do grupo que concluiu o curso médico no ano de 1932 e se destacou por ter iniciado nas festividades da Queima das Fitas a venda da pasta a favor do Asilo da Infância Desvalida (de Elísio de Moura) e a tradição dos chapéus de coco (e das cartolas).


02 | 15 AGO 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Banda de São Martinho do Bispo em risco de extinção 20/4/1932 O correspondente do jornal em São Martinho do Bispo noticiou, numa nota publicada a 20 de Abril de 1932 na coluna “O Diário nos Arrabaldes”, a situação em que se encontrava a banda de música da localidade, «uma filarmónica que tem dado provas da sua competência nas várias festas em que tem tomado parte». O regente, António Oleiro, tinha sido demitido por faltar a três ensaios e «foi convidado, para o substituir, um outro maestro». «Ora o novo regente, logo no primeiro ensaio, declarou à direcção da filarmónica que os seus componentes não sabiam, ao menos solfejo, o que os desgostou bastante, tanto mais que o sr. António Oleiro, sabendo bem música, nunca lhes fizera tal advertência. Na sexta-feira passada, devia a banda ensaiar alguns números, para a festa que se realizou no domingo em Casas Novas. O novo maestro, depois de haver provocado, em ensaios anteriores, todos os executantes, não compareceu a esse ensaio. Além disso, foi a banda expulsa da sua sede por dois membros da direcção, que assim concorrem para a extinção da filarmónica. Protestamos energicamente contra estes factos», lamentou o representante do Diário de Coimbra.

“Alcoolismo homicida” na Figueira da Foz 15/6/1932Com o título “Alcoolismo homicida”, lemos nas notícias da Figueira da Foz, da edição de 15 de Junho de 1932, que «na Carneira, à entrada da estação, foi encontrado morto o carpinteiro naval Manuel de Lemos Pardal, de 58 anos, natural de Ílhavo, há alguns anos residente nesta cidade. O infeliz, que era um alcoólico inveterado, tinha a mania de subir para uns antigos fornos de cal que ali há, e sob a inspiração do vinho, dar largas à sua veia oratória; presume-se que ao tentar fazê-lo, perdesse o equilíbrio vindo estatelar-se no solo, onde o mulherio da vizinhança foi dar com ele ontem de manhã».

5/6/1932 O cientista Mário Silva defendeu no jornal a criação de um curso de engenheiros radio-electricistas e a instalação de uma estação emissora

UNIVERSIDADE DE COIMBRA PIONEIRA NAS EMISSORAS DE RÁDIO EM PORTUGAL

A

Emissora Universitária de Coimbra, uma das primeiras emissoras de rádio do país, nasceu em 1933 mas teve efémera existência. Mário Silva, o professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra a quem se deve a criação do Museu da Física e a fundação do Museu da Ciência e da Técnica, foi promotor desse projecto, juntamente com o seu assistente Teixeira Lopes e o director do Laboratório de Fonética Experimental da Faculdade de Letras, Armando Lacerda. Reconhecido como uma das mais notáveis personalidades da Física em Portugal do século XX, Mário Augusto da Silva (1901-1977) viu a carreira académica e científica prejudicada pelo regime de Salazar, que não simpatizava com as suas ideias e o aposentou compulsivamenteem 1947 (só em 1976, derrubada a ditadura, viria a ser reintegrado na Universidade). Tal como no Instituto do Rá-

D.R.

nia organizado pelo jornal O Século, publicou o Diário de Coimbra, em destaque na primeira páAlém da Emissora gina de 5 de Junho Universitária, de 1932, um artigo Mário Silva criou e assinado por Mádinamizou o Rádio Clube do Centro rio Silva em que o de Portugal (1932) então professor catedrático e director do Laboratório de Física da Universidade de Coimbra aludia à criação na Faculdade de Ciências de um curso de engenheiros radio-electricistas e preconizava a instalação de uma emissora de rádio. «Para ir ao encontro do movimento de interesse que se está desenhando em todo o país em favor da T.S.F., não só Mário Silva (1901-1977), um dos nossos mais notáveis cientistas por parte do público mas dio, que projectou e estava em lação a Mário Silva determinou ainda do Estado que final1931 pronto a funcionar com o fim precoce da Emissora Uni- mente, e muito bem, se resolquatro salas (incluindo apare- versitária de Coimbra, que se veu a construir uma grande lhagens de diagnóstico e de te- terá resumido a algumas emis- estação emissora, movimento rapia por raios X), mas cujo en- sões experimentais a partir do de interesse que o último Congresso de Radiotelefonia veio quadramento legal jamais seria sótão do edifício da Física. Um ano antes, na sequência pôr felizmente em evidência, publicado, também o antagonismo do Estado Novo em re- de I Congresso de Radiotelefo- torna-se urgente cuidar do seu

ensino, torna-se necessário criar no nosso ensino superior, como também o exige sem demora a nossa época de especializações, a especialidade da radio-electricidade, da T.S.F.», considerou o cientista. Era preciso, em seu entender, que o Estado contribuísse «por todas as formas ao seu alcance» para «desenvolver e ampliar» tal iniciativa. «Uma primeira intervenção do Estado deve consistir em promover para já a instalação em Coimbra duma estação emissora. Uma tal instalação, que necessariamente deve fazer parte da nossa rede de emissoras, é também exigida pela situação e pelos interesses de Coimbra, centro universitário de cultura, cuja actividade intelectual precisa daqueles meios de expansão que só a T.S.F. lhe pode dar. Uma tal estação emissora satisfaria portanto dois fins igualmente importantes: um de ensino, outro de difusão de alta cultura, servindo ao mesmo tempo os interesses de carácter regional. Quererá o Estado criar junto da sua mais velha Universidade uma estação emissora, servindo não só o novo curso de engenharia rádioelectricista mas também a região central do País?», questionou Mário Silva, pedindo a Coimbra para «instar junto dos srs. ministros do Comércio e Instrução para que sejam satisfeitas tão justas e oportunas aspirações». M. S.

Uma brilhante conferência de Almada Negreiros no salão nobre da Associação Académica 15/6/1932 A convite do grupo literário ligado à revista “Presença”, o escritor e artista plásticoAlmada Negreiros deslocou-se a Coimbra a 15 de Junho de 1932 para apresentar a sua conferência “Direcção Única” no salão nobre da Associação Académica. Pioneiro do modernismo português, José de Almada Negreiros (1893-1970) era considerado um dos autores mais criativos da sua geração, daí esperar-se nada menos que viesse expor aos académicos de Coimbra «ideias novas, com ritmos claros e in-

venções subtis», como escreveu o jornal ao noticiar o evento, na edição do dia 12 de Junho. «Almada Negreiros, com o seu pensamento inquieto, alma e nervos, dirá verdades sobre o homem, referir-se-á aos seus nervos, à sua vida - e falará da sua alma. Terá a escutá-lo, por isso, um público ávido de interesse, ávido de originalidade», antecipou. O relato da sessão, publicado no dia 16, descreve um salão repleto para escutar as palavras do escritor, poeta, desenhador, cenógrafo, figurinista, pintor e

O escritor e artista Almada Negreiros (auto-retrato, 1926)

caricaturista: «Muitas senhoras, professores da Universidade, estudantes.Ansiedade na assis-

tência, que é numerosa. Interesse de assistir à exposição de ideias que vai fazerAlmada Negreiros - ideias novas, claras, renovadoras, beleza estilizada, pensamento inquieto». Cabe a João Gaspar Simões, director da “Presença”, fazer a apresentação do orador, e «fala dele com palavras justas, certas - das palavras que há que dedicar a esse moço audaz que sabe radiografar todas as verdades do homem e da sua alma». «Depois, adianta-se Almeida Negreiros. Vai pronunciar a sua conferência - uma confe-

rência que resultou notável, a todos os títulos, e original. “Direcção Única” traçou a todos os assistentes uma esplêndida trajectória. Foi uma lição de sadio optimismo», avaliou o repórter, que enriqueceu o texto com alguns excertos da intervenção. «Acabada a conferência, o público dispensa aAlmada Negreiros uma calorosa ovação. Levanta-se de novo, o vanguardista dos vanguardistas. Lê duas cenas da sua peça “S. O.S.”, a representar, brevemente, em Lisboa. E as ovações repetem-se», conclui a notícia.


02 | 22 AGO 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Queriam passear sem ter aquilo com que se compram melões 21/6/1932 Com o título “As aventuras de dois globe-trotters”, lemos na edição de 21 de Junho de 1932 que dois jovens alemães, Redolf Jakupha, de 19 anos, e Walter Schopke, de 22, vieram parar a Coimbra, em viagem pela Europa. «Chegaram, viram, espreitaram todos os cantos da cidade, ofereceram à generosidade dos transeuntes os tradicionalíssimos postais e, por fim, resolveram dar um passeio rio acima. Alugaram uma barca e iniciaram a passeata. Horas depois, impando de gozo, vieram entregar a barca ao dono. Este, muito naturalmente, exigiu-lhes uma determinada quantia - o preço do aluguer da barca. E aqui é que a porca torceu o rabo... Os nossos alemães chegaram à conclusão de que não tinham dinheiro. Em compensação quiseram oferecer-lhe meia dúzia daqueles cartõezinhos de apelar à generosidade dos transeuntes, a fim de que o barqueiro formasse com eles um ramalhete e os pregasse na parede da sala de visitas da sua casa para recordação... do “calote”. O barqueiro não se deixou ir no “bote», e começou a protestar em português, enquanto os alemães começaram a pensar em alemão a melhor maneira de se pôrem ao “fresco”, visto o “calor” que o barqueiro estava pondo nas suas exigências. Porém, o Manuel Modesto - assim se chama o barqueiro agarrou-os fortemente pelas abas das suas internacionais fardetas, pouco disposto a largá-los. Na ânsia de se verem livres de tão temível credor, os pobres argonautas de água doce puxaram de revólveres e dispararam alguns tiros para o ar», relata a notícia. Chamada a polícia, foi «tudo para o Governo Civil» e ali «veio a verificar-se que os revólveres eram a fingir e as balas inofensivas». «E aqui está como dois “globe-trotters”que fizeram nas águas mansas e poéticas do rio Mondego um delicioso passeio, vieram a naufragar desastradamente em terra... por não terem, como se diz em linguagem portuguesa e que os alemães mostraram desconhecer, aquilo com que se compram os melões...», concluía o texto.

28/5/1932 “Baile das Rosas”, desfile de moda e “Chá Dançante”. Eventos sociais solidários antecederam a abertura do Hospital-Sanatório de Celas

FESTAS DE ELEGÂNCIA A FAVOR DAS POBRES VÍTIMAS DA TUBERCULOSE D.R.

novo hospital prosseguiram no domingo à tarde com o desfile de moda, em que «os afamados costureiros Borges & Duarte, de Lisboa», exibiram uma centena de «modelos de “toilletes” de sport, da tarde e da noite», seguido de “Chá Dançante”. «Assistência distinta, selecta e numerosa. Não há um único O Sanatório de lugar vago. AcoCelas tinha capacidade para acolher modaram-se meuma centena de sas nos corredomulheres vítimas res, nos terraços de tuberculose em todos os cantos. Andam no ar perfumes de rosas, perfumes de mulheres, sons das orquestras, sorrisos, galanteios...As senhoras emprestam à sala um O Hospital-Sanatório de Celas, destinado a mulheres, começou a funcionar a 1 de Junho de 1932 aspecto feérico. Os rapazes o dia 1 de Junho de “peste branca”que na primeira quatro cantos de Portugal. Tra- dançam, conversam - e en1932 recebeu as pri- metade do século XX ainda di- jos luxuosos, vaporosos, leves: saiam madrigais. Trajos riquístrajos da grande moda. Recor- simos. Exibem-se lindos vestimeiras doentes o zimava parte da população. Destinados a angariar fun- tes de casacas. Velhas capas a dos, lindos chapéus. Verdadeira Hospital-Sanatório de Celas, um dos pilares da obra assis- dos para ajudar tuberculosos beijarem o chão. Todos, todos parada, a grande parada das tencial de combate à tuber- pobres e as suas famílias, es- indumentados a rigor!», des- mulheres elegantes de Portuculose erguida graças à visão tes eventos sociais, organiza- crevia o repórter, registando o gal: é que na sala há mulheres do presidente da Junta Geral dos pela revista Eva, sob o pa- «ambiente perfumado, o am- de todos os cantos desta linda do Distrito de Coimbra, o mé- trocínio da Junta Geral do Dis- biente de sonho», os «muitos terra, há lindas mulheres pordico e professor universitário trito, foram enaltecidos e am- sorrisos e muitos galanteios» tuguesas, com os seus rostos plamente divulgados nas pá- numa festa com «gente de to- cheios de encanto, com os seus Bissaya Barreto. das as categorias sociais, lentes, sorrisos cheios de graça...», noA nova unidade hospitalar, ginas do Diário de Coimbra. Na edição de 29 de Maio, o juízes, médicos, advogados, mi- ticiou o Diário de Coimbra na resultante de avultadas obras edição de 30 de Maio, destade remodelação e adaptação nosso jornal relatou a «anima- litares, estudantes». «Por isso a animação é enor- cando ainda o altruísmo da do edifício, anexo ao mosteiro ção enorme, extraordinária», cisterciense de Celas, que al- com que decorrera até às pri- me, por isso o entusiasmo é ex- «acreditada e conhecida casa bergara oAsilo de Cegos eAlei- meiras horas da manhã o “Baile traordinário! Dança-se sempre. de Lisboa, Borges & Duarte, que jados e mais tarde (de 1977 a das Rosas”, abrilhantado por E agora sente-se vontade, mais acedendo ao pedido da comis2011) viria a acolher o Hospital duas orquestras que se reve- que nunca, de bendizer esta são das festas prontificou-se a Pediátrico, foi palco a 28 e 29 zavam - a do Central-Cinema, festa de caridade, esta festa ele- trazer a Coimbra alguns dos de Maio de 1932, dias antes da de Lisboa, eArmandos Melody gante que vai suavizar muita inúmeros modelos que os seus vida amargurada, que vai mi- “ateliers” constantemente lanabertura, de dois importantes Band, de Coimbra. norar muita dor. Estavam aqui çam no mercado», e as «meeventos de caridade, que agireunidas mais de quinhentas lhores referências de todos ao taram a sociedade coimbrã. “Parada de elegâncias” Festas de elegância, como a «É uma grande parada de ele- pessoas. E são quinhentas pes- serviço óptimo, abundante, imprensa classificou, o “Baile gâncias, a grande parada da soas que vieram aqui passar a económico, fornecido pela afadas Rosas”de sábado e o desfile moda. Há rosas multicolores, noite, neste ambiente de ele- mada casa Café-Restaurante de moda e “Chá Dançante” de nas mesas, nos corredores, em gância, nesta festa garrida, e Santa Cruz». Congratulando-se com o sudomingo encheram de anima- todos os cantos deste confor- contribuir para o combate ao ção os espaços que dias depois tável Hospital-Sanatório de Ce- maior flagelo da humanidade, cesso destes dois dias festivos, começariam a receber as mu- las. E lá em baixo, no refeitório, contribuindo para o sustento e o jornal comunicou que «farlheres pobres do distrito de há “rosas” que dançam - lindas para a cura dos tuberculosos tos proventos foram arrecadados para acudir aos tuberCoimbra atingidas pela tuber- mulheres de Portugal, lindos pobres», aplaudia o jornal. As festas de pré-abertura do culosos pobres». M. S. culose pulmonar, a temível rostos, esbeltos corpos dos

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Fonte luminosa no Parque da Cidade 9/6/1932 Na edição de 9 de Junho de 1932, referindo-se à preparação das Festas da Rainha Santa, o Diário de Coimbra noticiou que tinha sido proposta ao presidente da Comissão de Turismo, Manuel Braga, a montagem de uma fonte luminosa no Parque da Cidade. «Número de grande sucesso e de surpreendente efeito, a fonte luminosa é, sem dúvida, um dos maiores atractivos actuais. Ultimamente, chamou milhares de forasteiros ao Palácio de Cristal, do Porto, onde funcionou durante a Exposição Internacional da Luz e do Som. A montagem dessa fonte luminosa, segundo as bases da proposta, é feita por conta dos seus proprietários. A sua instalação ocupa um espaço de seis metros de diâmetro e para o seu funcionamento necessita apenas de 300 litros de água. Trata-se, pelos vistos, de um número de grande sensação. Esperamos, por isso, que a proposta seja aceite», comentou o jornal.

Bilhete especial para viagens de comboio 17/6/1932 Numa local publicada a 17 de Junho de 1932, com o título “Excursões em caminho de ferro com itinerário escolhido pelo passageiro», chamava-se a atenção dos leitores para «o facto de existirem bilhetes a preços muito reduzidos para viagens de excursão individuais ou em grupo, interessando as linhas duma ou mais empresas ferroviárias». «Os preços destes bilhetes são efectivamente muito reduzidos em qualquer das classes e, além disso, muito cómodos, pois permitem um número ilimitado de paragens sem pagamento de qualquer importância, exigindo-se apenas ao passageiro que faça carimbar o seu bilhete em cada estação de paragem. Estes bilhetes devem ser requisitados com alguns dias de antecedência e na estação de início da viagem, em modelo especial de que consta um mapa em que o passageiro indicará o itinerário que deseja seguir», esclareceu o jornal.


02 | 29 AGO 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Arrifana atraía centenas com as afamadas águas termais 23/6/1932 O correspondente em Condeixa comunicava aos leitores do Diário de Coimbra a reabertura, no dia 24 de Junho de 1932, das «afamadas Águas d’Arrifana, conhecidíssimas há muitíssimos anos pelas suas belas qualidades terapêuticas», situadas «no ridente e agradável lugar de Arrifana, atravessado pela estrada nacional Lisboa Porto, a dois quilómetros desta vila, lugar, já hoje, bastante comercial e com belas casarias». No texto, publicado na véspera da abertura, lê-se que, apesar do estabelecimento termal se manter como «era há cem anos, sem higiene, sem conforto e sem limpeza, os doentes que ali vão procurar a cura para os seus males são às centenas, não indo mais por não conseguirem vez, devido ao reduzido número de banheiras». «Mas é pena. Se se juntassem meia dúzia de capitalistas e quisessem, podiam fazer dali uma bela estância balnear, tanto mais que as águas são magníficas, sobretudo para doenças de pele, e o sítio pitoresco», preconizava o autor.

Insubordinação de presos na cadeia comarcã 24/6/1932 Eram recorrentes os problemas na cadeia da comarca, localizada no centro da cidade, onde hoje está a esquadra da PSP. Com toque de silêncio às 21h30, duas horas depois «o carcereiro deu conta que havia reboliço na sala 5, onde estavam 22 homens». A notícia, que o Diário de Coimbra publicou a 24 de Junho de 1932, com o título “Insubordinação de presos”, adianta que o guarda «dirigiu-se lá com o filho» e «foram agredidos, como o tinham sido já dois presos que haviam procurado manter a ordem». Pedida a intervenção da polícia, os seis agentes foram «recebidos com vaias e apupos», mas «conseguiram impor o necessário respeito». «Apropósito: quando se acaba a cadeia nova e sai do centro da cidade aquela montureira, com aquele aspecto horrível para os turistas?», aproveitou o jornal para questionar.

1932 No Campo do Arnado fizeram-se melhoramentos para receber a “mais importante competição desportiva”, também desejada por outras cidades

relacionamento das duas cidades, com picardias aqui e ali em páginas de jornal, particularmente de «certa imprensa portuense». Por aqui também se escreveu, na véspera do jogo (edição de 16 de Julho), que o correspondente em Viseu de um jornal desportivo afirmara «alto e bom som, que no campo de foot-ball do Fontelo cabem pelo menos 56 mil pessoas». «E diz isto o articulista, para meter num “chinelo” o nosso Campo D.R. do Arnado. “Alguém”, ao pé de nós, afirmou-nos que, se o povo se pendurar pelas ribas acima, Após o empate o campo do Fon(4-4) a 3 de Julho, telo comportará o FC Porto venceu duzentas mil o Belenenses (2-1) pessoas. Como na finalíssima de comentário um 17 do mesmo mês nosso redactor afirmou: Se contarmos com o monte da Conchada, o foot-ball no Arnado pode ser presenciado por 300 mil», ironizou. Noutro tom, mais apaziguador e neutral, o jornal comprazia-se no dia do jogo com a justa escolha de Coimbra mas Final do Campeonato de Portugal de 1932 disputou-se em dois jogos no Campo do Arnado reconhecia o direito de Viseu a O Belenenses, porém, não «uma aspiração igualmente descanso na unidade hoteleira regulamento da “Federação existente em Vale de Canas, Portuguesa de Foot-ball”, a fi- aceitou jogar em Viseu e ga- justíssima, que bem pode servir onde o repórter do Diário de nalíssima seria de novo dispu- nhou por isso simpatias em de exemplo às vontades adorCoimbra se deparou com al- tada em Coimbra, a menos Coimbra, que assim viu confir- mecidas da nossa terra». O campeão nortenho prepaguns jogadores, «sentados a que ambos os clubes «con- mada pela Federação a data de uma mesa, jogando o “bridge”». cordassem em jogar noutra 17 de Julho no Campo do Ar- rou-se para o jogo de Coimbra A equipa do Porto, por sua vez, terra». Do FC Porto, constava nado, para bem do Sport Clube na Quinta das Vinhas, nos arque estaria inclinado por Vi- Conimbricense que ali fizera redores do Porto, e o Belenenficaria em estágio na Curia. No dia 3, domingo, a meio da seu, que se teria prontificado «importantes melhoramentos» ses ficou em estágio no Luso. tarde, cerca de 12 mil pessoas a «prestar todas as facilida- para mais comodidade do pú- Ao Campo do Arnado acorreassistiram a uma emotiva par- des», desde o «alojamento ab- blico, investindo numa «nova ram milhares de ruidosos tida que, apesar de prolongada solutamente gratuito a ambos bancada sobre a existente ban- adeptos, vindos sobretudo de por 30 minutos, «não conse- os “teams”, representantes da cada central, onde foram cons- Lisboa e Porto, e - registou o guiu indicar o novo campeão Federação, árbitro, etc., che- truídos 20 camarotes e uma repórter - de «vários pontos da gando mesmo a dispensar a boa bancada para a Imprensa». cidade, muito principalmente do “foot-ball” português». Alimentada por certos inte- do monte da Conchada, verO empate (4-4) adiou para percentagem do campo, que, 17 de Julho a decisão, e pelo por direito, lhe viria a caber». resses, a questão perturbou o dadeiros cachos humanos procuram melhor maneira de ver o desafio... à borla». Desta vez, o FC Porto mosUm estádio adequado à importância de Coimbra trou a superioridade em campo e deu-se como merecida a conO presidente da Federação nem do Norte, nem de Viseu de comodidade do Campo do quista da taça e do título de Portuguesa de Futebol nos e nem tão pouco da Federa- Arnado para a assistência e “Campeão de Portugal”, num anos de 1931 e 1932, Abílio La- ção, mas unicamente de si jogadores. O assunto gerou jogo que ganhou por 2-1, corgoas, homem ligado a Coim- própria. À semelhança do que debate e o próprio Abílio La- rectamente arbitrado pelo esbra, procurou “pôr água na fez Viseu, já alguém viu que as goas, «conimbricense entu- panhol Ramon Melcon. À noite, fervura” e numa carta ao di- nossas entidades oficiais te- siasta que não se cansa de lu- perante entusiasmada multidão rector do jornal, publicada a nham procurado dotar a tar pela defesa dos interesses que assistia aos festejos no Par13 de Julho, apelava à «neu- nossa cidade com um campo de Coimbra», viria a convocar que da Cidade, «foram entretralidade e hospitalidade» da de jogos correspondente à sua para 27 de Julho uma reunião, gues as taças “Nally” e “João cidade para bem receber os categoria e à sua situação geo- na Associação Comercial, que Anjos”» ao FC Porto, que assim, clubes que aqui iriam dispu- gráfica? Creio que não», criti- aprovaria «por aclamação a pela terceira vez no seu historial, tar a final do Campeonato de cou, na mesma linha que o ideia da construção de um es- «logrou conquistar os direitos Portugal. «Coimbra não tem jornal já apontara, reconhe- tádio» compatível «com a im- de posse do título máximo do foot-ball português». M. S. que se queixar de ninguém; cendo as insuficiências e a falta portância da nossa terra».

FINAL DO CAMPEONATO DE PORTUGAL FEZ VER A FALTA DE UM ESTÁDIO

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campo do Sport Clube Conimbricense no Arnado foi palco da final do Campeonato de Portugal (competição futebolística anterior à Taça de Portugal) disputada em duas mãos, a 3 e a 17 de Julho de 1932, pelo FC Porto e Belenenses, jogos que trouxeram a Coimbra milhares de adeptos de todo o país. Demarcando-se de favoritismos, o jornal destacou a honra para Coimbra de «ser a cidade escolhida para o encontro, decerto a mais importante competição desportiva que se realiza no nosso país». Num artigo publicado dias antes, a 30 de Junho, dava-se conta do interesse e dos esforços de «outras cidades para que este “match” sensacional se realizasse adentro das suas portas». «Não queremos discutir os direitos que cada uma defende, nem as vantagens que oferecem. Lembramos apenas que Coimbra é a terceira cidade do país, tem uma situação geográfica única, para o caso, com redes de comunicação como poucas terras, servida por todas as espécies de transportes. Quase a meio caminho das duas cidades mais importantes do país, donde provêm os dois grupos que se vão defrontar, foi bem escolhida, e estamos seguros que nenhuma outra forneceria as vantagens de peso que esta linda terra fornece», justificava. No entanto, advertia o jornal, era necessário que a Comissão de Turismo, a Câmara, a Associação Comercial, etc., se interessassem por «criar em Coimbra um grande campo de jogos que consiga impor-se aos dirigentes do desporto nacional, como campo preferido para as grandes competições a realizar no país». O plantel do Belenenses viajou para Coimbra no comboio rápido, seguindo para estágio e


02 | 05 SET 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Acabe-se com a sovinice da falta de sabonete nos hotéis 29/6/1932 O Diário de Coimbra apontou a 29 de Junho de 1932 uma “deficiência injustificável”observada em muitos estabelecimentos de hotelaria do país. «É do conhecimento de todos quantos viajam e têm de utilizar-se dos hotéis, o aborrecimento que os invade ao quererem-se lavar e não encontram um sabonete. Porquê um tal desleixo? É com o receio de que o hóspede meta o sabonete na mala? Só por garotice se pode admitir uma tal hipótese. E os hotéis, em geral, são frequentados por pessoas decentes e educadas. E, mesmo que assim suceda uma ou outra vez, o prejuízo não será de tanta monta que não possa ser compensado na diária», escreveu o jornal, pedindo aos empresários do sector que acabassem «com tal deficiência, que traduz sovinice, quando é certo que o hóspede tudo paga». «Seria interessante que Coimbra rompesse com o retrógado hábito, sem justificação plausível, para que o exemplo tivesse repercussão por todos os hotéis e pensões do país. O hóspede nem sempre se lembra da mísera lacuna, e por isso fica contrariado e aborrecido com o facto», rematou.

“Nobre atitude” dos barbeiros de Coimbra 2/7/1932O jornal aplaudiu, na edição de 2 de Julho de 1932, a «nobre atitude dos oficiais de barbeiro e cabeleireiro» que, reunidos na sua associação de classe para apreciar «a petição dos patrões para conseguirem horas extraordinárias de trabalho durante as Festas da Rainha Santa», horas essas que por lei seriam «pagas a dobrar», decidiram solicitar ao governador civil de Coimbra que providenciasse no sentido de ser pedida aos estabelecimentos «uma nota do pessoal existente, assim como das horas suplementares que fizerem», para que essa remuneração fosse entregue directamente ao representante do Governo no distrito, a fim de reverter «em benefício das casas de caridade».

24/6/1932 O povo e a Academia de Coimbra acolheram festivamente a visita de Leopoldina Belo, a “Rainha da Colónia Portuguesa do Brasil”

UMA GRANDIOSA RECEPÇÃO À “EMBAIXATRIZ DA SAUDADE” DOS PORTUGUESES NO BRASIL

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ma multidão entusiasmada aguardava em Coimbra, ao meio-dia de 24 de Junho de 1932, sexta-feira, a chegada à Estação Nova, vinda de Lisboa no “rápido” da manhã, da “Rainha da Colónia Portuguesa do Brasil”. Leopoldina Belo, assim se chamava a «figurinha gentil, de grandes olhos, negros e tentadores», eleita pela «beleza peregrina e pelo seu porte moral» para representar a vasta comunidade emigrante que labutava em “terras de Santa Cruz”, num concurso promovido pelo jornal Pátria Portuguesa, desembarcara dias antes em Lisboa, após longa travessia do oceano no paquete “Niassa”, onde foi homenageada com «grandes festas populares» no Parque Mayer, para fins beneficentes. Na viagem a Portugal, acompanhada nesta “excursão de saudade”por destacados representantes da emigração lusa no Brasil, a jovem, com ligações familiares a Viseu, encantou e deixou-se encantar por Coimbra, que se engalanou para a receber calorosamente, graças sobretudo aos «denodados esforços despendidos pela direcção da Orfeon Académico». Na estação ferroviária, se-

D.R.

momento «comovedor: ao descer do estrado do salão nobre, D. Leopoldina Belo foi abraçada por uma velhinha, de cabelos brancos e lágrimas nos olhos. Trocaram algumas palavras. E a formosa senhora Após a recepção em consolou a veCoimbra, Leopoldina lhinha – que lhe Belo passou alguns perguntou pelo dias na Bairrada , seu filhinho, que hospedada no Palace Hotel da Curia anda perdido pelos Brasis...». Ao descer a escadaria dos Paços do Concelho, como acontecera ao subi-la, os académicos «estenderam as suas capas» e «Leopoldina BeO jornal registou o entusiasmo da visita a Coimbra lo, passando sobre as capas gundo a reportagem publicada poldina Belo a custo conseguiu negras, distribuía cravos e sorpelo Diário de Coimbra na edi- desembarcar com a sua comi- risos, enquanto recebia saudação de dia 26, esperavam a tiva». «A formosa embaixatriz ções de todos». Da Praça 8 de Maio seguiram “Rainha da Colónia Portuguesa da saudade tomou lugar num do Brasil” «alguns milhares de carro, organizando-se, então, para a Rua Larga, na Alta, em pessoas, que se comprimiam um extenso cortejo», em direc- visita (com sessão solene) àAsnas gares e no largo fronteiro e ção à Câmara Municipal. Ali, sociação Académica. Depois, onde sobressaíam as capas ne- na sessão de boas-vindas, com nos salões do Orfeon Acadégras», e quando o comboio ali o salão nobre repleto, a home- mico, teve lugar uma festa em deu entrada «uma banda exe- nageada agradeceu as aclama- honra da beleza feminina e da cutou o hino académico e su- ções e os discursos. «Coberta colónia portuguesa, que tão biram ao ar algumas girândo- por uma capa negra, saudou a bem acolhera anos antes, colas de foguetes». «O entusias- cidade de Coimbra, o povo e mo recordou o regente, Ramo, então, atingiu o delírio. Su- os estudantes da nossa terra. O poso Marques, o coro estudancediam-se as revoadas de pal- seu improviso é brilhante. Co- til numa viagem ao Brasil. A “rainha” dos emigrantes mas e os “vivas”. Os estudantes move e enternece», anotou o agitavam as suas capas. D. Leo- repórter, registando ainda um passeou ao final da tarde na

«estância de turismo e altitude de Vale de Canas» e visitou o Convento da Rainha Santa. Para a noite estava reservado um dos momentos altos do programa: um “grande arraial português”no Coliseu de Santa Clara, onde «o povo de Coimbra acorreu em massa». «O vasto redondel apresentava um aspecto verdadeiramente feérico. As decorações dispostas a primor formavam um conjunto de bom gosto com as milhares de lâmpadas distribuídas profusamente». O jornalista do Diário de Coimbra relatou também que «uma salva de palmas revoou prolongadamente» à entrada da homenageada, que do seu camarote «distribuiu sorrisos de comovido agradecimento». Abriu o espectáculo o Orfeon Académico, com «alguns trechos genuinamente portugueses», seguiram-se fados e a fechar apresentou as suas danças o rancho de Santana, da Figueira da Foz. Hospedada no Hotel Astória, Leopoldina Belo percorreu no sábado de manhã «alguns dos pontos mais interessantes da cidade». «Demorou-se nas Quintas das Lágrimas e das Canas (Lapa dos Esteios).Aseguir, fez o percurso da Volta da Conraria. Visitou o Penedo da Saudade e, por último, o Hospital-Sanatório de Celas», noticiou o jornal.Após o almoço, e antes de seguir para a Curia, esteve ainda no Hospital-Sanatório da Colónia Portuguesa do Brasil (Covões), concluindo-se assim a recepção da cidade de Coimbra «à senhora escolhida pelos portugueses do Brasil distante, para, em nome deles, vir trazer ao torrão pátrio um beijo de saudade». M. S.

Jornal estreou “placard” em Castanheira de Pera 24/6/1932 Para vincar a sua presença em Castanheira de Pera o Diário de Coimbra inaugurou no dia 24 de Junho de 1932 um “placard”no centro da vila, onde eram afixadas informações importantes que o correspondente do jornal, José Bebiano Correia, se comprometia a actualizar na hora. Para Castanheira de Pera seguiu o director do jornal, José de Sousa Varela, acompanhado do redactor Abílio Fernandes,

que foram recebidos calorosamente pelas forças vivas locais. No dia 26, na reportagem do evento, frisava-se no texto que o Diário de Coimbra continuava a «desenvolver o seu programa regionalista através de todas as terras das Beiras, como se impôs desde a sua fundação em 24 de Maio de 1930», e «fiel a esse programa, procura interessar-se por tudo quanto diga respeito a essas terras, procurando servi-las com

A inauguração do “placard” do Diário de Coimbra

a sua melhor abnegação e a sua mais decidida boa vontade». A expansão regional do Diário de Coimbra era um desiderato que chegava agora a Castanheira de Pera, importante centro industrial têxtil e terra natal de Bissaya Barreto. Ainauguração festiva do “placard”, instalado «por gentil deferência do nosso amigo Manuel Nascimento na parede do seu importante estabelecimento comercial», contou com a

presença das mais destacadas personalidades do concelho. «O Diário de Coimbra, ao inaugurar o seu “placard” na importante vila de Castanheira de Pera, faz os mais sinceros votos pelos progressos sempre crescentes desta terra industrial e trabalhadora, como nenhuma outra», escreveu o director do jornal, estreando assim o expositor informativo que passava a estar ao dispor da população.


02 | 12 SET 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Artista de circo queria escalar a Sé Velha

30/7/1932 A Companhia de Circo American Soud apresentou-se em Coimbra com grande sucesso, em dois espectáculos no Coliseu de Santa Clara, nos dias 29 e 31 de Julho de 1932. Um dos seus artistas, o “acrobata aéreo” português António de Sousa, «que tanto sucesso tem alcançado, em várias localidades, com os seus arriscados exercícios, faz uma escalada, amanhã, domingo, pelas 18 horas, ao Templo da Sé Velha, executando arrojados exercícios de equilíbrio sobre uma das torres», noticiou o Diário de Coimbra a 30 de Julho. O local da exibição seria no entanto alterado, comunicando o jornal no dia seguinte, numa local intitulada “O Homem sem medo”, que este iria afinal apresentar o seu «magistral trabalho escalando a chaminé da Central Eléctrica, na Rua da Alegria». «O público conimbricense vai ter o ensejo de apreciar a escalada que este artista consegue fazer sem auxílio de cordas ou redes. Este trabalho deve ser filmado para a organização duma fita intitulada “Homens arrojados”», acrescentava a notícia.

Fontanário do Cais deixava animais à sede 10/7/1932 O colaborador do jornal na Figueira da Foz insurgiu-se, na edição de 10 de Julho de 1932, contra o facto de a água no fontanário do Cais ser fechada às 16h00. «Daí por diante, os animais de tiro que não têm em toda a cidade onde dessedentar-se senão ali, morrem à sede. E isto nestes dias de canícula brutal e conduzindo por vezes elevadas cargas é outro tanto! Porque se não poupa ao citadino esta nota bárbara de desumanidade fechando um pouco mais tarde o aludido fontanário, aí pelas 18 horas pelo menos?», questionava.

1932 O uso de recipientes para recolha do lixo tardava em generalizar-se e havia muitos prédios sem retretes. Falta de higiene citadina justificava preocupações

PIA AO FUNDO DAS ESCADAS PARA DESPEJAR DEJECTOS DE TODOS OS MORADORES

A

falta de condições de higiene em muitas habitações, bairros e arruamentos de Coimbra mereceu amiúde, nove décadas atrás, chamadas de atenção nas páginas deste jornal. Com poucos dias de intervalo, em meados de 1932, dois artigos do Diário de Coimbra pediam a intervenção das autoridades de saúde e sensibilizavam os cidadãos para alterarem hábitos, de forma a evitar a proliferação de doenças, como a tuberculose, causadoras de milhares de mortes prematuras. No dia 28 de Junho, insistia-se que a população citadina usasse os recipientes de recolha do lixo que a Câmara Municipal de Coimbra passara recentemente a disponibilizar. «Temos aqui dito inúmeras vezes que é indispensável o uso dos recipientes por todos os habitantes, para que desapareça o lixo das ruas. E não há forma de se darem providências, ape-

D.R.

souberam ser previdentes, cavando por suas próprias mãos a ruína da preciosa saúde», observava o jornal, confiando que, tal como no adágio “água mole em pedra dura, tanto baEm 1930 a Câmara te até que fura”, a de Coimbra decidiu recorrência ao que os lixos doméstema, embora a ticos passariam a ser despejados em muitos parecenrecipiente próprio do maçadora, haveria de dar resultados futuros, e assim o Diário de Coimbra cumpria «um dever, como órgão jornalista da cidade que deve pugnar pelo seu progresso, Recolha de lixo teve o alheamento inicial de muitos cidadãos bem estar dos seus habitantes, sar de todas as facilidades fa- para a perfeição e conservação pelo seu bom nome». «Mais uma vez repetimos, e cultadas pela nossa Câmara. de saúde, sentem-se bem na Grande parte da população não imundície, até que a doença oxalá seja a última. Torne-se obtem a menor noção do que seja lhes mine e corroa o organis- rigatório o uso do recipiente, higiene, não acredita, até, na mo. E só então se lembram de para que o lixo e possivelmente existência de micróbios, para “Santa Bárbara”, porque senti- enxames de micróbios não seque voluntária e cuidadosa- ram a trovoada iminente. Cor- jam atirados para a via pública. mente seja limpa. E, como não rem para os médicos, para os Lavem-se as ruas amiudadas há ninguém que a force a cum- dispensários e para o banco do vezes, e façam-se caiar as casas prir tão necessário preceito hospital, aflitos, porque não interna e externamente. Se a

inspecção de saúde quiser cumprir com os seus deveres, como urge que cumpra, muito tem que fazer em benefício da Humanidade, em constante perigo com o contágio de perniciosas doenças», rematava. Na edição de 5 de Julho de 1932 voltava a questionar-se a higiene citadina, apontando especificamente a falta de retretes em muitas habitações, uma «suprema vergonha, imprópria duma cidade que ocupa lugar de destaque pelo elevado grau de instrução, pelas suas privilegiadas condições de turismo». «Fazem dó esses rostos pálidos e emagrecidos que de manhã se vêem sair de casas sem ar e sem luz, muitíssimas com uma única abertura por onde entram os habitantes! Com a agravante, ainda, de haver por aí muitos prédios de diferentes andares que não possuem retretes, mas apenas uma pia ao fundo da escada para despejo dos dejectos de todos os habitantes. A Inspecção Sanitária tem de fazer uma minuciosa vistoria a todos os prédios antigos e obrigar os senhorios a cumprir o que a higiene e saúde dos inquilinos exigem. Montagem de retretes e caiações constantes. Se é que queremos ter uma população sadia, apta para a vida e para o engrandecimento do país. De contrário, não haverá sanatórios possíveis, para acolher a população tuberculizada», avisava. M.S.

Uma rua em “estado de sítio” na Alta de Coimbra 30/7/1932 Aestória, que teve lugar na Rua dos Anjos, na Alta antiga de Coimbra, faz sorrir pelo modo picaresco como foi contada neste jornal, na primeira página da edição de 30 de Julho de 1932. Vale a pena, por isso, recuperá-la neste espaço com transcrição integral, sem alterar forma e estilo: «O caso - um banal caso de sonambulismo - não teria importância de maior se não fosse o “quid pro quo» que ele sugeriu, e do qual resultou uma rua em estado de sítio, às 3 horas da madrugada... Vejamos como se passaram os factos. Num rés-do-chão da Rua dos Anjos, no coração do bairro alto da cidade, vive

uma família composta de uma senhora, dois filhos e uma filha. Ora uma destas madrugadas, um dos pequenos - o mais novo -, que pelos vistos é muito atreito a ataques de sonambulismo, levantou-se da cama onde dormia, deixou o seu quarto, passou pelo quarto da sua irmã, que dormia a sono solto, e abrindo uma janela que deita para a rua galgou-a muito descansadamente, estatelando-se na calçada. Aqui, claro está, acordou. E vá de matutar no sentido de descobrir a origem de tão crítica situação. Porém, como não a achasse, de pronto, entendeu por bem procurar a

melhor maneira de entrar novamente em casa. E, naturalmente, bateu à porta. Uma, duas, três, quatro vezes, consecutivas vezes, mas nada! Sua família, descansadamente entregue nos braços de Morfeu, não dava sinal... de ouvido. Então, o nosso herói tratou de repetir a façanha, mas em sentido inverso. Isto é: tratou de penetrar novamente em casa, por onde involuntariamente saíra: pela janela. E deitando as mãos ao peitoril, que se encontra separado do solo por pouco mais de um metro, procurou elevar-se. Porém, sua irmã, que dormia nesse mesmo quarto e que não conseguira despertar

ao som das repetidas pancadas dadas na porta pelo seu irmão, acordou no momento preciso em que duas mãos se firmavam no peitoril, buscando um indispensável apoio. À vista de tal, julgando-se vítima dum terrificante assalto, soltou dois gritos agudíssimos que se repercutiram nos ouvidos dos moradores daquela pacata rua. Aos gritos da filha, gritou a mãe, e aos gritos de ambas, para não desmanchar o conjunto, resolveu gritar, também, o filho mais velho. Foi um sarilho. O miúdo deixou-se cair do peitoril da janela, estatelando-se novamente no solo; todas as janelas se abriram, deixando

assomar os seus habitantes, terrificados por tão alarmantes gritos; e até um polícia, que nas proximidades pacatamente fazia o giro, interveio, dando em resultado, daí por momentos a rua encontrar-se pejada de gente, indagando dos acontecimentos. É claro que tudo se veio a esclarecer. O miúdo voltou a deitar-se na sua caminha, as janelas voltaram a fechar-se, o polícia voltou a retomar o seu giro, e daí por um pouco a rua voltava, também, à sua pacatez habitual. E aí está como um insignificante caso de sonambulismo põe uma rua em estado de sítio, às 3 horas da madrugada...»


02 | 19 SET 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Povo arrombou a porta da torre e tocou os sinos 15/7/1932 Na edição de 15 de Julho de 1932 foi notícia a indignação da população da Moita, arredores de Anadia, devido à atitude do pároco, José Maria Ribau, que «recusou terminantemente» acompanhar ao cemitério uma mulher que acabara de falecer, justificando-se com o «facto da pobre velhota ter vivido maritalmente com o patrão», um «velho decrépito» de quem fora servente «durante muitos anos». «O povo do lugar sabia que o procedimento do padre era injusto. E daí, foi em massa pedir-lhe que deixasse, ao menos, que os sinos da igreja paroquial dobrassem a finados. Como o reverendo também se opusesse a tal desejo, insultando, ainda, aqueles que o procuravam, o povo arrombou a porta da torre e tocou os sinos, como é costume velho. O padre entendeu, porém, que tal atitude o feria na sua dignidade eclesiástica e dirigiu-se às autoridades de Anadia, mandando interditar, ao mesmo tempo, a igreja. Escusado será dizer que a atitude do reverendo revoltou o povo de toda a região da Bairrada», informou o jornal.

Um gabinete para Imprensa em instalações da Polícia 24/7/1932 «Ao que nos informam, o senhor comandante da P.S.P., o nosso prezado amigo tenente Sérgio Vieira, está nos desejos de instalar, nas dependências da Polícia de Segurança Pública, um gabinete destinado aos jornalistas, para o bom desempenho da sua missão profissional», noticiou o Diário de Coimbra na edição de 24 de Julho de 1932, comentando que «tal medida, a ser posta em prática, só acarretará louvores ao seu realizador». «Oxalá se confirmem as nossas informações, pois tal falta há muito se faz sentir, no edifício do Governo Civil. Apelamos para o bom critério do ilustre comandante da Polícia, na certeza de que S. Ex.ª transformará numa realidade, dentro em breve, esta justa e velha aspiração dos trabalhadores da Imprensa», concluía o texto.

1931 O Diário de Coimbra insistiu na necessidade de encontrar solução para que o sistema de saneamento escoasse devidamente a água das chuvas

ENXURRADAS INUNDAVAM A BAIXA DE COIMBRA E REDE DE ESGOTOS NÃO DAVA VAZÃO

N

ão só por efeito das cheias do Mondego, hoje felizmente controladas, mas também das enxurradas em dias de precipitação invulgar, a zona baixa de Coimbra tem sido desde há muito flagelada por inundações como a que vimos esta semana. Encontramos nas páginas deste jornal, nove décadas atrás, várias notícias sobre os efeitos do mau tempo na Baixa de Coimbra, para onde confluíam as águas das chuvas que desciam a colina da Alta e ali se acumulavam, sem que o sistema de saneamento fosse capaz de lhes dar vazão. Na edição de 12 de Outubro de 1930, o Diário de Coimbra exortava a autoridade municipal a providenciar uma solução para o escoamento das águas pluviais, evitando as inundações da via pública. «Durante a tarde de ontem choveu torrencialmente em Coimbra. A cidade baixa, mais uma vez, em algumas das suas ruas, ficou inundada. Estamos com o Inverno à porta e nada se fez para evitar que as águas da chuva

D.R.

baixa, produziram-se grandes inundações, a ponto de algumas casas permanecerem durante largo tempo imerNa Rua Direita, uma gidas em água. das mais sacrificaNa Avenida Sá das, moradores ficavam bloqueados da Bandeira, as “uma série intermiáguas não só danável de horas” nificaram os trabalhos, a que ali se anda a proceder, como arrastaram em grande quantidade as areias e matérias que ali estavam para esse fim. Também a Praça da República, apePraça 8 de Maio e ruas da Baixa sofriam frequentes inundações sar de localizada na parte alta causem as costumadas inun- gotos, mas volvidos tantos da cidade, esteve bastante dações. Os habitantes da Baixa, anos, não se compreende que inundada, tendo o trânsito por durante algumas horas, ficaram o sistema de canalização não ali estado interrompido por alprivados de sair de casa. Não tenha sido modificado de gum tempo. Ambas as corpoestá certo que assim aconteça. forma a evitar que se continue rações dos bombeiros desta cidade prestaram relevantes serÉ necessário que se tomem na mesma». Dias depois, a 17 de Outubro, viços», registou. providências», pediu o jornal. No ano seguinte, por exemO artigo recordava que «há noticiou o Diário de Coimbra vinte anos era vulgar, todos os que na tarde anterior pairara plo a 8 de Novembro, comeninvernos, ver as ruas navegá- sobre a cidade «um forte tem- tava-se: «Raro é o ano que não veis. E assim, quase Veneza pelo poral, tendo chovido torrencial- temos de lamentar o estado de aspecto que ofereciam com as mente durante largo tempo». abandono a que foram lançabarcas serranas passando se- «Em virtude da enorme abun- dos os esgotos da parte baixa renamente como gôndolas, po- dância de água que dos pontos da cidade, o que dá origem a dia-se desculpar a invasão das altos da cidade corria em tor- várias inundações, nas ruas águas pela deficiência dos es- rentes caudalosas para a parte mais concorridas do bairro, na

época que vai correndo». «O facto representa um prejuízo grande para o comércio nelas estabelecido e constitui um perigo enorme para a população, atendendo a que, após as enxurradas, as ruas ficam pejadas de montões de dejectos que exalam um cheiro pestilencial, o que é um perigo para a saúde pública», alertava o jornal, repetindo que «quando acerta de chover com certa intensidade, ainda que não seja exageradamente, certas ruas da Baixa transformam-se em autênticos charcos, e uma das ruas mais sacrificadas é a Rua Direita, cujos moradores chegam a ficar bloqueados durante uma série interminável de horas». No dia 17 de Novembro insistia-se na necessidade de solucionar a «rede de esgotos insuficiente e deficiente», lembrando que «os colectores, não dando vazão às águas, rebentam em diversos pontos, abrindo fendas enormes nos pavimentos das ruas que, passadas as enxurradas, ficam totalmente cobertos de toda a sorte de imundície». No dia 12 de Fevereiro de 1932, lamentava-se o «autêntico lamaçal» em que a chuva tinha transformado as ruas, dando «origem a que se registassem algumas quedas, felizmente sem gravidade de maior». «Aqui, na Rua de Quebra Costas [onde o jornal teve a primeira sede], caíram quase simultaneamente duas senhoras, não tendo sofrido nada além do susto e um rasgão nos vestidos», apontou o repórter. M.S.

Uma “serralharia” debaixo do sobrado da cadeia... 30/7/1932

A Cadeia de Santa Cruz, que funcionou outrora, em vergonhosas e precárias condições, no edifício que hoje alberga a esquadra policial na Baixa de Coimbra, era excelente fornecedora de matéria para notícias e crónicas do jornal. Na edição de 30 de Julho de 1932 o Diário de Coimbra relatou mais um caso, desta vez sobre um «perigoso gatuno» - «um tal José Fonseca Mita, ladrão de largo cadastro» - que guardava, «sob o sobrado» da prisão, «as “ferramentas”que devia empregar na sua tentativa de fuga».

O texto começava por esclarecer que «desde há muito que alguns dos presos se queixavam ao sr. José Vizeu – o carcereiro – que lhes faltavam os seus pecúlios, arrecadados nas suas malas – única mobília que acompanha aqueles farrapos humanos», informando depois que, no dia anterior, «os únicos oito tostões que eram as derradeiras migalhas dum prisioneiro evaporaram-se, escandalosamente, duma malita hermeticamente fechada...» «Apresentada, de novo, a respectiva queixa, carcereiro e alguns dos presos – que ali se en-

D.R.

A antiga Cadeia de Santa Cruz, onde hoje está a PSP

contram por meras futilidades, portanto, incapazes de serem cúmplices em infâmias deste

jaez – puseram-se em campo, vindo a descobrir que o gatuno era o Mita. Feita a necessária busca aos “haveres” de tão conspícuo companheiro, foi-lhe descoberta uma gazua de arame, frágil, quase incapaz para fazer abrir a mais insignificante fechadura». Admitindo que «o bom artista trabalha com qualquer ferramenta», o autor do texto ressalvou que o caso não ficaria por ali. «A instâncias de alguns presos o sr. José Vizeu levantou uma das tábuas do quarto do temível bandido, deparando-se-lhe, então, à vista, uma ver-

dadeira “serralharia”! Ferros de diversas qualidades e feitios, improvisadas chaves, aptas a abrir as portas de maior segurança, conforme se provou com a experiência feita em todas as portas que, do quarto do criminoso, nos conduzem à rua. São oito os ferros que estavam guardados para desempenharem os mais “importantes”papéis em dia e hora a marcar pelo seu proprietário...», anotou o redactor, observando que tais “ferramentas”, embora rudes, «dariam tão boa conta do “trabalhinho”que difícil seria descobrir vestígio algum».


02 | 26 SET 2021 | DOMINGO

DiáriodeCoimbra

Diário de Coimbra Memórias Câmara desafiada a retomar banhos da Misericórdia 9/8/1932 Há 90 anos, nos alojamentos dos bairros mais antigos e pobres da cidade era comum a falta de condições sanitárias, vendo-se os moradores – os que tinham preocupações de higiene – obrigados a recorrer a balneários públicos da Misericórdia e Hospital da Universidade, a troco de modesto pagamento. Em 1932, a Santa Casa da Misericórdia fechou o balneário, que tencionava arrendar, aproveitando o Diário de Coimbra para sugerir à Câmara que tomasse conta do espaço de forma a retomar os banhos públicos.A9 deAgosto de 1932, o jornal apontou a falta que fazia à população o antigo balneário, «especialmente na quadra cálida que atravessamos, tão intensíssimo tem sido nos últimos dias o tórrido calor». «As barracas do rio, esses populares e acessíveis banhos, desapareceram; e o povo pouco endinheirado que deles se utilizava para se lavar e refrescar, está inibido de o fazer, porque o único balneário da cidade, o do Hospital da Universidade, não é compatível com as magras bolsas que mal podem prover ao pão cotidiano», considerou. O articulista lembrou que «o balneário da Misericórdia, pela sua situação e pelos módicos preços, bons serviços prestava a população citadina» e observou que «pô-los a funcionar, sem demora, é ser útil à humanidade, beneficiando-lhe a saúde, e é um bom acto administrativo, visto que a Misericórdia alguns lucros deve auferir, e de que muito carece para o desempenho da importante função que lhe está atribuída, ou seja velar pelos órfãos e mais pobreza». «Parecia-nos conveniente que a nossa Câmara assumisse o arrendamento do balneário da Misericórdia para melhor garantia da sua existência e permanência. E estamos convencidos que em nada seriam afectadas as suas receitas, pois que o balneário deveria ganhar para as suas despesas, carecendo que os banhos sejam fornecidos a preços módicos para que possam ser bem concorridos», defendeu.

7/8/1932 Enquanto a desejada piscina não chegava, a unidade fabril da Casa do Sal aceitou o repto e disponibilizou o enorme tanque. Mas houve polémica

FÁBRICA DE CURTUMES ABRIU AO PÚBLICO “PISCINA” PARA A CIDADE SE REFRESCAR

“Mosquitos por cordas” e uma “Maria da Fonte” em Vila Verde

FIGUEIREDO

reservatório de água, donde por meio de tubos de pressão e descarga, a mesma água é fornecida para os pequenos A 9/9/1931 o nosso tanques de lavajornal noticiou que gem de couros, Coimbra iria ser doque se encontada de uma piscina, mas a ideia tardou tram num plano a concretizar-se inferior a mais de 100 metros». «A água é captada a 600 metros, com uma elevação de 60 metros; a bomba elevatória está instalada em recinto próprio; a água é captada abaixo da areia 6 metros. Esta obra deve-se aos srs. engenheiros Abel Urbano e Capucho e é considerada justamente como a primeira instalação no género no distrito de Coimbra», Hoje em ruínas, a Fábrica de Curtumes, na Casa do Sal, esteve há 89 anos no centro de polémica acrescentava-se. Tomaram-se posições a faalvitre foi lançado dado construir pelos proprie- simo e desinteressado dos neste jornal na edi- tários da Fábrica de Curtumes, proprietários da referida fá- vor e contra a “piscina”. Vários ção de 7 de Agosto na Casa do Sal, «para abastecer brica, Coimbra fica possuindo utilizadores apelaram à reaberde 1932. A canícula não dava a sua indústria, é cheio com uma boa piscina, onde, por um tura, argumentando em carta tréguas e os termómetros re- água do rio, por meio de uma preço módico – apenas 1$50 – ao jornal que os banhos no rio gistavam por esses dias tem- máquina eléctrica de apetre- todas as pessoas podem refres- Mondego eram bem mais perigosos, com muita gente sem peraturas de «38 graus à som- chamento moderno, tendo im- car o corpo», noticiou. No entanto, não seria isenta saber nadar e águas cheias de bra e 64 graus ao sol», deses- portado a sua construção em de celeuma a coexistência da «lodo e dejectos». perando os cidadãos em busca quase cem contos de réis». As autoridades sanitárias foUma piscina onde os conim- prática da natação e banhos de um refúgio para escapar à bricenses pudessem refrescar- com o funcionamento pleno de ram instadas a pronunciar-se vaga de calor. A «convite de um amigo» e -se e praticar natação era um uma fábrica de tratamento de e a visita ao local do delegado na companhia do professor anseio de que o jornal já tinha couros, indústria por natureza de saúde concelhio, o médico Mário Silva, de Eduardo Silva feito eco variadas vezes.Apesar nada limpa. Ao médico e oftal- Luís Morna, e de outras «pesPereira e Abílio Lagoas (presi- de estudos de localização, junto mologista Júlio Machado fez soas competentes», abrandou dente da Federação de Futebol), ao hospital ou no Choupal, tar- espécie esta situação e, em ar- a polémica. «Foram de opinião o Diário de Coimbra visitou o dava no entanto a concretizar- tigo na Gazeta de Coimbra, que o tanque da Fábrica de «tanque soberbo» que a Fá- -se, pelo que a ideia de adaptar questionou se não estaria em Curtumes, com certas modifibrica de Curtumes instalara por o tanque da fábrica para pis- perigo a saúde pública. Admi- cações, se transformaria numa detrás do cemitério da Con- cina, durante o Verão, pareceu tiria depois, em carta publicada piscina autêntica e esplêndida chada. «Ficámos encantados bem e seria aceite não apenas no nosso jornal, que há muito e que se lhes afigurava que necom aquele tanque esplêndido, pelos proprietários como bem tempo não visitava o local nem nhum mal resultava para a conhecia o tanque da fábrica. saúde de cada um tomandode 28 m de comprido por 14 de acolhida por parte da cidade. Porém, a polémica estava -se banho ali, desde que a água A 11 de Agosto, o jornal colargo e 2 de alto e que, com umas inovações que todos in- municou que tinha começado criada e a gerência da fábrica, fosse renovada, como o foi dicamos, daria uma piscina, «a funcionar, com êxito, a nova para evitar transtornos, optou sempre e continuará sendo», que serviria maravilhosamente piscina de Coimbra». «Já on- a 14 de Agosto por encerrar o informou o jornal. A “piscina” na Casa do Sal àqueles que, não podendo ir tem ao grande tanque da Fá- tanque a banhos, até decisão reabriu a 27 de Agosto e no dia para as praias ou termas, ali po- brica de Curtumes, que está a das autoridades de saúde. Tranquilizando os utilizado- 30 noticiou-se que ia crescenderiam ir matar uma sede de passar pelas necessárias obras água, nestes dias calmosos que de adaptação, muitíssimas res, explicou-se no jornal que do o número de utilizadores, passam», relatou o repórter, es- pessoas se foram banhar. E as- o tanque tinha sido «cons- com «182 banhos no domingo clarecendo que o tanque, man- sim, graças ao gesto gentilís- truído propositadamente para e 117 ontem». M. S.

O

2/7/1932Com o título “Aldeia em estado de sítio”, o jornalista do Diário de Coimbra na Figueira da Foz informou que «no vizinho lugar de Vila Verde houve mosquitos por cordas, pancadaria, tiros, gritos, pedradas, imprecações, entre vizinhos mal-avindos por motivos fúteis, exacerbados pelo linguado incontinente do mulherio bisbilhoteiro». «Uma autêntica cena das guerrilhas e tumultos minhotos de 1846, a que não faltou, sequer, uma Maria da Fonte, personificada por um contendor, de saias, para dar ao quadro maior expressão de realismo histórico», assim descreveu, na edição de 2 de Julho de 1932, o alvoroço que na véspera tinha inquietado a povoação de Vila Verde. O relato dava conta de que «da refrega saíram feridos, nenhuns deles com gravidade, Augusto Costa, casado, de 27 anos, que recebeu uma carga de chumbo de arma caçadeira numa coxa; Carminda Costa, que depois de ter feito estragos no próximo brandindo uma estriga de cordas em perigosos sarilhos do jogo de pau acabou por cair gloriosamente no campo da luta, banhada em sangue, atingida por uma paulada: e Manuel Amaro com uma ferida contusa na cabeça». Todos eles foram «pensados no Hospital da Misericórdia, ficando apenas o Augusto Costa internado». «José de Bastos, que é o marido da “Maria da Fonte” e um dos guerrilheiros que mais se distinguiu na contenda, deu entrada na cadeia por ter alterado as regras do jogo fazendo uso da arma caçadeira em vez do marmeleiro - como se pudesse atirar aos coelhos em pleno regime do defeso. Do caso foi dado conhecimento às autoridades», completava a notícia.


02 | 03 OUT 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Do aplauso às críticas na remodelação da Praça Velha 22/4/1932 O jornal informou no dia 22 de Abril de 1932 que a Câmara Municipal de Coimbra resolvera, na véspera, «remodelar a Praça Velha, alindando-a e tornando-a o que ela há muito tempo reclamava: uma praça moderna». «Variadíssimas vezes nestas colunas falámos da Praça Velha, da urgência que se impunha em a transformar radicalmente», lembrou, aplaudindo a decisão camarária. No entanto, numa local publicada a 12 de Agosto do mesmo ano, dando conta de que estava em curso «uma completa transformação da Praça do Comércio, atendendo ao pedido feito por moradores e comerciantes daquela artéria de grande movimento tanto comercial como industrial», lamentava-se a morosidade dos trabalhos, porque «alguns empregados deixam o trabalho antes da hora e outros não produzem o necessário nas 6 horas que trabalham». «Chamamos a atenção de quem de direito para uma melhor fiscalização daqueles serviços, pois que estamos convencidos se providenciará no sentido de maior impulso ao melhoramento a que se está procedendo naquele local», escreveu o Diário de Coimbra.

Abusava-se das cargas e do esforço dos animais 24/8/1932 O jornal noticiou, na edição de 24 de Agosto de 1932, que a Sociedade Protectora dosAnimais de Coimbra tinha solicitado ao comandante da Polícia de Segurança Pública «medidas tendentes a reprimir os maus tratos aos animais e a forma como se está abusando das cargas que obrigam a puxar, sobretudo para os pontos mais elevados da cidade, para onde são transportadas demasiadas carradas de lenha, vinho, areia, etc.». «Os condutores de carroças e carros de bois estão abusando extraordinariamente dos pobres animais», queixava-se aquela entidade, ao pedir a ajuda da PSP para poder desempenhar a sua missão.

15/8/1932 Diário de Coimbra sugeriu a intervenção do ministro do Interior para impedir o exercício de enfermagem a quem não tivesse habilitação legal

Coimbra, onde existe superiormente dirigida uma escola de enfermagem, há casas hospitalares, casas de saúde, postos de socorros, onde o serviço de enfermagem é feito por curiosos! Ora este estado de coisas não pode continuar, nem em Coimbra, nem em parte alguma. O serviço de enfermagem não pode nem deve ser exercido por quem não tenha habilitação legal», sustentava. Uma «rápida, urgentíssima FOTO: ORDEM DOS ENFERMEIROS solução» era solicitada ao novo ministro do Interior, Albino dos Reis - «pessoa que em Coimbra marcou no elevado cargo de governador civil do distrito», porque «os doentes, as vítimas de acidentes não devem, não podem estar entregues a criaturas com o Escola de Enfermadesconhecimento gem dos HUC pasabsoluto dos sersou a designar-se viços de enfermaem 1931 Escola de gem, curiosos que Enfermagem Dr. armaram em enferÂngelo da Fonseca meiros». «A solução é fácil. Basta que o ilustre ministro do Interior, por lei, determine que só podem exercer serviços Diário de Coimbra sensibilizou a opinião pública para a dignificação da profissão dos enfermeiros de enfermagem aqueles que seguirem com firmeza e cons- de alunos! É que aqueles que sua incompetência, males irre- possuam as habilitações necessárias comprovadas com a ciência as prescrições clínicas, estudam e trabalham, que con- paráveis», apontava. Dizia o articulista que na carta do respectivo curso. Basta mas também, para em casos seguem tirar o curso de enferurgentes, prestarem os chama- magem, que fazem sacrifícios maioria dos hospitais, postos que a polícia tome conta do e despesas, vêem-se preteridos de socorros e casas de saúde caso, remetendo aos tribunais, dos socorros de urgência». No entanto, lamentava, «a fre- por indivíduos alheios ao “me- «difícil é encontrar enfermagem por exercício ilegal de medicina, quência dos cursos de enfer- tier”, por simples curiosos que diplomada, visto que aos co- todos os indivíduos que se demagem é muito diminuta, mais tomam todos os lugares e que, nhecimentos científicos, à prá- dicam à profissão de enfermeiainda, tende a extinguir-se». sem ciência nem consciência tica de enfermagem diplomada, ros sem possuírem a respectiva «Não podíamos deixar de aus- não só prejudicam os diploma- são preferidos os curiosos por carta. Basta que sejam encercultar as causas, e, com mágoa, dos, como também não poucas serem mais baratos, por se aco- rados todos os postos que não verificamos que o curso de en- vezes prejudicam os enfermos modarem melhor aos interes- possuam enfermeiros legalmente habilitados», preconifermagem não podendo sedu- que lhes são confiados, cau- ses dos dirigentes». «Aqui mesmo na cidade de zava jornal. M.S. zir ninguém, acabará por falta sando pela sua ignorância, pela

CURSO DE ENFERMEIROS EM RISCO DE ACABAR POR FALTA DE ALUNOS

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ove décadas atrás a enfermagem carecia de regulamentação e muitos dos que a praticavam não tinham qualquer formação académica que os habilitasse ao exercício da profissão. Escolas oficiais de enfermagem havia duas, uma em Lisboa e outra em Coimbra. Esta, criada em 1919 para preparar pessoal para os Hospitais da Universidade, passou depois a formar profissionais também para outras instituições do país. O Diário de Coimbra publicou a 15 de Agosto de 1932 um artigo em defesa da formação dos enfermeiros, cujo curso, ao contrário do que hoje acontece, estava em risco de acabar por falta de alunos. Começava por observar que «foi, e muito bem, criado um curso de enfermagem, para habilitar com os conhecimentos precisos, indispensáveis, aqueles que pretendam exercer a enfermagem. Não podia deixar de ser assim. Os enfermeiros para serem assistentes de enfermos quer nos hospitais quer fora deles, carecem de conhecimentos técnicos que os habilitem não só a

Ladrão de bicicletas apanhado na cama do padre 13/8/1932 O correspondente do Diário de Coimbra em Mortágua informou, na edição de 13 de Agosto de 1932, que naquela vila apareceu um «rapazola dos seus 17 ou 18 anos» que pretendeu vender a bicicleta em que vinha montado a «um dos operários que se empregam nos serviços de britagem de pedra para a reparação da estrada nacional». Desconfiado de que o veículo de duas rodas, com o número 651 e matrícula da Câmara Municipal de Coimbra, teria sido furtado, um outro trabalhador

prendeu-o, «conduzindo-o à presença das autoridades». «No momento, porém, em que o contínuo da Câmara, no desempenho do cargo de carcereiro, se preparava para meter o pseudo-larápio na cadeia, este proferiu as palavras “pois não me prende” e deu “às de Vila Diogo”, fugindo à vigilância do carcereiro. Este corre sobre ele. Em frente aparece um homem a quem dá ordem para o cercar, mas o fugitivo, retrocedendo, entra num pátio de Fernandes Amaral, sobe a escada da casa de Alexandre

Carreira e, galgando, vai cair no pátio do pároco José Ferreira Lobo e entra na casa, que nessa ocasião estava deserta, ali se refugiando», descreveu. Lendo o relato, que o autor intitulou “Uma tempestade... no quarto dum padre”, ficamos a saber que alguns populares invadiram a habitação paroquial, procuraram o fugitivo em todas as dependências mas não conseguiram localizá-lo. «Um, mais esperto, verificou então que os colchões da cama do dono da casa se achavam muito abaulados.

Verificaram, então que, entre o colchão e o enxergão se tinha escondido o pobre diabo, que não foi poupado a uma carga de bengalada. Conduzido à cadeia, no meio de grande burburinho, continuou a ser socado, levantando-se nessa altura vários protestos perante a autoridade administrativa, destacando-se entre os protestantes o estudante de Direito da Universidade de Coimbra Costa Ferreira, e o dr. Carvalho Mamede, digno notário neste concelho. O rapaz encontra-se incomunicável,

não nos sendo possível, até agora, verificarmos a sua identidade», contou o correspondente do jornal. Na edição do dia seguinte voltava-se ao caso, adiantando a notícia que o rapaz preso na vila «diz chamar-se António Duarte, ser natural de Ferreira do Alentejo, confessando ter roubado a bicicleta, de que era portador, próximo de Condeixa». «Confessou ainda ter estado já preso por furtos semelhantes em Leiria e ter “apanhado pra tabaco” pelas proezas cometidas», acrescentou.


02 | 10 OUT 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias E se em Ançã se produzisse electricidade? 20/8/1932 Uma crónica dedicada a Ançã apontava a expectativa da população desta vila do concelho de Cantanhede de vir a beneficiar das vantagens da energia eléctrica. O texto, publicado na edição de 20 deAgosto de 1932 do Diário de Coimbra, referia que Ançã, «importante pela sua agricultura e pela sua população, atraente pela afabilidade dos seus naturais e pela interessante paisagem que a circunda, aspira, com direitos adquiridos de povoação próspera e progressiva, a ser iluminada a luz eléctrica, o que seria relativamente fácil, visto que a corrente que ilumina Cantanhede passa a 10 quilómetros de distância». «Quando se não queira utilizar esta corrente, possui Ançã um importante manancial de água, dos mais raros que conhecemos, que poderia ser aproveitado para uma Eléctrica. A Natureza proporcionou-lhe um riqueza invejável, dotando-a com uma corrente de água perene, que dia a dia se esvai através dos campos que fortalece, é certo, mas que também podia ser aproveitada para o desenvolvimento de indústrias que beneficiassem a população, sem que prejudicasse a agricultura. Já alguém pensou no assunto?», questionou o jornal.

Pediam trabalho sem importar o ordenado 18/8/1932 “Aos alfaiates Oferece-se oficial habilitado, tanto em corte como provas, com longa prática nas principais casas da capital. Dá informações, não se importa ir para fora. Não faz questão de ordenado. Resposta a esta redacção às iniciais: M.P.B. (334)». O anúncio de emprego ocupava um pequeno espaço do jornal de 18 de Agosto de 1932, na altura sem Classificados. No dia seguinte, um outro anunciante, «sargento reformado das colónias», oferecia-se «para qualquer serviço», também «não fazendo questão de ordenado». «Tem atestados de bom comportamento dos seus antigos patrões. Resposta a este jornal letra S.», completava o texto.

15/8/1932 Diário de Coimbra recomendou aos produtores que formassem uma “liga de exportadores” para encontrar novos mercados

como podem negociar com aqueles países. Primeiramente, e para maiores vantagens, seria necessário que os produtores de espumosos fundassem uma sociedade de exportação. Essa sociedade é que promoveria as vendas, criando as marcas que mais se coadunassem com o gosto dos compradores e enviando lá fora viajante conhecedor do mercado. Ora a exportação para as Américas, como para a China, para o JaFOTO: ROTA DA BAIRRADA pão, sem lá se ir faz-se por três mercados - Paris, Londres e Hamburgo. Nestas três praças existem casas especiais encarregadas da compra de toda a espécie de mercadorias para aqueles diversos países. São Bairrada produz mais de sete miessas casas que lhões de garrafas compram, são espor ano e lidera o sas casas que pamercado nacional gam, de modo que, de espumantes na Europa, em Paris, Londres e Hamburgo, vende-se para as cinco partes do mundo, sem sair da Europa, sem quase sair da nossa casa. Não seria interesNa Bairrada produzem-se espumantes há cerca de 130 anos, sobretudo para o mercado nacional. sante, altamente patriótico, que As Caves São João (foto), no concelho de Anadia, são a empresa familiar mais antiga do sector os produtores de espumantes havia para os espumantes da seus produtos, riqueza para a to maior será o consumo com se congregassem e fizessem a Bairrada «importantíssimos sua região e ouro, muito ouro a próxima derrogação da lei experiência? Todos unidos, animados dos mesmos desejos, seca nos Estados Unidos». para Portugal», defendia. mercados a explorar» «Porque não vão os fabrican- formariam uma liga de exporIdentificava como países «Indispensável se torna que os fabricantes de espumosos consumidores de espumantes tes de espumantes introduzir tadores, adoptando o nosso da Bairrada se unam, se con- a Argentina, Bolívia, Chile, Co- os seus espumantes nestes ou- ponto de vista, procurariam exgreguem para valorizar e dar lômbia, Costa Rica, Cuba, tros mercados? Vão-nos res- portar os seus vinhos, rateando expansão aos seus espuman- Equador, Guatemala, Hondu- ponder com a enormidade das proporcionalmente entre todos tes, procurando exportá-los e ras, etc., e sobretudo as Améri- despesas, com as dificuldades as despesas com um viajante. pela exportação conseguirem cas, que «consomem brutais das cobranças, com mil e uma Certos estamos que lhes advitrabalho para muitos braços quantidades de espumante coisas que fantasiam pelo des- riam bons resultados», conparados, valorização para os tipo champagne, e maior, mui- conhecimento total da forma cluía o redactor. M. S.

UM MUNDO À ESPERA DOS ESPUMANTES DA BAIRRADA... SÓ FALTAVA UNIÃO E OUSADIA

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uma altura em que a vinicultura das Beiras enfrentava grave crise, devido à pressão dos produtores do Douro para se impedir a venda, na cidade do Porto, de vinhos de pasto não provenientes da região duriense, o Diário de Coimbra publicou um interessante artigo a preconizar a procura dos mercados externos como via de escoamento e valorização dos espumantes da Bairrada. «Os excelentes vinhos espumosos de Anadia, da região da Bairrada, tão bem fabricados e mais baratos que os de Epernay, dormem o sono dos justos nas suas “caves”, mercê da falta de iniciativa e de arrojo dos seus fabricantes», constatava o texto, não assinado, que o jornal inseriu na primeira página da edição de 15 de Agosto de 1932. O autor reconhecia que a ousadia do assunto poderia suscitar «um sorriso de incredulidade», mas não lhe importava, certo de que «mais dia, menos dia, haveria de ser estudado e seguido», pois acreditava que

Quem ajuda “um homem que já foi mulher”? 24/8/1932 «Tem 27 anos de idade. Viveu, até hoje, vinte e dois anos como mulher e cinco como homem. Chamou-se Olímpia de Jesus, filha de Maximina de Jesus e natural de Carapito, Aguiar da Beira. Um dia, recolheu aos Hospitais da Universidade. Esteve aí 38 meses. Fizeram-lhe uma operação. E, de mulher... passou a ser homem». Assim começava a notícia que o Diário de Coimbra publicou na primeira página da edição de 24 de Agosto de 1932. O texto explicava que a outrora Olímpia de Jesus, agora dando pelo nome de Olímpio António de Albuquerque, pre-

feriu depois da cirurgia «ficar em Coimbra, homem já feito, a voltar à terra, onde era apenas conhecido... como mulher». «Foram umas complicações do diabo, nos primeiros tempos, ao que ele nos conta: é que ninguém acreditava que ele já fosse homem e todos queriam, à força, que ele continuasse a ser mulher! Mas vamos ao que importa. O OlímpioAntónio de Albuquerque, como decorreram já dois anos sobre a sua “metamorfose”, quer regressar à terra. Diz ele que agora já todos acreditam. Mas pelo sim, pelo não sempre quer levar uma certidão que prove a todos

e a todas que ele é homem e não mulher», contou o jornal. Olímpio, que morava na Rua do Corvo, não tinha meios para pagar o «assento do registo, que importa em 50$00», e também precisava de «mais uns cobres» para poder ir para Carapito. «Favoreceram já o Olímpio, com as suas esmolas, o sr. comandante da Polícia, que lhe entregou 10$00, o sr. dr. Fernandes Martins, que lhe deu 5$00, o sr. Carlos Craveiro, outros 5$00. No Governo Civil concederam-lhe também o subsídio de 25$00. E nós vimos apresentar este caso à piedade dos nossos leitores, para que o

Olímpio possa registar a sua... “metamorfose” e dirigir-se, depois, à sua terra natal. Quem lhe dá uma esmola?», apelou o Diário de Coimbra. Dias depois, na edição de 1 de Setembro, comunicou que a caridade dos leitores «não se fez esperar» e graças «à sua generosa intervenção pode regular-se hoje na repartição do Registo Civil a situação do Olímpio António de Albuquerque, aquela Olímpia de Jesus que devido à intervenção dos ilustres cirurgiões srs. drs. Bissaya Barreto e Ângelo da Fonseca, passou de mulher a homem». «A antiga Olímpia não cabe

em si de contente! Agora já não pode haver mais confusões possíveis, aquelas confusões que deram lugar a que durante mais de vinte anos passasse aos olhos dos mocetões da sua terra como uma mulher apreciável, cabelos compridos até às curvas das pernas, olhos negros profundos, um leve buço a enfeitar-lhe o lábio superior... E assim, hoje, na repartição do Registo Civil, será legalizada a situação do Olímpio, que se sente entusiasmado com o seu novo estado, embora nos tivesse segredado que, quando era mulher, lhe custava menos a vida...», rematava o texto.


02 | 17 OUT 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Hospedaria vendia “gato por lebre”? 26/8/1932 O título “Gato por lebre?”despertava a atenção do leitor, a propósito do estranho desaparecimento de felinos na cidade de Coimbra, noticiado na edição de 26 de Agosto de 1932. «Chegam até nós rumores de que uns mariolões - desses mariolões que por aí abundam armados de varapaus, se entretêm, todas as noites, pelas ruas da cidade, na caça aos gatos que, descendo das tristes e pobres mansardas, vêm procurar, pelos becos e vielas, alguns restos de opíparos jantares, para matar a lazeira, muitas vezes de algumas horas. Segundo nos consta, um desses mariolões faz parte de uma hospedaria situada numa rua da Baixa. Para que será esta colheita todas as noites? Será para vender, lá na hospedaria, gato por lebre? É isso que vamos averiguar, para lhe pormos o nome nestas colunas e para que a polícia, na devida altura, lhe possa tomar contas pelo seu acto verdadeiramente vandálico», ameaçava o jornal.

Uma bilheteira apenas para aviar centenas 16/8/1932 Em pleno Agosto, Coimbra demandava a Figueira da Foz para fugir à vaga de calor que no Verão de 1932 afligia a cidade. Muitos optavam por ir e vir, de comboio, mas a transportadora ferroviária parecia não corresponder adequadamente a este aumento de procura. «Aos domingos, a gente que parte de Coimbra para a Figueira, no comboio das 6,50, conta-se às centenas. Anteontem, por exemplo, podia, grosso modo, contar-se o número de pessoas que a essa hora partiram para a Figueira num milhar. Pois para aviar todas essas pessoas havia uma única bilheteira aberta, tendo-se formado uma bicha interminável e que demorou largo tempo a servir. Ouvimos várias reclamações do público pagante! Concordamos inteiramente com elas», publicou o jornal na edição de 18 de Agosto, pedindo ao director da CP para providenciar de forma a não se repetir a anomalia no domingo seguinte.

10/8/1932 Diário de Coimbra ia registando a vida social que animava a vila termal do concelho da Mealhada, ponto de encontro na época de veraneio

UMA CRÓNICA MUNDANA COM NOTA CRÍTICA SOBRE A FONTE DE S. JOÃO NO LUSO

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s espaços termais da região, muito concorridos, davam ensejo a relatos frequentes da vida mundana nas páginas deste jornal. Na “Crónica do Luso” publicada a 10 de Agosto de 1932, o autor, assinando com o pseudónimo Essepê, descrevia a animação social da vila termal enquanto, já em tom crítico, reprovava o que se estava a fazer na Fonte de São João. «Este calor tropical que furiosamente tem desabado por toda a parte, transformando-nos em alambiques, trouxe ao Luso uma multidão ansiosa de frescura e sedenta de boa água. Ontem não havia lugar para tantas camionetas vindas de toda a parte, repletas de excursionistas que procuram na frescura da mata do Bussaco um pouco de alívio ao braseiro que lá do alto nos quer reduzir a torresmos», constatava.

FOTO: ROTA DA BAIRRADA

«As “toilets” mais vaporosas saíram das malas, o creme, o pó de arroz, o carmim de vários matizes (alojado em lindas bolsas, “as bolsas da saúde”) tiveram largo consumo», A Fonte de São anotava. João, de cujas O autor ob11 bicas sai água servava depois de nascente, é um que, «à noite, a dos ex libris da vila Fonte de S. João, termal do Luso com a sua capelinha servindo-lhe de guarda, indiscretamente vai escutando frases sentidas e juramentos de amor. A terceira bica, a preferida pela mocidade casadoira, a que dá inspiração aos namorados, a Vila do Luso sempre foi procurada pela qualidade das suas águas que faz criar mais fundas as Essepê registava «um do- curava refrescar-se interior- raízes do amor em início, tem mingo animado, em que o Júlio mente com a cerveja de Coim- farta concorrência». Mas, lamentava, «este cantino restaurante do Casino se viu bra ou com qualquer dos magaflito para atender tanto feliz, níficos refrigerantes que a So- nho tão cheio de poesia, onde que depois dum banho nas ciedade das Águas tem lançado, a água corre sempre cantando, águas límpidas da piscina, pro- com feliz êxito, no mercado». foi violentamente agredido

com uma resolução de mau gosto, fria de tudo quanto o mais rudimentar bom senso poderia imaginar. Insultaram a Fonte de S. João colocando à sua beira qualquer coisa como um “kiosque” que da estação do caminho de ferro quis também veranear e para isso, decerto, que o local mais aprazível foi o escolhido. Valha-nos Deus! Talvez por isso que as bicas da fonte não cantem mas chorem de revolta contra a ofensa que lhes foi feita». Terminava a crónica anunciando a realização, para domingo, de «um baile em honra dos tenistas que de Lisboa e Porto vêm disputar o campeonato de Portugal inter-clubes». «Muitas inscrições estão feitas já, servir-se-á uma ceia a rigor com tudo que o espírito imaginativo do nosso amigo Seabra vai conseguir para provar que sabe servir como ninguém», acrescentava, antes de comunicar que «ao Hotel dos Banhos chegaram ontem mais os seguintes senhores: Joaquim Teixeira da Silva, capitalista de Lisboa; Eduardo Alves Pinto Ribeiro, do Banco Inglês, do Porto, com sua esposa e filhos; José Bastos Martins do Banco de Portugal, José Gaspar Matos Júnior, Cezar Varela, Marie Roldan, engenheiro Amândio Rocha, barão Sameiro e outros». M. S.

“Monstros” na romaria do Senhor da Serra 19/8/1932 A romaria do Senhor da Serra, das mais populares no país, mobilizava em Agosto gente de toda a região das Beiras, em animadas peregrinações. Na edição de 19 de Agosto de 1932, o Diário de Coimbra destacou a presença de uma “orquestra pitagórica” da cidade no evento que anualmente se cumpria no santuário do concelho de Miranda do Corvo. «Atradicional romaria do Senhor da Serra leva sempre de abalada, até àquele pitoresco local, milhares e milhares de pessoas dos distritos de Coimbra e Aveiro. Nesta cidade, chegados a esta altura da festa, organizam-se ranchos diversos, com suas charangas e de farnéis a tiracolo. Partem de madrugada e regressam à noiti-

Santuário do Senhor da Serra atraía milhares de romeiros

nha, por entre danças e descantes. Passam o dia do mesmo jeito.Animam, assim, a romaria do Senhor da Serra», registou o jornal, ao evidenciar, entre esses grupos, o dos “Monstros”, composto por «elementos do bairro alto da cidade», que «lá vai todos os anos».

Trata-se, explicou, de «uma “orquestra pitagórica”, de que é regente o sr. António Silva. São 20 rapazes novos, cheios de vida. Agregam-se algumas raparigas, desembaraçadas e guapas». «Os “Monstros” primam sempre pela sua compostura. E marcam pelos seus

chapéus característicos. Os deste ano, por exemplo, têm todos o feitio dum enorme bacalhau! Para remate - o grupo é todo catita! - até possuem um estandarte, que o popular Augusto Moura exibe com o maior garbo e aprumo... Pois que se divirtam muito, “os Monstros”, e que não desmereçam dos seus créditos - são os desejos que formulamos», rematava o texto. No dia 21, o Diário de Coimbra noticiou que a «concorrida romaria, que teve início em 15 do corrente e se prolonga até ao dia 23, terá hoje o dia de maior afluência, como de costume, principalmente de romeiros desta região e da nossa cidade, para o que sobremaneira concorre o transporte fácil de camionetas e automóveis».

Antes, a 16 de Agosto, assinalando o arranque das festividades, enalteceu o «trabalho incansável que o reverendo padre Manuel Augusto Mendes, pároco de Semide, tem tido estes últimos dias para que aos romeiros seja dispensada a máxima comodidade». «Haverá carreiras constantes de camionetas por preços relativamente baratos. Os 14 quilómetros que nos separam daquele lindíssimo local serão galgados por uma confortável camioneta do sr. João Mendes ao preço de 5$00. Recomendamos aos romeiros a camioneta deste senhor, especialmente por fazer esta carreira todo o ano e por isso acostumado aos ziguezagues da estrada que nos conduz ao Senhor da Serra», sugeriu o jornal.


02 | 24 OUT 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Explorava a piedade pública com crianças e mulher doente 9/9/1932 O Diário de Coimbra insurgia-se, na edição de 9 Setembro de 1932, contra a exploração da mendicidade. «A miséria é grande, todos o sabemos e deploramos, como reflexo sintomático da época calamitosa que atravessamos. Mas o que não podemos consentir é que se explore o terrível momento que passa com embustes para armar à piedade pública. Já temos visto por aí um “meliante”com duas crianças, uma pela mão e outra dependurada nos braços, usurpadas, sabe-se lá a quem, para ludibriar os incautos. E ontem, ao sairmos de casa, encontramos um outro exemplar não menos significativo e aviltante. Desta vez o “meliante”não conduzia crianças, trazia atrelada uma pobre mulher doente que mal se podia arrastar. E para fugirem às vistas da polícia, afastam-se das ruas mais frequentadas, batendo as mais ocultas, onde por escassez de polícias trabalham à vontade. Quando veremos a cidade livre destes matulões?», questionava.

Vendeu máquina de costura da mulher e nunca mais foi visto 4/9/1932 Com o título “Uma máquina de costura em bolandas” publicava o jornal, na edição de 4 de Setembro de 1932, que Ernesto Marcier Miranda, farmacêutico na Praça do Comércio, tinha apresentado queixa na Polícia de Investigação Criminal, na qualidade de fiador, acusando Isabel Simões, residente na Couraça de Lisboa, de «não mais ter pago as prestações estipuladas e ainda de ter feito desaparecer» a máquina de costura que a Casa Singer lhe vendera. «A Isabel Simões, que ontem mesmo prestou declarações na P.I.C., confessa que, se não mais pagou as prestações à Casa Singer, foi porque seu marido, Manuel d'Almeida Cavacas, empenhou ou vendeu a máquina, gastando o dinheiro em seu proveito e desaparecendo em seguida para não mais ser visto», acrescentava.

27/8/1932 Indemnizações por acidentes ficavam a depender da decisão do juiz, mas muitas das vítimas não tinham meios para recorrer à justiça

ERA URGENTE CRIAR UMA VERDADEIRA POLÍCIA PARA AS QUESTÕES DO TRÂNSITO

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necessidade de uma Polícia de Trânsito, não apenas para fiscalizar o cumprimento do Código da Estrada mas também para assegurar a protecção às vítimas de acidentes rodoviários foi preconizada nove décadas atrás nas páginas deste jornal. Na primeira página do Diário de Coimbra de 27 de Agosto de 1932 foi publicado um artigo que começava por «afoitamente afirmar que não temos Polícia de Trânsito». «Se é certo que nas grandes cidades está bem organizado o serviço dos sinaleiros, não é menos certo que o resto do país está completamente ao abandono, pois não se pode considerar Polícia de Trânsito meia dúzia de guardas percorrendo o país, em “side-cars”, com emboscadas aos automobilistas, mais na caça à multa que com outro fim. Isso não é, não será nunca Polícia de Trânsito. A verdadeira Polícia de Trânsito não deve só ter por missão fazer respeitar as disposições das

FOTO: BLOGUE “ENCONTRO DE GERAÇÕES DO BAIRRO NORTON DE MATOS”

Deve dar assistência a todos quantos dela careçam», considerava o autor. Criticava depois a ineficácia do «conjunto de esplêndidas e sensatas disposições» do Código da Estrada por falta de «um organismo especial que não só vigie o severo cumprimento da lei como também dê assistência às vítimas de acidentes de viação», defendendo, para esse efeito, a criação de «um organismo denominado Polícia de Trânsito, que não só teria por missão fisGastos com a calizar a lei, mas Polícia de Trânsito, também assea criar, não iriam além dos 325 congurar e facilitar tos anuais, avaliava a protecção deo autor da crónica cretada pelo artigo 138 do Código das Estradas». «Actualmente, mercê de complicações várias para conseguir a garantia da lei, tornaPolícia sinaleiro a controlar o trânsito na Praça 8 de Maio -se necessário um processo juleis e regulamentos, deixando preocupar igualmente e com dicial que, além de ser extraorde se preocupar apenas com o mesmo rigor com veículos. dinariamente moroso, é carístodos automobilistas, para se Deve mesmo ir mais além. simo, resultando que quem não

dispuser de meios, não pode conseguir justiça. E depois muitos e muitos desgraçados atropelados seguem para as suas casas, para os hospitais, com a indiferença criminosa dos causadores dos desastres que não se recusando a pagar as indemnizações, se escudam na disposição da alínea b) do artigo 138 do Código das Estradas, isto é, só pagam essas mesmas indemnizações quando decretadas pelo juiz competente. Mas não tendo, como na grande maioria dos casos não têm os sinistrados, meios para intentar uma acção, todas as garantias do citado artigo 138 são como se não existissem. Acontece e tem acontecido que os causadores dos sinistros são enviados aos tribunais criminais, mas aí, com facilidade, e por que não com justiça, prova-se com testemunhas que eles não tiveram responsabilidade criminal e são absolvidos. Nesses casos, não é decretada nenhuma indemnização e aqueles que foram atingidos na sua integridade física ou no seu património, ficam com os prejuízos!», lamentava o articulista. Em seu entender, deveriam «harmonizar-se as disposições do Código das Estradas com a rapidez duma investigação que, feita acto contínuo, “in loco”, conduzisse a uma rápida conciliação entre ambas as partes, e deste modo tornar mais práticas e justas as disposições do artigo 138 e seguintes do Código das Estradas». M.S.

Alguns macaquitos para paródia em Vale de Canas 12/9/1932

O Diário de Coimbra, entusiasta da valorização turística de Vale de Canas, voltava a registar, na edição de 12 de Setembro de 1932, a adesão à campanha pública para equipar este parque verde com uma secção zoológica. «A Comissão de Turismo de Coimbra, se quisesse ter em Vale de Canas um jardim zoológico relativamente importante, já hoje o poderia ter, porque não lhe têm faltado oferecimentos de animais, quer da fauna bravia das nossas montanhas, quer da fauna africana. Porém, como a manutenção desses animais é dispendiosa, e, por outro lado, como tam-

bém constitui para o público um certo perigo ter ali animais ferinos, ela limitar-se-á a manter alguns exemplares inofensivos e de pouco dispêndio, na sua secção zoológica», começava por esclarecer. De acordo com a notícia, «muitas pessoas, naturais umas e outras amigas de Coimbra, em África, têm chegado, no seu louvável desejo de auxiliar a desenvolver essa iniciativa, a mandar caçar vivos certos animais ferozes, como leopardos, onças e panteras, etc., para oferecer à Comissão de Turismo, que esta, prudentemente, tem agradecido, mas recusado receber tão perigosos hóspedes».

Mata de Vala de Canas teve outrora secção zoológica

O texto dava a conhecer que «uma onça chegou mesmo, de surpresa, a vir ter despachada à estação do caminho de ferro desta cidade, mas foi logo, imediatamente, oferecida pela Comissão ao Jardim Zoológico de

Lisboa, em Julho do ano passado». «O sr. dr. Torres Garcia, director geral da Companhia Agrícola do Sul de Angola, também acaba de escrever a perguntar se têm lugar na secção zoológica de Vale de Canas alguns interessantes e inofensivos animais da fauna angolense e cujo sustento é de pequeno dispêndio. Por sua parte o sr. dr. Elísio de Moura também manifestou o desejo de oferecer à Comissão de Turismo um lindo e espertíssimo “sagui”, que se encontra em Braga, mas que mandará vir se tiver lugar em Vale de Canas», acrescentou. «Esta secção zoológica é sem

dúvida interessante, porque diverte o público e é um factor de valorização do grande Parque de Montanha de Vale de Canas, de ano para ano cada vez mais visitado. Se, pois, pudesse ser desenvolvida, sem grande dispêndio para a Comissão, parece-nos que Vale de Canas só lucraria, principalmente se fossem adquiridos alguns macaquitos para fazerem paródia... de que aliás as crianças tanto gostam. Animais ferozes, que representem perigo para o público e que tragam grandes gastos no seu sustento, isso não, e faz bem a Comissão de Turismo em recusá-los», defendeu o jornal.


02 | 31 OUT 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Uma Liga para a cooperação entre classes 1/9/1932 O jornal informou, a 1 de Setembro de 1932, que estava em formação a Liga da Mocidade deArganil, «por iniciativa dos nossos amigos srs. drs. Fernando Vale, Vasconcelos de Carvalho eAlbano Nogueira», tendo por fim «estabelecer “uma organização cultural capaz de exercer a sua actividade no sentido de realizar a cooperação de todas as classes, obedecendo a princípio de absoluta igualdade, e ainda no sentido de, por meio de palestras e conferências públicas, elevar o nível intelectual do operariado”». Adiantava que nesta Liga já se tinham inscrito «muitas centenas de sócios, entre os quais advogados, académicos, médicos, operários, comerciantes, industriais, etc., etc.», e que na primeira assembleia dos sócios inscritos, além de outros assuntos, tinha sido «eleita a primeira direcção da Liga», que, logo que aprovados os estatutos, iria realizar «uma série de conferências culturais».

Espetou um prego na cabeça 4/9/1932 O Diário de Coimbra teve uma segunda tiragem, no dia 4 de Setembro de 1932, para noticiar o caso de «um tresloucado que espetou um prego na cabeça para pôr termo à existência». «Quando o nosso jornal já estava na máquina, deu entrada nos Hospitais da Universidade António Gonçalves, 38 anos, da Carapinheira do Campo, o qual, no intuito de pôr termo à existência, espetou um prego na cabeça, numa profundidade de 5 a 6 centímetros. Conduzido a esta cidade pelos médicos daquela localidade srs. drs. Couceiro, pai e filho, e pelo médico cirurgião de Lisboa, sr. dr. Vilar que em Carapinheira do Campo se encontrava acidentalmente, não houve possibilidade de extrair o prego ao desgraçado Gonçalves sem que fosse utilizado um alicate. À hora a que estamos redigindo esta notícia, estão-lhe fazendo a operação do trépano o sr. dr. Nunes da Costa, auxiliado pelos quintanistas de medicina Henrique Mota e DomingosArinto», registou o Diário de Coimbra.

9/12/1931 Portugueses descobriam prazer de viajar e numerosos grupos excursionistas percorriam os pontos mais turísticos de Portugal

COIMBRA ERA VISTA COMO O “MAIOR CENTRO DE EXCURSÕES” DO PAÍS

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oimbra «está-se tornando o maior centro de excursões do país», constatava há 90 anos o jornal, ao reconhecer o turismo como «um dos grandes factores económicos do progresso futuro» da cidade e desta região. A edição de 9 de Dezembro de 1931 dava conta, com satisfação, que Coimbra recebera entre Maio e Outubro a visita de 225 grupos excursionistas. «Não nos resta dúvida que esse movimento excursionista aumentará nos anos seguintes por forma considerável, o que obrigará a cidade a preparar-se cada vez melhor e mais condignamente para os receber», afirmava o Diário de Coimbra. No ano seguinte, em pleno Verão, reforçava-se esta ideia num texto publicado a 6 de Agosto. «As excursões e turistas que todos os dias visitam Coimbra, vindos de todos os pontos do país e do estrangeiro, dão-lhe uma animação de alegria, de interesse e curiosidade que muito a distingue de todas as outras cidades da província. Ainda ontem esteve nesta ci-

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D.R.

morta, sem vida, sem movimento, quase deserta. Hoje, não é assim; pelo contrário, a sua vida, embora não seja caracterizada“Portugueses: mente universitária visitai as Beiras, como o é desde visitai Coimbra, Outubro a Maio, é visitai o coração todavia uma vida de Portugal!”, agitada de cidade exortava o jornal moderna e muito especialmente de interessante centro de turismo», avaliava o autor da crónica, concluindo que Coimbra, «no caminho prometedor em que vai como centro de turismo, Coimbra era rumo obrigatório em passeios excursionistas tornar-se-á a breve prazo uma dade uma excursão de espa- rificava a agitação na estação cidade procurada e visitada nhóis, vinda em autocarro de de caminho-de-ferro, onde to- como as mais procuradas e viMadrid, que se hospedou no dos os dias chegavam «cente- sitadas do estrangeiro». Dias depois, a 20 de Agosto, Coimbra-Hotel, esperando-se nas de nacionais e estrangeiros, outras de Vigo, Corunha, Ba- que em passeio pelo país nos comentava-se neste jornal dajoz, Burgos e outros pontos visitam». «Quem há vinte anos que os portugueses parecia teda Espanha», registava o jor- conhecesse Coimbra e aqui rem descoberto os benefícios nal, observando que «os mu- volte hoje, já não a conhece, do turismo. «Criou-se entre seus, a Universidade, os mo- tantos são os seus progressos nós o prazer de viajar. Em Pornumentos e os sítios mais afa- e tamanha é a sua movimen- tugal, hoje, faz-se turismo! mados da cidade vêem-se tação nas ruas e praças públi- Que infinidade de grupos exsempre frequentados por mui- cas, presentemente. Houve cursionistas percorrem todo tas e muitas dessas pessoas tempo em que Coimbra, uma o país, mostrando Portugal invez encerradas as aulas na Uni- teiro a todos os portugueses», que nos visitam». Também com agrado se ve- versidade, era uma cidade aplaudia. M.S.

Um motorista endiabrado na Figueira 24/8/1931 O jornalista do Diário de Coimbra na Figueira da Foz relatou, na edição de 24 de Agosto de 1931, as tropelias e irresponsabilidade do ajudante de “chauffeur” Manuel Pinto, que na madrugada do dia anterior oferecera boleia a Benvinda dos Santos, casada, a um filho e uma filha desta e uma rapariga das suas relações que regressavam a pé à cidade «depois de assistirem aos folguedos populares de S. João no vizinho Casal da Robala» (Tavarede). Avistando-as, Manuel Pinto «parou o carro e prontificou-

Proezas da caça para “embasbacar os papalvos”...

-se a conduzi-las». «Uma vez embarcadas, o motorista, depois de uma correria desordenada pela cidade, derrapando perigosamente em cada curva, meteu à estrada de Coimbra indiferente ao rogo dos passageiros que instavam por as conduzir a casa. Ao chegar perto das oficinas da Beira Alta, como quer que o Pinto, que se encontrava embriagado, tivesse adormecido ao volante, o veículo, sem governo, foi chocar violentamente com o muro do Matadouro Municipal que no sítio faz ângulo saliente», lê-se na notícia, intitu-

lada “S. João que faz das suas”. Do acidente, que «entre outras avarias de vulto estilhaçou o “pare-brise”» da viatura, resultou «ficarem mais ou menos molestados todos os passageiros, e em estado comatoso a sr.ª Benvinda Santos, que recolheu ao Hospital da Misericórdia com uma ferida contusa extensa e profunda na região frontal esquerda». «O desgosto da mãe do motorista, que se encontra preso, foi tal que, ao ter conhecimento do acidente, procurou pôr termo à vida indo atirar-se ao rio do outro lado da

ponte, na Morraceira. Foi salva, não sem custo, e conduzida ao Hospital, onde recebeu os primeiros socorros, depois do que recolheu a casa», acrescentou o redactor, registando, a terminar, que «o endiabrado motorista» era o mesmo que na véspera deste acidente tinha atropelado na Gala o menor Joaquim Alves, causando-lhe fractura da perna direita, depois de, «segundo parece», ter ido «buscar o carro à garagem, abusivamente, sem autorização do dono, que por tal motivo vai proceder contra ele».

15/9/1932 Assinalava-se, a 15 de Setembro de 1932, quinta-feira, o arranque da nova temporada da caça. «De hoje em diante, durante alguns meses, os nossos campos e as nossas matas serão frequentadas por esses adeptos de Santo Huberto que, de espingarda ao ombro, cartucheira à cinta, polainas até ao joelho e olhar vivo e perscrutador, procuram fazer o possível para que, de volta, lhes pendam da cinta meia dúzia de perdizes e, na pior das hipóteses, duas ou três lebres. E, volvido o dia, lá voltam eles um pouco maçados mas quase sempre alegres e bem dispostos, principalmente quando a caça está ali, dependurada das cintas, a testemunhar uma feliz actividade e, sobretudo, uma boa pontaria. E, à noite, no lar ou no café, na roda da família ou dos amigos, há sempre uma anedota a contar, um percalço a pormenorizar, a perda dum tiro a lamentar, e uma proeza enorme de embasbacar os papalvos... E o caçador sente-se feliz, com a ideia da próxima caçada a efectuar, de antemão projectada, e onde, tem a certeza, não errará um só tiro, um só...», antecipava o jornal. Também com o título “Caça”, na edição de 24 de Maio do mesmo ano chamava-se a atenção para «transgressões venatórias que bradam aos céus» no concelho de Montemor-o-Velho. «Certo caçador, sobejamente conhecido ali, caça todo o ano desaforadamente, e ainda esta semana matou um casal de patos reais que tiveram a honra de rechinar no lustroso cobre das caçarolas de certa cozinha de Alfarelos. Soure e Figueira da Foz forneceram também magníficos exemplos de transgressão nos campos a sul do Mondego», denunciava o autor da crónica, reclamando a fiscalização da Comissão Venatória.


02 | 07 NOV 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Rapto de uma guapa rapariga agitou ânimos na zona raiana 21/9/1932 O Diário de Coimbra noticiou, na edição de 21 de Setembro de 1932, um “rapto original, à americana”, em que «um grupo de indivíduos» da povoação fronteiriça de Vale de Espinho (Sabugal) «invadiu a nação irmã e dirigiu-se a uma povoação raiana, a dois quilómetros de distância». «Uma vez chegados à aldeia, assaltaram a casa dum indivíduo de apelido Gonzalez e raptaram-lhe a senhorita sua filha, uma guapa rapariga de 19 anos por quem todos os moços da sua aldeia bebem os ares. Os raptores trouxeram a pequena para Portugal no dorso de um cavalo e entregaram-na a um tal Carvalho, como refém da dívida de sete mil e quinhentas pesetas, daquele para este», lê-se no relato. O sucedido levou «um grupo de mulheres espanholas» a atravessar a fronteira e dirigir-se à aldeia de Vale de Espinho para exigir «a libertação da sua patrícia». «Foi-lhes respondido que só a entregariam mediante a entrega de “dinheiro de contado”, pelo que aquelas se retiraram pesarosas. Os ânimos nas duas aldeias estão excitados, havendo o justo receio dum choque violento dos habitantes duma e outra terra», avisou o redactor, acrescentando que «os portugueses têm tratado com todas as deferências a linda rapariga, que afinal está grata pelas atenções que a cumulam».

Esperar três horas por um telefonema 21/9/1932 Telefonar exigia paciência e nem sempre as funcionárias que intermediavam as ligações viam sucesso nas suas diligências. «As meninas dos telefones são diligentes, mas nem sempre conseguem as ligações a tempo, e daí as reclamações. Ontem, certamente por deficiência de “linha”, um nosso assinante esteve três horas ao telefone para falar para o Porto e depois... nada. Teve de desistir. Não haverá possibilidade de evitar estas arrelias informando imediatamente da demora possível?», sugeriu o jornal.

28/9/1932 Diário de Coimbra pediu urgência na conclusão da estrada das Pedras Lavradas, fundamental para aproximar as duas cidades

FALTAVA UMA ESTRADA PARA COIMBRA E COVILHÃ ESTREITAREM RELAÇÕES

N

um artigo de primeira página, da edição de 28 de Setembro de 1932, o jornal destacou o interesse regional da valorização das relações entre Coimbra e Covilhã, sendo porém necessário, como passo essencial, o investimento numa estrada para encurtar distâncias e reduzir as «doze ou mais horas» que então separavam as duas cidades beirãs. «Dentro da Beira há regiões que desejam estreitar as suas relações morais, espirituais e até económicas, e que o não podem fazer por carência de rápidas vias de comunicação que liguem, com a maior brevidade, essas regiões. Estão, neste caso, as relações entre Coimbra e a Covilhã. Convém à Lusa Atenas, como convém à Manchester Lusitana, o estreitamento de relações. Mas esse estreitamento não pode efectivar-se enquanto for tão longo, por vias de macadame ou por vias férreas, o trajecto

FOTO: MUNICÍPIO DA COVILHÃ.

agora, em doze, ou mais horas, separa a Covilhã de Coimbra, para aquela ligação estradística ser absolutamente necessária», frisou. A ambicionaForças vivas de da rodovia já Coimbra e Covilhã em parte era formaram uma couma realidade. missão para lutar No entanto, a pela estrada das Pedras Lavradas estrada da Covilhã para Coimbra, pelas Pedras Lavradas, tinha sido iniciada mas ficara por concluir. «O seu traçado está estudado e delineado por parte dos engenheiros de estradas e obras públicas Jornal defendeu aproximação das cidades de Coimbra e Covilhã do distrito de Coimbra, que sabem, com galhardia, cumprir que as une», observou o Diá- da conclusão dessa estrada de- o seu dever; e, se, na verdade, pende o fomento de muitos as- falta a construção dum perio de Coimbra. Na opinião do articulista, esta pectos económicos da Covilhã queno troço neste distrito, ele desejada aproximação não po- e de Coimbra, a ampliação de ainda não se levou a feito porderia «ser real e verdadeira en- muitos aspectos turísticos e, que serve, até à fronteira disquanto, galgando a Serra da Es- até, a valorização da Serra da trital, uma região desabitada e trela, uma estrada não una as Estrela, sob vários aspectos e porque não vale a pena fazêduas cidades, encurtando, e modalidades. Bastava, só que -lo. E não aproveita a ninguém, muito, a distância que ora as fosse, o encurtamento para nem tem utilidade por ensepara». «Da abertura, melhor, cinco horas, da distância que quanto porque, do lado do dis-

trito de Castelo Branco aquela estrada está ainda atrasada, e, num canto do distrito da Guarda, que ela atravessará, nada se fez, ao que nos conste. Boa-vontade em ligar Coimbra com a Covilhã têm-na as duas cidades. As autoridades técnicas que superintendem na estrada, pelo lado coimbrão, têm cumprido o seu dever, como de resto é seu costume e apanágio. Mas, boa-vontade não basta. Embora a Covilhã clame pela sua conclusão, embora Coimbra deseje a sua conclusão, nada se faz. Porquê, não o sabemos. Mas supomos que há quem tenha interesse em deixar que aquela estrada continue a ser como muitas outras, que, para vergonha da engenharia portuguesa, se começaram e não acabaram», lamentou o Diário de Coimbra, ao pedir, «cônscio da sua missão regional adentro das Beiras», urgência em concluir a estrada das Pedras Lavradas e, «a quem de direito», que «demonstre haver quem ainda se interessa pela união Coimbra-Covilhã e pelo fomento da vasta região intermédia, tão abandonada e tão esquecida». O atraso na obra motivou incessantes reparos do jornal nos anos seguintes e, sob pressão da opinião pública, a estrada das Pedras Lavradas lá acabaria por terminar. Com os seus 148 quilómetros, é a mais antiga das ligações rodoviárias que unem Covilhã e Coimbra. M.S.

“Meia hora da praxe” e a lassidão dos costumes D.R.

22/9/1932

A regra do “quarto de hora académico” com que tradicionalmente se desculpabiliza e tolera o incumprimento das boas práticas da pontualidade teve, nove décadas atrás, um antecessor ainda mais generoso para prevaricadores, a avaliar por um texto que encontramos na edição do Diário de Coimbra de 22 de Setembro de 1932. Acrónica, intitulada “Defeitos de educação”, começava por considerar que «a lassidão dos nossos hábitos manifesta-se em todos os actos da nossa vida». «Sempre retardatários, nunca se comparece às horas marcadas para qualquer reunião de carácter particular ou

A ponte de ferro de Santa Clara funcionou entre 1875 e 1954

associativo, para um funeral, recepção, etc. Se o convite indica às 10 horas, diz-se logo, é para às 10 e meia, e antes desta

hora não se comparece. E se algum mais cumpridor tomar a sério a hora indicada no convite, sofre a desilusão de es-

perar, pelo menos, a tal meia hora da praxe, tão inveterada nos costumes portugueses que já conquistou foros de legalidade», observava o autor, para em seguida lamentar que o mesmo comportamento se aplicasse perante «as determinações superiores», pois «logo que se anuncia uma lei em projecto, imediatamente se procura o meio de a torpedear ou desrespeitar». Era o caso, exemplificava, da ponte de Santa Clara, onde estava estipulada «a entrada e saída dos peões nos passeios laterais, ficando a parte central destinada aos veículos». «E cumpre-se rigorosamente a necessária e útil de-

terminação? Podemos afirmar negativamente, porque ainda anteontem o testemunhámos. Entra-se por onde se deve sair, e invade-se a parte destinada aos veículos, sem se reflectir que se prejudica e entrava o movimento e que se pode dar um atropelamento», alertava. No entender do articulista, não era fácil «evitar estes e outros desmandos porque, para isso, precisaríamos quase tantos agentes da autoridade quantas as pessoas a fiscalizar e vigiar». «O que se torna necessário é que cada um se compenetre dos seus deveres e os cumpra, espontaneamente e sem coacção», preconizava.


02 | 14 NOV 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Um “albergue nocturno” para os sem-abrigo 28/10/1932 “É preciso construir em Coimbra um albergue nocturno”, intitulava o jornal num apontamento que publicou a 28 de Outubro de 1932, a propósito da louvável limpeza do silvedo na «rua que da antiga Fonte Nova segue para o Colégio dos Órfãos, no local onde existe o edifício construído para a Escola-oficina “O Futuro”». «De futuro já aquele local não poderá ser utilizado para actos imorais e indecorosos que a todos ofendia e principalmente a vizinhança. Oxalá, em breve, possamos ver realizado o nosso pensamento aqui exposto. Isto é: um muro de suporte, terreno terraplanado com plantação de árvores e convertido em “albergue nocturno” o edifício que ali existe, antes que se arruine por completo», considerou o autor da crónica, lembrando à Câmara a falta de uma obra de assistência em Coimbra para auxiliar «muito desgraçado que existe por aí que não tem abrigo e nem 1$00 para dormir sobre uma esteira, e que encontramos encolhidos pelos portais das casas a tiritar de frio». «O “albergue nocturno”viria preencher a vergonhosa lacuna e suavizar a tormentosa situação dos olvidados da sorte», defendeu.

Revolucionar a técnica da televisão 9/9/1932 Noticiou o Diário de Coimbra, na edição de 9 de Setembro de 1932, que estava a ser «muito discutido o novo invento de Marconi, que vem revolucionar a técnica da televisão, e que foi demonstrado praticamente pelos engenheiros da Companhia Marconi perante alguns membros daAssociação Científica da Grã-Bretanha». «Pelo novo invento é possível transmitir a grandes distâncias e fazer projectar sobre um “écran” toda a espécie de notícias e fotografias, sendo os telegramas recebidos e projectados à razão de cento e vinte palavras por minuto», informou o jornal, acrescentando que «os técnicos e entendidos são unânimes em predizer ao novo invento um grande êxito».

22/9/1932 Avaria das bombas inviabilizou a actividade no “complicado labirinto de poços e galerias” do Cabo Mondego, numa vasta zona submarina

MAR INUNDOU MINAS DE CARVÃO E 300 MINEIROS VIRAM-SE SEM TRABALHO

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Diário de Coimbra chamou a atenção, na edição de 22 de Setembro de 1932, para a problemática situação de três centenas de mineiros, da exploração de carvão na Figueira da Foz, que estavam na iminência de perder os postos de trabalho. “Um caso grave”, rotulou o jornal, referindo-se à inundação, pelo mar, do «complicado labirinto de poços e galerias» das minas que, durante cerca de 200 anos e até meados da década de 60 do século passado, extraíram carvão dos maciços rochosos do Cabo Mondego. «Mais um quadro da tragicomédia do Cabo Mondego. Este, porém, avulta, carregado de sombrias tintas. E de tal jeito que não é difícil prever-lhe o desfecho sem instintivo movimento de assombro, de piedade, de revolta! Cerca de 300 homens, que tantos são os que labutam na extracção do minério, estão sem trabalho devido à inundação, pelo mar, do complicado labirinto de poços e galerias», noticiou o jornal. A situação, acrescentou, «já

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FOTO DA DA COLECÇÃO J.S. PINTO, CAPA DO LIVRO “MEMÓRIAS DO CARVÃO”

das para a criminosa incúria de responsáveis de tudo isto?», questionou o Diário de Coimbra, apelando ao ministro do Comércio para que, A exploração do carvão no Cabo «quanto antes», Mondego terminou tomasse «enérem 1967, cinco anos gicas providênapós um grande incias» em relação cêndio nas minas a este assunto. «Não bastava ao pessoal o atraso de alguns meses no pagamento do seu salário, de que a imprensa clamorosamente se tem feito eco. Não bastava isso. Para cúmulo mais esta Entrada da galeria St.ª Bárbara das minas, em Buarcos (1925) desgraça! Imaginem todos os era prevista há muito». «Enge- até à última. Os esgotos não que têm filhos a dramática nheiros, chefes de serviço, o puderam fazer-se e a água, en- existência daqueles 300 hopróprio pessoal, manifestaram trando gradualmente, impediu mens, a maioria dos quais oufrequentes vezes a quem de di- a actividade dos mineiros de- tra coisa não têm de seu que reito a necessidade de serem senvolvida numa vasta zona não seja a sua aventurosa existência de toupeiras à qual, substituídas ou reparadas con- submarina», lamentou. Da empresa concessionária sabe Deus como, vão buscar venientemente as máquinas que accionam as bombas de da exploração do minério no o precário sustento do seu lar. esgoto. Medidas não foram to- Cabo Mondego «só o pessoal E imagine-se ainda estes 300 madas. Os prudentes juízos da cal hidráulica se mantinha homens, com uma média de não foram ouvidos. E vai as ao serviço», sendo o fabrico encargos de quatro pessoas máquinas, conforme as previ- desta também «uma questão de família», reforçava o jornal, sões dos ponderados, carecidas de dias», pois inevitavelmente ao apontar o drama iminente dos mineiros do carvão do das indispensáveis benfeitorias, cessaria por falta de carvão. «Que sanções vão ser toma- Cabo Mondego. M.S. deixaram de funcionar. Foram

Os irracionais também são sensíveis à dor 13/9/1932 O aguilhão, ponta metálica nas varas com que se conduziam e acicatavam animais, outrora usado habitualmente pelos condutores de carros de bois, motivou na edição de 13 de Setembro de 1932 uma crónica alusiva à (falta de) educação do povo. «Proíbe a lei o uso do aguilhão na ponta da vara. É uma medida humanitária que não permite o flagelamento dos animais, nossos cooperadores e auxiliares, e também uma medida de protecção à economia nacional para que as peles

Coimbra de nariz no ar a ver o “Conde Zeppelin”

não sejam perfuradas», começou por elucidar. No entanto, observou o autor, «tão útil medida parece que só é conhecida nos grandes centros». «Há dias, ao atravessarmos uma aldeia da Beira, vimos uma tenra vitelinha que tendo fugido do estábulo, numa ânsia natural de liberdade, corria e espinoteava doidamente, como era próprio da sua infantilidade. Pois o estúpido do dono, em vez de se comprazer com as engraçadas cabriolas, como sucedeu connosco e mais passageiros da

camioneta em que viajávamos, não vacilou um momento. Espicaçou com o aguçado aguilhão a pobre vitelinha, provocando-lhe sangue», relatou. Indignado com o comportamento de «tais bípedes com foros de racionais» que «não possuem compreensão e educação precisa para reconhecerem que os irracionais também são sensíveis à dor», o articulista preconizou que «as associações protectoras dos animais têm de se intensificar por todos os recônditos do país e interessar as autoridades locais no as-

sunto, com sanções pesadas para os delinquentes». «Isto enquanto o nosso povo não adquira o grau de cultura necessário para compreender os seus deveres de humanitarismo, apanágio das almas da elite, sintoma de perfectibilidade e civilização. E o nosso povo, infelizmente, a respeito de educação está atrasadíssimo. Qual o motivo? A escassez de escolas conscientemente dirigidas e orientadas, visto que a principal missão da Escola não é instruir, mas sim educar», considerou.

3/11/1932 O entusiasmo público pela aviação, nove décadas atrás, estendia-se ao dirigíveis construídos pelo conde alemão Ferdinand Zeppelin, usados na década de 30 para voos comerciais. Na primeira página de 3 de Novembro de 1932 encontramos uma curiosa notícia, com o título “Conde Zeppelin voou a noite passada sobre Coimbra, tendo atravessado grande parte do território português”. Dava conta que «ontem, pelas 21 horas, a cidade alvoroçou-se com o roncar surdo dos motores dum aparelho aeronáutico». «Primeiro, ninguém acreditava. Podia lá ser! A umas horas daquelas, noite cerrada, era possível que algum aviador português se arriscasse a um voo demorado? A gente da cidade veio para a rua, deixando as casas, deixando os cafés, deixando todos os pontos de cavaco. E a cidade amotinou-se – de nariz no ar, à cata do aparelho misterioso. Finalmente, o aparelho surgiu, por cima do bairro alto. Voo lento. Distinguia-se o seu formato – um charuto enorme. À frente, potentes faróis e uma cabine iluminada. Noutros pontos, faróis vermelhos. Não restava já a menor dúvida. Tratava-se, de facto, de um aparelho aeronáutico, um dirigível de proporções gigantescas. Pusemo-nos imediatamente em comunicação com vários pontos do país. Verificámos que se tratava do bem conhecido “Conde Zeppelin”, que vem de realizar uma série de viagens cobertas do maior êxito através de todo o mundo. A passagem do “Conde Zeppelin” foi assinalada no Algarve. De lá, seguiu rumo ao interior do país. Voou, passado tempo, sobre Coimbra. Por informações que obtivemos de Lisboa, o “Conde Zeppelin” dirigia-se a Espanha», escreveu o Diário de Coimbra.


02 | 21 NOV 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Envelhecer em Maio para rejuvenescer em Outubro

1/10/1932 Na edição de 1 de Outubro de 1932 (sábado) o Diário de Coimbra assinalou a mudança para o horário de Inverno, lembrando aos leitores que deveriam atrasar os ponteiros dos relógios quando dessem as 24h00. «A hora oficial portuguesa – não confundir com a hora solar – anda para trás, no ritmo do tempo, ao dar da meia-noite de hoje, qualquer coisa como 60 minutos. De maneira que nós temos, duas vezes, por ano, esta genialíssima coisa: em Maio a nossa vida avança uma hora, tornando-nos mais velhos, e em Outubro faz marcha atrás, e faz-nos mais novos. Chama-se a isto a lei das compensações no “bailado das horas”», ironizou o redactor, ao enquadrar a notícia.

Preso fugiu do hospital mas não foi longe 15/11/1932 Autor do assalto à alfaiataria Maia, na Rua Visconde da Luz, donde subtraíra vários fatos no valor de «alguns milhares de escudos»,Armando Valente estava detido na Cadeia de Santa Cruz, na Baixa de Coimbra, por este e outros crimes. Queixando-se de doença, foi levado para a enfermaria-prisão dos Hospitais da Universidade, onde, a pretexto de «ir lavar as mãos, e deixando uma torneira aberta», iludiu a vigilância do guarda, evadindo-se «pelas obras do novo Hospital do Castelo», noticiou o jornal, a 15 de Novembro de 1932. No Largo Miguel Bombarda (Portagem) alugou «um automóvel, que o conduziu à estação de Taveiro, onde esperava tomar o comboio-correio com destino a Lisboa». Porém, o taxista Arnaldo Pinto Ferreira, «suspeitando do passageiro», alertou a polícia, que capturou o fugitivo na linha ferroviária, devolvendo-o à cadeia.

18/9/1932 O piloto militar Humberto da Cruz, um dos heróis da aviação, bateu-se pela construção de aeródromos em Coimbra e na Figueira da Foz

de viva curiosidade os 15 aparelhos nele expostos», e à noite o Grande Casino Peninsular acolheu um banquete de homenagem aos aviadores, com 280 convivas, que se prolongou pela madrugada. «Foi uma noite que fechou com chave de oiro a série de homenagens dispensadas a esse punhado valoroso de rapazes que olham o céu de perto e desafiam as águias», rematou. A festa prosseguiu, no dia D.R. seguinte, com os aviões a «pairarem sobre a cidade e arredores em voos Nada resta hoje isolados e de esquado campo de aviadrilha. «O aviador ção que funcionou António Maia repena ilha da Morratiu de manhã, sobre ceira entre 1932 e a praia, as suas exemfinais dos anos 70 plificações de acrobacia aérea, algumas das quais, pelo seu arrojo e perícia, produziram verdadeiro assombro», registou o jornal. No regresso às suas unidades, dia 21, pouco depois das 12h00, seis dos aparelhos «sobrevoaram a cidade em conjunto, atraindo o ronco dos motores Durante algumas décadas aviões aterraram e descolaram da pista que existiu na Morraceira a curiosidade da população». soas» a assistir, procedeu-se ao brigadeiro sr. Gomes de Sousa. Os restantes seguiriam à tarde, guinte o Diário de Coimbra. Na presença do comandante baptismo da pista, que «rece- Na ocasião foi descerrada a lá- se o tempo o permitisse, à exda 2.ª Região Militar, brigadeiro beu o nome de Humberto da pida, erguida à entrada do cepção do Junkers “Pato MarGomes de Sousa, do governa- Cruz», o «valoroso aviador» a campo», descreveu o repórter, reco”, vindo de Alverca e tridor civil de Coimbra, Moura quem em grande parte se devia acrescentando ao acto inaugu- pulado pelo capitão Pais RaRelvas, dos aviadores, de «gran- a concretização deste «impor- ral «uma girândola de foguetes» mos e tenente Arantes Pede número de convidados», das tante melhoramento». «Que- e a salva de 15 tiros por uma di- droso, que aqui permaneceria forças de Infantaria 20, das duas braram a simbólica taça de visão de artilharia. Ao longo do mais alguns dias em voos para corporações de bombeiros e champagne os padrinhos sr.ª dia, o aeródromo «foi larga- os Serviços Cartográficos do com «alguns milhares de pes- D. Celeste Maria Mendes e o mente visitado, sendo objecto Exército. M.S.

MILHARES ASSISTIRAM À INAUGURAÇÃO DO CAMPO DE AVIAÇÃO DA FIGUEIRA

Q

uinze aparelhos das unidades de Alverca, Amadora e Tancos, bem como dois hidroaviões da base aérea de S. Jacinto, abrilhantaram há quase 90 anos a inauguração do aeródromo da Figueira da Foz, a que foi dado o nome do piloto militar Humberto da Cruz, um dos heróis da aviação nacional, com ligações a esta cidade. A festa inaugural, presenciada por milhares de pessoas, aconteceu a 18 de Setembro de 1932. No aeródromo (hoje inexistente) construído na Morraceira, junto à foz e na margem esquerda do Mondego, aterraram os primeiros aviões pelas 10h40. «Em seguida e sucessivamente foram chegando os restantes. As aterragens fizeram-se normalmente, provando as magníficas condições do campo. Todos os aparelhos, antes de aterrarem, fizeram curiosas e arriscadas evoluções», relatou no dia se-

Coreto e mercado para flores e plantas exóticas 13/10/1932 “Três grandes obras de beleza e de arte em projecto”, anunciou o Diário de Coimbra na edição de 13 de Outubro de 1932, enaltecendo uma vez mais o trabalho desenvolvido pela Comissão de Turismo, liderada por Manuel Braga, em prol do engrandecimento da cidade. «Podemos dizer afoitamente, sem receio de contestação, que a Comissão de Turismo de Coimbra é a única que tem correspondido plenamente, absolutamente, aos fins para que foi criada, apesar de existirem no país mais de cinquenta comissões da mesma natureza e com os mesmos fins», considerou o jornal, para adiantar que se encontravam sob estudos técni-

cos «outras obras que em beleza, arte e utilidade turística nada ficarão devendo às já executadas com o mais feliz êxito». Entre os novos projectos destacava «a elegância e arte» do novo coreto do Parque da Cidade. «O projecto, que é do distinto arquitecto sr. Edmundo Tavares, foi inspirado no Torreão central do Jardim da Manga, antiga e artística pertença do opulento Mosteiro de Santa Cruz, e por isso mesmo é que aquele nos aparece decorado, como se verifica pela gravura que publicamos, com lindos e interessantes motivos de Arte Renascença. Com esta elegante e artística construção vai o Parque da Cidade ficar muito mais enriquecido, e a Comissão de

Gravura do coreto publicada a 15 de Outubro de 1932

Turismo muito mais prestigiada, factos estes que sinceramente nos apraz registar por

ser de justiça. Estamos convencidos que o novo coreto ficará sendo a mais linda, artística e elegante construção deste género no país. Nele poderá tocar, à vontade, uma banda de cinquenta figuras», avaliou. A outra obra, para adaptação do Jardim da Manga a «um elegante mercado de flores e plantas exóticas», estava já estudada «para ser oportunamente levada à prática». A execução do projecto, da autoria do «distinto arquitecto sr. Silva Pinto», estava «apenas dependente da mudança de umas pequenas instalações da Escola Comercial Brotero», que estorvavam «a adaptação do antigo e artístico Jardim da Manga a esse fim», elucidou.

Previsto estava também um “Bureau de Informações” para os turistas, a localizar «na Avenida Navarro, dentro da área de terreno ocupado pelo velho jardim do Cais, que sofrerá uma radical transformação, estando a sua construção e instalação anunciadas para os primeiros meses do próximo ano económico». «Em nossa opinião, estas três obras impor-se-ão à admiração do público pelas suas excepcionais condições de beleza e arte. É assim, com obras e não com discursos e palavras soltas ao vento que a Comissão de Turismo tem conquistado o seu grande bom nome e real prestígio», aplaudiu o Diário de Coimbra.


02 | 28 NOV 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias “Cachorro-quente”? Que pitéu será este? 4/10/1932 Causou estranheza a um redactor do jornal o novo petisco anunciado por uma tasca de Coimbra. «Certa “casa de iscas”, situada numa das ruas da nossa cidade, apresentou ao público uma lista de petiscos, a que não pretendemos fazer reclame, por não querermos meter “foice em seara alheia”. Aparece, todavia, na discriminação da referida lista um “pitéu” que nos sensibilizou a retina e aguçou a curiosidade», escreveu, em comentário intitulado “Que pitéu será este?”, publicado na edição de 4 de Outubro de 1932. “Importação”gastronómica dos Estados Unidos da América, o petisco em causa, “cachorro-quente” (salsicha no pão), era anunciado com copo de vinho ao preço de 1$00. «Cachorro, lá na nossa aldeia, é sinónimo de cão novato, o que nos deixa algo intrigados. Quem nos elucida?», comentou o autor da nota.

Baldou-se ao casamento para trocar de noiva 16/9/1932 Publicou o Diário de Coimbra na coluna “Ao correr a pena”, da edição de 16 de Setembro de 1932, que na povoação de Oledo, em Idanha-a-Nova, «um noivo no acto de realizar o “himeneu” combinado, com o pretexto de ir vestir indumentária mais condigna... “cavou”», comparecendo no entanto no dia seguinte na repartição do registo civil para realizar o casamento, «mas com outra noiva». «O povo acorreu para verberar o procedimento indigno do trapaceiro, atingindo o rubro quando apareceu a noiva ludibriada, lamentando a sua desgraça, desmaiando. O povo quis linchar o cretino, ao que obstou o empregado do registo civil, defendendo-o com uma caçadeira, e o regedor que o acompanhou à sua residência. Como revindicta e supremo aviltamento, atiraram-lhe com areia aos olhos, como se faz à praga má dos gafanhotos. Foi pena, porém, que não lhe massacrassem o “posterior” com açoites, como estigma da fajardice praticada», considerou o autor do apontamento.

21/10/1932 Jornal levou o leitor numa “viagem” por esses “centros de cavaco” em torno dos quais “gravitava toda a vida de Coimbra”

UMA REPORTAGEM “AO DE LEVE” PELOS CAFÉS DE COIMBRA DOS ANOS 30

A

ssinada por António Cruz, então chefe de redacção do Diário de Coimbra, foi publicada a 21 de Outubro de 1932 uma “reportagem-expresso” sobre os cafés, espaços de convivência diária por onde passava muito da vida da cidade. «A vida de Coimbra, a vida pública, a vida do dia-a-dia, deve muito aos cafés - à vida que se faz nos cafés», começou o autor por considerar, lembrando a evolução desde «os tempos idos, do tempo dos botequins» onde se entretinham os estudantes mas a entrada dos comerciantes e “homens-bons” da cidade era vista com desconfiança . Coimbra soube modernizar-se e substituiu os botequins por «amplos, luxuosos e confortáveis» cafés. «Hoje, toda a gente vai ao café. Entra de fugida, por uma necessidade orgânica - ou por vício. Isto, para uns. Outros, não. Demoram-se. Dão dois dedos de cavaco. E os cafés, por isso, criaram um “ha-la-li” de vida, de agitação e têm vida própria, têm rumor próprio, vago, confuso, a meio-tom. Nos cafés, hoje em dia, entram alunos e professores. Comerciantes e caixeiros. Industriais e operários. Funcionários públicos e desempregados. Ricos e pobres. Com uma diferença: raras vezes se dá a amálgama das várias posições sociais. Porque cada café tem o seu público especial - a sua vida própria», observou. O jornalista convidou o leitor para uma «viagem em torno dos cafés de Coimbra», de que ele próprio se assumiu como habitual frequentador, principiando a reportagem pela Arcada e a Brasileira, na Baixa da cidade, onde verificou «conversas recatadas» e «grupos sentados às mesas estabelecendo ligação por frases rápidas». «As

“Trasladação” de D. Porco para os estômagos estudantis

FOTO DO LIVRO “ESPAÇOS PERDIDOS - COIMBRA”

talistas, industriais, magistrados, lentes - e aspirantes a todos esses lugares cómodos. O monóculo impertinente de empresário Mendes de Abreu dá ao café um ambiente de concílio. Populariza o “Santa Com o fecho ou Cruz”, no enreconversão pertanto, a careca deu-se muito da do ChicoAbetradicional imagem lha. Música, só dos cafés como esuma vez por paços de tertúlias outra. E de encomenda. Nas mesas de entrada, estabelecem-se vivas e animadas discussões. São os rapazes da bola que falam de tudo», relatou. Referência ainda, abreviada, A Brasileira era dos principais pontos de convivência da Baixa para «tantos outros cafés que grafonolas reproduzem últi- tarde há o chá das cinco. Um por aí há». «Outros centros de mas criações - as músicas em chá que se toma das quatro às reunião, outros centros de cavoga. Discutem-se problemas seis. Mas é sempre das cinco vaco com a sua cor própria, sociais. A capa negra roça pelo porque é este o número que com a sua vida própria, com fato de cheviote. Em todos os fica no meio... A Central é, há- os seus frequentadores certos. fatos há limpeza. Entre dois go- -de ser sempre, o centro das Ele é o Café Comércio, aberto los de café, gente de vida reme- elegâncias. Quando se ergue até alta madrugada - o café dos diada discute a vida dos infeli- um dedo, fita-se um brasão ou noctívagos. E o café do Nascizes. E procura uma solução rebrilha um anel de preço», mento - além, na Sofia. E tantos, tantos outros! No bairro para os problemas mais com- apreciou. Logo a seguir, na Rua Vis- alto, há a Leitaria Académica. plexos. As grafonolas repetem os discos, tocam sempre - aba- conde da Luz, vejamos o que Por lá passaram as últimas gefando as palavras. E as discus- lhe inspirou a Leitaria Conim- rações. O Joaquim Inácio bricense: «Vamos à “Leitaria! - vulgo Joaquim Pirata - é já hoje sões prosseguem...», anotou. Também na Rua Ferreira Diz isto quem tem saudades um tipo popular, inconfundível. Borges, à porta da Central «al- duma orquestra. E vai-se à Lei- Fica na história da Academia guns escolares», e «todos aque- taria Conimbricense para ouvir de Coimbra - como o almiles que aí assentam arraiais», o “Almeidita Jazz”. Empregados rante Rato, como o França Rotransformavam «o passeio em no comércio, modestos funcio- liê, como a Maria Marrafa, e miradoiro, olhando as rapari- nários públicos, alguns estu- tantos, tantos outros tipos hisgas que desfilam», ousando por dantes e muitos desemprega- tóricos», resumiu. «A reportagem findou. Fezvezes «um galanteio, delicado, dos. Estes últimos procuram correcto». «Lá dentro, há uma esquecer suas mágoas pales- -se a viagem à roda dos cafés colecção de monóculos. Gente trando e deleitando-se com um de Coimbra. Ao de leve, focade bom-tom. Mais estudantes. tango, gemido pelo acordeon ram-se os vários aspectos desBanqueiros. Jornalistas. Co- do Almeidita. Também lá vão ses centros de cavaco, focoumerciantes de nome feito - e bacharéis, por vezes. E entre- -se a vida própria dos cafés em anéis reluzentes. E colecciona- têm-se a disparar as pistolas, torno dos quais gravita toda a dores de ideias a curto prazo - no inocente jogo do “football” vida de Coimbra. Cada centro dos que foram focados dava, perdidos pelos cantos, escon- de caixote...». Já do «histórico Santa Cruz», de “per si”, assunto para uma didos na sombra... Isto, na hora animada - após as refeições. na Praça 8 de Maio, destacou o reportagem. E essas reportaFala-se de tudo. Exige-se mú- «ar solene», em monumento gens hão-de escrever-se. Hãosica clássica. E uma grafonola nacional. «Ao cimo, nas primei- -de vir a público, um dia», prosatisfaz os apetites. A meio da ras mesas, nomes feitos. Capi- meteu o jornalista. M.S.

27/11/1932 A rubrica “CoimbraAcadémica”, da edição de 27 de Novembro de 1932, relatou um episódio típico da boémia estudantil. «Realizou-se ontem, com grande concorrência, o funeral de Sua Majestade D. Porco I”, publicou o Diário de Coimbra, entrando no espírito de um evento que, «com archotes e tochas acesas e um ruidoso cortejo, despertou ao máximo a curiosidade da população conimbricense». Oferecido pelo «conhecido “ganadero” Emílio Infante da Câmara», o animal chegara na véspera à Estação Nova e logo trataram os estudantes de lhe fazer o “cortejo fúnebre”, que «saiu da Alta pouco depois das 21 horas, seguindo pela Couraça de Lisboa, em direcção à Baixa». À frente seguiam Duarte Silva, veterano de Direito, «disfarçado de padre e fazendo as honras fúnebres ao “ilustre” extinto, acolitado pelo académico António Lobo da Costa (Tony), indo às borlas do esquife os novéis médicos» Henrique Mota (o conhecido “Pantaleão”, presidente da Real República Ribatejana), PereiraArinto e Belchior Nunes, que por esses dias festejavam a sua formatura. «Atrás seguiam os zés pereiras atacando um batuque macabro e os amigos e conhecidos do defunto. Por fim, numa “tipoia”, carpia as suas mágoas a família do morto, composta pelos académicos Jorge Pereira, Luiz Laia Nogueira e Augusto C. de Almeida», descreveu o jornal, adiantando que «a “trasladação” do saudoso extinto» se efectuaria, nesse mesmo dia, às 20h00, da sede da Real República Ribatejana (foto) para «os estômagos de todas as pessoas – convidadas, bem entendido – que queiram assistir».


02 | 5 DEZ 2021 | DOMINGO

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Diário de Coimbra Memórias Tabernas de portas abertas até altas horas da madrugada 15/10/1932 O Diário de Coimbra chamou a atenção para o transtorno causado por algumas tabernas da cidade que serviam clientes até altas horas da madrugada. «Não condenamos duma maneira absoluta as tabernas durante a noite. Os concessionários pagam a respectiva licença e num direito legítimo de luta pelo pão cotidiano mantêm os seus estabelecimentos abertos durante as horas concedidas e sacrificam-se. O que não é lícito, porém, é que se abuse, conservando-se as portas abertas até às 3 e 4 horas, incomodando a vizinhança e arruinando-se a saúde dos incautos e inconscientes que não compreendem os prejuízos que lhes advêm da permanência demorada num ambiente saturado de fumo e emanações alcoólicas», verberou.

Morreu atingida pelas marradas de uma vaca 5/10/1932 O jornal noticiou uma «tragédia que contristou todos os moradores» de São João de Loure, no concelho de Albergaria-a-Velha. «Foi o caso que uma infeliz mulher, Maria de Jesus, no momento em que se preparava para mugir uma vaca, foi atingida com algumas marradas do animal que lhe produziram uma perfuração do ventre de tamanhas dimensões que os intestinos ficaram completamente de fora. A vítima veio a falecer, passados momentos», registou.

Queixa contra “mergulhador amador” 13/10/1932 O jornal comunicou que a empresa Tavares Mascarenhas, de Coimbra, apresentou queixa na Polícia de Segurança Pública contra um indivíduo, Victor Manuel, hospedado na Pensão da Beira, «o qual se fez contratar por aquela firma como mergulhador, de cujo métier nada percebe, exigindo, agora, o pagamento dos ordenados combinados».

12/10/1932 A maior parte das escolas não podia comportar mais alunos e apenas metade das 650 mil crianças estavam matriculadas no ensino primário

CINEMA EDUCATIVO SIM MAS HAVIA QUE MELHORAR AS CONDIÇÕES NAS ESCOLAS

C

om o título “O Cinema nas Escolas” publicou este jornal, a 12 de Outubro de 1932, um artigo em que evidenciou as deficientes condições de muitos estabelecimentos de ensino do país, sobretudo em zonas rurais. Vinha o texto a propósito de um decreto do Ministério da Instrução Pública que recomendava e regulamentava o uso, nas escolas portuguesas, do cinema como «um dos mais poderosos agentes de ensino da mocidade escolar». «Foi esta medida, sem dúvida, no campo da instrução em Portugal, uma das mais interessantes e sugestivas que têm saído do Governo da Ditadura. O sr. Ministro da Instrução andou bem inspirado, em torná-la um facto, em dar-lhe corpo, sentido e realidade. Como pessoa culta, lida e viajada, conhece muito bem do que lá fora se faz, em matéria de cinema, sob o ponto de vista didáctico e pedagógico,

D.R.

de uma maneira geral, o problema da instrução, uma grande dúvida se levanta: a de considerarmos impraticável, por enquanto, excepto nos grandes cenEspaços escolares tros, como Lisboa deficientes e falta e Porto, etc., a reade professores lização de tal mecomprometiam o dida. E dizemos isdesenvolvimento educativo do país to porque conhecemos, regularmente, uma boa parte das nossas escolas, na província. A muitas falta-lhes, até, o mais elementar material didáctico, Ministério deu orientações para o uso pedagógico do cinema sem o qual os professores não ao ponto do cinema ser consi- tar a escola é de 650.000, podem, convenientemente, e à derado como um dos melhores achando-se apenas matricula- altura das exigências da pedaagentes e propulsores da cul- das pouco mais de 300.000, ou gogia moderna, orientar, como tura geral nas escolas, come- seja, menos de metade. Várias desejariam, uma das mais noçando pelas infantis e acabando são as causas desta frequência bres e altas funções da socienos cursos superiores», consi- e torna-se indispensável re- dade actual, qual seja a de desgistá-lo. A maior parte das es- bravar os cérebros da criança, derou o articulista. No entanto, na prática, ques- colas não podem comportar iniciando-as na vida do trabationava a eficácia da orientação mais alunos, pela sua exigui- lho intelectual, e levando-lhes ministerial. «Segundo uma es- dade de espaço e de professo- à alma os mais doces e esplentatística oficial, o número de res. De maneira que aos nossos dentes exemplos das virtudes crianças em idade de frequen- olhos, ansiosos de ver resolvido, cívicas e morais do homem»,

observou o autor. E, concluiu, antes de chegar «à altura do cinema educativo, muito, de não menos importante, haveria que fazer, dentro e fora das escolas, de modo a torná-las mais atraentes e confortáveis, dando ao ensino aquilo de que principalmente carece». Dias antes, na edição de 1 de Outubro, o correspondente do jornal em Ribeira de Frades partilhava com os leitores um exemplo desta triste realidade educativa. «Está à porta o ano lectivo, o dia em que a casa que vergonhosamente serve de escola às crianças desta freguesia reabre as suas portas. É mais um ano de sofrimento para aqueles infelizes seres, que de tão novos começam a sentir o abandono a que os poderes constituídos os lançam. Aproxima-se o Inverno! Aproxima-se com ele o sofrimento daquelas inocentes almas! Porquê, perguntarão. Porque, além daquele imundo casebre ser frigidíssimo, não recebendo sequer um único raio solar, a porta e janelas não têm vidros e estão caindo aos bocados, entrando o frio e o vento como se estivessem abertas. Apesar de pedidas as obras indispensáveis, ainda nem a Câmara o fez, nem tão pouco obrigou a dona do prédio a fazê-las», lamentou, num apontamento que intitulou “Escola primária ou túmulo de gente nova?” M.S.

Recepção radiofónica em Coimbra era “deplorável” 15/10/1932

Já aqui recordamos, neste espaço de memórias (15 de Agosto de 2021), o papel do professor catedrático Mário Silva na criação da Emissora Universitária de Coimbra, uma das primeiras emissoras de rádio do país, nascida em 1933, que teve porém existência efémera. Entusiasta da telegrafia sem fios (T.S.F.), o cientista a quem se deve o Museu da Física e o Museu da Ciência e da Técnica publicou neste jornal, a 15 de Outubro de 1932, um artigo sobre os problemas que entravavam o desenvolvimento da radiodifusão nesta cidade. «O problema das comunicações sem fio está, cada vez mais, na ordem do dia. No es-

trangeiro, de há muito que ele merece a carinhosa atenção não só dos que vêem na T. S. F. uma distracção agradável e instrutiva, mas também daqueles que têm sabido compreender os altíssimos serviços que pode prestar a um país uma eficiente organização da sua radiodifusão, considerada nos seus múltiplos aspectos», comentou. Mário Silva congratulou-se por o Estado ter anunciado «para breve o funcionamento da nossa primeira emissora de grande potência», acontecimento «aguardado com o mais vivo interesse por todos os radiófilos do país». No entanto, observou, o problema das comunicações sem

Aparelho da Radio Corporation of America dos anos 3o

fio não se limitava a «fazer emissões de grande potência e de boa qualidade», era preciso também, «antes de mais nada, assegurar uma boa recepção dessas emissões».

«Ora toda a gente sabe, sabem-no pelo menos todos os radiófilos dos grandes centros industriais, que em matéria de recepções radiofónicas a nossa situação é deplorável ou, melhor ainda, vergonhosa. Em Coimbra então, mais do que em Lisboa, mais do que no Porto, bate-se o recorde da barafunda e da barulheira», criticou, atirando culpas para «dois grandes responsáveis: os serviços municipalizados e a direcção dos correios e telégrafos». O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra explicou que «todos os dias, até às 21 horas, é bem sabido que o telégrafo Baudot impede qualquer recepção, sobrepondo-se o seu ruído às

mais potentes emissões estrangeiras. Por outro lado, as péssimas instalações da nossa rede de iluminação e os carros eléctricos mal protegidos, são também fontes importantíssimas de irradiação de parasitas que prejudicam toda e qualquer recepção». Presidente do Rádio Club do Centro de Portugal, Mário Silva apelou às «entidades competentes» que resolvessem a «desordem em que vivemos», oferecendo-se o clube para colaborar no estudo da «melhor forma de fazer as protecções capazes de evitar a irradiação e todas as perturbações electromagnéticas, prejudiciais à boa recepção das emissões radiofónicas».


02 | 12 DEZ 2021 | DOMINGO

DiáriodeCoimbra

Diário de Coimbra Memórias Raptou o namorado para cumprir jura de casamento 12/10/1932 Noticiou o Diário de Coimbra, na edição de 12 de Outubro de 1932, um caso algo insólito ocorrido no concelho da Pampilhosa da Serra. «Amélia Ana, de 19 anos, de Aldeia do Meio (Machio), freguesia e concelho da Pampilhosa, desesperada porque a família de José Maria Lopes, do lugar de Vale Pereiras, contrariava o seu namoro com este, tomou, sobre o caso, uma resolução original. Dirigiu-se, às 16 horas de ontem, a Vale Pereiras e raptou o namorado, levando-o para Aldeia do Melo, disposta a satisfazer a sua vontade de se lhe unir pelo matrimónio, como havia jurado», relatou o correspondente do jornal.

Ficou sem a roupa que deu para lavar 16/8/1932Na Polícia apresentou queixa Maria da Conceição Ferreira, residente na Rua do Cosme, contra Luísa da Conceição Fadiga, dos Palheiros, a quem tinha entregue há três meses «uma porção de roupa para lavar» e esta «não mais lha restituiu», publicou o Diário de Coimbra a 16 deAgosto de 1932, numa local com o título “Quem o alheio veste...”

Aplausos para cinema mais barato 1/9/1932 O jornal elogiou a Empresa do TeatroAvenida por decidir baixar sensivelmente os preços da bilheteira, no «bom desejo de melhorar a situação económica dos habitués do seu cinema», redução tanto mais louvável por estar «apetrechado com um dos melhores aparelhos sonoros e os seus encargos, que são enormes, se conservam inalteráveis». Para a época de Inverno, a inaugurar em Outubro, passaria assim a vigorar a seguinte tabela de preços: camarotes de frente, 22$50; camarotes de lado, 17$60; balcão de frente, 4$50; balcão de lado, 4$00; 1. ª plateia, 3$00; 2.ª plateia, 2$00; geral, 1$00.

12/9/1932 Representantes do comércio reuniram-se com o comandante da PSP, pedindo medidas para a segurança dos seus estabelecimentos

Uma jornalista aventureira em Coimbra

COMERCIANTES DA PRAÇA VELHA RECLAMARAM MAIS POLICIAMENTO NA BAIXA D.R.

iluminação se conservasse até mais tarde e também uma acção conjunta entre a polícia e os guardas-nocturnos que deveriam estar dependentes do Comando da Polícia e assim cooperarem na defesa dos interesses de todos», noticiou o Diário de Coimbra. Palavras que os representantes do comércio ouviram com agrado, ficando a comissão conCâmara deliberou, vencida de que em reunião de 21 de «alguma coisa Abril de 1932, remode proveitoso delar a Praça Velha, resultaria para tornando-a uma benefício daquele praça moderna importante centro comercial - a Praça do Comércio - que bem merece as melhores atenções de quem de direito». Integraram a comissão os Praça do Comércio criou uma comissão para defender os seus interesses junto da PSP comerciantes José Correia «O senhor tenente Sérgio Amado, Fonseca & Ribeiro, insegurança sentida vel da Polícia de Segurança na Baixa de Coimbra Pública para que esta zona Vieira [comandante da PSP] Adelino Borges, Oliveira & C., levou, nove décadas central da cidade fosse «poli- prometeu estudar o assunto o António de Oliveira, Adolfo atrás, uma comissão de co- ciada convenientemente a fim melhor possível, pois que sen- Pinto de Sousa, Ernesto Mimerciantes da Praça Velha a de se evitarem tentativas de ar- tia, mais uma vez, dizer aos pe- randa, João Mendes, Aníbal de avistar-se com o coman- rombamento e outros des- ticionários que a polícia era em Morais, Manuel Rosa Pereira mandos, como ainda há pouco número muito reduzido para de Almeida, Artur Cardoso, dante da PSP. No encontro, lê-se na edi- aconteceu nos estabelecimen- o necessário policiamento mas Henrique Mendes, António de ção de 12 de Setembro de tos dos senhores Adolfo Pinto que se poderia conseguir da Matos, Jorge Mendes, António 1932 deste jornal, foi solici- de Sousa e Joaquim da Silva Câmara uma melhor ilumina- Laidley Guedes e Joaquim da ção ou pelo menos que essa Silva Santos, entre outros. M.S. tada a atenção do responsá- Santos».

A

De chavascal a atraente recinto da cidade 7/10/1932

O Diário de Coimbra destacou, na primeira página da edição de 7 de Outubro de 1932, as obras mandadas fazer pela Comissão de Turismo no sentido de dignificar a Alameda Dr. Júlio Henriques, junto ao Jardim Botânico. «A gravura que hoje publicamos representa um interessante e lindo aspecto da obra que a Comissão de Turismo traz em acabamento

Jornal elogiou Comissão de Turismo por obras em curso

na Alameda Dr. Júlio Henriques, compreendendo um elegante lago, vendo-se ao fundo os velhos arcos e o nicho de S. Sebastião. Para acabamento desta obra, de êxito assegurado, falta apenas a conclusão da Cascata, que é um trabalho delicado e artístico, principalmente no interior, e também o ribeiro e a ponte, anexos à Cascata, trabalhos estes que devem estar concluídos até ao dia 15 do

próximo mês de Novembro, salvo qualquer caso de força maior, que possa surgir», escreveu o jornal, para depois concluir que a referida artéria, que «ainda há bem poucos meses não passava de um autêntico e desprezível chavascal, é já hoje um dos recintos mais atraentes e de destacante beleza da cidade, constituindo uma das mais belas e felizes obras da Comissão de Turismo».

23/10/1932 O Diário de Coimbra registou, a 23 de Outubro de 1932, a passagem de Donata Vanutelli por esta cidade, numa etapa da viagem solitária da jornalista e aventureira pela Península Ibérica, ao volante de um motociclo Peugeot. «É magra. Meia estatura. Os olhos são vivos. Os gestos traduzem agilidade. Lê muito. Estuda muito. E escreve - faz jornalismo, com devoção, com alma, com nervo. Nome: Donata Vanutelli. Colabora na “Vu”, a grande revista francesa. E faz, actualmente, o giro da Península - numa moto. É jornalista profissional. Vive do que escreve. E vive para o que escreve. Assim, enche o depósito de gasolina da sua máquina, enverga o seu “macaco” e parte. Terras que a sua sensibilidade fixa para sempre - e a sua pena descreve, depois, nas páginas dos jornais e das revistas», anotou o repórter que a interpelou nesta cidade, antes de seguir para o Porto, e de lá para a Galiza. Da conversa com a viajante o jornalista transcreve uma confissão. «Dou-me bem com esta vida. Gosto de percorrer o desconhecido - a 68, a 70 quilómetros à hora. O desporto seduz-me. Nasci francesa. Meus pais eram italianos. E eu quero conhecer o mundo!», conta Donata, sobrinha de dois cardeais italianos (um deles, Vincenzo, núncio apostólico em Lisboa). Partilha ainda uma recordação de viagem: «Esta macaquita que me acompanha - a “Pepita” - foi-me oferecida por dois árabes, em Tetuan. Confessaram-me, ao mesmo tempo, que os fascinei, com a minha beleza». «E Donata Vanutelli partiu. Magra, de meia estatura, olhos vivos - rapariga ágil, rapariga do século, rapariga da época que passa. Boa viagem!», desejou-lhe o redactor.


02 | 19 DEZ 2021 | DOMINGO

DiáriodeCoimbra

Diário de Coimbra Memórias Comerciante de queijos assaltado em plena estrada 8/12/1932 O Diário de Coimbra noticiou, a 8 de Dezembro de 1932, um assalto “à antiga” em plena estrada, de que foi vítima o comerciante de queijos João Dias Martins, residente na freguesia de Cativelos (Gouveia). Aconteceu na estrada de Mangualde para Gouveia, nas proximidades da povoação de Rio Torto, onde três salteadores, escondidos «numa mata junto à orla da estrada», surpreenderam e «agrediram fortemente» o comerciante, «espoliando-o da carteira que continha aproximadamente a importante quantia de 30 contos em notas, que levava para satisfazer um pagamento de queijos».Abandonado no meio da estrada e muito maltratado, o homem apresentou queixa no posto da GNR, onde declarou que «dois dos assaltantes o agarraram pelas costas, enquanto o terceiro, mascarado, lhe roubou a carteira». «O caso tem sido o assunto de todas as conversas, já porque a vítima é muito conhecida nesta região, e muito mais pela audácia que revela, fazendo-nos lembrar os tempos idos de João Brandão e José do Telhado», comentou o correspondente do jornal em Vila Nova de Tazem.

Uma fábrica de luvas abriu na Baixa de Coimbra 28/1/1933 «Sob a direcção do hábil industrial sr. José Constante», entrou «em franca laboração» uma fábrica de luvas na Rua Ferreira Borges, n.° 112, informou o Diário de Coimbra na edição de 28 de Janeiro de 1933. «Esta indústria, pouco vulgarizada ainda em Portugal, vem contribuir duma maneira notável para o progresso de Coimbra, pois abre novos horizontes no ramo comercial, que tão acentuadamente se tem vindo a desenvolver nos últimos anos. Além da importância que tal facto representa há ainda a notar a elegância do estabelecimento, das vendas directas ao público, o que muito honra o comércio local», acrescentava a notícia.

26/11/1932 Naufrágio de traineira causou a morte de 10 pescadores da Figueira da Foz e o jornal mobilizou Coimbra para um cortejo solidário

BANDO PRECATÓRIO ACUDIU ÀS FAMÍLIAS DAS VÍTIMAS DE TRAGÉDIA MARÍTIMA

A

tragédia que na noite de 6 de Novembro de 1932 enlutou a comunidade piscatória da Figueira da Foz emocionou a região e deu origem a um movimento de apoio às famílias das vítimas, que o Diário de Coimbra iniciou e patrocinou. Dez pescadores (oito da Cova de Lavos e dois de Buarcos) perderam a vida quando, por volta da meia-noite, defronte da praia da Tocha e a três milhas da costa, a traineira “Augusto” foi abalroada por outro barco de pesca, a “Rosina”. O choque foi de tal forma violento que abriu «uma brecha profunda de dois metros» e meteu no fundo a primeira embarcação, levando com ela 10 dos tripulantes que «em má hora haviam recolhido ao porão, na intenção de descansar», e donde não conseguiram escapar. «A consternação é geral. Viemos há pouco da Cova de Lavos com a sensibilidade esfrangalhada. Dos 10 pescadores vítimas do morticínio da madrugada de ontem, oito eram dali naturais. Residiam com suas famílias, pais, esposas, filhos, irmãos, parentes, no obscuro lugarejo piscatório, um aglomerado de casebres de madeira, duas ou três dúzias, erguidos sobre dunas. O luto, como se avalia, é geral. Imagine-se a vaga de desespero, de dor, quase de loucura, que alucinadamente transfigura aquela pobre gente! A muitas dessas famílias o infortúnio, dum só golpe, roubou a garantia do pão e do amor do seu lar», descreveu o redactor do Diário de Coimbra na Figueira da Foz. Na mesma edição, atento à «mais negra miséria» das «infelizes famílias dos marítimos que a morte arrebatou ao convívio dos seus», o jornal apelou a generosidade dos leitores e abriu uma subscrição pública,

comissão encarregada de organizar o peditório, marcado para a tarde de 26 de Novembro. Apontavam-se em simultâneo outras iniciativas particulares, a exemplo da «sr.ª Conceição Leonardo Barata, esposa do importante negociante de peixe sr. Augusto Barata, que está promovendo, no mercado do peixe, uma subscrição em Naufrágio arrastou favor daquela popara a miséria algubre gente, tendo já mas famílias das conseguido angacomunidades piscariar 118$80, o que tórias da Cova de é digno de registo». Lavos e Buarcos Com feriado escolar concedido propositadamente pelo ministro da Instrução Pública para a tarde de sábado, o bando precatório envolveu bombeiros, filarmónica, organizações estudantis e várias instituições locais, num percurso entre a Universidade e o Largo Miguel Bombarda Bando precatório foi uma iniciativa do Diário de Coimbra (Portagem), pelas praças da Recom um primeiro donativo de cais, enquanto a União Marí- pública e 8 de Maio. «Às 13 ho100 escudos, avançando tam- tima dos Pescadores, reunida ras, no Pátio da Universidade, bém a ideia de promover em na sede dos Bombeiros Volun- aglomeravam-se já muitíssiCoimbra «um bando precató- tários, enaltecia a «nobilíssima mas pessoas, umas para tomar atitude» do Diário de Coimbra parte no bando precatório, ourio, com o mesmo fim». Uma semana depois, ainda «em favor das pobres famílias» tras para serem as primeiras a contribuir com as primeiras esbem viva «na memória de to- das vítimas do naufrágio. Em Coimbra, o repto do jor- molas. E cerca das 14 horas o dos a horrível tragédia», a Associação Naval 1.º de Maio «to- nal encontrou eco nas princi- cortejo saiu. A Filarmónica de mou idêntica iniciativa», dispo- pais «entidades oficiais e parti- Taveiro, à frente, tocando uma nibilizando-se a realizar na Fi- culares». Numa reunião efec- marcha fúnebre; um pronto sogueira da Foz um bando pre- tuada na Câmara Municipal e corro dos Bombeiros Municicatório, com a colaboração de presidida pelo governador civil pais; um carro alegórico da colectividades e entidades lo- Moura Relvas, constituiu-se a União Marítima de Buarcos,

Peditórios de Coimbra e Figueira renderam 14 contos Com o cortejo solidário que a Associação Naval 1.º de Maio realizou dia 20 de Novembro na Figueira da Foz, envolvendo muitas outras colectividades, a generosidade popular ganhou maior amplitude, totalizando os dois bandos precatórios e outras doações uma

verba de 14.085$00 (14 contos). A comissão incumbida de proceder à divisão e entrega das importâncias reunidas nos bandos precatórios de Coimbra e Figueira deslocou-se aCosta de Lavos e Buarcos para, num ambiente de forte emoção, distribuir numa pri-

meira fase a importância de 7.450$00, de acordo com «os encargos de cada família das vítimas», ficando os restantes 6.635$50 depositados no Banco Ultramarino para ser «entregues em tempo oportuno, acrescidos de outras verbas que fossem chegando».

com o seu estandarte; as alunas do Liceu Feminino Infanta D. Maria, com as suas capas estendidas e ladeadas por bombeiros das duas corporações desta cidade. Depois os alunos dos liceus Dr. Júlio Henriques e Dr. José Falcão, bem como os da Escola Brotero e Escola Primária Superior, todos com os seus estandartes. Viam-se ainda representados a Associação Académica, Fado e OrfeonAcadémico e muitas outras instituições, quase todas com os seus estandartes. A fechar, um pronto-socorro dos Bombeiros Voluntários. Com a movimentação do cortejo, com os primeiros acordes tristes e dolentes da filarmónica, verteram-se as primeiras lágrimas e deitaram-se as primeiras moedas nas capas académicas, umas e outras fruto generoso de tantos corações comovidos e compadecidos. Mas os grupos dispersaram-se e, em breve, todas as ruas são invadidas por grupos numerosos de capas estendidas, solicitamente acompanhadas por bombeiros municipais e voluntários. De SantoAntónio ao Calhabé, da Estação Velha a Santa Clara, em todos os bairros e em todas as ruas, os grupos, femininos e masculinos, trabalhavam na sua obra generosa de angariar donativos para as famílias das infelizes vítimas da catástrofe da Figueira da Foz, batendo às portas, subindo e descendo escadas, “assaltando” os transeuntes, entrando nos eléctricos e nas casas comerciais, num afã notável, que nunca esmoreceu», relatou o Diário de Coimbra. Também ao longo do dia o peditório percorreu bancos, lojas, fábricas e outros espaços, sendo do «contentamento de todos» o resultado desta «cruzada de bem», que terminou «já noite cerrada». Feitas as contas, apurou-se um montante de oito mil trezentos e trinta e seis escudos, que ficou temporariamente à guarda da 2.ª esquadra da PSP e seria entregue dias depois (30 de Novembro) à União Marítima de Buarcos, acrescentado do valor da subscrição lançada nas colunas do jornal e de outras contribuições avulsas, numa sessão realizada na Câmara da Figueira da Foz, a fim de ser distribuído pelas famílias das vítimas da catástrofe da traineira “Augusto”. M.S.


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