Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente
ISAÚDEI IEM TEMPOSI IDE PANDEMIAI
Revista de Saúde 3
Diário de Coimbra
INTRODUÇÃO
FICHA TÉCNICA Novembro de 2020 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo Textos: Andrea Trindade e Sónia Morgado Fotos: Ferreira Santos, Figueiredo e Arquivo Coordenação comercial: Mário Rasteiro Vendas: Ana Lopes, Fernando Gomes, Hélder Rocha, Luís Ferrão e Marta Santos Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: Carla Borges e Rui Semedo Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA Tiragem: 10 mil exemplares
SAÚDE EM TEMPOS DE PANDEMIA
A
frase “vai ficar tudo bem” foi a que mais marcou a primeira fase da pandemia quando, nos meses de Março e Abril, fomos todos surpreendidos com uma doença cuja dimensão se julgava já não ser possível, tendo em conta todos os avanços científicos das últimas décadas. Agora, e apesar de aparentemente a esperada vacina estar quase a passar do sonho à realidade, já se percebeu que nem tudo vai ficar bem. É
todo um mundo novo em que a saúde está a ser posta à prova. Quer a nossa, em termos individuais, quer a saúde enquanto sector (público e privado). Nesta revista que hoje dedicamos à “Saúde em tempos de pandemia” fomos perceber como todo o sistema se adaptou a esta nova realidade, pois além da Covid-19 há muitas outras doenças que não podem esperar e cujo diagnóstico e tratamento é urgente. Paralela-
mente, todas estas alterações às nossas rotinas (no trabalho, nas escolas e nas nossas casas) estão certamente a deixar a sua marca, e o papel dos especialistas em saúde mental vai ser importante tanto durante como depois da pandemia. Esta é uma luta de todos e para todos e esta revista é um dos contributos do Diário de Coimbra para informar os nossos leitores, com verdade e com rigor, como fazemos há 90 anos.
4 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
SAÚDE MENTAL
E AGORA,I VAMOS MUDARI A FORMA COMOI VIVEMOS?I
Práticas de meditação ou contemplativas ajudam-nos a trazer a atenção para o momento presente
Oportunidade Desacelerar, viver o momento presente, cuidar mais de nós, do outro e do mundo que nos rodeia, é cuidar da nossa saúde mental
A
pandemia de Covid-19 foi um fenómeno de que ninguém estava à espera, mas vão sempre existir situações inesperadas. Para as ultrapassarmos melhor e para vivermos melhor, não conseguimos controlar pensamentos ou emoções, mas podemos aceitá-los e compreendê-los e, sobretudo, precisamos de mudar os nossos comportamentos. Quem o diz é a psicóloga Cristina Quadros, presidente da Delegação Regional do Centro da Ordem dos Psicólogos, acreditando que este período crítico pode ser uma oportunidade de mudança, desde logo no que toca à importância dada à saúde mental e ao bem-estar psicológico.
Por norma, desvalorizamos, adiamos a procura de ajuda, «muitas vezes não sabemos ou não encontramos a quem recorrer, passamos à frente». Cristina Quadros considera que não temos – cidadãos e instituições cuidado como devíamos da nossa saúde mental e que isso reflecte-se na sociedade. Fazê-lo «implica uma capacidade de conhecimento individual, de ter recursos que nos ajudem a compreender e a normalizar o que estamos a pensar e a sentir, e ter profissionais que nos guiem e apoiem no desenvolvimento dessas competências», diz. A responsável da Ordem lembra a carência de profissionais de saúde mental e, no caso concreto, de psi-
cólogos nos serviços de saúde em geral. «Com um limitado acesso a consultas de psicologia, as pessoas acabam por recorrer, muitas vezes, ao médico de família ou ao psiquiatra, que intervêm sobretudo nos sintomas», mas é aos psicólogos que cabe ajudar as pessoas a compreender o que estão a passar e «ensiná-las lidar com os desafios». Com a pandemia, não desapareceram sintomas de cansaço e irritabilidade, o stress, a sensação de que não se tem tempo para nada, típicos do dia-a-dia das sociedades de hoje, antes se juntaram a preocupação e medo do vírus, do isolamento e da incerteza sobre o futuro. Mas houve também quem
6 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
SAÚDE MENTAL
SNS24 também disponibiliza aconselhamento psicológico Se sente dificuldade em adormecer ou em dormir, se come mais ou menos do que é habitual, se tem dificuldade em concentrar-se noutras coisas não relacionadas com a Covid-19, se não consegue manter o seu funcionamento habitual e ter prazer em actividades de lazer, se está profundamente triste, se tem vontade de consumir álcool em excesso, se está extremamente irritado ou agressivo, deve ligar para a Linha de Aconselhamento Psicológico do SNS24 ou procurar ajuda de um psicólogo. Esta linha resulta de um protocolo entre os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e a Fundação Calouste Gulbenkian que a financia, sendo uma resposta a uma necessidade premente no actual contexto e a uma solicitação do Ministério da Saúde. A Linha de Aconselhamento Psicológico arrancou em Abril e conta com 63 psicólogos, tendo duas vias, uma para profissionais de saúde e outra para a população em geral. São 130 os psicólogos, formados pela OPP, que estão alocados a esta linha, juntamente com outros profissionais de saúde.
aproveitasse a pandemia para parar e reflectir. Houve quem passasse a fazer exercício físico regular, crianças que tinham dificuldades de aprendizagem e que em casa, com o apoio dos pais, conseguiram aprender melhor, famílias que ganharam em passar mais tempo juntas. «De uma maneira geral, a pandemia foi uma oportunidade para fazer diferente, porque o que estamos a fazer-nos está-nos a levar à extinção. Temos de cuidar mais de nós e dos outros, sentirmo-nos mais parte do planeta e cuidar dele também», declara. O que podemos fazer ? Desde logo, «guardar um tempo, todos os dias, para a prática de exercício físico – que pode ser uma hora de ginásio, como uma caminhada ou ioga -, que é tão importante como comer e dormir». Desacelerar do ritmo frenético actual, aprender a viver mais devagar, aproveitando mais intensamente o momento presente é outro conselho de Cristina Quadros. Momentos de acalmia e de partilha com os outros, estar com amigos e família, e momentos de meditação e conexão connosco próprios ajudam a que isso aconteça. A psicóloga sublinha a mais valia de caminhadas na natureza, de práticas contemplativas, meditação ou práticas religiosas, para nos ajudar a «trazer a atenção para o momento presente». Porque, na realidade, a nossa cabeça não pára. «A maior parte do tempo a nossa mente, que passa tanto tempo a divagar, está fora do momento presente, criando cenários catastróficos e ameaçadores que nos levam a atitudes que apenas resultam de imagens na nossa cabeça». Por dia temos entre 50 a 80 mil pensamentos e a maior parte deles são “disparatados”. Não podemos mudar nem
Cristina Quadros é a responsável da Delegação Centro da OPP
controlar as emoções ou esses pensamentos, mas podemos aceitá-los, aprender a olhar para eles, ver se nos interessam ou se devemos simplesmente deixá-los ir, e podemos mudar intencionalmente a nossa forma de actuar perante os acontecimentos, resume. Há estratégias que nem sempre conseguimos implementar sem apoio de profissionais da área de saúde mental, psicólogos ou outros, mas alguma coisa podemos fazer. «Ao levantar da cama, posso guardar dois minutos para dizer a mim mesma o que quero para aquele dia e ao deitar outros tantos para pensar em algo bom que aconteceu. Cultivar uma postura de optimismo e confiança», explica Cristina Quadros. E isto, é algo que se treina e que muda espantosamente a forma do nosso cérebro funcionar. Só com saúde mental e bem-estar psicológico seremos capazes de fazer boas escolhas, de manter uma boa relação connosco, com o outro e tudo o mais que nos rodeia.
Revista de Saúde 7
Diário de Coimbra
SAÚDE MENTAL
“Viver a pandemia sem entrar em exageros” A ansiedade, a preocupação e o medo podem ser mais contagiosos do que o vírus. Se nos deixarmos estar em permanente estado de alerta, a ansiedade deixa de ter o efeito positivo de nos proteger (de nos levar a adoptar e a cumprir as medidas que contribuem para nos deixar, a nós e aos outros, “a salvo” do vírus) para nos paralisar. Por isso, é fundamental desenvolvermos estratégias que nos permitam regular a ansiedade e combater o medo exagerado do coronavírus, alerta a Ordem dos Psicólogos Portugueses no seu manual sobre “Viver a pandemia sem entrar em exageros”.
1
Mantenha-se correctamente informado. Consulte informação credível e actualizada, nomeadamente a disponibi-
lizada pelas fontes oficiais; descarte notícias falsas e boatos; doseie a informação (nem toda é útil); procure informação sobre as medidas de protecção adequadas; procure boas notícias (por exemplo, sobre pessoas que recuperaram).
2
Distinga possibilidade de probabilidade. É possível que fique doente, no entanto, se cumprir o isolamento físico e cumprir os procedimentos de protecção, não é provável que venha a ser contaminado.
3
Controle os pensamentos automáticos negativos. “E se não lavei correctamente as mãos?” Conhece os procedimentos, está atento e cumpriu todos os passos, pelo que, certamente as mãos
estão bem lavadas.
4
As recomendações são para cumprir com rigor mas sem exagero. Lavar regularmente as mãos não é lavar de cinco em cinco minutos; manter a casa limpa e desinfectar superfícies não é esfregar a casa toda com lixívia; isolamento físico não significa que não possa ir ao supermercado ou à farmácia e muito menos que deixe de contactar familiares e amigos.
8 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
SAÚDE MENTAL
SOFRIMENTO PSICOLÓGICO DOS ADOLESCENTES FOI AGRAVADO Falha nas respostas Pandemia alertou-nos “de forma dramática” para a necessidade de criar respostas de saúde mental nas escolas, diz José Carlos Santos
P
resos, numa idade em que devem começar a voar.Arrancados à escola, ao seu grupo de amigos e aos contactos pessoais e sociais que são espinha dorsal do seu bem-estar e desenvolvimento, os adolescentes foram dos grupos mais afectados pelas restrições que esta pandemia impôs. Numa altura em que ainda se desconhecem os impactos a médio prazo do confinamento na sua saúde mental e em que persistem os medos da doença, as limitações em termos de contactos, mobilidade e frequência de inúmeras actividades extra-curriculares, é importante estar, ainda mais, atento à saúde mental dos adolescentes. Isso mesmo defende José Carlos Santos, professor da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) e coordenador do programa de prevenção do suicídio “Mais Contigo”, que tem como população-alvo precisamente os alunos do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário. «A pandemia que vivemos traz menor bem-estar e, nalguns casos, sofrimento psicológico, ainda que só uma minoria de pessoas venha a adoecer do ponto de vista mental. Embora não se saiba ainda a dimensão, sabemos que algumas repercussões ficarão do confinamento, do medo de ser contami-
O regresso à escola e às rotinas foi fundamental para a saúde mental dos jovens
nado ou de contaminar, das novas aprendizagens da vida em sociedade», refere o especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica. Os jovens, grupo já particularmente sensível ao sofrimento psicológico, também sentiram este pesado impacto. As coisas, admite José Carlos Santos, já não estavam muito bem antes. No ano lectivo passado, e à semelhança de anos anteriores, o projecto “Mais Contigo”avaliou 8094 adolescentes, de 127 escolas e colégios de Norte a Sul do país, integrados no programa de pre-
venção de comportamentos sucidários em meio escolar. 31% dos adolescentes apresentaram sintomatologia depressiva (18,9% moderada ou grave) e 10% demonstraram risco elevado de comportamento suicidário. O estudo, repara o especialista, foi realizado entre Setembro e Dezembro do ano passado e, com a pandemia, não foi possível realizar a segunda avaliação, que seria feita em Maio e Junho, no entanto, revela um agravamento da sintomatologia relativamente ao ano lectivo anterior. Mais preocupante ainda é sa-
10 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
SAÚDE MENTAL
Impacto de magnitude ainda desconhecida Ansiedade, depressão, stress, ataques de pânico são problemas do foro mental que podem ter sido agravados ou desencadeados pelo contexto de pandemia que ainda vivemos. Desconhece-se ainda o impacto concreto deste problema de saúde pública na saúde mental das pessoas, concretamente nestas faixas etárias, e os seus efeitos a médio e longo prazo. «Podemos inferir alguma coisa de estudos mais longitudinais que foram realizados na China, mas mesmo esses tiveram conclusões divergentes. Nuns refere-se o aumento considerável de ansiedade e depressão nos adolescentes, noutros que o aumento foi relativo e que a um impacto inicial grande se seguiu uma diminuição da intensidade dos sintomas e da necessidade de cuidados especializados», explica José Carlos Santos, admitindo, neste último caso, o desenvolvimento de estratégias para uma melhor gestão do sofrimento. «É expectável que, com o agravamento de algumas determinantes sociais, como o desemprego, a diminui- ção de rendimentos e o aumento das desigualdades, existam mais factores de risco para a doença mental. Mas a magnitude do agravamento ainda não se pode apreciar, é prematuro», afirma.
ber-se que só uma minoria dos adolescentes têm acesso aos cuidados especializados de que necessita, seja pela ainda grande iliteracia em saúde mental, seja pelo estigma associado ou pela desvalorização dos sintomas – falsos conceitos sobre o que é “normal” nos adolescentes - , seja mesmo pela dificuldade que sentem em aceder aos serviços de saúde.
Impacto ainda desconhecido O que se seguiu a partir de Março, com a pandemia de Covid-19, já todos sabemos. «Fala-se sempre dos seniores, mas os adolescentes foram seriamente afectados». Primeiro privados do contacto com os seus pares e confinados em casa - com menos espaço para a sua privacidade e num ambiente familiar em que, muitas vezes, as tensões aumentaram -, actualmente limitados nos contactos de proximidade, na frequência de actividades desportivas e na própria mobilidade. José Carlos Santos não tem dúvida de que «o sofrimento psicológico dos adolescentes – que não significa necessariamente doença - se agudizou, sem oportunidade de contacto com os pares e dos escapes funda-
mentais nesta fase da vida». Sabendo-se que, por norma, os adolescentes não recorrem a serviços de saúde mental, impõe-se ainda mais intervir na comunidade. Para o responsável do programa “Mais Contigo”, que conta com o apoio financeiro do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, a escola é o contexto ideal para a promoção da saúde mental e para a identificação precoce de sinais e sintomas de doença. José Carlos Santos apela, para isso, a um «reforço da presença de profissionais de saúde mental nas escolas, psicólogos clínicos e enfermeiros de saúde mental», bem como a uma «maior interligação entre escolas e serviços de saúde, designadamente com os cuidados de saúde primários». No entender do coordenador do Mais Contigo, esta pandemia de Covid-19 só veio aumentar a necessidade de intervir na promoção da saúde mental e na identificação precoce de sintomas nos adolescentes e jovens. «Apandemia alertou-nos de forma dramática para insuficiências que devem ser colmatadas o mais depressa possível», sublinha.
31% dos adolescentes apresentaram sintomatologia depressiva (18,9% moderada ou grave) e 10% demonstraram risco elevado de comportamento suicidário
José Carlos Santos coordenou o estudo
Revista de Saúde 11
Diário de Coimbra
SAÚDE MENTAL
ESCUTAR E TRANSMITIR SERENIDADE ÀS CRIANÇAS NESTE “NOVO NORMAL” Psicologia A forma como os adultos lidam com a pandemia tem reflexo no comportamento e também nas preocupações dos mais novos
P
rimeiro confinadas em casa, privadas de escola em parte do ano lectivo passado, e agora sujeitas a uma série de limitações no seu dia-a-dia, as crianças sentem o forte impacto da Covid-19. Nos recreios da escola já não podem correr por onde querem, os jogos de futebol estão suspensos, os contactos entre turmas restringidos, muitas das actividades lúdicas e desportivas que tinham não foram retomadas, os parques infantis continuam fechados… É sabido que, na maioria das vezes, crianças e jovens adaptam-se mais facilmente às mu-
Tatiana Carvalho Homem destaca a influência dos adultos nas crianças
danças do que os adultos, mas esta pandemia restringiu muitas das liberdades essenciais ao seu crescimento saudável. O que podem os pais fazer para minimizar os efeitos negativos deste “novo normal” foi o que tentámos perceber com uma psicóloga clínica que acompanha crianças e adolescentes e realiza aconselhamento parental. Tatiana Carvalho Homem, da clínica Psikontacto – Núcleo de Formação e Intervenção Terapêutica de Coimbra, sublinha que as crianças são muito influenciadas pela forma como os adultos à sua volta se com-
12 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
SAÚDE MENTAL
O que podem os pais fazer? Estar atentos e disponíveis para escutar e validar todas as emoções que os filhos partilhem, acolhendo-as, sem julgar. Sentimentos de preocupação, angústia, medo, incerteza, são comuns a adultos e crianças e partilhá-los de forma ajustada ajuda a normalização dos mesmos. Reforçar os comportamentos de cuidado e segurança (em relação a si próprio e aos outros) que observam nos filhos, elogiando e reconhecendo-os quando estes acontecem. Manter uma articulação próxima com a escola, através dos canais de comunicação disponíveis para tal. Manter o foco no positivo, no que corre bem, naquilo que podemos fazer. Dar à criança/jovem informações acerca da actual situação pandémica, de forma clara e adequada ao seu nível de desenvolvimento, respondendo às questões que as crianças colocam. Procurar encontrar estratégias para continuar a possibilitar às crianças, respeitando as medidas de segurança em vigor, oportunidades para desenvolver a sua identidade dentro do contexto familiar e fora dele. Disponibilizar algum tempo do seu dia para estarem com a criança. Sem distrações, totalmente disponíveis para ela (para brincar, ouvir, estar).
portam e manifestam as suas próprias emoções. «Cada criança terá a sua forma de expressar as emoções e é importante estarmos atentos e respeitarmos», declara. No pós-confinamento, é natural que se tenha verificado uma maior dependência em relação aos pais, sobretudo em crianças mais pequenas, uma maior tristeza, irritação e ansiedade com o regresso a uma realidade escolar diferente. Como «as crianças são muito influenciadas pela forma como os adultos à sua volta manifestam também estas emoções», é fundamental que os adultos «transmitam serenidade e tentem encontrar formas ajustadas de ultrapassar os diferentes desafios que vão surgindo e de lidar com as suas próprias emoções», explica Tatiana Carvalho Homem. Sobre o aumento de sintomas de ansiedade e depressão devido à pandemia de Covid-19, a psicóloga clínica diz que «a vivência de sentimentos de solidão e isolamento por períodos longos de tempo numa etapa do seu desenvolvimento que, naturalmente, já é de maior risco, pode afectar a saúde mental das crianças e jovens». «Quanto mais tempo durar a pandemia e as medidas restritivas associadas, maior será esta probabilidade, uma vez que as crianças e os jovens precisam das relações com outras crianças e jovens para poderem construir a sua identidade e para receberem e darem suporte social». No entanto, salvaguarda, «são ainda necessários mais estudos para avaliar e compreender o impacto desta pandemia a curto, médio e longo prazo na saúde mental de crianças e adolescentes».
Discurso não se pode basear no medo São muitas as regras que as crianças devem agora cumprir, nomeadamente na escola. «A forma como são transmitidas é muito importante. Deve-se colocar as regras sempre pela positiva, elogiar o seu cumprimento e não utilizar um discurso baseado no medo», aconselha Tatiana Carvalho Homem. Com professores, auxiliares e colegas de máscara, é difícil, sobretudo para os mais pequenos e/ou para os que mudaram de escola, «confiar e empatizar com rostos que não vêem». A ausência de manifestações físicas de afecto também é mais perturbadora para as crianças de menos idade. «Mais uma vez, a forma como os adultos procuram gerir este desafio com tranquilidade e soluções mais criativas, tem um grande peso no impacto destas medidas nas crianças», realça. Alterações no padrão de sono e/ou da alimentação alterado, aumento de irritabilidade, aumento de sintomas de ansiedade, medos, preocupações, maior dependência de videojogos e isolamento social, tristeza e choro fácil e persistentes, desinteresse pela escola e diminuição do empenho e do rendimento académico, maior dependência do adulto, queixas de dores de barriga, cabeça, alheamento são, de acordo com Tatiana Carvalho Homem, alguns sinais que devem alertar os pais para procurar ajuda especializada, sobretudo se estes sintomas não existiam antes ou se aumentaram de frequência e intensidade nesta pandemia.
14 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
OPINIÃO
Respeito Pela Vida Carlos Cortes Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos
O
flagelo pandémico que assola as nossas vidas, além do impacto sanitário e económico, lançou-nos um alerta epifânico: não estamos preparados - e nunca o estivemos - para fazer face a uma calamidade, seja ela sanitária ou de qualquer outro setor da sociedade, como aconteceu com a crise económica de 2010. O mundo mostra-se impreparado, incapaz de previsão e hesitante na reação. Esta constatação é tanto mais preocupante já que a História da humanidade está semeada de acontecimentos imprevisíveis e frequentemente de impacto regional ou mundial muito profundos. É mais do que expectável que outros fenómenos infetocontagiosos terão um terreno fértil para se disseminarem num mundo globalizado e interligado graças à espetacular capacidade de comunicação e deslocação humana, como nunca aconteceu até agora. Como também é previsível que um acontecimento de grande impacto sanitário, económico-financeiro, social ou político, mesmo que localizado, possa vir a ter efeitos de contágio e alastramento frenéticos e tornarse rapidamente num evento de dimensão planetária. Os Estados têm a obrigação social de prever (e falham) e de reagir (nem sempre da melhor forma) mas não podem estar solitários nessa responsabilidade. A sociedade civil também está embebida de uma obrigação moral de natureza solidária e fraterna para com os mais expostos e desprotegidos e o dever de colaborar e potenciar a intervenção das autoridades. A “linha da frente” deve envolver todos os
res da Região Centro, das escolas, das Escolas Médicas de Coimbra e da Covilhã e das respetivas associações de estudantes e de que têm capacidade de intervir e de ajudar. A muitos outros contributos individuais, a Secção Regional do Centro da Ordem dos SRCOM organizou, por outro lado, inúmeMédicos (SRCOM) percebeu cedo esse paras iniciativas no terreno. Assim, no sentido pel e atuou em duas linhas: no apoio à inter- de difundir as medidas de prevenção à venção dos profissionais de saúde e na sen- transmissão do vírus da Covid-19, as equisibilização da população para os comporta- pas de voluntários partilharam com a popumentos adequados em tempo de pandemia. lação conselhos sobre boas práticas de saúEstas intervenções foram agrupadas numa de pública e a adoção de comportamentos campanha “Respeito pela Vida” que, formal- seguros, de combate ao vírus SARS-CoV-2, mente, teve início no mês de julho 2020, tendo em conta o contexto de regresso ao mas cujas iniciativas a antecederam nalguns quotidiano das nossas vidas familiares, someses. cial, culturais e laborais. Desde o encaminhamento de profissioEm feiras e mercados, nas praias e em zonais de saúde para residências especialmen- nas de lazer, em estabelecimentos de restaute preparadas para os receber, evitando asração e escolas, estas ações visaram alertar o sim o perigo de contagiarem os seus famimaior número possível de pessoas para a liares no domicílio; passando por entrega de adoção das medidas essenciais de proteção telemóveis, respondendo às insuficiências face à atividade viral. dos centros de saúde em equipamentos de A pandemia do “novo coronavírus” remecomunicação; até à criação de uma linha es- teu-nos para valores de solidariedade, de enpecial de apoio aos médicos mais sujeitos treajuda, de sentido da comunidade que tíaos fenómenos de exaustão e burnout, a nhamos esquecido há muito tempo. A noção SRCOM prestou um vasto contributo para da fragilidade humana, que foi exposta nesfacilitar a atuação médica nos hospitais e tes últimos meses, apelou aos nossos senticentros de saúde. mentos de cooperação e auxílio. Nesta fase sanitária de especial complexiPercebemos, sobretudo, a importância de dade foram organizadas 15 videoconferêncada um de nós no seu papel individual cias (abertas a toda a comunidade) para de- como membro da comunidade global. bater e partilhar as melhores abordagens Estamos ligados a todos os pontos do glocontra este poderoso vírus: a gestão hospita- bo. Devemos ter a consciência que qualquer lar, a investigação médica, a reorganização ação nossa, boa ou má e por mais ténue que dos cuidados de saúde primários, a saúde seja, poderá ter um impacto enorme à nossa mental, a monitorização remota dos doentes volta ou à distância de um continente ou de e, também, a solidariedade. Após o primeiro um oceano. desconfinamento, a SRCOM fez questão de Talvez, os frequentadores do mercado de conhecer a realidade nas unidades de saúde Whuan, na província de Hubei, na China, no da região, do setor público, privado e social. mês frio de dezembro de 2019 em que foi Foi também desenvolvida uma campaidentificado um novo vírus respiratório, não nha visual recordando, de forma simples, as tivessem tido consciência disso. principais recomendações da Direção-Geral Passados dois meses, a 31 janeiro 2020, o da Saúde quanto à etiqueta respiratória, hiSARS-CoV-2 já tinha percorrido 8648km, segienizarão das mãos, colocação adequado meando o caos em Itália e rapidamente ao da máscara facial e distância de segurança. resto da Europa. Com a colaboração da Administração ReAlém das escassas e ainda pouco eficazes gional de Saúde do Centro, das Unidades de opções terapêuticas, a nossa melhor defesa Saúde Pública, das Câmaras Municipais, da reside no nosso comportamento quotidiano Direção-Geral dos Estabelecimentos Escola- e na solidariedade.
Revista de Saúde 15
Diário de Coimbra
CENTROS DE SAÚDE
“PRESTAÇÃO DE CUIDADOS NOS CENTROS DE SAÚDE MUDOU” Cuidados primários José Luís Biscaia, director do ACES Baixo Mondego, reconhece dificuldades e dá conta do que está a ser feito para as minimizar
O
s centros de saúde estão – e sempre estiveram – a funcionar, mas as limitações impostas pela Covid19 têm sido difíceis de compreender e de aceitar para a maioria da população. Onde antes havia uma porta aberta e livre acesso, há agora regras bem definidas; é pedido aos utentes que não se desloquem à sua unidade sem um contacto prévio, mas depois é difícil obter resposta às chamadas telefónicas; sempre que a sala de espera atinge a lotação máxima agora definida, a espera tem de fazer-se na rua. Os profissionais de saúde, por seu
As salas de espera estão já em funcionamento, mas com lotação reduzida
turno, estão assoberbados de trabalho, somando à actividade normal – presencial e à distância - a que é associada à vigilância da Covid-19. José Luís Biscaia assumiu este Verão, em plena pandemia, a direcção do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Baixo Mondego, que coordena as unidades de cuidados de saúde primários de 10 concelhos da região (Cantanhede, Coimbra, Condeixa, Figueira da Foz, Mealhada, Mira, Montemoro-Velho, Mortágua, Penacova e Soure). Ao Diário de Coimbra fala dos novos desafios da pandemia, reconhece dificuldades, revela
16 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
CENTROS DE SAÚDE
o que está a ser feito para as contornar e, sobretudo, enaltece todo o esforço de reorganização para continuar a responder eficazmente aos utentes. «O meu grande desafio, enquanto director do ACES, é criar as condições para que as unidades possam desempenhar o melhor possível a sua missão. Já os desafios que se colocam nos dias de hoje têm a ver com a mudança de paradigma da prestação de cuidados em pandemia, que tornou mais evidentes algumas insuficiências estruturais que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) já tinha», declara o especialista em Medicina Geral e Familiar. No caso dos cuidados de saúde primários, as fragilidades tinham já a ver com «algum défice quantitativo de recursos humanos, sobretudo de assistentes técnicos (secretários clínicos) e operacionais – onde houve menos investimento nos últimos anos -, mas também médicos e enfermeiros, e com as nossas plataformas comunicacionais, leia-se centrais telefónicas».
ACES recebeu milhões de chamadas O problema das centrais telefónicas foi agravado com a pandemia e tem dado origem a inúmeras críticas por parte dos utentes. As consultas não presenciais são hoje a maioria (cerca de 70% do total) e feitas essencialmente por contacto telefónico; há necessidade de agendamentos e pré-agendamentos, para evitar deslocações desnecessárias e aglomeração de pessoas; e ainda o acompanhamento à distância de doentes Covid ou suspeitos. É fácil perceber que a média de quatro linhas telefónicas disponíveis em cada unidade de saúde familiar (USF) ou de cuidados de saúde personalizados (UCSP) é manifestamente insuficiente. «Uma chamada significa agendar uma consulta, fazer eventualmente uma triagem ou um registo clínico do contacto feito com o doente Covid, funcionar com as várias plataformas que não estão integradas... Demora no mínimo 10 minutos, e naquele tempo ninguém consegue ser atendido naquela linha», refere José Luís Biscaia. Quantas chamadas são recebidas noACES Baixo Mondego é algo
e tem de ser visto como uma prioridade. Há um projecto com aARS Centro e aARS Norte, mas está com atraso de dois meses», admite José Luís Biscaia. Estas centrais digitais móveis, agora fundamentais, seriam depois substituídas pela futura plataforma comunicacional que chegará aos centros de saúde, no âmbito da RIS 2020, com maior velocidade e potencialidades de comunicação, mas que ainda carece da instalação de dispositivos de rede nas diversas unidades de saúde. José Luís Biscaia espera que a instalação das centrais móveis digitais ajude
“Compreensão” na hora de esperar
que o responsável não tem contabilizado. Mas é possível extrapolar dados de estudos feitos no ACES Alto Ave, «que é o maior da região Norte e recebeu, só de Janeiro a Agosto, 1,7 milhões de chamadas, das quais atendeu entre 20 a 25%». «Com uma população de utentes ainda superior, o ACES Baixo Mondego terá recebido no mínimo dois milhões de chamadas nesse mesmo período e nenhum ACES consegue responder a isto», admite o médico. A criação de centrais digitais móveis é a resposta imediata a esta situação, que a Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) está a trabalhar com a empresa que ganhou o concurso público para a gestão e fornecimento de comunicações para a Rede Informática da Saúde 2020, a Altice. Na prática, estas centrais permitem dar um telemóvel a cada profissional da unidade de saúde e assim passar das quatro linhas a cerca de 20 linhas; permite ainda que os utentes acedam a um menu de atendimento com várias opções e que a chamada seja devolvida num período de tempo mais ou menos curto, consoante a prioridade definida pela triagem. «Criam um contexto muito mais simplificado e amigável. Conseguiríamos não ter os telefones sempre a tocar e pessoas à espera, organizar as chamadas, ter maior capacidade de resposta, capacidade de organização de chamada e devolução do contacto mediante a prioridade. Não resolvendo o problema todo, era uma ajuda fundamental nesta fase
Os centros de saúde reorganizaram-se, criaram circuitos específicos para doentes do foro respiratório e outros, reduziram a lotação dos espaços para garantir o obrigatório distanciamento entre pessoas. Depois de um período em que a espera era feita no exterior das instalações, as salas de espera voltaram a ser usadas, mas onde cabiam, por exemplo, 20 pessoas, hoje podem estar apenas metade. «Tivemos de mudar todos os procedimentos, tem de haver alguma percepção, por parte dos utentes, destas dificuldades», refere José Luís Biscaia, em resposta às queixas de pessoas que têm ainda de permanecer na rua. Fazer o pré-agendamento – via telefone ou e-mail - de consultas de presença física e deslocar-se mais próximo da hora marcada devem, também por isso, ser regras a adoptar pelos utentes. O director do ACES do Baixo Mondego sublinha que «as consultas de vigilância têm sido realizadas, presencialmente ou não». «Um diabético ou hipertenso com deterioração da sua situação precisa de um contacto presencial, mas se for apenas por uma questão de medicação, a receita pode actualmente ser passada para um prazo de 12 meses, com o utente a poder fazer o levantamento na farmácia», explica. «Ainda que com um calendário um pouco diferente, as consultas de vigilância normais têm sido marcadas, para a grávida, para a criança, para o recém-nascido e até a primeiro ano de vida. Mantém-se uma boa resposta e os bons indicadores nessas áreas», assegura
Revista de Saúde 17
Diário de Coimbra
CENTROS DE SAÚDE
O que fazer perante sintomas de doença respiratória? A menos que existam sintomas graves – febre muito alta, falta de ar, sensação de desmaio eminente, entre outros que exijam rápida avaliação médica –, deve ficar em casa. Sintomas de gripe ou de constipação não são uma urgência. No actual contexto de pandemia, é normal que as preocupações com estes sintomas sejam acrescidas, mas mesmo a suspeita de ter Covid-19 não é uma urgência. Deve contactar com o seu médico de família, de preferência, ou com a linha SNS 24 (808 24 24 24). O que fazer a seguir? O que lhe for recomendado pela unidade de saúde familiar ou pela Linha SNS 24. A partir da avaliação que for feita da sua situação e contexto, pode ser aconselhado a dirigir-se a um serviço de saúde para
consulta presencial, ou mesmo a um serviço de urgência, ou pode ser-lhe recomendado ficar em casa, sob acompanhamento de saúde à distância. Quando devo fazer o teste de Covid-19? Os testes de Covid-19 são de prescrição médica e, apesar de existirem centros de colheita – como o do Parque da Canção, em Coimbra –, são sempre prescritos e agendados depois uma indicação dada pelo médico (ou pela Saúde 24) para a equipa que foi criada pela ARSC para este fim. A pessoa com suspeita de Covid-19 é contactada para saber o dia, a hora e o local onde a colheita vai ser feita. Como sei o resultado? O resultado do teste é-lhe depois comunicado, sendo tão mais rápido consoante o risco identificado. Também ficará a saber
o deve fazer – vigilância de sintomas, quarentena ou isolamento profiláctico, por exemplo. A autoridade de Saúde Pública desencadeará o processo de identificação e rastreamento de contactos de risco, caso o resultado seja positivo. Que medidas de prevenção devo adoptar? Todas as que a Direcção-Geral de Saúde tem divulgado, com destaque para o uso de máscara – em locais fechados mas também no exterior, onde não esteja garantida a distância de segurança entre pessoas -, a lavagem frequente das mãos e/ou desinfecção com soluções apropriadas, o cumprimento da etiqueta respiratória e, sempre que possível, evitar locais fechados e de grande aglomeração de pessoas.
18 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
CENTROS DE SAÚDE
Vacinação contra a gripe sazonal está a decorrer na comunidade A campanha de vacinação contra a gripe sazonal foi este ano antecipada, devido ao contexto de pandemia. Depois de uma primeira fase em que começaram por ser vacinadas as faixas de população consideradas prioritárias – residentes em lares de idosos, profissionais de saúde e do sector social que prestam cuidados e grávidas –, com forte colaboração dos profissionais de centros de saúde, que se deslocaram a muitas destas instituições, arrancou a 19 de Outubro uma segunda fase da vacinação, que tem como alvos os grupos de risco ainda não abrangidos, como os doentes crónicos ou pessoas com mais de 65 anos. O objectivo é conseguir vacinar toda a população de risco num menor espaço de tempo possível. E para isso, refere José Luís Biscaia, os cuidados de saúde primários vão articular-se com estruturas e organismos na comunidade, definindo locais para vacinação fora dos centros de saúde. «Como não podemos ter aglomeração de pessoas nas unidades de saúde, estamos a planear e a agendar, inclusive para os fins-de-semana, e em diversos locais, com a colaboração de juntas de freguesia, por exemplo», revela o responsável do ACES Baixo Mondego, sublinhando que os utentes de risco vão ser contactados pelas suas unidades de saúde para agendar a toma da vacina. Sobre a importância da vacinação em ano de pandemia de Covid-19, o médico repara
Decorre já a segunda fase da vacinação contra a gripe sazonal
Os cuidados de saúde primários vão articular-se com estruturas e organismos na comunidade, definindo locais para vacinação fora dos centros de saúde
ter menos gripe é ter menos factores de risco e menos necessidade de recorrer a serviços de saúde. De resto, tendo em conta a experiência de países do hemisfério Sul, onde o Inverno já passou, a expectativa é de que a incidência de gripe seja este ano menor. «As pessoas adoptaram comportamentos diferentes em termos de etiqueta respiratória, de uso de máscara, de higiene das mãos, distanciamento social, e tudo isso vai diminuir a transmissão de doença respiratória, seja a Covid-19 seja a gripe sazonal», explica o médico.
Revista de Saúde 19
Diário de Coimbra
OPINIÃO
Saúde e pandemia Cristina Quadros Presidente da Delegação Regional do Centro da Ordem dos Psicólogos Portugueses
A
Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) respondeu rapidamente ao enorme e complexo desafio criado pela COVID-19, posicionando-se enquanto contribuidor ativo junto das autoridades e dos decisores, da comunicação social, das diversas entidades e organizações da sociedade civil, procurando também corresponder às necessidades de cada individuo e de cada família. Neste contexto, além do apoio aos seus membros, têm sido disponibilizados contributos da ciência psicológica na informação e suporte à comunicação e tomada de decisão das autoridades e decisores e dado apoio especifico a diferentes organizações. Disponíveis no site da OPP, de forma organizada estão disponibilizados, de forma simples e atrativa, documentos, recursos e instrumentos de literacia aos cidadãos de todas as idades. Recentemente, a OPP lançou o Documento “Crise Económica, Pobreza e Desigualdades – Relatório sobre Impacto Socioeconómico e Saúde Mental”, dividida em três capítulos: A Influência dos Determinan-
tes Socioeconómicos na Saúde Psicológica / Mental; Os Impactos da Pandemia, da Crise Socioeconómica, da Pobreza e das Desigualdades na Saúde Psicológica / Mental dos Portugueses; Acções para o Futuro – Diminuir o Impacto da Crise Socioeconómica Provocada pela Pandemia COVID-19 na Saúde Psicológica / Mental dos Portugueses. Neste documento, no sentido de preparar o futuro, prevenindo e mitigando os efeitos negativos da crise socioeconómica, são apresentadas um conjunto de evidências científicas sobre as principais áreas nas quais se prevê que crise socioeconómica decorrente da Pandemia COVID-19 terá mais impacto, bem como os fatores que podem produzir ou precipitar dificuldades e problemas de Saúde Psicológica / Mental nos cidadãos portugueses. São também propostas iniciativas que se creem importantes para minimizar os impactos na saúde e bem-estar dos cidadãos da situação que vivemos. Sabemos que a pandemia provocou efeitos nefastos na Saúde Física e na Saúde Psicológica / Mental. O cumprimento das medidas de segurança e proteção contra o SARS-CoV-2 implicou uma reorganização das relações, do trabalho, da educação, do dia-a-dia. A natural ansiedade e medo daí decorrente, apanhou uma população já fragilizada por crises anteriores e estilos de vida menos saudáveis, provocando uma diminuição geral do bem-estar e um aumento
do stresse e dos problemas de Saúde Psicológica / Mental, como a ansiedade e a depressão. O documento refere que os impactos da pandemia COVID-19 e da crise socioeconómica que dela decorre, na Saúde Psicológica/Mental dos portugueses, são ainda, como é expectável, pouco conhecidos, começando agora, a surgir resultados de alguns estudos. Refere como exemplo, um estudo coordenado pelo Psicólogo Mauro Paulino, com 10 500 participantes da população geral, que concluiu que quase metade (49,2%) reportou impactos psicológicos moderados ou severos. Finalmente, são propostas ações concretas para minorar o impacto e desenvolver competências, destacando aqui: Colocar as pessoas no centro das politicas públicas; Garantir o acesso aos Serviços e Cuidados de Saúde Psicológica/Mental, Prevenir e Promover a Resiliência, o Auto-Cuidado e o Bem-Estar.
A natural ansiedade e medo daí decorrente, apanhou uma população já fragilizada por crises anteriores
20 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
ONCOLOGIA
Margarida Ornelas presidente do IPO de Coimbra
IPO DE COIMBRA É “FORTALEZA ANTI-COVID” Prevenção O IPO de Coimbra conquistou a distinção de unidade de saúde “covid free” com várias medidas de controlo de infecção e sensibilização junto dos utentes
O
IPO tem vindo a responder de forma positiva ao desafio que se mostrou ser a pandemia de Covid-19, estruturando e adaptando as respostas internas. «Num hospital com as características do IPO, com doentes imunodeprimidos e características próprias, este acaba por ser um desafio ainda maior»
mas graças a um grande esforço de planeamento e reestruturação (tanto física como dos recursos humanos) esta unidade de saúde transformou-se numa unidade de saúde “covid free” sendo por isso apelidada por muitos, como recorda ao Diário de Coimbra Margarida Ornelas, presidente do IPO de Coimbra, como uma “fortaleza anti-covid”.
«Registamos um diminuto número de casos, tanto em profissionais como em doentes, sendo que em doentes os casos identificados foram quase na sua globalidade sinalizados no âmbito dos programas de rastreio», esclarece. Logo no primeiro mês do ano, multiplicaram-se as reuniões de trabalho com o grupo de trabalho ligado à questão do controlo da infecção com acções de sensibilização junto dos profissionais. Em Janeiro, começou também a ser desenhado o plano de contingência, tendo vindo a ser publicado em meados de Fevereiro «e sucessivamente adaptado ao longo do tempo». Com a chegada do mês de Março, restringiu o acesso de acompanhantes e visitas ao interior das instalações e houve um reforço imediato do stock de medicamentos, de dispositivos médicos e equipamentos de protecção individual, em linha, de resto, com todos os hospitais do país e da região. Foram ainda redesenhados os circuitos de doentes, fluxogramas de actuação dos profissionais e foi reforçada a equipa de controlo da infecção. «A 11 de Março, o surto do novo coronavírus atingiu o nível de pandemia e a 13 de Março tomamos algumas acções que entendemos que foram rápidas e precoces e que se mantêm até hoje» lembra Margarida Ornelas, enumerando algumas dessas iniciativas: criação dos postos de atendimento prévio no campus hospitalar com vista a fazer o rastreio clínico a todos os doentes antes de entrarem nas instalações. Poucos dias depois, a 18 de Março, foi suspenso o acesso de visitas e acompanhantes, limitando-se a circulação dentro do IPO. «Num hospital em que a humanização de cuidados
Revista de Saúde 21
Diário de Coimbra
ONCOLOGIA
é palavra-chave, percebemos que não podíamos defraudar esta vertente do conforto para os doentes e foram por isso criados mecanismos alternativos para que pudessem continuar a estabelecer contacto com os seus familiares», refere. Nesse sentido, foram promovidas visitas virtuais, através de tablets, dinamizadas pela equipa de apoio psicossocial, de forma a estabelecer esta proximidade com as famílias. Foi criada também uma linha telefónica de apoio aos familiares e foi também disponibilizado acompanhamento psicológico aos doentes. Nas medidas implementadas os profissionais de saúde não foram esquecidos, face à incerteza e ansiedade que a pandemia tem gerado na maioria das pessoas. Nesse sentido, foi criado um suporte, tanto pela psicologia como pelo serviço de psiquiatria, de apoio a todos os profissionais do IPO, ao mesmo tempo que as equipas de trabalho eram reorganizadas.
Medicamentos enviados para casa e segundo Hospital de Dia De forma a evitar deslocações desnecessárias dos utentes, a 25 de Março, o IPO «foi pioneiro na remessa dos medicamentos para o domicílio dos doentes», refere Margarida Ornelas. Nessa mesma linha de pensamento, e sempre que possível, nos meses de Março e Abril «as consultas presenciais foram substituídas por outro tipo de consultas (telefónicas ou videochamada), garantindo sempre uma resposta aos nossos doentes». Em Abril, foi definido um local para a avaliação de casos suspeitos, e o hotel de doentes foi adaptado para acomodar um segundo Hospital de Dia com capacidade para 12 doentes em tratamento sistémico em simultâneo. «Este Hospital de Dia, que funcionou ainda durante bastante tempo, permitiu dar resposta aos doentes da Figueira da Foz mas também estava preparado para receber doentes de toda a região Centro. Este hospital funcionou até
Junho», sublinha a presidente do IPO. No final de Abril, foi pensado o plano de retoma da actividade assistencial, com todos os directores de serviço, facto que se viria a verificar em Maio, a um bom ritmo. Nesta vertente, foi importante o reforço da confiança dos utentes para que não deixassem de marcar presença nas consultas. «Elaboramos brochuras e foram enviadas mensagens com o lema “este é um hospital seguro, pode confiar em nós, não falte ao seu agendamento”, tentando contrariar faltas que pudessem existir e que efectivamente foram contornadas através de uma grande acção de comunicação», diz. As actividades de ensino, formação e investigação viriam também a ser retomadas em Maio. No fundo, «num curto espaço de tempo, tomaram-se decisões que se traduziram em bons resultados. Para isso, contribuiu também a capacidade de adaptação dos nossos profissionais» sublinha.
22 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
ONCOLOGIA
Rastreio à Covid-19 intensificado O rastreio à Covid-19 tem-se vindo a in-
tensificar no IPO de Coimbra e neste momento «a maior parte da nossa população tem de fazer o teste. Estamos a falar de 100 a 150 por dia», sejam doentes que iniciam quimioterapia, radioterapia ou que dão continuidade a esses tratamentos, sejam doentes que tenham de se submeter a procedimentos invasivos, como actos cirúrgicos, em cumprimento das normas da DGS. Decorria o mês de Abril quando foi feita a reconfiguração dos cuidados oncológicos, surgindo a necessidade, «e muito bem, de todos os doentes que estão a fazer tratamento de quimioterapia, radioterapia ou doentes cirúrgicos, serem rastreados. Isso implicou, praticamente de um dia para o outro, termos uma resposta instalada de testes num período em que havia ruptura de stocks por todo o país e por todo o mundo» lembra Ana Pais, directora clínica do IPO de Coimbra. Não tendo sido, desta forma, um processo fácil de agilizar, esta unidade de saúde conseguiu implementar esses programas de rastreio de uma forma muito célere. Por um lado, garantindo a segurança e evitando deslocações desnecessárias dos utentes, através da Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) e dos laboratórios por ela convencionados, quer através de um protocolo estabelecido com o laboratório de microbiologia da Faculdade de Medicina, os testes de rastreio eram feitos em contexto de proximidade, nas áreas de residência dos doentes. Este passo foi dado através da criação de uma plataforma informática desenvolvida pelo serviço de informática do IPO, que permite «fazer a gestão diária dos pedidos de testes e agendamento em contexto de proximidade. Esta é uma medida que vamos manter» garante Ana Pais.
Laboratório de virologia em Novembro Em Abril, face à necessidade que sentiam de dar uma resposta mais competente e estruturada, tornando-se o IPO autónomo, os
Ana Pais, directora clínica do IPO de Coimbra
responsáveis deste organismo candidataram-se a uma linha de financiamento para a criação de um laboratório de virologia.Aobra, um investimento no valor de sensivelmente 200 mil euros (infraestrutura física e equipamentos), iniciou a 20 de Outubro e prevêse que entre em funcionamento no final do mês de Novembro. «Vai ser muito importante para nós, porque nos vamos tornar autónomos, vamos conseguir dar uma resposta muito mais rápida e muito mais ampla em termos de rastreio. Nós somos um hospital livre de covid mas obviamente, como todos os hospitais, também temos os nossos casos diagnosticados porque neste momento o país não está em confinamento, está a funcionar normalmente, e há uma transmissão na comunidade que é patente e portanto temos tido casos quer em contexto de rastreio (grande parte das pessoas está assintomática) e também temos tido casos muito pontuais em profissionais o que é algo perfeitamente normal.
O nosso objectivo não é evitar ter casos, o nosso objectivo é identificá-los precocemente e instituir medidas de segurança de modo a que a instituição consiga continuar a trabalhar e estas pessoas tenham o devido encaminhamento para os cuidados de saúde primários ou eventualmente para outras unidades hospitalares. Daí ser fundamental a nossa articulação, através da ARSC, com outros hospitais e até com os cuidados de saúde primários, para fazer o acompanhamento dos nossos doentes».
Obras para a criação do laboratório de virologia devem estar concluídas no final deste mês, num investimento a rondar os 200 mil euros
Revista de Saúde 23
Diário de Coimbra
ONCOLOGIA
Consultas e cirurgias com bons índices de produção Do ponto de vista global das consultas, considerando primeiras consultas e de seguimento, nos dados acumulados até Setembro, o IPO de Coimbra registou «um ligeiro desvio positivo de 3%». Relativamente à actividade cirúrgica, registou uma quebra de cerca de 7% «mas que está a ser recuperada», refere Margarida Ornelas, presidente, realçando ainda o facto de se terem mantido as cirurgias urgentes e toda a actividade que pudesse ter sido suspensa no período mais crítico da pandemia (optando-se, sempre que possível, pela consulta não-presencial) foi já toda remarcada. «O plano de retoma, que se desenhou em Abril e implementou em Maio, tem vindo a acontecer e a melhor mostra disso são os
Plano de retoma com bons resultados
dados do mês de Setembro. De acordo com a ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde), ao nível das primeiras consultas
e consultas subsequentes, tivemos o melhor mês em termos de produção dos últimos 10 anos com 12.207 consultas realizadas, 2.171 das quais primeiras consultas. Relativamente à actividade cirúrgica, considerando o mês de Setembro, também estamos com um incremento de intervenções cirúrgicas e com a melhor performance dos últimos cinco anos, significando um aumento na cirurgia de ambulatório e na cirurgia convencional», atesta Margarida Ornelas, realçando que neste momento estão com uma capacidade de resposta de 100% nas consultas. No que diz respeito aos rastreios, a presidente do IPO de Coimbra refere que houve uma suspensão transitória dos rastreios do cancro do cólon e recto e cancro da mama, por orientação superior, mas que «foram rapidamente retomados», e houve ainda uma redifinição do rastreio do cancro do colo do útero. Neste momento, os três rastreios estão a funcionar em pleno, garante.
24 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
ONCOLOGIA
Novas regras no acesso ao interior do IPO Todos os doentes que se dirigem ao IPO
têm de passar por um dos dois postos de atendimento prévio instalados no campus hospitalar onde é realizado um rastreio clínico por elementos de enfermagem. «Consiste na avaliação da temperatura e num questionário de saúde que procura identificar aquilo que são definidos pela DGS como os critérios suspeitos para Covid. No final, não sendo identificado um caso suspeito, é entregue ao doente o chamado cartão passaporte, que é validado e lhe permite aceder a todos os edifícios» refere Ana Pais. A partir daqui, o circuito é o que já era normal, obviamente garantindo que se cumprem as regras de segurança, em termos de distanciamento físico nas salas de espera, de etiqueta respiratória e higiene das mãos. «Todas as nossas áreas comuns foram readaptadas e estão devidamente sinalizadas para que as pessoas se sintam mais confortáveis e seja mais fácil fazer o cumprimento dessas regras de segurança. Isto é transversal a doentes e a profissionais», explica a directora clínica. No que diz respeito ao acompanhamento dos doentes, o IPO mantém alguma restrição por questões estruturais, das distâncias de segurança, mas é garantindo sempre que ele é clinicamente indicado, ou sempre que o doente tem necessidade. As visitas também ainda se mantêm condicionadas, sendo permitidas visitas nos cuidados paliativos, em contexto de fim de vida. «O plano de saúde nacional Outono/Inverno preconiza uma retoma segura às visitas. Neste momento, estamos a articular com os serviços essa retoma segura porque a visita implica um espaço próprio, implica que a visita seja conhecedora das normas internas e implica um agendamento prévio. Esperamos que a evolução da pandemia nos permita essa retoma segura como está contemplado no plano de saúde nacional quer no nosso institucional», auspicia a responsável. Investimentos em curso O investimento faz parte das linhas estra-
IPO de Coimbra mantém regras para visitas e acesso de acompanhantes dos doentes
tégicas do actual Conselho de Administração e neste momento, refere Margarida Ornelas, o IPO está com um investimento global de mais de 37 milhões de euros, não considerando neste montante o valor do laboratório de virologia. «Aqui o grande desafio vai ser conseguir manter todo este investimento num contexto covid» diz. O bloco operatório periférico está em construção, num investimento de 1,8 milhões de euros, que se espera que esteja concretizado até ao final do ano. Recentemente também foi dado visto prévio do Tribunal de Contas para a aquisição de dois aceleradores lineares no valor de 5,8 milhões de euros, «que nos vai permitir aumentar a complexidade dos tratamentos com equipamentos de última geração a nível mundial». Está também prevista a requalificação do edifício da cirurgia, num montante a rondar os 28 milhões de euros, cujo início está previsto no próximo ano. «No início do nosso mandato tivemos um concurso que ficou deserto relativamente a este novo
edifício, uma ambição há muito esperada, e depois, por força da resolução do Conselho de Ministros de Maio de 2018, conseguimos o montante do investimento necessário para que fosse possível. O processo foi adjudicado em Julho deste ano e estamos a envidar esforços no sentido da sua concretização». Está também em fase de conclusão um processo de requalificação energética no âmbito do POSEUR no valor de 1,6 milhões de euros. «É um plano de investimentos muito significativo e que no fundo mostra que, apesar da covid, o hospital não pára, e continua com vários projectos em curso».
IPO está neste momento com um plano de um investimento global de mais de 37 milhões de euros
Revista de Saúde 25
Diário de Coimbra
ONCOLOGIA
“O CANCRO CONTINUA E PRECISAMOS DE O ATALHAR URGENTEMENTE” Rastreios Liga Portuguesa Contra o Cancro estima que mais de mil diagnósticos de doença oncológica tenham fica por fazer durante a pandemia maram a actividade de rastreio em meados de Junho, enquanto o Norte – que aguardava renovação de protocolo com a ARS – retomou apenas agora. «Estimamos que cerca de 240 cancros da mama ficaram por identificar nesse período, tendo o seu diagnóstico atrasado», diz ao Diário de Coimbra.
Mamografia é segura e necessária
Liga mantém uma campanha importante de rastreios com unidades móveis
P
ortugal regista cerca de 55 mil novos casos de cancro por ano, uma média de 4.500 por mês, detectados quer por diagnóstico clínico quer através de programas de rastreios organizados. Ora, de 16 de Março a 16 de Junho, devido à pandemia de Covid-19, rastreios foi coisa que não houve e a actividade de centros de saúde e hospitais foi muitíssimo condicionada, o que também diminuiu consideravelmente os rastreios oportunísticos. As pessoas somaram as dificuldades em aceder a consultas, para expor os seus sintomas e serem avaliadas, o seu próprio receio da pandemia e… ficaram em casa. Mas o cancro não deixou de existir. A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) estima que só cancros da mama, do cólo do útero e do cólon e recto – os três rastreios que existem organizados no nosso país – tenham ficado por diagnosticar perto de mil casos nos últimos oito meses, apesar do rastreio do cancro da mama já ter sido retomado
em Junho. Soma-se o rastreio oportunístico destas e de outras patologias oncológicas, realizado aos utentes em consultas regulares com o médico perante a avaliação de factores de risco, sinais ou sintomas, que também ficou por fazer. As contas feitas por Vítor Rodrigues, presidente da LPCC, têm por base os rastreios realizados no mesmo período do ano passado e os seus resultados em termos de casos positivos encontrados. «Neste momento, diria que não andaremos longe dos mil diagnósticos precoces de cancro que estão atrasados (mama, útero e cólon e recto) em todo o país, destes três rastreios organizados e do rastreio oportunístico que também não está quase a fazer-se», declara. O rastreio de cancro da mama é da responsabilidade da Liga e cobre actualmente todo o país à excepção de uma parte da região de Lisboa e Vale do Tejo. Algarve, Madeira, Açores e região Centro do país reto-
O LPCC está a convocar as utentes para rastreios, por carta ou por telefone, e tem as suas unidades fixas e móveis completamente preparadas para as receber, no estrito cumprimento pelas normas de segurança impostas pela Direção-Geral de Saúde. No entanto, o medo de algumas mulheres (o cancro da mama afecta uma esmagadora maioria de mulheres) persiste. «Apenas 70% das pessoas chamadas estão actualmente a marcar presença. A unidade de mamografia é completamente segura e é preciso lembrar que quanto mais cedo diagnosticarmos o cancro melhor», declara a o médico e também responsável pela Delegação Centro da LPCC.
Rastreio do cancro da mama foi retomado, mas os do cólo do útero e do cólon e recto estão praticamente parados No que se refere aos outros dois rastreios de cancro «estão praticamente parados». «O rastreio do cancro do cólo do útero é feito [tendo por base colheitas realizadas] nos centros de saúde, que estão com graves problemas na sua actividade e ainda têm de somar alguma actividade anti-Covid, portanto alguma coisa tem de ficar para trás, e a parte menos aguda fica para trás. Temos muito
26 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
ONCOLOGIA
poucos casos por ano, em termos quantitativos – e só em termos quantitativos - acaba por não ser muito grave», explica Vítor Rodrigues. O mesmo não acontece com o cancro do cólon e recto, um dos cancros mais prevalentes no nosso país e cuja incidência tem vindo a aumentar. De acordo com Vítor Rodrigues, há «falhas na operacionalização» dos cuidados de saúde, com as consultas nos centros de saúde a não serem feitas na presença de um médico, o que permitiria dar a primeira referenciação da doença com a prescrição de um exame de diagnóstico perante um sintoma suspeito e após a observação do utente. «Os grandes hospitais tiveram uma diminuição de 20 a 25% nas referenciações. Se o diagnóstico está a falhar, porque não há requisição de exames, vai haver impacto a prazo», afirmou, assinalando que o cancro é tanto mais tratável
Mortalidade vai crescer a médio e longo prazo A retoma da actividade de rastreio e diagnóstico precoce está a ser lenta e a recuperação dos diagnósticos adiados na pandemia também. «O impacto na mortalidade a curto prazo pode não ser significante, e vai depender dos tipos de cancro e se são de evolução lenta ou rápida, mas a médio e a longo prazo, haverá certamente uma diminuição da sobrevivência», declara Vítor Rodrigues, lembrando que o cancro é tanto mais curável ou tratável quanto mais precocemente for identificado e “atacado”.
“Há mais vida para além da Covid” Não existindo um diagnóstico precoce e
um tratamento atempado, o cancro é mais difícil de tratar. E por isso é que é tão importante que as pessoas participem nos rastreios que já estão a decorrer e procurem expor sinais ou sintomas que tenham ao seu médico assistente, seja no centro de saúde, seja no hospital e ou clínicas privadas. Isso mesmo reforça o responsável da LPCC, que deixa ainda recomendações a doentes oncológicos já diagnosticados como tal: «Não devem parar de fazer nem adiar os seus tratamentos. A doença continua lá e precisamos de atalhar, sob pena do cancro se descontrolar e voltar a aparecer num estadio mais avançado. O tratamento em doença avançada tem menor eficácia». «Havendo sinais ou sintomas suspeitos, as pessoas devem deixar de os valorizar e devem recorrer a um serviço de saúde – e neste momento, com maior ou menor dificuldade, já existe capacidade de resposta – sem receios, porque centros de saúde e hospitais têm procedimentos de segurança que os tornam mais seguros do que a grande maioria dos
Vitor Rodrigues destaca papel do rastreio
outros locais públicos. E não faltem às consultas, porque o cancro continua lá. Há mais vida – e mais doenças - para além da Covid», resume Vítor Rodrigues. O médico, especialista em Saúde Pública e professor da Faculdade de Medicina de Coimbra, aproveita para esclarecer que «a doença oncológica per si não é considerada factor de risco para Covid-19». «Factores de risco [para a infecção] são co-morbilidades como a idade avançada, a obesidade, o sistema imunitário deprimido – que pode acontecer por se estar em tratamento activo como a quimioterapia -, a hipertensão, a doença pul-
quanto mais precocemente for diagnosticado. No caso do cancro do cólon e recto, há ainda uma questão adicional que tem prejudicado o diagnóstico precoce nestes tempos de pandemia: «perante uma pesquisa de sangue oculto nas fazes que dê positivo, deve ser realizada uma colonoscopia, um procedimento que envolve anestesia e que nestes tempos de pandemia tem sido mais reservado aos casos de pessoas que apresentam sintomatologia», explica o presidente da LPCC. Recorde-se que a colonoscopia permite, ao mesmo tempo, diagnosticar e ainda tratar algumas lesões que antecedem o cancro. Um terço dos novos casos de cancro diagnosticados todos os anos pode ser prevenido e outro terço curado se forem detectados e tratados numa fase precoce.
monar obstrutiva crónica ou ter outras doenças associadas que outras pessoas sem cancro também podem ter.Aúnica excepção, segundo o que se sabe, são os doentes com tumores líquidos (linfomas e leucemias) que, esses sim, têm risco acrescido para a Covid-19», especifica. O presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro lembra que a tendência é para que as doenças oncológicas venham a aumentar, de mãos dadas com o envelhecimento da população, mas frisa que existem condições para diagnosticar o cancro cada vez mais precocemente e para o tratar de maneira eficaz. «Haverá uma maior incidência de cancro mas uma cada vez menor mortalidade associada. O cancro tornar-se-à definitivamente uma doença crónica e é assim que o teremos de abordar, criando as respostas mais adequadas, cada vez mais na comunidade e cada vez menos em meios hospitalares», diz o responsável. A aposta será ainda, como noutras doenças crónicas, a prevenção através da promoção de estilos de vida saudáveis, refere o médico, notando que é também esse o caminho que a Liga tem vindo a fazer, em articulação com diversas entidades que estão no terreno.
28 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
REGRESSO ÀS AULAS
NOVAS REGRAS PARA UM ANO LECTIVO ATÍPICO Ensino O presente ano lectivo está a ser o mais atípico dos últimos anos. Alunos quase sem contacto entre si, sem recreios e com uso de máscara. Tudo para prevenir a propagação da Covid-19
Escolas têm vindo a pôr em prática regras de distanciamento e higienização
M
ilhares de alunos, do primeiro ciclo às universidades, regressaram aos bancos da escola em meados do mês de Setembro, depois de vários meses de ensino à distância. A pandemia de Covid-19 precipitou o encerramento preventivo das escolas e instituições de ensino superior obrigando a uma adaptação, quase “em cima
do joelho”, a uma nova forma de ensino que exigiu um esforço de todos: alunos, pais e professores. Volvido mais de meio ano desde a chegada da pandemia de Covid-19 a Portugal, os alunos voltaram às aulas presenciais nas respectivas instituições de ensino, onde têm vindo a ser aplicadas medidas de saúde pública, em consonância com as medidas
implementadas a nível comunitário, de forma a ser garantida a segurança de toda a comunidade escolar. No “Referencial escolas – Controlo da transmissão de Covid-19 em contexto escolar”, a Direcção-Geral da Saúde define as regras e normas para o ano lectivo que está a decorrer, realçando que «face à evolução epidemiológica e tendo como prioridade garantir o direito à educação das crianças e jovens, gradualmente, os países ajustaram as suas políticas e medidas, reabrindo os estabelecimentos de educação ou ensino». Esse mesmo documento determina que «o encerramento dos estabelecimentos de educação ou ensino e o confinamento, ainda que sejam medidas necessárias para o controlo de uma epidemia, têm impacto nos determinantes sociais, mentais e ambientais da saúde, que se podem reflectir em consequências a longo prazo no bem-estar físico, psicológico e social dos alunos». Evitando ainda o surgimento de consequências que tendem a aumentar as desigualdades sociais e de saúde já existentes, a autoridade de saúde definiu, assim, estratégias que permitem o ensino presencial, dando prioridade à prevenção da doença e à minimização do risco de transmissão do SARS-CoV-2, com condições de segurança e higiene nos estabelecimentos de educação ou ensino na retoma do ano lectivo 2020/2021. Para tal, foi elaborada uma Orientação conjunta da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, da Direcção-Geral da Educação e da Direcção-Geral da Saúde (Orientações Ano lectivo 2020/2021, de 3 de Julho de 2020), na qual consta um conjunto de medidas preventivas a adoptar.
Diário de Coimbra
Revista de Saúde 29
Essas mesmas medidas têm vindo a ser postas em prática nos diversos estabelecimentos de ensino, não evitando, contudo, o surgimento de casos de Covid-19 estando as escolas e entidades de saúde atentas e a trabalhar em conformidade para a minimização dos riscos de contágio. Isso mesmo tem-se registado e verificado no Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro, em Coimbra, onde desde o início do ano lectivo, e até meados de Outubro, foram identificados dois casos de Covid-19. Tal facto levou a que as turmas em causa, uma da EB da Solum Sul e outra da Eugénio de Castro, fossem, por prevenção, postas em casa, em isolamento profilático. É o procedimento aconselhado para situações similares, isto é, quando a delegada de saúde recomenda que a turma tem de recolher a casa para um período de quarentena. Os 21 alunos da turma do 4.º ano regressaram à escola no início de Outubro e tiveram, durante o período em que estiveram em casa, aulas à distância. «Funcionou muito bem porque como é uma turma do primeiro ciclo tem uma única professora» o que facilitou a organização do ensino à distância através da plataforma Google Classroom e Zoom. Quanto aos alunos da Eugénio de Castro também foram todos para casa por prevenção «uma vez que o aluno que testou positivo pouco contactou com a turma», como esclarece António Couceiro, director do Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro. Neste caso, “as contas” complicaram-se um pouco mais porque a delegada de saúde determinou igualmente o isolamento de quatro professores.
Ora, estes professores não dão aulas apenas à turma que foi mandada para casa e por isso «foi um pouco complicado gerir, exigindo um grande jogo mental» para que ninguém ficasse sem aulas. Assim, os colegas do aluno que testou positivo estiveram em casa e a ter aulas através do Google Classroom, com ensino à distância assíncrono. Já os professores colocados em quarentena, ministraram às restantes turmas, cerca de 14 como esclarece António Couceiro, aulas por videoconferência, com os alunos na sala de aula e com um outro professor presente para assegurar a ordem entre os estudantes. Este modelo de ensino manteve-se para as turmas envolvidas, até 16 de Outubro.
Documento da DGS define as regras e normas a seguir pelos estabelecimentos de ensino Num agrupamento com cerca de 1.700 alunos, «é de todo provável que dê mais casos, temos noção de que vai dar mais» afiança António Couceiro, não sem antes realçar que o seu papel é o de dar tranquilidade aos pais. «Tem de haver tranquilidade, ponto. Se entramos em histerismos não funciona. Sabemos o terreno em que pisamos, sabemos as medidas de segurança que temos tido e temos que continuar a agir assim, sem alarmismos». Quanto aos “meninos”, como carinhosamente o director se refere a todos os alunos do agrupamento, «portam-se lindamente e são o melhor do mundo».
30 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
REGRESSO ÀS AULAS
Como agir perante um caso positivo na escola
1
.º) São imediatamente activados todos os procedimentos constantes no seu Plano de Contingência e é contactado o ponto focal designado previamente pela Direcção do estabelecimento de educação ou ensino.
2
.º) O caso suspeito de Covid-19 quando se trate de um menor, é acompanhado por um adulto, para a área de isolamento, através de circuitos próprios, definidos previamente no Plano de Contingência, que deverão estar visualmente assinalados. Sempre que se trate de um adulto, dirige-se sozinho para a área de isolamento. Na área de isolamento deve constar o fluxo de actuação perante um caso suspeito em contexto escolar.
3
.º) Caso se trate de um menor de idade, é contactado de imediato o encarregado de educação, de modo a informá-lo sobre o estado de saúde do menor. O encarregado de educação deve dirigir-se ao estabelecimento de educação ou ensino, preferencialmente em veículo próprio.
4
.º) Na área de isolamento, o encarregado de educação, ou o próprio se for um adulto, contacta o SNS 24 ou outras linhas criadas para o efeito e segue as indicações que lhe forem dadas. O director ou o ponto focal do estabelecimento de educação ou ensino pode realizar o contacto telefónico se tiver autorização prévia do encarregado de educação.
5
.º) Caso exista um caso suspeito triado pela SNS 24 ou outras linhas de triagem telefónica, é contactada de imediato a Autoridade de Saúde Local/Unidade de Saúde Pública Local, cujos contactos telefónicos devem constar num documento visível na área de isolamento, e estar gravados no telemóvel do ponto focal e do director do estabelecimento de educação ou ensino.
6
.º) AAutoridade de Saúde Local prescreve o teste para SARS-CoV-2 e encaminha para a sua realização; esclarece o caso suspeito, se for um adulto ou o encarregado de educação, caso se trate de um menor, sobre os cuidados a adoptar enquanto aguarda confirmação laboratorial e sobre os procedimentos seguintes (no que for aplicável da Orientação n.º10/2020 da DGS). A deslocação para casa, para os serviços de saúde ou para o local de realização de teste deve ser feita em viatura própria, ou em viatura própria dos encarregados de educação. Se tal não for possível, deve ser utilizada uma viatura de transporte individual, não devendo recorrer-se a transporte público colectivo. Durante todo o percurso o caso suspeito e o(s) respectivo(s) acompanhante(s) devem manter a máscara devidamente colocada.
7
.º) AAutoridade de Saúde Local, no primeiro contacto com o estabelecimento de educação ou ensino, procede a uma rápida avaliação da situação/risco, para deci-
dir a celeridade e amplitude das medidas a adoptar. Caso considere necessário, pode implementar medidas de protecção, enquanto aguarda confirmação laboratorial, nomeadamente: Isolamento dos contactos que estiveram sentados em proximidade na sala de aula ou no refeitório ou outros contactos próximos identificados; após confirmação laboratorial do caso, deve prosseguir com a investigação epidemiológica: inquérito epidemiológico; rastreio de contactos e avaliação ambiental.
8
.º) AAutoridade de Saúde informa o caso, os contactos de alto e baixo risco e o estabelecimento de ensino sobre as medidas individuais e colectivas a implementar, de acordo com a avaliação da situação, nomeadamente: isolamento de casos e contactos, encerramento da turma, de áreas ou, no limite, de todo o estabelecimento, limpeza e desinfecção das superfícies e ventilação dos espaços mais utilizados pelo caso suspeito, bem como da área de isolamento (Orientação n.º 014/2020 da DGS); acondicionamento dos resíduos produzidos pelo caso suspeito em dois sacos de plástico, resistentes, com dois nós apertados, preferencialmente com um adesivo ou atilho, e colocação dos mesmos em contentores de resíduos colectivos após 24 horas (nunca em ecopontos). Para implementação de medidas e gestão de casos, a Autoridade de Saúde Local, pode mobilizar e liderar uma Equipa de Saúde Pública.
Revista de Saúde 31
Diário de Coimbra
CRIANÇAS & JOVENS
EM CASO DE DÚVIDA, PAIS DEVEM LEVAR CRIANÇAS AO MÉDICO Prevenção Novas regras de atendimento e de circulação no Pediátrico de Coimbra. Unidade de Saúde viu diminuir o número de urgências em tempos de pandemia
A
s crianças são o melhor do mundo. São muitos que o dizem e de facto assim é. Por isso, o Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC), a pensar no melhor para elas, para os seus acompanhantes e para os profissionais de saúde, tem vindo a definir novas regras de funcionamento desde o início da pandemia. Guiomar Oliveira, directora desta unidade hospitalar, realça, a nível do ambulatório, a aplicação do desfasamento de horários, com o horário de atendimento alargado, das 8h00 às 20h00. Desta forma, assegura-se que a sala de espera está apenas
Guiomar Oliveira, directora do Hospital Pediátrico de Coimbra
com um terço da lotação recomendada contando, para isso, com a boa aceitação e adesão de todos os profissionais a esta medida. «Não pedimos mais tempo de trabalho aos profissionais. Não é isso que está aqui em causa. O que está em causa é desfasar e penso que isso é importante. Falamos das oportunidades no meio da disrupção e do caos, com melhorias e adaptações» garante. Comparando a afluência ao serviço de urgência no mês de Setembro com período homólogo do ano transacto, Guiomar Oliveira diz ainda existir alguma margem de controlo,
32 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
CRIANÇAS & JOVENS
Circuitos de circulação definidos de acordo com a patologia
uma vez que têm acorrido «100 crianças por dia quando em 2019 eram 150» mas «estamos preparados para que a situação se possa complicar nos próximos meses. Novembro e Dezembro costumam ser meses terríveis em que a afluência ao serviço de urgência mais que duplica. O nosso número médio é à volta de 200 urgências por dia e nesses meses de Inverno chega aos 350». Recordando o mês Março, a directora do Pediátrico refere a preocupação que sentiu quando, de repente, as urgências desta unidade hospitalar ficaram desertas, sem crianças por todo o lado.«Em Março, comparando com 2019 em que tínhamos 200 crianças por dia, esse número reduziu para as 90, contando que tínhamos dias com 30 ou 20», sublinha, ao mesmo tempo que refere que isto reflecte o facto de muitos casos terem ficado em casa sem avaliação médica. «Não se pode ir por tudo ao hospital mas saber qual é a fronteira é muito complicado. Se me perguntarem quais os critérios para uma pessoa ir ao serviço de urgência não me atrevo muito a dizê-lo. Não há recomendação: na dúvida, ir». Actualmente, e para um bom e eficaz atendimento de todos os que chegam ao Hospital Pediátrico de Coimbra, foram criados circuitos. «Na primeira vaga, Março e Abril, as coisas ainda não estavam tão maduras, tão
estruturadas. Era um bocadinho no dia-a-dia que nos íamos adaptando, mas tentando sempre planificar. Neste momento, a nossa urgência tem circuitos Covid e não Covid. Logo na admissão temos dois corredores: os dos doentes respiratórios (a vermelho) e dos doentes não respiratórios (a verde). Às vezes nem sempre é fácil perceber para que fila é que devem ir e por isso temos na admissão, junto à inscrição, uma enfermeira a fazer esta pré-triagem. Depois, de acordo com os corredores, temos triagens próprias para doentes Covid e não Covid mas devo dizer que recorrentemente há muitas dúvidas e temos de, muitas vezes, discutir caso a caso».
“Não há nenhum quadro clínico específico de Covid em crianças” Guiomar Oliveira refere ainda a grande preocupação, que de resto é transversal a todas as unidades do CHUC, com o momento em que não se sabe se estão ou não perante um caso positivo de covid «e por isso temos também bem definido onde as crianças ficam à espera do resultado do teste» afirma. Até meados de Outubro, aquando da conversa da responsável do Pediátrico com o Diário de Coimbra, tinham sido registados cinco casos positivos de Covid-19 resultantes de rastreios electivos, ou seja, crianças que foram
rastreadas porque iam ser operadas ou internadas, não apresentando, à priori, qualquer sintoma associado ao novo coronavírus. Nas crianças, os sintomas são ligeiros e podem passar despercebidos. «Não temos nenhum quadro clínico específico que seja de covid numa criança. Por este motivo, os surtos podem de facto aparecer por mais cuidado que se tenha. A medicina é mesmo assim».No entanto, sublinha que entre os utentes internados «ainda não tivemos nenhum caso positivo, nem das crianças nem dos acompanhantes, nem mesmo dos profissionais». Desde o início da pandemia e até Outubro foram realizados 4.400 testes de Covid-19 a utentes do Hospital Pediátrico e destes 32 foram positivos «o que dá menos de 1%» do total de testes realizados. A taxa positiva está reduzida porque, diz Guiomar Oliveira, «na época da primeira vaga só se fazia teste aos suspeitos com critérios mais rígidos, agora alargou-se a testagem à actividade programada não urgente que na altura de Março e Abril parou e que agora estamos a retomar quase a 100%».
No início da pandemia, as urgências do Pediátrico ficaram sem crianças, facto que preocupou Guiomar Oliveira, com muitos casos a ficarem sem avaliação médica «O Hospital Pediátrico está neste momento com 100% no serviço ambulatório, igual a 2019, e as cirurgia estão em 75% comparando com 2019», afirma a responsável. Desta forma, neste momento o pediátrico assegura o atendimento de situações que possam ser covid e todas as outras, urgentes e situações programadas não urgentes. «Isto requer muito trabalho adicional, muita organização, muita ligação dos profissionais, desde o segurança até ao chefe da equipa, todos os elementos são importantes no sentido da transmissão de informação. Isso verifica-se no hospital pediátrico» garante a responsável desta unidade hospitalar.
34 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
MATERNIDADE
Novas regras e orientações da DGS sobre nascimento e parto
PROJECTOS DE VIDA CONCRETIZADOS EM TEMPOS DE PANDEMIA Maternidade Ser mãe pode revelar-se, nesta fase, um desafio ainda maior, ou poderá representar apenas uma história para contar, mais tarde, aos mais pequenos
M
uitas são as mulheres que procuram (muitas vezes em vão) a altura certa da vida para embarcarem na viagem da maternidade, adiada numa grande parte dos casos por questões profissionais. Isto é tanto verdade, como o facto da evolução da medicina contribuir para que as
mulheres possam ser mães mais tarde, sem riscos para a mulher e para o bebé, como outrora. Trata-se de um projecto de vida idealizado a dois e que se espera poder ser vivido pelo casal, com o pai presente nas ecografias, consultas e na hora do parto. No entanto, a
pandemia de Covid-19 deitou por terra muitos dos planos das mães e pais (alguns de primeira viagem) que viram chegar do outro lado do mundo um vírus que ditou medidas restritivas para que fossem evitados riscos de contágio. As grávidas deixaram de ter direito a acompanhamento nas idas às unidades de saúde e inicialmente as maternidades não permitiam que o pai estivesse presente no momento do nascimento. Felizmente, para muitas grávidas e para os pais, as novas orientações da Direcção-Geral da Saúde já o permitem. Com 31 anos, Marília Costa descobriu estar grávida em pleno período de confinamento. Ela e o marido, pais de primeira viagem, decidiram iniciar este projecto de vida no final de 2019, e quando se começou a falar da pandemia ainda não sabia que estava grávida e não equacionou em adiar, uma vez mais, o seu desejo de ser mãe. «Este projecto de vida já vinha a ser adiado há algum tempo e tinha decidido que agora era mesmo para ser», lembra. Depois de alguns meses a tentar engravidar foi com um misto de ansiedade e surpresa que descobriu estar grávida e com a naturalidade possível e com muita tranquilidade tem vivido a sua gravidez. «Tenho procurado resguardar-me e ter os cuidados necessários mas sem medos e sem viver obcecada com a doença», realça. O seu acompanhamento médico tem sido feito no privado porque, conta, já tinha passado a fase do primeiro trimestre quando foi ao centro de saúde local e por tal facto já não aceitaram seguir a sua gravidez.Assegura ter um bom apoio por parte do médico Rui Artur, na Clínica Médica Artur Coimbra, em Penacova, lamentando apenas não ter tido a
Revista de Saúde 35
Diário de Coimbra
MATERNIDADE
presença do pai nas duas primeiras consultas, em plena fase de confinamento, sobretudo na consulta das oito semanas, «porque sendo o primeiro filho de ambos e primeira gravidez, é uma emoção sentir que temos um outro ser dentro de nós e estive sozinha nessa descoberta. Com o levantamento do confinamento o meu marido continua sem acompanhar as consultas mas já está presente nas ecografias, com o cumprimento de todas as normas de segurança exigidas», explica. Marília Costa revela, no entanto, sentir-se mais ansiosa com a chegada do parto. O seu filho Pedro irá nascer na Maternidade Daniel de Matos, em Coimbra, e sabe que, se o teste que irá realizar à Covid-19 der negativo, o pai será chamado apenas no momento exacto do nascimento. «Mas tudo isto não é fácil de prever porque só no dia do parto é que se sabe. O bebé pode até nascer sem dar tempo de se saber o resultado do teste como aconteceu com uma amiga que foi mãe recentemente». Por isso, «tenho-me mentalizado que vou estar sozinha para não criar expectativa. Está previsto nascer a 28 de Dezembro, pode antecipar ou não, e como irá ser na altura do Natal, que já se prevê que não seja normal este ano, deixa-me ainda mais ansiosa a possibilidade de poder estar na maternidade sozinha nessa época mas nem vale a pena pensar muito nisso». A quem, tal como ela, está grávida, ou pode vir a estar, diz, pela sua experiência pessoal, que não se deve abdicar deste projecto de vida por causa da actual situação de pandemia. «Estamos sempre à espera que algo melhore nas nossas vidas para sermos mães e isso nunca acontece. Para mim, a altura
ideal coincidiu com a pandemia e não me arrependo nem tenho receio de trazer ao mundo uma criança na situação em que estamos. É ter o máximo cuidado para nos protegermos a nós e ao menino», ressalva, acrescentando que «este será um marco na vida do nosso filho e terei uma história para lhe contar». Por sua vez, Lilia Marques, de 33 anos, foi mãe, do seu segundo filho (uma menina), em tempos de pandemia. Até Março deste ano teve uma vida e gravidez normais, mas, o diagnóstico de diabetes gestacionais e o desconhecimento inicial em relação ao vírus SARS-CoV-2 fez com que ficasse em casa de baixa médica por se tratar de uma gravidez de risco. « De início tive algum receio. Ficamos sem consultas no Centro de Saúde de Eiras, mantendo-se as consultas na Maternidade Bissaya Barreto, todos os meses, e onde também realizávamos as análises necessárias», lembra. Já não se podia fazer acompanhar pelo pai e sem ter com quem deixar o seu primeiro filho por causa da pandemia, «o meu marido ficava no carro com o nosso filho de quatro anos». A pequena Miriam viria a nascer a 30 de Agosto, com o pai a ter a possibilidade de entrar na sala de partos apenas no momento exacto do nascimento, depois do teste à Covid-19 ter dado negativo.
“Para mim, a altura ideal coincidiu com a pandemia e não me arrependo nem tenho receio de trazer ao mundo uma criança na situação em que estamos”
«O nascimento foi tão rápido que quando o chamaram já a Miriam estava cá fora», lembra. Aquando da primeira gravidez, o pai teve a possibilidade de estar presente desde que deu entrada na sala de partos e por isso sentiu-se mais sozinha, sem ninguém familiar para dar a mão. E sendo repetente nestas andanças, notou algumas diferenças, como por exemplo «pouco pessoal» na maternidade mas ressalva a «equipa cinco estrelas» que ajudou Miriam a vir ao mundo. Depois de 48 horas, e num tempo mais curto que o habitual, mãe e filha saíam da maternidade. Desde então, tem tido as consultas normais, todas as semanas, no centro de saúde, para o controlo do peso da bebé. Nos últimos tempos Lilia Marques constatou, no entanto, que a situação tem vindo a piorar, com «o centro de saúde sem alguns médicos e enfermeiros» e talvez por isso, lamenta o facto da consulta de um mês da sua bebé não ter sido realizada no devido tempo, com o seu reagendamento a ser efectuado em devido tempo, refere, lembrando que também o seu filho não teve a consulta dos quatro anos que estava marcada para Abril deste ano. Sendo esta a sua segunda gravidez, Lilia Marques sentiu, na primeira pessoa, as diferenças entre ser mãe antes da pandemia e durante a pandemia. Confessa sentir-se um pouco saturada de tanto tempo em casa e com receios do que podem ou não fazer para evitarem expor a família ao risco de contágio. Contudo, vão tentando levar a vida com alguma normalidade, mas conscientes de «não se pode fazer tudo. Temos de pensar neles».
36 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
MATERNIDADE
Maternidades organizam-se para garantir maior segurança O funcionamento das maternidades do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) teve de ser repensado, por forma a garantir segurança de todos, com o cumprimento das normas emanadas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS). Houve uma fase em que foi privilegiado o atendimento telefónico, para apoio a dúvidas que pudessem surgir fora do contexto de urgência. «Foi efectivamente muito útil. Permitiu que as pessoas se sentissem seguras, que esclarecessem dúvidas e não congestionassem, quer consultas, quer urgências», lembra Teresa Almeida Santos, directora do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia, Reprodução e Neonatologia do CHUC, sublinhando que as normas da DGS prevêem consultas à distância sempre que não seja necessária a presença física da grávida, minimizando os riscos de possíveis contágios. A responsável refere mesmo que, na fase inicial de pandemia, de Março a Maio, com todo o receio que existia, verificou-se uma diminuição acentuada do número de urgências e do número de consultas subsequentes. «O número de urgências reduziu cerca de 5% e o número de consultas subsequentes 17% relativamente a período homólogo do ano passado» refere. Com «condições estruturais deficientes», os circuitos foram um pouco difíceis de estabelecer mas rapidamente foram definidos, garantindo a segurança de todos. Para grávidas que testem positivo, a Direcção das maternidades alocou um piso para que assim fiquem isoladas das que testem negativo. Desta forma, a capacidade de internamento da Bissaya Barreto está reduzida a metade o que obriga a uma transferência de grávidas entre maternidades, consoante o teste seja negativo ou positivo. Contudo, Teresa Almeida Santos realça que a maior dificuldade das maternidades prende-se com o contexto de urgência inerente ao próprio parto que não é possível atenuar.
Teresa Almeida Santos, directora do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia, Reprodução e Neonatologia do CHUC
«Temos de actuar muitas vezes sem saber o resultado do teste» e aí reside a maior dificuldade em separar as possíveis “Grávidas Covid” das “não Covid”. «Quando são intervenções programadas, nomeadamente cesarianas, testamos dois dias antes para podermos programar qual a maternidade em que essas grávidas poderão ter o seu parto», refere a responsável apelando a que as grávidas que saibam de antemão que são “Covid positivo” que telefonem para a urgência da maternidade ou para a Linha Saúde 24 para que sejam encaminhadas correctamente, evitando-se assim transportes posteriores entre as maternidades. «Procuramos minimizar o desconforto do transporte e por isso estamos a fazê-lo o mais precocemente possível». Uma outra medida que tem vindo a ser implementada nas maternidades de Coimbra prende-se com uma política de altas mais precoces. «As grávidas da zona de Coimbra, sobretudo nos segundos filhos, poderão ter alta às 36 horas em vez das 48 horas, com acompanhamento telefónico ou domiciliário se for necessário. Entendemos que esta é
uma das formas mais rápidas de libertar camas», salvaguardando a saúde da mãe e do bebé. No que diz respeito à presença do pai, ou outro acompanhante, no momento do parto, as maternidades de Coimbra têm vindo a tomar novas medidas na sequência da publicação da orientação 18/2020 da DGS que preconiza «que tanto quanto possível se proporcione o acompanhamento, sobretudo no parto mas também na assistência durante a gravidez». Neste sentido, os acompanhantes são rastreados através de um inquérito epidemiológico. Se for negativo, poderá estar presente no momento do nascimento. Posto isto, «as grávidas só não terão acompanhamento durante o parto se o acompanhante tiver tido contacto com alguém positivo nos últimos 14 dias ou se tiver sintomas. Naturalmente aí não terão acompanhamento porque colocam em risco toda a gente. Se a grávida estiver positiva em princípio também não terá acompanhamento». Já nas consultas e ecografias não tem sido possível garantir acompanhamento porque, «devido à infraestrutura das maternidades não é possível assegurar o distanciamento físico nos gabinetes». Excepção feita apenas em consultas de diagnóstico pré-natal em que é necessária uma decisão do casal ou explicar, em simultâneo, uma situação difícil que exige uma decisão conjunta. Já as visitas de familiares, e à semelhança do que foi feito em todas as unidades do CHUC foram suspensas de uma forma geral. «Custa-nos muito porque sabemos que são momentos irrepetíveis e que são muito gratificantes mas não há condições para as assegurar. Não há aqui como não há nas restantes maternidades do país» ressalva Teresa Almeida Santos. A excepção existe apenas em situações de internamentos prolongados na medicina materno-fetal. Nesses casos, e mediante autorização médica, «tem sido possível haver visitas, não como existia anteriormente, mas algum acompanhamento familiar, naturalmente também rastreado com questionário e com todas as medidas de protecção que são exigidas», elucida a responsável.
Revista de Saúde 37
Diário de Coimbra
OPINIÃO
Adversidade: trampolim para a maturidade Anabela Mascarenhas Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Farmacêuticos
D
esde há 9 meses que, à escala global, temos vindo a confrontar-nos e a tentar responder a uma pandemia. Uma crise inesperada, para a qual ninguém teve verdadeiramente tempo para se preparar. Crise que gerou problemas complexos, caracterizados pela incerteza e pela imprevisibilidade. Perante a complexidade, e responsabilidades decorrentes, os portugueses responderam o melhor que puderam com os recursos disponíveis. Todos se manifestaram prontos, e todos, particularmente os profissionais de saúde, foram mobilizados, entregando-se de corpo e alma a este combate. Na urgência da pandemia, os farmacêuticos foram chamados à linha da frente. Mais, foram formalmente chamados a responder perante as adversidades como parceiros e parte integrante do SNS. É este justamente o papel que lhes compete, não só em período de crise pandémica. Desde a renovação da medicação a doentes crónicos, à dispensa de medicamentos hospitalares nas farmácias comunitárias até à recente administração das vacinas da gripe do contingente do SNS nas farmácias comunitárias. E foram as intervenções dos farmacêuticos que minimizaram muito do impacto negativo que a pandemia teve, e continua a ter, na saúde dos portugueses. Sublinhamos, de forma particular, a necessidade de apoio aos idosos, cujo isolamento e abandono
se agudizou neste período. Ao isolamento e à solidão soma-se a degradação do seu estado de saúde, por falta de acompanhamento nos cuidados de saúde primários e por incapazes de sequer gerir a sua medicação. Salientamos, a este respeito, projetos em curso resultantes de protocolos estabelecidos entre Câmaras Municipais e farmácias comunitárias para a preparação individualizada da medicação e acompanhamento farmacoterapêutico de doentes idosos e carenciados. Volvidos estes primeiros meses de pandemia, não se realizaram 10 milhões de consultas nos cuidados de saúde primários, quase 1 milhão de consultas hospitalares, no SNS, 100 mil cirurgias adiadas e muitos milhares de rastreios por fazer, para além do normal acompanhamento dos doentes crónicos. Muito há agora por fazer pela saúde dos Portugueses! Este é um desafio que diz respeito a todos, e a dimensão desta exigência impele-nos a delinear estratégias robustas, transversais e incorporando todos os saberes e todos os profissionais de saúde, numa atuação multidimensional. E se no início da pandemia se aceitou a interrupção, programada, dos cuidados assistenciais para garantir a resposta aos doentes Covid-19, preservando a capacidade do SNS para estes doentes, importa agora recuperar esses cuidados, mitigando o n.º de mortes acrescidas por doenças não Covid. A crise sanitária que se instalou irá sobreviver muito para além da fase crítica da pandemia. E o que se exige dos decisores políticos é liderança e estratégia. Liderança e estratégia, assentes nos ensinamentos retirados desta crise profunda, usando instrumentos de planeamento dinâmicos, pessoas mobilizadas, serviços
ágeis e processos expeditos. E, fundamentalmente, em colocar as pessoas no centro das decisões, responder às suas necessidades. E, nesta medida, urge reconhecer e devolver ao farmacêutico o seu papel enquanto peça chave na engrenagem do SNS. O SARS-CoV-2 continua a ter muito de desconhecido, sendo imprevisível antever a evolução da pandemia, as mutações do vírus e, mesmo, a capacidade de imunização da vacina. Por isso, não podemos definir estratégias avulsas e improvisadas de combate à pandemia. Devemos, antes, redesenhar modelos de convivência, de vida nas cidades, de trabalho e teletrabalho, e fundamentalmente de prestação de serviços assistenciais e de cuidados de saúde. Porque a atual situação pandémica, a par de todos os males que trouxe, deve ser vista como oportunidade para repensar a nossa vida, o nosso estilo de vida e, entre outras coisas, a prestação de cuidados de saúde. Se nenhum ensinamento for retirado desta adversidade, então não, não vai ficar tudo bem! Parafraseando o nosso Saramago, “não há nenhum caminho tranquilizador à nossa espera. Se o queremos, teremos de construí-lo com as nossas mãos.”
Foram as intervenções dos farmacêuticos que minimizaram muito do impacto negativo que a pandemia teve e continua a ter
38 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
CHUC
OS DESAFIOS DA PANDEMIA NO MAIOR HOSPITAL DO PAÍS Hospitais Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra estabeleceu um plano de contingência para a segunda vaga e tenta, até ao limite do possível, manter a actividade programada
A
saúde de milhares de pessoas depende do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), o maior do país, e seria impensável ver substancialmente reduzida a sua actividade. Se, em Março deste ano, surpreendido pela pandemia de Covid-19, o país optou por suspender toda a actividade programada dos seus hospitais, canalizando os esforços para o combate à nova doença, hoje, sabendo-se do impacto negativo que isso teve na saúde da população, o desafio é manter uma luta em duas frentes, conciliando o mais possível a resposta a doentes Covid e não Covid. Ao Diário de Coimbra, o presidente do Conselho deAdministração do CHUC, Carlos Santos, garante que o dispositivo está montado para dar uma resposta segura ao aumento de número de casos de Covid-19 e manter, até ao limite do possível, a actividade clínica de um centro hospitalar com dois pólos hos-
à cirurgia, meios complementares de diagnóstico – e, simultaneamente, criar uma resposta segura ou tão segura quanto possível e eficaz para lidar com o crescimento do número de casos de Covid-19 como estamos a confrontar-nos». O presidente do Conselho de Administração sublinha que «não há dispositivos absolutamente eficazes e absolutamente seguros» e que «a segurança de qualquer dispositivo hospitalar tem de ser trabalhada a montante – na orientação dos fluxos dos doentes, numa articulação muito forte e muito profissional de todas as forças e entidades que estão no terreno, desde a Administração Regional de Saúde, à autoridade de Saúde Pública, mas também aos próprios cidadãos e à consciência de cada um sobre como utilizar o sistema de saúde correctamente».
Carlos Santos e Nuno Deveza explicam a estratégia do CHUC
pitalares de adultos, duas maternidades e um hospital pediátrico. O que se faz no sistema de saúde, a montante a jusante dos hospitais, os recursos existentes e a capacidade de resposta dos profissionais serão determinantes nos próximos tempos, além, naturalmente, da evolução da pandemia em número de casos po-
sitivos de Covid-19. «A situação que vivemos neste momento coloca uma série de desafios e desafios novos em relação à chamada primeira vaga. Como nos recordamos, na primeira fase da pandemia, a economia parou, a actividade hospitalar programada também parou e, portanto, todos os recursos disponíveis puderam ser canalizados para os planos de contingência e para um dispositivo mais operacional de combate a esta situação. Neste momento, a situação não é essa», repara Carlos Santos. Os desafios, diz, «são particularmente mais exigentes, porque estamos a tentar até ao limite do possível manter a actividade programada, manter tudo o que é actividade clínica – da consulta,
Respostas antes e depois do hospital Para Carlos Santos, o sucesso da resposta hospitalar «vai depender, em primeiro lugar, de como conseguirmos conter a montante todas as situações de potencial risco, e que podem decapitar qualquer dispositivo, e de termos uma informação correcta da boa utilização do dispositivo que está montado». Outro alerta do presidente vai para montante da respostas dos hospitais. «Não se justifica que continuem internados doentes que, podendo ainda estar positivos, estão estáveis e têm alta clínica hospitalar. Tem de haver respostas firmes e estruturadas para que o fluxo de doentes se possa gerar de forma contínua, libertando camas e recursos para outros
Revista de Saúde 39
Diário de Coimbra
CHUC
que precisam», declara, notando que isso é válido para esta época de pandemia de Covid-19 e para qualquer outra. Se isso não acontecer, alerta, «os hospitais vão entupir». O director clínico do CHUC, Nuno Deveza, concorda que tudo deve ser feito para manter o máximo possível de actividade programada. Um exercício complexo, tendo em conta que muitos recursos - de camas a recursos técnicos e humanos - estão canalizados para os doentes Covid-19 e que há exigências acrescidas de segurança mesmo na actividade não Covid. Para diminuir a probabilidade de transmissão quer da Covid19 quer de outras infecções nosocomiais, «houve uma adequa-
ção da lotação dos serviços, serviços que tinham 26 camas e agora têm 22 por exemplo», referiu o médico, notando que o CHUC acabou por suprimir «à volta de 150 camas, o que é uma redução grande na sua lotação».
Impacto na cirurgia programada Logo no início deste mês, com o país a registar uma taxa de notificação acumulada a 14 dias acima dos 240 casos por cada 100 mil habitantes - e um número médio de casos secundários resultantes de um caso infectado, medido em função do tempo, R(t), superior a um -, o Ministério da Saúde publicou um despacho que permite aos hospitais suspenderem a sua actividade as-
sistencial não urgente para melhor poderem responder aos doentes de Covid-19. Antes da publicação deste despacho assinado pela ministra Marta Temido, já o director clínico do CHUC não punha de lado essa hipótese, admitindo, todavia, que isso seria bastante grave, nomeadamente para a actividade cirúrgica. É que um grande número de doentes, nomeadamente críticos, implicará não só a alocação de espaços mas também de todos os recursos humanos para os tratar, comprometendo muito a restante resposta hospitalar. «A partir da entrada em funcionamento das camas do recobro do bloco operatório [do HG] vai seguramente parar muita da
cirurgia programada, não por estarmos a usar o espaço livre do recobro, mas porque nessa altura já teremos de ter ido buscar além de intensivistas, anestesistas, cardiologistas, pneumologistas, enfermeiros especialistas e todo um conjunto de profissionais», que terão de faltar a outros serviços e à actividade cirúrgica. De resto, o impacto na resposta a doentes não Covid desde Março é já assinalável. «Conseguimos manter a cirurgia prioritária a um bom nível, mas houve algum atraso que estamos a tentar recuperar», admite Nuno Deveza. Nas consultas (redução de 30%) e nos exames complementares de diagnóstico também houve uma diminuição da resposta do CHUC.
40 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
CHUC
Hospital dos Covões novamente na linha da frente
Covões centram resposta Covid O pólo do Hospital Geral (HG - Covões)
acolheu, logo na primeira vaga, os doentes Covid. Em finais de Setembro, a sua Urgência
voltou a ser activada como urgência respiratória de adultos, tornando-se porta preferencial de entrada de doentes respiratórios e/ou suspeitos de ter Covid-19. Ao mesmo tempo, o Hospital Pediátrico e as maternidades Daniel de Matos e Bissaya Barreto criaram circuitos próprios para estes doentes nas Urgência e definiram espaços próprios de internamento. Nos HUC também foram feitas alterações, não só de forma a acolher doentes que, por algum motivo (má referenciação ou iniciativa própria do utente), recorram à Urgência deste pólo, mas também para, num último nível de resposta, instalar mais camas de cuidados intensivos além das criadas nos Covões. «Canalizada a doença respiratória para um dos pólos [Covões] é também aí que temos a maior capacidade de internamento para doentes com infecção respiratória no geral», refere o director clínico Nuno Deveza, dando conta de um dispositivo criado para
doentes não críticos no CHUC que, por quatro níveis, pode ir até às 90 camas em enfermaria. A resposta é, segundo o director clínico, igualmente «robusta» para os doentes críticos, podendo ir até às 49 camas de cuidados intensivos. Numa primeira fase, são accionadas as 10 camas do serviço de Medicina Intensiva do pólo HG – na primeira vaga nunca foi necessário passar deste nível -, segue-se a expansão para mais seis camas na UCIC (unidade de cuidados intensivos cardíacos), a ocupação de mais nove camas no recobro do bloco operatório e outras nove camas no recobro da unidade de cirurgia ambulatória. «Se for necessário, e esperemos que não, ainda temos 15 camas no pólo dos HUC, numa unidade que foi propositadamente criada no piso -3», acrescenta o responsável.
Capacidade vai até 90 camas de enfermaria e 49 de cuidados intensivos
Revista de Saúde 41
Diário de Coimbra
CHUC
Devem recorrer ao hospital quando necessário e sem medos Os doentes não Covid devem recorrer aos serviços hospitalares sempre que necessário, sem medos. Nuno Deveza sublinha que o CHUC é um local seguro, com circuitos e áreas devidamente definidas, e que os utentes não devem deixar de ir a consultas, fazer tratamentos ou mesmo ir às Urgências por receio de ser infectados. Até porque o impacto desse adiar de cuidados pode ser bastante pior. O director clínico repara que a afluência de doentes não respiratórios à Urgência reduziu consideravelmente nos meses de Março e Abril – de uma média de 450 doentes por dia o CHUC passou a uma média de 150, no pólo HUC – e que, mesmo hoje, se nota um agravamento do estado de saúde
de muitas pessoas que chegam à Urgência. «Estamos a ver coisas que já não víamos há mais de 20 anos, diabetes descontroladas, infecções que progrediram, patologia crónica descompensada, entre outras», que acabam por requerer intervenções mais complexas, têm «pior prognóstico e pior recuperação», ao mesmo tempo que acabam por causar «maior pressão no internamento hospitalar, com internamentos mais prolongados», explica. Têm havido um esforço grande para o agendamento de consultas para evitar o ajuntamento de pessoas, através de envio de mensagens por sms e ferramentas informáticas ao dispor, até porque a capacidade das salas de espera é hoje muito reduzida.
O objectivo, frisa o director clínico, é que as pessoas sigam tanto quando possível as indicações que lhes são dadas e venham apenas meia hora antes da sua hora de marcação. «Vai ter de haver sempre uma espera maior, porque os fluxos de doentes são agora mais lentificados, é um dado que não conseguimos iludir, mas temos de ter estratégias e medidas de gestão para mitigar esse impacto», acrescenta Carlos Santos. No que se refere às análises, o presidente do CHUC lembra que no edifício de S. Jerónimo foram colocados dois contentores climatizados para espera e orientação de fluxos de utentes, precisamente para impedir concentração de pessoas entre as 8h00 e as 10h00. Ao mesmo tempo foi reforçada a capacidade de colheitas nesses horários e foi aberto um posto de colheitas no pólo do Hospital dos Covões, que atende uma média de 100 utentes por dia.
42 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
FISIOTERAPIA
TRABALHO EM EQUIPA QUE A PANDEMIA MUDOU Adaptação Numa altura em que o distanciamento físico é imposto, os fisioterapeutas tiveram de se adaptar por forma a continuar a garantir o apoio necessário aos muitos utentes
Telefisioterapia é a grande mudança registada na profissão
A
fisioterapia foi uma das muitas áreas da saúde afectadas pela pandemia de Covid-19 e que, por força da necessidade, tem vindo a reinventar-se. Para o fisioterapeuta a interacção com o utente é fundamental, demonstrando, através dela, «que vê a pessoa como única, que está genuinamente interessado nela e em prestar cuidados de fisioterapia centrados nas suas necessidades», explica Adérito Seixas. Para isso, o presidente do Conselho Directivo Nacional daAPFISIO –Associação Portuguesa de Fisioterapeutas refere que «o fisioterapeuta estabelece uma relação de empatia, de confiança e entendimento mútuo através da comunicação, que permite uma sensação de verdadeiro trabalho em equipa. Para o estabelecimento desta relação, a comunicação verbal é importante, mas a comunicação não verbal e o toque terapêutico são essenciais. É aqui que os fisioterapeutas enfrentam alguns desafios pois o uso de equipamento de protecção individual, absolutamente ne-
cessário nesta fase, causa algum stress nos utentes e o uso de máscara e luvas torna menos perceptível a comunicação não verbal, as expressões faciais, e condiciona o toque. Isto é particularmente impactante na interacção com grupos específicos como as crianças e as pessoas idosas». Apesar de todas estas condicionantes,Adérito Seixas garante que o essencial dessa relação não foi alterado com a pandemia. «O estabelecimento de uma aliança terapêutica é essencial e
Adérito Seixas, presidente do Conselho Directivo Nacional da APFISIO
tem uma importância extrema no sucesso do tratamento. Os fisioterapeutas sabem isso e, mesmo em contexto de pandemia, continuam a garantir esta premissa» afirma. Os fisioterapeutas têm, assim, demonstrado uma capacidade enorme de resiliência e de adaptação.
Recurso à telefisioterapia O recurso à telefisioterapia foi talvez a grande mudança registada na profissão. Apesar de ser algo já muito explorado em países como o Canadá, a Austrália, ou Inglaterra, em Portugal o recurso a esta modalidade de intervenção não era comum. «Procurando ver algo positivo em todo este cenário, a pandemia veio explorar novas formas de ajudar e demonstrar que é possível fazer fisioterapia à distância, fornecendo estratégias de autogestão da sua própria condição aos utentes, educando-os sobre a sua condição, envolvendo-os e responsabilizando-os», afirma o responsável. Atelefisioterapia apresenta-se, assim, como mais uma ferramenta ao dispor destes profissionais para fazerem o que melhor sabem, que mais não é do que «ajudar as pessoas a alcançar o máximo de funcionalidade e de qualidade de vida» garante. Na primeira vaga, o recurso a esta modalidade foi mais frequente, mas, com o retomar dos cuidados presenciais, sempre com as devidas medidas de segurança, o seu uso tem vindo a diminuir. Ainda assim, «a telefisioterapia continua a ser uma ferramenta muito importante, principalmente no sector privado, que foi onde mais se verificou um maior crescimento na sua utilização». O balanço é por isso muito positivo «uma vez que permitiu mitigar o que teria sido um desastre para os utentes que necessitam dos cuidados de fisioterapia e que se viram privados de a eles aceder de forma presencial». Além disso, «a investigação científica tem demonstrado que em determinadas situações a intervenção à distância pode ser igualmente eficaz. Claro que há muitas questões que devem ser debatidas, nomeadamente as questões éticas e de segurança de dados, mas neste contexto os benefícios parecem sobrepor-se claramente aos aspectos menos positivos»,
Revista de Saúde 43
Diário de Coimbra
FISIOTERAPIA
constata Adérito Seixas. «Esta é uma oportunidade de ouro para a transformação digital dos cuidados de saúde, mas, apesar de Portugal ter um Plano Estratégico Nacional para a Telessaúde, e de ao nível do SNS existirem já as infraestruturas para uma aposta forte nesta modalidade, os sistemas de telessaúde ainda não incluem perfis específicos para os fisioterapeutas, o que impossibilita a sua utilização por estes profissionais. É algo que como Associação Profissional gostaríamos de ver alterado e estamos disponíveis para auxiliar o Governo no que for necessário» auspicia o presidente da APFISIO. Tendo em conta a importância de continuar a garantir o cumprimento de todas as medidas de segurança, Adérito Seixas recomenda aos fisioterapeutas o recurso «à telefisioterapia sempre que possível, evitando contactos presenciais se a condição do utente for passível de intervenção à distância». Aos
utentes, recomenda «que falem com os seus fisioterapeutas no sentido de, em parceria, avaliarem a possibilidade de diminuir o número de contactos presenciais, sempre garantindo que isso não reduz a qualidade dos cuidados de fisioterapia prestados».
Muitos fisioterapeutas interromperam actividade Citando um estudo efectuado a nível nacional, com dados recolhidos no final do mês de Março, cerca de 73% dos fisioterapeutas terão interrompido os cuidados de fisioterapia presencial, e desses apenas 59% recorreram à telefisioterapia para acompanhar os seus utentes, ou seja, 41% dos fisioterapeutas que interromperam a sua actividade presencial deixaram de acompanhar os seus utentes. «É fácil entender o impacto desta situação na prestação de cuidados de fisioterapia, acarretando consequências para a funcionalidade e qualidade de vida das pessoas»
diz Adérito Seixas. Actualmente, quando já se começa a observar alguma “normalidade”, «continuamos a assistir a um decréscimo no acompanhamento de utentes. Para obedecer às medidas impostas pelas autoridades de saúde, o volume de utentes nos locais onde se pratica fisioterapia foi reduzido e algumas pessoas, por receio induzido pela situação pandémica, evitam a procura dos cuidados de fisioterapia». Os dados recentemente recolhidos pela Associação sobre a prática de fisioterapia nas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas, permitem «perceber que cerca de 17% dos fisioterapeutas contactados ainda não tinha voltado a exercer fisioterapia nos locais, por imposição das próprias instituições. Isto é muito preocupante pois nestes casos as pessoas idosas, que são um grupo vulnerável, verão a sua independência funcional e qualidade de vida muito afectadas por esta realidade», lamenta.
44 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
MEDICAMENTOS
Atendimento nas farmácias é feito com todas as medidas de segurança
FARMÁCIAS ESTIVERAM SEMPRE DISPONÍVEIS PARA OS UTENTES Serviço No início da pandemia, um grande número de pessoas acorreu às farmácias. Os profissionais estiveram sempre disponíveis, garantindo o fornecimento de medicamentos
A
relação dos utentes com as farmácias alterou-se um pouco com a pandemia de Covid-19 mas os seus profissionais mantiveram-se “sempre lá”para a dispensa dos medicamentos necessários. Em Março, as farmácias registaram uma forte procura de máscaras, álcool e álcool gel, produtos que sofreram alguma inflação dos preços, e verificou-se igualmente algum «açambarcamento inicial de medicamentos» como recorda José Manuel Couto da Salrifarma, empresa que detém três farmácias (duas em Condeixa – Farmácia Santa Cristina e São Tomé, e outra em Coimbra – Farmácia de S. Martinho) e uma parafarmácia (na Anobra). No atendimento, e desde o primeiro dia, foram implementadas regras de protecção com acrílicos, luvas, máscaras e desinfectantes, com circuitos de circulação dentro das farmácias e atendimento de uma pessoa de
cada vez no interior da farmácia. As restantes aguardam no exterior pela sua vez. «Com a chegada do Inverno e da chuva será mais complicado» reconhece o médico José Manuel Couto. Ultrapassada a fase inicial de pandemia, e com todo o processo de adaptação necessário para continuar a manter o atendimento ao público, José Manuel da Silva Couto assegura que o funcionamento das farmácias tem vindo a normalizar. Tem-se registado alguma quebra que pode ser o reflexo da economia e do desemprego e também o açambarcamento de medicamentos dos meses iniciais de pandemia «porque quem comprou para meio ano ainda não precisa de voltar a comprar determinados medicamentos». Contudo, sendo este um sector de primeira necessidade sofreu menos do que os restantes. «De um modo geral temos respondido bem ao soli-
citado pelos utentes, sem grandes confusões e com fornecimento de medicamentos suficiente sem ser necessário o açambarcamento porque não há previsão de rupturas. As pessoas têm de estar tranquilas», refere. Também em Coimbra, a Farmácia Folhas, que se situa numa das zonas mais movimentadas da cidade, registou uma quebra na procura na ordem dos 40% no início da pandemia, «que se deveu ao facto das pessoas estarem mais em casa e as escolas sem alunos» nos últimos meses do ano lectivo anterior. Neste momento, em que se regista uma eventual retoma, Isabel Folhas, directora da Farmácia, está atenta à evolução da situação, dia-a-dia.
É importante ir às consultas As idas à farmácia desde o início da pandemia quiseram, em alguns casos, substituir a ida ao médico, ou porque as unidades de saúde (de cuidados primários ou hospitais) suspenderam temporariamente o atendimento presencial ou porque os próprios utentes faltaram a consultas importantes, em muitos casos, para diagnósticos de determinadas doenças que «podem fazer toda a diferença entre a vida e a morte» alerta o médico. As pessoas devem ir às consultas porque é, na opinião de José Manuel da Silva Couto, um absurdo pensar que a telemedicina é a solução, «não se podem fazer diagnósticos à distância». «Temos de estar conscientes de que vamos viver com este vírus por mais algum tempo e por isso temos de viver com os riscos que lhe estão associados», adoptando medidas de protecção e de prevenção sem descurar a saúde. «As consultas que deveriam ter sido feitas há seis meses só agora é que estão a ser realizadas. E estão a ser, e devem ser, marcadas de forma mais espaçada no tempo para evitar aglomerados de utentes nas salas de espera», aponta, acrescentando que «até haver uma vacina que assegure imunidade de grupo temos de estar preparados para esta infecção». Na opinião do médico especialista em ginecologia/obstetrícia e com sub-especialidade de ginecologia oncológica, «o SNS tem respondido bem e estará longe do colapso».
Revista de Saúde 45
Diário de Coimbra
MEDICAMENTOS
“Farmácias incansáveis desde o primeiro momento” A Associação Nacional de Farmácias colocou em prática um conjunto de medidas que tem garantido a segurança de profissionais e utentes
Ana Pimentel, membro da Direcção da Associação Nacional de Farmácias (ANF) - Delegação do Centro, afiança, sem sombra de dúvidas, que «as farmácias foram incansáveis desde o primeiro momento em garantir a segurança dos utentes e dos seus colaboradores, trabalhando ininterruptamente». Para este fim, diz, a ANF criou o Plano de Contingência das Farmácias que lhes permitiu adoptar medidas específicas e adaptadas à realidade de cada uma. Para cumprir este plano, foi
necessário adquirir Equipamentos de Protecção Individual «o que no início da pandemia foi muito difícil e oneroso». Adicionalmente, as farmácias adoptaram práticas de segurança como atendimento pelo postigo ou a divisão da equipa “em espelho” com limitação do número de pessoas dentro da farmácia, com acrílicos e higienização sistemática das instalações e equipamentos. Na fase inicial de pandemia, e de acordo com o que já foi exposto, notou-se um aumento da afluência de utentes às farmácias «que solicitavam principalmente anti-piréti-
cos e anti-inflamatórios, álcool, desinfectante de mãos e máscaras. No caso dos utentes mais idosos pediam reforço da medicação». Com o avançar das medidas restritivas, as farmácias, «sendo a rede de cuidados de saúde com maior capilaridade, fizeram parte da Operação Luz Verde que permitiu que os doentes pudessem ver a sua medicação hospitalar dispensada na sua farmácia comunitária, reduzindo os custos associados para o doente», realçaAna Pimentel.Aeste propósito, a responsável recorda que, através da Linha 1400, linha telefónica gratuita de âmbito nacional, os utentes podem ter acesso a medicação urgente, 24 horas por dia.
Ana Pimentel, membro da Direcção da Delegação do Centro da Associação Nacional de Farmácias
46 Revista de Saúde
Diário de Coimbra
MEDICAMENTOS
Plural garante fornecimento com trabalho ininterrupto Para que as farmácias cumpram o seu papel junto dos utentes, as empresas de distribuição de medicamentos desempenham um papel primordial, assegurando que eles chegam “a tempo e horas” aos vários postos de atendimento ao público. Março revelou-se para estes profissionais um mês atípico e de trabalho redobrado face à «afluência bastante superior ao normal, da população em geral, às farmácias e obviamente que isso impactou directamente na nossa actividade» lembra Miguel Silvestre, presidente do Conselho de Administração da Plural – Cooperativa Farmacêutica. Por ser uma situação nova e desconhecida, e com o receio de ficarem impossibilitados de se deslocarem às farmácias ou que se viesse a registar uma limitação no fornecimento de alguns medicamentos, os cidadãos acorreram em maior número às farmácias e isso obrigou a que as empresas de distribuição de medicamentos, como a Plural, tivessem de se adaptar «com vários dias a trabalhar 24 sob 24 horas para garantir o fornecimento» das farmácias, com o mês de Março a representar uma duplicação de um mês normal em termos de volume de negócio. Aresposta foi eficaz e fez com que ninguém, clientes e população, sentisse qualquer problema no acesso aos medicamentos porque «conseguimos ter uma capacidade interna muito grande de readaptação, alocando mais recursos nesses dias. As equipas foram fan-
Miguel Silvestre, presidente do Conselho de Administração da Plural
tásticas. Basicamente tudo aconteceu sem a percepção das pessoas porque nunca faltaram medicamentos nem houve atrasos e portanto tudo correu muito bem» sublinha o responsável. Para todos os envolvidos nesta operação logística, «foram semanas de grande agitação» mas rapidamente tudo estabilizou e «se não fosse a organização dos distribuidores grossistas junto das farmácias podia ter havido algum momento de incerteza mas as coisas funcionaram bem e está provado que temos uma excelente distribuição de medicamentos às farmácias. Apesar de tudo foi um bom teste à nossa capacidade de resposta logística a nível nacional». Neste contexto de pandemia,
e para garantir sempre equipas disponíveis, foram importantes as regras de segurança e uso de equipamentos de protecção individual no seio da Plural, facto que contribuiu para que não tivesse havido nenhum caso positivo na empresa. Face ao exposto, Miguel Silvestre não tem dúvidas em afirmar que a cadeia do medicamento está perfeitamente garantida, sem rupturas. «Readaptámo-nos e acabamos por olhar de um modo mais racional para algumas questões que foram melhoradas e reestruturadas. Os nossos clientes acabaram por perceber que é possível haver menos entradas nas farmácias para entrega de encomendas. Racionalizou-se, assim, as idas às farmácias e hoje em dia já não vamos mais que duas vezes por dia fazer entregas, quando antes iríamos três ou quatro vezes em alguns locais», explica Miguel Silvestre. «As farmácias estiveram sempre abertas, na linha da frente, sempre disponíveis, e foi um dos sectores que continuou a funcionar bem mas com uma estrutura forte por trás, com empresas como a Plural. O saldo positivo deve-se também à grande interacção entre os diferentes players. Dentro de todo o sector da distribuição e na nossa associação, mantendo a individualidade de cada uma das empresas, conseguimos em algumas coisas estruturantes tomar medidas para o sector que permitiram que todos nós conseguíssemos cumprir com aquilo que é o nosso propósito: entregar a tempo e horas o medicamento nas farmácias para que, por sua vez, possa ser dispensado aos utentes sem qualquer atraso», vinca o presidente da Plural, empresa com sede em Coimbra.
SANFIL MEDICINA.
A SEGURANÇA DE SEMPRE. CONTINUAMOS HÁ 65 ANOS A CONSTRUIR O FUTURO!
WWW.SANFIL.PT +351 239 851 650