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ESTUPRO

___________________________ 1.1

CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME

O tipo, com a redação dada pela Lei 12.015, de 7.8.2009, está contido no art. 213 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.” A pena: reclusão de seis a dez anos. A nova lei reuniu, no mesmo artigo 213, os tipos de estupro e atentado violento ao pudor, antes definidos nos arts. 213 e 214, revogando expressamente este último. Não houve abolitio criminis, porque o tipo do art. 214 foi simplesmente transplantado, integralmente, sem qualquer modificação, para o art. 213, ganhando a mesma denominação de estupro. É, como se vê da descrição típica, uma espécie de constrangimento ilegal, porque contém os mesmos elementos, mais o específico, que é a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso. O bem jurídico protegido é a liberdade sexual da pessoa, homem ou mulher, não menor de 14 anos, nem incapaz de discernir ou resistir, chamado vulnerável, cuja proteção encontra-se no art. 217-A, examinado no item 4. A liberdade sexual é aquela que a pessoa tem de escolher quando, como, onde e com quem exercerá sua sexualidade. A sexualidade é um dos mais importantes atributos do ser humano, que só pode ser exercida segundo a própria vontade da pessoa, qualquer pessoa. A pessoa recebe, no art. 213, a proteção contra as ações que se voltam para compeli-la a aceitar a prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, quando não for essa sua vontade.


2 - Direito Penal III – Ney Moura Teles Sujeito ativo é quem constrange a pessoa ao ato sexual. Tratando-se de prática de conjunção carnal, necessariamente haverá um sujeito ativo do sexo masculino, mas também a mulher pode constranger outra, para que um homem mantenha, com ela, as relações sexuais a que se refere o tipo. O homem pode ser inclusive o marido da vítima. Cuidando-se de outro ato libidinoso, a mulher pode ser sujeito ativo e o homem sujeito passivo. O tipo não distingue. Sujeito passivo é o homem ou a mulher. Qualquer mulher, inclusive a prostituta, que tem, tanto quanto qualquer mulher, a liberdade de decidir sobre sua sexualidade.

1.2

TIPICIDADE O caput do art. 213 contém o tipo fundamental. As formas qualificadas pelo resultado, lesão corporal ou morte, estão contidas

nos §§ 1º e 2º. O art. 226 e o art. 234-A contém causas de aumento de pena.

1.2.1 Forma típica simples 1.2.1.1

Conduta

O núcleo do tipo é o verbo constranger, empregado com o sentido de forçar, obrigar, compelir. É conduta comissiva, realizada, necessariamente, com o emprego de violência ou grave ameaça. O agente impõe sua força, física ou moral, sobre a da vítima, subjugando-a a sua vontade.

1.2.1.2

Elementos objetivos e normativos

Conjunção carnal é o coito vagínico, a introdução do pênis na vagina da mulher. É a intromissão do órgão genital masculino no interior da cavidade vaginal, ou seja, no órgão genital feminino. É

também

chamada

de cópula vagínica

ou cópula vaginal.

Outras

denominações, como ato sexual “normal”, relação sexual “normal” entre homem e mulher, traduzem, evidentemente, um forte conteúdo de padronização da sexualidade como se todos os demais atos inerentes à sexualidade humana devessem ser considerados anormais, o que não se harmoniza com a compreensão da sexualidade como atributo da pessoa não enquadrável em parâmetros de moralidade pública.


Estupro - 3 Libido é o desejo sexual. Ato libidinoso é todo ato de satisfação da libido, isto é, de satisfação do desejo ou apetite sexual da pessoa. São atos libidinosos mais comuns a conjunção carnal, o coito anal, a prática de sexo oral, a masturbação e o beijo lascivo. Não só estes, mas todo e qualquer ato humano realizado com o fim de satisfazer ao desejo sexual, realizado isoladamente ou em relação a outra pessoa. Apalpar ou abraçar, lamber ou simplesmente tocar partes do corpo humano podem ser atos libidinosos. Desnudar ou despir alguém também. Realizar aquelas ações com objetos que imitem ou não o corpo ou partes do corpo humano, igualmente, pode constituir ato libidinoso. É que o ato é libidinoso objetiva e subjetivamente, revelando-se externamente e também no interior da psique humana. Na grande parte dos atos libidinosos a satisfação da libido ressalta de modo claro e induvidoso já na exteriorização de sua própria materialidade, dispensando-se qualquer investigação sobre esse elemento subjetivo, que emerge limpidamente da própria ação realizada, a qual envolve, quase sempre, o contato com órgãos genitais ou partes íntimas do corpo humano. Noutros casos, entretanto, é preciso perquirir sobre a intenção do agente. Um simples beliscão na barriga de uma jovem pode ter sido dado com intuito de brincadeira ou com libidinosidade, como se verá adiante. Toda pessoa é livre para buscar a satisfação de sua libido do modo como bem entender, desde que o faça respeitando a liberdade das outras pessoas. Assim, o homem e a mulher são livres para buscar o prazer sexual utilizando qualquer recurso, sozinhos, a dois ou a três, não importa, através de beijos voluptuosos, do contato corporal, com a língua, mãos, pés etc., em conjunto com outra pessoa ou até mesmo com objetos, desde que sem ultrapassar os limites impostos pela norma penal incriminadora. Não há, no interior do tipo, qualquer elemento de natureza moral ou de ofensa ao pudor coletivo, mas pura e simplesmente a consideração da violação da liberdade individual voltada para a sexualidade. De conseqüência não se irá valorar o ato libidinoso levando em conta qualquer elemento normativo que se sustente em conceitos como os de moral, pudor, consciência

coletiva,

recatamento,

pureza

etc.

Basta

que

seja

libidinoso,

independentemente de ser ou não contrário aos bons costumes ou agressivo de qualquer sentimento moral. A conjunção carnal e o ato libidinoso proibidos são aqueles obtidos pelo agente com o emprego de violência ou de grave ameaça. Violência é a força física atuando sobre o corpo da vítima, através de lesões corporais ou vias de fato. Grave ameaça é a


4 - Direito Penal III – Ney Moura Teles força moral imprimida mediante promessa da causação de um mal grave. A ameaça há de ser grave, com idoneidade para intimidar, sujeitando a vítima, não bastando, por isso, a promessa de causar qualquer mal. Este deve ser intenso e forte, podendo ser lícito ou ilícito, porque a lei não exigiu que fosse injusto, contentando-se com que seja grave. Se o agente precisa empregar força, física ou moral, é, obviamente, porque a vítima não consente na conjunção carnal ou no ato libidinoso, por não ser de sua vontade, porque não é esse seu desejo. Daí que seu dissenso é indispensável para a realização do tipo. Se a vitimar não se opuser ao ato, não há violação de sua liberdade. A oposição da pessoa ao ato sexual não precisa ser justificada, nem motivada. Basta que ela não o queira. Seja porque não o quer com a pessoa do agente, seja porque não quer naquele momento ou nas condições propostas ou sugeridas. Simplesmente porque não quer, porque está em sua liberdade querer ou não, qualquer que seja a razão. A pessoa não está obrigada à conjunção carnal ou ao ato libidinoso nem quando o agente é seu próprio cônjuge ou companheiro(a), ou convivente, ou parceiro(a). As relações sexuais entre marido e mulher, companheiros em união estável, concubinos, namorados, inclusive os do mesmo sexo, ou noivos, serão sempre, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, consentidas por ambos. Se é um direito do outro não é, entretanto, absoluto e, por isso, não pode ser exercido como imposição, mas como fruto do acordo de vontades. Nenhuma condição especial ou característica própria de qualquer homem tem a força para criar, para ele, o direito de impor sua vontade sexual sobre a da mulher. Nem sobre outro homem. Nem daquela sobre aquele. Nem a prostituta está obrigada ao ato sexual com o cliente que, na casa de prostituição, deseja realizá-lo. A liberdade da vítima sobrepõe-se a qualquer outro interesse, ainda quando ela tenha se colocado habitualmente na posição de quem oferece o corpo como mercadoria, disponibilizando-o, mediante pagamento, para quem quiser usá-lo para satisfazer seus desejos sexuais. É que também a prostituta tem a plena liberdade de exercer sua sexualidade apenas quando o desejar. Haverá crime quando o agente empregar violência física ou moral, isto é, imprimir força física ou grave ameaça contra a vítima para que ela pratique um ato libidinoso qualquer ou, então, para que ela permita a prática de ato libidinoso. Na primeira hipótese a vítima é compelida a fazer alguma coisa, a integrar o fato libidinoso pretendido pelo agente, dele participando, ou a realizar, ela própria, sozinha,


Estupro - 5 um ato libidinoso individual como, por exemplo, quando é compelida a se masturbar na frente do agente que, assistindo, satisfaz seu desejo sexual. Nesse caso a vítima executa uma ação libidinosa compelida pelo agente. Na segunda situação a vítima é obrigada a dar sua anuência à realização do ato, sem realizar qualquer ação. Ela se omite, fisicamente, permitindo que o agente realize, execute, a ação libidinosa. O ato libidinoso praticado ou permitido pela vítima poderá ser realizado com o próprio agente ou com terceira pessoa. O simples fato de a vítima encontrar-se, voluntariamente, na companhia do agente em ambientes adequados para a realização do ato sexual, como hotéis ou motéis, para onde se locomoveu espontaneamente, não é suficiente para o reconhecimento de seu consentimento. Não é porque aceitou o convite para ir ao motel que está obrigada a, ali, manter relações sexuais com o namorado ou acompanhante, porque, até mesmo quando o desejava inicialmente, pode a pessoa, por qualquer razão, geralmente inaceitável para o agente, modificar sua atitude interna, inclusive quando pretende, simplesmente por mero capricho, protelar a realização do encontro sexual. Nenhuma concessão pode ser feita, quando se tratar da liberdade individual. Esse comportamento, todavia, poderá ser levado em conta, como circunstância favorável ao agente, no momento da fixação da pena-base. A oposição da pessoa, indispensável para a realização do tipo, deve ser verdadeira, mas não precisa ser, necessariamente, heróica, revelada por atos inequívocos de resistência física, caracterizando reação violenta. As pessoas são diferentes e cada uma reage segundo ditam suas características comportamentais, seu temperamento. Há aquelas que, diante de uma agressão inaceitável, como o é a de natureza sexual, não conseguem se opor com atos defensivos, quedando praticamente inertes, tamanho é o poder da coação, capaz de suprimir por completo, em seu íntimo, qualquer ação em sentido contrário. Daí que não se deve, como no passado, exigir que a pessoa tenha, efetivamente, realizado lesões defensivas no corpo do agente ou, pelo menos, tentado se opor, fugindo, debatendo-se contra o agressor, gritando por socorro ou tendo suas vestes rasgadas. Quando a conduta do agente é de escassa intensidade ou extensão e o ato libidinoso por ele pretendido é, por exemplo, um simples beijo na boca, a reação da vítima deve, é certo, materializar-se de modo claro. Basta que ela, por meio de palavras sinceras, repila a intenção do agente, para que ele fique obrigado a respeitar a liberdade


6 - Direito Penal III – Ney Moura Teles individual do outro. É preciso muito cuidado por parte do julgador, que não deve olvidar que se trata de um crime gravíssimo, punido severamente e considerado hediondo. A vontade da norma em comento é proteger a liberdade sexual das pessoas quando agredida de modo violento ou gravemente ameaçador, não alcançando, por isso, condutas que não tenham idoneidade, em quantidade e qualidade, para violar de modo grave o bem jurídico tutelado. Não pode merecer a mesma reprimenda penal que um coito anal forçado, a obtenção de um beijo, ainda que lascivo. A aplicação de um único e rápido beijo na boca ou a apalpação ligeira de parte íntima do corpo da vítima, por isso, não constitui, por si só, o delito. Não se pode ver, nessas ações do agente, a violência a que se refere o tipo, ainda que se possa reconhecer a libidinosidade do ato a que a vítima é submetida. Se, entretanto, o beijo e a apalpação são duradouros, reiterados, agressivos, opondo-se a vítima, efetiva e sinceramente, à sua continuidade, caracterizado estará o estupro. A meu ver pode restar realizado o tipo também quando a vítima é obrigada, com violência ou grave ameaça, a presenciar ato libidinoso realizado por terceiras pessoas, dentre elas o próprio agente ou não. Diz-se, em sentido contrário a esse entendimento, que, neste caso, a vítima não estaria praticando nem permitindo que com ela se praticasse qualquer ato libidinoso. Ora, a contemplação de atos libidinosos praticados por terceiros é, sim, uma ação, é o ver, o olhar, o movimentar os olhos em direção da cena. É captá-la e processá-la no interior do cérebro, submetendo-se a seus estímulos. É, sim, prática de ação e ação libidinosa. A vítima, induvidosamente, não satisfará a sua libido, como, aliás, não lhe satisfaz, quase sempre, quando é constrangida. A satisfação da libido do agente, por outro lado, pode realizar-se exatamente com a presença de outra pessoa contemplando os atos libidinosos, daí que, se ele busca alcançá-la dessa forma, por meio de violência ou grave ameaça, está, com certeza, violando a liberdade sexual da vítima. O mesmo se dá quando o agente, também com violência ou grave ameaça, obriga a vítima a permanecer onde se encontra, limitando-se a olhar para seu corpo, nu ou vestido, satisfazendo, dessa maneira, a seus desejos sexuais. Também nesse caso a vítima é compelida a um comportamento absolutamente passivo. Se o agente não a obriga a ficar de olhos abertos, sua passividade é ainda maior do que no caso de ser forçada a presenciar atos libidinosos praticados por outros. Se a vítima é vulnerável, a norma incidente é a do art. 218-A, do Código Penal.


Estupro - 7 O que caracteriza o estupro é, portanto, a obtenção de conjunção carnal ou ato libidinoso contra a vontade da pessoa, por meio de violência ou grave ameaça. Como o fato se dá, quase sempre, na ausência de qualquer testemunha, a palavra da vítima é, sempre, o mais importante meio de prova, todavia o julgador, para formar sua convicção, levará em conta também outras circunstâncias que cercam o fato, como o local, tempo, antecedentes fáticos e dos sujeitos, inclusive suas relações pessoais, motivações etc.

1.2.1.3

Elementos subjetivos

O estupro é, obviamente, um crime doloso. Atua o agente, portanto, com a plena consciência de sua conduta, que é a de constranger a pessoa, compelindo-a, forçando-a, à prática da conjunção carnal ou à prática ou permissão da prática do ato libidinoso. Age com a vontade livre de introduzir o pênis na vagina da vítima. Vontade de constranger e vontade de praticar conjunção carnal. Consciência da violência ou da grave ameaça que emprega, com o fim de forçar a vítima a ter o comportamento, ativo ou passivo, em relação ao ato libidinoso. O dolo abrange, é certo, o dissentimento da vítima, sua oposição à pretensão do agente. Há, como já se disse, atos materiais que, em sua aparência, não são, necessariamente, libidinosos. Abraços, beijos, carícias corporais e até mesmo um toque de mão na mão podem ou não ser realizados sem qualquer carga de libidinosidade. Nessas hipóteses, é preciso buscar, no interior da mente do agente, a intenção libidinosa, para o reconhecimento da incidência do tipo. Isto não quer dizer, entretanto, que se exige, para a realização do tipo, que o agente esteja, necessariamente, imbuído do intento libidinoso. Pode ocorrer que sua conduta, de compelir a vítima à prática do ato, tenha como finalidade vingar-se da vítima, dela desdenhar, ofender sua integridade moral através, por exemplo, de um coito anal forçado. O ato é libidinoso, mas o agente pode tê-lo praticado com a finalidade de humilhar e não para satisfazer a sua libido. Neste caso, penso, comete ele dois crimes, em concurso formal heterogêneo imperfeito: estupro e injúria real. Quando o agente apalpa, rápida e furtivamente, partes íntimas do corpo da vítima, ou aplica-lhe um beijo, e o faz sem a intenção de satisfazer à própria libido, mas com a intenção de violar a dignidade ou o decoro, haverá tão-somente o crime de injúria.


8 - Direito Penal III – Ney Moura Teles

1.2.1.4

Concurso de pessoas

Para existir estupro com prática de conjunção carnal, é, de conseqüência, indispensável que o homem seja seu executor. Entretanto, nada impede que uma mulher seja autora intelectual de um estupro desses, quando, por exemplo, contrata alguém para exercer a violência sexual contra uma rival. Tendo o domínio da ação, por tê-la encomendado, será autora do crime. Também pode uma mulher ser executora, em parte, do procedimento típico, quando realiza os atos de coação sobre a vítima, subjugando-a, amarrando-a, por exemplo, para que seu co-autor consiga executar a conjunção carnal. Quando uma mulher apenas colabora para a execução da conjunção carnal dissentida, dela será partícipe, mas quando tenha realizado atos materiais de constrangimento ou dirigido, intelectualmente, a ação típica, será co-autora. Sua culpabilidade, em determinadas circunstâncias, poderá ser ainda maior que a do executor, quando tiver, por exemplo, atuado por motivação torpe ou fútil. No estupro com a prática de outro ato libidinoso, os sujeitos, ativo e passivo, podem ser homem ou mulher, com ou sem concurso de pessoas.

1.2.1.5

Consumação e tentativa

A consumação acontece quando há introdução do pênis na vagina, a qual não necessita ser completa ou profunda, nem se exige que o agente tenha ejaculado ou que haja rompimento da membrana himenal, ou quando se realiza o outro ato libidinoso. A tentativa é a execução inacabada do procedimento típico por circunstâncias alheias à vontade do agente. O estupro, sendo crime material, exige a produção do resultado, que se realiza com a participação do agente: a conjunção carnal ou o outro ato libidinoso. Sem início da execução, não há tentativa. O início da execução do estupro é o começo dos atos de constrangimento, por violência ou por grave ameaça. A segunda fase do crime é a conjunção carnal ou o outro ato libidinoso. Assim, haverá início de execução quando o agente realizar o primeiro ato violento contra a vítima ou quando proferir ou realizar a primeira ameaça grave. Não é necessário, para o reconhecimento da tentativa, que a vítima tenha sido


Estupro - 9 despida ou que tenha havido contato corporal. Claro que se isso acontecer, não havendo a conjunção carnal ou a prática do ato libidinoso, a tentativa fica ainda melhor demonstrada. Sem que tenha havido contato corporal, o reconhecimento da tentativa de estupro dependerá de prova inequívoca de que o agente pretendia a conjunção carnal ou o ato libidinoso. Em grande parte dos casos, entretanto, a violência coincide com o próprio ato libidinoso, ou seja, já na realização da conduta confundem-se o emprego de violência e a prática libidinosa. O ato libidinoso pode consistir em simples contato corporal, superficial, sendo, por isso, de realização menos complexa e de constatação mais rápida e fácil. Nessa situação é impossível a tentativa do crime. A violência ou a grave ameaça pode, noutras situações, preceder a prática do ato libidinoso. Se este, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não se realizar, haverá tentativa. Basta o início de execução das ações violentas ou ameaçadoras, não sendo necessário, para o reconhecimento do crime na forma tentada, que haja início da prática de ato libidinoso.

1.2.1.6

Desistência voluntária

No estupro pode o agente, após empregar violência ou grave ameaça e antes de introduzir o pênis na vagina da mulher ou iniciar a prática do ato libidinoso, desistir, por sua livre e espontânea vontade, de continuar a execução do procedimento típico, que só se encerra quando da efetiva conjunção carnal ou da prática do ato libidinoso, daí que é possível reconhecer a desistência voluntária, respondendo o agente apenas pelos atos que tiver praticado: o constrangimento, a violência ou a grave ameaça. Indispensável que a interrupção da execução seja por ato voluntário, o que não acontece, por exemplo, quando o agente desiste da prática do ato libidinoso em razão das dificuldades da penetração por ser o órgão, vagina ou ânus, da pessoa de pequenas dimensões. Neste caso, impõe-se a certeza da tentativa. O mesmo quando ele deixa o local, sem realizar a prática do ato libidinoso, por causa dos gritos dados pela vítima.

1.2.2 Formas qualificadas

1.2.2.1 Formas qualificadas pelo resultado lesão corporal grave ou morte


10 - Direito Penal III – Ney Moura Teles O § 1º do art. 213, primeira parte, estabelece: “Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave (...): Pena – reclusão, de oito a doze anos. O § 2º dispõe: “Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.” Lesão corporal de natureza grave é um dos resultados descritos nos §§ 1º e 2º do art. 129. O § 1º e o § 2º exigem que o resultado qualificador decorra da conduta realizada, ou seja, que haja nexo causal entre a conduta - violência ou grave ameaça empregada para a realização do crime – e o resultado lesão corporal grave ou morte. Incidirá a qualificadora quando a lesão corporal de natureza grave tiver sido causada pela conduta realizada pelo agente para constranger a vítima à conjunção carnal ou para a prática do ato libidinoso, antes ou durante o transcorrer do procedimento típico. Lesões corporais simples ou vias de fato são absorvidas pelo tipo básico, porque integram a própria violência. Antes da vigência da Lei 12.015, de 7.8.2009, a lesão corporal grave deveria resultar necessariamente da violência, não se aplicando quando decorresse, por exemplo, de grave ameaça ou de qualquer outra causa grave eficiente e integrante do fato. A lei nova, ao referir-se à conduta, e não só à violência como causadora do resultado qualificador, é mais abrangente. A morte que qualifica o estupro, na vigência da lei revogada, podia ter sido causada tanto pela violência empregada, quanto por outra causa eficiente e integrante do fato, como, por exemplo, a grave ameaça feita por meio de arma que tenha desencadeado um enfarto na vítima ou a ingestão da substância entorpecente que o agente, fraudulentamente, ministrou à vítima. A lei nova não inovou, mantendo a conduta como causa do resultado mais grave. Mas, é óbvio, o resultado mais grave, antes como agora, deve ter sido produzido por uma ação do agente, violenta ou não, que tenha sido realizada com a finalidade de neutralizar a resistência da vítima, minando-lhe as forças, para obter a conjunção carnal ou a prática do ato libidinoso. Não basta que exista nexo causal entre a violência ou a grave ameaça e a lesão corporal ou a morte. É preciso que, em relação a esses resultados qualificadores, tenha o agente se comportado culposamente, isto é, com negligência, imprudência ou imperícia. É que, se o agente tiver atuado com dolo quanto ao resultado mais grave – desejando-o ou aceitando-o –, haverá concurso material ou formal imperfeito de dois crimes, estupro e lesão corporal grave ou estupro e morte.


Estupro - 11 Assim, o estupro com lesão corporal ou morte é um crime preterdoloso. A pena máxima cominada para o estupro com resultado morte é mais severa que a da lei revogada, pelo que, tendo a lei nova entrado em vigor no dia 10.08.2009, e sendo mais severa, não retroage, alcançando somente os fatos posteriores à sua vigência.

1.2.2.2

Forma qualificada pela idade da vítima: menor de 18 anos e

maior de 14 anos Dispõe o § 1º, segunda parte, que a pena será de reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos, “se a vitima é menor de 18 (dezoito) anos ou maior de 14 (catorze) anos”. A prática de conjunção carnal ou ato libidinoso, com ou sem violência ou grave ameaça, com menor de 14 anos, é crime autônomo, denominado estupro de vulnerável, assim definido no art. 217-A, analisado, adiante, no item 4. A qualificadora incide, portanto, quando a vítima do estupro é maior de 14 e menor de 18 anos. A norma usa a alternativa “ou”, inadequadamente, pois devia ter usado o conectivo “e”. Por descuido do legislador, se a vítima é estuprada no dia do próprio aniversário, quando tem exatos 14 anos, não incidirá a qualificadora, nem se configurará o estupro de vulnerável, que tem como vitima o menor de 14 anos. Haverá, aí, estupro simples, com pena de reclusão de 6 a 10 anos. No regime da lei revogada, vigia o art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos que determinava o acréscimo da pena, em metade, quando a vítima não fosse maior de 14 anos, fosse alienada ou débil mental – conhecendo o agente essa circunstância – ou não pudesse, por qualquer causa, oferecer resistência. Assim, era de 12 a 18 anos de reclusão, se da violência resultasse lesão corporal de natureza grave na vítima que estivesse numa das situações do revogado art. 224. Se ela morresse em decorrência do estupro a pena seria de 18 a 30 anos. Com a vigência da Lei nº 12.015/2009 , restou revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não se admitindo a sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. A matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a sanção prevista é mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Quando o fato for anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) porque é mais benéfico ao acusado, por força da norma do art. 2º, parágrafo único, do CP.


12 - Direito Penal III – Ney Moura Teles

1.2.3 Aumento de pena Determina o art. 226 do Código Penal, com as modificações introduzidas pela Lei n° 11.106, de 28.03.2005, que a pena será aumentada em duas situações. Haverá aumento de quarta parte, quando o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas. O aumento incide não apenas quando mais de duas pessoas tiverem executado o procedimento típico, mas também no caso em que haja apenas coautoria intelectual ou participação, bastando a exigência do mínimo de duas pessoas.

Será aumentada de metade quando “o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”. A norma refere-se a agentes que tenham, para com a vítima, uma relação de proximidade familiar ou de ascendência moral, como é o caso do professor, do mestre ou do instrutor, enfim, de todo que exerça alguma autoridade, de fato ou de direito. Se sobre o mesmo fato incidir mais de uma dessas causas de aumento de pena o juiz somente aplicará uma delas, devendo as demais ser levadas em conta no momento da fixação da pena-base como circunstância judicial. Já o art. 234-A determina que a pena seja aumentada de metade, se do crime resultar gravidez, e de um sexto até metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível, de que sabe ou deveria saber ser portador. O aumento incidirá em todos os casos. De estupro simples e nas formas qualificadas.

1.2.4 Concurso de crimes e conflito aparente de normas Possível o concurso material e formal e também a continuidade delitiva. Se após o estupro o agente mata a vítima, para assegurar a impunidade do crime, há concurso material com o homicídio qualificado. Se, depois de estuprá-la, subtrair coisas alheias da casa, há concurso com furto ou roubo. O mesmo quando, concluído o crime sexual, priva a vítima de sua liberdade, seqüestrando-a ou mantendo-a em cárcere privado. Não há mais concurso formal com o crime descrito no art. 130 ou no art. 131 do Código Penal, quando o agente sabe ou deveria saber que está contaminado de doença sexualmente transmissível e contamina a vítima, uma vez que tal circunstância foi


Estupro - 13 erigida como causa de aumento de pena, do art. 234-A. Se o agente, ao estuprar, deseja também a morte da vítima ou a causação de lesões corporais graves, através da própria conjunção carnal, o concurso será formal imperfeito com lesão corporal grave ou homicídio, porque presentes desígnios autônomos, aplicando-se a pena cumulativamente segundo a regra do concurso formal. A continuidade delitiva pode ser reconhecida no caso de mais de um estupro, inclusive contra vítimas diferentes, desde que realizados os pressupostos do art. 71 – nexo de continuação, necessariamente, por harmoniosas condições de tempo, lugar e modo de execução –, bem assim os de seu parágrafo único. Ao tempo da lei antiga, muito se discutiu acerca da possibilidade do concurso de crime entre estupro e atentado violento ao pudor. Dizia eu: “Se o agente, além de conjunção carnal, constranger a vítima à prática de outros atos libidinosos, como a conjunção carnal ou o sexo oral, realizando, assim, também o tipo do art. 214 – atentado violento ao pudor –, é inegável que deve ser reconhecida a continuidade delitiva. São crimes da mesma espécie porque violam o mesmo bem jurídico: a liberdade sexual. Crimes da mesma espécie, a meu ver, são aqueles que violam o mesmo bem jurídico. São os crimes cujos tipos têm o mesmo objeto jurídico. A idéia de espécie pressupõe a de gênero. A norma do art. 71 não se referiu a crimes idênticos, preferindo empregar a expressão crimes da mesma espécie. Mesma não significa única, idêntica, mas quer dizer semelhante, parecida, análoga. Espécie é o conjunto de seres que têm a mesma essência, porém com diferenças particulares. Têm os seres da mesma espécie a mesma substância, a mesma essência, mas algumas diferenças que os distinguem uns dos outros da mesma espécie. Os entes da mesma espécie integram um único gênero. Quisesse a lei que a continuidade delitiva fosse aplicada para crimes que têm, integralmente, os mesmos elementos, teria empregado a expressão crimes idênticos, utilizada nos arts. 69 e 70, ou única espécie. Crimes de mesma espécie são crimes que têm a mesma essência e essa está no bem jurídico protegido. Os tipos de estupro e de atentado violento ao pudor descrevem violações diferentes do mesmo bem jurídico: a liberdade sexual da pessoa. Essa é sua essência, sua alma. Há diferenças, evidentemente, mas elas não alteram a substância de serem, ambos os crimes, agressões à liberdade sexual. Esse entendimento, entretanto, não é comungado por grande parte da doutrina e dos Tribunais que vêem, nesses casos, concurso material de crimes.”

Essa discussão está superada, pois que agora não há mais estupro e atentado violento ao pudor, ambos reunidos no mesmo tipo do novo artigo 213.


14 - Direito Penal III – Ney Moura Teles O que se quer agora, no meio dos operadores do Direito, é, com a unificação dos tipos no atual art. 213, se, num mesmo contexto fático, o sujeito constranger a vítima à conjunção carnal, e, em seguida, a outro ato libidinoso, haverá um só crime ou dois crimes em continuidade delitiva. Debatem os estudiosos apontando as alternativas. Dizem que, se se entender que o novo tipo do art. 213 descreve um crime de ação múltipla, haverá crime único. A doutrina mais moderna entende que há, agora, um crime de conduta múltipla ou de conteúdo variado, um tipo alternativo: "O concurso de crime altera-se substancialmente. Não há mais possibilidade de existir concurso material entre estupro e atentado violento ao pudor. Aliás, conforme o caso, nem mesmo crime continuado. Se o agente constranger a vítima a com ele manter conjunção carnal e cópula anal comete um único delito de estupro, pois a figura típica passa a ser mista alternativa. Somente se cuidará de crime continuado se o agente cometer, novamente, em outro cenário, ainda que contra a mesma vítima, outro estupro. (...) É inequívoca a unificação de condutas criminosas, referentes aos anteriores estupros e atentado violento ao pudor, sob um mesmo tipo legal alternativo Portanto, o agente que ‘constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" responderá por um só delito: estupro (art. 213, CP). É pacífico o entendimento em relação aos tipos alternativos: a prática de uma só conduta descrita no tipo ou o cometimento de mais de uma, quando expostas as práticas num mesmo cenário, mormente contra idêntica vítima, resulta na concretização de uma só infração penal" (NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à Lei 12.015, de 17 de agosto de 2009. São Paulo: RT, 2009, p. 18-19 e 63.). "(...) a prática de conjunção carnal seguida de atos libidinosos (sexo anal, por exemplo) gerava concurso material dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor (...). Entendia-se que o agente, nesse caso, pratica duas condutas (impedindo reconhecer-se o concurso formal) gerando dois resultados de espécies diferentes (incompatível com a continuidade delitiva). Com a Lei 12.015/09 o crime de estupro passou a ser de conduta múltipla ou de conteúdo variado. Praticando o agente mais de um núcleo dentro do mesmo contexto fático, não desnatura a unidade do crime (...). A mudança é benéfica para o acusado, devendo retroagir (...)" (CUNHA, Rogério Sanches. Lei 12.015/09. In: GOMES, Luiz Flávio et al. Comentários à reforma criminal e à Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. São Paulo: RT, 2009, p. 36.).


Estupro - 15 "Anteriormente à edição da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, que revogou o delito de atentado violento ao pudor, tipificado no art. 214 do Código Penal, quando o agente, que tinha por finalidade levar a efeito a conjunção carnal com vítima, viesse, também, a praticar outros atos libidinosos, a exemplo do sexo anal e da felação, deveria responder por ambas as infrações penais, aplicando-se a regra do concurso de crimes. (...) Hoje, após a referida modificação, nessa hipótese, a lei veio a beneficiar o agente, razão pela qual se, durante a prática violenta do ato sexual, o agente, além na penetração vaginal, vier a também fazer sexo anal com a vítima, os fatos deverão ser entendidos como crime único, haja vista que os comportamentos se encontram previstos na mesma figura típica, devendo ser entendida a infração penal como de ação múltipla, aplicando-se somente a pena cominada no art. 213 do Código Penal, por uma única vez, afastando, dessa forma, o concurso de crimes" (GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 5ª ed. Niterói-RJ: Impetus, 2008, vol. III, Adendo: Lei 12.015/2009, p. 40.). Correto esse pensamento. Quando, no mesmo contexto fático, o sujeito constranger a mulher à conjunção carnal e em seguida ao coito anal, estará cometendo um só crime. É que, quando o sujeito realiza a mesma conduta, duas vezes, contra o mesmo bem jurídico da mesma pessoa, não comete duas, mas uma única vez, o mesmo crime. No furto, quando o agente subtrai dois objetos diferentes da mesma vítima, não está cometendo dois furtos, mas apenas um. O novo tipo do art. 213 contém apenas um mandamento: é proibido constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prática de um ato libidinoso. Este ato pode ser a conjunção carnal, coito ano, sexo oral etc. Ato libidinoso é gênero de que são espécies a conjunção carnal, o coito anal, a prática de sexo oral, a masturbação e o beijo lascivo, dentre outros. O bem jurídico, porém, é um só: a liberdade sexual da pessoa. O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou o tema, no julgamento do Habeas Corpus nº 144.870. A 6ª. Turma, por unanimidade de votos, decidiu no sentido do reconhecimento de crime único, não tendo sido ainda publicado o Acórdão. A notícia foi publicada no site do STJ, assim: “A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu como crime único as condutas de estupro e atentado violento ao pudor realizadas contra uma mesma vítima, na mesma circunstância. Dessa forma, a Turma anulou a sentença condenatória no que se refere à dosimetria da pena, determinando que nova reprimenda seja fixada pelo juiz das execuções.


16 - Direito Penal III – Ney Moura Teles No caso, o agressor foi denunciado porque, em 31/8/1999, teria constrangido, mediante grave ameaça, certa pessoa às práticas de conjunção carnal e coito anal. Condenado à pena de oito anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida, inicialmente, no regime fechado, a pena foi fixada, para cada um dos delitos, em seis anos e seis meses de reclusão, diminuída em um terço em razão da sua semi-imputabilidade. No STJ, a defesa pediu o reconhecimento do crime continuado entre as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, com o consequente redimensionamento das penas. Ao votar, o relator, ministro Og Fernandes, destacou que, antes das inovações trazidas pela Lei n. 12.015/09, havia fértil discussão acerca da possibilidade, ou não, de se reconhecer a existência de crime continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Segundo o ministro, para uns, por serem crimes de espécies diferentes, descaberia falar em continuidade delitiva. A outra corrente defendia ser possível o reconhecimento do crime continuado quando o ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por caracterizar o chamado prelúdio do coito. “A questão, tenho eu, foi sensivelmente abalada com a nova redação dada à Lei Penal no título referente aos hoje denominados ‘Crimes contra a Dignidade Sexual’. Tenho que o embate antes existente perdeu sentido. Digo isso porque agora não há mais crimes de espécies diferentes. Mais que isso. Agora o crime é único”, afirmou o ministro. Ele destacou que, com a nova lei, houve a revogação do artigo 214 do Código Penal, passando as condutas ali tipificadas a fazer parte do artigo 213 – que trata do crime de estupro. Em razão disso, quando forem praticados, num mesmo contexto, contra a mesma vítima, atos que caracterizariam estupro e atentado violento ao pudor, não mais se falaria em concurso material ou crime continuado, mas, sim, em crime único. O relator ainda destacou que caberia ao magistrado, ao aplicar a pena, estabelecer, com base nas diretrizes do artigo 59 do Código Penal, reprimendas diferentes a agentes que pratiquem mais de um ato libidinoso. Para o relator, no caso, aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o apenamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. Isso porque o réu foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor por ter praticado, respectivamente, conjunção carnal e coito anal dentro do mesmo contexto, com a mesma vítima.”

O tema não está, ainda, pacificado, mas, tendo sido unânime a decisão da 6ª. Turma parece-me bastante difícil que o STJ possa modificar esse entendimento, que, a meu ver, não merece qualquer reparo.


Estupro - 17 O estupro, por fim, contém o constrangimento ilegal, por isso o absorve. Absorve também as lesões corporais leves e as vias de fato empregadas.

1.2.5 Crime hediondo A Lei nº 8.072/90 – que definiu os crimes hediondos –, por sua imprecisão técnica, permitiu o surgimento de dúvidas quanto à classificação do estupro como crime hediondo, antes da vigência da Lei n° 12.015/09. Havia decisões dos Tribunais brasileiros, de todos os níveis e de várias unidades federadas, abraçando os mais diversos entendimentos. Para uns só as formas qualificadas pelo resultado estariam incluídas entre os hediondos, outros entendiam que também a figura simples, porém não quando cometidos com violência presumida. A norma do art. 1º, inciso V, da Lei dos Crimes Hediondos, era clara e precisa, quando dizia: “São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: (...) V – estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único).” Referia-se, portanto, ao estupro simples, conforme consta da definição do art. 213, e também ao estupro do art. 213 combinado com as formas qualificadas pelo resultado previstas no art. 223, caput, que descreve a lesão corporal grave e também no parágrafo único, onde está descrito o resultado morte. Referia-se, portanto, ao estupro simples e também aos estupros qualificados. O que dizia a jurisprudência? O Supremo Tribunal Federal1

e o Superior

Tribunal de Justiça2, em sua jurisprudência mais recente, consideravam que todo e qualquer estupro, simples, inclusive o com violência presumida, e qualificado pelo 1 DJ 29-11-2002. “ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CRIME HEDIONDO. REGIME PRISIONAL INTEGRALMENTE FECHADO. O plenário desta Corte, ao julgar o HC nº 81.288, rel. p/o Acórdão o Min. Carlos Velloso (sessão de 17.12.2001), firmou o entendimento de que o estupro e o atentado violento ao pudor, mesmo nas suas formas básicas, em que não há lesão corporal de natureza grave ou morte, constituem crimes hediondos, nos termos do art. 1º, inciso V e VI da Lei nº 8.072/90” (STF).

DJ 7-4-2003. HC 25321/SP: “A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples, ou seja, mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticados mediante violência presumida, são considerados hediondos, devendo as suas respectivas penas serem cumpridas em regime integralmente fechado, por aplicação do disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90” (STJ).

2


18 - Direito Penal III – Ney Moura Teles resultado, era crime hediondo.

Com a vigência da Lei 12.015, de 7.08.2009, não há mais qualquer dúvida, uma vez que o seu 4° mandou considerar hediondos o estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o) e também o estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o). Então todo e qualquer estupro, próprio e de vulnerável, adiante examinado, em qualquer das suas formas, simples ou qualificada, é crime hediondo.

1.3

AÇÃO PENAL E SEGREDO DE JUSTIÇA Dispõe o art. 225 do Código Penal, com a redação dada pela Lei n° 12.015, de

7.08.2009, que a ação penal relativa aos crimes definidos nos Capítulos I e II, do Título VI, dentre os quais o estupro, é, em regra, de iniciativa pública condicionada à representação, alterando, assim, a regra anterior, que consagrava a ação de iniciativa privada como regra. O parágrafo único, todavia, determina que será de iniciativa pública incondicionada, quando a vitima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. Assim, tratando-se de estupro, a ação penal é de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido, ou incondicionada, se a vítima é menor de 18 anos. Estabelece o art. 234-B que os processos nos quais se apuram os crimes definidos no Título VI tramitarão em segredo de justiça. O fim da norma é, sobretudo, proteger a vítima e o acusado contra qualquer espécie de sensacionalismo. O segredo de justiça não alcança os sujeitos processuais e seus advogados.


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