25
PRESCRIÇÃO
___________________________ 25.1 GENERALIDADES O direito de punir o agente do crime, o ius puniendi, pertence ao Estado que, tão logo tenha notícia da prática do fato, dá início à chamada persecução penal, investigando as circunstâncias que cercam o evento, descobrindo suas particularidades, suas características, seu autor e, depois, vai, por intermédio do exercício do direito de ação, deduzir, perante o órgão do Poder Judiciário, sua pretensão de punir o responsável pelo crime, ou de ver aplicada uma medida de segurança ao agente inimputável. O fim perseguido pelo Estado, aplicar a pena ou a medida de segurança, não é realizado sob a inspiração da vingança, ou da simples necessidade de castigar o homem que delinqüiu, mas, já se viu, desde o início desse estudo, norteia-se pelas idéias de prevenção geral ou especial e, principalmente, de educar ou socializar o condenado – como, aliás, consta do art. 1º da Lei de Execução Penal: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão
criminal
e
proporcionar
condições
para
a
harmônica
integração social do condenado e do internado.” À violação da norma penal, com a lesão do bem jurídico, pelo agente culpado, deve seguir-se, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a execução da pena, em que, então, se procurarão oferecer ao condenado as tais condições para sua integração no meio social. Seria da maior importância que o Estado conseguisse iniciar a execução das penas dentro do mais curto espaço de tempo possível após o crime. Se João matou dolosa, ilícita e culpavelmente, a Pedro, no dia 2 de março de 1990, seria da maior importância que no mesmo ano ou, quando muito, no ano seguinte, o processo já estivesse definitivamente concluído, com a execução da pena imposta iniciada imediatamente.
2 - Direito Penal – Ney Moura Teles Condenado, por exemplo, a oito anos de reclusão, iniciaria seu cumprimento pouco mais de dois anos após o fato. Todos ganhariam com essa celeridade, tanto no que diz respeito à prevenção geral, à prevenção especial e à necessidade de recuperação do infrator da norma. Já se disse que a justiça há de ser, principalmente, rápida. A celeridade, porém, não pode ser a ponto de comprometer as garantias constitucionais e processuais do acusado, pois que, se assim for, será apenas rápida, podendo deixar de ser justa. O respeito a todos os direitos do perseguido, por sua vez, não pode ser de molde a procrastinar o andamento do processo, relegando sua conclusão para um futuro muito distante do fato, o que não será também justo. Inegável que a impunidade é grande beneficiadora da criminalidade. Não sua causa, é óbvio, mas um fator de seu incremento. Por isso, são reclamados, sempre, mais investimentos públicos nos serviços de segurança, do Poder Judiciário e do sistema penitenciário, visando permitir a maior agilidade dos agentes públicos envolvidos, para que todos possam prestar bom e ágil serviço com vistas na satisfação das pretensões deduzidas contra os que cometem crimes. Vige no Brasil, felizmente, o princípio da presunção da inocência, que impõe a todos a obrigação de considerar inocente o acusado da prática de um crime enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória. Em outras palavras, enquanto não estiver definitivamente condenado, o acusado deve ser tratado como inocente. Desse princípio decorre a regra de que os acusados não perderão a liberdade enquanto não condenados definitivamente. E a de que não é possível executar qualquer pena antes do julgamento definitivo, não se admitindo, como se admite no processo civil, a execução provisória, antecipada, da sentença condenatória. Por essa razão, o acusado vai, durante o curso do processo penal – salvo as excepcionais situações que autorizam a prisão preventiva e outras prisões processuais, justificadas (por exemplo, as decorrentes da pronúncia e da sentença condenatória recorrível) –, permanecer em liberdade, sem sofrer qualquer das conseqüências da pena que o Estado pretende seja aplicada. Só mesmo depois de condenado com sentença transitada em julgado é que poderá sofrer a sanção penal. Esta é, felizmente, a regra. Como não poderia deixar de ser, nos casos excepcionais em que o acusado precisa permanecer preso, o julgamento deve ser realizado prioritariamente, exatamente em razão da prisão provisória, para que o cidadão simplesmente processado permaneça o mínimo de tempo possível privado de liberdade. Afinal, não seria justo manter alguém não condenado preso indefinidamente, ou por tempo razoavelmente longo, considerando-se que ele não é, ainda, culpado, e, como tal, não
Prescrição - 3 pode ser tratado. Já os acusados da prática de crimes e contravenções penais, cuja prisão processual não é necessária, enquanto tramitam os processos contra si propostos, continuam vivendo sua vida normal, seu dia-a-dia, trabalhando, com seus familiares, construindo seu futuro, convivendo no meio social. Seus processos, exatamente por estarem em liberdade, são examinados e julgados sempre em segundo plano, pois a prioridade será sempre a dos processos dos réus presos. As deficiências de recursos humanos e materiais do Poder Judiciário, o acúmulo dos processos penais, decorrente do aumento da criminalidade, mormente a violenta, e o aumento dos casos de réus presos, são fatores que vão ocasionar a demora no julgamento de grande parte dos processos, principalmente aqueles cujos acusados estão em liberdade. Muitas vezes, o julgamento de determinado crime vai acontecer alguns anos depois do fato. Noutras, a decisão sobre o fato vai acontecer depois de 10, 12 e até 15 anos. Há casos de processos, raros, é verdade, que adormecem nos cartórios até por 20 anos. O direito de punir, do Estado, é entendimento pacífico, não pode perdurar por todo o tempo. O tempo exerce influência importante nas provas necessárias para uma condenação. Testemunhas se esquecem, outras morrem, documentos desaparecem, o transcorrer do tempo vai apagando os vestígios do crime, prejudicando a apuração da verdade, o que vai causar grandes dificuldades para a formação do convencimento do julgador. Por outro lado, muitas vezes, depois de alguns anos da prática do fato típico, o acusado, em liberdade, consegue por seus próprios meios ou por seu próprio comportamento, por sua própria atitude de vida ou por sua conduta social, conviver em perfeita harmonia no seio da sociedade, tornando-se um cidadão perfeitamente integrado na comunidade, respeitando-a e aos seus valores, gozando de seu respeito e de sua simpatia. Cinco, seis ou mais anos após o fato, o acusado pode dar perfeitas mostras de não representar qualquer perigo para os bens jurídicos penalmente protegidos. Tornase, muita vez, um verdadeiro benfeitor da sociedade. E, de repente, poderia ser colhido pela sanção penal decorrente de um fato perdido no tempo. Seria um grande mal para a sociedade que o Estado mantivesse o direito de punir o autor do crime, por todo o tempo.
25.1.1
Conceito
4 - Direito Penal – Ney Moura Teles Não é assim, felizmente, porquanto o direito que o Estado tem de punir o agente do crime deve ser exercido durante certo tempo, e, se não o for, será extinto, será perdido. Se o Estado quer punir quem delinqüiu, deve fazê-lo o mais rápido possível, dentro do mais curto espaço de tempo, exatamente para, com a punição, alcançar os fins da pena: prevenir o crime e reeducar o agente. Impondo a sanção penal imediatamente, estaria concretizando a ameaça abstrata, dando efetividade à sanção penal, o que poderia – relativamente, é verdade – funcionar como intimidação para muitos. Por outro lado, condenado o agente, deveria ser executada a sanção penal o mais rapidamente, a fim de que o condenado fosse, de logo, submetido aos programas de educação ou reinserção social que devem acompanhar a execução penal. Para que o Estado não permanecesse indefinidamente com o direito de punir e se visse na obrigação de promover, imediatamente, a apuração das infrações penais, com vistas na obtenção das decisões condenatórias, a fim de executar a pena também com celeridade, construiu-se o instituto da prescrição, como uma das mais importantes causas de extinção da punibilidade, do direito estatal de punir. A prescrição penal, no dizer autorizado de DAMÁSIO E. DE JESUS, “faz desaparecer o direito de o Estado exercer o jus persequendi in juditio ou o jus punitionis, subsistindo o crime em todos os seus requisitos”1. Ocorrido o crime, realizado o inquérito policial, promove o Estado, pelo órgão do Ministério Público, a ação penal, objetivando obter a condenação do acusado. Obtida a condenação, exerce o Estado a execução da pena, impondo ao condenado seu cumprimento. Nas duas hipóteses, o Estado estará subordinado ao tempo, e se não concretizar seus dois intentos – a condenação e o cumprimento da pena –, dentro de um lapso de tempo previamente estabelecido, perderá o direito de punir o agente do crime. A prescrição é o instituto que extingue o direito de punir, em razão da perda do direito de continuar deduzindo em juízo o pedido condenatório, ou da perda do direito de executar a pena aplicada pelo julgador, pelo transcurso do tempo.
25.1.2
Pretensão punitiva
Pretender é desejar. Com a prática do crime, entre o agente e o Estado forma-se um litígio. O Estado quer punir o infrator da norma, e este não quer sofrer a conseqüência da violação da norma. O Estado pretende puni-lo, e ele resiste à 1
Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 629.
Prescrição - 5 pretensão do Estado. Pretensão punitiva é a exigência que o Estado faz ao Poder Judiciário para que este declare, por uma decisão denominada sentença, a obrigação de o agente do crime submeter-se à sanção penal. O Estado deduz, perante o julgador, sua pretensão de punir o agente do crime, por meio da chamada ação penal. Instaurada a ação penal e até o trânsito em julgado da sentença proferida pelo órgão do Poder Judiciário, o Estado estará exercendo a pretensão punitiva, a persecução penal. Deve fazê-lo dentro de certo tempo, sob pena de perder o direito de continuar exercendo-a, pela prescrição, do que resultará a extinção da punibilidade.
25.1.3
Pretensão executória
Depois que transita em julgado a sentença penal condenatória, o Estado já não exercerá a pretensão punitiva, porque com o julgamento definitivo terá surgido o título executivo, com o qual o Estado poderá executar a sanção aplicada, pena ou medida de segurança. Executar significa concretizar, tornar efetiva, real, a sanção imposta. Se a pena foi de privação de liberdade, executá-la quer dizer submeter o condenado a seu cumprimento, no estabelecimento adequado, dentro de determinado regime, pelo lapso temporal fixado, com a observância das normas próprias, já estudadas. Assim, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, a pretensão que era punitiva transmuda-se em pretensão executória. Também esta pretensão deve ser satisfeita dentro de um lapso temporal, após o qual será perdida, pela prescrição, com a conseqüente extinção da punibilidade.
25.2 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA A prescrição da pretensão punitiva (chamada também de prescrição da ação, o que não é correto, pois que não é a ação, mas o direito de punir, que é atingido pela prescrição) ocorrerá antes de transitar em julgado a sentença final. O processo penal, promovido em regra pelo Estado, com vistas na obtenção da condenação, deve estar concluído definitivamente em certo tempo. Se não, o Estado perderá o direito de punir, pela prescrição da pretensão punitiva. A prescrição da pretensão punitiva poderá dar-se com base no grau máximo da pena cominada para cada crime, chamada prescrição pela pena abstrata, in abstracto, ou também poderá dar-se pela quantidade da pena imposta na sentença de primeiro
6 - Direito Penal – Ney Moura Teles grau, denominada prescrição da pretensão punitiva pela pena concretizada, ou in concreto, conforme seja verificada antes ou depois da sentença condenatória de primeiro grau.
25.2.1
Termo inicial da prescrição
Estabelece o art. 111 do Código Penal: “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I – do dia em que o crime se consumou; II – no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; IV – nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.” Termo inicial – termo a quo – é a data a partir da qual começa a correr o prazo prescricional. O primeiro termo é a data da consumação do crime, não a data do crime. Sabemos que o crime é praticado no momento da ação ou da omissão, ainda que seja outro o momento do resultado (art. 4º, CP). Aqui, o termo é o momento da consumação. Esta ocorre quando o fato se ajusta por completo, integralmente, ao tipo. No tipo de homicídio, com a morte da vítima. No tipo de estupro, com a introdução, ainda que incompleta, do pênis na vagina. No tipo de corrupção passiva, no momento em que o funcionário público solicita a vantagem, ou quando aceita a sua promessa, não quando a recebe, até porque nem é necessário que venha recebê-la. A prescrição começa a correr da data em que o crime se consuma. Tentativa de crime é a interrupção do procedimento típico, por circunstâncias alheias à vontade do agente. Para ocorrer, imprescindível o início da execução. Ato executório é o que dá início à realização do procedimento típico. Se se tratar de tentativa de crime, a prescrição só vai começar a contar da data em que foi praticado o último ato executório. No crime permanente – que tem prolongado, no tempo, o seu momento de consumação – a prescrição começará a correr do dia em que terminou a permanência. Exemplo desse crime é o definido no art. 159: “Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate.” Enquanto a vítima permanecer em poder dos agentes, privada de sua liberdade, existe a permanência. Durante esse tempo, o curso da prescrição não se inicia. Somente quando o seqüestrado obtém a liberdade – momento em que cessa a permanência do crime – é que tem início o curso da prescrição da pretensão punitiva relativa a esse, e a outros crimes permanentes.
Prescrição - 7 O inciso IV do art. 111 dispõe que, nos casos dos crimes de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento de registro civil, a prescrição só começará a contar do dia em que o fato se tiver tornado conhecido de qualquer autoridade pública.
25.2.2
Causas suspensivas da prescrição
25.2.2.1 Legais Estabelece o caput art. 116 do Código Penal: “Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.” Essas duas causas impedem o curso da prescrição, suspendendo a continuação do prazo. Isto é: o prazo prescricional deixa de correr, retomando seu curso quando desaparece a causa que o suspendeu. A primeira causa de suspensão é a presença da chamada questão prejudicial. Segundo VICENTE GRECO FILHO, “é uma infração penal ou uma relação jurídica civil cuja existência ou inexistência condiciona a existência da infração penal que está sob julgamento do juiz.”2 Pode ocorrer que, para o juiz decidir sobre a existência do crime, necessite aguardar o deslinde de outro processo, penal ou civil, para não haver risco de decisões judiciais contraditórias. Por exemplo, João responde a um processo por crime de furto. Noutro processo, Artur é acusado da prática de receptação do bem subtraído por João. É claro que, se naquele processo ficar provada a inexistência do furto, por exemplo, porque o bem não era alheio, mas próprio, não se poderá falar na existência de receptação. De todo importante que o juiz aguarde o deslinde do primeiro processo, para só depois decidir o que está sob sua presidência. Às vezes, a decisão sobre a idade das pessoas ou seu estado civil pode ser objeto de controvérsia séria, o que terá reflexos importantes na existência do crime. Tais questões dependerão de pronunciamento do juízo cível, pelo que deve o processo penal ficar paralisado, até que transite em julgado a sentença de natureza civil que resolva a dúvida.
2
Manual de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 151.
8 - Direito Penal – Ney Moura Teles Nessas situações, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade da suspensão do processo, nos arts. 92 e 93. Suspenso o processo, o curso da prescrição deve, também, permanecer suspenso, até que seja reiniciado o processo penal, momento em que volta a correr a prescrição. A segunda causa que suspende o curso da prescrição da pretensão punitiva é o cumprimento de pena no estrangeiro. Para tanto, o acusado no Brasil deve estar cumprindo pena em outro país. Se ele se encontra preso em outro país, cumprindo pena, não pode ser extraditado para nosso país, e, por isso, o curso da prescrição da pretensão punitiva deve ser suspenso, continuando após a extinção da pena no estrangeiro. O cumprimento de pena em nosso país não suspende o curso da prescrição. A Lei nº 9.271, de 17-4-1996, deu nova redação ao art. 366 do Código de Processo Penal, que passou a vigorar assim: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.” Criou, assim uma nova causa suspensiva da prescrição da pretensão punitiva. Se o acusado for citado por edital e não comparecer, nem constituir advogado, o processo será suspenso, suspendendo-se também o curso da prescrição, só reiniciando se e quando o acusado comparecer em juízo. À primeira vista, poder-se-ia entender que se criou, na verdade, mais um caso de imprescritibilidade, pois se se passassem 20 ou 30 anos e só aí o acusado comparecesse, o processo seria reiniciado, recomeçando-se então a contar o curso da prescrição. Nesse caso, não haveria, na prática, a prescrição. Como, porém a imprescritibilidade é matéria reservada ao legislador constitucional, não se pode aceitar tal interpretação. É de todo claro que a suspensão da prescrição não pode perdurar indefinidamente no tempo; por isso, a nova lei, na parte em que determina a suspensão do curso da prescrição, é, a meu ver, inconstitucional. Na verdade, em vez de suspensão, a lei deveria determinar a interrupção do curso da prescrição. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto acabou por construir exatamente o entendimento
jurisprudencial
que
eu
condenara,
deixando
de
declarar
a
inconstitucionalidade da suspensão da prescrição, para editar a Súmula 415, com o seguinte enunciado: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”. Tratando-se, por exemplo, de crime cuja pena máxima cominada seja de 8 anos, a suspensão se dará será por 12 anos. Findo esse prazo,
Prescrição - 9 começará a fluir novamente o curso da prescrição, computando-se, para sua verificação, o tempo transcorrido entre a data do recebimento da denúncia e a data da suspensão, até completar outros 12 anos. As causas suspensivas apenas impedem o curso da prescrição. Resolvidas, o curso da prescrição recomeça. O tempo anterior à suspensão não fica perdido e vai ser somado com o tempo que recomeça a correr, após o fim da suspensão.
25.2.2.2
Constitucionais
A ação penal proposta contra parlamentar, por crime cometido após a sua diplomação, pode, consoante dispõe o § 3º, do art. 53 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 35/2001, ter o seu andamento sustado, a requerimento de partido político representado na casa legislativa e por decisão da maioria dos membros desta Câmara ou Senado. Nessa hipótese, o curso da prescrição ficará suspenso, enquanto durar o mandato. É o que determina o § 5º do mesmo art. 53.
25.2.3
Causas interruptivas da prescrição
O art. 117 do Código Penal dispõe: “O curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II – pela pronúncia; III – pela decisão confirmatória da pronúncia; IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI – pela reincidência. § 1º Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles. § 2º Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção.” As causas de interrupção – exceto a do inciso V – extinguem o prazo prescricional decorrido até o momento da interrupção. Exemplo: no dia da consumação do crime começa a correr o prazo prescricional. Passa-se um ano, quando ocorre uma causa de interrupção da prescrição, como, por exemplo, o recebimento da denúncia. Esse tempo de um ano é simplesmente extinto, apagado, esquecido, como se não tivesse decorrido. Com a interrupção, começa a correr novamente a partir daí o prazo de prescrição.
10 - Direito Penal – Ney Moura Teles
25.2.3.1
Recebimento da denúncia ou queixa
A ação penal, que é a dedução em juízo da pretensão punitiva, começa pelo pedido inicial de condenação do agente do crime. Essa petição inicial, se formulada pelo órgão do Ministério Público, nos crimes de ação de iniciativa pública, recebe a denominação de denúncia; nos crimes de ação de iniciativa privada, formulada pelo particular, denominase queixa. São, assim, as peças iniciais do processo penal. A denúncia e a queixa são oferecidas perante o juiz competente, que, assim que as considerar aptas para a instauração da relação processual, prolatará um despacho, recebendo-as. Trata-se de um ato judicial de natureza jurisdicional e não meramente administrativa, pois que o juiz, ao deparar-se com a denúncia ou a queixa, faz sobre elas, ainda que superficialmente, um juízo de admissibilidade, podendo, mesmo, rejeitá-las. Com a vigência da Lei nº 11.719/08, que modificou o Código de Processo Penal, são dois os momentos em que há ato judicial de recebimento da denúncia ou queixa. O primeiro é, logo após o seu oferecimento, o previsto no art. 396 do CPP, quando o juiz, se não rejeitar a inicial liminarmente, determinará a citação do acusado, para oferecer a resposta, no prazo de 10 dias. O segundo é, após a resposta do acusado, se o juiz não o absolver sumariamente, quando o juiz designará a audiência de instrução e julgamento, previsto no art. 399 do CPP. Conquanto sejam, agora, dois os momentos de recebimento da denúncia ou queixa, é de se perguntar: a interrupção da prescrição ocorre (1) em ambos os momentos, (2) somente na fase do art. 396, ou (3) apenas no segundo, da fase do art. 399 do CPP? A inovação trazida pela Lei nº 11.719/08, de estabelecer o contraditório prévio, homenageando o direito de defesa, como já previsto em outros procedimentos penais especiais, como os do Decreto-lei 201/67 (crimes de prefeitos) e da Lei 8.038/90 (ações penais originárias nos Tribunais), leva-me a entender a decisão que, ao não rejeitar liminarmente a denúncia ou queixa, determina a citação do acusado como daquelas com carga valorativa insuficiente para interromper o curso da prescrição, porquanto limitada ao exame da aptidão da vestibular, dos pressupostos processuais e das condições da ação, além da justa causa. É puramente formal. Tal exame é superficial, porque a lei quer que, antes de receber a denúncia ou queixa, instaurando o processo, o acusado seja chamado para se manifestar, para postular, se quiser, exame mais aprofundado dos elementos constitutivos do crime – tipicidade, ilicitude e culpabilidade - e da própria punibilidade, que o juiz deverá fazer, posterior e obrigatoriamente, absolvendo-o sumariamente, ou não. Nada obstante a norma do art. 396 ter utilizado a forma verbal “recebê-la-á”, não
Prescrição - 11 quer, à evidência, conferir a essa decisão carga decisória positiva além da aptidão formal da peça acusatória, tanto que, logo em seguida, prevê a obrigatoriedade da instauração de prévio contraditório e a possibilidade de absolvição sumária, pelo reconhecimento da ausência de tipicidade, de ilicitude, de culpabilidade e de punibilidade, as quais, todas, fulminam a pretensão punitiva. Decisão proferida na fase do art. 399 do CPP faz coisa julgada, formal e material. Diferentemente, a decisão que rejeita liminarmente a denúncia ou queixa, por inépcia da denúncia, ausência de legitimidade das partes, por exemplo, não impede nova propositura da ação penal. Por isso, a meu ver, só a decisão que, rejeitando a absolvição sumária, determina a realização da audiência de instrução e julgamento, é causa interruptiva da prescrição. Oferecida e rejeitada a denúncia ou queixa, a prescrição não se interrompe. A interrupção, como é certo, somente se dará se a peça inicial for recebida, na data da publicação da decisão. Considera-se publicado o ato judicial no momento em que o escrivão recebe o processo em seu cartório.
25.2.3.2
Pronúncia e decisão confirmatória
Os crimes dolosos contra a vida – homicídio doloso, participação em suicídio, infanticídio e aborto – são julgados pelo Tribunal do Júri. Nesses casos, o processo que se inicia com a denúncia do Ministério Público é dividido em duas fases: a primeira, chamada juízo da acusação, encerra-se com uma decisão do juiz chamada pronúncia, na qual ele deve reconhecer a existência do fato e a presença de, pelo menos, indícios de autoria, determinando que o julgamento seja feito pelo júri popular. Pode o juiz, em vez de pronunciar, absolver o réu sumariamente, impronunciá-lo, ou desclassificar o crime para outro de competência do juiz singular e não do júri, casos em que não haverá segunda fase. Essa matéria é de natureza processual, regulada nos arts. 413 a 419 do Código de Processo Penal. A segunda fase, juízo da causa, que se inicia após o trânsito em julgado da pronúncia, vai até o julgamento pelo conselho de sentença. A pronúncia é, assim, um marco divisor no processo dos crimes de competência do júri. Dela podem as partes recorrer para a instância superior, que poderá revogá-la ou confirmá-la, com ou sem alterações. Publicada a decisão de pronúncia, interrompe-se a prescrição. Se, em vez de pronunciar o acusado, o juiz absolvê-lo sumariamente, impronunciá-lo, ou desclassificar o crime, o Ministério Público recorrer dessa decisão e o Tribunal, julgando o recurso ministerial, anular a decisão do juiz e pronunciar o
12 - Direito Penal – Ney Moura Teles acusado, é óbvio que essa decisão do tribunal, por ser confirmatória da pronúncia, também é das que interrompem a prescrição. Interrompida a prescrição pela decisão de pronúncia, começa a correr novamente novo prazo prescricional, que somente será interrompido com a decisão da instância superior que confirmar a pronúncia, se dela tiver havido recurso. O prazo prescricional transcorrido desde o dia do recebimento da denúncia fica totalmente perdido com o advento da pronúncia, perdendo-se, igualmente, o prazo prescricional transcorrido da data da pronúncia recorrida até sua confirmação pelo Tribunal. Daí começa a correr do nada, outra vez, novo prazo prescricional da pretensão punitiva.
25.2.3.3
Publicação da sentença ou do
acórdão
condenatórios
recorríveis O processo penal, iniciado com a denúncia ou queixa, tem seu termo no juízo da primeira instância com uma decisão do juiz acerca da pretensão punitiva deduzida, chamada sentença. Se o juiz convencer-se da existência do crime, e de que o acusado foi seu autor, ou partícipe, prolatará sentença declarando a condenação. Dessa sentença condenatória podem as partes, o acusador e a defesa, dela discordando, recorrer para a instância superior. Publicada a sentença, na data em que o escrivão junta-a aos autos, interrompe-se outra vez a prescrição. O prazo prescricional iniciado após o recebimento da denúncia, ou aquele começado a correr após a publicação da pronúncia ou do acórdão de sua confirmação, fica extinto, com essa nova interrupção, decorrente da publicação da sentença condenatória, começando a correr, a partir daí, novamente do zero, outro prazo prescricional.
25.2.3.4
Início
ou
continuação
do
cumprimento
da
pena
e
reincidência Essas causas são de interrupção da prescrição da pretensão executória, e não da pretensão punitiva, pelo que serão estudadas adiante, quando for tratada aquela prescrição.
25.2.3.5
Comunicabilidade das causas interruptivas
A interrupção do curso da prescrição da pretensão punitiva relativamente a um
Prescrição - 13 dos réus se estenderá também aos demais e, se ocorrer com relação a um crime, alcançará os crimes conexos que estiverem sendo julgados no mesmo processo. É a regra do art. 117, § 1º, Código Penal: “Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.” Assim, se Antônio e Pedro estão sendo processados pela prática de homicídio, a pronúncia do primeiro interromperá a prescrição também com relação ao segundo.
25.2.4
Prescrição
pela
pena
abstrata
(antes
da
decisão
condenatória) Os prazos da prescrição da pretensão punitiva estão estabelecidos no art. 109 do Código Penal, e variam conforme o máximo da pena privativa de liberdade cominada para cada crime.
25.2.4.1
Critério básico
Diz o art. 109 do Código Penal: “A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze); II – em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a 12 (doze); III – em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito); IV – em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro); V – em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois); VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010).” Por exemplo, tratando-se de um crime de estelionato, tipificado no art. 171 do Código Penal, cuja pena máxima é de cinco anos, a prescrição da pretensão punitiva
14 - Direito Penal – Ney Moura Teles in abstracto ocorrerá em 12 anos. Para o homicídio doloso, simples ou qualificado, essa prescrição ocorrerá em 20 anos, que é o prazo prescricional máximo. Se se tratar de homicídio culposo, cuja pena máxima é de três anos, o prazo prescricional é de oito anos. Os crimes cuja pena máxima é inferior a um ano tinham prazo dessa prescrição fixado em dois anos, todavia a Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, deu nova redação ao art. 109, inciso VI, para fixar o prazo em três anos. Tratando-se de lei mais severa, só pode ser aplicada aos fatos ocorridos a partir do dia 6 de maio de 2010, quando foi publicada no Diário Oficial da União. Se a pena máxima é igual a um ano e não excede a dois anos, o prazo de prescrição é de quatro anos. A prescrição da pretensão punitiva pela pena abstrata deverá ser feita apenas se não tiver sido ainda prolatada a sentença penal condenatória. Assim, se antes da sentença de primeiro grau tiver transcorrido o prazo prescricional definido no art. 109, com base no grau máximo da pena cominada ao crime descrito na denúncia, a pretensão punitiva já estará prescrita, devendo ser declarada extinta a punibilidade.
25.2.4.2
Redução dos prazos em razão da idade do agente
Estabelece o art. 115 do Código Penal que os prazos de prescrição, da pretensão punitiva e também da executória, serão reduzidos de metade se, ao tempo da ação ou da omissão, o agente era menor de 21 anos e, é óbvio, maior de 18 anos, bem como se, na data da sentença, o condenado tiver mais de 70 anos. A idade prova-se, é claro, com a certidão de nascimento ou documento equivalente, como a cédula de identidade, havendo decisões jurisprudenciais admitindo outros documentos como prova da idade, tais como a carteira nacional de habilitação, título de eleitor, carteira de trabalho e previdência social, e até qualquer outro documento idôneo. A simples alegação do réu não contestada pela acusação deve servir ao reconhecimento desse benefício. Se na data da sentença o acusado ainda não completou 70 anos, mas, havendo recurso, vem a atingir a idade na pendência do recurso, o prazo prescricional deve ser reduzido de metade.
25.2.4.3
Cálculo do prazo no concurso de crimes
Em qualquer das hipóteses de concurso de crimes – material, formal ou crime continuado –, a prescrição vai operar em relação a cada uma das infrações, isoladamente, com base no máximo da pena cominada para cada um dos crimes, isoladamente. Não se somam as penas dos crimes, no concurso material, nem se levam em conta os acréscimos
Prescrição - 15 decorrentes do concurso formal e da continuidade delitiva. A prescrição da pretensão punitiva vai operar em relação a cada um dos crimes, de per si. É a regra do art. 119 do Código Penal: “No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.”
25.2.4.4
Cálculo do prazo no caso de tentativas de crime e de outras
causas de aumento e de diminuição Se o acusado foi indiciado ou está sendo processado pela prática de tentativa de crime, o prazo prescricional da pretensão punitiva será calculado com base no máximo da pena cominada para o crime, com a diminuição de um terço, o mínimo permitido. É que a diminuição mínima constitui o máximo da pena cominada para a tentativa. Do mesmo modo, as demais causas de aumento e de diminuição, que estiverem escritas na denúncia, deverão influir no cálculo do prazo da prescrição da pretensão punitiva. Por exemplo, se a acusação formulada na petição inicial tiver sido pela prática do crime de calúnia, proferida na presença de várias pessoas, a pena será aumentada de 1/3 (art. 141, III, CP). De conseqüência, a pena máxima cominada ao crime, de dois anos, será aumentada de oito meses, ficando, assim, em dois anos e oito meses. O prazo da prescrição da pretensão punitiva em abstrato será de oito e não de quatro anos, que é o prazo prescricional para o crime de calúnia sem a referida causa de aumento.
25.2.4.5
Cálculo do prazo diante das figuras qualificadas
Também a existência de acusação pela prática de crime qualificado impõe a necessidade de levar em conta o máximo da pena para o tipo qualificado no momento de efetuar o cálculo do prazo da prescrição da pretensão punitiva em abstrato. Se o agente estiver sendo processado pela prática de furto cometido mediante concurso de três pessoas, qualificado, portanto, o prazo dessa prescrição será de 12 anos, e não de oito anos, que é o prazo prescricional em abstrato para o furto simples.
25.2.4.6
Cálculo do prazo diante de atenuantes e agravantes
Circunstâncias agravantes e atenuantes, por sua vez, não influem no cálculo dos prazos da prescrição da pretensão punitiva em abstrato. Não podia ser diferente, pois o quantum máximo de atenuação e o de agravação da pena não estão previamente estabelecidos em lei, mas são fixados pelo juiz, no
16 - Direito Penal – Ney Moura Teles momento da aplicação da pena, dentro dos critérios de necessidade e suficiência já examinados. Impossível considerar, tratando-se de prescrição da pretensão punitiva antes da sentença de primeiro grau, o que ainda não foi estabelecido.
25.2.4.7
Reconhecimento da prescrição
Estabelece o art. 61 do Código de Processo Penal: “Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-la de ofício.” Já o art. 397, do mesmo estatuto processual, dispõe: “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: IV - extinta a punibilidade do agente;” Penso que o juiz também deve rejeitar a denúncia ou a queixa, pela verificação da prescrição, antes, mesmo, da citação do denunciado, na fase do art. 395, do CPP, por faltar justa causa para a persecução penal. De toda obviedade que, se ocorrer a prescrição antes da instauração do inquérito policial, já não haverá justa causa para fazê-lo, bem assim será caso de o promotor de justiça requerer o arquivamento de inquérito policial, quando verificar que a prescrição já se operou. Oferecida a denúncia, o juiz a rejeitará e, se ela ocorrer no curso do processo, deverá ser declarada, independentemente de requerimento.
25.2.5
Prescrição
pela
pena
imposta
(depois
da
decisão
condenatória) Poderá a prescrição da pretensão punitiva ocorrer também depois da sentença de primeiro grau, desde que, dela, a acusação não tenha apresentado recurso de apelação ou, interposto o recurso, tiver sido, contudo, improvido. É a norma do § 1º do art. 110 do Código Penal: “A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.” (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010) Assim, a prescrição ocorrerá: – em 20 anos, se a pena aplicada tiver sido superior a 12;
Prescrição - 17 – em 16 anos, se a pena aplicada tiver sido superior a oito anos e não tiver excedido a 12; – em 12 anos, se a pena aplicada tiver sido superior a quatro anos e não tiver excedido a oito; – em oito anos, se a pena aplicada tiver sido superior a dois anos e não tiver excedido a quatro; – em quatro anos, se a pena aplicada tiver sido igual a um ano, ou, superior, não tiver excedido a dois; – em três anos, se a pena aplicada tiver sido inferior a um ano.
25.2.5.1
Prescrição intercorrente
No juízo de primeiro grau, o processo culmina com a prolação da decisão do julgador, denominada sentença. É do conhecimento de todos que qualquer das partes – acusação ou defesa – que não se conformar com a decisão poderá apresentar um recurso para a instância superior, o Tribunal, pedindo o reexame do caso e uma nova decisão. Se o acusado é condenado, poderá recorrer pedindo sua absolvição ou, simplesmente, a redução da pena, ou modificação do regime de cumprimento, enfim, pleiteando qualquer outro benefício. Também o acusador – o Ministério Público ou o particular, nos crimes de ação de iniciativa privada – poderá pleitear a modificação da sentença, seja para obter aumento da pena ou, caso tenha o réu sido absolvido, a própria condenação. Cuidando-se de sentença condenatória, que impõe a sanção penal, a acusação, pública ou privada, pode recorrer ou não da sentença. Se não concordou com o que decidiu o julgador, poderá apelar para o tribunal, pedindo o que achar devido. Se conformar-se com a decisão e, por isso, deixar passar in albis o prazo recursal, não mais poderá recorrer. Dá-se, nessa última hipótese, o chamado trânsito em julgado para a acusação, referido no § 1º do art. 110. Interposto o recurso pela acusação, pode ele ser provido – aceito – ou improvido – rejeitado. A prescrição denominada intercorrente ocorrerá quando a sentença de primeiro grau tiver transitado em julgado para a acusação – que não interpôs recurso – ou quando do improvimento, rejeição, do recurso apresentado pela acusação. Trata-se de prescrição da pretensão punitiva que se verifica após a publicação da sentença condenatória de primeiro grau, da qual a acusação não tenha recorrido. Também se verificará quando do improvimento do recurso que a acusação tiver interposto da sentença condenatória de primeiro grau.
18 - Direito Penal – Ney Moura Teles Manda a norma que, nessa hipótese, o prazo prescricional será calculado com base na pena aplicada, e não na pena máxima cominada ao crime. Exemplo: o acusado da prática de um crime de furto foi condenado a uma pena definitiva de dois anos de reclusão. Dessa sentença, o Ministério Público não oferece qualquer recurso. O acusado, sim, recorre pedindo absolvição, ou, alternativamente, a redução da pena, por considerá-la injusta, em quantidade muito além do necessário e suficiente. A partir da data da publicação da sentença condenatória transitada em julgado para a acusação, começa a correr novo prazo prescricional da pretensão punitiva, agora com base na pena concretizada – dois anos – na sentença. Se a partir daí transcorrer o prazo de quatro anos, sem que a sentença transite em julgado, para o acusado, ter-se-á operado a prescrição da pretensão punitiva; extinta, portanto, a punibilidade, de conseqüência. Esta é a chamada prescrição intercorrente da pretensão punitiva, porque ocorre depois da sentença de primeiro grau, antes, todavia, de seu trânsito em julgado para o acusado, transitada apenas para a acusação.
25.2.5.2
Prescrição retroativa
Como já observado, depois que a sentença condenatória de primeiro grau transita em julgado para a acusação – que não recorre, ou que tem seu recurso improvido –, a prescrição da pretensão punitiva será regulada pela pena imposta na sentença. Há um princípio geral de direito processual penal – o da proibição da reformatio in pejus – segundo o qual a pena imposta na sentença que transitou em julgado para a acusação não poderá, pela instância superior, ser majorada, quando do julgamento do recurso oposto pelo acusado. “Quem apelou não pode ter sua situação agravada em virtude do próprio recurso. O recurso devolve ao tribunal exclusivamente a matéria que foi objeto do pedido nele contido, não podendo reverter contra quem recorreu.”3 A pena concretizada na sentença não recorrida pela acusação já não poderá ser aumentada, agravada. Ora, se ela não pode ser mais grave, deve ser considerada para fins da prescrição. Segundo DAMÁSIO E. DE JESUS, “tendo transitado em julgado a sentença condenatória para a acusação ou improvido o seu recurso, a pena imposta na sentença era, desde a prática do
3
GRECO FILHO, Vicente. Op. cit. p. 317.
Prescrição - 19 fato, a sanção adequada e justa como resposta penal ao crime cometido pelo sujeito. Daí dever reger os períodos prescricionais entre a consumação do delito e a publicação da sentença condenatória”.4 De outro modo, a pena que não mais pode ser aumentada em recurso da defesa é como se fora, já no momento da prática do crime, a pena justa a ele correspondente – segundo a ótica da acusação. É como se fora a própria pretensão punitiva, qualificada e quantificada. Esta quantidade de pena, por isso, deve ser a base para calcular o prazo prescricional da pretensão punitiva, não apenas a partir da sentença, mas desde a data da prática do fato. Este é o fundamento da prescrição retroativa. Para os fins da prescrição da pretensão punitiva, essa pena imposta volta no tempo, regulando o prazo prescricional. Esta é a chamada prescrição retroativa, que somente pode ser verificada após a sentença condenatória, mas vai considerar prazo prescricional anterior a essa mesma sentença, retroagindo a período anterior à decisão de primeiro grau. Na redação da Reforma Penal de 1984 (Lei nº 7.209, de 11.07.1984), o art. 110 do Código Penal, continha dois parágrafos, com as seguintes redações: “§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada. § 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.” A Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, deu nova redação ao § 1º e revogou o § 2º. Ao texto do § 1º, acrescentou: “não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”, ficando, doravante, assim redigida a nova norma: “A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.” Essas modificações legislativas alteraram o instituto da prescrição retroativa. Antes da vigência da lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, se entre a data do termo inicial da prescrição da pretensão punitiva e a data do recebimento da denúncia ou queixa – que é, como já foi dito, causa que interrompe a prescrição – tivesse transcorrido prazo que autoriza, com base na quantidade de pena imposta na sentença, a prescrição da pretensão punitiva, esta seria decretada, com base no então vigente § 2º do art. 110, com a conseqüente extinção da punibilidade.
4
Direito penal. Op. cit. p. 642.
20 - Direito Penal – Ney Moura Teles Com a vigência da nova lei, fica expressamente proibida, para fins da verificação da prescrição intercorrente, a consideração do tempo decorrido entre o termo inicial da prescrição – o dia em que o crime se consumou, o dia em que cessou a atividade criminosa, no caso de tentativa, o dia em que cessou a permanência do crime permanente e o dia em que o fato se tornou conhecido, nos casos de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil – e a data do recebimento da denúncia ou queixa. A nova norma não empregou a expressão “recebimento” da denúncia ou queixa, mas é óbvio que a interpretação sistemática não pode aceitar que a data da elaboração ou do simples oferecimento da inicial acusatória seja causa interruptiva da prescrição. Assim, não mais haverá prescrição intercorrente retroativa tendo como termo inicial fato ocorrido antes do recebimento da denúncia ou queixa. Norma mais severa, só se aplica aos fatos ocorridos após a sua vigência, ou seja, o dia 6 de maio de 2010, data da publicação da nova lei. Permanece viva, entretanto, a prescrição intercorrente retroativa em relação a outros períodos posteriores ao recebimento da denúncia ou queixa. Se entre a data do recebimento da denúncia ou queixa, e a data da sentença condenatória de primeiro grau – outra causa interruptiva da prescrição – tiver transcorrido prazo, com base na pena aplicada, que autoriza a prescrição, esta será igualmente declarada, extinguindo-se a punibilidade. Tratando-se de um processo relativo a um crime de competência do tribunal do júri, se entre a data da decisão de pronúncia – que encerra a primeira fase do processo, determinando seja o acusado julgado pelo tribunal do júri, e que é, também, causa de interrupção da prescrição – e a data da sentença condenatória tiver, igualmente, transcorrido prazo prescricional calculado com base na pena imposta, a prescrição deve ser decretada. A prescrição retroativa é a que, operada após a sentença condenatória da qual não recorreu o Ministério Público, ou cujo recurso foi improvido, tem prazo prescricional calculado com base na pena imposta, mas que se verifica em período anterior à sentença – entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da sentença condenatória; entre a data do recebimento da denúncia e a data da decisão de pronúncia ou entre esta data e a de sua confirmação pelo Tribunal, e, ainda, entre a data da pronúncia e a da sentença condenatória, nos crimes de competência do júri. Exemplo: Claudionor praticou homicídio contra Gervásio em 11-2.1978. A denúncia foi recebida em 12-7-1978. A decisão de pronúncia foi publicada em 12-11980. O julgamento foi realizado em 12-8-1990, tendo sido o réu condenado, pela
Prescrição - 21 prática de homicídio privilegiado a uma pena de quatro anos de reclusão. O Ministério Público não recorre da sentença, tendo a defesa recorrido, buscando a realização de novo julgamento. A sentença, assim, transitou em julgado para a acusação. Entre a data da publicação da sentença de pronúncia, 12-1-1980, e a publicação da sentença, 12-8-1990, transcorreram mais de oito anos. O prazo de oito anos é suficiente para a prescrição da pena de quatro anos, que foi imposta na sentença. Nesse caso, terá ocorrido a prescrição da pretensão punitiva retroativa. A propósito da prescrição retroativa, cabe observar que, se o réu não apresentar recurso, mesmo assim poderá operar-se a prescrição retroativa, porque, no momento em que se dá o trânsito em julgado para a acusação, ocorre automaticamente essa prescrição. Também pode ser decretada a prescrição retroativa na hipótese de se verificar após a decisão da segunda instância, do Tribunal, que reduzir a pena imposta na sentença. Igualmente, se a condenação for proferida pelo Tribunal, julgando recurso da acusação contra sentença absolutória.
25.2.6
Prescrição retroativa antecipada
Nos últimos anos, vinha sendo construída, jurisprudencialmente, uma nova modalidade de prescrição da pretensão punitiva, denominada de prescrição retroativa antecipada, ou simplesmente prescrição antecipada, prescrição virtual, prescrição pré-calculada ou prescrição em perspectiva. A prescrição retroativa antecipada é “o reconhecimento da prescrição retroativa, tomando-se por base a pena que possível ou provavelmente seria imposta ao réu no caso de condenação”5 ou “é a prescrição retroativa reconhecida antes mesmo do oferecimento da denúncia, tendo por base a suposta pena in concreto que seria fixada na sentença pelo magistrado”6. Como se extrai de seu conceito, essa prescrição ocorreria sempre que o juiz, diante de um caso concreto, verificando as circunstâncias que cercaram o fato típico e as condições pessoais do acusado – mormente sua condição de primário, de portador de bons antecedentes, boa conduta social, personalidade reveladora de inexistência de perigo de delinqüir –, pudesse vislumbrar que a pena que seria imposta, caso viesse a
PALOTTI JÚNIOR, Osvaldo. Considerações sobre a prescrição retroativa antecipada. Revista dos Tribunais, nº 709, p. 302-306, 1994.
5
6 TARTUCE JÚNIOR, Carlos Gabriel et al. Prescrição da pretensão punitiva antecipada. Boletim do IBCCrim, ano 3, nº 35, p. 113, nov. 1995.
22 - Direito Penal – Ney Moura Teles condená-lo, é em quantidade autorizadora da verificação da prescrição retroativa, tomando como base o termo inicial e a data do recebimento da denúncia ou queixa; deverá, portanto, reconhecê-la, antecipadamente, extinguindo-se a punibilidade. Caso interessante foi levado a julgamento no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, valendo, para ilustrar uma situação em que a prescrição antecipada foi reconhecida, transcrever trechos do voto do juiz Walter Theodósio: “Cuida-se de acusação de homicídio culposo contra ré menor de 21 anos. A pena em perspectiva iria situar-se ao redor de um ano de detenção, o mínimo, eis que a menoridade relativa configura-se como atenuante legal. Inviável supor-se pena superior a dois anos de detenção. O lapso prescricional, inicialmente, de quatro anos, reduz-se da metade, definindo-se em dois anos, em razão da menoridade relativa do paciente. Entre a data do fato, 31-10-87, e a data do recebimento
da
denúncia,
5-11-90,
já
decorreu
o
mencionado
prazo
prescricional. Considerada tal situação, cabe reconhecer-se a inviabilidade do recebimento da denúncia. Não se recusa que a denúncia oferta os requisitos necessários à provocação da prestação jurisdicional. Todavia, o quadro descrito em torno da prescrição em perspectiva determina invocar-se que a ação penal, ao lado de suas peculiaridades, rege-se pelos princípios gerais do processo. Reclamável, pois, a trilogia clássica das condições do exercício da ação, legitimatio ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Revela-se evidente que no interesse de agir está o desideratum de extrair proveito útil no exercício da ação. A intervenção jurisdicional decorre da necessidade, que o autor tem, de obter, pela ação do Estado, o interesse material. Inserto na malha da tessitura processual, o petitum mediato, o bem material em jogo, não pode esse componente ser afastado, no exame concreto do tema, sob pena de transformar-se o interesse de agir em instituto puramente abstrato, vazio, dominado por espírito de diletantismo, desprovido de conteúdo pragmático. (...) No episódio vertente, sob cunho pragmático, abstraído o vazio formalismo, colhe-se que a prescrição vai dissolver a própria pretensão punitiva estatal, em face da pena concretizada, segundo os mandamentos dos arts. 109, V, 110, §§ 1º e 2º, e 115 do CP. O processo penal, por exigências processuais, sob imperativo de princípios constitucionais, mostra-se jornada árdua, envolvendo um complexo trabalho do magistrado, do Ministério Público, da defesa, dos funcionários, numa atividade de tal porte que não se justifica sem um objetivo: dar resposta jurisdicional à pretensão punitiva estatal, sob feição final da coisa julgada. Estando fora de perspectiva tal resultado, eis que a prescrição acenada irá
Prescrição - 23 desintegrar a própria ação penal, porque aponta, em face da pena a ser concretizada, inevitavelmente não superior a dois anos, que a pretensão punitiva estatal não podia ter sido intentada, não se vislumbra interesse de agir, hic et nunc.”7 A doutrina e a jurisprudência predominantes, todavia, não aceitavam o reconhecimento antecipado da prescrição, amparando-se em argumentos importantes: (a) tal decisão importaria em violar o princípio constitucional da presunção da inocência, pois significaria reconhecer o acusado culpado sem sentença condenatória; (b) o acusado tem direito a uma sentença de mérito; (c) é impossível a previsão da sentença condenatória; (d) ao reconhecê-la, o juiz estaria prejulgando, ferindo o princípio do contraditório. A matéria era, desde o nascedouro, extremamente polêmica, havendo ponderáveis razões de um e de outro lado. Pensamos que, apesar de todos os argumentos contrários, respeitáveis, sempre que fosse possível antever-se a prescrição retroativa com base na pena vislumbrada, deveria o juiz reconhecer a prescrição, porque seria absolutamente inútil a instauração ou continuidade do processo, com enorme custo para o Estado, e sem qualquer utilidade, sem justa causa. A vigência da Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, que, ao dar nova redação ao § 1º do art. 110 – proibindo, terminantemente, a consideração de termo inicial anterior ao recebimento da denúncia ou queixa – e revogar, expressamente, o § 2º, que permitia essa consideração, impede, doravante, o reconhecimento da prescrição retroativa antecipada, considerando período compreendido anterior ao recebimento da denúncia. O Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha da alteração legislativa, editou a Súmula nº 438, com o seguinte enunciado: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal” Tanto a Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, quanto a Súmula nº 438, do STJ, constituem respostas do Legislativo e do Judiciário às pressões das correntes de opinião que propugnam por normas penais mais duras, como se fossem capazes de combater, eficazmente, o aumento da criminalidade, especialmente a mais violenta. Soluções inadequadas, delas não se colherão os frutos pretendidos, pois que não se combate a criminalidade com Direito Penal, mas com políticas sociais e econômicas adequadas.
7
Revista dos Tribunais, nº 669, p. 316-317, 1991.
24 - Direito Penal – Ney Moura Teles
25.3 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA Transitada em julgado a decisão condenatória, já não cabendo qualquer recurso, para qualquer das partes, forma-se o título executivo, com o qual o Estado pode impor ao condenado o cumprimento da pena. “Este título perderá sua força executória se o direito dele decorrente não for exercitado pelos órgãos estatais, nos prazos previstos no art. 109 do CP, verificando-se então a prescrição da pretensão executória, também chamada prescrição da pena ou da condenação.”8 Está no art. 110 do Código Penal: “A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.” A prescrição da pretensão executória – tanto quanto a da pretensão punitiva – é a perda do direito estatal de punir, pelo transcurso do tempo, com a diferença de que, aqui, o direito atacado é já o de executar, tornar efetiva, a pena imposta na sentença. Tanto quanto na prescrição da pretensão de ver aplicada a pena, o fundamento é, outra vez, a inércia estatal, sua desídia, o tempo que, passando, vai permitir ao condenado a reinserção no meio social independente de pena, independente de coerção. O Estado, tendo obtido perante o Poder Judiciário, o direito de executar a sanção penal, deve fazê-lo de pronto, atento aos fins da pena. Não pode descurar do direito adquirido de punir o condenado. Se o fizer, passando certo tempo, perderá o direito de executar a sanção, que, com o tempo, tornar-se-á desnecessária. Como já visto, a sanção penal só deve existir se absolutamente necessária e suficiente para os fins de reprovação e prevenção do crime. Se o Estado, por sua vez, não utiliza o direito de executar a sanção, dentro de determinado prazo, não poderá permanecer com esse direito por todo o tempo.
25.3.1
Termo inicial do prazo
Também os prazos prescricionais da pretensão executória devem ser regulados a partir de certos acontecimentos, devidamente registrados. Termo inicial do prazo é o dia em que o prazo de prescrição começa a correr. É no art. 112 do Código Penal que encontramos a regra que rege o início do
FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 1.288.
8
Prescrição - 25 prazo prescricional da pretensão executória. Assim: “No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional; II – do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.”
25.3.1.1
Trânsito em julgado da condenação para acusação
A pretensão executória – o direito de executar a sanção penal – só existe depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Enquanto não há esse trânsito, só existe pretensão punitiva. Com o trânsito em julgado para a acusação, tem-se que a condenação não poderá ser alterada para prejudicar o acusado. Depois disso, o acusador não poderá obter maior reprimenda, nem pena mais severa. Diz-se, por isso, que a pena já não poderá ser reformada em prejuízo do acusado. Nem por isso, é possível afirmar que a pretensão deixou de ser punitiva, posto que ainda é possível a absolvição do acusado, hipótese em que a pretensão punitiva simplesmente desaparecerá, e nem se formará a pretensão de executar pena, que nem existirá. A pretensão executória, por isso, só pode nascer com o trânsito em julgado para as duas partes, acusação e defesa. Sem que transite em julgado para ambos, a pretensão será, ainda, punitiva. Cuidando-se, porém, somente de demarcar o termo inicial da pretensão executória, o que só será possível fazer depois do trânsito em julgado para as duas partes, manda a lei que se observe o trânsito em julgado apenas para a acusação. Mesmo a prescrição operando seus efeitos somente após o trânsito para ambas as partes, o prazo prescricional, todavia, começa a contar da data em que já não é possível alterar a sentença em prejuízo do acusado. Esta data é a do trânsito em julgado para a acusação. Em outras palavras, é a data a partir da qual o titular da pretensão punitiva já não luta por sua exacerbação, a partir da qual se conforma com a pena imposta. Desse momento começa a contar o prazo prescricional da pretensão executória.
25.3.1.2
Trânsito
em
julgado
da
revogação
do
sursis
e
do
‘‘livramento” Quando o juiz tiver concedido o sursis, suspendendo, pois, a execução da pena privativa de liberdade, ou proporcionado ao condenado o livramento condicional, a pretensão executória terá sido suspensa, mediante o cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. Ambos os benefícios são condicionados, pelo que, como já
26 - Direito Penal – Ney Moura Teles estudamos, poderão ser revogados, caso em que a pena deve voltar a ser cumprida. Transitando em julgado a decisão que revoga o sursis e o livramento condicional, o condenado já não estará gozando de qualquer dos benefícios, revigorando-se, incontinenti, a pretensão estatal de executar a pena privativa de liberdade. Revogada a suspensão da pena, deverá ele cumpri-la. Revogado o livramento, deverá cumprir a pena não cumprida integralmente. Por essa razão, revogado o sursis ou o livramento, restabelece-se, automaticamente, a pretensão executória, e, imediatamente, começa a correr sua prescrição. Se o sursis foi revogado, tem o Estado o dever de promover a execução da pena de prisão. Se o livramento também o foi, igualmente deve o Estado colocar no estabelecimento prisional o condenado à pena de prisão. “Revogado o benefício, o Estado retoma o direito de exigir o cumprimento do restante da pena. A prescrição dessa pretensão executória, por razões lógicas, tem como termo inicial a data da decisão revocatória.”9 Deve fazê-lo celeremente, para alcançar os fins da pena – prevenir e reprovar o crime –, e, se não o faz dentro de certo tempo, perderá o direito de executar sua pretensão de punir.
25.3.1.3
Fuga do condenado
O inciso II do art. 112 do Código Penal determina que a prescrição da pretensão executória começa, também, do dia em que a execução da pena é interrompida, exceto quando o tempo da interrupção puder ser detraído do tempo da pena. A execução da pena pode ser interrompida nos seguintes casos: (a) fuga do condenado; (b) superveniência de doença mental, caso em que o condenado deverá ser submetido a internação ou tratamento ambulatorial. No primeiro caso, é de todo óbvio que, deixando o condenado, pela fuga, de submeter-se à execução da pena, deverá cumprir o tempo que restar, integralmente. Restabelece-se, a partir da fuga, a pretensão executória, ressurgindo, por isso, sua prescrição, cujo prazo começa, então, a fluir, pelo que a data da fuga é o termo inicial da prescrição. No segundo caso, em que o recluso ou detento é acometido de doença mental, e, por isso, é recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou outro estabelecimento adequado (art. 41, CP), a execução da pena transmuda-se, automaticamente, em execução de medida de segurança, razão por que não ressurge 9
FRANCO, Alberto Silva. Op. cit. p. 1.341.
Prescrição - 27 pretensão executória. O tempo de internação, como manda o art. 42, Código Penal, será computado na pena, pelo que não se falará em início de prescrição da pretensão executória.
25.3.2
Prescrição no caso de fuga do condenado ou de
revogação do livramento Se o condenado fugir, durante a execução da pena, o prazo prescricional passará a ser calculado com base no tempo da pena que restar. O mesmo se diz acerca da hipótese de revogação do livramento condicional: o tempo da pena ainda não cumprido, deduzido o tempo em que o condenado esteve condicionalmente livre, vai regular a prescrição. A norma está no art. 113 do Código Penal: “No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena.” De todo certo, ainda, que, se o condenado tiver permanecido preso provisoriamente e em seguida tiver sido libertado em face da sentença de primeiro grau que o absolveu e, depois, vem a ser condenado pelo Tribunal, o tempo de prisão preventiva cumprido deverá ser descontado, com base na regra da detração, e a prescrição levará em conta o restante da pena, com o desconto do tempo de prisão provisória. É o que ensina a jurisprudência: “O Espírito da regra contida no art. 113 do CP leva à conclusão de que a prescrição, na hipótese de já ter o condenado cumprido parte da pena quando foi posto em liberdade, em face de sentença absolutória de primeira instância, reformada em grau de apelação, começa a correr da data em que passa em julgado o acórdão e tendo em vista o restante da pena, e não toda ela. A interpretação literal, apegando-se o intérprete tão-somente às palavras da lei, levaria a esta flagrante incongruência: o sentenciado que se evade tem um tratamento mais benigno que aquele que foi posto em liberdade pelas próprias mãos da Justiça. Ao primeiro se descontaria o tempo de prisão cumprido antes da evasão, porque isso está nas palavras da lei. Mas ao segundo, solto porque o magistrado entendeu de soltá-lo, absolvendo-o, não se computaria esse tempo. Ora, como não se pode supor que o legislador tenha sido deliberadamente contraditório, pois que, ao inverso, deve-se sempre supor que a lei é um todo harmônico, e assim deve ser encarada e interpretada, não há outra alternativa, diante de uma hipótese como a
28 - Direito Penal – Ney Moura Teles de que se trata, senão estender-se o benefício a esse condenado, embora não fosse ela expressamente prevista na lei.”10
25.3.3
Aumento do prazo em razão da reincidência
O prazo prescricional será calculado com o acréscimo de um terço, se o condenado for reincidente, desde que essa condição seja expressamente reconhecida na sentença condenatória. Se a reincidência ocorrer depois da condenação, não se aumentará, de um terço, o prazo prescricional, pois, nessa hipótese, ela será causa de interrupção da prescrição, como será demonstrado adiante. Esse aumento de prazo só se aplica quando se tratar de prescrição da pretensão executória, esta que se verifica após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Nenhum acréscimo será feito se se tratar da prescrição da pretensão punitiva.
25.3.4
Redução dos prazos em razão da idade do agente
Se o agente tiver menos de 21 anos e mais de 18, na data do fato, é óbvio, ou mais de 70 anos, na data da sentença, o prazo prescricional será reduzido à metade (art. 115, CP). Já tratamos desse assunto, quando cuidamos da prescrição da pretensão punitiva, para onde remetemos o leitor (item 25.2.4.2).
25.3.5
Causa suspensiva
O parágrafo único do art. 116 do Código Penal estabelece: “Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.” Se o condenado se encontra preso em razão de outro processo, seja a prisão provisória ou em virtude de outra condenação, o curso da prescrição da pretensão executória é suspenso, vale dizer, não continua. Desnecessário dizer que o curso da prescrição só será suspenso se a prisão do condenado por outro motivo preencher os requisitos legais.
10
TACrimSP, Rel. Galvão Coelho, RT 484/324. Apud FRANCO, Alberto Silva. Op. cit. p. 1.343.
Prescrição - 29 Cumprindo pena ou preso preventivamente por outro processo, não poderia, mesmo, correr a prescrição da pretensão executória, porquanto, nessa situação, não há desídia estatal, não há inércia, não podendo o direito perecer porque, neste exato momento, outro direito de natureza semelhante está sendo exercido noutro processo.
25.3.6
Causas interruptivas
Também a prescrição da pretensão executória pode ter seu curso interrompido. São duas as causas, previstas nos incisos V e VI do art. 117 do Código Penal: a primeira delas é o início ou a continuação do cumprimento da pena, a outra é a reincidência.
25.3.6.1
Início ou continuação do cumprimento da pena
No momento em que o condenado começa a cumprir a pena, o lapso prescricional que vinha correndo desde o trânsito em julgado da sentença penal condenatória é, simplesmente, interrompido, extinto. Se o condenado consegue fugir, inicia-se, é claro, novo prazo prescricional da pretensão executória, que será interrompido se ele for recapturado, quando, então, continuará a cumprir a pena. Assim, essas duas causas – o início e a continuação do cumprimento da pena – interrompem o prazo prescricional.
25.3.6.2
Reincidência
A reincidência ocorre quando o sujeito é condenado definitivamente por outro crime, praticado após o trânsito em julgado da primeira condenação (art. 63, CP). É, também, uma causa de interrupção da prescrição. Claro que só vai interromper a prescrição da pretensão executória, porque o pressuposto da reincidência é a condenação anterior. Logo, enquanto não tiver havido trânsito em julgado por um crime, não poderá haver reincidência, pelo trânsito em julgado da segunda condenação. A dúvida é saber quando se dá a interrupção: no momento em que o novo fato típico é praticado, ou no momento do trânsito em julgado da nova sentença condenatória? A doutrina e a jurisprudência divergem quanto a tema tão interessante. Vejam-se as duas posições. A primeira considera o momento da prática do fato, porém condiciona a interrupção ao trânsito em julgado da sentença que o considera crime, que, nesse caso, vai retroagir. Se houver absolvição, não terá havido reincidência, e, por isso, o prazo prescricional não terá sido interrompido. A segunda posição entende que o prazo prescricional só é interrompido na data
30 - Direito Penal – Ney Moura Teles do trânsito em julgado da sentença condenatória que reconhece a existência de novo crime, e não no momento da prática do fato. Nada obstante autorizadas opiniões contrárias, é de todo claro que a segunda posição é a correta, pois, se a vontade da lei fosse a defendida pelos defensores da primeira posição, ela não teria utilizado a expressão reincidência, mas prática de fato definido como crime. O momento de verificação da reincidência, que ensejou muitas discussões, ficou, felizmente, pacificado como sendo o do trânsito em julgado da sentença condenatória que a reconhece, e não o da prática do fato. Daí que, se a lei desejou considerar causa de interrupção a reincidência, e não a prática de novo crime, é porque pretendeu que a prescrição somente será interrompida, se transitar nova sentença condenatória.
25.4 PRESCRIÇÃO NO CASO DE PENA DE MULTA E DE PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO A prescrição alcançará a pretensão punitiva e a pretensão executória ainda quando a pena aplicada seja apenas de multa, ou restritiva de direitos.
25.4.1
Pena de multa
A norma do art. 114 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º-4-1996, é a seguinte: “A prescrição da pena de multa ocorrerá: I – em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; II – no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente aplicada.” É óbvio que a prescrição atinge a pretensão punitiva ou a pretensão executória e não a pena.
25.4.2
Pena restritiva de direito
Já o art. 118 do Código Penal dispõe que “as penas mais leves prescrevem com as mais graves”. Assim, a pretensão punitiva e a pretensão executória relativamente às penas restritivas de direito prescreverão juntamente com as penas privativas de liberdade que tiverem substituído.
Prescrição - 31
25.5 EFEITOS DA PRESCRIÇÃO A prescrição da pretensão punitiva impede a instauração de inquérito policial, o recebimento da denúncia ou queixa, desobriga o réu de pagar as custas do processo e, se tiver prestado fiança, seu valor lhe será devolvido, e ele não poderá ser processado pelo mesmo fato. O reconhecimento dessa prescrição não impede o ofendido de promover a ação civil para obter a reparação do dano. Já a prescrição da pretensão executória apenas evita a execução da pena ou da medida de segurança, pois perduram todos os efeitos secundários da condenação, como o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, o pagamento das custas processuais, a reincidência etc., podendo ser executada no juízo cível a sentença condenatória, para a obtenção da indenização do dano causado.
25.6 PRESCRIÇÃO NO CASO DE CRIMES PREVISTOS EM LEIS ESPECIAIS Estabelece o art. 12 do Código Penal que as normas relativas à prescrição da pretensão punitiva e da pretensão executória serão aplicadas aos crimes previstos em outras leis, salvo se estas dispuserem de modo diverso. Assim, nas contravenções penais, nos crimes eleitorais, nos crimes de abuso de autoridade, e em outros cujas leis não contiverem dispositivos específicos sobre prescrição, aplicam-se as regras do Código Penal. Duas categorias de crimes devem ser abordadas, no que diz respeito a suas regras próprias de prescrição: os crimes de imprensa e os crimes previstos na lei de falência, chamados falimentares.
25.6.1
Crimes de imprensa
A Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, chamada Lei de Imprensa, foi declarada inconstitucional pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento da ADPF-Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 130/DF, realizado no dia 30.04.2009. A declaração de inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, em relação aos crimes de calúnia, difamação e injúria cometidas por meio da imprensa, implica em tratamento mais severo, pois passaram a ser tipificadas nos ars. 138, 139 e 140 do Código Penal, cujas penas são mais severas, que as da lei declarada inconstitucional. Além disso, o prazo decadencial é de seis meses, não mais de três, como na lei especial.
32 - Direito Penal – Ney Moura Teles Também não se admite a exceção da verdade para a difamação, salvo se o ofendido for funcionário público e quando a ofensa for relativa ao exercício da função, como na lei de imprensa, em que a exceção era ampla, desde que o ofendido permitisse a prova. Também os prazos prescricionais regulam-se pelo Código Penal.
25.6.2
Crimes falimentares
A Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, e que revogou, expressamente, o Decreto-lei nº 7.661, de 21.6.1945, a antiga Lei de Falências, deu nova disciplina à prescrição nos casos dos crimes por ela definidos, ditos falimentares. Determinou, no art. 182, que a prescrição será regulada pelas mesmas disposições do Código Penal, todavia, impôs que o termo inicial será “o dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial”. O parágrafo único do art. 182 estabelece, ainda, que: "a decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial". A vontade da nova lei é a de que, na hipótese de já estar fluindo o prazo prescricional nos casos de concessão de recuperação judicial ou homologação do plano de recuperação judicial, se ocorrer a decretação da falência, essa sentença por si só, interrompe o prazo prescricional. A nova lei é mais rigorosa, quando tratou da prescrição dos crimes falimentares, cujos processos penais, por serem morosos, terminavam, na maioria das vezes, com a extinção da punibilidade pela prescrição. As demais situações de prescrição, como a da pretensão punitiva intercorrente, virtual, retroativa ou executória, serão regidas pelas mesmas normas do Código Penal, já examinadas.
25.7 IMPRESCRITIBILIDADE A prescrição, já foi dito, é a perda, pelo Estado, do direito de punir o infrator da norma penal, pelo decurso do tempo, alcançando a pretensão punitiva, ou a pretensão executória. Diz respeito, pois, a todo e qualquer crime. Excepcionalmente, quando o bem jurídico atingido é de tal modo superior, a Carta Magna prevê hipóteses em que não ocorrerá a prescrição. Diz o art. 5º, no inciso XLII:
Prescrição - 33 “A prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” E no inciso XLIV: “Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.” Nessas hipóteses, e apenas nelas, o decurso do tempo não exerce qualquer influência no direito estatal de punir o infrator da norma penal.