7 FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
DE
VULNERÁVEL
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7.1
CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME A Lei n° 12.015, de 7.08.2009, incluiu, no Código Penal, o art. 218-B, contendo a
seguinte descrição típica: “Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone.” A pena cominada é reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. O bem jurídico protegido é o menor de 18 anos e também o vulnerável, tutelando
o direito da pessoa de não se prostituir ou o de deixar de exercer a
prostituição, e, secundariamente, o interesse da sociedade em que a prostituição não seja disseminada, incentivada, facilitada. Alcança outras formas de exploração sexual. Nesse sentido protege a liberdade individual. Não há proteção à moral ou aos bons costumes. Sujeito ativo é qualquer pessoa que realiza a conduta. Sujeito passivo é, igualmente, qualquer pessoa, homem ou mulher, menor de 18 anos e o vulnerável. O conceito de vulnerável foi desenvolvido no item 4.2.1.2, para onde remeto o leitor. Não importa a condição social da pessoa, inclusive a que já exerce a prostituição, em relação às duas últimas figuras típicas. Modernamente também o homem tem-se prostituído, daí que também ele pode ser sujeito passivo desse crime. Quando sujeito passivo tiver 18 anos ou mais, o fato se ajustará ao tipo do art. 228 do Código Penal, adiante examinado.
2 - Direito Penal III – Ney Moura Teles
7.2
TIPICIDADE O tipo fundamental está no caput do art. 218-B. O § 1º manda aplicar também a
pena de multa, se o crime é praticado com o fim de obtenção de vantagem econômica. O § 2º contém figuras equiparadas e o § 3º estabelece efeito obrigatório da condenação.
7.2.1.
Conduta
São os seguintes os verbos empregados no tipo: submeter, induzir, atrair, facilitar, impedir e dificultar. Deles decorrem as condutas proibidas. Submeter é subjugar, é sujeitar, é impor, obrigar, compelir. Induzir é fazer nascer na mente de alguém a idéia. Atrair é seduzir, convencer, persuadir. Facilitar é favorecer, ajudar. Impedir é obstaculizar, obstar. Dificultar é criar empecilho. São dois os complementos desses núcleos: a prostituição ou outra forma de exploração sexual. Submeter, induzir, atrair, facilitar a prostituição ou outra forma de exploração sexual. Impedir ou dificultar que a vítima a deixe. As condutas são, em regra, comissivas, todavia podem algumas ser realizadas também por omissão, como se verá a seguir.
7.2.2 Elementos objetivos e normativos Prostituição é a atividade laborativa lícita, através da qual uma pessoa celebra, com qualquer outra pessoa que a procure, um contrato de prestação de serviços de natureza sexual, mediante o pagamento de um preço, acordado entre os dois. Apesar de atividade lícita, o Direito busca coibir seja incentivada e explorada por pessoas que se aproveitam de quem a exerce. Não incrimina seu exercício, mas pune aquele que realizar determinados comportamentos tendentes a incrementá-la no seio da sociedade. Busca proteger também as pessoas que não tenham discernimento para exercer a prostituição. O tipo em comento busca proteger o menor de 18 anos e o vulnerável de toda e qualquer forma de exploração sexual. O tipo se refere a outras formas de exploração sexual. É que a prostituição é só uma espécie de exploração sexual.
O fim da norma é alcançar todas as formas
sofisticadas de exploração sexual, e não apenas a tradicional prostituição. Modernamente pode-se conceituar a exploração sexual como uma dominação e abuso do corpo de crianças, adolescentes e adultos, por exploradores sexuais,
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável - 3 organizados em rede de comercialização local e global, ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos. São espécies de exploração sexual: a prostituição, o turismo sexual, a pornografia e o tráfico para fins sexuais. Turismo sexual é o comércio sexual que se desenvolve em cidades turísticas, com nacionais e estrangeiros. Pornografia é a produção, exibição, distribuição, venda, compra, posse e utilização de material pornográfico. Tráfico para fins sexuais é o movimento clandestino e ilícito de pessoas através das fronteiras nacionais, com o fim de forçar pessoas a ingressarem em situações sexualmente opressivas e exploradoras, com fim de lucro.1 Submeter é subjugar, é sujeitar, é impor, obrigar, compelir. Trata-se, em verdade, de um verdadeiro constrangimento, todavia a norma não se refere ao emprego de violência ou de grave ameaça, pelo que, atuando o agente com o emprego desses meios, haverá concurso deste crime com o relativo à violência ou grave ameaça. Induzir quer dizer persuadir, convencer, aconselhar, fazer nascer na vontade de alguém a vontade de entregar-se ao exercício da prostituição ou à alguma outra forma de exploração sexual. Atrair tem significado muito parecido com induzir. É, também, fazer com que a vítima se interesse pela exploração sexual, nela ingressando. Facilitar é realizar qualquer ato no sentido de proporcionar melhores condições, especialmente materiais, para o exercício da prostituição ou de atividade de exploração sexual. Alcança o agenciamento de clientes, a oferta de local para os encontros, o fornecimento de vestuário, veículos, agenda telefônica contendo informações sobre clientes, publicação de anúncios em jornais, enfim, qualquer ato que contribua para a prostituição de alguém ou de várias pessoas. As duas últimas ações típicas são impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual. Significam impossibilitar, obstar, criar empecilho capaz de manter alguém exercendo o meretrício ou dedicando-se à outra forma de exploração sexual. Assim, quando o agente convence ou pressiona a vítima a permanecer na vida de prostituição ou pratica atos materiais que a impeçam de conseguir dedicar-se a outras atividades laborais. Normalmente a conduta é comissiva, mas é possível que o garante a realize por 1
Cf. Faleiros, Eva T. Silveira; Campos, Josete de Olveira. Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e de adolescentes. Apud Cunha, Rogério Sanches, Comentários à Reforma Criminal de 2009, Ed. Revista dos Tribunais, 2009, pág. 58/9.
4 - Direito Penal III – Ney Moura Teles omissão quando, por exemplo, tendo o dever de, protegendo o vulnerável, proporcionar-lhe meios de subsistência ou outra atividade laborativa, permite que ela se prostitua.
7.2.3 Elemento subjetivo É crime doloso. Atua o agente com consciência de que está induzindo ou atraindo a vítima para a prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitando esta ou impedindo ou dificultando que a pessoa a abandone, e vontade livre de realizar a conduta, sem qualquer outro fim, senão o de contribuir para o exercício da prostituição. O dolo deve alcançar a idade da vítima e sua condição de vulnerável.
7.2.4 Consumação e tentativa O momento consumativo varia conforme a descrição típica. Nas modalidades de induzimento e atração da vítima e de impedimento do abandono da prostituição ou da outra forma de exploração sexual, o crime consuma-se quando a vítima começa a submeter-se à exploração sexual, ou nela permanece, não sendo necessário que ela pratique um ato de comércio sexual. Basta que tenha-se integrado ou permanecido no ambiente destinado à exploração sexual. Assim, quando a vítima, induzida ou atraída, dirige-se à rua onde outras pessoas oferecem-se para os clientes interessados. Ou quando a vítima que pretendia abandonar a vida que levava, deixa de fazê-lo continuando a ofertar seu corpo em troca de pagamento. Na modalidade de facilitação da forma de exploração sexual a consumação acontece quando o agente pratica o ato de colaboração, quando aluga a casa destinada aos encontros ou entrega a agenda de clientes para a prostituta, enfim, quando contribui, efetivamente, para a prostituição. É possível a tentativa desse crime, nas modalidades de induzimento, atração e impedimento desde que, nada obstante a conduta do agente, a vítima não realiza o que ele dela esperava, isto é, não ingressando na vida de prostituição ou deixando-a.
7.2.5 Figuras equiparadas e efeito obrigatório da condenação O § 2º do art. 218-B contém duas figuras equiparadas, mandando punir com a mesma pena de reclusão, de 4(quatro) a 10(dez) anos:
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável - 5 “I – quem pratica conjunção carnal ou ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo” e “II – o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.” No inciso I busca a norma incriminar a pessoa que, não tendo realizado qualquer das condutas típicas definidas no caput, pratica ato libidinoso, conjunção carnal ou outro, com a vítima maior de 14 anos e menor de 18 anos. Incrimina, assim, o destinatário da exploração sexual, o cliente, o freguês, o que alimenta o comércio sexual. Se a vítima é menor de 14 anos, o crime praticado será o estupro de vulnerável, definido no art. 217-A. No inciso II, o agente é o proprietário, gerente ou responsável pelo local onde ocorrem as práticas de prostituição ou outra forma de exploração sexual, isto é, aquele que contribui para a realização do tipo. Norma dispensável, tendo em vista a norma geral do art. 29 do Código Penal. É necessário que o agente a que se refere o inciso I tenha consciência da idade da vítima, bem assim que o do inciso II saiba que no local estejam ocorrendo as práticas descritas no caput. Não há, no direito penal brasileiro, responsabilidade penal objetiva. Dispõe o § 3º que, na hipótese de condenação do proprietário, gerente ou responsável pelo local em que ocorre a exploração sexual, será declarada, na sentença, como efeito obrigatório, a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
7.2.6 Aplicação cumulativa da pena de multa e aumento de pena Se o crime é cometido com o fim de obtenção de vantagem econômica, além da pena privativa de liberdade, será aplicada a pena de multa, como manda o § 1º do art. 218-B. Determina o art. 226 do Código Penal, com as modificações introduzidas pela Lei n° 11.106, de 28.03.2005, que a pena será aumentada em duas situações. Haverá aumento de quarta parte, quando o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas. O aumento incide não apenas quando mais de duas pessoas
6 - Direito Penal III – Ney Moura Teles tiverem executado o procedimento típico, mas também no caso em que haja apenas coautoria intelectual ou participação, bastando a exigência do mínimo de duas pessoas.
Será aumentada de metade quando “o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”. A norma refere-se a agentes que tenham, para com a vítima, uma relação de proximidade familiar ou de ascendência moral, como é o caso do professor, do mestre ou do instrutor, enfim, de todo que exerça alguma autoridade, de fato ou de direito. Se sobre o mesmo fato incidir mais de uma dessas causas de aumento de pena o juiz somente aplicará uma delas, devendo as demais ser levadas em conta no momento da fixação da pena-base como circunstância judicial. Já o art. 234-A determina que a pena seja aumentada de metade, se do crime resultar gravidez, e de um sexto até metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível, de que sabe ou deveria saber ser portador.
7.3
AÇÃO PENAL E SEGREDO DE JUSTIÇA
Dispõe o art. 225 do Código Penal, com a redação dada pela Lei n° 12.015, de 7.08.2009, que a ação penal relativa aos crimes definidos nos Capítulos I, II, do Título VI, é, em regra, de iniciativa pública condicionada à representação, alterando, assim, a regra anterior, que consagrava a ação de iniciativa privada como regra. O parágrafo único, todavia, determina que será de iniciativa pública incondicionada, quando a vitima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. Assim, tratando-se de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, a ação penal é de iniciativa pública incondicionada. Estabelece o art. 234-B que os processos nos quais se apuram os crimes definidos no Título VI tramitarão em segredo de justiça. O fim da norma é, sobretudo, proteger a vítima e o acusado contra qualquer espécie de sensacionalismo. O segredo de justiça não alcança os sujeitos processuais e seus advogados.