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ESTUPRO DE VULNERÁVEL
___________________________ 4.1
CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME A lei 12.015, de 7.08.2009 acrescentou, ao Código Penal, o art. 217-A, contendo
o tipo penal do estupro de vulnerável, assim definido: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. A pena cominada é reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. O § 1° estabelece: “Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.” A nova lei, atendendo antiga reivindicação da Doutrina, baniu do ordenamento jurídico penal a presunção da violência contida no revogado art. 224 do Código Penal, e construiu, para proteger determinadas pessoas, o novo tipo penal, definindo, assim, a conduta proibida, pelo que ninguém mais será punido pelo que não fez, mas só quando realizar o comportamento proibido expressamente pela norma penal incriminadora. O estupro de vulnerável não é, como pensam alguns, uma espécie do crime de estupro, definido no art. 213, porquanto não contém o elemento “constranger” daquele tipo. Um crime só é espécie de outro, quando contiver todos os mesmos elementos do outro e mais um ou alguns, ditos especializantes. Não é o caso do estupro de vulnerável, que é um tipo absolutamente novo, que não é derivado de nenhum outro. Há em comum com o estupro do art. 213, além do nome, os elementos conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A estrutura típica,
2 - Direito Penal III – Ney Moura Teles todavia, é absolutamente diferente. Naquele exige-se constrangimento, neste não há qualquer referência a constrangimento, que pode, contudo, ocorrer. O bem jurídico protegido é a própria pessoa vítima da ação incriminada, o menor e o incapaz de discernir ou de resistir, que, por não deter a capacidade de exercer livremente a sua sexualidade, merece especial proteção do Direito Penal. É o chamado pela lei de vulnerável. A sexualidade é um dos mais importantes atributos do ser humano, que só pode ser exercida segundo a livre vontade da pessoa, qualquer pessoa. Se a pessoa não pode exercer sua vontade, por não entender ou por não ter meios para resistir, deve ser protegida. A pessoa recebe, no art. 217-A, a proteção contra as ações que se voltam para a prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. Sujeito ativo é quem pratica o ato sexual, conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Quando se tratar de prática de conjunção carnal, necessariamente haverá um sujeito ativo do sexo masculino, mas também a mulher pode concorrer para o crime. Sujeito passivo é o homem ou a mulher, menor de 14 anos e, de qualquer idade, incapaz de discernir ou resistir.
4.2
TIPICIDADE O caput do art. 217-A contém o tipo fundamental.
O § 1° a figura típica
equiparada, ampliando o conceito de vulnerável. As formas qualificadas pelo resultado, lesão corporal ou morte, estão contidas nos §§ 2°e 3°. O art. 226 e o art. 234-A contém causas de aumento de pena.
4.2.1 Forma típica simples 4.2.1.1
Conduta
A conduta incriminada é “ter conjunção carnal” ou “praticar ato libidinoso”, isto é, é praticar um ato libidinoso com o sujeito passivo. Diferentemente do estupro do art. 213, não se exige que o agente empregue violência ou grave ameaça para a obtenção da prática do ato libidinoso, conjunção carnal ou outro. Aqui, basta que haja a prática do ato libidinoso com a vítima. O emprego de violência será levado em conta pelo juiz
Estupro de Vulnerável - 3 no momento da fixação da pena.
4.2.1.2
Conceito de vulnerável
Das novas normas é preciso extrair o conceito de “vulnerável”. Tema importantíssimo, exige debate claro e preciso. A princípio poder-se-ia imaginar que vulnerável é a pessoa menor de 14 anos e também aquela que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Ou seja, teríamos aí um conceito absolutamente claro e que não mereceria qualquer comentário, diante da aparente clareza da norma. Trago, todavia, uma primeira indagação: seria a vontade da norma proibir, sob ameaça de sanção penal, a prática de todo e qualquer ato libidinoso com todo e qualquer menor de 14 anos? Se se entender que sim, forçoso é concluir que haverá crime toda vez que a moça ou o rapaz de 13 anos e 11 meses estiver beijando a boca do seu namorado ou da sua namorada. Se um deles for maior de 18 anos, terá cometido o crime deste artigo 217-A, vale dizer, um crime hediondo punido com pena de reclusão de 8 a 15 anos. Se menor, estará sujeito às medidas sócio-educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Do mesmo modo, haverá crime mesmo quando o menor de 14 anos que esteja namorando, com o consentimento dos seus pais, praticar atos libidinosos, ainda que não seja a conjunção carnal, coito anal ou sexo oral, mas outros atos com nítido conteúdo libidinoso, como simples carícias, com nítido conteúdo lidibinoso, por exemplo. Conquanto a mesma Lei n° 12.015, de 7.08.2009, no artigo 225, tenha estabelecido que a ação penal por crime contra vulnerável seja pública incondicionada, nem mesmo os pais poderiam permitir que seus filhos menores de 14 anos namorassem e beijassem a boca do namorado ou da namorada. Um contra-senso, sem dúvida. Por outro lado, não se pode ignorar que há, no mundo moderno, jovens com menos de 14 anos com pleno desenvolvimento físico e psíquico, capazes plenamente de discernir sobre os atos da sexualidade, e, igualmente, perfeitamente aptos a exercê-la com plena liberdade, que, por essa razão, não podem ser proibidos de ter vontade. É evidente que nenhuma lei pode impedir alguém com capacidade plena de exercer livremente a sua sexualidade. O que a lei deve é proteger o menor que não esteja apto a exercer a sexualidade livremente.
4 - Direito Penal III – Ney Moura Teles Por essa razão, é preciso interpretar a norma do caput do art. 217-A em harmonia com a norma contida no seu § 1° e daí extrair o conceito de vulnerável. A vulnerabilidade está contida nas exigências de “discernimento para a prática de ato libidinoso” e “possibilidade de resistir”, ou seja, só é vulnerável, e por isso, alcançado pela proteção da norma, a pessoa que não tem discernimento ou não pode resistir, isto é, quem não pode ter vontade livre. Quem não sabe discernir, isto é, quem não tem capacidade de entendimento, não pode escolher entre fazer ou não fazer. E quem, mesmo tendo capacidade de entendimento, não pode, por qualquer razão, resistir, não tem liberdade de agir. Por isso está na situação de vulnerabilidade. Quem, de outro modo, tem plena capacidade de entendimento, sabendo discernir entre praticar ou não o ato libidinoso, e não esteja, por qualquer razão, impedido de resistir, não precisa da proteção penal e pode exercer livremente a sua sexualidade. Não pode ser vítima de crime algum, se pratica o ato libidinoso. Vulnerável, portanto, é a pessoa menor de 14 anos que não tem o necessário discernimento para a prática do ato libidinoso ou que não pode oferecer resistência e também a pessoa, de qualquer idade, que, portadora de enfermidade ou deficiência mental, não tem aquele discernimento, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Não será, portanto, todo e qualquer menor de 14 anos que será considerado vulnerável, mas apenas aquele que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Por outro lado, a enfermidade ou a deficiência mental deve ser daquelas que implicam na perda da capacidade de entendimento, de discernimento. Não será, por isso, todo e qualquer portador de enfermidade mental ou de deficiência mental que será considerado vulnerável. A enfermidade ou a deficiência devem ser a causa da incapacidade de discernir, devidamente demonstrada por perícia, na qual os expertos afirmarão a ausência do necessário discernimento para a prática do ato libidinoso. Igualmente deve ser aferida, com prova técnica, a outra causa que determine a impossibilidade da vítima oferecer resistência. Essa é a única interpretação harmônica com os princípios maiores que inspiram a construção do Direito Penal, como o da lesividade e o da dignidade da pessoa humana.
4.2.1.3
Outros elementos objetivos e normativos
Estupro de Vulnerável - 5 Conjunção carnal é o coito vagínico, a introdução do pênis na vagina da mulher. É a intromissão do órgão genital masculino no interior da cavidade vaginal, ou seja, no órgão genital feminino. É
também
chamada
de cópula vagínica
ou cópula vaginal.
Outras
denominações, como ato sexual “normal”, relação sexual “normal” entre homem e mulher, traduzem, evidentemente, um forte conteúdo de padronização da sexualidade como se todos os demais atos inerentes à sexualidade humana devessem ser considerados anormais, o que não se harmoniza com a compreensão da sexualidade como atributo da pessoa não enquadrável em parâmetros de moralidade pública. Libido é o desejo sexual. Ato libidinoso é todo ato de satisfação da libido, isto é, de satisfação do desejo ou apetite sexual da pessoa. São atos libidinosos mais comuns a conjunção carnal, o coito anal, a prática de sexo oral, a masturbação e o beijo lascivo. Não só estes, mas todo e qualquer ato humano realizado com o fim de satisfazer ao desejo sexual, realizado isoladamente ou em relação a outra pessoa. Apalpar ou abraçar, lamber ou simplesmente tocar partes do corpo humano podem ser atos libidinosos. Desnudar ou despir alguém também. Realizar aquelas ações com objetos que imitem ou não o corpo ou partes do corpo humano, igualmente, pode constituir ato libidinoso. É que o ato é libidinoso objetiva e subjetivamente, revelando-se externamente e também no interior da psique humana. Na grande parte dos atos libidinosos a satisfação da libido ressalta de modo claro e induvidoso já na exteriorização de sua própria materialidade, dispensando-se qualquer investigação sobre esse elemento subjetivo, que emerge limpidamente da própria ação realizada, a qual envolve, quase sempre, o contato com órgãos genitais ou partes íntimas do corpo humano. Noutros casos, entretanto, é preciso perquirir sobre a intenção do agente. Um simples beliscão na barriga de uma jovem pode ter sido dado com intuito de brincadeira ou com libidinosidade, como se verá adiante. Toda pessoa é livre para buscar a satisfação de sua libido do modo como bem entender, desde que o faça respeitando a liberdade das outras pessoas. Assim, o homem e a mulher são livres para buscar o prazer sexual utilizando qualquer recurso, sozinhos, a dois ou a três, não importa, através de beijos voluptuosos, do contato corporal, com a língua, mãos, pés etc., em conjunto com outra pessoa ou até mesmo com objetos, desde que sem ultrapassar os limites impostos pela norma penal incriminadora. Não há, no interior do tipo, qualquer elemento de natureza moral ou de ofensa ao pudor coletivo, mas pura e simplesmente a consideração da violação da liberdade
6 - Direito Penal III – Ney Moura Teles individual voltada para a sexualidade, porquanto contra o vulnerável, incapaz de discernir ou resistir. De conseqüência não se irá valorar o ato libidinoso levando em conta qualquer elemento normativo que se sustente em conceitos como os de moral, pudor, consciência
coletiva,
recatamento,
pureza
etc.
Basta
que
seja
libidinoso,
independentemente de ser ou não contrário aos bons costumes ou agressivo de qualquer sentimento moral. A conjunção carnal e o ato libidinoso proibidos são aqueles obtidos pelo agente com o vulnerável, independente de empregar violência. Basta que a pessoa seja vulnerável. Também, é de todo óbvio, haverá o crime de estupro de vulnerável quando o agente empregar violência ou de grave ameaça. A propósito, remeto o leitor ao item 1.2.1.2.
4.2.1.3
Elemento subjetivo
O estupro de vulnerável é, obviamente, um crime doloso. Atua o agente, portanto, com a plena consciência de sua conduta, que é a de ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso. Age com a vontade livre de introduzir o pênis na vagina da vítima. Vontade de praticar conjunção carnal. Consciência e vontade em relação ao ato libidinoso. O dolo abrange, é certo, a condição de vulnerável da vítima, isto é, o agente deve saber que está tendo conjunção carnal ou praticando ato libidinoso com menor de 14 anos, ou com pessoa enferma ou deficiente mental, bem assim a consciência da incapacidade de discernir ou resistir, do vulnerável. O erro sobre a idade da vítima ou sobre a sua condição de vulnerável excluirá o dolo, e, portanto, o crime, consoante determina o art. 20 do Código Penal. Há, como já se disse, atos materiais que, em sua aparência, não são, necessariamente, libidinosos. Abraços, beijos, carícias corporais e até mesmo um toque de mão na mão podem ou não ser realizados sem qualquer carga de libidinosidade. Nessas hipóteses, é preciso buscar, no interior da mente do agente, a intenção libidinosa, para o reconhecimento da incidência do tipo. Isto não quer dizer, entretanto, que se exige, para a realização do tipo, que o agente esteja, necessariamente, imbuído do intento libidinoso. Pode ocorrer que sua conduta, de praticar o ato libidinoso com a vítima, tenha como finalidade vingar-se da
Estupro de Vulnerável - 7 vítima, dela desdenhar, ofender sua integridade moral através, por exemplo, de um coito anal. O ato é libidinoso, mas o agente pode tê-lo praticado com a finalidade de humilhar e não para satisfazer a sua libido. Neste caso, penso, ele comete dois crimes, em concurso formal heterogêneo imperfeito: estupro de vulnerável e injúria real. Quando o agente apalpa, rápida e furtivamente, partes íntimas do corpo da vítima, ou aplica-lhe um beijo, e o faz sem a intenção de satisfazer à própria libido, mas com a intenção de violar a dignidade ou o decoro, haverá tão-somente o crime de injúria.
4.2.1.4
Consumação e tentativa
A consumação acontece quando há introdução do pênis na vagina, a qual não necessita ser completa ou profunda, nem se exige que o agente tenha ejaculado ou que haja rompimento da membrana himenal, ou quando se realiza o outro ato libidinoso, ainda que incompleto. A tentativa é a execução inacabada do procedimento típico por circunstâncias alheias à vontade do agente. O estupro de vulnerável, sendo crime material, exige a produção do resultado, que se realiza com a participação do agente: a conjunção carnal ou o outro ato libidinoso. Sem início da execução, não há tentativa.
4.2.5 Formas qualificadas pelo resultado O § 2º do art. 217-A, primeira parte, estabelece: “Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. O § 3º dispõe: “Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.” Lesão corporal de natureza grave é um dos resultados descritos nos §§ 1º e 2º do art. 129. O § 1º e o § 2º exigem que o resultado qualificador decorra da conduta realizada, ou seja, que haja nexo causal entre a conduta – conjunção carnal ou prática de ato libidinoso – e o resultado lesão corporal grave ou morte. Incidirá a qualificadora do caput quando a lesão corporal de natureza grave tiver sido causada pela conduta realizada pelo agente para a conjunção carnal ou para a prática do ato libidinoso, antes ou durante o transcorrer do procedimento típico. Lesões
8 - Direito Penal III – Ney Moura Teles corporais simples ou vias de fato são absorvidas pelo tipo básico. A morte que qualifica o estupro de vulnerável pode ter sido causada por qualquer causa eficiente e integrante do fato, como, por exemplo, um enfarto na vítima ou a ingestão da substância entorpecente que o agente, fraudulentamente, ministrou à vítima, para minar-lhe a capacidade de resistência. Mas, é óbvio, o resultado mais grave, antes como agora, pode ter sido produzido por uma ação do agente, que tenha sido realizada com a finalidade de neutralizar a resistência da vítima, minando-lhe as forças, para obter a conjunção carnal ou a prática do ato libidinoso. Mas pode decorrer, simplesmente, do próprio ato sexual ou de possíveis desproporções físicas entre os órgãos sexuais de agente e vítima, e, portanto, da própria concretização do ato libidinoso. Mas, não basta que exista nexo causal entre a violência ou a grave ameaça e a lesão corporal ou a morte. É preciso que, em relação a esses resultados qualificadores, tenha o agente se comportado culposamente, isto é, com negligência, imprudência ou imperícia. É que, se o agente tiver atuado com dolo quanto ao resultado mais grave – desejando-o ou aceitando-o –, haverá concurso material ou formal imperfeito de dois crimes, estupro de vulnerável e lesão corporal grave ou estupro de vulnerável e morte. Assim, o estupro de vulnerável com lesão corporal ou morte é um crime preterdoloso.
4.2.6 Aumento de pena Determina o art. 226 do Código Penal, com as modificações introduzidas pela Lei n° 11.106, de 28.03.2005, que a pena será aumentada em duas situações. Haverá aumento de quarta parte, quando o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas. O aumento incide não apenas quando mais de duas pessoas tiverem executado o procedimento típico, mas também no caso em que haja apenas coautoria intelectual ou participação, bastando a observação do mínimo de duas pessoas.
Será aumentada de metade quando “o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”. A norma refere-se a agentes que tenham, para com a vítima, uma relação de proximidade familiar ou de ascendência moral, como é o caso do professor, do mestre ou do instrutor, enfim, de todo que exerça alguma autoridade, de fato ou de direito.
Estupro de Vulnerável - 9 Se sobre o mesmo fato incidir mais de uma dessas causas de aumento de pena o juiz somente aplicará uma delas, devendo as demais ser levadas em conta no momento da fixação da pena-base como circunstância judicial. Já o art. 234-A determina que a pena seja aumentada de metade, se do crime resultar gravidez, e de um sexto até metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível, de que sabe ou deveria saber ser portador. O aumento incidirá em todos os casos. De estupro de vulnerável simples e nas formas qualificadas.
4.2.7 Concurso de crimes e conflito aparente de normas Possível o concurso material e formal e também a continuidade delitiva. Se após o estupro de vulnerável o agente mata a vítima, para assegurar a impunidade do crime, há concurso material com o homicídio qualificado. Se depois de estuprá-la subtrair coisas alheias da casa, há concurso com furto ou roubo. O mesmo quando, concluído o crime sexual, priva a vítima de sua liberdade, seqüestrando-a ou mantendo-a em cárcere privado. Não há concurso formal com o crime descrito no art. 130 ou no art. 131 do Código Penal, quando o agente sabe ou deveria saber que está contaminado de doença sexualmente transmissível e contamina a vítima, uma vez que tal circunstância foi erigida como causa de aumento de pena, do art. 234-A. Se o agente, ao estuprar, deseja também a morte da vítima ou a causação de lesões corporais graves, através da própria conjunção carnal, o concurso será formal imperfeito com lesão corporal grave ou homicídio, porque presentes desígnios autônomos, aplicando-se a pena cumulativamente segundo a regra do concurso formal. A continuidade delitiva pode ser reconhecida no caso de mais de um estupro, inclusive contra vítimas diferentes, desde que realizados os pressupostos do art. 71 – nexo de continuação, necessariamente, por harmoniosas condições de tempo, lugar e modo de execução –, bem assim os de seu parágrafo único. Se o agente, no mesmo contexto fático, após ter a conjunção carnal, pratica com o vulnerável outro ato libidinoso, haverá crime único, conforme expliquei, acerca do crime de estupro, no item 1.2.4, cuja leitura recomendo.
4.2.8 Crime hediondo
10 - Direito Penal III – Ney Moura Teles
A Lei 12.015, de 7.08.2009, no seu 4° mandou considerar hediondos o estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o) e também o estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o). Então todo e qualquer estupro, próprio e de vulnerável, em qualquer das suas formas, simples ou qualificada, é crime hediondo.
4.3
AÇÃO PENAL E SEGREDO DE JUSTIÇA Dispõe o art. 225 do Código Penal, com a redação dada pela Lei n° 12.015, de
7.08.2009, que a ação penal relativa aos crimes definidos nos Capítulos I, II, do Título VI, é, em regra, de iniciativa pública condicionada à representação, alterando, assim, a regra anterior, que consagrava a ação de iniciativa privada como regra. O parágrafo único, todavia, determina que será de iniciativa pública incondicionada, quando a vitima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. Assim, tratando-se de estupro de vulnerável, a ação penal é de iniciativa pública incondicionada. Estabelece o art. 234-B que os processos nos quais se apuram os crimes definidos no Título VI tramitarão em segredo de justiça. O fim da norma é, sobretudo, proteger a vítima e o acusado contra qualquer espécie de sensacionalismo. O segredo de justiça não alcança os sujeitos processuais e seus advogados.