9 FAVORECIMENTO
DA
PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE
EXPLORAÇÃO
SEXUAL
_____________________________________
9.1
CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O art. 228 do Código Penal, com a redação determinada pela Lei nº 12.015, de
7.08.2009l, contém a descrição típica: “induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone”. A pena: reclusão, de dois a cinco anos e multa. O bem jurídico protegido é o interesse da sociedade em que a prostituição ou outra forma de exploração sexual não seja disseminada, incentivada, facilitada, tutelando, ainda, o direito da pessoa de não se prostituir ou o de deixar de exercer a prostituição. Nesse sentido protege a liberdade individual. Não há proteção à moral ou aos bons costumes. Sujeito ativo é qualquer pessoa que realiza a conduta. Sujeito passivo é, igualmente, qualquer pessoa, homem ou mulher, de qualquer condição social, inclusive a que já exerce a prostituição, em relação às duas últimas figuras típicas. Modernamente também o homem tem-se prostituído, daí que também ele pode ser sujeito passivo desse crime. Quando o sujeito passivo é menor de 18 anos ou vulnerável, o fato se ajustará ao tipo do art. 218-B.
9.2
TIPICIDADE O tipo fundamental está no caput do art. 228. O § 1º e o § 2º contém as formas
qualificadas e o § 3º refere-se ao fim de lucro que também qualifica o crime.
2 - Direito Penal III – Ney Moura Teles
9.2.1 Forma típica simples 9.2.1.1
Conduta
São os seguintes os verbos empregados no tipo: induzir, atrair, facilitar, impedir e dificultar. Deles decorrem as condutas proibidas. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou à outra forma de exploração sexual. Impedir ou dificultar alguém de deixar a vida em que se encontra, de prostituição ou de exploração sexual. Facilitar a prostituição ou outra forma de exploração sexual. As condutas são, em regra, comissivas, todavia podem algumas ser realizadas também por omissão, como se verá a seguir.
9.2.1.2
Elementos objetivos e normativos
Prostituição é a atividade laborativa lícita, através da qual uma pessoa celebra, com qualquer pessoa que a procure, um contrato de prestação de serviços de natureza sexual, mediante o pagamento de um preço, acordado entre os dois. Apesar de atividade lícita, o Direito busca coibir seja incentivada e explorada por pessoas que se aproveitam de quem a exerce. Não incrimina seu exercício, mas pune aquele que realizar determinados comportamentos tendentes a incrementá-la no seio da sociedade. O tipo também se refere a outras formas de exploração sexual. É que a prostituição é só uma espécie de exploração sexual. O fim da norma é alcançar todas as formas sofisticadas de exploração sexual, e não apenas a tradicional prostituição. Modernamente pode-se conceituar a exploração sexual como uma dominação e abuso do corpo de crianças, adolescentes e adultos, por exploradores sexuais, organizados em rede de comercialização local e global, ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos. São espécies de exploração sexual: a prostituição, o turismo sexual, a pornografia e o tráfico para fins sexuais. Turismo sexual é o comércio sexual que se desenvolve em cidades turísticas, com nacionais e estrangeiros. Pornografia é a produção, exibição, distribuição, venda, compra, posse e utilização de material pornográfico. Tráfico para fins sexuais é o movimento clandestino e ilícito de pessoas através das fronteiras nacionais, com o fim de forçar pessoas a ingressarem em situações sexualmente opressivas e exploradoras,
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual - 3 com fim de lucro.1 Induzir quer dizer persuadir, convencer, aconselhar, fazer nascer na vontade de alguém a vontade de entregar-se ao exercício da prostituição ou a alguma outra forma de exploração sexual. Atrair tem significado muito parecido com induzir. É, também, fazer com que a vítima se interesse pela exploração sexual, nela ingressando. Facilitar é realizar qualquer ato no sentido de proporcionar melhores condições, especialmente materiais, para o exercício da prostituição ou de atividade de exploração sexual. Alcança o agenciamento de clientes, a oferta de local para os encontros, o fornecimento de vestuário, veículos, agenda telefônica contendo informações sobre clientes, publicação de anúncios em jornais, enfim, qualquer ato que contribua para a prostituição de alguém ou de várias pessoas. As duas últimas ações típicas são impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual. Significam impossibilitar, obstar, criar empecilho capaz de manter alguém exercendo o meretrício ou dedicando-se à outra forma de exploração sexual. Assim, quando o agente convence ou pressiona a vítima a permanecer na vida de prostituição ou pratica atos materiais que a impeçam de conseguir dedicar-se a outras atividades laborais. Normalmente a conduta é comissiva, mas é possível que o garante a realize por omissão quando, por exemplo, tendo o dever de, protegendo a menor, proporcionar-lhe meios de subsistência ou outra atividade laborativa, permite que ela se prostitua.
9.2.1.3
Elemento subjetivo
É crime doloso. Atua o agente com consciência de que está induzindo ou atraindo a vítima para a prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitando esta ou impedindo ou dificultando que a pessoa a abandone, e vontade livre de realizar a conduta, sem qualquer outro fim, senão o de contribuir para o exercício da prostituição.
9.2.1.4 1
Consumação e tentativa
Cf. Faleiros, Eva T. Silveira; Campos, Josete de Olveira. Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e de adolescentes. Apud Cunha, Rogério Sanches, Comentários à Reforma Criminal de 2009, Ed. Revista dos Tribunais, 2009, pág. 58/9.
4 - Direito Penal III – Ney Moura Teles O momento consumativo varia conforme a descrição típica. Nas modalidades de induzimento e atração da vítima e de impedimento do abandono da prostituição, o crime consuma-se quando a vítima começa a exercer a prostituição ou nela permanece, não sendo necessário que ela pratique um ato de comércio sexual. Basta que se tenha integrado ou permanecido no ambiente destinado à prostituição ou outra forma de exploração sexual. Assim, quando a vítima, induzida ou atraída, dirige-se à rua onde outras pessoas oferecem-se para os clientes interessados. Ou quando a vítima que pretendia abandonar a vida que levava, deixa de fazê-lo continuando a ofertar seu corpo em troca de pagamento. Na modalidade de facilitação da prostituição ou outra forma de exploração sexual a consumação acontece quando o agente pratica o ato de colaboração, quando aluga a casa destinada aos encontros ou entrega a agenda de clientes para a prostituta, enfim, quando contribui, efetivamente, para a prostituição. É possível a tentativa desse crime, nas modalidades de induzimento, atração e impedimento desde que, nada obstante a conduta do agente, a vítima não realiza o que ele dela esperava, isto é, não ingressando na vida de prostituição ou deixando-a.
9.2.2 Formas qualificadas O § 1º, com a redação dada pela Lei 12.015, de 7.08.2009, contém a primeira forma qualificada, assim: “Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena – reclusão, de 3(três) a 5 (oito) anos.” É circunstância que qualifica o crime uma das relações entre ela e o agente, referidas no preceito. A norma refere-se a agentes que tenham, para com a vítima, uma relação de proximidade familiar ou de ascendência moral, como é o caso do professor, do mestre ou do instrutor, enfim, de todo que exerça alguma autoridade, de fato ou de direito. Alcança os professores, educadores, diretores de estabelecimentos de ensino, de saúde, internatos, externatos, casas de internação de menores, enfim, pessoas que estejam exercendo um poder de autoridade, decorrente das relações de tratamento e guarda. Estando o agente nas condições referidas na norma, merecerá maior reprovação pela violação do decorrente dever, legal ou jurídico, de proteger a vítima.
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual - 5 Também será qualificado o crime, se o agente estiver na posição de garante, isto é, se, por lei ou por contrato, tiver assumido a obrigação de proteção, guarda ou vigilância. Essas pessoas – as que têm o dever legal de proteção, guarda e vigilância, e as que de outra forma assumiram a responsabilidade de impedir o resultado lesivo, e as que, com comportamento antecedente, criaram a situação de risco de ocorrer o resultado – são denominadas garantes, as quais estão obrigadas a agir para impedir que qualquer resultado lesivo aconteça com as pessoas que devem proteger, guardar e vigiar. Quando elas mesmas realizam a conduta descrita no tipo, o crime será qualificado, merecendo reprimenda mais severa. O § 2º do art. 228, com a redação dada pela Lei nº 12.015, de 7.08.2009, contém a segunda qualificadora: “Se o crime é cometido com o emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, além da pena correspondente à violência.” A segunda forma qualificada cuida dos meios empregados pelo agente para induzir ou atrair a vítima, para impedi-la de deixar a prostituição ou outra forma de exploração sexual ou para facilitá-la. Se usa violência, grave ameaça ou fraude, a pena será de reclusão de quatro a dez anos (§ 2º do art. 228). Por violência devem-se entender as lesões corporais, leves, graves ou gravíssimas e também as vias de fato. Grave ameaça é a promessa da causação de um mal importante. Fraude é o engodo, o engano, o meio que o agente emprega para manter a vítima em erro ou levá-la a apreciar mal a realidade. Além da pena mais severa o agente responderá, em concurso material, pelo crime contra a pessoa decorrente do emprego da violência – lesão corporal ou morte. Por fim, o § 3º do art. 228 estabelece a última figura qualificada: “Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também a multa.” A última circunstância qualificadora, definida no § 3º do art. 228, é o elemento subjetivo que move o agente: fim de lucro. Incidirá sobre o fato concreto, quando o agente, ao induzir, atrair a vítima para a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou impedi-la de abandoná-la, buscava a satisfação de um lucro pessoal. Esse proveito é de natureza econômica e não precisa ser efetivamente obtido pelo agente para a incidência da qualificadora, que impõe, além da pena privativa de liberdade, a pena de multa.
6 - Direito Penal III – Ney Moura Teles
9.3
AUMENTO DE PENA O art. 234-A determina que a pena seja aumentada de metade, se do crime
resultar gravidez, e de um sexto até metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível, de que sabe ou deveria saber ser portador. Este último aumento não se aplica ao agente do crime do art. 228, pela absoluta incompatibilidade lógica.
9.4 AÇÃO PENAL E SEGREDO DE JUSTIÇA
A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. Estabelece o art. 234-B que os processos nos quais se apuram os crimes definidos no Título VI tramitarão em segredo de justiça. O segredo de justiça não alcança os sujeitos processuais e seus advogados. O fim da norma é, sobretudo, proteger a vítima e o acusado contra qualquer espécie de sensacionalismo.