VOLUME 02 - 52

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52 ESTELIONATO

_____________________________ 52.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O tipo fundamental do estelionato está inserto no caput do art. 171: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.” A pena é reclusão, de um a quatro anos, e multa. O bem jurídico protegido é o patrimônio. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. É quem realiza a conduta típica, induzindo ou mantendo alguém em erro, obtendo a vantagem ilícita. Sujeito passivo é qualquer pessoa que sofra a lesão patrimonial e também a enganada se o dano não recair sobre esta.

52.2 TIPICIDADE 52.2.1 Conduta A conduta é induzir ou manter alguém em erro, através do emprego de um artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento. É, portanto, fazer nascer ou conservar, na mente de alguém, uma falsa percepção da realidade, a partir da qual essa pessoa atuará no mundo externo, fazendo ou deixando de fazer alguma coisa. A conduta pode ser positiva ou negativa. O agente pode atuar no mundo externo


2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles realizando um movimento corporal ou simplesmente omitindo-se, deixando de agir, inclusive, silenciando sobre algo que devia esclarecer, enganando, assim, a vítima. A vítima é enganada, ludibriada e, ignorando a realidade, faz ou deixa de fazer alguma coisa, desse comportamento resultando uma vantagem ilícita para o agente ou terceira pessoa e um prejuízo, próprio ou alheio.

52.2.2

Elementos objetivos e normativos

Erro, nunca é demais repetir, é a falsa percepção da realidade. É ver em algo o que não é. É captar as coisas como elas não são. É reconhecer nelas o que nelas não há. No estelionato, a vítima erra. O induzimento ou a manutenção da vítima em erro deve-se dar através de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Na primeira hipótese, o erro não existia e o agente o criou. Na segunda, a vítima já se encontrava em erro e o agente simplesmente assim a manteve. Artifício é o meio que modifica o aspecto ou a estrutura da realidade dos fatos ou das coisas, através de aparatos materiais. O aspecto é a aparência externa. A estrutura é sua substância, seus elementos interiores. É a encenação. A realidade é modificada de modo a que a vítima a compreenda mal. Ardil é o meio que, sem alterar a realidade, atua diretamente sobre a mente da vítima através de palavras enganosas do agente, escritas ou orais, que convence a vítima acerca da realidade, que resta alterada em sua percepção. A realidade não é alterada, mas o agente faz, com sutileza e habilidade, com que a vítima a imagine diferente do que é. Outro meio fraudulento é qualquer um que, à semelhança do artifício ou do ardil, possa conduzir a vítima ao logro, ao engodo. O meio utilizado deve ser idôneo, apto a ludibriar a vítima, com potencialidade para levá-la a erro. Se o agente tenta convencer a vítima a comprar-lhe uma propriedade imobiliária no planeta Marte, é evidente que não haverá sequer tentativa de estelionato. O estelionato é crime de resultado. O agente deve obter uma vantagem ilícita, em prejuízo da vítima. A vantagem pode ser obtida para outrem. E o prejuízo pode ser causado à pessoa diversa da que é induzida ou mantida em erro. Vantagem ilícita é a indevida, injusta, aquela a que o sujeito ativo não tinha direito.


Estelionato - 3 Cuida-se, é certo, de vantagem de natureza econômica, como a obtenção da propriedade, de um bem móvel ou imóvel, de um direito de crédito, dinheiro ou do uso, ainda que temporário, de um bem. O prejuízo é o dano patrimonial, econômico, existente ainda na simples impossibilidade de a vítima auferir um pagamento que lhe seja devido. Se o agente tinha o direito a obter a vantagem e usa de meio fraudulento para tanto, enganando a vítima que lhe devia, não haverá estelionato, mas exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP).

52.2.3

Elementos subjetivos

É crime doloso. A consciência do agente deve alcançar todos os elementos do tipo. A conduta, o meio utilizado, a ilicitude da vantagem que busca obter e o prejuízo a ser causado. Além disso, deve estar presente a finalidade especial que é a obtenção da vantagem ilícita para si ou para outrem. O erro sobre a ilicitude da vantagem, excluindo o dolo, descaracteriza a tipicidade do fato. Deve, nesse caso, responder o agente por exercício arbitrário das próprias razões. Não há forma culposa.

52.2.4

Consumação e tentativa

Crime material, consuma-se o estelionato com a efetiva obtenção da vantagem ilícita, concomitante à realização do prejuízo para a vítima. Assim que a vítima sofre o decréscimo patrimonial, o crime está consumado. Sem prejuízo, haverá apenas tentativa.

52.2.5

Estelionato privilegiado

O § 1º do art. 171 permite a substituição da pena de reclusão pela de detenção, sua redução de um a dois terços ou a aplicação apenas da pena de multa, se o agente é primário e for de pequeno valor o prejuízo sofrido pela vítima. Há diferença com relação ao furto privilegiado. Se, em ambos os privilégios, o agente deve ser primário, no estelionato não se trata de coisa de pequeno valor, mas de prejuízo de pequeno valor.


4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles Considera-se de pequeno valor o prejuízo que não ultrapassa o valor de um salário mínimo, que, deve, a meu ver, ser considerado como parâmetro para sua verificação, podendo o juiz, considerando as condições pessoais de agente e vítima, reconhecer o privilégio mesmo quando o prejuízo for superior a um salário mínimo. Deve sopesar os dois lados: agente e vítima. Se o prejuízo desta, embora pequeno, corresponder a uma vantagem de monta para o agente, não há privilégio. Se, igualmente, a vantagem é pequena, mas o prejuízo representa um desfalque patrimonial considerável, face às condições pessoais da vítima, não se reconhecerá o benefício. Na tentativa, em que não há prejuízo, é possível reconhecer o privilégio, e o juiz, para tanto, deve considerar o valor do prejuízo que o agente pretendia e não conseguiu causar à vítima. Em ambos os casos, deve ser considerado o valor do prejuízo no momento da ação ou da omissão típica, porque é aí que se considera praticado o crime. A reparação do dano, parcial ou total, não tem qualquer repercussão na tipicidade do fato. O ressarcimento feito pelo agente após a consumação do fato não afeta a adequação típica. Se realizada antes do recebimento da denúncia, será causa de diminuição da pena nos termos do art. 16 do Código Penal. Se depois da instauração da ação penal, funcionará como atenuante da pena, consoante dispõe o art. 65, III, b, do Código Penal.

52.2.6

Aumento de pena

A pena será aumentada de um terço se o estelionato é cometido em prejuízo de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência (art. 171, § 3º, CP). Alcançam o preceito os entes públicos federais, estaduais, do Distrito Federal e também dos Municípios, inclusive as autarquias e as paraestatais.

52.3 AÇÃO PENAL A ação penal é pública, incondicionada. É condicionada à representação do


Estelionato - 5 ofendido que seja o cônjuge judicialmente separado, irmão, tio ou sobrinho com quem o agente coabita (art. 182, I a III, CP). No estelionato sem causa de aumento, é possível a suspensão condicional do processo penal, prescrita no art. 89 da Lei nº 9.099/95.


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