VOLUME 03 - 124

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124 EXERCÍCIO

ARBITRÁRIO

DAS

PRÓPRIAS RAZÕES

_____________________________ 124.1

CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS

DO CRIME No art. 345 do Código Penal está o modelo de fato proibido: “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”. A pena é detenção, de 15 dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. O bem jurídico protegido é a administração da justiça, o interesse estatal em que os litígios sejam compostos exclusivamente através das vias legais, contra ações do particular que pretende substituir-se à ação da autoridade pública judiciária. Sujeito ativo é qualquer pessoa que realizar a conduta tipificada na norma penal incriminadora. Sujeito passivo é o Estado e também a pessoa que sofre a lesão decorrente da conduta, se houver.

124.2

TIPICIDADE

124.2.1Conduta e elementos do tipo A locução verbal contida no tipo é fazer justiça, que significa satisfazer a uma pretensão resistida por uma pessoa, pelas próprias mãos e não através do acionamento da atuação do poder judiciário. De conseqüência, o tipo exige que o agente tenha uma pretensão, uma postulação, a respeito de um seu direito, de qualquer natureza, real, pessoal, de família etc. Pressupõe,


2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles portanto, a existência de uma lide, de um conflito de interesses entre o agente e outra pessoa, de modo que aquele, em vez de buscar a prestação jurisdicional, resolve, por si mesmo, buscar a satisfação de seu interesse, pelas próprias mãos, ainda que, para tanto, conte com o auxílio de outra pessoa, ou seja, de mãos alheias, havendo, nesse caso, coautoria ou participação do terceiro. A conduta pode ser realizada por qualquer meio, com o emprego de violência, de fraude, de grave ameaça, de destruição ou subtração, enfim, de qualquer ação que corresponda à satisfação da pretensão do agente e também por omissão. A pretensão do agente pode ser legítima, quando ele tem, efetivamente, direito ao reconhecimento do interesse perante o Poder Judiciário, e também ilegítima, quando ele supõe, por erro, sua legitimidade. Todavia é essencial que ela seja juridicamente possível, isto é, que possa ser satisfeita por meio da intervenção jurisdicional, que o agente não provoca. Não é possível, por isso, reconhecer a existência do crime quando a pretensão do agente é daquelas que, ainda quando ele a suponha legítima, não podem ser objeto de decisão judicial, como por exemplo a do agente que obriga sua mulher à conjunção carnal, por entender que lhe é lícito exigi-la. Comete estupro e não exercício arbitrário das próprias razões, porque sua pretensão não é passível de ser satisfeita por intervenção do Poder Judiciário. A pretensão pode ser própria ou de terceira pessoa, em cujo nome o agente atua. O tipo contém o elemento normativo: salvo quando a lei o permite, excludente da ilicitude já no próprio âmbito da tipicidade. Assim, aquele que defende a posse de esbulho ou turbação, por estar no exercício regular de direito, não pratica crime algum, desde que os atos de desforço sejam apenas os necessários para manter-se ou restituir-se na posse, conforme preceitua a lei civil, no § 1º do art. 1.210 do Código Civil: “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse”. Quando a conduta do agente consistir na subtração, destruição ou danificação de coisa de sua propriedade que esteja na posse de terceira pessoa em virtude de determinação judicial ou de contrato, o fato se ajustará ao tipo do art. 346, adiante comentado.


Exercício Arbitrário das Próprias Razões - 3 É crime doloso. O agente deve estar consciente da conduta e agir com livre vontade de realizar o tipo. Exige a norma a presença do elemento subjetivo, contido na fórmula para satisfazer pretensão, embora legítima. Deve o agente estar consciente da legitimidade de sua pretensão, ainda quando ela não o seja, mas ele a supõe, e agir com o fim de sua satisfação. Se o agente sabe que sua pretensão é ilegítima, cometerá outro delito, como o furto, o dano, as lesões corporais, a apropriação indébita, ameaça, violação de domicílio etc.

124.2.2

Consumação e tentativa

A consumação acontece no instante em que o agente realiza a conduta que visa à satisfação da pretensão, não sendo necessário que a obtenha. Assim, quando emprega a violência, a ameaça, a fraude, a subtração, realiza o dano etc., ainda quando não consiga obter o pretendido, o crime estará consumado. A tentativa é possível quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não consegue ele a satisfação de sua pretensão, bem assim quando é impedido de utilizar do meio escolhido para a realização do tipo. O agente estará sujeito às penas correspondentes ao delito contra a pessoa realizado com o emprego da violência, em concurso material.

124.2.3

Conflito aparente de normas

A Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, definiu, entre outros, dois tipos penais que, a meu ver, afastam a incidência da norma do art. 345. No art. 103, do Estatuto do Idoso, está o seguinte tipo: “negar acolhimento ou a permanência do idoso, como abrigado, por recusa deste em outorgar procuração à entidade de atendimento”. A pena é detenção de 6 meses a 1 ano e multa. No art. 104: “reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida”. A pena é detenção de 6 meses a 2 anos e multa. Idoso é quem tem idade igual ou superior a 60 anos.


4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles A Lei nº 10.741/2003, publicada no DOU de 3-10-2003, vigora noventa dias após sua publicação.

124.3 AÇÃO PENAL A ação penal é de iniciativa pública incondicionada a não ser quando o fato é praticado sem o emprego de violência, em que a ação penal é de iniciativa privada, conforme determina o parágrafo único do art. 345. A competência é do juizado especial criminal, possível a suspensão condicional do processo penal, devendo o intérprete atentar para o caso de concurso material com o crime contra a pessoa, o qual pode modificar a competência e impossibilitar a concessão do sursis processual.


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